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PEÇA: O Pequeno Príncipe

Capítulo I
Narrador: Aos seis anos, o aviador viu num livro sobre a Floresta Virgem,
Histórias Vividas, uma impressionante gravura. Ela representava uma jiboia
que engolia um animal. Eis a cópia do desenho: [FIGURA DE UMA JIBOIA
EMGOLINDO UM ANIMAL]
N:Assustado com o que vira e após refletir muito sobre as aventuras da
selva, fez seu desenho número 1. [FIGURA DE “UM CHÁPEU”]
N: Mostrou sua obra-prima às pessoas grandes e perguntou se o desenho
lhes fazia sentir medo.
Adulto: Por que é que um chapéu faria sentir medo?
N: Aquele desenho não representava um chapéu. Representava uma jiboia
digerindo um elefante. O menino desenhou, então, o interior da jiboia, a fim
de que as pessoas grandes pudessem entender melhor. De acordo com
ele, elas têm sempre necessidade de explicações detalhadas. O desenho
número 2 era assim: [FIGURA DE DESENHO DE UMA COBRA
ENGOLINDO UM ELEFANTE]
Aviador: As pessoas grandes têm sempre necessidade de explicações
detalhadas e é cansativo, para as crianças, ficar toda hora explicando...
N: Sem acreditar na criatividade e na comunicação, desistiu de seguir “uma
promissora carreira de pintor” e escolheu ser aviador. Manteve-se longe do
contato humano. Com seu avião, poderia ver todos os lugares, mas sempre
permanecer em todos eles, porém, não estava pronto para compreender
que o problema não estava na profissão, e sim, nele próprio. Por não ter
sido compreendido quando criança, o aviador se fechou em si mesmo.
Confessa que ao longo da vida teve vários contatos, mas nunca um
verdadeiro amigo. A falta de comunicação fez com que se tornasse um
homem arrogante e ressentido. Sempre em busca de ser adivinhado.
Quando adulto, ao encontrar uma pessoa que julgava ser um pouco
esclarecida, fazia a experiência de seu desenho número 1 que sempre
conservou consigo, mas a resposta era sempre a mesma:
Adulto: É apenas um chapéu.
N: Como os adultos não adivinhavam o medo que imaginava expressar em
seu desenho? Sua mágoa aumentava, assim como seu tom de
superioridade. Deixava, então, de falar de jiboias, de florestas virgens e de
estrelas e passava a falar de bridge, de golfe ou de gravatas. Assim,
afastava as pessoas ainda mais.
Capítulo II
N: Essa postura arrogante durou até o encontro com o Pequeno Príncipe
no dia em que uma pane o obrigou a fazer um pouso de emergência no
deserto do Saara, há cerca de seis anos. Alguma coisa se quebrara no
motor. E como não trazia consigo nem mecânico nem passageiros,
preparou-se para executar sozinho aquele difícil conserto. Era, para ele,
questão de vida ou morte. A água que tinha para beber só dava para oito
dias. Na primeira noite, adormeceu sobre a areia, a milhas e milhas de
qualquer terra habitada. Imaginem qual foi a sua surpresa, quando, ao
amanhecer, uma vozinha estranha o acordou.
PP: Por favor... desenha-me um carneiro!
Aviador: O quê?
PP: Desenha-me um carneiro...
N: Levantou-se num salto, como se tivesse sido atingido por um raio,
esfregou bem os olhos. Olhou ao seu redor e viu aquele homenzinho
extraordinário, que o observava seriamente. Olhava para essa aparição
com olhos arregalados de espanto. Não esqueçam que ele se achava a mil
milhas de qualquer terra habitada. Ora, o pequeno visitante não lhe parecia
nem perdido, nem morto de fadiga, nem morto de fome, de sede ou de
medo.
Aviador: Mas... que fazes aqui?
PP: Por favor... desenha-me um carneiro...
N: Quando o mistério é impressionante demais, a gente não ousa
desobedecer. Por mais absurdo que aquilo lhe parecesse a mil milhas de
todos os lugares habitados e com a vida em perigo, tirou do bolso uma
folha de papel e uma caneta. Mas lembrou-se, então, que havia estudado
principalmente geografia, história, matemática e gramática.
