Você está na página 1de 416

,•

.•
-.

' / -

'I
.
.
.

LEMOS BRITTO

- t

~ .. ª, .

== OS SYSTEMAS
PENITEN CIARIOS "'

DO BRASIL~
VOLUME- I .

. "

··~
.
,

RIO DE JANEIRO
IMPRENSA N.A,CIONAL
1924
LEMOS BRITTO
yt=ºº "=~ooo='l)7

OS SYSTEMAS
PENITENCIARIOS
DO BRASIL
VOLUME I

RIO DE JANEIRO
IMPRENSA NACIONAL

1924
819LIOTECA
. mpra CRS··---.---
.
4 •
. .
Pagi nas
Exposição:
Confissão necessaria. 7
Palavras de um jornal italiano 9
Summario. 11
Palavras ao Ministro da justiça . 13
Razão de ser desta parte introductor1a. 15
A cura dos delinquentes . 21
Evolução da pena . .... __,..,_,.... .. . ...
- ~. 28 . .
~

. ~(.'Ó r; ·:·'- · . ~·:6 ~ l;~,.;e#·Jlldi-


As penas e o noss o Codigo ," -.:.1. . . 1'
A sentença indeterminada . . ~ . . .-~ f C!; .18 \i ~ ~
Liberdade sob palavra . . . . • ·t_>, .·, 5_4 _,
O problema dos menores delinquentes no ;úàsil ~­ --- .. -· - 60
Tribunaes para menores. ·-·-~·- . - ---· :____78 ...
Os menores e a Italia. 80
As leis inglesas. 83"' - ..,.,,..,_
.. ..(·:.....
·~

As leis allemãs . 85
As leis belgas e francesas. 91
As leis americanas . 100
Os systemas penitenciarias nos Estados:
Do Amazonas. 127
,, Pará . 151
u Maranhão. 175
" Ceará : 195
» Rio Grande do Norte. 219
Da Parahyba . 235
De Pernambuco . 259
» Alagôas 293
,. Sergipe . 3l9
EXPOSIÇÃO
APRESENTADA AO

Exmo. Sr. Dr. João Luiz Alves


SECRETARIO DA JUSTIÇA E NEGOCIOS INTERIORES

EM

22 DE DEZEMBRO DE 1923
«Senhores, pernutt·i-me a conft's.'):ão: eu não sou ·u1n
criniinologo, eit não posso acceitar o tit·11tlo de penalogista
com q'ue .me acaba de brindar o d'igno D ,i rector deste esta-
belecin·icn~o. Eu sou apenas um apaixonado pela ref arma
que se.annuncia e sr projecta, e que, animado pela confiança
do preclaro ~ enhor 1\!J in(stro da Justiça, o Dr . João Ltú.r:
Al'ues, e arri'/11ado ao bordão de ni-inha bôa vontade, ha perto
de seü mezes peregrino de Estado em Estado pelas prisões
deste !paiz, á prornra de dados e impressões, que deverei
opportunaniente transmittfr-lhe. »
(D e um discurso prommciaâo na Penitenciaria de Porto Alegre,
e editado pela "A Fed eração'' . )
« Egli ha perc01;so, <Í1trante sei rnes-i, tutti gl'i Stat-i della
Federazione ad ecce:i'ione di quelli di Ji.1 atto Grosso ,e di
Goj a.z_. per 'Í qnali se rendeva superfliw -il s1lo esan1e, visi-
1

tandone 1: süten1·i carcerari .


N ella sua lilnga peregrúwzione -il _dott. Lenws Britto
ha racolto numeroso material[! che gli servirá d·i base per
la relaz,ione che presentará al ·m inütro di Gúlstt:z1ºa, e nella
quale, oltre all'espos1:z·ione chiara e particolaregg'Íata delta
s·it1w.2·ione di fatto, 1.1errmio snggeriti tutti 1: ni'igliora·m enli
che possono essere ·apj;ortaú nel süte·m a carcerar·io delta
Republica.

. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . ... . . . . . .. . . .
' ~

E non resta da augurars-i che l' on. João Luiz Alves, che
ha av1do ima cos·i fetice 'iniz·iat·iva, ora la- parti a ter111,ine,
dando al Brasi:tc q11:el primata che essa avrebbàe già nella sis-
temazione de! regi,m e dellc pene, se hi t-utto 'Íl terrüorio de!la
Republica si fosse raggiunto in grado di progresso g'ià rag.-
giunto dato Stato dt: San Paolo».
(De uni editorial do jornal italiano "II Piccolo", de ro de
out·ub~o de 1923. )
SUMMARJO - Palavras ao Sr . Ministro: uma sentença do Sr.
Blihu Root e sincero reconheámento das m.inhas responsabi-
Z.idades neste Inqu erito - Razão de ser desta parte introdu-
ctoria. - Necessidade da reforma penal conw base da re-
for.ma penitenciaria - A cwra dos delinquentes - Conceito
contem.poraneo do crinie - O ho·nien·i e o 11ieio - Ligeiro es-
tudo da 11-ientalidade huHiana - · Actos crinúnosos no pas-
sado e ·no presente -- A desoladora i nterrogativa - frvo-
lw;ão da pena - O piwiões de criminal-istas - O quadro de
Laurent - Est·itdos de D ewiogne, Mayart de Vauglans e
Jou. sse - No Brasil - - Adopção da Constituição Hespanhola
e sua penalistica - A reforma humanitaria - Doutrina da
c1nenda. moral e reginien penitenciaria - O qite o caracteriza,
na opinião de Paul Conche - As penas e o nosso Codigo
- Em que se resit.1nem ellas - Suas fontes - O Codigo
P enal de 1830 - A sentença illdeterminada, únprescindivel
á reforma- O criterio desta sentença, conf arme Prins -As
vantagens alcançadas - Sua applicação - Juizo de Paul
Co1.tche - Opinião de Mr. Barrow - Sentença indeter-
1ni11ada na Amer'Íca do Norte - Fala don Fernando Cadalso
-· O que eit escrevia cm i916 - Liberdade sob palavra, co-
rollario da se11tença ú1determ:inada - Conw se a concede nos
E . Unidos - Adn1irm1el exemplo do reformataria de Elwifra
- O decreto brasile-iro de 5 de setemhro de 1922 - O de-
creto de 6 de setembro de 1924 - O problem.a dos nwnore.:;
- Ogeriza do Congresso a essa r eforma - O qite se verifica
nos D(!;.rccres brasileiros - Um exemp lo no Ceará - A cri-
minalidade ·i nfantil - S ·y nthese de meit trabalho UM PRo-
BLJ;;MA GRAVISSIMO - As estatisticas aterradoras - Nova le,
gisla:ção, tribuinaes para menores - O Codigo Pena.Z e a
questão - O que eu preconizei perante o Prin·ieiro Congresso
Americano da criança, e lhe 1nereceu o voto unawinie --
Vistas d' olhos sobre a propaganda e sobre a legislação da
Austria, Italia, America .do Norte, Allemanha, França, Bel-
g·ica e Estados Unidos. - O decreto de 20 de dezembro de
i923.
. Senhor Ministro.
Permittirá V. Ex. que eu comece por agradecer-lhe
a confiança com que me distinguiu: ella me sensibilizot1
profundamente, tanto mais quanto o nosso conhecimei.1to
pessoal nasceu no instante mesmo em que V. Ex. resolvia
pôr sobre meus frageis hombros essa tarefa espinhosa e de
tão altas responsabilidades.
O gesto ·de V . Ex., inspirado nos meus obscuros
labores provincianos, sem ,q ualquer pensamento . extranho
aos fins que então vizava, faz-me leml:5rar uma passagem
do discurso que o .Sr. Elihu Root, ainda senador pelo Es-
tado de Nova York, pronunciou a 6 de maio de r909 . O
embaixador brasileiro em \i\Tashington, .Sr. Joaquim Na-
buco, já por esse tempo gozando de. uma real popularidade
nos Estados Unidos, offerecia uma festa ao Grindiron
Club, e aquelle que teria de ser o notavel .Secretario de Es·
tado de sua patria, saudando a «grande força que está
moldando o sentimento e traçando o futuro» da America,
pronunciou estas palavras, que agora, passados alguns
;mnos de sua leitura, me sobrenadam á memoria: «Quer
parecer-me que as grandes coisas da vida, os grandes feitos
que affectam o curso e o desenvolvimento da civilização,
são levados a cabo por homens .que na occasião não pensam
estar desempenhando importante papel.»
O eminente estadista accrescentou que toda vez que
<<o homem tem consci-encia ele estar fazendo grandes coi-
sas», «em verdade está fazendo coisa nenhuma». Para
elle, « as .grandes obras ela viela são feitas por certos ho-
mens que se estão esforça.nela afim de realizarem o que lhe
14

fica á mão, elo melhor modo, interpretando cada qual a seu


ge,ito, no ,exercicio ele suas funcções, o , espirita ele seu
tempo».
De mim, Senhor Ministro, todo o esforço, ele que me
possam gabar os criticas generosos, resultou sempre dessa
dedicação quasi anonyma inspirada no desejo ele acertar e
de ser util, esforço paciente, continuado, teimoso, mas con-
sciente ele seu clesvalor, ela sua diminuta repercussão, elo
seu insignificante resultado.
rJas provincias, me~mo nas mais cultas, o éco ele certas
propagandas ainda é breve, rapiclo, instantaneo. Mas,
acima ;elo desinteresse revelado nesses meios ele civilização
menos apressada, ·existe uma lei pela qual nenhum esforço
é totalmente perdido. Neste sentido, o nada se perde_. ela
conhecida lei elo mundo physico, applica-se ao mundo moral,
social e politico, no qual se desenvolvem as nações.
Longe estaria eu ele imaginar que a constancia ele um
obstinado na defesa ela reforma penal elo Brasil, constancia
na luta contra os nossos desmoralizados systemas peniten-
ciarias, esquecida no proprio ambiente em que se manifes -
tou, ainda viesse a merecer a attenção ele um espírito culto
como o ele V. Ex., a honrosa estima ele seu governo e as
referencias carinhosas da imprensa brasileira, aliás sempre
dadivosa para commigo.
Se, porém, a distincção sobreexcecle o nieu valor, e me
rende á gratidão para com V. Ex., Senhor Ministro ela
Justiça, a consciencia ele minhas responsabilidades não per-
mitte que eu 111E; envaideça a ponto ele olvidai-as.
Prestando contas elo encargo que me foi assim posto
sobre os l1ombros, por muito feliz me terei se este Jnquerdo
puder servir ele fonclri.m ento á grande reforma com que a
sua sabedoria e o patriotismo elo governo pretendem brin-
dar o paiz. ·

bemos Enfio.
RAZÃO DE SER DESTA PARTE INTRODUCTORIA
Como ainda terei opportunidade de insistir junto a
V. Ex ., não se póde tentar uma reforma penitenciaria
séria, definitiva, integral, sem começar-se pela base: a re-
forma do Codigo. Elle ahi está como um obice a qualquer
solução elevada do nosso problema.
Ninguem duvida mais desta necessidade. Governo,
parlamento, juristas, tudo conspira contra essa lei revolu -
cionaria, c1ue, embora bem inspirada, surdiu do seio da di-
ctadura do Governo Provisorio, e ahi vae arrastando uma
existencia penosíssima, apontada de falha, de atrazada, de
retrograda, sem que as entidades responsaveis se abalan-
cem a quebrar o mysterio desse inexplicavel notz.i me tan-
gere, como se aos humbraes da nossa lei penal vibre
assim uma especie do on ne passe pas, que o geniC? gaulez
erigiu em symbolo de inexpugnabilidade de suas fronteira .
Não se lh e ha de tocar, porque, Senhor Ministro ?
Pois então o espírito conservador do Congresso, que
se tem manifestado de modo lamentavel quanto á revisão
constitucional, ha de levar o seu apêgo ás formulas a esse
·extremo de impedir systematicamente a reforma do Codigo
Penal, tolerando, apenas, essa política de retalhos que ahi
se tel11 caracterizado por enxertias singulares, semelhan-
tes, na therapeutica, á medicina de urgencia, que combate.a
crise aguda, mas não cura o enfermo ?
Sei que em setembro de 1922, em homenagem ao Cen,.
tenario da nossa Independencia, se autorizou o Executivo
a introduzir umas tantas modificações salutares no corpo
16

das nossas leis penaes. Mas será desse remedio, cega obe-
diencia á lei do menor esforço, que carece o Brasil ?
Por toda parte, Senhor Ministro, na Italia, na França,
na Argentina, no Uruguay, recentemente no Perú, na
Belgica, nos Estados Unidos, na propria Allemanha, tão
cauta nas suas reformas, esse espirito novo, que manda
estudar o. criminoso em vez de punir o crime, e q:ue dá á
pena um caracter de reforma, a despeito de não poder ti-
rar-lhe uma certa feição intimidativa, vae desbravando o
caminho a um futuro melhor, emquanto no Brasil perma-
necemos estacionarias, como se já houvessmos attingido a
(Llltima etapa da legislaÇão penal.
E, todavia, como estamos atrazados !
Que se ha de conseguir nas prisões do Brasil, Senhor
Ministro, com este .regin~en obsoleto das sentenças deter-
minadas, fixas, rígidas, inflexíveis ? _
De que servem o ensino moral e cívico, o traG~lho nas
officinas, todo o esforço da administração penitençiaria,
optimas pfisões, moldadas nos typos americanos ou belgas,
se o sentenciado . sabe que o seu esforço não lhe garante o
apreço ou evita, pelo menos, depois, quando liberado, o des-
apreço da sociedade ?
Successivas tentativas têm fracassado no Congresso.
E, todavia, como V. Ex. verá no derradeiro tomo deste
trabalho, que só o desejo de ser util ao meu paiz e de cor-
responder á confiança ele V. Ex. me fariam escrever ne::;te
curto lapso de tempo, .nada de real, de util e de pratico te-
rert1os feito se não acompanharmos a reforma material das
prisões e sua reorganização interna da revisão elo Codigo, no
que. se !)rende á execução e plasticidade da. pena de accôrdo
com os titulas e qualidades do delinquente. .
Eu sinto ele tal geito a necessidade ele insistir neste pro-
blema que exoro da suprema bondade ele V. Ex. me per-
mitta uma rapicla excursão pelo clominio por assim .dizer
1
17

S' inattingivel dessa adaptação . do nosso Codigo ás modernas


doutrinas penalogicas.
-' Toda esta ·In troducção a 1 ellas se consagra. Se V. Ex.
não me supportar a digressão, volva, _Senhor Ministro. a
sua derradeira pagina, e nem por isso me sentirei moles-
tado, nem deixarei esvaecer-se o meu sonho, continuando a
.escutar, como escuto sempre, vibrando aos meus ouvidos e
no meu coração como um cantico de fé, esse Adiante_.
adiante! que anima e remata a famosa ballada ingiesa.

2
"Est01nos nu111a época en1. que os fimda.m entos ap-
pareutemente solidas do dire'Íto criminal parece'm oscil/(]Jr,
en1. qne é necessario constnúr wn novo edificio, cnjo .ma-
teria.l ainda 11ão foi experimentaáo e e1•n parte tem de ser
procurado ainda. Para o conseg11ir11ws, nada de discussões
de gabinete, nada de abstracções theoricas . Só u~n niethodo
sere110 de investigações que estude, livre de prejuizos, a
ordem de phenomenos sociaes a qne e/iam.amos cri11•ies, que
observe prime·iro e conclua depois; isto é, só o methodo e11.1-
pregado nas sciencias da natureza póde aplaiia.r o caminho
qne condu~ ao ~1erdadeiro conhccil,n ento do crime e do ho-
mem del-inquente . Esta é a u 11 ica base inahalavel para ed·i-
ficarmos uni estado social em que os direitos pessoaes es-
tejam segruramente garantid os."
(Aschaffenburg, Crime e repressão pagam final.)
QUESTOES CRIMINAES E PENAES
A CURA DOS DE1INQUEN'lfES

O problema do crime tem mantido em permanente agi-


tação os criminologos e os philosophos ( *) . Que é, na ver-
dade, o crime ? Onde começa o livre arbítrio, a responsabi-
lidade hmüana ? Qual deve ser o conceito da pena ? Deve
ella ser repressão, castigo, vindicta, ou agente the,rapeutico .
da alma?
Eis a complexa questão que se estende, fria, aos olhos
dos criminalistas .: eis os problemas que as tres e·scolas penaes
em evidencia procurarú resolver.
Depois que Cezare Lombroso, no famoso trabalho O
homem dehnquente, e seus discipulos revolucionaram a
s-ciencia com a affirmativa de que o crime deve ser enca-
rado corno urna enfermidade do caracter, e crearam a dou-
trina da _irresponsabilidade, crime e pena soffreram o em-
bate idas mais desencontradas theorias, cada qual vaidosa
de seu triumpho sobre as demais.
A sciencia procura aff eiçoar a repressão penal, da
mesma fórma que, pelo emprego de anesthesicos, busca di-
minuir a dôr physica do paciente, toda vez que se trata
de extr ahir, mutilar ou golpear um de seus me1'11bros. Já se
não supportaria aquelle conceito da responsabilidade, que

( *) Assim escrevia eu em dois estudos publicados no O Impar-


cial, desta cidade.
22

fazia arder nas fogueiras da Idade Média os infelizes ata-


cados elo mal epidemico da demonolatria. Os progressos da
psychologia, o estudo ela alma do homem, as observações
sobre a influencia elo meio e da educação sobre o individuo,
a repercussão elas necessidades economicas sQbre o ser
humano, vieram demonstrar que era incompativel com a
evolução mental do sendo a escola que apresentava o de-
1inc1nente, fosse elle qual fosse, como um typo execravel,
rnnsciente ele sua maldade, e que, na pratica do delicto, agia
deliberadamente, por querer agir, livre ela actuação de qual-
CJUer energia occulta, social ou organica. Donde O· immenso
c1amo1· dos criminologos para o lançamento das bases de um
novo direito penal, mais racional, mais humano, mais scien-
tifico e menos em clesaccôrclo com a Jogica natural dos phe-
nomenos .
Que é o crime ? Poderíamos alinhar aqui, enchendo
paginas sobre paginas, ti ma série vasta de definições.
Julgo preferivel abrir mão desse proposito, para dizer sim-
plesmente que o crime é, á luz elas varias legislações penaes,
uma violação da lei moral ou civil.
Mas a lei, quer moral, quer civil, é variavel e instavel.
Ella varia, conforme o prisma pelo qual um congresso, um
povo, um homem, en::a ra os phenomenos sociaes.
Ella é instavel, porque os novos habitas, as descobertas,
a mentalidade nova que a evolução vae successivamente
creando nos povos, imprimem ao organismo social uma in-
stabilicla de visi-vel, que é o signal da propria evolução. Ora,
se essas leis variam assim, sem termo e sem medida, claro
é que o conceíto da pena ha de variar tambem.
Cada homem encara a vida por um prisma particular,
e esse prisma varia ao sabor das paixões, dos interesses, do
nervosismo, que actuam sobre elle em gráos differentes.
Cada povo teni. as suas particularidades, os seus caprichos,
os seus modos de vêr e ele julgar. Para uns, a pena de morte
é urna verdadeira monstruosidade· i)ara outros essa insti-
' '
23

1.uição merece os applausos que a sanccionam. Aqui, não


julgou o legislador falta, capaz ele sever~ punição, o rompi-
mento de um noivado, quando por mera volubilidade ou
perversidade de um peralvilho; na Inglaterra esse rompi-
mento provoca severa punição, e os Estados Unidos trans-
plantaram a esplenclida medida moralizadora .
Punem os codigos das nações cultas a polygamia, ao
· passo que em outros, não só a polygamia, mas ainda a
polyandria, são adoptaclas e legalizadas .
Como, então, precisar para um determinado clelicto ou
acção criminosa uma penalidade rigida, inflexivel ? ! ...
O grande mal da humanidade, escrevia Leoparcli, tem
sido o'.das creações artificiaes, do espiríto humano; o·homem
desprezou depressa as leis ela natureza pela razão. Mas,
a
emqhanto razão não leva todos os individuos a identicos
raciocinios, as leis da natureza, serenas e immutaveis, des-
afiam-nos a uma solução melho1' elos problemas da vida, e,
assim, elo problema criminal.
As leis ela natureza não suffragarn a doutrina que faz
elo delinquente um agente perverso ele seus máos instinctos,
obrando dentro . de seu livre ar bitrio. Está provado que o
atavismo pesa de modo inexo.ravel sobre o individuo, que,
assim, herda as boas ou as más qualidades ancestraes, fata-
lidade esta a que não póde fugir. Sabe-se que os gran-
des calores, r1ue nos homens normaes provocam certa irri-
tabilidade, nos anormaes conduzem muita vez á pratica ele
crimes. A observação, desde a época ela formação elo ca-
racter, de actos culposos ou immoraes, acaba por cr'ear
para a maioria elos indivicluos uma especie ele insensibili-
dade morbicla, que se transformará num campo facil á
eclosão ele acções criminosas . Já se não contesta que a mi-
seria econornica actue como agente poder'osissimo elo crime ..
Corno querer, então, considerar o clelicto debaixo ele
um só aspecto, sem levar em consideração o delinquente e
as condições em que elle viveu e praticou o delicto . ? Como
24

applicar a pena dentro do formalismo rígido do legislador,


quasi sempre alheio áquellas leis da natureza a que se re-
Íeriu Leopardi ? Como, se o individuo está sujeito á acção
do proprio organismo, da_educação, do meio, das exigcncias
economicas ? E como, ainda mais, se cada qual encara o
mundo por um aspecto particular e só considera delicto
aquillo que fere os princípios de moral e de justiça decor-
rentes dessa relação entre o seu mundo interior e a socie-
dade que o cerca ?
O crime deve ser estudado de accôrdo com os conse-
lhos e os principias da escola positiva. O criminoso ha de
ser tratado por_processos .racionaes, dentro de uma legisla-
ção que faça a pena elastica, cluctil, adaptavel ao individuo.
$e o criminoso é um enfermo, que soff re de_ um mal sni-
generis_. a sociedade não tem o direito de condemnal-o sem
regra nem medida, apenas tendo em conta a gravidade da
violação da lei moral ou civil, e sem indagai- se elle é pas-
sive! ou não de regeneração ou ele cura.
A pena carece de a d aptar~se ao criminoso e não ao
crime . Deve ser remedi o e não a expressão ele uma vinclicta
meia].
Neste paiz, em que tanto valem as creações arbitrarias
ela imaginação, escrevi eu em um de meus estudos de pro-
paganda, - abençoado seja aquelle que fi rmar a reforma
do nosso direito penal nas bases solidas e seguras que acima ·
synthetiL:amos nesta expressão, intencionalmente repetida:
A PEN.!\ DF,YE .ADAP'r :\ R- SE AO ClHMIXOSO E x .'.\o AO CRIME.

A v~ n ça m os que a pena de\·e ter mais o caracter de um


processo, rapiclo ou lento, ele cura, que o ele uma vindicta
ela sociedade para com aquelle que lhe perturbou a paz, a
ordem. ou lh e feriu os sentimentos ele probidade ou pi·e dade.
Para acceitar esta doutrina necessa rio se faz comprehen-
25

der a correspondencia qur existe entre a mentalidade hu-


mana e o mundo exterior, escrevemos alhures.
P. Dorado, professor da Universidade de Salamanca,
define a nossa mentalidade « éomo una especie de camara
escura, no inerte, sino viva, donde se van juntando y alma-
cenando las representaciones ele fuera» .
A mentalidade humana, aliás, não é uma simples ar·
mazenadora. de imagens e sensações que_nos vêm do mundo
exterior. Ella recebe, ella transforma, ella modifica,
ella produz, ella . cria . Dorado reconhece que as one--
l~aiÇÕes fundamentaes da vida intellectual dos homens ,
exercitadas com intensidade :raria vel, « segundo o maior
ou menor poder reflexivo de cada um, a funcção oue exerce,
a educação recebida e outros multiplos elementos», consis-
tem; não só em formar representações succéssivas das coi-
sas que constituem o mundo exterior, mas tambem em com-
binal-as umas com as outras, em cotejal-as «para dar log<J.r
a procluctos novos, não observados na realidade. e para
traçar planos ele conducta ».
Aclmitticla que seja esta relação estreita entre a nossa
intelligencia e o mundo externo, esta interdependencia da
nossa vontade e cfa.s sensações que a tal « camara escui·a
nos são trazidas pelos orgãos da visão e da audição princi-
palmente », não se poderá negar que os actos inclivicluaes.
constituem o reflexo tanto ou quanto attenuado dessas mes- •
mas manifestações interiores.
Na generalidade dos ·casos, costumamos dizer que o
homem é o proclucto elo meio. E é. Elle possue dentro ele
si mesmo energias, intellectuaes ou moraes, que contral?a··
lançam mui1.a vez a acção do mundo que o cerca; no em-
tanto, se alguma vez essas energias são bastante vivazes
para predominarem nesse conflicto, noutras cedem, e a v1-
ctoria é elos elementos ,externos.
O individuo, mesmo são, perfeitaniente integro, pra-
tica actos que a sua intelligencia ou consciencia intimamente
26

reprova. E' que elle vê por toda parte outros indivíduos


praticarem actos iclenticos em iclenticas condições ele meio
e de integ1·idacle mental e moral, e então a lei ela imitação.
insuflada pelo desejo ou pelo instincto, impõe-se-lhe de tal
geito c1ue elle acaba capitulando.
E' certo que póssuimos m1.1a vontade. Nossos orgãos
obedecem a essa vontade. A um gesto seu de commando ,
imperceptível para o proprio homem, pois os phenomenos
volitivos são quasi imperceptíveis áquelle mesmo que lhes
.serve de campo, nossos orgãos acodem pressurosos, e assim,
se uma recusa se observa, é que ha uma causa pathologica
para ella. Os musculos respondem aos mais subtis movi-
mentos dos centros cerebraes onde se localiza a vontade.
Agimos e reagimos .. Mas, essa vontade, nos proprios in-
divíduos sãos, psychica ou physiologicamente sãos, decorre
de causas proximas ou remotas, a que não é possível es-
quecer.
Dahi a influencia, que todos proclamam, do meio am-
bien t.e sc,bre o ser humano.
A. criança que avigora a intelligencia e o entendimento
num meio sordido, fatalmente se far~ homem ao peso dos
vícios que calçaram o ambiente de sua ~armação moral. E'
precisamente por isso que a educação é uma força de que
.i::mto se preoccupam os governos, e são tanto mais fortes e
• limpos ele vícios os povos em cuja formação a educação
permanece na primeira linha.
Ha leis sociologicas visíveis e palpa veis, como as ha de ·
natureza physica. São leis fixas, permanentes, póde di-
zer-se. O nosso conhecimento dellas, porém, varia á medida
que o tempo corre, e o espírito, reflectindo as impressões
exteriores, accumulando-as confrontando-as, tira dellas
novas illações, faz novos inventos e impõe modificações
cujo conjunctó chamamos evolução. Assim, as idéas
mudam. Para qúe ellas não mudassem, necessario fôra
negar o aperfeiçoamento.

Ora, se as idéas mudam, o homem não póde fazer hoje


sobre um determinado assumpto ou objecto o juizo que fazia
ltontem e que fará amanhã.
Estabelecendo-se entre esta conclusão · evidentemente
logica e a de que o mundo ambiente influe ele modo pode-
roso sobre o individuo uma liga·ção, chegar.e mas á con-
clusão de c~ue é muito difficil precisar, nas linhas rigiclas de
tim codigo, o que seja o crime e o que se.Ja um criminoso,
na accepção de agente responsavel.
}\ctos que em certos periodos ela historia eram repu-
tados culposos , gravissimos clelictos contra a honra, contra
a fé, contra o poder publico, punidos, como nas Ordenações,
de modo acerbo e terrificante, hoje deixaram de merecer
sequer uma alinea das legislações penaes. Ao passo que
certos actos, que hoje provocam a repulsa da sociedade, an-
tigamente não eram considerados delictos, nem mesmo con-
travenções. O eminente Viveiros ele Castro, cuja capaci-
dade no campo ela sociologia criminal é reconhecida e pro-
clamada, lembrava que:; no Egypfo ser ladrão constituia um a
profissão não sómente licita, mas até nobilitante e reco-
nhecida pelo Estado: « O individuo inscrevia-se publica-
mente como ladrão, depois ele haver praticado um brilhante
f mto ». Mais ainda. «A legislação de Lycurgo !)rescre-
via a aprendizagem elo furto para todos os jovens espar-
tanos, afim ele tornal-os babeis e destros ».
Os livros dos sociologos e elos viajantes vêm repletos
de observações curiosas a respeito dos costumes elos varios
povos. No que toca ao pudor, principalmente, essa variação
é .e spantosa . E' assim que um individuo que beijasse ·aqui,
em plena rua, ou num salão publico, e contra a vontade
della, uma senhora, teria commettido uma falta séria, por
isso que teria attentado contra o. recato da senhora e offen-
dido a püdicicia social. E seria punido. Povos ha, entre-
tanto, nos quaes o pudor é letra morta, chegando os actos
da reproclucção a serem realizados ás vistas collectivà-s. Li .
28

a proposito, num chronista dos tempos ominosos da escra-


vidão, que, aqui no ~io, foi necessario transferir para fóra
da cidade a hospedaria dos escravos, porque esses prati-
cavam os actos mai s intimas coram pop11lo, ferindo, iricon-
sdentemente, as leis elo paiz e os mais puros melindres ela
população.
Quem manuseia I\i[antegazza, L etourneau, Levingston
e tantos escriptores, nelles encontra a confirmação destes
acertos. Viveiros ·ele Castro apurou a extraorclinaria varia-
bilidade do conceito do pudor nas diversas raças humanas.
Melhor elo que elle Havelock Ellis estudou o a sumpto no
seu monumental t ratado sobre o pudor e a periodicidade
sexual . O homem, portanto, .que se formou ao imperio
daquella absoluta liberdade, tranplantado para um meio
onde a lei taxe ele crime os actos que para elle constituem
a cousa mai s natural e humana, transgreclil-a-á a cada época.
Mas, então, será justo ·que, variando em cada época,
em cada povo,. em cada classe, os homens , os costumes, as
praticas, o conceito dos actos humanos, a lei, que os ha de
j~1lga r , seja uma, fixa, rigicla, immutavel, inflexivel ? Ou
ludo está di zendo, aconselhando, ensinando, que a lei penal
ba de ser mobil, pla stica, aclaptavel a essa variabilidade, a
essa volubilidade, a essa complexidade das acções hu-
manas ? ...
· Eis ahi está ao que outros povos já responderam com
firmeza, ·e mquanto para nós a interrogativa, formulada
quotidianamente pelos sabi o e pelos mestres, continúa de
pé, a esper a de quem se arroje á desejada reforma.

A EVOLUÇÃO DA PENA

Por toda parte constitue ponto ele honra cios povos e


dos goYernos a reforma de suas instituições penaes, e a
consequent e melh or ia ele suas pri sões .
29

Que causas terão contribuído para essa transforma-


ção?
Se corrermos a vista através das varias fazes caracte-
rísticas da historia, pasmaremos diante da diversidade de
conceitos que, sobre o crime e sobre o criminoso, faziam os
. antigos e fazem os modernos.
Bastará perlustrar os annaes da justiça entre os povos
para que se apanhe em toda sua extensão o avanço da pena
nos ultimos tempos. E' uma evolução lenta, durante se-
culos, mas que .de repente se precipita e attinge a tm; gráo
espantoso de progresso.
Prins, o notavel mestre contemporaneo, especifica qua-
tro grandes periodos dentro dos quaes se póde determinar
um conceito especial do direito de punir :
O periodo pri11iitivo, ou consuetudinario, que se pro-
longa até aos humbraes elos tempos tenebrosos da Idade
Média;
O periodo da expiação, ou da intimidação, que vae da
Idade Média á Renascença;
O periodo .humanitario, que se inicia com o secttlo
xvnr e se dilata até certa altura do seculo xrx;
O periodo scientifico, contemporaneo. (Sciencia penal
e direito positivo . )
Vidal admitte, com elle, quatro períodos, mas remonta
o primeiro ao da vingança privada, com o que está de ac-
côrdo o criminalista português ·Sr. Caeiro da Motta.
Ferri aborda o_ problema por uma face especial: aborda
as phases natural ou priniitiva, religiosa, ethúa, jitridica e
social . (Sociologia cri11únal.) Garraud, ao contrario, dis-
tingue apenas tres fórmas typicas no desenv?lvimento do
direito ele punir: a da concepçffo barbara, a ela concepção
theocratica, a da concepção politica. (Tratado theorico e
pratico do Direito Penal Francês.)
Não interessa, aliás, ao ponto de vista deste trabalho,
30

ª ' questão bysantina elas theorias sobre as varias etapas


dessa evolução, senão a propria evolução.
Houve, na viela ela lmmaniclacle . um momento, cuj8.
durac;ão não pudemos calcular qual haja sido em que a
pen.a teve exclusivamente o caracter ele vingança privada.
Este direito primitivo repousava sobre a solidariedade fa-
miliar e sobre a restauração elo « equilibrio perturbado pela
<tggressão ». A familia do off endido erguia-se unida para
desforrai-o, e à elo offensor formava ao lado deste para de-
fencle l-o e desaffrontal-o á menor offensa. Dahi a.s gran-
des lutas fam iliares, cujQ revivescimento se .deu durante a
I dade 1\1édia, na Belgica, na Servia, no Montenegro, na
Jtafüt. unde, por um crime remotissimo, familias inteiras
iam succumbindo á desforra ele seus inimigos seculares.
A inda em Portugal vamos encontrar, em época recen-
tis sima, desses embates furiosos , que muita vez atiram vil-
las contra vi lias e aldeias contra aldeias. Caeiro ela Motta
r~corda as seguintes lutas em campo razo, nas qt'.aes cada
qual procurava fazei- justiça pelas proprias mãos : a da
ét 1deia de Fréches contra a villa de Trancoso; a ela aldeia da

Atalaya elo Campo com Povoa, em i909; e a ele Santa Ca-


tharina com Benedicta, em 1910. (D1:reito Crilllinal Por-
t uguês.)
Nos sertões brasileiros elo Norte ba exemplos seme-
lhante s .
Mas a vingança privada sof fria elo grande mal de ficar
ao ar bitrio do inclividno. N ão havia medida para ella. A
consciencia e o instincto de cada qual eram os unicos juizes
da sente:nç·a . E cada sentença executada, como bem ponde- ·
rou von Ihering, passava a constituir uma fonte ele novas
injustiças.
A humanidade, a caminho ela perfeição, acabou por
. comprehencler esta verdade, como outras tantas que iam
11lurninanclo o espírito elos povos. Surgiu a iclé'ª" ela limitação
da pena, a icléa da corresponclencia elo castigo ao crime pra-

Ili.
31

ticado. E' o dente por dente, olho por olho, da famosa pena
de Tallião, de que as leis mosaicas nos deixaram a fórmula
expressiva : fracturani pro fractura, oculum pro oculwn,
dentem pro dente restituet.
Continúa, ahi, a acção privada, mas já o senso juridico
dos povos estabeleceu um limite ao direito de punii-, que
assiste ao aggredido.
Nessa noite escura, em que transcorre a Idade Média,
a autoridade não tem a força de que carece para impor-se
2os poYos e a intelligencia não tem bastantes luzes para
comprehender a -necessidade de chamar a si o direito de
castigar os culpados: Assim, porém, ella adquire essa força,
arrebata ao individuo a faculdade de castigar para exerc1-
tal-a por si mesma.
E' quando alvorece o conceito da pena e do delicto.
Mas o direito de punir fica em mãos dos reis e de seus
instrumentos, como urna conservação ela divindade dele-
gada aos seus mandatarios.
O Estado substitue o individuo no direito de punir,
mas o Estado encarna-se nos reis: L'Etat c'est 'lnoi, disse
Luiz XIV .
.Não se póde precisar uma época certa para essa trans-·
formação, senão ahi, porque os povos antigos tambem fi-
zeram, em periodos diversos de sua _historia, e sempre na
faze mais aguda de sua civilização, esse conceito da facul-
dade de punir, posto desfigurassem o verdadeiro caracter
da pena.
Foi o movimento philosophico do seculo xvrn que il-
h.~minou a consciencia dos povos e deu inicio á reforma das
instituições penaes . A revolução operada nos espiritos
attingiu a propria pena, porque o avanço das sciencias de-
terminou o conhecimento de certos factores do crime até
então desconhecidos da humanidade. Essa revolução, co-
meçada sob a fórma de simples evolução, acabou por tomar
o caracter violento que . assignalou a famosa Revolução,

32

Francesa. 11\ Assembléa Nacional, «destruindo o passado»


para construir uma humanidade nova, decretou a extincção
elo confisco, da tortura, dos privilegios, da infamação dos
l1Prcleiros do ' justiçado. Protestava-se, nessa faze, contra.
todo o horror a que se submettia o condemnaclo, apostando
os juízes na invenção ·diabolica dos martyrios a qUe se deve-
ri~i111 submetter aquelles ·sobre quem cahia o flagello ela jus-
tiça legal.
~\ pena não visava, até então, a corrigir, mas a impôr
ao ;·éo o maior soffrimerito. Bastará recordar a sentença
·<-; de morte lavrada contra Silva Xavier para se ter a noçiio
·--~ ~
r do conceito que ha pouco mais de um seculo se fazia do di-
reito e do dever do Estado em punir os delinquentes e dos
meios hediondos de que lançavam mão os juízes da Corôa
para castigar certos crimes.
Portugal, todavia, não mantinha uma legislação de
excepção. Por toda parte o conceito da pena era ,o mesmo,
e Guizot poude escrever que as chronicas elogiam sobref'lido
como .fnstos e pojmlares os pr·i nápes qHe mais severamente
castigarani. (Da pena de morte em mater1:a politica.)
Na França, em pleno seculo xvnr, as penas quasi se
~· ...
podiam resumir em capitaes e corporaes, propriamente
c)itas, sendo as penas corporaes quasi todas infamantes.
Laurent dá-nos o seguinte quadro das penas corporaes
em uso na França p01' esse tempo, e, recompondo-o,. logo
.. vemos que a penalistica portuguesa não era mais feroz do
que a do paiz mais culto da terra:
I. Morte natural.
rº. Esquartejamento;
2°. Fogo vivo .
.)º. Roda .
4° . Forca.
5°. Degolamento.
II. · Penas de ser arrastado ao supplicio.
III. Tortura com ou sem reserva ele provas;
33

IV. Galés perpetuas ou tempora.rias.


V. Banimento perpetuo ou temporario.
VI . ChiCote em publico ou na prisão.
VII. Marca com o ferro em braza.
VIII. Suspensão pelos sovacos.
IX. Retractação publica.
X . O punho cortado ou queimado .
XI . A lingua cortada ou furada.
XII. A gollilha e o pelourinho .
XIII. Penas privativas da liberdade consideradas

ff
~· ·
penas corporaes.
XIV. Penas corporaes militares e maritimas.
Então a pena de morte implicava o confisco, por vi-
ctorioso o principio de que qiteni confisca o corpo confisca
os bens.
Demogue, Mayart de Vauglans, Jousse, Laurent, de-
e

screvem esses horriveis castigos, caracterfaticos de uma
época em que a pena, decretada pela sociedade, visava
1
apenas um ma.rmiit1n de soffrimento do individuo, em re- ;
lação á culpa. a
As penas corporaes militares eram de morte ou não. 1
As deste grupo constavam de: •
punho decepado;

'
lingua furada com um ferro em braza;
galés perpetuas;
exposição no cavallo de páo;
degradação.
As corporaes ma ri timas eram as de:
-
chibatadas;
polé;
argola, tambem applicada aos militares, e mais as de
bolina;
ferros;
cabrestantes;
quei~mduras, etc.
3
Interessa acomp~nhar H. Laurent em seu nota-vel
trabalho Les chatiments corporels, publicado em Lyon,
em 1912.
A obra de Cesare Beccaria Bonesana (Dei delitti e
delle pene), advogando a transformação da pena, de in-
strumento de odio e de vingança social contra aquelle que
lhe perturbára o equilibrio, em elemento de punição e de
reforma do individuo, abriu caminho, a despeito da timi-
dez de suas theorias, determinada pelo atrazo das sciencias,
que deveriam ser as grandes guieiras da criminologia, para
a nova legislação penal .
Luiz XVI aboliu a tortura nos carceres. Leopoldo
de Toscana acompanhou-lhe o gesto. Seguiram-se, nessa
attitude, José II, da Austria, Frederico, da Prussia, e Ca-
tharina, da Russia.
No Brasil, a tortura foi abolida 11.ominalmente em
1821, quai1do, coacto, D. João VI assignou o decreto pelo
qual adaptava a Constituição hespanhola, que serviu ele
base á portuguesa e á nossa, até que as Côrtes ele Lisbôa
acabassem a sua obra. Tal Constituição continha disposi-
tivos que assignalavam a radical mudança elo criterio pe-
nalogico na Hespanha, logo seguido em Portugal. Vale a
pena recorclal-os:

« Art. 242. O poder de applicar as leis nas


causas civis e eriminaes pertence exclusivamente
aos tribuúaes.
« Art. 243. ~em as côrtes; nem o rei pode-
rão exercer em algum caso as f:mcções judiciaes,
avocar as causas pendentes nem mandar abrir os
juizos findos .
« Art. 244. As leis assignalarão a ordem e
as formalidades de processo, que serão uniformes
em todos os tribunaes, e nem as côrtes, nem o rei
poderão dispensai-as.
35

« Art. 245. Os tribunaes não poderão exer-


cer outras funcções mais que as de julgar e fazei;-
que se execute o julgado.
« .Art. 246. Tão pouco poderão suspender a
execução das leis nem fazer algum regulamento
para a administração de justiça .
« Art . 247 . Nenhum hesparihol poderá ser
julgado em causas civis nem criminaes por al-
guma commissão, mas sómente pelo tribunal com-
petente, detern1inado com autoridade pela lei.
« Art. 248. · Em os negocios communs, civis
e c1·iminaes, não haverá mais do que um só fôro
para toda a classe de pessôas . »
Algun's artigos adiante, a Constituição Hespanhola
prescrevia :
« Art. 286 . As leis regularão a adminís-
tração de justiça no criminal, de maneira que o
processo seja formado com brevidade e sem vícios,
afim de que os delictos sejam promptamente cas-
tigados.
« Ai·t. 287. Nenhum hespanhol poderá ser
preso sem que preceda informação summaria do
. facto pelo qual mereça, segundo a lei, ser casti-
gado com pena corporal, e assim mesmo uma or-
dem do juiz, por ·escripto, que se lhe notificará no
mesmo acto da prisão.
« A1·t. 288. Toda a pessôa deverá obedecer
a estas ordens; qualquer resistencia será reputada
. delicto grave.
« Art. 289. Quando houve1· r esistencia ou
se temer füga, se poderá usar da força para se
assegurar a pessoa.
« Art. 290. O preso antes de ser mettido em
prisão será apresentado ao juiz, uma vez que não
haja causa que o estorve para que lhe receba a de-
36

claração; mas se isto não puder verificar·-se, será


conduzido ao carcere em qualidade de detido, e o
juiz lhe receberá a declaração dentro das 24 horas.
« Art . 291. A declaração do preso será sem
juramento; que a ninguem deve tomar-se em ma-
terias criminaes sobre facto proprio.
« Art. 292. Em flagrante <lelicto todo o de-
linquente póde ser preso, e todos o podem prender
e ·c onduzir á presença do juiz; apresentado ou
posto em custodia, se procederá em tudo como
fica determinado nos artigos precedentes.
« Art . 293. Se acaso se resolver que o preso
seja posto no carcere, ou que nelle permaneça em
qualidade de preso, se lavrará auto motivado, e
delle se entregará cópia ao alcaide para que o in-
sira no livro dos presos, sem cujo requisito não
admittirá o alcaide a nenhum preso em qualidade
de tal, debaixo da mais estreita responsabilidade.
« Art. 294. Sómente se fará embargo de
bens quando se proceda por delictos que levem
cornsigo responsabilidade pecuniaria, e .em pro-
porção á quantidade a que esta póde entender-se.
« Art. 295. Não será conduzido ao car-
cere o que der fiador nos casos em que a lei não
prohibe expressamente que se admitta a fiança.
« Art. 296 . Em qualquer estado da causa,
que se conheça que não póde impôr-se pena cor-
poral, será posto em liberdade, dando f ia1~ça.
« Art. 297. Os carceres serão dispostos de
maneira que sirvam para assegurar e não para
molestar os presos; portanto o alcaide terá estes
em bôa custodia, e separaçlos os que o juiz
mandar que estejam sem communicação; porém,
nunca em calabouços subterraneos nem i11alsãos.
« Art . 298. A lei determinará a frequencia
37

co1i.1 que se ha de fazer a visita dos carceres, e


não haverá preso algum que, debaixo de qualquer
pretexto que seja, deixe de ser nella apresentado.
« Art. 299. O juiz e o alcaide, que faltarem
ao disposto nos artigos precedentes, serão casti-
gados como réos de detenção arbitraria, que será
comprehendida como delicto no codigo criminal .
« Art.. 300. Dentro das 24 horas se mani-
festará ao tratado como réo a causa de sua prisão,
e o nome de seu accusador, se o houver.
« Art. 3or. Ao fazer perguntas ao réo se lhe
lerão inteiramente todos os documentos, e as de-
clarações das testemunhas com os nomes destas ;
e se por estas as não conhecer se lhe darão quantas
noticias pedir, para que possa vir no conhecimento
de quem são.
« Art. 302 . O processo dalli em diante será
publico no modo e fórma que as leis determinarem.
« Art. 303 . Nunca se usará elo tormento nem
da tortura.
« Art. 304. Nunca se imporá a pena de
confiscação de bens.
« Art. 305. Nenhuma pena que se impuzer,
por qualquer delicto que seja, será transcendente
por termo algum á familia do que sof fre; mas terá
todo o seu effeito precisamente sobre o que a me-
receu.
« Art. 306. Não poderá ser forçada a casa
de algum hespanhol sinão em os casos que a lei
determinar para a bôa ordem e segurança do Es-
tado.
« Art. 307. Se com o andar do tempo as
côrtes julgarem conveniente que haja distincção
entre os juízes do facto e do direito, a estabele-
cerão, como julgarem conducente.
38

« .Art. 308. Se em circumstz..ncias extraordi-


narias a segurança elo Estado exigir em toda a
1\IIonarchia ou em parte della a suspensão de al-
gumas das formalidades prescriptas nesté capi-
tulo para a prisão dos delinquentes, poderão as
côrtes decretal-a por um tempo determinado.»

A Constituição I-lespanhola, de que a portuguesa foi


uma adaptação, avançára em materia de direito penal de
modo extraordinario sobre as idéas até alli dominantes. A
nossa primeira carta constitucional subscreveu-lhe os prin-
cípios liberaes.
Ter-se-á uma idéa exacta do adiantamento que estes
dispositivos representam, em relação ao tempo, catalogando
as penas até então usadas conforme o delicto praticado:

execução pelo fogo para · o sacrilegio;


a roda para os ·Crimes graves;
o esquartejamento para os crimes ele lesa-majestade;
a decapitação para os nobres;
a forca para os plebeus;
e mais as mutilações, a marca, o açoite publico, etc.

A' Constitutição Hespanhola, adaptada pelos portu-


gueses, e depois adaptada por elles, coube, pois, inaugurar
para o ramo latino-americano os novos processos e dou-
trinas da criminologia, accordes com o conceito geral da
liberdade, imposto pela revolução francesa. E' dahi que
surge o verdadeiro poder judiciaria. Ahi se traça aos reis
uma ·prohibição absoluta de intervir nos negocios ela· jus-
tiça. Ahi se exige que a prisão não se faça ao ar bitrio ela
autoridade, e que esta seja punida quando transgredir a lei.
Ahi se determina que o preso não seja coacto a fazer de-
clarações sob juramento.
Pôem-se, ahi, ao abrigo do .confisco, os bens do delin-
quente, salvo quando se trate ele responsabilidade civil.
39

E a recommendação de que as pnsoes serão limpas,


espaçosas, de molde a não molestarem os reclusos, ahi re-
salta do art. 297, em termos positivos.
«Nunca se usará do tormento nem da tortura», de-
clara o art . 303 . E logo o seguinte estabelece que nenhuma
pena passará da pessôa do delinquente .
Tal foi o alvorecer da nova ordem ele icléas para a
metropole portuguesa e para o Brasil.
Pela Constituição de 1823 confirmamos estes prin-
c1p1os.
Em que consistiram, aliás, os princípios da chamada
reforma humanitaria ?
Elles podem ser encontrados no Codigo francês ele
I 79 I, e elevem ser assim syn thetizaclos :
estabelecimento do jury, com o caracter que àincla hoje
mantém;
abolição elo direito ele graça, pelo qual o soberano
tinhà a faculdade ele perdoar e commutar as penas, o que
as Constituições modernas restabeleceram para certo.~ ca-
sos, até nas republicas;
suppressão das penas iníquas, atrozes e infamantes,
uniformidade no modo de executar a pena ele morte,
acabando-se com o degollamento pelo sabre, ·e a morte pelo
fogo, etc . .
Mas a pena, ahi, não tem ainda a elasticidade que lhe
dão hoje os gráos maximo, médio e mínimo, e, se bem que
abolida a tortura, ainda mantém tei11iveis processos· de in-
timidação e ele punição.
O Cocligo ele Napoleão, que succecleu ás leis sanguina-
rias elo Terror, não assignala, do ponto ele vista penal, um
avanço notavel, antes retrograda. Apenas estabelece o
niaxún.!lt1n e o minimun·t nas penas ·temporarias. Dominava
ainda a escola classica do direito pen~l, e esta, admittindo
o livre arbítrio, impunha penas que eram tanto mais pe-
sadas ou crueis conforme a extensão do delicto. Não se
40

abia ainda qu o d linqu nte bed e a factorcs natura :>


e qu livr arbitrio era uma con pção anti-scientifica.
l\fa o 1 eriodo humanitari caracterizou ~ e prin ipal-
m nte pela m lhoria das pri õe que ram a111 s v rcla-
d ir infernos e I la convi çà de ser a pena dc."tinada a
e rngir e emendar nunca a vino·ar :fazer 0 Hrer c ri-
mmo o.
D sa doutrina da emen la moral é qu, l 'ria d
brotar o reo·imen p nit nciano.

***
l\Ias a sciencia l hy. ica natura e 1 sy h 1 gica
deveriam alcançar um gráo .-traorclinario de prooT sso.
Sabio preclaros.. ntreo·u s ·1 mao-istra s xp rimentaç~es,
descobriram, afinal, qu o homem obe l e 1 5.o só a en rgia
independente de ua Yonta l , como qu stava uj ,it á ·
influencia de táras ance trae e a do me1 phy ic , ocial
. .
e econonuco em que v1v .
Pinel ainda enc ntrára os louco alo·emado , acorren-
'
fados, martyrizados, em 1 br g'tS ma m rras, e seus e -
tudos, como o d Es iuirol de 'Morel, e te meio eculo
mais tarde, criando e consolidando a psychiatria foram
completado pelos de Lepine, de ).faudsley, d Lombroso, e
de tantos outros, a quem e deve a certeza de que o cri-
rnino o é um anormal. phy iologia e a pathologia mental
deram logar ao na ·cimento da anthropologia, que é a
cienci-a do estudo inteo-ral e po iti\ o elo homem. A anthro-
polog~a criminal brotou naturalmente della. A sociologia
deu corpo á sociologia criminal. Era o estudo do criminoso
em si mesmo e em relação ao seus antecedentes e taras he-
reditarias, de um lado, e em relação ao meio social, de
outro _
Seria curioso acompanhar a evolução destas sciencias,
a que serviram Comte e Feuerbach, ~Ioleoschott e Lyell,
\!Vagner e Spencer, Darwin e Ardigó, Sergi e Ernesto Hce-
41

'h 1, \l\Tundt M r elli , at~ Fer ri, A limena, Sighe]e Maus


Laurcnt, arofalo, P roal, Ino·egni ros, e toda e sa lumi-
nosa csc lta de g randes investio·adores, ,de grande pen a-
do r s, d g randes realizadores. Mas o no. o escôpo não é,
agu .i, o d· esmiuçar as doutrinas de cada qual dos crimina-
li stas e s ci logos que têm procurado explicar o crime e as
an malias volitivas ou psychol o·icas dos crimino os. For-
<; • é, comtudo, reco rd ar a classificação por ell es fe ita,
nas sua linhas o·craes, dos criminosos, em hahit11acs e
occaS'ionaes : n . primeir s, contidos os cri111inosos alienados
e loncos moraes, os se1!li-loncos, o cri11i inosos natos e o
por liabdo adqu·irido; n segundo , compr eh ndidos os
cri'llúnosos por fJm'xão e os crúninalo ides .
E ta differenciação dos criminosos, e, mais, e tudo
elos fact res do crim e, anthvofJo!ogicos . physicos e sociacs,
dete rmina ram a ultima etapa da pena, sua di stribui ção em
va ri as fo rmas especiaes, e impuze ram não ó as p niten-
cia rias modernas. senão uma séri e já bastante va ta le
pris.ões,. CJUf cor respondem á ida de, ao sexo, e á categoria
dos delinquentes. (Ler 1 a Refor/lla. de la !egúlacion pc11al
ale111ana, pelo p1:ofessor ela Universiclad·::! de Bar ·l na,
Sr. E ugenia Cuelo Calon; Cencse e f1111cçéfo das leis pc-
naes, pelo professai· da Universidade ele R m a, r . \1w l
Vacaro, traduzid o por H. de Carvall10, Lisbôa, ·1 r4 : La
evolucion de la Pena, pelo profe s r ela Univer siclad 1
Cracovia, Sr. Juliu Makar ewicz, trad uzido para h !1 -
panhol pela enh o ra Ma ria Luiza lf artin ez R ns.
drid, 1907).
Dahi, dessa extraorclin a ria transf rm açã , hav r s-
cripto Paul Couche que « a hi sto r.i a mocl ·rn a lo li r i t
penal poderia conter um capitulo intitulado : a abdicaç1.
progressiva do leg isla dor ás mãos elo juiz, . en lo sta ai li-
cação actualrnente quasi com i leta». ( p. cit., pag . _ r.)
E' que, tendo semp re em vista crnrnn oso ~ não o
crime, a sciencia, a que não pócl . cr estranho l g islad r.
42

impõe o estudo do accusado, sob multiplos aspectos, e este


só deve ser feito em face de cada caso, não podendo a lei
dispôr sobre a infinidade de modalidades criminaes que se ·
offerecem a julgamento ,

·AS PENAS E O NOSSO CODIOO

Podem-se classificar da seguinte maneira os objectivos


da sciencia em face da pena, actualmente:
oriental-a no sentido de contribuir efficazmente para
a r eforma e para a readaptação social do criminoso;
applical-a por períodos e fórmas especiaes, de ac-
côrdo com o crime, o sexo, a idade e as condições indivi-
cluaes elo crimino. o;
assegurar-lhe a execução em pnsoes especiaes e
dotadas elos requisitos indi spensaveis á reforma que se
collirna;
attenuar para o egresso do carcere a natural repu-
gnancia ela sociedade .
A pena, hoje, quasi se resume á prisão elos delinquentes.
Pelo nosso Codigo Penal (Decreto n . 847, ele r r ele . ou-
tubro de 1890) .e seu art. 43, 'I'itulo V, são as seguintes
as penas que, pelos crimes commettidos no territorio bra-
sileiro, podem ser applicadas:
Prisão cellular.
Reclusão .
Prisão com trabalho obrigatorio.
-Prisão disciplinar.
O Brasil, constituído e independente, adoptou, pela lei
de 20 de outubro de 1823, as penas da celebre Ordenação
do Livro V, que assim eram classificadas:
Morte natural.
Morte natural para sempre.
Morte natural cruelmente.
43

Morte pelo fogo, «até ser feito o condemnado em pó,


para que nunca de seu corpo á sepultura possa haver me-
mona ».
Açoites, com ou sem baraço e pregão pela cidade ou
villa.
Degredo para . as galés.
Degredo, perpetuo ou temporario, para a Afri-ca, para
a India (para o Brasil) , para o Couto de Castro Marine
(este applicado sómente a mulheres), para fóra do Reino,
ou fóra da Villa, e .t ermo, ou fóra do bispado.
Mutilação elas mãos, da língua, etc.
Queimaduras com tenazes ardentes.
Capella ele chifres na cabeça (para os maridos con-
descendentes) .
Polaina ou enxaravia vermelha na cabeça · (para os
alcoviteiros) .
Confisco, como pena principal, ou accessoria.
Multas. (*)
~.\ nação portuguesa teve muito retardado o seu Co-
digo Penal . Em I 789 l\!Iello F1·eire fizera a primeira ten-

( *) I-IeNRlQUES SEcco, em seu interessante estudo Da historia


do Direi.to Crúninal portitguês desde os mais re11wtos tempos, fa.z
a seguinte sumnmla ela legislação cios Filippes, arnpliativas das Or-
den.ações:
«Assim, o alvará ele 13 ele janeiro de 1603 manda proceder contra
os ·que têm trato com freiras e pune-os severamente; o alvará de 26
de setembro cio mesmo anno pune c.0111 pena ele morte os clegreclaclos
para sempre ás galés, que clellas fugirem; a lei ele 6 ele dezembro
de 1612 estabelece muitas providencias sobre cartas de seguro, pri-
vilegias cio fôro, devassas, querellas, formação ele culpa, commutação
ele degredo, termos do livramento, suspeições, casos em que se
aclmitte1i1 os delinquentes a livrar-se por procurador, etc., a qual,
pela sua irnportancia, é chamada lei da reformação ela justiça; o de-
creto ele 13 ele agosto ele 1639 maneia prender todos os vadios e su-
jeita-os a irem servir nas galés; a lei ele r9 de dezembro ele 1640
prohibe, sob pena de morte, que alguem passe para Castella.; o alvará
de 16 ele jünho ele 1663 augmenta as penas contra os transgressores
ela prohibição cios çlesaíios e manda processar summariamente estes
crimes; o decreto ele 23 ele setembro ele l/OI amplia as penas dos
44

ta tiva de reforma legisla tiva das Ordcuar;õc '_. que i11di o-nado
analy a e ferretêa . Era, 1 orém, uma tentativa exces iva-
mente aYancada para a época e não teve sancçã .
I )20 , com o movimento liber al, tenta a reforma. inda
não se f ez lei. Em 1837, José j\J a noel da V eio·a lança o eu
Codigo Pe1i.al da nação portugue a, e é approvado .
l\Ias entalha na execução. Já se aboli a a tortura.
Sómente em 1852, e por decret dictatorial, entrou em
vigor o Codigo Penal portuguêz, que o professor Caeiro da
.:rviotta diz «inspi r ado nas doutrina de Ro si, Chauveau e
Helie. e tendo como fontes legaes principalmente os Co li-
gos francês ele 1810 e hespanhol ele T848 »,e no qual se en-
contram «vestígios do Coeligo do Brasil de i:830 ». (**)

vadio aos que viverem escandalosamente, e, emfim, um grande nu-


mero ele alvarás·, provisões. decretos. etc., providenciam sobre porte
ele armas . fogos ele artificio, cigarros, atrave:saclores ele generos,
casos de devassas, etc .
Foi, porém no reinado de D. José que appareceram mais de-
cretos sobre direito criminal.
Angmenta-se a lista dos crimes de lesa-magestade, tanto de pri-
meira cabeça (carta régia de 21 de ontubro de i757), corno ele se-
gunda cabeça (alvará de 24 ele outubro ele 1764, § rº) ; determina-se
que os culpados em taes crimes têm sempre a pena ele confiscação
e ele reversão elos bens á corôa (alvará de 17 ele janeiro de 1759);
que taes crimes não prescrevem nem mesmo se extinguem pela morte
elos delinquentes (lei de 13 ele agosto de 1770, § IIO) ; que são tão
hor rorosos, que o seu castigo se aparta elas regras orclinarias, e que
quem os commette deixa áridas e sêccas as suas linhas para a suc-
cessão cios morgados ( lei ele 3 de agosto ele 1770, §§ r lº e 12°) ;
que as pessôas que os commettem ficam inhabeis e infames, como
seus filhos e netos ( lei de 25 ele maio de 1773, § 3º) ; determina-se
quaes são os crim es atrocissimos (alvará ele 5 de maio ele 1762 e o
decreto ele 9 ele outubro ele 1776) ; põe-se pena ele morte na.tural,
infa mia e confiscação ele bens aos sigili stas (lei ele 12 ele junho ele
1769), e estabelece-se a pena ele infamia contra os filhos e netos
cios herejes ( lei ele 25 ele maio ele 1773, § 3º), etc. »
(**)Eram estas as penas cio Cocl igo português ele 1852:
a 1 Penas maiores: morte, trabalhos publicos, prisão maior, clegreclo,
expulsão elo rei no e perda cios direitos políticos ( art. ·29) .
. A pena ele morte consistia na simples privação da vida por
meio ela fôrca ( arts. 32 e 91) .
As penas ele trabalhos publicos, prisão maior , degredo e ex-
45

Assim, apenas liber::o do domir.io ele Portugal, o Bra-


si l avantajou-se -lhe de modo ncitavel em materia penal.
não se comprehe"nclendo, por isso, o subito estacionamento
a q11e, na materia, o coagiram as legislaturas republicana .
A Constituição do lmperio aboliu o açoite, a tortura,
a marca a fer ro quente e toda s as mais penas cruei . . De-
terminou que nenhuma pena passaria da pessoa do delin-
quente, acabou com o conf isco e com a transmissão da 111-
famia aos descendentes do réo.
Em :i 830 já possuia o Brasil o seu Codigo Penal que,
apeza r ele manter certos cli positivos, constituia indubita-

puJ.s~o do reino podiam ser por toda a vida, ou temporaria de tres


a qumze annos (arts. 33, 34, 35 e 36). Executava-se empregando-s
o condemnado nos trabalhos mais pesados, com corrente de ferro
no pé, ou com cadeia presa a outro companheiro, se a natureza elo
trabalho o perrnittisse ( art. 33) .
A pena ele prisão maior, quer perpetua, quer temporaria. podia
ser simples ou com trabalho dentro da cadeia, forta leza ou e. ta-
belecimento publico onde se cumpri se ( art. 34) .
A pena d.e perda ele direitos políticos era sempre peq etua
marinas (art. 35). ·
A pena de pareia ele direitos politicos era sempre perpetua
mas resalvava-se a rehabilitação nos casos determinados na 1 i (ar-
tigo 37).
b) Penas correccionaes: prisão correcional, desterro, su pensão
ternporaria dos direitos politicos, multa e reprehensão (art. 30º) .
A prisão correccional era sempre temporaria, sendo o s u
maximo ele tres annos e o mínimo ele tres dias ( arts. 3º e 38 n. 1 " .
A pena de desterro tambem era sempre temporaria dentro dos
limites maximo de tres annos e mini mo ele tres mêses ( arts. 39''
3° n. 2°).
O limite maxirno da ·pena ele suspensão temi oraria ele direitos
políticos era ele doze annos e o limi te mini mo de dois ( arts. 40° '
83º, 3º) .
11.
A pena de multa, quando o cocl igo não fixa se a quantia 111
réis, tambem era temporaria, sendo de· trcs annos o limit maximo
e de tres dias o limite mini mo ( á.rts. 4II e 83° n. 1°) .
e) Penas especiaes para os empregados jmblicos : demi ssã , sus-
pensão e censura .
A suspensão era sempre temporada, sendo de tr s annos o li-
mite maximo e de tres mezes o mínimo (arts. 44º e 83°, n. 2°).
46

vel avanço obr a legislação herdada da metropol e e por


ella conservada ainda por mais vinte annos.
Era e ta a penalistica de 1830.

« 111ortc na .forca. ( art. 38) · ga/és (que su-


jeitava os réos a anda rem ele C'tketa ,aos pés e
co1Tente de ferro, juntos ou eparados, e a em-
pregarem -se em trabalhos publicas na pr vincia ·
onde tives e sido comrnettido o delicto, á disposição
do Governo, nã podendo ser tal pena applicada a
mulheres, nem a menores de 2I. annos, nem a
maiores de 60 (a rt . -t-t e 45); prisão com tra-
ba!110 ( qne obr ig·ava os réos a se occuparem dia-
riamente no trabalho que lh es fosse destinado
dentro do r cinto das prisões, na conformidade
das sentença s e d:o-1~ reg 11fomentos pol·iciaes
das 1nes111as prisões (art . 46); ;m:sno simples
(que ob rigava os réos a estarem reclusos nas pri-
sões publicas pelo tempo marcado nas sentenças
(art . 47); banimento (que privava os réos dos
direitos de cidadãos brasileiros e os inhibia per-
petuamente de habitar o territorio do Imperio
( art. 50); degredo (que obrig·av<• os réos a resi-
direm no Jogar destinado pela sentença, sem po-
derem sahir delle durante o tempo que a mesma
rna1·casse (art. 51): dcszcrro (que, quél.ndo outra
declaração n;:Lo h ouvesse, obrigava os réos a sa-
birem dos termos elos Jogares dos clelictos, da sua
principal 1·esidencia e· ela iwincipal resiclencia do
offendido, não podendo entrar em algum delles
durante o tempo marcado na sentença (art 52);
111ulta ( que obrigava os réos ao pagamento de
uma quantia pecuniaria que seria, sempre, regu-
lada pelo que os condernnaclos pudessem haver . em
cada um diiJ. pelos seus bens, empregos, ou indus-
47 .

tria, qua11clo a lei especificamente a não designasse


de outro modo (art. 55); .s11spen.s io de emprego
1

(que i:iri vaya os réos. elo exercício dos seus empre-


gos durante o tempo marcado, no qual não pode-
riam se r empregados em outros, salvo sendo de
eleição popular ( art. 58); perda de e111prego,
(q ue importava na perda de todos os serviços que
os réos houvessem prestado nelle ( art. 59) . »

No seu aspecto geral, pois, em confronto com a le-


g islação de J.830, o Codigo ele r890 apresenta uma séria
transformação. .A prisão cellular ou com trabalho do-
mina, já, esse corpo ele princípios jurídicos, e o conceito da
pena apparece expurgado ela icléa ele vinclicta social.

