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Paul-C.

Jagot

PSICOLOGIA
DO AMOR
O INSTINTO, A SENSIBILIDADE
E A IMAGINAÇÃO
TRIUNFE EM SUA nossa natureza, perspec­
VIDA SENTIMENTAL tivas para o desdobramen­
to das possibilidades de
nossa capacidade comu­
nicadora e receptora de
Na trajetória da vida hu­ afetos e nos propõe de­
mana nenhuma tragédia é senvolver as nossas qua­
maior que o fracasso na lidades intrínecas para o
vida sentimental. Alguns amor.
seres podem até alcançar é um estudo profundo
fulgurante êxito na vida mas facilmente inteligível,
profissional, mas há de porque é prático, escrito
lhes saber amargo o insu­ com o propósito de ser
cesso sentimental. Amar e útil e de nos tornar mais
ser amado são anseios felizes.
que mais preocupam nossa
alma e todas as necessida­ Paul-C.Jagot tem sido
des fundamentais da pes­ dos mais apreciados au­
soa humana se realizam tores que na França tra­
no ato de amor. Assim, a taram da psicologia práti­
nossa vida amorosa é um ca. Baseando-se na expe­
desafio a que não pode­ rimentação aprofundada,
mos nos furtar senão nos ele extraiu de um verda­
frustrando. deiro emaranhado, o es­
tudo das altas ciências, e
É lamentável que as recolocou em lugar de
criaturas não se conscien­ honra, sobre bases sadias,
tizem dessa situação e o estudo da memória e da
mais ainda que não se vontade, a prática do mag­
preparem para enfrentá-la. netismo, do hipnotismo,
Nesta obra, o autor trata da sugestão e de diversas
de maneira lúcida e con­ artes de observação. Suas
vincente das condições obras influenciaram pro­
em que o amor nasce, fundamente a evolução
transforma-se e fenece. das idéias sobre a educa­
Sonda o mistério das nos­ ção do caráter e a moral
sas inclinações, mergulha ativa.
na análise do imponderá­ Inúmeras são as obras
vel de nosso comporta­ práticas com que se ce­
mento e das consequên­ lebrizou. Palias S.A. tem
cias a que somos levados, já contratados alguns de
às crises e às decepções; seus estudos, igualmente
oferece-nos conceitos pa­ indispensáveis para os que
ra maior entendimento de se preparam a se realizar
nós e do próximo, méto­ plenamente em uma vida
dos para o domínio de melhor.
FICHA CATALOGRÁFICA

(Preparada pelo Centro de Catalogação-na- Fonte do


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS)

Jagot, P.C.
J24p Psicologia do Amor, Tradução de Irene
Farria. Río de Janeiro, Palias, 1978.

Do original em francês: Psychologie


de L'amour.

1. Amor — Aspectos psicológicos I. Título

77-0543 CDD-152.4
CDU-159.942.6
P. C. Jagot

PSICOLOGIA DO AMOR

2* Edição

PALLAS S.A.
Editora e Distribuidora PALIAS SA.
Copyright ©1977 by
Editions Dangles, Paris

Título original em francês

Psychologie de L'Amour

Tradução de:
Irene Farria'

Capa: Donato

Direitos autorais reservados a


PALLAS S.A.
Editora e Distribuidora
Rua Frederico de Albuquerque, 44
<=AU>\SSA
Hlgienópolis — CEP 21.050 — Rio de Janeiro, RJ
ÍNDICE

Introdução.................. ..................................... ....................... 7


Capítulo I - O complexo eletivo .............................................. 9
1. Noções............................................. 9
2. Os quatro centros. ......................... 10
3. As paixões do instinto. .................................... 11
4. As aspirações da sensibilidade....................... 12
5. O pensamento. . . ...................................... 14
6. Os elementos não especifica mente amorosos . 15
7. O complexo............... .. ................................... 15

Capítulo II - Os imponderáveis....................... *.............. 17


1. O que explica a teoria precedente.................. 17
2. Influências misteriosas.................................... 20
3. Impregnação...................................................... 21
4. Apresamento.................... 21
5. Irradiação fisiológica......................................... 22
6. A irradiação psíquica...................................... 23
7. O jogo dos imponderáveis............................... 23

Capítulo III - A inter-reação........................................................ 27


1. Os inaptos ........................................................ 27
2. Os predispostos ....................................... 28
3. O para-amor e o amor integral....................... 29
4. As fantasias iniciais........................... 30
5. A realidade mais freqüente........................... . 31
6. Qualidades próprias das atrações fluídicas. . . 32
7. A exceção. . .................... 33

Capítulo IV - Estudo clínico . ............................................ 37


1. Literatura e realidade ......................... 37
2. Explicação . .................................... 39
3. As psicoses da paixão...................................... 41

5
4. O recalque sentimental .................................... 42
5. A crise aguda...................................................... 44
6. Os estados crônicos......................................... 45
7. As carências .......................... .. ..................... ..

Capítulo V - Autoterapia............................................................ 47
1. O sofrimento de amor......................... 47
2. Condições de auto-reação............................... 49
3. Diretrizes essenciais ......................................... 50
4. Diretrizes auxiliares................................... 54
5. Liberação fluídica........................................... 55
6. Liberação psíquica.......................................... 55
7. A reeducação dos rejeitados............................ 57

Capítulo VI - Psicoterapia...................... 61
1. Isolamento...................... 61
2. Vigilância........................................................... 62
3. Análise do caso ................................................. 63
4. Pesquisa e realização da hipnose..................... 64
5. Primeiro grupo de sugestões............................ 65
6. Segundo grupo de sugestões............... ............ 66
7. Terceiro grupo de sugestões ............................. 68

Capítulo VII - O domínio do instinto . ....................................... 71


1. Uma desagradável lacuna da educação ..... 71
2. A base do domínio de si mesmo..................... 72
3. Precisões fisiológicas......................................... 74
4. Noções psicológicas.................. 81
5. Os desvios e como remediá-los....................... 83
6. O demônio do entardecer............................... 84
7. As inércias funcionais ....................................... 85

Capítulo VI11 - O idioma invisível................................................. 87


1. Uma hipótese verificável............................... 87
2. Quanto se pode influir sobre um psiquismo? . 88
3. Possibilidades.............................. 89
4. As condições a preencher. ............................... . 90
5. Uma representação precisa do paciente.-.... 90
6. A intensidade emissora . . ............................... 91
7. Proceder gradativamente.................... 91

Capítulo IX - Os trunfos do jogo. ....................... 93


1. Estar com boa saúde......................................... 93
2. Conservar o aspecto jovem............................... 94
3. Saber se dominar. ................................. 95
4. Possuir uma imperturbável segurança............. 96
5. Falar persuasivamente ecom tato ........ 97
6. Escrever habilmente ............................... 98
7. Considerar os imponderáveis.......................... 99

6
INTRODUÇÃO

Ocorre às vezes que, um dia, alguma coisa não acontece como se


desejaria, e embora se tenha sido até então, profundamente indiferen­
te às ciências psíquicas, vem a idéia de recorrer ao que elas ensinam.
É assim que, no decorrer dos últimos vinte anos, alguns milhares de
pessoas em busca de indicações, nos expuseram as circunstâncias, as
dificuldades e os dissabores de sua vida amorosa. Avaliando o ritmo
das consultas em um caso por dia — avaliação muito reduzida — nos­
sa documentação viva se eleva a seis mil observações.
Um primeiro trabalho, publicado em 1920, foi elaborado no de­
correr das horas em que, por entre as principais teorias clássicas, pro­
curamos extrair pelo menos algumas regras novas das múltiplas revela­
ções. Julgamos oportuno refazer totalmente esse trabalho, repensá-lo e
recriá-lo, a fim de moldá-lo de acordo com os novos conhecimentos
que nos foi dado adquirir desde sua publicação.
Em uma época na qual, acabando com os preconceitos das ve­
lhas sínteses, a Escola Moderna se esforça, pelo estudo minucioso dos
fatos psicológicos, em abordar racionalmente os problemas da vida
afetiva e ideativa, o direito de emitir conceitos pessoais será sem dúvi­
da concedido a um observador independente ao qual o estudo da
questão se impõe por si mesmo.
Esta obra se destina também a um público familiarizado, pela
leitura de nossos trabalhos anteriores, com as teorias subsidiárias do
estudo do hermetismo e dos fenômenos supranormais.
Cada um vê o amor através de sua formação. Seria surpreenden­
te que da nossa, por singular que fosse, não se extraíssem algumas
reflexões não desprovidas de interesse.

7
CAPITULO I

O COMPLEXO ELETIVO

-1 - NOÇÕES

Entendemos por "complexo" um conjunto de disposições psico-


físicas do qual decorrem diversas aptidões: aptidão de reagir a esta ou
àquela categoria de estímulos, de experimentar certo tipo de emoções,
de assimilar determinada parte do conhecimento.
A título de exemplo, observamos que a reação de um indivíduo
aos diferentes estágios da arte musical parece determinada por um
complexo particular. Não vamos considerar o caso, muito raro, de ca­
rência absoluta, o daquele falecido soberano que definia a música co­
mo "um ruído dispendioso-". Uma acuidade auditiva normal, unida ao
senso dos ritmos - mais ou menos inato em todas as latitudes — é o
suficiente para condicionar uma sensibilização à audição de marchas,
de músicas para dançar e de melodias ligeiras. Dotado de um aparelho
auditivo mais delicado, de um tecido nervoso mais rico ou de cone­
xões psíquicas melhor coordenadas, o ser humano manifestará uma re­
ceptividade que se estenderá às grandes riquezas orquestrais do gênero
ópera. Melhor qualificado ainda, ele se tornará apto a perceber, em sua
amplitude integral, os recursos expressivos da harmonia, a discernir,
diferenciando-os, todos os componentes de cada compasso de uma
obra clássica e o efeito sinfônico de sua superposição. Destas conside­
rações, obtém-se uma classificação elementar dos temperamentos mu­
sicais:
— aqueles aos quais impressionam unicamente as melodias compostas
com o intuito de atrair o sentido da audição;
— aqueles que experimentam distintamente as diversas gamas da emo­
ção musical;
— finalmente, aqueles aos quais é acessível a conceituação dos grandes
temas.
Estas três categorias de melômanos: senso ria is, emotivos q cere­
brais, poderiam, ainda, subdividir-se em numerosas subcategorias e, em
última análise, descobrir-se-ia que na mesma subcategoria cada indiví­

9
duo tem suas preferências bastante pessoais. Dois wagnerianos fervo-
sos, particularmente ligados, por coindicência, à mesma obra-prima do
mestre, terão, cada um, seu ápice de dois instantes diferentes da parti­
tura.
Nas primeiras edições desta obra, havíamos proposto, em rela­
ção ao amor, uma classif icaçaaanáloga à precedente:
— aqueles nos quais predomina ó instinto;
— aqueles nos quais predomina a sensibilidade;
— aqueles nos quais predomina a mente.
Sobre as pessoas do primeiro tipo, agem somente os fatores de
atração susceptíveis de afetar diretamente a parte sensorial. A nota
mais baixa de sua escala será o desejo puramente animal; a mais alta
será uma especialização temporariamente privativa do desejo por um
indivíduo do sexo oposto cuja estrutura impressionará, de uma ma­
neira particularmente ampla e intensa, seu instinto genético.
Para os seguintes, as paixões essenciais do instinto (que indivi­
dualizam somente, na categoria anterior, diferentes fatores orgâni­
cos — principalmente endócrinos — e diferentes marcas pré-púberes
às quais a Escola de Freud atribui possivelmente uma importância
exagerada) associam-se, de um lado, à acolhida de uma impressiona-
bilidade mais ou menos sutil e cultivada e, por outro lado, às aspira­
ções da moral de se ver isenta e de experimentar certos tipos de in­
teresse afetuoso. Sobre eles, a qualidade estética da forma, a gran­
diosidade dos movimentos, a expressividade e a finura do compor­
tamento agem predominantemente.
Entre os últimos, se a imaginação excede os limites do pensa­
mento reflexivo, o complexo alimentar-seá, sobretudo, das fanta­
sias espontaneamente engendradas por suas idiossincrasias, de impreg­
nações literárias e de sugestões exteriores. Se a idealização meditada
governa o conjunto do psiquismo, a tendência polarizante dirigir-se-á
para certas qualificações intrínsecas da sensibilidade e da inteligên­
cia.
Esta classificação visa mais dividir os elementos do problema
que imaginar os indivíduos em categorias claramente isoladas. Na
verdade, o determinismo — o complexo amoroso — de cada um en­
cobre potencialidades especificamente fisiológicas, outros dependem
da emotividade e ainda outros da intelectualidade.
Entretanto, permanece de observância usual que os motivos
oriundos da atividade neuro^vegetativa e das reações sensoriais levam
invariavelmente a isto, diversamente de um indivíduo cuja orientação
decorra inteiramente da ordem afetiva e de um terceiro em que tudo
permaneça subordinado à imaginação.

2 - OS QUATRO CENTROS

A fim de tornar tão claras quanto possível as noções preceden­


tes, delinearemos resumidamente o esquema usado em filosofia hermé­
tica para sintetizar os elementos constitutivos da personalidade huma­

10
na. Ela é considerada corno comportando quatro centros: VEGETATI-
VO. ANÍMICO, INTELECTUAL e ESPIRITUAL. O primeiro afirma,
normalmente ou não, todas as paixões do instinto de conservação (nu­
trição e reprodução). Ele tende ao equilíbrio, ao bem estar interno
que resulta de uma satisfação dos apetites, mas se deixa facilmente
desvirtuar por suas propensões a excessivas euforias que ele não sabe­
ría procurar senão pelo caminho quantitativo, não estando senão
esboçados seus meios de percepção sensorial.
A característica do segundo é a reação aos aspectos e manifesta­
ções das propriedades ou qualificações dos seres e das coisas. É o do­
mínio da sensibilidade, a linguagem das diferenciações delicadas, bem
como das tendências e faculdades que daí derivam. As impressões
causadas por tudo que é exterior suscitam emoções, aspirações, gos­
tos; aquelas que são produzidas pelas manifestações das potencialida­
des de outrem tendem a suscitar sentimentos.
No âmago do terceiro centro, sede da consciência psicológica,
refletem-se sob a forma de imagens e conceitos as percepções e recep­
ções dos dois primeiros. Ali eles são apreciados, analisados caso a
acuidade psicológica seja suficiente e depois, em um determinado es­
tágio de superioridade, evoluem quase à abstração.
Quanto ao quarto centro, não o citaremos senão para lembrá-lo,
pois não desempenha pepel direto na elaboração do complexo eletivo;
determina a possibilidade de se subordinar a uma ética.
O hermetismo considera estes centros em diferentes localiza­
ções. Para substituir esta concepção, menos próxima da ciência mo­
derna, admitamos que se trata de quatro sequências de fenômenos,
atribuindo a primeira ao sistema simpático, a segunda ao sistema ner­
voso sensitivo-motor, a terceira ao psiquismo e a quarta a um incons­
ciente superior. A dependência recíproca do conjunto apresenta-se
na ressonância, no eco de toda disposição ou atividade própria a uma
das quatro séries em cada uma das três outras. Mas esta reciprocidade
em nada diminui a autonomia de cada esfera: paixões sensoriais, aspi­
rações sentimentais, necessidades intelectuais, elevações espirituais,
agem freqüentemente com uma indiferença recíproca que pode che­
gar quase ao conflito. Uma cultura que vise à supremacia da consci­
ência psicológica chega algumas vezes a hierarquizá-las. Somente o
amor realiza o acorde sinfônico, e a unidade que ele improvisa desta
forma não é o menor de seus encantamentos.

3 - AS PAIXÕES DO INSTINTO

Tomemos como exemplo-tipo o animal humano normalmen­


te constituído e em quem o neurovegetativo predomine claramen­
te: escala de emoções circunscrita à ordem visceral e entendimento
limitado a um pequeno número de noções exclusivamente concre­
tas. -
Pode-se observar nele:
a) A intumescência espontânea, a necessidade funcional subseqüen-

11
te, do mesmo modo que a ereção tátil, olfativa é visual correspon­
dente;
b) A intumescência provocada por incitação exterior;
c) A intumescência suscitada por recordação;
d) Uma preferência, independente de qualquer critério estético e
mais ou menos confessa, por certos tipos fisionômicos e plásticos;
e) 0 eventual exclusivismo do desejo por uma individualidade consti­
tuída não somente de modo que sua presença determina nele o dese­
jo com uma intensidade e freqüência particulares, mas também rea­
gindo de tal maneira que, a seu contato, o conjunto das percepções
implicadas no processo de detumescência concorre para uma pleni­
tude excepcional de saciedade;
f) Se se trata de indivíduo do sexo masculino, esta paixão combati­
va, conquistadora, que explica as propensões do homem a se subor­
dinar ao abandono de toda personalidade feminina cuja imagem se
associa em seu espírito com representações sexuais;
g) Se se trata de uma mulher, a execução, mais ou menos deliberada,
de várias exibições ou manobras com a finalidade de solicitar e des­
pertar o interesse;
h) Finalmente, a tendência à apropriação, às vezes derivada, às vezes
causadora do exclusivismo e de onde surgem os ciúmes.
Os fatos d, e, f e h mostram que um complexo eletivo se ela­
bora no próprio âmago dos elementos básicos do instinto reprodutor.
. É preciso notar, além disso, os possíveis desvios, aberrações e
inversões deste último, porque eles condicionam e orientam, eventual­
mente, o complexo. Não os descreveremos. Abster-nos-emos mesmo
de enumerá-los. Diremos simplesmente que se podem derivar de três
séries de causas:
1. ° — Diversas anomalias anátomo-fisiológicas congênitas;
2. ° — Certas hereditariedades;
3. ° — Esta debilidade psíquica denominada por BABINSKY "pithia-
tismo" e que consiste numa excessiva sugestional idade. 0 pithiático
sucumbe irresistivelmente aos contágios do exemplo. Algumas suges­
tões são suficientes para determinar nele uma tendência mórbida que
poderá dar lugar a incoercíveis impulsos. É o caso da deplorável im­
pregnação que opera sobre todo pithiático a leitura de exposições re­
lativas à patologia sexual.

4 - AS ASPIRAÇÕES DA SENSIBILIDADE

Às paixões primárias do instinto vêm-se juntar — e às vezes se


opor — logo qúe os mecanismos perceptivos e receptivos atingem
acuidade suficiente, outros elementos de escolha. Dentre eles, po­
dem intervir, notadamente:
— aptidão às diferenciações estéticas e a série consecutiva de aspi­
rações;
— as ressonâncias emocionais da expressividade das fisionomias, da

12
graça das atitudes, dos timbres e inflexões vocais, do caráter hesitan­
te ou firme, claro ou confuso, ameno ou altivo das elocuçõês, da di­
mensão ou da originalidade dos comportamentos etc.;
— a influência dos aspectos do vestimento, do cenário, do plano cir­
cunstancial etc, tudo isto pode desempenhar papel considerável
nas naturezas denominadas sentimentais, aquelas que são intensa­
mente afetadas, por, desde as mais delicadas exteriorizações, até as
manifestações mais superficiais.
No exemplo do parágrafo precedente, tudo se limita aos tipos
de escolha diretamente oriundos dos apetites funcionais e das condi­
ções de sua perfeita satisfação. Aqui aparece, depois das paixões dos
sentidos, a aspiração da sensibilidade de ser afetada harmoniosamen­
te em cada uma de suas ressonâncias. O jogo das hierarquias e das
supremacias indica as diferentes preferências. Um se achará mais par­
ticularmente sensível ao estilo linear, ideal pára ele porque idêntico
à mais cativante arquitetura plástica que possa conceber; neste caso,
a principal característica eletiva do outro se situará mais em um cer­
to hieratismo do movimento, que no relevo das formas. Em um ter­
ceiro, a expressão fisionômica, o porte e o gesto repercutirão mais
profundamente que a delicadeza de detalhes do rosto, o modelado
do corpo ou a eurritmia cinemática.
Por outro lado, a observação mostra que todo o psiquismo
tende a encontrar, em outro psiquismo, o uníssono de sua vida inte­
rior. Inconscientemente, o contemplativo procura a doçura compeen-
siva e protetora, enquanto o ativo se entusiasma por viver em simbiose
com uma passividade oculta. Um aspira ao envolvimento terno, outro
ao papel de animador invasor. Um e outro destes dois extremos mani­
festam uma mesma necessidade elementar de sensibilidade: a de co­
municação corroborativa.
Imagine-se o encanto que envolve, para uma e outra parte, a sa­
tisfação desta última necessidade e as disposições ou sentimentos que
podem provocar semelhante atração: simpatia, admiração, amizade,
gratidão, complacência, solicitude, afeição etc. Ora, o próprio de uma
sensibilidade viva é de se comprazer em experimentá-los. Eles a ani­
mam. Seu ápice — e aqui exclusivismo condiciona intensidade — pro­
duz nela uma plenitude e uma euforia comparáveis ao que representa,
na ordem vegetativa, a embriaguez anestésica.
As latências dessas disposições ou sentimentos constituem, em
certas pessoas, um grupo axial de aspirações por vezes tão imperiosas
que causam uma irresistível propensão a se lhes dar vazão, a satifazê-
las a todo preço. Elas se concentram, então, à falta de um ser elegível,
sobre qualquer outro que lhes pareça qualificado para apreciá-las ou
mesmo simplesmente beneficiá-las. Desta forma, elas podem se dar
sem a menor reciprocidade, cegamente.
Quando estas mesmas latências coexistem com uma ampla socia­
bilidade e uma inteligência muito aberta, o complexo formado desta
maneira, sobretudo se as solicitações do instinto são fracas, induz a
uma dedicação mais coletiva que individual. Ele dá lugar a iniciativas
e realizações de ordem filantrópica.

13
5-0 PENSAMENTO

Examinaremos sucessivamente o que resulta do pensamento


subconsciente (imaginação) edo pensamento consciente (discernimen­
to). Inicialmente, a imaginação. Pode-se dizer, evocando a noção de
lugar geométrico, que a imaginação é o lugar psicológico das manifes­
tações amorosas. As paixões do instinto e as aspirações da sensibilida­
de são aí representadas, para aí se transportam, tendendo a se associar
para dar origem a uma imagem prefigurativa da individualidade que
as satisfará integral mente. Os esboços se sucedem, correlativamente,
em torno do motivo central: avaliações, comparações, suposições,
antecipações etc., pelas quais cada um procura, de forma obscura,
orientar-se em relação ao seu objetivo. Aos elementos internos, intrín­
secos, que se opõem ao instinto — a imaginação — vêm se justapor as
impregnações oriundas de causas exteriores, òu seja, a influências do
exemplo, da educação, do meio, da época (usos e costumes). Dentre
estas diversas causas extrínsecas de imagens e estímulos , a literatura
e o teatro desempenham um papel de grande importância, exceto para
os caracteres vigorosos e precisos, aqueles cujas escolhas espontâneas
são fortemente determinadas, claramente definidas. Na falta de um
psiquismo com relevos firmes e bem determinados, a maior parte de
suas tendências permanece no campo das intenções. Aqueles que se
dedicarem seja ao romance, seja à ficção falada, neles colocarão admi­
rável veracidade. Sobre as naturezas amorfas, o efeito apresenta todas
as características de sugestão experimental: o indivíduo deseja viver si­
tuações cuja narrativa o encantaram e compõe, ou crê compor, o per­
sonagem cujo papel lhe pareceu particularmènte desejável.
Notamos inicialmente como essencial a necessidade de uma co­
municação corroborativa, do uníssono psicológico. Um eco simples­
mente anímico é suficiente para muitos, mas, a partir de um certo ní­
vel de inteligência e cultura,\as afinidades ideológicas ocupam, entre
os elementos do complexo, um lugar considerável, freqüentemente
predominante.
Não se saberia, então, amar com uma entrega absoluta senão a
um ser intelectual mente qualificado, de tal maneira que ele pudesse
inspirar senão admiração, ao menos estima e com o qual houvesse ana­
logia de conceituação.
Os próprios medíocres são, em sua grande maioria, sensíveis à
atração dos espíritos superiores, que não podem apreciar senão muito
confusamente. Eles influem com muito mais força sobre quem possa
avaliá-los, definí-los, distinguindo toda a sua sutileza e se
identificando com sua origem.
Portanto, as impressões iniciais, das quais surgirá o amor, nas­
cem às vezes no próprio momento em que se começa a discernir di­
versas possibilidades de correspondência, na direção para a qual, in­
consciente, o indivíduo se encaminha.
Um tipo no qual predominem as exigências do instinto prefere
geralmente, à igualdade de inclinação física, o indivíduo cujos con­
ceitos sejam mais semelhantes às suas próprias concepções. O emotivo

14
se deixará comover tanto mais profundamente quanto se sinta mais
lucidamente compreendido. Para outros, subrepujando* todos os si­
lenciosos apelos interiores, aqueles do intelecto prevalecerão constan­
temente na orientação de sua vida amorosa.

6 - OS ELEMENTOS NÃO ESPECIFICAMENTE AMOROSOS

Para a maioria de nós, às escolhas sensoriais, emotivas e intelectuais


que acabamos de abordar, todas relativas às qualificações do objeto,
outros desejos se misturam e sua satisfação relaciona-se com os atribu­
tos sociais deste último. Sozinhos, estes atributos certamente não de­
terminariam o amor, mas sem eles a cristalização não se efetuaria.
É raro que o ideal (isto é, a representação de conjunto que se
origina do complexo) não inclua algum objetivo de pura vaidade: tí­
tulos, notoriedade, prestígio inseparável de certas profissões etc. Que
tais títulos, notoriedade, prestígio, possam implicar em valores reais,
isto aqui não importa, pois a evidência de valores similares, sem rótu­
lo, produzirá uma impressão menor que sua proclamação, mesmo in­
devida, e sua publicidade.
O interesse — como a vaidade — se imiscui freqüentemente en­
tre as paixões, aspirações e afinidades do complexo. No horizonte de
um sonho ingênuo de um adolescente se delineia inúmeras vezes a
imagem de um Sésamo, de um amor do qual espera o acesso à região
para onde o atraem suas tendências, um trampolim propício a diver­
sos impulsos, à realização de ambições desprovidas de outras esperan­
ças ou, mais simplesmente, de forma mais banal, à melhoria de seu
atual modus vivendi.
Não se poderia, em relação a este indivíduo, falar da venalidade
que faz supor frios cálculos suscetíveis de se transformar em determi­
nações alheias a todo e qualquer atrativo pessoal. Aqui se revela mais
um discernimento das necessidades especifica mente amorosas, e esta
revelação é tanto mais fatal quanto estas últimas sejam menos nítidas.

7-0 COMPLEXO

Portanto, cada um traz em si um complexo latente, formado por


suas diferentes escolhas genéticas, emotivas e cerebrais, umas conscien­
tes, outras não. O referido complexo carece de uma entidade exata­
mente complementar para seus diversos elementos. 0 amor nasce do
sentimento que se encontra na presença, se não do parceiro exato, ao
menos de uma individualidade que pareça possuir uma ou mais carac­
terísticas essenciais.
Segue-se que:
— para definir claramente o amor, convém limitarmo-nos a considerá-
lo um estado psíquico determinado pelo concurso de imanências se­
xuais e de um ou mais atrativos correspondentes a elementos de esco­
lha;

15
— quanto rnaís numerosos e mais nítidos são estes elementos, com me­
nos freqüência se encontrarão reunidas as diversas qualificações neces­
sárias à sua satisfação. O contentamento de uma natureza simples
pode provir indistintamente de qualquer indivíduo pertencente ao
mesmo nível. Para o homem ou mulher superiormente dotados, sob o
triplo ponto de vista da delicadeza de percepção, extensão e acuidade
da sensibilidade e da capacidade do intelecto, não existe sempre com­
patibilidade, mesmo relativa;
— muitas individualidades que se repartem num certo número de qua­
lificações pedidas pelas escolhas de um mesmo ser podem, sucessiva
ou simultanemante, inspirar-lhe amor.

