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ÊXODO BÍBLICO TERIA MESMO OCORRIDO, diz autor

em livro (artigo publicado no jornal Folha de São Paulo – 25/12/17)


Evidências estariam em poemas, na arte e até nos nomes de
personagens

Consenso arqueológico, no entanto, aponta que tribo pode ter surgido


entre habitantes originais em Canaã.

É difícil achar arqueólogos e historiadores que ainda considerem


confiável o relato bíblico do Livro do Êxodo, segundo o qual o povo de
Israel teria se libertado da escravidão no Egito e rumado para a Terra
Prometida sob o comando de Moisés.
Essa história desacreditada acaba de ganhar um defensor de peso: o
americano Richard Elliott Friedman, 71, professor da Universidade da
Geórgia.
Para ele, há indícios históricos de que o Êxodo aconteceu – de
um jeito não tão cinematográfico. No lugar de milhões de hebreus
atravessando o leito do Mar Vermelho em meio a paredes de
ondas gigantescas, deveríamos imaginar um pequeno grupo de
refugiados que deixou a terra dos faraós e se tornou a casta
sacerdotal de Israel, trazendo consigo a crença num novo deus,
YAHWEH (JAVÉ - ‫)יחןח‬.
Este cenário está no novo livro de Friedman, intitulado “The
Exodus” (“O ÊXODO”). A especialidade dele é a análise dos textos
do Antigo Testamento, principalmente os cinco primeiros livros da
Bíblia (Pentateuco ou Torá), mas ele também usa dados
arqueológicos para fortalecer sua tese.
Há várias pedras importantes no sapato de quem tenta defender
a historicidade do Êxodo, mas talvez a mais importante delas seja
a grande continuidade entre a cultura do antigo povo de Israel e a
dos grupos que existiam antes da suposta chegada dos israelitas à
terra de Canaã, área que hoje corresponde, grosso modo, aos
territórios palestinos, ao moderno Estado de Israel e a partes do
Líbano e da Síria.
Embora a Bíblia muitas vezes descreva as tribos israelitas como
guerreiros recém-chegados do Egito que conduziam uma
campanha de extermínio contra todos os cananeus (habitantes
originais de Canaã), o fato é que o hebraico, idioma no qual a
Bíblia foi escrita, não passa de um dialeto cananeu, muito próximo
do fenício e de outras línguas faladas na região antes do
surgimento de Israel.
Do mesmo modo, os mais antigos assentamentos associados aos
israelitas, nas regiões montanhosas de Canaã (mais ou menos a
atual Cisjordânia), os quais surgem por volta do ano 1200 a.C.,
contêm uma cultura material – tipos de casas, artefatos de
cerâmica, etc. – praticamente indistinguível da encontrada em
assentamentos rurais cananeus.
Tais dados levaram muitos arqueólogos a concluir que o povo de
Israel surgiu dentro da própria Canaã, quando grupos tribais
seminômades e gente de outras origens resolveram se fixar de
forma mais sedentária nas montanhas, talvez aproveitando um
vácuo de poder ligado ao colapso das antigas cidades-Estado da
região.
Essa instabilidade política também estaria ligada à diminuição
do poderio imperial do Egito – até então, os faraós, durante
séculos, tinham tratado Canaã basicamente como seu quintal.
E, por falar no reino do Nilo, também não parece haver registros
da presença de um enorme contingente de escravos hebreus por
lá, muito menos da fuga espetacular das multidões israelitas pelo
mar Vermelho – embora seja possível argumentar que os escribas
faraônicos jamais registrariam uma derrota tão humilhante de seu
soberano.
1- IMIGRANTES NO EGITO
Embora não haja registros específicos sobre a presença de israelitas no
país dos faraós, dados mais genéricos indicam que imigrantes vindos da
atual Palestina costumavam se fixar por lá.

Pinturas egípcias retratam a chegada de nômades vindos da Ásia


(homens com barba, de pele mais clara)

NOMES E ARTEFATOS
Friedman critica o cenário descrito nos últimos parágrafos
lembrando, em primeiro lugar, que a presença de refugiados,
imigrantes e escravos semitas (de Canaã e das redondezas) está
bem documentada nos textos egípcios, ainda que em pequeno
número.
Além disso, ele aponta que há uma lista intrigante de israelitas
com nome de origem egípcia nas narrativas do Êxodo – a começar
2- NOMES LEVITAS
Diversos nomes israelitas da tribo de Levi, como o próprio Moisés,
parecem ter etimologia egípcia

Moisés (centro) com Aarão e Hur

pelo próprio Moisés e por seu sobrinho-neto, Fineias, além de


várias outras figuras menos conhecidas. Todos esses personagens,
sem exceção, pertencem à Tribo de Levi (os levitas), o clã
sacerdotal dos israelitas.
Outra peça do quebra-cabeças viria da comparação entre dois
dos poemas mais antigos da Bíblia (a julgar pelos arcaísmos do
hebraico no qual foram compostos). Eles são “A Canção do Mar”,
um breve relato da vitória do poder do Deus Bíblico (YAWEH)
contra as forças do faraó, e “A Canção de Débora”, que versa
sobre o confronto entre os israelitas e seus inimigos cananeus já
na Terra Prometida.
Acontece que a lista das tribos de Israel no segundo poema não
menciona a Tribo de Levi, enquanto “A Canção do Mar” não usa
em nenhum momento o nome de Israel, mas apenas o termo
“am”, ou “povo”. Para Friedman, isso não seria coincidência.
A confederação de tribos que formou o povo de Israel
originalmente de fato teria surgido na própria terra de Canaã, mas
os levitas, vindos do Egito, teriam se juntado ao grupo um pouco
mais tarde, trazendo consigo a crença em YAHWEH, um deus do
deserto que é mencionado pela primeira vez em textos egípcios
sobre nômades semitas.
Do lado arqueológico, o pesquisador destaca estudos que veem
semelhanças entre artefatos egípcios do fim da Idade do Bronze
(quando o Êxodo teria ocorrido) e a cultura israelita. Uma imagem
da tenda militar usada pelo faraó Ramsés 2º (1303 a.C. – 1213
a.C.), por exemplo, tem estrutura que lembra bastante a do
Tabernáculo, o santuário portátil que os israelitas teriam
carregado durante suas andanças pelo deserto.

3- A TENDA E O TABERNÁCULO
Alguns especialistas também enxergam semelhanças entre a tenda
retratada em inscrições do faraó guerreiro RAMSÉS 20 e o Tabernáculo
(templo em forma de tenda) usado pelos israelitas no deserto.
Reprodução de como teria sido o Tabernáculo

Já a Arca da Aliança, retratada até nos filmes da série “Indiana


Jones”, seria similar a pequenos barcos nos quais os sacerdotes
egípcios carregavam imagens de deuses.

4- A ARCA E OS BARCOS
Detalhes da construção e do método para carregar a Arca da Aliança,
mais sagrado objeto de culto dos israelitas, lembram os barcos sagrados
dos deuses egípcios.
Barco Sagrado egípcio

Arca da Aliança

A erudição de Friedman e seu talento para contar uma história


detetivesca são inegáveis. Resta saber se serão capazes de
converter os céticos da comunidade arqueológica – gente que
provavelmente exigirá evidências mais diretas da saga de Moisés
antes de dar o braço a torcer.

THE EXODUS
AUTOR: Richard Elliott Friedman
EDITORA: HarperOne
QUANTO: R$58,09 (ebook) – 305 páginas

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