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Ethernet Industrial - Parte 1 - Introdução e a norma IEC 61158 (FIELDBUS)

Ethernet é a tecnologia de rede local de maior utilização nos escritórios das empresas.
Devido ao baixo custo, grande oferta de produtos e, principalmente, pela ausência de
um padrão para redes industriais, apesar dos esforços do IEC 61158, a Ethernet iniciou
sua migração para o ambiente industrial, trazendo consigo todo o potencial dos
protocolos TCP/IP utilizados na Internet, que podem revolucionar o chão de fábrica

Mauro Shirasuna

“E daí?”. Foi a reação de um colega, um experiente engenheiro da área industrial,


quando comentamos sobre Ethernet Industrial. “Já ouvi falar de Ethernet. É utilizada
como rede dos computadores de escritórios”, disse, logo em seguida. “Acho que essa tal
de Ethernet Industrial não passará de mais uma opção para redes industriais. Não
acredito que deva me preocupar com esse assunto!”, arrematou, encerrando a conversa.

Esta, talvez, deva ser a primeira reação de quem ouve falar sobre Ethernet Industrial e
reflete, em parte, o papel secundário com o qual encaramos as redes de comunicação
industriais: simples meios para interligar controladores (CLP, SDCD) com as remotas
de I/O e instrumentos inteligentes.  Porém, o potencial da Ethernet Industrial extrapola
sua utilização como rede de comunicação. Mais do que o mero emprego de uma
tecnologia de rede local de TI (Tecnologia da Informação) na área industrial, a Ethernet
possibilitará a utilização de vários protocolos usados na Internet (TCP/IP, http, SNMP,
etc.) o que pode mudar drasticamente a maneira como lidamos com as informações no
chão de fábrica. 

A Convergência para TI

Há cerca de 20 anos, era pouco usual aos profissionais da área industrial terem que lidar
com TI. Naqueles tempos, os CLPs eram programados com pesadas maletas fornecidas
pelos fabricantes, as IHMs eram grandes painéis sinóticos com lâmpadas e botões, os
esquemas elétricos eram desenhados à mão em pranchetas e Windows era somente a
tradução para o inglês da prosaica palavra “janela”.  Porém, durante esse período, uma
frenética transformação ocorreu com a invasão de TI no chão de fábrica:
microcomputadores, sistemas operacionais, softwares e, agora, a Ethernet.

Na figura 1 temos um esquema que mostra a evolução da TI dos ambientes de


escritórios e da tecnologia de Automação Industrial, Mecatrônica e Instrumentação do
chão de fábrica. Percebe-se um processo irreversível de convergência para TI, ou seja,
cada vez mais estaremos utilizando a TI no chão de fábrica. O efeito colateral deste
processo é que os profissionais da área industrial devem estar constantemente se
reciclando e se atualizando com estas novas tendências tecnológicas.
F.1 - Processo de convergência das tecnologias dos ambientes de escritórios e
industrial.

Breve Histórico da Ethernet

A Ethernet foi desenvolvida nos laboratórios do PARC (Palo Alto Research Center) da
Xerox, durante a década de 70, por Bob Metcalfe e David Boggs. Em 1980, a DEC
(Digital Equipment Corporation) e a Intel se uniram à Xerox no desenvolvimento da
Ethernet e publicaram a primeira especificação técnica, chamada de Ethernet versão 1, 
que operava a 10 Mbps e com cabo coaxial. Nessa mesma época, o IEEE (Institute of
Electrical and Electronic Engineers), através do comitê técnico 802, trabalhava no
desenvolvimento de normas técnicas para redes locais e metropolitanas.

Em 1981, o subcomitê 802.3 iniciou trabalhos para especificação de uma norma para
redes locais, baseada na especificação DIX Ethernet (DIX vem das iniciais de DEC,
Intel e Xerox) e, em 1983, foi publicada a especificação IEEE 802.3. Logo em seguida,
em 1985, esta especificação foi endossada e adotada pela ANSI (American National
Standards Institute) e pela ISO (International Standards Organization).

Importantes avanços técnicos foram obtidos com a utilização de fibra ótica, no final de
década de 80, a utilização de cabos UTP (Unshielded twisted-pair) e o incremento da
taxa de transmissão para 100 Mbps e, logo em seguida, para 1 Gbps, durante a década
de 90.