16
CAPITULO II

OS IMPONDERÁVEIS

1. O QUE EXPLICA A TEORIA PRECEDENTE

A noção de complexo eletivo justifica a maior parte dos fatos


observados na fenomenologia intersexual. Vimos que os diversos ele­
mentos de escolha podem dividir-se em seis categorias respectivamente
af erçntes:
A) Ao potencial de avidez funcional;
B) Ao valor qualitativo das diferenciações sensoriais;
C) À impressionabilidade emotiva;
D) Às potencialidades afetivas de sensibilidade;
E) À vida representativa subjetiva (imaginação);
F) À vida representativa objetiva (inteligênçia).
Segundo seus condicionamentos, cada um se verá, portanto, par­
ticularmente determinado a se impressionar por determinada modali­
dade de amor. O conjunto de observações permite elevar a sete essas
modalidades. Defini-las-emos, fixando aproximadamente, para cada
uma, os elementos do complexo correspondente.
O Amor físico, como é entendido por BEYLE, permanece com­
patível, evidentemente, com toda personalidade em que não predomi­
nem de forma excepcional nem a atividade cerebral nem a sensibilida­
de; mas certos seres não conhecem jamais outra emoção amorosa que
o desejo animal. As quotas proporcionais do complexo desses últimos
se estabelece como segue:
A) Potencial de avidez funcional............................ 8
B) Valor qualitativo e envergadura no campo das
diferenciações sensoriais........................ 4
C) Impressionabilidade emotiva ................ 4
D) Potencialidades afetivas da sensibilidade ..... 4
E) Vida representativa subjetiva (imaginação).... 2
F) Vida representativa objetiva (inteligência) .... 2

17
Se colocarmos abaixo da média (isto é, além de 5, as cotas va­
riando entre um mínimo de 1 e um máximo de 10) qualquer um dos
elementos B, C, D, E, F, o indivíduo tornar-se-á capaz de uma escolha,
de uma preferência, da qual seu psiquismo terá noção. Aqui unicamen­
te a necessidade tem voz ativa e, em caso de possibilidade de opção,
esta última se efetua inconscientemente, determinada de modo obscu­
ro, julgamos, pelo tipo de temperamento psicológico (1): bilioso, ner­
voso, sanguíneo ou linfático.
O amor-gosto da classificação stendhaliana, onde "até às som­
bras, tudo deve ser cor de rosa, onde não deve entrar nada de desagra­
dável, sob nenhum pretexto", caracteriza-se pelo sincronismo de duas
impressionabilidades, ambas predispostas a se emocionar com as mes­
mas nuances. É o amor das naturezas delicadas, artistas, nas quais mes­
mo de forma sensorial, o qualitativo se sobrepõe ao quantitativo. Seu
próprio diletantismo previne as ardentes chamas da paixão e suas alu­
cinações. Eis o gênero de complexo que orienta o amor-gosto:

A:5 D:3
B:8 E: 5
C:8 F:4

O amor-paixão implica num exaltado fetichismo em relação a


seu objeto, por tudo que caracteriza sua pessoa física e moral. Esta
idolatria se faz acompanhar por um inextingüível e obsessivo desejo
de possessão e de assenhoramento psíquico. Foi sem dúvida o amor-
paixão que Paul BOURGET quis definir, ao escrever: "É um deter­
minado estado mental e físico durante o qual tudo se anula em nós,
em nossa mente, em nosso coração e em nossos sentidos: ambição, de­
ver, passado, futuro, hábitos, necessidades, à simples idéia de um de­
terminado ser que se torna para nós a própria felicidade". As duas
condições essenciais para um amor semelhante são, de um lado, um
considerável potencial de entusiasmo e, por outro, uma veemência
genética no mínimo normal. Isto se resume assim:

A:8 D:4
B:5 E:4
C:8 F:4

No amor-sentimento, a afeição, a solicitude e a ternura predo­


minam. Ele é experimentado em estado embrionário e fugaz pelas
almas impressionáveis, imaginativas e superficiais: aquelas ditas "sen-
timéntais". A plenitude e a duração dessas manifestações necessitam

1. Paralelamente ao temperamento psicológico, pode-se discernir um outro tem­


peramento psicológico que nâo está sempre em harmonia com o primeiro. Veja
nossa obra: "Os Sinais reveladores do caráter e do desejo". (Edições Dangles)

18
de uma excepcional elevação da sensibilidade, com tudo que encerra
de benevolência, de sutileza e de altruísmo. Aqui estão as cotas pro­
porcionais correspondentes:

A:4 D:8
B:6 E:5
C:6 F:5

O amor-vaidade tem por base o aplauso, o amor-próprio. "Quan­


do, disse SPENCER, nos vemos preferidos a todos por uma pessoa
que admiramos mais que a todas as outras, o amor de aplauso é satis­
feito a um nível que ultrapassa todas as experiências anteriores: espe­
cialmente quando, a essa satisfação direta, vem a juntar a satisfação in­
direta que resulta do fato dessa preferência ser notada pelos indiferen­
tes. Ter conseguido obter uma tal afeição por parte de um outro, do­
miná-lo, é uma prova prática de potência, de superioridade, que não
deixa de excitar agradavelmente o amor próprio". O amor-vaidade se
compraz em ser distinguido por um objeto que julga particularmente
desejável. Ele aprecia este objeto, que lhe valç ser admirado e invejado.
A impressionabilidade e a imaginação desempenham aqui o pa­
pel principal, que se pode numerar assim:

A:5 D:4
B:5 E:8
C:8 F:5

O amor-intelectual, que resulta de afinidades representativas


entre dois tipos de cérebralidade predominante, é facilmente nume­
rado:

A:5 D:5
B:7 E:8
C:5 F:8

Enfim, o amor-platônico, tipo de inclinação na qual a genética


e o desenvolvimento dos sentidos ocupam papel apagado ou nulo,
obtém seu charme do enriquecimento que traz à vida interior. Ele faz
supor uma natureza contemplativa e sensível, em cujo complexo eleti­
vo os desejos genéticos tendem a zero:

A:2 D:6
B:5 E:8
C:7 F:5

19
As cotas atribuídas a cada caso exprimem uma proporção, uma
analogia entre os elementos de escolha. Poder-sê-ia escrevê-las da se­
guinte forma:

Amor físico: A> B, B> D, OD, D‘> E, D> F


Amor gosto: B > A, C > A, A > F, E > F, F > D, etc. etc.

Cada uma das sete aproximações numeradas anteriores entende-


se pela origem, não pela qualidade, que depende de um complexo indi­
vidual. Todo ser cujos valores se aproximam das proporções dadas, por
exemplo, para o amor-paixão, manifesta uma propensão para esse tipo
de amor e, mais precisamente para a variante deste gênero de afeição
originada pelós elementos detalhados de seu complexo pessoal, com­
plexo este que produz a imagem complementar ideal.
Quando os valores tendem a se igualar, quando nenhum apre­
senta um relevo acentuado, ocorre um tipo de amor que se poderia de­
nominar "amor-síntese", que participa harmoniosamente de todos os
outros.

2. INFLUÊNCIAS MISTERIOSAS

Se tudo se passasse conforme os dados precedentes, o amor


não eclodiria senão em presença de um objeto que parecesse identi­
ficar-se com a imagem ideal. Ora, nós o vemos freqüentemente desa­
brochar não obstante a ausência, no ser que o inspira, das qualifica­
ções requeridas pelas escolhas do ser que o experimenta. Melhor ainda:
ele parece às vezes se impor a alguém, resolvido a se esquivar e a quem
as assiduidades do outro parecem subordinar.
A extrema juventude, época em que nos conhecemos mal,
quando não nos damos nem clara nem fielmente conta das aspirações
profundas que recebemos, a irresolução, a sugestionabilidade, podem
explicar certos casos de que falamos: embora examinemos detalhada­
mente estes diversos processos de erro ou passividade, permanecem
ainda numerosos atrativos e impulsos que não se sabería explicar.
Passa-se. a admitir então a existência de influências misteriosas,
de fenômenos de magnetização, de apresamentos, fenômenos espon­
tâneos, em relação a cujo entendimento e mecanismo o agente per­
manece tão alheio quanto o paciente.
Não há observador tão pouco sagaz ao qual não se imponha,
em presença de certos arrebatamentos, a hipótese de uma ação irradi­
ante. Em seu recente trabalho sobre a psicologia das tendências
humanas 0) C. MÉLINAND assim se expressa a essa respeito: "Às
vezes é necessário assinalar, com todas as reservas, a possibilidade de
causas físicas ainda desconhecidas. É possível que todo ser seja uma
fonte de radiações (que um dia serão assunto da ciência). Há simpatia
quando dois seres estão em união, quando um é a ressonância do ou-
1. C. Mélínand. "O Homem è seus Desejos”. Editor Fernand Nathan

20
tro, quando possuem o mesmo comprimento de ondas. Mas seria abu­
sivo dar importância a esta simples possibilidade: é válido pensar nela
porque amanhã será, possivelmente, científica, como tantas outras".
Compreendemos as prudentes reservas do autor, que, sem dú­
vida, não teve ocasião de verificar, como nós também, as manifesta­
ções da radioatividade que emana de todos os seres vivos.

3. IMPREGNAÇÃO

Em presença de certas pessoas, em sua vizinhança próxima,


não nos sentimos desagradavelmente perturbados, enquanto que a
proximidade de uma outra é automaticamente acompanhada de gran­
de bem estar? Este último pode assumir características de uma verda­
deira euforia, cuja lembrança permanece, lembrança essa que produz
a necessidade de retornar ao que a originou, de se manter em seu cen­
tro de ação, fora do qual passa-se a viver numa angustiante sensação
de não estar completo. Eis, porque, por razões totalmente biológicas,
com as quais o complexo eletivo nada tem a ver, atam-se entre indiví­
duos que nenhuma característica parece inclinar um para o outro,
laços de estranha força. A ressonância não é infalivelmente recíproca,
mas, por um curioso efeito reflexo, produz-se mais freqüentemente
que aquela dos dois cujos eflúvios desabrocham, a outra parte se deixa
conquistar pela perturbação que inconscientemente provocou.
Nessa mesma ordem de idéias, é conveniente observar o domí­
nio a que se sujeitam tantas mulheres de natureza tranqüila, de espí­
rito ponderado e de moral bem organizada, a partir de uma corte
suficientemente delicada para não as chocar desde o início, mas cujo
ardor, tão vivo quanto irrepreensivelmente contido, dobra pouco
a pouco as resistências.
Este último caso obtém todo seu valor exemplificativo na
impregnação, quando falta ao interessado qualquer tipo de atração
física, de qualificações apreciáveis e do tipo de eloqüência própria
do homem sedutor.

4. APRESAMENTO

O esboço da teoria explicativa dada por C. MELINAND, isto é,


"mesmo comprimento de ondas" (ver parágrafo 2), parece indicar
uma constante reciprocidade do fenômeno. Nós vimos que nem sem­
pre Isto ocorre.
Entretanto, nos casos precedentes, p amor se sucede a uma en­
trega consentida. A emanação iniciai age como um desses alcalóides
proporcionadores de êxtase, que um acaso lhe revelou a que o subjul-
gou.
Ora, o que ocorre quando um indivíduo se submete, sem a me­
nor resistência, aos desejos de um outro cuja personalidade e irradia­

21
ção lhe repugnam? Como o pássaro hipnotizado, que avança contra
sua vontade em direção às mandíbulas da serpente, vimos homens e
também mulheres aprisonados pelo amplexo tentacular do ser que os
deseja. Esse caso não é mais questão de sincronismo, de ressonância
harmoniosa, mas de uma penosa sujeição (1). O fato permanecería
inexplicável se o estudo experimental das questões psíquicas não
houvesse estabelecido que se encontra uma proporção de emissores
com vibrações excepcional mente enérgicas e de freqüência rápida,
cujo tom de movimento se comunica, como que por invasão, com
toda criatura de constituição fraca, sem intensidade vital e sem vonta­
de forte.

Todo psiquiatra vê inicialmente, na exposição de um apresa-


mento desse tipo, ou uma mania de perseguição, ou, mais simples­
mente, a interpretação delirante de uma reação erótica — uma falsa
acusação —.Em noventa e cinco por cento das vezes o psiquiatra tem
razão, mas não sempre.

5. IRRADIAÇÃO FISIOLÓGICA

A experimentação permite verificar que certas manifestações


de energia emanam da personalidade humana: uma parece produzida
pelo movimento vibratório puramente físico dos átomos constitutivos
do corpo, outra assume características de conseqüência da atividade
psíquica. Observamos o papel da primeira no determinismo das simpa­
tias abordadas no parágrafo 3, e na segunda o idioma dos apresamen-
tos de que acabamos de falar.
A irradiação fisiológica é sobretudo conhecida (sob o nome de
magnetismo humano ou magnetismo animal), por seus efeitos tera­
pêuticos. Emitida com intensidade, judiciosamente projetada, ela
complementa as fraquezas funcionais, acelera o processo de auto-de-
fesa, as reações internas, transfundindo o possante dinamismo do
agente ao organismo debilitado do paciente, cujo equilíbrio vital tende
assim a sqjrestabelecer. Curas extraordinárias foram realizadas em to­
das as épocas pela magnetoterapia e a cada dia ocorre ainda um núme­
ro considerável delas. Como a ação se dá com toda sua eficácia nas
crianças de tenra idade, ainda incapazes de se auto-sugestionar, é ne­
cessário diferenciá-la dos casos em que a imaginação, habilmente im­
pressionada, efetua todo o trabalho.
Esta mesma irradiação ocasiona outros estados que diferem ni­
tidamente dos obtidos pela prática do hipnotismo.
Ademais, sua essência esterógena e biófila é claramente revelada
quando se verifica que pode ser detectada por dispositivos materiais,
que influi no crescimento dos vegetais e esteriliza focos de micró­
bios (1).

1. Não leia "sugestão”.


1. Ver sobre este assunto, do mesmo autor: "Método prático de Magnetismo,
Hipnotismo, Sugestão." (Edições Dangles)

22
6. A IRRADIAÇÃO PSÍQUICA

Enquanto que a anterior não opera senão em um tênue raio de


alcance, a ação psíquica foi colocada em evidência sobretudo por suas
repercussões à longa distância: telestesia, telepatia, sugestões mentais,
etc. São as emoções, os pensamentos, os desejos que se transmitem e
que vão afetar a ou as pessoas implicadas. Sobre este assunto, escreve­
mos algures: "Todo pensamento se exterioriza e tende a afetar, de
acordo com o que exprime, o indivíduo no qual se pensa. Se este
pensamento é logo e ardentemente reiterado, tudo se passa com se
fosse projetada sobre o sujeito uma impregnante emanação que o esti­
mula gradualmente e faz, em breve, predominar as disposições sugeri­
das. Deste forma, a irradiação telepsíquica, conseqüência inevitável da
atividade afetiva e cerebral, deve ser considerada como um atributo
normal do espírito humano. Para usá-la com proveito, é conveniente
governar sua emissão, fornecendo energia, duração e freqüência pro­
porcionais às resistências que as características psicológicas do sujeito
visado opõem ao seu influxo.
Inconscientemente, aliás, as personalidades voluntariosas, des­
póticas, violentamente famintas se subordinam... às débeis e às inde­
cisas."
Pode ocorrer, entre duas pessoas para quem o estudo dessas
questões é absolutamente desconhecido, uma enorme diferença de
potencial emotivo-cerebral.
Que um acaso as coloque frente a frente e que a melhor dota­
da, a mais ardente, deseje a outra: isto será o apresamento.

7. O JOGO DOS IMPONDERÁVEIS

À margem dos elementos de seleção inventariados no capítulo


precedente e que fornecem uma representação mais ou menos precisa
do complementar ideal, duas categorias de influências irradiantes
parecem desempenhar um papel no determinismo do amor. Uma pare­
ce proporcional ao vigor mental do emissor, outra à intensidade do
ardor de seu desejo. Nem uma nem outra correspondem a um qualita­
tivo qualquer, mas somente a um potencial. Eis porque elas podem
ocasionar seduções irresistíveis, embora o agente não apresente nenhu­
ma das características requeridas pelas eletividades do paciente. Com
a ajuda dessas considerações que, embora hipotéticas em síntese, re­
pousam em fatos, explicamos a maior parte das singularidades de que
fomos testemunha.
Um artista, cuja vista se aflija com a menor desarmonia de pro­
porções, cuja mente, como a vista, se incline para uma beleza impecá­
vel e que até éntão não havia lançado um só olhar para plásticas me­
díocres, passa pela órbita de atração de uma criatura absolutamente
desprovida de qualquer aristocracia de formas, mas fortemente emissi-
va. Saturado deste fluído indesejável, ei-lo em novo estado. Seu sen­

23
so estético parece nublar-se, ao mesmo tempo em que nele se acende
a loucura passional. Alguns crerão que, neste caso, o nível intelectual
ou a elevação moral da mulher compensam sua forma desagradável:
nada disso. Isto não seria, aliás, uma explicação, porque o complexo
eletivo de nosso exemplo orienta-se principalmente na direção de
um espetáculo de vivo hieratismo escultural. Outros sonharão com
esta servidão sensual cuja noção foi vulgarizada por uma psicologia
primária e que não resiste a um exame, pois por um lado, no caso em
pauta, o apresamento foi anterior à conjunção e, além disso, a repe­
tição das mesmas sensações embota gradualmente a acuidade e corrói
fatalmente o desejo.
A literatura inevitavelmente empresta ao Don Juan tradicional
toda a sorte de atrativos. Ora, vê-se homens feios, disformes, sem es­
pírito nem delicadeza, impor-se às mulheres e obter não apenas o
abandono de muitas, mas o amor de algumas que, uma vez repelidas,
ficam inconsoláveis. Estes formidáveis amantes sexuais parecem reti­
rar sua paradoxal potência da própria violência de suas paixões gené­
ticas, verdadeiramente devidas a alguma hipertrofia endócrina. Só a
presença de semelhante dinamismo ameaça de forma mais efetiva as
resistências melhor dotadas que todo o arsenal das seduções masculi­
nas.
A antítese é ainda mais representativa entre certos tipos de
mulheres que nos surpreendem por não conseguirem jamais, apesar
de um esplêndido exterior, um caráter agradável e uma envergadura
cerebral considerável, despertar nem os sentimentos e nem mesmo a
atração física de algum homem de gosto, e os teratóides grotescos,
considerados irresistíveis, cujo sorriso semeia a loucura e, o desprezo,
o desespero. 0 famoso “sex-appeal", inventado pelas necessidades
publicitárias do cinema, emana mais intensamente destas fealdades
violentas e despóticas quê das belezas dignas da tela e da realeza mun­
dial.
Não há somente aflição imaginária, sensibilidade magoada ou
vaidade ultrajada na base dos pânicos que às vezes se sucedem às
separações, às rupturas. Assim como o toxicômano bruscamente priva­
do do seu suStentáculo químico se apavora com a fragmentação cres­
cente que, de hora em hora, o desorganiza de modo cada vez mais hor­
rível, o homem ou mulher longamente acostumados ao estímulo vivi-
ficante que lhes trazem, ao se integrarem neles, as ondas em cujo cam­
po evoluem, caem em um estado psíquico comparável a uma asfixia
progressiva.
Se existem eflúvios capitosos, que inflamam unicamente a ani­
malidade, há outros que parecem trazer o apaziguamento, dispensar
uma indizível plenitude à vida interior e confortar a própria vida
orgânica. Os que conheceram mesmo que só por uma hora este tipo
de êxtase, dele conservam inextinguível nostalgia, que pode muito
bem conduzir à desesperança e ao suicídio, pois age como um forte
corrosivo da vontade de viver. O retorno à serenidade necessita então
de meios de objetividade superiores.

24
Entretanto, é necessário nótar que a dependência, a subordina­
ção de um indivíduo à irradiação de um outro não possui invariavel­
mente caráter salutar ou simplesmente agradável: vêmo-los ligados a
um ser em que tudo os desagrada, os quais tiveram tempo de avaliar e
de quem tanto a moral como o físico lhe são odiosos. Permanecem
entretanto incapazes de se desviar de seu influxo. Se, por acaso, eles
se libertam durante alguns dias, ressentem-se da ausência ainda mais
penosamente do que de toda a repulsa ou desprezo que lhes inspira-
raram a origem.

25
CAPITULO III

A INTERREAÇAO

1. OS INAPTOS

Dissemos no capítulo I que, para definir o amor em sentido am­


plo, convém limitar-se a considerá-lo como um estado psíquico de­
terminado pela contribuição de imanências sexuais e de uma ou várias
qualificações correspondentes a um ou vários elementos eletivos. Aca­
bamos de ver que, às vezes, este estado provém unicamente de harmo­
niosas ressonâncias radioativas.
A “Engenharia da espécie", imaginada por SCHOPENHAUER
para explicar a inter-seleção, preocupa-se apenas em gerar, mas gerar
cegamente. Se, como pretende o ilustre filósofo, todo impulso indivi­
dual correspondesse a um gênero de premonição indicadora do tipo
melhor qualificado para uma descendência perfeita, as inclinações se­
riam invariavelmente simultâneas. Sabemos que não é nada disso ( ).
A hipótese em questão não produz senão um falso aclaramento, mes­
mo sobre as preferências exclusivamente animalescas do instinto. Ela
não saber ia, por fortes razões, explicar as fusões de almas que perse­
guem, mas não levam avante, as emoções carnais.
Não contestamos o -impulso universal que, sob mil disfarces, es­
força-se em arrastar consigo toda criatura que esteja alheia ao estado
de dar à luz crianças sadias, à união procriadora. Além disso, este im­
perativo não encontra em todos uma idêntica docilidade.
Cada um não acolhe com a mesma complacência a voz do gran­
de Pan. Ela seduz e enlanguesce deliciosamente a alguns e ressoa pos­
santemente sobre seu psiquismo, mas a outros perturba simplesmente
como um prurido ao qual não concederão mais que breves instantes e
interesse tãç> fugaz quando localizado. Conhece-se mesmo casos de
absoluta indiferença, de insuperável aversão. Tudo isto delimita um
primeiro contingente, apreciável, de personalidades refratarias ao
amor, mesmo enfocado tão largamente quanto propusemos. Entre
eles, alguns se casam, vivem em termos toleráveis ou mesmo em relati­
vo acordo com seu conjugue e procriam multiplamente o arbítrio
das oportunidades fisiológicas: ocorreu a engenharia da espécie, não o
amor.
Entre os que uma libido intenso coloca a satisfação das paixões
sensoriais no primeiro plano das preocupações, encontra-se também
uma considerável proporção de inaptos a uma qualquer das seis moda­
lidades psiquicamente amorosas expostas no capítulo anterior, seja
porque seu complexo eletivo seja pobre, limitado às orientações eró­
ticas, seja porque sua receptividade às irradiações é fraca. Eles vêem
as dimensões, os relevos, as massas: os valores estéticos não lhes apa­
recem senão vagamente. Assim como sua gama de diferenciação senso-
rial não está senão esboçada, seus recursos emotivos são limitados, sua
sensibilidade é obtusa e simplista, sua imaginação inerte ou imprecisa
e, conseqüentemente, sem clareza suas representações, com exceção
da série de imagens relativas à experiência e à atividade profissionais.

2. OS PREDISPOSTOS

Comparando essas observações com as cotas utilizadas no pará­


grafo 1 do capítulo II, verifica-se á que, entre os inaptos, os valores
B,C,D,F, permanecem inferiores à média. Entre os predispostos, um
ou vários destes valores ultrapassam grandementé o coeficiente 5 e
a predisposição se enfatiza à medida que o coeficiente aumenta, bem
como o número de elementos majorados. É suficiente, por exemplo,'
uma elevação até 8 do elemento E (a qual implica em no mínimo 6
para o elemento B) para que uma aspiração latente em relação a um
determinado ser se estruture e desabroche até uma cristalizaçao B
dará lugar a necessidades visuais, auditivas, tácteis, etc. suficiente­
mente precisas e variadas para atenuar o tipo condicionado de ma­
neira que todas sejam por ele satisfeitas. O primeiro indivíduo,
assim qualficado, que será percebido pelo sujeito, gravar-se-á em
sua tela' imaginativa com características de preciosidade, de onde
se seguirá o amor.
A elevação do termo C cria a tendência ao sentimentalismo, a
qual, associadas às quais atrai a acuidade de B e de E, caracteriza
uma numerosa série de predispostos.
A aptidão mais extensa, que corresponde à importância conju­
gada dos termos B,C,D,E, multiplica os elementos do complexo a
um ponto tal que uma vida inteira pode transcorrer sem que o com­
plementar integral ou mesmo aproximado seja encontrado. Isto cor-
reponde a dizer quão formidável elevação determinaria seu eventual
aparecimento e que transtornos se seguiríam ao seu encontro.

1. E mesmo no caso da mais perfeita, da mais ardente simultaneidade, os produ­


tos não são sempre necessariamente de constituição superior, nem mesmo satis­
fatória.

28
3. O PARA-AMOR E O AMOR INTEGRAL

Os predispostos, aqueles que possuem em si próprios um


complexo eletivo com complementarismo definido, ou aqueles que
podem afetar profundamente as irradiações psico-fisiológicas, pare­
cem, em última análise, caracterizados por uma certa riqueza nervo­
sa ligada a um condicionamento cerebral singular por sua amplitude
e sutileza. A cada um deles corresponde um tipo de sexo oposto,
idêntico à imagem síntese saída do complexo e com um regime de
radiação em harmonia com suas fibras.

A vida íntima dos inaptos é a sexualidade sem amor, a dos pre­


dispostos faz supor a possibilidade desse último estado, a probabili­
dade de uma ou várias inclinações bastante vivas cujo objeto, mais
ou menos diferente da imagem-síntese, pareça, incialmente, encarná-
la. Quanto à coincidência perfeita, fora da qual o amor integral não
sabería constituir-se, é uma raríssima obra prima, em meio a inume­
ráveis artigos em série.

Para conservar em relação a este absoluto o nome de amor,


chamaremos seus relativos pela expressão "para-amor".

Deste último, observam-se correntemente quatro formas:


- Inicialmente, os erros facilmente fomentados por um efervescente
potencial genético sem válvula de escape. Adolescentes de ambos
os sexos, organicamente vigorosos, são quase fatalmente levados a
isto. Uma silhueta se prende à vista, um rosto se associa aos pensamen­
tos confusos do desejo. O pacto se ata sob á égide da mais fácil ilu­
são. Por seu lado, a juventude predisposta que, além disso, não se
analisa senão superficial mente, não vê nada que não seja agradável
em sua companheira. Aturdida pela paixão devotada à sua pequena
pessoa, atribui-lhe uma magnetização de eterna duração. Pouco a
pouco, cada um toma consciência das incompatibilidades de suas
disposições profundas e da real personalidade do outro;

- Segundamente, a inclinação artificial da maior parte dos noivos.


Com efeito, é suficiente que se manifestem entre dois jovens as con­
veniências que tornam um matrimônio socialmente desejável, para
que, sobre um e outro, avolumem-se sugestões, de onde se seguirão
as freqüentes entrevistas e a atitude acolhedora ou solícita com
que se conta para determinar os interesses a unir. Como, exce­
tuando-se alguma causa fortuita de aversão, cada um não experi­
mentaria, frente ao outro, uma atração que sua extrema juventude
tornaria, por assim dizer, inevitável? O desejo mistura-se mais ou
menos a essa atração e, de boa fé, se crê amar;
- Em terceiro lugar, ocorre às vezes com uma estranha rapidez
que dois seres, incompatíveis sob todos os pontos de vista, se
'encontrem fascinados, atraídos , ligados pela ressonância mútua
de sua radioatividade. Este fenômeno se inicia geralmente por um

29
arrebatamento exaltado das funções genéticas e por uma avidez
recíproca de presença, bem aproximada da toxicomania e da
obsessão.
— Enfim (este pode ser o caso mais freqüente de para-amor) a evidência
de uma das características da imagem-síntese mascara a ausência dé to­
das as outras e a cristalização se faz. Cedo, por uma ingênua injustiça,
o que se desencaminhou reprova o outro por ele não possuir as quali­
ficações que havia acreditado ver.

4. AS FANTASIAS INICIAIS

Sua primeira fase, quase sempre instantânea no amor, mais ou


menos longa no para-amor, se efetua no âmago do inconsciente. Aque­
le que recepciona, se é que pode se dizer assim, registra automatica­
mente as impressões vindas do exterior e as associa mecanicamente
com as representações já gravadas. É assim que, no limiar do complexo
eletivo, vêm ressoar as percepções e recepções de uma natureza análo­
ga à de seus elementos. Enquanto que um certo número desses últimos
é particularmente impressionado pelo aspecto, a voz, a cinemática, a
expressividade e as manifestações psíquicas do indivíduo que inspi­
rará o amor, o paciente não toma consciência senão posteriormente
e de forma indireta. A primeira noção que gèralmente surge é uma
vaga necessidade de retornar à presença do agente. Em segundo lugar,
à satisfação inseparável dessa presença, sucede-se uma modalidade de
simpatia ou admiração que se caracteriza mais e mais claramente co­
mo um computo de charmes de uma tal união amorosa que permita
pressentir a atual imagem do sujeito. Depois, o que STENDHAL
chama "cristalização” começa: o espírito absorve tudo quanto reflete,
seja a indicação de novos atributos cativantes de que seu amor se ali­
mente à primeira vista, sejam diversos motivos de esperança ou de te­
mor dos quais o afeto tem üm pouco. A transfiguração progressiva
do ser amacio desabrocha na sua identificação com a imagem-síntese
ideal oú mesmo seu superlativo. Esta encantadora fantasia atua sobre
todos*os elementos eletivos do complexo e eleva ao máximo as pai­
xões, aspirações e afinidades de onde emanam. Da mesma forma, o
interessado sente um tipo de desabrochar geral, de elevação de seu
potencial psico-f ísico com a mesma potência.
De fato, no decorrer desta fase, observa-se na maior parte dos
casos uma revigoração funcional generalizada que leva em seu ápice
a certeza de uma reciprocidade. Mas se a exaltação emotivo-cerebral
vier a sofrer o choque de uma irredutível indiferença, as inibições, as
desorganizações e as perturbações que daí decorrem manifestam uma
gravidade proporcional à intensidade do impulso inicial. Para uns —
com predominância representativa — tudo se passa no íntimo: de­
pressão, melancolia, psicastenia, etc... Para outros — com predomi­
nância efetiva — o dinamismo obstado em seu curso normal se exte-
rioriza convulsivamente e às vezes sob a forma de impulsos auto ou
hetero destrutivos.