A SENTENÇA INDETERMINADA

A sentença incleterminacla, que tem sido ao mesmo


tempo um remeclio heroico contra a criminalidade e um po-
deroso derivativo economico para as naçà(~S que são obri-
gadas a manter numerosas e grandes peniêenciarias, é um
corollario logico elo chamado systerna ele reforma. Se a
pena já não visa desforrar a victima, fazer sof frer ao cri-
minoso e vingar a sociedade; se já ninguem contesta que
dentro de cem delictos semelhantes não ha dois criminosos
iguaes ;·e se co,m a creação dos reformatorios s procuram
restaurar no delinquente a fé perdida e a confiança nas
proprias .virtudes, transformando a pena num elemento de
- correcção, não se póde admittir que para essa variedade de
criminosos, e dentro dessa complexidade de moveis e de
fins, o magistrado decrete uma penálidad rio·icla, immu-
tavel. Contra a graça ou o perdão, assegurados pelas consti-
tuições da União e dos Estados ao pre identes da Repu-
blica e aos governadores, eu o sou, porc1ue o perdã avilta.
48

Contra o lin-amento ndi ional d n , dig por igual


me manifesto . p r 1u , al 'rn cl qua i impralicav 1, premia
com a mesma r e mp nsa o nt nciad a ·urta p na a
pena maxm1a.
l3ato-m , porém, enhor Mini tr , p la indeterminação
da sentença e p la Yerda leira lib rdad n li ·ional, porqu
ãó impr cindiv is a exit da ref rma do crimino os.
O critcrio da ent nça indetermina la fonda~ s , cgun-
do A. Prin , no guinte: d ear a quantidade da p na c-
gundo a gravidad' theorica 1 facto é uma peraçã rneca-
nica, artificial vã; ma . por outro lado. elos ar a luração
do tempo le pri ã , tendo em att nção o gráo d r si ten-
cia do condemnado á acção ela I ena, é urna opcr açã.o de
immen a difficnldade que r clama um tudo aturado das
di posiçõe do d linquente , em ca o algum, pó le ser an-
tecipadam nte re lvicla pel juiz no lia cm que profere
uma entença de condenmação cujos eHeito elle é incapaz
de adiYinhar . ( cie11cia penal e d-irei:to positivo, § 755.)
O que se batiam contra a entença indeterminada ar-
gumentavam, não ó com o perig·o iue corre a sociedade
com a libertação precipitada de delin iuentes temiveis, como
com a inn tidura de,uma ,·erdadeira funcção judiciaria nas
autoridade administrativa da prisão. Todo estes argu-
mento , porém, perdem ua efficiencia diante da vanta-
gens alcançada na pratica e ão ictorio amente comba-
tido na medida acautelatoria tomadas pela legislação
do paize onde e acham em ' igor .
Com o que ella não e coaduna é com as curtas penas e
com o y tema cellular. Não é possivel, na verdade, bene-
ficiar com um encurtamento da sna pena_aquelle individuo
que penetrou na prisão por tempo relativamente c1inúnnto.
A commissão encarregada da observação dos presos não
di põe de tempo para observar-lhes o caracter, e nada mais
facil então do que simular a emenda.
E ta simulação, porém torna-se difficil ou quasi 1111-
49

possível nas penas elevadas. Raramente um individuo po-


d rá disfarçar a ua índole e propositos após quatro ou mais
annos de convívio com os companheiro com o o·uarcla e
-com as autoridades superiores da prisão . . Os receios do pc-
rio-o social, de que se declarava possuido o grande cri-
minalista belga, nã elevem, portanto, subsi ·tir. .
Com o que estou de accôrclo é com a affirmativa da
inapplicabilidade da sentença indeterminada ao sy tema
-cellular puro. De que elementos se disporá para constatar o
gráo de regeneração ou de reforma de um pre o que vi\ e se-
pultado num cubículo, mudo e só? Mas esta face da que tão
não nos deve intere sar, uma vez ,que os dispositivos do Co-
dig relativos á prisão cellular não têm applicação em
-q ualquer Estado elo Brasil, e tal pena é transformada na ele
prisão com trabalho, esta em prisão simples com o augmen-
to ·ela sexta parte. Agora, o que a sentença indeterminada
impõe é que, da mesma sorte que se diminue o tempo da r -
dusão para os regenerado. , se eleve ampliai-o para os que,
-cumprida a sentença, não se regeneraram. Apena no pri-
meiro caso deve caber a faculdade de deliberar á commi -
são das prisõe , e no segundo, em meu desautorizado juízo,
por se tratar de uma nova . pena, deve tal faculdade · ab r a
tribunal revisor, provocado por aquellas autoridades pc-
11itenciarias.
Com razão e clareza escreve textualmente Paul u-
d1e em sua notavel systematização dos estudos p nit n-
<:ianos:
«A la libération antecipée, quand J'am n l -
ment parait obtenu avant l'échéance du j ur fix'
par le juge pour l'expiration ele la peine, rr . -
poncl tres logiquement, comme .l'ob rvait D n-
neville ele Marsangy, la détenti n . uppl ' m n-
taire, quancl, à ce moment dét nu, n s mbl pa ~
encore entré dans la voie d Ja ré:form moral .
Si l'on se fait ain i à J"iclée qu la p in p ut Atre

fü \ l\me 1tt rminnti n t r ' n.tnl le l
r ur r 'élit r 1 f rnml hnbi1n llc: t m ~m qu
l m • 1 cin qui c1w i nn mn ln 1 n l'hôpitul n l 'n 1
1u 'il y rest jm 1u 'fi sn gueris n t n Hmit pns
n l'a\'an ln dnr t c1 s n ' +j ur, d rn 1l1 1
jnge, qui fnit :l un l ·1inqn·rnt r ~q 1 li ntion 1\111
p in r ·f rm tri e, 1 it r trcin lr J, ~ nt n
r·ndi nti n d la nntnr 1 1. m snr
p nucttr

qnan
damn e

q

gislation Péniten-

O q e a - 1rta ao penaloo-i ta ~ mais precatados é a


seDJJ11ença abso!o1lame11te i11deh rmii1 ada, i to é, que fica em
ê!IbsoDu1to ao arbítrio da autoridade administrativas. Mas
des.tta não no occupamo n ) , nem em nosso paiz seria to-
eiréll~"d. Senttença indeterminada, aquj, nos meus propositos~
é a sentença relatÍ'i!ame11te i11determi;zada. Esta, sim, é que
dn-e -er con iderada enão l'âme même de l'organisation dn
rrj@rmaforJ~ ao menos o auxiliar precioso do systema que
pirocura índi ·idualizar a pena. O juiz fixa o maximo e o
mnnimnio da pena. Sómente entre estes dois limites póde
51

manifcsLar-se a commissão, que propõe ou decreta a liber-


da 1 lcfin iíiva ou condicional .
Tal é a prática geralmente seg~iida nos Estados Uni-
dos . uçamos, p r exemplo, M . Barrow, profoncl cr'itni-
nalista yankee :

«Nossos legisladores jamais quizeram auto-


rizar a reclusão de uma pessoa sem fixar n1n li-
mite ma%imo á sua detenção . Set~ Estados, Nova·
York, Massachusetts, I cnsylva nía, M ines ta, Il-
Jínoís, Indiana e Ohio adoptaram a s ntença dita
índetenninada, mas cm iod s esses Estados são
prcscriptos limites maxímo e mínimo, lc m do
que a sentença está longe de ser a bsolutamente
indeterminada . »

Já a Icí de 22 de abril de r877, r Iativa ao R fo rm a-


torío de Elmíra, prescrevia esse maximo m s u § 2n lo
art. r73.
,_ r o :Massachusetts, a lei de 1844, que 01·ganizava o R -

formatorio de Concord, dispunha que o juiz não devia fi -


xar o lím'ite da internação do preso, salvo quando se tra-
ta se de um período superior a cínco annos .
juiz tem, pois, muito limitada sua ~..ceá , como ob-
serva Paul Couche .
.J: ão resta duvída. que a pratica do tal prín ípío n ~
contra díffículdades, e a maior della.s e..1tá na f 01'Ça da
tradição, que entre nós é quasí invencível.

Cadaiso argumenta:

« EI poncr en líb rtad al condenado por.· toda,


la 1ída ai poro tíempo de estar cn prí~íón., m u 110.s
consíderan pelígroso; ,1 rctenct· ind finídam nt~
ai autor de un le rc deliro, lo e~timan otrm• injm1ttJ,
El tratamíenro reformador que en teoda ati •
52

face, no es fácil llevarle, a la práctica con la per-


f ección requerid~, y las per sonas llamadas a fa-
lar sobre la conducta de un prisionero para libe-
rarle o retenerle, no son infalible:> y pueden equii-
vocarse, con- grave dano de la sociedad en el pri-
mer caso y del índividuo en el segundo. Por esto,
la sentencia indeterminada sin limite no tiene am-
biente propicio, no ciertamente por la lógica en .
que descansa, sino por las dificultades de hecho,
que en mucho obedecen a la falta de preparación
del espíritu publico y a la deficiencia de medios
reformadores para su general aplicación. En
cambio, la limitada por nn máximo!y 1un mínimo o
sólo por un máximo, se halla en vigencia en la
mayor parte de los Estados.»

E accrescenta:

« Sus ventajas respecto a la de tiempo fijo


son evidentes. En ésta, en la de plazo fijo, sabe
el penado que hade permanecer en prisión el tiem-
po que el fallo comprende y que seguramente ba de
salir de ella cuando el plazo expire, con lo que
se mata todo estímulo, porque el buen proceder
no abrevia la reclusión ni el malo la prolonga.
Aquélla, la indeterminada, pone en juego los dos
elementos más poderosos para mover a la enmien-
da : la esperanza y el temor. De la conducta del
prisionero depende su libertad, lo cual equivale a
poner en su mano la llave de la prisión. Es indu-
dable, por tanto, que favorece al delincuente; pero
al mismo tiempo garantiza a la sociedad, por que
sólo se anticipa la vuelta a la vida libre' al que se ha
hecho acreedor al beneficio por sus propios mé-
ritos y al que se considera en condiciones de pro-
53

ceder como los que no han delinquido, que es a lo


que se aspira y es en lo que consiste el verdader.o
concepto de la reforma del culpable. De los refra-
ctarios al tratamiento que no dan pruebas de ,en-
mienda, no tiene que temer, porque su estancia
en la penitenciaria ha de durar hasta e! máximo
establecido en la ley, según ocurre en la sentencia
a pi azo f ijo. »

Era prccisamene o que eu escrevia em 1917, após es-


tudar as conclusões do Congresso de Paris, de 1899, do de
vVashington, de 1910, e de pôr em confronto as opiniões
de Ferri, Van Hamel, Samuel Barrow, Prins, já evoluído,
1

V 011 Liszt e Armando Claros : ·

« Ora, sabido, como é, que o mesmo crime


varia infinitamente, conforme o individuo que o
commette e conforme as causas que o determi-
nam, a pena fixa parece estar, de modo definitivo,
condemnada. Elia é incompatível com o espírito de
correcção e de reforma da sciencia moderna, em
face dos delinquentes. Se é ·verdade que o unico
conforto do preso é ver approximar-se o dia fixo
de sua liberdade, tambem o é que a rigidez da pena
lhe tira o ,interesse de uma readaptação social, ao
passo que a certesa de ver premiada, com a liber-
dade, a sua reforma, leva-o suavemente a uma
conducta nobilitadora, a um esforço sincero para
. a conquista desta sonhada liberdade.»

O Congresso Juridico de 1908 adoptou a these de de-


fesa ás sentenças indeterminadas, o mesmo fazendo o de
1922 . Os doutores Carvalho Mourão e Galdino de Siqueira
estudaram, então, prof.icientemente o assumpto sobre o
qual ha muito o que escrever.
Bill A S B AL.AVB.A

1\In n ent n _a in t
.1ar10 m rn s, um

nqui ·ta d propri t ena


<::
tor ·ada a um individu ante
dns pequen<is

apur n , ndi à)
rio· para ~ u m mbr
Na la mai diff i il para nm h mem l ini iar nma.
i:ida noya. Lan ad f · ra d a1
seoTeo·a .à . tud lh til.
hrndado a uma ob diencia _;:;a n ntra-s
r pent enhor d ua liberdad . em ntrn -t ~ o impuL
natural • para o abu o d as fa ul ade 1 no·am nt re-
fr iada .
O E tado não d Y p rtanto aband nar as
portas de a liberdade deYe en aial-o 01110 e en aia a
criança que Yae dar o prim iro pa , ou como e expe-
rimentam a for a d um co1wale cente.
Para a reforma do pre o podem ba tar o meio de
que e lança mão na penitenciaria e a entença inde-
terminada, ma para impedir o perio-o ocial da libertação ·
do inadaptado ó a liberdade ob palana .
E ta apre enta modalidade differentes nos pajzes ou
E tados que a applicam . ' Nos E tados Unidos, em geral,
cabe ás éommi sões da pri ões por lei applical-a, ou melhor,
concedel-a.
Merecendo-a, elle recebe, antes de sair, um memorial
55

m JU Jh avivam a ua re. ponsabilidad e deYere , e


1u s ·uinlc, con.f orme m dei de Elmira:

«A C mmi ssã , attenclendo á e n~iança qu


s nh r Jh mer ce de jand p · r á proYa eu
ara ter e . ua capaci lade, re olve, em virtud da
faculda lc que a lei Ih a .
liber !ade
r gras:
r·. J rá enh r dircctam nte a 1 o·ar qu
lhe tem dcsignad , que é. . . . . . . . . . . ah i l crmil-
necerá, se possível, pel mcn s durante i mez .
2ª. Para mudar de ccupaçã u d r . id 111~ ia
necessita e deverá obter c n entim nt da r m-
mis ã , por intermedi d ] irect r.
3n. N primeir dia de cada mez, durant
mezes n maxim , e até quand a C mmi ã r -
solva ~ nceder-lhc a lib;rdadc d fin d,i va, d v rá
dirigir pel c rrei a irector uma in f rmação
a seu pr pri respeit , certificada p 1 r .....
agente da e mmissã ' na qual e pecificará s t 111
recebid cada . emana u ·ada dia a quantia qu
lhe cabe, especificando, cm cas e ntrari , mo-
tivo. Nessa inf rmaçã c n ·igmtrá taml m
que tem gasto e ec n mi sad , j1111ta111 nt m
uma rezenha a seu proprio r [ eit 1 m •i 111
que se desenvolve ( sorrong incl) .
4ª. everá er v raz m suas
evitará as más companhias e . c abs t rá
alcoolicas.
5ª. Tão depres a quant hcgu a 1 gar 1
seu destino, apresentar-se-á ao r .......... .
lhe apresentará eu certifica l< de lil> r ad' Sllb
palavra, e depois de haver escript cada m z, umu
fica dito, e uma vez tran . coeri 1 s m str' 11.:
56

prova, o Director (superintendente), por proposta


do Sr ....... . .. . , expedirá ~m seu favor o cer-
tificado de completa liberdade.
A ' Commissão .do \Reformataria interessa-se
vivamente pelo senhor . Não se arreceie de com-
municar-se directamente com o Director para pe-
dir-lhe apoio e par3: consultal-o no caso de perder
seu emprego ou de íinutilizar-se para o trabalho
por éa usa de enfermidade ou accidente.
Duraute o periodo de liberdade sob palavra,
póde o senhor contar com a ajuda e os conselhos
dos commissionados e do Director, e . no Reforma-
taria encontrará um refugio e protecção em caso
de .desgraça .»
Como é nobre e salutar ahi a acção do Estado! Não
despede o convicto com asco, não abandona, não o deixa
só. Segue-o, fortalece-o, aconselha-o, guia-o, defende-o: e
ainda quando ferido pelo infortunio, lembra-lhe que, antes
de cair, procure o Reformataria, que ;;i.hi encontrará pou-
sada, abrigo, protecção e trabalho.
Essa medida,_ como a da sentença · indeterminada, não
exige grande esforço legislativo, e o Congresso póde ado-
ptal-as, se não o Executivo, já autorizado para essa refor-
ma, como se deprehende do decreto n. 4. 577, de 5 de se-
tembro de 1922.
Sanccionadas pela pratica, pelo voto dos Congressos_e
dos publicistas, essas medidas, o good time law e o siwcis~
não carecem mais de experimentação .
Sua introducção em nosso systema penitenciaria é uma
necessidade a que o actual governo, V. .E x. á frente, Se:..
nhor Ministro da Justiça, não faltará ,' (*)

( •) A proposito da adaptação da rnn,demnação condicional ao


Brasil, recommenda-se o valioso estudo do notavel jurisconsulto ba-
hiano, desembargador Felirito Bastos, a pag. 201 dos seus Estudos de
Direito P1mal.
57

.DA CONDEMNAÇÃO CONDICIONAL PARA OS DELINQUENTES PRIMARIOS

O decreto que a estabeleceu e a exposição de motivos do Dr. João Luiz


Alves.
Ao rever definitivamente as provas deste volume, o Governo baixou o
decreto de 6 de setembro de 1924, estabelecendo no Brasil a condemnaçã<>
condicional. E' uma conquista notavel que se fica devendo aos Exms. Srs.
Dr. Arthur da Silva Bernardes, Presidente da Republica, e João Luiz Alves,
Ministro da Justiça, que precedeu o texto do decreto da seguinte brilhante
Exposição de Motivos :
• Ü Sr. Dr. João Luiz Alves, Ministro da Justiça, submettendo á appro-
vação do Dr. Arthur Bernardes, Presidente da Republica, o projecto abaixo,
precedeu-o das seguintes considerações:
cSr. Presidente da Republica - Tenho a honra de submetter á appro-
vação de V. Ex. o projecto junto, em que, de accôrdo com a autorização
legislativa, se estabelece a condemna~ão condicional para os delinquentes
primarias nos delictos de pouca gravidade e nas contravenções.
Como sabe V. Ex., a condemnação condicional, o "sursis" francez, a
"probation" ingleza e americana, a "condemnation conditionnelle" belga,
"condanna condizionale italiana", adaptada tambem pela Suissa, Allemanha,
Portugal, Noruega e demais povos cultos, com vantagem para os fins da
pena e optimos resultados praticas, na repressão dos pequenos delictos
tem por principal escopo:
1°) não inutilizar, desde logo, pelo cumprimento da pena, o delinquente
primaria, não corrompido e não perverso;
2°) evitar-lhe, com o contagio na prisão, as funestas e conhecidas con-
sequencias desse grave mal, maior entre nós do que em outros paizes, pele>
nosso defeituoso systema penitenciaria, se tal nome póde ser dado a um
·regímen sem methodo, sem unidade, sem orientação scientifica e sem esta-
belecimentos adequados; e,
3°) diminuir o numero das reincidencias, pelo receio de que se torne
effectiva a primeira condemnação.
Esta diminuição de reincidencia, a principio contestada por alguns cri-
minalistas, está comprovada pela experien cia, como demonstram as esta-
tísticas. Na Belgica, por exemplo, em sete ~nnos, em 132.000 condemnaçõcs
condicionaes só houve 4.000 reincidencias. (A. Prins - Science Pena/e; Joãe>
Chaves - Sciencia Penitenciaria).
Além destas incontestaveis vantagens, que legitimam, sob o ponto de
vista repressivo, a instituição proposta, occorre o seu aspecto economice>
nas nossas prisões, onde os presos são alimentados, tratados e vestidos á
custa dos cofres publicas.
Já era tempo de acompanharmos os povos civilizados, em cuja longa
experiencia póde repousar o alcance da reforma.
Ella é uma das que, autorizadas pela lei n. 4.577, de 5 de setembro de
1922, pretendo submetter ao conhecimento de V. Ex. Assim é que, breve-
mente, apresentarei a regulamentação do livramento condicional e do encur-
tamento da pena pelo bom comportamento (good time).
Infelizmente não é possível propôr uma reforma immediata do regímen
penitenciaria, sobre o qual mande.i proceder a vasta e docume.ntada inspec-
ção pelo competente Sr. Dr. Lemos Britto, cujo volumoso e exhaustivo rela-
torio, em vias de impressão, será indispensavel elemento para uma nova
legislação penal.
Os embaraços que retardam a reforma penitenciaria são diversos, mas
salientamos tres, para que se comprehenda a gravidade do problema:
1°-A prévia necessidade de uma radical reforma da legislação criminal. ,
2°-A diversidade de leis processuaes, autorizada pela Constituição Fe-
deral.
58

3º-A enorme despesa que o estabelecimento de penitenciarios-modelos


.acarretará necessariamente.
O primeiro embaraço só póde ser removido pela decretação do novo
Codigo Penal; o segundo, pela revisão da Constituição, para u11ificar as leis
de processo; o terceiro, pela melhoria da situação financeira, ao que V. Ex.
dcsveladamente se dedica.
E', porém, possivel melhorar a organização da Casa de Detenção, da
Casa de Correcção e da Colonia Correccional de Dois Rios e a isso dedico a
minha attenção.
Quanto ao projec.to ora submettido á approvação de V. Ex ., e que,
vela sua simplicidade, dispensa longa justificação, devo informa r que foi
-0rganizado por uma commissão de juristas competentes, que estudou cuida-
·dosamente o assumpto.
Foi preferido o regimen francez do •Sttrsis• - suspensão da condem-
nação; ao inalez - •probation• - suspensão do julgamento, por ser este, na
p hrase de douto tratadista •menos garantidor, quer em relação ao criminoso,
-quer em relação á Sociedade, não tem o effeito juridico de determinar a rein-
cidencia, o que é inconveniente• . Quanto ao maximo pa pena de prisão a
que póde ser co ndemnado o «sursis., variam as legislações: - a belga e
a italiana limitan1-n'a á prisão não maior de seis mezes, a suissa-um anno;
a ingleza, a dois annos, e outra s vão até cinco annos . Parece-nos razoavel
-o prazo de um anno, attendendo á natureza das infracções a que é appli-
cada essa pena.
O prazo dentro do qual deve prevalecer a ameaça da pena suspensa
tamb 111 va ria nas legislações estrangeiras.
Os orga nizadores do nosso projecto foram felizes na solução dada, esta-
beleceudo um maximo de dois a quatro annos, de um a dois a1mos, cem-
.forme se trata de cri me ou contravenção, deixando dentro desses extremos
c rta latitude ao juiz, que aprecia rá as condições especiaes de cada caso .
A fundamentação da sentença de suspensão da pena, a ausencia de
recurso em caso de sua denegação e outras providen~ias são as acceitas
pela legislação penal estrangeira, a que me hei referido . Estou convencido
<le que V. Ex., dignando-se approvar o projecto, prestará relevante serviço
á causa da justiça e da repressão penal. Rio de janeiro, em 5 de setembro
<le 1924. - j oão Luiz Alves, Ministro da Justiça e Negocios Interi~res.
Dacreto n. 16.588, de 6 de setembro de 1924 - Estabelece a con-
<lemnaçào condicional em ma teria penal:
O Presidente da Republi ca dos Estados Unidos do Brasil, usando da
autorização co nstante do art. 1°, n. 1, do decreto n. 4.577, de 5 de setembro
ode 1922, resolve decretar:
Art. 1°. Em caso de primeira condemnação as penas de multa conver-
-sivel em prisão ou de prisão de qualquer natureza até um anuo, tratando-se ·
-d~ a cusado que não tenha revelado caracter perverso ou corrompido, o
juiz ou tribunal, tomando em consideração as suas condições individuaes, os
motivos que determinaram e circumstancias que cercaram a infracção da lei
penal, poderá suspender a execução da pena, em sentença fundamentada,
-por um prazo expressamente fixado de dois a quatro annos, se se tratar de
·rim _ e um a dois annos, se de contravenção.
§ 1°. Quando a condem nação fôr imposta por decisão do Tribunal do ·
J ury a suspensão será decretada pelo juiz presidente.
~ 2". S no prazo fixado , a contar da data da suspensão, não tiver sido
imp sta outra p_na ao accusado, por facto anterior ou posterior á mesma
susp nsão, s rá a condemnação considerada inexistente, pelo juiz ou tribu-
nal ex-officio, ou a requerim-nto do accusado ou do Ministerio Publico.
~ 3". Em caso contrario, a suspensão será revogada e executada imme-
<l iatam-nte a p na de fórma a não se confundir com a segu nda coodemnação.
~ -!~. A revoa-ação será declarada, na fórma estabelecida para os inci-
<ientes de ex u ão, pelo tri bunal ou juiz co mpetente e é sus eptivel de
rc ·urs sem ff ito suspensivo.
59

Art. 2º. A suspensão não comprehende as penas accessorias e incapa-


ddades, nem os effeitos relativos á indemnização do damno resultante da
:infracção da lei penal.
§ 1°. Na sentença de suspensão será fixado um prazo para o accusado
pagar as custas do processo, tendo o juiz ou tribunal em attenção as suas
condições economicas ou profissionaes.
§ 2°. A suspensão será subordinada á obrigação de fazer o condemnado
.as reparações, indemnizações ou restituições devidas, salvo caso de insol-
vencia provada e reconhecida pelo juiz da execução. _
Art. 3°. Cessarão os effeitos penaes da condemnação no dia em que a
wesma fôr declarada inexistente.
Art. 4°. Durante o prazo da suspensão não correrá prescripção.
Art. 5°. Não haverá suspensão da execução da pena nos crimes contra
a honra e boa fama {Codigo Penal, arts. ·315 a 325), e contra a segurança da
honra e honestidade das familias (Codigo Penal, arts. 266 a 278 e 283, e
leis modificadoras) .
Art. 6°. A suspensão da execução da pena só póde ser concedida uma
vez, salvo se a primeira houver ·sido applicada em pro:esso de contra ven-
·ção, que não revele vicio ou má indole do accusado.
Art. 1°.· Em caso de co-delinquencia poderá a suspensão ser concedida
.a uns e não a outros accusados, tendo o juiz ou tribunal em attenção o
estabelecido no art. l°.
Art. 8°. O juiz ou presidente do tribunal que conceder a suspensão lerá
.ao accusado, em audiencia, a sentença respectiva, e o advertirá das conse-
quencias para elle de nova infracção. Se o accusado tiver sido revel, o juiz
.ou tribunal poderá tomar em consideração . essa circumstancia para con-
ceder ou não a suspensão.
Art. 9°. A condemnâção será inscripta com a nota de suspensa em livro
·especial do Gabinete de Identificação e Estatística, averbando-se, mediante
.a communicação do juiz ou tribunal, se foi revogada a suspensão, extincta
a condemnação ou cumprida a pena.
Art. 10. Nos togares onde não houver Gabinete de Identificação e Esta-
1istica, á inscripção e registro serão feitos em livros do proprio juiz ou
iribunal que decretar a suspensão da condemnação.
Art. 11. Esse registro é de caracter secreto, salvo quando requisitadas
informações por autoridades judiciarias para os effeitos de applicação deste
.decreto. Em caso de revogação da _suspensão, será feita a averbação defi-
nitiva no registro geral.
Art. 12. Da decisão do juiz da lª instancia concedendo a suspensão,
poderá haver recurso do Ministerio Publico ou da parte para o juiz ou
tribunal superior, com effeito suspensivo.
Art. 13. Este decreto applica-se tambem ás condemnações já impostas e
.ás que resultem de processos em andamento e entrará em vigor na data da
.sua publicação.
Art. 14. Revogam-se as disposiç.ões em contrario .
. Rio de Janeiro, em 6 de setembro de 1924, 103~ da Independencia e 26°
.ela Republica.- ARTHUR DA SILVA BERNARDES. - joão Luiz Alves•.
60

O PROB1EMA DOS MENORES DE1INQUENlfES NO BRASIL.

O problema elos menores no Brasil continl:1a insoluvel,


e nem a bella iniciativa elo saudoso Sr. Alcino Guanabara
ponde vencer a até aqui irresistível apathia que nos vem
r etardando os passos no caminho ela reforma penal.
Este problema entrelaça-se á questão .penitenciaria.
como a hera ao tronco ele que se alimenta. Através ele minha
excursão pelos Estados vi r1uaclros espantosos. Na peni-
tencia ri a elo Ceará encontrei no carcere um rapaz ele olhar
vago e palavras pouco expressivas. Detive-me á .porta do,
cubículo, aHrahielo por aquelle individuo que me olhava
com um sentimento de dó e de esperança.
- Porque se enç:ontra aqui? perguntei-lhe.
-- Porque dizem qúe eu matei um l)omem.
-·Faz muito tempo que isto occorreu?
- Faz, sim, senhor , retrucou o infeliz, no seu rud~.
clialecto caipira. Quando eu vim para esta cadeia tinha
quatorze annos.
P ude reconstituir, então, o seu crime, pelo qual havia
sido conclemnado, aos frese annos, a vinte e quatro annos:
de prisão! l\!Ianclaram-lhe levar um recado a um açouguei-
ro. Este insultou-o e não quiz ouvil-o. Mas tarde o menino,
enf ezaclo, tomou explicações ao carniceiro, que lhe applicott
alg uns cascudos e bofetões. O menino atracou-se com elle,
e, na furia ela luta, com um côto ele faca feriu-o não sabe
onde . O homem veio a fallecer. A jury condemnou o me-
nino áq u ~ll a pena. Ago ra, Senhor :lVIinistro, vae ver V . Ex,
o peri go ele e entr egar ao jury, incapaz e sem noção desses.
assumptos, a sorte elos menores . Ao afastar-me elo cubiculo,.
o adm ini strador ela prisão, que é o tenente-coronel Sá Roriz,.
dis se-me aligeiraclamente:
- E' um idiota.
- Idiota, como?
61

- Imagine o doutor que só agora, em minha adminis-


\
tração, com geito e paciencia, conseguimos acalmal-o.
Quando elle para aqui veio, tinha sempre a idéa fixa de ser
11m irracional qualquer. Essas idéas eram periodicas. Du-
nmte mezes cantava á semelhança de nma ave, depois co-
coricava como os gallos, muita vez zurrava como os burros
e até urrava como as onças do sertão ! ... Nestes períodos
de excitação o infeliz não consentia que os companheiros
dormissem, e muita vez, durante o dia, cortavam-se na
secção de sapateiros cóm o susto de um longo bramido in-
eipinado c1ue elle deixava escapar.
O commandante Roriz adoptou o methodo do conselho
e da suggestão para acalmal-o, n1as eu soube que anterior-
mente os guardas, praças ele policia, o castigavam physi-
camente para que se calasse !
Vale a pena demorar sobre este caso, para o qual
possue, no Brasil, cada cadeia innumeros semelhantes.
Ou este menor agiu com instincto perverso, e con-
sciente, ou agiu sob a acção dos elementos morbidos que
eu pude constatar. Em qualquer os casos, a sciencia penal
foi sacrificada. Porque se o menor apresentava taes instin-
ctos, tudo impunha a sua segTegação para o fim de edu-
cal-o e adaptal-o á viela honesta e ao trabalho; se enfermo,
o seu logar era num manicomio, ou num asylo, nunca num
carcere !
Será, então, que ainda nos devamos conformar com as
theorias do secttlo XVI, quando ninguem admittia que a
loucura fosse causa de irresponsabilidade, ou com as dos.
secttlos xvII e xvIII, em que só se admittia a irrespon-
sabilidade dos loucos furiosos ou dos cretinos verdadeira-
mente ensandecidos? A loucura não consiste apenas em
tal privação absoluta dos sentidos, antes a psychiatria e a
neurologia provaram já á saciedade que ha manifestações
disfarçadas de loucura, perturbações funccionaes do ce-
rebro ou dos nervos, que asseguram a irresponsabilidade.
62

E is porque o sabio Ingegniero~ e, r ,,- u: -\.lém l na


concordar com os postulados theoricos da phil :: phia da
ciencia conternporanea, o Direito Penal yj · nt , 1 r
propríos fundamentos, é inefficaz para a d f -u -
contra os delinquentes, é frequentement p rio· para a
sociedade e determina numerosos erro judicia s ». ( r1-
111 i11ologia, pag. 46.)
Nos ultimos dez annos, depois que o pr f r de·
Duenos Aires lançou o seu notavel e tudo mui ta f ram a
reformas introduzidas nos Codigos, ma , ainda m relação
ao d:ireito existente em r9r3, data da edi ão ele Ino·e-
gn ieros, o Brasil mantem-se em lamenta' el atrazo.
Por toda parte encontrei crianças e menore de cam-
bulhada com vagabundos e criminosos, dentro das peni-
tenciarias! No citado estado do Ceará vi dormindo no ci-
mento de um xadrez da delegacia linda criança 'de oito
annos, branca, e em sua companhia contei oito homens, re-
colhi dos á noite pela policia, ebrios, rufiões, gatunos pro-
f i sionaes ! Informaram-me depois tratar-se de um pe-
queno gatuno das feiras, e ali estava por haver surripiado
um pão ou uma fruta, no mercado, e que o proprio pae
co. tumava leval-o á prisão.
A explicação do facto não attenua, porém, de modo
algum, a gravidade do abandono a que o Estado vota as
crianças, no Brasil. E o facto observado reproduz-se em
todo os E tados !
Em Pernambuco encontrei nove menores e crianças
t:·ancafiados num cubículo da Penitenciaria, e Pernambuco
' o mai adiantado dos Estados do Norte, no que se prende
ari r gimen e as eio das prisões.
pr blema é, pois, tão grave, Senhor Ministro, que
'\- . Ex. m permittirá aborclal-o com uma certa amplitude
na. pao·ina, eguintes.
' de hoje que, entrincheirado no meu idear hu-
manita ri ·ienti fico, me bato l elo reforma do Codigo
1
nnl riminnl m fa lo· n1 n r . I ·n-
1 itular i, n. si m, l)fira. V. -;: . ., r 1 r nptnhnr ' hnrm nin.
1c rninl as id ~n prn1 . itos - tll l qu ~ :i ,1 n · l ' um n
trabalha la a \'nn,
cr \ i, ~, li. ur. s artin· s 1

L u 111 . tuc.l a r as lat'Í "ti ·a. ·ri111 1 n s ulLirn


tem1 o , e r vh cu m r. 1 > ha c.l parar l l"J 1 .· , ntri . -
tecid as ombrado, ante a vid ncia 1 ta v r la 1 :
efficiente do crime praticaJo. p r 111 11
e paç de alguns ann . !
O dout e paciente per cruta 1 r eh
1emãe em materia de criminalida lc, l r f r
bourg, não poude conter o eu e pant cliant da. a1 av -
rantes conclusões a que chegam t d ti "L l r . d'
~ua espec1e.

a Allemanha a pr porção de men r .


é, sobre a totalidade dos deliqu~ntes uj il s ú a çã
Codigo Penal, entristecedora. S' no espaç ele t 111[ ·ru
vae de 1882 a 1889, as condemnações de men r s l r of-
fensas corporaes tiveram um accrescmo de 74 %1 a pass
-que a proporção para os adultos responsavei s p r i ·uacs
de1ictos foi apenas de 51 % !
Seria curiosa a transcripção ele alguns quaclr s e m-
pJetos ela Estatistica do Imperio Allenião relativamente á
criminalidade de menores; as proporções deste tral alh
não permittem, infelizmente, uma explanação mai abun-
dante do assumptu.
Bastam, porém, os quadros que nos offerece lfred .
N iceforo, professor da Universidade de Lausanne, para-
que fiquemos enleiados, pasmos, tal o augmen t do
crimes e contravenções praticados por menores em vari s
paizes da Europa.
Assim, para a I talia :
Menores

(Por cem julgados )

1890 2 -,()6
i891 23,70
1892 22,95
J893 22,46
1894 23,52
r895 23,28
Na França :
M nores

(Por cem julgados)

1826-50 . 13,20
1880 17,99
1 '90 17,46
i89r 17,78
l ~92 18,21
1 93 18,42

Numa ynthese mais apurada, a delinquencia dos me-


Pore augmentou, na Austria, de 1882 a 1892 - 12 %; na
H lla11da, idem 37 %; na Hungria, idem, 24 %; na Dina-
rna r a idem, 2 .=i %; na Suecia, idem, 48 % ! !
·' iê-, e, dahi. que o problema da criminalidade dos me-
1~ re ~ t mou um aspecto gra Yissimo, a provocar os zelos
11 1)minali ta e dos homens de E stado.
J r Ie or Aschaffenbourg, na obra a que me ar-
rimei 1u~nt á eyoJução da delin iuencia na Allemanha
/"11/H' e r i'r ssão_. pag. 12 ), e creveu:

« \-~- s imm diatamente que o numeraria es-


tatíst ico l 1S m nor 'ondemnada é notavel-
mcnt' +'Ya lo - enclo ert iue em grande par-
enta~· 11 1. c·tc mc1wns rsNio ainda sob a pro-
65

tccção paterna. Mas o .que ohrctud no deve


surprehender é vermos ·1 crianças na idade m
que frequentam a escolas exc der ainda
adultos, em certos d lictos, no num ro de con-
demnações. »

Como explicar esta doloro.sa e funesti sima incur ão


da mocidade e ela propria infancia no domínio do crime,
na região sem luz ·em que se arra tam os vícios e a mal-
dade humana ? . ..
Niceforo (A transformação do delfrto ) sustenta .que
varias modalidades do crime já desappareceram, emquanto
outras, outr'ora descoilhecidas, são agora discriminadas
nos codigos .
As condições sociaes de cada época imprimem ao crin1e
uma fe ição especial. Esta época, de cujo desdobramento
somos espectadores, caracteriza-se por uma evoluçã ra-
pida, quasi instantanea.
O pr~gresso é acc~lerado, tudo se move com o ffre-
guidão, a humanidade parece que vôa, ao estrepito das rna-
chinas e ao calor das batalhas. A emulação entre os povos
faz-nos viver mai em um mez d que n s s antepas-
sados viviam em um anno.
Os menores chegam, por isto, ao conheciment da
vida muito antes da phase em que para os seus avó s
-desvendavam os gosos e os di sabores ela viela.
A mocidade, sem molas adequadas ao refreiamcnto
das paixões, sem valvulas de segurança que deixem e -
capar as energias tumultuarias que lhe estúam no cer br ,
nos nervos e no sangue, tentada pelo espectaculo de te
progresso e pelas seducções ela vida moderna, precipita-se
e, quando de todo desamparada, vae cair na_ criminalidade
ou no suicídio..
E' assim que por toda a parte, excepção apenas da
Inglaterra, no período cujas estatísticas compul amos, os
5
66

menores sem freio e sem assistencia domestica ou do Es-


tado augmentam as fileiras dos criminosos de modo ex-

traordinario
Ouçamos, a proposito, as considerações do notavel
professor italiano a quem a Suissa confiára a cadeira de
Direito Penal da Universidade de Lausanne.
Para tornar evidente aos olhos dos leigos a necessi-
dade da campanha que eu entreguei á imprensa culta e aos
magistrados do paiz, mister se faz mostrar a todos que
a criminalidade dos menores assume proporções positiva-
mente espantosas, surprehendentes. Só então será possivel
advogar medidas capazes de amparar ·esses culpados inf e-
lizes, e, o que mai s é, de evitar que centenas de menores
caiam na voragem que os levará irremissivelmente á ruina
moral, ao crime e ao carcere.
Os doutos, os que vivem do manuseio quotidiano das
estatisticas criminaes, os mestres da sciencia penal, estes
dispensariam esta digressão por dominios tão do seu .co-
nhecimento. Mas é preciso não esquecer que toda obra de
propaganda de uma idéa carece ser, ('\.ntes de tudo, pra-
tica. Escrevendo este capitulo, não devo esquecer aquelles
homens, - e constituem a classe l11ais numerosa, - que,
não estando em intimo contacto com 3. sciencia penal,
impõem a missão de se os esclarecer e elucidar.
Proseguindo na analyse do problema, eu accrescen-
tava:
«Não devemos perdoar o descaso dos nossos homens
publicos pelo que entende visceralmente com a estructura
do nosso organismo político-moral. Elles se deixam se-
duzir pelas obras materiaes, esquecendo os problemas de
maior vulto, arrebitando a ponta do nariz; como se diz nas
classes populares, em signal d~ desapreço ou de tedio,
quando a audacia dos homens de sciencia cresce a ponto
de bater ás pÓrtas da. governança, alvit.r ando medidas de
salvação publica.
67

Ainda bem que desta feita eu tenho, a me amparar, o


prestigio do collendo Tribunal em cujo nome o Sr. Braulio
Xavier lançou á publicidade aquellas verdades de seu dis-
curso.
Kleine escreveu que « o crime é co11io ·itnia flôr mon-
struosa que não desabrocharia no aduJto si não tivesse po-
dido germinar livremente na alma da cn:ança ».
Bellissima verdade !
Quantos criminosos, ladrões ou assassinos, Lovelace,
Tullio Hermil, Caserio, Lucas da Feira ou Antonio Sil-
vino, João Silvestre ou J esuino Brilhante, não terão amal-
diçoado, ao penetrarem no carcere ou ao subirem os de-
graus do cadafalso, ao sentirem sumir-se para sempre a
luz do sol no antro infecto da masmorra ou a caricia das
mãos do carrasco ageitar-lhes o pescoço á luneta de gui-
lhotina, os paes que os abandonaram na estrada do mal,
o Estado que os não deteve ao primeiro escorrego no ele--
clive da vagabundagem ? ...
O quadro apavorante dos menores criminosos pro-
voca em todo o mundo uma .campanha benemerita visando
tres fins combinados e simultaneos:
a) a creação de tribmiaes especiaes para o seit julga-
mento;
b) a fundação de colonias especiaes para os menores
condemnados;
c) imia legislação especial, capa:;; de a111,parar os me-
nores citlpados, de salval-os, tendendo para a abolição das
penas.
Niceforo escreveu: «Escuta-se o grito ele alarma em
toda parte. Na Allemanha Aschrofr declarava que o em-
brutecimento das novas gerações é a primeira entre as ca-
lamidades sociaes, da qual forçoso é preoccuparem--se,
afim de evitar que apenas sabidos os meninos ela puber-
dade se convertam em inquilinos dos carceres. » E noutro
Jogar: «Ao abrir os volumes das estatísticas cnmmaes e
68

penitenciarias dos differentes paizes da Europa, fica-se


dolorosamente surprehendido contemplando a delinquencia
dos menores, sempre em continuo ·andamento.»
O Dr. Vargha, da Hungria, refere-se á « gigantesca
e ameaçadora proporção da delinquencia dos meninos».
Tarde, Joly, Dalifol, Olivecrona e tantos outros cri-
minalistas notaveis preoccupam-se com esse augmento de
crimes, qt;1e iceforo procura explicar « pelo caracter da
civilização moderna» (A transf armação do ·delicto, tra-
ducção hesp., pag. 62), e sobre o qual o grande Von Liszt
escreveu paginas admiraveis relativél:s á Allemanha ( Die
Kriminalitat der Jugendlichen). .
O certo é que, abstrahindo-se das causas do extranho
phenomeno, o phenomeno em si é de uma evidencia tal que
ninguem mais ousaria. contestal-o. A criminalidade in-
fantil (e eu abranjo nesta expressão os crimes commet-
tidos até os r6 annos) e a criminalidade dos menores até
21 annos, constituem uma realidade ameaçadora.
Os proprios congressos scientificos; as assembléas so-
cialistas, a imprensa doutrina,ria, tudo p1~éga a necessidade
de uma .reacção producente, capaz de soffrear esses im-
pulsos nas gerações de jovens, capaz de erguer um con-
traforte bastante resistente ao avanço dessa torrente que
se despenha tenebrosa na bacia dilatada dos crimes.
o Brasil, mal se organizam estatísticas, especial-
mente sobre a criminalidade. ·
Na Bahia, então, a falta desse serviço é palpavel;
sendo até deficientíssimo os dados demographo-sanitarios,
pois só abrangem a capital.
O Sr. Dr. J o~o Pedro dos Santos, quando exerceu,
com brilho, o cargo de .c hefe da segurança publica, pro-
curou, como o eminente Sr. Dr. Aurelino Leal, organizar
~ estatística criminal da Bahia.
Esse esforço muito -nobre perdeu-se inutilmente, ante
a má vontade de uns e a inepcia de muitos.
. 69

.
Sem estatisticas, porém, e apei;ias apoiados no notí-
ciario dos jornaes, os juristas podem attestar que o Brasil
não foge á dura rea)idade consignada quanto .aos paizes
estrangeiros. Aqui tambem a porcentagem de menores ac-
cusados ou condemnados é grande, com a aggravante de
. que as crises economicas ainda não chegaram a produzir
neste paiz a verdadeira fome que, na Europa, segundo o
depoimento de Liszt, eleva de modo brutal o coefficiente
dos delictos. (Op. cit.)
No norte do Brasil, escreveu o digno criminalista
patrio Sr. Chaves de Gusmão, «o banditismo é um ver-
dadeiro flagello, cujas consequencias para o nosso equi-
líbrio ethnico, moral e intellectual não se avalia com pre-
cisão, infelizmente. O crime nessa região campeia infrene » .
(O banditismo - 1914, pag. 52.) A impunidade entre nós
é uma triste verdade, e os membros dos tribunaes do jury
não tem a competencia necessaria para penetrar na trama
da maioria dos delictos praticados pelos adultos.
Imaginei:nos esse tribunal de sentença julgando um
menor de l 5 annos, indagando se, de acc6rdo com o codigo
patrio, 111n acc11sado de 12 an11os ag·i11 co111 o necessario
discernimento !
Imagine-se esse julgamento o que será quando, rela-
tivamente ao juiz que julga .os menores nos paizes de no-
víssima legislação penal, se . requer um amplo conheci-
mento da alma :infantil, uma vasta cpmpetencia em psy-
chologia e physiologia, em molestias · ment•es e nervosas !
Eis ahi está porque eu, aproveitando o ensejo do dis-
curso do Sr. presidente do Superior Tribunal de Justiça,
desejo pleitear do me ~mo passo as tres reformas seguintes:
a) modificação da legislação penal brasileira no que·
se refere aos menores;
b) creação de tribunaes espec1aes para o julgamento
destes;
70

c) construcção de colonias-rnodelo para o interna-


mento dos menores que se mostraretl.1 insubmissos ás me-
didas brandas da lei.
Não me preoccupàva apenas a reforma do nosso Co-
digo, preoccupava-me a reforma penal em toda parte.
Vendo-se quanto as mais cultas legislações estão atrazadas
do seu verdadeiro objectivo, ficaremos estarrecidos diante
da realidade de estar o nosso Codigo atrazado enorme-
mente de todas essas legislações.
«Vae por alguns annos, Ferri abordou, com o brilho
·de sua dialectica, o problema de reforma das penas. O que
·elle visava, de par com os mais eminentes criminalistas da
escola positiva, era imprimir ás . penas um caracter mais
Tacional -e humano, partindo do principio de que, se os
·crimes d~ um mesmo grupo são mais ou menos identicos,
·os criminosos variam extraordinariamente conforme a in-
·dole, a educação, o meio ambiente e a herança dos cara-
deres physiologicos e psychologicos de seus antepassados
·ou progenitores. » 1

Mostrando a desigualdade dos criminosos dentro da


f igura juridica de um mesmo crime, eu accrescentava:
« Dahi a nova fórmula preconizada pela sciencia
penal: - «para seres desigwaes, trata11iento desigual».
Já em r87r, Du Mesnil escrevia, num estudo notavel
( Régime et s3 stcine pe17iitenC'iaires), que « o detido é um
1

doente mais ou menos curavel na ordem moi·al, e por con-


sequencia é preciso applicar-lhe os grande·s principias da
arte medica : á diversidade de males oppôr a diversidade
de remedias». Ferri diz a mesma coisa por outras pa-
lavras: . -.- « apropria.ção das medidas defensivas ás cate-
gorias anthropologicas dos delinquentes». (Sociologia cri-
minal, trad. fr., pag. 574.) .
O conservantismo pernicioso insiste nas velhas praxes
dos codigos. O que ahi está é que serve.
71

· Os systemas penalogicos que herdámos dos nossos


maiores resumem toda a sapiencia humana.
Não lhe toquemos na estructura; elles constituem o
noz.i me tangere da sciencia penal'.
Entretanto, de todos os paizes proclamam, mau grado
esse aferro ás .velharias classicas: - A criminalidade
cresce! ...
Liszt, por exemplo, que é um gigante do pensamento,
confessou, quanto á Allemanha, que « o direito penal actual
é impotente contra a -criminalidade». (Politica crúninal.)
E', como bem disse Holtzendorff, «a bancarrota dos
systema:s penaes ·>.~ •
'Numa imagem felicissima, M. Larnaude dizia
numa das reuniões da Sociedade das prisões, de Pariz: -
«O direito criminal tradicional parece-me assemelhar-se a
um casco <le velho barco, ·no qual se vão abrindo numerosos
veios d'agua, qne se multiplicam e dilatam mais e mais, cada
dia, e que o vão submergindo pouco a pouco, não deixando
que se vejam delle, já, senão alguns mastros e cordas, á
espera de que o mar o trague definitivamente.»
Pergunto eu: - Se esta é a conclusão dos sabios
quanto aos delinquentes em geral, que dizer desse mesmo
systema penal applicado aos menores ? !
Que absolutamente não se justifica e deve ser modi-
ficado.
A reforma impõe-se.
Ella é, sob todos os aspectos, imperiosa, inevitavel.
Nosso Codigo não faz, aliás, distincçã,o de valor entre
os delinquentes menores, de nove annos ;;i.té 21, e os maiores,
de 21 em diante, senão que, até aos I4·annos, os que obrarem
sem « discernimento » não serão criminosos ( art. 27), e os
que obrarem com o tal discernimento « serão recolhidos aos
estabelecimentos disciplinares industriaes pelo tempo que
ao juiz parecer, comtanto qne o recolhimento não exceda a
idade de 17 annos». (Art. 30.)
72

E' tndo qt1e o Codigo diz; mas é muito pouco diante


das exigenci.as scientificas da escola positiva.
E eu escrevia:
«Entregue ao jury, inhabil e sempre incapaz, ,esta
questão do discernimento vale um poema .
Hugo Conti, discreteando sobre o assurnpto, mostrou
col110 esta investigação, mesmo admittida como feita por
homen competentes, especialistas, de nada serve, porque
« o conceito do discernimento não póde corresponder ao da
imputabilidade», dando a letra dos Codigos logar á appli-
ação de « verdadeiras penas, applicação em que a pena é
an"tes corruptora que corretiva » .
Conti preferia que a lei considerasse irresponsavel os
adolescentes a expô1-os a penaf) que, de meros delinquentes
de occàsião, transformam os menores em typos insen-
iveis, pelo babito da prisão e morte dos sentimentos affe-
ctivos e de sociabilidade que desabrocham n'alma precisa-
mente nessa época. ( Il problema dei ref ormatori.)
K ingnem, conhecedor do assumpto, fóra do terreno
arido elo conservantismo, ou das superficialidades, estra-
nhará que eu tenha chamado a mim a tarefa espinhosa e
difficil ele. prégar a reforma de nossa legislação penal, em
muitos pontos em flagrante antinomia com as novas affir-
mações das sciencias correlatas.
A tenclencia clara, manifesta, ele todas as novas legis-
lações em materia ele criminalidade de menores é a de pre-
ve11 ir o delicto e evitar que o menor culpado torne definiti~
v am~nt:e o caminho pelo qual enveredou por mero accidente
ou acaso da vida .
O systema penal que se lhes refira deve, pois, ser mais
pre'ventivo qt1e pwúti'uo. A sociedade, punindo os crimi-
nosos, visa hoje dois fins, accentuava eu; - dar um
exemplo e neutralizar a acção do individuo perigoso . Mas
está provado que, se de facto ella não póde de todo abrir
mão desse processo, o que cria elevar o crime á altura de
73

uma instituição lega_l, a pena absolutamente não concorre


para a diminuição do numero dos delictos, maxime quando
segrega o individuo da sociedade, do trabalho, e o isola
numa cellula tenebrosa.
No adulto, com a reflexão, com o desenvolvimento das
faculdades intellectuaes, com a experiencia da vida, com o
conhecimento das leis, e, o que mais é, - com maior fa- .
cilidade de domínio 5obre as paixões, a sociedade vê o de-
linquente tal qual elle é, salvo, é claro, nos casos em que
defeitos organicos, doenças dos nervos ou do cerebro,
tornam o proprio · adulto irresponsavel.
Mas os menores, dil-o a psychnlogia, não têm, mesmo
quando normaes, um funccionamento perfeito, a valvula
destinada a manter o equilíbrio das paixões e dos impulsos
naturaes.
Applicar, portanto, a estes as mesmas penas que visam
os homens feitos não será absurdo?
Prégar a simples melhoria . do apparelho penitenciario
não será falta de coragem para romper com o carrancismo
ele uma opinião publica que ainda se não apaixona pelos
grandes problemas sociaes?
Os leigos poderão, aliás, suppôr que eu desejo firmar
.a irresponsabilidade dos menores, dando-lhes, quiçá, ·carta
·branca púa o crime. Não. Esse dislate só o aconselharia o
anarchismo ou a ignorancia .
Quando me insurjo r:ontra o Codigo Penal, desejo sua
melhor adaptação ao espírito elo novo direito, pleiteio uma
classificação magnanima para os delinquentes, exijo, em
nome ela civilização, que se dê á pena um caracter mais pre-
ventivo que punitivo, e que, quanto aos menores, quando
não puder deixa'r de ser punitivo, seja essa punição adoçada
pela idéa de que o menor é um individuo ·de formação in-
coh1pleta, cabendo á sociedade, em seu proprio beneficio,
amparal-o na desventura, fortalecel-o, por um processo re-·
flectido de readaptação social.
74

Como resolver este problema?


Em nosso paiz tudo é diff icil, quando não é o poder
que o advoga. O que se não reveste de exterioridades espe-
lhantes quasi nunca vinga. Mas é por isto mesmo que a
campanha que sustento ~e impÕ'e a todos os homens da
sciencia, da publicidade e do governo .
E mostrava então eu como se resolveria o problema
reformando-se o Codigo, reformando-se o processo, crean-·
do-se os reformatorios-model0.
Admittida a idéa de ser reformado o Codigo Penal da
Republica, eu lembrava a conveniencia de terem-se em
conta os seguintes pontos capitaes:
a) Considerar os menores até 16 annos ir-
responsave1s .
b) Dos 16 aos 18 annos empregar medidas
educativas, ainda sem a preoccupação de punil-os.
e) Para os menores de 18 até 21 annos,
,determinar que o juiz tenha sempre em vista o
movel do crime, e tanto aqui como no que se refere
aos menores de 16 a 18, levar e1n consideração o
desenvolvimento intellectual e moral do accusado,
as influencias ancestraes, além dos seus prece-
dentes domesticos e dos daquelles que o formaram
e em CUJO me10 v1v1a.
d) Admittir para os menores, nos casos
em que fôr indispensavel, a pena de liberdade
fiscalizada, restricta pelo Estado de accôrdo com
a gravidade do caso ,e o caracter do accusado.
e) Retirar ao jury o julgamento dos me-.
nores, dando-o a juizes ou tribunaes especiaes, e
o patrio poder aos paes provadamente incapazes.
Ahi - as linhas geraes da reforma que eu preconiso.
As novas idéas, ligeiramente esboçadas nas linhas
acima, traduzem-se, na phrase de M. Ch. Collard, ma-
75

gistrado e jurista belga, «por uma dupla tendencia: atirar


o menor para fóra do Codigo Penal; obrar diante delle por
meio da educação, e não por meio da repressão». (L'insti-
tutfon et l' organ·isation des trib1,m aux speciaux pour en-
f ants.)
Os Estados Unidos guardam o titulo muito honroso de
nação iniciadora da reforma. Vae por IO annos apenas que
se opera a revolução juridica nos dominios· da menoridade
culposa, e já a Inglaterra, a Belgica, a Allemanha, a
França abraçaram a feliz e generosa iniciativa americana.
A propria Hungria votou, a 31 de março de 1913, a
lei que punha em execução . a reforma do Codigo Penal.
O .advogado veneziano Arrigo Bernau, estudando La
legge ungherese snl tribivnale dei 111.inori, regista a profunda
mqdif icação operada neste particular na legislação da
Hungria : - « In trent'anni, che al 1888 risale il codice
ungherese, il modo d·i considerare la delinquenza dé 111i-
nornni ha avuto te11ipo di mu,tare profandam.ente » ( Rev.
de Diritto e procedura penale . Anno IV, f. 12, pag. 747);
posto nesta ultima nação o legislador não tenha tido, como
nos Estados Unidos, a coragem indispensavel para romper
inteiramente com o passado .
Arrigo reconhece que a dita lei « ha perduto la disin-
voltura che possiedi in America, in Inghilterra e nel
Belgio », mantendo o defeito de haver « conservato le pene,
non osando passar sopra alle forme processuali che s'accom-
pagnano, alla loro .applicazione ». (Idem, pag. 752. )
Observo, porém, que o Codigo em questão muito se
distancia do nosso.
Se o crime de que se accusa o menor incide, quanto aos
maiores, na pena de morte, ou reclusão perpetua, o maximo
da pena que poderá cair sobre o menor é de IS annos. Se o
delicto importa em pena de reclusão a tempo determinado,
o max1mo será de ro annos . Nos outros casos, de cinco.
/
76

A abolição das penas não deve ser tomada, aliás, em


sentido absoluto.
Nos casos graves, naquelles em que o maior de r6 a
21 annos revela as caracteristicas de uma organização de
criminoso, cuja temibilidade é para preoccupar, a reclusão,
adoçada por processos educativos e em estabelecimentos
especiaes, será indispensavel. Nem ha contradição entre
e ta a:::.sertiva e a que ficou paginas atraz. Trata-se de uma
excepção imposta pela necessidade de acautelar a sociedade
contra os individuos instinctivamente inclinados para o
crime.
O que se deve adoptar para taes ca·sos é a pena indivi-
dualizada, e condicional, cabendo ao juiz acompanhar o
desenvolvimento elo i"ecluso, de modo a, se elle não prosegue
no seu pendor criminoso, regenerando-se, poder, auctori-
zaclo pela lei, transformar a pena de recluzão em pena de
liberdade restricta e fiscalizada . Reincidindo, o menor não
teria, então, outro caminho senão submetter-se a nova
prova mais severa.
O Codigo cercaria, em tal hypothese~ o menor de todas
as garantias contra o arhitrio do juiz, exigindo um inque-
rito especial, orientado sempre pela idéa de remissão do
culpado -e não de vingança social ou punição.
Vale a pena reproduzir aqui as conclusões do notavel
Congresso de Anthropologia Criminal, realizado em Turim
em maio de I906 :

I - « Para prevenir e para combater a cri-


minalidade juvenil será preciso tomar medidas de
prophylaxia e medidas penaes e penitenciarias que
sejam baseadas umas e outras sobre um mesmo
principio educativo.
II - Como medidas de prophylaxia será pre-
ciso:
77

a) o patronato na familia, na escola e no


aprendizado;
b) a privação judiciaria do exercicio do
patrio poder contra os paes indignos;
e) a collocação dos meninos sob a guarda de
famílias honradas, principalmente no campo;
d) o estabelecimento de casas de preservação
especial.
III - Para o tratamento penal e peniten-
ciari·o será preciso abandonar a distincção tradi-
cional segundo a fórma theorica do discernúnento,
e, pelo contrario, confiar ao juiz a faculdade de
escolher, com uma liberdade illimitada, segundo
as exigencias do caso individual, dentre uma serie
de medidas que, em seus traços geraes, são mode-
ladas sobre a disciplina domestica e que consis-
tirão em: a) admoestação; b) pequenas multas
impostas sobre o salario do proprio joven; e) in-
ternament<? de curta duração em um estabeleci-
mento pedagogico de disciplina; d) condemnação
condicional; e) collocação á disposição do go-
verno, para a educação systematica e profis-
sional, até a maioridade civil, em estabelecimentos
particulares ou familias, sob a vigilancia do Es-
tado, com liberdade condicional por experiencia.
IV-Todo tratamento dos jovens crimi-
noso~, como daquelles que correm o risco de se
tornarem taes, penal ou de preservação, deverá
ser ]_)recedido necessariamente de exames medico-
psychologicos do individuo, feitos depois de terem
~

toinado informações sobre sua ascendencia. Em


todo o tratamento a auctoridade dos medicos psy-
chologos deverá ser absolutamente reconhecida;
elles poderão ordenar, s.e fôr necessario, principal-
78

mente para os meninos assistidos, um tratamento


medico-pedagogico especial.
V - Sob o ponto de vista theorico, como
sob o ponto de vista pratico, o tratamento dos
_iovens criminosos poderá e deverá ser o proto-
t31po para o tratamento dos adultos.
VI- E' desejavel que o processo contra os
jovens criminosos tenha a menor publicidade pos-
sivel. »
Eis o que, ainda em ·r906, preconizavam os Ferri, os
Lombroso, os Van Hamel.

T'E.IBUNAE.S PARA MENOB.E.S

Falemos dos tribunaes para menores, dos quaes,


entre outros, se têm occupado, no Brasil, os Srs. Alfredo
Russell, Evaristo de Moraes, Edgard Costa, Alfredo Bal-
thazar da Silveira e, recentemente, no bem meditado es-
tudo A nova legislação da InfanC'ia, o Sr. Levy Carneiro.
Dada a significação que usualmente tem, entre nós, a
palavra tribunal, de assembléa de juizes, a muitos se afi-
gurará que eu desejo implantar na justiça deste paiz uma
nova serie ele assembléas numerosas, carissimas e de com-
plicado funccionamento.
Não se trata disto.
Tal como os têm organizado as nações mais cedo aper-
cebidas da gravidade do problema, que abordamos, esses
trilmnaes ca.receni apenas de mn jil'iz e dois auxiliares desti-
nados a colher· informações sobre a vida e costumes do
menor trazido a julgamento, ministrando-as ao magistrado.
Tribunal nos moldes dos que possuimos seria a negação
absoluta dos principias que presidem, nos Estados Unidos,
Belgica, Inglaterra, a salutar creação judiciaria.
O caracter principal desses tribunaes é a simplicidade.
79

Simplicidade na organização. Simplicidade nas praticas do


julgamento. Simplicidade na applicação das medidas de ca-
racter educativo ou coercitivo.
O que se viza nos tribunaes para menores é, antes de
tudo, a especialização de funcção do magistrado, e retirar
do julgamento todo o apparato capaz de ferir-lhes a ima-
ginação, de aguçar-lhes a vaidade.
Ora, um tribunal numeroso, além de fugir a essa im-
prescindível simplicidade, não poderia, sob pena de custar
sua manutenção as casas da India, ser con;tituido de va1:ios
juizes que só tivessem por missão julgar os menores trans-
viados do caminho do dever, da disciplina social ou da
ordem.
Tribunal numeroso equivaleria á morte da luminosa
creação . .
Basta um juiz para julgar. Mas esse juiz deve ser ex-
clusivamente um juiz para nienores; não deve, não póde
exercer outra funcção.
Se nas grandes cidades, ou nas regiões onde o coeffi-
ciente da criminalidade é mais elevado, se torna necessaria
a creação de varas especiaes do crime, tarnbem é imperioso
que se . designem juízes especiaes para o julgamento dós
menores. Taes juizes têm a missão espinhosa e difficilima
de se tornarem familiares com esse mundÇ> mysterioso e
. /
quiçá impenetravel que é a alma infantil. Cada qual delles 1

será um juiz calmo, amoravel, dedicado ao seu sacerdocio.


Juiz-pae, eis a expressão que melhor o deveria caracterizar.
Jada de affectações prejudiciaes. Nada de inquirições
publicas. Nada de accusação e de d~fesa.
O criterio adaptado é este: segregar o accusado do pu-
blico, principalmente dos outros menores. Não admittir,
senão ·em casos singulares, a accusação, que busca sempre
entenebrecer o quadro, augmentar a culpa do accusado,
nem a defesa, que, procurando attenuar a mesma culpa, po-
derá levar ao cerebro do menor a convicção de que o facto
80

delictuoso de que se faz do é uma ninharia, um nonada,


uma acção trivial, perdoavel, que elle poderá repetir á von-
tade, entregue ás suas paixões, sem receio de punição.
O juiz age como pae. E' o que diz o juiz Tuthil~ de
Chicago, atilado e eminente julgador de centenares de me-
nores accusados de faltas mais ou menos graves:
«Eu me tenho sempre esforçado ,por : agir em cada
caso como faria se tivesse diante de mim, no meu gabinete
de trahalho, no « home » familiar, meu proprio filho, ac-
cúsado de um delicto . »
Um.a senhora notavel, muito dedicada a estes estudos,
Mme. Carton de '\i\Tiart, escreveu que o juiz « deve ser um
homem firme, mas naturalmente sympathico, muito arguto;
é preciso que elle seja o que se chama em inglês a magnetic
personnality; deve estar muito a par das leis; é miter que
comprehenda as crianças e saiba captar-lhes a confiança».
Elle não poderia, entretanto, por si só, colher as infor-
mações indispensaveis ao conhecimento do accusado e da
falta que o trouxe ao tribunal.
Dahi a exigencia de dois servenfüarios que hão de
ser pessôas qualificadas e de contumes severos, para o ser-
viço de indagação e de instrucção dos varios casos submet-
ticlos á apreciação do juiz. Estes serventuarios, discretos e
sem alarde, deverão ouvir os paes do menor, parentes,
mestres, patrões, auctoridades locaes, de molde a habilitar
o magistrado ao julgamento.

OS MENORES E A Il! ALIA

E' conhecido o livro, publicado em Coimbra nos ul-


t imas· dias ele 1914, denominado Sentenças e critica juri-
dica, do Sr. Oliveira Guimarães.
O auctor não é um mero escriptor aferrado a theorias,
é juiz illustre, que ha «mais d~ trinta annos ao serviço da
'
81

-
magistratura judicial e do Ministerio Publico » estuda,
apprende no grande livro da experiencia, o que é o crime,
penetrando na alma do criminoso, e podendo falar, por isso
mesmo, com segurança, sobre as reformas penaes .
Ppis bem. Elle não quiz encerrar a compilação de suas
-sentenças ponderadas, sem prégar, quanto a Port~gal, «a
urgente necessidade de rever o Codigo Penal e de refundir,
por completo, os serviços prisionaes» .
Pergunta: « De onde vem a maioria dos criminosos? »
Não poderia ser outra a resposta: vem da infancia
abandonada ! - « Quantos foram primeiro vadios, crianças
lançadas ao monturo das ruas, e que o Estado só soube da
sua existencia quando de vadios se tornaram ladrões e as·-
sassinos? » ( Op. cit., pag. 384.)
Não exaggero, pois, sustentando que de todos os pontos
se levanta neste momento um clamor intensíssimo em prol
de taes reformas. Em fevereiro do anno que findou, Gio-
vanni Petraconni, juiz italiano, escrevia, num estudo sobre
1 niinorenn-i ed ü nuovo codice d1: proced11ra penale, palavras
cheias de verdade e profundo senso critico, e reconhecia
que não ha, do outro lado do Atlantico, é claro, « persona
mezzanamente coita che non abbia sentito dire qualche cosa
intorno ad esso ».
Elle se insurgia, então, contra o facto, sem duvida es-
tranhavel, de se deixar a Italia em pé de inferioridade na
materia, quando o certo é que o grande paiz latino se tem
avantajado a outros no desenvolvimento da sciencia do Di-
reito, cabendo-lhe a gloria de arauto da escola positiva.
Convém, entretanto, registrar que, se até essa data a
Italia não tinha estabelecido uma legislação especial para
menores, já o ministro Orlando havia designado uma com-
missão para redigir o projecto do Cod1ºgo dos 11ienores, com-
missão de que foi presidente o senador Oronzo Quarta.
6

82

A Italia não quiz precipitar-se num momento em que


juristas e congressos disc:ntiam o assumpto, allegou-se. Não
é que ella rejeitasse a inadiavel reforma, a instituição· de
tribunaes para menores, que, na phrase de Petracon:ni,
« hanno arrecato cozi benefici effetti nell'administrazione
della giustizia penale per i minorenni ».
Emquanto esperava o momento de fazer votar a dese-
jada lei, o governo italiano voltou suas vistas para o Codigo
elo Processo, e nelle consignou que, « se a lei auctoriza o
mandato ele prisão, mas o detido ainda não completou qua-
torze annos, póde ser determinado o seu asylamento num
reformatorio, ou a sua entrega a uma sociedade de assis-
tencia a menores ou a liberdade do carcere ». Esta dispo-
sição abrange o accusado que não foi precedentemente con-
clenmado por delicto. ( Art. 306.)
O art. 3 r 5 determina que contra o accusado que ainda
não completou quatorze annos não póde ser expedido man-
dato de prisão, podendo-se, porém, applicar-lhe qualquer
elos meios aconselhados no art. 306, part.e segunda.
O art. 324 estatue: - «Quando se v,enha a conhecer,
depois ela prisão, que o accusaclo não tem ainda quatorze
annos, o juiz instructor ou o pretor póde dar um. dos provi-
mentos indicados no pen ultimo cap. do art. · 306 », me-
dida que se amplia até os menores ele dezoito annos, se « in-
precendenza non sia mai stato condannato per clelitto ».
Além destas disposições, sem· duvida notaveis, os ar-
tigos 373 e 375 prescrevem não só uma excepção ao prin- ·
cipio da publicidade dos· debates 'como prohibem a entrada
na sala do julgamento a menores de r8 annos, determi-
nando, além disto, que aquelles indivíduos chamados como
testemunhas, peritos ou interpretes, se retirem logo que
não seja necessaria sua presença.
A Italia, pois, se não votou o seu « Codice dei mi-
norenni », estabeleceu no Codigo do Processo estes saluta-
res principies que constituem meio .caminho percorrido na
83

que entende com_a reforma que eu venho aconselhando


para o Brasil. ·
Ella comprehendeu que o futuro depende, negro ou
radiante, afortunado ou lugubre, nos dramas e tragedias
da criminalidade, das medidas de protecção e educação
dos menores postas em pratica pelas gerações actuaes.
Lucchini, o illustre Lucchini, na sua exposição feita
á Camara dos Deputados da Italia, em 1903, accentuou a
necessidade de se preoccupar a legislação mais com os
meios preventivos que com os repressivos. E escreveu:
«Diz-se que o .carcere é uma escola pratica e superior de
delinquencia, mesmo para os adultos; póde-se 1magmar
que coisa deve ser para os menores ».
E vamos ao Children Act, dos inglêses.