Aviador: Eu não sei desenhar.
PP: Não tem importância. Desenha-me um carneiro.
N: Como jamais houvesse desenhado um carneiro, refez para ele um dos
dois únicos desenhos que sabia: o da jiboia fechada. E ficou surpreso com
a reação do principezinho.
PP: Não! Não! Eu não quero um elefante numa jiboia. A jiboia é perigosa e
o elefante toma muito espaço. Tudo é pequeno onde eu moro. Preciso é de
um carneiro. Desenha-me um carneiro.
N: Pela primeira vez em toda sua vida, alguém o tinha adivinhado. Onde
todos viam um chapéu, o principezinho enxergou a jiboia engolindo o
elefante, mas teve a coragem e a firmeza de dizer ao aviador que não era
aquilo que havia pedido. Precisava de um carneiro. E então ele desenhou.
PP: Não! Esse já está muito doente. Desenha-me outro.
N: Desenhou novamente.
PP [SORINDO PACIENTE]: Bem vês que isto não é um carneiro. É um
bode... Olha os chifres...
N: Fez outro desenho que foi recusado como os anteriores.
PP: Esse aí é muito velho. Quero um carneiro que viva muito tempo.
N: Então, perdendo a paciência e como tinha pressa de desmontar o motor,
rabiscou outro desenho.
Aviador: Esta é a caixa. O carneiro que queres está aí dentro. N: E ficou
surpreso ao ver iluminar-se a face do seu pequeno juiz:
PP: Era assim mesmo que eu queria!
N: O desenho da caixa ganha vida na imaginação do principezinho. Ali
caberia o carneirinho que desejasse.
PP: Será preciso muito capim para esse carneiro?
Aviador: Por quê?
PP: Porque é muito pequeno onde eu moro...
Aviador: Qualquer coisa chega. Eu te dei somente um carneirinho!
PP: Não é tão pequeno assim... Olha! Ele adormeceu...
N: E foi assim que conheceu, um dia, o pequeno príncipe.

Capítulo III
N: O aviador levou algum tempo para entender de onde ele viera. O
principezinho, que fazia milhares de perguntas, parecia nunca escutar as
do aviador. Palavras pronunciadas ao acaso é que foram, pouco a pouco,
revelando sua história. Quando viu pela primeira vez o avião perguntou:
PP: Que coisa é aquela?
Aviador [ORGULHOSO]: Não é uma coisa. Aquilo voa. É um avião. O meu
avião.
PP [ASSUSTADO]: Como? Tu caíste do céu?
Aviador [HUMILDEMENTE]: Sim...
PP: Ah! Isto é engraçado... Então, tu também vens do céu! De que planeta
tu és?
Aviador: Tu vens então de outro planeta?
PP [BALANÇANDO A CABEÇA]: É verdade que, nisto aí, não podes ter
vindo de muito longe...
Aviador: De onde vens, meu caro? Onde é tua casa? Para onde queres
levar meu carneiro?
[SILENCIO]
PP: O bom é que a caixa que me deste poderá, de noite, servir de casa
para ele.
Aviador: Sem dúvida. E se tu fores um bom menino, te darei também uma
corda para o amarrar durante o dia. E uma estaca para prendê-lo.
PP: Amarrar? Que ideia estranha!
Aviador: Mas se tu não o amarras, ele vai-se embora e se perde...
PP [RINDO]: Mas onde pensas que ele vai?
Aviador: Não sei... Por aí... Andando sempre em frente.
PP [SERRIO]: Não faz mal, é tão pequeno onde moro! Quando a gente
anda sempre em frente, não pode mesmo ir longe...
N: Pouco a pouco, na relação com o Pequeno Príncipe, o aviador começa a
recuperar a imaginação, a perceber o mundo a sua volta e a se interessar
verdadeiramente pelos outros.

