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ESTÉTICA II

FBAUP 2021

JACQUE RANCIÈRE

O ESPETADOR
EMANCIPADO

[1]

ORFEU NEGRO, Lisboa, 2010


Tradução por JOSÉ MIRANDA JUSTO

DAVID DA CRUZ
up201504930
INTRODUÇÃO

Nascido a 10 de junho de 1940, na Argélia, e criado pelo ideário


marxista, Jacques Rancière é um filósofo francês contemporâneo
que debruça o seu pensamento sobre matérias particularmente
relacionadas com estética e política.

[Jacques Rancière]

Foi no seio de uma reflexão sobre a condição do espetador no pa-


radigma da arte contemporânea, nomeadamente a do espetáculo,
proposta por Mårten Spångberg, diretor do Mestrado em Coreo-
grafia na Universidade de Dança de Estocolmo, na altura, após
este ter ficado impressionado com o livro da sua autoria “O Mes-
tre Ignorante” [1987], que Rancière compõe o livro “O Espetador
Emancipado” [2008]. A obra baseia-se numa compilação de en-
saios, que foram originalmente conferências facultadas pelo pró-
prio autor em escolas e centros de arte, entre 2004 e 2008.

Ao longo do texto, busca-se fomentar o espírito crítico e reivindi-


car o papel ativo do espetador no meio artístico, contrariando a
tradição estética defensora da premissa de que aquele que obser-
va é passivo e ignorante.

[1] Lugares da plateia do Teatro Sá da Bandeira, Porto.


O ESPETADOR EMANCIPADO

O primeiro capítulo [pp. 07-36], homónimo do livro, começa por


introduzir o contexto em que o livro nasceu. Rancière mostra-se
intrigado com as possíveis relações entre O Mestre Ignorante e O
Espetador Emancipado. “O Mestre Ignorante” é uma análise acer-
ca da teoria desenvolvida por Joseph Jacotot, professor francês do
século XIX, na qual era proclamado que alguém ignorante é capaz
de ensinar outro alguém ignorante algo que ele próprio não saiba,
reconhecendo assim a equidade das inteligências, nomeadamen-
te as de diferentes classes sociais. O filósofo viu na carência de li-
gações evidentes entre a tese de Jacotot e a questão do espetador
uma possibilidade de conceber uma nova forma de pensar a arte
do espetáculo. O texto passa então a abordar o “paradoxo do es-
petador”, que é o que o autor chama à contradição que fomenta
grande parte da controvérsia em torno da questão do teatro. Este
paradoxo pode ser até mais crucial que o paradoxo do ator. Este
segundo, é uma questão levantada por Denis Diderot, no livro
“Paradoxe sur le Comédien” (O Paradoxo do Ator), publicado
postumamente em 1830. De uma forma geral, Diderot acredita
que o ator não deve ter uma aproximação emotiva ao papel que
interpreta, devendo ao invés revogar os seus valores, as suas vi-
vências pessoais e a sua própria personalidade em detrimento do
carácter da personagem. Cabe à audiência sentir e ao ator perfor-
mar de uma forma controlada e desapegada.

PARADOXO
“C'est une proposition absurde en apparence, à cause qu'elle
est contraire aux opinions reçues, et qui, néanmoins, est
vraie au fond, ou du moins peut recevoir un air de vérité.”
(É uma proposição aparentemente absurda, por ser contrária às
opiniões recebidas, e que, todavia, é no fundo verdadeira, ou pode
pelo menos receber um ar de verdade.)

[DIDEROT, Denis; D’ALEMBERT, Jean le Rond. 1751. Encyclopedie. p.168]

Quanto ao paradoxo do espetador, pode dizer-se, muito sinteti-


camente, que “não há teatro sem espetador” [p. 08], mesmo que
apenas um. Além disto, a posição do espetador pode ser vista
como algo negativo, por espectar se encontrar em oposição a
conhecer e a agir. Aquele que observa não está ciente do processo
real de produção da aparência para onde dirige o olhar, renden-
do-se impotente, passivo ao que acontece diante de si.
Spectàre [latim]: espectar, olhar, observar.
Spectator [latim]: espetador, observador.
Spectacùlum [latim]: espetáculo, vista, aspeto.