30
5. A REALIDADE MAIS FREQÜENTE

0 que acabamos de dizer abordou o para-amor tão bem quan­


to o amor. Sabemos que o relativo constitui a regra e o absoluto, a
exceção (parágrafo 3). Mas a proporção de atrativos reais e de atrati­
vos ilusórios que cada relativo comporta pode variar ao infinito. Tam­
bém cada caso evolui de forma diferente. Felizmente, permanece bas­
tante elevado o número de indivíduos que, após se deleitarem com o
amor (o mais exatamente depois de haver amado com um amor es­
pontâneo uma imaginária e arbitrária representação mútua) desco­
brem, despojando-se dos atributos que se emprestaram mutuamente,
suficientes qualificações apreciáveis Veais para continuarem a se desejar
um ao outro. Poder-se-ia designar esta transmutação pelo nome de
para-amor derivado. Entretanto, ela exige que nenhum dos elementos
do complexo de um ou de outro tenha uma acuidade muito hnperio-
sa, porque então a incompletude nascida inexistência das caracterís­
ticas complementares agiria como um fermento implacavelmente
dissociador.
O para-amor evolui, geralmente com bastante rapidez, no se­
guinte sentido: do lado masculino, os componentes do estado inicial,
componentes de associação dos quais nasce o entusiasmo, eliminam-se
simultaneamente. O desejo esfria por embotamento, devido às mesmas
percepções reiteradas. As vulgaridades, os defeitos morfológicos, for­
çam o olhar e prejudicam a admiração. As diferenças físicas entre o
objeto e o tipo desejado pelo complexo eletivo se esboçam, se preci­
sam e se tornam nítidas. As divergências de tendências, de gostos, de
sensibilidades e de opiniões, postos à luz pela convivência diária, trans­
formam o impulso primitivamente contínuo em um impulso alternati­
vo, com interrupções cada vez mais freqüentes e tensão cada vez mais
baixa. A imagem improvisada pela cristalização cedo perde sua alma
quimérica e é despojada de véus idealizadores. Ao esfriamento sucede
logo o tédio e depois a desagradável impressão de uma ligação sem
atrativos.
Do lado feminino, ocorre um "decrescendo" análogo, mas, na
maior parte dos casos, os primeiros elementos do amor são substituí­
dos, como essas formações esclerosadas em que culminam as lesões
físicas, por uma série de disposições cujo conjunto perpetua a união.
O amor próprio cede lugar a uma humilhante interpretação do fato
de haver deixado de agradar. O hábito adquirido de se saber objeto
de um ardente interesse no espírito do homem, torna penosa a idéia
de indiferença. Em seguida, a expansão ensejada pelo amor às poten-
cilidades afetivas produz nelas uma necessidade de se dar, muito do­
lorosa quando o objeto se esquiva.
Crendo haver encontrado o eco perfeito de sua vida interior,
ilusão dinamógena de suas latências de ternura, de solicitude e de
afeição, a mulher lhes dá seguimento, compraz-se com sua ativação
vitalizadora e, associando-as constantemente à mesma imagem, esta
última torna-se essencial para ela. Sua retirada desorganiza nela todo
o "modus vivendi" da sensibilidade.

31
Acrescentamos a apreseenção pura e simples de um retorno à
solidão, aquela do "o que vão dizer", eventüalmente o ciúme, a pers­
pectiva em que esta ruptura implica, de perder um apoio ou de sofrer
um prejuízo social e teremos enumerado aproximadamente todos os
fatores do estado, ulterior ao amor dissociado, que perpetua em nos­
sos consortes a ânsia de apropriação do amante ou do marido.

6. QUALIDADES PRÓPRIAS DAS ATRAÇÕES FLUIDICAS

Escrevemos em um trabalho precedente (*): "As finalidades


amorosas escapam freqüentemente à análise puramente psicológica,
porque sua explicação relaciona-se inteiramente como exato comple-
mentarismo de duas emissões e de duas percepções. Durante o idílio,
as comunicações telepáticas espontâneas, as lúcidas intuições e as
premonições clarividentes testemunham freqüentemente o relaciona­
mento amoroso de dois interesses e, quando sobrevêm por parte de
um deles as primeiras evasivas, imaginárias ou verídicas, esta retra­
ção retira invisivelmente das fibras do outro uma dolorosa dissonân­
cia, prenunciadora de rompimentos próximos".
Desde então aprendemos a discernir mais precisamente a ação
às vezes isolada, às vezes conjugada de duas maneiras, fisiológica e psí­
quica da radioatividade humana, que são objeto respectivamente dos
parágrafos 5 e 6 do capítulo anterior.
Vê-se, escrevíamos nós em "Como desenvolver seu Charme pes­
soal" (*2), primitivas levianas cuja possante animalidade impressiona,
impregna, absorve homens sutis e cultivados. A recíproca, ainda mais
freqüente, forneceu ao psicólogo P. BOURGET o tema de "Enigma
Cruel". Nós temos a certeza experimental de que a chave do enigma
não é outra senão o velho magnetismo de Paracelso e de Mesmer.
Vê-se da mesma forma a centelha abrasadora fulgurar entre dois
seres reciprocamente invadidos por sua irradiação orgânica. A paixão
precipita, então os dois interesses um para o outro, "com a violência
de uma força cósmica", como disse PALADAN. Esta atração de alta
tensão, esta projeção cruzada torna-se, nos dois sentidos, saturante, e
ocasiona antogonismo momentâneos, confome a lei de repulsão entre
fluidos semelhantes. Entretanto, logo que uma cena violenta permite a
expulsão da sobrecarga fluídica que originou a saturação, o encanto
reaparece. Desta forma, cenas vílentas alternam-se com entusiasmos.
O fenomenismo próprio às ondas psíquicas difere do precedente
pelo fato de que elas se impõem sem criar necessariamente uma esti­
ma. Um caráter despótico, violento, dotado da vigorosa energia que
permite a continuidade ardente das paixões, submete facilmente, pe­
la linguagem das irradiações subseqüentes, a personalidade cuja entre­

1.. "A Influência à distância, a Transmissão de Pensamento e a Sugestão


mental" do mesmo autor . (Edições Dangles)
2. Edições Dangles

32
ga ele deseja, pelo menos quando aquela não possui os recursos mo­
rais sem os quais não há determinações firmes e inflexíveis. Como a
superioridade de inteligência não faz presumir a força de caráter, daí
decorre que o dominador pode muito bem ser o inferior .0 que existe
de típico no amor suportado, é que o paciente se deixa manobrar
pelo agente a despeito de sua disparidade em relação a ele, a despeito
de suas verdadeiras inclinações , a despeito de seus interesses e fre­
qüentemente sem o menor vestígio de resistência. Como o hipnotiza­
do que executa uma sugestão com a convicção de agir por sua própria
vontade, o homem ou mulher sujeitados pela impregnação mental
encontram neles mesmos a causa de suas passividades. São os predis­
postos em quem a observação revela um verdadeiro masoquismo
emotivo-cerebral. O tipo dessas conjugações, tributárias das disposi­
ções da pessoa que aqui desempenha papel ativo, permanece muito
variada. Tendo o desejo animal como principal móvel, tudo termina
desde que o agente, saciado, transfere para outro seus desejos. Mas,
se, por uma mania dominadora, sua sexualidade se associa nela a
"vontade de domínio", ele não deixa facilmente escapar a presa fle­
xível que dirige, sujeita e freqüentemente humilha.
Poder-se-á contestar nossa interpretação dos casos deste tipo,
mas não anulá-los.

7. A EXCEÇÃO

Que proporção de estruturas perfeitas fornece cada geração?


Seria difícil estabelecer o número, mesmo aproximado. Tão rara
quanto o gênio, a beleza foi outrora deificada. De idêntica raridade,
o amor também foi Deus, não seus relativos usuais, mas seu integral
esplendor. Uma frase antigamente lida, sem que o nome do autor haja
ficado em nossa memória, ironiza " o grande Amor", de que todo
mundo fala e que ninguém jamais viu". Investigou todo o Universo,
essa sabedoria. Pensando bem, é verdade qüe a "vox populi " teste­
munha uma singular clarividência quando, a propósito de uma aven­
tura, estabelece a distinção entre o grande Amor e a atração freqüen-
te. Nossas observações nos demonstraram que a raridade de um está
para a multiplicidade do outro, como um está para seis mil.
Foi ao banal e costumeiro embarque para Cítera que os poetas
dedicaram tanto lirismo? ou a uma transposição ideal? a uma abstra­
ção? Não, pelo que se entende, seus cantos utilizam, na evocação do
amor, o mesmo som de excepcional mas humana realidade empregado
na exaltação do heroísmo vivido.
Para o analista objetivo, o encontro do exato complementarismo
de uma série de escolhas individuais surge, sem dúvida, como a últi­
ma hipótese, mas que às vezes ocorre.
A priori, seríamos tentados a ver aqui um exemplo fácil para o
provérbio "Aos inocentes as mãos cheias". Não parece provável que
as naturezas primitivas, cujas paixões e aspirações permacecam sim­
ples, a total correlatividade se ofereça com profusão? Mil objetos, den­

33
tre os quais nenhum contenha um "desideratum" refinado, poderíam
quase distintamente satisfazer a todo homem sem complicações.
Mas as latências do amor e da paixão total não atingem as mais
elevadas potências senão no âmago dos psiquismos cuja hereditarieda­
de e cultura evoluíram grandemente. Uma sinfonia faz supor a exata
proporção de um elevado número de executantes, todos impecáveis.
Igualmente o grande Amor, imensa palpitação, exige que nas tres
esferas, sensorial, afetiva e intelectiva, todos os timbres sejam repre­
sentados.
No processo do para-amor, vimos como certas impressões vêm
alternadamente procurar eurritmicamente as ressonâncias oferecidas
entre os componentes do complexo eletivo. Das recepções ou per­
cepções vindas do agente, nem todas operam desta forma. A harmo­
nia permanece lacunosa. É uma série de acordos entre pausas e silên­
cios. A cristalização se apóia em postulados espontaneamente imagi­
nados.
Ao aviso do amor, todos os elementos do complexo encon-
tram-se subitamente afetados por uma idêntica harmonia e no mesmo
momento. Mais instantânea e progressivamente, impõem-se a no­
ção da presença de um exato complementarismo. 0 encantamento
surge de repente, em toda a sua ilimitada duração. 0 caráter pacifica­
mente majestoso dessa invasão desafia a que o comparemos ao "amor
à primeira vista" Hr nossos romancistas. Não se trata aqui de simples
choque de dois olha. seguido do abrasamento passional: a contem­
plação, por si, leva à plenitude.
Por mais audaciosa e aparentemente contraditória em relação a
certos fatos que possa parecer nossa afirmação, achamos normal que,
em casos semelhantes, se estabeleça o sincronismo, porque o agente,
sintonizado com o paciente, reage sobre ele de modo eminentemente
atrativo.
Antes mesmo que os dois interessados tenham tido licença para
se expressar, o acordo integral de seus psiquismos encanta seus consen­
sos mútuos. Virtualmente, suas personalidades e seus destinos se con­
jugam, sem a sombra de uma hesitação, sem a menor perturbação e
com toda a serenidade.
Importantes repercussões sucedem-se ao nascimento do amor.
Uma espécie de martelo determina em uma e outra parte, a agitação
de potências afetivas até então estáticas e insuspeitadas. Um dinamis­
mo — tão possante que cada um se assombra em possuí-lo — inten­
sifica todos os tipos de vida interior, ilumina as penumbras, evapora os
resíduos mnemônicos penosos do passado, aniquila os temores e trans­
forma muitos desejos em claras decisões. É ao mesmo tempo um reju­
venescimento e um consolo.
As bebedeiras leves concedem instantes de esquecimento, mas
a nódoa permanece mesmo depois que se dissipam seus vapores. 0
grande Amor, estado psíquico lúcido e permanente, renova o incon-
ciente do qual sua Mocidade preenche toda a extensão, expulsa os li­
mos e reanima os centros vitais em perigo de extinção. Ele reagrupo,

34
coordena e hierarquiza os diversos elementos psíquicos, criando assim
uma convergência que enaltece todas as faculdades.
Uma nova representação dos valores exteriores substitui aquela
que precedeu o choque inicial. Tudo é percebido, apreciado sob um
novo ângulo, verdadeiro revelador, para as pessoas e coisas, do quali­
ficativo essencial.
Em resumo, os ápices individuais respectivos do homem e da
mulher em perfeito complementarismo se completam com uma estra­
nha rapidez: tudo que, timidamente, se elabora, desbrocha como que
por magia.
No amor-paixão clássico, a avidez ansiosa de possessão provém
do sentimento de que ela sozinha assegurará indubitavelmente uma
reciprocidade ardentemente antegozada, mas à qual se teme ter que
renunciar. Neste caso, não há nenhuma pressa, porque as invisíveis
conseqüências da imantação integral produzem uma alegria incessante
e profunda, muito além do tangível.
É este o caso de exceção em nosso tempo. Explica-se porque o
seja. As sínteses individuais se rarefazem sob o efeito das orientações
especializadas que a utilidade exige. Unicamente alguns privilegiados,
cujo desenvolvimento, isento de entraves, aspira a homogeneidade,
vêem o amor sob a égide da representação que conduz à idealização.

35
CAPITULO IV

ESTUDO CLINICO

1. LITERATURA E REALIDADE

Acabamos de apresentar o amor como a excepcional expressão


de um fenomenismo de que as diversas variedades do para-amor consti­
tuem a manisfestação habitual. No início do presente capítulo, onde
nos propomos a definir os principais estados observáveis entre a imen­
sa legião daqueles a quem o fenomenismo em questão perturba ou afli­
ge, uma interrogação surge, previamente: o amor (e o para-amor) resul­
tam de espontaneidades próprias da individualidade hunpana ou de ele­
mentos pouco a pouco integrados ao seu psiquismo pelo concurso das
múltiplas fontes onde se alimentam a imaginação e a sensibilidade?
"É fato, escreve M. Pierre JANET (1) que os homens tenham si­
do sempre amorosos? As damas responderão que sim: é possível. Se se
examina a história não se comprova isto. A propósito deste assunto,
eu lhes recomendo a leitura dos estudos literários que me parecem do
maior interesse: os de M. SEI LLIE RE, sobre o misticismo passional e a
história do romance. Estes estudos são muito curiosos. Eles parecem
nos mostrar que o amor, como o compreendemos hoje, tem uma his­
tória, teve um início, uma evolução e terá talvez um término, o que
nos parece bem bizarro.
"O amor evoluiu. Os primeiros homens não eram tão amorosos
assim; eles deviam se conduzir mais ou menos como animais, não se o-
cupando muito de questões sexuais e da diferença de sexos. Não foi
senão pouco a pouco, por meio da literatura da Idade Média, época
dos romances de cortesia, através de uma literatura que tem seu apo­
geu no romance de Astréia, no século XVII, que nasceu este sentimen­
to que se poderia chamar hoje de divinização da mulher.

1 • Pierre Janet. "A Evolução psicológica da personalidade" (Maloine Editor)

37
"Nós temos um hábito, que aliás começa um pouco a se perder,
infelizmente para as damas, que consiste em divinizar o sexo feminino.
Esta idéia da potência superior da mulher, misteriosa desconhecida
ela não é tanto assim — da mulher impenetrável, todas essas idéias se
desenvolveram em conseqüência de todos os romances de cortesia da
Idade Média".
Mais adiante, M. JANET acrescenta: "Há pois coda uma evolu­
ção social que nos levou a pesquisar estes sentimentos de amor. Todos
eles, que foram construídos pela história, modificados pelas diferentes
civilizações, parecem-me ter uma característica comum que vai ser im­
portante. É que os sentimentos de amor tendem pouco a pouco a dis­
tinguir cada vez mais os diferentes homens uns dos outros".
Três questões se colocam, inicialmente, após a leitura da expo­
sição precedente:
1. °) *0 estado psíquico denominado amor implica necessariamente na
divinização da mulher amada?
2. °) 0 amor procede da divinização a priori de sexo feminino?
3. °) A mulher diviniza o homem pelo qual se apaixona?
Acreditamos que estas três perguntas devem receber uma respos­
ta negativa.
Que o homem de Neanderthal foi inapto para os estados de sen­
sibilidade e de consciência acessíveis ao Europeu moderno, nós admiti­
mos de bom grado com M. JANET. A evocação do que foram os amo­
res do primitivo, parece-nos que PELADAN a esboçou muito verossi-
velmente no "Livro do Cetro". Esse primitivo, absorvido principal­
mente pelo instinto de conservação, tinha perto de si "um outro ser
mais desvalido, a mulher: infinitamente infeliz, presa de mil terrores,
sem força mesmo para satisfazer sua fome. Ao vê-la, o homem foi to­
mado por um desejo intenso e se lançou sobre ela, que fugiu assustada,
defendeu-se e por fim tornou-se dolorosamente presa do homem. 0
desejo renascente do selvagem impacientou-se e depois se afligiu ao ver
a mulher se esquivar e não ceder senão à força; ele pensou em amansá-
la, e um dia, ao invés de se precipitar como um bruto, ele traz sobre
folhas trançadas algumas frutas, um pedaço de sua caça. A mulher ti­
nha fome. Ela comeu e pensou que seria bom paralela que o homem a
cada dia, lhe trouxesse assim a subsistência: ela deu então seu primeiro
sorriso e seu primeiro beijo. Ele sentiu um impressão muito diferente
com essa manifestação de ternura e foi menos brutal: havia nascido o
sentimentalismo e findado a selvageria. Mais alguns momentos e o
amor teria desabrochado, com Eros deslindando o caos de todos os
começos.
Tudo isto permanece o que se denomina um "desígnio" do espí­
rito aliás como o mesmo título das teorias que atribuem à literatura
o nascimento do amor. Mas não parece mais provável admitir que o ní­
vel de sensibilidade e imaginação necessárias a constituição dos estados
amorosos é o caminho para uma série de espontaneidades partindo do
sexual para reagir sobre o afetivo. M. PELADAN parece desta opinião.
Dê a qualquer pessoa simples ou não erudita um romance de
BOURGET e ela sem dúvida não encontrará atrativos suficientes para

38
concluir a leitura e, continuando-a, ela não saberia modificar sua men­
talidade de modo apreciável. Todas as prosas citadas por M. JANET
permaneceríam do mesmo modo inócuas se aqueles que foram sensí­
veis a elas tivessem ficado abaixo do nível no qual o amor torna-se
possível.
Mantegazza, em sua célebre Fisiologia, disse que observou incu­
ráveis desesperos de amor entre selvagens tribos africanos. Há melhor
ainda. Hartmann falou de um cão que fazia cada noite um quilômetro
para visitar sua preferida, embora tivesse a sua disposição várias outras
cadelas apreciáveis. Seu dono lhe prendeu ao pescoço um pesado cepo,
afim de impedi-lo de realizar sua caminhada noturna: tempo perdido.
Apesar deste engenho, o animal continou e retornava cada manhã
exausto e ensangüentado 0). Eis aí claramente o primeiro fenômeno
de seleção, o primeiro elo da cadeia evolutiva, que vai do puro embru-
tecimento funcional à síntese de eletividades sobre a qual nos estende­
mos longamente no início deste livro.
PAULHAN (1 2), depois Joanny ROUX (34 ), distingue do apetite
genético "uma necessidade vaga que deseja ser satisfeita mesmo que o
sujeito consciente não tenha ainda nenhuma idéia precisa da satis­
fação". "Eu estava, diz ROUSSEAU, inquieto, distraído, sonhador:
eu chorava, suspirava; desejava uma felicidade da qual não tinha idéia
e da qual sentia contudo a privação" (4).
Mesmo além das necessidades amorosas próprias da sensibilidade
e da imaginação, necessidades que parecem nascida do desenvolvimen­
to espontâneo e não de uma sugestão literária, resta inda a considerar
o papel atrativo dos complementarismos fluídicos. Uma partícula de
aço diante de um formidável eletro-íman não seria mais imperiosamen­
te erguida, arrebatada e aspirada, como são as fibras de alguns, desde
que u ser irradiando tal freqüência e tal comprimento de ondas curze
seu caminho.
Qualquer que ela seja, julgamos que a necessidade do amor senti­
mental se manifesta não ardentemente quanto a outra, às vezes bem
mais, no civilizado de nível médio. Ora, essa necessidade, contrariada
na maior parte dos casos, ocasiona uma espécie de recalque cujos
prejuízos, menos fragorosos que os dos males freudianos, não são nem
menos penosos, nem menos/)erniciosos.

2. EXPLICAÇÃO

Em relação ao amor, o equivalente do primitivo, considerado


por MM. JANET e PELADAN sob ângulos sensivelmente devergentes,
existe ainda na proporção de 60 a 65%. Ele se porta "mas ou menos

1. Von Hartmann. "Fisiologia do Inconsciente".


2. Paulhan "As Transformações sociais dos Sentimentos" (Flammarion)
3. Roux. "Psicologia do Instinto sexual'’' (Baillière).
4. Damas. "Os sentimentos complexos. O amor. Tratado de Psicologia"
Tomo II (Alcan).

39
como o animal", com a diferença que seu cio não obedece a um ritmo
com periodicidàdes fixas. A respeito disso não é inútil notar que se en­
tre dois perídos de cio o animal não manifesta nenhuma propensão
aos relacionamentos sexuais, é porque sofreu somente a primeira
das duas incitações próprias ao homem: a saturação e a ação sugestiva
dè imagens diretas ou reminiscentes.
Limitado às reações funcionais, o "primeiro" evidentemente não
conhecerá jamais os tormentos de Adolfo ou de Werther. Em contra
partida ele se acha muito estreitamente, muito pesadamente tributário
do jugo fisiológico. Nele, a fome sexual invasora, despótica, se mos­
tra, à falta de uma válvula de escape, incoercivelmente obsedante.
Se bem qua a princípio toda "válvula de escape" lhe convenha
quase indistintamente, o primitivo pode, na ocasião de seu primeiro
desejo claramente localizado (na época da formação), tornar-se um re­
calcado no sentido freudiano. Sabemos como as imagens associadas às
primeiras emoções genéticas impressionam profundamente o incons­
ciente. Ele poderá igualmente tornar-se recalcado se for repelido por
um tipo feminino que lhe tenha despertado um ardor particular.
Fato digno de nota, o caráter simplista do condicionamento
amoroso não imploca em pobreza cerebral: ela se observa mais fre-
qüentemente entre os financistas que entre os trabalhadores.
Segunda categoria: a dos afetivos. Ela compreende não somente
aqueles nos quais a vida afetiva se sobrepõe à vegetativa e à intelectiva,
mas todos àqueles que não saberiam ter uma satisfação sexual comple­
ta sem que as aspirações da sensibilidade concorressem para isso. Para
todos esses, a complementação física mais satisfatória deixa permane­
cer uma incompletude motivadora de depressões nervosas e mesmo de
perturbações psíquicas, se não implica em contentamento sentimental.
Este contentamento é obtido por períodos mais ou menos longos, pe­
lo para-amor. Mas voltam à clinica durante os intervalos nauseantes ou
dilaceradores das pré-rupturas. Eles para lá retornam também quando,
já sob o domínio da imagem-síntese ideal, seu correlativo verdadeiro
se esquiva. Entre os afetivos há, além disso, uma certa proporção de
inaptos a despertar o para-amor e cuja vida interior é uma longa tristeza.
Terceira categoria: os representativos, isto é, não os indivíduos
capazes de concepções representativas — destes encontram-se mü itos
entre os afetivos — mas os homens entre os quais o representativo pre­
domina sobre o afetivo. Filósofos lúcidos ou psicólogos clarividentes,
sua causalidade os inquieta à medida que os esclarece. Daí decorrem
mil ansiedades, mil hesitações,, mil reticências que concorrem para o
que Jean de TINAN denominou "a impotência de amar".. A seu crédi­
to, entretanto, um privilégio: a possibilidade, só a eles reservada, de
dissociar, de eliminar a substância de um sofrimento, de um desgosto
de amor.

Enfim, aqueles aos quais chamaremos, à falta de um termo ade­


quado, de os homogêneos, perfeitamente equilibrados em relação aos
três pianos.

40
3. AS PSICOSES DA PAIXÃO

Na ordem da explicação precedente, um departamento clínico


iniciante deve reunir os diferentes casos de perturbações causadas seja
pelo hiperafodisismo seja pelas reações do instinto genétivo con­
trariado.
O hiperafrodisismo ocorre muita frequência entre os homens de
predominância vesceral. Nós acreditamos determinada por um volume
e atividade anormais das glândulas intersticiais. Consiste em um impul­
so constante e desordenado na direção do erotismo, impulso
que se subordina e governa todas as outras potencialidades. O sujeito
não saberá distrair-se desse jugo que limita constantemente seu hori­
zonte, monopoliza seu pensamento e suas energias ao ponto de pertur­
bar todas as suas tentativas no sentido de qualquer realização. Incapaz
de se entregar atentamente, longamente, ardentemente, a alguma das
diversas empreitadas que a vida civilizada normalmente comporta, ele
se encontra na impossibilidade seja de adquirir uma soma apreciável de
conhecimentos, seja mesmo de aprender a fundo uma profissão. Bem
entendido, o hiperafrodisismo tem seus níveis. Não focalizaremos aqui
senão o caso médio. Para uns passageiro, com regressões que permitem
uma grande atividade que supre a dos perídòs obsedados, ele transfor­
ma outro autômatos funcionais e, em um certo nível de embruteci-
mento, ele tende fatalmente a graves desordens e mesmo à agressão
mais ou menos criminosa.
A adolescência sofre normalmente um momento de psicose que
não tem, aliás, nada de fatal, pois uma educação judiciosa a previne fa­
cilmente. Dissemos e repetimos que a criança, desde a mais tenra ida­
de, é um ser espinhal. Durante os meses que precedem e que se seguem
à puberdade, o adolescente se encontra sensibilizado ao extremo em
relação às impressões genitais e ppder-se-ia dizer que se transforma
num ser sexual, isto é, em quem, por um período variável’ a eferves­
cência amorosa tende a paroxismos sob cuja pressão se volátiliza toda
noção estética ou moral. Por exemplo, dentre os indivíduos do sexo
feminino que o cercam ele é primeiramente impressionado pela femi­
nilidade, depois pela classe social e isto no que concerne aos que têm
com ele parentesco mais próximo. É a idade das ligações perigosas, das
imprudências, das alucinações.
Sempre, entre os primitivos de quem falamos no início do pará­
grafo 2, a avidez de possessão, imaginativamente amplificada por um
determinado indivíduo e depois contrariada, leva freqüentemente à
explosão destruidora, da qual a imprensa nos traz quase cada dia o
eco. Lemos hoje mesmo: "O operário de usina Augusto G.......... ,27
anos, redidente em L......... , estava noivo da Srt.a G. B............. , de 18
anos. Ele havia feito seu pedido de casamento recentemente e havia si­
do aceito pelo pai. A mocinha não estava entusiasmada por essa próxi­
ma união e o demonstrava claramente. Sucediam-se as brigas entre os
noivos. Esta manhã, especialmente, eles discutiram três vezes. Esta tar­
de, durante uma nova discussão. Augusto G............. deu doze facadas

41
em sua noiva, atingindo principalmente a carótida, o que provocou sua
mprte. Depois fugiu e se jogou sob um trem".
Segundo caso típico onde se manifesta a psicose da paixão: o de
"recusa em retornar à vida conjugal". Exemplo: "Um homem deu
cinco tiros de revólver em uma mulher que ele parecia esperar há al­
gum tempo e com a qual acabara de ter uma rápida conversa. A vítima
e o assassino haviam vivido juntos durante oito anos. Haviam rompido
e reatado suas relações diversas vezes. Há alguns dias, a mulher comu­
nicou ao companheiro sua firme decisão de terminar absoluta e defini­
tivamente todo o relacionamento. Foi então que o abandonado se de­
terminou a usar violência". O orgulho ferido ou o interesse frustrado
podem figurar — e freqüentemente figuram — entre os motivos do
ciúme denominado "passional", mas eles seriam insuficientes para
condicionar o impulso se as reações da sexualidade não predominassem.
Ao contrário, entre o esposo ou esposa que mata, seja o infiel,
seja seu "cúmplice", a origem do homicídio relaciona-se quase sempre
com a paranóia ou a megalomania. E depois, há o instinto de proprie­
dade, revoltado com o agravo que sofreu. Enquanto que a atração
amorosa se extingue depois de alguns lustros, a idiossincrasia possesiva
subsiste, o obtusa, cega e surda. O tipo de cólera própria daquele que
abate um gatuno surpreendido em seu campo, também alucina fre­
qüentemente o marido ciumento".

