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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS

Izabela de Almeida, Joana Carreiro, Laís Valim e Ronnie Von Luís

TARDÍGRADOS

LAVRAS - MG
2023
Izabela de Almeida, Joana Carneiro, Laís Valim e Ronnie Von Luíz

TARDÍGRADOS

Trabalho apresentado à
Universidade Federal de
Lavras, como parte das
exigências da disciplina
Laboratório de Biofísica, para
a obtenção de nota.

Lavras - MG
2023

1
RESUMO

Os tardígrados, inicialmente conhecidos como ursos d'água, são animais peculiares, notórios
por sua incrível capacidade de sobreviver nos mais diversos ambientes não propícios à vida.
Esses organismos metazoários conseguem entrar em diferentes tipos de estados latentes, têm
adaptações que os auxiliam a suportar altas pressões, desenvolveram um gene único ao seu
filo que os protege contra radiação, além de possuírem outras características que os
transformam nos seres mais resistentes do planeta.

Palavras-chave: Tardígrados. Resistência. Ambientes estressantes. Sobrevivência.


Criptobiose. Radiação. Pressão. Temperatura.

2
SUMÁRIO

1. Introdução………………………………………………………………………...…4
2. Tardígrados………………………………………………………………………….6
3. Criptobiose………………………………………………………………………….7
4. Termologia…………………………………………………………………………..8
5. Pressão…………………………………………………………………………..…10
6. Radiação……………………………………………………………………………11
7. Considerações Finais……………………………………………………………12
8. Referências………………………………………………………………………..13

3
INTRODUÇÃO

Você sabe qual é o organismo mais resistente atualmente residente de nosso planeta? Caso
sua resposta tenha sido “barata”, lamento informar seu equívoco. Na verdade, os seres que
ocupam o pódio de extrema adaptabilidade a condições adversas são os tardígrados:
micro-artrópodes capazes de sobreviver a ambientes extremos e não suscetíveis à vida.
Representantes do Filo Tardigrada, tiveram sua aparição descrita pela primeira vez em 1773
pelo zoólogo alemão Goeze. Inicialmente, dadas as semelhanças corporais entre esses
microscópicos invertebrados e os ursos, foram chamados de 'kleiner Wasserbär’ ou pequeno
urso (Ramazzotti & Maucci, 1983). Spallanzani, cientista italiano, foi o responsável por, três
anos depois, conferir o nome que atualmente utiliza-se, Tardigrada (Rebecchi et al. 2007).
Como postulado no início, esses animais destoam-se dos demais em decorrência de suas
adaptações às mais adversas condições, fator propiciado devido a sua capacidade de entrar
em criptobiose; um estado de dormência ametabólico (Clegg et al. 2001). Essa “animação
suspensa” pode se dar de 5 tipos diferentes, identificados por Crowe (1971), sendo eles:
encistamento (tardígrados de água doce) (Westh e Kristensen, 1992), anoxibiose (níveis
oxigênicos reduzidos), criobiose (condições de temperatura baixas), osmobiose (diferença de
pressão osmótica) e anidrobiose (desidratação) (Hygum et al., 2016). Quando os tardígrados
entram em estado de latência para sobreviver às adversidades ambientais impostas a si,
diminuem exorbitantemente ou suspendem completamente seus sistemas metabólicos e
fisiológicos (Nelson, 2002; Jönsson & Järemo, 2003), retornando com estes quase
imediatamente, assim que o fator indutor é retirado (Morais, 2009).
Na verdade, os tardígrados são mais induzidos comumente a anidrobiose (Wright et al. 1992,
Wright 2001, Schill 2010) e criobiose (Westh et al. 1991, Westh e Kristensen 1992, Ramlov e
Westh, 1992), isto é, quando a dormência é estimulada por dessecação e congelamento,
respectivamente. A descoberta desses seres criptobióticos tornou-os valorável objeto de
estudo dos cientistas, não apenas por conta de sua habilidade em dessecar completamente,
mas também pela aplicabilidade de tal caractere na preservação de material biológico em sua
forma seca (Schill et al. 2009).
No que se refere a sua resistência quanto às variações de temperatura, estudos recentes
apontam para um declínio da capacidade criobiótica dos tardígrados (Neves, Hvidepil,
Sørensen-Hygum, et al. 2020; Neves, Stuart, & Møbjerg, 2020). Em princípio, por
Temperatura, entende -se como uma grandeza responsável por medir a quantidade de calor,

