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Ethernet Industrial – Parte 5 : As organizações internacionais

de Ethernet Industrial

No quinto artigo desta série, faremos uma breve recapitulação dos principais tópicos
apresentados, para que o leitor não se perca com tantas informações técnicas e, ao
mesmo tempo, apresentaremos uma visão de mercado, mostrando as principais
organizações internacionais que promovem a Ethernet Industrial. Também, será
comentado o projeto mundial de Ethernet Industrial da GM. Desta forma, o leitor
perceberá que o mercado encontra-se em franca evolução, bem como, a competição
entre os principais fabricantes. Fique atento! Cada vez mais você ouvirá falar de
Ethernet Industrial!

Mauro Shirasuna

Há vários fatores motivadores para o surgimento da Ethernet Industrial e sua utilização


no chão de fábrica. Porém, talvez o principal deles seja a falta de uma padronização
para as atuais redes industriais existentes no mercado. DeviceNet, ControlNet, Profibus,
Fieldbus Foundation, Interbus são alguns exemplos de redes industriais utilizadas em
automação de processos industriais.

A falta de padronização não permite que haja interoperabilidade entre as diferentes


redes, ou seja, não há possibilidade comunicação direta entre estas. Desta forma, um
usuário que possua, em sua fábrica, duas ou mais redes industriais, tem dificuldades
para intercambiar informações de uma rede para outra, além do custo adicional para
aquisição de peças e cabos sobressalentes, softwares de configuração/manutenção e
treinamentos para seus técnicos para cada rede existente.

Além do mais, devido à grande competitividade entre as empresas, cada vez mais, existe
uma necessidade imediata por informações confiáveis e em tempo real para orientar a
tomada de decisão de operadores, gerentes e diretores. Dentro deste contexto, é
importante que os sistemas de automação da fábrica e, portanto, as redes industriais que
fazem parte desta, sejam totalmente integrados de modo a facilitar a coleta,
armazenamento e interface das informações com os sistemas corporativos, tais como, o
ERP (Enterprise Resource Planning), cujo produto mais conhecido é o SAP.

Como vimos em artigos anteriores, uma tentativa de padronização foi conduzida pelo
IEC (International Electrotechnical Commission) entre 1985 e 2000. A norma
internacional para redes Fieldbus (Fieldbus é como o IEC denomina, genericamente, as
redes industriais) foi chamada de IEC 61158. Os grandes fabricantes de automação e
redes industriais exerceram grande pressão política sobre o comitê técnico responsável
pela elaboração da norma, pois cada um desejava que sua rede fosse eleita como único
padrão internacional.

Ao ceder às pressões políticas dos fabricantes, o comitê adotou oito diferentes


“padrões” não compatíveis entre si: Fieldbus Foundation, ControlNet, Profibus, P-Net,
Fieldbus Foundation HSE - High Speed Ethernet, SwiftNet, WorldFip e Interbus. Desta
forma, em termos práticos, a norma IEC 61158 não tem utilidade. Voltou-se à estaca
zero. Este cenário de pressões políticas e disputas entre os fabricantes ficou conhecida
na literatura acadêmica como “Fieldbus War”.
Simultaneamente a esses fatos, ocorreu um processo de crescente utilização de
tecnologias de TI (Tecnologia da Informação) no chão de fábrica. O uso de
microcomputadores e seus sistemas operacionais, principalmente os da Microsoft (DOS
e, depois, o Windows) iniciou-se em meados da década de 80 e se disseminou em
poucos anos pelo chão de fábrica. Atualmente, com a crescente demanda por novas
ferramentas e necessidade de integração dos sistemas de automação com os sistemas
ERP, é quase impensável a não utilização de tecnologias de TI no chão de fábrica.