4. O RECALQUE SENTIMENTAL
Nós avaliamos em 65% o número de humanos principalmente
vegetativos, ou seja, cuja vida afetiva, larval, não tem por origens inter­
nas senão as ressonâncias do apetite e, por causas exteriores, as suges­
tões inseparáveis do estado gregário. Os afetivos propriamente ditos,
ou seja, aproximadamente 20% do contingente social, são aqueles de
uma sensibilidade extensa, precisa e bem coordenada. Há tipos inter­
mediários entre as duas categorias. Desde que se torne possível um es­
boço de sentimento amoroso, isto é, desde que o complexo eletivo
comporte os elementos afetivos de seleção, àquilo que Joanny ROUX
denominou a fome sexual vem se associar a necessidade de um tipo de
emoção, de um gênero de estado psíquico, sem o qual há a incomple-
tude ou recalque.
Em um nível hereditário e cultural equivalente, o homem se mos­
tra bem mais puramente sentimental qúe a mulher. Sabemos que, na
opinião corrente, é o inverso que se considera verdadeiro. Entretanto,
o homem separa, melhor que a mulher, suas disposições amorosas da
utilidade. No pensamento da mulher, os elementos do complexo eleti­
vo não se dissociam senão raramente das considerações relativas ao seu
futuro. Ela sonha com o amor pensando em um apoio ou em um pro­
tegido, em uma réplica ou ém uma complemehtação cívica, a uma su­
jeição ou a um reinado. Tudo isso pode ocasionar sentimentos estimá-
veis e proveitosos à vida coletiva ou familiar, não necessariamente ao

42
amor. Dessa forma, a mulher se satisfaz afetivamente com mais facili­
dade que o homem: 97% dos recalcados estão do lado masculino.
Entre esses últimos, observamos:
a) Os casos onde o complexo eletivo não poderá jamais encontrar sa­
tisfação integral, porque alguns de seus elementos requerem um tipo
feminino incompatível com outros determinados elementos. Conside­
remos, por exemplo, um indivíduo definível e pelos seguintes númér&s:
Avidez genética......................... . . 4
Aptidão às diferenciações sensoriais .... 8
Impressionabilidade emotiva.................... 6
Potencialidades sentimentais............. 8
Imaginação................................................... 5
Inteligência ................................................. 7
Este se orienta obscuramente em relação a um conjunto de qua­
lificações estéticas, sentimentais e cerebrais raramente.reunidas na exa­
ta proporção que conviría.
b) Os casos onde tendo encontrado (ou pensa haver encontrado) seu
complementar homogênio, o interessado teve que se afastar por um
motivo qualquer, renunciando a toda perspectiva de união.
c) Finalmente, os casos çm que, tendo obtido e vivido a harmonia
amorosa requerida por seu sêxtuplo condionamento, o sujeito se vê
frustrado, seja por uma mudança de orientação do objeto, seja por
qualquer outro motivo irremediável.

5. A CRISE AGUDA

0 impulso homicida consecutivo ao amor negado é quase exclu­


sivo do primitivo com predoninância do instinto. No sentimental, a in­
diferença leva ao desespero, jamais ao assassinato. Não vamos como o
embrutecimento em que implica o ato de matar seria compatível com
o nível õe sensibilidade necessária à formação de sentimentos amoro­
sos. Seja qual for o ardor dos desejos especificamente sexuais que pos­
sam se aliar a tais sentimentos, tais desejos permanecem subordinados
a eles, o que previne e inive as resoluções e movimentos desumanos.
À certeza de uma recusa inexorável sucede-se, geralmente, um
abatimento acompanhado por um profundo desafeto em relação a tu­
do e a todos. É então que o taedium vitae pode invadir a consciência
com uma rapidez fulminante. Mesmo se essa primeira fase é superada,
o perigo permanece e pode reaparecer, ameaçador, em diversas oca­
siões, porque uma segunda etapa começa, feita de uma obsessiva má­
goa cujos momentos agudos consideram facilmente a morte como úl­
timo refúgio.
As imagens do ser amado revelam o caráter excepcional, único e
insubstituível daquilo que não se obterá. Depois da noção de haver
descoberto seu mais exato complementar, a* perspectiva de uma soli­
dão eterna impregna e gela o pensamento. Mistura-se a ele a impressão

43
de perda imposta por todo insucesso. Tanto mais radiosa é a esperan­
ça, mais pungente é a decepção que se segue.
Finalmente o dinamismo, daí em diante represado e desorgani­
zado, do conjunto de impulsos suscitados pelo amor, se transforma em
revoltas convulsivas de que decorrem, por exemplo, tentativas de en-
ternecimento: cartas de súplicas desvairadas, diligências loucas, escân­
dalos. . .
A inconsciência material ou todo comportamento revelador de
extinção ou de inexistência de disposições amorosas que se acreditava
ganhas í1) tem efeitos análogos aos precedentes, sem todavia atingir a
acuidade, salvo raríssimas exceções. Ao contrário, sua profundidade e
duração parecem ultrapassar as da recusa inicial para a simples. Cura-
mo-nos mais depressa, mas também mais superficialmente de um aban­
dono, do que de uma recusa.
Resta a separação ocorrida após uma desilusão de duração mais
ou menos longa. Ela faz retornar um estado psíquico produzido pela
ilusão, mas cuja intensidade e amplitude são reais e levam ao auge a
animação interior. As almas sentimentais cedo enfeitam com uma in­
finita idealização todo esplendor físico que encanta seus olhos. Eles
cedem com facilidade a esse estado de graça suprema, de êxtase hiper-
físico: a adoração. A miragem se dissipa. Permanece a nostalgia das
inefáveis fantasias que ela criou.
Aqui a crise aguda pode muito bem se declarar, mas mais tarde,
dali a semanas, meses, às vezes anos depois do afastamento. Existem
lentes agonias habilmente disfarçadas em falsas convalescenças e suicí­
dios judiciosamente excecutados de modo que suas aparências de es­
pontaneidade não sejam jamais objeto de suspeitas.

6. OS ESTADOS CRÔNICOS
O estado de recalque faz supor uma abstenção, uma renuncia
voluntária. Em seguida às crises agudas sofridas, o amor magoado,
mesmo que se dissocie lentamente, mesmo que subsiste, comporta um
período muito longo de melancolia, melancolia essa muito diferente
do qüentes do romantismo. A cada instante em que rareiem as necessi­
dades e obrigações diárias, as imagens do passado retornam, obsessivas,
des e obrigações diárias, as imagens do passado retornam, obsessivas.
Seus relevos coloridos e vivos aviltam os do presente para qual o espí­
rito agora se volta cheio de aversão. Tudo parece morno e sem atrati­
vos. As satisfações possíveis no momento: aquelas prometidas pelo fu­
turo próximo ou distante são encaradas com indiferença. As pessoas
do sexo oposto passam, aproximam-se, afastam-se, como sombras im­
pessoais.
A alternância das séries de representações necessitadas pelo pa­
pel social do paciente e a condição imediata que compensa as horas
em que a atenção cessa de ser objetivamente monopolizada, consti­

1. O caso de Hubert de Lauran, em “Enigma Cruel"

44
tuem um verdadeiro desdobramento psicológico de variadas conse-
qüências. Para unsf segue-se uma tendência ao automatismo, à evicçao
de tudo que interrompa e limite seu devaneio retrospectivo. Para ou­
tros, há antes a tendência à fuga por meiò de uma atividade absorven­
te: eles temem ficar a sós consigo mesmos.
Com o correr do tempo — depois de um ou dois anos — ocorre,
para alguns, a gradual desagregação do complexo primitivo, mas isto
não ocorre sempre: o estado crônico pode persistir ad vitam e originar
desordens psiconervosas mais ou menos graves, (enfraquecimento das
faculdades cerebrais, astenia, etc.) levando a uma profunda alteração
da vitalidade. Pode-se perfeitamente morrer de amor.

7. AS CARÊNCIAS

Falamos, no capítulo anterior, dos "inaptos": aqueles em quem


o amor não poderia se desenvolver. Em atenção a esses últimos, veja­
mos aqueles e aquelas cujas potencialidades sentimentais permanecem
sem eco.
Em sua "Fisiologia do Amor Moderno", BOUGET falou dos re­
jeitados, homens condicionados de tal forma que jamais inspiram
amor. Ele os divide em categorias, a saber:
Os tímidos, os desajeitados, os muito inocentes, os pedantes, os
escrupulosos e os repulsivòs.O ilustre acadêmico emprega outros ter­
mos mais "distinto" dos quais nos permitimos substituir os vocábulos
muito precisos por dispensarem comentários.
Ao TÍMIDO, por não ter lucidez de espírito, facilidade de ex­
pressão, desembaraço nas maneiras, falta evidentemente a aptidão sor­
ridente, este desembaraço, esta linguagem charmosa pela qual se
atraem tantas seduções. Mas quando ele encontrar uma mulher com
complexo eletivo correspondente ao seu, será amado. Diremos o mes­
mo dos desajeitados, a quem P. BOURGET atribui os reveses a grossei­
ros equívocos: "aqueles que escolhem, para tentar fazer uma declara­
ção a uma mulher, um dia em que ela agonize de enxaqueca; aqueles
que tentam roubar-lhe um beijo quando, naquela manhã, ela esteve no
dentista e tem ainda em sua bela boca o horrível aroma de ácido fêni-
co ou de creosoto; aqueles que, no campo, para poupar-se de uma de­
claração, arrastam-na por caminhos pedregosos e afastados, à tarde,
quando ela calça sapatos novos que lhe arrancam a pele . . . São mil
nadas que o desajeitado não sabe adivinhar, sobre os quais caminha co­
mo caminharia sobre um calo, com um sorriso inconsciente e que aca­
ba por enfurecer a mulher melhor disposta. E o personagem fica de
boca aberta diante de uma acolhida glacial, onde ele havia inicialmente
encontrado o mais msinuante dos sorrisos (1)".
No caso de um profundo complementarismo, a contrariedade
nervosa será ultrapassada pela atração. Mesmo a mais extrema inocên­
cia ou a excrupulosidade não equivalem necessariamente à rejeição.

1. P. Bourget "Fisiologia do Amor Modçrno".

45
Por REPULSIVOS, designamos os seres afligidos por um tipo de
fealdade que P. BOURGET definiu assim: "Há uma feiúra que ma­
ta o amor, e os que são afetados sabem-no desde sua primeira adoles­
cência. É a feiúra infeliz e malsã, desajeitada e mesquinha, pobre e en­
velhecida antes do tempo. Seja corcunda, mas tenha dentes bonitos,
pode ser que o amem malgrado sua imperfeição. Seja caolho, mas tenha
um perfil charmoso. Seja coxo, mas com um belo olhar. Seja despen-
teado e sujo, com uma aparência de hércules. Seja mesmo um mons­
tro. Há pesquisadoras que o desejarão. Mas, se seu espelho de barba
lhe revela, a cada manhã, em seu rosto e em toda sua pessoa, a fealdade
comum, não espere a experiência para seguir o conselho que a cortesã
veneziana deu a Jean-Jacques: "Lascia le donne e studia Ia mate-
matica (1)".
Destas considerações, conclui-se que só a feiúra baseada na debi­
lidade é eliminatória. Ela o é, em nossa opinião, porque o organismo e
o psiquismo do débil irradiam muito tenuamente as modalidades ener­
géticas de que notamos, no capítulo II, a inegável influência. Uma má­
quina fisiológica vigorosa, uma alma resoluta, implicam, ambas, a des­
peito das aflições morfológicas mas chocantes, na propriedade de mag-
netização e na possibilidade de contínuos apresamentos, sob os nomes
de "magnetismo animal" e "influência telepsíquica".
Entre os REJEITADOS, observamos homens agradáveis tanto
no exterior como no caráter, inteligentes, bem educados, de modo al­
gum perturbados em meio ao mundo, muito observadores para se mos­
trarem cândidos, muito sutis para cometer a menor falta de tato, mas,
no fundo, medrosos, irresolutos e oscilantes.
Felizmente a maioria dos homens assim desqualificados não so­
fre. Eles não se dão conta disso. O jogo dos automatismos sociais os
encaminha, na ocasião oportuna, ao encontro de uma mulher à qual a
perspectiva de ser chamada de madame e um lar, lhe sorriem suficien­
temente para fazê-la aceitara primeira oportunidade de união honrada.
Do lado feminino, não ocorre o mesmo. Aquelas cuja individua­
lidade não suscita jamais as ressonâncias que dão origem ao amor, de­
vem quase sempre resignar-se, seja à perpétua solidãp, seja às breves
passagens que o fogo do desejo masculino oferece à mais deserdada,
implicando na maior parte das vezes em amanhãs perigosos.

1. P. Bourget, Loc. cit.

46
CAPITULO V

ÃUTOTERAPIA

1. O SOFRIMENTO DE AMOR

Para abordar este assunto, é necessário voltar à explicação deli­


neada no parágrafo 2 do capítulo anterior.
O primitivo, cujo desejo às vezes se fixa com uma sombra de
sentimento amoroso, simples eco de um delírio totalmente sexual,
sente, ao se ver repelido, uma contrariedade mais ou menos obsessiva,
não uma mágoa amorosa no exato sentido da palavra. Vimos que fre-
qüêntemente um aborrecimento semelhante ocasiona reações impulsi­
vas. Entretanto, este estado não é irrefreável, desde que o interessado
possua um mínimo de lucidez cerebral, caso em que ele julgará que,
i entre dois males, vale mais escolher o menor. Ceder aos impulsos que
í tendem a arrastá-lo a atos irrefletidos, não pode senão agravar sua con­
dição. Dominar-se e agir de modo a que o desejo esmoreça, a que o
objeto desse desejo se torne rapidamente tão indiferente para ele
quanto era na véspera do dia em que o conheceu, eis a decisão que
suas ponderações não tardarão a levâ-lo a tomar. Ele antegozará um ti­
po de prazer, um gênero de satisfações que lhe são recusadas. Outras
ocasiões análogas ou mesmo preferíveis apresentar-se-ão, futuramente,
sob melhores auspícios. Em matéria de amor físico, o superlativo se
apresenta mais de uma vez na existência de um homem ou de uma
mulher. Dessa vez, ele se apresentou e foi repelido. O melhor a fazer é
retornar o mais rapidamente possível ao estado de equilíbrio, conside­
rando oportunidades futuras que serão certamente favoráveis. A pró­
pria carreira dos sedutores ou sedutoras ditos irresistíveis comporta
uma certa proporção de insucessos. 0 jogador hábil — ou habitualmen­
te afortunado — perde mais de uma partida. O Amor, que, como a
Fortuna, tem olhos vendados, acolhe ou se afasta alternadamente.
Dizíamos, recentemente, a um jovem que nos deixava entrever
uma exasperação suficientemente forte para levá-lo a um ato crimino­
so: '"Se um de seus amigos atirasse em um parceiro de jogo sob o efei­

47
to da contrariedade de perder para ele uma soma elevada, como você
o julgaria? Você mesmo acaba de perder uma partida e, porque a sorte
designou outro ganhador, deseja anular a partida!"
Um pouco de esportiva virilidade é suficiente para fazer encarar
sadiamente qualquer derrota.
Um pouco de eqüidade é suficiente para mostrar a injustiça que
é culpar-se aíguém pelo fato de não havermos agradado.
Um pouco de orgulho é suficiente para manter a decisão de se
exercitar, desde o início da existência, em encarar as adversidades sem
esmorecer.
Um pouco de senso comum e de amor próprio impõe a decisão
de minimizar as conseqüências de uma desgraça, por mais cruel que
ela seja e de superar os reflexos de que resultariam outras aflições ir­
reparáveis.
Essas considerações não terão efeito, como dissemos anterior­
mente, sobre aqueles a quem falta esse mínimo de lucidez cerebral,
sem o qual não se percebe as coisas mais evidentes.
Aos demais, aconselhamos:
1. °) Reduzir a concepção de sua "infelicidade" às justas propor­
ções: às de um simples revés;
2. °) Recorrer ao esforço físico, poderoso derivativo, especial­
mente eficaz em seu caso;
3. °) Associar a ■ ecordação de suas esperanças desfeitas a evoca­
ção de um futuro no qual múltiplas oportunidades lhe darão, repetida­
mente, um contentamento idêntico ao que lhe foi roubado.
O desgosto de amor sentimental, devido a suas implicações psí­
quicas, apresenta uma importância totalmente diversa do caso pre­
cedente. Ele não é observado senão entre os afetivos e os representati­
vos mencionados em nossa tentativa de explicação. Por afetivos puros,
nós entendemos os seres entre os quais o "sensorium" e o "cerebrum"
sofrem continuamente a supremacia da sensibilidade:o coração gover­
na a cabeça e os sentidos. Nenhum método de auto-terapia convém
aos afetivos, porque não são condicionados de uma forma tal que tor­
na impossível para eles subordinar seu pensamento e seus comporta­
mentos a uma diretriz refletida. Eles não se curam de um amor senão
por um outro amor ou sob a influência de um apresamento extremo.
Nós os colocamos no capítulo seguinte.
Os representativos, cujo pensamento refletido apresenta a limpi-
dez, o relevo e a firmeza necessários para modificar seus estados afeti­
vos, são os únicos capazes de eliminar metodicamente o amor pelo
qual sofrem. Tudo que vem a seguir refere-se exclusivamente a eles.
Entre essas duas categorias há, bem entendido, toda uma série
de tipos intermediários. Alguns evoluem do afetivo puro ao represen­
tativo predominante. A educação psíquica, tal como a entendemos, vi­
sa a complementar essa evolução.

48
2. CONDIÇÕES DE AUTO-REAÇÃO

A dissociação voluntária de um estado afetivo necessita de dois


tipos de esforços: recorrer deliberadamente a uma série de atitudes cu­
jo encadeamento resultará no retorno à primitiva indiferença, e a ado­
ção de comportamentos graças aos quais se retomará plenamente o do­
mínio de si mesmo. Na base de tudo, isso, uma resolução se impõe:
é necessário estar-se absolutamente decidido a se libertar, ter o vivo
desejo de desagregar todos os componentes de um estado cujas dispo­
sições indiferentes ou hostis de seu objeto tornam penosas.
Imersa nas intermináveis e dolorosas meditações que lhe são in­
fligidas pelo amor sentimental repelido, chega o dia em que a alma
sente uma surda revolta e um desejo de liberdade. É necessário manter
essa espontaneidade preciosa, nela fixar ardentemente o pensamento,
dela extrair a esperança, a alegria e não soltar essa bússola graças à
qual não se ficará mais perdido em plena escuridão, já que, graças à
sua ajuda, poder-se-á caminhar em direção à aurora e à claridade plena.
A partir do momento em que a perspectiva de uma integral de-
safeição se torna atraente, a partida está virtualmente ganha.
Pode-se então se dedica com prazer àquilo que os psicanalistas
alemães denominaram “a transferência do afeto" (x),isto é, transpor­
tar para objetos estranhos ao amor o potencial de paixão de onde esse
estado extraiu seu dinamismo: considerar sucessivamente todas as fon­
tes de contentamento intelectual, emocional ou material que agradam
às suas inclinações. Um renovado interesse pelo estudo, pelas artes,
por determinados complementos ou ambições, por simpatias momen­
taneamente eclipsadas, ou mesmo por satisfações de segunda ordem:
espetáculos, esportes, viagens, etc., dissipará em breve, para se susten­
tar, uma determinada parcela do dinamismo até então monopolizada
pelo amor.
Às personalidades predominantemente especulativas, aquelas
às quais nos dirigimos aqui, parecerá que, mesmo destinado a uma tra­
jetória infeliz e levando-se em conta seus possíveis desastres, o amor
produz sempre um enriquecimento interior, movimentando fortemen­
te a atividade psíquica. Do mesmo modo que exalta a sensibilidade,
ele aperfeiçoa a acuidade cerebral, alarga o campo das concepções e
anima, nas profundezas do inconsciente, as latências que desabrocham
em novas aptidões. Essa torrente fertiliza mais do que devasta. Consi­
derando bem, não se deixará de sentir alegria. Na atmosfera dessas
reflexões, a provação da qual se sai parecerá menos amarga. Impõe-se
ao espírito que, em última análise, ela comporta uma tal valorização
que não se lamentará o fato de havê-la vivido.

1. Por “transferência de afeto" eles estendem sua inclinação para um outro indi­
víduo . Achamos que essa expressão é susceptível de uma acepção mais ampla.
O que quer que seja, ela possui, em si mesma, um valor sugestivo determinado:
dê origem a idéias vigorosas.

49
Para não abusar de uma expressão de modo inadequado, nós uti­
lizamos indistinta mente, desde o fim do capítulo III, o termo amor,
seja a propósito da excepcional correlatividade, seja a propósito do pa-
ra-amor, seu habitual relativo. Mas os convalescentes não elevem deixar
de considerar que somente o para amar pode não ser recíproco, já
que o termo amor implica na exata e mútua correspondência de dois
complexos eletivos. A própria indiferença do objeto revela sua inade­
quação ao sujeito, demonstra o caráter incompatível dos dois comple­
xos eletivos e, portanto, a necessidade, para o sujeito, de rever a repre­
sentação que ele idealizou do objeto. Freqüentemente se ama a despei­
to de imperfeições claramente percebidas e de evidentes divergências
da personalidade pela qual se está enamorado. Mas, uma vez adquirida
a certeza de não ser amado, a lembrança dessas imperfeições e dessas
divergências atua como antagonista dos componentes do amor em vias
de extinção.
Um dos aspectos da tendência ao abandono de si mesmo que ini­
be, no início, a iniciativa autofterápica, é a sensação de perda, insepa­
rável do revés. Sente-se vítima, porque, em lugar das venturas antego-
zadas, o que na verdade aconteceu foi o desgosto. Como demonstra­
mos, há compensações. Além do mais, é necessário afirmar e repetir
que, a partir do dia em que se resolve reagir deliberadamente, ocorre
um indubitável decréscimo da dor presente. Sente-se vítima em rela­
ção aos outros, àqueles que sabem o tormento que se está sofrendo. É
com toda certeza deprimente saber-se obervado, comentado, olhado
com comiseração, quando não com ironia. Na falta dessa cultura psí­
quica que cria, de uma vez por todas, a mais absoluta indiferença
quanto às apreciações de que se poderia ser objeto, que coloca defini­
tivamente um ponto final em toda preocupação com a aprovação
alheia, é necessário dizer-se que um pronto restabelecimento — no sen­
tido em que o consideram os ginastas — equivalerá a uma réplica bri­
lhante. Pode-se resumir tudo que se disse até agora em cinco palavras:
"Eu posso e eu desejo", e empenhar-se na batalha...

3. DIRETRIZES ESSENCIAIS

Suponhamos tomada a decisão de que acabamos de mostrar os


caminhos. Será suficiente conservar os pensamentos que a libertaram,
determinaram, atraíram, para queMgradualmente, sobrevenha a desa-
feição, após um período bastante longo, em geral seis a dezoito meses.
Este processo poderá ser reduzido para algumas semanas, observando-
se o seguinte:
1-°) Esforçar-se para manter em si um perfeito equilíbrio. Um dos
componentes da melancolia característica do amor iludido reside na
mortificação que substitui as perspectivas de euforia dos sentidos, in­
separável da "cristalização". Imagina-se isto instintivamente, o que ins­
pira a alguns a idéia de procurar na devassidão um paliativo, grave erro
logo punido por depressões penosas. O méte^io ideal consiste em veri­
ficar tudo o que pode concorrer para o mais completo bem-estar inter­

50
no. Inicialmente, organizar seu descanso noturno: dormir de oito a
dez horas em um cômodo bem arejado, silencioso. Prescrição mais
simples de formular do que realizar, mas que convém não declarar, a
priori, irrealizável. A capacidade de dormir do paciente, prejudicada
por sua excitação psico nervosa, se regulariza sozinha se ele se impuser
um regime bem leve, especialmente ao jantar. Pará auxiliar o retorno
ao ritmo normal, não é contra-indicado recorrer a um sonífero. Evi­
tar a intoxicação de origem endógena, causadora de insônia, justifica
a ingestão de um soporífero, menos hocivo do que uma noite em cla­
ro. Além disso, esse recurso será temporário. Após uns quinze dias,
tornar-se-á desnecessário, se não houver desvios graves no regime, so-.
bretudo nas dez horas que precedem a ida para a cama.
A propósito do regime, enquanto o mesmo permanecer muito
rigoroso à noite, será necessário satisfazer o apetite no almoço, de for­
ma qualitativa, entenda-se bem, evitando ultrapassar a quantidade
além da qual, ao invés de ser favorecido, o bem-estar interno desapare­
ce diante do peso, das agitações e das alterações da lucidez do espírito.
Esta última deve visar ao ponto ótimo. Tudo aquilo que, seja de que
maneira for, perturbar o equilíbrio, a limpidez e a agilidade do pensa­
mento, deve ser rejeitado.
Auxiliar-se-á muito a regularização geral, de que decorre essa
contínua satisfação visceral e cerebral, característica da perfeita itran-
qüilidade, praticando a respiração integrahe fazendo um exercício físi­
co agradável, sem ser cansativo. O estado de alma com que se encara
tudo isso desempenha papel considerável. Inicialmente, alguns vêem
nisso uma espécie de "pensum": que se veja principalmente o repouso,
a absorção, em sua fonte principal, da vida, da alegria interior, o cami­
nho da liberdade.
A abundante oxigenação e o exercício contribuirão, além disso,
para trazer, a cada noite, esse suave torpor espontâneo pelo qual o
acesso ao sono se transforma num tipo de volúpia etérea, de partida
fácil para a região do repouso, da qual se torna alerta e plenamente re­
cuperado.
Começar inicialmente impondo-se esforços desproporcionais ao
estado depressivo — coisa que, com uma imprudência olímpica, acon­
selha a maior parte dos adeptos do bem respirar — seria impróprio. É
suficiente, no início, estender-se horizontalmente, a cabeça ao mesmo
nível do corpo, seja nurh local ampiamente aberto, para que, automa­
ticamente, a amplitude dos movimentos respiratórios se acentue. Fa­
zer isto uma hora antes de dormir, por exemplo, difundirá ao mesmo
tempo calma e novas energias. Prudentemente, lentamçnte, negligen­
temente mesmo, se trabalhará, inicialmente, alguns minutos por dia,
depois cinco minutos, etc., a respiração dita ondulada. Eis aqui como
a ensina o Dr. MALACHOWSKY (1):
J'Você está estendido no chão, os braços ao longo do corpo.

1. Dr. Malachowsky, "Você deseja viver vinte anos mais?" Edições Prométhé.

51
"Primeiro tempo: você começa a inspiração projetando o ãbdome para
frente.
"Segundo tempo: você continua a inspiração mas ao mesmo tempo re­
trai o abdome.
"Terceiro tempo: você continua a inspiração que dilata sucessiva mente
todas as partes médias do pulmão, para chegar até o ápice. O diafrag­
ma está então descido à parte mais baixa do abdome e o tórax pode
se dilatar em todos os sentidos ao mesmo tempo. Por um lado, o cen­
tro frênico está contraído e o diâmetro vertical do tórax aumentou;
por outro lado, a contração do diafragma elevou as costelas e as colo­
cou para fora e para frente, causando igual aumento em seu diâmetro
ântero-posterior.
"Quarto tempo: o^tempo da expiração, que se faz simplesmente, com
naturalidade e que será mais evidente se se pronunciar um f..., um f...
mudo.
Os efeitos dessa prática sobre a hematose e, conseqüentemente,
sobre os centros nervosos, merecem amplamente o qualificativo de
"renovadores".
Quanto ao gênero de exercício que melhor se adapta ao estado
que procuramos modificar, é, em nossa opinião, uma longa caminhada
diária, por um caminho agradável aos olhos e ao espírito. Mais tarde,
exercícios físicos um pouco mais fortes terão lugar, desde que o estí­
mulo trazido pelas primeiras atitudes de reação faça aparecer a neces­
sidade de movimento, de esforço muscular, característica de um bom
equilíbrio. O animal e a criança sadia correm, saltam e sobem por pra­
zer. O adulto desintoxicado e fortalecido retoma o gosto pelos jogos
de força e de destreza. Lembremo-nos da consulta do Dr. NOIROT na
"Psicologia do amor moderno" de BOURGET: "Minha pobre máqui­
na nervosa, escreve o doente, após a esforçada tentativa de sessões diá­
rias de esgrima, não me permite mais o exercício violento dos múscu­
los" Eis aí como se desanimam quase todos aqueles que se dedicam
ou voltam a se dedicar ao esporte: eles não medem a transição entre
um sedentarismo debilitante e um esforço que se tornaram incapazes
de sustentar agilmente.
2.9) Mesmo que o paciente tenha cuidado com seus mecanismos
fisiológicos, com sua máquina interna, de modo a se sentir, segundo
uma expressão banal mas insubstituível, bem à vontade dentro de sua
pele, ele se sentirá melhor ainda ao se esforçar em cuidar com a mais
minuciosa atenção de sua estética pessoal. Que ele visite seu oculista,
seu dentista ou seu massagista. Que ele dispense um dedicado interes­
se às suas roupas. Que ele tenha seu rosto bem tranquilo, com o desejo
de não deixar transparecer nenhum traço da mágoa em vias de extin­
ção. Tudo isso não somente desviará, prevenirá os seus pensamentos
obsessivos e ajudará á retomar o gosto pela vida, como também a ati­
tude (1) se refletirá sobre as disposições psíquicas e um conforto real
daí decorrerá (2),'

1. Pierre Janet “O Automatismo psicológico" (Alcan)


2. Le R.P. Eymien S. J„ "0 Domínio de si mesmo" (Perrin)

52
39) Satisfazer a emotividade com o intuito de aliviar a incom-
pletude que ela sofre. A diferença essencial entre o apetite instintivo
puro e simples e o impulso amoroso consiste em que, no amor, as me­
nores impressões sensoriais ressoam harmoniosa e intensamente sobre
a sensibilidade e a imaginação, o que cria uma necessidade psíquica cu­
ja insatisfação pode levar a uma horrível aflição. Os interessados pode­
rão evitar isso procurando a emoção estética em diversos graus. 0$ lu­
gares onde a luz, a decoração, a música e as flores juntam sua magia, a
visão das obras de arte, os espetáculos líricos, os panoramas grandio­
sos, as evocações poéticas, ou as viagens através da literatura, eis o que
se recomenda. Embora o contrário possa parecer indicado, agirão me­
lhor se forem usufruídas pelo indivíduo só e em silêncio: dessa forma,
as receptividades permanecerão plenamente abertas e se impregnarão,
se saturarão sem entraves.