4
ou seja, o grau de agitação das moléculas (Urone, & Hinrichs, 2022). Durante o século XIX,
estudos já eram realizados para analisar o quão longeva se mostrava a resistência dos
micro-artrópodes, com Doyère (1842) e Pouchet (1859) sendo pioneiros nos relatos do vigor
de tardígrados dissecados expostos a choques térmicos (>100°C). Não obstante, mesmo com
tal aptidão, pesquisas apontam que os tardígrados requerem, a priori, um período de
aclimatação às condições em que estão submetidos, pois, dessa forma, podem de melhor
maneira adequar-se ao exigido pelo ambiente (Hengherr, Worland, Reuner, Brummer &
Schil, 2009; Neves, Stuart e Møbjerg, 2020). Ainda nesse quesito, pesquisadores relataram
um fenômeno definitivamente capaz de maleficiar a prevalência das espécies de Tardigrada, o
aquecimento global (Neves, Hvidepil, Sørensen-Hygum, et al. 2020). Com as atividades
antrópicas fomentando mudanças climáticas vertiginosas, torna-se inviável a aclimatação dos
tardígrados, dado que esta não ocorre de maneira instantânea, ocasionando no déficit de
espécies mesmo que em estados dessecados ou aptos aos ambientes congelantes (Giovannini,
Altiero, Guidetti & Rebecchi, 2018; Hengherr, Worland, Reuner, Brummer & Schil, 2009).
A pressão é uma força sob a qual todos os organismos estão submetidos, sendo um dos
fatores que mais influencia no cotidiano, dado seu potencial de causar danos celulares,
colapso estrutural e desnaturação de proteínas vitais. (Møbjerg, 2011). Considerando que
esses animais habitam majoritariamente regiões marinhas, onde a pressão exercida pode
atingir mais de mil vezes a pressão atmosférica ao nível do mar (Møblerg, Halberg,
Jørgensen, Persson, Bjørn, Ramløv, Kristensen, 2011), não é de abismar-se que tenham
desenvolvido mais caracteres adaptativos além da anidrobiose (Rebecchi et al. 2007), a
Estabilização de Proteínas (Hesgrove & Boothby, 2020; SChill, Mali, Dandekar, Schnölzer,
2009). Esse processo, desempenhado por um açúcar especializado, a trealose, inviabiliza a
desnaturação das proteínas, repercutindo na preservação da forma e função destas mesmo
quando a pressão se encontra extrema (Hesgrove, 2020). Outrossim, os tardígrados possuem
mecanismos de reparo de DNA que garantem a integridade genética (Horikawa, 2013), uma
composição lipídica exclusiva que mantém a sua intatilidade celular ao evitar rupturas e o
corpo revestido por camadas protetoras rígidas muito eficientes na minimização de danos
estruturais (Wright, 1988).
A capacidade de sobrevivência dos tardígrados também se estende à tolerância de radiação,
em níveis que diversas outras espécies não suportam, inclusive o ser humano. May R.M,
Maria M. e Guimard J (1964) foram os pioneiros na realização de estudos sobre a resistência
desses micro-artrópodes à radiação, com exposição de indivíduos dissecados e hidratados aos
Raios X e Ultravioleta (UV) (Jönsson, 2019; May, Maria, Guimard, 1964). Os resultados
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apontaram para uma grande resistência dos tardígrados, tanto em seu estado hidratado quanto
dessecado, a exposição por transferência de energia baixa (Low-LET) e energia alta
(High-LET). Especulações sobre de onde vem essas habilidades de suportar até mesmo a
radiação, levou os cientistas a um gene: Dsup, abreviação de Damage Supressor Protein
(Proteína de supressão de dano), exclusiva dos tardígrados (Míngues-Toral et al., 2020). Esse
gene, por não possuir uma estrutura terciária definida, é capaz de se moldar e ligar ao DNA
através de interações eletrostáticas, dessa forma, evitando sua quebra quando exposto a
radiação X e permitindo a perpetuação dos tardígrados mesmo quando expostos aos
processos de emissão de energia.
O presente trabalho visa discorrer um pouco acerca do que são os tardígrados e quais são as
peculiaridades características do Filo que permitem sua perpetuação na Terra até os tempos
contemporâneos. Esperamos, por meio dos seguintes tópicos, fornecer insights sobre o que se
sabe até a atualidade e entender as adversidades a que são submetidos, ademais do papel que
as atividades antrópicas influem sobre a sua sobrevivência.