Capítulo IV
N: Este fora apenas o início de uma relação que resultou em uma profunda
transformação na vida do aviador. Ele, que até então vivera sozinho e
ressentido, passou a encarar a vida de outra forma. Seis anos depois,
refletindo sobre as experiências vividas naquele tempo, diz:
Aviador: Gostaria que minha história tivesse começado como nos contos
de fada. Gostaria que tivesse sido assim: "Era uma vez um pequeno
príncipe que habitava um planeta pouco maior que ele, e que
tinha necessidade de um amigo..." Para aqueles que compreendem a
vida, isto pareceria, sem dúvida, muito mais verdadeiro. Não gosto de
gente que lê superficialmente. Dá-me tanta tristeza resgatar essas
lembranças! Já faz seis anos que meu amigo se foi com seu carneiro. Se
tento descrevê-lo, é justamente porque não quero esquecê-lo. É triste
esquecer um amigo. Nem todo mundo tem amigos. E eu corro o risco de
ficar como as pessoas grandes, que só se interessam por números.
N: Esse encontro foi marcante e o aviador quer mantê-lo vivo em sua
memória. A couraça com a qual se protegia e que evitava qualquer
possibilidade de relacionamento, foi se desfazendo na convivência com o
principezinho.
Aviador: Foi por isso que comprei um estojo de aquarelas e alguns lápis. É
difícil voltar a desenhar na minha idade, principalmente quando não se fez
outra tentativa além das jiboias fechadas e abertas, aos seis anos!
Experimentarei, é claro, fazer os retratos mais parecidos que puder. Mas
não tenho muita certeza de conseguir. Vou arriscando então, aqui e ali.
Provavelmente esquecerei detalhes dos mais importantes. Peço que me
perdoem. Meu amigo nunca dava explicações. Julgava-me talvez
semelhante a ele.
N: Ele, que até então, acreditava ser superior a todos, começava a
perceber que suas críticas aos outros se referiam também a si mesmo:
Aviador: Infelizmente, não sei ver carneiros através de caixas. Talvez eu
seja um pouco como as pessoas grandes. Devo ter envelhecido.

Capítulo V
N: A cada dia o aviador ficava sabendo mais alguma coisa do planeta do
principezinho, da partida, da viagem. Mas isso devagarzinho, ao acaso das
informações colhidas e de suas observações. Foi assim que veio a
conhecer, no terceiro dia, o drama dos baobás. Dessa vez, ainda, foi
graças ao carneiro. Como se tivesse um sério problema, o principezinho
lhe perguntou:
PP: É verdade que os carneiros comem arbustos?
Aviador: Sim. É verdade.
PP: Ah! Que bom!
N: O aviador não entendeu imediatamente por que era tão importante que
os carneiros comessem arbustos, mas, o pequeno príncipe acrescentou:
PP: Então eles comem também os baobás?
Aviador: Os baobás não são arbustos, mas árvores grandes como igrejas.
Mesmo que levasse consigo toda uma manada de elefantes, eles não
chegariam a destruir um único baobá.
PP [RINDO]: Seria preciso colocar um em cima do outro..., mas os baobás,
antes de crescer, são pequenos.
Aviador: É verdade! Mas por que tu desejas que os carneiros comam os
baobás pequenos?
PP: Ora! Vejamos! É óbvio, não?
N: De fato, no planeta do principezinho havia, como em todos os outros
planetas, ervas boas e más. Consequentemente, sementes boas, de ervas
boas; sementes más, de ervas más. Mas as sementes são invisíveis. Elas
dormem nas entranhas da terra até que uma cisme de despertar. Então ela
se espreguiça e lança, timidamente, para o sol, um inofensivo galhinho. Se
for de roseira ou rabanete, que cresça à vontade. Mas, quando se trata de
uma planta ruim, é preciso que seja arrancada imediatamente. Havia
sementes terríveis no planeta no Pequeno Príncipe... as sementes de
baobá, que quando não são arrancadas, suas raízes penetram o planeta
todo, se tornando um obstáculo...
PP: Com isso, o planeta acaba rachando.
N: Sim, o planeta acaba rachando..., mas o pequeno príncipe sabia como
resolver o problema antes que as más sementes infestassem seu planeta.
PP: É uma questão de disciplina. Quando a gente acaba a higiene matinal,
começa a fazer com cuidado a higiene do planeta. É preciso que nos
habituemos a arrancar regularmente os baobás logo que se diferenciem
das roseiras, com as quais muito se parecem quando pequenos. É um
trabalho sem graça, mas de fácil execução.