AS 1EIS INGLESAS

Cabe á severa nação inglesa, na Europa, a gloria de


não ter vacillado em romper com a tradição, que alli tanto
vale, para adaptar ás suas instituições a legislação ameri-
cana relativa aos menores. Tres leis importantes, perti-
nentes ao assumpto; foram alli publicadas no curto espaço
de tempo que se estende do dia 2r ele agosto de 1907 a
21 de dezembro de- 1908: Children Act, Probation of
Offenders Act e Prevent1:on of Crúne Act.
Dentro da sobriedade e parcimonia das leis inglesas,
esse numero de actos legislativos sobre menores basta ;para
evidenciar a importancia da questão que ellas abrangem.
Foi em 1905 que .·a cidade de -Manchester viu fone- .
cionar o primeiro tribunal inglês para crianças .
Dado o primeiro pas ~o, a instituição que acabava de
estreiar-se no seio da veneranda mdnarchia britannica
multiplicou-se por outras cidades do paiz, · até que foi
installado em Londres o primeiro tribunal para menores .
84

Visa a lei inglesa impedir que os menores sejam jul-


gados no fôro commum, dispõe que elles não entrarão,
quer antes, quer depois do julgamento, em contacto _com os
delinquentes adultos.
Só os empre:g ados do tribunal _(jiiv,enile court), as
pessôas que são parte no processo, seus procuradores,
advogados, e as que são directamente interessadas no caso,
podem assistir os debates . De estranhos, apenas é per-
mittida a presença dos que conseguem, em casos especiaes,
auctorização expressa da côrte julgadora .
A Inglaterra, fiel ao espirito liberal de suas in-
stituições, não pro.hibe a presença dos jornalistas na sala
dos debates; estes, porém, não publicam sobre as discus-
sões mais que um insignificante relato, evitando, quanto
possivel, estampar o nome do accusado.
Ahi, como nos Estados Unidos, ha os Children' s Pro-
bation officer,- delegados do poder publico, encarregados
de execer sobre os menores « uma especie de patronato ».
Cabe a estes serventuarios a funcção de visitar regu-
larmente as crianças sujeitas á fiscaliz'ação do Tribunal,
informando aos respectivos juizes, em' minuciosos rela-
torios, sobre o procedimento de cada qual.
A legislação nesse grande paiz · cercou as crianças
e mel'lores de todas as garantias. Basta dizer que, por
certas medidas inflexivelmente executadas (Preven-
tion of cruelt31 to children and yoiing persons), ella res-
guarda o individuo desde o berço, punindo a suffocação,
e estrangulamento dos innocentes, punindo não só os
que fornecem alcool aos menores, os que os impedem de
trabalhar e apprender, os que os fazem esmolar ou vaga-
bundear, como tambem, contemplando os menores viciados ,
no fumar (Juvenile smoking) castiga os que lhes vendem
fumo, confiscando ainda este producto ás mãos do ven-
dedor.
E' claro que uma nação em cuja sociedade tanto se
85

preza a sorte das cria~ças, e cujo governo rivaliza com as


numerosas associações particulares na solicitude· dispen-
sada á causa das novas gerações, não poderia sotopôr a
outras questões essa dos tribunaes, que espero ver ainda
em funccionamento no Brasil.
Alli, o apparelho educativo e correctivo é completa.
Com as suas reformatar')! and inditstrial schools, a Ingla-
terra vae operando milagres. A criminalidade tem dimi-
nuído visivelmente no seu· territorio. Vigiando os menores,
retirando-os dos ambientes nocivos em que formavam o
caracter, obrigando-os ao estudo e ao trabalho, punindo os
paes desidiosos ou responsaveis, reprimindo a vagabun-
dagem, · o governo inglês tem feito baixar o número dos
seus juvenile offenders e - consequentemente - o dos cri-
minosos em geral.
Eis porque o Sr. Oliveira Guimarães escreveu:
«A Inglaterra dispende milhares de contos com estes
serviços, preventivos e prisionaes, mas póde com ufania
orgulhar-se de que a sua criminalidade tem baixado extra-
ordinariamente.
Todas as nações cultas estão dedicando a estes ser-
viços os seus maiores cuidados, sem se prenderem em de-
masia corri a ·questão de dinheiro .
Sim, o -crime é uma doença social que tem remedia.
E' um erro sustentar que se não 'pÓde diminuir o nu-
mero de crimes .
Póde-se, e ahi está a Inglaterra para victoriosamente
o attestar.
Garofalo, no seu livro Su,perstição do Socialismo, as-
severa que nesta nação ha de tal .fórma diminuído a cri-
minalidade que nestes ultimas vinte annos foram fechadas
seis prisões». ( Op. cit., pag. 385 . )
Este resultado, admiravel e brilhante, a Inglaterra
conseguiu-o pela fórma de seus processos penaes, dos seus
systemas prisionaes e pelas medidas educativas e corre-
86

ctivas com que resguarda, ampara e protege no seu terri-


torio os menores e as crianças . Enfretanto, no periodo da
guerra o augmento da criminalidade infantil na Inglaterra
foi extraordinario, passando o numero de menores levados
ás juven'Íle co1,wts de 37 . 520, em I9I 3, a 5 I. 323 em 1917,
para cahir depois da guerra, em 1923, a 30.253 . (Interna- -
tional Record, junho de 1923) .
No seu recentíssimo trabalho, o Sr. Levy Carneiro
accentúa que a orientação inglesa é a de tirar aos tribunaes
de menores qualquer feição penal e de nomear para
elles mulheres e homens «experimentados no trato de
crianças » .
O augmento da criminalidade durante a guerra é per-
feitamente logico, pois a maioria dos paes deixou os fi-
lhos sem sujeição. Mas o elogio dos tribunaes de que tra-
tamos é feito pela queda espantosa dessa criminalidade
para um ni vel inferior ao de I 9 I 3 em cerca de 20 º \º nas
suas esta tisticas

AS 1EIS A11EMÃS
O Dr. Collard, substituto do procurador do Rei em
Louvain, nessa estupenda Belgica sacrificada pelo impe-
rialismo germanico, dá-nos um apanhado magnifico da
evolução do instincto jurídico, de que tanto cabedal fa-
zemos, na Allemanha. Ha vinte e cinco annos que no extin-
cto imperio do Rheno a idéa de uma legislação á parte para
menores começára a ser debatida. «La question du traite-
ment pénal des jeunes déhnqu:ants se posaü, d11t reste,
impéri·e nsement de/mis r88o, au lendemain de la publfra-
tion de la statist?:que criminelle. »
O terreno para a victoria da reforma penal, em torno
daquelles que medeiam da ·completa irresponsabilidade para
a responsabilidade legal, foi preparado com enthusiasmo.
Em 1891 e 1893, Appelius, em nome da União Inter-
nacional de Di1·eito Penal, em Halle e Berlim, apresentando
87

conclusões interessantes; o renhido prélio scientifico da


Associação dos Juristàs Allemães, em 1902-1904; - os
debates da Sociedade das Prisões, da Prussia Rhenana e
da Westphalia, em 1899-1900, tinham desbravado o arido
terreno em que só têm viço os preconceitos .
Não· se tratava, é bem verdade, dos tribunaes para
menores; visava-se, porém, reformar o Codigo Penal, o
Processo e a execução das penas .
Effectivada a creação americana, iniciaram-se na Al-
lemanha as tentativas para o estabelecimento desses tri-
bunaes, hoje alli organizados e aperfeiçoados como soem
ser todas as intituições adaptadas á cultura e á disciplina
germa111cas .
Kohne, em 1905, submettia á sociedade juridica de
Berlim o primeiro projecto de creação de tribunaes para
menores. Não vingou ! Os allemães accusaram ele auda-
ciosa a tentativa, inquinaram-n'a de «muito pouco al_lemã
e muito americana».
Só mais tarde a impressão profunda produzida pelo
livro de Barreither e pelas revelações feitas nos Congres-
sos de Protecção á Infancia em Berlim ·e Vienna, conse-
guiu desobstruir por uma vez o canal pelo qual deveria sin-
grar victoriosa a idéa dos tribunaes para menores, então
defendida e preconizada pelas revistas, congressos, cri-
minalistas, philantropos e sociologos.
A lº de janeiro de 1907 apparece o primeiro tribunal
desse genero na Allemanha .
Colonia é a cidade que então liga seu nome á reforma.
Seguem-se varias cidades da Prussia, da Baviera, de
Saxe, de Hesse e do W urtemberg.
Paiz arrojado no's seus commettimentos, a Allemanha·
não careceu de refundir e modificar o Codigo Penal para
introduzir os tribunaes para menores, - fel-o por via admi-
nistrativa, «no quadro do direito existente».
'88

« II n'a pas fallu modifier la législation, escreve Col-


lard, pour introduire pareille reforme; il a suffi de spé-
cialiser le tribunal des échevins, qui juge, au criminel, la
majorité des mineurs -traduits en justice, et de réunir,
dans les mains du juge pour enfants, les pouvoirs du juge
de tutelle et du juge pénal. » (Les tribunaux speciaux pour
enfants . )
Na Allemanha encontram-se hoje dois typos. de tribu-
naes, o de Francfort e o de Colonia ou Hamel. Num, «um
só -juiz de tutela preenche as funcções de juiz para me-
nores»; noutro, todos os juizes de tutela dos tribunaes
ordinarios são juizes de menores. Aqui, pois, nãÓ ha es-
pecialização de funcções, o que julgo indispensavel para
o bom exito da reforma .
As sessões dos tribunaes são publicas; apenas, com o
fim de evitar o mais possível a curiosidade publica, estas .
reuniões realizam-se em salas acanhadas, destinadas ás
quer.ellas civis.
A )ei allemã retira, como as demais, todo o apparato
ao julgamento. O juiz nem siquer enverga a toga. Nada
de banco de réus. O magistrado fala ao menor vagabundo
ou ladrão em tom amoravel, numa linguagem paternal.
Auxiliados pelas associações de patronato e de pro-
tecção á infancia, cujo membros podem tomar a defesa
dos menores e em alguns tribunaes se sentam ao lado dos
magistrados, associações conhecidas por Jugenge-richthiffe,
os . juizes allemães têm conseguido aprecia veis resultados.
A _organização dos tribunaes allemães repousa sobr~ a
« especialização de uma jurisdicção de direito commum para
julgar os menores com juiz especial »; sobre a união nas
·mãos do juiz dos poderes do juiz de tutela e do juiz penal,
e sobre' a .:cooperação das sociedades de protecção á infan-
cia na obra do tribunal, visando a liberdade vigiada para os
jovens delinquentes.
89

Eis a reforma, de caracter administrativo, operada na


Allemanha.
Ella ainda não satisfaz.
Exige-se a reforma da propria legislação penal. E do
que se tem feito seguindo a pista desse alto commettimento
forçoso é falar, para que incompleto não fique este resumo
desalinhado que venho fazendo da legislação relativa a
menores, nos pa1zes europeus.
Do que escrevi, deduz-se que a AUemanha havia dado
um bello passo, rompendo com a rotina, em materia de
julgamento · de menores . . Ficára, porém, jungida á re-
forma administrativa, quando o que se exije é um.a lei es-
pecial, semelhante á inglesa. ou americana, livre, desem-
peçada, sem timidez, disposta a sobrancear todo o campo,
deitando por terra a velharia classica.
De extranhar era a resistencia do legislativo na es-
pecie, em vista dos interesses manifestados pelos mais altos
juristas allemães, quer no Congresso de Berlim ( l 5 a 17
de março de l 909), quer no de M unich ( 29 de setembro a
I de outubro de 19 ro), pugnando pela implantação dos
tribunaes para menores, tal devem ser no systema judi-
ciaria do culto paiz.
A nação germanica limitou-se, no segundo passo para
o ideal da refoána, a votar dois projectos ele lei, um ele or-
ganização judiciaria, outro modificando o processo penal. ·· -
Eis o que se consigna ·no Codigo do Processo crimi-
nal allemão, quanto aos menores de dezoito annos de
idade: - Evitar, tanto quanto possível, a comparencia de
um rapaz diante dos tribunaes, afim de impedir os effei-
tos desmoralizadores resultantes do contacto com a jus-
tiça. A justiça só proseguirá num processo ~ontra esses
menores no caso do interesse publico absolutamente exigir
a punição.
Admitte o Codigo a l1:berdade vigiada, que será de-
terminada pelo juiz de tutela . - Se o interesse collectivo
exige que o processo vá adiante, elle será regulado de modo
90

«a assegurar a protecção devida á juventude». Aqui, a


prisão preventiva é suppressa em principio, «mas o pro-
curador póde, por medida de precaução, internar o incul-
pado numa casa de educação, collocal-o sob a guarda de
urna familia, ou mesmo confial-o á vigilancia do repre-
sentante legal do menor » . Mais ainda: - o joven accusado
deverá ·ter sempre um advogado, e, na falta deste, nos ne-
gocios de pequeno vulto, será defendido por um conselho,
um membro de sociedade de patronato ou por alguern que
acceite esta funcção. A lei allernã prescreve tambern que as
mulheres podem preencher semelhante funcção, o que é
para louvar, pois nas reservas de amor do coração femi-
nino a justiça deve encontrar um dos melhores sustenta-
culos das leis de redempção dós jovens delinquentes .
As j11ivenile courts americanas têm alcançado tão
grandes resultados porque se apoiam principalmente nas
associações de mulheres.
O Codigo do Processo Penal estabelece, ainda, que as
questões .que envolvem menores sejam tratadas separada-
mente das dos adultos, mesmo quando uns e outros se apre-
sentam partes no mesmo processo.
O interessante, porém, é que, mesmo nesse Codigo, os
allernães puzerarn a sábia deliberação _seguinte: - «Se,
após os debates, escreve - Collard, o tribunal reconhece o
·· joven a:ccusado corno realmente culpado do acto delictuoso
de que se o incrimina; mas, se, diante da.natureza desse acto,
do caracter do joven delinquente e sua conducta anterior,
considera como sufficiente substituir urna pena por medida
de educação, e de reforma, o tribunal deve, por um edicto,
suspender o processo. ·
E neste caso torna as medidas necessarias.
Ernf irn, tal codigo determina que só se fará uso das
condernnações propriamente dietas nos casos em que de
forma alguma seja possível esperar o successo de medidas
educativas.
91

A reforma judiciaria auctoriza a justiça regional a


formar, quando convier, e retirado elos tribunaes orcli-
narios, _um conselho especial destinado ao julgamento dos
menores ele 18 annos, sendo, mais, facultativo ao tribunal
decretar que toda sessão ou parte della se realize a portas
fechadas. Até a data da publicação elo estudo que compul-
sei quanto á Allemanha nada mais havia sobre legislação
de menor;es. Mas depois dessa data o parlamento allemão
tem cogitado sériamente elos meios ele prevenir a criminali-
dade, o mau cinematographo como factor clella, e prohibindo,
por isso, ás crianças a frequencia a taes espectaculos, salvo
auctorização especial ela policia.
Apura-se, do exposto, que o formiclavel paiz não se
deixou ficar em ,pé de grande inf erioriclacle; apenas ainda
não quiz . tentar uma reforma completa, segura, unifi-
cando semelhante legislação. Diz póde crear onde devia
dizer - devem crear on fica111. estabeleC'idos os tribunaes
para menores. Tambem não ampliou elo primeiro passo
essa auctorização quanto aos centros ele população menos
condensada que as grandes cidades.
Dahi o proseguir a campanha elos pioneiros illustres
ela grande icléa, na Allemanha, conf essanclo eu não co-
nhecer o que alli porventura se haja feito depois ela grande
guerra.

AS 1EIS :SE.1QAS E :FRANCESAS

Feita esta synthese ele legislação allernã, passava eu


á belga e á francesa, de que mais approximaclos sempre
estivemos . Recordava, assim, que duas leis importantís-
simas haviam sido votadas em 1912: a lei de 22 ele julho,
s1w les Tribu1iau.,.. pour enfants et adolescents, et sur la
liberté s11rveillée, na França; e a lei sur la protection de
l' enfance de l 5 ele maio, na Belgica; a primeira compon-
do-se de tres titulos, varios paragraphos e vinte e oito
92

artigos; a segunda, de tres capítulos vanos paragraphos


e sessenta e cinco artigos.
São, como se evidencia das datas, leis muito recentes,
pois logo em 1914 surgiu a guerra e esses paizes tiverain
problemas ele maior urgencia para resolver.
Qual clellas estaria mais ele accôrclo com as novas dou-
trinas penalogicas?
Entendo, com Bernau Arrigo, no seu estudo La difesa
sociale contra la delinquen.za in rapporto ai 1ninorenni, que
a francesa se resentia de falhas que a belga não tinha, sendo
esta muito mais vasta e mais de accôrdo com os princípios
s.cientificos que a sua congenere, organizada alli a dois
passos de distancia.
A escolha do juiz constitue uma questão muito séria,
a meu ver; da especialização do magistrado que . deve
cuidar elos menores depende o bom exito da refprma. Em
quanto a Belgica escolhia o juiz unico, profissional, posto
sem de todo especializar-lhe a carreira, natul'almente por
economia, a França conservou o juiz collegial, na fórma
ele « camara ele conselho » do Tribunal Civil, para os meno-
res ele l 3 annos, e as camaras especiaes do tribunal cor-
reccional para os menores ele 13 a 16 annos, accusaclos ele
clelictos.
Demais disto, a reforma na França, muito aferrada
ao velho Cocligo; conservou a clistincção entre discerni-
mento e não discernimento, da qual já se havia occupado
ironicamente nosso grande Tobias, no 111 enores e loucos;
conservou para ós menores até 16 annos a pena diminuta.
A_ lei belga, mais .arrojada, mais scientifica e humana,
está em harmonia com as regras e praticas anglo-ameri-
canas. Nesta todos os signaes da pena desapparecem para
os menores até 16 annos. E' a victoria da nova doutrina
em todo o seu brilho.
Derrocado o celeberrimo discernimento, a lei belga,
« piú audace », na expressão de Bernau, dá a todos os me-
93

nores até a idade de 16 annos o tratamento tutelar e edu-


cativo, seja qual fôr a accusação que sobre elles pese,
O proprio capitulo que trata Des 111esnres à pre11dre à
l'égard des 111úiezvrs trad1úts en justice, tira todo o cara-
cter de juiz criminal áquelles que o soberano designa para
julgar os menores até 18 annos . O art. l l da lei belga
diz textualmente :
« O Rei designa de cada tribunal de primeira
instancia, um magistrado que, com a assistencia
no Ministerio Publico é encarregado do julga-
mento dos menores conforme as distincções es-
tabelecidas aqui adiante .
Bste 11iagistrado toma o nonie de juiz das
crianças (jitge des enfants), é nomeado pelo
prazo de tres annos . Seu mandato é renovavel . »
No artigo l 3, a mesma lei escreve :
« O juiz das crianças toma, em face dos me-
nores que comparecem diante delle, medidas de
protecção, educação e preservação.»
O parlamento francês não imprimiu á lei de 22 de
julho esse caracter liberal da belga.
Restringiu bastante o conceito elos tribunaes para
menores, além dos que não teve a coragem necessaria para
romper com o tal discernimento, do qual, commentando a
legislação respectiva, até l9ro, o eminente Georges Vidat
dizia: « A lei não define o discernimento. Dahi differentes
interpretações sobre o sentido, importante a fixar, desta
palavra.» E logo adiante: «A fórmula do discernimento
empregada pela lei tem o grande inconveniente de ser vaga
e de prestar-se a interpretações diversas. Por outro lado,
na pratica, a S?lução da questão do discernimento pelos
juízes, para cada menor levado a sua presença, é muit0
difficil e muito delicada, sempre incerta e baseada sobre
malícia precoce ( maht1'a s'/tpplet aetatem) ) na execução do
94

acto ou na aucliencia. ( Cours de Droit Criminel, pag. 221


e seguintes.)
Tudo indicava que, votando em 1922 a reforma a que
venho ~ alludindo, a França desprezaria a questão elo dis-
cernimento . Grande é a auctoridade dos que fizeram alli
a lei de julho; mas eu prefiro transplantar a lei belga para
o Brasil, além 'do mais, por não cogitar dessa questão, dif-
ficillima para um magistrado competente e positivamente
impraticavel nos tribunaes do jury.
Proseguindo nas minhas investigações, eu accrescen-
ta va : O estudo da legislação francesa relativa aos menores
daria, tão abundante ella é nas reformas tentadas ou pra-
ticadas, para urna dissertação muito vasta . Não comporta
este estudo, feito como obra de propaganda e de philan-
tropia. uma devassa completa no mecanismo educativo,
correccional ou de punição, entre cujas molas se aperta a
delinquencia infantil.
Tres textos legislativos foram utilizados em proveito
do menores, na França : o art. 66 do Codigo Penal, a lei
de 19 de abril de 1898, arts. 4 e S; - a lei de S ele agosto
de 1850, art. 9.
Em torno destes dispositivos legaes é que o parla-
mento vem armando o edifício a que se devem abrigar
todos aquelles a quem o vicio e o crime arrebataram, até os
18 annos de idade. O Codigo só admittia a remessa do
joven accusado aos paes, de posse do patrio poder, ou,
e merecedores de punição, a uma casa correcional.
Faltava-lhe a solução inte~·mediaria.
\ lei de 1889 procurava sanar em parte a falta do
Codigo . Coube a Theophilo Roussel a honra de apresen-
tai-a . Elia retirava o patrio poder aos paes culpados ou in-
digno , e confiava os filhos em perigo moral a terceiros
ou á A sistencia Publica.
K este particular, porém, « as fórmas estabelecidas por
e ta lei eram lentas e complicadas », e excessivas, muita
95

vez, nos seus effeitos quanto á retirada do patrio poder.


( G . Vidal, Droit Criniinel-111inorité. )
A lei de 19 de abril, publicada nove annos depois,
assignalou uma victoria mais notavel sobre o Codigo. E'
a Loi sur la repression des violences, 7.101ºes de fait, actes
de cruauté et attentats commis envers les enfants.
Como . se sabe, esta lei foi provocada pelo clamor
publico, após a verificação de innumeros casos em que as
crianças soff riam verdadeiros martyrios (e quantas entre
nós padecem tormentos . ás mãos de paes ébrios ou estu-
pidos, patrões desalmados e mestres de officio positivamen-
te selvagens ! . .. ) , e visava a reforma dos arts. 312, 349 e
353 do Codigo Penal.
Em meio a discussão, porém, Beranger fez passar
uma « disposição addicional » collimando a reforma porque
neste momento me empenho no Brasil: - ella abrange o
art. 66 do Codigo, modificando seriamente o que até alli
havia sobre julgamento dos menores, dando notaveis po-
deres aos juizes de instrucção e aos tribunaes.
Esta lei operou uma verdadeira revolução no systema
penalogico da França relativamente aos menores. Deu ao
juiz o direito de optar pela remessa do joven accusado
aos paes investidos do patrio poder, pela remessa ás casas
de correcção ou a parentes não investidos do patrio poder,
pessôas estranhas, instituições de caridade, e ainda á Ad-
ministração da Assistencia Publica; organizou um pro-
cesso simples e rapido de esclarecer os juizes, por meio da
collocação provisoria do menor em observação, e permittiu
a organização, para os menores condemnados, de um ser-
viço effectivo de patronato.
Em 1901, nova lei foi votada, desta vez estabelecendo
uma sancção penal contra os paes e mães que «entravam
a execução das leis de 1889 e 1898 » ·.
Em todos estes dispositivos de lei, os competentes
apontam falhas que a outra lei, a de 1912, não corngm
de todo.
96

Havia, comtudo, a ·França dado um grande passo. A


propaganda surtia na grande metropole latina o mesmo
exito que nos povos angfo-saxons e germanicos. A liber-
dade vigiada, a correcção subsidiaria e condicional, e de-
mais innovações a que alludi, elevam extraordinariamente
a legislação fancesa no particular do julgamento dos me-
nores.
A liberdade vigiada só era, todavia, realidade.
n'alguns centros de alta cultura e grande população. Pra-
ticavam-n'a: Paris, sob a iniciativa de Henri Rollet, dire-
ctor do patronato da adolescencia; Marselha, sob · os
cuidados de Vidal N aquet, presidente do Comité de defesa
das crianças levadas ao tribunal; Tolosa, sob os auspicios
de Georges Vidal, da Sociedade de Patronato e Assistencia
pelo trabalho, secretario do eowiité de defesa das crianças
culpadas, todos obedecendo aos principios da legislação
vigente.
Não se cuidara, porém, dos tribunaes para menores, e
ahi é que está a condição primacial da reforma.
Coube a M. J uilhiet a honra da primeira conferencia,
realizada na França, sobre os tribunaes para menores, que
elle estudára largamente nos Estados Unidos . Justiça é,
porém, salientar que desde 1895, quatro annos antes dos
~stados Unidos, a França fizera, sob a iniciativa de M.
Rollet, um arremedo de tribunal deste genero, no tribunal
do Sena. Igualmente Monier, notavel procurador da Re-
publica, e Millard, ministro da Justiça, cuidaram do pro-
blema .
Constituíam, estas varias leis, meras tentativas iso-
ladas, reduziam-se apenas a silhares depositados para a
proxima construcção, como veremos no desdobrar destes
commentarios.
A propaganda pro seguia, animada por essa viva fé
que impulsiona, fortalece e conduz as grandes idéas. Pré-
gava-se a reforma. O juiz Abanel, po1:ém, entendia que,
97

como se deu na A llemanha, ter-se-iam em França os tri-


bunaes para menores por via administrativa. E expunha
que, para o conseguü·, bastaria uma circular ou decreto do
governo determinando a designação de uma camara cor-
reccional nas grandes cidades, onde seriam julgados os me-
nores de r8 annos, e a instituição ele aucliencias especiali-
zada·s em todos os tribunaes, além de outras medidas, como
a observação do joven delinquente e a suspensão do julga-
mento por certo tempo, de modo a permittir maior segu-
rança no .iulgamento definitivo.
Essa opinião não satisfazia, e a obra legislativa con-
tinuou, embora timida e lenta.
Não cabe nos estreitos moldes destes capítulos uma
synthese bem feita do trabalho legislativo que antecedeu á
lei de 22 de julho de r9r2; cumpre-me, todavia, lembrar,
com elle, os projectos e estudos de M. Grimanelli e seus
companheiros do conselho superior das prisões de Paris
(1908-1909), e destacar Mr. Drelon (r907), Paul Descha-
nel ( 1909), Maurice Viollette ( r9ro), novamente Drelon
em r9ro, até Mr. Ferdinancl Dreifus ( 1912).
Estes ultimas projectos construiam systemas um tanto
approximados do aÍ11ericano· ou do inglês. Mas estavam
longe de os igualar no espírito liberal e na ampla perspe-
ctiva de seus Codigos da Infancia, como aconteceu á pro-
pria lei de 22 de julho, a qual, mantendo a velharia do
discernimento para os menores ele 13 a 18 annos, e con-
servando outras disposições, apresentadas, conforme bem
disse o jurista veneziano Bernau, adiantou sob este ponto
ele vista muito pouca cousa. (La d1fesa sociale contra la
delinquenza úi rap porto a1: 11únorenni.) Como de facto,
compulsando-se a citada lei, encontra-se ainda uma dispo-
sição como esta:
« S'il est décidé qu'un mineur de plus ele
treize ans a agi avec discernement, les peines
seront prononcées ainsi qu'il suit: - S'il a enr
7

.
·'

98

couru la pr·eine de mort, des travaux forcés à per-


pétuité, de la deportation, il sera condamné à la
peine de dix a vingt ans d'emprisonnement dans
une colonie correctionelle. S'il a encouru la peine
des travaux forcés à temps, de la clétention ou de
la réclusion, il sera condamné à être enf ermé dans
une colonie correctionelle par un temps égal au
tiers au moins et à la moitié au plus de celui pour
lequel il aurait pu être condamné à l'une de ces
peines .» (Loi de 22 Jw:Uet 1912, art. 26.)

E assim por diante. De soi·te que a lei francesa man-


tinha as penas para os menores de. 13 a 16 annos, que ti-
vessem agido com discernimentp, elevando-as até 20 annos
ele prisão ! Ao contrario ela lei belga de l 5 ele maio elo
mesmo armo, que aboliu a pena para os menores até 16
annos, deixando-a, quanto aos de 16 a 18, a criterio do
juiz, mas sempre adoçada. Fóra dessa revivescencia do
antigo espírito penal, a lei francesa prescrevia as grandes
medidas que propugnamos.
Ella começava por deterrpinar que « le minem· de l'un
ou de l'autre sexe, ele moins ele treize ans, auquel est im-
putée une infraction à la loi pénale, qualifiée crime ou clélit,
n'est pas déféré à la juridiction répressive » ( Art . !°), e
ahi mesmo ·estabelecia que as decisões tomadas pelo tri-
bunal não seriam inscriptas no cadastro judiciaria.
Cercava o menor delinquente de todas as garantias no
i:>rocess?, prohibia as sessões publicas das camaras crimi-
naes que o tivessem de julgar, mandava que se o entregasse
á vigilancia dos paes ou associações, em certos casos, admit-
tia o recurso contra as decisões do tribunal ( Art. 9°), e esta-
belecia a liberdade vigiada. ( Arts. 20 a 28. )
O passo mais difficil estava dado. O resto viria em
breve, escrevia ·eu. A lei francesa, em face da americana ou
da inglesa, é uma lei que não satisfaz ainda porque não am-

;r.
99

pliou o dispositivo de seu artigo rº aos menores até r6 annos,


porque deixou suspensa sobre estes a espada terrivel do
discernimento, impossivel muita vez de verificar, ou im-
possivel sempre, porquanto um menor de 13, 14 ou 15
annos jamais J)Oderá ter esse discernimento de que ella
tanto cabedal faz, numa época em que se proclama por toda
a parte o fracasso do livre ar bitrio.
Digamos com Dorado: - «Los delitos deben ser
castigados. Asilo pide la justicia y asilo reclama también
una cierta imprescindible exigencia de simetría moral que
cada hombre siendo dentro de sí mismo.» (Bases para itn
11 uev o derecho penal, pag. 56.)

Mas .digamos tambem com elle que « un sistema p·enal


congruente con las modernas concepciones filosóficas y
sociológicas, con las concepciones derivadas del natura-
lismo causalista, no puede menos de partir de la consiclera-
ción clel delincuente como un individuo débil, débil de cuerpo
ó ele espíritu, ó de ambos casos, y, por tal motivo, necesitado
de fortalecimiento y ayuda ». ( Op. cit., pag. 76.)
A lei francesa, se bem que muito adiantada, recusava
todavia a sua iljuda aos menores de 13 a 16 annos, con-
servando para elles a pena de prisão correccional até 20
annos.
Minha previsão não falhou: a lei de 22 de fevereiro de
1921 veio completar e melhorar em muitos de seus pontos
a de 1912. Quanto á primeira, que subsiste com as modifi.·
cações da ultima, eu recommendo a V . Ex. o recente·
tr~balho de miss Chloe Owings, Le Tribunal pour enfants,
que o auctorizado juiz Henri Rollet considera o mais com-
pleto, imparcial e sincero que já se publiCou sobre a materia.
10@

AS 1EIS AMERICANAS

1\fas a Arnerica do Norte era, já áquella época, a mais


adiantada das nações nesta materia, porque, dispondo de
largos recursos materiaes, costumava entregar-se com
animo resoluto a todas as experimentações de caracter
sociologico e politico .
Dorado, de quem nós temos repetidamente soccorrido,
occupando-se dos tribunaes para menores, ·escreveu que -
« mientras nosostros andamos anos buscando el camino
recto que debe conducir al tratamiento racional de los de-
lincuentes, los yanquis los vienen recorriendo tiempo ha,
con sus reformatorios, sentencia indeterminada, etc.»
(Bases para un n11evo derecho penal, pag. 167.)
E' que o americanos do Norte, libertos, desde as
origens, das funestas lutas que dividiram e empobreceram
estas regiões sul-americanas, cedo comprehenderam a ne-
cessidade de cuidar da sua organização moral, que tem nas
novas gerações o plasma essencial.
Cousa semelhante poder-se-á registar entre a França
e a Inglaterra. O mesmo escriptor conta que Ribot, inau-
gurando, ha um bom par de annos, seu curso de psycholo-
gia na Soborna, affirmara: - « Emquanto nós outros, os
latinos, passamos o tempo a discutir o methodo de fazer a
psychologia, os ingleses nol-a deram feita.»
Afigura-se-nos muita vez que a civilização norte-ame-
ricana serve de paradigma á nossa, e todavia a verdade é
. que as suas reforma s pouco têm influido entre nós. Pelo
menos, esta é a verdade no que se prende á criminalidade
juvenil. J á não ha memoria do anno em que os Estados
Unidos entraram resolutamente na solução deste problema,
e nós ainda nos encontramos na faze da propaganda, á es-
pera de que os governos, ou melhor, o Congresso, materia-
lize tantas aspirações, já realidade na maioria dos paizes
cultos.
'101

« A historia dos tribunaes juvenis é curta, escreveu o


professor Co11ard em 191 r. O mais antigo dentre estes, o de
Chicago, é de l ele julho ele 1899. Conquistaram mais
tarde todo o immenso 'territorio elos Estados Unidos. Por
toda parte triumpharam ela rotina elo mesmo modo: pri-
meiro, uma iniciativa que põe em movimento os clubs fe-
mininos e o fôro; depois, um estudo detalhado da questão;
em seguida, uma tampanha ele opinião publica e, emfim, a
campanha politica. » ( Les tribitnait.x speciait.x poitr en-
fants, Louvain, pag . 2.)
A base da reforma deve estar, Senhor Ministro, neste
principio pelo qual sempre me bati: - NENHUM MENOR
DE r6 ANNOS SERÁ CONSIDERADO OU 'rRATADO COMO CRl-
lVIINOSO.
Quanto ao criminoso, especialização para tudo: juiz,
processo, sala de sessões.
O juiz é o tribunal. Só elle fulga os menores e elle só
julga os 1nenores.
A sala do julgamento é a sala das crianças, e o juiz
fala aos li1enores em tom paternal, sem azedume e sem
enscenação: Do que ahi se passa, nos Estados Unidos, es-
creveu o juiz Stubbs, citado por Collard: - «Tenho obser-
vado sempre que, quando ficava sobre o estrado, por detraz
ele uma grande secretaria, como acontece no tribunal da
cidade. minhas palavras produziam diminuto effeito nos
rapazes sentados no banco dos reus; mas, se eu ficava
bastante perto delles, para lhes pôr minha mão sobre a ca-
beça ou sobre o hombro, na maioria dos casos conseguia
captar-lhes a confiança.» A' hora do julgamento, o. juiz
manda evacuar a sala e julga a portas fechadas, sem sub-
metter o menor á aggressiva curiosidade das turbas.
O juiz é quem, ao mesmo tempo, .faz o inqueri to, . a
instrucção, julga e profere a sentença. Para auxilial-o a
lei c1·eou os Probation officer, de quem o nosso com-
panheiro de cruzada, Dr. Balthazar da Silveirâ, escreveu
isto: -- « O probation officer é um delegado do tribunal
102

que zela pelo menor, preparando o processo, e ac~mpa­


nhando-o com solicitude paternal depois de proferida a
sentença.» (Tribunaes para 11'Íenores, 1916.)
N ão ha codigo para o·juiz e para o menor, até 16 annos.
O magistrado age de accôrdo com a sua consciencia, os
seus conhecimentos, a pratica e tacto que tenha da alma
infantil, e sua sentença é, na maioria dos Estados .da
grande federação, irrecorrível.
Os tribunaes para menores nos Estados Unidos des-
tacam-se tambem pela abol,ição das prisões, isto é, pela
suppressão das sentenças condemnatorias á prisão. Ou-
çamos Collard: - « Jamais un enfan t de moins de I 6 ans
n'est envoyé preventivement en prison: s'il faut s' assurer
de sa per sonnc, il est placé dans une maison d' éduca tion
speciale, oü il reçoit rnême des leçons s'il est en age d'école.
Jamais non plus il n' est condamné à la prison. » (I de1n,
pag. 5 . )
Verdade é que o magistrado póde entregar o menor
a um re:Eorrnatorio ou patronato, e commum é que o. faça;
mas não é a pena de detenção ou prisão que elle applica, é a
de liberdade vigiada. Como pondera Collar, nesta consiste a
terceira característica do systema americano. Na reinci-
dencia, sim, o menor irá para os reformatorios, porque já
revelou uma inclinação para ·o mal ou para o crime que é de
mister combater com vigor maior.
A liberdade vigiada consiste em se entregar o menor
á familia, se esta inspira confiança, ou a associações prote-
ctoras, sempre sob a vi sta das auctoridades judiciarias. E
aqui é que resae em todo seu brilho a magnifica instituição.
O juiz não se limita a absolver ou a punir; elle vae muito
além, acompanha os passos do menor, vigiando-o na escola,
no lar, na officina, na via publíca . E' a missão do proba-
tion officer, que, sob tal aspecto, o representa. Se o menor
demonstra. bom caracter, levanta-se a tutela judicial, e elle
fica ínteiramente livre. No caso contrario, o JUlZ decreta
103

medidas mais severas, retira-o da companhia em que es-


tiver e o interna em estabelecimentos especiaes. No Brasil
poder-se-ia aproveitar a instituição de senhoras de ca-
rida_?e para esse fim de fiscalizar e ele amparar as crianças
desviadas.
A jurisdicção dos tribunaes de menores estende-se aos
paes ou cuniplices, que hajam contribuido para os delictos
ela infancia por encorajamento ou negligencia. Vae, mais,
ao amparo e resguardo elos menores em perigo ele se per-
verterem!
«São evidentemente prodigiosos os resultados que tão
engenhoso apparelho forense, digno por certo de figuraT
entre as grandes conquistas que assignalaram o seculo pas-
sado, ha offerecido á grande Confederação Americana,
que ha provido a reunião de diversos Congressos para es-
tudar o complexo problema da criminalidade juvenil», es-
creveu Balthazar da Silveira.
·Os resultados destes tribunaes são, realmente, prodi-
giosos, como se verifica na obra ele Clemente Griffe, ele Jui-
lhet e, entre nós, nos estudos de Evaristo ele Moraes e Mello
Mattos . Para accentuar, entretanto, pei-ante V. Ex.,
Senhor Ministro, a inflttencia desses tribunaes e dessa
legislação, direi que, num anno, . sobre 680 julgados do
tribunal de Indianopolis, apenas se deram r ro casos de
reinciclencia, e que, tendo sido, destas crianças, 250 entre-
gues á liberdade vigiada, apenas seis vieram a carecer de
acção maís energica ela auctoridade judiciaria. Os exemplos
na Inglaterra são iclenticos.
* * *
Tal foi, Senhor Ministro, e_continuará a ser a predica
elo obscuro relator deste trabalho em favor da grande re-
forma que ainda se não fez e que V. Ex. fará em nosso paiz.
(Lemos Britto, Um problema gravissúno, Bahia, 1916,
idem, C olonias e prisões 110 RJo da Prata, idem, Paginas
Sul-anriericanas. ) 1 ;
104

- E m 20 de dezembro de 1923, o Brasil deu um largo passo em


materia criminal e penal. O Presidente ela Republica, Sr. Dr. Arthur
da Silva Bernardes, com o ref erenduin elo Sr. Dr. João Luiz Alves,
Ministro ela Ju stiça, baixou o decreto n. i6. 272, que approvou o Re-
gulamento sobre a assistenci'a e protecção aos menores abandonados e
delinquentes.
Com a devida venia elo Sr. Dr. João Luiz Alves, incorporo-o a
esta exposição :

PARTE GERAL
CAPITULO I
DO OBJl.(C'l'O E FUI DA LEI

Art. r.º O menor, ele qualquer sexo, abandonado ou clelinquenbe, se rá


submetticlo pela auctoriclacle competente ás medidas ele assistencia e pro-
tecção instituídas neste regulamento.

CAPITULO II
DOS ~'lENORES ;\BANDO)! ADOS

Art. 2 .º Consideram-se abandonados os menores de r8 annos:


I, qu e não tenham hab itação cerba,, nem· meios ele sub sistenci:<I', por se- ,
rem seus paes. fa lleódos, clesappareciclos ou desconhecidos, 1o;t1 por não
terem tutor, ou pessoa sob cuja guarda vivam;
II, que se encontrem eventualm,ente sem hab ita.ção certa, nem meios
ele subsistencia, devido a incligencia, enf ermiclacle, ausencia ou prisão dos
paes, tutor ou pessoa encarriegacl a ele sua guard:a;
III, que tenham pae, mãe ou tutor, ou encarregado de sua guarda, reco-
nhecid.ame ntte impossibilita,clo ou incapaz ele cumprir os seus devieres para
com o f ilho, Oitl p upill o, ou protegido;
IV, que vivam em companhia ele pae, mãe, tutor ou pessoa que se en-
tregue á pratica ele actos contrarias á mo.ral e aos bons costumes;
V. que se encontrem em estado habitua.! ele vadiagem, mendicidade ou
libertiitagem;
VI, que, devido á cruelclacle, exploração ou perversidade dos paes, tutor
ou encar regado ele sua guarda, sejam: •
a.) victimas ele máos tratlo,s physicos hab ituaes ou castigos immocleraclos;
b) privados h ab i~ ualm ente clo's alim entos ou cios cuicla·clos indispensaveis
á s·aude;
e) empr egados em occupações, prohibiclas ou manifest.amente contrarias
á moral e aos bons costumes, ou que lh es ponham em risco a vida ou a
sau<le;
d) excitados habitualm ente parn a gatunice, men dicida,de ou ' liberti-
nagem ; ,
VII, que tenham pae, mã.e ou tu to r, ou pessoa encarregada de süa
guarda, concl em nado por sentença inecorrivel :
a) a mais de dous amms <le pri são por qualquer crime;
b) a qualquer pena como co-autor, cumplice, encobridor ou recr-ptador
ele cri me co.mmetticlo por filho, pupillo ou menor sob sua g uaTda, ou por
crime dQntra estes.
§ r.º E ntend e-<se por e11 carregad'a da g·1ia.rda cio m1enor a pessoa que, não
sendo seu pae, m~e, tutor, tem, por qualquer titulo, a responsabiliclade da
vigjlanci a, direcção ou educação dell e, ou voluntariamente o traz e1n seu
poder ou co1111nJ1hia :
105

~ . ~·· São vadios <?S menores que, tendo deixado sem causa legitima o
dom1cd10 cio pae, mãe, tutor, guarda, ou os Jogares onde e achavam coll'Oi-
cados por aque lle a cuja autorid ade estavam submettidos ou confiados, ou
nã10 tendo. domici lio n em a lguem por si, são encontraiclos habitualmente a
vagar pelas ruas ou logradouros publicas, sem que tenham meio ele vida
regu lar, ou tirando seus recursos ele occupação immornl 'ou prohibida.
§ 3. 0 São mendigos ois me1rores que habitualmente pedem esmola para
si ou para outrem, ainda que este sei a seu pae ou sua mãe, ou pedem do-
nativo sob pretexto ele venda ou offerecimento de obj ectos.
§ 4.º São libertinos 1os men o res que habitualmerrte:
a) na via pub lica perseguem ou convidam companheiros ou tranrs euntes
para a pratica. de actos obscenos;
b) se entregam á prostituição em seu proprio domicilio, ou vivem em
casa ele prostituta, ·ou frequentem casa ele toleraJlcia, para praticar actos
obscenors.;
e) forem encontra•d os em qualquer casa ou togar não destinado à pros-
tituição, praticando actos obscenos com outrem;
d ) vivem da p1·ostituiçãro ele 0 111trem .

CAPITULO III

D.·\ INHIBJ Ç,\o DO l'ATRIO POnr::R E DA mn.rn ç Ão DA 'l'U1'I!LA

Art. 3.0 · Nos casos em que a provada negligencia, a inca.pacidacle, o


abus o, ele poder, os máas exemplos, a crueldade, a exploração, a perversi -
dade, ou o crime do pae, mãe, ou tutOir podem comprometter a sm1cle, segu-
rança, ou moralidade do filho ou pupillo, a a uctoridade competente decre-
tará a suspensão ou a perda do paltrio poder ou a clestituiçãlo. da tutela,
como no caso couber.
A r t. 4.º Perde o patrio poder o pae ou a mãe:
I ,. conclemnaclo por crime contra a segura nça ela honra e honestidade
das fami liars, nos termos cios arts . 273, paragrapho unico, e 277, paragrapho
unioo, cio C.odigo Penal ;
II, cond:emnado a q ua lquer pena como co-autor, cump lice, encobridor ou
recepra•dor de crime perpetrado pelo fi lho. ou por crime conha este (lei
11. 4. 242, de 5 de j aneiro de 1921, a r t. 3º, § •1º, n. VII, letra b) ;
III, que castigar, immoderadamente o filho (Qo,digo Civil, art. 395, 11. l ');
IV, que o deixar em comp leto abandono (Codigo Civil, art . 395, n. II);
V, rq ue. prarticar aotos contra rios á moral e aos bons costumes ( Codigo
Civil, art. 395, n . I II) .
Art. 5. 0 A decretação da perda do patrio pode r é obrigatoria, esten-
de-se a todos o:s. fi lhos, e abra ngie todos os direitos que a lei confere ao
pae ·ou á mãie sobre a pessoa e os bens do filho.
Art. 6. 0 S uspende-se o patrio poder ao pae ou á mãe:
I, condemnado po r sentença irrecorríve l em crime cuja pena exceda de
dois annos de prisão (Codigo Civi l, art. 394, paragrapho unico), sa lvo o
disposto no art. 4, ns. I e II;
IJ, qüe de ixa·r o fil ho .em estado hab itual de vadiagem, mendicidade, li-
bertinagem, criminalidade; ou t iver excitado, favorecido, produzido o es-
tado, em que ·s e achar o fil ho; ou de qualqu'er rnO'do tive1· concorrido para
a p erve rsão deste, ou para o tornar alcoolico ( lei n. 4 .242, ele 5 ele ja-
neiro ele 1921, art. 3°, § 1°, ns. V e VI, letra d, e § 15) ;
III, que, por máas tratos, ou privação ele alime ntos, ou ele cuidados in-
dispensave is, p uzer em perigo a saude do fi lho (lei n. 4.242, cLe 5 ele ja-
neiro de 1921, art. 3º, § lº, n. VI, letm a e b) ;
IV, q ue .o empregar em occu pações proh ibiclais ou man if,estamente con-
trarias á mora l e a·os bons costumes, ou que lhe ponham em risco a sande,
106

a vida, a moralidade (lei n. 4.242, de 5 de janeiro de 1921, art. 3º, § l º,


n. VI, letra e);
V, que, por ab uso de auctoridade, negligencia, incapacidade, impossibili-
dade de exercer o seu po.der, faltar habitU1almente ao cumprimento dos de-
veres paternos (C.odigo Civil, art. 394., lei n. 4.242, de 5 de jane·i ro de I92ir,
art. 3º, § 1°, n. UI).
Art. 7.º A decretação da suspensão do pa'trio poder é facultativ•a, póde
referir-se unicamente ao filho victimado ou a todos, e abranger tio,d os os
dineitos do P':!<e ou da mãe sobre a pessoa e bens do filho ou: sómen1te parte
desses direitos.
Art. 8. 0 E' licito ao juiz ou tribunal deix ar de applicar a suspensão do
patrio poder, se o pae ou mãe se comprometter a internar o filho, . ou os
fi lhos, em estabelecimento de educação, ou garantir sob fiança que os filh os
serão bom tratados.
Art . 9.º Dá-se a destituição da tutela:
I. nos casos do art. 413. ns. IV e V, e art. 445 do Codigo Civil;
II, nos casos dos arts. 273, n . sº, e 277, p.aragrapho unico do Codigo
P enal ;
III. em qualquer dos casos ele abandono, figurados no art. 3°, § 1º, da
Lei n. 4 .242, ele 5 de janeiro de 1921.
Art. ro. A suspensão ou a perda cio patrio poder abrange o pae e a
mãe, se os dois vivem junt~s, ainda no caso ele um só delles ter sido jul-
gado indigno do exercicio do patrio poder. O conj uge innocente, porém, dei-
xando de viver em companhia do conjuge indigno, por desquite ou por
morte deste, póde reclamar a restituição do patrio poder, de que foi desti-
tuido sem culpa, desde que prove achar-.se em condições moraes e economicas
de prover a manutenção e educação cios f ilh os.
Art. :n. Se os conj uges não viverem juntos, os poderes cio pae po-
derão passa r a se r exe rcidos pela mãe, quando estiver em condições economi-
cas e moraes de prover a manutenção e educação dos filhos.
Art. 12. Trat·ando-1oe ele pessoa que não sei a .o pae, a mãe IOU o tuto r, e
provado que os menores s·ob sua gu.a.rda- estão em algU:m dos casos previsto·-
no art . 2°, ser-lhe-ão retirados por simples despacho da auct>oridade com-
petente, sob as comm inações legaes.
Art. 13. O juiz ou tribunal, ao prununciar a suspensão ou a perda do
patrio pode r, ou a destituição ela tutela, fixará a pen1são devida pelo pae,
ou mãe, ou pessoa obrigada á prestação ele alimentos.
Art . 14. Desde que a respectiva acção de inhibiçã:o do patrio poder ou
remoção da hitela fôr iniciada, e em qualquer estado da causa-, o juiz ou
tribuna l póde tomar as medidas prov~so rias. que acha.r uteis, para a guarda
do menor, até decisão definitiva.
• Art. 15. O juiz ·ou tr ibuna l, na escolh a de tutor par.a. o men.or retirado
do patrio poder ou removido da tutela, deve observa r os preoeitos dos
arts. 406 a 413 do Codigo Civil; 1salvo se o parente a quem competir ·a: t u-
tel a não estiver em condições mornes e eco nomicas de prover á manutenç ão
e educação do menor.
§ r.º Os parentes com direito á tutela pode1ú reclamar pelos múos le-
ga•e s contra p.rete ri ção qu e lhes faça o juiz ou t ribunal.
§ 2 . 0 Em fa lta de parente com direito á tutela o juiz ou tribunal deci-
dirá que esta 1seja co11 stituida segu ndo o direito commum, sem que todavia,
haja obrigação para a. pcss•c a designada de acceitar o .enca rgo . .
§ 3.º Durante -o andamento da acção de inhibição ou de remoção, qual -
quer pessoa póde dirigir-se a.o juiz Ou tribU:nal, pelo meio leg.a.I, ·31fim de
obter que o menor lhe seja confiad·o. suj eitando-se ás obrigações e a!Ols- en-
cargo.s de direito; e, se fôr _ililgada idonea, o juiz ou tribunal poderá
attendel-a.
Art. r6. Os tutores instituidos em virtude deste 1·egulamento desem-
penham suas funcções sem que . seus bens sejam gravados el a, hypotheca legal,
.salvo se •o pttpill o possuir bens na época da instituição, ou v ier .a. possuil-os
depois d~sta .
107

. Art · 17 ·~ O pae. '0 .U a mãe inhibi do do patrio poder não pó ele i;er re'-
mtegrado senao depois de preenchidas as seguintes condições: .
I, serem decorridos dois annos, pelo menos, depois de passada em jul-
g.ado a respectiva sentença, no caso de suspensão; e cinco annos, pelo menos,
no caso de perda1; ·
II, provar a sua regeneração, ou o clesapparecimento c\a. causa da inhi-
biçãio;
III, não haver inconveniencia na vofrai cio menor _ao seu poder;
IV, ficar o menor sob a vigi lancia cio juiz ou tribunal durante um
anno.

CAPITULO IV
DAS MJ::llIDAS APPLICAVEIS AOS MENORJ::S

Art. r8. A auctoridacle, a quem incumbir a as·sistencia e probecção aos .


menores, o rd enará a aiJPr.e hensão claquelles de que houve r noticia, ou lhe
forem presentes, como abanclonaclos, os depositará em log.ar conv1eniente, e
providenciará sobre sua guarda, eclucaçã9 e vigilancia;, podendo, con-
forme a idade, instrucção, profis.são, sauc\e, abandono ou perversão cio men or
e a situaçi\o social, moral e eco nomica cios paes, ou tutor, ou pessoa encar-
regada ele · sua guarda, acloptar uma .elas seguintes decisões:
a) entrega!-{\ aos paes, ou tutor, .ou pessoa encarregada ele sua guarda,
sem concliçã10. alguma, ou sob a.s condições que julgar u'teis á sa ucle, segu-
ran;a e moralidade cio menor·;
b) entregai-o a pessoa iclonea, .D!ll int,,~ rna l -o em hospital, -0.sylo, instituto
ele educação, officina, escola ele preservação ou de reforma;
e) ordenar as medidas convenientes a os que necessitem de tratamento ·
especial, por soffrerem ele qualquer doença physica ou mel1'tal ;
d) decretar a suspensão ou a perd a cio patrio poder ou a destituição ela
tu•te la.
Art. 119. Se no prazo ele tr inrt:a dias, a datar ela entrada e.m j uizo, 0
men or fugitivo, -0,u perdido, ou que esteja nos casos do art. 2°, ns. I e II,
não fôr reclamado por quem ele direito, o juiz, declai:ancl:o,-o abandonado,
dar-lhe-á conveniente destino . Toclavi·a, a qualquer tempo que o respon-
savel .l"~damar, o menor poderá se r-lhe restitui cio.
Art. 20. O m enor reclamado será entregue, se ficar prova.d o:
I, que se trata realmente do pae, mãe (legitimo. natural ou a.cloptivo).
t utor ou encarregado de sua gu aircla ; ·
II, que o abandono do menôr foi mo·tivaclo por circumstancia indepen-
dente da vontac11.~ cio reclamante;
IIl, que o reclam ":nte não se acha incurs•o em nenhum dos casos em
que a lei commina a suspensão o u a perd a cio patrio poder ou a des tituição
da tutela;
IV, que a .educação ri o menor não é prejudicada: com a voha ao poder
cio reclamante. ·
Art . 2ir . Feita a pt10va exigida no artigo antecedente, o men o,r poderá
ser entregue por decisã o do juiz.
§ r.º O men or, que fôr entregue, poderá ficar durante um prazo, não
superior a um a11110, sob a vigilancia cio juiz. se assim fôr julgado ne-
cessario. ·
§ 2.º Se os p·aes ou tutor, ou pessoa enc arnega da ela guarda, tiverem
recmSlo.s pecuniarios sufficientes. serão ob rigados a incliemnizar as despezas
que com o meno r houver em sid o feitas. Esta indemnização tambem se dará
no caso do menor não se r entregt:1~ .
Art. 22. E m caso de não rntrega do men c r reclamado, o juiz decla-
rará na sua decisão se cabe ou não procedimento criminal contra· o pae, mão,
tutor ou encarregado cio menor, por o hav er abandonad o, ou maltratado .
108

Art. 23 . O pae, a mãe, o tutor ou encarregado da guarda. cio menor


julgado abandonado, criminos-o ou contraventor, qu e sciente e c\trectamente
houver excitado, favorecid o ou produzid o o estado 'em que se achar O
menor; ou de qualquer modo houver conconic\o para a perversão de1ste ou
p_ara o tornar a lcooico; ou deixado. ele prevenir, podendo faz.el-o, os mo-
tiv os que determinaram tal estado, incorrerá na multa de 100$ a. r :000$,
a lém das mais penas que fore m applicavei s .

CAPI;TULO V

DOS :lfC\ORES DEL1::-.1QU F.?\TES

Art . 24 . O menor de 14 anno,s, indigitado autpr ou cumplice ele facto-


qualificado crime ou contr avenção, não ,se rá submettic\o a processso penal de
especie alguma ; a auctoridad e competente tomará sómente as informações pre-
cisas, registrando-as, sob re .o facto punivel e seus agentes, o estado physico,
memal e moral do m1~ 11 o r, e a situação social, moral e eco nomica do s pael;;,
ou tutor, ou pessoa em cuja gua rda viva.
§ r.º Se o menor soffrer de qualquer fórma de ali enação ou deficiencia
mental, fór epileptico, surdo-muc,lo, segio., ou por seu estado de saude prie-
cisar de cuidados e.speciaes., a auctorid-ad e ordenará seja elle submettido ao
tr atamento apropriado.
§ 2 .º Se o menor fôr abandonado,. pervertido, ou estiver em perigo de
o se r, a auctoridade competente promoverá a sua collocação em asylo, casa
de educação, escola de preservação, -ou o confiará a pessoa idonea, por todo o
~ e tnpo neces>sa rio á sua educação, comtanto que não. ultrapasse a id a.de de
21 annos.
§ 3.° Se o menor não fôr abandonado, nem perv ertido, nem estiver em
perigo de o ser, nem precisar de tratamento especial, a auctoridade, o deixará
oo,m os paes, ou tu to r, ou pessoa sob cuj a guarda viva, podendo 'f azei-o
med iante condições que julgar uteis.
§ .j.. 0 São nesponsaveis, pela re)}a.ração civil do damno causado pelo
menor, os paes ou a pessoa a quem incumbida legalmente a sua vigilancia,
salvo se provarem qu e não hom·e da sua parte culpa ou negligencia. ( Codigo
Civil, arts . .r. 521 e r. 523.
Art . 25. O menor indigitado autor ou cumplice de facto qualifi cado
crim e ou contravenção, que contar ma is de 14 annos e menos de 18, se rá
subm ettido a processo especial, tomando, ao mesmo temp o. a autoridade
competente ·as precisas informações a respeito do estado · physico, mental
e moral delle, e da situação social, mora l e economica dos paels, tutor ou
pessoa incumbida de 1sua guarda .
§ l.° Se o menor soffrer de qualquer fórma de alienação. ou deficiencia
ment al, fôr epileptico, surdo-mudo, cego, ou por seu estado de saude pne-
cisar. de cuidados esp eciaes, ·a auctoridade orde nará seja submettido ao tra-
tame nto apropriado.
§ 2.0 'Tratando-se de co ntravenção, que não revel1e vicio ou má indole,
póde o juiz ou _tribun a.!, advertindo o menor, entregai-o aos paes, tutor ou
encarregado de sua guarda, ou dar-lhe outro destino, se m pr-oferir condem-
111ação .
§ 3.º Se o menor não, fôr abandonado, nem perve rti·do , n em esitiver em
perigo ele o ser, nem precisar de tratamrento especial, a auctoridade o reco-
lh erit a uma escola de reforma, peló pt azo de um a cinco annos.
§ 4.° Se o menor fôr abandonado, pervertido, ou estiver em p·e rigo de o
ser, a auctoridade o internará em uma escola de r efo rma, por todo o. tempo
necessa rio á 1ma educação o que poderá ser de tr·es annos, no minimo, e de
sete an nos, no maximo.
§ 5.° Se fôr imputado crime, co.nsiderad o grave pelas circumstancias do
facto e condições pessoa.es cio agente, a um menor que contar mia.is de 16
e menos de ·1!8 annos de idade ao tempo da perpetração, e ficar prov·ado
que se trata de individuo perigoso pelo seu estado de perversão moral, o
109

juiz lhe applicará o ar't. 65 do Codigo Penal, e o remetterá a um estabe-


lecimento para condemn ados de menor idade, ou, em fa lta deste, a uma
prisão commum, com separação dos condemnados adultos, onde permanecerá
até que se verifique sua regeneração, sem que, toda,·ia, a duração da pena
possa exceder o seu maximo legal .
§ 6. 0 Em caso de abso lvição, o juiz ou tribu na l póde :
a,) entregar o meno r aos paes, Olt tutor, ou pessoa encarregada da sua
gua.rda, sem oondições;
b) entregai-o s·obcondições, como a submissão ao patronato, a apren-
dizagem de um officio ou uma arte, a abstenção de bebidas alcoolicas, a
frequenc ia de uma escola, a garantia de bom comportamento, sob pena
de suspen ão ou pe rda do patrio poder .o u destituição da tutda;
e) entregai-ó 'ª pessoa idonea ou instituto de educação.
§ 7.º São respomm·eis pel a reparação civil do damno causado pelo menor
os pae ou a pessoa a quem incumbia. legalmente ª' sua vigilancia. salvo se
provarem que não houve da ,sua parte cu lpa ou negligencia. (Codigo Civil,
arts. r.521r e •r.523.)
Art. 26. Se o pae, a mãe, tutor ou responsavel pelo menor estiver em
condições de o ed ucar, e por culpa sua. não o tiver feito, ·a auctoridade lhe
imporá a pena de multa de roo$ a 500$, ou prisão cell ular de cinco a r5 dias
Art . 27. A auc~or i dade póde a todo tempo, por p roposta do director do
respectivo .estabelecimento, transferir o menor de uma escola de reforma
para outra de preservação.
Art. 28. A idade de rS a 2r annos constitue circumstancia atte-
nuante. (Codigo Penal, art. 42, § rr.)
Art. 29. Se, ao perpetrar o crime ou contravenção. o menor
tinha mais de r8 annos e menos de 2r, •O cumprimento da pena
será, du~ a nue a menoridade do condemnado, completamente sepa-
rad o dos presos m aioyes.
Art. 30. Os vadios, mendigos, capoeiras, que tiverem mais de
r8 annos e menO;S de 2r, serão recolhidos á Colonia Correccional
pelo' prazo d·e um ai cinco annos.
Art. 3r . O .. processo a que forem submettid-0s os menores de
r8 annos será semp re secreto. Só poderão ass1st1r ás audiencias as
pessoas necessarias ao processo e as auctoridades pelo juiz .
§ Ir.º O jornal <Jtt individuo, que, por qu<l!lquer fórma de publicação,
infringir este preceito, incorrerá na multa de r :000$ a 3 :000$, além de out ras
penas em que possa incorrer .
§ 2. 0 No processo 1em que houver co-réos menores e mai ores se ob er-
vará tambem esta regra, e para o j·ulgamento se proced erá á seµairaçâo do
menores .
§· 3.º 'Os menores de 18 annos não podem ass istir ás audiencias e se sões
dos juizes e tribunae's, nem ás do juizo de menores, senão para •;i; instrucção
e o julgament'o dos processos contra ea~s dirigidos, quand o houverem sido
intimados a comparecer, ou quando hom·erem de depôr como testemunhas, e
sómente durante o tempo em sua presença fôr nece ~sa ria.
Art. 32. O menor internado em escola de reforma poderá obte r libcr-
da.de vigiada, concorrendo as seguintes condiçõ<=s :
a) se tiver 16 annos completos;
b) se houver cumprido meta.de, pelo menos .. do tempo de internação;
e) se não hom•er pnaticado outra infracção ;
d) .:;e fôr julgado mora lmente regenerado;
e) se estiver apto a ganhar honrad amente a ,·ida. ou tiver meios de
subsistencia, ou QU'em lb'os ministre;
f) se a pessoa. ou :fiami lia, em cuja companhia tenha de viver, fôr con-
siderada idonea, de modo que seja presum ivel não commatter outra in-
fracção .
110

AJ1t . 33. A liberdade vigfoda consiste em ficar o menor em companhi a


e sob a responsabi lidade dos paes, tutor ou guarda, aos cuidados de um
patronato, e sob a vigilancia do juiz, de accôrdo com os preceitos seguintes:
1. A vigi lanci a sobre os menores será exe rcida pela pessoa e sob a
fórma determinada pelo respectivo juiz.
2. O juiz póde impôr aos menores as regrais de procedimento e aos
seus responsaveis as condições, que achar convenientes.
3. O menor fica obrigado a comparecer em j uizo nos dMa·s e horas que
forem designados . Em caso de mor<te, mudança de res idencia ou ausenci:t
nfo aucto.ridade do menor, os paes, o tutor ou guarda são obrigados a pre-
venir o juiz sem demora. ·
4 . Nos casos do art. 25, §§ 2º e 6°, entre as condições, que o juiz
póde estabelecer para a entrega do menor, comprehendt-se a obrigação dos
paes, ou tutor, ou guarda, de pagarem uma indemnização ao offendido e
as custas do processo.
5. A vigi lancia não excederá de um anno.
6. A 't ransgressão dos p receitos impostos pelo JUIZ é punível:
a) com multa de 10$ ·a 100$ .a.os paes ou tutor ou guarda, se da sua
parte tiv er havido negligencia ou tolerancia pela folta commettida;
b) com a detenção do menor a1té oito dias;
e) com a remoção do menor.
Art. 34. A liberda.de vigiada será revogada, se o menor commetter
algum crime ou contravenção qtue importe pena restrictiva da liberdad e, ou
se não cumprir a.lguma da•s clausulias da concessãio . Em tal caso, o menor
seri de novo internado, e o tempo decorrido. durante o livramento não será
co mputado. - Decorrido, porém, todo o tempo, que faltava, sem que o livra-
mento seja revogado 1 a. liberdade se tornará definitiva.
Art. 35. A liberdade vig·iada. será concedida por decisão do juiz oo.mp.e-
tente, mediant·e iniciativa e ptüp·o1sta do director da respectiva escola, o
qual justificará a conveniencia da concessão em fundamentado reLa.torio.
Ar<t. 36. Em fa lta de estabelecimentos apropriados á execução do re-
gímen creado por este regulamento, os menor es de 14 a 18 annos serão re-
colhidos a prisões communs, porém separados dos condemnados maiores, e
sujeite a regimen adequado - disciplinar e educativo, . em vez de peni-
tenciaria.

PARTE ESPECIAL

Disposições referentes ao Districto Federal

CAPITULO I
DO JUIZO PRIVA'l'IVO DOS MENORES ABANDONADOS E DELINQ'U'EN'rES

Art. 37, J;' creado no Districto F ederal um hii::;o de Menores, para as-
sistencia, protecção, defesa, processo e julgamento dos menores abandonados
e delinquentes.
Art. 38 . Ao juiz de menores compet.e :
I , processar e julgar o abandono de menores, no·s termos deste regu-
lamento, e os crimes ou contravenções por elles perpetrados;
II, inquirir e examinar o estado physico, mental e moral dos menores
que conLparecerem a juízo, e, ao mesmo tempo, a ·situ;;1.ção social, moral e
economica dos paes, tutore.s e responsaveis por sua gua rda ;
III, ordena_r a.s medidas concernentes ao traltamento, collocação, guarda,
vigi lanci a e ed ucação dos menores abandonados ou delinquentes;
IV, decretar a suspensão ou a perda d-o patrio poder ou a destituiçã.o. da
tutela, e nomea r tt:1:orcs;
111

V, praticar todos os actos de juri sclicção voluntaria tendentes á protecção


e as·sisltenci,a aos menor,es ; ·
VI, impôr e executar as mu ltas a que se r efe re este regulamento,;
VII, fisc alizar os estabelecimentos de preservação e de reforma e
.quaiesquer .o utros em qu·e se achem menores sob <Sua j uri sclicção, tomando as
providencias que lhe parecerem necess:a-rias;
VIH, exe rcer as demais attribuições pertencentes aos j uizes ele direito e
co mprehensivas na sua jurisdicção privativa;
IX, cumprir e fazer cumprir as disposições deste regulamento, 'ªP-
plicanclo, nos casos omissos, as ·disposições de outras leis, que forem ap-
plicaveis ás causas cive is e criminaes ela sua competencia;
X, organizar um a. e statistica an nu a l e um relatorio documeotaclo do mo-
vi mento do juizo, que remetterá ao Ministro ela Justiça.
Art. 39 . 'No juiz·o, privativo de menores have rá ainda o seguinte pessoal :
I curador ; que accumulará as funcções ele promotor;
I meclicà-psychiatra ;
escrivão;
I escrevente juramentado;
6 commissarios de vigilancia;
2 officiaes de justiça ;
\] .servente;
11. porteiro.
Art. 40. O curador desempenhará as funcções de curador de orphãos
nos pw,::essos de abandono, e de suspensão o u perda do paltrio poder ou des-
tituição da tutela, e as de promotor publico nos processos de menores. de-
linquentes. Nas outras acções terá as attribuições que lhe couberem como
representante do Ministerio Publico.
Art. 4r. Ao medioorp<sychiaitra incumbe:
I, proceder a todos os exames medicas e observaç.ões dos menores le-
vados a j uizo, e a,o.s que o juiz determinar;
II, fazer ás pessoa•s das familias dos menores a.s visitas medicas neces-
sarias para as inveistigações dos antecedentes here'clitarios e pessoaes destes;
III, desempenh ar o ·serviço medico do Abrigo annexo ao juizo de
menores.
Art. 42. Aos. oommissarios de vigiJ.ancia cahe:
I, proceder a todas as investigações relativas aos menores, seus paes,
tutores, ou encarregados de sua guarda, e cumprir a:s inst rucções que lhes
fore m dadas pelo juiz;
II, deter ou apprehender os menores abandonados ou delinquentes, le-
vando-as á presença do. juiz;
III, vigiar os menores, que lhes forem indica,d oS\.
§ r.º Os comm.issarios de vigilancia. são da immediata c-o.nfiança do juiz .
§ 2.º Poderão ser admittidas, na qualidade de commissarios de vigilancia,
<S ecretos, voluntarias e grart:uDbOs, pessoas idoneas, que mereçam a confiança
do juiz .
Afr. 43. O escrivão, escrevent e j l!Jramentado, officiaes de justiça, se r-
vente e porteiro exercerão as funcções que lhes são ·peculiares e attribuidajs
por leis, regulamentos e prax e do fôro .
Paragrapho unico.. O escrivã-0 é obrigado a ter um registro, no qual
serão inscriptos os assentamentos relativos ao menor, e um promptuario,
ond e se rã.o reunidos todos os documen~os e papeis utei1s ao mes mo .
Art. 44 . Serão nomeados:
I, pelo Presidente da Republica, o juiz, .o curador e o medico ; .
II, por portaria do Ministro da Justiça, o escrivão e o escrevente ju-
ramentado: aquelle mediante concurso, e este por prop.Qs ta do escrivã:o ;
III, ·pelo juiz, .os demais funccionarios.
§ r.º O juiz de menores é classificado .entre as varas administrativas da
justiça lo.cal.
~ 2.º A substituição do juiz de menores ·e a do curador fa r-s e-ão de
accôrdo com os preceitos da .o rganização da justiça local do Districto Federal.
Ü2

CAPITUL\O II

DO PROCESSO

Art. 45. O menor, que fôr encontrado abandonado, nos t ermos deste
regulam ento, ou que tenha commettido crime .o u con'travenção, deve ser
levado ao. j uizo de menores, para o que toda auctoridade judicial, policial ou
administrativa deve, e qualquer pessoa póde, apprehendel-o ou cletel-o .
§ I. 0 A noticia ela exisltencia de qualquer menor n os casos deste regu-
lamento póde ser levada ao juiz por todo meio. licito ele communicação .
§ 2. 0 Recebendo o menor. o juiz .o fará recolher ao Abrigo, mandará
submettel~o a exame meclico-peclagogico, e iniciará o processo, que na es-
peci e couber.
Art. 46. O processo para v erificação cio estado de abandono de menores
é summarissimo .
§ T. 0 E. 'te process·O pócle começar e.1:-officio, por iniciativa elo curador,
a requ erim ento ele algum parente do menor, ou por denuncia de qualquer
pessoa .
§ 2. 0 In staurado o processo por uma das fórmas indicada·s no para-
grapho precedente. será notificado o pae, a mã·e, o tutor .ou encarregado
ela guarda cio menor, pa ra comparecer em juiz;o, no pPa·zo de 48 horas,
assistir á justificação cios factos all egaclos, com inltervenção do curador, e
apresentar suai defesa.
§ 3.º Se o juiz quizer mais amplos esclarecimentos, como exame pe-
ricial, ou outros, ordenará sua execução no mais curto prazo.
§ 4.° Com as provas produzidas, irão os autos á conclusão do. juiz, que,
depois de _ouvir o curador, proferirá s-entença.
§ 5. 0 Da sentença caberá appellação para a Côr,te de Appellação, recebida
sómente no. effeito devolutivo .
Art. 47. O processo ele suspensão ou perda do patrio poder ou ele des -
tituição da tut ela é o mesmo do art igo precedente. Entretanto, .se no processo
por abandono. ficar provado que o pae, a mãe, ou o tutor está incurso em
a lgum dos casos de Sll'Spensão, perda ou d estituição do seu poder, o juiz o
decretará na mesma sentença em que declarar o menor abanclonaclo, com-
municanclo a sua decisão aos j uizes ele •O rphãos.
Art. 48. A acção para reintegração cio patrio poder é summaris·sima
(art. 46).
R r. º O tutor, ou a pessoa a quem está confiado o menor, será intimado
a apresentar no in;teress e deste as observações e oppo•sições que fôr util
fazer e acompanhar o feito até final sentença.
§ 2. 0 O juiz pócle decidir a restituição ele certo,s direitos, negando a de
outros, segund o as conveniencias do menor.
§ 3. 0 Determinando a reirntegração ou a restituição ele direitos, o juiz
fixará, segundo as circumstancias, a indemnização devida a·o tutor ou guard a
do menor, ou . d·eclarará que em razão da indigencia dos paes nenhuma in-
demnização haverá.
§ 4.0 10 pedido do pae, sendo rejeitado, não poderá se r renovado senão
0

pela mãe innocente, nos termos elos arts. ro .e r r.