TARDÍGRADOS

Os tardígrados são animais microscópicos, são pequenos metazoários com tamanho variando
de 0,1 mm até 1,2 mm, os quais constituem um filo à parte (Filo Tardigrada) relacionado com
os artrópodes e os onicóforos. Possuem quatro pares de patas com garras, órgãos visuais
similares a “olhos” (GREVEN, 2007); sistema muscular complexo (SCHMIDT-RHAESA;
KULESSA, 2007); órgãos osmorregulatórios (HALBERG et al., 2009); um aparelho de
alimentação e sistema reprodutivo extremamente desenvolvido (JACOBSEN, 1996;
BERTOLANI; REBECCHI; BECCACCIOLI, 1990), demonstrando a complexidade desse
animal, apesar de seu tamanho diminutos. Foram descritos pela primeira vez por Johann
August Ephraim Goeze em 1773, que os chamou de "urso de água" e refere-se à maneira pela
qual aquela caminhada, semelhante à caminhada de um urso. Mais tarde, o termo tardígrado
(que significa "passo lento") foi dado por Lazzaro Spallanzani em 1777 devido à lentidão
deste animal.
Os tardígrados podem ser encontrados numa grande variedade de habitats marinhos,
dulciaquícolas e terrestres (Nelson, 2001; Bertolani et al., 2009), contudo, por dependerem de
um filme de água ao redor para estarem ativos, devem ser considerados animais aquáticos

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(RAMAZZOTI; MAUCCI, 1983), ademais, já foram realizados experimentos que
comprovaram que esses animais podem sobreviver no vácuo do espaço, onde é impossível
respirar (JÖNSSON et al., 2008).
Quanto à alimentação de tardígrados, é variada e está relacionada principalmente com seu
tipo de aparelho bucal e com a disponibilidade de alimentos no local. Normalmente se
alimentam de algas e células vegetais, mas podem também se alimentar de rotíferos,
nematóides, leveduras, bactérias e em alguns casos até de outros pequenos tardígrados
(SCHILL et al., 2011).
O grupo Tardigrada começou a ganhar muita atenção maior devido a várias de suas espécies
serem altamente resistentes a condições ambientais extremas quando se tornam cistos de
resistência, como por exemplo, altas temperaturas, salinidade elevada e até mesmo ao vácuo
do espaço (NELSON; GUIDETTI; REBECCHI, 2015; BRUSCA; MOORE; SHUSTER,
2018). Os tardígrados tem uma baixa expectativa de vida, mas, por poderem realizar
criptobiose, conseguem sobreviver por muitos anos.

