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Revista Exame

A Maior Revista de Negócios e Economia do País

O império da saúde
Maior rede de hospitais do país, a Rede D’Or dobrou de tamanho em
cinco anos. Agora investe na verticalização e na formação de
pro ssionais para se manter competitiva num mercado com custos
em alta

Instalado em Copacabana, no Rio de Janeiro, o hospital Copa Star, da Rede D’Or, é


o suprassumo do tratamento de luxo em saúde. Lá os pacientes do pronto-socorro
são atendidos em quartos individuais, com total privacidade. Na internação, as
camas são forradas com lençóis de 400 os e há um menu com opções de
travesseiros e calçados. Até as lixeiras dos quartos foram escolhidas a dedo para
não incomodar com barulhos desagradáveis durante seu manuseio. Por meio de
um tablet acoplado ao leito, o paciente pode acender e apagar as luzes, fechar e
abrir cortinas, regular o ar-condicionado e chamar enfermeiros sem precisar se
levantar da cama. Se quiser, pode optar por um serviço de concierge. As salas de
cirurgia são equipadas com o que há de mais moderno no mercado de saúde. Um
desses equipamentos é o robô Da Vinci XI, especializado em procedimentos
delicados de urologia, ginecologia e cirurgias bariátricas. Custa 6 milhões de
dólares. Nos corredores e espaços de convivência, é possível encontrar obras do
artista plástico japonês Yutaka Toyota. Marcadas pelas formas geométricas, tons
metálicos e curvas e ângulos improváveis, elas simbolizam a integração da
tecnologia com a força humana. Também expressam o ápice da estratégia traçada
pelo empresário e médico cardiologista Jorge Moll, que há mais de 20 anos
decidiu empreender no complicado ramo dos hospitais: chegar ao estado da arte
— o mais alto nível de desenvolvimento — quando o assunto é cuidar de pessoas.

Hospital da bandeira Star, em São Paulo: robôs que custam até 6 milhões de dólares | Germano Lüders

Nascida no Rio de Janeiro, em um contexto de falta de opções de atendimento


para o público rico da zona sul carioca, a Rede D’Or tem hoje 45 hospitais e mais
de 40 clínicas oncológicas. A companhia viu a receita crescer de 126,5 milhões de
dólares, em 2009, para 1,96 bilhão, em 2018 (no consolidado o grupo faturou 2,9
bilhões de dólares). No mesmo período, o lucro líquido da controladora foi de 6,7
milhões de dólares para 308 milhões, com aumento de 20% no ano passado. O
crescimento vigoroso está baseado na ideia de atender bem para atender sempre.
Nas unidades da bandeira Star, a mais so sticada e cara da rede, há um
enfermeiro para cada dois pacientes na unidade de tratamento intensivo. O
objetivo é fazer com que pacientes e médicos pre ram os hospitais da Rede D’Or
aos concorrentes. Para isso, 30% da remuneração dos diretores dos hospitais está
atrelada a metas de qualidade. Como a parte administrativa é centralizada, esses
executivos ganham mais tempo para focar o atendimento. O resultado é que o
índice de satisfação dos clientes nas unidades da bandeira Star é de 9,5 (de zero a
10). Na rede toda, o índice, medido pela própria empresa, ca em 8.

Na outra ponta, para que o foco na qualidade do atendimento funcione, é feito um


controle rígido dos gastos com tudo o que não é destinado ao paciente. Enquanto
em hospitais que não atuam em rede o gasto com administração pode chegar a
15% da receita, nos hospitais da Rede D’Or esse custo representa 4%. Por causa do
volume de compras, a companhia consegue negociar bons descontos com
fornecedores, e os preços chegam a car 20% abaixo da média do mercado. O
grupo guarda o luxo para os hospitais mais caros, como os da bandeira Star. Na
parte administrativa, as estruturas são simples e funcionais. A sede da empresa
no Rio de Janeiro, por exemplo, ca em uma sobreloja sem glamour no bairro de
Botafogo. A união da qualidade com uma boa gestão dos números levou à escolha
da Rede D’Or como empresa do ano em MELHORES E MAIORES 2019.

