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Guerra agrava crise demográfica e enfraquece economia da Rússia

Hoje, a economia russa tem uma perspectiva sombria, com fuga da mão de obra

qualificada e a morte de jovens que poderiam estar no mercado de trabalho

MOSCOW, RUSSIA - APRIL 12: (RUSSIA OUT) Russian President Vladimir Putin

Entre os objetivos de Vladimir Putin ao invadir a Ucrânia reduzir o déficit populacional


da Rússia parecia um dos principais. O país vive uma crise demográfica desde o fim da
União Soviética. Mas, se Putin vislumbrava ganhar mais habitantes com as anexações de
territórios, o resultado foi o oposto. Hoje, a economia russa tem uma perspectiva
sombria, com fuga da mão de obra qualificada e a morte de jovens que poderiam estar
no mercado de trabalho.
Um levantamento da revista The Economist mostra que, com a mortalidade durante a
pandemia, as baixas da guerra e a fuga de cérebros durante a mobilização militar, a
Rússia perdeu entre 1 9 milhão e 2,8 milhões de pessoas entre 2020 e 2023. Essa
projeção não envolve o encolhimento natural da população, resultado de uma taxa de
natalidade baixa e de mortalidade alta.
No ano passado, Putin anexou por decreto quatro províncias ucranianas: Luhansk,
Donetsk, Zaporizhzia e Kherson. Em fevereiro, um deputado russo anunciou que Moscou
forneceu 770 mil passaportes para pessoas que vivem na contestada região de Donbas.

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Além disso, há relatos de que mais de 19 mil crianças ucranianas foram raptadas e
levadas para a Rússia. A estratégia não é nova. Ao tomar a Crimeia, em 2014, a Rússia
incorporou 2,4 milhões à sua contagem nacional, elevando sua população para 147
milhões.
Falta de força de trabalho na Rússia
"O impacto da baixa fertilidade na economia vem depois, quando o tamanho da força
de trabalho não é grande o suficiente para suportar o tamanho da população que está
envelhecendo", alerta Sunnee Billingsley, especialista em demografia da Universidade
de Estocolmo.
Putin já vinha tentando nos últimos anos compensar o problema da baixa fertilidade na
Rússia com trabalhadores migrantes da Ásia Central. A Rússia colhe hoje o impacto da
baixa fertilidade após o colapso da União Soviética. "Desde então, não nasceram
crianças suficientes para se juntar à força de trabalho depois de adultas", explica
Billingsley. Mas o plano não foi suficiente e agora os migrantes dos quais muito dependia
a economia russa desapareceram por causa da guerra.
No fim de 2022, Putin ordenou a elaboração de medidas para aumentar as taxas de
natalidade e a expectativa de vida na Rússia. Nos últimos três anos, a expectativa de um
homem russo de 15 anos caiu quase 5 anos, para o mesmo nível do Haiti.
Mas, poucos dias depois da determinação de Putin, veio o anúncio do Ministério da
Defesa de que a idade em que os homens russos seriam recrutados para o serviço militar
obrigatório passaria de 18 para 20 anos e o limite máximo de idade para recrutamento
passaria de 27 para 30 anos.
"Isso significa que jovens seriam convocados após obter seus diplomas universitários e
especialistas treinados seriam retirados do mercado de trabalho para ter suas
habilidades anuladas pelo serviço militar", explicou o analista russo Andrei Kolesnikov,
em artigo publicado pelo centro de estudos Carnegie Endowment for International
Peace.
Segundo o analista, há uma grande discrepância entre esses dois objetivos. "Se os
homens vão para a guerra ou emigram em massa, em vez de procriar, de onde virão os
filhos?", questiona em seu artigo. O efeito no mercado de trabalho também será grave.
O recrutamento em uma idade tão produtiva suga a força de trabalho de uma economia
que já deve perder de 3 a 4 milhões de pessoas de 20 a 40 anos até 2030 (em
comparação aos dados demográficos de 2020).
"Seria um erro pensar que isso não afetaria os indicadores qualitativos e quantitativos
do PIB russo, da renda familiar e da qualidade do capital humano. Há uma segunda
guerra em curso em casa."
Algumas das razões para os problemas demográficos da Rússia refletem uma dinâmica
histórica: o número de mulheres em idade reprodutiva está caindo e a idade média em
que as mulheres têm filhos está aumentando continuamente em populações urbanas,
bem-educadas e modernizadas, com tendência a ter menos filhos, como explica
Kolesnikov.

Impacto na Guerra na Ucrânia


Billingsley, que também é diretora de Estudos de Doutorado do Departamento de
Sociologia e da Unidade de Demografia da Universidade de Estocolmo, afirma que a
Rússia precisaria que as famílias tivessem dois filhos para compensar minimamente as
perdas. "Seria desastroso se o compromisso das mulheres russas em ter o primeiro filho
também enfraquecesse como resposta à guerra", disse. "Mas Putin tem o poder de
promulgar políticas e espalhar propaganda que poderiam muito bem aumentar a taxa
de natalidade."
A Rússia tem algumas das taxas mais altas de conclusão da educação entre os maiores
de 25 anos, mas o êxodo de jovens com diploma pode anular essa vantagem. Segundo
dados do Ministério das Comunicações, 10% dos trabalhadores - na maioria, homens
jovens - deixaram a Rússia em 2022.
Nascimentos
Kolesnikov cita o diretor do Instituto de Demografia da Escola Superior de Economia da
Rússia, Mikhail Denisenko, que projetou que um ano de serviço militar para os 300 mil
homens mobilizados em setembro e outubro de 2022 significará 25 mil nascimentos a
menos.
Esse número pode aumentar significativamente como resultado da emigração, do
declínio de longo prazo nas taxas de natalidade e novas mobilizações de reservistas.
Nesse contexto, sanções impostas pelo Ocidente podem levar o país à recessão e a uma
turbulência econômica duradoura, que pode fazer com que as pessoas adiem ou até
desistam de ter filhos. "A invasão (da Ucrânia) foi uma catástrofe humana - e não apenas
para os ucranianos", conclui a Economist.

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