N: O principezinho ressalta a importância de discernir o bom do ruim, e de
cuidar permanentemente para que as más sementes não tomem conta do
planeta. O trabalho de prevenção é primordial para que nos protejamos
tanto dos perigos internos, quanto dos externos, que fazem parte da vida.
Por isso, o principezinho aconselhou o aviador a fazer um belo desenho
para que as crianças do nosso planeta se conscientizem desse perigo.
PP: Se algum dia tiverem de viajar, poderá ser útil para elas. Às vezes não
há inconveniente em protelar um trabalho. Mas, quando se trata de baobás,
é sempre uma catástrofe! Conheci um planeta habitado por um preguiçoso.
Ele havia deixado que ali crescessem três arbustos...

Capítulo VI
N: Na manhã do quarto dia, o aviador aprendeu um novo detalhe que o fez
compreender melhor os segredos da triste vidinha do pequeno príncipe.
Durante muito tempo, ele não tivera outra distração a não ser a doçura do
pôr-do-sol.
PP: Gosto muito de pôr-do-sol. Vamos ver um...
Aviador: Mas é preciso esperar.
PP: Esperar o quê?
Aviador: Esperar que o sol se ponha.
PP: Ah é! Eu sempre imagino estar em casa!
N: O planeta do principezinho era muito pequeno. Bastava recuar um
pouco a cadeira e contemplar o crepúsculo quantas vezes desejasse...
PP: Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e quatro vezes! Quando a gente
está triste, gostávamos de admirar o pôr-do-sol...
Aviador: Estavas tão triste assim no dia em que contemplaste os quarenta
e quatro?
N: Mas o principezinho não respondeu.

Capítulo VII
N: No quinto dia, sempre graças ao carneiro, um segredo da vida do
pequeno príncipe foi revelado.
PP: Um carneiro, se come arbusto, come também as flores?
Aviador: Um carneiro come tudo que encontra.
PP: Mesmo as flores que tenham espinhos?
Aviador: Sim. Mesmo as que têm.
PP: Então... para que servem os espinhos?
N: O aviador não sabia responder. Estava ocupadíssimo naquele instante,
tentando desatarraxar do motor um parafuso muito apertado. Estava
bastante preocupado, pois a pane começava a parecer muito grave, e a
água que tinha para beber era tão pouca que temia o pior. O principezinho
jamais renunciava a uma pergunta, uma vez que a tivesse feito.
PP: Para que servem os espinhos?
N: Mas o aviador estava irritado com o parafuso e respondeu qualquer
coisa:
Aviador: Espinhos não servem para nada. São pura maldade das flores.
PP [INDIGNADO]: Oh! Não acredito! As flores são fracas, ingênuas.
Defendem-se como podem. Elas se julgam poderosas com os seus
espinhos...
Aviador [CONFIANTE]: Se esse parafuso não afrouxar, vou fazê-lo soltar
com uma martelada!
PP: E tu achas então que as flores...
Aviador: Ora! Eu não acho nada. Eu respondi qualquer coisa. Eu só me
ocupo com coisas sérias!
PP [IRRITADO]: Coisas sérias! Tu falas como as pessoas grandes! Tu
confundes todas as coisas... Misturas tudo! Eu conheço um planeta onde
há um sujeito vermelho, quase roxo. Nunca cheirou uma flor. Nunca olhou
uma estrela. Nunca amou ninguém. Nunca fez outra coisa senão contas. E
o dia todo repete como tu: "Eu sou um homem sério! Eu sou um homem
sério!" e isso o faz inchar-se de orgulho. Mas ele não é um homem, é um
cogumelo!
Aviador: Um o quê?
PP [IRRITADO]: Um cogumelo! Há milhões de anos que as flores
produzem espinhos. Há milhões e milhões de anos que apesar disso os
carneiros as comem. E não será importante procurar saber por que elas
perdem tanto tempo produzindo espinhos inúteis? Não terá importância a
guerra dos carneiros e das flores? Não será mais importante que as contas
do tal sujeito? E se eu, por minha vez, conheço uma flor única no mundo,
que só existe no meu planeta, e que um belo dia um carneirinho pode
destruir num só golpe, sem saber o que faz, - isto não tem importância? Se
alguém ama uma flor da qual só existe um exemplar em milhões e milhões
de estrelas, isso basta para fazê-lo feliz quando as contempla. Ele pensa:
"Minha flor está lá, em algum lugar...," Mas se o carneiro come a flor, para
ele é, como se todas as estrelas repentinamente se apagassem! E isto não
tem importância!