4. °) Preencher o vácuo espiritual; orientar a atividàde;esforçar-


se em realizar suas ambições. Essas três indicações unem-se pratica­
mente em uma só: a ação. É necessário se dar um objetivo, empreen­
der uma realização o mais atraente possível, mas que necessite um tra­
balho regular, disciplinado, concentrado. A escolha será fácil para
aqueles cujas aptidões precisas incitam a alguma tarefa definida. Os
outros sonharão em prosperar, prosaicamente, e a libertar sua mente
da obsessão, governando-a continuamente. Cada um procederá ao in­
ventário de suas paixões materiais, e suas aspirações morais e de sçus
gostos intelectuais. Daí sairão as resoluções. Veja bem, é necessário
eliminar toda a precipitação. Proceder com calma, progressivamente.
Evitar a fadiga e o tédio.

5. °) . Tudo o que acabamos de aconselhar foi experimentado e


colocado em prática à luz de várias centenas de observações. 0 resulta­
do é claro: bem estar, contentamento, alegria, retorno do espírito ao
acesso de perspectivas agradáveis, diminuição rápida da nitidez das
lembranças e das saudades, a um ponto tal que o indivíduo se admira
ao sentir que se tornou indiferente. Entretanto, há um Rubicon a
transpor. Decidir-se-á com a cabeça fria: estabelecer um isolamento
sem retorno entre o passado e o futuro. Queremos dizer: abaster-se de
rever ou procurar rever o objeto, seja em efígie, seja pela forma de
uma evocação imaginativa, com ou sem a ajuda de cartas ou de qual­
quer coisa vinda dele. Substituir tudo isso pela representação antecipa­
da de uma outra pessoa situada num amanhã próximo e a qual não se
tardará a preferir. Cura-se o amor, não a necessidade de amar. Sob o
efeito da dor, os grandes sensíveis juram a si mesmos que, daí para a
frente, não se apaixonarão nunca mais. Isto é infantilidade: devemos
interpretar o inverno de um amor como o anúncio da primavera de
um outro amor.
6. °) Desconfiar das substituições prematuras, isto é, da '‘trans­
ferência do afeto" para uma terceira pessoa; Devido a essa "necessida­
de de amar" à qual acabamos de aludir, há em algumas pessoas magoa­

53
das uma tendência a deixar a confidência operar uma “transferência".
A experiência mostra o perigo de um novo amor concebido sem uma
absoluta dissociação do precedente. 0 objeto do segundo retira seu
charme de suas propriedades anestesiantes, mas a menos que corres­
ponda exatamente ao complexo eletivo do interessado — o que ocor­
re uma vez em cada dez mil — ele desmorona desde as primeiras inti-
midades, porque então aparecem as divergências entre o primeiro obje­
to, eleito por tendências profundas e o segundo, incompatível com as
ditas tendências.
7. °) Considerando o risco da transferência prematura do “afe­
to" e também de um clássico princípio de esgotamento nervoso, é ne­
cessário tomar o mais rapidamente possível a decisão de não falar a
quem quer que seja do que se sente. Os confidentes, os consoladores,
toleráveis no início da crise aguda, passam a atuar como continuado-
res do penoso estado que se pretende eliminar, como diminuidores de
energia. Em sua companhia, sente-se deprimido por inúteis e intermi­
náveis evocações ou comentários. Em lugar disso, deve-se dar as costas
ao passado, evoluir rapidamente e encarar o futuro como, no inverno,
se espera pela chegada da primavera.

4. DIRETRIZES AUXILIARES
Nós consideramos uma cura perfeita, logo que o interessado:
— recobrou inteiramente a paz, a serenidade, o equilíbrio, em
uma palavra, aquilo que objetivam as diretrizes essenciais que acaba­
mos de ler;
— reconduziu sua representação do objetivo à exata veracidade;
— definiu com precisão as incompatibilidades desse último con­
sigo.
Logo que a parte essencial deste programa — a primeira — foi
cumprida, logo que a indiferença inicial é obtida, as duas outras tor­
nam-se atraentes exercícios intelectuais, cuja utilidade — além de agu­
çar o sentido psicológico — é eliminar do inconsciente todos os vestí­
gios do sofrimento recalcado.
Com a ajuda da análise grafológica, fisionômica e, para os que se
interessam pela astrologia, do horóscopo do objeto, poderá ser feito
um lúcido inventário das suas qualificações. Assim se ajudará as lem­
branças, as imagens de observação direta que permanecem nítidos na
memória. Dessa forma, chegar-se-á a ver quem ele (ou ela) é na realida­
de,, e avaliar objetivamente suas qualidades físicas, os valores de sua
sensibilidade, a envergadura de sua inteligência, os limites de sua so­
ciabilidade, etc. Comparando essa imagem verdadeira com aquela
que a cristalização sobrepôs sob a inspiração do complexo eletivo,
uma distância será sentida e concluirá a desafeição.
Embora os seres com predominância afetiva sofram, absoluta­
mente desarmados, as fases contundentes do amor e não guardem se­
não amargura, os representativos não somente podem se orientar e
modificar progressivamente seu estado, mas também dele tirar uma li­

54
ção, um conhecimento mais profundo de si mesmos e do fenômeno
amoroso, um sentido filosófico melhor informado e um vigor moral
mais duradouro.

5. LIBERAÇÃO FLUÍDICA
Nos casos de atração por impregnação, por ressonância eurritmi-
ca (ver capítulo II, parágrafos 3 e 5), a principal causa de perturbação
reside na frustração dessa espécie de morfina irradiante que é o mag­
netismo humano, quando emana de uma pessoa cujo organismo ir­
radia exatamente a freqüência e o comprimento de ondas para as quais
se encontra sensibilizado. Como resulta dessas ressonâncias uma indi-
zível euforia hiper física, sua supressão a substitui por um vazio inco-
mensurável que parece desafiar todos os paliativos.
Entretanto, se se eliminar metodicamente todas as partículas de
substância etérea pouco a pouco acumuladas no decorrer da satura­
ção, sobrevêm a tranqüilidade.
Esta eliminação se opera ativamente por intermédio de banhos
prolongados, por que — o fato é conhecido de todos os pesquisadores
— a água age como derivativo sobre toda acumulação fluídica, quando
se emerge nela. Uma massa de cera saturada de influência humana, ao
ponto de atuar sobre a agulha do aparelho de Bordes, perde toda sua
imantação se é colocada uma hora dentro da água. Outra observação:
o hidrópico do qual se acaba de extrair, por meio de punção, uma cer­
ta quantidade de serosidade, apresenta em geral sinais de desfalecí men­
to no momento em que se afasta dele o recipiente dentro do qual está
o líquido. O conteúdo desse recipiente, fortemente carregado de dina­
mismo vital, permanece em sincronismo com o doente, na medida em
que é deixado na sua proximidade. É quando ele é retirado que a rup­
tura é sentida. Além disso, o efeito calmante dos banhos mornos se
explica, em parte, pela retração do influxo vital que operam.
Na prática, tudo ocorre como se as longas imersões seguidas de
banhos de sol ou de luz azul, a fim de compensar a perda de força que
elas ocasionaram, dessensibilizassem rapidamente a ação de um magne­
tismo humano, qualquer que ele seja.
A eletroterapia dá igualmente bons resultados, notadamente a
alta freqüência, cujos dispositivos foram suficientemente populariza­
dos para que cada um possa procurá-los e se servir deles. Os aparelhos
para o uso do público são geralmente entregues com um eletrodo me­
tálico de auto condução que aconselhamos segurar de preferência com
ajnãQ^esquerda, pois, segundo BARADUC, REICHENBACH e outros,
sendo o lado esquerdo absorvente, o íado direito, por analogia, é con­
siderado como irradiante.

6. LIBERAÇÃO PSÍQUICA
0 apfesamento (ver capítulo II, parágrafo 4), muito diferente
da impregnação magnética, porque não opera por ressonância, mas por

55
sujeição, é extremamente raro. Para que ele ocorra, duas condições, às
vezes reunidas por uma estranha coincidência, são necessárias.
1. °) Por parte do agente, um exaltado vigor psíquico;
2. °) Por parte do paciente, uma extrema debilidade.
Uma mentalidade de senhor feudal, dizíamos em "A Influência
à Distância" (^) faz sempre surgirem servos. Reciprocamente, uma al­
ma escrava atrai infalivelmente seu cabresto. Pois beml não há fraco
que não possa reagir, desde o instante em que sente uma forte aversão
pela perpétua servidão à qual é condenado por sua inconsistência. Co­
mo? Seguindo as prescrições de um bom manual de desenvolvimento
da vontade (2), isto é, impondo-se uma série coordenada de esforços,
graças aos quais será obtido esse absoluto domínio de si mesmo, essa
independência exterior e essa densidade moral contra a qual as in­
fluências exteriores vêm se chocar como as vagas contra o rochedo.
Não poderiamos, em algumas páginas, resumir o ensinamento
reeducativo necessário ao estabelecimento da não influênciabilidade.
Nós nos limitaremos a indicar os esforços iniciais a que devem recorrer
todos aqueles ou aquelas que acreditam suportar alguém.
a) Isole-se o mais possível, no mínimo duas horas por dia. Utili­
ze estas duas horas para estabelecer, se necessário formulando-as, (por
escrito ou verbalmente) suas paixões, suas aspirações, suas eletividades
em matéria de amor. Descreva bem o tipo individual que lhe conviría,
a fim de melhor perceber, por analogia, até que ponto o ser ao qual
você está submetido por apresamento difere do seu ideal. Esse exer­
cício espiritual diminuirá automaticamente sua sensibilidade à influên­
cia do agente.
b) Policie-se, para substituir constantemente suas expressões, ati­
tudes, palavras e comportamentos espontâneos por uma expressão uni­
formemente impassível, uma atitude passiva e fria, palavras deiiberada-
mente escolhidas com o fito de falar da forma mais concisa e calma
possível, enfim, maneiras neutras, sem carinho nem hostilidade, mas
cheias de uma correção distante.
c) Cultive interiormente uma indiferença sistemática por tudo
que se relaciona com a pessoa de cujo apresamento você quer fugir.
Essas três séries de medidas terão, entre outros efeitos, os dè
modificar as disposições do agente, o qual não tardará em parar de se
irritar, a se desconcertar, a se distanciar...
Aqueles ou aquelas que executam o gênero de apresamento em
questão, não se dão, por assim dizer, jamais conta exata desses proce­
dimentos. Providos de uma mentalidade imperiosa, dominadora e des­
pótica, eles são geralmente muito pouco psicólogos para se perguntar
por que processo eles dominarão uma elevada proporção daqueles que
entram em contato com eles. Toda resistência os irrita, exatamente
como uma negativa exaspera a criança cujos caprichos, na maior par-

1. Edições Dangles
2. "O Poder da Vontade** do mesmo autor (Edições Dangles)

56
te das vezes, são satisfeitos. Entretanto, a resistência, depois a irrita­
ção, criam uma depressão proporcional que desorganiza aquele ou
aquela que se vê obstado e desmorona seu potencial de dominação.
Eis o que se passa ao se seguirem as três séries de prescrições ex­
postas anteriormente: o agente ao qual se opõe uma calma e impertur­
bável atitude fica logo constrangido.
Não faltam casos de apresamento imaginário: a interpretação
errônea de determinadas reações internas pode originar a convicção
de que elas se devem a manobras telepslquicas. Essa atitude pode che­
gar quase ao delírio. Ouvimos pobres pessoas nos declararem "que
agiam sobre elas por intermédio da T S. F. (!)". Em outra época, eles
teriam acusado o diabo ou qualquer suposto adepto da feitiçaria. Há
também os impressionáveis, os que se auto-sugestionam: qualquer pes­
soa os perturba, aliás sem que consigam fazer-se aceitar. Há então atra­
ção e aversão, isto é, conflito subconsciente. Por pouco que o rejeita­
do tenha manifestado seu despeito com alguma vivacidade, a lembran­
ça de algumas palavras excessivas que ele tenha pronunciado se as­
socia, no inconsciente, com a perturbação e isso forma um complexo
fértil em indisposições obsessivas, em ruminações alucinantes, em ma­
nia de perseguição.
0 verdadeiro apresamento não apresenta jamais essas caracterís­
ticas psicopáticas. Os dois casos mais típicos que constatamos nesse
sentido envolviam, ambos, um sujeito débil, mas perfeitamente equili­
brado. No primeiro, uma jovem que se sentia claramente dominada
por um homem que seus pais lhe aconselhavam a desposar, ao mesmo
tempo que percebia que ele não lhe convinha sob nenhum aspecto.
"Quando ele está aqui, dizia ela, eu me sinto como que obrigada a fa­
lar e a me comportar da maneira que ele quer". No segundo, um jo­
vem artista em plena ligação com uma mulher "de quem, desde o pri­
meiro momento, ele havia sempre tentado se livrar e que não o agra­
dava em nada".
Os que analisam com esça lucidez seu estado conseguem rapida­
mente se libertar, inspirando-se nas diretrizes que propusemos. Infeliz­
mente, não ocorre o mesmo com os demais.

7. REEDUCAÇÃO DOS REJEITADOS

A maior parte dos rejeitados (capítulo IV, parágrafo, 7) são


também inaptos (capítulo III, parágrafo 1). Para eles tudo transcor­
re sem dor. Da parte dos homens, o inapto-rejeitado, que, por defi­
nição, é ao mesmo tempo incapaz de sentir amor e de inspirá-lo, não
há sofrimento a não ser que falte, nas horas oportunas um "remedium
concupiscencie". Isto se obtém, em geral, muito facilmente. E além
disso, há o casamento. Do lado feminino, os dados do problema dife­
rem. Enquanto que o homem inapto às especificações sentimentais ou
passionais do amor sofre ainda, devido às necessidades funcionais, uma
forte inclinação para a "pessoa" feminina, a maior parte das mulheres,
mesmo entre as de um animismo ardente, não conhece nem o desejo

57
físico, precisamente localizado, nem o espasmo voluptuoso. Sua car­
ne não sente impulsos por outra carne. Os literatos, artistas—ilusionis­
tas, sem dúvida nos contestarão essa afirmação, mas de modo algum os
neurologistas, os fisiologistas, os clínicos. Mas, frígida ou não, a mu­
lher encobre normalmente as potencialidades afetivas (não necessaria­
mente afetuosas ou ternas) que necessitem sua participação na vida, a
não ser no pensamento de um homem. Consideramos a rejeitada como
uma aflita, mesmo que seja ela inapta e compietamente isenta de pai­
xão genética: homenagens, cortesias, solicitações, a falta disso tudo lhe
será tão penosa quanto para outras o é a falta do amor.
A propósito dos rejeitados masculinos, M. BOURGET, cuja se­
riedade se atenua às vezes com uma ponta de humor, publicou há tem­
pos uma estatística da qual resulta que os homens condicionados de
forma a determinar o amor são particularmente numerosos em certas
profissões e particular mente raros em outras. Eis os números dados
por M. BOURGET:
Amantes
Magistrados (juizes, procuradores, tabeliães, etc., etc). . . .5 sobre 100
Médicos..................................................... 10 sobre 100
| Catedráticos......................... 25 sobre 100
Universitários <j Professores ...................... 5 sobre 100
Oficiais <j ** capitão . ........................ »o .obre 100
iAcima de capitao...................... 5 sobre 100
Pintores.................................................................. .80 sobre 100
Escultores .................... 50 sobre 100
Músicos.......... .................................................................... 25 sobre 100
Arqu itetos.......................................................................... 50 sobre 100
Atores — trágicos......................... 20 sobre 100
| tenores ................................. 60 sobre 100
Atores 99 sobre 100
] cômicos.................................
Empregados.......................... 95 sobre 100
Comerciantes s Chefes de seção................. . 25 sobre 100
Patrões,............... .. ............... 5 sobre 100
Jornalistas. ............................ 50 sobre 100
Homens Autores dramáticos............... 20 sobre 100
de < Romancistas.......................... 15 sobre 100
Letras Poetas . ............................... 30 sobre 100
Acadêmicos............................ 1 sobre 100

Agentes de câmbio................................................................ 2 sobre 100


Banqueiros.......... .. ................................................ .. 2 sobre 100
Chefes de Estado (reis,presidentes, ministros) 1 sobre 10.000
Etc., etc.
Segundo diz o autor (^), esses números tendem a provar "que

1. Paul Bourget "Fisiologia do amor moderno" (Plon editor)

58
o homem é tanto mais amado quanto está em posição menos elevada
na sociedade".
Mas o fisiologista parece aqui não haver acreditado dever isolar o
amor do para-amor. Deste último, nós distinguimos pessoalmente se­
tes tipos principais (2) dentre as quais o amor-paixão. Quanto a esse
estado psíquico, aliás o único focalizado em sua célebre obra, a estís-
tica de M. BOURGET nos parece verdadeira.
Considerando a questão sob um ângulo sensivelmente diferente,
observamos:
— um caso de amôr para seís mil de para-amor;
— a aptidão, em vinte e cinco por cento dos homens, em inspirar
eventualmente.um ou outro dos sete tipos de para-amor;
— a existência de setenta e cinco por. cento de rejeitados, dentre
os quais sessenta e cinco por cento preocupam-se mais com a satisfa-'
ção fisiológica que com o complementarismo psíquico:
— a existência de dez por cento de rejeitados que sofrem em sê-
lo.
Atribui-se mais facilmente a rejeição a uma insuficiência de atra­
tivos, de receptividades físicas, do que à inabilidade ou à timidez. Para
os sessenta e cinco por cento de insatisfeitos de nossa classificação,
nós a declaramos devida simplesmente à sua própria indiferença. A
causa principal de toda imantação se manifesta por um apelo interio^
quase sempre inconsciente, mas intenso e contínuo. Quanto aos dez
por cento de rejeitados que sofrem com sua condição, sua própria in-
completude comprova uma sensibilidade ávida, portanto magnetizan-
te. Entretanto, são ou débeis ou sutis com predominância representa-’
tiva, cuja qualidade de irradiação afeta possivelmente uma mulher em
dez mil e apenas toca levemente as outras, imensa maioria, unicamente
receptivas ao eflúvio comum, menos etéreo mas mais caloroso e em-
briagador.
Na prática, o fraco pode sempre se fortalecer, favorecendo em si
mesmo a ativação do centro vital. A coexistência entre um vigoroso vi-
talismo e um psiquismo qualitativo lhe assegura a disponibilidade de
um potencial dessa influência, desse magnetismo, no qual vemos um
dos elementos do charme pessoal (b-
Devido ao fato de não receber do comum das mulheres o tipo
*cte acolhida dispensada ao homem geralmente atraente, o rejeitado se
crê, de maneira errada, fatalmente e para sempre destinado à indife­
rença. Ele se aflige e se isola, enquanto que, justamente porque ele
não recebeu o dom de agradar a uma elevada percentagem de pessoas,
deveria tentar multiplicar suas oportunidades, circulando bastante, de
modo a encontrar o maior número possível de mulheres.
O homem geralmente atraente parece, além disso, mais favore­
cido quanto à diversidade do que quanto à qualidade. Igualmente, a

2. Ver capítulo II, Parágrafo 1.

1. "Como Desenvolver teu Charme Pessoal" (Edições Dangles)

59
mulher atraente é sempre e por tudo imediatamente notada. Elas ins­
piram profundamente o amor àqueles que o inspiram raramente.'
O rejeitado ou rejeitada não o são que em aparência e devido a
circunstâncias que os limitam: tipos excepcionais, somente por um ser
excepcional podem ser amados.

60
CAPITULO VI

PSICOTERAPIA

1. ISOLAMENTO

Nenhum método de autoterapia, por projeto e por dimensão,


convém aos afetivos, dizíamos no início do capítulo anterior, porque
eles são condicionados de uma maneira imprópria à subordinação de
seus pensamentos e ações a uma diretriz refletida. Alguns dentre eles,
embora totalmente incapazes de governar sua sensibilidade, encaram
com nitidez suas mágoas. Eles desejam a volta de sua serenidade. Eles
não pedem senão sentir-se livres, curar-se, observando para tanto as
prescrições e aceitando a intervenção psicoterápica do especialista.
Não se poderia solicitar-lhes o menor esforço ativo, mas uma docilida­
de refletida, cuja ocorrência já demonstra uma evidente superioridade.
Além disso, os grandes aflitos jpelo amor sentimental emergem clara­
mente acima dos medíocres. Pela elevação e intensidade de suas prefe­
rências, de suas dileções, pela integralidade e absolutismo de seus im­
pulsos, eles pertencem a uma aristocracia psíquica, Judiciosamente,
ou em consequência de ilusões generosas, eles se apaixonam sem restri­
ções. No momento em que a união é rejeitada ou termina, que pavo­
rosa tragédia para esses idealistas!
A desgraça ou a ruptura freqüentes criam um estado no qual o
analista distingue a contrariedade sensorial, o despeito, a vaidade feri­
da e a decepção material, estado já deplorável mas de uma gravidade
benigna em comparação àquele que se caracteriza primordialmente pe­
la ruptura de uma simbiose afetiva desenvolvida e enriquecida pela du­
ração.
Em presença desse doloroso afastamento, o clínico precavido
não deixará de notar que se trata de um para-amor e não de uma des­
sas identificações perfeitas (e além disso indissolúveis) às quais con­
vém unicamente a denominação de amor: para-amor em 70, 80% pos­
sivelmente, mas ainda assim, para-amor, isto é, comportando uma pro­
porção de inadequações por cujo intervalo pode-se sugerir o desafeto.

61
Vamos imaginar a paciente ou o paciente, seja nas primeiras ho­
ras de sua angústia, seja depois da clássica ingestão, vomitada a tempo,
da habitual dose maciça de veronal. A primeira indicação que se im­
põe é clara: tranqüilizar, limpar, favorecer por longos e profundos so-
nos. Daí a necessidade de isolar o indivíduo, por exemplo, na tranqüi-
lidade de uma casa de saúde. Como a vigilância dia e noite se impõe
na maioria dos casos, para prevenir o retorno dos paroxismos, é neces­
sário dispor de um pessoal selecionado e perfeitamente instruído.
1. ° Tranqüilizar: o silêncio contribui para isso, o silêncio mais abso­
luto possível, sem ser interrompido mesmo por barulhos de passos,
portas, vozes, de objetos pousados com violência. A proibição de toda
claridade não filtrada por azuis diáfanos contribui igualmente para di­
fundir a calma. Mas a impassibilidade do terapeuta e dos guardas, im-
passibilidade simpática e não fechada, hostil nem reprovadora, é mais
indispensável que todo o resto.
0 profissional treinado na arte da sugestão saberá usar desta elo­
cução precisa, monocórdia, firme e docemente persuasiva que é, por si
mesma, um sedativo. Ele escutará as confidências espontâneas sem
provocá-las de súbito: a exposição detalhada do caso ocorrerá depois
de alguns dias de repouso e desintoxicação. A atitude do ouvinte per­
manecerá expectante, passiva. Ele deverá aparentar admitir todas as
afirmações de seu doente, considerar suas demonstrações como nor­
mais, não emitir nenhum tipo de objeção, comentar prudentemente o
que lhe for confiado e afirmar diversas vezes: "Nós lhe proporcionare­
mos uma perfeita serenidade"; "Seus sofrimentos vão diminuir rapi­
damente"; "Nós o ajudaremos" etc. Para finalizar, afirmar: "Você
irá repousar ainda dois ou três dias e estará então em condições de per­
mitir o exame detalhado de seu caso". O término de cada visita deve
deixar no paciente uma idéia precisa para servir de orientação a seus
devaneios.
29 Limpar: tenha ou não havido uso de estupefacientes, uma lava­
gem, se necessário progressiva, do tubo digestivo e seus anexos, (fíga­
do e rins) seguida de um regime alimentar apropriado à idade e às con­
dições orgânicas do paciente, impõe-se absolutamente. Não um regi­
me triste ou debilitante; menos ainda um que favoreça a elevação de
temperatura e conseqüente dei írio.
3.° Assegurar o sono: se for necessário, utilizar hipnóticos, ao menos
para as primeiras noites. 0 banho morno prolongado, à noite, já é
bem mais útil. Tentar a sugestão, o espelho rotativo e a hipnose direta
se as condições o permitirem. O enlanguecimento vagotônico pode ser
obtido pelo relaxamento muscular controlado.

2. VIGILÂNCIA

A lucidez, a superioridade que demonstra o indivíduo excessiva­


mente inteligente para deixar em mãos experientes o cuidado de pro-
tegê-lo contra seu próprio desespero e de modificar progressivamente

62
seu estado, não significa que ele possa ser deixado entregue a si mesmo
no decorrer do dia e da noite. A todo instante, uma assistência lhe se­
rá assegurada ou mesmo imposta e, na base dessa assistência, é conve­
niente organizar a vigilante observação da higiene, da alimentação, dás
ocupações, do sono do interessado.
Tato, discreção, perspicácia, habilidade persuasiva e formação
especializada são indispensáveis ao pessoal encarregado da vigilância,
porque não estariam à altura de sua tarefa se ela não lhes fosse sufi­
cientemente agradável, condição sem a qual o relaxamento se insinua
entre os melhores elementos.
A diretriz geral a observar por parte das enfermeiras não consiste
essencialmente em espiar as ações e gestos do paciente, más velar para
que tudo contribua para o seu repouso e para todos os tipos de satisfa­
ções aos quais esteja'acessível: um ambiente limpo e, se possível, ale­
gre, um perfeito bem-estar, refeições habilmente apresentadas etc. Ca­
da vez que se consegue impressionar agradavelmente o doente, no físi­
co ou no moral, contribui-se para sua tranqüílidade, incitando-o a re­
tomar o gosto pela vida e fortalecer seu desejo de uma completa recu­
peração.
Assim como se combaterá, pelos corretivos usuais, a inapetência
do interessado ou sua insuficiência de sono, afastar-se-á as inoportunas
visitas de impulsivos ou desajeitados cuja atitude e propósitos o entris­
tecerão ou agitarão.

3. ANÁLISE DO CASO

A fim de sugestionar o paciente de forma compatível com suas


tendências e sua formação, é indispensável o estudo psicológico preli­
minar de sua personalidade. Este estudo necessita de sua confiança
absoluta. Ele será convidado a fornecer ao médico um relato de sua
evolução desde a infância. Evitar-se-á a fadiga e a precipitação na evo­
lução da lembrança, efetuando sessões curtas, cada uma abrangendo
um período limitado da existência: dois a cinco anos. A exterioriza­
ção minuciosa, completa e sincera, dos estados de consciência e ima­
gens diversas registradas no inconsciente desde o início da vida, ajuda
o apaziguamento e prepara um acesso às sugestões psicoterápicas. Os
valores passados, por sua simples revivescência imaginativa, retomam
importância à custa do "afeto" que se trata justamente de eliminar e
que monopolizam os primeiros planos do pensamente, relegando à
masmorra velhas e sedutoras lembranças. Resumindo, enquanto o
doente "se relata", ocorrem três contribuições ao tratamento:

1. ° — o operador observa e analisa;


2. ° — o interessado se libera catarticamente, acalmando-se;
3. ° — a intensidade de suas emoções atuais acrescenta alguma
coisa as do passado.

63
As circunstâncias em que o amor a dissociar nasceu, suas sucessi­
vas fases, particularmente a final, esclarecerão o operador em relação à
forma a dar às sugestões. Recomenda-se também o estudo aprofunda­
do do ser em relação ao qual se deseja que o paciente volte à indiferen­
ça primitiva. Algumas assinaturas, confiadas a um grafólogo sério, per­
mitirão a este último estabelecer um retrato verídico, objetivo, com­
pletamente diferente da imagem ideal sobre a qual se sustém a mira­
gem a dissipar.

