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O Brasil visto pelos arqueólogos do futuro

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Ubiratan Jorge Iorio 29/04/2023

Em um dia qualquer de um futuro bem remoto, quando algum arqueólogo se interessar


pelo estudo da cultura e do modo de vida no Brasil dos dias atuais, provavelmente vai se
perguntar como a economia conseguiu sobreviver a tantas experiências descabidas
cometidas por vários aventureiros colocados em postos importantes de governos. Três
pensamentos virão então à sua mente: a quantidade de pajelanças econômicas, a
capacidade da economia de absorver os estragos produzidos pelas mandingas e, depois
de algum tempo, a prática das mesmas ou de novas coisas-feitas.

Se o estudioso dedicar sua atenção apenas ao período republicano, vai ficar


embasbacado com o encilhamento de Rui Barbosa; aparvalhado com a queima de mais
de 14 milhões de toneladas de café de Vargas; assombrado com a agressão à Física
perpetrada por JK ao pretender, à custa dos pagadores de impostos, transformar 50
anos em cinco; estupefato com os três congelamentos gerais de preços de Sarney e os
dois de Collor (um deles acompanhado de sequestro dos ativos financeiros), em um
período de apenas cinco anos; boquiaberto com a “banda cambial diagonal com
movimento endógeno”, inventada por um presidente episódico do Banco Central de FHC,
que quase implodiu os mercados financeiros; atônito com a Nova Matriz Econômica de
certa criatura que falava de maneira desconexa e ininteligível e que ocupou a
Presidência; e pasmado com um arcabouço fiscal divulgado em março do longínquo ano
de 2023 e que mais parecia um calabouço fatal.

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E, estatelado e coçando a cabeça, arguirá para si mesmo como esse país conseguiu
resistir a tantos descalabros, recuperou-se e se transformou alguns anos depois em uma
grande potência econômica. Pobre arqueólogo, que talvez precise recorrer a um
paleontólogo ou mesmo a algo como um vidente do passado, especialistas,
respectivamente, em fósseis e em bolas de cristal que funcionam no sentido anti-horário.
Em sua pesquisa, compreenderá a terrível dúvida que nos assola hoje, a de tentar prever
para onde este governo está nos levando, uma indagação comum em qualquer tempo —
um simples exercício para, com base nas ações do presente, tentar determinar aquilo
que se espera do futuro —, mas que, face à monumental capacidade de destruição que
o governo já demonstrou sobejamente em pouco mais de 100 dias, se transforma em
perguntas transcendentais: O que vai ser de nós? O que vai sobrar depois da
destruição? O que vai ficar para as gerações seguintes?

Embora sempre tenha sido impossível para a teoria econômica — mesmo depois do
advento do todo o poderoso arsenal dos modelos matemáticos de previsão
desenvolvidos a partir do século 20 — antecipar com exatidão o futuro, sempre foi
também perfeitamente possível e relativamente simples olhar para trás e aprender com a
experiência própria e alheia, tendo em mente, primeiro, que o presente já foi futuro e que
será passado quando o futuro for presente e, segundo, que a economia não deixa de ser
uma ciência, embora de coloração turva e cinzenta. E assim será até os dias do nosso
arqueólogo e depois dele.

Portanto, é possível antecipar em que porto os países que adotaram trajetórias


semelhantes às que o governo petista vem tomando atracaram. É só olharmos para o
passado, e a resposta aparece cristalina: aportaram na miséria, na asfixia da liberdade,
na censura, na ditadura e na supressão da dignidade humana. E, se observarmos a
bagunça generalizada que campeia no Legislativo e no Judiciário, a desinformação
produzida incessantemente pela velha imprensa e as imperfeições de muitas outras
instituições, essa lamentável resposta adquire limpidez e certeza ainda maiores. Será
que meia dúzia de populistas radicais, com ideias que recendem naftalina, vão ser bem-
sucedidos em apagar e destruir o legado que nossos avós nos transmitiram, mesmo
contra a vontade da maioria de nós? Afinal, não subestimemos a capacidade destrutiva
da ideologia dessa gente.

As críticas à política econômica do governo do PT vêm se multiplicando como coelhos,


desde o primeiro dia, quando quem sabe entender as coisas percebeu o tamanho da
farsa. Surpresa — se houve — foi apenas da parte de alguns economistas tucanos.
Dentro do próprio governo, a cada trapalhada do Haddad e a cada discurso sem pé, sem
cabeça e sem uso de plurais do presidente, as críticas vêm adquirindo um crescendo. Os
economistas e os políticos extremistas de esquerda criticam acerbamente, apenas por
criticar, sem apresentar alternativas sólidas ao que o último bastião do bom senso — o
Banco Central do Brasil — vem fazendo para manter a inflação controlada e dentro das
metas anunciadas.

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É muito frustrante saber que durante quatro anos o país se comporta como alguém
que aprendeu a mexer em celulares, mas que a partir de 2023 voltou a usar
pombos-correios.