N: O pequeno príncipe não conseguiu dizer mais nada. Pôs-se a soluçar. A
noite caíra. O aviador largou as ferramentas. Ria-se do martelo, do
parafuso, da sede e da morte. Havia numa estrela, num planeta, a Terra,
um principezinho a consolar! Tomou-o nos braços. Embalou-o. Nesse
instante, a falta de comunicação dá lugar a um entendimento profundo
entre eles.
Aviador [ACALMANDO-O]: A flor que tu amas não está em perigo... Vou
desenhar uma mordaça para o carneiro... Uma cerca para a tua flor... Eu...
N: Ele não sabia o que dizer. Sentia-se envergonhado. Não sabia como
consolá-lo, como se aproximar dele... É tão misterioso o país das lágrimas!

Capítulo VIII
N: O aviador logo aprendeu a conhecer melhor aquela flor. Sempre
houvera, no planeta do pequeno príncipe, flores muito simples, ornadas de
uma só fileira de pétalas, e que não ocupavam espaço nem incomodavam
ninguém. Apareciam pela manhã, na relva, e à tarde já murchavam. Mas
aquela brotara um dia de uma semente trazida não se sabe de onde, e o
principezinho resolvera vigiar de perto o pequeno broto, que era tão
diferente dos outros.
PP: Podia ser uma nova espécie de baobá.
N: Mas o arbusto logo parou de crescer, e na sua extremidade começou
então a se formar uma flor. O principezinho, que assistia ao surgimento de
um enorme botão, pressentiu que dali sairia uma aparição miraculosa, mas
a flor não acabava mais de preparar sua beleza, no seu verde aposento.
Escolhia as cores com cuidado. Vestia-se lentamente, ajustava uma a uma
de suas pétalas. Não queria sair, como os cravos, amarrotada. Ela queria
aparecer no esplendor da sua beleza.
PP: Ah, sim! Era vaidosa.
N: Sua misteriosa toalete, portanto, demorara alguns dias. E eis que, numa
manhã, justamente à hora do sol nascer, ela se mostrou.
Rosa [BOCEJANDO]: Ah! eu acabo de despertar... Desculpa... Estou ainda
toda despenteada...
PP [ESPANTADO]: Como és bonita!
Rosa: É verdade. E nasci ao mesmo tempo que o sol...
N: O principezinho percebeu logo que a flor não era modesta. Mas era tão
envolvente!
Rosa: Creio que é hora do café da manhã. Tu poderias cuidar de mim...
N: E o principezinho, atordoado, tendo ido buscar um regador com água
fresca, aguou a flor. Assim, ela começou a atormentá-lo com sua doentia
vaidade. Um dia, por exemplo, falando dos seus quatro espinhos, dissera
ao pequeno príncipe:
Rosa: Os tigres, eles podem aparecer com suas garras!
PP: Não há tigres no meu planeta. Além disso, tigres não comem ervas.
Rosa [SUAVEMENTE]: Não sou uma erva.
PP: Perdoa-me...
Rosa: Não tenho receio dos tigres, mas tenho horror das correntes de ar.
Não terias por acaso um para-vento?
PP [CONFIANTE]: Horror das correntes de ar... Isso não é bom para uma
planta. É bem complicada essa flor...
Rosa: À noite me colocarás sob uma redoma de vidro. Faz muito frio no
teu planeta. Não é nada confortável. De onde eu venho...
N: De repente, calou-se. Viera em forma de semente. Não pudera conhecer
nada dos outros mundos. Encabulada por ter sido surpreendida em uma
mentira tão tola, tossiu duas ou três vezes e, para fazê-lo sentir-se
culpado, pediu:
Rosa: E o para-vento?
PP: Ia buscá-lo. Mas tu me falavas...