4. PESQUISA E REALIZAÇÃO DA HIPNOSE


A sugestão dada em estado de vigília ou de semi-hipotaxia í1)
age às vezes suficientemente, mas é evidente que um estado mais am­
plamente receptivo é preferível. Este estado, a hipnose, é obtido de
imediato sobre 15% das pessoas. Para a maioria dos outros são neces-
sérias de três a quinze sessões para que o sonambulismo aflore. Outro-
ra, o Dr. ESDAILLE, médico do hospital mesmérico de Calcutá, um
dos primeiros que efetuou operações cirúrgicas com anestesia hipnóti­
ca, utilizava, objetivando ganhar tempo, um procedimento que consis­
tia em submeter cada paciente a ação descontinuada de meia dúzia de
operadores que se revezavam de dez em dez minutos. A se acreditar
no relatório endereçado à Academia Real de Londres por um comitê
de médicos, emissários do governo inglês junto a d'ESDAILLE e que
observaram longamente suas experiências, ele conseguia quase invaria­
velmente obter o sonambulismo provocado no decorrer do qual deter­
minava, por sugestão, a anestesia. Há dez anos, o Dr. P. OUDINOT e
nós, a'f im de abreviar o número e a duração das sessões necessárias nos
casos difíceis, tivemos a idéia de administrar um anestésico (éter ou
brometo de etila) em dose fraca e aproveitar o instante em que ocorre
o relaxamento muscular t1) para sugestionat o paciente com a ajuda
de um amplificador ramificado até suas orelhas. Nós conseguimos as­
sim, muitas vezes, dissipar os impulsos suicidas consecutivos a um de­
sespero amoroso. Depois então, tendo conhecido a fórmula Pascal
(scopolamina-cloral), experimentamos esta última, perfeita em nossa
opinião, tanto pela facilidade de sua administração como pelo fato de
que ela permite um despertar progressivo, lúcido, agradável.
Contanto que se assegure uma assimilação rápida, uma dose mí­
nima é suficiente para aumentar a sugestionabilidade, a dar por alguns
instantes às pessoas normais a sugestionabilidade daqueles que BA-
BINSKY denominava de "pithiáticos". As condições mais propícias à

1. Veja nossa obra especial sobre o hipnotismo: "Teorias e procedimentos do


Hipnotismo" (Edições Dangles). O termo hipotaxia, criado por Durand de Gros,
designa os estados em que o sujeito, embora não tendo perdido a consciência, se
acha subordinado às sugestões do operador.

1. Admitimos que há concomitância entre o relaxamento muscular e o apaga-


mento psíquico.

64
experiência consistem em sfdministrar/ pela manhã, em jejum (doze
horas após a última refeição), um preparado composto de :
Bromohidrato de escopolamina , . ....................1/4 de miligr.
Cloral ..................................... 10 centigr.
O paciente deverá, logo após a ingestão do preparado, permane­
cer sentado: se se deitar, arriscar-nos-íamos a vê-lo surpreendido por
um tipo de sono que se tornaria quase instantaneamente muito letárgi­
co para permitir a audição eficaz das sugestões. A enfermeira tomará
conta disso e ficará na expectativa do instante em que a ação do pro­
duto começará a se manifestar. É neste momento que a tentativa de
hipnotização por sugestão deve começar.
Pode transcorrer uma meia hora ou mais entre a ingestão do pre­
parado e os primeiros efeitos. Estes sobrevêm às vezt -’jm alguns mi­
nutos. Esta é uma fase delicada. Trata-se de reconhecer sinais míni­
mos: vacilação do corpo, diminuição do reflexo palpebral, olhar vago
etc. Aqui, somente a experiência dá a certeza, pois as reações variam
de pessoa para pessoa.
O ,operador utilizará então os procedimentos usuais para a ob­
tenção do sonambulismo por sugestão. No decorrer da primeira hip­
nose, somos de opinião que se deve procurar sobretudo sugerir uma
hipnotisabilidade fácil, rápida, e profunda em relação às seguintes, em
seguida a calma e o contentamento. Depois de algumas sessões, uma
vez adquirida a certeza do caráter francamente sonambulóide do esta­
do sugerido f1), o trabalho essencial poderá começar.
Em casos de excepcional dificuldade, a dose pode sér dobrada,
mas é necessário assegurar-se da integridade do coração e dos rins, bem
como dos brônquios, devido à ação vaso-dilatadora da escopolamina.
É necessário notar que, em dose idêntica, a solução injetável age me­
lhor e mais rapidamente que a administrada por via oral.

5. PRIMEIRO GRUPO DE SUGESTÕES

Afirmar subitamente um desafeto ainda incompatível com o es­


tado psíquico do paciente seria a um tempo inoperante e perigoso:
inoperante porque, a despeito de uma aquiescência totalmente superfi­
cial, a sugestão não será aceita com perfeito assentimento; perigoso,
porque então se imporia um tipo de recalque gerador de perturbações
derivadas ou de retorno de estados agudos. Também convém não ata­
car imediatamente o ponto sensível, mas interessar-se inicialmente em
dessensibilizar o terreno. Citamos no capítulo II a definição de P.
BOURGET: "É um determinado estado mental e físico no qual tudo
se abole em nosso pen>amento, em nossos corações, em nossos senti­
dos - ambição, dever, passado, futuro, hábitos, necessidades - somen­
te à idéia de um ser que representa para nós a felicidade”. Visemos

I. Revulsão dos globos oculares, contrações e anestesias cutâneas obtidas por


simples afirmação, execução dos movimentos ordenados etc.

65
suscitar a revivescência daquilo que o amor provocou a supressão, ou
mais exatamente, o esquecimento. Assim, modificaremos felizmente
a condição psíquica do sujeito. Praticamente, com a ajuda das notas
tomadas anteriormente, como indicamos, intentar-se-á obter que o su­
jeito reviva seu passado, desde a casa paterna até o momento em que
se enamorou. Graças à hipnose, que permite, em estado de vigília, a
reconstituição de lembranças esquecidas, a alucinante precisão das
imagens e o monoideísmo, esta primeira fase reeducadora é fácil e in­
tensamente realizável. Sua eficácia é tamanha que ela é às vezes sufi­
ciente.
Uma sessão de sugestão bem organizada deve começar por uma
série de afirmações relativas ao estado geral do sujeito. Enumera-se
lentamente e muitas vezes todas as funções fisiológicas, insiste-se sobre
o fato de que elas se completam perfeitamente bem, em particular o
apetite, a digestão, a atividade respiratória, o sono e a eliminação. Su­
gere-se uma boa impressão coanestésica, depois chama-se a atenção do
indivíduo para as imagens pelas quais a sessão foi principalmente afe­
tada. Em qualidade, isto será um grupo de lembranças. Se se conse­
guir dar ao sujeito a alucinação hipnótica de revivê-los, se se consegue
que ele fique satisfeito e os comente, o resultado será excelente.
Em cada série de imagens, encontram-se quase inevitavelmente
algumas penosas (um luto, uma desgraça, um acidente, uma doença
etc.). Atua-se então no sentido de levantar o moral do indivíduo, di­
zendo-se: "Isto passou. Agora sua vida está em uma nova fase". In­
versamente, prolonga-se as sessões de seu sonho sugerido, quando elas
trazem imagens afetivas atraentes.
Muitas sessões são necessárias a este primeiro "tempo" do trata­
mento. Cada uma delas terminará por afirmações de calma, de sereni­
dade, de contentamento, após o despertar prolongado, gradual, sem
deixar de facilitar as hipnoses seguintes por sugestões convenientes.
Não há nenhum inconveniente em prolongar a hipnose por vá­
rias horas. É mesmo indicado, nos casos em que há a lamentar muita
agitação, muitas crises convulsivas etc.

6. SEGUNDO GRUPO DE SUGESTÕES

Sabe-se que o para-amor resulta geralmente da interposição de


uma representação subjetiva do objeto entre este último e o sujeito.
Sabe-se igualmente que, em certos casos, o complementarismo ou as
ressonância fluídicas desempenham o papel principal. Às vezes, esses
dois tipos de elementos coexistem. Para proceder com segurança, ata-
car-se-á todas as estruturas possíveis do estado a aniquilar. O operador
deverá, como indicamos, documentar-se em relação ao objeto, tê-lo a-
nalisado, avaliado, definido, depois de haver estabelecido, com a ajuda
de confidências do paciente, uma corroboração entre a conduta do ob­

66
jeto e seu retrato psicológico, resultante de sua escrita, de sua fisiono­
mia e, se necessário, de uma observação direta. Assim preparado, o
operador se encontrará em condições de recompor as representações
do sujeito na exata medida da realidade. Ele sugerirá, por exemplo:
"X. . . demonstrou que sob todos os pontos de vista difere da idéia
que você forjou dele. Suas reais características, você as vê claramente
hoje e se dá conta de que ele se tornou indiferente para você." Expor
em seguida o detalhe do verdadeiro retrato psicológico do objeto e ob­
ter, a cada afirmação, o assentimento do sujeito. Se necessário, provo­
car sua concordância levando-o a se lembrar de algum fato que justifi­
que a afirmativa. Terminar cada sessão convidando o sujeito a consta­
tar que ele experimentou satisfação em ver desaparecer de sua vida a
personalidade em questão, a admitir que estava iludido, que se sente
como libertado. A fim de neutralizar o que na atração pode dever-se à
irradiação do objeto, afirmar diversas vezes: "Você se sente cada vez
melhor longe de X... ". Não podemos dar, quanto às fórmulas de su­
gestão, senão as indicações do princípio: elas praticamente se improvi­
sam na atmosfera do paciente, inspirando-se no que se sabe dele mes­
mo, de suas disposições, de seu nível de compreensão, das particulari­
dades de seu caso etc. Uma sugestão modifica muito mais depressa e
mais profundamente um ser quando ela é mais compatível com sua na­
tureza, suas tendências, suas aspirações etc. etc. Tanto mais o opera­
dor se familiarize com a mentalidade do sujeito, melhor ele conceberá
e formulará as palavras destinadas a determinar o desfeto. É uma
questão de tato e intuição.
Fora da hipnose e de qualquer manobra intencional, acontece na
vida diária que uma apreciação, uma reflexão ou algumas palavras,
aparentemente sem importância, contribuem para dissipar a miragem
amorosa. Assim a habilidade do sugestionador desempenha um papel
tão importante quanto sua autoridade.
Sejam quais forem elas, as curas trabalhosas, delicadas, estão pa­
ra as intervenções rápidas e fáceis numa proporção de nove para um.
São as que demandam vários meses; as outras quinze dias, às vezes
menos.
Entre certos indivíduos facilmente hipnotizáveis, nós vimos ob­
ter não somente o retorno à indiferença, mas o esquecimento absoluto
da personalidade do objeto em cinco ou seis dias. Essa alterabilidade
de imagens deve-se não tanto à hipnotisabilidade quanto ao caráter
simplista dos interessados. Se, depois de colocá-los em estado de so-
nambulismo, levamo-los a discernir no objeto toda a sorte de defei­
tos, de ridículos, de particularidades desagradáveis, repugnantes etc.,
eles concordam. Daí a fazê-los admitir que se considerem felizes de
não ter, a partir de então, nada mais a vem com a dita personalidade,
não vai mais que um passo. Na terceira ou quarta sessão, pode-se ou-
sadamente sugerir que mesmo a sua lembrança é penosa, indesejável,
já que se esfuma e desaparece.
No decorrer do intervalo das hipnoses, o operador, prudente­
mente, faz o diagnóstico, isto é, procurará avaliar a importância e a

67
profundidade das modificações obtidas. O resultado normal do segun­
do tempo de cura aparecerá quando o paciente desperto, lúcido, em
paz, puder dizer: "Eu ainda sofro mas não o amo rnais". Neste mo­
mento, o que ele lastima não é mais alguém, mas alguma coisa, ou se­
ja, uma espécie de alegria emotivp-imaginativa resultante de um con­
junto de impressões cuja origem se frustrou.
Daí para frente, os pensamentos do paciente, anteriormente ob­
cecados por determinada imagem, cessam de sofrer esta convergência:
eles apresentam a possibilidade de uma nova orientação. Mas, à abla-
ção sucede um vazio. O amor, se bem que originário de ilusões, cons-
titui-se num estado real, uma sustentação psíquica que extrapola ao
ser amado, ao menos do ponto de vista onde nos colocamos. Aquilo
em relação a que "sofre ainda" o paciente, é justamente a evanescên-
cia do potencial de animação moral difundida pelo amor. Assim con­
vém, nesta fase, não tanto multiplicar as distrações, mas assegurar as
necessidades afetivas, os estímulos apropriados à natureza do pacien­
te. Uma sensação penosa subsistirá apesar de tudo (ela existia antes
do amor), mas imprecisa, tolerável e, mesmo, em determinados mo­
mentos, imperceptível. ,
O vazio, incompletude subsequente a um desafeto espontâneo,
por exemplo, ao vivo sentimento de aversão que surge com a revela­
ção de uma evidente e profunda duplicidade, conduz bem mais ao
suicídio que o fato de não ser ou de não ser mais amado. A toxico-
mania — este suicídio lento — começa frequentemente desta maneira.
Os afetivos (e são eles a quem nos referimbs neste capítulo ) têm cons­
tantemente necessidade de um objetivo ao qual possam ligar-se, em cu­
ja falta sua vida interior se exaure, se aniquila. a
Quando o desafeto é obtido com o auxílio dos procedimentos
psicoterápicos expostos anteriormente, começa a parte mais delicada
do trabalho. Segundo seus recursos intelectuais, o nível do paciente,
sua formação filosófica, suas idéias gerais, suas ocupações, seu círculo
social, deve haver um esforço para discernir em relação a que ou a
quem orientar seus pensamentos imediatos.

7. TERCEIRO GRUPO DE SUGESTÕES

Entretanto, não esquecemos que somente o amor pode preen­


cher uma alma apta ao amor (cerca de 25% ). Seria então um* erro
imperdoável sugerir, para uma cura definitiva, a inacessibilidade.
Além disso, é duvidoso que uma sugestão semelhante pudesse ser efi­
caz. Na hipnose, encontramo-nos em presença de um psiquismo mo­
mentaneamente modificado: a consciência psicológica suspensa per­
mite influir diretamente sobre o inconsciente. Mas este último tem
sua individualidade. Ele tem suas tendências, suas resistências. Não
aceita indistintamente tudo que lhe é sugerido ou mesmo imperiosa­
mente ordenado. Tente obrigar um indivíduo em sonambulismo a e­

68
xecutar, a consentir em um ato contrário às suas idiossincrasias pro­
fundas: ele se recusará. Se você insistisse, ou provocaria uma crise
convulsiva gêralmente seguida do despertar espontâneo, ou então de­
terminaria uma contração geral imobilizadora. Há alguns anos, parece
que ocorreu a idéia a um especialista (especialista teórico, provavel­
mente), de sugerir a seus pacientes: "A partir de agora, você será re-
fratário ao amor". Se se colocasse esta idéia em prática (o que seria
aliás um verdadeiro atentado ao livre arbítrio dos sugestionados) ocor­
rería verossimilmente revolta inconsciente e rejeição das sugestões.
Supondo-se que eles se submetessem, seu resultado implicaria em uma
atonia não somente penosa, mas perigosa.
A terceira etapa do tratamento consistirá então em evocar, na
tela imaginativa do interessado, antecipações compatíveis com sua na­
tureza, um futuro, agradável, visões sorridentes e lhe dar a esperança e
o desejo de reencontrar o equivalente daquilo que lhe foi recusado ou
roubado. Ser-lhe-á sugerido o otimismo, a confiança em si mesmo, a
certeza da continuidade de seu charme, de seus elementos de sedução,
o gosto em cuidar de sua integridade orgânica e de sua conservação es­
tética.
Como os aptos ao amor participam amplamente do que o velho
ocultismo denominava "temperamento venusiano", bastante aberto
às harmonias sensoriais, eles reagem muito bem às sugestões tendentes
a reanimar sua inclinação para a música, os perfumes, os espetáculos
feéricos, as paisagens alegres etc.
A cura pode ser considerada perfeita quando o paciente começa
a esquecer o motivo pelo qual veio se tratar, quando ele organiza suas
distrações, encara projetos para o futuro, manifesta, com seqüência,
com coordenação, o interesse por novos objetivos, quando a animação
e a alegria reapareçem em sua fisionomia e quando ele fala no passa­
do, com uma melancolia moderada mas sem tristeza deprimente, do
antigo amor.
Como transição entre a casa de saúde e o retorno ao modus vi-
vendi habitual, seria aconselhável uma viagem, sobretudo a regiões e
cidades aonde o paciente jamais tenha estado anteriormente.

69
CAPITULO VII

O DOMÍNIO DO INSTINTO

1. UMA DESAGRADÁVEL LACUNA DA EDUCAÇÃO

Se entre os homens não se encontra senão uma ínfima minoria


de predestinados ao amor (aproximidamente um em seis mil) e uma
fraca percentagem com as qualificações necessárias para inspirar uma
das modalidades do para-amor (aproximadamente vinte e cinco por
cento), a quase totalidade dos outros não é menos dominada pelo ins­
tinto genético, isto é, pela sexualidade distinta das eletividades psico­
lógicas, dos estados de consciência abordados nos seis capítulos prece­
dentes.
A importância da função, tanto do ponto de vista individual co­
mo do ponto de vista social, não escapa ao indivíduo, entretanto, suas
manifestações são abandonadas à ignorância e à desordem, pela falta
de uma educação a um tempo preciso e sem lacunas.
Por um lado, a moral, religiosa ou cívica, promulga seus impera­
tivos categóricos, mais ou menos rigorosos, mas dá a entender que a
concordância é suficiente para criar condições de submissão. Ela es­
quece de lembrar que há uma equivalência entre todas as paixões do
instinto e que dificilmente se moderará uma se não dominar prudente­
mente todas as outras.
De outro lado, o oportunismo negligente, o consentimento dos
princípios a toda solicitação do prazer estende-se sem restrições e pro­
duz essa licenciosidade, essa impulsividade, devido às quais os desre-
gramentos mais deploráveis terminam por parecer normais ou inevitá­
veis.
Entre os que anatematisam o amor físico, rebaixando-o ao nível
da decadência, pois o elevam ao nível de uma ofensa abstrata, e aque­
les que professam sua supremacia entre as alegrias deste mundo, ampli­
ficam até o lirismo suas conseqüências sensor ia is, isto é, sugerem a
pior das alucinações, o jovem se encontra bastante desprevenido.

71
Existe uma lacuna a preencher. De tal modo ela é evidente, que,
de ambos os lados, fala-se dela após anos de educação dita sexual. As
obras se parecem. Umas, inoperantes manuais de misticismo dogmáti­
co, valem pouco menos que nada. As outras, guias da libertinagem
preocupada com a profilaxia, exaltam a obscenidade sem, além disso,
ministrar um conhecimento apreciável. Praticamente, nenhuma visa ao
essencial: mostrar a oportunidade de tornar-se senhor de todas as suas
espontaneidades e indicar as condições que devem ser observadas para
isso.
Por certo, tudo isso permanecerá extremamente inconcebível.
Algumas não são disciplináveis senão de forma exterior e coercitiva­
mente: o domínio de si por si mesmo ultrapassa o campo de suas re­
presentações. Estes são os atuais párias, animalescamente individuali­
zados, providos de um psiquismo embrionário, regido exclusivamente
pelas diversas formas de desejo e cuja única salvaguarda são as conve­
niências sociais. Mas entre os outros, entre os aptos à superioridade in­
terior, entre os que lamentam o fato de não saber adequar suas ações
às suas aspirações, notar-se-à que nossas diretrizes sem dúvida ajudarão
a criar a ordem e a serenidade.

2. A BASE DO DOMÍNIO DE SI MESMO

Dada uma função cujas solicitações insinuantes, obsessivas, ex­


plosivas, tornam particularmente difícil de dominar, é claro que quem
quer que se proponha a subordiná-la ao seu pensamento deliberado,
deve subordinar, igualmente, todas as forças orgânicas conexas. Como,
além disso, as solicitações que enfocamos procedem de um estímulo
interno ou da ressonância de uma imagem ou de uma excitação exte­
rior, coloca-se uma questão de regime, de higiene geral e de vigilância à
conduta das atividades ou passatempos. Portanto, ou exercer o auto­
domínio, integral e, como conseqüência, o do instinto genético, ouen-
tregar-se à anarquia interior, com seus correlativos de desregramentos
íntimos.
A educação sexual implica na educação da alimentação, da ima­
ginação, da emotividade, etc. Por ocorrer a interdependência no com­
plexo humano, o intemperante (1L o sonhador e o impressionável
continuarão, a despeito de todos os ritos, de todas as catequeses e de
todas as belas resoluções, a sofrer as imposições de suas perturbações
erógenas na medida em que não houverem disciplinado suas paixões
nutritivas na exata medida de seus recursos metabólicos, regulado seu
pensamento espontâneo e superado seu nervosismo.
Seja autodorhínio, ou esterilidade manifesta em toda doutrina,,,
eis o que nos parece estabelecido (2|.

1. Entende-se usualmente por intemperância: o fato de exceder a medida'


necessária.
2. Veja, do mesmo autor: "Método racional para adquirir o domínio de
si mesmo" (Èdições Dangles).

72
Quanto aos que disserem: "nosso ideal é a máxima freqüência e
intensidade das satisfações sensoriais", nós lhes responderemos da
mesma foram: ainda assim é necessário o autodomínio,..porque a má­
quina humana esgotada se desorganiza, vê se aniquilarem suas possibi­
lidades de ressonância eufórica, seus meios de discernimento e de rea­
lização, o que leva ao enfraquecimento e à incapacidade.
Á base do autodomínio é o apetite, o desejo; é o fato de consí-
derá-lo como uma dignidade, uma prerrogativa, uma superioridade,
um coeficiente de todos os valores, de todas as faculdades. Ele não se
adquire por orações ou pela virtude de uma prática sacramental, mas
pelo esforço deliberado. Pensamos que, se se procurasse estimulá-lo
desde a infância, a inclinação pelo esforço auto-reacional se tornaria
comum, tanto quanto a pelo esforço muscular, ao qual o esporte con­
seguiu atualmente a adesão de multidões, enquanto que, há cinqüen-
ta anos, ele era evitado, senão motivo de vergonha.
Aqueles que compreendem o incomensurável interesse individu­
al que há no fato de colocar o instinto genético sob a dependência da
vontade refletida, consideração o autodomínio em geral cpmo uma
possibilidade à qual lhes será impossível renunciar.
Afora os desagradáveis "acidentes" ou contágios sob cujo risco
se apóia quase exclusivamente a argumentação dos educadores de ho­
rizontes limitados que espreitam os impulsivos, quanta energia e tem­
po gastos pela falta de uma adequada regulagem psicológica, quantos
estudos prejudicados, quantas carreiras entravadas e às vezes desenca-
minhadas, quantas sujeições tão fracamente recompensadas!
O homem melhor dotado, o melhor situado, se permanece sujei­
to às fraquezas passionais, é como um gigante de pés de barro, a quem
uma eventual vertigem produzida por alguma hábil aventureira pode
arrastar, em uma horrível queda, às profundezas do submundo.
Inversamente, o indivíduo ponderado e senhor de si, por mais
.modestamente qualificado que seja, representa, entre as massas de
amorfos, uma densidade capaz de durar, de se afirmar e de realizar
seus intentos.
São indubitáveis as possibilitades de subordinação dos mecanis­
mos fisiológicos à vontade. Mas elas não se constroem menos que a
destreza do equilibrista ou a firmeza de elocução do trágico. Essas pos­
sibilidades são o desabrochar de uma cultura, isto é, de uma série coor­
denada e persistente de esforços. O homem que consegue governar seu
organismo assemelha-se a um virtuòse: os anos de assídua dedicação
tornaram seus automatismos a tal ponto flexíveis que ele os manobra
instantaneamente com soberana precisão.
Para colocar a função de que tratamos sob o domínio da mente,
não é suficiente dizer "o espírito deseja, o corpo deve", nem recorrer
a prática ritualísticas; é necessário regulamentar seu modus vivendi de
forma a prevenir todo eretismo.
Deixemos o que concerne à ética aos especialistas no assunto . O
que nos limitamos a preconizar é a libertação da excessiva servidão do
instinto, o estabelecimento em si da aptidão de se abster, quando jul­
gar oportuno, tão estritamente quanto se deseje, tão longamente quan­

73
to se decida, não importa quão cativantes possam ser as incitações ex­
teriores.
O homem perfeitamente senhor de si pode se colocar, durante
longos períodos, em um estado de absoluta indiferença em relação à
atração física do sexo oposto. A simples satisfação de poder se libertar
à vontade de uma dependência subjugadora, constitui, já, uma ampla
'compensação aos esforços necessários à aquisição do àütqdomrnip.
Além disso, esses períodos de repouso são organicamente rejuvenesce-
dores. Eles permitem a preparação lúcida de obras de longo fôlego, a
concentração do espírito e de potencialidades pára atingir objetivos
importantes e a complementação de tarefas incompatíveis com as liga­
ções passionais.
Com exceção dos meios onde se ocupam das ciências psíquicas,
jamais ouvimos falar do domínio de si mesmo. Aliás, desde a infância,
cada um comenta a exuberância, o excesso ou a devassidão não apenas
com indulgência, mas com benevolência e mesmo admiração; é — se
então mais incitado para isso que para uma tentativa de autodisciplina
interior. ■
Particularmente, o homem levado, manobrado, governado, pela-
imperiosa e*brutal predominância em si dos impulsos do cio, se consi­
dera e se sabe avaliado como um tipo de fenômeno atlético. "Eles se
acreditam muito fortes, escreveu Henri«DURVILLE (1h porque são
fortemente agitados. Eles se imaginam superiormente possantes e são,
na verdade, escravos de sua,luxúria."t) mesmo autor diz também: 'Í3
homem se crê senhor das forças que atuam nele, mas, na maior parte
dos casos, ele é o joguete de suas paixões, de suas atrações, de suas afi­
nidades.
Ele se acredita dono de si mesmo e as circunstâncias lhe demonstram
que sua superioridade nesse ponto deve ser ininterrupta, para não se
tornar presa das forças que acredita comandar. Sem dúvida, elas não
são desprovidas de charme, e quem cede a elas mascara sua decadência
com mil pretextos engenhosos. Ele não se convence facilmente de que
perdeu o comando de sua pessoa e que se deixou arrastar para onde
não queria ir."
Não estamos à espera do dia em que o objetivo principal da pe­
dagogia será cultivar o apetite ou ensinar os meiòs de áutodomínio, is­
to é, a predominância do querer deliberado sobre as manifestações es­
pontâneas.
Até lá, unicamente uma elite terá oportunidade de agir assim.

3. PRECISÕES FISIOLÓGICAS

Todas as irregularidades funcionais originam sobrecargas, esta-


fas, fenômenos congestivos, dermatoses ou hipertemia e ocasionalmen­
te pruridos localizados, quase inevitavelmente erógenos em estado de
vigília ou durante o sono. É evidente que convém prevenir essas regu-'

1. Henri Durville, "A Ciência Secreta*'

74
laridades. A falta de um regime alimentar adequado, isto é, com as de*
vidas proporções de azoto, carbono, hidrogênio, etc. em conjugação
com o temperamento e a atividade do interessado, produz como con-
seqüência uma ruptura do equilíbrio dos humores. Além disso, bem
antes da "crise da limpeza", assim preparada de longa data, os desva-
rios alimentares causam reações ao aparelho genital. Por desvarioç não
entendemos necessariamente grandes bebedeiras ou vastas comilanças:
vinte gramas diários em excesso de azoto, o uso mesmo moderado mas
habitual de substâncias fosforadas, de álcool, etc, são suficientes para
criar estímulos desfavoráveis ao domínio do instinto. Quantitativa­
mente ocorre o mesmo, porque uma alimentação, por mais frugal que
seja, engordura e congestiona, desde que seja muito abundante.
Observem como os fundadores de ordens religiosas mediram es­
tritamente as refeições de seus discípulos. Esses perspicazes observado-.
res, esses especialistas no exercício do ascetismo, não visaram simples­
mente a mortificação do apetite. Eles perceberam uma realidade posi­
tiva: somente a mais extrema sobriedade torna possível a supremacia
da intenção sobre a função, ao menos entre os adolescentes e homens
viris.
Aqui uma pergunta se coloca. A abstenção integral tem inconve­
nientes? Deve ser recomendada?
Entre os sanguíneos supernutridos, os nervosos agitados, os lin-
fáticos sonhadores ou os biliosos trepidantes, brutais vinganças da ani­
malidade, a desordem do sistema neurovegetativo, o domínio da ima­
ginação por representações provenientes da libido, a exasperação psí­
quica, seriam as conseqüências respectivas de uma tentativa de absten­
ção. Dizemos propositadamente "uma tentativa", porque os sutis que
pretendem a castidade possível sem organizar seu processo — isto é,_
sem uma higiene geral sedativa ~ admitem a involuntária válvula de es­
cape noturna como uma consequência normal da replecão vesicular. Na
verdade, trata-se de um fenômeno mórbido. Mesmo ocasional, ele é
deprimente do, ponto de vista nervoso e desorganizador do ponto de
vista psíquico. Como a persistência na extravagante pretensão de supri­
mir as manifestações cuja incoercibilidade se autqcondicionou tende
a acelerar progressivamente*o retorno do espasmo onírico, isso se repe­
te, em certos indivíduos, muito freqüentemente, de forma a alterar de
maneira considerável os mecanismos psiconervosos e o potencial ener­
gético. Vende-se ainda livros nos quais se assegura que a ejaculação es­
pontânea durante o sono é inofensiva. Esses perigosos tratados desen­
caminham a cada ano algumas centenas de jovens que se deveria pro­
curar deter em sua propensão para a decadência (D- Seus autores os
sacrificam, sem dúvida facilmente, ao desejo de conciliar a clientela
considerável dos pregadores que pretendem obter, ou ao menos pres­
crevem a não complementação de uma função, sem nada dizer so­
bre a necessidade de moderar, para permitir que isso ocorra, todas as
paixões conexas.