Art. 49 . O men'Or internado por ordem do juiz em razão do a·rt. rg
póclc ser entregue por simples despacho, mediante reclamação do responsavel,
qu ando houver cessado a causa da internação.
§ r.º Um ascendente ou parente collateral do 1nenor, nas condições deste
artigo, pode rá reclamal-o, emquanto o respons?.vel por elle não o fizer, ou
estiver impedido cJ.e recebel-o, e o juiz, se considerar id0neo o reclamante,
póde entreg.ar-lh'o por simples clesp·acho, ele accôrdo com •OS arts. 20 e 2r.
§ 2. 0 Da deci são elo juiz, recusando a entrega, caberá aggrayo para a
Côrte el e Appellação.
113

Art. 50. O menor de 14 a 18 annos, indigitado como tendo commelttido


crime .o u contravenção, iSerá processado e julgado pelo JUtz de menores.
§ ir.º Nã'O. haverá inquerito policiaL
§ 2.º No caso, de flagr ante contrav·enção ou crime, lavrado o respectivo
auto pela auctoridade competente, esta o remetterá com o menor, sem demora,
ao juiz de menores.
. § 3.º O juiz informar-se-á do estado physico, mental e moral do menor,
e da situação moral, social e eoonomica dos paes, tutor, encarregado da sua
guarda, nomeará defensor, se o não houver, e ouvirá o curador, depois do
que, oQnforme o caso, póde :
I, julgar sem mús formalidades o menor quando se tratar de contra-
venção, podendo entregal-•o aps paie·s, tutor ou encarregado, dep'Ois de
advertir o menor, sem proferir condemnação, no caso· de contravençãlO que
não revele vico ou má indole ; ·
II, proceder summariamente a outras diligencias para a instrucção do
processo, quando se tratar de crime.
§ 4.º Fóra do caso de flagrante delicto ou contrav.enção, será iniciado
processo, independentemente de inquerito policial, perante o juiz, e:i:-officio,
p.o r denuncia ou queixa.
a) Quando a auctoridade policial tiver conhecimento de alguma infracção
penal, officiará ao juiz, communi<:ando-lhe o que souber.
b) As auctoridades policiaes executarão as deligencias, que lhe fo rem
requisitadas pelo juiz de menores, .e prestarão a este todo o auxilio necessa ri o .
§ 5.º Nos casos em que houver co-réo,s maiores e menores (art. 31,§ 2º),
dtes •Serão processados e julgados pelo juiz de menores, a quem serão re-
mettidos pelo juiz criminal competente os docum entos necessarios extrahidos
do respectivo processo.
§ 6. 0 :S,empre que fôr victima da infracção penal algum menor de 18
annos, abandonado, pervertido, ou em perigo de o •ser, ·o juiz da formação da
culpa mandará entregal-.o ao juiz de menores, para os fins de direílto.
Art. sr. Durante a instrucção do proce&so, o juiz póde, conforme os an-
tecedentes do menor, sua idade e a natureza da infracção penal, e a si-
tuação dos p·aes, ou tutor,. ou guarda:
11 I, entregai-o aos paes, .o u tutor, ·o u pessoa delle encarregada, se ndo ido-
neos, oom obrigação de o apresentar todas as vezes que fôr n.ecessario;
II, entr.e gal-o aos mesmos individuas, mediante fiança; ·
III, internai-o no Abrigo de menores ou em algum instituto que julgue
conveniente .
. Art. 52. Qualquer que seja a infracção penal aJttribuida ao menor, o
julgamento se fará ' segundo o processo seguinte:
I. Apresen tado o menor com as testemunhas, o juiz, depoi,s de no;nea r
defensor ao accusado, se este o não tiv.er, ouvirá as testemunhas, com assis-
tencia do curador, procedendo ás demais diligencias necessa rias.
II. Em seguida o defensor terá .+8 horas para apres·entar a defesa, po-
dendo arr.o lar testemunhas, que serão ouvidas no dia immediato, e requ erer
as diligencias que julgar uteis.
III. Concluídos os trabalhos da defesa, dirá o curador ele menores em
24 hora.s, findas as quaes o juiz julgará no praz.o. ele 48 horas.
Art. 53. Da ,se ntença cabe appellação, com effeito devolutivo, par a a
Côrte ele Appellação.
Art. 54. Nos casos dos arbs. 8º e 18. letras a e b, 2r. § 1°, 24, § 3º, 25,
§§ 2º e 6°, 50, § 3º, n. r e 51, ns . .r e rr, o juiz póde pôr o menor em lib erdade
vig·iada.
Art. 55. A fixaçiéo definitiva ela pensão, a que se refere o a rt. 13. se
fará nos term os e segundo as fórmula s da acção ele alimento e.i·-officio. Da
decisão final haverá appellação sómente no effeito devolutivo, para a Côrtc
ele Appellação.
8
114

Art. 56. As multas impostas em virtu de elos arts. 23, 26 e 31, §· ·Iº, 33
n. 6º, letra a, e as despesa.s a que se refer e o art. 21, § 2°, serão cob radas
por meio de acção executiva, in tentada es-off icio.
§ r.º Imposta a multa, ou aptl1·ada a importancia elas despesas a in-
demnizar, será intimado o réo, para que, no prazo de cinco dias, que correrãü
em ca rtorio, pague 'º .u apresente excusa, qn~ o rel eve da pena.
§ 2 .0 · Se .o réo dentro do pr azo não pagar, nem apresent ar excusa, ou se
esta não fôr procedente, o juiz, assim declarando, fará autuar a certidão
da intimação com os documetüos respectivos, e expedirá mandad·o executivo .
§· 3. 0 O t)1andado executivo deve determ inar que o réo pague inconlt i-
nente. ou que se proceda á penh ora nos bens, que elle offereoer ou lhe fo rem
achado s, tantos quantü s bastem para o pagamento da divida e custas .
§ 4.º Accusada a penhora, s·erão ass ignados seis dias ao réo, para a.Jlega r
seus embargos. ,
§ 5.º Se d entro de seis dias o réo, não allega r embargos, será a penhora
julgada po r sentença, e se proseguirá nos t ermos ulteriores, como na exe-
cução da sentença . Todavia, o réo poderá appellar da referi<la. sentença
para a Côrte de Appell ação, só com effeito devoluti vo.
§ 6.º Dentro elos seis elia·s assignados, poderá o réo produzir testemunh as
e juntar documentos .
§ 7.º Com o.s embargos, docum entos e prova testemunhal, se houv er
erâo os autos concl usos ao juiz, que recebe rá .ou rejeitará os emb argos.
§ 8. 0 Se fore m recebidos os embarg.os, d ar- se-á a contestação no praw
de cinco dias; em .seguid a terá lagar a dilação elas pro vas, qu e · se rá de dez ·
dia , e arrazoados os autos pelo réo e o cura do r, dentro de cinco dias cada
um, a causa se rá julgada af in <J l.
§ 9.º Se os embargos forem rej eitaclos, proceder- se-á na fórma do § 5°.
§ IO. A importancia cobrada será r ecolhida ao Thes.ouro N a.cional, · pü r
meio ele gui ;u passada pelo esc rivão ; a ele despesas .será entr,egue a quem
couber, depois ele passada em jul gado a sentença.
§ II. Da decisão f inal cab,e appeJl ação, de effeito cl evolutiv.a., pa ra a
Có rt e ele AppeJl ação.
A rt. 57. A f iança a qu e se refe rem os art s . 8º e 51, n . II, é sempre
def initiva, e só pócle se r prestada por meio ele deposito no.s cofres publicas em
dinh eiro, metaes ou ped ras pred osas, ou apo ii ces, .ou titul as da divida na-
cional, ou ela municipaliclacle; ou hypotheca de immoveis liv re de preferencias .
§ r.º O valor ela fian ça se rá ,ele 100$ a I :soo$; e, pa ra determinar o seu
va lor, o juiz tomará ~m oonsicleração as circumstancias pesso aes do meiro·r e
as condiçõ es de fort un a· do f iado r .
§ 2." O quebramento ela fiança importa na perda da totalidade do ·Seu
valor e a remoção do menor; e o valor depositado se rá applicado a favor elo
Thesouro Nacional, depois de clecluziclas as custas cio processo.
§ 3.º D o. despacho, qu e d eclara perd ida a quantia af iançada, cabe recurso
para a Córte ele Appe llação .
§ 4.º A todo tempo, que acha r conveniente, ·O juiz poderá revogar a
fiança, mand an do restituir sua importancia ao fiad or .
Art. 58. A Córte ele Appell ação julgará em sessão sec reta todos os re-
rnrs os cla·s decisões do juiz ele menores. Esses julgamentos terão preferencia
so.bre quaesqúer outros se r \' iços.
Art. 59 . iÜs julgamentos d.esses recursO's se rão feitos ele accôrdo co m
os regulamentos ela Cô rte de Appe llação .
As parires a rrazoarão na instancia inferior.
O juiz remetterá os autos á ·supefi.o r in stancia, justifican do succit}ta-
mente a decisão recorrida.
Art. 60. D os autos de processo, do registro judici al, ou do,s assenta-
ta mentos elas escolas não se extrahirão certid ões, excepto as necessarias á
in strucção ele out ro processo.
Art. 6r. A s leis de organização j ucliciaria e ele processo da justi ça local
do D ist ricto Federal são sub sidiarias deste regulamento, nos casos omissos,
quando forem com elle compativeis.
115

CAPITULO IIl
DO ABRIGO DE MENORES

Art. 62. Subordinado ao juízo de menores, haverá um Abrigo, destinado


a receber provis.oriamente, até que ten h am destin o definitivo, os menores
abandonados e delinqiuentes.
Art. 63. O Abrigo compôr-1se-á de du as divisões, uma masculina e
outra feminin a; ambas subdividir-se-ão em secções de abandonados e delin-
quentes; e os menores serão clistribuicLo.s em turma'5, confonne o motivo cio
recolhimento, sua idade e gráo ele perversão.
Art. 64 . Os menores se occuparão em exe1·cicios ele leitm;a, escripta e
0

conta·s, lições de co usas e desenho, e111J trabalhos manuaes, gymnastica e


jogo.s desportivos.
Art. 65. Q ua lquer menor, que dê entrada no Abrigo, será recolhid o a um
pavilhão de obs·ervação, com ap.o sentos ele isolamento, depoi s de in scripto n a
secretaria, photographaido, su1Jm ettjdo á id entificação, e examin ado pelo
medico e por um professor; ·e ahi se rá conservado em observação durante o
tempo necessario.
Art. 66 . O Abrigo terá o pessoal seguinte, com os vencimentos constantes
da tabe lla annexa :
r director;
r escript urario ;
r amanuense;
.r a lmoxarife;
r id entificador;
aux ili a r de identi f icador;
professor prima·ri o;
professqra primaria ;
I mestre de gymn ast ica;
r mest re ele !trabalhos manu aes;
inspecto r ;
·s ub-in specto r;
inspectora;
J sub-i nspectora;
r den ti sta;
r enfe rm eiro;
r enfermeira;
6 guardas;
I p·o,rtei ro ;
6 se rventes;
1I cozinheirn;
r aj udanlte de cozinheiro.
§ Lº O clirect-or será: nomeado por decreto; o .e•sc ript urario, o ama-
nuense, o almoxarife, o i.d entificador e o auxi liar de ide1ttificador, os pro-
fessores e mestr.es, os inspecáores se rão no,meaclos por portaria do Ministro
da J u:Stiça; IOS demais pelo directo r .
§ 2.º O director receberá ordens do juiz de menores directament.e .
Arlt. 67. O Abrigo terá um regimento interno appr.o vado pelo. Ministro
da Ju stiça e Nego.c ios Interiores.
Art. 68. Ne nhum menor, preso por qua lqu er motivo .o u ap1)rehendido,
será r ecolhido á prisão commum.

CAPITULO IV
DOS IN~l'ITU'l'OS DISCIPUN ARES

Art. 69. E ' creada uma escola de preservação para menores do s·exo
fem inin o, que ficarem s·ob a protecção da auctoridade publica .
Art. 70. A esc-o.Ja é destinada a dar educação physica, moral, profis-
sional e ]iterari a ás menor es, •que a ella fo rem recolhida s por ordem do juiz
compeltent e.
116

Art. 7r. A esta escola não serão recolhidas menores com idade inferior
a sete annos, nem excedente a 118.
Art. 72. A escola será constituída por pavilhões proximos uns dos
outros, mas independentes, cada um dos quaes abrigará tres iturmas de edu-
candas, constituidas cada uma por numero não superi-or a 20, .e com capa-
cidade para 300 meno res abandonadas.
§ r.º Haverá um pavilhão para menores que forem processadas e julgadas
por infracção da lei penal.
§ :2." Haverá tarnbem pavilhões diviididos em cellulas, destinados á
observação dais menores á sua entrada e ás indisciplinadas .
.Airt. 73. A's menores serã!o ensinados os seguintes officios:
Costura e trabalhos de agulha;
Lavagem de r.oupa;
Eng.ommagem ;
Cozinha·
-M.anufactura de chapéos;
Dactylographia;
Jardinagem, horticultura, pomicultura e criação de aves.
Os officios irão sendo creados, á medida que o desenvolvimento da
escola o permittir.
Art. 74. Annexa á Escola Quinz e de Novembro é creada uma escola de
reforma para menores criminosos e contraventor-e s.
§ r.º A Esc-ola Quinze de .Novembro será divididai em duas secções: uma
de preservação, para menor.es abandonado s, e outrai de reforma, para menores
criminosos e contraventores.
§ 2.º A secção de refonna destina-se a receber, para reg.enerar pelo tra-
balho, educação e instrucção, ·os menores do sexo masculino, de mais de 14
annos .e menos de 18, que forem julgados pelo juiz de menores e por este
mandados internar.
§ 3. 0 A escola será dirigida p.o-r um a só e mesma administração, mas as ·
secções íunccionarão em edifícios separad-o1s e completamente independ·entes,
nos termos deste regulamento.
§ 4. 0 Para uniformizar a parte commum das duas &ecções da Escola
Quinze de Novembro e methodizar os varios serviços será expedido um
regulamento especial.
Art. 75. A Esc-ola será constituida por pavilhões proximos, mas inde-
pendentes, abrigando cada qual tres turmas de internados, constituída cada
uma por numero não ·s~1peri.o-r a 20 menores, para uma lotação de 400 aban-
donados e 200 delinquentes. ·
Haverá tambem pavilhões divididos em cell ulas, destinados á obser-
vação dos meno,res, á sua entrada no estabelecimento, e á punição dos indi·s-
ciplinados.
Art. 76. O director, secretario, medico, pharmaceutico, dentistã, in-
structor militar, escripturario e almoxairife da Escola Quinze de Novembro
servirão nas duas secções; a secção de reforma terá mais o pessoal seguinte,
com os vencimentos constanltes da tabella annexa:
4 profes-s-ores primarios;
l amanuens'e, auxi liar do almoxarife ;
I amanuense, auxiliar do escriptura-rio ;
l inspector geral;
4 impedo_res;
I porteiro;
11 roupeiro ;
l enfermeiro;
•I cozinheiro;
I ajudante de cozinheiro;
8 lavacieiras-eng.o mmadeiras;
4 serventes;
8 guardas;
117

2 jardineiros;
2 chacareiros;
cocheiro;
1 ajudante de cocheiro; .
I carreiro;
capineiro ;
§ •1.. 0 O Governo escolherá entre as actuaes officinas da Escola Quinze
de Novembro a'S que devem passar para a secção de r.eforma.
§ 2.º Para cada !turma de internados haverá um professor, um inspector,
dous guardas e um servente . .
§ 3. 0 A' medida que se forem organizando as turmas regu lamentares,
irá sendo, nomeado o respectivo pessoal.
Art. 77. O director será nomeado por decreto; o secretario, o medico, o
pharmaceutico, o dentiSita, o escripturario, o amanuense, o almoxarife, os
professores, os mestres e oo inspectores por portaria do Ministro; os demais
empregados por portaria do director.
Art. 78. As escolas de qualquer dos sexos, em ambas as secções, obser-
varão no seu funccionamento as regras estipuladas nos artigos seguintes.
Art. 79. Cadai turma ficará sob a regencia de um professor, que tratará
paternalmente os m enores, morando co.m estes, partilhando de seus tra-
balhos e devertimentos, occupando-se de ua educação individual, incu-
tindo-lhes os princípios e sentimentos de moral necessarios á sua riegeneraçã.o,
observand{;\ cuidadosamente em cada um seus vícios, tendencias, affeições,
vi rtudes, os effeitos da educação que recebem, e o mais que seja digno de.
attenção, annotando suas observações em livro especial.
Anc. So. Aos menores será ministrada educação physica, moral pro-
fis·sional e li tera ria.
§ I.º A educação physica comprehenderá a hygiene, a gymnastica, os
exerci cios militares (para o sexo masculino) , os j og.os desportivos, e tod os
os exercícios proprios parn o desenvolvimenro e robustecimento do organismo.
§ 2 .º A educação moral será dada pelo ensino da moral pratica. abran-
gendo os deveres do homem para comsigo, a familia, a escola, a officina, a
sociedade e a Patria. Serão facu~tadas aos internados as praticas da religião
de cada um, compatíveis com o regímen escolar.
§ 3.º A educação profissiooal consistirá na aprendizagem de uma arte
ou de um officio, adequado á idade, força e capacidade dos menores e ás
condições do estabe lecimento. Na escolha da profissão a adoptar o director
atten derá á informação do medico, procedencia urbana ·ou rural do menor,
sua inclinação, á aprendizagem adquirida anteriormente ao inte rnamento, e
ao provavel destino.
§ 4.º A educação !iteraria constará do ensino primario obrigarorio.
Art. 81. O ensino será gradual e prngressivo, ºdividido em classes, mi-
nistrado segundo os programmas que forem estabelecidos.
A rt. 82. O producto liquido da. venda de artefactos e dos trabalhos de
campo realizados pelos alumnos será dividido em tres partes iguaes : uma
se rá applicada á compra de mate rias prima'S e ás despesas da casa ; oll'tra
a premios e gratificações aos menores, que se di-stinguirem por sua assidui-
dade e pericia no trabalho, por seu estudo e applicação, pqr seu comporta-
mento e regeneração moral; e a terceira comltituirá um peculio dos menores,
que será depo.sitado trimestralmente em cadernetas da Caixa Economica., e
lhes será entregue á sahida do estabelecimento.
AI1t. 83. No r.egulamento da escola se estabelecerá o regimen de premios
e punição applicaveis aoo educ~nd os. .
· Paragrapho unico. São expressamente prohibidos os castigos cor-
poraes, qua lquer que seja a fórma que revistam.
Art . 84. O juiz, ao· mandar internar o menor, enviará uma noticia sobre
a natureza do crime ou contravenção e suas circumstancias; comportamenfo,
habitos e antecedentes do menor; o caracter, a moralidade, a situação e os
meios de vida do pae, mãe, tut<Yr ou pessoa encarregada de sua guarda; e
todas as demai s informações uteis ao conhecimento das condições physicas,
intellectuaes .e mor aes do internado e sua familia.
118

§ r.º As relações entre o jui z de menores e os directores das esco las


se fa rão sem depe nd encia do Gove rno .
§· 2.º Os directores remette rão ao juiz de menores u111 ho,letim das
notas de comportamento, applicação e tr abalho do menoT, em cada trimestre,
e quaesqu er informações, que achem convenientes, para mostrar o aprovei-
tamento que o menor vai colhendo do regímen esco·l ar.
Art. 85. Qualquer menor, ao dar entrada na e•scola, se rá r ecolhido ao 0

pavilhão de observação, pelo prazo fixad o no regul amento, depois de in-


1Scripto na sec retaria, photogr::t!)hado, subm ettido ás medidas de identifi cação
e exame medico-pedagogico. ·
A rt . 86 . Os menores não trabalharão mais de o ito horas por dia, e
have rá um ou n1ai s intervall os de d.esca nço, não inf erior a tres quartos de
hora .
Art . 87 . Os educa nd os fic arão na escola o tempo determinado pelo juiz,
salvo ordem legal em cont rario ou lice nça de sahicl a provisoria sob lib erdade
vi.g-iada.
Art. 88 . O clirector ela escola ele prese rvação. mediante autorização do
juiz, pócle:
a) desligar concl icionalm ent.e o ed ucand o, que se ache apto para ganhar
a vida por meio de officio, e não tenha attingido á idade legal, desde que
a prop ria .escola., ou um a sociedade de patronato, se encarregue de lhe ol;>ter
trabalho e velar por clle até a maio r ida de :
b) desligar o ed ucando, dand o-lhe trabalho em officio da escola, como
operario, passando neste caso o educand o a vive r sobre si, receb endo se-
manalmente o !falaria, que lhe será fixado de accôrdo com o que fôr ordi-
nariamente pago, attendend o á sua habilitação e capacidade ele trabalho .
Art. 8<). A' sahi da do estabelecimento serão dad os ao menor um di-
ploma do officio ou art e, em qu e fôr julgado apto, e um certificado de sua
co nducta moral durante os dois ui ti mos annos.
A rt . 90. E' licito a·Os particulares, 1>essoas ou associações, para is·so
especialmente organ izadas. ou que a isso ·se qu eira m dedicar, instituir es-
colas de preservação para qual•quer sexo, com a co ndição de não t er.em em
mira lucros pecuniari•o>S , de ob terem auto rização do Governo, de se suj ei-
tarem á sua fi.sca li zação e as moldar.em peba.s disposições legaes.
O Governo não per mittirá o funccionamento de taes escolas, sem que
provem dispôr de p?.trimoni o inicial não infe1 ior a 50 :000$ 000.

CAPITULO V
DO CONS l':T, H O Dr' ASS TS'l'1'KCIA 1' PRO'l'8CÇÃO AOS ~H:NORF.S

Art. 91. E ' creado no Districto Federal o Co 11selho de A ssiste11cia e


Protecção aos Menores, para os fins de:
I, vigiar, proteger e colloca r os menores egressO·S de qualquer .escola
de prese rvação ou refo rma, os que estejam em liberdade vigiada, e os que
forem designadqs pelo respectivo j niz :
TT, aux ili ar a acção do juiz de menores e seus commissari-os de vigi-
lancia;
III, exe rcer sua acção sobre os menores na via publica, concorrend·o
para a fiel observ ancia da lei de ass iste ncia e pro't-ecção aos menores ;
I V, visitar e fiscalizar os estabelecimentos de educação de menores,
fab ri cas e officinas onde trabalhem, e communicar ao Ministerio da JustiÇa e
Negocios Interiores os abusos e irregularidades que notarem;
V, fazer propaganda na Capital Federal e nos ES'tados, com o fim de,
não só prevenir os males socia,es e tendentes a produzir o ahandono, a per-
versão e o crime entre os menores , ou comprometter sua saude e vida, mas
tambem de indicar os meios de neutralizarem os effeitos desses males .
Art. 92. O numero ele membros do Conselho é illimita do e seus ser-
viços sã.o gratuitos.
119

Art. 93. Do Conselho farão parte os directores do Collegio Pedro II,


do Instituto Benjamin Constant do Instituto cios Surdos-Mudos do Ho·s-
pital Nacional de Alienados, da~ instituições de beneficencia sub,;encionadas
pelo Estado ou consideradas de utilidade publica, designadas pelo :Ministerio,
de um representante ela Prefeitura, cio Institut da Ordem dos Advogados,
da Academia Nacional de Medicina e do Departamento Nacional da aucle
Publica, designado pelo director.
Art. 94. O Conselho terá presidente e os administradores necessarios,
eleitos por tres arinos . A presidencia caberá ao Ministro da Justiça e Ne-
gocios Interiores sempre que comparecer ás sessões do Conselho.
Art. 95. O Conselho pó de delegar a pessoas de sua confiança poderes
para desempenho das funcções que lhe aprouver, transitoria ou perma-
nentemente.
§ r.º A esses representantes se denominará Delegados da A ssiste11cia e
Protecção dos ~M e11ores; e serão nomeados pelo presidente.
§ 2 .0 Quando esses delegados forem incumbidos de missão junto ao
juizo de menores, o exercício delta dependerá de approvação do respe-
ctivo juiz.
§ 3.0 O juiz póde espontaneamente encarregar de serviços attinente; a
menores abandonados e delinquentes esses delegados, aos quaes é livre a
acceitação do encargo.
§ 4.º Os delegados incumbidos da assistencia e protecção de menores
pelo juiz se manterão em contaoto com o men c•r; observarão suas tende1~ ­
cias, seu c·o'mp.o rtamento, o meio em que vivem; ·sendo preciso, visita1·ão os
paes, tutor, pessoas, associações, institutos · encarregados da sua guarda;
farão periodicamente, conforme lhes fôr determinado, e todas as vezes
que considerarem util, relatorio ao juiz sobr.e a situação moral e material
do menor, e tudo o que interessar á sorte deste ; e proporão as medidas que
julgarem proveitos·as ao menor.
Art. g6. O modo de funccionamento do Conselho será estabelecido em
regimento inlterno, appr.o vado pelo Governo.
particulares de patronato poderão encarregar-se de menores abandonado,5, ·o u
particulares de patronato poderão encarregar-se de menores abandonados, ou
egresssos dos institultos disciplinares, ou postos em li berdad~ vigiada, sob a..
fiscalização do curador de menores.

CAPITULO VI

DISPOSIÇÕES GllRAllS ll '!'RANSITORCAS

Art. g8. O juízo de menores funccionará no mesmo edifício do Abrigo.


Art. 99. Os meno res abandünados ou delinquentes de 18 annos abaixo,
actualmente recolhidos á Casa de Prese rvação, Escola Quinze de ovembro,
Casa de Detenção. Colonia Correccional ou qualquer prisão, á disp"Osição da
Policia ou de qualquer juiz, passarão para a jurisdicção do juiz de menores,
ao qual devem ser remeittidos os respectivos autos ou documentos .
Art. uoo. Os directores dos estabelecimentos são de livre nomeação e
demissão d-0 Governo.
§ r.º Para as cadeiras de instrucção primaria se rão nomea dos profes-
sores diplomadqs: ·
§ 2.º Em todos os demais cargos, com excepção dos technicos, serão de
preferencia providos funccionarios federaes addidos, de qualquer Ministerio.
§ 3.º As nomeações de commissarios, guardas. serventes e officiaes de
justiça só serão feitas ~ medida das necessidadeis.
Art. ror. Até que seja fundada a escola de preservação de menores do
sexo feminino, poderão ser aproveitados os se rviços da Casa de Preservação
e de outros institutos, propostos pelo juiz e approvados pel o Ministro .


120
Art. 102. O Governo expedirá sob a fórma de regulamento os actos com-
plement ares, ou decorrentes deste, necessarios ao serviço de assistencia e pro-
tecção aos menores ab andonados e delinquent es.
Art . 103. As medidas co-nstantes deslte decreto, que ac arr etem augmento
de despesa, só serão postas em vigor depois de votados o.s credites ne-
ce sarios .
Art. 104. Revogam-se as disposições em contrario .
Rio de ] aneiro, 20 de dezembro de 1923. - João L11i:; A lves .

J UlZO DE Ml!l'\ORES

P essoal

Empregos Ordenado Gratificação Total


juiz ... ... ............. ..... . . .. . . 22:400$000 u:200$000 33 :6oo$000
cu rado r ............ . ............. . 10:000$000 5:000$000 15:000$000
I medico .. . . ..... . . ... ...... .. ... . . . 4:800$000 2 :400$000 7 :200$000
I escrivão . .. . ........ . . . . . . . . . . ... . . 4 :800$000 2 AOO$ooo 7 :2oo$000
I escrevente juramentado . .. . ... . . . . I :600$000 800$000 2 AOO$ooo
6 commi ssari os de vigi lancia .. .. .. .. . 2:000$000 1:000$000 18:000$000
2 off iciaes de justiça .. . ... ... . . .... . 1:000$000 500$000 3 :000$000
I servente (salario mensal ) ....... . . . 125$000 1 :soo$ooo
I porteiro .. . . .. .. . . . .... . ....... .. . 1:600$000 800$000 2 :400$000

90:300$000

ABRIGO DE MENORES

Pessoal

Empregos Ordena do GratificafiãO Total


I directo-r 4:800$000 2: 400$000 7:200$00'o
I escripturario ..................... . 3:200$000 'I :600$000 4:800$000
I amanuense .......... . ......... . . . . 1:600$000 800$000 2:400$000
I almoxa rife .................. . . . . . 3:200$000 I :600$000 4:800$000
1 identificador ... ... . ... ., . . ... . ... . 2 AOD$ooo 1 :200$óoo 3:600$000
I auxi liar do identificador ..... : .... . I :600$000 800$000 2:4oo$000
I porteiro .... . ..................... . 2:000$000 1:000$000 3:000$000
6 se rventes ......... . . . ... .. . . . . ... . 1 :200$000 7:200$ooo
1 cozinheiro ........ ...... . . . ...... . 1: 200$000 1 :200$000
r ajudante dle cozinhei ro .. . .... ... . . 600$000 600$000
I professor primaria .... . . ........ . . 2:400$000 1 :200$000 3:6oo$000
r professora p rimar ia ...... . ........ . 2:400$000 l :200$000 3:600$000
I mestre de gymnastica .. . . . . . ...... . 2:400$000 2:400$000
r mestre de trabalhos manuaes ..... . 2:400$000 2:400$000
I inspector ... . . . . . ................. . 2:400$000 1:200$000 3:600$000
I subiin s1)ector .. ........ . . . . . ..... . 2:000$000 l :000$000 3:000$000
I inspectora . .. .. . ..... . .. . .. . ..... . 2 AOO$ooo 1:200$000 3:6oó$000
I sub-inspectora . .. .. . .. ... ... ... ... . 2:000$000 1 :000$000 3:ooo$000
I dentist a .. . .... . .. ..... . . . . . ...... . 96o$000 960$000
I enfe rm eiro ..... . . .......... . . . . .. . 960$000 960$000
I enfer meira . . . ....... .. . . ......... . 960$000 g6o$ooo
6 guardas ... ... . . .. .. . . .. . ... . ... . . 1 :200$000 7:200$ooo

72 :480$000
121

ESCOLA QUINZE DE NOVEMBRO

Secção de Reforma
Pestoal
Empregos Ordenado Gratificação Total
4 professones primarios ... . .. . . .. . . . 2:400$ooo I :2oo$000 14:4oo$ooo
I amanuense ... . .. . .. . ....... . ..... . I :6oo$OOO 8oo$ooo 2:400$ooo
1 dispenseiro .. . . ......... . ..... ... . I :6oo$ooo 8oo$OOO 2:4oo$ooo
1 inspector geral. . ... ... . . . ...... . . . 2:4oo$000 I :2oo$000 3:6oo$ooo
4 inspectores . . . . ... . .. . .. ...... .. . . 2:000$ooo 1:000$000 12 :000$000
I porteiro .... . .. ....... . .. . .. . . . .. . 2:ooo$ooo l :000$000 3:000$000
I roupeiro .. . . ...... ... ....... . ... . . 2:ooo$ooo l :000$000 3:000$ooo
r enf~ rm~iro .. . . ... . .. . ..1 • •••••• •• • góo$ooo if>o$ooo
I cozmhe1ro ..... .. .......... .. .... .. 1:2oo$000 'I :2oo$ooo
I ajudante de cozinheiro . ... . . .. .. . . 6oo$ooo 6oo$ooo
8 lavadeiras-engomadeiras .. ... ... . .. . 4:300$000
4 ·serventes .. .. . . . . . ... . ... . ....... . I :2oo$000 4:8oo$000
8 guardas ... . . . ... . . . ... . . ... .. . .. . 1:2oo$000 9:6oo$000
2 jardineiros . .... . .. . .. . . ... . . . . .. . 2:555$500
2 chacareiros ............... .. ...... . 2:555$500
I cocheir-0 ... .. .. . .... . . . . .. . .. .... . I :8oo$ooo l :8oo$000
I ajudante de cocheiro .... .. ....... .. 1 :2oo$000 I :2oo$000
I carreir-0 . .. . . . . . .... . ... . ...... . . · · l :2oo$ooo II :2oo$000
1 capineiro .... .. ........ . .......... . góo$ooo g6o$ooo

72 :6II$OOO

Rio de Janeiro, 20 de dezembro de 1923. - João Lui:: Âlves.

DECRETO N. 16.273 - DE 20 DE DEZEMBRO DE 1923


Reorgani:Ja a Justiça do Districto Federal

Art. 197· Os juízes de direito são classificados em tres entrancias, per-


tencendo á primeira as varas criminaes, a eleitoral e a do Tribunal do Jury;
á segunda as varas civ.eis e dos Feitos da Fazenda Municipal e á terceira
as de orphãos, da provedoria e de menores .
§ r.º A nomeação de j uiz de direito da l• entrancia será para a vara
em que a vaga se verificar.
§ 2. 0 Quando a vaga fôr de juiz de menores, o Conselho de Justiça re-
olverá se deverá ser preenchida pela promoção de um dos juízes de direito
cível ou pelo concurso, nos termos deste regulamento, tendo sempre em attenção
as condições technicas e formação mor'!! do magistrado para o exercício da-
quelle cargo.
§ 3.0 Em relação ao. juiz de menores, quer se trate de promoção ou de con-
curso, o candidato deverá ter dez annos, pelo menos, de exercício em cargo
de judicatura, ou Ministerio Publico, ou advogacia.

LEI N. 4 .793 - DE 7 DE JANE~RO DE 1924


Orça a despesa geral da Republica

Art. 30. Ficam approvados o decreto n. 16.272, de 20 de dezembro de 1923,


que approva o regulamento da assistencia e protecção dos menores abandona-
dos e delinquentes, e o decreto n . 16.273, da mesma data, que reorganiza a
Justiça do Districto Federal.
122

DECRETO N . r6.388 - DE 27 DE FEVEREIRO DE r924


Approva o reg11/ame11to do Conselho de As;istencia. e P1'otecção aos Menores
O Presidente da Repubica dos Estados Unidos do Brasil resolve, de accôr-
do com o art. 48, n. I, da Constituição Federal e nos termos do art. 102 do decre-
to n. r6.272, de 20 de dez:embl'.o de r923, approvar o regulamento do Conselho
de Assistencia e Prot·ecção aos Menores, de que trata o capitulo V do referido
decreto , o qual a este acompanha, assignado pelo ministro da Justiça e Negocios
In te riores.
Rio ele Janeiro, 27 ele fevereiro ele r924, 103º ela lnclepenclencia .e 36º ela
R epubiica.
AR'l'HUR DA SILVA BERNARDES.
João L11i:; Alves.

Regulamento do Conselho de Assistencia e Protecção aos Menores


CAPITULO I
DOS I'INS DO CONSJ::LHO

Art. r.º O Conselho ele A ssistencia e Protecção aos Menores tem por fins:
I , vigiar proteger e colloca r o s menores egressos de qualquer esco la de
preservação. oureforma, os que estejam em liberdade vigiada e os qu1e forem
designados pelo r.espectivo j uiz;
II, auxi liar a acção do. juiz de menores e seus comm issa rios de vigilancia;
III, exercer sua acção sobre os menores na via publica, concorrendo para a
fiel observancia da lei de ·asr&istencia e protecção aos menores:
IV, visita·r e fiscalizar os estabelecimento.s ele educação de menores, fa-
bricas e of f.icinas oude trabalham e communica·r ao Minisverio ela Justiça e Ne-
gocios Interiores os abusos e irregularidades que encontrar;
V, fazer propaga nda na Capital Federal e no Estados, com o fim não
só de prevenir os I)iales sociaes tendentes a produzir o abandono, a per-
versão e o crime, entr.e os menores, ou comprometter sua saude e v ida, ma·s
tambem de indicar os meios· que neutralizem os effeitos des,s·es males.
lambem d eindicar 0,s meios que enutralizem os effeitos desses malie s.
alta funcção socia l :
I, fundar estabelecimentos para a educação e reforma dos menores ·
abandonado.s, viciosos e anorm aes pathologicos;
II, obter dos institutos particulares a acceitação de menores protegidos
pelo co nselho ou tutelados pela justiça;
III, organizar, fomentar e coadjuvar a constituição ele patronatos de
menores no D~stricto Feder.ai ;
IV, pr·o mov·er por todos os meios ao se u alcance a complet a prestação
ele assistencia aos menores sem recurso, doentes ou debeis;
V, occupar-se do estudo e reso lução ele todos os problemas relacionados
com a infançia e a adolescencia;
VI, organizar uma lista elas pesso as idoneas, ou elas instituições .offi-
ciaes ou particulares que queiram tomar a seu cuidado menores, que tiverem
ele se r collocaclos em casas de rnmilia ou internatos;
VII, administrar os fundos que forem postos á sua disposição para o
preenchimento. elos seus fin s . ·

CAPITULO II
DO PA'l'RIMO N IO

Art. 3.º O Cons.eho ele Assistencia e Protecção aos Menores é consi-


derado associação ele utilidade publica, com personalidade juridi·ca, para, os
effeitos de receber doações, legados, heranças, etc.

I
123

Art. -1·º .O se u patrimonio s e consti tuirá pela s doações, hera nças e le-
gados que receba e pelas subvenções off iciaes, contribuições ele seus mem-
bros, subscripções populares, etc .

CAPITULO III
DA COMPOSIÇÃO DO CONSl!LHO

Art. 5. O numero de membros do conselho é illimitado e seus ser-


0

viços são gratuit os e considerados de benemerencia publica.


Art. 6.º D o. conselho farão parte os clirectores elo Collegio Pedro II,
do Instituto Benj amin Constant, do Instituto elos Surd os-M ud os, da Assis-
tenci a Naciona l a A lienados, das Institui ções ele beneficenci a, subvencio-
nadas pelo Estado ou conside·radas de utilidade publica, designadas pelo Mi-
ni stro ela Justiça e Negocios lnteri'Olres, um representante da Prefe itura
Municipal, um do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileir.os, um da
Academia Nacional de Medicina e um elo Departamento Nacional ela Saude
Publica. designado pelo clirector.
Art. 7.º O conselho pódc delegar a pessoa s de sua confiança poderes
para desempenho elas suas funcções, tra nsitaria ou permanentemente.
§ r.º Es:ses represe ntantes se denominarão delegados de assistencia e
protecção aos menores e serão nomeados pelo presidente.
§ 2.0 Quando esses del egados forem incumbidos de missão junto ao juizo de
menores, o exerci cio della dependerá ele approvação elo respectivo juiz .
§ 3.0 O juiz pócle espontaneamente encarregar taes delegados de ser-
viços attinentes a meno re s abandonados e delinquentes, send o livre a accei-
tação do encargo .
§ 4.º Os delegados incumbid os pelo juiz ela ass istenci a e protecção aos
menores se manterão em cont acto com o menor; obse rvarão suas ten-
dencias, seu comportamento, o meio em que vive; sendo preciso, visitarão os
paes, tutor, pessoas, associações, institutos encarregados da sua guard a;
farão p'erioclicamente, confo.rme lhes fôr determinad o, e todas as vezes que
considerarem util, relataria ao juiz sobre a situação moral e material do
menor, e tudo o que inter essa r á sort e deste; e pr.o porão as medidas qu e
julgarem proveitosas ao menor.
Art. '8.º O conselhio, poderá ter socios subscriptores, cl:Oaclore:s, pa-
tronos. e ·benemeri tos.
Art. 9.º São subscriptores os socios qu e tomem com~romisso de con-
tribuir e effectivamente . contribuam, durante um ou mais annos. com a
s.omma de dinheiro, cuja quot a elles proprios fixam ou subscrevem. Es ta
qua lidade 1se adquire pelo facto ela subscripção e não acarreta outra obri-
gação que a de pagar a importancia subscripta.
Art. ro . O titul o ele doado r é conferido a todo subscriptor, cuja coti-
zação animal exceder de cem mil réis (roo$), com o compromisso de con-
tinuai- a por tres annos no mínimo . .
Art. rr . Patronos são o,s subscriptores ou doador es que, fazendo de-
claração escripta, ele que manterão sua contribuição duran te um prazo con-
vencionado, durante este mesmo prazo-se encarregarem elos men ores cuja
vigilancia .o consdho lhes confiar .
Art. r2. O patrono contrae a obrigação de receber, co,llocar, vigiar,
soccorrer, á sua custa ou com os recursos que o conselho puzer á sua dis-
posição, os menores que lhe forem co.nfiados; e de prestar conta ao con-
selho do resultado de seus cuidados, conforme as instrucções que lhe forem
dadas no momento de sua entrada em exercicio.
Art. 11 3. Os patronos ·que deixem de habitar o Districto Federal po-
dem conservar esse titulo se, antes -da sua partida, providenciarem sobre o
patronato de seus pupillos, 1se permanecerem subscriptores e se offerecerem
a dar seus cuidados ao menores que o conselho queira collocar na localidade
em que vão habitar.
Art. 14 . Os patronos que, sem motivos legítimos, recus em acceitar o
patronato do s menores que o conselho lhes confiar. ou dar co nta de se us
pupilos nas épocas determinadas, p od~ m ser demitticlos.
124

CAPITUúO IV
DA ADMlNlSTRAÇ,\o

Art. 15. O conselho é administrado por uma clirectoria, assistida de uma


junta administrativa e auxiliado por commissões.
Art. 16. A clirectoria compõe-se de um presidente, dois vice-presi
dentes, dois secretarias e um thesoureiro.
A presiclencia caberá ao Ministro da Justiça e Negocios Interiores,
sempre que comparecer ás sessões.
Art. 17. A' clirectoria compete:
I, velar pela execução deste regulamento, cio regimento interno, e das
decisões tomadas p ela junta. administrativa;
II, preparar as materias que devem ser submettidas ás deliberações· da
junta administrativa;
III, apresentar á assembléa geral os candidatos ás funcções de membr.o s
da junta;
IV, apresentar á junta os candidatos aos Jogares de socios e provocar,
em caso de neces.sidade, a exclusão de socio;
V, exa minar o pedidos de admissão ao patronato e relatai-os á junta.
Art. 18. A junta administrativa compõe-se da directoria e doze vogaes.
Art. 19. Compete-lhe:
I, deliberar s·o bre todas as rnaterias que interessam ao conselho, as
qua es lhes serão submettidas pela directoria ou por um dos membros da
propria junta;
II, nomear as diversas commissões permanentes;
III, apresentar á assembléa geraJ os candidatos ás funcções· de membros
da directoria, em numero triplo dos Jogares vagos;
IV, deliberar sobre a, admissão e exclusão de socios;
V, elaborar .o regimento interno;
VI, propôr á assembléa geral as medida,s que lhe parecerem provei-
tosas á execução do prograrnma do conselho e seu desenvolvimento.
Art. 20. Todos os membros da directoria e da junta administrativa
são eleitos pelos membros permanentes do conselho (art. 6°) e .os patronos
em assembléa geral, pelo prazo de tres annos, podendo se r reele.itos suc-
cessivamente, por escrutinio secreto e maiori a de votos dos mtm1bros
presentes.
Art. 21. Nas reuniões da junta administrativa,. um terço de seus mem-
bros basta para. a expedição dos negocios ordinarios, havendo unanimidade;
nos casos, porém, em que houver divergencia, será mister a présença da
maioria.
Art. 22. O presidente representa o conselho, dirige os seus trabalhos,
preside as assembléa geraesb a junta administrativa e a directori-a, com
voto de desempate.
As suas o'utras attribuições serão fixadas no regimento interno.
Art. 23. Haverá as seguinttes commissões permanentes, além de outrns
que possam ser creadas no regimento interno:
I, commissão de propaganda, que terá a seu cargo os assumpt-o,s refe-
rentes ao disposto no n. V, do art. 1°, e no n. V. do art. 2° deste regu-
mento;
II, commi.ssão de vigilancia, com as incumbencias nos ns. I, II, .III,
IV, do art. 1° e VI, do art. 2º;
III, commissão de patronato, para os dispositivos dos ns. I, II, III e
IV, do art. 2.
Art. 24. As medidas complemen~areis e dis,posições exect~tivas deste
regulamento constarão do Regimento Interno, elaborado pela junta administrativa
e approvado 11elo "Ministro da Justiça e Negocios Interiores.
Rio de Janeiro, 27 de fevereiro de 1924. - João Ltt-iz Alves.
08 SYSTEMAS PENITENCIARIOS DOS ESTADOS
ESTADO DO AMAZONAS
SUMMAR[O- O Amazonas e o historico de suas prisões -
A prnite11r.iar·ia 110 edificio de uma escola, e 11ma escola profissional
de 1ne11ores numa penitenciaria-' Da cadefo de -I852 á Detenção de
Pariratuba - Palavras de Monteiro Pei.-roto, Clari11do de Q neiroz,
José Paranaguá, e
onrado de Nie11ie'j1er, e Otttros presidentes da
província - A g?;a11de pe11ite·11ciaria de Manaus - O paludismo e11-
demico na Detenção e o juizo de Oswaldo Cru.'J - Mudança dos
reclusos para Paricatuba e opinião do actual chefe de policia - Pa-
lavras do Dr. Caio Carvalho - Minha impressão desagradavel ~ U'/11.
bom regulaniento e uma realidade acabrnnhadora - Predio em
ruiuas, falta de administração-' O trabalho dos presos contrario ás
leis scie11tif icas e humanas: fazem lenha grossa nas florestas - Pro-
miscuidade e volta r:ro estado de nature:;a - Trechos de 11111a carta do
Dr. íl1 ario .~1 onteiro e passagem da ultima mensagrm do preside11te
Alca11tara Bacellar .

9
ESTADO DO AMAZONAS

Hospedaria de immigrantes, quando em construcção (Parycatuba) - Actual


penitenciaria
Aqui, o que me sobrou em dados historicos sobre a actual
prisão central abandonada, faltou na efficiencia de qualquer
systema prisional existente proventura nsete Estado .
O Amazonas, já se tem escripto, é a terra dos paradoxos, e,
para prova de semelhante asserto, alli mesmo se aponta ao foras-
teiro o templo christão do Pobre Diabo. Paradoxo semelhante é o
de achar-se a prisão de Manaus localizada num esboroado palacio
construido em Paricatuba para uma escola, e estar funccionando na
penitenciaria, com os seus raios de cubiculos, a Escola Profissional
de Manaus, mantida pelo governo da União!
No Amazonas, aliás; houvera sempre uma torturante pre-
occupação de uma bôa prisão central, conforme se conclue da bella
exposição feita pelo illustre sabedor das cousas ele sua terra, o
Dr. João Baptista.
Sabe-se que o Amazonas só foi elevado á categoria de pro-
víncia em fins de 1851, sendo esta inaugurada a r de janeiro do
anno immediato. De 1849 a 1905 a cadeia central esteve numa de-
pendencia da antiga Fabrica de tecidos de algodão, de Manaus.
O Dr. João Baptista escreveu :
«Quando foi inaugurada a Provincia, em r ele janeiro
de 1852, servia de cadeia um pequeno quarto, que pelo_seu
ambito estreito, escuro e, insalubre, parecia ser mais um
ergastulo tormentoso, que Casa de Detenção. Os presos de
crimes os mais atrozes estavam juntos com os de culpas
leves e os cidadãos, ainda não convictos, juntos com
aquelles e mesmo com escravos fugidos, eram recolhidos
nessa, unica prisão.»
132

Coube a Tenreiro Aranha melhorar-lhe a situação, dando-lhe


uma outra sala e asseiando-a .
Regia-s.e essa prisão pelo Regulamento da do Pará.
Com a mudança ~ Camara Municipal para outro edificio, a
cadeia de Manaus ganhou novos departamentos, em 1864 . Dois annos
mais tarde substituia-se a cerca de madeira que a resguardava por
um muro.
Nada disto, porém, tirava a tal prisão o seu aspecto repulsivo,.
suas pessimas condições hygienicas.
Convém escutar da bocca dos presidentes da provincia quanto·
elles avançaram sobre o assumpto, e que o Dr. João Baptista se
deu ao trabalho de recolher dos documentos da época .
Em 1880 escrevia o tenente coronel Clarindo de Queiroz:

«Na propria capital, porém, - dizia em 1873 o presi-·


dente Dr . Monteiro Peixoto - , não existe systema peniten-
ciaria, não se pr.ocura com a prisão modificar a natureza dos.
infelizes que transgriden'l as leis .sociaes, não se lhes dá o·
pão da instrucção, tão essencial ao seu desenvolvimento
moral, não ' se lhes incute o amor ao trabalho, não se pro-
move sua regeneração, tornando-os cidadãos uteis á si e á
sociedade .
Estes resultados se obteriam, em parte, com a creação
de officinas em que fossem aproveitados os artistas, ao·
mesmo tempo que os que ignorassem qualquer officio se..
habilitariam numa profissão que, no futuro, lhes garantisse
seguros meios ele vi~la .
Esta idéa certamente será por vós acceita, e ccmvém
, que, para realizai-a, autorizeis as despesas a fazer com as.
obras necessarias á creação das officinas, bem como para.
a nomeação de um administrador."
"A cadeia desta capital, sendo a melhor da Província,.
carece de todas as condições indispensaveis aos estabeleci--
mentas desta natureza.»

Referia, em 1883, o Dr. José Paranaguá, a quem se deve o•


133

})rimeiro plano para a construcção de uma penitenciaria no Ama-


zonas:
«Acanhada, insalubre e de fraquissima construcção,
não póde absolutamente prestar-se para o fim a que é des-
tinado esse edificio, que é um so1erine desmentido ás pro-
messas da Constituição, na especie.
E', portanto, uma das necessidades mais urgentes do
serviço publico a construcção de -um edificio que satisfaça
as condições de uma bôa prisão civil, servindo de cadeia
central para os criminosos da Provincia. ·
A cadeia da capital é má; tem pouca segurança, ca-
rece de accommodações para as praças e sin1ples detentos,
não tendo sequer as indispensayeis aos criminosos, mas
sobretudo resente-se da falta de officinas para trabalho.»
Em 1888, ponderava o coronel Conrado Jacob de Niemeyer;

"Sem as precisas accommodações para conter o


crescido numero de presos, vae corntudo continuando a
servir de cadeia o velho edificio provincial, á praça
D. Pedro II .
Estou inteiramente convencido da nec~ssidade de uma
penitenciaria, nesta capital, onde se devam recolher os
presos deste e dos outros municipios, como acontece pre-
sentemente, n~o só porque as cadeias do interior e a desta
cidade não offerecem as precisas seguranças, accommoda-
ções e proporções, senão tambem para que da agglomera-
ção de presos, sem o cultivo do espirito, não resultem mais
graves prejuizos á sociedade .
E' minha opinião que as camaras 111u111c1paes, dentro
dos limites de suas forças, devem concorrer para essa obra,
cuja construcção é inadiavel em vista do exposto e não
menos elas condições precarias eti1 , que se acham os infeli-
zes detentos.
Melhorar-lhes o estado e cultivar-lhes o espirito é dever
de governo bem intencionado, sob cuja guarda vivem
134

tantos desgraçados, esmagados pelas desastrad§!-s consequen-


c:as da falta de instrucção e devida educação .
Essa penitenciaria, porém, não deve começar logo por
grandes proporções e sim na razão das circumstancias fi-
nanceiras, para que, no intuito de remdiar um mal, não se
origine um outro não menor, qual o de desbarato dos di-
nheiros publicos. »

Assim, os que se succederam no poder, na Província do Ama-


zonas, estavam compenetrados da necessidade de uma penitenciaria,
mas absolutamente não a construiram.
Nas men sagens dos primeiros governadores da Republica as
qu eixas e projectos são os mesmos, sem excepção .
Logo no governo cio Sr. Fileto Pires, uma cornmissão nomeada
desincurnbiu-se ela tarefa, aliás espinhosa, ·ele traçar .o piano e levantar
a planta ela Penitenciaria'. Foi adaptado o typo scandinavo, e para
detalh es teria a cornmissão observado as penitenciarias de Cherry
Hill, em Phi!adelphia, ele S. Gallen, na Suissa, de Chalon-sur-
Saone, na França, e ainda as de Milão e Roma, na Italia .
O ed ifíci o seria amplo, com dois pavimentos, com 147 cellas,
das quaes 48 destinadas aos presos com trabalho e 27 para presos
politicos ou ele passagem. As cellas ele isolat11ento tinham 3,19 de
comprimento por 3,90 de altura, o que dava cerca de 40 metros.
cu bicos ele capacidade.
O Sr. Fileto Pires lançou a pedra fundamental dessa peniten-
ciaria no bairro do Mocó, em frente do Reservatorio, a 30 de março,
mas a 4 de abril. partindo para a Enropa, por força de aconteci-·
mentos políticos, as obras foram suspensas.
O plano e o local não deviam ser mais aproveitados. Em l9.Q4,.
tendo resolvido dar novo regulamento á cadeia da capital, que con--
tinuava a ser " um espectro do passado", sordida, anti-hygienica e·
acaçapada, o governadó1: Constantino Nery cogitou de demolir O·
condemnado edificio que hombreava, na sua sordícia, com o pa-
lacio cio Governo, e então deliberou construir a nova penitenciaria,
dessa vez levada a bom termo.
133

Pelo que vi, se o Sr . Constantino Nery merece louvores _- pelo


facto ele ter constn~iclo a nova prisão, errou no qu e toca ao local e
ao plano, escolhendo um sitio visivelmente inadaptavel ao fim e
edi.f icando sobre elle, a cavalleiro de um feticlo paraná, o edificio de
mn só pavimento.
Leinçada a pedra fundamental junto á Ponte ela Cachoeirinha,
a 21 ele novembro claquelle anno, coube aos engenheiros Rossi
Irmãos a execução ela obra pelo preço inicial de 2. 633 :883$600. A
19 ele março ele 1907 estava prornpta e inaugurada a Detenção de
Manaus.
Ouçamos, aqui, o D!'. João Bapti sta, no interes·sante trabalho
que publicou n'A Imprensa, em delicada . homenagem á minha pas-
sagem pelo seu Estado, convindo registar ainda o volume do
Sr. Pedro Regalado Baptista ( Qiicstõcs penitenc'Íarias), unico es-
tudo que sobre o assumptu encontrei editado no Amazonas; tai estudo
é o relatorio apresentado ao Dr. Fileto Pires Ferreira, em 1897,
após viagem especial pela Europa, mas o auctor perd eu-se em diva-
gações, ao envez el e concretizar suas observações pessoaes das pri-
sões que observou .
Disse o Dr. João Baptista sobre a transferencia dos senten-
ciados e outros presos para a nova detenção :

« Foram todos os presos recolhidos ás cellulas e mais


prisões da Casa ele Detenção, onde, a par da abundancia de
ar e luz, encontraram elles cuidadoso . tratamento ,- rigorosa
observancia das regras de hygierie, ensino primaria e pro-
.
fissi onal, .alimentação variada, exercícios physicos, trata-
mento em vastas enfermarias, emfim ," o conforto compa-
tível com o regimen pen itenciario.
Por disposição do regulamento então promulgado, com
o producto do trabaiho de cada preso nas officinas, fi-
cava este habilitado a soccorrer sua familia e a accumular
um peculio, que lhe seria entregue quando fosse posto em
Jiberdade.
. . Foram recolhidos á Casa de Detenção 43 presos sen-
135

tenciados, seis em gráo ele recurso e 40 em summario de


culpa; ao todo 89.
Um dos salões desse estabelecimento foi destinado á
installação do gabinete anthropometrico e dactyloscopico,
que estava regularmente provido de apparelhos e material
necessarios. »

Tudo concorreu, porém, para inutilizar ~o immenso sacrificio do


Amazonas. E"' o que verificaremos a seguir .
Installados os convictos e processados na grande Penitenciaria
de Manaus, logo se verificou que ella não correspondia aos fins para
que fôra C·reada.: muito baixa, sobre um terreno humido, de charco,
a cavalleiro de um igarapé, transformou-se úum fóco de paludismo
que dizimava os presos.
O sabio Oswaldo Cruz, em seu relatorio dl': 1913, sobre as
"condições medico-sanitarias do Valle do Amazonas", apresentado ao
Dr. Pedro ele Toledo, já havia dito: - ".Observámos, ainda na Santa
Casa diversos casos capitulados ele beri-beri. A molestia é endemica
em Manaus, onde occasiona annualm ente grande numero de obitos,
havendo na cidade habitações co!lectiva.s que representa111, verdadei-
. ros fócos da endemia: PENITENCIARIA, Hospfrio, Santa Casa".
(Relataria, pag. 5.) "Foi-nos passivei, escreveu ainda Oswaldo
Cruz, praticar · a autopsia num caso dos mais caracteristicos, de pa-
raly~ia dessa natureza. Tratava-se de um preso, mantido na Casa
de Correcção de Manaus, grande fóco reconhecido de .mataria ."
(Idem, pag. 43.)
O joven chefe de policia local, Sr. Dr. Mario do Rego Mon-
teiro, escreveu, aliás, isto, em seu ultimo relatorio:

« Não se diga que as condições hygienicas deste, si-


tuado em bairro de pouca salubridade, e onde a endemia do
paludismo ha feito victimas, a tal se oppõe, porquanto isso
não será obstaculo, uma vez que um serviço de prophylaxia
permanente nas prisões e nos presos seja cuidadosamente
praticado. A prova é que, funccionando nelle, ha alguns
annos, a Escola de Aprendizes Artifices, frequentada por
'137

numeroso? alumnos, nenhum dali sahiu atacado dequella


enfermidade . O assumpto merece cuidadoso estudo . »
Julgo poder oppôr a esta affirmativ-a a mais formal contra-
-dieta. Se não bastasse o juizo· de Oswaldo Cruz, teria eu, como tive,
·ü depoimento cio professor Esmeralclo; director de tal escola, que

.me inteirou do facto de sahirem diariamente atacados ele paludismo


·dois e mais alumnos do estabelecimento ...
Até 1914 funccionou neste edifício a penitenciaria amazonense,
-que custou cerca ele 5. ooo contos. Pois bem : ouça V. Ex. o que
.sobre o seu funccionamento escreveu o Dr. Caio Nunes Carvalho,
.que minuciosamente o estudou:

«Experimentam-se, alE, os transes de uma revolta, que a


custo se pôde conter, pela falta de ordem, _pelo descaso á
· vida humana e menosprezo dos mais comesinhos princípios
da sciencia. O s~u -rcgulaniento, que contém muita dispo-
sição aproveitavel, é positivamente letra 11-iorta . O tra-
balho. é embryonario e sem horario, realizado em rudes of-
ficinas, de carpintaria e ferraria, sendo que uns se en-
tregam á conservação ela horta e pomar existentes, outros á
confecção de rêcles e tarrafas de pescaria, qug são ven-
didas clirectamente aos negociantes da praça, applcando
muitos delles o seu producto na acquisição de alimentos
que maneiam vir de fóra cio estabelecimento.» (A nova
applicaçãÓ do Direito P enal.)

Ainda em contradicta á assertiva cio Dr. Mario Monteiro,


-chamo a attenção ele V. Ex. para o trecho seguinte, do estudo do
~Sr. Dr. J oão Baptista, publicado na primeira colurnna cio orgam of-
iicial do Estado em 19 de junho de 1923 :

«A Casa de Detenção, construida á praça Rio Branco,


em terreno novo e humido, era um campo aberto ao im~
paludismo e ao ·beri-beri, molestias terriveis, cujos casos
fataes eram constantes naquelle estabelecimento, devido á
impropriedade do Iocal.
De dia para dia, mais se accentuavam esses inconve-
138

nientes, tornando necessaria a remoção dos presos para a


Santa Casa de Misericordia e para o sanatorio de Ita-
coatiára.
Como lenitivo ás torturas das cellulas humiclas, quentes
e sem ar, dizia o governador, coronel Antonio Bittencourt,
em uma das suas mensagens, tem-lhes sido facultada a
prisão, em commum, durante o dia e permittido o tra-
balho na área interna elo estabelecimento.
O chefe ele Policia, Dr. João Lopes Pereira, em maio
de 1914, lembrou ao Governo do Estado que o ediíici..>
onde, em Paricatuba, outr'ora funccionara .o Instituto Af-
fonso Penna, poderia ser, com maior proveito, destinado á
Casa de Detenç.ão .
O governador, Dr. Jonathas Pedrosa, em suas diversas
mensagens, dizia que a Casa de Detenção, além de edi-
ficada em terreno insalubre, não correspondia aos dicta-
mes ela moderna. sciencia ele punir.
Impunha-se, assim, a mudança para Paricatuba, região-
rnuito salubre, e onde o -Estado tem um grande edificio-
adaptado, com pequeno dispendio, ao encerramento dos.
sentenciados, que seriam empregados na agricultura, dando.
margem a se poder pôr em facil execução alli a instituição
cio patronato official suggerida pelo chefe de Policia ~
Dr . João Lopes . »
Teriam, porém , lucrado o Estado e os proprios presos com a .
transferencia para o proprio estadual de Paricatuba, construido na
aclmi nistração cio Sr. coronel José Cardoso Ramalho Junior?
Não, responde o ch~fe ele Policia:
« A Casa de Detenção, transferida desde 1914 cio ex-
cellente eclific.io mandado construir, especialmente, pelo·
Estado, á rua Municipal, desta cidade, para Paricatuba, ..
absolutamente não preenche as exigencias da serventia a
que é destinada. InstaUacla no velho e ruinoso casarão :!tn·
'que funccionou o extincto Instituto Affonso Penna, nãCP
dispõe, como o outro, da adaptabilidade necessaria, nem:
139

da applicabilidade exigivel a uma penitenciaria em ordem.


E sob1:e esse grave inconveniente occorre outro, exigente
de immediata attenção: o lamentavel estado de ruina do
·preelio, qne está a esboroar-se todo e abaterá, por fim, se
uma providencia salvadora urgente não fôr em seu auxilio.
Mas, _pergunta-se, valerá a pena o Estado ordenar despesas
com os reparos para conservar alli a Casa de Detenção,
tendo, como tem, á mão, para delle utilizar"se quando quizer,
um edificio de construcção moderna, apí·opriado, dispondo
de tudo que necessite a tal fim e no perimetro da cidade.
portanto, em situação ele receber promptos recursos, em
caso ele eventual sublevação dos sentenciados ?»
Quer isto dizer que, na opinião cio governo, a prisão em Parica-
tuba está em peiores condições cio que se estivesse na capital, apezar
de ser a verdadeira penitenciaria chrismada ele - Mat~clouro - a
ponto de suppôr o publico que os cubiculos foram pavimentados
sobre uma camada de sal, perversamente clistribuicla para apressar a
existencia dos reclusos!
Darei, agora, minhas impressões pessoaes sobre o que seja o
systema ·penitenciaria no Amazonas .

NO REGULAMENTO

O Regulamento ela Casa ele Detenção ele Paricatuba contém-se


no Titulo IV do Regulamento Geral ela Policia Civil, a que se refere
o ·decreto n. r . 326, ele 28 ele junho ele 1919. A Casa ele Detenção é
''urna repartição policial, destinada á reclusão cios inclividuos defi-
nitivamente julgados no Estado e -á guarda cios que estiverem presos,
á disposição elas auctoriclacles judiciarias e admini strativas e á re-
quisição consular". (Art. 136.) Pelo Regulamento, serão os presos.
tanto quanto possivel, separados, de conformiclacle com a seguinte
classificação:
I - Os qne tenham sentença passada em julgado;
II - Os que estejam á disposição de juizes cri111inaes para a
formação ele culpa;
III - Os detidos por cansa civel, commercial ou administrativa;
140

IV - Os presos por contravenção, infracção de postura:s e á


<iisposição de auctoridade policiaes. ( Art. l 37. )
Cada ut}la destas classes abrange tres grupos:
- O dos menores ;
- o dos maiores ;
- o das mulheres. ( Art. ~38.)
Determina, mais, o Regulamento, que "os menores, · em caso
.algum, poderão ser recolhidos á prisão dos homens", que "serão
sempre separados· os co-réos no mesmo processo", que "quando
dois ou mais presos teriham de ser recolhidos ao mesmo cubiculo,
serão, sempre que seja possível, reunidos condemnados por crimes de
-igual natureza'' .
Do ponto de vista do trabalho, rezam os arts. 164 e 165 do
referido Regulamento:
Os sentenciados terão sempre occupação diaria fóra de suas
cellulás.
« O trabalho que lhes fôr impos1t:o deverá ser ade-
quado á sua rehabilitação moral, convindo não contrariar,
mas aproveitar, intelligentemente dirigidas, as proprias ten-
dencias dos sentenciados, de modo a despertar-lhes o senti-
mento da liberdade e os habitos de autocoerção; serão em-
pregados nas officinas como mestres ou operarios, na co-
sinha, enfermaria e faxina da prisão, e suas dependencias.
Art. 165 - Essas officinas, independentemente de
outras que se estabelecerem, serão de marcenaria, sapa-
taria, lavanderia e alfaiataria, podendo nas duas ui.tima.s
ser empregadas as mulheres, acceitando o Director pro-
postas para o fornecime11to de moveis, roupa lavada e en-
gommada, bem como a confecção de calças, blusas, py-
_iames. mosquiteiros, camisas e outras obras de carregação,
admittidas sempre de accôrdo com a tabella organizada,
depois de sua approvação pelo Chefe ele Policia.»
Quanto á constituição do peculio do detento:
« O nroclucto dos trabalhos dos presos, deduzidas as
despesas com a acquisição da materia prima, será dividido
141

em quatro parte iguaes, sendo uma para o Estado, outra


para indemnização á parte offendida ou pagamento de-
multa que houver sido imposta ao preso, outra para soc-
correr sua mulher e filhos, se os tiverem, e a ultima para
constituir o fundo de reserva, que lhe será entregue quando·
posto em liberdade.» (Art. 170 . )
Pela tabella n. 4, ha um chefe de guardas e IO desses vigi-
lantes. Os guardas são uniformizados.