N: Então ela forçou a tosse para causar-lhe remorso. Assim, o
principezinho, apesar da sinceridade do seu amor, logo começara a duvidar
dela. Levara a sério palavras sem importância, e isto o fez sentir-se muito
infeliz.
PP: Não devia tê-la escutado, não se deve nunca escutar as flores. Basta
admirá-las, sentir seu perfume. A minha perfumava todo o planeta, mas eu
não sabia como desfrutá-la. Aquela história das garras, que tanto me
irritara, devia ter-me enternecido... Não soube compreender coisa alguma!
Deveria tê-la julgado por seus atos, não pelas palavras. Ela exalava
perfume e me alegrava... Não podia jamais tê-la abandonado. Deveria ter
percebido sua ternura por trás daquelas tolas mentiras. As flores são tão
contraditórias! Mas eu era jovem demais para saber amá-la.

Capítulo IX
N: Foi assim que o pequeno príncipe decidiu partir, aproveitando-se da
migração de pássaros selvagens. Na manhã da viagem, pôs o planeta em
ordem. Revolveu cuidadosamente seus vulcões. Ele possuía dois vulcões
em atividade, o que era muito cômodo para esquentar o café da manhã.
Possuía também um vulcão extinto. Mas, como ele dizia:
PP: Nunca se sabe!
N: Revolveu também o extinto. O principezinho arrancou também, não sem
um pouco de tristeza, os últimos rebentos de baobás. Ele pensava em
nunca mais voltar. Mas todos esses trabalhos rotineiros lhe pareceram,
naquela manhã, extremamente agradáveis. E, quando regou pela última
vez a flor e se preparava para colocá-la sob a redoma, percebeu que tinha
vontade de chorar.
PP: Adeus.
[SILENCIO]
N: A flor tossiu. Mas não era por causa do resfriado.
Rosa: Eu fui uma tola. Peço-te perdão. Procura ser feliz.
N: A ausência de censuras o surpreendeu. Ficou parado, completamente
sem jeito, com a redoma nas mãos. Não conseguia compreender essa
delicadeza.
Rosa: É claro que eu te amo. Foi minha culpa não perceberes isso. Mas
não tem importância. Foste tão tolo quanto eu. Tenta ser feliz... Larga essa
redoma, não preciso mais dela.
PP: Mas o vento...
Rosa: Não estou tão resfriada assim... O ar fresco da noite me fará bem.
Eu sou uma flor.
PP: Mas os bichos...
Rosa: É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as
borboletas. Dizem que são tão belas! Do contrário, quem virá visitar-me?
Tu estarás longe... Quanto aos bichos grandes, não tenho medo deles. Eu
tenho as minhas garras. Não demores assim, que é exasperante. Tu
decidiste partir. Então vai!
N: Ela não queria que ele a visse chorar. Embora fosse uma flor muito
orgulhosa, compreendeu a importância da separação, ambos haviam sido
tolos e precisam conhecer a vida para aprender o verdadeiro significado do
amor.

Capítulo X
N: Após a despedida, o pequeno príncipe começou uma viagem de muitos
aprendizados. Foram seis os asteroides visitados por ele e, em cada um
deles, conheceu uma pessoa diferente. Ao retratar cada um dos habitantes
dos planetas que visitara, o principezinho nos mostra estereótipos de
“pessoas grandes” que, infelizmente, não encontraram um sentido na vida
e vivem sós, cada uma no seu planeta de forma limitada. O primeiro era
habitado por um rei, que se sentava, vestido de púrpura e arminho, num
trono muito simples, embora majestoso.
Rei: Ah! Eis um súdito!
PP [PERGUNTANDO A SI MESMO]: Como pode ele reconhecer-me, se
jamais me viu?
N: Ele não sabia que, para os reis, o mundo é muito mais simples. Todos
os homens são súditos.
Rei [ORGULHOSO]: Aproxima-te, para que eu te veja melhor.
N: O principezinho olhou em volta para achar onde sentar-se, mas o
planeta estava todo ocupado pelo magnífico manto de arminho. Ficou,
então, de pé. Mas, como estava cansado, bocejou.
Rei: É contra a etiqueta bocejar na frente do rei. Eu o proíbo.