Desde a sua concepção, a Ethernet se desenvolveu continuamente, tornando-se, nos dias


atuais, a tecnologia de rede local de maior utilização e aceitação no mercado. As
seguintes razões podem explicar este sucesso: i) Ethernet foi a primeira rede local de
alta velocidade amplamente disponível e utilizada no mercado, o que lhe permitiu
angariar considerável aceitação dos administradores de rede e obter uma vantagem
competitiva sobre outras redes; ii) Outras tecnologias concorrentes, como Token Ring,
FDDI e ATM, são mais caras e complexas; iii) Ethernet progressivamente apresentou
versões com taxas de transmissão mais altas (10 Mbps, 100 Mbps, 1 Gbps) e; iv)
Devido a grande popularização, o hardware da Ethernet é barato.

Ethernet apresenta, incontestavelmente, a melhor relação custo x benefício, devido ao


custo baixo, confiabilidade e estabilidade. Como conseqüência, surgiu uma grande
oferta de produtos de hardware e software e profissionais tecnicamente capacitados.
Atualmente, Ethernet é, de longe, a tecnologia de rede local de maior predominância e,
provavelmente, manterá esta situação até onde se possa prever no futuro.

Fieldbus: Norma IEC 61158


Em contrapartida, no ambiente industrial o cenário é completamente diferente. A
utilização de redes de comunicação para ambientes industriais, coincidentemente,
também se iniciou na década de 70, porém, somente durante a década de 80 houve um
aumento significativo de sua utilização.  Neste artigo, utilizaremos Fieldbus como um
termo genérico para designar as redes de comunicação industriais que possibilitam a
comunicação digital entre sistemas de controle e dispositivos de campo, como válvulas,
atuadores, instrumentos de medição, etc.

Durante a década de 80, um grande número de sistemas Fieldbus estavam disponíveis


no mercado, sendo que a grande maioria era de tecnologia proprietária, não tendo
compatibilidade entre si. A competição feroz fez com que muitos desses sistemas
Fieldbus desaparecessem ou permanecessem restritos a pequenos nichos de mercado.
Era evidente a necessidade de uma norma que especificasse regras rígidas, de forma a
estabelecer a ordem no mercado e resgatar a confiança do usuário.

Em 1985, iniciou-se um esforço internacional de padronização, conduzido pelo IEC


(International Electrotechnical Commission), uma organização internacional de
padronização de normas técnicas, da qual o Brasil faz parte como membro. Depois de
quinze longos anos, em 2000, foi finalizada a norma, denominada IEC 61158, com a
adoção de oito diferentes tipos de Fieldbus [1]. Veja figura 2.

F.2 - IEC 61158 – os oito tipos adotados como padrão.


Infelizmente, o trabalho do IEC 61158 foi demorado e improdutivo devido conflitos
comerciais entre empresas concorrentes de sistemas Fieldbus e pressões políticas sobre
o grupo de trabalho do IEC. Vários autores utilizam a expressão “Fieldbus War” [2]
para caracterizar esse ambiente turbulento. A incapacidade de adotar um único padrão e
a decisão política de especificar oito diferentes tipos de Fieldbus, não compatíveis entre
si, contribuiu, definitivamente, para o fracasso do IEC 61158 [3].

Ethernet Industrial

Devido à falta de um padrão para o mercado de Fieldbus, começou-se a especular a


possibilidade da utilização da Ethernet, ou outros protocolos, como ATM e FDDI, no
ambiente industrial. Além disso, os tradicionais sistemas Fieldbus têm dificuldades em
suportar uma demanda crescente de largura de banda e não têm capacidade para
integração vertical com sistemas mais complexos. Particularmente, Ethernet tem
despertado maior interesse e atenção para utilização no ambiente industrial. Existem
persuasivas motivações para o emprego da Ethernet no ambiente industrial [4]:

-Economia: A Ethernet tem custo baixo comparado ao Fieldbus, devido produção em


grande escala.  A tabela 1 mostra um comparativo de preços entre o hardware da
Ethernet e Fiedbus;

-Taxa de transmissão: Enquanto o mais rápido Fieldbus apresenta taxa de 2 Mbps, a


Ethernet pode chegar a 1 Gbps;

-Distância: A utilização de fibra ótica permite à Ethernet ser instalada em grandes


distâncias numa planta industrial e, além disso, permite imunidade às interferências
eletromagnéticas;

-Integração com sistemas corporativos: Ethernet, conjuntamente com utilização dos


protocolos TCP/IP, se integra perfeitamente com sistemas corporativos, tais como ERP
(Enterprise Resource Planning) ou SCM (Supply Chain Management), permitindo que
informações do chão de fábrica sejam disponibilizadas de forma automática. -
Normalmente, para Fieldbus é necessária a utilização de complicados e custosos
gateways;

-Flexibilidade: Como padrão aberto, Ethernet e protocolos TCP/IP permitem a criação


de infra-estrutura de informação comum na empresa que pode ser utilizada por uma
ampla faixa de aplicações e, ao mesmo tempo, permite a compatibilidade entre sistemas
de diferentes fornecedores.