Por trás desse sucesso está a família Moll. O cardiologista Jorge Moll, que fundou
a empresa em 1977 junto com a mulher, Alice, hoje preside o conselho de
administração. Dos cinco lhos do casal, três fazem parte do conselho, um
preside o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e uma atua como médica. O
caçula, Paulo Moll, de 38 anos, é o vice-presidente e acompanha o dia a dia do
negócio ao lado do presidente, Heráclito Brito. Em janeiro, Paulo vai assumir a
presidência e Brito passará a presidir uma holding com os negócios da rede. Paulo
estudou economia e não tinha interesse em trabalhar nos negócios da família. Sua
intenção era seguir carreira no mercado nanceiro e trabalhar em bancos de
investimento. Mas foi convencido pelo pai. “Enquanto procura estágio em banco,
por que não ajuda aqui?”, perguntou Jorge. Paulo entrou na Rede D’Or em 2002
com a intenção de ajudar temporariamente e nunca mais saiu. O trabalho em
banco não veio, mas os conhecimentos nanceiros foram úteis para o
crescimento do grupo. “Era um momento em que a empresa estava muito
endividada e toda ajuda era bem-vinda”, diz ele. Brito, cirurgião com larga
experiência, foi presidente da Bradesco Seguros e da operadora de planos de
saúde Qualicorp. Preside a Rede D’Or desde 2013, quando o fundador deixou o
cargo.

O médico Jorge Moll tornou-se empresário ao abrir um centro de medicina


diagnóstica no Rio de Janeiro, o CardioLab. Moll havia se interessado por um novo
equipamento para exames do coração e fora a São Francisco, nos Estados Unidos,
conhecer o ecocardiograma bidimensional, uma grande novidade na época.
Voltou para o Brasil acreditando que o equipamento revolucionaria o mercado de
diagnósticos e fundou um laboratório com Alice, também médica. O laboratório
cresceu, ampliou o escopo de atuação e abriu unidades pelo Rio de Janeiro. Os
negócios iam bem. No entanto, o empreendedor percebeu que o setor de medicina
diagnóstica, apesar de lucrativo, tinha poucas barreiras de entrada para os
concorrentes. Os equipamentos eram facilmente nanciados pelos fabricantes. Ao
mesmo tempo, Moll percebia que a cidade carecia de bons hospitais particulares.
Havia grandes hospitais públicos, como o Miguel Couto e o Hospital dos
Servidores do Estado, ou unidades privadas menores, como o Samaritano e a
Clínica São Vicente. A elite carioca muitas vezes optava por ir a São Paulo se tratar
em hospitais como o Albert Einstein.
Hospital da operadora Hapvida: a rede verticalizada valorizou 70% desde que foi à bolsa em 2018 |
Drawlio Joca

O médico então decidiu apostar alto. Em 1994, comprou metade do Hotel D’Or,
em Copacabana, do empresário português Gaspar D’Orey, com a esperança de
convencer os outros sócios de que seria uma boa ideia fazer um hospital no local.
O trabalho de convencimento levou três anos. O negócio deu origem ao hospital
Copa D’Or, inaugurado no ano 2000. Na mesma época surgiu a oportunidade de
abrir outra unidade, dessa vez na Barra da Tijuca. O segundo empreendimento
acabou cando pronto antes do primeiro e foi inaugurado em 1998 com o nome
Barra D’Or. O Quinta D’Or, terceiro hospital da rede, foi aberto em 2001. Para dar
conta dos investimentos, Jorge Moll vendeu imóveis e hipotecou o apartamento
onde a família vivia. Endividado, chegou a fazer empréstimos com juros a 45% ao
ano para manter o capital de giro das operações. “Foi um passo maior do que as
pernas. O que no pôquer chamamos de all in”, diz o lho Paulo.

A empresa passou alguns anos sem construir ou comprar hospitais. Foi um


período-chave em que era preciso provar que o negócio se manteria de pé. Depois
desse respiro, passou a expandir a atuação no Rio de Janeiro e em outros estados.
Chegou a Pernambuco em 2007, com os hospitais Esperança e São Marcos, e a São
Paulo em 2010, com a compra do São Luiz. No mesmo ano, vendeu a divisão de
medicina diagnóstica à rede de laboratórios Fleury. Hoje, a Rede D’Or São Luiz
tem unidades espalhadas por Rio, São Paulo, Brasília, Pernambuco, Maranhão,
Sergipe e Bahia, e pelo menos mais sete em projeto para construção. Além de
identi car a carência da elite por tratamentos de saúde de qualidade, Moll soube
criar hospitais rentáveis. Os hospitais brasileiros têm, em média, 66 leitos, e isso
muitas vezes os torna inviáveis economicamente. Na Rede D’Or, a média de leitos
por unidade é de 170. Com as expansões previstas, o número chegará a 250. Com
mais espaço para receber pacientes, os altos investimentos na construção de um
complexo são mais bem aproveitados. A escala também ajuda a cortar custos e a
ganhar competitividade. “Boa parte dos hospitais brasileiros é de origem
lantrópica e não tem uma política de crescimento nem foco em resultado. Isso
gerou uma lacuna no mercado, que foi bem aproveitada pela D’Or”, diz Marcelo
Carnielo, da consultoria de gestão em saúde Planisa.