Dentro deste processo de convergência da automação industrial com as tecnologias de


TI, era natural que se especulasse a utilização da rede de comunicação usada pela área
de TI, a Ethernet, como uma opção às redes industriais existentes. Várias vantagens
podem ser apontadas: o hardware da Ethernet é barato, devido a larga produção em
escala; grande aceitação e popularidade da sua tecnologia; grande disponibilidade de
técnicos treinados e oferta de suporte técnico; taxas de transmissão cada vez mais
elevadas: 10 Mbps, 100 Mbps, 1 Gbps e, em breve, 10 Gbps.

Porém, existem críticas quanto ao seu emprego em automação e controle de processos


industriais, principalmente em relação à falta de determinismo do protocolo de acesso
da Ethernet, chamado de CSMA/CD (Carrier Sense Multiple Access with Colision
Detection). Todavia, como vimos em artigos anteriores, a utilização de switches elimina
a utilização do protocolo CSMA/CD possibilitando a utilização da Ethernet em
aplicações de automação e controle.
Solucionado o problema da falta de determinismo? Não completamente. Existem
restrições. É possível a utilização da Ethernet em aplicações de automação e controle
com tempo de reposta de, aproximadamente, 10 ms. Para aplicações que requeiram
tempos de repostas críticos abaixo de 1 ms como, por exemplo, as aplicações de motion
control, a Ethernet padrão não suporta estes tempos de resposta e são necessários
alterações, tanto em software, quanto em hardware para atender a estas aplicações.

Se a crítica à falta de determinismo pode ser resolvida para a maior parte das aplicações
industriais que não requeiram tempo de respostas críticas, no entanto, há uma outra
crítica bastante contundente: a falta de padronização dos protocolos industriais da
camada de aplicação da Ethernet Industrial. Como vimos no artigo anterior EtherNet/IP,
PROFInet, Modbus TCP/IP, FIeldbus Foundation HSE, VNET/IP são protocolos
desenvolvidos pelos fabricantes de redes industriais para operarem sobre a Ethernet
Industrial. No entanto, mais uma vez, não existe interoperabilidade entre estes
protocolos, o que significa que, apesar da parte física da rede ser a mesma, não há
compatibilidade entre protocolos de diferentes fabricantes.

Cada fabricante deseja impor seu produto ao mercado. Novamente, a mesma disputa
que ocorreu com as redes industriais vai se reproduzir na camada de aplicação da
Ethernet Industrial e quem paga o ônus é o usuário final, infelizmente.

Apesar destas críticas e deficiências, a Ethernet Industrial continua a ser uma tecnologia
que, cada vez mais, vai se consolidando entre fabricantes, usuários e o meio acadêmico.
A questão, que muitos especialistas levantam, não é se a Ethernet Industrial é viável,
mas, sim, quando e como esta será implantada nas indústrias.
ORGANIZAÇÕES

Diversas organizações foram criadas para promover o desenvolvimento técnico, o


marketing e a maior participação de mercado dos protocolos industriais para Ethernet
Industrial. Ao patrocinar o surgimento destas organizações e, ao mesmo tempo, entregar
a tutela do produto às mesmas, os fabricantes querem evitar que sua imagem fique
demasiadamente associada aos protocolos e afastar o fantasma do “Fieldbus War”, já
comentado anteriormente. Desta forma, foram criadas as seguintes organizações (tabela
1):

- ODVA (Open DeviceNet Vendors Association): Fundada pela Rockwell, Onrom e


Eaton. Inicialmente, seu objetivo era suportar e promover a rede industrial DeviceNet da
Rockwell. Porém, depois, a ODVA estendeu seu escopo incluindo o protocolo
EtherNet/IP, também desenvolvido pela Rockwell.

- Modbus–IDA: Esta organização é o resultado da fusão, ocorrida no final de 2003, de


duas outras organizações pré-existentes – a Modbus Organization e a IDA Group. A
primeira organização, fundada pela Schneider Electric, era responsável pela divulgação
da veterana rede industrial Modbus, lançada em 1976. Em 1996, iniciou a divulgação da
Modbus TCP/IP, uma versão, para o ambiente Ethernet, da Modbus. A IDA Group foi
fundada em 2000, na Europa, pelas empresas Jetter, AG-E Automation, SICK, Phoenix
Contact, RTI, Lenze e Schneider Electric.