Posto isto, seria tanto lógico como precipitado, tecer um julga-


mento negativo em relação ao teatro, por colocar o público nessa
condição, por ser uma mediação ilusória e enganadora. Contudo,
não é esta a visão que prevalece. O teatro abarca a temática da
condição do espetador, sim, no entanto, isto gera a necessidade
de se reinventar o teatro, e não de aboli-lo. O teatro deverá reco-
nectar com a sua essência original e tornar-se mais uma vez num
espaço de aprendizagem para o público e se por um lado a peça
de teatro deverá tornar-se num enigma, um objeto de estudo para
o espetador, que passará a assumir um papel de investigador, por
outro o espetador deverá revogar a sua quietude e participar da
energia vital do teatro, do drama. “Drama quer dizer ação. O
teatro é o lugar onde uma ação é conduzida ao seu acabamento
por corpos em movimento frente a corpos vivos que se trata de
imobilizar” [p. 10].

O teatro como comunidade viva é uma ideia que ganhou relevo


durante o romantismo alemão. Com a constituição estética da co-
munidade, o teatro passou a ser visto mais como uma cerimónia
performática, uma assembleia verdadeiramente comunitária que
não corresponde a nenhuma formalidade política ou institucio-
nal. Esta revolução, além de quebrar as antigas leis do espetáculo,
veio também transformar a experiência sensorial do ser humano.

A arte do espetáculo detém um teor pedagógico, instruindo o


espetador sobre como pode deixar de o ser para que se torne ator
num movimento coletivo. Esta mediação que se autosuprime está
habitualmente presente no processo educativo. O professor su-
prime constantemente o intervalo entre a sua sabedoria e a igno-
rância do aluno. Não obstante, para diminuir este intervalo, o
professor deve continuar a renová-lo. No paradigma pedagógico,
o ignorante, para além de não saber o que não sabe, desconhece
também como o saber. Cabe ao mestre conhecer o protocolo de
como o fazer saber. O aprendiz é conhecedor, no entanto, de
muitas outras coisas que aprendeu por si através das suas vivên-
cias no mundo, nomeadamente conhecimentos basilares, como o
da sua língua materna, que lhe permitem aprender novas maté-
rias. Este método de aprendizagem bruto, baseado na observação
e na reprodução, na tentativa e erro, é desmantelado pelo método
progressivo, que se fundamenta na explicação de saberes se-
gundo uma certa ordem, do mais acessível para o mais complexo.
O sistema progressivo é a averiguação constante do seu princípio,
a desigualdade. Jacotot identifica este sistema como um processo
de embrutecimento.
A emancipação está em oposição ao embrutecimento, partindo
da apuração da igualdade de intelectos, anulando a distância en-
tre duas manifestações de inteligência distintas. O ser humano
aprende tudo como aprendeu a sua língua materna. O poder de
intelecção do ignorante e do cientista são o mesmo: a aptidão
para produzir formas e tecer comparações. Este procedimento
poético de translação é uma condição primária da aprendizagem
e ao invés de doutrinar, o mestre deve instigar o seu aprendiz a
aventurar-se no desconhecido, estimulando o seu espírito crítico.

Ao atravessar a ponte entre este tema e a questão do espetador,


proclama-se que, atualmente, os dramaturgos não pretendem ca-
tequizar a sua plateia acerca da sua vida em sociedade. É possível
que o espetador passe a saber como deve agir se evoluir a partir
do espetáculo, se revogar a sua passividade e se a peça o tornar
ativo no contexto público. As oposições “olhar/saber, aparência/
realidade, atividade/passividade, são algo de completamente di-
ferente de oposições lógicas entre termos bem definidos. Defi-
nem propriamente uma partilha do sensível, uma distribuição a
priori das posições e das capacidades e incapacidades ligadas a
essas posições. São alegorias encarnadas da desigualdade” [p. 21].

A emancipação desenvolve-se a partir da premissa oposta, a da


igualdade. Posto de lado a distinção entre olhar e agir, percebe-
se que a estrutura do visível pertence à dinâmica de dominação e
submissão. Olhar é também uma ação que tanto pode confirmar
como alterar tal estrutura, o espetador “compõe o seu próprio
poema com os elementos do poema à sua frente” [p. 22]. Ao fazer
isso, o espetador envolve-se no espetáculo. Outra abordagem,
mais distante, ao espetáculo, é aquela em que o espetador parti-
cipa na cena desconstruindo-a, separando-se da energia corpórea
e convertendo-a em representações imagéticas. Na emancipação
a causa e o efeito estão dissociados um do outro, é este o paradoxo
do mestre ignorante também.