CRIPTOBIOSE

Uma das características mais marcantes dos tardígrados é a sua capacidade de entrar em um
estado latente chamado criptobiose. Crowe (1971) identificou cinco tipos de latência:
encistamento, anoxibiose, criobiose, osmobiose e anidrobiose. Quando um tardígrado está em
um estado latente (criptobiose), o indivíduo entra em um estado de dormência ou uma
“animação suspensa” devido a uma condição extrema no ambiente que o animal se encontra
(Clegg, 2001.). Quando um tardígrado entra em criptobiose, várias das suas funções
biológicas e fisiológicas (metabolismo, crescimento, reprodução, senescência) cessam
temporariamente ou ficam reduzidas enquanto, a sua resistência aos fatores ambientais
extremos (frio, calor, seca, radiações, altas pressões, químicos, etc.) é incrementada (Nelson,
2002; Jönsson & Järemo, 2003). Com o fim da ação do efeito indutor da criptobiose, as
funções biológicas e fisiológicas do tardígrado voltam quase imediatamente aos níveis
normais (Morais, 2009).
Sendo assim, é necessário classificar os tipos de criptobiose existentes, isso vai depender das
condições do ambiente em que o organismo está inserido. Até então foram classificados cinco
tipos de criptobiose, sendo eles: Encistamento (ocorre comumente em tardígrados de água

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doce que vivem em piscinas permanentes e eclusas de canal, embora cistos também possam
ser formados por tardígrados que habitam solo e musgo. O encistamento não é obrigatório no
ciclo de vida de um tardígrado, e as razões para o surgimento não são totalmente conhecidas.)
(Westh e Kristensen, 1992); Anidrobiose (é caracterizado pela perda de água por evaporação,
ou seja, desidratação); Criobiose (ocorre quando as condições de temperatura são
extremamente baixas); Anoxibiose (esse estado é induzido quando os níveis de oxigênio no
ambiente são muito baixos ou até mesmo inexistentes); e Osmobiose (induzida por diferenças
de pressões osmóticas) (Hygum et al., 2016).
Geralmente, o tipo de criptobiose exercido pelos tardígrados mais estudos pelos cientistas é a
anidrobiose (BERTOLANI et al., 2004), isso porque ao estudar como os tardígrados realizam
essa função, os cientistas esperam aprender mais sobre os mecanismos moleculares da
tolerância ao estresse, permitiria a preservação de alimentos, amostras de sangue e vacinas à
temperatura ambiente, e até mesmo evitaria que órgãos e tecidos fossem danificados em
processos de congelamento, aumentando assim sua vida útil (SCHILL et al., 2009), elevando
o nível de conhecimento nas áreas da medicina, biotecnologia e astrobiologia.

TERMOLOGIA

Por termologia, compreende-se como estudo da temperatura, calor etc. A efeito do assunto
que está sendo tratado, atentemo-nos no discorrer deste parágrafo especificamente acerca da
Temperatura. Esta, por sua vez, conceitua-se como uma grandeza responsável por medir a
quantidade de calor, ou seja, o grau de agitação das moléculas (Urone, & Hinrichs, 2022).
Agora, como os Tardígrados se relacionam com essa grandeza? Bem, já foi postulado que
esses micro-artrópodes apresentam grande capacidade de resistência contra as adversidades
ambientais, e a temperatura é um dos desafios enfrentados por eles (Hengherr, Worland,
Reuner, Brümmer, & Schill, 2009.; Neves, Stuart, & Møbjerg, 2020).
O século XIX trouxe pesquisas que relatavam a tolerância de tardígrados dessecados a
exposição de choques térmicos (>100°C) durante efêmeros momentos (Doyère 1842, Pouchet
1859). Em 1995, um estudo realizado com três espécies de tardígrados apresentou resultados
de altas taxas de sobrevivência mesmo sob temperaturas muito baixas (Lauritz Somme e
Terje Meier, 1995). No decorrer da pesquisa, indivíduos hidratados e desidratados das
espécies Echiniscus jenningsi, Macrobiotus furciger e Duphaston chilenense foram