-Crescente utilização: De acordo com a ARC Advisory Group, uma consultoria


especializada na área industrial, o mercado de Ethernet para uso industrial cresceu
acima de 50% nos últimos dois anos, apesar do desaquecimento do mercado mundial de
equipamentos de automação industrial, e prevê que o mercado passará de 286.800 nós,
em 2002, para mais de 6,06 milhões de nós, em 2007.

T.1 - Comparação de custos entre uma rede Fiedbus e Ethernet.


Além de suas vantagens, a utilização da Ethernet industrial mobiliza a atenção da
comunidade técnica e científica. Organizações internacionais foram criadas para
divulgar a tecnologia à comunidade de usuários e fornecedores:

IAONA (Industrial Automation Open Networking Alliance - www.iaona.org), fundada


em 1999 e, atualmente, congrega cerca de 130 empresas;
IEA (Industrial Ethernet Association - www.industrialethernet.com), também fundada
em 1999 e congrega algumas dezenas de empresas.
A TIA (Telecommunications Industry Association - www.tiaonline.org) responsável
pela série de normas TIA/EIA-568 e TIA/EIA-569 para cabeamento estruturado de
prédios comerciais e amplamente utilizada no mercado, está, no momento em que
escrevemos este artigo, desenvolvendo a norma TIA TR 42.9 que tratará da infra-
estrutura de comunicação para áreas industriais.

Porém, o ambiente industrial possui requisitos diferentes do ambiente de escritórios


onde, normalmente, a Ethernet é usada. Exigem-se aplicações com respostas em tempo
real para controlar processos, máquinas e equipamentos e, além disso, o ambiente é
agressivo e suscetível à interferência eletromagnética.  Portanto, motivado pelas
inúmeras vantagens para o emprego da Ethernet e, no entanto, confrontado pelos
requisitos do ambiente industrial, os seguintes questionamentos podem ser levantados:

-Como atender ao requisito de resposta em tempo real se Ethernet é uma rede não
determinística?
-Como instalar a infra-estrutura de rede Ethernet num ambiente que apresenta alta
temperatura, poeira, umidade e interferência eletromagnética?
-Quais outros requisitos devem ser levados em consideração?

Nos próximos artigos iremos comentar estes questionamentos.

Conclusão

Vimos que devido aos baixos custos e ampla oferta de hardware e software, a utilização
da Ethernet no chão de fábrica é uma forte tendência que já está se consolidando.
Devido a ausência de um padrão para as redes industriais Fieldbus, a Ethernet tende a
preencher esta lacuna.  Porém, como veremos em próximos artigos, a “Fieldbus War”
continuará em outro cenário, ou seja, a competição será entre os protocolos que irão
operar sobre a Ethernet Industrial. Finalmente, deveremos descrever como atender os
requisitos de tempo real e determinismo, pois, na sua essência, Ethernet é uma rede não
determinística. Não percam os próximos artigos!

Bibliografia

[1] Park, Sang Geon. Fieldbus In IEC61158 Standard. In: Control Information Systems
Lab   Winter Workshop, 15a Edição, 2002, Kushu, Japão.
[2] Felser, Max; Sauter, Thilo. The Fieldbus War: History Or Short Break Between
Battles? In: IEEE International Workshop On Factory Communications Systems
(WFCS2002), 4a Edição, 2002, Västeras, Suécia.
[3] Amos, Kenna, “IEC61158: Complex, Misunderstood and much too late”. ISA -
World Bus Journal.
[4] Sterling & Wissler (2003), “The Industrial Ethernet Networking Guide”. Thomson
Learning, Inc.,

*Mauro Shirasuna é Engenheiro Elétrico, graduado pela USP, realiza Mestrado em


Engenharia de Computação no IPT e, atualmente, ocupa o cargo de Coordenador de
Automação das Cervejarias Kaiser Brasil S/A.

*Originalmente publicado na revista Mecatrônica Atual - Nº17 - Set/04

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