“Os artistas, como os investigadores, constroem a cena na


qual a manifestação e o efeito das suas competências se ex-
põem e se tornam incertos nos termos do novo idioma que
traduz uma nova aventura intelectual. O efeito do idioma
não pode ser antecipado. Exige dos espetadores que desem-
penhem o papel de intérpretes ativos, que elaborem a sua
própria tradução para se apropriarem da «história» e dela
fazerem a sua própria história. Uma comunidade emancipa-
da é uma comunidade de contadores e tradutores.” [p. 35]
AS DESVENTURAS DO PENSAMENTO CRÍTICO

No segundo capítulo [pp. 39-73], o autor quer “mostrar que os


conceitos e procedimentos da tradição crítica não são de modo
algum obsoletos. Continuam a funcionar muito bem […]” [p. 39].
No entanto, Rancière pretende que se usem esses procedimentos
de modo inverso ao que se costuma usar.

[JOSEPHINE MECKSEPER, Sem Título, 2005]

É elaborada uma crítica à obra fotográfica “Sem Título” [2005], da


artista alemã Josephine Meckseper, onde se observa, em primeiro
plano, um caixote que extravasa lixo numa rua onde passa, como
plano de fundo, uma manifestação contra a guerra civil do Iraque.
O autor compara este contraste ao de uma colagem, não “no sen-
tido técnico do termo”, mas pelo “choque, numa mesma superfí-
cie, de elementos heterogéneos, se não mesmo conflituais” [p.42].
Esta ferramenta foi também apoderada pelo marxismo “para
tornar sensível, por via do encontro incongruente de elementos
heterogéneos, a violência da dominação de classe escondida sob
as aparências do quotidiano vulgar e da paz democrática” [p. 42].
Uma ponte é construída entre a imagem fotográfica referida e as
obras da artista americana Martha Rosler, que utilizam a colagem
como meio, nomeadamente a sua série de fotomontagens “Bring
the War Home” em que, sobrepostos a fotografias de lares ameri-
canos, contrastam recortes de imagens da Guerra do Vietnam. “O
dispositivo crítico (da artista) visava, portanto, um duplo efeito:
uma tomada de consciência da realidade oculta e um sentimento
de culpabilidade em face da realidade negada” [p. 43].

[MARTHA ROSLER, Bringing the War Home: Ballons, 1967-1972]

Ambas as obras analisadas fazem uso das dinâmicas dos contras-


tes a favor da crítica social, tratando “de mostrar ao espetador o
que ele não sabe ver, e de fazer com que ele experimente vergo-
nha em relação àquilo que não quer ver, correndo embora o risco
de que o dispositivo crítico se apresente ele mesmo como uma
mercadoria de luxo fazendo parte da lógica que denuncia” [p. 47].
É denunciada ainda a perspetiva que entende a democracia como
“a lei do indivíduo preocupado unicamente com a satisfação dos
seus desejos. Os indivíduos democráticos querem a igualdade.
Mas a igualdade que querem é a que governa a relação entre o
vendedor e o comprador de uma mercadoria. O que tais indiví-
duos querem, portanto é o triunfo do mercado em todas as rela-
ções humanas” [pp. 58-59].

OS PARADOXOS DA ARTE POLÍTICA

Após esta articulação entre a guerra distante oposta ao consumo


doméstico, e dando seguimento à questão do pensamento crítico,
passa-se para o terceiro capítulo [pp. 77-122]. O autor aponta su-
posições sobre o papel social da arte nos tempos modernos, como
a de que “a arte é política porque mostra os estigmas da domina-
ção, ou então porque coloca em derisão os ícones reinantes, ou
ainda porque sai dos seus lugares próprios para se transformar
em prática social” [p. 78] e a de que “a arte nos torna revoltados
ao mostrar-nos coisas revoltantes, que nos mobiliza pelo facto de
se mover para fora do estúdio do artista ou do museu e que nos
transforma em opositores ao sistema dominante negando-se a si
mesma como elemento desse sistema” [pp. 78-79]. A abordagem
da estética à política e o seu carácter subversivo remontam, no
entanto, à Europa do século XVIII, quando o modelo de represen-
tação mimética dominante começa a ser contestado.