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submetidos a uma variação de -22°C a -180°C durante uma sequência de dias, a fim de
observar seu nível de resistência; com os pesquisadores concluindo que espécimes
desidratados se encontram ainda mais adaptados aos gélidos ambientes da Antártica, visto
que, mostraram-se capazes de se aclimatar rapidamente as condições em que foram expostos
(Lauritz Somme e Terje Meier, 1995).
Não obstante, novos estudos mostram, que as atividades antrópicas estão culminando em um
fenômeno capaz de influenciar negativamente na vida dos tardígrados, o aquecimento global
(Neves, Hvidepil, Sørensen-Hygum, et al. 2020). Durante uma pesquisa realizada com o
tardígrado Ramazzottius varieornatus, indivíduos ativos e dessecados foram expostos a altas
temperaturas, com e sem aclimatação, com o intuito de avaliar a termotolerância apresentada
pelos espécimes (Neves, Hvidepil, Sørensen-Hygum, et al. 2020). No decorrer do
experimento, foi observado que os tardígrados anidrobióticos em estado de tun apresentaram
tolerância mais acentuada as elevadas temperaturas do que os ativos, observação corroborada
por estudos anteriores (Hengherr, Worland, Reuner, Brümmer & Schill, 2009.). Conquanto,
Neves (2020) enfatizou o quão importante é o tempo de exposição, dado que, após 24 horas,
a temperatura média para que 50% da mortalidade fosse atingida caiu de 82,7 °C para 63,1
°C. Outrossim, considerando que uma discrepância foi observada entre espécies diferentes
sob temperaturas equivalentes (Ramløv & Westh, 2001; Hengherr, Worland, Reuner,
Brümmer & Schill, 2009; Neves, Stuart e Møbjerg, 2020) novos estudos devem ser
realizados, a fim de, apresentar novas perspectivas sobre como os caracteres genéticos
influem nessas alterações.
Os tardígrados, embora dotados de exímia resistência, necessitam de um período para
aclimatar-se às mudanças posteriores, assim, sendo possível suspenderem sua atividade
metabólica e retornarem quando as conjunturas ambientais estiverem mais favoráveis
(Hengherr, Worland, Reuner, Brummer & Schil, 2009). Não obstante, a vertiginosidade com
que ocorrem as mudanças torna inviável a ocorrência da aclimatação, dessa forma,
prejudicando a perpetuação das espécies. Essa situação já havia sido alertada em 2018,
quando um estudo apontou a provável extinção do tardígrado Acutuncus antarcticus por
conta do aumento de temperatura dos mares, e reiterada em 2020 com alertas sobre outra
espécie passando pelo mesmo problema (Giovannini, Altiero, Guidetti & Rebecchi, 2018).

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PRESSÃO

Para compreender a importância da tolerância à pressão dos tardígrados, é essencial


compreender as condições que enfrentam. As fossas oceânicas profundas, por exemplo,
exercem pressões que podem atingir mais de mil vezes a pressão atmosférica ao nível do mar.
Esta imensa força representa um desafio substancial para qualquer organismo, pois pode
levar a danos celulares, colapso estrutural e desnaturação de proteínas vitais. (Møbjerg, 2011)
Como citado anteriormente, o processo realizado pelos pequenos animais é a anidrobiose
(Rebecchi et al. 2007), uma forma de criptobiose em que os tardígrados perdem quase toda a
água corporal, permitindo-lhes sobreviver à dessecação extrema. Porém, a nível molecular, os
tardígrados também empregam várias adaptações importantes para suportar altas pressões:
Estabilização de Proteínas: A trealose, um açúcar especializado, desempenha um papel
crucial na proteção das proteínas da desnaturação (Hesgrove, 2020). Atua como agente
estabilizador, preservando a estrutura e função das proteínas mesmo sob extrema pressão.
Além disso, os tardígrados têm um sistema robusto de proteínas chaperonas que evitam o
mau enrolamento e a agregação de proteínas. (Schill, 2009)
Mecanismos de reparo de DNA: Os tardígrados desenvolveram mecanismos de reparo de
DNA altamente eficientes. Ao reidratar após períodos de dessecação, esses mecanismos de
reparo corrigem rapidamente qualquer dano que possa ter ocorrido, garantindo a integridade
genética (Horikawa, 2013)
Composição lipídica única: Os tardígrados possuem lipídios especializados, incluindo ácidos
graxos poliinsaturados (PUFAs), em suas membranas celulares. Esta composição única
permite que as membranas mantenham a fluidez mesmo sob altas pressões, evitando a ruptura
e mantendo a integridade celular.
Os tardígrados também exibem adaptações estruturais que contribuem para a sua resiliência à
pressão. A cutícula e a parede do corpo proporcionam uma camada protetora rígida, porém
flexível, minimizando o risco de danos estruturais (Wright, 1988). Além disso, os tardígrados
contam com um esqueleto hidrostático, que ajuda a manter a forma e a integridade do corpo
sob pressão externa.
Em suma, a capacidade dos Tardígrados de resistir a ambientes de alta pressão é uma prova
da incrível adaptabilidade da vida na Terra. Através de mecanismos como a criptobiose, a
anidrobiose, a estabilização molecular e adaptações estruturais, estas criaturas microscópicas