A IDA Group desenvolveu a tecnologia IDA (Interface for Distributed Automation),


baseada na Ethernet TCP/IP, e voltada para aplicações de robótica, motion control e
linhas de empacotamento. Como a Schneider Electric participava de ambas
organizações, foi natural que houvesse uma aproximação e a fusão foi uma
conseqüência previsível. A nova organização Modbus-IDA continuará a promover o
protocolo Modbus TCP/IP e sua integração à pilha de protocolos da tecnologia IDA.

- Profibus International: Sundada em 1995, é atualmente a maior organização para


comunicação industrial, com mais de 1200 membros, entre fabricantes, integradores,
usuários, universidades e institutos de pesquisas e com o objetivo de promover a rede
industrial Profibus (um dos oito padrões adotados pela norma IEC 61158) e PROFInet
(a versão da Profibus para Ethernet).

Sob a hierarquia da Profibus International existem 25 associações regionais de Profibus,


30 centros de competência Profibus em 16 países e 7 laboratórios de teste e certificação.
Das associações regionais, as maiores são a PNO (Profibus Nutzerorganisation), da
Alemanha com cerca de 260 membros e a PTO (Profibus Trade Organization), dos
Estados Unidos com cerca de 135 membros.

- PNO (Profibus Nutzerorganisation): Organização sem fins lucrativos de usuários de


Profibus da Alemanha e Áustria, fundada em 1998 em Karlsruhe, Alemanha, com o
objetivo de divulgar e manter aberta as tecnologias Profibus e PROFInet. Funciona nas
instalações da Profibus International.
- Interbus Club: Organização criada, inicialmente, para suportar as atividades de
divulgação da rede industrial Interbus (um dos oito padrões adotados pela norma IEC
61158), com cerca de 600 membros e 16 clubes em diversos países. A solução adotada
pelo Interbus Club para Ethernet Industrial é a PROFInet (veja adiante a explicação).

- Fieldbus Foundation: Estabelecida em 1994 através da fusão de duas organizações, a


WorldFIP North America e a ISP (Interoperable Systems Project), a Fieldbus
Foundation é um organização sem fins lucrativos, com mais de 300 membros e
responsável pela promoção das redes Fieldbus H1 e H2, esta última também conhecida
como HSE (High Speed Ethernet).

- IAONA (Industrial Automation Open Networking Alliance): Inicialmente fundada em


outubro de 1999, nos Estados Unidos, a IAONA-USA começou com 25 membros. Em
novembro do mesmo ano, foi fundada a IAONA-Europe durante a feira SPS/IPC/Drives
em Nuremberg, Alemanha. A seção européia logo alcançou a marca de 130 membros e
mostrou-se muito mais ativa que a sua co-irmã americana. Atualmente, a sede da
IAONA é em Magdeburg, Alemanha, e seu objetivo principal é ser uma organização
neutra e independente de fabricantes para o desenvolvimento da Ethernet Industrial.

Tabela 1 - Organizações internacionais de Ethernet Industrial.


ESFORÇOS DE COOPERAÇÃO

Buscando alianças tecnológicas e políticas, as organizações reúnem-se em acordos de


cooperação:

- Em 2000, a IAONA, ODVA e IDA-Group assinaram um acordo de cooperação para o


desenvolvimento de um conjunto de funcionalidades comuns e a possibilidade de
interoperabilidade entre os protocolos EtherNet/IP (ODVA) e IDA (IDA-Group)
conduzidas dentro do fórum neutro da IAONA. Os resultados destes esforços de
cooperação serão publicados como especificações da IAONA e incorporados dentro das
especificações da EtherNet/IP e IDA.