“[…] o problema não diz respeito à validade moral ou polí-


tica da mensagem transmitida pelo dispositivo representa-
tivo. Diz respeito, sim, a este mesmo dispositivo. A sua fis-
sura deixa transparecer que a eficácia da arte não consiste
em transmitir mensagens, fornecer modelos ou decifrar as
representações. Consiste antes de mais em disposições dos
corpos, consiste no recorte de espaços e de tempos singu-
lares que definem maneiras de estar em conjunto ou em
separado, frente a ou no meio de, dentro ou fora, na proxi-
midade ou à distância.” [p. 83]
A arte e a política vivem uma relação paradoxal, “estão ligadas en-
tre si como formas de dissentimento, como operações de recon-
figuração da experiência comum do sensível”. A estética política
redefine subjetivamente “o que é visível, o que pode dizer-se so-
bre o visível e quais os sujeitos que são capazes de o fazer” [p. 95],
a política da estética apoia-se na reinvenção da propagação do
visível para demarcar novas capacidades em detrimento da confi-
guração do possível estabelecida. “Há assim uma política da arte
que precede as políticas dos artistas, uma política da arte como
repartição singular dos objetos da experiência comum, que opera
por si mesma independentemente dos desejos que possam ter os
artistas de servir esta ou aquela causa” [p. 96]. A triagem acadé-
mica e institucional do conteúdo exibido acaba por não ter um
efeito que defina uma estratégia ou contributo político da arte.

O filósofo declara que a política da arte é resultante de um entre-


laçamento de três lógicas heterogéneas: “a das formas da expe-
riência estética, a do trabalho ficcional e a das estratégias meta-
políticas. Este entrelaçamento implica igualmente um imbrica-
mento singular e contraditório entre as três formas de eficácia”
que o autor tentou definir como: “a lógica representativa que
quer produzir efeitos por intermédio das representações, a lógica
estética que produz efeitos pela suspensão dos fins representati-
vos e a lógica ética que quer que as formas de arte e as da política
se identifiquem diretamente umas com as outras” [p. 99].

“[…] a questão política é antes de mais a da capacidade de


quaisquer corpos tomarem em mãos o seu destino.” [p. 118]

Ao longo do capítulo, ilustrando com manifestações artísticas


que se inspiram em, mas não se prendem a nenhum paradigma
de arte política, até porque o autor recusa a existência de tais
modelos, é denotado que apesar destas manifestações fomen-
tarem novas formas de subjetivação política, nenhuma delas está
salvaguardada da lacuna estética que existe entre as suas inten-
ções e os seus efeitos. “Uma arte crítica é uma arte que sabe que
o seu efeito político passa pela distância estética.” [p. 122]

A IMAGEM INTOLERÁVEL

No seguinte ensaio [pp. 125-153], o autor usa como exemplo o


anúncio pelo fotógrafo italiano Oliviero Toscani, onde é mostra-
da uma “jovem anoréxica nua e descarnada e que foi exibido em
placards por toda a Itália por altura da Semana da Moda de Milão,
em 2007” [p. 125], para debater a oposição da imagem da aparên-
cia à imagem da realidade. “Ora, é a imagem da realidade que por
seu turno é alvo de suspeita. Acha-se que o que ela mostra é […]
demasiado intoleravelmente real para ser proposto sob o modo
de imagem. […] A imagem é declarada inapta para a crítica da
realidade porque releva do mesmo regime de visibilidade que
essa realidade […]” [pp. 125-126].
[OLIVIERO TOSCANI, No Anorexia, 2007]

A obra de Martha Rosler é novamente abordada, para relembrar


o contraste da oposição da vida americana à intolerável realidade
escondida da guerra distante e questionar até que ponto estas
imagens tornam os que as veem “conscientes da realidade do
imperialismo” e “desejosos de se lhe oporem” [p. 127]. A reação
mais vulgar será a de as ignorar ou de incriminar os horrores da
guerra e generalizar a culpa de tais desastres. Cabe, então, ao es-
petador a concretização do efeito político da imagem, uma vez
que é ele que tem de estar consciente de que o que a imagem
mostra é “o imperialismo americano e não a loucura dos homens
em geral” [p. 128] e sentir a culpa de pertencer e usufruir desse
mesmo sistema, revogando a sua passividade e passando à ação.
Todavia, o autor questiona se essas imagens são realmente uma
ferramenta de oposição ao status quo ou se perpetuam um
passado sobre o qual o espetador não agiu, nem nunca irá agir, e
termina esta inquirição com a conclusão suspensiva de que “as
imagens mudam o nosso olhar e a paisagem do possível se não
forem antecipadas pelo seu sentido e se não antecipam os seus
efeitos” [p. 153].