Médicos cubanos deixam o Brasil: incertezas do mercado de saúde são um desa o extra para operadores |
Pedro Ladeira/Folhapress

A Rede D’Or também aproveitou um momento único do mercado de saúde


brasileiro. Até 2015, a participação de capital estrangeiro no setor era proibida,
limitando a concorrência aos grupos nacionais. Nesse contexto, a companhia
cresceu e comprou hospitais regionais importantes. Naquele ano, o governo
derrubou a barreira aos estrangeiros no mercado de hospitais. A Rede D’Or, que já
tinha saído na frente, capitalizou-se para crescer ainda mais. Na época, o fundo
americano de participações Carlyle pagou 1,8 bilhão de reais por uma fatia da
companhia e o GIC, Fundo Soberano de Singapura, pagou 2,4 bilhões de reais por
outra parte do negócio. Hoje, o controle da empresa é dividido em 57,4% da
família Moll, 25,9% do GIC, 11,9% do Carlyle e o restante de sócios minoritários.

Capitalizada, a Rede D’Or manteve a expansão mesmo nos anos de recessão,


mirando um público que não se abalou com a crise: o topo da pirâmide. Lançada
em 2016, a bandeira Star hoje tem quatro unidades, uma no Rio de Janeiro, uma
em Brasília e duas em São Paulo, sendo uma especializada em oncologia. Cada
unidade exigiu investimento da ordem de 350 milhões de reais. Recentemente, a
companhia anunciou investimento de 8 bilhões de reais até 2023 em crescimento
orgânico, com a construção de mais dez hospitais. Com isso, o número de leitos
passará de 7 000 para 10 000. Nos últimos quatro anos, em plena crise, a empresa
investiu 7,7 bilhões de reais, fazendo a dívida líquida crescer para 6,8 bilhões. “O
ciclo de investimentos de nossa indústria é muito longo. Se investirmos agora,
vamos colher os frutos daqui a dez anos. Precisamos ter uma visão de longuíssimo
prazo”, a rma Paulo Moll.

Desa o global

É uma aposta arriscada num momento difícil. O setor de planos de saúde no Brasil
perdeu 3 milhões de bene ciários desde 2015. O número de hospitais privados
também caiu, de 2 023 em 2014 para 1 864 no ano passado. Um dos problemas é a
in ação médica, que chegou a 17,3% em 2018, ante uma in ação geral de 3,7%. Os
custos vão continuar a subir com o envelhecimento da população. A expectativa
de vida no Brasil subiu de 61 para 75 anos desde a criação da D’Or, mas ainda está
longe do nível do Japão, onde se vive, em média, até os 84 anos. As incertezas
sobre o mercado cresceram desde janeiro, com a chegada de um governo que
encerrou o programa Mais Médicos e levantou o debate sobre o futuro do Sistema
Único de Saúde. O aumento dos preços faz com que empresas e bene ciários
optem por planos mais baratos, que não incluem os hospitais da D’Or. O cenário
tem levado à ascensão das operadoras verticalizadas, com hospitais próprios para
controlar os gastos com internação. Em abril de 2018, o grupo NotreDame
Intermédica e a Hapvida, operadoras com redes próprias de hospitais, abriram o
capital e tiveram alta de 186% e 70%, respectivamente, até o dia 20 de agosto
deste ano. No mesmo período o Ibovespa subiu 16%.
Toque para ampliar.