PP: Não posso evitar. Fiz uma longa viagem e não dormi ainda...
Rei: Então, eu te ordeno que bocejes. Há anos que não vejo ninguém
bocejar! Os bocejos são uma raridade para mim. Vamos, boceja! É uma
ordem!
PP: Isso me intimida... assim eu não consigo...
Rei (gaguejando envergonhado): Hum! Hum! Então... então eu te ordeno
ora bocejares e ora...
N: O rei fazia questão que sua autoridade fosse respeitada. Não tolerava
desobediência. Era um monarca absoluto. Mas, como era muito bom, dava
ordens razoáveis.
Rei: Se eu ordenasse, que um general se transformasse numa gaivota, e o
general não me obedecesse, a culpa não seria do general, seria minha.
PP [TIMIDAMENTE]: Posso sentar-me?
Rei: Eu te ordeno que te sentes.
N: Mas o principezinho estava espantado. O planeta era minúsculo. Sobre
quem reinava o rei?
PP: Majestade... eu vos peço perdão por ousar interrogar-vos...
Rei: Eu te ordeno que me interrogues.
PP: Majestade... sobre quem reinais?
Rei: Sobre tudo.
PP: Sobre tudo?
N: O rei, com um gesto simples, indicou seu planeta, os outros planetas, e
também as estrelas.
PP: Sobre tudo isso?
Rei: Sobre tudo isso.
PP: E as estrelas vos obedecem?
Rei: Sem dúvida. Obedecem prontamente. Eu não tolero indisciplina!
N: Tanto poder maravilhou o pequeno príncipe. Se ele fosse detentor
desse poder, teria podido assistir não a quarenta e quatro, mas a setenta e
dois, ou mesmo a cem, ou mesmo a duzentos pores-do-sol no mesmo dia,
sem precisar nem mesmo afastar a cadeira! E, como se sentisse um pouco
triste ao pensar no seu pequeno planeta abandonado, ousou solicitar ao rei
uma graça:
PP: Eu desejava ver um pôr-do-sol... Fazei-me esse favor. Ordenai ao sol
que se ponha...
Rei: Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como
borboleta, ou escrever uma tragédia, ou transformar-se numa gaivota, e o
general não executasse a ordem recebida, quem, ele ou eu, estaria
errado?
PP: Vós.
Rei: Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar. A
autoridade se baseia na razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance
ao mar, todos se rebelarão. Eu tenho o direito de exigir obediência porque
minhas ordens são razoáveis.
PP: E meu pôr-do-sol?
Rei: Teu pôr-do-sol, tu o terás. Eu exigirei. Mas esperarei, na minha
sabedoria de governante, que as condições sejam favoráveis.
PP: Quando serão?
Rei: Hum-hum. Será por volta de... por volta de sete e quarenta, esta noite!
E tu verás como sou bem obedecido
N: O principezinho bocejou. E sentia falta do seu pôr do sol. E, também, já
estava começando a se aborrecer!
PP: Não tenho mais nada que fazer aqui. Vou prosseguir minha viagem.
Rei: Não partas, não partas; eu te faço ministro!
PP: Ministro de quê?
Rei: Da... da justiça.
PP: Mas não há ninguém para julgar!
Rei: Nunca se sabe... Ainda não vi todo o meu reino. Estou muito velho,
não tenho espaço para uma carruagem, e andar cansa-me muito.
PP: Oh! Mas eu já vi! Não consigo ver ninguém...
Rei: Tu julgarás a ti mesmo. É o mais difícil. É bem mais difícil julgar a si
mesmo que julgar os outros. Se consegues fazer um bom julgamento de ti,
és um verdadeiro sábio.
PP: Mas eu posso julgar-me a mim próprio em qualquer lugar. Não preciso,
para isso, ficar morando aqui.
Rei: Ah! Eu tenho quase certeza de que há um velho rato no meu planeta.
Eu o escuto à noite. Tu poderás julgar esse rato. Tu o condenarás à morte
de vez em quando. Assim, a vida dele dependerá da tua justiça. Mas tu o
perdoarás sempre, para poupá-lo. Pois só temos um.
PP: Eu... eu não gosto de condenar à morte, e acho que vou mesmo
embora.