NA PRATICA

Quando cheguei a Manaus, Senhor Ministro, como se a po-


pulação houvesse concertado uma opinião unica, toda gente dizia-me
que éu não lograria visitar as prisões cio Estado. Ainda a bordo,.
affirmavam-me isto . Em terra, era a voz geral.
PÍtz-me, Jogo, de sobreaviso, e tentei fazer alli o que, nos de-
mais Estados, sem a menor coacção ou extranheza dos respectivos
governos, havia feito: visitar sem tardança e sem apparato a peni-
tenciaria, isto porque a companhia de auctoriclacles e homens emi-
nentes não me dêixava em plena liberdade para observar, esmiuçar
e perquirir . Mas verifiquei ser impossível realizar o meu desejor
por isso que Paricatuba fica á margem direita do Rio Negro, e-
para atravessai-o faz-se mistér uma viagem, em lancha, de perto·
de duas horas.
Sómente dois dias depois, após vanas peripecias singulares,
logrei, acompanhado de luzida comitiva, "chegar ao mysterioso sitio.
que se me queria furtar á inspecção.
O predio está situado numa elevação cio terreno e é admiravel·
a sua localização . Tem uma longa fachada de estylo sobrio e é for-
mado por quatro ala• em quadrilatero, havendo urna vasta área
central arborizada.
Todas as afas dispõem de galerias avarandadas. Seus salões são·
espaçosos, seu assoalho de madeiras preciosas, suas varandas de es--
plendidos mosaicos . Tudo, porém, alli, está a esboroar-se.
O tecto abate, os soalhos cedem, os ladrilhos afundam, os arcos.
desabam, as cornijas fragmentam-se . São cerca de quatro mil contos.
142

de réis que a mcuna administrativa deixa inutilizar-se em Parica-


tuba ! Construido para um internato de menores, o Instituto Af-
fonso Penna, o palacio de Pari.c atuba tem tanto de prisão quanto a
J>enitenciaria ele Manaus tem de escola.
Mas, ainda assim, cuidava eu encontrar nelle qualquer afeiçoa-
mento ao seu novo mistér. Nada, porém, se fez neste sentido . O
immenso edifício está vasio. Não vi, alli, funccionarios, nem secre-
taria, nem archivos, como não vi cubiculos, nem mobiliarios, nem
officinas. Tambem não admira isto em se sabendo que não vi
presos!!
Por mais extraordinario que isto pareça, é a verdade. O proprio
de Paricatuba tinha dentro apenas uns velhos moveis na sala de
entrad~. e em dois salões da ala esquerda oito camas, que soube

destinada:; aos guârdas da prisão . Os presos, informaram-me, es-


tavam em trabalho, e o trabalho consistia em fazer lenha grossa que,
vendida a preços vis, é depois revendida pelas cotações cio mercado.
ão pude calar minha estranheza cleante cio facto, pois, re-
presentante cio Governo Federal para o fim ele inspeccionar as ca-
deias e os penados, avisado com antececlencia o governo estadual,
e officialmente, dessa visita, não me deixava um preso a ver nem me
conduzia ao sitio onde ell es trabalhavam! Mostrei desejo de ir ate
ao local da faina cios presicliarios, mas se me dissuadiu cio meu in-
tento ... Ignoro a causa real ele todo esse retrahimento, de toda essa
negaça; mas comprehenclo que os detentos não costumam vir senão
a largos espaços a Paricatuba , estando abarracados em sorcliclas chou-
panas á margem cio rio, onde investf m a matta para fazer a lenha.
Colhi, mai s, que muitos delles vivem quasi ele nudos , e que não re-
cebem ração, alimentando-se ás suas proprias custas, apezar ela verba
orçamentaria consignar cinco contos mensaes para custeio ela
Detenção.
Dizendo-me o senhor chefe de policia que os presos dormiam
no estabelecimento, ponderei-lhe só existirem nelle oito leitos para
oitenta reclusos, não descobrindo eu rêdes, enxergas ou esteiras que
pudes cm servir para dormida dos mesmos. Havia, no entanto, em
uma dependencia inferior cio edifício, atirados á ferrugem, para.
143

mais de cem leitos dos que se destinaram aos menores do extincto


Instituto, e que logo foram reclamados ao governador pelo Dr. Vi-
valdo Lima, illustre director do Hospicio de Alienados, que me
acompanhava. Verifiquei, e commigo o chefe de policia, que o di-
rector do estabelecimento havia um mez alli não apparecia; tanto que
"foi substituído " .
Não havia guardas civis na Detenção, e o serviço de vigilancia
aos presos é feito por um destacamento policial. Os menores vivem
e m promiscuidade com os adultos. Não tendo obtido o mappa esta-
tistico completo da prisão, ignoro. se ha mulheres entre os presi-
<liarios; soube, porém, que no acampamento vivem mulheres e crianças .
Em carta que me dirigiu, a 15 de junho, assim justifica o
Dr. Mario fonteiro a desorganização do pres idio amazonense :

« O serviço policial cio Estado, no que toca á reclusão


dos condemnados da justiça, ainda, infelizmente, não se
acha organizado, por motivos superiores, entre os quaes é
forçoso incluir o descaso em que os governos passados dei-
xaram tão importante problema ela administração publica,
em condições ·de preencher o fim da pena, cio ponto ele vista
da sciencia moderna. Como V . S. verá do Relatorio que
apresentei, em 1921, ao Exmo. Sr. Desembargador Gover-
nador do Estado, encontrei, além de cheio de imperfeições
,, o serviço da Casa de Detenção, em lastimavel estado de
impr stabilidade o predio em que esta se acha situada, no
edifício da antiga colonia de Paricatnba, onde funccionou o
Instituto "Affonso Penna" . E' certo que para a Casa de
Detenção o Governo cio Estado mandou construir, espe-
cialmente, o magnifico edifício em que ora se encontram a
Escola de Aprendizes Artifices e o Dispensario "Oswaldo
Cruz", cio Serviço de Saneamento e Prophylaxia Rural, que
V. S. já teve opportuniclade de visitar . Mas, por um
~rro de administração e sob o pretexto de que o estado sa-
nitario constituía perenne ameaça á saucle dos detentos,
quando perfeitamente expurgado, pelo menos, uma vez por
semana, o regimen de saude seria promptamente restahe-
144

lecido, dalli foi, em 1914, retirado o mesmo presidio para_


Paricatuba, onde, a despeito da situação admiravcl <lo local.
sob uma natureza de primeira qualidade, attenta a salu-
bridade ambiente, todavia, a Casa de Detenção não ficou
installada convenientemente, carecendo os reclusos de cui-
dados que, como acabo de saber, .com grande detrimento·
da confiança que nelle depositei, o actual director, já por
mim substituido, lhes não dispensava.
Certo, essa foi a impressão de V. S. na visita que
hontem fez áquelle estabelecimento.»
Fui, entretanto, informado em Manaus de que sob a adminis·
fração anterior a prisão de Paricatuba offerecia uma saudavel phy-
sionomia de ordem e trabalho . Na verdade, em sua Mensagem de
1920, o Sr. Alcantara Bacellar, que ei11 1918 e 1919 não calava o
seu desgosto pelo triste estado da prisão, escreveu :
«Sob a activa direcção do Sr . Tenente Cicero Corrfa
funcciona este Departamento no edificio construido em Pa-·
ricatuba, e.'l:istindo alli a elogia7.1el ordewi e a ·necessaric.t
d·iscíplina que tanto reconm1endam os estabelecimentos dessa
natureza.
Os deten_tos já estão sendo empregados em serviços.
varias, taes como em aberturas de e~tradas, limpeza de ruas.
e praças, segundo o que se observa nos grandes meios,.
notando-se que a sua conducta muito diz a favor da orienta-·
ção dada ao estabelecimento.»
Eis ahi está, Senhor Ministro, o que é o regimen penitenciario·
no Amazonas. ( *)

(*) Sobre P a:ricatuba convem deter estas notas de João Baptista:


« Em :setembro de 1914, o Governo ·ficou autorizado, pela lei n. 756, a.
installar no antigo. Instituto "Affonso Penna" uma colonia correccional com
o nome de Colonia Correccional de· Paricatuba, destinada a rehabilitar, pelo-
tn1halho e ed ücação, os mendigos validos, os vagabundos ou vadios, os deis-·
ordeiros incorrigiveis e os menores e vicio1s.os que fossem •encontrados no
Estado, comprel1endidos, como taes, os definidos no Codigo Penal e no·
decreto n. 145, de 12 de julho de 1893.
Pela lei n. 815, de l die outubro de 1915, ficou o Governo do Esta·do au-
145

torizado a transferir a Casa de Detenção, do edificio em que se achava, {>ara


o · proprio do Estado em Paricatuba, e a fazer neste os reparos necessarios,
adaptando-o aos fins a que se destinava.
Ainda na ad ministração do Sr. Dr. Janathas Pedrosa, a 6 de julho de 1916,
foi afota-1, removida, transferindo-se para o antigo Instituto "Affonso
I,enna", em Paricatuba, ·a C~·sa de Detenção. hoje occupada pela Escola de
Aprendizes Artifices, e um a das Secçõe~ ela Prophylaxia Rural.
As precarias condições hygienicas do predio e .o máo ·estado saniLario dos
detentos já não permittiam o adiamento daquella medida.
Na administração do Dr . Alcantara Bacellar foram feitos, no edificio de
Paricatuba, alguns concertos e aclapta·ções ao fim a que elle hoje serve, semlo
satisfactori'a's as actuaes condições hygienicas e as sa,nit·arias dos detentos, em-
lJora muito se tenha ainda a fazer em tal sentido.
Por decreto n .. r.402 , de 8 de m aio de •1921 , a Colonia Correcciona l Agri-
cola ele ParicaLuba, subordinada á S•ecção de Agricultura e Industria Pas-
toril annexa á Secretaria do Estado e creada em 1914, ficou annexada á ·
Directo.ria da Casa de Detenção, em.quanto ·e1S ta permanecer em Paricatub a .~

tQ
ESTATISTICA PENITENCIARIA

A informação official dava á Penitenciaria amazonense, em de-


zembro de 1923, 5·1· detentos. Pela nacionalidade eram:

Brasileiros . . . . . 49
Estrangeiros . . z
Total . 51

Pelos Estados de origem :


Amazonas 16
Ceará . . 13
Piauhy . . . . . 4
Pará . . . . . 3
Rio Grande do Norte 3
Pernambuco . 2
Parahyba . z
Alagôas. z
Portugal . 2
Bahia .. . I
Maranhão I
Sergipe I

Total . 51
Pela côr:

Brancos (vermelhos e amorenados) 14


Pretos . 2
Pardos 35
Total.
148

Pela profissão:
Agricultores, inclusive seringueiros 38
Marítimos . . 4
Estivadores . 3
Jornaleiros . 2

Vendedor ambulante 1

Mecanico 1

Commerciante 1

Fruteiro . . . . . 1

Total . 51
Pela instrucção :
Rudimentar 27
Analphabetos . 24
Total . 51
Pelos cnrnes :
Homicidas 50
Ferimentos . 1

Total . 51
Pelas idades:
Até 18 annos 1

" 19 1

" 20 " 1

" 21 " 1

" 22 " 1-

" 23
" 24
" 25 " 3.
" 26 2
" 27 "
" 28 " 3
" 29 " 5
" 30 " 3
149

Até 31 annos l
" 32 " 2
" 33 " 4
" 34 " 2
" 3.5 " ' 2
" 36 " 1

" 38 " 1

" 41 . " 2
" 42 " 1

" 43 " 1
" 44 " 3
" 45 " 1
" 46 " 2

" 50 " 1

" 51 " 1

" 52 " l

" 59 " l

Total. 51
Destes detentos, eram

Sentenciados 42
A guardando jury . 9
Total. 51
AS PRISÕES DO PARÁ
ESTADO DO PARÁ

Fachada .principal da Cadeia de S. josé, em Belém


SUMMARJO - Ligeii:o !iistorico das prisões do Pará - As
/Jrisões do Castello, da Barra e c1:vil de Belém - Palm;rns de A.
Raiol - João Francisco Lisbôa e as " horri"L1eis masmorras snbterra-
ncas" --As Cadeia de S. José, actual prisão central do Estado, simples
deposito de presos - Projecto de reforma do desembargador Ma-
y(!,lhães Costa - A no7;a penitenciaria eni construcção abandonada -
Falta de 'Ínteresse pela solução do problema carcerario -As cadeias
de Obidos, Gurupá, Santarém e A leniquer - R.egimen penitenciario
-No Regulamento-Na prMica-Testemunho do actu.al chefe de
Jiolicia ~O trabalho dos presos e o Institiüo Lauro s ·odré - Ponde-
rações necessar,ias - Falta de uma lei orientadora - Descripção da
Cadeia pelo seu adniinistrador -As prisões do interior e seu detesta-
vcl estado de conservação - Colonia Correwional de Santo Antonio
do Prata - A lei ele I918 e os 11·1.enores vagabundos e sem respon-
save1.s.
i

.1
Não ha muito o que escrever das prisões do Pará. Na capital,
a Cadeia de S. José é um accinte á civilização do grande Estado.
No interior, as cadeias offerecem mais ou menos o aspecto das cio
Amazonas. São logares sordidos, onde o preso vive uma existencia
meramente animal .
As prisões do Pará são, todavia, famosas na historia do
Brasil, porque as suas enxovias estiveram cheias muita vez da fina
flor dos patriotas, que alli pagaram o seu tributo de soffrimento e de
sangue ao despotismo colonial, e,. mais tarde, á propria causa do paiz
constituido. Entre ellas, celebrizaram-se a do Castello, onde esteve
incommunicavel Patroni, as da fortaleza da Barra, onde es-
tiveram os militares envolvidos nos acontecimentos de abril de ·1823,
a Cadeia Publica, onde, entre outros, esteve .Bernardo de Souza
Franco, depois conselheiro do Imperio. Creio que existiam em
Belém a esse tempo outras pequenas prisões, semelhantes, talvez, aos
actuaes xadrezes annexos aos corpos das guardas militares . E', pelo
menos, o que se deduz dos termos do officio dirigido pela Junta
Provisoria ao capitão inglês John Pascos Greenfell, em r8 de ou-
tubro de 1823 :
"As prisões da cade·ia estão cheias com os sceleraclos
cios dias IS e' r6 do corrente; e além de não caberem mais,
exigem um grande numero de milicianos para os guardar;
oittras prisões são fra cas, e cede·m á força ; portanto
lembré1;-se a Junta Provisoria que o brigue Deh"gente sirva
de presigangas para · onde se passem os ditos presos, etc."
(A. Raiol, Nlotins Politicos da· P1-ovincia do Pará, 1865,
vol. rº, pág . 83.)
Já não existiam, porém, por essa época, as terriveis prisões, contra
cuja hediondez se haviam successivamente rehellado os povos do
156

Pará, e de que encontramos noticia. nos aponta,mentos da historia do


Maranhão, colhidos e commentados por João Francisco Lisbôa .
Antecedera, de facto, a Francisco de Sá e Menezes, no governo da
Capitania, Ignacio Coelho ela Silva, notavel pela atrocidade com que
tratava aos seus juriscliccionaclos. O g-rancle escriptor maranhense,
allt,1dindo a esse facinoroso administrador, diz que ele sua feroci-
dade " deixou memoravel documento ria construcção de· unias horri-
·ve1s .m asm.orras subtcrraneas e escuras, que o mesmo povo, a
exemplo das da inquisição, chamava casinhas, e que só foram de-
molidas depois de reiteradas representações da Camara de Belém,
passados perto ele quarenta annos" . (J. F. Lisbôa, Obras, vol. 2°,
pag. 85.)
Estas prisões deviam ter sido destruiclas alli pelo anno de i72r.
A prisão actual é a Cadeia de S. José, localizada num antigo
convento da praça desse nome. Quando lá estive, toda ella havia
sido recentemente caiada. E' um edi f icio cujo aspecto impressiona,
massa extranha e pesada, com escadas circulares, abobadas e pateos .
Sua ~rea é de 4. 508 metros quadrados. Baixa, acaçapada, ella
nunca, jámais, se pi·estará a uma penitenciaria. Poderá ser uma
cadeia menos sordida; penitenciaria, por mais mod·esta, não será,
porque faltam ao edificio condições para tanto .
O que alli sobra em solidez ela constn\cção. falta nos requisitos
indi.spensa:veis a uma regular detenção. Os seus cubiculos e prisões,
em numero de dezesete, se bem attestanclo certo zelo no as seio com
que são tratados, nüo podem ser justificados numa capital como
Belém, que surprehende o vi sitante pela imponencia ele seus palacios,
ele suas avenidas e de seus parques .
N_ão ha adaptação possível alli. A feição do edifício presta-se a
uma cadeia, isto é, a um simples deposito de presos, porque dispõe
de compartimentos até com 259m 3 ,875; não tem , entretanto, nos do
pavimento terreo, janellas que lhes facilitem a illuminação e a are-
jação ; apenas em alguns do superior vêem-se janellas gradeadas .
Nos outros, rasgaram oculos ou respiradouros, sem os quaes seriam
inhabita.veis aquelles cubículos .
O chefe de policia do Estado, desembargador Julio Cezar ele
157

Magalhães Costa, deu-me a entender que o seu pensamento era a


reforma da actual prisão, conservada naquelle edifício. A nova pe-
nitenciaria, que se levanta em adiantado período de construcção, e
rujas obras foram paralyzadas por força ela crise financeira que as-
soberbou o Estado, s.e rá adaptada a um novo fim.
Por mais premente, todavia, que seja a situação do Thesouro,
alli, a cultura do Pará e ele seus aclmúnistPaclores, a cuja frente está
um espirito moço e de visão larga, como o Sr. Souza Castro, não
permitte a manutenção desse vergonhoso statu -qu.o. Pócle-se di zer
que a Cadeia de Belém. é o estabelecimento mais ordinario do Es-
tado, não tendo tido os gove rnos locaes para elle qualquer iniciati va
reformadora. Os proprios relatorios do chefe ele policia não pleiteiam
uma transformaçfw radical, apezar ele reconhecer o illustre titular
que ella não corresponde aos fins ela pena. Por sua vez, as Mensagens
do Presidente do Estado não demonstram qualq uer preoccupação em
tal sentido: sente-se, nellas, a obcessão ela economia, determinada pela
crise elas finanças. Foi em vão que procurei em sua s paginas uma
promessa ele melhores dias, no que se prende á reforma penitenciaria.
Serão as prisões do interior melhores do que essa? Claro é que
não . .As cadeias cio interior do Pàrá offerecem o mesmo asp.ecto das
dos demais Estados do extremo norte. Assim, a de Obidos, que
visitei, é um casarão semelhante a um deposito de materiaes, tendo
na parte central, depois do corpo da guarda, um cubículo para
presos. A cadeia estava deserta, e a força de chamar por um digno
_funccionario federal, da Industria Pastoril, que alli se achava a ser-
viço e teve a bondade de acompanhar-me, appareceu um homem, sem
casaco e de camisa desabotoada, que soube ser o cabo do destaca-
mento. Não havia presos. O cabo foi muito parco em informações.
As cadeias de Gnrupá, Santarém, Alemquer, são ainda mais
mesquinhas: um compartimento de pequenas pr.oporções, ele chão
batido ou de tijolos, quasi sempre sem janellas, apenas com uma
porta gradeada que eleita para um corredor.

NO REGULAMENTO
Não ha um Regulamento especial para a Casa de Detenção do
Pará, nem para as cio interior. O que existe de referericia á ma-
158

teria consta ela Secção IV cio Capitulo V, e cio Capitulo XIII cio
Regulamento do Serviço Policial, baixado pelo decreto n. 3. 516,
de 26 de março de 1919, sendo governador cio Estado o Sr. Lauro
Sodré.
Como se verifica do Regulamento, não existe, no Pará, classi-
ficação elas cadeias nem se cogita ele penitenciaria . .f\ Secção IV
cio Capitulo V, arts . 88 a 90, especifica as attribuições cio aclminis-
trndor da cadeia, de seu ajudante e cios carcereiros. Estabelece que
taes serventuc~rios não podem abandonar o estabelecimento sem orcle1n
expressa cio chefe de policia, na capital, cios prefeitos e dos sub-
prefentos, no interior, e impõe-lhes essas attribuições de fiscalização
da segurança, ordem e asseio do carcere, bem como obediencia ás.
determinações das autoridades superiores, communs a todos os re-
gulamentos desse feitio.
O Capitulo XIII, Da inspecção das prisões, abrange os arts. 223.

a 256, e cogita do regimen a que se submetterão os detentos.


Art. 225 - Regulamentos especiaes, que serão expedidos pelo·
chefe ele policia, disporão sobre as providencias necessarias, tendo-se
em attenção a posição, capacidade e mais circumstancias peculiares ás.
prisões e localidades, observando em todas as cadeias as disposiçõeS.
a seguir relativamente á distribuição dos presos .
. lº - Os sexos serão sempre separados;
2° - Os menores detidos de conformidade com o art. ·30 d°'
Codigo Penal nunca serão recolhidos no mesmo aposento com os.
criminosos adultos.
3° - Os detentos por divida civil ou commercial, por infracção·
de posturas ou por outro motivo meramente disciplinar, ou reco-·
lhidos á requisição de auctoridade administrativa ou estrangeira, não.
serão éon fundidos com os criminosos sentenciados ou pronunciados ..
4° - Os vagabundos, ebrios ou quaesquer· outros indivíduos <le-
tidos em custodia ou indiciados em crimes serão separados · dos réos.
pronunciados ou sentenciados.
Sº - Guardar-se-á, tanto quanto possível, a separação entre os.
sentenciados e os pronunciados.
6° - Entre os indiciados e pronunciados serfo separados, sempre:
159

que possivel, os réos de cnmes afiat1çaveis dos de crimes inafiança-


veis; e entre os sentenciados se fará a classificação conforme a maior
ou menor pena que tiverem de cumprir.
7° - As disposições dos ns. 4, 5 e 6 serão observadas tanto
quanto o permittirem as accommodações das prisões, mas em caso.
algum deixarão de ser observadas as dos ns . I, 2 e 3.
8° - Além das divisões mencionadas, poderá o administrador ou
carcereiro, de accôrdo com a auctoridade policial, separar presos da.
mesma classe, conforme a posição social e os costumes de cada um
ou o seu comportamento na prisão, sendo a separação, neste ultim0>
caso, a titulo de recompensa.
9º - Não serão recolhidos á prisão commum os bachareis em
direito, os douto_res, os officiaes de terra e mar, os de segunda linha,
os ele policia, ainda que reformados, e os commerciantes mat riculados.
Art. 23 r - Aos pobres será fornecida alimentação parca, mas.
saudavel, e bem assim vestuario e medicamentos, expedindo o Go-
verno instrucções regulamentares desse serviço.
Art. 235 - Aos presos que tiverem bom comportamento e
já estiverem pronunciados poderá o administrador ou carcereiro,
com acquiescencia do chefe de policia, na capital, e cios prefeitos e
sub-prefeitos, no interior, permittir que saiam a negocio, conveniente-
mente escoltados, até seis vezes durante um anno e em numero ele
dois no maximo, poclendo, outrosim, escolher o que melhor lhe pa-·
recer para o fim de fiscalizar os companheiros, e isentai-o de outro-
qualquer serviço.
Art. 243 -:- Aos presos que eles.obedecerem ás determinações do
carcereiro, administrador ou ajudante, promoverem desordens ou fal-
tarem com o respeito aos empregados, serão pelo carcereiro ou admi-·
ni straclor impostas, segundo a gravidade da falta , as seguintes penas:·
I - Reprehensão.
II - Privação do direito ele sahir á rua, nos casos em que este
lhe assiste.
HI - Isolamento cellular até oito dias.
IV - A m:esma pena até 15 dias, ' participando ao chefe ele po-·
licia, na capital, ou aos prefeitos, nos clistrictos, e sub-prefeitos, nas.
160

circumscripções do interior, os quaes poderão modif_icar a pena para


menos.
Art. 249 - As autoridades encarregadas da inspecção das
prisões não consentirão ciue pessôa alguma, á excepção dos presos e
empregados, pernoite na cadeia.
Art. 251 - Os presos poderão, dentro da prisão, entregar-se a
todo o genero de trabalho que se concilie com a hygiene, a ordem, a
segurança e a disciplina do estabelecimento.
Paragrapho unico - Poderão, porém, ser en:pregados em ser-
viços publicos, fóra das prisões, se assim resolver o Governo do Es-
tado, precedendo auctorização do juiz das execuções. Os presos po-
derão falar diariamente ás pessôas ele sua familia ou estranhas, das
9 ás IO da manhã, e das 2 ás 3 da tarde, podendo igualmente, fóra
dessas horas, entender-se com seus advogados, mediante auctorização
do administrador ou carcereiro.

NA PRATICA

E' obvio que, com tal cadeia, e com semelhante organização, o


Pará absolutamente não pratica um regimen qualquer penitenciario.
Não póde praticar o cellular porque não dispõe de cellulas; não póde
praticar o do trabalho em commum porque não dispõe de officinas,
sendo, quiçá, um dos Estados onde essa parte do regímen peni-
tenciario se encontra mais descurada.
Os _presos vivem alli numa indolencia absoluta e, ou são levados
ao rude trabalho do asseio das ruas, ou se entregam, os mais curiosos,
a trabalhos delicados, como seja o ,fabrico de violões, cavaquinhos e
mobilias pequeninas, estylo japonez, para brinco de crianças. Ao
act\1al chefe de policia não escapa- este aspecto do problema peni-
tenciario em sua terra, mas, sob o .• acicate da penuria financeira ,
apenas propõe a utilização dos penados no serviço do asseio das ruas
e de abertura de estradas, não tendo uma palavra sobre a c~eação
de officinas.

« Em visita á Cadeia de S. José, vi a inercia corroendo


vidas que podiam ser ainda uteis . » ( Re!Morio, 1921.)
161

Em 1922, dirigindo-se ao Secretario Geral cio Estado, o desem-


bargador Costa voltou a referir-se nestes termos ao trabalho dos
presos:
"O trabalho dos sentenciados deve ser um dos pontos
de vista cios nossos administradores estaduaes . Os senten-
ciados não devem ser entes relegados á cellula estupicla e
deshumana . Nem aproveitaria á sociedade o systema quasi
inquisitoria,l ele segregação martyrisante do individuo em
uma cafúa sem hygiene e sujeito a um completo abandono
animal, sómente porque commetteu o crime."

Para sanar esses abusos não encontra elle, portanto, melhor ele-
mento que o trabalho, aproveitando-se o esforço individual cio sen-
tenciado, devidamente remunerado. Ião cuida, porém, de organizar
e~se trabalho industrial ou agricola para os mesmos, limitando-se a

mandai-os em certo numero trabalhar num estabelecimento cio Es-


tado, o Instituto Lauro Soclré, votando a maioria ao trabalho elas ruas
e elas estradas .
"Entre os trabalhos que os presos pocle111 prestar, in-
siste elle, devemos notar, além da limpeza elas ruas, o que
aliás já temos iniciado com proveito nos trabalhos ela pro-
phylaxia rural. os de abertura de estradas de rodagem.
cujo valor ninguem nobremente poderá contestar."

Sem querer entrar aqui em divagações doutrinarias, direi que o


Estado não pócle lançar mão cios sentenciados para trabalhos hu-
milhantes ou perigosos á sua sande. Aclmitto o serviço de limpeza
das ruas pelos presos correccionaes, reincidentes. vagabundos e men-
digos, que a policia habitualmente recolhe. Mas o sentenciado, deverá
elle ser obrigado a varrer r~ias ou a proceder ao trabalho ele cles-
obstrucção de valas ou saneámento de charco , etc . ? Não será essa
coacção um retrocesso ao regímen prisiona,l anti-howarcl~no?
Façamos, porém, desde já. uma observação: - não é sómente o
Pará .que dá semelhante destino aos seus penados; quasi todos os
1',stados brasileiros procedem de maneira iclentica, principalmente no
interior .
1l
162

Cumpre ás auctoridades brasileiras saber que a sciencia ainda


não perdoou ao governo italiano ter, em certa época, atirado parte
de seus sentenciados a fazerem o saneamento ela famosa baixada
romana, fóco de um paludismo lethal, que lhes arruinava a saude ou
attingia a propria vida.
O chefe de policia local emprega, como dissemos, actualmente
uma tnrma desses homens nos trabalhos agricolas do Instituto Lauro
Sodré. Elle espera do Congresso paraense uma lei que o oriente no
assumpto. Seja qual fôr a especie de trabalho, diz o desembargador
Costa, o poder competente deve organizal-o e guial-o, assumindo a
responsabilidade ela orientação tornada. "O que não convém é con-
tinuar o sentenciado a morrer ele inanição na cellula fria e humida,
podendo prestar serviços ao Estado, ao município e a si proprio. "
A prisão ele B~lém é, na verdade, huniida e sem lu;. . Em seus
cubiculos, de tamanho diverso, e em numero de clezesete, varia a
quantidade ele penados . Nos maiores permanecem ás vezes i11ais ele
vinte homens, que alli dormem em taboas ou. en1 rêdes. Nos doze
médio s ficam até dez. Nos menores até cinco, convindo esclarecer
qúe esses numeras ele presos se referem a cada _cellula.
N8o se obedece, por ser materialmente impossível, á classifica-
ção elos presos; apenas se destaca um cubículo para as mulheres . Alli
tambem se internam -loucos.
Para que V . Ex ., Senhor Ministro, não supponha· que, no meu
anceio ·de reforma, escureço as tintas elo quadro que estou a bos-
quejar, procurarei , sempre que puder, reforçar o n1.eu juizo com o de
pessôas auctorizaclas e insuspeitas. O chefe de policia em 1921 in-
formava a seu superior hi erarchico que tal prisão se achava "em
condições ele necessitai' concertos, para o effeito de dar-lhe um as-
pecto ·melhor". Poderá parecer, clahi, que se trata apenas ele obras ele
aformoseamento. Engano . Vae falar aqui o administrador elo car-
cere paraense em sua ultima Exposição :

« A installação electrica, jâ m·wito antiga e q·uasi iimt·i-


li.'Jada, precisa ser substituiela.
O encanamento cl'agua tambem está cm iclenticas con-
dições ele in•LjJrcstabilidadc, não satisfazendo aos fins a que
ESTADO DO PARÁ

Aspecto de um cubiculo, devidamente preparado

,.
163

se destina; assim o liquido não é levado ao pavimento su-


perior do edifício, nem os tanques dos apparelhos w. e.
recebem a agua de que precisG1tt.
O tecto de unia das prisões do primeiro andar, amea-
çando desabamento, reclama promptas providencias, por
fazer perigar a vidai de ·vinte e tau tos presos a.fli -reco.::Jiidos.
O ladrilho de todo o andar superior está 1111tito esbura-
cado e falho de tijolos; o fôrro do tecto, onde faltam. di-
versas taboas, está apodrecido; a rêde interna de exgottos
partida ou obstruída nalguns pontos e estragado o calça-
mt'nto do pateo, etc . »

E' facil de imaginar o que seria essa pnsao antes do caiamento


que precedeu minha visita, e que o citado administrador vinha recla-
tnando. Pelo que toca aos demais serviços, a Cadeia de Belém não
possue escola, tem, porém, uma enfermaria, a que preside asseio .
Tal é a situação da prisão central de Belém . ' Em relação a
cadeias do interior, adianta do desembargador Costa devo confessar
que, na sua ·maioria., segiindo as constantes reclamações, se acham em
estado d1? necessitareni completa 11111da11ça" . S . Ex. deveria ter dito
- em estado de completa ruína. E tanto é as im que innumeros presos
de justiça são remettidos para a capital á faita de cadeias, ou pela
imprestabilidade das existentes, quando a ordem é deixai-os confiados
ás municipalidades .
E' tanto mais de extranhar esta situação quando o Pará se en-
contra admiravelmente collocado entre os Estados que possuem o
melhor serviço medico-legal e de identificação civil e criminal.

·COLONIA CORRECCIO:NAL

Deve-se ao desembargador Costa a feliz organização da Colonia


Correccional ora installa<la em Santo Antonio do Prata. Alli já
existia um ensaio de colonia, que o governo, de accôrdo com a lei
n . l .747, de 18 de novembro de 1918, transformou em colonia penal
para "menores vagabundos e sem responsaveis", e na qual "poderão
ser admittidos condemnados de bom procedimento, com as condições
164

' o livramento condicional" . Estas duas classes são mantidas em


para
separado e serão obrigadas a trabalhos agricolas, além da necessaria
aprendizagem das noções primarias do ensino professado nas escolas
publicas.
A Colonia, cuja lei de organização transcrevo adiante, nos seus
trechos principaes, está dando bons resultados, apezar de seus moldes
rudimentares.
As duas classes serão mantidas em separado e serão obrigadas a
trabalhos agricolas, além da necessaria aprendizagem das noções pri-
marias do ensino professado nas escolas publicas . (Art. 2°.)
A administração do estabelecimento será confiada a pessôa.
idonea em serviços agrícolas e que tenha conhecimento de noções mi-
litares. ( Art. 3º.)
Como auxiliar do serviço haverá um escripturario que tambem
se occupará de dirigir trabalhos de agricultura, e dois capatazes para
as classes de recolhidos e um professor de ensino primario . ( Art. 40. )'
Todas as nomeações ficam a cargo do chefe de policia; sendo
os vencimentos de accôrdo 'com a tabella annexa, satisfeitos pela
thesouraria da Policia, emquanto o estabelecimento não der renda
sufficiente. (Art. 5º.) A nomeação de administrador compete ao go-
verno, mediante proposta do chefe de policia .
Todos os trabalhos serão recompensados na proporção da allu-
dida tabella e sujeitos aos descontos por penalidades. ( Art. 6° . )
No estabelecimento será mantida uma guarda de praças de po-
licia, cujo numero ficará ao criterio elo chefe de policia . ( Art. 7° . )
O trabalho dos recolhidos será retribuído segundo a tabella an-·
nexa, na qual a quantia a ser paga é dividida em decimos propor-
cionaes ao comportamento e as habilitações ele cada um . O con~por­
tamentÓ dos recolhidos será apurado trimestralmente pelo 'chefe de
pol icia, segundo as notas fornecidas pela administração da colonia.
O comportamento dos recolhidos será assim classificado : Bom, Re-
gular, Médio, Soffrivel, Mau, Pessimo. (Art. 8°.)
As quantias pagas aos recolhidos constituirão dois peculios: o
peculio de reserva, que lhe será entregue quando fôr afastado ela co-
lonia, e o pecitlio disponivel, que ficará á disposição immediata do
165

<las e respectivos juros; e) livro de Peculio disponiv el, onde cada


.quanto estiver recolhido, salvo o caso de ser necessario á manutenção
, .de membros de sua familia residentes fóra do recolhimento. ( Art. 9°.)
O peculio de reserva de cada reco-ihido será depositado em
·Caixa Economica ou estabelecimento idoneo, de credito. (Art. ro.)
Para a escripturação e movimentação dos peculios, . haverá os
.seguintes livros: a) livro caixa para o registro de todas as entradas
.e sabidas de dinheiro; b) livro de Peculios de reserva, onde cada
secolhido terá uma conta com discriminação das quantias deposita-
.das e respectivos juros; e) livro de PeC'Ltlio disponível, onde cada
recolhido terá uma conta com discriminação das quantias que lhe
_pertencem, depositadas no cofre da colonia. ( Art. l I.)
Os recolhidos só começarão a perceber pagamentos após trinta
.dias da data do . recolhimento. (Art. 12.)
Todos os recolhidos poderão receber e expedir cofrespondencia
.de familia, em dia designado pela administração . Em relação a vi-
.sitas, poderão recebei-as uma vez por mez, em dia designado pela
.administração, e em presença de um auxiliar do serviço da co-
lonia. ( Art. 13.)
Os recoibidos de ambas as classes poderão, por excepção, re-
·ceber pessôas estranhas, idoneas, em qualquer occasião, uma vez
.que se trate de recursos legaes tendentes a sua liberdade. (Art. 14.)
Constituem faltas disciplinares para o effeito da observancia da
.tabella: a) romper o silencio ou infringir qualquer das regras in-
.dispensaveis aos trabalhos da colonia; b) desobediencia aos su-
_periores; e) - provocar qualquer dos companheiros de trabalho, em-
pregados ou guardas; d) praticar obscenidades, por gestos, palavras
ou escriptos; e) tentar a pratica de actos immoraes; f) estragar vo-
luntariamente ou desviar qualquer objecto ou instrumento de tra-
balho; g) furtar-se ao trabalho, sem .causa justificada . A apreciação
·da falta compete ao admini strador da colonia. (Art. 15.)
As faltas não previstas neste Regulamento serão punidas pelo
administrador da colonia, conforme a penalidade e do modo mais
.conveniente á bôa ordem e disciplina. ( Art. 16.)
Os castigos corporaes são prohibidos . ( Art. 17.)
165

Os recolhidos têm sempre · direito de reclamação ao chefe de


policia, não podendo de modo algum ser impedido pela administra-
ção, que o encaminhará. (Art. 18.)
Todo o producto do trabalho dos recolli.idos constituirá renda do
Estado, que destacará o sufficiente para a satisfação dos pe-
cu.lios. ( Art. 19.)
T~dos os recolhidos, e tendo em attenção a natureza· da classe.
usarão vestimentas sob modelo, ao criterio do chefe de policia.
(Art. 20.)
O recolhimento dos menores cessa com a idade de 21 annos,
salvo quando revelarem ·ainda maus sentimentos ou incapacidade para
t0mar occupação. O recolhimento dos conclemnados cessa com o cum-
primento ela pena, sendo facultada a continuação no estabelecimento,
se nisso convier o chefe de policia. (Art. 2i.)
Ao recolhid-0 de qualquer classe, de exemplar ·c omportamento, o
governo concederá um lote de terras devidamente demarcado e os
respectivos instrumentos necessarios para seu primeiro estabeleci-
mento. Este favor será cassado a todo témpo que o beneficiado pro~
vac)amente desmerecei-o. ( Art. 22.)
Logo que o estabelecimento possa fazei-o, fundará escolas de
artes diversas para os rec.o!hidos que revelem vocação es-
pecial. ( Art. ·23. )
ESTATISTICA PENITENCIARIA

Na cadeia de S. José, rb l'ará, encontrei 74 presos. Destes,


eram, conforme a nacionalidade :
Brasileiros . 72
Português. 1

Peruano. . . 1

Total. 74
Conforme os Estados :
Pará . 45
· Ceará. 7
Pernambuco. s
Maranhão. 4
Piauhy . . . 3
Parahyba . . 2

Minas . . . 1

Amazonas. I

Rio Grande do Norte I

Goyaz . . . . 1

Matto Grosso. 1

Bahia . . 1

Portu.gal. 1

Perú . 1 .

Tota.1. 74
Na cadeia do Pará o ·contingente de brancos constitue mmona
notavel, pouco mais de 20 % dos mestiços e menos ainda que os pretos.
Mestiços. 48
Negros . . 14
Brancos . . . . 12

Total. 74
168

O numero de analphabetos é, todavia; inferior ao dos que sabem


ler. Apura-se isto no seguinte quadro:
Sabem ler . . 42
Analphabetos. 32
Total. . 74
Pelo estado civi.l, esses mesmos sentenciados distribuem-se:
Solteiros. . 53
Casados . . 18
Viuvos. 3
Total. 74
Pelos municipios onde praticaram os crimes vê-se que a maior
contribuição é do de Belém, com cerca de so % da delinquencia geral
do Estado, seguindo-se Bragança e em terceiro Jogar Santarém:
Belém. 35
Bragança. 7
Santarém. s
Iguarapé-Assú 3
Afuá. 3
Cacapá. 3
Breves. 2
s. Domingos da Boa Vista. 2
Aveiros. 2
Altamira. 1

Obidos. 1
Anajás. 1
Mazagão. 1
Abaeté. 1
s. Caetano.
Porto de Moz. 1
Guaná. I
c. Araguay. I
Sanzel. I
A lemquer . I
Cachoeira. I

Total 74
169

Vejamos, agora, os criri1es por cuja perpetração esses 74 indi-


-viduos estão na cadeia central de Belém:

Homicídio. ., 43
Furto. 9
Ferimentos graves. 5
Defloramentos. 5
Roubo. 3
Estupro. 3
Estellionato. 2
Ferimentos leves. 2
Vadiagem. 2

Total 74

O homicidio mantém ahi, como . em todo o Brasil, uma notavel


.:ascendencia: 43 contra 31, cifra de todos os demais delictos reunidos.
Pelas idades, os criminosos -apresentam o seguinte diagramma:

De 16 annos 2
" 18 " 1
19 " 3
" 20 " 5
22 " 3
" 23 " 3
" 25 3
" 26 " 4
27 " 7
" 28 " 3
" 29 " 5
" 30 " 3
32 " 8
33 " 4
,,
34 " 2
,,
36 " 1

" 38 " 1
,,
39 " 1
/
170

De 41 annos . 3
" 43 " 1
" 44 " 2
" 45 " 1
" 46 " 1

" 47 " 1
" 49 " 1
" 50 " 1
" 58 1

" 61 " 2
" 70 " 1

Por ahi temos que dos 16 aos 20 annos o numero de criminosos.


é de 11, e de 21 aos 30 é de 36, o que dá mais de 50 % para essa_
idade que vae dos 16 aos 30.
Quanto aos homicidas, especialmente, este é o quadro que apurei.
na prisão central do Pará :
De 16 ánnos 2
" 19 " 1
" 2 " 1
" 23 " 2
" 25 " 2
" 26 !'
2
" 27 " 4
" 28 " 1

" 29 " 3
" 30 " 3
" 32 " 4
" 33 " ·. 2·

" 34 " 2

" 36 " 1

" 39 " 1

" 41 " 1
" 43 " 1

" 44 " 2
ESTADO DO PARÁ

Aspecto da enfermaria da Cadeia de S. ]osé


171

De 46 annoE.
47 1

" 49 " 1

" 50 " 1

" 58 " 1

" 61 " 1

" 70 1

Total 43

.Estes algarismos dão para os assassmos, por idades, o seguinte


quadro :

De 16 a 20 annos 3
" 21 30 " 18
" . 31 40 " IO

" 41 50 " 8
" sr " 60 " 1
" 60 " 70 " 2

Pelas profissões, apuramos o seguinte quadro:

Lavrador . . 42
Embarcadiço IO
Marcineiro. 4
Militar . . 3
Carpinteiro 3
Serralheiro 2
Empregado no commercio 2
Estivador . . 2

Typographo
Mecanico . . . .
Vendedor ambulante .
Barbeiro
Ferreiro 1

Jornaleiro

Total . 74
172

Relação das prisões e xadrezes existentes no :Sstado, com as denominações dos


logares, propriedades e classUlcaçio judiciaria

1 PROPRIE• CLASSIFICAÇÃO
DADES JUDICIARIA
::;; rn
IXl
o lll gi N
oe;:: lQ IXl o
...
rJ)

~
e;::

·-....-...
V rJ) rJ) rJ)

o LOOARES ~ o Vl"O o
..... 'V
...
:g U.1 .....-3...
«!
ª'º
«! «!
~ < tJ

........
tJ .....
z olll -~ ~ O'
tJ o.
eo
~ · - rJ) «!
.~
o. "Oo u o-~
-
«! u~
o.
-- - - -
1 Alemquer. . 1 - 1 - 1
-=-1-=-
2 Alta mira . 1 - - 1 1 - -
3 Afuá . 1 - 1 - 1 - -
4 Apehú. . - 1 - 1 - - 1

5 Abaeté. 1 - - 1 - 1 -
6 Americano - 1 - 1 - - 1

7 Anajás. . 1 - 1 - - 1

8 Anhanga . - 1 - 1 - - 1

· 9 Aveiro. . 1 - - 1 - 1 -
10 Baião. . 1 - - 1 1 - -
11 Benevides. - 1 - 1 - - 1

12 Bragança. 1 - 1 - 1. - -
13 Breves. 1 - 1 - l - ·-
14 Bagre . . - 1 1 - - - 1

15 Cametá . l - 1 - 1 - -
16 Castanhal. - 1 1 - - - 1

17 Cachoeira. 1 - - 1 1 -· -
18 Curuçá. . 1 - - ' 1 1 - -
19 Camará - 1 - 1 - - 1

20 Chaves. . 1 - - 1 1 - -
21 Curralinho. 1 - - 1 - 1 -
22 Fáro 1 - 1 - 1 - 1 -
.23 Gurupá . . . . . l - - 1 1 - -
173

PROPRIE- CLASSIFICAÇÃ o
DADES JUDICIÁRIA
cn
cn lll
lll N
ocn lll
o "'
LOGA RES e.: "'"ó ....CIS "'o
"'....u
Q,l

e::3
@ 1
Q CIS CIS
< .....
u...., :;
CIS .....
p..
>< "' .~
....
u.....
:õ ti.l ..... eo .....
CIS
.~
o.. o ....
::3
"'
ô ü
CIS
u
-
"ó o..
--·· - -- - -- - -

24 Irituia . 1 - - 1 - 1 --
25 Iguarapé-Mirym. 1 - - 1 1 - -
26 Iguarapé Assú 1 - 1 ·- - 1 -
27 ltaituba 1 - 1 - 1 - -
28 Muaná. . 1 - - 1 1 - -
29 Mosqueiro - 1 - 1 - - 1
30 Maracanã. . 1 - - 1 1 -
31 Maca pá . 1 - - 1 1 - -
32 Monte-Alegre 1 - 1 - 1 -
33 Marapanim 1 - 1 - - 1
34 Melgaço . . 1 - 1 - - 1
35 Mazagão. 1 - 1 - - 1
36 Marituba. - 1 1 - - - 1
37 Montenegro . 1 - 1 - 1 -
38 Monsarás. - 1 - 1 - - 1
39 Mocajuba. l - 1 - - 1
40 Obidos l - 1 - 1 -
41 Ourem. . 1 - 1 - - 1
42 Porto de Moz l - - 1 1 -
43 Pinheiro - 1 1 - - - 1
44 Portel . . . 1 - - 1 - 1
45 Prainha 1 - - 1 - 1
46 Tuatipurú. - 1 - 1 - - 1
47 Santarém. 1 - 1 - 1 -
174

1 1
PROPRIE- CLASSIFICAÇÃO

~
O til
. cri
til
1 cri
til
N
DADES JUDICIARIA

O::Q ocri til rn


cu rn
I ~
1 O::
til O:: LOGARES rn o .... El .8
' rn

-"' li ·-
:;;;o e;; Q ..s't:l Ili
....
u
::i ia p.. < u
:.:::=ti
Ili Ili
'3 =(.)O
..... _
Zo ><
.g UJ uo..
Ili
- .~
....
El
o (.)U ....
o..º
't:l u rn

-- - - - 1-- -a..- - - - - ~

48 S. Miguel de Ouamá . 1 - 1
1 - 1 - -
1
49 Salinas . . 1 - 1 -- - 1 -
11
50 S. Caetano d'Odivelas . 1 - 1
- 1 - 1 -
51 S. João de Pirabas. - 1 - 1 - - 1

52 Santarém-Novo. . - 1 - 1 1 - - 1

53 S. Domingos Bôa-Vista - 1 1 - 1- - 1

54 S. Sebastião. . - 1 - 1 - - 1

55 Vizeu. .. . . 1 - - 1 1 - -
56 Vigia. 1 - 1 - 1 - -
CAPITAL:

57 Repartição central. . - 9 - - 1 - 1

53 Sub-prefeitura de S. Br:az. .1 - 2 1 - - - -
59 Sub-prefeitura do Umarizal 1
- 2 - 1 - - -
60 Sub-prefeitura do Marco . - 2 - 1 - - -
- - - - -- - - - - - - -
28 15 16
40 1 31 321231
..
AS PRISÕES DO MARANHÃO

.. . . ..
SUMMARIO - O Maranhão, optimo campo para estudos da his-
toria prisional no Brasil - As fortalezas, prisões politicas -
A cadeia p;tblica de São Luiz em I685 - Contribuição de Silva
Lisboa e de Berredo - Possii1e/ teste11,bitnho de Baena - A
prisão actual - "Penitenciaria" - Parallelo entre a cadeia de
São Luiz e a de Belém - Palavras do Secretario da Justiça
1 em 1914 - Pavilhões esboroados - As reformas dos Srs. A.
Bricio de A.nLitjo e Raul Machado - Palavras do Secretario
da Jusf'Íça eni I918: "Impressão de nôjo e de repiignancia" -
Os Reg11la11,i entos da penitenciaria e das cadeias p11blicas -
Na pratica - Os raios, os rnbirnlos e as officinas - A mesnia
promisrnidade - Os loitcos no carcere - Palavras do Dr. Soa-
reJ Filho - Penitenciaria seni escola - O trabalho agrícola
- Baixa mortalidade - Carencia de imia colonia correccional
- Depoimento do Dr. João de JJ,fattos e da Associação Com-
mercial de São Litiz - Impressão de minha entrevista com
o Dr. Godofredo Viamrn.

t2
\
ESTADO DO MARANHÃO

fachad.a principal da Penitenciaria de São. Luiz.

Vista da área interna e dos raias


O Maranhão deve offerecer um campo magnifico para o estudo
das prisões de Estado, no regimen colonial. Seria, mesmo, de interesse
qu~ alguem, devidamente apparelhacfo e com o indispensavel lazer,
se entregas.se a essa investigação, ele 1·eal valor exegetico, na historia
da pena e ~o carcere, sabido, como é, que o Maranhão e o Pará. con-
stituiram por largo tempo um Estado indepe.ndente do Brasil, tendo
de permeio, além de tudo, este e aquelle, o W erzmund Brasiel, ou
Brasil hollandês.
Por um depoimento de João F. Li sboa, no Jornal de Timon,
sabe-se que os antigos governadores dessas capitanias,

'.' á resistencia legal ou illegal, que lhes oppunham os seus


subordinados, capitães-mores, ouvidores, provedores e ca-
maras, respondiam com a suspensão, a deportação, a prisão
nas fortal ezas com f erros ou. sem elles",

cio que se conclue ser commum áquelle tempo conservar os presos,


mormente os de caracter politico, nas masmorras e segredos das for-
talezas .
.Mais tarde, já se utilizavam indistinctamente as fortalezas, os
porões dos navios e a Cadeia Publica.
Por alguns documentos de 1685 vem-se a ter a descripção da
Cadeia Publica de São Luiz. Foi assim que, tendo vindo preso ele
Lisboa Thomaz Bequimão, procurador do povo contra o estanco,
recolheram-no á Cadeia. Correu logo, porém, que Manoel Bequimão,
o brioso chefe do movimento insurreccional; immolado pouco depois
por Gomes Freire, iria atacar a prisão para retirar o irmão, exposto
á furia dos algozes. Gomes Freire foi logo informado des.se plano,
que não passava de boato, e ela insegurança elo presidio pelo desem-
bargador syndicante.
180

"A cadeia, escrevia elle, consta de duas caS'inhas de


taipa po'1,tco seguras, 011dc já tenho quatro presos, E MAL
CA BERÃO SEIS, e bem que estejam em grilhões, com
duas sentinellas á vista dentro, e trinta homens de guarda,
E' GRANDE O SUSTO EM QUE ANDAMOS DE •
CONTINUO". ( Officio de 26 de junho, substanciado na
Co11s11lta, ele 24 de novembro de 1695.)

Berredo, soldado, chronista e governador, ora verídico, ora re-


falsado e gongorico, em seus Annaes Historicos do lvlaranhão, que
terminam em 1718, nada escreve ele particularmente interessante sobre
as prisões do Estado de que foi chefe, a contar desta ultima data.
E' possível que ,Baena, o cahotico e dispersivo Baena, que alcança o
anno ele 1823, tenha qualquer referencia ao nosso assumpto. Mas
o tempo de que disponho não me permitte enveredar por estudo
demorado e paciente .
Passemos, por isso mesmo, Senhor Ministro, aos nossos tempos.
Se a Cadeia de São Luiz já é aquella a que se referia o desem-
bargador syndicante de 1865, nenhuma differença deve ter ela do
Imperio, quando se fundou, apezar ele lhe ter feito o governador
Raul da Cunha Machado obras apreciaveis na fachada e no interior.
Aqui a photographia iilude, porque o aspecto cio muro e as
platibanclas da Casa ela Administração, com o seu elegante mastro de
bandeira e o titulo pomposo de Penitenciaria, que a encima, deixam
o observador convencido ele que interiormente a impressão será iden-
tica. ln felizmente, não é.
Póde-se affirmar que a Cadeia de S. Luiz não é superior á
ele Belém, salvo em ter duas officinas, que funccionam e dão tra-
balho a -certo numero ele presos.
Situada na Praça da Justiça, em Jogar ermo, a Penitenciaria ma-
ranhense dispõe de terrenos sufficientes para uma reforma; tal re-
foi-ma, poré1ü, não se póde comprehe1{cler sem o abandono ela actual
disposição do edifício e exige, portanto, uma construcção nova. Ape-
zar cio esforço feito para disfarçar o mau aspecto interno cio predio,
eu tive alli uma impressão lastimavel, sendo que num dos raios, ou
181

pavimentos isolados em que se divide a cadeia, assoberbavam-me


nauseas incoercíveis.
Esse aspecto repugnante resalta, ali ás, da segunda estampa que
consegui dessa cadeia; por ella se verificam perfeitamente os insultos
do tempo nas paredes dos raios, o chão humiclo e pedregoso do pateo
CPntral.
Em 1914 as.sim descrevia a prisão maranhense o Dr. Raymundo
Leoncio Rodrigues, Secretario da Justiça e Segurança no governo do
Sr. Herculano Praga :

"Não é um estabelecimento penitenciaria nos moldes


desses estabelecimentos, pois nenhnma adaptação soffreii o
ed1ficio, que servia outr'ora de cadeia .
Possue apenas _dois raios razoaveln1ente concertados;
O TERCEIRO DE HA MUITOS ANNOS ESTA' ES-
BOROADO E POR NENHUM CONCERTO PASSOlf,
ao menos para conservação cio estado, que se procedeu aos
reparos que precederam ·a alteração elo nome elo preclio, de
cadeia para Penitenciaria". ( Relatorio, pag. 13. )

A hi storia da Penitenciaria ele São Luiz pócle ser resumida em


breves palavras: a Republica recebeu e conservou a mesma sordida
cadeia, vinda do Imperio. Dos raios em que se reparte o edif ício,
apenas um podia ser utilizado. Foi o coronel Antonio Bricio de
Arauj o, quando governador, quem se condoeu um pouco da sorte
cios presos e mandou proceder a algumas obras indispensaveis. O
Sr. Raul Machado, eleito governador, reformou-lhe a fachada e
deu-lhe alguns melhoramentos internos. Ainda não seria uma bôa -
cadeia, e teve a denominação de Penitenciaria:
Mas tomemos ao Dr. Adolpho Eugenia Soares Filho a sua de-
scripção da cadeia em 1918:

" Funcciona ainda no mesmo. e antigo predio á praça


da Justiça. Consta de tres raio s para alojamento de presos,
uma pequena cozinha isolada, casas para off icin as, em con-
strncção; e uma casa para a administração, secretaria e
accommodações para as praças da guarda .
182

Em principio do armo findo, o governo. mandou realizar


alguns concertos nos seus raios e construir a officina de que
tratei. Um delles, o primeiro, embora pessimamente con-
certado, mal preparado, parecendo .ter havido ela parte do
encarregado o proposito ele se afastar das condições da in-
cumbencia, seduzido pela .ambição ele maiores lucros, está
sendo occupado por diversos presos .
O segundo raio, tambem em concerto e pelo mesmo
encarregado, com aproveitamento de diversas ·grades velhas,
corroiclas, disfarçadas em novas pelo embutido de massa,
cimento e pintura, que se lhes deu, já recebeu tecto ê tra-
' 'ejamento novos, sendo este de má qualiclacle, por ser de
pouca duração, e ainda precisa ele muito serviço e dispendio
para a conclm:ão ele suas obras. ·
O raio 11. 3 ainda não receb<m concerto algum, está
infec to, sem condições ha.bitaveis, dei.:i:ando ao visitante 1ná
impressão, !MPI}.ESSÃO DE NOJO, DE REPUGNAN-
CJA.
A casa da administração é muitíssimo acanhada e está
em pessimas condições hygienicas e de segurança." (Rela-
taria, pag . 13.)

Em 1920, sendo governador o S.r.. Urbano Santos, o Secretario


da Justiça, Dr . Theocloro Bernardino Rosa, alluclin<lo ás obras rea-
.lizadas pelo Sr. Raul Machado, clava o estabelecimento por "com-
pletamente preparado" .
Ha, em verdade, Senhor Ministro, um forte optimismo nessa
affirmativa. Dizer que a Cadeia de São Luiz se encontra completa-
mente preparada não significa admittir que se acha affeiçoada á sua
funcção é!e penitenciaria? Tanto esse é o pensamento da digna aucto-
riclade, que ella o chama, adiante, ele magnifico predio perfeitaniente
adaptado ao fim a que é destinado. (Relataria, pag. 36.)
A Penitenciaria ele São Luiz dispõe, entretanto, ele modestas, mas
organizadas officinas de sapateiro e alfaiataria, e ele uma enfermaria
e c:apella.
Mostra que, no Maranhão se cuida cio problema prisional, e que
183

seus ~1omens tfan piedade elos infelizes a quem a justiça segrega do


convívio social, e que não são apenas bandidos e ladrões.
O actual governador, Sr. Godofredo Vianna, entregue a um im-
pressionante programma de reforma em seu Estado, cujo atrazo era
estranhavel, promette prestar braço forte a V. Ex., Senhor Ministro,
assim lhe exponha V. Ex. as linhas principaes de seu plano de re-
forma, ardentemente desejado.

NO REGULAMENTO

A Penitenciaria do Estado, ·'-que se rege pelo Regulamento bai-


xado pelo decreto de S de setembro de 1913, é o estabelecimento des-
tinado á execução das penas, conforme o .systema prescripto no
titulo 5°, livro 1°, do Codigo Penal ela Republica, e funcciona sob a
inspecção do chefe de policia. Emquanto não forem creadas todas
as dependencias indispensaveis á pratica cio mesmo systema, se
observará, durante o dia o trabalho em commum e durante a noite o
encerramento cellular, sob o regimen rigoroso elo ·silencio. (Artigos
1 e 2•
..Haverá uma enfermaria, que funccionará em Jogar separado das
prisões e será provida de tudo quanto o medico exigir, mantendo-se
em condições do mais rigoroso asseio. ( Art. 9.· )
Sem prejuízo ela disciplina cio estabelecimento e ela vigilancia cio
medico respectivo, poderá o administrador consentir que o sentenciado
seja tratado na sua cella, á sua custa e por medico ele sua confiança.
O condemnado poderá, no caso de molestia .grave, solicitar a assis-
tencia de um ministro ela religião que professar.
Os doentes ele molestia contagiosa serão transferidos por algum
tempo, por ordem do chefe ele policia, para algum hospital, ou curados
em cellulas separadas da enfermaria, não podendo os objectos de que
se tiverem servido ser usados senão depois ele rigorosa desinfecção.
A enfermaria terá camas numeradas J?ara todos os doentes e os
utensílios e roupa indispensaveis para uso cios mesmos.
As mulheres serão tratadas nas respectivas cellulas umas pelas
outras, observaado-se, quanto ao mais, o que está disposto para o üa-
tamento dos homens. (Arts. 12 a 16 .)
184

A instrucção escolar é confiada a u111 professor e dada simulta-


neamento aos presos reunidos por classes na escola todos os dias
utei5.
O ensmo comprehende :
1° . Leitura.
2° . E scripta.
3º . Arithmetica elementar.
4° . Noções rudimentares de grammatica.
5º. Noções ele geographia elo Brasil .
6°. Noções de hi storia patria ~---
7º. Noções elos direitos e deveres moraes e políticos.
A frequencia ela aula é obrigatoria, sem prejuizo ela disciplina do
estabelecimento. ( Arts . 21 a 23.)
A cargo elo professor, haverá na escola uma pequena bibliotheca
ele leitura amena e edificante, para uso dos condemnados (Art. 25 . )
Haverá na Penitenciaria as officinas que, a juízo do Governo,
forem precisas, dando o chefe de policia as necessarias instrucções
para a installação e funccionamento ele cada uma .
Cada officina terá, sempre que fôr necessario, um mestre, que
dirigirá os trabalhos e ensinará o officio aos aprendizes.
O preço elos pro~luctos manufacturados nas officinas será fixado
pelo administrador e approvado pelo chefe de policia, em tarifa
especial, cuja duração será periodica.
O administrador fixará, com approvação do chefe de policia, o
salario dos condem'naclos, conforme a aptidão e applicação destes ao
trabalho . ( Arts. 36 a 33 · )
As penas disciplinares serão impostas aos conclemnados, na. se-
guinte ordem, sem prejuízo elas penas criminaes em que mcorrerem
pelo mesm~ facto :
1 °. Privação ele visita, correspondencia e outros favores .

2 º . R educção ou privação temporaria ele salario.

3° . Reclusão na solitaria disciplinar.


4" . Rcstricção alimentar .
Aos condemna<los que se portarem mal, ou commetterem faltas,
será applica<la uma das penas estabelecidas no artigo antecedente, a
185

juizo do . administrador, que terá em vi sta a natureza e gravidade das


mesmas faltas. ( Arts. 43 e 46 . )
.A alimentação dos condenmados constará de almoço, jantar e
ceia.
As refeições cios condemnados serão sempre nas cellulas.
O condemnado levará para a sua cellula os objectos de que ne-
cessitar para esse fim.
Findo a refeição, o encarregado ela cosinha ou guarda examinará
se foram restituidos pelos condemnados os objectos de que se ser-
viram .
Se faltar algum objecto, serão o condemnado e a cellula imme-
cEatamente revistados e o condemnado responsabilizado pelo seu valor,
se o mesmo objecto não fôr encontrado.
O vestuario geral dos presos será feito ele accôrdo com o modelo
e qualidade que forem adoptados pe_lo chefe ele policia, com appro-
vação do Governo.
As peças de roupas serão marcadas com o ~mmero cio coride-
mnado a que pertencerem.
Os conclemnados que trabalharem expostos ao tempo usarão
chapeu de palha orclinaria.
Cada conclenmaclo é responsavel pelo extravio ou estrago volun-
tario que der em sua roupa.
O administrador velará pelo asseio dos condemnados.
As cellulas serão providas da roupa de cama que fôr necessaria
e cios objectos indispensaveis ao asseio dos condemnados. (Artigos
47 a 56 . )
O sustento elos conclemnados e o custeio da Penitenciaria serão
feitos pelo Governo. O producto do trabalho, deduzida a materia
prima, será recolhido ao Thesouro Publico cio, Estado.
Do jornal do condemnado se deduzirá um terço para formar um
pec11lio.
O administrador organizará uma tabella ela cliaria ou jornal dos
condemnados, a qual será submettida á approvação do chefe de
policia .
O peculio do condemnado será dividiiclo em duas partes eguaes,
186

nma empregada em proveito proprio durante a prisão, e outra posta


· em reserva para a época da libertação.
Fará tam~em ,parte do peculio de reserva o dinheiro que o con-
<lemnado depositar ao entrar na prisão, ou que lhe sobrevenha du-
rante o cumprimento da pena, podendo ser depositado na Caixa Eco-
nomica .
O peculio do condemnado que se evadir, feita a ·deducção das
despesas a que estiver sujeito, reverterá em favor do Thesouro.
,(Arts. 57 a 62 . )
Na Penitenciaria serão estabelecidas officinas, CUJO trabalho ou
industria seja de facil apredizagem, isento de qualquer causa de 111-
salubridade, e mais productivo.
A Penitenciaria, logo· que fôr possível, fará ele preferencia os
fornecimentos para o Estado, tanto de fardamento e calçado ao Corpo
Militar do Estado, como de mobiliario escolar e para as demais re-
partições publicas.
O trabalho nas officinas começará ás 10 horas da manhã e ter-
minará ás 4 horas da tarde, descontadas as horas de refeição e as
demais do regulamento.
O trabalho nas o~ficinas será obrigatorio para os condemnados á
prisão cellular.
Antes de dei.xarem as officinas, á tarde, os condemnados, na pre-
sença e sob a fiscalização dos ri1estres respectivos, arrumarão a fer-
ramenta e os ob j ectos de trabalho. ( Arts . 63 a 67.)
Ha, no Maranhão, um regulamento especial das cadeias. do Es-
tado, a que s~ refere o decreto n . 196, de 21 de setembro de l9lt3,
baixado pelo illustre Sr . Luiz Domingues, quando governador.
As cadeias são estabelecimentos destinados á detenção dos indi-
viduos presos em flagrante elelicto, preventivamente, elos pronunciados,
dos sentenciados, cujos julgamentos não sejam ainda definitivos , e dos
mandados pôr em custodia .
Em c-.ada uma das cadeias elo Estado haverá um carcereiro, a
quem é confiada a administração cias mesmas, mantendo nellas a ordem
e a disciplina e guardando os presos com toda a segurança e cautela.
O carcereiro habitará no edificio da cadeira, sempre que (ôr isso
pc.ssivel, devendo, em todo o caso, ahi permanecer o maior tempo .
187 •

A inspecção geral das prisões do Estado compete · ao chefe de


policia e será exercida, nos municípios do interior, por meio dos
delegados e sub-delegados respectivos, observadas a respeito as clis-
po$ições cio regulamento º de segurança publica.
As prisões serão diariamente varridas e abastecidas de agua e
convenientemente laYadas e desinfectaclas, quando neccssario se tornar
essa medida ele hygiene.
São obrigados, no recinto ·das pnsoes, a fazer por escala a lim-
peza diaria do xadrez em que se acharem, podendo dar por si outro
preso, ou pessôa, para fazer -o serviço. Os presos deverão ser classi-
ficados, sempre que fôr possivel, por tres classes: mulheres, meno-
res ele 14 aimos e homens.
Os presos que forem recolhidos á cadeia sómente cm custodia
• serão, quando fôr possivel, postos em Jogar separado, sem commnni-
caç.ão com os pronunciados e ·criminosos.
Terão direito, quando pobres, a t1111a diaria, para sua alimentação.
(Arts. 18 a 21.)

. NA PRATICA

Apenas desemba1:quei em São Luiz, Senhor l\[inistro, antes ele


qualquer outra visita, procurei ir ft penitenciaria.
Fica ella, como <l_isse, !1t1111a praça deserta, se111 calçamento e
sem ajarclinan:iento, que, talvez por ser a ela prisão e ele alli se con-
summarem antigamente as execuções cios sentenciados, tomou o nome
ele Praça da Justiça, dessa justiça em cujo nome a magistratnra
outr'ora praticava os rnai ignobeis attentaclos e engendrava as mais
arrepiantes torturas.
Já dei, na primeira parte deste estudo, minha iii1pressão geral da
cadeia maranhense. Devo, porém, entrar nalgumas particularidades,
inclispensaveis ao perfeito cr.nhecimento da m~teria.
Para se ir de um raio a outro, dada a construcção" isolada dos
mesmos, tem-se que atravessar os pateos abertos e, quando chove,
expostos ao t empo. Ainda mais: sobem-se e descem-se pequenas es-
cadas, o que clifficu1ta. o movimento cios guardas .
• 188
,.
Os cubiculos, apezar de amplos, sfto de mau aspecto e nelles é
grande a promiscuidade. Não ha separação entre adultos e menores, e
no elas mulheres criminosas ficam as loucas!
Esse espectaculo elos loucos nas prisões do Brasil importa num
atrazo inclisfarçavel e.la nossa parte. Vi mulheres loucas ele permeio
com os sentenciados ou com simples presos correccionaes, rôtas,
quasi nuas, emprestando ao carcere umas côres ele desolação e ele
opprobrio.

"Alienados, dizia o Dr. Soares Filho, encontram-se


alguns detidos na Penitenciaria, por carencia ele estabeleci-
mento que os abrigue devidamente. "

Dupla falta, Senhor Ministro : porque, com esse internamento el e


kucos, se perturba o ambiente ele socego e ele trabalho elas prisões, e
ao mesmo tempo expõem-se os infelizes á rudeza ele um trato que
não póde ser supportaelo pela classe mais delicada dos enfermos.
Comprehentlenclo essa dupla falta, que importa num cnme cio Estado,
a citada auctoriclacle ponderava em seu Relataria:

"Destinada, como é por lei, á prisão de criminosos, que


alli vão cumprir penas a que foram conclemnaclos pelas aucto-
ridacles e trihunaes competentes, não é· a Penitenciaria, como
salta aos olhos elos mais leigos, estabelecimento proprio para
receber, manter e tratar convenientemente esses infelizes,
privados ela razão, e, por i so mesmo, dignos de toda com-
paixão. Precisam elles, pela delicadeza ele sua molestia, ele
tratamento carinhoso e scientifico, dispensado por espe-
ciali stas; ele agasalho, hygiene e muito conforto, que na Pe-
nitenciaria não podem receber; ele modo que, longe ele ·me-
lh orarem nas suas condições ele saneie, pelo contrario, como
se tem observado, peioram consideravelmente; a molestia ,
o soffrimento, emfim, o infortunio que os feriu, augmentam
por falta ele tratamento especifico, e devido ao meio em que
se encontram, muitas vezes recolhidos ás cellulas improprias,
para não perturbarem a ordem, o socego do estabelecimento.
~ não encommodarem e irritarem os detentos."
189

Tambem o regulamento da cadeia não tem execução, quando pre-


scre\'e a instrucção obrigatoria dos detentos.
Alli não ha escola: pelo menos não m'a indicaram, durante
minha visita, e bem certo é qne não haja, porque o governador Raul
Iv1achado, conforme fui informado, supprimiu a existente, do que se
lamentava o Dr . Bernardino Rosa, pedindo-a ao Sr. Urbano Santos;
"E' de grande necessidade que se lhes dê um professor, o qual lhes
ministre a necessaria instrucção, o que será mais uma obra ele bene-
merencia que o governo ele V . Ex. prestará áquelles infelizes."
(Rel . cit., pag . 35.)
Por felicidade dos presidiarias, elles encontram alli trabalho orga-
nizado muna officina ele sapateiros, que prepara calçados para a força
publica . .Essa of fiei na produz cerca de Soo pares de botinas por ,anno .
A chamada officina de ferreiro é muito rudimentar e não apre-
senta resultado apreciavel.
Trabalha, porém, e produz regularmente uma alfaiataria.
Uma turma de detentos emprega-se no Aprendizado Agricola
Christim Cruz e outra nas estradas.
Talvez por isso a mortalidade nessa horrivel cadeia seja muito
baixa. O serviço de e~gottos é ·deficiente, havendo apenas dois appa-
relhos sanita rios para cada raio ( *) .

( *) Acabo de ler em jornal do Maranhão que o Sr. Dr. Godofredo


Vianna, a qu:em de viva ·voz expüz minha: desagradavel impressão de sua
"Casa de Correcção" ou "Penitenciaria", substituiu o administrador antigo
e tomou varias providencias no sentido de melhorai-a.
ESTATISTIOA PENITENCIARIA

Havia na Penitenciaria de S. Luiz em 1923, excepção dos loucos


alli recolhidos, 146 detentos. Destes, eram:

Homens 143
Mulheres ' 3
Total 146

Pela côr:
Brancos 21
Mestiços 90
Pretos 35
Total 146

Pelo gráo de instrucção :


Sabem l'er . 45
Analphabetos . IOI

. Total 146

Pela profissão:
Lavrador 117
Sapateiro . 8
Domestico 6
Marítimo 3
Pescador 3
Engommador 2
Carpinteiro 1
Electricista 1
Artista 1
Ferreiro 1
192

Alfaiate l

Auxiliar do commercio l

,Machinista . l

Total 146
Pelos crimes :
Homicidas 131
Offensas physicas l

Ferimentos graves 6
Furto 4
Defloramento 2
Estupi:o l

Roubo l

Total 146
Pela idade:
Até 17 annos l
" 18 " l

" 19 8
" 20 " 5
" 21 " 6
" 22 " 8
" 23 " 13
" 24 " 4
" 25 " 13
" 26 " 4
" 27 " 6
" 28 " 9
" 29 " 7
" 30 " 5
" 31 " 4
" 32 " 7
" 33 " 5
" 34 " 4
" 35 " 2
" 36 " 4
" 37 " l
" 38 " 3
193

Até 39 annos l

" 40 ",, 5
" 41 2

" 43 " 1-.


