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2 Fórum Janeiro/Fevereiro 2012

inkbluesky.wordpress.com

Não há
calamidade,
mas uma
dinâmica
inerente ao
clima
João Afonso Zavattini
por Oscar D'Ambrosio
Uma perspectiva em
G
raduado em Geografia pela Unesp

Oceanografia Biológica e mestre e doutor em Geografia Fí-


sica pela USP, João Afonso Zavattini
é livre-docente em Climatologia pelo Instituto
de Geociências e Ciências Exatas da Unesp,
Áurea M. Ciotti e André F. Bucci Câmpus de Rio Claro, onde atua como pro-
fessor. Pós-doutor pela Università degli Studi

C
omo qualquer outro as comunidades biológicas e to- di Torino (Itália), é autor do livro As chuvas e
problema científico, Modelos dos os processos que os ligam se as massas de ar no Estado de Mato Grosso
a resposta a uma per- comportavam no passado. Em do Sul: estudo geográfico com vista à regio-
gunta depende das escalas de numéricos outras palavras, os efeitos físi- nalização climática, disponível para download
tempo e de espaço envolvidas. cos, químicos ou biológicos das gratuito em http://www.culturaacademica.
No caso de mudanças climáti- imperfeitos são mudanças globais precisariam com.br/catalogo-detalhe.asp?ctl_id=42. A ini-
cas ou, como mais amplamente de informações passadas que ciativa é uma parceria entre a Cultura Acadê-
descritas, mudanças globais, a as melhores não existem – e esse argumen- mica, selo da Editora Unesp, e a Pró-Reitoria
comunidade científica perma- to tem sido irrefutável em várias de Pós-graduação.
nece num estado contínuo de ferramentas de instâncias, principalmente não
divergências porque diferentes científicas, pois é muito fácil Jornal Unesp Qual foi a motivação para es-
partes envolvidas abordam o que dispomos provar que algo não existe se crever seu livro?
problema em escalas de tem- não é observado. João Afonso Zavattini Ele surgiu da carência
po diferentes. Por um lado, as atualmente Mas é notável e inquestioná- de estudos climáticos ligados à dinâmica atmos-
elevações na temperatura e na vel o efeito da humanidade [...] férica no Centro-Oeste do Brasil. Escolhi Mato
concentração de gás carbônico na superfície de nosso planeta. Grosso do Sul (MS) por estar contido na área
(CO2) atmosférico do planeta são [...] Como existe uma demanda de influência do Estado de São Paulo. Escolhi
esperadas quando acompanhadas em ciclos na- de tempo entre as descobertas científicas e toma- o mesmo paradigma do meu mestrado, que foi
turais mais longos (milhares de anos); por outro, das de decisão, a comunidade científica aposta sobre o oeste paulista e o norte paranaense: a
numa perspectiva de centenas de anos, as taxas de nos chamados cenários “otimistas” e “pessimis- chuva, analisando as massas e frentes frias.
aumento de CO2 na atmosfera, e não a sua concen- tas”, sendo esses cenários dependentes de modelos
tração final, são realmente sem precedência. Outro numéricos imperfeitos, conceitualizados por uma JU Qual a principal característica que o se-
constante debate nesse assunto se refere aos ciclos coleção de dados curta e igualmente imperfeita e nhor estudou?