1. Çonsumpçãb cerebral, astenia, tísica, etc...

75
Precisamente, com a condição de colocar sob vigilância a ativi­
dade genética, isto é, de obsen/ar um determinado número de prescri­
ções coordenadas, a abstenção integral é não somente possível, mas fá­
cil e sem o menor inconveniente.
As prescrições de que tratamos são de dois tipos. Umas têm
por objetivo evitar todos os fatores fisiológicos de intumescência;
as outras, de ordem psicológica, previnem todo perigo de "recalque".
Recalcar seus desejos, reprimi-los imperativamente, brutal e cegamen­
te, é incorporar ao seu subconsciente latências cedo ou tarde desqrga-
nizadoras. Dissociá-las, eliminá-las deliberadamente, transferí-las,
trapsportá-las, este é o método adequado.
No que concerne ao regime alimentar, existe, dissemos, uma
proporção individual, mas eis aqui, utilizando a dúzia como unidade,
as proporções que constituem um verdadeiro progresso sobre os er­
ros habituais:

1 — Carnes e peixes............... . . .................. 2/12


2 — Legumes verdes e frutas frescas............... 4/12
3 — Farináceos, criptógamos.......... .. 1/12
4 — Laticínios, ovos, queijos frescos ...... 3/12
5 — Frutas secas e cereais.......... .. ................. 2/12

As quantidades necessárias a cada um não poderíam ser ava­


liadas senão por ele mesmo e isto não é difícil: é suficiente basear-se
no seguinte critério:
Uma refeição foi exagerada quando, ao se levantar da mesa,
se sente uma sensação de peso. Inversamente, se se sentir alerta,
leve, disposto de corpo e espírito, não foram excedidos os limites
normais.
A bebida básica será a água, filtrada ou fervida, se for possí­
vel. 0 vinho, se for de excelente qualidade e na dose de um copo de
Bordeaux ao almoço, é conveniente. O café, em dose moderada ao
acordar e no decorrer do dia, ajuda a lucidez do espírito. À noite, ele
provocaria a super imaginação: é melhor não utilizá-lo.
Aqui estão, além disso, as recomendações particulares para cada
predominfância humoral.

1.0 PREDOMINÂNCIA BILIOSA — Os tipos com predominância bi­


liosa possuem em geral uma estatura acima da média. Eles têm os bra­
ços e as pernas um pouco compridos demais, os músculos alongados
e firmes, uma pele seca, fibrosa, cuja pigmentação, comparável a uma
folha de papel branco, parece possuir tons de amarelo e verde oliva.
Entre eles ocorre a hiperastenia, excessiva elaboração de energia, que
os leva a uma atividade exagerada. São considerados como enérgicos,
voluntariosos, homens de ação. De fato, eles sofrem a influência de
seu determinismo, que os compele a trabalhar com afinco, á obter
ou a tornar-se sempre mais e melhores, coisa que satisfaz sua principal
característica moral: um orgulho ativo.

76
Entre os biliosos, excessivos por definição, o desejo sobrevêm
em rejadas, estoura como um explosivo, e tende a se desenvolver
com furor.
Um homem com esse temperamento, desejoso de se moderar,
de regular ou suspender ad libitum as manifestações de seu instinto
genético, deverá começar por superar sua avidez por regimes alimen­
tares muito ricos e abundantes. Ele necessita de no máximo cento e
cinqüenta gramas de carne fresca grelhada por dia, uma boa dose de
alimentos crus não ácidos, legumes verdes e cereais perfeitamente
cozidos. Todas as carnes de caça, temperos, crustáceos, açúcares, mo­
lhos, gorduras, bebidas fortes, acendem nele o fogo da concupiscên-
cia.
Além do mais, o bilioso deve aprender a se impor o repouso
imóvel, pois se não reagir contra sua tendência à perpétua trepidação,
o eretismo decorrente causará reações ao aparelho genital. Ao levan­
tar, um longo banho quente seguido de uma breve aspersão de água de
colônia é muito conveniente. À noite, antes de dormir, um banho
morno de uma meia hora previne as exacerbações oníricas e toda es­
pécie de agitação.
Eles se dedicam facilmente aos esportes violentos e ao penoso
esforço muscular. Mas o gênero de esforço necessário para acalmar,
relaxar perfeitamente ó conjunto neuro muscular, contraria vivamente
suas naturezas hiperativas.
O bilioso que compreendeu a importância de se dominar intei­
ramente, praticará, uma vez por dia, no silêncio e na obscuridade, a
imobilidade e o relaxamento.
Poder-se-á acreditar que o conjunto das prescrições anteriores
desvaloriza, energeticamente falando, o interessado. Não é nada disso.
Moderando o regime do motor, não se diminui em nada a sua potên­
cia. Além disso, o apaziguamento cerebral, inseparável dos ritmos or­
gânicos medidos, concorre para modificar de forma muito vantajosa
a mentalidade do bilioso: sua inteligência, anteriormente fechada para
tudo que não fossem ciências exatas, realização, positivismo, etc.,
abre-se à ordem especulativa. Com seu temperamento, ele evidente­
mente deduzirá, de suas incursões ao domínio filosófico, adaptações
práticas, princípios de taylorização da atividade, uma noção objetiva
das durações, que temperará sua tendência à precipitação desvairada,
uma prática que o guardará dos exageros de outrora e muitas outras
vantaqens ainda.
Resumindo, ele adquirirá o domínio de si mesmo, condição
sine qua non ao domínio sobre o instinto sexual.

° —PREDOMINÂNCIA NERVOSA - Estes se encontram entre os


2.
grandes, os médios ou os pequenos, mas, morfologicamente, a altura
da cabeça e do pescoço os caracteriza muito bem. Entre eles a muscu­
latura parece bastante prejudicada. Ao conjunto muscular falta sempre
homogeneidade. Por exemplo, alguns nervosos têm pernas fortes e

77
braços franzinos. A pele trigueira, acinzentada, pálida, é seca e fria.
Enquanto que o bilioso é todo ação, o nervoso é todo emoção e sen­
sação. Sua sensibilidade contribuirá para lhe dar uma manifesta su­
perioridade intelectual, mas tambéfn para torná-lo instável, sinceramen­
te entregue ao estado de alma do momento e depois àquele completa­
mente diferente que se segue. Ele passa, dez vezes por dia, da exalta­
ção à depressão. Ele não se possui. A incoerência entre seus pensa­
mentos e comportamentos desola. Alternadamente místico, senti­
mental, apaixonado, sensual, escrupuloso, indiferente, etc., ele tem,
mais que qualquer outro, necessidade de forjar uma armadura psí­
quica.
Entre os nervosos, o desejo nasce sobretudo no cérebro, por
amplificação auto-sugestiva de pequenas reações locais, por suges­
tão exterior e, para evitar a desordem, lhes são necessários, antes
de tudo, hábitos de pontualidade, um emprego do tempo bem plane­
jado e seguido a despeito de tudo que possa incitá-los a afastar-se de
tais determinações
Sob o ponto de vista do regime, eles têm o maior interesse
em não ceder a seus caprichos, a não usar nenhum estimulante (álcool,
licores, vinhos capitosos, café, chá, etc.). Além dessas proibições for­
mais, o importante é a restrição quantitativa.
As refeições leves, tomadas pausadamente e bem balanceadas,
(quatro pequenas refeições por dia são muito convenientes) ajudarão
a uniformizar neles a elaboração do influxo nervoso, a manter estável
seu tônus energético. Que eles absorvam de tudo, mas em doses extre­
mamente pequenas, variando freqüentemente. O vinho bastante mis­
turado com a água é tolerável, exceto na refeição da noite. Aqui,
a mais estrita sobriedade se impõe, se se pretende obter um sono rá­
pido, tranquilo, profundo, ininterrupto e perfeitamente calmo.
Ao saltar do leito, o nervoso deveria tomar uma ducha escocesa.
Em caso de superexcitaçao, ele recorrerá ao banho morno.
A questão movimento desempenha um papel importante na fisi­
ologia do nervoso. Ele tem necessidade de exercícios suaves, muito
freqüentes. Por exemplo, uma série diária de movimentos lentos, com­
binados de maneira a percorrer toda a extensão dos músculos. Os es­
portes violentos e todo esforço muscular prolongado até a fadiga
desorganiza e deprime as pessoas com predominância nervosa.
O que importa acima de tudo é a dedicação ao trabalho: regula­
ridade de horários, disciplina na atenção, silêncio, nenhuma dissipa-
ção, além de repousos prefixados de quinze minutos.
Durante seus períodos de lazer, que o nervoso evite a agitação,
que refreie sus propensão a se desgastar verbalmente, discutindo de
omni re. seibili, a se entregar as extravagâncias, a procurar a aprovação
ou a simpatia. (1)

1. Que ele se esforce por merecer sua própria estima: a dos outros virá então a-
ele sem que a procure.

73
Para o nervoso é mais fácil de se abster rigorosamente. É ele
também que se acha melhor condicionado para sentir a alegria de
subjugar seus comportamentos às suas concepções, ao seu ideal.

°3. - PREDOMINÂNCIA SANGUÍNEA-Os sangüíneos têm geral­


mente o tronco um pouco maciço e devido a isso transmitem uma
particular impressão de robustez animal. O que os caracteriza princi­
palmente é a importância do sistema cardiovascular e uma supera-
bundância sangüínea que os torna congestionados, túrgidos e vio­
lentos. Sua pele, quente e úmida, é rosada na juventude, depois
vermelha e com "couperose". Seus centros nervosos, bem irrigados,
os tornam cerebralmente ativo*s, assim como seus músculos supernu-
tridos os incitam ao esforço físico. Todos os seus apetites são muito
ardentes, suas tendências, simpatias e aversões exageradas. Pode-se
dizer que eles literalmente "ardem em chamas". Entre os sangüíneos,
a necessidade funcional, a menos que se modere todo o conjunto
orgânico, é obsessiva, penosa e tirânica. Ora, eles têm apetites pouco
ascéticos e fazem pensar nos personagens de Rabelais, que facilmente
passavam a maior parte de seu tempo "banqueteando-se e bebendo
abundantemente presuntos, garrafas e patês".
O homem com esse temperamento, que deseja se tornar senhor
de seus instintos, deve começar por se impor um regime frugal, sem
nenhuma espécie de carne fresca, sem especiarias, açúcar, vinho ou ál­
cool. As substâncias vegetais, suavizantes, diluídas, as frutas frescas,
saladas sem temperos ácidos, é o que lhe convém.
Para evitar as estafas e ímpetos congestivos, o sangüíneo deve
não somente fazer exercícios bem regrados, mas também praticar a
respiração profunda e a hidroterapia. A refeição noturna, em especial,
deverá ser extremamente leve. Deverão passar-se duas horas inteiras
entre o fim dessa refeição e a hora de dormir, evitando-se, durante es­
sas duas horas, todo motivo de agitação, abstendo-se ainda de ingerir
seja o que for.
O sanguíneo pode reduzir consideravelmente suas horas de sono:
seis ou sete horas lhe são suficientes. Em matéria de regime apropria­
do, é na atividade bem ordenada e concentrada que ele achará o me­
lhor meio de disciplinar sua natureza.
A dieta hídrica freqüente e a utilização de águas sulfurosas sódi-
cas, para assegurar periodicamente a purificação dos humores, comple­
tarão as prescrições favoráveis aos homens com esse temperamento.
Tudo isso pode parecer rigoroso. De fato, a possibilidade de abs­
tenção sem problemas exige essa ponderação que, além disso, evitará
aos interessados toda a gama de afeições para as quais os encaminhai^
seus condicionamentos e suas tendências: cardiopatias, distensões de
veias, hemorragia cerebral, pneumonia, diabete, cálculos renais, enfi-
sema, eczemas e outras dermatoses.
Regrando judiciosamente suas paixões e levando uma vida bas­
tante ativa, o sangüíneo subordina, em algumas semanas, suas reações

79
funcionais e se a obra à qual se dedica o apaixona suficientemente,
monopoliza sua atenção, suas potencialidades, sua sexualidade se man­
tém sem esforços em plena letargia.
Se, ao contrário, se pretende obter de um sangüíneo, logo de
início, o refreamento de seus desejos, deixando-o, por exemplo, inge­
rir os alimentos incendiários pelos quais tem natural predileção, haverá
ou uma luta extenuante que terminará inevitavelmente em derrota, ou
uma obsessão, cedo ou tarde perigosa.

°)
4. PREDOMINÂNCIA LINFÁTICA — O velho ocultismo es-
quematiza os quatro tipos de humores simbolizando o bilioso por um
anjo, o nervoso por uma águia, o sangüíneo por um tigre e o linfático
por um boi.
Realmente, o linfático, espesso, atarracado e pesado, tem qual­
quer coisa de bovino. Nele, o abdômen e a parte inferior da fisiono­
mia apresentam um desenvolvimento excessivo. Suas carnes são moles,
úmidas e frias; suas associações de idéias, seu modo de andar, sua ati­
vidade são lentas. Sua natureza é isenta dos ardores passionais do bi­
lioso, da agitação nervosa e dos fortes impulsos congestivos do san-
güírieo. Na aparência, ele é facilmente disciplinável, bastante inerte e
pouco atormentado pelos sentidos.
Entretanto, ele tem três inimigos: a indolência, a preguiça, o de­
vaneio e, se esse último conseguir dominar sua imaginação, ele o con­
duzirá facilmente a uma grosseira sensualidade, fértil em aberrações
passivas.
O linfático se volta na direção do menor esforço, da inércia e
do automatismo dos hábitos adquiridos definitivamente, como a agu­
lha da bússola que tende sempre em direção ao Norte.
Para se dominar, é à sua imaginação que ele apela, isto é, antes
de tudo lhe é necessário aderir a uma doutrina que exalte o desenvol­
vimento da energia, da iniciativa, do gosto pela ação voluntária. Que
ele recorra, para tanto, aos textos, às exortações, à sugestão pelo
exemplo; que ele procura a companhia de homens enérgicos, ativos,
empreendedores, viris.
Seu regime alimentar visará sobretudo à moderação das quanti­
dades. Alguns estimulantes lhe são permitidos. Ele evitará os excessos
de hidrocarbonetos e de gordura, a cerveja, o leite, os doces, açúcares
e licores.
O linfatismo parece frequentemente ligado à insuficiência da ti-
róide e a carência de iodo, fósforo e enxofre, que podem ser facilmen­
te corrigidas.
Mas o que é essencial para todos os indivíduos desse tipo, é uma
diretriz, uma orientação psíquica, um objetivo determinado, uma ati­
vidade bem coordenada, ritmada por repouso e longos sonos.
Pela prática assídua da respiração profunda, da ginástica sueca
e da hidroterapia, um linfático evolui pouco a pouco para um tempe­

80
ramento sangüíneo, isto é, ele se equilibra, após dois ou três anos de
reação séria.
O inconsciente do linfático reage muito devagar às idéias, às ima­
gens, aos exemplos, tão lentamente que se acreditaria ser ele despro­
vido de sugestionabilidade. Na realidade, apesar de sua expressões es­
táticas, possui uma imaginação profundamente flexível. Aquilo que
ele lê, ouve, vê, deixa nele uma forte impressão que, cedo ou tarde
passa da forma estática à dinâmica. Henri BERAUD disse a respeito
dos alemães - dois quais um número considerável pertence à categc-
ria dos linfáticos - que eles têm um “crânio furado'*, no qual deposi­
tam tudo que desejam. Eis aí uma feliz comparação da qual os educa­
dores podem tirar proveito.
O adolecente pálido, com adenóide, com a fisionomia suave e
olhos inexpressivos, sofre a influência de suas leituras mais fatalmen­
te que um nervoso instável ou um sangüíneo violentamente decidido.
O fato de se cansar fisicamente, no ginásio, por exemplo, age favora­
velmente sobre ele: nada fortifica tanto seu moral como o esforço ru­
de, contrário às suas tendências à indolência^).
Quando consegue “transpor a corrente" de seu determinismo
fisiológico, o linfático, ponderado por definição, governa facilmente
suas paixões.

4. NOÇÕES PSICOLÓGICAS
Dizíamos no primeiro capítulo, parágrafo 5, que, comparativa­
mente à noção do “lugar geométrico" a imaginação é o lugar “psicoló­
gico" das manifestações do amor. No que tange à paixão genética, a
imaginação reage internamente ao eretismo local e, externamente, por
percepções visuais, olfativas e tácteis diretas, por sugestão verbal, lite­
rária ou de espetáculos. A observância das indicações de ordem fisioló­
gica anteriormente abordadas suspende o curso dos fatores internos de
imagens eróticas e dessensibiliza a mente relativamente à ação das ima­
gens diretas exteriores, é necessário, mas não suficiente. Falta ainda
tomar em consideração o espetáculo, a literatura e a possível influên­
cia dos conceitos que se ouve, sem esquecer a influência daqueles que
são ouvidos, em Sua maior parte esquecidos, mas que, registrados no in­
consciente, concorrem para formar as disposições gerais do espírito,
a deixar subsistir, em particular, à convicção de que a realização da
satisfação física pertence ao domínio das conjunções carnais. “A car­
ne, disse PALADAN, promete muito aos olhos mas oferece muito
pouco de palpável". Superestima-se freqüentemente, de forma exage­
rada, tanto no qualitativo quanto no quantitativo, o prazer ligado à
cópula. Inconscientemente, os jovens se deixam dominar por essa su-
perestimação, pois as atitudes de certos homens parecem justificá-la,
porque a literatura é urdida nela, porque o teatro especula freqüente-

1. é necessário que esse esforço rude seja realizado de forma progressiva pelo
indivíduo, não o constrangendo, inicialmente, por uma dose maciça.

81
mente sobre o assunto. Pudemos avaliar que a vida de dezenove em
vinte de nossos contemporâneos transcorre em que eles sequer sonhem
em se libertar do jugo dessa sugestão, que convém entretanto eliminar
em primeiro lugar, quando nos propomos a dominar nossos instintos,
ou simplesmente encarar com objetividade o que se relaciona com as
funções reprodutoras.
Há uma segunda sugestão, que pouco a pouco se insinua, disse­
minada entre os homens desde a adolescência e que é suficiente para
inibir, na maior parte deles, toda tentativa de estabelecimento de au­
to controle: é a afirmação, totalmente gratuita, de que é possível do­
minar o instinto sexual. É inútil tentar dominá-lo, dizem , pois ele se
sobreporá infalivelmente a seus vãos esforços. Com FREUD e a "libi-
do", falou-se mesmo de pan-sexualismo. Posteriormente, a concepção
primitiva da "libido" se alargou de forma considerável.
Nós aqui a substituimos pela noção, mais realista, de avidez.
"Esse termo avidez, escrevíamos nós em uma obra precedente (l) é
geral mente dito em um sentido pejorativo. Diz-se: um homem ávido
de dinheiro, ávido de prazeres, ávido de grandeza. Ele descreve, en­
tretanto , uma disposição psíquica que caracteriza não somente os
cúpidos, os estróinas e os orgulhosos, mas também todos aqueles que
se empenham com ardor e perseverança em um sentido qualquer. Esse
pesquisador, curvado quinze horas por dia sobre seus livros, suas pro­
vetas e instrumentos, é um homem ávido de conhecer, ávido de des­
cobrir. Esse com^sitor, abstraído no discernimento da inspiração,
indiferente ao tempo, ao movimento e ao ambiente, é ávido de uma
realização artística . Esse célebre capitão de indústria — a quem há
muito tempo a fortuna sorri e a quem o dinheiro interessa menos que
o último de seus subordinados — continua a trabalhar de forma incan­
sável, porque é ávido de potência econômica. Ninguém trabalha sem
avidez: o próprio asceta a experimenta em relação ao seu objetivo mís­
tico".
Todas as manifestações possíveis da avidèz têm segundo alguns,
uma única fonte: a sexualidade, que procuraria, assim, de forma de­
rivada, satisfazer-se. Entretanto, a ambição, por exemplo, ocasiona
freqüentemente no indivíduo um total anafrodisia, se eia atinge um
ardor suficiente para açambarcar todas as energias físicas e psíquicas,
por ele ter, da manhã à noite, o espírito preocupado que pode concor­
rer à consecução de seus desígnios grandiosos, que lhe importam mais
que tudo.
Parece então que, longe de ser a origem radical de todas as pai­
xões, a sexualidade se opõe ao menos a algumas dentre elas. Um sen­
timento de vigorosa avidez pelo desenvolvimento do domínio de si
mesmo previne e anula a influência das sugestões que tendem ao des­
potismo da incitação funcional: além disso, ele inibe a auto- excitação.
As solicitações do instinto se ampliam e multiplicam entre
aqueles cuja imaginação é bem impregnada, bem compenetrada de seu

1. “A Timidez Vencida" (Edições Dangies)

82
caráter irresistível e, conseqüentemente, de uma noção muito exagera­
da de prazer sexual. Se, pelo contrário, tudo é visto objetiva mente,
a mais extrema moderação e mesmo a abstenção total tor.nam-se fá­
ceis. Diz-se que esta colocação em estado letárgico pode causar per­
turbações. Nós nos apoiamos sempre no primeiro exemplo. Onde há
a possibilidade de reações desagradáveis, isso não ocorre pela conti­
nência em si, por uma parcimônia orgânica verdadeiramente salutar,
mas sim pelo fato de se procurar impor esse estado sem observar as
condições que o tornam possível, a saber: um regime conveniente,
uma higiene geral adaptada ao tipo de temperamento que se possui, e,
acima de tudo, uma orientação de pensamento que compreenda,
cpntinuamente, o desejo de se governar.

5. OS DESVIOS E COMO REMEDIÁ-LOS

Por desvios do instinto, entendemos todo processo fisiológico


ou psicologicamente anormal de detumescência. Nós consideramos
o auto-erotismo, provocado ou espontâneo, como uma anomalia fu­
nesta. A indulgência com a qual são geralmente considerados, em vis­
ta daqueles que se revestem de um caráter anti-social, contribui para
sua extrema freqüência, aliás desastrosa.
Para sobrepujar um hábito criado voluntariamente ou dominar
um reflexo desagradável, o simples esforço direito de resistência ou
de inibição não é suficiente. A observância dos regimes indicados no
parágrafo 3 constitui a primeira série de medidas a tomar. Essa e a
redução ao mínimo das fontes exteriores de incitações, previnem
o impulso ou o eretismo . É elementar.
Entretanto, somente a instauração de uma auto disciplina geral,
a vigilância contínua sobre si mesmo, com o intuito de dirigir, segundo
as deliberações refletidas, a orientação de seus pensamentos e sua ativi­
dade, pode assegurar a subordinação integral dos automatismos à von­
tade, durante a vigília e no decorrer do sono.
Desse treinamento, que assegura o domínio do discernimento
sobre a emotividade e sobre o instinto, nossa obra o "Poder da vonta­
de "(r) fornece os elementos. Sozinho, ele permite conter todos os
impulsos relativos aos excessos, aos desregramentos, à utilização in­
tempestiva das satisfações sensoriais, a calar aos sentidos e a torná-los
impassíveis, mesmo em presença das mais fortes tentações, quando se
acha que agir assim será preferível.
Seus princípios gerais encontram-se nas obras de todos aqueles
que preconizavam o auto domínio. Eles são conhecidos por todo ho­
mem cultivado, mas não são ainda adotados na qualidade de diretri­
zes , como deveria ser feito, pelos educadores.

1. Edições Dangles

83
trata da impotência de origem exclusivamente emotivo-imaginativa,
que não abordaremos aqui.
Algumas inércias, devidas ou a um declínio por diátese ou a uma
carência ligada ao metabolismo viciado, necessitam de uma terapêutica
geral que somente o minucioso exame do caso específico permite for­
mular.
Mas há um terceiro tipo cuja causa principal, em nossa opinião,
provém unicamente do caráter insuficientemente viril do estado afeti­
vo de que provém o desejo e as atitudes daí decorrentes.
Nossas observações nos mostraram que os homens com predomi­
nância biliosa ou sangüínea não apresentam quase nunca a impotên­
cia em questão, exceto no caso em que eia se explique por uma séria
alteração diatésica ou lesional. Acontece o inverso com os tipos de
predominância nervosa ou linfática. Por quê? Porque no bilioso e no
sangüíneo, no ardente e violento, o cio determina um estado psíquico
principalmente caracterizado por um desejo imperioso de posse, de do­
mínio de penetração, enquanto que no nervoso e no linfático é quase
somente a imagem do resultado espasmódico que estimula a repleção
vesicular ou a excitação exterior. A acuidade sensorial de um e a passi­
vidade de outro explicam isso muito bem. Ora, para quem sabe a im­
portância das imagens quanto à sua ressonância orgânica (2), parecerá
que as representações erógenas do nervoso e do linfático, as quais vi­
sam insuficientemente a ação e quase exclusivamente a sensação, não
podem resultar senão em inércia muscular do órgão.
Que deverão fazer os interessados? Reagir contra o que sua natu­
reza tem de efeminado; procurar virilizar-se sob o ponto de vista psí­
quico e físico, isto é, impor-se uma disciplina cerebral e ativa inspirada
nos temperamentos biliosos e sangüíneos. Pode-se recomendar neste
sentido o esforço material um pouco rude, a recusa em preocupar-se
excessivamente com o conforto, a prática de um esporte incompatível
com o medo dos golpes, a firmeza nas decisões, a obstinação nas reali­
zações, a adoção de maneiras retas, decisivas, ousadas. Em segundo lu­
gar, esses sensíveis facilmente perturbáveis, esses inertes muito inclina­
dos a preferir os caminhos fáceis do prazer, deve orientar seus pensa­
mentos pelo sexo oposto no sentido da satisfação tática da invasão e
da conquista, em lugar de sonhar com ocupações em luta.
Deve-se notar finalmente que, se não reagem contra suas tendên­
cias, o nervoso e o linfático passam quase infalivelmente a adotar, na
intimidade, o papel de pacientes, o que não contribui pouco para o en­
fraquecimento de suas aptidões a preencher o papel de agente.

2. Ver, do mesmo autor, "Método Prático de Auto-Sugestão"


(Edições Dangles)

86
CAPITULO VIII

O IDIOMA INVISÍVEL

1. UMA HIPÓTESE VERIFICÁVEL

Suponha todos os seres vivos imersos em uma vasto oceano eté-


reo, em cujo interior a atividade psíquica de cada um produzisse emis­
sões vibratórias por vezes suficientemente possantes para se transpor­
tar até o objeto de seus pensamentos e determinar neste último uma
fiel ressonância. As diversas escolas do ocultismo popularizaram esta
Teoria — a chamada do “plano astral". Todo mundo já ouviu ao me­
nos falar dela.
No decorrer da segunda metade do século XIX, o exame objeti­
vo de certos grupos de fenômenos supra normais demonstrou:
1 — Que se produzem comunicações espontâneas de imagem, emoções
e percepções entre mentes sincronizadas, seja na ocasião de um choque
emocional momentaneamente dinamizador do agente, seja por even­
tual determinação no paciente de um estado de receptividade sensibili-
zadora.
2 — Que, estando reunidas determinadas condições, pode-se produzir
experimentalmente as transmissões telepsíquicas em questão.
Estas pesquisas deram lugar a abundantes publicações, das quais
mencionamos bibliografia na obra especial que dedicamos ao assunto.
A hipótese de uma conseqüência vibratória dos estados psíqui­
cos e de um agente — ou meio — que tenha por função veicular as on­
das assim emitidas, parece dever ser levada em consideração. Ela ex­
plica, além disso, a causa de certas práticas, aparentemente chocantes,
que são identificadas em todas' as épocas da história e em todas as la­
titudes: o feitiço de amor, por exemplo.
Se é verdade que, pelo pensamento, influiu-se não intencional­
mente sobra as disposições de um terceiro qualquer a nosso respeito,
por que não seria possível, com propósito deliberado, suscitar simpa­
tias, predominâncias, revivescências afetivas etc.?

87
Dentro desta afirmativa, como explicar o fato de um amor ar­
dente não produzir sempre uma ressonância apreciável? E por que o
desamor de alguém segue tranqüilamente seu curso sem que a aflição
do outro modifique?
Em princípio, como dissemos, todo pensamento se exterioriza e
tende a afetar, de confirmade com seu objeto, o indivíduo no qual se
pensa. Somos todos impressionáveis, sém que o saibamos, por inume­
ráveis projeções psíquicas, do mesmo modo que nós afetamos, incons­
cientemente, não somente as pessoas especificadas por nosso pensamen­
tos mas também aqueles — às vezes desconhecidas — que eles evocam.
Esta incessante fenomenalidade permanece obscura, desapercebida por­
que não sabemos discernir mais que uma pequena parte dos elementos
cuja confluência origina nossas impressões, sentimentos e convicções.
Aqueles que nos chegam de fora escapam necessariamente à consciên­
cia; ele afloram, impregnam ou invadem o subconsciente e seus resul­
tados (os estados de alma que daí decorrem) nos parecem absoluta­
mente espontâneos.