A IMAGEM PENSATIVA

No último momento do livro [pp. 157-190], Rancière cogita sobre


A Imagem Pensativa, uma imagem “plena de pensamentos”. Isto
não significa que a imagem tem a faculdade de pensar, antes que
“é uma imagem que contém pensamento não pensado, um pensa-
mento que não é suscetível de ser atribuído à intenção daquele
que a produz e que causa um efeito naquele que a vê, sem que
este a ligue a um objeto determinado”. Por outras palavras, a ima-
gem é conceptual, tem a capacidade de fazer pensar. “Deste mo-
do, a pensatividade designaria um estado indeterminado entre o
ativo e o passivo”. Devido a esta indefinição, o autor tenta discer-
nir “duas ideias da imagem: a imagem como duplo de uma coisa
e a imagem concebida como operação de uma arte” [p. 157]. Ao
longo do capítulo são debatidas várias perspetivas em relação às
artes de reprodução mecânica. O discurso é ilustrado com mani-
festações fotográficas relevantes, como a obra de Rineke Dijkstra,
que consta de registos fotográficos de pessoas comuns, os quais
poderiam ser equiparadas às pinturas retratuais presentes nos
museus, combatendo-se assim o estigma das artes da reprodução
mecânica, que “ameaçava suplantar os poderes da imaginação
criativa e da invenção artística” [p. 158].

[RINEKE DIJKSTRA, Kolobrzeg, Polónia, 26 de julho de 1992]

Entre outros questionamentos, Rancière recorda o pensamento


de Roland Barthes em “A Câmara Clara”, que reflete sobre a opo-
sição da “força da pensatividade do punctum ao aspeto informati-
vo representado pelo studium” [p. 161] e invoca o exemplo já dado
por Barthes, o retrato de Lewis Payne, por Alexander Gardner,
para enfatizar a relação entre o punctum, neste caso um homem
norte-americano condenado à morte, em 1865, e o studium, a be-
leza da fotografia e do próprio homem.

[ALEXANDER GARDNER, Portrait of Lewis Payne, 1865]

Antes do capítulo ser encerrado, é aprofundada a meditação


sobre a condição tanto da fotografia como de outros meios de
reprodução mecânica, como o cinema. O filósofo acredita que o
desenvolvimento de novos media promove a criação de “figuras
novas, despertando possibilidades sensíveis que tinham sido es-
gotadas. As técnicas e os suportes novos oferecem a tais meta-
morfoses possibilidades inéditas. A imagem não deixará tão de-
pressa de ser pensativa” [p. 190].

Nas últimas páginas, encontra-se uma compilação da “Origem


dos textos” [pp. 191-192] e um agradecimento aos artistas que au-
torizaram a reprodução das suas obras no livro.
CONCLUSÃO

Apesar de ser impossível calcular exatamente o quanto a arte e a


política contribuem uma para a outra, é importante, enquanto
artistas, continuar a expandir os limites da experiência sensorial
humana, tornando visível e trazendo para o espaço de discussão
pública realidades ocultas e dispares daquela que experienciamos
quotidianamente, e enquanto espetadores, olhar cada vez mais
através do que nos é presenteado, questionando o status quo e
implementando novos hábitos de consumo e de ativismo.

O controlo da tradução da informação ultrapassa tanto os ar-


tistas que produzem as manifestações artísticas, como as institu-
ições que as dão a conhecer ao público. Pertence ao espetador o
verdadeiro poder de ajustar o intervalo entre a obra feita e a obra
vista. A arte concretiza-se nas mentes e nas ações do público.

Jacques Rancière parece propor, através de variados exemplos e


ferramentas críticas, uma teoria análoga à que o escritor alemão
Hans Robert Jauss sugeriu na década de 1960, que ficou conheci-
da como Estética da Receção: uma reformulação da interpreta-
ção, que desloca o foco do autor para uma dinâmica entre autor,
obra e leitor. A estética da receção promove a emancipação d0
leitor (espetador), ou seja, um leitor que interpreta e que toma
partido no processo de comunicação de uma obra. Sob esta ótica,
não é exagerada a noção do leitor, ou espetador, como coautor do
livro, ou do espetáculo.

Ao ativamente interpretarmos o espetáculo, nas suas infinitas


formas, com base nas nossas experiências e memórias, e estando
conscientes tanto das nossas condições como das condições da
própria obra, podemos atingir maior clarividência sobre o mundo
em que vivemos e como o navegar.

BIBLIOGRAFIA

RANCIÈRE, Jacques, O Espetador Emancipado, Orfeu Negro, Lisboa, 2010

The Paradox of Acting by Denis Diderot: An Overview, BACHELORANDMASTER


https://www.bachelorandmaster.com/criticaltheories/the-paradox-of-acting.html#.YOTnb3DPy01

Jacques Rancière – WIKIPÉDIA


https://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Rancière

ALBUQUERQUE, Fellipe, Resenha, 2015


https://ojs.ufgd.edu.br/index.php/arredia/article/view/3691/2426

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