de elementos – o ciclo da água e do CO2, ambos uma teoria simplista. Todavia, essas são as melho- JAZ Assim como SP, MS é atravessado por
gases estufa, tem escalas muito distintas e seus res ferramentas de que dispomos no momento [...]. uma zona climática de transição. Parte do ter-
efeitos devem ser analisados respeitando-se essas Assim, será importante que a comunidade ritório do Estado é dominada por massas po-
escalas. Ambos são afetados por atividades antró- científica adote um caráter multidisciplinar ao lares e tropicais, e a outra parte, mais ao nor-
picas, mas enquanto o uso de combustíveis fósseis lidar com estudos sobre mudanças climáticas; e te, por massas tropicais e equatoriais. Desse
reverte um ciclo biogeoquímico muito longo, a re- que educadores de todas as áreas preparem seus conflito de massas de ar, passa a existir todo
distribuição da água na superfície do planeta e nas alunos para compreender como esses modelos são um jogo de valores de temperatura, chuva,
massas de ar que se formam acima dela pode ser construídos e o que podem nos dizer, mas princi- umidade e vento.
feita de forma mais rápida. [...] palmente o que ainda não podem mas deveriam
[...] Observamos processos de eutrofização (ou ser capazes de quantificar. [...] JU Qual foi o principal paradigma utilizado
enriquecimento de regiões costeiras por matéria Anunciar ou desprezar catástrofes potenciais na tese?
orgânica) em todos os locais onde a ocupação hu- possuem, ironicamente, repercussão econômica e JAZ É o que sustenta a escola brasileira de
mana foi feita antes do conhecimento real sobre política para ambos os lados, e levando em conta Climatologia Geográfica, que vem dos estu-
a consequência dos descartes de esgotos e outras que o tempo entre gerações humanas é de dezenas dos do professor Carlos Augusto Figueiredo
substâncias; invasões por espécies exóticas atra- de anos, é recomendável tanto priorizar essa pers- Monteiro. Ele é semeador da ideia dos ritmos
vés de água de lastro de navios de grande porte; pectiva temporal como agir de forma mais restrita. climáticos e pluviais.
alterações de cadeias tróficas marinhas pela re- [...]
moção de espécies de importância comercial por JU O que vêm a ser esses ritmos?
atividades de pesca; a acidificação dos oceanos – Áurea M. Ciotti é docente do Câmpus Experimental do JAZ Estão ligados aos ritmos atmosféricos, que
que se refere a uma mudança química da água do Litoral Paulista da Unesp ocorrem em função dos fluxos que vêm das
André F. Bucci é pesquisador assistente no Laboratório de
mar, com relações à entrada de CO2 na atmosfera. Dinâmica Pelagial Costeira – Aquarela da Unesp-CLP
massas de ar árticas e antárticas. No hemis-
Todos esses efeitos são frequentemente estudados fério sul, o ritmo é dado pelo contraste entre
em Oceanografia sob a perspectiva de previsão A íntegra deste artigo está disponível no “Debate massas frias que nascem no polo antártico e
para o futuro, e para isso requerem a compreen- acadêmico” do Portal Unesp, no endereço http://www.
são plena de como os ambientes físico-químicos, unesp.br/aci/debate/290410-aureamciotti.php
Janeiro/Fevereiro 2012 Fórum 3