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criaram um nicho em alguns dos habitats mais extremos do nosso planeta. O estudo dos
tardígrados não só aprofunda a nossa compreensão da resiliência biológica, mas também
oferece insights com aplicações potenciais em biotecnologia e medicina. Os seus corpos
minúsculos e resilientes contêm uma riqueza de conhecimentos que continua a cativar e
inspirar cientistas de todo o mundo.

RADIAÇÃO

Os tardígrados não apenas apresentam resistência quanto à temperaturas e pressões extremas,


como também conseguem suportar radiação a níveis que nem humanos ou a majoritária
quantidade de outras espécies conseguiriam sobreviver.
Os primeiros estudos sobre a tolerância de Tardígrados em relação à radiação foram
realizados em 1964 por May R.M, Maria M. e Guimard J, em que animais adultos da espécie
Paramacrobiotus areolatus foram irradiados com raio X e raios ultravioleta (UV), tanto em
seu estado dessecado e em seu estado ativo hidratado (K. Jönsson, 2019; May R.M., Maria
M., Guimard J., 1964). Os Tardígrados apresentaram grande tolerância a esses raios em
ambos os estados (hidratado e ressecado). Esse teste foi realizado apenas com transferência
linear de energia baixa (Low Linear Energy Transfer (Low-LET) Irradiation); entretanto,
nessa mesma pesquisa, também foram realizados experimentos com transferência linear de
energia alta (High Linear Energy Transfer (High LET) Irradiation): eles foram expostos à
prótons, íons de hélio e íons de ferro, e, do mesmo modo, apresentaram elevada tolerância à
essas partículas. Também existem estudos mais aprofundados em relação à radiação de raios
ultravioleta: em um experimento realizado por Horikawa et al., duas diferentes espécies
foram utilizadas (R. varieornatus e H. exemplaris) e ambas receberam resultados diferentes:
para a espécie R. varieornatus, 80% dos animais sobreviveram 5 dias após a irradiação em
seu estado hidratado, enquanto o H. exemplaris, também em estado hidratado, não sobreviveu
à essa exposição; concluiu-se que essa maior taxa de sobrevivência foi em razão da melhor
capacidade de regenerar DNA da espécie R. varieornatus que a espécie H. exemplaris (D.
Horikawa et. al, 2013). Além disso, duas espécies em 2007 (R. cf. coronifer e M.
tardigradum) foram expostas ao vácuo espacial, radiação cósmica e à raios UV de dois
diferentes espectros (K. Jönsson et. al, 2008). Nenhuma das duas espécies conseguiram
sobreviver à exposição completa de raios UV, entretanto, 12% do M. tardigradum
11
sobreviveram à exposição de raios UV a+b combinados, tornando-os os primeiros animais a
conseguirem sobreviver a todos esses níveis de radiação. Com isso, conclui-se que, por mais
que os Tardígrados tenham uma tolerância alta em comum entre as espécies do filo
Tardigrada à radiação, o nível de tolerância dependerá de cada espécie e seu estado.
Mas o que exatamente os fazem capazes de conseguirem sobreviver a esses altos níveis de
radiação? A possível resposta está em um gene: o gene Dsup, abreviação de Damage
Suppressor Protein (proteína de supressão de dano), uma proteína única a tardígrados. O gene
Dsup ainda não foi detalhadamente caracterizado e não há outras proteínas semelhantes à
Dsup no banco de dados, ou seja, por enquanto apresenta uma identidade única, e ele foi
descoberto durante o sequenciamento do genoma do Tardígrado anidrobionte Ramazzottius
varieornatus, onde foi localizado em uma proteína exclusiva de Tardígrados. Foi descoberto
que a proteína Dsup se localiza no núcleo celular e não tem uma estrutura terciária definida, o
que a permite se moldar para se ligar ao DNA. Ela consegue se ligar ao DNA por meio de
interações eletrostáticas, e também foi verificado que ela se conecta a ácidos nucleicos in
vitro (ou seja, em um ambiente fora da célula); assim, a proteína, ao se ligar com o DNA,
consegue protegê-la fisicamente como um escudo (Míngues-Toral et al., 2020).
Foi levantada a hipótese que essa proteína é o que permite os Tardígrados terem a sua alta
resistência contra a radiação. Com isso, foi realizado um experimento por Míngues-Toral et
al. que utilizou a expressão heteróloga do gene Dsup em células humanas e as expuseram à
radiação X. Após, foi possível notar um menor dano em relação ao material genético: as
células-Dsup (as células que receberão a expressão gênica do gene) tiveram um nível de
fosforilação menor em seus histonas (histonas posicionadas à sítios de quebra de dupla cadeia
de DNA apresentam fosforilação). Além disso, as células Dsup apresentavam morfologia
normal e aderência à placa de cultivo e ainda se proliferaram muito mais do que as células
normais também atingidas por radiação. Portanto, é possível entender dessa pesquisa que o
gene Dsup é o que evita a quebra do DNA pela radiação X ao se ligar a ele, o que permite que
os Tardígrados tenham alta resistência às ondas de radiação.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em conclusão, os tardígrados emergem como verdadeiros titãs da resistência biológica,