Como primeiro resultado deste trabalho, foi elaborado um guia de instalação de


cabeamento para ambientes industriais (disponível para download no site
www.iaona.org). Com a fusão da IDA-Group com a Modbus Corporation em 2003,
emitiu-se um comunicado oficial informando que a Modbus-IDA iria manter o acordo
de cooperação e continuar os trabalhos com a IAONA e ODVA.

Em abril de 2004, o acordo de cooperação foi ampliado com a adesão das seguintes
organizações: IGS (Interest Group SERCOS), ETG (EtherCAT Technology Group),
EPSG (Ethernet Powerlink Specification Group). Desta forma, a IAONA, como
organização neutra, ganha importância política ao aglutinar em torno de si várias
organizações de protocolos industriais.

- Devido ao avanço da utilização da Ethernet na área industrial, o Interbus Club fez um


acordo com a Profibus International, em abril de 2004, para adotar a PROFInet como
sua solução para a Ethernet Industrial e, ao mesmo tempo, desenvolver uma interface
com a rede Interbus. Desde então, as duas organizações mantêm grupos técnicos
trabalhando em cooperação.

A ETHERNET INDUSTRIAL NA GM

A General Motors Corporation é uma das empresas líderes do segmento automotivo,


responsável por 15% do mercado mundial em 2002, presente em cerca de 190 países
com diversas marcas, tais como, Chevrolet, GMC, Opel, Cadillac, Vauxhall. Devido à
diversidade de parques industriais é essencial que haja uma padronização de redes
industriais de modo a alcançar redução de custos e possibilitar a integração com os
sistemas corporativos, como o ERP.

Uma decisão estratégica e com alcance mundial foi tomada com a adoção da rede
DeviceNet e do protocolo EtherNet/IP, ambos da ODVA, como arquitetura de rede
padrão para as 60 fábricas da GM em todo mundo (África, Europa, América Latina,
América do Norte, Oriente Médio). A EtherNet/IP propiciará comunicação em tempo
real entre os controladores de máquinas, robôs e equipamentos de controle de processo,
bem como informações para sistemas de negócios corporativos.

Todas as fábricas da GM pelo mundo terão que se adequar ao novo padrão até 1o de
janeiro de 2007. Os principais fornecedores de robôs, como Kuka, Fanuc, ABB estão
testando versões de robôs com placa de rede Ethernet e protocolo EtherNet/IP e
realizando testes de conformidade supervisionados pela ODVA. Este projeto deve
impulsionar mercado de Ethernet Industrial tornado-se um verdadeiro “divisor de
águas”.

CONCLUSÃO

Como vimos, a Ethernet Industrial não cumpre a expectativa de ser a “panacéia” que
resolverá todos os problemas da falta de padronização das redes industriais. A “Fieldbus
War” deve se deslocar para a camada de aplicação e promover uma disputa entre os
protocolos industriais disponíveis no mercado. O surgimento das organizações mostra
que o mercado de Ethernet Industrial está em ebulição e que os acordos de cooperação
podem trazer benefícios aos usuários através da possibilidade de interoperabilidade
entre protocolos diferentes. Ao mesmo tempo, estes acordos demonstram movimentos
políticos para fortalecer a posição de determinadas organizações e, conseqüentemente,
de seus protocolos.

É muito difícil dizer o que vai acontecer no futuro, no entanto, é inegável admitir que
EtherNet/IP e PROFInet são protocolos que tendem a polarizar a disputa devido ao peso
das empresas fabricantes que estão por trás: Rockwell e Siemens. O projeto da GM deve
impulsionar a EtherNet/IP. Porém, nunca subestime os concorrentes.

Notícia fresquinha: em recente decisão, agora, em janeiro de 2005, o órgão de normas


técnicas da China (Standardization Administration of China) estabeleceu o protocolo
Modbus TCP/IP como padrão industrial na República Popular da China. Bem, depois de
tudo isto, quem se arrisca a fazer uma aposta para saber qual será o protocolo dominante
no futuro?

Matéria originalmente publicada pela revista Mecatrônica Atual; Ano: 4; N° 21; Abr –
Mai / 2005

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