sxc.hu
Divulgação

Temos de respeitar O Cerrado e os


as características
de cada região e a
viajantes
dinâmica atmosférica Fabíula Sevilha de Souza
de cada local
N
o século XIX, o Brasil e “agreste”, a ausência de flores e
foi destino de inúmeras Bioma emerge os solos “arenosos”, não causavam
viagens e expedições num espírito de formação cultural
massas quentes que têm origem na zona inter- científicas, que objetivavam a cole- nos relatos moldada pelo Romantismo a mes-
tropical, entre o Equador e o Trópico de Capri- ta e o estudo de espécies. Tendo em ma sensação de deleite estético e
córnio. Nesse jogo, ora domina a massa fria, ora vista a característica litorânea da como obstáculo emocional que uma natureza ver-
a massa quente. No meu estudo, privilegiei o colonização portuguesa na Amé- dejante [...].
elemento chuva. Na Climatologia Geográfica, rica e as dificuldades de transpor- a ser transposto O clima é um dos aspectos
gostamos de estudar o pulsar, ligado aos fenô- te para o Interior, é pela ótica dos que mais lhes chamava a atenção.
menos que têm um ritmo, ou seja, ao longo das viajantes que adentraram os vastos pela exploração Com temperaturas elevadas na
estações do ano, há um pulsar diferente, que sertões do território brasileiro que maior parte do ano, dias quentes,
também se diferencia de um ano para o outro, as riquezas do que atualmente co- intensiva noites geladas, inverno seco, má
algo inerente ao conceito de clima. nhecemos como Cerrado são apre- distribuição de chuvas e secas pro-
sentadas, catalogadas e registradas longadas, destoava sobremaneira
JU Como o senhor avalia, nessa concepção, em relatos de viagens. daquele a que o europeu estava ha-
os períodos de intensa chuva, como os do A Região Centro-Oeste – que bituado. [...] A vegetação em dema-
começo de ano no Brasil? abriga uma das maiores porções nucleares contínuas sia causava temor, bem como os animais de “grande
JAZ Há os ritmos habituais e os excepcionais. do bioma – foi percorrida, entre 1819 e 1843, por no- porte”, como cobras, jacarés e onças, descritos como
Os geólogos de nossa escola encaram os rit- mes de relevo como o botânico-naturalista francês “selvagens”. As formações vegetais rasteiras, por sua
mos como a sucessão dos estados atmosféri- Auguste de Saint-Hilaire, o botânico bávaro Carl vez, despertavam o sentimento de tédio e monotonia.
cos sobre um lugar. Dentro desse paradigma Friedrich Philipp von Martius, o médico e botânico Mesmo implicitamente, havia a noção de que
não há calamidade, pois existe uma dinâmica austríaco Johann Emanuel Pohl, o médico e natura- aquele ambiente formava um bioma diferenciado,
inerente ao clima. lista escocês George Gardner e o naturalista francês com características peculiares. [...] Os galhos retor-
Francis Castelnau. [...] cidos, as árvores de folhas ressequidas e coloração
JU Essa dinâmica varia de região para região? [...] O ambiente natural e as espécies encontra- acinzentada, típicas de Cerrado, enganam um pri-
JAZ Sim. É por isso que usamos o nome de das durante as viagens pelo Cerrado diferiam so- meiro olhar e nos são apresentadas como algo me-
Climatologia Geográfica, ou seja, temos que bremaneira dos que lhes eram familiares em seus nor, concepção esta que persiste.
respeitar as características de cada região e países de origem. Assim, o deslumbre e o estra- [...] As viagens científicas tinham, dentre outras,
a dinâmica atmosférica de cada local. nhamento mesclam-se e permeiam os relatos, com a função de coletar e estudar espécies variadas
maior ou menor intensidade. que pudessem fomentar a produção de matérias-
JU É possível prever o futuro do clima den- Podemos, ainda, elencar dois outros fatores que -primas para a Europa. [...] O Cerrado emerge, pois,
tro dessa linha de raciocínio? influenciaram na forma como enxergaram o Cerra- como “selvagem” porque “mal cultivado”, sendo
JAZ Não há por parte da comunidade meteo- do. Primeiramente, deve-se considerar que o bioma um obstáculo a ser transposto pela exploração in-
rológica brasileira e internacional um aprovei- tem duas estações bem definidas, uma chuvosa e ou- tensiva e racional.
tamento da grande produção de pesquisas no tra seca, e que a época do ano escolhida para a via- [...] É possível vislumbrar nesses relatos as raí-
seio da geografia. O acúmulo de conhecimentos gem interferia decisivamente nas condições e resul- zes de uma conduta utilitária e perdulária, e os
permite perceber que os ciclos se repetem. Ima- tados da mesma. Por um lado, a impossibilidade, por indícios de uma postura de “desvalorização” do
gine quanto conhecimento climatológico pode- características naturais do ambiente como as vazan- Cerrado, o que nos ajuda não só a problemati-
ria ser acumulado em estudos com duração de tes dos rios ou a espessura das matas fechadas, de zar questões do presente, como a devastação e o
30 a 50 anos, permitindo até projetar o futuro. realizar os estudos a que se propunham acabava cau- avanço predatório sobre este bioma, mas também
sando frustrações e a transferência de suas próprias a pensar alternativas de preservação a partir de
JU Por que a Climatologia Geográfica não inquietações quando da qualificação do cenário. Por uma mudança de mentalidade
tem espaço na mídia, onde predomina uma outro, a estes viajantes, expoentes de uma ciência
visão catastrófica do clima? prática, interessava antes a variedade de espécies a Fabíula Sevilha de Souza é pesquisadora do Laboratório de
JAZ Grande parte dos geógrafos é pouco mi- andar pelos extensos caminhos descampados como História e Meio Ambiente da Faculdade de Ciências e Letras,
Câmpus de Assis
diática. Não fazemos muita propaganda das os do Centro-Oeste.
nossas pesquisas. O segundo diz respeito às diferenças e especifici- A íntegra deste artigo está disponível no “Debate
dades existentes entre uma porção e outra de um am- acadêmico” do Portal Unesp, no endereço http://www.
plo território como o brasileiro. [...] O aspecto “árido” unesp.br/aci/debate/051110-fabiulasevilhadesouza.php

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