,, 44 " 3
,,
" 45 2

" 46 ",, 2

" 49 2
,,
" 50 ,,
2
" 6o l
,,
" 61 l

" 71 " l

" 78 " l
Sem especificação . 2

Total 146
Abstrahindo dos demais typos de criminosos, temos para a idade
dos homicidas o seguinte quadro :
Até 21 annos. 21
,,
" 30 69
" 40 " 36
" 50 " 14
,,
" 6o l

" 70 " l
,,
" 8o 3
Total.
Quadro da !110rtalidade entre os presos da Penit~nciaria do Ma-
·ranhão, no periodo de 1913 a 192.J :
Anno de 1913. . 3
" " 1914 . 6
" " 1915. 2

" " 1916. 2

" " 1917 . 4


" " 1918. l

" " 1919.


" " 1920. l
. 13
194

Anno de 1921.
" " 1922.

" " 1923 (até junho) . . . . l

Mappa discriminativo do movimento de presos na Penitenciaria


de São Luiz, de janeiro de 1913 até junho ele 1923:

Anno ele 1913. 18


" " 1914. 30
" " 1915 . 8
" " 1916. 8
" " 1917. 19
" " 1918. 6
" " 1919. 15
" " 1920. 66
" " 1921 . 34
" 1922 .
" 1923 .

MAPPA DAS CADEIAS E XADREZES DO MARANHÃO

Cadeias . .
Xadrezes. 52
AS PRISÕES DO CEARÁ

1
. 1
ESTADO DO CEARÁ

Fachada principal da Penitenciaria de Fortaleza

Galeria de cubículos no pavimento terreo


SUMMARIO - A penitenciaria do Ceará em relação á dos Estados
v isinhos - Ligeiro historico da prisão de Fortale::a - O longo
Relatorio de Padua Fleury, em 1880 . O "deposito i1nmu11do,
onde apodreciam tresentos condemnados" - Sen libello ao
assumir a presidencia da Provincia - Sen plano de reforma
- A lei, d.e 15 de fttlho de 1880 e a escola - Offici1tas - A
transformação da cadeia - Com1J1issão no1J1eada - Os biom-
bos de ferro e fracasso de sua introducção 110 Brasil - Ten-
tatii1as de Fleury ~ Conto era a alimentação dos presos - En-
trada qnotidiana de s·ttas 1111.ulheres e meretrü:es na cadeia -
A diaria dos sentenciados - Flewry demitte adl/li1tistrador e
carcereiro por faltas gra.ves e exige abo110 de condncta para
11omcar 11ni major reformado do Esercito - O regwlante11to
da actuaj, penitenciaria - Sua pratica - Palavras do Dr. Tor-
res Camara sobre as prisões ceare1tses - Bello aspecto da
prisão. central - Regimen carcerario e tra.balho - As off i-
ci11as - A1tto110111ia fi11a11ceira - A Co /ollia Presidiaria de
" Ca1tnafistula" - Sen exito - Nova Co /011ia em Ibiapaba -
Refo·rnia projectada - O projecto Perdigão Nogiteira e o
object·i110 do Sr . Ildefo11so Albano.
A do Ceará representa um meio termo entre as varias especies
de prisões do Brasil. Está muito abaixo da de Pernambuco, a sua
cadeia central, mas acima das de atal, São Luiz e Belém do Pará.
Nesse bello Estado, aliá , o problema presidiario sempre pre-
occupou os homens publicos, admirando que não houvessem alli con-
tinuado o notavel esforço de Padua Fleury, o reformador ele tal
prisão, e que se empossou no cargo de presidente da Provincia a 2
ele julho de 1880 .
Passando a .seu successor, senador Pedro Leão Velloso, o governo
ela Provincia, escrevia o notavel criminalista:

"O estado elas cadeia é o mesmo deixado por met:


antecessor, excepto alguns pequenos reparos e as obras em
andamento na prisão da capital, que eu pretendia transformar.
em casa de execução de sentença",
"Logo que aqui cheguei visitei a cadeia da capital.
Era um deposito immundo, onde em, 28 quartos apodreciam
perto de tresentos condemnados, se.ni estinmlo, sem conforto
espiritual nem material; escola de vicios e de crimes, man-
tida a expensas elo Thesouro Provincial, como se apenas não
devesse melhorar, e, pelo contrario, perverter e até tornar
incorrigivel aquelle que a tiYesse de soffrer."

Por uma estatistica que mandou organizar, constava que em se-


tembro se agglomeravam alli, em cumprimento de sentença, 259 coi1-
demmnaclos, dos quaes:
42 liam e escreviam;
25 liam e escreviam pouco;
l lia e não escrevia ;

191 eram analphabetos


200

Ouçamos a palavra eloquente de Paula F!eury, o auctor da celebre


oração de 1882, a que Evaristo ele Moraes chamou - discurso -
libello accusatorio; sobre o quadro tenebroso que clefrontára em For-
taleza, em 188o:
" Pelo lado economico, eram forças · vivas que se
perdiam; pelo lado physico, organizações athleticas que de-
finhavam e .se aniquilavam em vicios; pelo lado moral,
entes humanos que se corrompiam; pelo lado juridico, con-
demnados a pena mais dura do que a morte; pdo lado re-
ligioso, infelizes para quem se apagara a luz brilhante de
nossa Sarita Religião. Esses desgraçados , muitos dos quaes
levados talvez ao c"rime pela · exageração de sentimentos
nobres, se embruteciam na ignorancia e na impiedade, com
grande sacrificio da Providencia. Tratar de applicar-lhes
um · dos· systemas preconizados da sciencia penitericiaria
fôra empresa temeraria por falta de meios, de tempo, e,
principalmente, de pessoal habilitado ;· mas transformar o
hediondo deposito em casa ele prisão com trabalho, nessa
prisão primitiva, cuja existencia já presuppun.ha, ha mais ele
50 annos, o auctor do Cocligo Criminal, era dever nosso, e
principalmente ela representação provincial, que por essa
occasião celebrava suas sessões.
Convinha, por qualqu er 1n.odo, tirar aquelles infel·izes
da abjecção eni que viviam . Para lhes dar desenvolvimento
intellectual , moral, religioso e profissional eram nece.ssa-
rios tres elementos - a escola, a capella e a officina. Sem
a instrucção, sem a religião e sem o trabalho, é inipossivel
obter a correcção cio delinquente, sendo que o trabalho é
condição essencial ela pena. "
Agora, o plano de reforma, que elle iniciou nos estreitos moldes
das finanças provinciaes:
"Distribuindo-se o pavimento terreo, para casa de de-
tenção, para capella e refeitorio e mais dependencias, além
da cozinha e das officinas junto ás muralhas do recinto,
éonvinha estabelecer-se no pavimento superior doi s vastos
ESTADO DO CEARÁ

Corpo da guarda militar


201

salões, que ·servissem ele dormitorio para 200 conclemnaclos,


' em ligeiras separações, exigidas pela moral, hygiene e
disciplina ele taes estabelecimentos. Sem esses melhora-
mentos compiexos, não conseguiremos nenhum outro isola~
ciamente; assim, sem regimen disciplinar é impossivel a es-
cola, o trabalho não poderia ser obrigatorio e não passaria,
como é hoje, de uma vantagem ele que não gozam os homens
livres, e a propria instrucção religiosa não se estabeleceria,
na confusão em que actualmente vivem os presos.
O trabalho, além de ser elemento poderoso de morali-
zação, por occupar o espirito do preso, tornai-o merece-
dor de um peculio e habilital-o a ganhar subsistencia ho-
nesta, depois de cumprir a sentença, é uma indemnização elas
despesas que oneram o orçamento província.! . Como ele-
mento incli spensavel ela pena, o trabalho é obrigatorio, quer
no recinto, quer fóra ela prisão; ·corno meio economico, eleve
ser organizado, aproveitando-se as forças · cio preso,
creanclo-se a industria nas prisões e tii·ando-lhe todas as
vantagens que della pócle resultar.
E' assim que, melhorando-se o delinquente e concor-
rendo para o seu bom tratam ento pelo augmento da renda
resultante de suas proprias forças , conseguiremos dar · plena
execução á lei criminal e obter a correcção do criminoso,
tanto quanto as finanças provinciaes o permittirem."

E Paclua Fleury, para a comprovação de sua the e, descia a


uma demonstração arithmetica :

" Duzentos homens. que trabalhem e ffectivaii1ente dez


horas por dia, nos 300 dias uteis cio anno, podem contribuir
com o rendimento bruto de 6o :000$; e é e ste, do s resultacloos
o menos importante ela. organização ela cadeia. O trabalho
em silencio·e sob rigorosa disciplina durante o dia, e a se-
paração á noite em alcovas economicas, bem arejadas e com
o necessario conforto, muito podem concorrer até para o
melhoramento moral do condemnado.
202

Além do trabalho nas officinas de sapateiro, carpin-


teiro, ferreiro e outras industrias igualmente uteis, a con-
strucção ele cáes, a da propria Alfandega e a elo porto, ar-
ranc~rão esses infelizes cio estado ele abjecção em que jazem,

elevando o seu espírito, r obustecendo-lhes as forças e in-


spirando-lhes confiança para obterem perdão ou commuta-
ção ela pena, se tdclos ' esses melhoramentos forem acompa-
nhados ele um syst°ema bem combinado ele penas e recom-
pensas."
Ainda por esse documento verifica-se que, pela lei n. I .880,
ele 15 ele julho, havia sido creada uma. escola primaria e ·restaurado
o Jogar ele capellão ela cadeia. Uma outra lei anterior tinha auctori-
zado o estabelecimento ele officinas. A do orçamento ele 15 ele qu-
tubro, no art. Iº, § 49, auctorizára a Presiclencia da Província a des-
pender 40 :000$ com as ob1:as ela cadeia para elevação cio pavimento
superior, acquisição ele biombos ele ferro e organização elas officinas
e cio pessoal.
Vejamos como o illustre administrador passou da palavra á
acção:
"Depois ele organizado o orçamento, confiei a execução
clelle a uma comrnissão composta do chefe ele policia, juiz
ele direito, Gonçi:llo Paes ele Azevedo Faro, do engenheiro
da Província Alfredo Augusto Borges e do secretario de
policia, bacharel Manoel de Souza Garcia. Os trabalhos
começaram no dia 22 de novembro com a reconstrucção do
andar superi or, elevando as paredes lateraes á altura ele
quatro metros e meio e formando dois vastos salões com
vinte janellas cada um e accommoclação para cem biombos .
ou ·alcovas de ferro. Já esti conclu ido o salão cio lado cio
poente, faltando sómente a escada, que não tardará em ficar
prornpta. O lado opposto está com madeiramento todo ar-
mado para 1·eceber a telha, e em poucos dias ficará nas con-
dições elo primeiro.
Na antiga cozinha, situada de encontro á muralha cio
lado cio mar. fe~-se no meio elo plano um vasto fogão com
203

assentamento de tres caldeiras, o qual já funccio_na desde


l de janeiro ultimo, consumindo pouco combustível.

Construiu-se, tendo por fundo a mesma muralha e ao


lado ela cozinha, uma casa ele banho com 14 banheiros,
dispostos em duas ordens, feitos a cimento e medindo cada
um o"',80 ele largura, sobre l"',80 de comprimento.
Construiu-se, igualmente, a pequena distancia ela casa
ele banhos e ao lado elo posto, uma caixa d'agua com bastante
solidez e elegancia, medindo 38 palmos d·~ altura e com ca-
pacidade para 7 l l2 metros cubicos d'agua. Concluiu-se o
assentamento ela bomba. Todos estes melhoramentos. nos
quaes se empregaram os presos como operarias e mestres
ele officio, despenderam-se até 16 elo corrente 16 :154$960,
muito menos do terço do valor do trabalho ele 200 con-
clemnaclos em um anno. Para separar os presos clura1Í.te a
noite, tive em vista a aclopção ele biombos ou alcovas de
ferro, que estão sendo introduzidas nas casas centraes de
~rança, e vi applicaclas com grande economia nas ele Leyden
e Lenn-warden. na Hollancla; até nos commodos supple-
mentares das proprias prisões cellulares da Belgica . "
Padua Fleury encarregou o engenheiro Henrique Foglare ele
fazer construir nas officinas da Estrada de Ferro ele Baturité, com
1111 ,80 ele :iltura, lrn,20 de largura e lrn,80 de comprimento, uma dessas
alcovas, pelas quaes voltára ela Europa enamorado. Em virtude elo
preço e das difficuldades sobrevindas para a construcção ele taes
biombos, Fleury não logrou introduzir no Ceará esses clormitorios.
Para mostrar o interesse ele Fleury na reforma iniciada, ve-
jamos a que minucias elle descia na carta que dirigiu a 30 ele no-
vembro do mesmo anno ao commenclador Lu iz Rodrigues de Oli-
veira, est2.beleciclo em Paris :
"Nas officinas ela casa penitenciaria central de Gancl
estas alcovas se fabricavam em 1875 por 180 francos cada
uma, como V. S. verá ela carta que remetto por cópia do
Administrador da Segurança Publica, elas Prisões, o
Sr . Berden. Por esse preço ainda convém á Província, e
204

para o conseguir me dirijo a V. S . , propondo · se eiicarre-


gue ele fa_z er a encommencla a razão ele 180 francos cada
alcova, comprehenclicla nesse preço a comrnissão que lhe
possa competir. Fica entendido que a despesa ele encaixota-
mento e o carreto da fabrica ao ponto ele embarque cor-
r:er:~o... por_cor~ta ·da Provincia.
Se. V~ . S ~ puder encarregar-se dessa commissão pelo
· -'. } 1)teÇQ acima. inclicçi.clo, responda-m e por telegram1úa, porque
é meti .desejo introdi.tzir já o melhoramento. No caso con-
trario, . basta · que o· faça pelo cotreio. O telegramma deve
v.ir ao Presidente de Pernambuco para me ser transmittido.
Cada alcova ·deve ter dois metros . ele altura, dois
n_1etros . ele comprimento e um metro e quarénta céntimetros
de lé_lrgürà, ton1o vàe marcado Úo desenho . referido. Nas
o ffi cinas ela casa penitenciaria· de Ga11d tem-se ·f eito com
outras dimensões. Assim, as destinadas á enfermaria da
-casa penitenciaria e ele reforma ele South H ubert têm a
altura de mais ele tres metros. Não ha razão para se acloptar
tão grande elevação, que importaria em maior despesa, sem
que por _iss9 fosse m~ior a capacidade cubica do ar.
_Em razão da economia, convém se construam quarenta
e oito grupos el e quatro alcovas cada um e oito alcovas iso,
ladas, uma vez que todas as peças possam ser bem . encai-.
. . ..
xotadas,_ fÍcanclo eUas dispostas d ~ modo q~te em cada.
re1-iq~1e (são oito renques) se colloquem . seis gruf)~S e uma.
alcova das isoladas, para· completar o numero de 25.
. . .
Se V. S . visitar a casa secundaria ele Gand_, verá lá
no q·uartier de décombre·J!l'tent alguma elas alcovas . indica-
das e ·nas officinas da casa central poderá obter · todas as
explicações necessarias .
.O Sr . barão ele Arinos ou ·o nosso consul em Bruxei-
la s poderá apresentar V . S. ao · Sr. Berden, ou a .q uem fôr
hoje administrador ela segqrança publica .
O Sr. Dr. José Lourenço de Castro e ·Silva, 2 Chaus-
sée de Havre - Jxel1es, em Bruxellas, pócle auxiliai-o com
ESTADO DO CEARÁ

Corpo da guarda militar, almoxarifado, administração, xadrez de correccionaes


e officinas da prisão de Fortaleza

Ala onde estão localizadas as officinas


205

quaesquer informações sobre a nossa prisão. E lle é


membro ela Assemblea Legislativa Provincial e a elle me
dirijo nesse sentido . "
Ouçamos, agora, o que sobre a organização da Casa de Detenção
dizia o chefe de policia dessa época:
"Consegui fazer cessar o esta~o de confusão e im-
moralidade resultantes de se r feita fóra e conduzida duas
vezes ao dia a comida dos presos por suas mulheres, me-
re_trizes e meninos, pondo em arrematação os generos ne-
cessarios para a alimentação dos presos pobres, e mandando
preparar a comida na cozinha do estabelecimento, onde para
isso se fizeram as accommodações precisas. "
Cada preso recebia a diaria .de 240 réis, depois el evada a
400 réis e finalmente a 600 réis, qual é agora.
Comprehendendo que tudo, numa prisão, depende do pessoal
da administração, este foi alterado com a exoneração do admini stra-
dor e carcereiro, Raymundo do Carm o Ferreira Chavés, "demitÚdo
por falt~ graves no exercício destes empregos", e substituido pelo
major refonnado do Exercito, Cori olano de Castro e S ilva, que,
para tal nomeação, ainda carece de ser " abonad pelo tenente-
coronel commandante do 15° batalhão, onde serviu aquelle oHicíal. "
( Do R elatorío de I de abril de 1881. )

NO REGULAMENTO

O Estado do Ceará não tem um R egulamento e. pecíal para as


suas prisões, notadamente para a Casa de Detenção da capital,
regendo-se internameÓte pelo de 26 de abril de 1&;o, anterior ao
Codigo Penal. P ossue, porém, como parte do Regulamento Polícial,
:baixado com o decreto n . 39, de 19 de outubro de 1916, disposições
p elas quaes se regem tae estabelecimento .
E' o que consta do Titulo XV. Pa í11speo;õo das prisões e sua
et:OllOm.Ía .

As prí ões do Ceará são de quatro categorias. ass-iim diisaimá-


nadas: cadeia de I", Z" e 3"' ordens. e casas de prisão. _'\s, caidcias de
I"' ordem des ínam-se aos contI"av-mfrm-es. aos l[l'lí~ ?'>!' caw:a civd
206

·ou commercial, aos detidos á requisição de ·auctoridade administra-


tiva ou consular, aos postos á disposição de auctoridacle policial, aos
que aguarelam formação de culpa, aos pronunciados que esperam
julgamento, aos condemnados por sentença cuja execução dependa
de decisão ele recurso, aos condenmaclos por sentença passada em
julgado. (Art. 196.) A's ele 2" ordem destinam-se os mesmos, á
excepção dos condemnàdos cuja pena fôr igual ou superior a quatro
annos. ( Art. 197·) As ele 3ª ordem são as que só devem conter os
simples detentos em custodia, os que estiverem á disposição ele juiz
para formação de culpa, os pronunciados por crime afiançavel e
os condemnados a penas leves. ( Art. 198.) As Casas de prisão são
as existentes em Jogares onde não haja fôro criminal. ( Art. 198.)
As mttlheres e menores serão recolhidos em prisões separadas,
guardadas as convenientes divis§es. (Art. 203.)
O Regulamento exige sempre a separação de sexos, idades e
classes. Estabelece a inspecção das prisões, manda fornecer rações
e vestuario aos detentos. Permitte a sabida dos presos "a negocio"
e escoltados, a titulo de recompensa, até seis vezes durante o
anno. (Art. 215, § 6°.)
Não estabelece o trabalho obrigatorio nas pnsoes, permitte o da
iniciativa. dos presos: - uos presos poderão entregar-se, em offi- ·
cinas, em seus proprios cubiculos ou em outros adequados, a todo
genero de trabalho que se concilie com a hygiene, a ordem, a se-
gurança e a disciplina do estabelecimento. Poderão, porém, ser em-
pregél.dos em serviços publicos, fóra elas prisões, se assim resolver o
governo cio Estado, precedendo auctorização do juiz das execuções. "
( Art. 23r.) Admitte a visita diaria dos parentes ou estranhos.
( Art. 234, paragrapho unico.)

NA PRATICA

Do que seJam as prisões do Ceará disse o ex-chefe de policia,


Sr. Dr. José Eduardo Torres Camara, que ellas, "em sua maioria,
forçoso é confessa.1-o, não offerecem nem a resistencia precisa para
seg'llrança dos detentos, nem o asseio e hygiene recla.nwdos para a
saudc dos mesinos, muitos dos quaes são mandados para as cadeias
207

ele outros termos para o cumprimento de sentença". (Rela.to rio de


1918, pag. 25.)
Cincoenta e cinco paginas adiante, a citada auctoridade fala " no
estado ele abandono" das prisões cio Estado, elas quaes, conforme um
inquerito a que procedeu, sendo em ·n um ero de 7_5, nove estão en1
bom estado, I I em re'g ular, oito em soffrivel, r r em mau e 25 em
pessimo. " (I deni, ·pag. 56.)
A penitenciaria ·de Fortaleza é urna elas ele melhor aspecto do
norte do Brasil, achando-se locali zada numa quadra cornprel1endida
entre as ruas Senador Pompeu e General Sampaio, Misericordia
e · Gazometro. Penetrnando ..se nella, tem-se em f:rente uma área
arborizada, e dos lados, á esquerda, o corpo ela guarda, i direita a
secretaria e o almoxarifado. O corpo da prisão fica ao centro cio
pequeno parque, e consta de um eclificio de 78 metros ele fachada,
com dois pavimentos. No primeiro, ele um e ele outro lado, ao longo
das extensas galerias, ficam os cubiculos . Em cima, á esquerda,
capella e escola, á direita, numa parte cubicul!)s e depois uma sala
ampla que figura de carcere · das mulheres .
Atravessando a parte extrema do parque, ainda se encontra uma
ala de compartimentos de pequena altura, onde ficam as officinas.
Trata-se, pois, de um edificio que aclrnitte refoána e póde ser
perfeitamente aproveitado para outro qualquer se rviço do Estado,
opinando-se, alli, pela sua acquisição pelo Governo Federal para a
Rêde de Viação Cearense, cuja estação central lhe fica contigua.
As photographias mostram o aspecto curioso das varias de-
lX'ndencias da cadeia entre as arvores fructifera s do parque. No
interior, porém, a impressão não póde ser a mesma. A prisão, pela
especie de pavimentação, é humida, dispõe de pouca luz, os cubí-
culos, em numero de 28, são es::uros, desasseiados e, nãd havendo
exgottos, os presos vão fazer a fachina no mar proximo. Mas é
bastante arejada. A dormida de uns faz-se em rêdes, de outros em
tarimbas . Não ha classificação de presos . O regimen é dos ranchos,
.vindo á prisão menores e mulheres trazer o alimento aos reclusos.
Relativamente ao trabalho, ha quatro modesta s off icinas, de
sapateiro, alfaiataria e objectos de palha, chifre, etc., tendo sido
208

fechada a de ferreiro e não tendo funccionado, em virtude da dif:..


ficuldade e preço da materia prima. a de: tecer rêdes'. São nidimen-
tares, e se devem principalmente ao seu dedicado administrador, o
1
·coronel Sá Roiz, que, não sendo um criminalista· é, comtuclo, um es-
pírito organizador, como se vae ver da sua obra com a Col01·ia . Pe-
nitenciaria de Cannafistula, e com as cifras que . eu .aqui reproduzo
para testemunho e exemplo ele que só as . prisões . incipientes e mal
aciministn:~d.~s pesam no orçamento. dos Estado::>..'.
·.. A 1 de. j9-neiro de. 1921, .a Cadeia Publica de Fortaleza fo i d~-
clarada aut-on9n1a . d_o Thes0t~ro . . o_ administrador, de ac_cqrçlo c.om
o Dr . _Al;>ilio Mart.ins, chefe . da Segurapça :fubliça, fallecido poucçi
dep~is
. - . . -_ .. .
de. r11ii1ha · ;!~·ita ~o . Ce~rá, cÓnseguii..~ , orga~1i~ar a officin~
. . '· . . -
ele ~apateiros, e . ii1iêiou _o fornecimento de .calçados, per~eiras :
correiame á ·Força Polic'ial. Logo :depois fornecia fardamento
á Policia Marítima. Ensaiou o fabrico · de rê'Cles e de moveis.
Fez a pintura do ed~ficio com os recursos ela prisão e com o tra-
bétlho dos presidiarios. Fundou-se, nessa data, o campo presidiario
de Cannafistula. Fora m suppressos cargos inuteis e com esta nova
orientação se economizaram ao Thesouro as quantias seguintes:
Em 1921 . . . . . . . 39:900$000
Em 1922 ,· . . . . .. 38 :6o1$600
Em 1923 (até maio ) . .. i4. :588$~00
Para lamentár f.oi· que o pensamento das economi_as tenha · 1e-
vado o Estado a abandonar o da reforma dos presos, sendo que à
escofa -está .entregue a. um antigo sentenciado, ex-offici_ql . do ·,Exer-
cito,_ em cujos assentamentos vi nota·s verdadeiramente deprimentes.
Ha -poucos prc:;sos na Cádeia e a sua guarda cabe; ~-= policiaes'.
Rela~ivamen!e .. á. promiscuidade dos · i:I~tentos, lê-se no Relat~rio
_do Sr .. S.á -Roriz.:"
''Peço venia para chafnàr·.:a:;attenção de V. Ex. para
....:.-:
a pratica immensamente preju-dlcial da reclusão· neste es-
tabelecime'nto de individuos presos por contravenções po-
.. liciae.s; em -promiscuidade com os réos, cüja' éo1wivencia' ~
. cuja:, suggestões lhes poderão. ser .ele perníciosa . influencia.
ma-rime tratando-se de crianças."
ESTADO DO CEARÁ

Campo presidiario agricola de Cannafistula - Escola

Idem - Residencias do almoxarife, do ajudante e de sentenciados


209

O campo presidiario está localizado na antiga Colonia Christina,


em Cannafistula, a cerca de 80 kilometros da capital, á margem da
Estrada de Ferro de Baturité. Installou-se em novembro de 1920,
tendo por administra,dor o tenente Francisco Vieira Lima.
Sob a efficiente direcção do commandante Roriz, em pouco
tempo, e graças á renda do proprio campo, montava-se uma pe-
quena officina de sapateiro, adquiriam-se ferramentas, compravam-
se 36 muares e tres cavallos . A forragem para o sustento destes é
produzida pelo campo, cuja colheita em milho foi , em 1921 e 1922.
ele 100. ooo litros.
Além deste trabalho ele proclucção, possue plantados o Campo
Presidiaria nada menos ele 3. 600 pés ele café, já mudados, e 10. ooo

a mudar, além ele innumeras arvores fructiferas.


Tudo 'isto foi conseguido com 30 homens, vigiados apenas por
tres praças ele policia !
O chefe ele policia, Dr. Abílio Martins, ·conseguiu este resul-
tado permittindo que as familias cios sentenciados . fossem a elles
j untar-·se na Colonia. Errado? Contra o espi rito do Codigo? O certo
é que nenhum delles tenta evadir-se .
Diante desse auspicioso resultado, o governo cearense creou em
março deste anno outro Campo Presidiario, em. Ibiapaba, sob a di-
recção do tenente J oão Antonio cio Nascimento . Ahi se está cul-
tivando o fumo. São 25 presos vigiados por oito praças de policia.
Tambem a Colonia Christina está entregue ao trabalho ele de-
t entos.

AS CADEIAS DO CEARA

O estado elas cadeias do interior do Ceará e, como tantas, des-


abonador cios nossos fóros ele cultura e ele humanidade. Para que ,
entretanto, não se afigure que eu, pelo desejo ele precipitar a re-
forma, . ennegreço em demasia o quadro que me foi dado contemplar,
reduzo tudo quanto pnclesse aqui deixar sobre o assumpto á se-
guinte louvavel confissão do ex-chefe de poli cia cio Estado, Dr. J osé
Eduardo Torres Camara, feita ao então governador cio Ceará,
Sr. Dr . João T homé ele Saboya e Silva, em 1919 :
14
210

"Insisto em reclamar a attenção de V. Ex . para o


estado verdadeiramente lastimavel a que se acham reduzi-
das, em sua quasi totalidade, as cadeias do interior, as
quaes, ao contrario da desta capital, são estipendiadas pelos
cofres das respectivas municipalidades. Algnmas destas,
muitas vezes, deixam de pagar as diarias dos presos pobres,
qne se 11êm na co11ti11ge11cia de recorrer á ca.ridade piiblica,
emquanto o governo do Estado não providencia, chamando-
as á ordem.
· A causa publica exige que, para maior segurança dos
detentos e em bem da saude dos mesmos, sejam feitos os
reparos de que necessitam as cadeias, que se acham em
estado de não se prestarem ao fim a que são destinadas . "
(Relataria, 1919, pag. 60.)

Por informações fidedignas apurei, entretanto, que esse "cha-


mado á ordem" do governo ás municipalidades, sobre o abandono
das prisões do interior, raramente produz os resultados que era para
desejar.

REFORMA PROJECTADA

O Ceará cogita' de uma reforma penitenciaria. Elle teve á sua


frente um notavel jurista, que era o Sr. Justiniano Serpa, e seu sub-
stituto, o Sr . Ildefonso Albano, é um apaixonado pela idéa da re-
forma. Pendia, alli, de deliberação do corpo legislativo o seguinte
projecto, elaborado e defendido pelo Sr. Perdigão Nogueira, moço
de experiencia e capacidade demonstrada quando á frente da De-
tenção de Pernambuco:
"A 'Assembléa Legislativa do Estado do Ceará decreta:
Art . 1°. O Governo do Estado é auctorizado a dar novo re-
gulamento á Cadeia Publica da Capital, que passará a denominar-se
Casa de Reforma.
Art. 2°. O livramento condicional será concedido nos termos
dos arts. 50, 5 r e 52 do Codigo Penal.
Art. 3º. Fica instituído o trabalho penal obrigatorio.
211_ -

Paragrapho umco. O trabalho penal constará de artes e of-


ficios liberaes, necessarios aos serviços do Estado, creando-se, para
esse fim e dentro da prisão, officinas de alfaiates, encadernadores,
ferreiros, funileiros, marceneiros, sapateiros e typographos, uma fa-
brica de rêdes e outras que se tornarem indispensaveis ao serviço
publico.
Art. 4º. Os condemnados á pena .de prisão cellular por mais
de seis annos poderão ser transferidos para uma colonia agricola,
quando lhes faltem sómente quatro para cumpril-a.
Art. 5°. O Governo do Estado é tambem auctorizado a crear
uma Colonia Correccional Agrícola, para onde serão enviados os
reclusos de bom comportamento, satisfeitas as exigencias do artigo
antecedente, a!'sim como os sentenciados a penas de curta duração e
os condicionalmente liberados, feitas as adaptações para a selecção
cios clel inquentes .
Paragrapho unico. O Governo installará a Colonia Correc-
cional na Colonia Christina ou aproveitará outra propriedade do
Estado, se lhe parecer mais conveniente.
Art. 6° . O proclucto das officinas será destinado á manuten-
ção cio estabelecimento e á concessão ele salario aos convictos nellas
empregados .
Paragrapho unico. O salario será proporcional ao trabalho e
a titulo de gratificação, e destinar-se-á á formação de um peett!io,
que se dividirá em duas partes: Pewlio d e reserva e Pecnl·io dis-
ponivel. O primeiro só poderá ser entregue ao detido na sua li-
bertação definitiva e o segundo servirá para occorrer ás despesas
da sua defesa, da familia e a outras necessidades, a juizo do di-
rector do estabelecimento .
Art . 7°. Os sentenciados que forem enviados para a Colonia
Correccional occupar-se-ão nos serviços de agricultura pratica, cons-
trucção de estradas de rodagem, abertura de estradas para viasferreas
e ficarão sob a jurisdicção cio director da Casa ele ·Reforma, em
cujo regulamento serão incluidas as instrucções necessarias para os
trabalhos da Coloni~ Correccional.
212

Art. 8°. No regulamento a ser expedido, observar-se-á, o


mais possivd, o sy_ste1~a penitenciaria prescripto P<';lo Codigo Penal,
com _as modificações ·e adaptações compativeis com o nosso meio e
~s condições ·actuaes do nosso principal estabelecimento pen_a l.
Art. 9°. E' ainda o Governo ·do Estado auctorizado a adqui-
rir, por compra e pelo seu valor venal, todas as obras de sapataria
e· os materiaes respectivos, _pertencentes aos sentenciados que se
achem presos na Cadeia Publica, ficando prohibicla a execução ele
qualquer serviço particular pelos detentos.
Art. IO. A direcção ela Casa de Reforma será confiada a ci-
dadão de reconhecida capacidade para o cargo, preferindo-se· o que
fôr formado em medicina ou direito.
J\.rt . II . Para occorrer ás despesas das reformas constantes
do novo regulamento fica o Governo do Estado auctorizaclo a abrir
os creclitos necessarios :
Art. 12. - Revogam-se as disposições em contrario."

A NQVA PENI'DElNCIARIA

Fructo' da iniciativa de V. Ex., o novo Presidente elo Ceará,


Sr. Ildefonso Albano, vae construir uma nova penitenciaria em
FQrt_aleza . E lle proprio o communico.u a V. Ex., em . telegramma
que vi publicado no expediente do Ministerio da Justiça. ·
Qual será o typo dessa prisão ?
Será it~dustrial, será agricola?
Ficará dentro ou fóra da cidade?
Quaí1do por alli passei, de regresso do extremo Norte, já no go-
verno o Sr. Albano, esse clistincto administrador submetteu-me a n-
goroso interrogatorio sobre as possibilidades de uma adaptação da
sua Cadeia Central; e eu me recordo de lhe haver aconselhado a
soccorrei-se de uma planta muito interessante que vi em Natal, no
Palacio do Governo, e que elle poderia obter por cópia, para. base de
estudo.
ESTADO DO CEARÁ

Capella salão de aulas e area desoccupada

Officina de sapateiros
213

Muito melhor seria, entretanto, que o Ceará aguardasse o plano


geral que V. Ex. deverá aconselhar ao.s Estados, do reformatorio
agricola, para então emprehender a sua obra. Neste sentido eu tomo
a .liberdade de suggerir a V. Ex . um entendimento c9m aquelle go-
verno, animado que está dos melhores propositos para resolver o
problema e marchar de accôrdo com esse Ministerio . (*)

(*) Recebi o Relatorio recentemep.te apresentado ao novo chefe de


policia do Ceará, Dr. Romeu Martins, pelo tenente-coronel Sá Roriz.
Por elle se verifica, que o estado sanitario não era bom n:a priisão de
Fortaleza, devido á i~curisão da grippe, paludismo e outras molestias.
Sobre a instrucção, verifica-se que a matricula na escola da Detenção foi,
em 1924, de 47 presidiarios, sendo .o curso sedado em dois annos.
ESTADO DO CEARÁ

Entrada da penitenciaria e sala da guarda

Cubiculo, tal qual foi encontrado, com as rêdes desarmadas


'
ESTATISTICA PENITENCIARIA

Encontrei na Cadeia Publica de Fortaleza 106 detentos. Destes,


pelo sexo, eram :

Homens IOI
Mulheres . . . . 5
Total . IOÕ

Pela côr:
Brancos
Mestiços
Pretos 12

Total ro6

Pela naturalidade:
Brasileiros . ros
Estrangeiros I

Total ro6

Pelos Estados :
Ceará 83
Parahybq . 8
Pernambuco 5
Rio Grande do Norte 3
Alagoas 2

Pará 2

Sergipe I
Amazonas I

Total. ros
216

Pelo gráo de instrucção :

Sabem ler 36
Analphabetos. 70

Total lo6

Pelos cnmes:

Homicídio 71
Roubo
Não classificados 8
Furto 6
Infanticídio 4
Ferimentos graves 4
Bigamia l

Estupro l

Total lo6

Pela idade:
Até 16 annos I

17 3
" 18 " 4
" 19 " 5
" 20 6
" 21 " 6
22 " 6
23 5
" 24 " 2

" 25 " 7
" 26 " 3
" 27 " 4
" 28 8
" 29 " 3
" 30 " 6
31 " 7
" 32 " I
" 33 " 7
ESTADO DO CEARÁ

Campo presidiario - Residencia do administrador

Campo I'residiario - Sentenciados, suas mulheres e filhos, vendo-se ao


centro o administrador, commandante Sá Roriz, e ao lado
a pequena guarda de tres policiaes
217

Até 34 annos 1
,, ,, 2
35
" 36 " 2
,, 38 " 2
" 39
,, 1
" 40 " 2
,, 2
42 "
,, ,, -2
,, 43 ,, 1
45
,, 46 " 1
" 50 " 1
,, 1
" 56
,, ,, 1
59
,, 61 ,, I
Sem especificação 6
Total 106

Presos existentes na Cadeia Publica de Fortaleza no periodo de


1913 a 31 de maio de 1923.
1913 168
1914 83
1015 67
1916 II8
1917 132
1918 II8
1919 131
1920 125
1921 132
1922 115
1923 até 31 de maio- 112
Quadro demonstrativo da mortalidade na Cadeia Publica de For~
taleza, no periodo de 1913 a 1914 (maio) .
1

I
218

1916 z
,1917 z
1918 3
.1 919 3
1920 7
'.1 921 7
.~922 6
,l9 2 3 z
ESTADO DO CEARÁ

Campo presidiario = O chefe de policia e o administrador em visita ás


plantações de milho

Idem - Sentenciados entregues á planiação do arroz


- -
AS PRISOES DO RIO GRANDE DO NORTE
. ·-·· .....
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

........ ,· ·.. :.. .·

/·,
:.~ ·

Fachada principal da Casa de Detenção de Natal

Interior de uma cellula, vendo-se de mistura rêdes, artefactos industriaes


e trens de cozinha, de que se utilisam os detentos
SUMMARIO-Historico das prisões do Rio Grande do Norte e
interessante trabalho do Dr. Antonio de Soitza - Da antiga
cadeia da rua Grande á Detenção do "Mante" - Depoimento-
do Dr. Henrique Castriciano eni a "Revista do Instituto Histo-
rico " - Nada se lucrou com a .mudança - Juizo auc torizado e
insuspeito do Dr. Sebas.tião Fernandes - Synthese do Regula-
mento de 192 I e pratica observada na prisão de Natal - O
)

edifício desta é o mais sordiâo das prisões centraes do Brasil


-Aspectos desoladores - Um projecto que não passou da
auctorização legislativa e da planta.
Não são abundantes as informações sobre as pnsoes do Rio
Grande do Norte, e, conforme o depoimento do Dr. Antonio de Souza,
em seu interessante estudo publicado na Revista do .Instituto Histo-
1-ico e Geographico, dalli, vol. n. 2, pag. 250, e infelizmente in-
acabado, "o Senado da Camara de -Natal lutou mais de meio seculo
para conseguir essa coisa, infelizmente indispensavel, que é uma
-c adeia". A que existia então estava em ruinas. "Em 5 de setembro
de 1716 o Ouvidor Geral da Parahyba,. cuja jurisdicção se estendia
ao Rio Grande, informava em carta ao rei (D. João V) que, ao
tomar posse do cargo, lhe avisara a .Camara do Rio Grande de q_ue o
cdificio da cadeia se achava totalmente arrwinado, de fórma que já
nella se não jwdia.m recolher os cri111,inosos." (Ide11i, idem, pag. 254.)
Aquella iniciativa foi bastante retardada, e quando arrematada a con-
s trucção do eclificio, por um conto ele réis, ainda por muito tempo se
a adiou em virtude ele ninguem acertar onde se a devia localizar ! ...
Affirma-se que o eclificio foi inaugurado a 25 ele janeiro ele 1722.
N elle permaneceu a cadeia até l9II, quando foi transferida para o
local que hoje occupa.
O Dr. Sebastião Fernandes, actual chefe ele policia do Rio Grande
-elo Norte, e que é um dedicado cultor da .sciencia penal, disse de tal
prisão que era "uma especie, ao menos exteriormente, ele pequenino
e sinistro castello, com os seus dois horrendos calabouços ou enxovias,
que bem faziam lembrar os carceres ele S. Salvador em 1817. (Es-
tudos e ajJplicações de sociologia criminal, 1922, pag. 95.) Sua de-
scripção foi feita á luz ele um inc~uerito realizado em 1846 pelo
Dr . Henrique Castriciano, e está publicada na Revista do Instituto
H istorico ele seu Estado, vol. n. 2, pags . 382 a 383:
"A cadeia occupava, nesta época, o anelar ao rez <lo
chão cio sobrado em gue celebrava as suas sessões a Camara
- .224

Municipal, sito á rua Grande, hoje Praça André de Albu-


querque. O predio era o mesmo de ·agora (1907), sem as
actuaes modificações para melhor. Tinha duas fachadas:
uma que clava para a praça e outra para .o lado opposto. No
primeiro havia duas janellas e uma porta; no outro apenas
uma janella. O pavimento te~reo era, por muros interiores,
clivicliclo em tres, cios quaes dois serviam ele prisão; no ter-
ceiro aquartelavam-se os soldados encarregados ela vigilancia
cios detentos .
O logar destinado ás mulheres media 2m,22 ele largura
e 9mA5 de comprimento, tudo clareado sómente ·por um
postigo gradeado com r'.",60 ele altura, por Im,50 de largura,
por uma fresta aberta na parede cio lado esquerdo e por
. doi s buracos ele fórma triangular de 1m,20 ele altura por cima.
ela porta de entrada.
A prisão cios homens ficava no centro e entrava-se·
nella por um alçapão aberto no soalho, servido por uma es-
cada movel. Media ele largura 8m,IO e 9m,75 de comprimento,
tendo duas janellas com grac]es do lado da praça e uma no·
lado opposto, todas com Im,o de largttra e 1m,Io ele altura.
Os presos de ambos os sexos nunca se banhavam e co-
zinhavam na sala ela prisão, sobre o sóJo coberto ele pedras
irregulares, ele superf ície humicla e loc.lo.sa. Os que não pos-
suíam rêdes deitavam-se em tabàas soltas e as fezes eram
la_n çadas-num barril que ficava todo 6 dia a um canto.
Relativamente á alimentação basta lembrar que, exis-
tindo . 27 presos, a verba designada pela assembléa provin-
cial era de 30$ mensaes, menos de 1$ cliarios para manter
27 creaturas human as .."

Pondera o Dr. Sebastião Fernandes que até 19II, quando dahr


se retirar~mos presos, ·só se attencleu, e ligeiramente, ás condições
do preclio, "sem q e jámais fossem attenclidas as circumstancias 1110-

raes em que os detidos ou sentenciados alli se achavam, emquanto o·


numero .destes crescia, tornando cada vez mai s intoleravel a ex1s-
tencia naqu elle antro cavernoso". (0/J . cit., pag. · 97.)
Isto b9-s_tà. l?ara evidenciar que até 19II o Rio Grande elo Norte.'
não se havia apercebido das imposições da civilização e ela sciencia.
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE

Vista da área central da Casa de Detenção - A photographia, apesar do arranjo


feito pelo photographo, não di.sfarça o detestavcl aspecto da prisão ·
225

em relação ao presos, e que só por força de circumstancias mate-


riaes, entre as quaes a da deficiencia do predio e recente augmento
da população e da criminalidade, se cogitou alli de retirar para outro
edifício os infelizes sepultados -vivo.s no antro da rua Grande. "Mas,
apenas mudámos de logar, escreveu o chefe de policia em sua bri-
lhante monographia. Levámos para sitio menos fru1uentaclo O· que
nos estava envergonhando, sé1n pensarmos que quasi compromette-
riamos a evidencia dos nossos surtos de progre5so e civilização."
Em 1914 foi pedido ao Congresso estadual auctorização para a
con trucção de penitenciaria-modelo e uma bôa planta foi organi zada
e apresentàcla ao governador desse período. Elia figura no salão de
espera do Palacio do Governo, revela conhecimento elo assumpto, mas
a obra não se realizou .
. Falemos, pois, da actual prisão de Natal, qu e vi sitei constran-
gido e que reputo uma elas mais sordiclas cadeias elo Brasil.
O edifício acha-se no alto ele um "Monte'', a 500 metros elo mâr,
e a perspectiva q.ue dalli se apanha é surprehendente: uma praia en-
curvada qi1e vae de Ponta Negra ao Potengy (barra do por lo) .

NO REGULAMENTO

O Regulamento. elas cadeias do Estado foi approvado pelo de-


creto n. 151, de r6 de setembro de 1921, assignado pelo Dr. Antonio
José ele Mello e Souza. Apezar ele não conter disposições dignas de
nota, prescreve que :
as cadeias serão seguras, limpas e arejadas, de accôrdo com os
preceitos da Hygien,e (Art. lº);
as auctoridades incumbidas da respectiva inspecção deverão vi-
sitai-as todos os mezes e examinar se estão seguras, limpas e are-
jadas; se o numero d.e presos nel!a accommodados excede sua capaci-
dade; se s~o revistadas todos os dias pela manhã e á tarde ·
servam-se á noite com luz sufficiente; se cliaria1n ti
. " ,.r~;
sua limpeza; se dentro das mesmas se faz //ilZO
.. ..,
· se : o p '-
estão bem classificadas por seus sexos, idades, detensõe _, pri-õe
. ' ; '
eC/J
preventivas e sentenças condemnatorias; se êm soffrido ,máo , trata-
226

mento do carcereiro; se observam o devido asseio e usam banhos


uma vez por semana pelo menos, etc. ( Art. 3º. )
No que toca á "classificação'' elos detentos, lê-se no Regula-
mento:
"A classificação elas prisões será feita do modo segúinte:
I . As mulheres em prisão propria e separadas elos homens.
II. Os menores em prisão especial.
III. Os indiciados ou recolhidos em custodia.
IV. Os pronunciados.
V... Os condemnados" . ( Art. 17 . )
Relativam.ente ao "regimen de trabalho'': A Casa ele Detenção
terá tantas officinas quantas comportem o desenvolvimento e condi-
ções ela mesma. Na creação destas officinas se dará, tanto quanto
passivei, preferencia ás industrias locaes. (Art. 25.)
As officinas terão mestres, contra-mestres e chéfes ele secção
que forem necessarias, a juizo do chefe ele policia. (Art. 26.)
Sobre o peculio: "O proclucto da venda elo trabalho mensal ele
cada penado será dividido em tres partes, sendo, ..:__ uma, para as
despesas ele sua subsistencia, outra para constituição elo seu peculio,
que lhe será entregue ao dar sahicla elo estabelecimento ; e outra para
a caixa carceraria . . No caso ele fall ecimento elo penado, o peculio
passará aos seus successores legítimos, nos termos ela legislação em
vigor.' (Art. 33.)
"Ao lado elas officinas terá a Detenção uma escola ele primeiras
letras para os detentos analphabetos e aperfeiçoamento elos que o não
forem e disso precisarem." - (Art. 35.)
O Regulamento ainda cogita ele uma Caixa Economica elos
pres_os. (Art . 127.)

NA PRATICA

Baixa, acaçapada, sem área sufficiente, foi apenas uma casa ele
verão, que tradicional familia elo Estado fizera construir para ii:- aos
banhos ele mar. Em 1910, o governo adquiriu-a e adaptou-a. Mede
ele frente 29m,83, ele fundo 33m,38. "Entre um corredor, á reta-
guarda, e?creve o Dr. Sebastião Fernandes, a quem vamos tomar ele
227

emprestimo a sua forte e veraz pagina sobre o assumpto, entre um


corredor, á retaguarda, .medindo 2on,OI de largura por 28m,I4 de
comprimento, que se prolonga pelos flancos direito e esquerdo, me-
dindo, cada um Im,48 de largura po.i· 23 ..,,43 de comprimento e uma
área de IIm,83 de largura por r5m,IO de comprimento, estão de-
zeseis cellulas, das quaes doze medem, mais ou menos, 2m,50 de lar-
gura por 4m,08 de comprimento, e as quatro restantes 4 metros de
largura por 4 ...,50 de comprimento.
As menores são, ordinariamente, occupadas por quatro a cinco e
as maiores por seis a oito condemnados.
Na parte que constitue a fachada do edificio ficam, além do
corpo da guarda, que mede 4 ... ,03 de largura por Son,30 de com-
prim~nto,as dependencias da administração, compostas de uma pe-
quenina sala ele 2m,31 X 4m,02, . que serve de secretaria e uma outra
ele 2m,6I X 4on,02, que serve de clormitorio do administrador e do
ajudante.
Ao fundo do flanco esquerdo estão collocaclos apparelhos de
alvenaria e dois banheiros com esgoto para o mar. Uns e outros
nen!f, s em.pre funccionam,
A casa recebe agua do Hospital "J uvino Barreto", que lhe fica
pro?Cimo, e conio niezes inteiros seja insuf f iciente ou nenhum o for-
necimento preciso, os detentos vão buscar a cacimbas, que ficam ao
sopé do "Monte'', a de ·que neces.s itam, escoltados por praças ela
guarda do presidio. "
E continúa: "A Detenção não teni enfermaria, escola, officinas,
cozinha, lavanderia, solitaria, nem terreno para qiialquer especie de
cultura (hortaliça, pomar, etc.). Não ha uma depenclencia para de-
posito; de fórma que os detentos que têm qualquer officio ou alli o
aprendem com os outros, em geral de sapateiro, marceneiro e arte-
factos de substancia cornea (pentes, ponteiras, cabos de faca, etc. ) ,
ou põem as suas pequenas tendas· na estreita alpendrada áreCJ. a
que alludimos, ou dentro da propria cellula (ferramenta, material, ar-
tefactos, etc.) E á e.xhalação insupportavel da sola crua, dos córnos
queiniados para o devido manejo e preparo dos prodnctos, junta-se
(l quie :se eleva da;s "rações" postas a assa;r ou a ferver em fogões··
228

feitos de trempes i11!/,provizadas com pedras ou tijolos, e dos appare-


lhos sanitarios, apezar dos niaiores cuidados da ad11iinistração, ac-
crescida da que ve11!/,, naturalwiente, daquella quantidade de corpos
hu,manos que se não -pode11!/, lavar diariamente, dão áqitella casa sV.-.
nistra imi amb-icnte irrespiravel" .
Admiravel de franqueza, mas dominado por fé inalteravel na
reforma desse antro'. o criminalista norte rio-grandense prosegue:
"Pelo estio um~ viração amena, vinda do mar largo,
torna menos intoleravel o delecterio ambiente do presidio;
no inverno U111- vento frio, cortante, especialmente á noite,
entra por todo o edifício, penetra pelas grades de ferro das
cellulcts, fustigando, numa tortura alighieriana, os reclusos,
que não dispõe de cobertores e dorme111, ewi rêdes, armadas,
m nitas vezes, mnas por sobre as outras . " ( ! ! ! )
O Dr. Sebastião Fernandes fala, então, do que vae pelo resto
de seu Estado :
"Pelo que fica exposto, é escusado falarmos das pri-
sões Oll cadeias do interior, assim C01110 é facil concluir que
a nossa Casa de Detenção _não adapta, nem poderia adaptar,
qualquer elos systemas penitenciarios conhecidos na respe-
ctiva sciencia.
Cada uni dos cubiculos é imia pequena prisão, como as
das aldeias, onde estão na nia-is completa promiscuidade de
quatro a oito detentos de diff er entes classes sociaes, presos
por diff erentes crimes, de idades dispares, de habitas e cos-
timies os mais diversos. Para attenuar os effeitos do ar fa-
talmente viciado, que cada it1111i daqitelles grupos de honiens
scin h:ygiene r espira e ev-itar que se faça fogo dentro das '
cellulas, o que aggravaria ainda mais a situação delles-e poria
em risco d segurança do presidio, as administrações policiaes
elo Estado têm consentido que, diariamente, seja deixada
por algumas horas, em commum, na área interna elo eclificio,
á vista ela guarda, , uma turma ele ro a IS penados, no ma-
ximo, excluiclos os que hajam reincidido em infracções dis-
ciplinares, ou nenhuma melhora apresentem na sua man eira
de proceder."
229

Sinto, Senhor Ministro, que não careço de alongar a descripção a


que a illustre auctoridade deu um tão vivo relêvo. Devo, comtudo,
accrescentar que tive alli uma . das mais desohdoras impressões de
minha visita ás prisões do Norte da Republica . Quando penetrei .na-
quelle ergastulo, a área central assemelhava-se a uma feira hedionda:
fogaréos fumegavam, presos trabalhavam em mistéres varios, pequenos
barris d'agua deixavam escorrer pelo cimento o conteúdo, amontoa-
vam-se malas e maletas do fabrico dos sentenciados, caixotes e outros
objectos pelo alpendre, e tudo isto sobre um chão esborcinado ! Havia,
se me não falha a memoria, uma tenda de ferreiro num dos cubiculos
com a sua forja fumegante, e pelas paredes dos demais dependura-
vam-se rêdes, pannos inunundos e pedaços ·de carne s~cca. O chefe
de policia, acabrunhado, procurava explicar aquelle horror, mas tudo
alli era de si mesmo justificavel, dadas as condições da prisão, sem
espaço, sem esgottos, sem agua. Alli estava de pé, desde pela manhã,
um moço de conceituada familia que, na vespera, perseguido por um
ébrio habitual, dado a tropelias, lhe atirara um blóco de tijolo, tendo
o infortunio de acertar com o projectil no peito do alcoolatra, que
cahiu redondamente morto. O administrador da prisão não tinha tido
até aquelle instante a coragem de nivelar o infeliz mancebo com a
espumalha criminosa do seu carcere medieval . Aguardava ordem su-
perior. Queria que aquelle delicto da auctoridade fosse praticado por
um seu superior. Sua consciencia, apezar de ·habituada áquelle horrido
espectaculo quotidiano, revoltava-se ante a perspectiva de afogar na
miseria da cadeia o pobre moço . E este ali estava, de pé, com o
chapéo á mão, com·o bestificado ante o quadro qtw se lhe offerecia e
no qual certamente jámais teria pensado.
Pelas photographias que illustram o capitulo, ver-se~á que não
exaggeramos, muito embora ellas attenuem as tintas dos aspectos re-
produzidos .
Os presos da Detenção de Natal não s~ uniformizados. Usam
as proprias roupas que para alli conduzem, sendo que muitos delles
vivem descalços.
ESTATISTICA PENITENCIARIA

Na Casa de Detenção de Natal encontrei 54 criminosos, sendo


todos brasileiros. Pelo que toca á naturalidade, eram :
Do Rio Grande do Norte 37
Da Parahyba . . . . . II

De Pernambuc~ . . 4
Da Bahia . I

De Alagoas I

Total . 54

Relativamente á raça, defrontei com o seguinte:


Pretos . 3
Brancos 18
Mestiços . 33

No que toca aos sexos, a Cadeia de Natal só recebe homens, em


virtude de não dispôr de qualquer compartimento reservado para
mulheres. Creio, por isso, que as nmlheres condemnadas na capital
cumprem pena nos postos policiaes e as do interior nas proprias
prisões das localidades.

Quanto aos crimes :


Homicídio . . 37
Ferimentos graves . 2
Roubo . 5
Furto . 7
Estupro 2

Defloramento . I

Total 54
--
232

Pelas idades :
De 17 annos 1

" 18 " 4
" 19 " 3
" 20 " 3
" 21 " 2

" 22 " 1
2
23
2
" 24
" 25 " 8
" 26 " 6
" 27 " 1

" 29 " 1
" 30 " 3
" 31 " 1

33 " 1
" 34 " 1

35 " '. 1
" 40 1
" 41 " 2

" 42 "
" 45 " 1

" 47
" 52 1

" 61 " 1

Total 54
Nos 37 homicidios encontrámos :
Com 18 annos 4
. " 20 ." 1

" 21 " 1

23 2

24 "
" 25 6
" 26 " 4
" 27 " 1
233

Com 29 annos. I

" 30 " 3
" 31 " I

" 33 " I

" 34 " I

" 36 " 3
" 37 " I

" 41 " I

" 42 " I

" 43 " 2
" 52 " I

" 6I I

Total 37
Temos, assim:
De 18 a 21 annos . 6
" 21 " 30 " 18
" 31 " 40 " 7
" 41 " 50 " 4
" 51 " 6o " I

" 61 " 70 " 2 (*)

Quadro demonstrativo da mortalidade na Casa de Detenção de


Natal, no período de 1913 a 1914:
1913 .
1914. 1

1915 . 1

1916.
1917.
1918. 1

1919.
1920.

(*) Esta idade é a actual dos presos . Muitos delles acham-se ha muitos
annos no carcere, e assim, ainda aqui a contribuição de menores deve ser muito
maior do que os algarismos apparentam.
234

1921 . . . . . . .
1922 . . . . . . . 3
1923 (até junho) . . . . .
No decennio de 1913 a 1922 deram entrada na Casa de Detenção
458 presos:
1913 . 45.
1914. .. 78
1915. 27
1916. 63
1917. 66
1918. 30
1919 . 37
1920 . 33
1921. 44
1922. 35
Total. 458

AS PRISõE DO ESTADO

Na capital : - Uma casa de Detenção e quatro xadrezes nos respe-


ctivo postos policiaes.
No interior: - Trinta e sete cadeias publicas, uma na séde de cada
municipio.
AS PRISOES DA PARAHYBA
·'·

ESTADO DA PARAHYBA
./
SUMMARIO-A historia antiga da Parahyba e as prisõcs-Rela-
tor·ios e referencias do engenheiro .militar Pereira da Silva em
I849-Meni orias de Pizarro-Carencia de dados na obra do
Sr. João Lyra Tavares - A antiga cadeia central da Parahyba
- Qitando se construiu a nova - Quando se transferiram os
presos para ella - Testeniunho do Dr . Manuel Clementina -
As prisões niilitares - Acção do Presidente Dr. Antonio Coelho
de Sá e Albuquerqite-A prisão da Parahyba, sua reforma,
pelo Dr. Camillo de H ollanda, e sua adniinistração actual - A
melhor cadeia do Norte, nws simplesmente cadeia-Palavras
do Dr . D emocrito de Alnieida - Confissão do Sr. Solon de
Litcena - As officinas - O Regulamento de I9I7 - Sua pra-
tica - D eclaração do Dr. Euripedes Tavares, administrador -
A classificação dos presos - A dorniida dos detentos - As
off icinas : os presos trabalham por conta propria - Estado
sanitario da prisão - Os presos a serv·iço da Prefeitnra -A
organização actual-Falta de u/ma Colonia Correccional.
Já ia notavel o desenvolvimento de outras capitanias quando, em
:i 57 5, D. Sebastião ordenou a Luiz de Brito de Almeida a conquista

.da Parahyba, que, aliás, só se tornou effectiva em 1585. Sujeita a .


.Pernambuco até 1799, depois de haver sido capitania independente, a
11istoria da Parahyba, nos textos que pude aligeiradamente compulsar,
nada offerece de interessante sobrt; a materia que particularmente nos
preoccupa.
No que se prende ao interior do Estado, verifica-se que ainda
.em meiados elo secttlo passado, em 1848, não existia na Parahyba
w11a só cadeia regular. Nos relatorios que o engenheiro militar Pe-
reira da Silva escreveu por esse tempo encontram-se passagens . que
testificam 111 l:U asserto. Assim, falando da povoação dos Canudos,
.diz que alli encontrou.
"principiada a construcção de imi.a cadeia á ciista dos
Dantas e prestações voluntaria.s do povo".
Descrevendo· a villa d.o Piancó, refere:
" Não me consta qne ex-ista u.a villa wnia Cad ei.a."
Alongando-se, numa outra exposição de suas viagens, sobre a
ódade de Areia, accentúa : ·
"O governo pretende mandar construir uma cadeia que
sirva tambem para a reunião da Camara Municipal, e Jury,
no logar chamado Gameleira; a Cadeia que e..,,:·iste é uma pe-
quena casa únpropria a esse fim."
Estas memorias foram. escirptas por ordem do tenente-coronel
<le engenheiros Frederico Carneiro de Campos, Presidente da Pro-
vincia, e que dezeseis annos mais tarde devia cair calamitosamente ás
mãos dos paraguayos, quando em caminho de Matto Grosso.
240

Relativament~ á capital, encontra-se nas Memorias .H1storicas de


Pízarro e Araujo uma referencia á cadeia pubfica, em frente da qual
ficava uma ermida "onde se celebram missas em beneficio dos..
presos". Era isto em 1822, anno da independencia nacional.
O Sr. João Lyra Tavares, nos dois volumes de seu trabalho·
A Parahyba, não consagra um trecho qualquer especial ás prisões de·
seu Estado.
Sabe-se que .a antigá Cadeia Central da Parahyba e:ra,_ como·
todas as cadeias elas provincias brasileiras a esse tempo, uni presidio
· infecto, colonial, de tradições tenebrosas, e que assim se conservou.
até 1852, quando se iniciou a construcção ela prisão actual, ou até 2 :
ele dezembro ele 1857, quando se transferiram os presos para a nova.
E', pelo menos, o que se infere elo Relatorio que o então chefe ela
segurança, Dr. Manuel · Clementino Carneiro da Cunha, apresentou
ao Presidente cl~ Província, e eminente chorographo, Henrique cle-
Beaurepaire Rohan, rrntorio elo qual transcrevo o trecho mais con-
dizente ao nosso caso :

"Servia de ·p nsao até 2 ele dezembro elo anno passado·


u1n edificio antigo, sem condições de segurança, moralidade·
e salitbridade. A esse tempo deu-se por concluicla a casa
que se construiu para a cadeia e foram para ella removidos.
os presos. Melhorou o serviço. A cadeia nova é um edifício
espaçoso contendo 150 pahnos quadrados, e dois pavimentos.
No centro ha uma área que dá entrada á luz para todos os.
seus repartimentos. No primeiro pavimento, além ele accom-
moclações para a guarda, ha oito compartimentos destinados.
para prisões. No segundo existem tres grandes salas na.
frente elo eclificio, e seis divisões correspondentes a outras
do primeiro pavimento, que se communicam com o resto elo·
edifício por uma galeria assentada sobre a área interna.
Este edificio offerece segurança, está em condições ele
ser .salubre, e permitte algii1na classificação entre os presos.
Se não satisfaz a todas as condições de uma boa casa de·
prisão, reune, eintretanto, algumas proporções para regu-
laridade do serviço, e é decididamente superior á antiga_
ESTADO DA PARAHYBA

Vista de um cubiculo onde pernoitam oito .sentenciados


241

cadeia, em que apenas se distinguiam os sexos. A adminis-


tração trata de melhorar o systema de exgotto dos liquiclos e
materias · fecaes para tornar o edifido mais salubre . Re-
movido o defeito que neste ponto se nota na casa, ficará
uma prisão de alguma regularidade e commodo . "

Ainda bebendo nesse documento, fica-se sabendo que havia na


Parahyba, a essa época, tre.s prisões militares, que localizavam nos
quarteis do exercito e da policia, e na fortaleza , hoje esboroada, de
Cabedello.
A fundaçã-0 da nova cadeia deve-se ao Presidente Dr. Antonio
Coelho de Sá e Albuquerque . . Não se ufana do nome de penitenciaria,
nem a tal titulo faz jus, bastando attender ao facto ele não dispôr
ele uma área sufficiei1te para exercicios assecutatorios da boa saudt:;
dos pre,;;os . nem sufficiente a alguns ensaios agricolas. Mas é,' sem
favor, Senhor Ministro, a cadeia melhor administrada e asseiada do
Norte, excepção da de Recife.
Sente-se que as auctoridades parahybanas ainda não estão satis-
feitas com a obra realizada em 1917 pelo Sr. Camillo de Hollancla.
Em 1921 assim se manifestava o illustre chefe de policia elo Es tado,
Dr . Democrito ele Almeida, falando ao governador, Sr . Solon Bar-
bosa de Lucena:

'.' Este estabelecimento, apezar de não corresponder aos


moldes prescriptos pela penalogia moderna, em todo ca o.
se encontra melhorado e accresciclo ele novos beneficias alli
introduzidos pelo governo passado .
Verdade é que, com o dinheiro gasto naquellas depen-
.dencias e mai.s qualquer coisa, ostentaria a ParahYba um
presidio consentaneo com ·-0s actuaes preceito penae e de
accôrdo com as suas necessidades e condiçõe . TodaYia. o
melhoramento · referido não é para desmerecer- e . L tn-are~
cabem-lhe, sem favor, prii1cipal111ente por parte daq ell -
que conh ecr.ram a nossa. detc11ção, 1u·gra . ;11fcdt1 . sn1D ÍD'J'-
giene, e com aquelle ar de abandono que cm fmlo S' ~ -
f lectia . Hoje , porém , o aspecto é outro; o ass"'·o atrf u ~
:r
242

a vista de quem Já penetra; as cellas apresentam apparelhos


hygienicos e se destaca ao centro do predio artistico ba-
nheiro.. A sala destinada ás officinas é espaçosa, com luz e
ar bastantes, o mesmo se observando na cozinha, ·de ex-
cellente .situação." ''
Apezar de fazer justiça ao esforço realizado, que modificou
radicalmente o velho carcere colonial, o Dr. Democrito de Almeida
reconhece, no seu Relator ia de 1922, que a prisão sob sua direcção su-
prema ainda longe está de corresponder aos seus fins .sociaes e hu-
manos, principalmente qt~anto aos menores :
ªA nossa detenção, longe de corrigir-lhes as tendencias,
abrandar-lhes os temperamentos e infiltrar-lhes ou.tros sen-
timentos, apezar da moralidade, ordem e asseio lá exis-
tentes, os, fa.vorece na s·ua inclinação viciosa, atirando-os á
ociosidade enervante e a uma prowi.iscwidade condemnavel.
Em tal ambiente, como qne ellcs se aperfeiçoam no mal,
vendo e oztvindo as habilidades e falas de dxperi11wntados
profissionaes, cujas lições recebem e pratican·i logo voltem
ao domii.iio de su.a Uberdade."
O Sr. Solon ele Lucena, erú süa Jvf. ensagem ele 1921, apezar de
proclamar a capacidade do novo administrad0r da prisão, Dr . Eu-
ripedes Tavares, o asseio e a ordem observados na Detenção cio Es-
tado, confessa que ella
"não satisfaz as exigencias cio reg1men penitenciaria
moderno".
Isto importa numa grande verdade.
Minha impressão desse estabelecimento eu a deixei nq livro de
visitantes, que alli me foi apresentado: como cadeia, é aquella que
mais denota interesse intelligente na sua organização, asseio e
disciplina.
Penso, porém, com o Dr. Democrito ele Almeida, que melhor
fôra ter clispenclido o Estado mais algum capital e fazer um.a pequena
prisão moderna, a realizar a reforma ele 1917 no antigo predio, que
não deixará nunca de ser simples clepo.sito de pres0s, com os dois
243

graves inconvenientes de não clispôr ele áreas .suffitientes pa1:a a


educação physica cios mesmos e seus exercícios asseguradores da
saneie, e ele estar localizada no centro da cidade, exposta á vista da
população.
Quando os Estados civilizados acabam com os nomes ele De-
tenção e P enitenciaria, substituindo-os pelos de R efor11-iatorios ·e
eolonias, para que os presos não se impressionem logo á entrada dos
presídios e a sociedade veja nestes escolas ele reforma e não casas de
punição, é de extranhar que se consumam grandes sommas no simples
aproveitamento de uma prisão antiga.
Tudo indica, porém, que a resolução do Sr. Camilo ele Hollanda
tenha sido clictacla pela falta de recursos, e que o administrador pa-
rahybano, convencido ele não ser passivei construir ele sua base a
nova penitenciaria, tenha preferido ao menos melhorar a.s condições
cios detentos, dando-lhes trabalho systematizaclo, que é o fundamento
da reforma moral que se pleitea .
A Detenção ela Parahyba, externamente, apresenta um aspecto
que seria agradavel se não foram as pesadas grades de ferro que a
afeiam e lhe denotam o fim ·. Internamente, assemelha-se a um con-
vento, com o seu atrio central, as suas columnas e as suas arcadas.
Com dois pavimentos, em um e outro distribuem-se as prisões,
em numero de quatorze. Possue uma enfermaria, escola e biblio-
theca. St~as officinas, embora modestas, funccionam com regulari-
dade. Como veremos adiante, é o unico estabelecimento no N ort(:!
onde se esboça uma classificação dos encarcerados.
As cellulas, entretanto, deixam muito a desejar: são escuras,
sombrias, e o numero de presos excede, nellas, a lotação normal.
No centro cio pateo ficam um deposito d'agua e um bom
banh eiro .
As officinas existentes, a que o Dr. Eu ri pedes Tavares deu a
organização de aprendizado agricola, são tres: sapataria e artigos de
couro, carpintaria e marcenària, e à de fabricação de artefactos ele
palha. Não dispõe, entretanto, cios machini smos que eram para de-
sejar e que ll~es augmentariam a capacidade de producção, com real
proveito para o Estado.
244

. Possue medico, tem um serviço dentaria rudimentar organizado .


Possue, ainda que em numero reduzido, guardas civis .
A escripturação da prisão, inclusive a estatistica e os retratos
falados dos sm1tenciados, conforme o modelo de Bertillon, merece
louvores pelo methodo a que obedece, sob a inspiração daquelle de-
dicado administrador.
Illuminada a luz· electrica, fica-lhe á entrada uma guarda po-
licial e continuamente um soldado permanente ele sentinella e vigilante.