desafiando os preconceitos sobre a fragilidade da vida em face de condições extremas. Seu

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notável talento para a criptobiose, especialmente na forma de anidrobiose e criobiose, não
apenas sublinha uma habilidade única de adaptação, mas também revela uma riqueza de
potenciais aplicações práticas, desde a preservação de material biológico até avanços
inovadores em biotecnologia.
Embora sua capacidade de se ajustar a mudanças ambientais seja digna de admiração, a
narrativa do aquecimento global destaca uma vulnerabilidade preocupante. As atividades
antrópicas aceleram mudanças climáticas, ameaçando a capacidade dos tardígrados de
aclimatação. Este cenário lança um alerta sobre a necessidade premente de adotar medidas de
conservação e mitigação para proteger não apenas esses microrganismos notáveis, mas todo o
ecossistema global.
Além disso, ao explorar a interação dos tardígrados com fatores estressantes como
temperatura, pressão e radiação, desvelamos não apenas mecanismos biológicos
surpreendentes, como o gene Dsup, mas também desencadeamos reflexões mais profundas
sobre nossa própria responsabilidade na preservação do planeta. A resistência à radiação,
facilitada pelo gene Dsup, sugere não apenas uma adaptação singular, mas também potencial
para aplicações em proteção genética contra radiação em outras formas de vida.
Assim, os tardígrados, ao desempenharem o papel de embaixadores da resiliência biológica,
instigam uma reconsideração de nossa relação com o meio ambiente. À medida que
desvendamos os mistérios desses seres diminutos, somos convocados a uma postura mais
ativa na preservação da biodiversidade e na mitigação das mudanças climáticas. O estudo
contínuo desses microrganismos não apenas amplia nosso conhecimento científico, mas
também nos desafia a proteger a delicada tapeçaria da vida na Terra, assegurando que, assim
como os tardígrados, nossa capacidade de adaptação prevaleça em face dos desafios
iminentes.

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