2. QUANTO SE PODE INFLUIR SOBRE UM PSIQUISMO?

A inoperância de certas intenções, de certos impulsos, de certas


injunções explica-se muito bem.
Vejamos rapidamente as idiossincrasias profundas e imutáveis
que caracterizam essencialmente cada indivíduo. Do ponto de vista
unicamente representatiVÒ, estas idiossincrasias contribuem para tor­
nar acessível a cada um certas partes do conhecimento e a obscurecer-
Ihe outras. Oberva-se freqüentemente: no mesmo indivíduo, o limite
da compreensão varia de acordo com o tipo de noção enfocada. Do
ponto de vista afetivo, ocorre o mesmo:apto a esta ou aquela modalida­
de de amor, se é inapto para outras. Cada um ama segundo seus ritmos,
suas paixões, suas aspirações e suas preferências. Tansmite assim, pejo
invisível idioma estéreo, uma força de movimento que não despertará
vibrações análogas num psiquismo desprovido das receptividades con­
venientes.
Poderiamos rever, a fim de ilustrar o que precede, toda a classifi­
cação do capítulo II, parágrafo I. Será suficiente avaliar a reação possí­
vel de uma alma terna, sentimentalmente enamorada, sobre uma alma
exclusivamente predisposta ao amor-vaidade. As modalidades emissi-
vas da primeira — digamos figurativamnete, seu cumprimento de onda
— não encontrarão, na segunda, o acordo e a regulagem necessária a
uma ressonância.
A própria palavra, que expressa tão precisamente, o que você
pensa, não determina sempre a identidade no cérebro da pessoa por
quem você tenta se fazer compreender. Como poderia ser diferente
com o pensamento? No exemplo precedente, seu interlocutor pode a-
creditar haver compreendido integralmente e se expressar de modo a
lhe dar a ilusão disto. Na verdade, suas representações permanecem es­

88
tranhas para eie: sua palavra não lhe evoca mais que um esboço defor­
mado, aproximado.
É necessário pensar também, no que concerne à comunicação
telepsíquica dos estados afetivos, que o subconsciente do paciente,
mesmo receptivo em uma determinada medida, pode registrar outras
influências derivativas, neutralizantes ou antagônicas. Sendo toda dis­
posição considerada como resultante de uma confluência de impulsos,
uns de origem interna, outros de procedência exterior, não se estabele­
ce necessariamente a predominância dos elementos que emanam de
uma terceira pessoa.
Por certo, a continuidade e o ardor emissivo tendem a determi­
nar esta predominância, mas o tipo de obsessão que se encontra no e-
mitente, como conseqüência inevitável,, desordena seu pensamento e
consome seus recursos potenciais, o que faz tender a um enfraqueci­
mento dos mecanismos propulsores.
Os técnicos em experimentação dos fenômenos psíquicos insis­
tem na necessidade de uma elevada tensão e de uma concentração, am­
bas mantidas pelo operador que exerce a sugestão mental. Na falta
destas duas condições, o sujeito não percebe nada de preciso, nada que
o determine. Na vida diária, a fenomenalidade telepsíquica espontânea
obedece às mesmas leis que a experimentação de laboratório.

3. POSSIBILIDADES

A condição essencial para o despertar (ou a revivescência) do


amor sob a ação de ondas mentais não é nem o potencial psico.nervo­
so do emitente nem sua aptidão de concentrar este potencial para ir-
radiá-lo à alta tensão: a energia emissiva assegura a propulsão do pensa­
mento, não sua comunicação, pois esta necessita da compatibilidade
do tom de movimento do emitente com as receptividades do objeto.
O efeito se produz às vezes por uma forma de indução, no caso
em que o emitente, dotado de um vigor psíquico excepcional deseja
um receptor fraco. Este último torna-se então satélite do primeiro, ele
o suporta como se suporta a ascendência de um ser mais forte.
Observe que o excepcional vigor psíquico e o tipo de debilidade
pode não ser mais que um bruto ardente e o receptor um espírito sutil,
cultivado, mas irresoluto e impressionável.
Com exceção deste caso particular^ bastante análogo ao que se
passa em T.S.F., quando um poste receptor pouco seletivo é colocado
próximo de uma possante estação, toda tentativa é inútil se o emitente
não reproduz com suficiente precisão a sensibilidade doreceptor para
pensar de acordo com seus ritmos emotivo-imaginativos.

Uma pessoa desejosa de estabelecer em outra o eco de seu pró­


prio estado afetivo deve então assimilar, nos mínimos detalhes, a psi­
cologia desta última e mesmo sua fisiologia, de modo a pensar em sin-
cronismo com suas ressonâncias.

89
Para isto é necessário não só uma intuição muito certa, mas tam­
bém uma acuidade de observação e uma profundidade de análise supe­
riores.

4. AS CONDIÇÕES A PREENCHER

Em resumo, é necessário antes de tudo:


1) Uma compreensão do objeto possuído a um tal ponto que suas me­
nores ações e gestos, suas reações, seus gostos, tendências, aspirações,
aversões, singularidades etc. lhe sejam claramente inteligíveis e que
você saiba reconstituir e reviver interiormente o processo;
2) Uma adaptabilidade suficiente para se identificar com ó objeto e ir­
radiar-lhe modalidades de pensamentos que possam nele encontrar
uma concordância.
Em seguida, é necessário um claro conhecimento das leis da ação
mental à distância. Convém particularmente saber governar a elabora­
ção, a condensação e a disponibilidade de energia indispensável à pro­
pulsão telepsíquica. Não entraremos aqui no detalhe técnico da expe­
rimentação, minuciosamente exposta em obra procedente (1). O que
vai se seguir deve ser considerado ao mesmo tempo uma introdução e
um complemento à obra em questão

5. UMA REPRESENTAÇÃO PRECISA DO PACIENTE

A evocação da imagem exterior do sujeito criou a analogia, o


contato. Somente uma imagem bem nítida, com toda sua expressivida­
de, cim sua cinemática e sua verdade integral preenche as condições
necessárias ao acordo inter psíquico. Pretender influir sobre qualquer
um que não se tenha visto, auxiliado por uma fotografia, seria absur­
do.
Além disso, a melhor das fotografias não revela senão um aspec­
to— freqüentemente idealizado pela arte do fotógrafo — da imagem
verdadeira; aspeçto solidificado, momentâneo; ela não transmite nem
os valores da carnação, nem a voz, nem o olhar: ela pode ajudar a me­
mória, mas não é suficiente para constituir uma representação fielmen­
te evocadora. Quando se dispôs de tempo para observar longamènte a
uma pessoa, para vê-la viver, registrando todas as nuances de impres­
sões que sua personalidade suscita, se está em melhores condições para
mentalizar sua presença com o relevo, o colorido e a animação neces­
sárias. A obscuridade e o silêncio favorecem este trabalho e, após al­
guns ensaios, chega-se perfeitamente à precisão e à continuidade da i-
magem produzida.

1. "A influência à distância, a Transmissão de Pensamento e a Sugestão mental”


(Edições Dangles)

90
A partir do instante em que esta última atinge a plenitude, tudo
o que se pensa durante este comparecí mento se transmite ao sujeito.
Empregamos propositadamente o verbo comparecer, porque,
formando a evocação apropriada, convoca-se real mente um substrato
invisível do sujeito, que se mostra no campo de ação do operador.
Em que medida a transmissão influi? Em outras palavras, em
que dimensão há comunicação? Na medida em que, como dissemos, o
agente soube assimilar a individualidade do paciente.
Procure conquistar o psiquismo da pessoa que você ama dece-
mente, persuasivamente, em harmonia com as dominantes de seu cará­
ter. Sugira-lhe disposições compatíveis com sua natureza, com a sua
capacidade de compreensão, com as gamas de sua sensibilidade, com a
orientação de suas paixões. A análise da escrita ou da conformação fi­
sionômica pode ajudar a observação direta na definição da intimidade
psicológica que se^pretende compreender profundamente, a fim de
melhor se lhe assemelhar.

6. A INTENSIDADE EMISSORA

A instabilidade, a depressão, a agitação, índices de variações ou


abaixamento do potencial psico nervoso revelam a insuficiência dos
recursos propulsores. Se estes enfraquecimentos ou irregularidades são
resultado de uma astenia orgânica, cuidar-se-á dela em primeiro lugar.
Mas se sua única causa reside na monotonia freqüen te mente inesperá-
vel da cristalização amorosa o na conseqüente dispersão das energias
psíquicas, impõe-se um esforço para cessar esta dispersão. O esforço
em questão consiste em recorrer a derivativos sadios que monopoliza­
rão o espírito no intervalo das sessões de comunicação de pensamento.
Fora, então, de sessão diária, que não deve exceder a duas horas, fixe
sua atenção sobre ocupações ou passatempos diversos, a fim de evitar
a obsessão debilitante.
No momento de agir, disporá assim de uma acumulação dinâmi­
ca e poderá alcançar facilmente o estado de exaltação contida propí­
cio à exteriorização vigorosa das imagens.

7. PROCEDER GRADATIVAMENTE

Se forem representadas fielmente as inclinações atuais do sujeito,


a criação da imagem ao início da cada sessão será fácil e certa.
Visar-se-á modificar estas disposições progressiva mente. A aver­
são, por exemplo, caminha para a simpatia, passando pela indiferença.
A animosidade se apazigua pouco a pouco, apagando-se depois. Corri­
ge-se um defeito atenuando-o gradualmente, sugerindo postriormente
a tedência contrária.
Convém portanto proceder por etapas, prudentemente.

91
Em quase todos os casos, a melhor sugestão a dar no início é es­
ta: "Minha presença acrescenta alguma coisa ao seu contentamento ou
alivia sua moral de uma maneira apreciável". Esta breve fórmula, susce­
tível de numerosos desenvolvimentos visualizados inspira uma série de
pensamentos muito eficazes, e pode mesmo ser suficiente, porque ela
tende a determinar a amplificação daquilo em que implica.
Quando seus efeitos se tornam manifestos, não resta mais que
acentuá-los.

92
CAPITULO IX

OS TRUNFOS DO JOGO

1. ESTAR COM BOA SAÚDE

Um dos elementos do charme, uma das condições essenciais da


atração normal, é uma possante vitalidade. Infelizmente, vivemos em
uma época em que tudo parece se opor às condições normais do equi­
líbrio neuro-simpático.
Com o espírito atormentado, os nervos tensos, o homem mo­
derno, como aliás nossas graciosas companheiras, consome-se, parece,
sobremaneira. As complexas dificuldades da vida moderna, suas mil e
uma obssessivas solicitações multiplicadoras de desejos, sua precipita­
ção desorientada, são suficiente, generalizando a estafa, a desordem e
os excessos, para desregular fortes estruturas psico-nervosas e arruinar
organismos isentos de taras hereditárias. Assim, mesmo sem contaras
perturbações oriundas de anomalias constituicionais, observa-se inú­
meras variedades de deterioração neuro-cerebral.
Para reagir e mesmo para se precaver, toda mulher prudente, de­
ve ler o "Livro dos Nervosos" (^). O autor indica aos interessados co­
mo obter rapidamente, em sí mesmos, a ordem e a calma, eliminar de
seu psiquismo os elementos desorganizadores, incutindo-lhe as noções
que produzem o vigor, a lucidez e a serenidade. Os esgotados, qs em-
fraquecidos verão ali como toda tensão excessiva dos nervos e do cé­
rebro pode ser compensada, como, em plena ameaça, controlar o tu­
multo emocional, sobrepujar o pânico intelectual e reunir suas ener­
gias realizadoras. No que concerne aos choques que abalam, às adversi-
dades que desorganizam e às mágoas que aniquilam, o autor diz como
conceber, para se opor às hostilidades inerentes à vida, um tipo de
estratégia individual feita de vigilante realismo para prevenir e de reso­
luta imperturbabilidade para suportar o inevitável e depois recobrar,
no menor prazo possível, o equilíbrio integral e a paz interior.
1. ''O Livro renovador dos Nervosos, dos Estafados, dos Deprimidos e
dos Desencorajados” (Edições Dangles)

93
Um grande número de depressões provêm simplesmente da insu­
ficiência de sono. Depois de algumas noites de insônia, os malefícios
resultantes aparecem rapidamente: os cabelos começam a cair, a pele
do rosto se resseca e descarna; os póros da região nasal se dilatam e se
obstruem; as rugas da face.se acentuam, do mesmo modo que ao re­
dor dos olhos; estes parecem menores, porque as pálpebras perdem sua
elasticidade e manifestam uma flacidez que lhes dá uma expressão aba­
tida: a própria córnea fica embaçada.
Todas as sustentações musculares do corpo se elastecem, se dis­
tendem, caem, após uma série de noites insones. Também o busto não
demora a cair o abdomem a apresentar uma frouxidão deplorável.
Além de seu caráter decadente e desagradável, a insônia esgota
rapidamente os nervos e o cérebro. Para estar bem de saúde, para cu­
rar-se rapidamente quando se está doente, para despertar alerta cada
manhã, trabalhar com animação e conservar seu vigor físico e intelec­
tual. é necessário dormir suficientemente todas as noites.
Além disso, devemos aprender a dormir, mais exatamente, a
favorecer, a determinar a vinda regular do sono, sua duração e profun­
didade. A obra "A Insônia Vencida" (^), indica com clareza e simplici­
dade a que se deve recorrer para assegurar, não obstante as preocupa­
ções, o barulho ou a dor, um repouso perfeito.

2. CONSERVAR O ASPECTO JOVEM

Para o homem, é uma questão de regime, de exercício e de equi­


líbrio psico-nervoso. Para a mulher, além da higiene geral, impõem-se
cuidados particulares.
Por mais importantes que sejam, a beleza do rosto e a elegân­
cia das linhas não implicam necessariamente em charme, este impon­
derável que não deve ser confudido com o "sex-appeal".
Essa expressão, impbrtada da América, é comum hoje para qua­
lificar os atrativos da mulher cujo exterior suscita fortemente o desejo.
Se ele pode ser suficiente para satisfazer os desejos daquelas que o pre­
ferem a um amor exclusivo e profundo — diriamos de bom grado: in­
tegral, amor... diferencial, o "sex-appeal", além da instabilidade tótal-
mente meteórica das seduções que opera, não asseguraria senão uma
precária duração às uniões por ele originada.
De forma totalmente diversa age o charme, influência sutil que
subjuga e cativa não somente os sentidos, mas também a sensibilidade
e a mente.
A mais esplêndida arquitetura fisionômica e plástica pode ser
desprovida de charme. Inversamente, não há aparência tão medíocre
que não possa adquirir as qualificações de que ele emana. Seu elemen­
to principal é uma irradiação cuja natureza é o objeto das pesquisas de

1. Edições Dangles.

94
todos aqueles a quem preocupa a questão das energias, imprecisamen-
te definidas mas evidentes, emitidas pelo ser humano.
Um método para desenvolver o charme pessoal (2) foi, há al­
guns anos, escritos por dois especialistas no assunto. A experiência
demonstrou que os autores souberam extrair de suas observações e de
suas procuras um conjunto de indicações e procedimentos que é
suficiente colocar em prática para se magnetizar, progressivamente, ca­
da vez mais.

3. SABER SE DOMINAR

Para conservar em presença do que quer que seja e em qualquer


circunstâncias essa perfeita lucidez, esta calma absoluta sem as quais
se perturba e perde suas aptidões, cada um deveria interessar-se em
adquirir um "self-control" à prova das emoções mais dominadoras e
das surpresas mais inesperadas.
0 homem ou a mulher preocupados em orientar sua vida amoro­
sa com discernimento, com perspicácia, com precaução — em suma,
harmoniosamente — devem saber que, para chegar a isto, é indispensá­
vel uma vontade firme e deliberada.
Adquire-se a vontade, ou mais exatamente, o hábito, de querer
judiciosamente e de agir de conformidade com os princípios determi­
nados, com as regras adotadas, com as decisões tomadas.
Deve-se ler, sobre este assunto, a obra: "O Poder da Vontade"
f). Os mais deprimidos recobram a coragem ao lê-la.
Com a ajuda de seus ensinamentos, os adolescentes de ambos os
sexos saberão superar as solicitações precoces, os arrebatamentos fu­
nestos, as alucinações juvenis da sensibilidade ou da paixão.
Os moralistas e os higienistas prescrevem mas não indicam por
que meios se chega a se governar praticamente, assim como aconse­
lham, a subordinar seus comportamentos a seu ideal. O livro em ques­
tão (b mostra como colocar a parte sensorial e a vida afetiva sob o
controle do pensamento refletido.
Ele mostra também como desenvolver a influência pessoal, a
magnetização individual que determina a simpatia, a consideração,
a estima, a afeição, o amor...
Ler esse livro é inspirar-se, é adquirir uma indiscutível superiori­
dade.
Entre as diversas causas da formação prematura das rugas, a
principal, na qual poucas mulheres pensam, é a extrema mobilidade da
expressão... Excessiva espontaneidade, excessiva expansividade, muita
impulsividade, prejudicam igualmente a eurritmia dos gestos e das ati­
tudes, dão origem a inépcias, a movimentos falsos, a palavras exces-

2. "Como desenvolver seu charme pessoal" (Edições Dangles)

1. Edições Dangles
1. Edições Dangles

95
sivas. É conveniente então, do ponto de vista da harmonia exterior,
que toda mulher prudente se torne absolutamente senhora de seus
automatismos, de seus reflexos.
Além disso, a vida comporta muitas situações cujo desfecho fe­
liz ou infeliz depende de um perfeito domínio de si mesmo, do hábi­
to de conservar toda a calma, toda a lucidez diante da dificuldade ou
do perigo.
Enfim, a colocação em prática das indicações dadas com a finali­
dade de embelezar o corpo será muito mais fácil para a mulher cujo
auto-contrôle é forte, do que para aquela que não aprendeu a dirigir
deliberadamente seus comportamentos.
A auto-sugestão permite a cada uma chegada a isto, com a ajuda
do manual detalhado, recentemente publicado pelo autor do presente
volume 0). Ali se encontrará os procedimentos mais certos e mais pre­
cisos de influência sugestiva sobre si mesmo. Esse livro, essencialmente
prático, constitui um preciso manual de auto—sugestão, de onde fo­
ram banidos os exageros e as observações ilógicas que durante logo
tempo afastaram as pessoas sérias do estudo das questões psíquicas.
Uma parte trata da arte de influir sobre outrem como sobre si mesmo,
tirando partido do conhecimento das leis da sugestão, necessariamente
idênticas àquelas da auto-sugestão.
Quantidades de doenças e mesmo de graves perturbações funcio­
nais podem.ser eliminadas pelas repercussões internas de um pensa­
mento concentrado e contínuo. Essa possibilidade concorre, entre tan­
tas outras de que a auto-sugestão é a chave, a manutenção de um bom
equilíbrio orgânico, da frescura da tez, da elasticidade muscular e da
firmeza dos tecidos.

4. POSSUIR UMA IMPERTURBÁVEL SEGURANÇA

Se é verdade que o valor intrínseco, as qualificações exteriores e


intelectuais, o saber, a atividade e a habilidade, desempenham um pa­
pel considerável no determinismo do sucesso pessoal e social, o que
dá a todos esses elementos seu coeficiente de valor é a segurança. Por­
tanto, a indecisão, a excessiva impressionabilidade, a timidez, prejudi­
cam tanto que não permitiríam supor certas desenvolturas, totalmente
superficiais, bem diversas daquela imperturbalidade refletida que sabe
decidir, agir e conquistar. Existem livros onde se descreve as manifes­
tações de timidez. O que nós recomendamos aqui 0) mostra como se
desembaraçar por um método simples, eficaz e ao alcance de todos.
• É suficiente seguir as indicações do autor para adquirir, por mais
tímido que se seja, uma segurança imperturbável e uma permanente

1. "Método Prático de Auto-Sugestão " (Edições Dangles)

1. "A Timidez vencida" (Edição Dangles)

96
confiança em si mesmo. Não continue tímido. Leia esse livro e colo­
que em prática os ensinamentos.
O que contribui muito para a segurança de um homem é o suces­
so social e profissional, a certeza de possuir aptidões acima da média,
o fato de levar a efeito suas concepções, em uma palavra, ser bem su­
cedido.
Para isto é necessário ser capaz de um esforço metódico e con­
tinuado, uma ousadia refletida e uma indefectível firmeza.
Um guia claro e prático foi recentemente publicado sobre este
importante assunto (2). Sua leitura reconforta e estimula. Cada um en­
contrará nele uma fonte de vigor moral e, portanto, de imperturbabili-
dade.

5. FALAR PERSUASIVAMENTE E COM TATO

Stendhal disse que o amor começa pela admiração. Não se admi­


ra o homem ou mulher dotados de uma elocução clara e de uma per­
feita segurança verbal? 0 sucesso dos atores e da atrizes seria suficien­
te para colocar em evidência o caráter eminentemente atrativo da bela
dicção, devida ao cultivo utilizado na preparação para a arte dramáti­
ca.
Sem ter que seguir nenhum treinamento especial, sozinha, em
sua casa, toda pessoa desejosa de dar à sua dicção um toque de sugesti­
va superioridade, encontrará um guia perfeito em nosso novo método
(1).
Esta obra está ao alcance de todos.
Exclusivamente prático, da primeira à última linha, ela mostra
como adquirir metodicamente:
— as idéias e o saber indispensáveis para interessar àqueles com
quem se fala e assim participar brilhantemente de toda conversação;
— abundância de termos, de imagens, de expressões e de frases,
graças à qual você exprimirá sempre exatamente seus pensamentos
com clareza, com força;
— a sonoridade vocal e a pronúncia correta, distinta, expressiva,
que emprestarão às suas palavras o charme e a distinção;
— a segurança, a calma e a habilidade persuasiva cuja utilização,
na vida privada e na social, constitui um dos mais preciosos trunfos
que existem.
Uma boa memória facilita tudo — em particular a elocução e
abre o acesso a possibilidades superiores. Desenvolvendo a sua, você
assegura a si mesmo um dos mais poderosos meios de sucesso. Você
poderá se tornar capaz de aprender rãpidamente, de gravar em seu es-

2. "As Leis do sucesso" (Edições Dangles)

1. "A Educação da palavra" (Edições Dangles)

97
pírito tudo aquilo que desejar lembrar e recordar-se de cada coisa no
momento oportuno. O método que recomendamos (2), absolutamente
único, permite, em qualquer idade, obter um aperfeiçoamento durado-
douro e contínuo.
Quantas pessoas jovens deploram encontrar-se, por assim dizer,
relegados ao segundo plano, desde que a conversação5 toma um rumo
tal que somente possam dela participar ativamente aqueles cujas lem­
branças sejam nítidas, bem coordenadas e de fácil rememoração. Este
livro os ensinará a memorizar tudo que lêem, escutam, observam, a se
lembrar de tudo na ocasião certa.
Para falar persuasivamente, é necessário avaliar as disposições da
pessoa à qual nos dirigimos. "Eu sei como prendê-lo, eu o conheço
muito bem", diz-se de alguém a quem se conseguiu, graças a uma lon­
ga convivência, observar o caráter. De fato, é consideravelmente mais
fácil influir sobre uma pessoa cujas tendências se conhece do que so­
bre um desconhecido. Ora, toda fisionomia traz os sinais da personali­
dade (1).
Antes mesmo de se dirigir a alguém, o exame dos traços de seu
perfil, dos contornos e proporções de sua face, lhe fornecem os ele­
mentos de seu caráter. O estudo dos rostos, tãô atraente quanto útil,
proporciona a satisfação de poder discernir o que verdadeiramente são
aqueles que nos cercam ou aqueles com os quais nos vemos em conta­
to. Ele dá uma base sólida à influência pessoal e em particular à arte
de persuadir, de convencer e de conquistar, porque indica como dis­
tinguir de imediato o temperamento, as inclinações, faculdades, apti­
dões, gostos e tendências de todo tipo. A investigação psicológica dos
rostos, em particular, fornece os indícios necessários a guiar a palavra
e a atitude quando se trata de conciliar a simpatia e a afeição de al­
guém, de escolher o caminho para o qual seu filho é dotado, de con­
cluir um negócio, uma associação, uma união e evitar, de todo modo,
depositar mal sua confiança.

6. ESCREVER HABILMENTE

Uma carta redigida com habilidade, persuasiva, onde tudo con­


corre a criar vivas impressões, a impregnar de você mesmo o pensa­
mento do destinatário, a suscitar nele as disposições que você deseja­
ria, assim é esse auxiliar ao qual você gostaria às vezes de recorrer. Istò
se tornará fácil graças aos ensinamentos ministrados por "A Educação
do Estilo" (1). Na primeira parte, esse manual tenta guiar o leitor cujo

2. "Método prático para desenvolver a memória" (Edições Dangles)

1. Ver "As Marcas reveladoras do caráter e do destino" (Edições Dangles)

1. Edições Dangles

98
objetivo é apenas saber redigir convenientemente um texto útil qual­
quer: carta, relatório, exposição, etc.
A segunda parte aborda a composição literária, não somente no
que concerne à escrita propriamente dita, mas também e sobretudo as
fontes de inspiração e a coordenação das mesmas em criações origi­
nais.
Os autores esforçam-se em ser o mais úteis possível. Eles indi­
cam o caminho ao autodidata desejoso de executar convenientemente,
todo trabalho redacional e orientam àqueles que possuem, sem saber
ainda tirar partido delas, as qualificações de um escritor. A todos, e
em particular à mulher que compreendeu a importância de apresentar
em suas composições uma irrepreensível distinção, eles indicam os ca­
minhos para um estilo expressivo e harmonioso.

7. CONSIDERAR OS IMPONDERÁVEIS

Nós expusemos neste livro o papel inegável no determinismo das


relações amorosas.
Aqueles que desejarem se aprofundar neste assunto e assimilar
todos os seus recursos, deverão, primeiramente, ler uma boa obra a
respeito, como o4 "Método Prático de Magnetismo, Hipnotismo e
Sugestão".
Ali encontrarão o somatório de tudo que a investigação dos es­
pecialistas soube extrair das leis que governam as diversas influências
que exercemos todos uns sobre os outros. Sofre-se estas influências
mais ou menos, tanto quanto se ignore seu mecanismo, enquanto que
o conhecimento deste último permite utilizá-las.
Em seguida, passaremos ao estudo das ações psíquicas à distân­
cia, às quais o autor da "Psicologia dó Amor" consagrou uma obra es­
pecial 0), fruto de vinte e cinco anos de experiência e de observação.
Depois de haver exposto a teoria explicativa da ação do pensa­
mento à distância, o autor indica os procedimentos a utilizar para veri­
ficar experimentalmente a realidade desse fenômeno.
Enfim, ele mostra o papel e as aplicações práticas possíveis da
influência mental na vida privada e nos negócios.
O interesse por esse livro aumenta à medida em que se toma co­
nhecimento dele.
O papel da chance, das predestinações, a razão profunda dos fa­
vores - e das adversidades — paradoxais da sorte, preocupam todos os
espíritos abertos às noções filosóficas. O ocultismo projeta sobre tudo
isso uma brilhante luminosidade, bem como sobre as práticas da magia
com o fito de criar, dissociar ou fazer renascer a atração amorosa.
Ao nosso redor movem-se forças hostis que podem ser exorciza­

1. "Á Influência a distância, a Transmissão do Pensamento e a Sugestão men­


tal" (Edições Dangles)

99
das por uma vontade consciente de sua presença e das influências favo­
ráveis com a ação das quais o estudioso do ocultismo(2) aprende a se
harmonizar.
Realmente, tudo isso nos parece estranho atualmente. Entretan­
to, a ciência moderna daí se aproxima a passos longos.
"De acordo com suas vibrações, declarou recentemente Georges
LAKHOWSKI, eminente físico, há seres que perto de outros, devem
provocar a afeição ou a repulsa, o amor ou a animosidade. Há outros
que se beneficiam do influxo útil das radiações cósmicas e outros, en­
fim, que têm toda a dificuldade do mundo em vencer as correntes ad­
versas".
O estudo das doutrinas seculares relativas às nossas subordina­
ções invisíveis permanece, todavia, atraente e fecundo.

2. Veja “Ciência Oculta e Magia Prática" (Edições Dangles)

100
Alguns seres parecem atrajr a simpatia e inspirar o
amor muito mais facilmente que outros. No entanto, cada
um de nós possui em si todos elementos constitutivos do
charme que cativa e da potência sedutora que gera o
amor profundo e exclusivo. O que é preciso é ter cons­
ciência deles e desenvolvê-los. A leitura dessa obra,
mercê dos conceitos nela contidos, é o início promissor
dessa tomada de consciência. Pois, trata de todas as
circunstâncias e aspectos de que se reveste a vida senti­
mental, ao oferecer:

— uma lúcida análise das condições em que o amor


nasce, evolui e se extingue;
— uma exposição sobre a origem das inclinações e das
incompatibilidades;
— um estudo sobre o papel dos elementos Imponderá­
veis, os quais é preciso levar em consideração;
— a técnica do tratamento das crises agudas e dos es­
tados psico-nervosos, consecutivos às decepções amo­
rosas;
— um método científico para o domínio do instinto se­
xual;
— novos dados sobre as possibilidades de comunicação
telepsíquicas dos estados afetivos;
— finalmente, todos os elementos que lhe permitem obter
o máximo êxito em sua vida sentimental.

UMA OBRA PRATICA E ÚTIL,


QUE TORNARA SUA VIDA FELIZ.

PALLAS S.A.
Editora e Distribuidora
Rua Frederico Albuquerque, 44
ZC-24 — Higienopolis
CX. p. 7001-20.000 — R. de Janeiro — R.J.

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