NO REGULAMEKTO

O Regulamento da Cadeia Publica da Parahyba foi baixado com


o decreto n . 865, de 27 de setembro ele 1917, pelo governador
Francisco Camillo ele Hollancla.
A Cadeia Publica da capital do Estado, subordinada á Chefatura
de Policia, destina-se á reclusão dos presos recolhidos pelas auctori-
dades judiciarias, administrativas e policiaes do Estado.
Os presos recolhidos á Cadeia Publica, nos termos do art. 1°, obe-
decerão á seguinte classificação, nal falta de outra melhor :
I - presos correccionaes enviados pelas aLlctoridades policiaes;
II - presos á disposição das auctoridades administrativas;
III - p resos por crimes communs ou contravenções;
TV - presos iniciados e pronunciados;
V - .sentenciados, sentenciados em appellação_e absolvidos em
appellação.
Os sentenciados permanecerão na Cadeia emquanto se não creat
a penitenciaria .
As mulheres serão sempre recolhidas em prisão separada .
. Os menores, emquanto o E.stado não crear institutos para seu
recolhimento, serão mant idos separados dos outros presos e com re-
gimen divc:.'fso. {Arts. lº e 2°.")
A superintendencia da Cadeia Pu.blica compete ao chefe de
policia, que exercerá a inspecção pelos melhores meios, influindo
directarnente em tudo que diga respeito á sua ordem e conservação .
O promotor publico visitará mensalmente, em dia determinado, ~
Cadeia PubJ.ica.
245

As visitas do promotor publico terão por fim:


a) ouvir e attender as reclamações de todos os presos, seja
qual fôr a causa de sua detenção;
b) vi ri ficar se o Regulamento, instrucções e ordens são fiel-
mente cumpridos; a ordem da escripturação; a regularidade e suf-
ficiencia da alimentação; se os accusados têm patronos ; se estes
curam da defesa de seus constituintes; se os presos soffrem de
constrangimento ou prisão illegal, etc. ;
e) de todo eccorrido será lavrado um termo em livro para esse
fim destinado, devendo ser tiradas duas "cópias, destinadas ao Pre-
sidente do Estado e a:o chefe de policia.
Toda e qualquer visita de caracter official será consignada na
parte cliaria das occorrencias da Cadeia. (Arts . 3º a 6°.)
A Caçleia Publica, para os fins ele sua administração, terá o se-
guinte pessoal :
Um director .
Um carcereiro.
Um 1m:dico.
Um escripturario .
Um enfermeiro .
Um· almoxarife.
Além desses funccionarios, a Cadeia terá os guardas necessarios
ao serviço. (Art. 7°.)
Os guardas da Cadeia serão escolhidos e.ntre pessôas de boa
conclucta, compleição forte e que saibam ler e escrever. (Art. 2r.)
Ao guarda mais velho em tempo dei serviço será incumbida a
direcção dos demais guardas.
Os guardas poderão ser auxiliados na policia interna da Cadeia
pelos presos de exemplar conducta e qud hajam cumprido uma quinta
parte .ela pena.
O numero de guardas será determinado pelo Presidente. (Ar.,.
tigos 23 a 25.)
Os funccionarios ou empregados ela Cadeia estão su jeitos ás se-
guintes penas disciplinares;
a) advertencia e reprehensão ;
246

b) suspensão do exercicio;
e) demissão ou dispensa. ( Art. 28 .)
Todo e qualquer individuo que fôr apresentado á Cadeia Pu-
blica deverá ser .a·companhado de guia, mandado ou nota de culpa,
firmados por auctoridades competentes, com as devidas especifica-
ções . (Art . 33.)
Ao preso é ·perrnittido:
I - Manter correspondencia com quem lhe aprouver, d.escle que
não infrinja as excepções previstas neste Regulamento;
J I - Conversar sem perturbar o silencio;
III - Receber as visitas nas horas e Jogares perrnitticlos;
IV - Fazer uso ela leitura, devendo os livros obedecer á cen-
!:? Ura do director;
V - Receber alimentação fornecida por pessôa extranha ou ela
famil:ia, sujeitando-se á respectiva fiscaliz.ação;
VI - Receb(ir qualquer acto judicial communicaclo pelo escrivão
ou official, que será a·ssisticlo pelo clirector ou funccionari.o para esse
fim designa.cio;
VII - Ter. em seu poder os ob j ectos necessarios para seu uso,
exceptuados dinheiro ou objectos ele valor, que ficarão confiados ao
director, mediante recibo firmado por este;
VIII - Dirigir-se ao.s poderes ou auctoridacles competentes, de-
vendo suas petições ·ser encaminhadas pela ~irectoria ela Cadeia;
IX - Manter e conservar a hygiene e boa ordem ela prisão a que ·
pertencer, d ·~nunciando as irregularidades que notar;
X -Anelar vestido e limpo, mantendo discreta posição nas
prisões;
XI - Prepa r.a r as sua s carnas .
· Toda e qualquer corresponclencia cios presos só poder~ ser re-
cebida ou transmittida depois de censurada pela d.irecção cio estabe-
.lecimento.
NA PRATICA
Eis ahi está o Regulamento de 1917. Vejamos como a Parahyba .
o executa.
Vimos que elle fala cm uma distribuição elos presos por sexo.
247-

idade e classe de delictos. Teria a Reforma Camillo ·de Holanda


attencliclo, neste ponto, á letra do decreto . Não attencleu, tanto
assim que o Dr. Euripedes; tratando do ·assumpto , em 1921, ainda
tinha opportunidade ele dizer :

"Não levei a effeito nenhuma modificação nesta im-


portante parte, que melhor viesse preencher os fins ·da
sciencia penal moderna, por não se presta.- a isso o actual
edificio da Cadeia Publica . Neni 1nesmo a. classifica ção, ora
prevista, é possi-uel de exei:11ção, havendo apenas a separa-
ção de sexo, permanecendo muitas vezes, os propnos me-
nores, o que constitue grave anomalia-, em promiscuidade
com os demais presos, isso por falta absoluta de commodos.
Como vê V. Ex., seria improficua qualquer reforma sobre
esse ponto . "

Verifiquei, porém, que, apezar elas alludidas difficuldades, algo


se conseguiu ahi de apreciavel em materia de classificação de de-
tentos, tanto as.sim que fui encontrar a seguinte distribuição:

Sala Livre 3
Prisão 11. I (Dos menores) . II
Prisão 11 . 2 (Sentenciados - Homicidio) 16
Prisão 11. 3 (Indiciados e absolvidos em appel-
lações - Vara.s Criminaes) . . . 9
Prisão n. 4 (Das mulheres) . . . . 2
Prisão n. 5 (Sentenciados ~Homicídio) 20
Prisão n . 6 (Pronunciados - Morte e ferimen-
tos) . . . . . . . . . . . . . . . . . . ro
Prisão n . 7 (Sentenciados em appellação - Va-
rios crimes) . . . . . . . . . . •. . 7
Prisão n .· 8 (Sentenciados - Roubo) . . I7
Prisão n. 9 (Sentenciados - Homicidio). 17
Prisão n. IO .. 6
Prisão 11 . I I ( Correccionaes) . II
Prisão n. 1 2 (Sentenciados:__ Homicídio ) 14
Prisão n. 13 (Sentenciados - Vario.s crimes) 17
Prisão n. 14 (Sentenciados - Vario.s crimes) 15
248

A dormida dos presos ainda é má, apezar das queixas do admi-


nistrador, que ·em igual data ( 1922) confessava:
"As prisões deste estabelecimento são inteiramente des-
providas de leito ou cama, pernoitando sobre o soalho ou
cimento, conforme a collocação das mesmas prisões, os 111 -
felizes detentos. "
Pelo qtie toca its officinas, o trahalho ainda ·é positivamente
deficiente . Sendo, em abril de 1923, de 166 o numero dos presos
distribuidos nas 14 prisões da . Cadeia, era apenas de 53, menos da
terça parte, o de matriculados nas officinas :
Sapataria. . 32
Marcenaria. 4
Funilaria . 2
.Artefactos de palha. 15
Total, . . 53
Destas, póde-se dizer que a que tem caracter de officina é a
. sapataria,° cuja producção é apreciavel.
A escola, confiada a um bom professor primaria, dá regulares
resultados. Infelizmente, a frequencia de reclusos nas suas aulas é
diminuta . Assim é que, sobre aquelles 166 detentos, apenas 37 se
acham matriculados, o que deve dar a média de 20 a 24 ele frequencia.
Se, pois, · 33 % dos presos frequentam as officinas, sómente uns
22 % frequentam a escola, o que\ constitue baixa percentagem .
Dentro de uma cadeia de tão reduzido perimetro, e com cellulas
em que vivem, como vimos, 20 e mais sentenciados, o coefficie11te de
mortalidade deveria ser alto. Não é, felizmente. Mas o de rnolestias
que arruinam subtilmente a saude- é bastante elevado.
Em 1922 passaram pela prisão da Parahyba:
Correccionaes . . '· 490
Presos de justiça 249

Total 739
Sahiram destes ultimas . 89
Restando . 650
249

Mas toda gente sabe que o preso correccional, que assim dá


vulto ás estatisticas, constitue população volante no carcere, que
entra e sae, muita vez, por simples 24 horas. De modo que se póde
tomar por média de existencia a resultante da divisão desse numero,
490, pelos 12 mezes do anno, o que dá 41 presos por mez.
Assim, a população carceraria média da Detenção da Parahyba
póde ser esta :
Presos de justiça 160
Correccionaes . . '· 41

201

Ora, c011forme o Relatorio ni.edico, houve na Detenção, durante


esse anno, 190 baixas á e1Ífermaria, o que representa quasi toda a
população de penados de nosso calculo ! ·
Quando, porém, tomassemos por base aquelles. 650 indivíduos
( h ypothese absurda) , ainda as.sim te ri.amos cerca .de 30 % dos ·
detentos enfermos, o que era excessivo. O chefe de policia escreveu :
"Os doentes são sempre em pequeno numero, apeza.r
da miseria physiologica de qiia-s·i todos os detentos e da falta
de exercic·ios a qiie os 1nesnios vivem constrangidos . As
baixas á enfermaria, na opinião do mencionado facultativo,
deviam, .em face das razões expostas, ser mais frequentes e
numerosas. "
Esta .affirmativa serve para demonstrar, em face dos algarismos
anteriores, a necessidade em que se encontra o governo parahybano de
construir uma nova Detenção, aproveitando para fim diverso o edi-
ficio em apreço.
Na Parahyba, corno em todo o paiz, empregam-se os presos em
obras publicas . Servem, alli, á ordem da Prefeitura, 25 sentenciados.
Synthetizando a organização actual da Detenção da Parahyba,
direi que ella é moldada na conformidade do Regulamento interno
em vigencia, sendo que a parte relativa ás of ficinas não foi ainda
posta em execução, em harmonia com o exposto no ·citado Regula-
mtjnto, correndo, por isso, todos os trabalhos respectivos por conta
do.s proprios detentos, o que é para lastimar.
250

Certas medidas, porém, suggericlas pela clirectoria e approvaclas


pela Chefatura ele Policia, vieram ampliai-o na parte referente á es-
cripturação, á policia elas prisões e vantagens dos 1:iresos, installanclo
ainda uma bibliotheca em complemento á escola, e como um recreio
para estimular o bom comportam~nto elos detentos, individualizando,
tanto quanto' possi·vel, o tratamento moral por meio ele regalias outras,
como sejam: - permittir que tuq11as de detentos, de exemplar
conducta, se · conservem em liberdade, no interior elo eclificio, em
pleno ar livre, numa área localizada no pavimento superior do es-
.tabelecimento, entregando-se por espaço ele algumas horas a leituras
ele livros e revistas, que lhes são clistribuiclos, com permissão ainda
de conver.sarem , fumarem, etc., observadas, porém, as necessarias me-
didas de ordem e segurança.
Esboçou-se a classificação geral elos detentos·por categorias penaes
e natureza dos crimes, fazendo desapparcer, em parte, o grande
acumulo de criminosos ele especies clifferentes em um só cubículo,
levando-se ainda em conta, nessa separação, os antecedentes e con-
clucta ele cada qual, dada a impossibilidade de uma classificação ele
melhor alcance, nos seus effeitos, pela falta ele capacidade elo ecli- .
ficio pai'a as necessaria;; sub-divisões.
"A clirectoria actual, continuando ·.a se esforçar, na
medida do pO~l3ÍVeV, pela reforma do caracter. dos reclusos,
quer incutindo-lhes habitas de · trabalho, quer proporcio-
nando-lhes recompensas e provas de confiança', na confor-
midade de sua conduct.a e ele seus antecedentes, .solicitou e
obteve clü Sr. Dr. Chefe de Policia a necessaria autoriza-
. ção para aproveitar em certos trabalhos de escripta, de
menor responsabilidade, as aptidões de alguns clete'n_tos, ele
exemplar comportamento, livrando-os, assim, elos rigores elo
isolamento e ela inactividacle, pela prestação elos seus ser-
viços ao estabelecimento, sem prejuízo ela disciplina ou
prescripções regulamentares.
Sendo feitas as notas sobre iclentificaçfo, no livro de
matricula elos presos ele justiça, sem nenhum cunho scien-
tifico, á mercê ela intelligencia, pouco cultivada; cio carce~
ESTA.DO DA PARAHYBA

Area central e banheiro


251

reiro da casa, a .actual directoria solicitou da Chefatura de


Policia as devidas providencias junto ao Gabinete de Iden-
tificação para que este observasse o disposto no Regula-
mento da Cadeia quanto á remessa da competente fixa de
identificação dos presos enviados áqudla repartição, afim
de appare'.1hal-a com ulementos que ·imprimissem fé, pelá
segurança e exactidão dos dados, não tendo, infelizmente,
solução, até o presente, a medida pleiteada o que é es-
tranhavel .
Foram retirados da promiscuidade em que viviam ·com
os adultos os menores recolhidos, na falta de um Instituto
adequado, sendo os mesmos internados em compartimento
especial, e para os quaes foi solicitado, ultimamente, pela
direcção, a montagem de uma officina em uma das de-
pendencias do edificio, como medida provisoria e a titulo ele
experiencia, até que o Bstaclo possa fm~dar uma Colonia
Correccional, como aliás é elos desígnios do actual
Governo."
O Sr. Solon de Lucena, realmente, cogita d.a fundação de uma
Colonia, medida que se impõe, aliás, .a todos os Estados da' Republica.
ESTATISTICA PENITENCIARIA

Na Casa de Detenção da Parahyba do Norte havia, em maio,


175 detentos, que, quanto á nacionalidade, aslilim se distribuíam:
Brasileiros . 174
Estrangeiros l

Total 175
Destes, eram :
Brancos . 65
Mestiços 88
Pretos 22

Total 175
Pelos sexos :
Homens . . . . 173
Mulheres . . 2

Total ., 175
Pelo estado civil :
Solteiros . . 106
Casados . 58
Viuvos . 8
Ignorado 3
Total 175
Pelas profissões:
Agricultores 8g
Jornaleiros . . . . . 42
Sem profissão certa . 16
Sapatei°ros 6
254

Pedreiros 3
Ferreiros 2
Empregados publicos federaes 2

Pintores 2

Negociantes I

Padeiro I

Carroceiro I

Domestico I

Marítimo I

Marcineiro I

Foguista I

Electricista . I

Ex-bombeiro I

Ignorada 4'

Total 175

Os 175 detentos da Parahyba, entre os quaes se contam alguns


correccionaes e varios loucos, alli estão pelos seguintes crimes ou
motivos:

Homicidio IOO
Ferimentos graves 8
Roubo 23
Furto 15
Alineação mental 15
Estupro 3
Estellionato 2
Ferimentos leves 2
Defloramento . 3
Desfalque I
Attentado ao pudor 1
Incendio 1
Para averiguações l

Total 175
255

Os sentenciados em questão distribuem-se pelas seguintes idades :


De 16 annos I

" 17 " 2
" 18 " 4
19 " 6
" 20 8
" 21 " I

" 22 " 7
" 23 " IO

" 24 " IO

" 25 " II

" 26 " 4
27 " 6
" 28 " 6
" 29 " 5
" 30 " 5
" 31 " 5
" 32 " 4
" 33 " 5
" 34 " 3
" 35 " 6
" 36 " 5
" 37 " 3
" 38 " 2
" 39 " 2
,..
" 40 " J

" 41 4
" 42 " l

" 43 " 3
" 44 " 3
" 46 " 3
" 47 " l

" 49 " l

" 53 " l

" 55 " 2
" 58 " 4
256

De 59 annos 1

" 61 " 2

" 64 " 1
" 73 1

Idade ignorada 21

Total . 175

Os homicidas apresentam-se co111 as seguintes idades :


De 19 annos 1
,,
" 20 4
" 22 " 2

" 23 " 6
" 24 8
" -J
? '" " 6
" 26 " 3
" 27 3
" 28 " 6
" 29 " 4
" 30 " 4
" 31 " 5
" 32 " 2

" 33 " 5
" 34 2

" 35 " 3
" 36 " 5
."
37 " 3
" 38 " ;. 8
" 39 " 2

" 40 " 1.
" 41 3
" 43 3
" 44 " 1
" 46 " 3
" 47 " 1
" 49 " 1
" 52 " 1
257

De 55 annos l

" 61 " l

" 64 " l

" .73 " l

Ignorada l

Onde, por grupos :


Dos 19 aos 20 annos . . 5
" 21 " 30 " 42
" 31 " 40 " 36
41 " 50 " 12
" 51 " 60 " 2
" 61 " 70 " 2

71 " 80 l

Qitadro do numero de sentenciados recolhidos n essa cadeia diwante


o per'iodo de I9I3 a 2 I de maio de r923

1913 72
1914 56
1915 60
1916 55
1917 85
1918 II9
1919 98
1920 · 91
1921 128
1922 90
1923 28
Total 882

Quadro denwnstrat·i vo dos detentos fal! ecidds 1za enfermaria da


Casa de Correcção da Parah:yba de I9I3 a r923 (maio)

3
7
258

1916 5
1917 1

1918 3
1919 3
1920 1

1921 5
1922 4
1923 (até maio)
Existem cadeias pub.Jicas :
Ia capital.
Em Souza.
Em Patos.
Em Cajazeiras.
Em Campina Grande .
Em Alagôa-Grande .
Eni Guarabyra.
Em Mamanguape.
Em Itabaiana .
Em Catolé do Rocha.

Nos dema'. s municipios, que são em numero de 30, existeln apenas


xadrez_es.
-
AS PRISOES DE PERNAMBUCO
ESTADO DE PERNAMBUCO

. _,

Fachada principal da grande Penitenciaria de Recife

Vista de um raio, no pavimento superior


SUMMAR:_IO: A Penitenciaria de Recife, a 11ielhor do Norte -
Defeito 'insanavel - Breves referencias ao historico de ·prisões pernan-
bucanas - Depoimento de Frei Caneca - As ref armas emprehendidas
-Acção dos Srs. Manoel Borba e José Bezerra-Papel do Sr.
Perdigão Nogueira-A pratica penitenciaria em Perna11,ibuco - Des-
cripção da penitenciaria de R:ecif e - O que ella tem de bani e de
mau~ Fernando de Noronha - presidio agrícola -- Depoimento do
dr. Maria Mello e palavras do presidente Manoel Borba-Referencias
de Evaristo de M oraes e Costa Honorato - O Regulamento das
prisões.-Palavras_ do •dr. Fernando Sá e do desembargador Silva
Rego - Proposito do presidente S.ergio Loreto - Deficiencia ·do
pessoal e confissão do adniinistrador-Sr. Manoel Rios-Minha
i11ip.rlessão relativamente â prd11,w1,sc:uidade de presos - Crêa.J.,se a
Colonia de Menores durante minha estadia e1n Recife-Falta de uni
11ianicomio e de uni carcere de mulheres - Çolonias correccionaest-
Estatistica Penitenciaria .
Pernambuco, com a P_e nitenciaria de Recife, está á frente ele
todas as organizações desse genero no norte da Rtpublica. Não se
poderá sustentar que possua uma prisão modelo; é, porém, a melho.r
prisão do Norte a sua, faltando-lhe . o que é para d ~:sanimar, u111:1
área sufficiente em derredor, estando enctavada entre ruas elo centro
da renovada Mauricéa.
D c:veria eu alongar-me, como fiz qua1~to .a outros Estados, na
parte historica elas prisões pernambucanas. Mas. ~enclo este aspecto
ela materia já conhecido e offerecendo a questão presidiaria em
Pernambuco outros mais opportunos e necessarios, passarei á margem
da historia prisional cio grande Estado, ·á qual rrnderei ap enas a ho-
menagem de assignalar que a Penitenciaria de Recife foi inaugurada
a 23 de abril de 1855, sendo presidente da Prnvincia José Bento da
Cunha e Figueiredo e engenheiro-constructor J o.sé Mamede Alves
Ferreira.
Sobre as prisões antigas ela historica cidade do norte bastará
reproduzir a seguinte passagem do Itincrario de Frei Caneca, em
1817:
" aos mais enviou para a Fortaleza do Brum, e a
nós, por um rol particular, mandou-nos para a cadeia in-
conm1tmicaveis em um calabouço, que dantes servia de
armario ele guardar as cabeças dos enforcados. Este infer-
nal calabouço tem de comprimento trese palmos, e ele lar-
gura é tão estreito que um elos companheiros, que era 0
mais alto dentre nós, estando deitado, tocava com a cabeça
em urna parede, e com os pés na outra opposta. O pavi-
mento deste terrivel Jogar estava todo alagado ele alca-
trão. . . . Este terrivel, estreito e immunclo ca!abouço é tão
tenebroso que, estando nós unidos uns aos outros, não
::----264 ---._-· ·- ---

nos avistavamos, porque nem um ra10 de luz por i:;lle en-


trava, e unica1nente, por muito favor, nos levava o 2° car-
cereiro, de 24 em 24 horas, na occasião do jantar, um rôlo
que s<:: accendia unicamente emquanto entregassemos os
pratos, o que acabado se acabava, e ficavamos envoltos nas
trevas desta horrorosa masmorra ... " - ( F1 ei Caneca,
Obras, vol . I, pag. 134) .

Souza Bandeira, Filho, ele regresso de sua viagem a Fernando


de Noronha, jâ. declarava a Casa de Detenção do R ecife "um esta-
belecimento em condições de ser aproveitado ". E ll e foi, realmente,
muito melhorado, com especialidade nos governos dos Srs. Manod
Borba e J osé Bezerra, tendo cabido um papel sali ente nessa reorga-
nização ao joven director do estabelecinwnto, Dr.. Perdigão No-
1

gueira, a quem se deve a reorgamzação das officinas e de uma


escola de menores, infelizmente localizada, em seu tempo, á falta de
outro edificio, na propria Detenção.
A' grande reforma do Sr. Borba deve-se a inauguração de ttm
regímen peri'itenciario .na Detenção pernambucana , porque, se os
systtmas peniten.:iarios têm, todos elles, a sua razão de ser no tra-
balho a que se submettem os detentos, não se póde comprehender
nem admitti r que exista uma penitenciaria sem trabalho organizado
e obrigatorio.
Tod.os os Congressos Penitenciarios, todos os tratadistas da
materia, sustentam, a una 1.1oce, que o trabalho é o complemento da
penitenciaria e qne sem elle a penitenciaria resulta contraproducente
e perigosa, além de pesar sobre a massa honesta da sociedade, obri-
gada a trabalhar para sustentar em ociosidade ladrões e malfeitores.
O trabalho age como um factor de regeneração e, preparando um
pecúlio, que o detento receberá ao egressar do carcere, fornece-lhe
elementos para adaptar-se de novo ao meio el e que havia sido reti-
rado como prejudicial e perigoso. O distincto criminalista pernam-
bucano, Dr. F ernando de Sá, a proposito, escreveu:

"Dos systemas corihecidos, o reputado melhor pelos


penitenciaristas hodiernos é o irlandês, tambem chamado
progressista. Em todos, porém, se adaptou o trabalho como
265

um dos melhores elementos de rehabilitação á vida ho-


nesta. Obedecendo, certamente, á esse princ1p10 foi que o
illustre administrador da Casa de Detenção e o egregio
desembargador chefe de policia fizeram grandes reformas
nas officinas cio nosso presidio." (Conferencias, Recife,
I9I8, pag. 9 .)

Pernambucu é o unico Estado do pa1z onde se applica de certo


modo o regimen do Codigo, com a prisão central e a penitenciaria agri-
cola. Na prisão ele Recife recolhem-se todos os presos legalmente
enviados pelas anctoridacles policiaes, judiciarias e ºadministrativas do
Estado, mas só podem ser conservados nell.a os sentenciados a pena
~uperior de seis annos de prisão. com trabalho, até qu e tenham outro
·destino. Os qut inCÍclirem em penalidade mais elevada, estes são
!:_'eralmcnte enviados para Fernando ele Noronha, bem assim ns con-
<lemnaclos a prisão cellular por mais ele seis annos, que tiverem bom
procedimento, comtanto que hajam cumprido, já, metade da pena.

A PENITENCIARIA DE RECIFE

A Penitenciaria e Casa ele Detenção de Recife, posto situada


110 centro elas edificações urbanas, deita a sua fachada principal, ele
1.tm grave aspecto, para o rio, e não está bem na zona ele grande
movimentação. Envolve-a um muro de pequena altura, cogitando-se
alli ele defendei-o por meio de um graclil electrizavel, como se fez
·em varias prisões americanas.
T,r nnsposto o portão principal, onde permanece uma guarda
militar numerosa, penetra-se no corpo ela edificação propriamente
dita, deixando á esquerda o alojamento elos soldados. A direcção
fica logo á entrada, á direita cio corredor central, e está collocada
ctntse da pesada grade de ferro que separa do• carcere a adminis-
tração. E' um compartimento amplo, decentemente mobiliado. Ahi
·despacha o administrador. Do outro lado está a Secretaria. Cor-
Tido o portão de ferro, cujas chayes permanecem nas mãos de um
guarda especial, está-se na prisão, que foi construida em fórma
raiada, com duas projecções lateraes e uma longitudinal. Todos os
raios têm tres ordens de cubiculos, sendo que alguns cubículos est5o
266

adaptados a funcçõe s diversas, rasgad os em salões para rn ferma-


rias, gabinete · medico-cirurgico, etc.
A primeira urdem dispõe rle 20 cubículos simples.
A segurida 01·dem dispõe de IO cubiculos duplos.
A terceira ordem· dispõe de IO cubiculos duplos.
O chão é de !age, humido e de mau aspecto. O madeira me e
as ferragens pintados de côr cinza . Em todo o pavimento terreo-
corre uma faixa ou barra de piche, o que, com o negro das portas;
chapeadas das cdlulas, dá uma impressão desagradavel ao vi5itanle .
Ha bastante luz nas galerias, luz que entra por clarabo-ias ras-·
gadas no tceto; mas sente-se uma indisfarçavel humidade no rez
do chão e os presos, que já se encontram aHi ha longo- tempo , não
apresentam physionomia saudavel e de vitalidade.
Tambem não impressiona de maneira agradavel o systema de·
apparelh-0s sanitarios dentro das cellulas, não porqu e isto seja con-
demnado, mas porque taes installações, para serem admittidas e
louvaveis, carecem de obedecer a um systema aperfeiçoadissimo e
exigem cellulas como as que eu observei na Penitenciaria de Mon-
tevidéo. O certo é que o aspecto daquelle tabique, isolante do appa-
. relho. dentro dos c:ubiculos de paredes grossas e mal pintadas, não-
agrada á vista, sendo facilmente perceptívei s as exhalaçõ ~ s de certos;
commodo.s.
Nos cubículos do pavimento terreo é que costumam guardar os
presos correcdonaes, vagabundos e ·menores.
O governo vae realizando paulatinamente melhoras no est<J-
belecimento . Um dos raios, como é facil de verificar da photographia,
tem já as balaustradas das galerias e cantoneiras de ferro modelado,
o que lhes dá um aspecto differente, devendo a iniciativa ser levada:
aos demais.
Passa-se da parte central, de onde se observa o movimento ·de
todos os ra_ios, para o pateo interior, e dahi para o almoxarifado"
lavanderia, banheiros, co.sinha e officinas, assim especificadas: sa-
pataria, mar·cenaria, · typographia, . alfaitaria, encadernação_ .e ferra-
ria, sendo esta a que dispõe de menos material aperfeiçoado. Se bem.
que tod~s ainda reclamem aperfeiçoamento, o certo é que o serviço
.. ,._. ..

nellas, superintendido pelo digno administrador, Sr. coronel Sa-


ESTADO DE PERNAMBUCO

Uma das officinas da Penitenciaria em trabalho

Vista do raio principal da prisão


257

mue1 Orlan·do. da Silva Rios, é feito em ordem e offerece opportu-


nidade, não só IJara que ? Estado aufira lucros, como para que se
coajam· os presos ao trabalho, o melhor elemento de regeneração.
São cúriosos os seguintes dados relativos ao movimento indus-
trial das varias secções da Penitenciaria de Recife, sendo, entre-
tanto, as cifras de producção claramente deficientes, em relação ao
numero de detentos , que é superior a 600:

Renda bruta
Sapataria. 105:996$790
Marcenaria. 36:097$000
Typographia. . . . . 42 :955$56o
AIfaia ta.ria. . 20:743$280
Encadernação. II A54$300
. Ferraria. . . 2:706$840

Despesas das officinas


Sapataria . . 77:904$6IO
Marcenaria . 22:02I$I40
T y_pographia . . . 32 A75$470
AI faiataria. . 22 :998$550
Encadernação . lO :?67$7ê)o
Ferraria . . . I :550$650
I6j:7I8$roo
Renda liquida das officinas
Sapataria . 29 :092$I80
Marcenaria. . . . I4:075$86o
Typographia. . . . . . . 10:480$090
AI faiataria . . . $
Encadernação ·.· 886$5rn
Ferraria .. . . . I:I56$I90
55:490$830
Alfaiataria (Deficit). ~'. '' . 2:355$I60
Total . . . 53:23 5$670
268

Todas as auctoridades estaduaes estão satisfeitas com a Peni-


tenciaria de Recife, e tanto o presidente do Estado, Sr. Dr. Sergio
Loreto, quanto o dedicado chefe de policia Sr. desembargador. Arthur
da Silva Rego, têm o proposito de proseguir na reforma do edificio,
.á qual se consagra annualmente uma verba especial.

FERNANDO m: NORONHA

P resú:lio agricola

Aquella especie de condemnados a que nos referimos é re.met-


tida para Fernando de Noronha, Penitenciaria Agrícola do Estado.
A ilha .de F ernando Noronha, pertencente ao archipelago de seu
l10111e, está situada a 3°56'20" de lat. sul e 20°96'30" de longitude.
ü do Rio de Janeiro. Dista 300 milhas do Recif e, podendo esse tra-
j ecto ser perfeitamente coberto em 24 horas. Seu aspecto é vul-
canico, segundo J. Branner, e sua supE.rficie mede cerca de nove
JJOr tres kilometros .
Até certa época considerava-se a ilha esteril, como ainda hoje se
.affirma da Trindade . Sabe-se, agora, pela experiencia, que produz
excellente mandioca e milho, tendo o cons. Rohan falado em ma-
gnifico arroz colhido por um presidiario. Mario Mello, Archipe-
/a,go de Fernando dP Noronha, Recife, l9r6.) Cultiva-se tambem na
ilha, desde 1612, o algodão, vendo-se nos campos plantações de feijão
e, em, peqüena escala, de fumo. Outros productos dão bem no solo <~
.clima de Fernando.
Ha, nas suas costas, uma infinidade de pedras calcareas, o que
.offerecia campo á industria da cal; " a isso, porém, se oppõe a
falta. de combustivel, disse em 1916 o Sr . Manuel Borba. (Diario
.de P ernam buco, entrevista . )
Não se sabe quando começou Fernando ·a servir de presidio .
A historia desse período é nebulosa. "São um tanto obscuras as
origens do presidio, escreve o Sr. Evaristo de Moraes. Segundo o
melhor parecer, quando foram mandados ·para a ilha principal do
archipelago de Fernando de Noronha os primeiros presos (civis con-
<lemnados á pena de galés e militares condemnados á de "carrinho"),
269

só se teve em nura lhes dar occupação nos trabalhos das fortifica-


ções. A pouco ·e pouco, porém, foi-se percebendo a vantagem de
mandar cumprir alli as sentenças mais sevéras" (Prisões e institui-
ções penitenciarias no Brasil, 1923, pag. 34).
Informa Costa Honorato que em 1862 havia em Fernando de
Noronha l. 923 sentenciados. O mesmo esc1;iptor dizia a n~speito da
ilha e seu regum:n:

"Está sob o commando de um official stiperior do


Exercito que communica-se directamente com o presidente
e o commandal:).te das armas desta provincia de P ernam-
buco . Além desta, hà um ajudante, um medico, um almo-
xarife, um escrivão e um capellão, que serve de professor
de primeiras letr~s.
A guarnição da ilha é de duzentas praças de linha,
pouco mais ou menos, constante de doi s destacamentos ; um
de artilharia e outro de infantaria, sob o commando de
dois capitães e cinco alferes.
Ahi · os pobres degradados se occupam da lavoura,
' fazem cal, farinha, occupam-se de pesca, trabalham nos o.ffi-
cios mecanicos, na pintura, na musica, e servem de criado.s
aos empregados da villa." (Dice. Topographico Estatistico
e Historico da Província de P ernambuco, pag . 48.)

Fernando de Norohha não tinha, todavia, até a visita que lhe


fez em 1916 o Sr . Manoel Borba, organização de presidio agricola.
Os presos ou trabalhavam por conta propria, livres e independentes,
ou trabalhavam para a administração, que os explorava. Só não
trabalhavam para o E.stado, que os alimentava. Ouçamos as im-
pn.ssões do ex-governador de Pernambuco:

"Fern,zndo de Noronha tinha perdido inteira11iente a


f eição de presidio, SE E' QUE EM ALGUM TEMPO A
TEVE.
Para alli vão os criminosos condemnados á pena de
prisão com trabalho e sabidamente, de muitos annos, o
trabalho desses ho11iens nunca appareceit.
270

Dessa visita; ·que acabamos de fazer, verifica-se que .


só agora u Estado ti:m alli áreas planta<las e
cúltivadas,
proprianiente .suas. Grande superfície de terreno é" coberta
por lavoura de sentenciados,- q·u c trabalhavam · para ·. ~i e
não para u Estado, que os sustenta. · E isso com grave . pre-
j_uizo da di_scip'. i~1a do presidio.
Esse abuso de não fazer trabalhar o presidia.rio e cie
consentir em que elle _trabalhasse para ;;i,- de mantel-os 011
relativa liberdade, vem de longos anrios. E fo i o qu·e cor1-
correu para tirar de Fer~andp a feição de presi~io. A vida
em liberdade, com .o 'dii'eit_o de explorar .uma terra fer_til em
proveito proprio, tendo mais do go'.'erno ·a_:imentaÇão, roupa,
· cuidados meclicos, ·etc . , constitue um incêhtivo para o
crime ou reincidencia, desde que no contipente não en-
contrem vantagens identicas.
Em, obediencia á lei, o go'!_JBY'llo está resolvido a acabar · -
com esse reg·h nen, e nesse sentido está devidamente in-
struída a nova administração do presidio . Para extirpar
um mal assim tão velho, num meio tão anormal como o de
Fernando, torna-se necessaria uma administração rigorosa,
sem ser _inj_usta . nem deshumaha. " ·

O Sr. Borba traçava o plano de refoi-ma de Flri1a~do de No-


ronha, que começou a ·exec~ttar ; e concl uía:

"Com essas medidas, outras já tomadas e as que a ·


experiencia fôr indicando, espero transformar Fernando
ele Noronha num verdadeiro presidio e colonia agrícola .
Confio que antes de terminar meu quatriennio, ·ainda -que a
população de presidiarios se eleve a mil, a ilha estará pro-
duzindo bastante para todas as despesas, podendo mesmo
dar saldo para o orçamento do Estado e não despesa, como
até agora. Tudo farei por conseguil-o.
. . E' ·do meu dever. "
-

Nós veremos adiante o que ·era e o que ainda é o regímen desse·


famoso presidio.
ESTADO DE PERNAMBUCO

Vista geral da officina de marcineiros

Moveis fabricados pelos detentos


271

NO REGULAMENTO

Além daquelles individuos a que me referi paginas atraz, na Pe-


nitenciaria de Recife serão recolhidos tambem os apresentados pelos
-consules e demais representantes estrangeiros, auctoridades militqres
<le terra e mar e outras de reconhecido caracter official. O assenta-
ménto referente a esses presos terá feição especial, dada a circum-
.stancia de sua prisão.
Os indivíduos recolhidos para serem detidos observarão a se-
guinte classificação:
a) condemnados ·;
b) pronunciados;
e) presos preventivamente;
d) condemn.ados que tenham de Sff transferidos para o pre-
sidio .de Fernando de Noronha;
e) menores delinquentes.
Serão n:colhidus em prisão sepàrada:
a) os menore& e as mulheres;
b) os destinados á extradição e expulsão do territorio na-
donal;
e) os correccionaes ;
d) os que, segundo o paragrapho unico do artigo antecedente,
forem recolhidos em caracter provisorio ou para investigações.
{Art. 2º.)
Será observado eni relação aos condemnados e o regimen de iso-
lamento celliilar para corner e dormir e de trabalho comniimi diirante
o dia sob o regimen do silencio relativo.
C rtas funcções não especificadas no Regulamento poderão ser
·exercidas pelos presos que estive·rem em condições de bem servir ou
por pessoas estranhas contractadas pelo chefe de policia, mediante
diarias razoa veis. (Art. 7º.)
Os guardas e os enfermeiros no. oxercicio de suas attribuições
usarão o uniforme .seguinte: calça, collefe e blusa de brim ·escuro
com botões pretos, no verão; blusa e calça de ·p anno azul marinho
escuro., bonnet da mesma fazenda, com emblema, tendo no centro as
iniciaes C. D . douradas, gravata preta e botinas pretas no inverno.
272

Os chefes de guardas usarão tres galões estreitos no bonnet e os


guardas dois. ( Art. 9º. )
São deveres .dos guardas :
1°. Exercer a maior vigilancia:" sobre os condemnados, dando
par.te ao director, por intermedi.o do chefe dos guardas, de qual-
quer occurrencia, para que seja convenientemente providenciado.
2°. Advertir com docilidade os presQs que se . desviarem da&
regras estabelecidas, tratando-os com hunianidade e justiça.
3°. Não conversar com os presos, respondendo em poucas pala-
vras e em voz baixa ás suas perguntas.
4°. Abrir e fechar as portas das cellas nas occasióes precisas
e dar os toques ordinarios ou de alarme, nos casos de desordem,.
tentativa de evasão, incendio ou outros extraordinarios.
5°. Não abandonar, sob qualquer pretexto, os postos antes de
ser m rendidos.
6° . Examina com attençã~ o estado das grades, paredes e as-
soalh0s das prisões.
7°. Não permanecer nas cellas em palestra com os detentos ,
:::ob pretexto :ilgum .
Os amanuenses e os guardas .serão nomeados dentre cs cida-
dãos brasileiros maiores de 21 annos, de reconhecida idoneidade
moral e intellectual, demonstrada em concurso perante uma com-
missão composta do director e dois funccionario.s da Secretaria da-
Policia, designados pelo chefe de policia. A inscripção durará
vinte dias e os candidatos apresentarão os seguintes documentos:
a) certidão de idade ou prova que a suppra;
b) folha corrida ;
e) atte tado de vaccinação ou revaccinação e de não soffrer de
moléstias contagiosas.
A prova serão e criptas e oraes e constarão :
R rº. Para o cargo de amanuense:
a) grammatica da lingua vernacula;
b) geographia do Brasil;
e) arithmetica até theorie das fracções;
d) redacção official.
273

§ 2°. Para o logar de guarda:


a) grammatica da lingua vernacula;
b) arithmetica até proporções. ( Art. 35 e 39. )
A instrucção é confiada a dois professores e dada simultanea-
mente aos presos, por classes, todos os dias.
O ensino comprehende:
a) leitura ;
b) escripta;
e) arithmetica elementar;
d) noções de grammatica·; ·
e) noções de geographia do Brasil;
f) noções dos direitos e dos deveres moraes e politicos, de ac-
côrdo com o programma de ensmo de instrucção primaria do Es-
tado .
A frequencia é obr_igatoria, sem prejuízo da disciplina do esta-
belecimento. ( Arts . 42 e 43. )
Haverá uma pequena bibliotheca, composta de livros de leitura
amena, para uso dos presos, segundo o gráo de intelligencia e dis-
posições moraes de cada um . ( Art. 46. )
Na Penitenciaria existirão officinas para utilização e aprovei-
tamento da aptidão dos presos, que se entregarão ao trabalho regu-
lamentar, diariamente, sob a direcção dos mestres respe.c tivos.
(Art. 47 . )
Sem caracter definitivo, pois que as officinas podem se mul-
tiplicar, desenvolve'l· e especializar-se, ellas são, da data deste Regu-
lamento, as seguintes: de sapataria, marcenaria, encadernação, al-
faiataria, ferraria, funilaria e fundição. Cada quàl destas officinas
terá mestre, contra-mestre e demais empregados que forem neces-
sarios. (Arts. 48 e 49.)
O trabalho começará de sete horas em diante em todas as offi-
cinas, após o toque de despertar, sem prejuizo dos deveres preli-
minares prescriptos em outra parte · do regulamento, e deverá ser
suspenso duas vezes po.r dia, ás dez hroas para almoçar, ás quinze
para jantar, terminando ás dezesete horas. Os presos operarios de-
verão ter uma hora completa para cada refeição, recomeçando o
iS
274

trabalho ás onze horas e ás dezeseis, . respectivamente. (Arts.. -54


a 56.)
O salario dos detento.s será marcado pelos mestres das offi~
cinas, ·de. acc.ôrcfo com o director,
-
e ·será por .dia ou por peça. de. . tra-
b.alho confeccionado. pa importancia que os detentos ganharem por
mez. uma parte ser-lhes-á entreguei para suas necessidades e a outra
será recolhida trimestralmente á ·caixa . Economica, em . caderneta
nominal. ( Arts. 69 e 70'. )
Os presos poderão conversar mode,radamente .· até . a hora . do
silencio, sem perturbar a disciplina, não. podend~, porém, conversar
ele umas para o~tras cellulas_. ( Art. _87 . )
.
E:m
' . cada prisão
"
haverá
. .
uma va~soura,'
mi,1a n~esa _de tq.manho
pr~porcional ao numero de presos ahi _contidos, e,_ para cada um
de~tes, ~m tamborete, ~lma ba1:ra com trav~·ss.ei;·o d~ ;11adeira· e un~a
ca,neca .para agua. ( Art. 94.· )
Os presos poderão passeiar, com licença do director, nos cor-
redores e pateos internos do edifício, sendo permittido aos de bom
comportamento até dois passeios de meia hora. Os de máo proce-
dimento não terão direito a esse passeio, salvo por determinação
medica. (Arts. 94 e 95.) Em caso' algum os de uma prisão pode-·
rão commünicar-se com os de outra, salvo ordem especial do cli-
rector.
Impõe-se aos presos anelar sempre vestidos com clecencia e as-
seio, sendo fornecida pelo estabelecimento roupa simplesmente aos
que não tiverem recursos para adquiril-a . Os banhos são determi-
nados tres vezes por .semana; o barbeamento uma e o corte do ca-
bello uma vez por mez a cada preso. (Art. rn4) . O 'vestuario dos con-
. dertmados constará de uma blusa e calça de algodão azul, · camisa
br~nca de algodão liso, um bonet redondo da mes1'n a fazen:da .e . chi-
nellos grossos. ( Art. I 20 . ) As roupas dos' condemnados serão m·a r-
.cadas corri o seu nuniero de matricula e a blusa terá 110 . peito um
·signàl : de oito ·céntimetros quadrados de côr encarnada; cÜf!l· os _·dis-
. titi.cÜvos :· C, os condei1111ados, A, os appellados, P, o_s pronµnciado's e
·D, ·os &tidos . Os -condemnados :operarias USélrão bonnet de ·panno
·a~ul. Sómente serão custeados pela administração .os artigos pelo
director julgados necessarios, consultados os bons preceitos de as-
ESTADO DE PERNAMBUCO

.Motor e ~utras üistallações

Secção de typographfa
275

seio e de hygiene das prisões e dos detentos. Os presos, á sua


custa, poderão usar artigos outros, como : pentes, pós para dentes,
escovas, meias, etc. (Art. 120.)
Os presos das .demais classes não estarão sujeitos ao vestuario
do regulamento para uso elos conclemnaclos. ( Art. 122 .)
A alimentação dos presos constará ele ~lmoço, jantar e ceia, na
fórma da tabella annexa, recebendo, elo Thesouro, o director, a
quantia mensalmente destinada para sustento dos presos, prestando
contas na mesma repartição. ( Art. 124. )
O almoço, jantar e a ceia serão servidos por g·uarda do estabe-
lecimento a cada preso, respectivamente, ás 10 horas, ás 1 S e ás 18 .
( Art. 125. ). O preso, durante a comida, poderá chamar o guarda
a toque ele sineta e reclamar-lhe em voz baixa o que tiver necessi-
dade. ( Art. 128. ) .
O director, para correcção dos presos e cumprimento do presente
regulamento, no caso de exgottaclos os meios suasorios, poderá a:pplí-
car as penas seguintes :
1º. Advertencia; ·

2° . Reprehensão;

3°. Privação de visita, passeio, correspondencia e outros favo-


res;
4º . Prohibição de trabalho;
S.º. Degradação de classe;
6°. Retenção em pr.isão solitaria com a porta de madeira aberta
por tres a oito dias, segundo à gravidade da falta;
7°. Retenção em prisão solitaria com a porta de mad~ira fe-
chada por tres a seis dias;
8°. Retenção em cella solitari.a e escura com a porta de madeira
fechada por seis a doze dias e suspensão de uma das alimentações
diarias;
9°. Restricção da alimentação até 15 dias ou um mez, mas
nunca em dias successivos ou continuados. As penas dos ns. 1 a 7,
inclusive, serão applicadas pelo director, independente de appro-
vação, as dos ns ..8 e 9 devem sei-o com approvação do. chefe de
policia, com explicação da falta commettida pelo preso; occon:endo
urgenc1a justi ficavel, o director poderá dispensar-se da consulta
'}.76

·prévia para applical-as, não deixando, entretanto, de fazer a devida


·communicação, em seguida, ao chefe de policia: . (Arts. r32 e r33 . )
O preso que conseguir evadir-se perderá, para o 'I'hesouro, o de-
posito que, porventura, tenha na Caixa Economica, perdendo só-
mente a metade o que tornar a ser capturado e 2ó o/o o que incorrer
na. falta do artigo anterior (tentativa de evasão). (Art. r45.)
O regulamento de Fernando de Noronha estabelece, a bem das
prescripções que são communs a todas as prisões do Estado, o se-
guinte, constante do art. 53 do regulamento de r9r6:
"Os condemnados existentes no presidio se dividirão
em tres classes. ( Art. 54. ) - Pertencerão :
§ rº. A' primeira classe os condemnados que souberem
ler e esc;i·ever, que tenham bom, comportamento, sejam tra-
balhadores e estejam no presidio ha cinco annos. ·
§ 2°. A' segunda classe os condemnados que durante
os dois ultimos annos de reclusão do ~esidio não tenham
soffrido penas disciplinares superiores a tres dias de prisão.
§ 3°. A' terceira classe os que tiverem menos de um
anno de reclusão no presidio ou os que por faltas commet-
tidas foram rebaixados de classe.
Art. 55 . Os sentenciados serão recolhidos depois do
trabalho diario :
§ rº. Os de terceira classe ás respectivas prisões.
§ 2°. Os de segunda classe ás casas que para esse fim
forem aproveitadas nas ruas mais proximas da villa, em-
quanto não forem construidas prisões apropriadas.
Art. 56. Os sentenciados de primeira classe terão a
faculdade de morar com suas familias em lagares e casas
que lhes forem permittidos pela directoria.

NA PRATICA

Se bem possamos sustentar que Pernambuco é o Estado em


cujas penitenciarias os regulamentos internos .s9ffrem menos arra-
nhões e tem melhor applicação o systema do Codigo, longe esta-
ríamos da verdade se affirmassemos a sua perfeita execução.
277

Começarei por dizer que o regulamento baixado pelo Sr. Manoel


Borba, sendo chefe de policia o Sr. Orlando Victor, já está reçla-
mando uma reforma. Basta lembrar que alli se cogita de escola de
menores, d~ ha muito desapparecida, e da internação de menores
criminosos na Penitenciaria. Com a creação das colonias constantes
da lei ultimamente sanccionada, essa anomalia, contraria á sciencia
e ao proprio Codigo, deverá desapparecer. O chefe da Segurança
Publica, desembargador Silva Rego, diz, aliás, com acerto, "que a
reforma em -questão só deve ser tentada quando houver estabeleci-
mentos que seccionem os varios typos deàinquentes" ( R elíltorio,
pag . . 24), o que deve ser conseguido brevemente, pois ouvi do emi-
nente $r. Dr. Sergio P. Lins de Loreto que ainda este anno daria
execução integral á lei que creou as colonias Agricola Penal e Dis-
ciplinar Industrial.
Tratando, porém, do que existe, direi que as prescripções cuja
synthese acabo de fazer ainda estão longe de ter rigorosa execução
em Pernambuco .
Antes de tudo, não pód.e haver boa e fiel execução de um regu-
lamento onde não ha funccionarios especial!izados e compenetrados
de seus deveres. O Dr. Fernando Sá chamava especialmente a atten-
ção de seu governo para . este ponto. Que se verifica, porém? Veri-
fica-se que na Penitenciaria de R ecife não ha, em regra, funcciona-
rios á altura de sua missão, e, portanto, não póde haver execução
perfeita de regulamento. Eis o que escreveu, com uma admiravel
franqueza, o Sr. Samuel Rios, administrador, em sua Exposição
deste anno ao chefe de policia:

"Não obstante, porém, ha sido regularmente: obser-


vada a disciplina presidiaria, o 1·n esmo não se verificando;
mait grado as wiedida,s en,i pregada,s, rela,tiva.wien.te aos em-

pregados, que ewi sua maioria, são indisci plinados e ini-


núgos do trabaUio. "

Entendo, porém, sem. querer desfazer no actual serventuario, o


qual é um bom administrador, que urna organização prisional corno
a de Perna1nbuco exige a direcção de especialistas, pois já se não
comprehende a entrega de uma tarefa assim complexa a indivíduos
278

leigos, ainda quando bem intencionados. Se o administrador não é


tudo, vale por um elemento precioso na a.rganização elo carcere ·e na
refori11a elos presos, convindo recoi·dar aqui as palavras do citado
escriptor pernambucano, Dr. Fernando Sá~ quando interroga:

"Pois bem:- se collocamos um technico para dirigir uma


machina, se chamamos um medico para curar um · doente
e .até especializamos, pondo junto elo louco um psychiatra,
·elo que deve .ser operado um cirurgião, de uma parturiente
um parteiro, porque não observamos o mesn.;~ em relação
aos cargos publicos? . A clirectoria de uma penitenciaria é
um cargo ele alta importancia social, que demanda cbnhe-
cimentos especiaes, . tino e vista educada." (Conferencia,
pag . 13.)

Outra ·face pela qual ·a Penitei.1ciaria ele· Recife ainda não pócle
ser considerada modelo é a elo trabalho .. Apezar ·elas officinas que
possue, o numero elos que não trabalham é, nella, ainda grande : As
officinas existentes não têm capacidade para o numero ele presiclia-
rios, que sóbe a 500 e mais, não incluindo a população volante, que
entra e sae, e excede ele I . ooo .
Nata-se, emifim, alli, a promiscuidade ele toda casta ele crinii-
nosos, ele um ' lado, e ele adultos e menores; ele .oufro .
··Trouxe m"Íla impressão desagraclavel elo que vi, i·elativamente a
menores, tendo sido informado de qué m~ita vez se encontrati.1 . alli
oitenta e mais criànças .que a policia· recolhe na. vadiagem, i1as rixas
e no furto . Num dos cubiculos destináclos a pi·esos . correccionae·s
encontrei nove individuos, e entre estes quatro menores, sendo uma
criança ele dez annos !
. Assim) para que a Penitenciaria ele Recife possa ser o que pócle
e dev.e ser, carece ele retirar de seus cubiculos o.s menores, os loucos e
certa casta ele perigosos vagabundos. A elas si ficação dos criminosos
a
é uma necessidade, tanto quanto a elos sexos e elas idades.
Creoti-se; agora, ·a colonia de n1enores .: esta nao tem ,' ·entretanto,
:!W,. cidade, ~apadclacle para mais · ele ce1n oti cluúntos menoi·es, e~
~ ;:· . ' . . . .. .
~!fü~gicla a lotàção elo estaqelecimento, tudo·voltará ao que era dantes.
J • •

So '·a colonia agrícola, não pesando no erario, poderá descarregar


ESTADO DE PERNAMBUCO

Machinismos da sapataria

Detentos trabalhando na sapataria


279

sufficientemente o meio de menores v1c10sos, de molde a impedir


que a Penitenciaria seja transformada em deposito desses infelizes.
Quanto á classificação, ella exige um especialista á sua frente,
e um especialista dedicado.
Falta, ainda, a Pernambuco um Carcere de Mulheres e um Ma-
nicomio Penal.
O estado sanitario da Penitenciaria, servida por cuidadas en-
fermarias, pharmacia e gabinete medico-cirurgico, é bstante ani-
mador. Assim, pelo menos, o attesta o medico do estabelecimento,
Dr. Góes Cavalcanti, nestas palavras de seu punho :
"Cumpre-me declarar, de conformidade com o mappa
supra, que o. movimento da enfermaria, durante o anno que
hoje expira, traduz, em relação aos períodos anteriores, uma
melhora .sensivel no estado sanitario desta penitenciaria.
Conforme se vê, o numero de doentes baixados á enfer-
maria foi relativamente pequeno, e muito menor ainda
o de fallecimentos, que, em comparação ao dos annos pas-
sados, se adrn reduzido ·á metade. Accresce ainda a cir-
cumstancia de ·que dentre esses doentes baixados e os fal-
lecidos um'a grande parte viera de fóra do estabelecimento,
sendo que alguns em estado já bastante aggravado, quer
pela falta muitas vezes do tratamento conveniente, quer
pela propria natureza de suas molestias."
Não consegui visitar Fernando de Noronha . Meus esforços
nesse sentido resultaram inuteis em virtude da distancia e do facto
de só haver conducção para lá de dois em dois mezes, em pequenos
navios contractados pelo governo estadual. Dou, por isso, a palavra
ao Dr. Mario Mello, que sobre a .ilha escreveu a interessante mo-
nographia já citada, e que nos dá uma nota impressionante do movi-
mento do presidio no capitulo Usos e cost·um.es:
"Os prisioneiros, conta elle, dividem-se em tres grupos:
trabalhadores - com officio ou de campo; criados e sar-
. gentean.tes .
Estes são os de melhor conducta, ma1s intelligentes, de
mais confiança . Os segundos são designados para servir aos
280

libertos, passam vida relativamente mais folgada. o -s· pri;.


meiros trabalhan~ no campo ou na officina, sob a direcção
dos -sargenteantes .
_Ha outra classificação, quanto ás moradias: "aldeiados"
os que, não tendo familia ou sendo de mau comportamento,
devem dormir preso-~, e "desaldeiados" os que -têm resi--
dencia propria" -.

Em v·ez _de gorros, os presidiari9s recebem, com as roupas e


utensilios de seu uso, chapéos de palha, determinada esta substi~
- -
tuição pela natureza do trabalho a que se entregam. Alimentam-se
com tres kilogrammas de xarque, -seis de farinha, um de assucar,
meio de café em _grão, _semanalmente. Leva~tam-se ás 4 horas da·
manhã, preparani o farnel, e ás 5 I 2, sempre guiadas· por toques
J

-de. corneta,_ procedida á chamada, partem p_ara_ o _campo, onde cul-


ti.vam o algodão, o milho, a mandioca, ou vão para os .sitias onde _se
faz a farinha e se ' fabri~am telhas e tijolos para consumo da ilha.
Os presos são designados por alcunhas, algumas curiosas, que le-
varam do "mundo", como naquelle desterro é chamado o continente.
A'.s 5 horas da tarde regressam, e de novo procede-se á chamada.
Um sargento lê o detalhe do serviço para o dia seguinte, os presos
des·cai1sam, até que, recolhidos aos respectivos alojamentos, sôa, ás 8
da- noite, o toque de silencio e apagam-se as luzes.
Escr-eveu o Dr. Maria -Mello que "a vida era em commum,
numa liberdade relativa". "O_s presos casados tinham sua habitação,
residiâm com a familia, _plantavam e colhiam, formavam peculio,
sendo ainda alimentados pelõ Governo, sem que de alguma sorte
compensassem as despesas com o seu sustento ; "
' Pa.ra ter-se_a idéa da dis~iplina e ordem reinantes no presidio,
basta sab_e r que _"os solteiros ou -viu~cis atreviam-se a commetter
crimes contra o pudor de menores para na reparação, constituir fa-
milia e gosar dos privilegias de casados". ( Op. cit., pag. 65 . )
Desse regimen de fartura e liberdade quasi -bucolica resultava
que, em grande numero, os egressados do presidio se faziam recidi-
vistas no continente para voltar á ilha . ! (Idem, -idem. )
Teria a. situação de Fernando melhorado, de accôrdo com os
ESTADO DE PERNAMBUCO

Vista do rafo antig.o, na parte tercea

Vista interior de um cubículo


281

desejos do Sr. Manoel Borba ? .r ão parece. fiscalização de um


presidio que sómente a largos espaços tem commwucação com o
continente é difficil, e dahi o afrouxamento da disciplina. Ainda em
1922 houve denuncias de serios abusos praticados alli. O Sr. Sergio
Loreto, á vista dos resultados do inquerito, dispensou o director e
nomeou p~ra substituil-o um milita: .
Admirei-me, porém, de não haver no R elataria do illustre chefe
de policia de_ Pernambuco, jurista e ·auctoridade por muitos títulos
digna, qualquer referencia ou mappa relativo a Fernando de No-
ronha.
O Sr . Sergio Loreto annuncia um plano de .reforma do tra-
balho no presidio. Esse plano obclece á reforma geral que alli se
leva por <lavante no que toca ás prisões do Estado. Convém espe-
rai-o. (Vide Mensageni deste anno, pag . 29.)

COLONIAS CORRECCION ~S

As colonias correccionaes sempre tiveram em Pernambuco de-


fensores e enthusiastas entre os criminalistas, os sociologos e os
homens de governo. Por vezes passaram da propaganda á acção, e
Pernambuco viu fundadas prosperas colonias .
Nunca, porém, a organização dada a esses institutos foi em
bases tão solidas que lhes garantissem a perennidatle do funcciona-
mento. Dahi o desapparecimento das mais bellas iniciativas no
genero .
E)m maio deste anno , porém, o Governador Sergio Loreto, em-
penhado em resolver estes problemas em seu Estado e tambem em
corresponder aos intuitos da União, sanccionou o seguinte projecto
de lei:
Art. 1°. O Governador do Estado fica auctorizado a crear duas
·colonias co.rreccionaes no Estado: uma para menores viciosos, outra
para adultos vagabundos, mendigos validos, ébrios habituaes, ca-
poeiras e desordeiros, afim de rehabilitai-os pelo trabalho e instrucção.
Art. 2°. Na colonia para menores serão internados :
§ 1° . Os menores abandonados de 14 annos, maiores de nove,
que, por serem orphãos ou por negligencia, ou vícios, ou enfermi-
282

dades dos paes, tutores, parentes ou pessoas em cujo poder, guarda


ou companhia vivam, ou po1; outras causas, forem encontrados ha-
bitualmente sós na via .publica, entregues .a si mesmos e privados de
educação .
§ 2°. Os menores de r 4 annos, maiores de nove, proceissa<los
criminalmente, que forem julgados como tendo agido com discer-
nimento.
§ 3°. Os maiores de 14 annos e menores ele 21 que, não estand o
sujeitos ao poder paterno e sob a direcção de tutores ou curadores,
sem meios de subsistencia por fortuna propria ou profissão, arte,
officio ou occupação honesta, em que ganhem a vida, vagarem pela
cidade e na ociosidade .
Art. 3.0 Os menores .acima serão remettidos administrativã-
mente pelos juizes criminaes ou de or.Phãos e pelos delegados de
policia ao chefe de policia.
,, § I º . Essa remessa será precedida de um processo administra-
tivo sobre o comportamento e os habitas dos menores, o caracter., a
moralidade, a situação e os meios de vida dos paes, tutores, parentes
ou p ss as sob cujo poder ou guarda se achem ou em cuja compa-
11hi a v.iva1 e .1ue serão c mpelliclas a dar as nece sarias informações.
§ 2° . h fe de p li ia, depois de mandar identificar os me-
1101' s q t1 lh f r m apr ntado orden ará o recolhimento dos
p ctiva 1. nia.
§ 3.0 s m ' 11 r s n ·sim r Jhido p rmane rão na olonia até
, iclad d 17 ai n s mpl tos, al o de que trata o s .,,,., do
~t't. 1°, qu n lia s rü nté a idad de -I rumo •
§ .+º· pn tut r i par 'nt u p ·oa cm ujo poder. ~rurd~
(AI CG111p1rnhin ~stej , o nuinor 1 uü podiaril ob tar a internação desre
!1U COlemin: Ó lhi;\ - li it l'elQ.Uell' l' !.\ ret:irndtl do mtmor por a~Oi
t1mm1m1'iO.i pri::ir õ§ ln tlo j uhm do s~u d mici.Uo1 oom a ru ' W:aci~ d<ll>
Mlnlílhll'ÍO Publi õ d mudar a~ml d~ orpM.os.
rt. 4°, Na. l niu pnrn 1.1.dulta serio int~ados~
§ 1°. s imlivlctut1 n.1t1.lfm~ d~ ~l ?lnM .~ ~n mci~ d~ uW;:,...
t~n iª pm' f rhnm prt1prkt u pn~fl . ~o! ªr-~1 ~:Uk~f()J1 ~~~Q)j
283

honesta em que ganh<Jm a vida, que vagarem pela cidade ·na oc1os1-
dade.
§ 2°. s que, por habito, andarem armados em correrias, pro-
vocand tumultos e incutindo terror, quer aproveitando o movi-
mento da população em festas e solemnidades publicas, quer em
manifestações de regosijo e reuniões populares, ou em outras quaés-
q uer ci rcumstancias.
§ 3º. Os ·gue mendigarem, tendo aptidão para o trabalho .
§ 4°. Os que, tendo quebrado os termos em que se acham obri-
gados a tomar occupação, persistirem em viver no ocio ou exer-
cendo industria immoral ou vedada pelas leis.
§ Sº. Os que se embriagarem habitualmente, apresentando-se em
publico em estado ele embriaguez manifesta.
§ 6°. Os que se sustentarem do jogo e forem, por isso , punido:;
como vadios, nos termos do art. 374 do Codigo Penal.
Art. Sº. O Governador expedirá os regulamentos necessarios á
bôa execução desta lei e á org~nização administrat iva das colonias,
ficando tambem auctorizado desde já a fazer as operações de cre-
dito i1ecessarias para a sua execução .
Art. 6°. Os processos da_s contravenções a que se refere esta
lei ( arts . 391 a 403 do Cocligo Penal ) serão· preparados pelos de-
legados de policia e julgados pelos juizes municipae , com recurso
voluntario para os juizes ele direito.
Art. 7°. O processo será iniciado por portaria circumstanciad.:t
do delegado do districto em que o indiciado fôr domiciliado ou
praticar a infracção, quando não hou er queixa ou denuncia.
Art. 8°. O delinquent s rá itacl para v r- ar em
dia, logar e hora desiguad p lo d 1 gad . 1d n ti.Eicad
promotor publ ic hou r par~ n
do process •
§ r 0 • N.n audi n in l ::;ignadu. lida n qu bm. 1 ltm 't\ u p r-
taria, qualifi a l r • . s compnr e r, e jnm ln n qttei.·a, n an to-
ridud ,policittl inqniririt de dtU\ n in o test munhn der ois d
j l1 rnmenlttlcns. ns qnncs 1)oekrno . 1.w reinqueri lus r lus pm·t->·~.
"
284

§ 2º. Se os depoimentos não ficarem concluídos na primeira


a udiencia, continuará o processo na seguinte.
§ 3°. Terminadas as inquirições, proceder-se-á immediatamentc
ao interrogatorio do summariado, que poderá apresentar em cartorio,
d~ntro de 24 horas, a sua defesa, com os documentos que tiver,
§ 4º. O promotor publico terá vista dos autos para emittir o
seu parect•r, requerendo o que julgar de direito, dentro de 48 horas.
§· Sº. Findo este praso, a auctoridade, relatando o feito, man-
dará que os autos sejam remettidos ao juiz municipal, para julga-
mento .
§ 6°. A sentença que condemnar o réo como vagabundo o obri-
gará a assignar termo de tomar occupação dentro de r5 dias, con-
tados do cumprimento da pena (Codigo Pen.ai, art. 399, § rº).
§ 7°. Passada em julgado a sentença, serão os autos devolvidos
á auctoridacle preparadora, que mandará lavrar o referido termo, assi-
gnando-o com .o condemnado, ou com duas testemunhas, se o con-
dem nado declarar que não sabe, não pôde ou não quer assignar, de-
claração que tambem deve consta]: cio termo.
Art. 9°. As infracções cio termo de tomar occupação serão
processadas e julgadas pela fórma estabelecida no art. 6° .
§ r º. Quebrado o termo, será o réo recolhido á colonia, por um
a tres ani10s, conforme a sentença determinar, e deportado., se fôr
estrangeiro ( Codigo Penal, art . 400) .
Art. ro. Não produzirá effeito a sentença se o condemnado
provar superveniente acquisição ele renda bastante para sua subsis-
tencia, e ficará suspensa se o infractor apresentar fiador idoneo
que por elle se obrigue .
Paragrapho unico . A sentença que, a requerimento do fiador,
julgar quebrada a fiança, tornará effectiva a condemn.ação suspensa
( Codigo citado, art. 401) .
A rt. r r . O recurso estabelecido no art . r 0 será apresentado
em petição .ao juiz de direito, dentro de tres dias da intimação da
sentença, podendo a parte contrarninutal-o pela mesma fórma .
A rt. r 2 . R~vogam-se as disposições em contrario.
E m junho fundou-se na propria capital a colonia de menores,
285

que, infelizmente, e a titulo provisorio, se acha funccionando num


pavilhão da Penitenciaria . Em agosto o Governador deu execução á
parte do projecto re:Iativo á Colonia penal, para vagabundos, ebrios
habituaes, mendigos e vadios.
A Coloni.a ficará localizada numa das antigas fortalezas da ilha
de Fernando de Noronha, tendo sido instituida .ª caderneta de pe-
culio para os correccionaes. A localizaç~o em Fernando, se bem não
se me afigure feliz , obedece á letra do CocLigo, que a preconiza em ·
ilha~ marítimas ou em presidio.s das fronteiras, para os reincidentes.
ESTADO DE PERNAMBUCO

Crianças da Colonia Correccional entregues a trabalhos escolares


ESTATISTICA PENITENCIARIA

Br.asileiros. . . . . . . .
Estrangeiro. . I

Como em todo o paiz, o homicídio mantém o primeiro Jogar na


estatística, com enorme distancia sobre o roubo, que lhe vem após:

Homicídio. 189
Roubo. 63 .
Furto. 55
Ferimentos. 44
Morte e roubo. _. 9
Defloramento. . 7
Arrombamento. 5
Estellionato. . 2 ·

Attentado ao pudor. 2

Anarchista. . 2

Moeda falsa. I

Assalto e roubo. . I

Desertor do Exercito. I

)8.:Spancamentt> . I

Total. 382

Acldicionando os numeras relativos · aos crimes semelhantes,


teremos:

Contra a vida. . . . . . .
Contra a propriedade.
Outros crimes . . . . .....
·
288

Pelo que se refere á idade dos vanos sentenciados, apura-se este


quadro:

De 13 annos. I

14 " 3
" 15 " 2
" 16 " 6
" 17 " 12
" 18 " 22

" 19 " 23
" 20 " 29
21 " 21
" 22 " 33
" 23 " 33
24 " 16
25 " 17
26 " 16
" 27 " 21
" 28 20
29 . " 9
" 30 " 12
" 31 " 5
32 ' ' ..>
8
" .).)
"" " 7
34 " 5
35 " 9
" 36 9
" 37 " I
" 38 " 5
. ,, ,,
39 4
" 40 " 12
" 4r 4
" 42 " l

43 " 2
" 4·+ " l
" 45 2
289

De 46 annos. 2
,,
" 47 l
,,
" 48 2
" 49 " 2
,,
" 50 3
" 51 " l
" 52 " 2
,,
" 53 l
,,
" 55 2 1
1

'· 60 " l

" 61 " l

" 80 " l

" 81 " l

Total. 382
Pelo que toca particularmente aos homicidios, apuram-se as se-
guintes idades :
De 13 annos. l
" 14 " l
,,
" 17 4
" 18 " 7
" 19 " 6.
,,
" 20 17
,, ,,
21 II
,,
22 " 20
.,
" 23 13
,,
24 " 9
,,
" 25 II
,,
26 " IO

" 27 " 6
" 28 " 13
,,
29 " 3
,,
30 " 8
,,
31 " 2
,, ,,
32 6
" 33 " 4
19
290

..,
De 34 annos . .)
,,
35 " 3
" 36 " 4
,,
38 " 3
., 4
" 39
" 40 " 8
" 41 3
" 42 " l

" 43 " l

" 45 " l

" 46 2
,,
47 " I
,.
48 " !'

