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Obra-Prima

Em Cem anos de solidão, Gabriel Garcia Márquez narra a incrível e triste história
dos Buendía - a estirpe dos solitários para a qual não será dada uma segunda
oportunidade sobre a terra. O livro também pode ser entendido como uma
autêntica enciclopédia do imaginário.

Foi em meados de 1965, após passar um final de semana com a família em


Acapulco, que Gabriel García Márquez começou a escrever Cem Anos de Solidão.
Foram dezoito meses de exclusiva dedicação, um período mais extenso do que
estimara ao abandonar o emprego, ocasionando dificuldades que, muitas vezes,
não seriam contornadas sem o auxílio dos amigos.

Se muito já foi escrito sobre este período, pouco se sabe sobre a construção do
romance, isto é, permanece obscura a engenharia sobre a qual foi edificado o
universo de Macondo. Um mistério criado pelo próprio escritor que, ao receber o
primeiro exemplar impresso, rasgou a maioria do material referente ao projeto,
tornando inacessível seus truques e à carpintaria secreta por trás de sua obra
máxima. Do que restou, o documento mais importante é a primeira cópia das
provas de impressão onde estão anotadas 1.026 correções de seu próprio punho,
deixando à mostra modificações e inflexões que denotam meticulosidade e
perfeccionismo.

Considerado o mais importante romance da literatura latino-americana, sua


história apresenta a vida de uma família ao longo de um século, um período que
se estende da fundação de Macondo pelo seu patriarca até a morte do seu último
descendente. Curiosamente, tanto o destino dos Buendía como o da caminham
lado a lado e em sincronia, portanto, tal qual ocorre com as tribos errantes de
Israel, esta é a história de um povo que pode ser compreendida por meio da
gênese de uma única família?.
Outro ponto interessante é a dicotomia entre a linearidade e circularidade do
tempo, isto é, o romance apresenta uma narrativa com começo edênico, meio e
fim apocalíptico, mas também possui uma concepção cíclica, marcada por
repetições de nomes, traços de personalidade e, inclusive, situações.

Não obstante, ?Cem Anos de Solidão? também se tornou exemplo, quando o


assunto é o realismo mágico, um sintagma utilizado pelos críticos, para se referir a
um determinado tipo de literatura que entrelaça a descrição realista a um senso de
mistério e adivinhação poética da realidade. ?Em outras palavras, a literatura
enquadrada dentro deste selo analítico costuma inserir em seu enredo e no
desenvolvimento das personagens elementos fantásticos ou maravilhosos,
percebidos na trama como parte constituinte da realidade ou da normalidade.?

De acordo com a historiadora e pesquisadora Karla Pereira Cunha, o romance


pode ser interpretado como uma espécie de metáfora da situação latino-
americana entrelaçada com a história da Colômbia, ao denunciar os principais
problemas socio-politicos da região como a chacina de trabalhadores, o roubo de
terras, a violência e a tirania imposta pelo poder. Também pode ser compreendido
como a criação e síntese do mundo, isto é, uma representação da condição
humana revelada através dos membros da família Buendía que se apoia nas
inúmeras repetições, na força da natureza, no determinismo e na solidão que rege
a vida das personagens. Ainda há uma terceira via que entrelaça estas duas
interpretações e considera ?Cem Anos de Solidão? capaz de conectar-se com
realidades históricas determinadas, mas com suficiente autonomia para plasmar
simbolismos de ressonância universal.

Nota: Adquiri um exemplar da edição comemorativa do cinquentenário do


lançamento do livro. Em capa dura, ele está bem diagramado e o papel escolhido
para impressão prima pela qualidade. Aliás, o mesmo ocorre com o projeto gráfico
e o visual, mas senti falta das ilustrações do artista Carybé que acompanharam as
edições brasileiras até 2003. Quem possuir um destes exe mplares, guarde com
carinho, trata-se de uma preciosidade.

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