Outra operadora, a Amil, comprada pelo grupo americano UnitedHealth em 2012,


entrou em guerra com a Rede D’Or devido ao modelo de remuneração dos
hospitais. A Amil quer acabar com a modalidade conhecida como fee for service,
em que a operadora paga por item utilizado no hospital. Nos últimos meses, a
Amil descredenciou 17 hospitais da empresa da família Moll. A Rede D’Or não
comenta o caso da Amil, mas a rma que já tem modelos alternativos de
remuneração com outras operadoras há três anos, entre elas Bradesco,
Sulamérica e Golden Cross. A alternativa ao fee for service é um modelo de
remuneração por pacote. Neste, se um paciente dá entrada no hospital para
operar uma apendicite, a operadora paga um valor fechado pelo procedimento,
independentemente dos recursos utilizados. Na teoria, isso premia o hospital que
trata as doenças com menos custos. “A conta hospitalar é um negócio maluco.
Tem curativos, oxigênio, medicação, roupa, compressas. É um inferno para a
operadora e para nós. Montamos um modelo fechado em que a operadora tem
mais previsibilidade e que nos atende também”, diz Heráclito Brito.

Contra a verticalização da concorrência, a Rede D’Or também tem desenhado um


modelo em que o atendimento ca centrado nos hospitais de sua rede. O objetivo
é reduzir a proporção de leitos vazios em seu parque hospitalar, ainda que isso
signi que perder margem por paciente. Como parte desse plano, a companhia
comprou no início de agosto 10% das ações da operadora de planos de saúde por
adesão Qualicorp, a maior do setor, com cerca de 2,4 milhões de pessoas em sua
carteira. A D’Or rmou um acordo com o principal acionista da empresa, José
Seripieri Junior, para votar em bloco e dividir o controle da Qualicorp. A transação
ainda precisa de aprovação do Cade, o conselho de defesa da concorrência. Com
isso, a empresa abre a possibilidade de expandir o negócio para outras frentes —
a Rede D’Or já tem uma corretora de seguros desde 2015, a D’Or Consultoria, que
administra 1,8 milhão de clientes. “Com a transação, a Rede D’Or deve conseguir
aproveitar melhor seu portfólio. Unindo os clientes que eles já têm com os da
Qualicorp, a empresa terá acesso a quase 10% do mercado de bene ciários de
planos de saúde”, a rma Ilan Arbetman, analista da corretora Ativa
Investimentos.
Idosos no Japão: a expectativa de vida e os custos da saúde vão continuar em alta mundo afora | Klaus-
Werner Friedrich/imageBR/agb photo

O movimento também tem levado a empresa a voltar mais os olhos para projetos
de hospitais com custos de operação mais enxutos, os chamados “hospitais de
custo”. Um deles é o Glória D’Or. Em 2013, a Rede D’Or pagou 60 milhões de reais
em um terreno no bairro carioca da Glória que pertencia ao antigo hospital da
Bene cência Portuguesa. Parte da estrutura foi erguida em 1840 e é tombada pelo
patrimônio histórico do Rio de Janeiro. O hospital estava abandonado desde a
década de 90. Ali, a Rede D’Or já trabalha nas obras para abrir uma unidade com
500 leitos, e 42000 metros quadrados, a ser concluída até o m deste ano. O
complexo deve gerar 5 000 empregos quando estiver operando. Já os prédios
históricos serão restaurados para receber o Instituto D’Or de Ensino e Pesquisa.
Fundado em 2007 e mantido pela empresa, o Idor, como é conhecido, ganhou
notoriedade em 2017, quando um estudo de pesquisadores da casa sobre o vírus
da zika foi capa da revista britânica Nature, uma das principais publicações
cientí cas do mundo. “Criamos o instituto para fazer ciência de alto nível, com
projeção internacional. Conseguimos”, a rma Fernanda Tovar Moll, vice-
presidente do instituto e nora de Jorge Moll. Hoje, o Idor tem 22 pesquisadores e
um orçamento anual de 25 milhões de reais. O instituto tem programas de
mestrado, doutorado e pós-doutorado. Em julho, iniciou o primeiro curso de
graduação, em radiologia. Com a mudança para o prédio na Glória, a intenção é
expandir a graduação, com enfermagem e medicina. O projeto responde a um
desa o importante: encontrar mão de obra quali cada. Com a intenção de criar
mais 3 000 leitos nos próximos anos, a empresa, que hoje tem cerca de 45 000
funcionários, considerando todas as empresas do grupo, calcula que precisará de
mais 30 000. Mais uma vez, a solução da família Moll é se adiantar ao problema.

Mariana Desidério / agosto 27, 2019 / Capa / 1185, MM2019

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