" 49 " l

~o
.) " I

" 55 " 2

Donde o seguinte :
Dos IJ aos 21 annos. 47
" 22 " 30 93
" JI " 40 " 37
" 41 " 50 " 12
" 51 " 60 " 2
Dos 382 sentenciados de Recife:
Solteiros. 259
Casados. III

Vinvos. 12
Pela naturalidade, ditribuem-se:
Pernamhnco . 313
Alagôas . 22
ParahyLa. 20
Rio Grande elo Norte. 7
Bahia ~ 7
Ceará. 6
l\f aranhão. 2
ESTADO DE PERNAMBUCO

. -;:i

l' ' l

Aspecto da Colonia Correccional, quando os menores em forma

Os menores em marcha
291

Pará . . . 2

S. Paulo. I

Rio de Janeiro . I

Portugal . . . . I
Sabem lêr . . rn2
Analphabetos. 28o
Em fim, pelo que se refere á profissão, temos :
Jornaleiros. . . . . . . I 52
Agricultores. 133
Maritimos . IO

Operarias . 40
Serviços domesticos . . . . 7
Ex-of ficiaes do Exercito . . 4
Commercio . . . ·. 9
Outra profissões. 27

Total. . . . . . . . . 382
Podemos, entretanto, sommar os jornaleiros com os agricultores,
porque em geral são todos homens do campo :
Lavradores . . . . 285
Outras profissões. 97
Mappa dos d etentos fallecidos na P enitenciaria d e R ecif e no per-iodo
· de 1914 a 1923 ( maio)

1914.
1915. , 23
.r916. 17
1917 . 7
1918 . 25
1919. 30
1920. 27
1921.
1922.

i923.
ESTADO DE PERNAMBUCO

Dormitorio, de rêdes, dos menores da Colonia Correccional

Os menores da Colonia no refeitorio


AS PRISOES DE ALAGOAS
- A

7
SuMMARIO - Falta de docwnientação historica relativamente âs
prisões alagoanas - A cadeia de Alagôas, a velha capital -
O que eu pude observar - A Detenção de Maceió - Sii0t
origem, - Visita do Presidente Caitipos Ji,J ello e aconteci-
mentos decorrentes della - Descripção da cadeia - Qiiamdo
se constritiu o segundo raio - Acção do Presidente J. M. de
Souza Gonzaga - Revivescencia de um costitme tetrico e
depofrnento de Vieira Fazenda - O enterro dos presos - A
celebre fachina e intervenção da C ommissã_o Sanitaria F e-
deral - Os citbiculos - As "officinas" e os guardas - A
enfennaria - O Regulamento - Vista d'olhos sobre a pra-
tica penitenciaria eni Alagoas - Não ·ha escola neni tra- ·
balho - A inditstria rudimentar dos presos e o câos das "of-
ficinas" da · prisão - A pro11'iiscitidade dos presos - A
horrível solitaria de Maceió - Uma photographia do carcere
alagoano feita pelo prom.otor publico da con1arca de S. Lniz
do Quitunde, em of ficio dirigido ao Governador: presos far-
rapentos, cellas immimdas, falta de illun%nação.
ESTADO DE ALAGOAS

Vista de um dos cubiculos

Outro aspecto de um cubículo, no qual se veem baldes, tinas, panellas, etc.


. ,. ,:.
._.... .
Que eu saiba, Alagôas ainda espera, como tantos outros Es-
tados do Brasil, o historiador de suas origens . A propria obra do
Dr. A. de Marroquim, publicação official de 1922, intitulada T erra
das Alagôas.. aq envez de abrir com um estudo inedito da historia
do famoso Estado, da sua faze prehollandeza até nossos dias, re-
produz um trabalho publicado pelo Dr. Diegues Junior, ainda em
1902; no Indfrador Geral do Estado, a que o auctor nem sequer
acquiesceu em fazer algumas correcções ou dar qualquer desenvol-
Yimento.
O que se conhece da historia alagoana, ou, pelo menos, o que eu
conheço, está exparso ern monographias, revistas e _discursos, nada
offerecendo de interessante quanto ás prisões dessa região,. no pe-
riod9 de sua formação. Ainda mesmo tomando em consideração es-
pecial o importante trabalho publicado em 1919, O Centenario da
Emancipação de Alagôas, organizado pelo Instituto Hisforico de Ma-
ceió, aquelle juizo fica de pé. Nem à historia das origens de um
povo disseminado por tão vasto territorio e de tão lenta formação
ethnica; póde ser escripta de um momento para outr.o.
Como se sabe, Alagôas, até o momento em que cessou a occu-
pação hollandeza, possuía apenas tres villas, que eram as de São
Franeisco de Penedo, Magdalena da Lagôa do Sul (Alagôas) ºe Bom
Successo, actualmente denominada Porto Calvo. Sujeita por largo
tempo a Pernambuco, sua historia colonial offerece de interessante
somente o período das lutas hollandezas, porque Alagôas se fez
scenario de uma resistencia verdadeiramente heroica.
A capital de A lagôas foi até :.: 839 a cidade áesse nome. A
cadeia que ahi existi-u deve ser considerada, poi , a primeira cadeia
298

central ela capitania. Procurei, por isso mesmo, visitai-a, tenclo feito,
por nirnia bondade de um amigo particular, que me facilitou essa
excursão, o adiantado industrial Sr. Alvaro Peixoto, a travessia das
lagôas Manguaba e do Norte, num percurso de cerc1. de 45 ilometros.
A cidade, antiga capital, é um ermo, suas ruas são desertas, seus con-
ventos silenciosos, suas igrejas decrepitas ou interdictas. A cadei'.l
actualmente funcciona no rez do chão do edifício da Camara. Ahi,
necess ariamente, a: encontraram e a 'deixaram . São duas prisões de
certa amplitude, onde perrnanec.em raros presos. Por occasião de
minha visita havia apenas um detento, accusado de tentativa de
morte, e que aguardava julgamento.
A cadeia de Maceió não se devia ter fundado logo no edifício
em que hoje se encontra a Detenção. E', pelo menos, o que eu pre-
sumo. Como a villa de .Maceió (aliás Massaió ou Maçayó), f~m­

dada em 1816, se installou num .sobrado onde antes morara o ouvidor


Batalha (DieguesJ unior, Noticia 1-Iistori:w de Alagôas), natural-
mente ahi, no pavimento terreo, de accôrdo com o costume da época,
installaram a cadeia. Era um edificio de quatro janellas, no andar
superior, duas portas, de um lado, e duas janellas, do outro, no in-
ferior. Ahi deveria ter sido a primitiva cadeia ela villa, que não tar-
daria a ser capital da província, arrebatando a palma á velha ci-
dade de Alagôas, após tantas peripecias curiosas.
Cerca de 20 annos depois, ·com o desenvolvimento da população
e o augmento da criminalidade, ter-se-ia construido a Detenção,
sendo que já em 1845 o então Presidente da Província, Dr. Campos
Mello, a visitou, ficando celebre esta visita pelo facto ele durante ella
ter sido a ref erida auctoridade inteirada de uma conspiração, dita
ficticia- pelos historiadores, mas de cuja revelação resultaram ãcon-
tecimentos tristes para figuras de relêvo e importancia social.
A Detenção ele Maceió está situada numa praça que fica em
ponto central ela cidade e cercada de residencias particulares.
Sua fachada principal mede 88 metros e 6o, e tem no centro um corpo
ele doi s anelares que mede 16 metros, 20 ele largura por 18 de al-
tura. Pos.sue tres ordens de cellulas, uma que se vê em frente, e duas
299

lateraes, com janellas gradeadas. Pela parte do fundo tem apenas


dois oculos.
S.abe-se que a Detenção alagoana não foi construida de uma só
vez . A segunda .secção ele cubiculos eleve-se ao Presidente José Mar-
cellino ele Souza Gonzaga, c1ue a erigiu em 1863-64. (O C e11teiiario da
Emancipação ,de Alagô.as, pag .. 158.)
No chamado raio direito, na parte que deita para a rua, ao
fundo, está a enfermaria, e na qu'e fica ao extremo cio pateo interno
o "necroterio".
Até dois annos passados, conforme fui informado, os presos
mortos iam para a valia commum envoltos num lençol, dentro de um
"banguê", carregados por outros sentenciados, seguidos de soldado.s.
Era um espectaculo tetrico, revivescencia ele um costume herdado
dos velhos tempos do paiz e da colonia, de· que nos deixou teste-
mundo inolvidavel o saudoso Dr. Vieira Fazenda, nas Antiqualhas,
quando nos pinta, aqui no Rio, o enterro dos infelizes Ratclif, Lou-
reiro - e Metrewich, "c;ujos corpos, depois ele justiçados, foram con-
duzidos para o deposito da Misericorclia por negros embriagados,
que os fizeram cahir por vezes, na rua, com grande gt'itaria 'de mo-
leques e capadocios, segundo refere Fabregas s{irigué".
Os enterros dos presos são feitos agora num caixão. Mas, cousa
curiosa e ao mesmo tempo lamentavel: o caixão é um só para tod,1s
os mortos! Uma vez esv.asiado, no cemiterio, volta para o necroterio
e lá fica á espera da sua nova carga! Essa mistura de tetrico e de
antihygienico eu a tive sob as vistas, ao lado do abandonado "ban-
guê", que se não destróe, na previsão de serem ainda uteis os seus
serviços! . ..
Um outro horrivel costume que Alagôas herdára dos velhos
tempos era o de atravessarem turmas de presos, com correntes, as
\
ruas da cidade, conduzindo os infecto.s vasos das materias fecae~
para os Jogares do geral despejo; oinniw1n pu.rga.toritm.
A Commissão· Sanitaria Federal, que alli prestou notaveis ser-
viços, não podendo tolerar esse attentado, exigiu a abertura de uma
fóssa, cessando só então o deprimente espectaculo em pleno anno de
1922.
300

O interior da prisão é positivamente sordido. Começa pela Se-


cretaria, sem qualquer decencia ou conforto, e pelo corpo da guarda,
muito hostil a um olphato delicado. O carcere das mulheres, que fica
no pavimento s'uperior, é amplo, mas, por igual, çle desagradavel as-
pecto. Ahi encontrei uma menor de physionomia sympathica, ladra
domestica, atirada a uma tarimba. Havia mais quatro ou cinco mu-
i heres condemnadas.
O chão da cadeia é de !ages humidas, custando a absorver as
aguas que se lhe atiram nos dias de asseio geral. Vêem-se nelle as
manchas caracteristicas da humidade.
Ha 33 cubiculos na Detenção ele Alagôas, medindo' em. regra
2"',80de largo por 5 ,40 de fundo e 4 ,50 de altura. O numero de
111 111

presos que ahi permanece varia, estando em promiscuidade menores e


adultos, simples presos correccionaes e rnéros denunciados com cri-
minosos profissionaes.
Possue duas· "officinas".
A solitaria, fechada, importa num cnme do Estado, e lembra
aquelles calabouços subterraneos da Cadeia Velha, para os quaes se
descia por ün1 ·alçapão que logo se fechava sobre os condemnados,
muitos dos quaes morrian·i abafados, conforme Moreira de Azevedo.
Nella existe apenas, como veremos, um ori ficio de 15 centímetros
por 5, destinado á ventilação! Ouvi qlte, pelo vérão, não ha preso
que resista dois dias em semelhante solitaria; e, todavia, o adminis-
trador póde reter alli os p11e5idié11rios até por I 5 dia<> ·
Até 1920 os presos dormiam no solo, salvo os que levavam suas
ramas. Hoje dormem em tarimbas com esteiras, sem roupas de re-
vestimento.
A detenção de Alagôas não possue guardas especializad_os, é
fi scalizada e servida por praças de policia.
A enfermaria é deficiente. Só possue um banheiro para os de-
tentos. O serviço de exgotto é rudimentar.
A impressão . que o.s presos clã.o é a de que são. enfermos de um
hospital ; na maioria, de côr baça e de pellé terrosa, accusam os es-
tragos da syphilis, ela tuberculose, do paludismo e da filaria , commum
em .Maceió.
ESTADO DE ALAGOAS

Galeria de cubiculos para homens


301

NO REGULAMENTO

A Casa de Detenção de Maceió ainda se rege pelo Regulamento


baixado pelo decreto n. 101 , de 7 de dezembro de 1895, sendo Go-
vernador o Dr. José Vieira ele Araujo Peixoto e Secretaria da Jus-
tiça o Dr . Aureliano H . Tolentino da Costa .
Não existe um exemplar impresso deste Regulamento, e eu tive
que gratificar um preso para tirar a copia de que me utilizo para
esta synthese.
A Casa de Detenção da Capital é destinada á reclusão dos presos
remettidos pelas atictoridades policiaes e judiciarias do Estado e sua
inspecção pertence ao chefe de policia, que a deverá visitar fre-
quentes vezes e ordinariamente no principio de cada mez . ( Arti-
gos e 2 .)
1

A casa de Detenção será dirigida por um administrador, tendo


mais os seguintes empregados: um ajudante do administrado; e um
enfermeiro . . ( Art. 5. )
O administrador dará parte, diariamente, àté ás 9 horas da
manhã, ao chefe de policia, das entradas e sahidas elos presos no dia
antecedente, com declaração ela auctoridacle que onleno~1 a pri~ão ou
soltura e seus motivos ou fundamentos. Ness.a parte communicará
tambem o movimento ele entradas e sahidas na enfe maria, obitos
occorriclos, quaes os presos que se acham recolhidos ~a mais ele 24
horas sem nota de culpa e aquelles dentre os sentenciados quei ti-
verem cumprido a respectiva pena. ( Art. IS. )
Será encarregado elo serviço medico elo estabelecimento um dos
mecliws da policia que o chefe designar. ( Art. 22.)
Os reclusos formarão tres classes distinctas:
1". Dos presos em custodia;
2ª . Dos submettidos a processo;
3". Dos sentenciados.
A' primeira dessas classes pertencem os detentos por qualquer
motivo; á segunda os réos processados e ainda não julgados; á ter-
ceira os condenmados com sentença passada e111 julgado.
Cada uma dessas classes será ainda subdividida, segundo os
sexos, idade, condição social cios presos e natureza cios crimes.
302

A classificação e subdivisões de que tratam os artigos antecer-


dentes poderão ser alteradas pelo administrador, com approvação do
chefe de policia, quando o exigir a segurança dos presos ou as con-.
clições do estabelecimento. ( Arts. 24 a 27. )
o serviço de vigilancia interna será feito por uma guarda, que
permanecerá destacada no estabelecimento, composta de praças de
melhor procedimento do batalhão policial e commanclada por um
inferior. O da vigilancia externa será feito por outra guarda do
mesmo batalhão, diariamente renclicla, e commaml<!.da, sempre que
fôr passivei, por of ficial. ( Arts. 36 e 37. )
As sentinellas não elevem consentir que pessôa alguma se com-
munique com os presos pelas grades que dão para a rua. Aos que
desobedecerem poderão prendre t\, ordem cio chefe de policia. (Ar-
tigo 40.)
De noite, depois do toque de recolher, ninguem poderá se appro-
ximar cio edifício, rnanclanclo as s.entinellas fazer alto aos que para
alli se encaminharem, afim ele serem primeiramente reconhecidos. Os
desobedientes poderão ser presos no corpo ela guarda, á ordem do
chefe de policia. ( Art. 41 . )
As prisões serão varridas pela manhã, bem abastecidas d'agua
para todos os mitéres, e lavadas ele oito em oito dias. A's 7 horas ela
manhã e ás S da tarde se fará a necessaria limpeza nos vaso.s da
serventia cios presos. As prisões devem ser sempre conservadas no
maior asseio.
Os corredores, escadas e mais partes internas cio estabeleci-
mento deverão ser tambem varridas diariamente e lavadas ele oito em
oito dias . (Arts. So e SI.)
Os trabalhos de que tratam os artigos antecedentes deverão ser
feitos· incli.stinctamente por presos da Iª, 2ª e 3" classes, preferidos
desta ultima os que não trabalharem nas officinas. O serviço externo
ele fachina será feito sómente por presos ele 3" classe, observada
aquella preferencia.
Os presos elevem entregar-.se sem interrupção ás occupações que
lhes forem designadas, e não poderão, sob pretexto algum, escusar-se
de cumprir a tarefa que lhes tocar, podendo, com permissão do ad-
ministrador, dar outro por si. (Arts. 52 e 53.)
303

Em cada pnsa9 haverá uma vassoura, uma mesa de tamanho


proporcional ao numero de presos ahi recolhidos, barras com tra-
vesseiro, tamboretes, vasos para agua e os demais utensilios neces-
sarios para serventia dos presos. ( Art. 56. )
Os 'presos tomarão banho geral por escala e em pequenas turmas,
diariamente · designados pelo administrador, que não permittirá se
demorem fóra das prisões além do tempo estrictamente necessario.
(Art. 59.)
O administrador ou seu ajudante não- poderá abrir prisão al-
guma sem ·se achar acompanhado da força necessaria, fornecida pelo
commandante da guarda interna ou externa, e devidamente armada.
(Art. 64.)
Haverá em cada prisão um lampeão e nos corredores e área do
estabelecimento o.s que forem' necessarios para que não escape á v1-
gilanciá das guardas qualquer motim dos presos . .
Os lampeões serão accesos logo depois do sol posto, e assim se
conservarão até ao amanhecer, ficando a cargo de um dos detentos
de cada prisão, semanalmente designado pelo administrador, o cui-
dado de accender, limpar e manter a luz do respectivo lampeão.
(Arts. 73 e 74.)
Só com licença o chefe de policia, ou quando o medico julgar
necessario, será permittido aos presos passearem nos corredores
e área do estabelecimento, uma vez por dia e pelo tempo que aquelles
funcCionarios determinarem . · ( Art . 77 . )
Os presos poderão escrever aos seus parentes e amigos, receber
cartas dos mesmos e fazer uso de livros de leitura. As cartas s-e rão
expedidas e recebidas por intermedio do administrador, que, tendo
qualquer suspeita, as poderá ler. ( Art . 80. )
Poderão tambem falar nas grades que dão ingresso para as
prisões aos seus parentes, amigos, advogados, durante o dia, e em
horas que não perturbem os trabalhos da casa .
Em caso algum consentir-se-á o iúgresso de a1guem no interior
das prisões . (Arts. 80 a 82. ·)
'
Os presos pobres serão alimentados á custa elo Estado, constando ·
a alimentação de almoço e jantar.
304

O almoço S5!rá fornecido ás 8 horas da manhã e o jantar ás


2 da tarde .
O almoço será servido a cada preso em sua caneca de folha
com colher, e o jantar em uma marmita tambem de folha com um
talher completo de ferro.
A comida dos presos será sempre nas respectivas prisões, sendo
o tempo destinado para o aJ.111oço 15 minutos e para o jantar 30.
A alimentação dos presos será preparada no estabelecimento,
empregando o administrador nesse serviço ele preferencia os presos,
sem clistincção ele classe ( Arts . 94 e 99 . )
Os presos poderão usar da roupa que possuirem; aos que,
porém, por sua pobreza, não. puderam vestir-se, o Estado fornecerá
as peças ele roupa constantes da tabella annexa n. 3.
A roupa das presas será cosida por ellas. (Arts . 102 e . 103.)
A enfermaria será provida de tudo CLuanto fôr necessario para
tratamento dos enfermos, respectivo serviço e asseio.
Sem prejuizo da disciplina do estabelecimento, poderá o chefe
de policia permittir que qualquer preso enfermo seja tratado á sua
custe. por medico e enfermeiro de sua confiança. ( A rts . 108 .e II l . )

Será iniciado na Casa de Detenção o regimen elo trabalho pelas


officinas de sapateiro e alfaiate, que são niontadas nos pontos mais
convenientes do edifício.
A sua frequencia será obrigatoria para os demais detentos.
Nas officinas da Casa de Detenção serão manufacturados a roupa
e calçado· dos presos, bem como o dos estabelecitnentos de caridade
que ao Estado competir fornecer. Serão Ígtt'almente ahi manu-
facturados o fardamento e calçado das praças do batalhão- policial
e se pt'eparatão encommendas de particulares.
Na escolha do trabalho dever-se-á consultar as forças e aptidões
dos presos.
Um dos compartimentos da Casa de Detenção · servirá de de-
posito da materia prima, utcnsilios e artefactos e estará sob a guarda

do administrador, que será o responsavel pelo qi..te nelle fôr reco-
lhido .. (Arts. 120 a 124.)
305

Cada officina terá um mestre, nomeado e demitüdo livremente


pelo chefe de policia. (Art. 124.)
Havendo entre os presos quem esteja habilitado para mestre,
será preferido, com remuneração razoavel . .( Art. 127. )
Nas officinas os presos das tres classes trabalharão em commum.
(Art. 139·)
· O producto dos artefactos preparados por encommenda par-
ticular, .deduzido o custo . da materia prima, será dividido em duas
partes iguaes, uma pertencente ao Estado e destinada á compra
de ferramentas , utensílios e mais objectos necessarios ao trabalho
das officinas, e outra ao preso.
A parte pertencente ao Estado é destinada. á compra de ferra-
mE!ntas, utensilios e mais obj ectos necessarios ao trabalho das
officinas.
Da parte pertencente ao preso, metade lhe será entregue desde
logo -para ser empregada em proveito proprio, durante a prisão, ou
de sua familia, se a tiver, e a outra metade deposila<la, como ·peculio,
na Caixa Economica Federal ou Estadual e alli ficará á disposição
do · preso para recebei-a quando fôr posto em liberdade: (Arts. 148
a 150.)
Aos presos serão impostas as penas disciplinares em prisão so-
litaria, com ou sem restricção alimentar. Estas' penas constarão de
advertericia, e, no caso de reincidencia, de reclusão em solitaria! de
2 a 90 dias. (Arts. 163 a 188.)

NA PRATICA

A Casa de Detenção de Maceió é desses estabelecimentos car-


cerarios de que ha pmito pouco para dizer . Seu pessoal é composto
apenas de 1.res funccionarios, o administrado•r, d ajudante e o en-
fermeiro. O proprio medico não faz parte do corpo administrati~o
da Detenção, é um medico da ·policia~ que ás 'suas fu~cções ~Ilia ~
de velar pela saude dos detentos. Só no.s casos serios, porém, o me-
dico é chamado a intervir, estando os doentes entregues aos cuida~os
do enfermeiro.
20
306

Apezar de ler-se no Regulamento que a enfermaria será dotaúa


de todo o. material indispensavel, posso affirmar ·que ella é de uma
lastimavel pobreza. Não vi mais que os leitos dos· enfermos, num
compartimento em nada recommendavel aos fins a que se destina.
Existiam, entretanto, nella, por occasião de minha visita, poucos pre-
sidiarias acamados.
Não admira que isto se observe quanto á enfermaria, quando,
apezar de localizada numa capital culta como é Macei'ó, a Detenção,
contendo mais de I 30 homens, não possue uma escola. Ahi, sim, se
cumpre integralmente o Regulamento, que, cogitando da leitura de
livros pelos presos, analphabetos, não determinou a fundação de
·nma escola. Basta este facto para attestar que em Alagôas absoluta-
mente não se cogitou ainda da pratica do Codigo Penal nem da re-
forma dos condemnados.
Mas o Regulamento fala em trabalho obrigatorio e em officinas
de sapataria e de alfaiataria.
Aqui eu tive a mesma impressão que me dominou na cadeia
de Aracajú e noutras semelhantes . Imagine V. Ex .. Senhor Ministro. ,
que em taes officinas absolutamente não existe uma só machina
ele sapateiro ou ele alfaiate. São dois cubículos de certa ainplitude,
·onde os presos, numa promiscuidade e numa confusão de.snorteacloras.
fabricam os tradicionaes objectos cie chifre, couro, pá.lha, violas
'e cavaquinhos, da chamada industria elas cadeias. Nada mais.
Pelas paredes e pelo chão am,ontoam-se os fogareiros, as ferra-
mentas, as folhas de cajueiro bravo ·e os fragmentos ele louça
de que se utilizam para lixar e polir os cornos, os artefactos ele tar-
taruga, as palhas de que fabricam cestos e espanadores, tud.o: sem
~rdem, sem methodo e sem disciplina. Não se vêem machinas. Apenas
o engenho dos presos creou tornos e serras rudimentares, de ·pau
_branco e correias de embira, reveladoras de talentos praticas, des-
graçadamente inutilizados nesse ambiente de vicio e . de abandono.
A classificação a que allude o Regulamento não se respeita, é
)etra morta. A promiscuidade nos cubículos émanj.festa . As proprias
.mulheres não ficam em . permanente segregação. O ·administrador,
leigo, apezar de sua boa vontade. vae no arrastão dessa cadeia ca-
307

hotica, onde tudo falta, desde o necessario ao asseio élos cubículos


até ao kerozene, imprescindível á illurninação nos archaicos larnpeões
ainda alli utilizados.
Não comprehendo como as auctoridades judiciarias do Estado e
as da Saude Publica consentem na internação de presos na solitaria
a: que me referi e á qual volto a pôr em fóco. Creia V. Ex. que
não se trata de sentimentalismo da minha parte. Se um D. Pedro de
. Alcantara, que ao· passar pela Bahia, visitando sua Penitenciaria,
fez reunir num só cada par c1e cubículos, por considerai-os horriveis
furnas, visitasse a Detenção de Alagôas, dalli não se afastaria antes
que de tal ergastulo sah isse a derradeira pedra. Essa solitaria póde
ser comparada a um tumu!o de vivos. A reclusão nella deve va!er
qirnsi pelo supplicio clõ ·emparedamento usado na Idade Média; a que
me refiro noutro capitúlo deste trabalho. São quatro paredes pin-
tadas de negro, num espaço acanhado, hermeticamente fechado por
urna grossa porta, na qual apenas se.• abre, no alto, urna fenda de
15 centímetros ele comprimento por 4 ou 5 de largura. Quando
· se sabe que um ser humano, entregüe á acção da lei num~ Re-
publica "Civilizada e generosa, em pleno seculo das luzes, póde ser
ahi sepultado pela simples má vontade ele um soldado de policia,
boçal ou · criminoso, ainda sob restricção alimentar, chega-se a du-
vidar desta civilização. Mas, como tenho feito, Sr . Ministro toda
a vez que me cabe fulminar esses aspectos ele nosso atrazo em ma-
teria ele prisões, leia V. Ex., para remate deste capitulo, o quanto
ela Detenção de Maceió escreveu em abril deste anno um promotor
puplico de A lagôas, obrigado, pela . lei, a representar o poder pu-
blico em defesa. dos detentos condemnaclos em sua comarca.
Pelo que ahi se diz e escreve ela Detenção de Maceió, poderá·
V. Ex. ter ·a impressão cio qí.le serão as cadeias cio interi or de
Alagôas:

"Exmo. Sr. Dr. Governador do Estado ele Alagôas .


Paz e prosperidade.
Na qualidade ele promotor publico da comarca ele
S. Luiz cio Quitunde, estive em visita á ·Casa ele Detenç"ão,
onde estão presos tres criminosos. Peza-me dizer que tive
308

a peior das impressões deste estabelecimento, onde a cousa


principal, que é a hygiene, não existe .
O ladrilf1,o, quer do corredor, qiter das cellas, está co-
berto de lôdo; as celtas occupadas pelos detentos se asse-
. melham ás antigas prisões medievaes, tal o estado de po-
breza · e de miseria em que se acham os çrfrninosos, citjas
vestes, immundas e dilaceradas, nos dão uma idéa tristissima
do aáianta:mento e cultura desta comarca.
DiSse-nos um dos policiaes que alli tudo é difficil ad-
qitirir; á noite, ás escuras, á falta de kerozene, e para lim-
peza. geral do estabelecimento não te.m sequer uma vassoura.·
A celta onde estão dois dos- detentos está toda denegrida de
fumaça, pois não sei co11w é perinittido pelo Sr . adminis-
trador que os presos faça111, fogo e cozinhem dentro das
prisões!
E' de convir o perigo que ameaça esta falta de hu-
manidade, pois ne11i ali111-ento tê111, os detentos . Dois crimi-
nosos que vão ser julgados dormem em duas enxergas e
por piedade de um policial foram-lhes offertadas duas
esteiras .
Todo o estabelecimento está. inteiramente emporca·
lhado, sendo de urgencia que o Exmo. Sr . Governador de-
termine a pintU1ra, caiação, limpeza para o edifício e ali-
mento e roupa para os detentos.
Aproveito a opportunidade para apresentar-'!he os meus
protestos de esti_ma e gratidão . " (Publicado no Diario da
Manhã, de Maceió, maio, 1923.)

~ -.~ .:_
..
... ,.......- .
,.
:"..
-:- ~
ESTADO DE ALAGOAS

Capella do estabelecimentQ

Deposito de generos, onde dormem tres individuos


ESTATISTIOA PENITENCIARIA

Existiam na Casa de Detenção de Alagôas, ern junho deste


anno, 130 presos. Destes, 18 eram correccionaes. Os II2 co1'ldemna- ·
<los, pronunciados e denunciados assim se distribuiam:

H omicidios . . . . . . . 79
Homicídio e furto
F erimentos . . . 9
. Roubos . . . . . 5
Furtos de .cavallo. 12
Furtos . . . . . . 4
Defloramento
Moeda falsa . 1

Temos, pois, que fazer aqui, como nos demais Estados, um es-
tudo de confronto destas proprias cifras, porquanto nas cadeias do
interior ha· numerosos st:ntenciados, pronunciados e denunciados.
Temos ahi o homicídio concorrendo corri 72 % do total dos crimes.
O segundo logar cabe aos crimes contra a propriedade, com 21, e
os ferimentos com o numero de nove. A moeda falsa e o_ deflora-
mento dão apenas 1, cada.
Esses criminosos tinham tido a seguinte origem, quanto aos mu-
nicípios onde haviam praticado o crime e sido julgados:

Cr. Horn.
Maceió 16 12
. União 16 12
Atalaia 14 6
Parahyba 7 7
Agua Branca . . '· 7 7
Palmeira dos Indios 6 4
310

Cr. Horn.
Muricy 7 3
Lage do Canhôto 5 2

São Luiz 5 5
Junqueiro 4 4
Viçosa 3 3
Rio Largo . 3 3
Sant'Anna 2 2

Piassahussú 2 2

Cururipe 3
Porto Calvo 2

Camaragipe 2

Traypú 2

Anadia 1

Bello Monte 1

Pilar 1

Penedo •I
Alagôas . . 1
Victoria . 1
Leopoldina . 1

Dados curiosos, que servirão de campo a estudos futuros, são


estes resultantes da percentagem dos homicidios relativa aos cn-
minosos de cada municipio. Assiin, em Parahyba e Agua Branca,.
contra sete delinquentes ha sete homicidios, em São Luiz cinco contra
cinco, em Junqueiro quatro contra quatro, em Viçosa tres contra tres ..
Nos grandes municípios de Maceió, U ni ão e Atalaia verifica-·
mos na mesma ordem 16 contra 12 , 16 contra 12 e 14 contra seis.
Relativamente aos Estados de origem dos presos, tínhamos o se-·
guinte:
Alagôas 86
Pernambuco 20

Ceará 2

Parahyba do Norte 1

Bahia 2
Atalaia .. : .. . I-
Estado civil :
Casados 57
Solteiros 48
Viu vos 47
Profissão:
Agricultores 94
Artistas . . 14
Jornaleiros . 2

Domestico 1
Marchante

Assim, sobre os r 12 detentos de Maceió havia 94 lavradores,


ou sejam 86 o/o. Quer dizer que o campo firnec!: ahi um contin-
gente . tres vezes maior ao delicto que a cidade, e que os delictos de
sangue enchem quasi o diagramma da delinquencia em Alagôas,
porquanto ha de manter-se a mesma nas cadeias do interior.
Quanto á idade, logramos apurar, descontando da idade actual
o tempo de sentença já cumprido, que era esta a que os II2 detentos
accusavam ao seru11 condemnados:

Numero de detentos da 1pesma idade:


De .15 annos 2

" r6 " 5
" 17 " 6
" 18 " 3
19 " 8
20 " 6
,.
21 8
" 22 " "7
" 23 " 4
24 " 11

" 25 " 5
" 26 " .6
,,
27 " 3
" 28 " 3 . ;...
312

De 29 annos 2

" 30 " 4
" 31 " 4
" 32 " 1

" 33 " ·. 1

" 34 2

" 35 " 4
" 36 2

37 " . 1

" 38 " 3
•· " 39 "
" 40 " 2

" 41 " 1

" 44 " 1

" 45 " 1

" 47 " 1

" 48 " 1

" 50 "
" 55
" 58 " 1

" 66 "
Temos, aqui, uma nota impressionante: sobre r 12 criminosos,
38 eram menores de 21 annos ao praticarem o delicto .
Os dados apurados podem ser distribuidos, por grupos, da ·se-
guinte maneira:
Dos 15 aos 21 annos ..
" 21 " 30 "
" 30 " 40 " 20
" 40 " 50 " 6
" 50 " 6o " 2

" 60 " ·70 " l

Em Alagôas, sobre o quadro da Detenção de Maceió, dizem-nos


as estatísticas, a maioria dos crimes cabe aos de sangHe. Vejamos,
sobre essa base de rr2 criminosos, que idade fornece b maior numero
de homiciclios .
'313

Conseguimos compôr o seguinte quadro :


Numero de criminosos II2

" · " homicidios 80


Os homicidios classificam-se, por idades, da seguinte maneira:
De 16 annos . ; 5
,, 17 " 4
,, 18 " 3
" 19 " 6
,,
20 " 5
,,
21 " 6
,, 22
" 3
,,
23 " 5
,,
24 " 5
" 25 " 3
,, 26 " 2
,,
" 2
,, 28 " 3
,,
29 " I

" 3
" 4
" I
,, •
34 " 2
I
,.,
3
" 2

" 39 ",,' 1

" 40 1
",, 41 " I

44 ",, I

",, 45
,,
I

47 I
. ,,
48 '.' I
,,
" 50
,, I

" 55 ,, I
., 64 . . r·· I
314

Assim:
De 16 a 21 annos 29
21
,,"
" " 30 24
" 31 " 40 15
" 41 " 50 " 6
,, 51 " 6o " 1
" 61 " 70 " 1

Tomemos, agora, os dados referentes ás prisões de Alagôas, onde


se conservam sentenciados pronunciados e denunciados.

Cadeias: Numero
de detentos
Penedo . . . . . . 23
Palmeira dos Indios . 7
Paulo Affonso 6
Porto Calvo . 3
Muricy . . . 1.
3
Agua Branca . 3
Anadia . . . •. 3
S. Miguel de Campos 3
Piassahussú 6
Victoria . . 2
Pilar ~ . 2
Bello Monte 2
Cururype . '· 1
Limoeiró . •I
Parahyba . . '· 1
São João da Lage . . I

Leopoldina . . .1

Todos estes presos são brasileiros, e pelos crimes podem ser


classificados:
Homicídios 34

Ferimentos 12
Furtos. 5
Jloubo.s, • • • # • • • • • • • • • • • • • • •
·2
315

Defloramento . '· I

Tentativa de morte I

Infanticídio '· 2
Estupro I

Não especificados II

Pelas idades (aliás St111 clareza sobre a occasiao em que foi


a~signaladaa idade), chega-se a esta classificação:
De r9 annos 3
" 20 " 2
" 2! " .. 2
" 22 " '· 5
" 23 " 3
" 24 " 5
,,
" 25 '· 4
" 26 " 4
" 28 " 1.
5
" 29 " I
,,
" 30 I

" 32 " 3
.,,
" 33 I

" 34 " 2
,,
" 35 '· 3
" 36 " 3
" 38 " '· 2
,,
" 39 1.
3
,,
" 40 I
,,
" 41 I

" 42 " I

" 43 " I

" 45 " I
,,
,,"
50 2
,,
65 I
,,
" 73 '· I

Setn idade especificada 7


Como acontece, porém, sempre as cadeias só registam a idade
do preso 110 momento em que se lhes reclamam estes dados. Para
316

submettel-os ao mesmo processo deveriamos ter uma base para a de-


ducção, o que é impossível. Verificadas as idades exactas dos de-
tentos, veríamos crescer de modo espantoso a contribuição dos me-
nores.
Pelas raças :
Branca . '·
Negra . .
Mestiça . . .
Pelo estado civil :
Casados . 25
Solteiros 33
Viuvos . 10

Pelas profissões:
Agricultores 35
Jornaleiros . . 28
Sem profissão '· 5
Temos, então, para as prisões de Alagôas, incluindo a da ca-
pital, exclusão feita dos correccionaes, l. 18o presos, dos quaec; II4
são homicidas e 22 accusados ou pronunciados por ferimentos e ten-
tativas de morte.
Nestes 18o - 82 são casados, 81 solteiros é 17 viuvos.
Como conduza ás conclusões deste trabalho, assignalo que,
sobre 18o presos de Alagôas, 159 são homens do campo e jornaleiros.
Numero de presos existentes de 1909 e 1923 na Casa de De-
tenção de Maceió.
1090 - Existiam. 72 presos pobres de Jústiça
1910- " 85 ,, " ,, ,,
19II- " 88 " ,, " ,,
,, ,, ,, ,,
1912- " 95
,, ,, ,,
1913- "
,, ,, ,,
1914- "
1915- "
,, ,, ,,
,,
1916- " " "
,, ,,
1917- " "
317

1918- Existiam. 139 presos pobres de Justiça


1920- ,, •143 " " " "
1921- " 120 " " " "
1922- " •1 24 " " " "
1923- " III " " " "
sendo:
Condemnados '· 6I
Pronunciados 47
Detentos 3
AS PRISOES DE SERGIPE
ESTADO DE SERGIPE

fachada principal da prisão de Aracajú

..

fachada posterior do edificio


SUNIMARIO - U1na pri'são encravada no centro de unia caj1ital -
O aspecto externo e a realidade - N obilissiwia confissão do
Sr . Graccho Cardoso - O R egitlamen to das prisões de Ser-
gipe - Prisões com trabalho e prisões sin"plcs - A cadeiá
central de Aracajú e as prisões sinip les de Estancia e Sã<>
Chr,istova'Jin ....'..._ O s31ste112a penitenciaria no papel e na pratica
- Himiidade e desabrigo - Cada cella é itma cozinha e mna .
officina- Os loucos na prisão -As mulheres- Os menores
-Desle1::i:o do jury e reclusos que esperam, fulgam ento ha niais
de dois annos envergando a blusa de presidiarias - O que são
as officinas da prisão de Aracajú - O aspecto dos presos e a
opinião do niedico do carcere, Dr . Carlos Menezes - Alinien-
taçâo escassa e ,má - Palavras de iim chefe de policia - Plano
do actual governador .

21
.
'
...
'

Se a impressão qne me salteou em face das Penitenciarias de


Manáos, Pará, Natal e Maceió foi essa cujo registro fiz nas paginas
antecedentes, mellior não foi, Senhor Ministro, a que me dominou
cliante da vetusta e tenebrosa prisão de Aracajú.
Nem se carece, para este juízo, de penetrar na Penitenciaria de
Sergipe. O edifício, plantado no centro actual da cidade, levanta-se,
como um escarneo, logo aos primeiros passos do viajante que a pro-
c_~ra pelos trens da Compatihia Ferrovia ria do Este Brasileiro . Não
é muito vasto, e a despeito dos arranjos da pintura externa e -da fa-
chada do predio da administn1ção, é uma das prisões mais horripi-
lantes que tenho conhecido. Aqui, a photographia i1I ude . Pelas de-
scripções que me têm sido feitas , lembra a velha prisão do Aljube,
n_a Bahia, tambem encravada na massa das construcções urbanas, e de
onde se passaram os penados para a actual Penitenciaria do grande
~stado, quando se a erigiu.
Ao ser construida, a cidade nascente não ia até alli. Hoje, porém,
o contraste com a cultura de Sergipe e os sentimentos generosos de
seu governo e de seu povo é manifesto.
Formado de pesadas parêdes, nelle apenas se rasgam, a largos
espaços, estreitas janellas. ele fórma ogival, defendidas por fortís-
simos varaes que se entrecruzam e retiram ao preso qualquer espe-
rança de evasão .
Ninguem, aliás, entre os homens cultos do Estado, a começar
pelos seus governador e chefe de policia, tenta encobrir a hediondez
desse presidio. O Estado sabe que os condemna.dos áquelle antro
devem ser verdadeiros martyres, bastando lembrar que, durante as
tardes de verão e nos dias de inverno, se carece ele conservar perma-
nêntemente a illuminação interna do edificio.
324

Não existe em Sergipe, qu~ me conste, uma larga literatura


juriclica, ao alcance dos forasteiros; donde ignorar eu se o clamor
contra esse deposito de presos foi sempre intenso no Estado. Posso
assegurar, entretanto, que o actual governador, Sr. Graccho CardosQ
levou para a administração os mais decididos propositos a respeito
·da reforma penitenciaria no Estado . Não me furto, por isso, a trans-
crever as palavras com que elle esplanou o seu programma neste
particular. Eil-as, retiradas á sua Mensagem inaugural, pags . 42, 43
e 44:

« Tanto quanto possível, escreveu S. Ex . , dentro da


estreita orbita dos recursos financeiros do Estado, não me
descuidarei do problema dos systemas prisionaes, pro-
curando dar applicação intelligente ao regímen penitem:iario
estatuido pelo Codigo Penal da Republica.
Na época actual, já. não se coaduna mais com o des-
envolvimento scientifico dessa materia o decrepito processo
carcerario vigorante entre nós. 1

Sem propriamente abandonar o regímen que a lei traça,


no sentido de não ultrapassar a competencia legislativa, no
ambito processual. com orientação moderna tratarei de sub-
stituir a promiscuidade ccllular ~xistente entre menores e
adultos-, dando-lhes sep<Jraclamente prisões e colonias cor-
reccionaes que, evitando os perigos decorrentes do contacto,
na prisão commum entre indivíduos de idade, costumes e
caracteres differentcs, melhormente os adaptem ás suas ten-
dencias, corrigindo-os ou encaminhando-os, e alvejem a um
objectivo de regeneração e volta ao meio social.
No que diz respeito a menores delinquentes,, acariocio,
com vi ,roi anciedade, um programma reformativo da maior
amplitude. Conservar em prisões ordinarias, por meio de
uma tarifação penal commum, menores de r4 a r8 annos
ao lado ele velhos criminosos, embotados na Feinciclencia,
sem ter em mira um criterio de regeneração que, em vér-
dade, não póde ser applicado em tamanha balburdia, é ag-
325

granr ainda mais o probleí1la, fugindo evidentemente á


· finalidade da pena e aos effeitos sociaes da sua applicação.
Ao regímen penitenciaria das crianças e dos adoles-
centes liga-se, actualmente, ele maneira inclesatavel, a idéa
educativa, o fim de readaptação pela educação systematizacla.
A lição de todos os mestres, as conclusões a que che-
..garam todos os Congressos Penitenciarios não autorizam
outra solução. Educação e trabalho são os fundamentos em
que scientificamcnte assentam as colonias, os asylos, os in-
stitutos_. os patronatos destinados á infancia desviada e cle-
linriuente. Tal o regímen que intenciono fundar em Ser-
gipe, valendo-me cios ensinamentos dos Congressos Peni-
tenciarias ele Londres, em 1872; ele Istokolmo, em 1878; cie
Roma, em i885; ele S. Petersburgo, em 1890; de Paris, en1
1895; de Amsterdam, em 1901; do Chile, em 1909, seguido1
de outras conclusões que ainda mais robustecem a necessi-
dade ele uma reforma que corresponda ,a fim: educativos .
. Sem remover os ohstaculos legaes cio actual criterio do
discernim~nto, em a nossa legislação substantiva, da maiori-
dade penal, cio patrio poder, instituições que reclamam cio
C~ngresso Federal uma substituição de accôrclo com os
progressos philosophicos e as tendencias hodiernas ela inter-
venção do Estado. em mais alta escala, em beneficio da
propria sociedade, ele que é orgam, lembrarei á Assembléa
Legislativa a creação de juízes e tribunaes especiaes para
~ 1i1enores, servindo-Ii.1e das mecliclas e providencias convi-

tili'a:veis a cada caso e já provadas e acceitas na legislação


'ele todos os· povos, que mais a fundo cuidaram desse impor-
tante problema .
.· •: Dest'arte, assimilando-os ao nosso meio, e sempre nos
limites ·ela competencia legislaÜva estadual, propugnarei pelo
estabeleci1neúto elas juvenile courts, consoante ·a modelo dos
Estados Unidos e os reparos que a pratica ele outros paizes
e· ela pt'opria •gi·ancle Republica do Norte introduziram pos-
teriormente, com as maiores e sabidas vantagens.
325·

Ao mesmo· tempo que, assiiil, se obe'dece, por um lado,


ao Codigo Penal. no seu estreito regímen penitenciario, por
outro lado se attende ao instante e arduo problema da pre-
servação ·e moralização compulsaria da ü'ifancia - desviada,
afastando-a, quanto -passivei, do crime, senão adextrando-a
á vida activa, util e benefica elo trabalho. »
Até bem pouco, serviam ele prisões para os conclemnados, além
da central de Aracajú, as de Estatística e S. Christovam.

NO REGULAMENTO

O Regulamento das cadeias de Sergipe, baixado pelo· decreto


n. 516, de l de setembro de 1902, divide em duas categorias as
prisões do _E stado: aquellas destinadas ao cumprimento de sentenças,
e que são as de Aracajú, . Estatística e S. Christovam, e as eq:.tipa-
radas aos quarteis.
Destinam-se estas aos indivicluos pronunciados, correcc1onaes,
etc. A primeira categoria subdivide-se em duas: · á primeira pertence
a cadeia da capital, na qual será adoptaclo o systema ele prisão com
trabalho obrigatorio; á segm1cla, as duas outras já citadas, onde será
adoptado o syst:~ ma ele prisã(; simples ou cellular até hoje admitticlo ~
(Art. 4, § lº.)
«Os presos serão divididos em cmco ·classes, a saber:
Os condemnados · por crimes inafiançaveis-; os con-
d:1111.nados por crimes afiançaveis; os pronunciados por
qual1uer crime; os indiciados; os de currecção e custodiados.
Estas classes serão subdivididas em secções, segundo o sexo
e conclucta do criminoso, natureza e gravidade do cnme.
(Art. Sº e 6°.)
E' permittido a qualquer estranho falar aos presos das
dez <is onze ela manhã e elas tres ás cinco da tarde nos dias .
de domingo e quinta-feira. Com autorização do chefe de
policia na capital e dos delegados nos outros municípios,
·será facultado falar aos presos em cliàs outros que não os
mencionados. (Art. 22º.)
327

Não sendo a alimentação dos presos pobres das cadeias


do E stado feita por contracto ou administrativamente, ser-
lhes-á fornecida a diaria de quatrocentos réis para ~sse fim.
Essas diarias serão distribuidas de dez em dez dias pelo
administrador ou por um empregado por elle autorizado, e
poderão ser aug~11entaclas ou climinuidas na capital e no in-
terior do Estado, con f.orme a baixa ou elevação do preço
dos generos, pelo pr"esidente do Estado e sob proposta do.
chefe de policia". ( Art. 48 . )
O trabalho obrigatorio será imposto aos · presos no
actual estabelecimento, para esse fim montado com officinas
para as diversas artes e officios . Cada uma das officinas
terá um mestre· com o titulo de mestre ele officinas, o qual
dirigirá os trabalhos e o ensino elos aprendizes. (Arts. 120
e 121 . )
As officinas serão estabelecidas de modo que não es-
tejam confundidas as classes dos presos que trabalham, estes
sempre separados. ( Art . l 73 . )
O producto da venda dos óbejctos ma_nufacturados, ou
valor da mão de obra, quando se manufacturarem roupas
pa1:a os presos. fornecimento para a força armada, ou outros
quaesquer artigos cuja despesa corra por conta do Estado,
se dividirá em tres partes : uma . para o Estado e duas para
os presos manufactores . N '1. orcas ião do dividendo o preso
receberá uma parte e a outra será recolhdia ao Thesouro,
como um peculio para o mesmo preso . ( Art. 128. )
Durante o trabalho só poderão os presos falar para
pedir explicação de objectos tendentes ao trabalho. (Ar-
tigo 139 · )

NA PRATICA

'*" A cadeia de Aracajú, dada a data da fundação da cidade, não


. .......... ~ -
póde ser das mais remotas do paiz .
DÍsÚibue-se em dois. pavimentos . A entrada, '[t!e dá para uma
praça ajardinada, é ampla, e tem num elos lados os corpos ele guarda
328

da estabelecimento. Construiram-n'a em f~nna de cruz, o que mos-


tra· o conh~cimento da materia pelos seus _fundadores.
· · No· pavimento superior; um simples guarda pód~· vigiar as ga-
lerias, que são, ahi, aliás, duas sómente, transversaes, sendo aprovei-
tado o raio lontitudinal com a Secretaria, com a Capella, etc. Se bem
inferior á da Bahia, a Prisão de Aracajú tem sobre aquella uma van-
tagem : os cubículos recebem luz directa, ·ao passo que Já existe entre
os cubículos e a parte externa do edifício um largo corredor, mal
chegando ao interior das cellulas a claridade solar. Tambem esta
pos ue · sobre a sua congenere bahiana a inapreçavel vantagem de
di pôr de portas gradeadas muito mais elevadas e largas, permittindo
uma arejação abundante.
O que resta é positivamente lastimavel. Na parte inferior do
edificio estão os loucos communs e os criminosos ·loucos . Vi de-
mentes nús, de longos cabellqs e de hirsutas barbas, praguejando á
nossa pa sagem . Vi mulheres a quem: haviam dàdo vestes masculinas
para que não nos apparecessem despidas!. . . Estes cubículos, desti-
nadd.> aos loucos, têm alli mesmo, cada qual dêlles, um water-closet
de infima especi~, sem agua corrente, que exhala um mau cheiro in-
supportavel.
Em cima, os cu bicu los destinados aos presos são desoladores .
.Não carecerei de mais, para o provar, .do que assignalar que, dentro
delles cada preso tem o seu fogareiro de lenha ou de· carvão, no qual
prepara a propria alimentação! . . '.
A hora desse trabalho cu1inario enchem-se as celluias de fumo,
que ainda se espalha pelas galerias . O tecto, forrado, apezar da
grandé altura,. está negr~ de fuÚgem. Alguma coisa de horrível re-
salta destes carceres, quançlo, dentro, na penumbra, se movem os pe-
nados, na . suas vestes listradas, e sobem as labaredas vermelhas,
lambendo as paredes denegridas., ,
E' ahi, nesses cubiculõs-cozinha, qtie quatro e mais presos
vivem, dormem, trabalham. Objectos de feitio vario · atravancan1 o
espaço. Roupas de mau aspecto ~em de pregos embutidos nas .pa- ,
r(!des. Chifr.es e çn.~tFas .materi~s primas, da: rudimentar induptria
d.os presos, ar11ontoam-se aos cantos. E nas _grades,- á..falta de ·baacos-,
329

ou de cavalletes, os reclusos limam e pulem os "bingas '', os pentes e


as cuias de côco on . de chifre.
Tal é, Senhor Ministro, a prisão central de Sergipe. Não dispõe
ele oHi_cin.as, sendo as que se jactam desse nom e outras tantas cel-
Julas onde as machinas são ele paus toscos atad0s por cordas ele em-
pira, da invenção e do fabrico dos detentos .
. O soalho do pavimento superior está velho, carcomido, aberto.
O. solo elo inferior, revestido de cimento, é humido, de de'testavel
aspecto.
Os presos têm uma physionomia macerada~ uma lividez que
compunge, e alguns delles, a quem interroguei sobre seus crimes, ti-
ritavam de. sezões emquanto me falavam.
Foi diante desse espectaculo que dirigi a V. Ex. um longo des-
pacho, _dizendo-lhe que começava ª· julga11 esta mis são superior ás
minhas forças, porque o espectaculo que se desdobrava aos meus olhos
era de compungir ao coração mais duro. Imagine V : Ex. que nesse
antro cumprem pená, de mistura com indivíduos cie todas as idades,
menores, verdadeiras crianças! 'E, o que mais é, saiba V. Ex. que
ahi estão, envergando .as vestes de presidiario, menores de r4 e 16
ahno.s, si mples pronunciados, que ha dois, tres e mai s annos es-
pêram a reunião elo jury i:1ne os eleve julgar ! Um clelles, ele nome
José Floro ele Souzo, ele 17 annos, alli está por vae muito tempo,
aguardando julgamento por crime ele furto ! Outro, ele nome José
'J'iburcio, natur.al do Riachão, actualmente com 17 annos, accusado
de furto ele cavallo, ele cuja importancia o pae, aliás, indemnisára o
dono cio animal, alli está vae por um anno e meio á espera ele j ul-
gamento ! Assim,- em Sergipe, atiran'l. ás prisões moços e crianças,
fazem-nos vestir a blusa infamante, estragam-n'os na sande e na
moral, quando podem ser innocentes, e ainda quando o não sejam -
cem direito a um trato· especial, a uma educação cuidada, a um prn-
cesso privilegiado ele assistencia psychologica.
Não são apenas os pronunciados que alli se encontram ele cam-
bulhada é'om os grandes crii11inosos; são os proprios denunciados ! ·
Não ha oltti'a cadeia no Estado, a não serem as . de Estancia e
S .· Christovam, e as prisões-xaclrezes nos Jogares onde ha eleataé:a-
330

mentos policiaes, e estas destinam-se ao deposito provisorio de presos


correcionaes, ou cujo sequestro não exceda de 24 horas.
Seis outras prisões existentes no Estado estão sendo transfor-
madas em escolas. Eram prisões hediondas, como a de Santo Amaro,
cujos ·carceres ficavam abaixo do nivél do rió; tal acontece á de Ja~
guaripe, na Bàhia. Todos os presos são remettidos para a capital e
arremessados na "Cadeia Publica". Se esta é a verdade quanto ao
esta·do moral da prisão, onde os presos vivem emi promiscuidade,
onde não se conhece o silencio, onde os mais rebeldes invectivam os
chefes e o proprio administrador do estabelecimento, outro não é o
estado sanitario, a que de passagem me referi. 'Seria satisfactorio"
(este estado sanitario), escreveu ha alguns annos o medico da Cadeia,
Dr . Carlo l\Ienezes, "se tres grandes factores não contribuíssem
para aggraval-o: - 1º, má alimentação dos detentos que, com a diaria
fornecida pelo Estado, são obrigados a se manter, naturalmente,
adquirindo generos de pessimo valor nutritivo, poréin de facil con-
servação; 2°, a falta ele exercício muscular ao ar livre, causadora
esta, associada á primeira, de grande numero de perturbações para
o lado dos apparelhos digestivo e circulatorio, que rapidamente os
conduzem á enfermaria, depois de repetidas passagens pelo consul-
torio; 3º as molestias endemicas cio estabeleéimento, sobrelevando
i1otar o impaluclismo, a syphilis e a tuberculose que, em
um meio en-
fraquecedor do organismo e grande promiscuidade reinante na
cadeia, rapidamente marcham para um desenlace fatal e com a mesma
rapidez se propagam." (Relatorio.)
verba distribuida diariamente ao preso é de 6oo réis : Con1
esta ridicula quantia deve um hon1em alimentar-se alli. Eis por que
todos os penados, com raras excepções, apresentam um aspecto las-
timavel de -rui~ia organica.
O Sr. Olympio de Mendonça, quando chefe de policia, não se
mostrou alarmado com a prisão de seu Estado -: - "Não obstante os
melhoramentos porque passou, na administração do meui illustre an-
tecessor, o edificio da Cadeia da capital, resente-se de alguns de-·
f citas ( o gripho é meu) ; todavia, é o unico estabelecimento no Es-
tado que offerece certa segurança, sem comtud~ preencher satisfa-·
ESTADO DE SERGIPE

j
'
11'.
.J.-.
-'it• {- 1
'
.....
,,1

Vista de um raio da prisão .


1.

Pll!iltographi:a de um cubieulo, no qual se vêm roupas, trens de cozinha


e · oliljectos peculiares á industda dos presos
331

ctoriamente os seus fins", escreveu elre, em 1918. Para elle, pois,


a Cadeia tinha apenas alguns defeitos, não era o que realmente é,
uma simples cadeia , em absoluto desaccôrdo com o Codigo Penal e
com a nossa civilização . Preconizava, entretanto, "a construcção de
uma penitenciaria em logar mais-afastado do·centro da cidade", como
assumpto "que não póde ser · esquecido' r, obtemperando que, em-
quanto .o Estado não pudesse levantar a penítenciaria, deveria alargar
o actual presidi0 e dotai-o de officinas; "só assim os presos poderiam
respirar convenientemente, pois que vivem em uma atmosphera vi-
ciada, privados ao mesmo tempo dos raios salutares do sol".
Conforme dados que pude reunir na Prisão de Sergipe, foi
este o numero de mortes occorridas nos ultmios annos entr.e os
detentos:
Annos Presos Mortos

1919. 150 8
1920. 145 IO

1921. 147 4
1922. 136 7

Não confio, porém, muito nestes -dados, pela .razão curial de


que, cio mappa apresentado pelo Sr. Aristoteles Pinto Fontes, admi-
nistrador da cadeia, sobre os alienados existentes na Prisão em
1917-18, consta o seguinte:
Existencia. 15
Posto em liberdade. I

Fallecidos . . . II

Sobreviventes. 3

Ora, se num anno, entre 15 loucos recolhidos á cadeia de Ara-


cajú, I I falleceram, não é para se ,nôr de so.breavis:i essa informação

que dá oito mortos para l 50 reclusos, em 1920?


Tal informação foi colhida, todavia, no iivro ele registro de
obitos da prisão .
. Nesta; mai1cla a justiça p1'ocl.amar que o serviço de assistencia
medica é satisfactorio.
332

Diante desta situação, o illustre administrador, Sr. Graccho Car-


doso, vae construir uma grande e notavel penitenciaria, que lhe im-
mortalizará o nome e engrandecerá Sergipe.

A NOVA PENITENCIARIA DE SERGIPE


,,'
O Presidente Graccho Cardoso não ensurdeceu ao clamor . da
sciencia e da humanidade. Passando da palavra á acção, elle se
occupou demoradamente da nova Penitenciaria em sua lvl ensageni
de 7 ele setembro:
« Longe cio governo ser insensivel á sorte ela população
penal da velha e infecta cadeia publica de Aracajú, escreveu
elle, e tendo em conta as idéas expressas na plataforma pre-
sidencial ele 24 de outubro ele 1922, no qeu concerne a
uma mais intelligente applicação do regimen penitenciaria
estatuido pelo Codigo Penal da Republica, desde maio ui-
. timo ordenou as providencias preliminares para a construc-
ção, em local conveniente, de um edificio em tudo harmonico
com o conceito moderno da repressão.»
Nomeada uma commissão para estudar as plantas apresenta~as,

senipre com a preoccupação da penitenciaria •industrial, essa, com- ·.


posta dos Srs. Carlos Alberto Rolla, Cyro Cordeiro ele Faria, Laúro
de Mello Andrade, Ernesto Argenta. Al{redo Aranha e Misael
Mendonça, assim conclue o seu PareCC'r · technico, apr.esentado ao
Governador:
«No edificio projettaclo na planta escolhida, tod~s as
condições acima apontadas para uma penitenciaria, dei ac-
côrclo com o nosso regimen, intelligentemente combinam.
A segurança - além do mais, pelos altos muros que ·
ci 1~cumdam o pr·esiclio.
A vigilancia - pela bôa collocação interna e externa cios
vigias e sentinellas e do posto ela gnarcla.
A hygiene physica - pela bôa distribuição ele luz e ar,
capacidade cubica das cellulas, repartição sanitaria, facili-
dade do asseio, sem desprezo cios pateos descobertos para
exercícios e banhos de sol.
333

A hygiene moral -pelas officinas, escola e egreja-


trabalho, cultura da intelligencia, aperfeiçoamento dos in-
stinctos e sentimentos. Melhores remedias para a regene-
ração :
Enfermaria, necroterio, administração isolada, emfim,
todo o indispensavel ao fim collimado foi cabalmente pre-
visto, como verá V. Ex. do relataria appenso . »

O projecto acceito é da auctoria do Dr. Arthur Araujo, e sobre


o mesmo adianta a Commissão :

«Ü projecto apresentado pelo Dr. Arthur Araujo é do


typo T invertido; para penitenciarias pequenas é bem acon-
selhado, pois a extensão do maior pavilhão ainda permitte
bôa e efficiente vigilancia; sob o ponto de vista hygienico é
inteiramente acceitavel.
Neste syste1'1.1a o perimetro de muro é sensivelmente
superior ao do systema panoptico radial e a extensão de
muros supposta pelo proponentf (cerca de 80 metros de
frente por roo de fundo) não comportaria a distribuição
dos varias edificios, sendo observ_a da entre elles a distancia
ind:cada pela hygiene, isto é, dupla da altura dos edificios
em questão; são tão reduizidas as distancias referidas no
projecto que visivelmente se é levado a suppôr que o pro-
pon:::nte quiz indicar apenas as posições relativas dos edi-
ficios, deixando a questão de afastamentos para a locação
no terreno.
o muro de ronda, que é perfeito quanto a guaritas
do systema geral de segm·ança, os cantos não estão arre-
donda·dos como nos dois outr<0s projectos.
O pavilhão da administração satisfaz completamente,
achando-se separado do posto da guarda .
Propõe-se a construcção da casa de residencia do" di-
rector. inteiramente independente do conjunto da peni-
tenciaria.
A ·capella, neste projecto, está bem situada.
334

Foram adaptadas officinas em predio separado, onde


poderão ser empregados os processos de construcção proprios
a tal serviço, a começar pelo telhado em tesouras typo
Sched; nota-se apenas a grande distancia a percorrer pelos
detentos para attingir o predio das officinas, inconveniente
que póde ser removido snpprimindo a cellula do andar terreo
que confronta com a porta principai daquelle predio,
transforn~ando-aem corredor de passagem, com a adaptação
de uma porta de grades.
A reunião dos serviços de desinfecção, lavanderia, ba-
nheiros e latrinas, em só grupo, foi feliz, convindo, no en-
tanto, abrir pequenas passagens de um banheiro a outro,
afim de que o . detento, depois de haver ficado o tempo
-devido sob a torneira, vá passando e dando togar á marcha .
da fila, sem que os que sabem perturben~ os que entram.
As cellulas têm as dimensões de 3,0 X 2,5 X 3,6
que já se approximam dos oito metros de área e dos 30 mr.tros
de cubagem, aconselhados modernamente; não dá detalhes
sobre pavimentação, descrevendo satisfactoria~1ente o mo-
biliaria e o serviço sanitario; seria conveniente que os an-
gulos da parede da janella fossem arredondados e que as
paredes fossem chanfradas nos angulos juntos á parede do
corredor, para evitar que, nelles se occultando, o detento
fuja á vigilancia do guarda através o cone de vigilancia.
O hospital, que está completo, apresenta o inconveniente
de admittir em um só salão homens e mulheres; á di-
visão do salão em duas alas que deixem uma pequena faixa
de jardim no centro removerá o inconveniente .
O pavilhão para alienados está razoavel.
O necroterio para serviço de cadaveres, que se acha
descripto na :nemoria expositiva, está de accôrdo com as
necessidades .
A cozinha está bem situada; não foram suppostos ser-
viços de padaria e de cavallariças e depositas de carros .
.O orçamento é .supposfo de 886 :800$633."

~ --·
335

A proposito do assumpto de que me . occupo no capitulo Uma


esdrw1:itlaria do Codigo, chamo a attenção . de V. Ex. para a se-
guinte passagem da Mensagem deste anno, do Sr. Graccho Cardoso,
Presidente de Sergipe :

"Não .olvidado do principio romano de que pcena debet


commensurari delicto, e considerando constrangimento il-
legal manter-se o sentenciado, por maior tempo que o dev ido,
no carcere, pela inexistencia de estabelecimento adequado,
julguei assistir-me o indeclinavel dever de· operar modifi-
caÇão, tanto mais quanto a isso me achava compellido por
força do inciso II, do art. 39, da Reforma .Constitucional
do Estado.»

Visando este objectivo, S. Ex. baixou o seguinte decreto em


data de 30 de maio deste anno, um ni.ez após minha visita ao seu
Estado:

~<Ü Presidente elo Estado, de accôrdo com o disposto


em .o inciso II, do art. 39 ela Constituição elo Esta~o, at-
tendendo a que a falta do regímen ·penitenciario especial,
]_)revisto ,pelo Codigo Penal da Republica, injustiBcada-
mente augmenta a extensão das penas impostas aos sen-
tenciados;
Attendentlo a que o espírito leigo do tribunal do jury,
ao proferir as suas sentenças, não se costuma evidenciar e
muito menos esclarecer o dispositivo .que autoriza esse ac-
crescimo, dando isso logar, a que as suas decisões sejam,
assim, moclifica·das por urna regra jurídica que lhe é, de
todo, desconhecida;
Attendendo a que o regimen carcerano, adaptado na
Cadeia de Aracaj ú, equivale ao regimen penitencia rio es-
pecial estipulado pelo Codigo ·Penal;
Attendendo a que o gráo ela pena deve ser proporcio-
nal ao damno verificado e járnais deve aquella, em sua
applicação, exceder ao determinado em lei ;
336

Resolvo que, para o caso Cio cumprimento da pena, seja


a Cadeia desta capital considerada como penitenciaria, na
conformidade do estatuido no Codigo Penal, ficando, por-
tanto, sem effeito o accrescimo da sexta parte, constante
das respectivas snetenças de condemnação. »
ESTATISTICA PENITENCIARIA

O numero de sentenciados recolhidos á Cadeia de Aracajú em


abril deste anno era de 76 . Enfre elles não havia estrangeiros e os
indivíduos que alli tomámos como taes, altos, brancos, louros e de
olhos azues, constituem um typo curioso na raça brasileira, e ha-
bitam na região de Itabaianinha e adjacencias, com pronunciadas
caracteristicas do hollandês, que alli dominou.

Os mestiços mantêm ahi o primeiro logar:

Mestiços . 50
Brancos . 14
Pretos . . . . . . . . . . . . •. . . 12

Total . . . . . . . . . . . . 76

Pelos sexos :

Homens . .. ..... ... 74


Mulheres 2

Total

Pelas profissões, o ·seguinte quadro mostra ainda o predominio


dos homens do campo:

Lavradores e jornaleiros 68
Costureiras 2
Marcineiros e
Violeiros .
Vaqueiro
Catraeiro

Total ..
338

Pelos crimes :
Homicidios . . . . . .
Contra a propriedade . .
Tentativa de morte 1

Ferimentos .. 3
Defloramento . . 1

Total' .
Foram estes os unicos dados que pude colher em Aracajú,
on'de o actual chefe de policia, o digno Dr. Cyro Cordeiro de Faria,
está procurando organizar a estatistica penal e criminal.

--------RELAÇÃO DAS CADEIAS E XADREZES DO ESTADO DE


SERGIPE

Aquidaban Lagarto
·Annapolis Maroim
Arauá Mucambo
Atalaia N. S. das Dores
Buquim N. S. da Gloria
Brejo Grand.e Propriá
Capella Pacatuba
Carmo Porto da Folha
Carira Pedrinhas
Cannabrava Pinhão
Campos Riachuelo
Campo do Britto Ria chão
Capital Rosa rio
Divina Pastora S. Christovam
Estancia Soccorro
Espirito Santo Santo Amaro
Furado Salgado
Gara•Ú Santa Luzia
Gerú Sitio do Meio
ltabaianinha Santa Cruz
Itabaiana Sacco do Ribeiro
Itaporanga . S. Paulo
Japoratuba Siriry
Jaboatão Villa Christina
Laranjeiras Villa Nova
FÍM 00 PRiMEIRO . VÔLUME
ERRATA

Entre falhas incvitaveis, convém apontar as seguintes:


Pagina Linha Erro Emenda
13 Ultima lhe lhes
49 33 détenu le détenu
54 9 reintegrcssar reingressar
60 25 A jury p jury
85 6 completa somplcto
180 17 já é ,-Já não é
4,
199 19 como se apenas como se a pena
209 27 e, como tantos, é, como o de tantos
224 25 1846 1896
22g 1 não careço de alongar não careço alongar
241 7 localisavam sa localisavam
247 2 do decreto do decreto?
316 18 1.180 180
32õ 8 Estatística Estancia
326 12 Estatistica Estancia
.... . .. -
' .
..-
. '

,'
CÂMARA DOS DErUTADO S
CEUTnO DE DOCUMENTf,ÇA O E JNFORMAÇ/,o
COORDENACÃO DE BIBLIOTECA

E ata otJrl d "'! ve 1e r i d~volvld a no 1Htlm• di t a Cl tlmba C:•

- -- - - - - - - - ··--- - -·!- - - - - - - - -

~----- · --- --------!---------

- ------!- --- -- -- - - -------

---------1 --------~ --------


I
BRITTO, LEMOS, 1886-1963.
OS SYSTEMAS PENITENCIARIOS DO
BRASIL 2

Você também pode gostar