A maioria dessas críticas parece dar substância ao veredicto de Gustave Flaubert, para
quem “faz-se crítica quando não se pode fazer arte, como quem se torna delator quando
não pode ser soldado”. No centro das diatribes, invectivas e impropérios contra “essa
política econômica do Campos Neto”, um velho bode expiatório: a taxa básica de juros.
Há detratores que chegam mesmo a pensar que a economia pode encontrar a rota do
crescimento sustentado mediante uma simples decisão mais ousada do Copom,
acompanhada, provavelmente, de gestos histriônicos à la Maduro, de políticas industriais
elaboradas por gênios progressistas e de macaquices acadêmicas de cunho heterodoxo
semelhantes às que foram utilizadas no passado. É o velho cacoete dos brasileiros de
repetir fracassos, dirá o arqueólogo.

Outro Brasil é possível? É claro que sim, uma vez que, a rigor, há uma infinidade de
brasis possíveis, desde aquele da opulência, da pujança e da igualdade de
oportunidades com que sonhamos até aquele outro, o da pobreza, da miséria e da mais
completa falta de liberdade, como nos países — que todos sabemos quais são — cujos
governos são cultuados pela seita petista e que se transformaram em objetivos dos
progressistas desde a fundação do Foro de São Paulo.

O nosso arqueólogo do futuro — que terá lido obras de grandes economistas, como
Adam Smith, Richard Cantillon, Carl Menger, Ludwig von Mises, Friedrich Hayek, Milton
Friedman, Robert Lucas e Thomas Sargent — dominará o conhecimento necessário para
acreditar que, assim como uma caçamba sem corda não pode descer ao fundo do poço,
regimes monetários sem respaldo em regimes fiscais sólidos não podem gerar
crescimento.

Esta é, em síntese, a grande questão, da qual todas as posturas dos ditos progressistas
revelam profundo desconhecimento: a falta de percepção de que, sem uma extensa
alteração no regime fiscal, baseada em um forte enxugamento do Estado que possibilite
necessidades de financiamento de longo prazo permanentemente menores; sem uma
reforma tributária corajosa e capaz de libertar o aprisionamento da energia criativa a que
o governo do PT quer submeter o setor privado; sem uma descentralização
administrativa de caráter federalista; sem que o Judiciário volte a limitar-se às suas
funções constitucionais e deixe de atuar politicamente; sem, enfim, uma reforma política
profunda que possa possibilitar todos esses requisitos, e com toda essa tamanha falta de
compreensão de que a caçamba da política monetária precisa estar atada à corda da
política fiscal, estaremos condenados a continuar caminhando em círculos, sem
crescimento e com a inflação contida à custa de um desemprego crescente — um
fenômeno que teria tudo para ser transitório, mas que acaba se perpetuando, caso o
atual conflito entre os lados fiscal e monetário seja mantido.

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A questão é muito séria: a continuar do jeito que está — com o governo inchando cada
vez mais o setor público, extorquindo sempre mais dos agentes privados, espantando
com excessos de controles e sinais equivocados os investidores externos e internos e
tentando ludibriar o mundo com a estúpida proposta de que gastos com investimentos na
área “social” não são gastos (como se leopardos não fossem felinos) —, teremos
necessidade de uma taxa de juros cada vez mais elevada para que a inflação
permaneça controlada; se a opção for pela heterodoxia de reduzir o superávit primário
mediante mágicas contábeis, por colocar incontáveis companheiros em diretorias de
estatais que já não deveriam mais existir e em cargos públicos pagos a peso de ouro; e
se for de diminuir artificialmente a taxa básica de juros, sem o necessário respaldo fiscal,
seremos involuntariamente arrastados para o precipício mais rapidamente, com o caos
cambial, monetário, político e social.

Só haveria uma solução para que o nó em que o governo petista volta a nos prender
possa ser desatado, que é a busca de uma coordenação — não simplesmente simbólica,
de fachada, de curto prazo e para inglês ver, mas permanente e que possa ser percebida
como tal — entre os regimes fiscal, monetário e cambial: política monetária exatamente
como vem sendo executada, com câmbio efetivamente flutuante e reformas liberais no
Estado brasileiro. Ou seja, exatamente o que a equipe econômica do governo anterior
procurou fazer entre 2019 e 2022. É muito frustrante saber que durante quatro anos o
país se comporta como alguém que aprendeu a mexer em celulares, mas que a partir de
2023 voltou a usar pombos-correios.

Não sejamos ingênuos: o único tipo de coordenação que se pode esperar desse governo
é da pior classe possível e que, infelizmente, parece ser líquida e certa caso as enormes
pressões que o Banco Central vem sofrendo terminem com sua autonomia: trata-se de
uma coordenação entre desregramentos, da gestão entre descomedimentos, com o
setor público gastando irresponsável e demagogicamente e a autoridade monetária,
comandada então por um serviçal dos políticos de plantão no poder, bancando a orgia
com taxas de juros de mãe para filho e a consequente chuva de moeda despejada
demagogicamente de impressoras transportadas por helicópteros.

Com a ocupação das cadeiras estofadas de Brasília pelo petelhato, com sua paixão
mórbida e desenfreada para torrar o dinheiro dos cidadãos e das empresas e sendo
mantida a ortodoxia monetária correta presentemente adotada, desamarra-se de vez a
corda da caçamba: apertos e mais apertos no lado monetário, frouxidão e mais frouxidão
no lado dos gastos para manter a máquina estatal.

A conclusão a que possivelmente chegará o arqueólogo é que, com tantos anos de


experiência estudando os hábitos de civilizações ao longo de milênios, nunca viu nada
parecido, e que os brasileiros são mesmo um caso à parte, um jabuti que consegue subir
na árvore por conta própria.

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