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CONTO: O CASO DO ESPELHO - RICARDO AZEVEDO bonitos! Que cabeleira solta! Que pele macia!

A diaba
- COM INTERPRETAÇÃ O/GABARITO é mil vezes mais bonita e mais moça do que eu!
CONTO: O CASO DO ESPELHO Quando o homem voltou, no fim do dia, achou a casa
toda desarrumada. A mulher, chorando sentada no
chão, não tinha feito nem comida.
       --- Que foi isso, mulher?
       --- Ah, seu traidor de uma figa! Quem é aquela
jararaca lá no retrato?
       --- Que retrato? --- perguntou o marido, surpreso.
       --- Aquele mesmo que você escondeu na gaveta
da penteadeira!
       O homem não estava entendendo nada.
       --- Mas aquilo é o retrato do meu pai!
    Era um homem que não sabia quase nada. Morava
       Indignada, a mulher colocou as mãos no peito:
longe, numa casinha de sapé esquecida nos cafundós
       --- Cachorro sem-vergonha, miserável! Pensa que
da mata.
eu não sei a diferença entre um velho lazarento e uma
    Um dia, precisando ir à cidade, passou em frente a
jabiraca safada e horrorosa?
uma loja e viu um espelho pendurado do lado de fora.
       A discussão fervia feito água na chaleira.
O homem abriu a boca. Apertou os olhos. Depois
       --- Velho lazarento coisa nenhuma! --- gritou o
gritou, com o espelho nas mãos:
homem, ofendido.
--- Mas o que é que o retrato de meu pai está fazendo
       A mãe da moça morava perto, escutou a gritaria e
aqui?
veio ver o que estava acontecendo. Encontrou a filha
       --- Isso é um espelho --- explicou o dono da loja.
chorando feito criança que se perdeu e não consegue
       --- Não sei se é espelho ou se não é, só sei que é o
mais voltar para casa.
retrato do meu pai.
       --- Que é isso, menina?
       Os olhos do homem ficaram molhados.
       --- Aquele cafajeste arranjou outra!
       --- O senhor... conheceu meu pai? --- perguntou
       --- Ela ficou maluca --- berrou o homem, de cara
ele ao comerciante.
amarrada.
       O dono da loja sorriu. Explicou de novo. Aquilo era
       --- Ontem eu vi ele escondendo um pacote na
só um espelho comum, desses de vidro e moldura de
gaveta lá do quarto, mãe! Hoje, depois que ele saiu,
madeira.
fui ver o que era. Tá lá! É o retrato de outra mulher!
--- É não! --- respondeu o outro. --- Isso é o retrato do
A boa senhora resolveu, ela mesma, verificar o tal
meu pai. É ele sim! Olha o rosto dele. Olha a testa. E o
retrato. Entrando no quarto, abriu a gaveta,
cabelo? E o nariz? E aquele sorriso meio sem jeito?
desembrulhou o pacote e espiou. Arregalou os olhos.
       O homem quis saber o preço. O comerciante
Olhou de novo. Soltou uma sonora gargalhada.
sacudiu os ombros e vendeu o espelho, baratinho.
       --- Só se for o retrato da bisavó dele! A tal fulana é
 Naquele dia, o homem que não sabia quase nada
a coisa mais enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha,
entrou em casa todo contente. Guardou cuidadoso o
arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca,
espelho embrulhado na gaveta da penteadeira.
torta e desdentada que eu já vi até hoje!
       A mulher ficou só olhando.
       E completou, feliz, abraçando a filha:
       No outro dia, esperou o marido sair para trabalhar
       --- Fica tranquila: a bruaca do retrato já está com
e correu para o quarto. Abrindo a gaveta da
os dois pés na cova!
penteadeira, desembrulhou o espelho, olhou e deu
um passo atrás. Fez o sinal-da-cruz tapando a boca
com as mãos. Em seguida, guardou o espelho na
gaveta e saiu chorando.
       --- Ah, meu Deus! --- gritava ela desnorteada. --- É
o retrato de outra mulher! Meu marido não gosta
mais de mim! A outra é linda demais! Que olhos
Entendendo o texto:

01 – Na situação inicial do conto, há um homem do


campo que vai a cidade. Ao passar diante de uma loja,
ele comete um engano. Qual foi o engano cometido?

       O engano foi confundir um espelho com um


retrato.

02 – Ao se referir-se à personagem como “um homem


que não sabia quase nada” e que “morava longe,
numa casinha de sapé esquecida nos cafundós da
mata”, o narrador dessa história dá pistas, indícios
sobre a personagem antes mesmo de o leitor saber o
que vai acontecer. Como seria uma pessoa que
vivesse como essa personagem: tivesse as mesmas
características e habitasse o mesmo ambiente?

       O aluno deve perceber que “não saber quase


nada” pode estar relacionado a uma condição
cultural, de ingenuidade ou simplicidade na forma de
encarar a realidade.

03 – Por que ao olhar o espelho o “homem que não


sabia quase nada” achou que estava vendo o retrato
do pai?

       Provavelmente, ele era muito parecido com seu


pai. Além disso, é possível que ele nunca tivesse se
olhado num espelho.

04 – Por que motivo o “homem que não sabia quase


nada” continuou teimando que estava olhando para o
retrato de seu pai mesmo com a explicação do dono
da loja?

       Ele confiava somente no que via, e o fato de não


saber o que era um espelho o levava a pensar que se
tratava de um retrato.

05 – Para tentar ajudar na difícil situação, a mãe da


moça foi verificar o retrato. Transcreva do texto as
características que ela atribuiu à imagem que viu.

       Enrugada, feia, velha, cacarenta, murcha,


arruinada, desengonçada, capenga, careca, caduca,
torta e desdentada.

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