Rei: Não!
N: Mas o principezinho, tendo terminado os preparativos, não quis afligir o
velho monarca.
PP: Se Vossa Majestade deseja ser prontamente obedecido, poderá dar-
me uma ordem razoável. Poderia ordenar-me, por exemplo, que partisse
em menos de um minuto. Parece-me que as condições são favoráveis...
N: Como o rei não dissesse nada, o principezinho hesitou um pouco,
depois suspirou e partiu.
Rei [GRITANDO]: Eu te faço meu embaixador.
PP: As pessoas grandes são muito esquisitas.

Capítulo XI
N: O segundo planeta visitado pelo principezinho era habitado por um
vaidoso que, mal o avistara, exclamou:
Vaidoso: Ah! Ah! Um admirador vem visitar-me!
N: Para os vaidosos, os outros homens sempre são seus admiradores.
Para eles, lidar com a crítica é muito difícil.
PP: Bom dia. Tu tens um chapéu engraçado.
Vaidoso: É para agradecer. Para agradecer quando me aclamam.
Infelizmente, não passa ninguém por aqui.
PP: Ah, é?
Vaidoso: Bate tuas mãos uma na outra...
N: O principezinho bateu as mãos uma na outra. O vaidoso agradeceu
modestamente, erguendo o chapéu.
PP: Ah, isso é mais divertido que a visita ao rei.
N: E recomeçou a bater as mãos uma na outra. O vaidoso tornou a
agradecer, tirando o chapéu.
PP [CANSADO]: E para o chapéu cair, que é preciso fazer?
N: Mas o vaidoso não ouviu. Os vaidosos só ouvem os elogios.
Vaidoso: Não é verdade que tu me admiras muito?
PP: Que quer dizer “admirar”?
Vaidoso: “Admirar” significa reconhecer que eu sou o homem mais belo,
mais bem-vestido, mais rico e o mais inteligente de todo o planeta.
PP: Mas só tu moras no teu planeta!
Vaidoso: Dá-me esse prazer. Admira-me assim mesmo!
PP [DANDO DE OMBROS]: Eu te admiro. Mas de que te serve isso?
N: E o pequeno príncipe foi-se embora.
PP [CONFIANTE]: As pessoas grandes são de fato muito estranhas.
Capítulo XII
N: A terceira visita foi muito curta, mas deixou o principezinho mergulhado
numa profunda tristeza. Neste planeta, conheceu um bêbado que estava
silenciosamente acomodado diante de inúmeras garrafas vazias e diversas
garrafas cheias.
PP: Que fazes aí?
Bêbado: Eu bebo.
PP: Por que é que bebes?
Bêbado: Para esquecer.
PP [SENTINDO PENA]: Esquecer o quê?
Bêbado [BAIXANDO A CABEÇA]: Esquecer que eu tenho vergonha.
PP: Vergonha de quê?
Bêbado: Vergonha de beber!
N: Aquele homem estava preso em um círculo vicioso do qual não
conseguia se livrar. E o principezinho foi-se embora, perplexo, dizendo
para si mesmo:
PP: As pessoas grandes são decididamente estranhas, muito estranhas.

Capítulo XIII
N: O quarto planeta visitado foi o do empresário. Estava tão ocupado que
sequer levantou a cabeça à chegada do príncipe.
PP: Bom dia. Deixara um papel cair
Empresário: Três e dois são cinco. Cinco e sete, doze. Doze e três,
quinze. Bom dia. Quinze e sete, vinte e dois. Vinte e dois e seis, vinte e
oito. Não tenho tempo para acendê-lo de novo. Vinte e seis e cinco, trinta e
um. Ufa! São quinhentos e um milhões, seiscentos e vinte e dois mil,
setecentos e trinta e um.
PP: Quinhentos milhões de quê?
Empresário: Hem? Ainda estás aí? Quinhentos e um milhões de... eu não
sei mais... Tenho tanto trabalho. Sou um sujeito sério, não me preocupo
com futilidades! Dois e cinco, sete... {8,11,10,25,109}
PP: Quinhentos milhões de quê?
Empresário [LEVANTANDO A CABEÇA]: Há cinquenta e quatro anos
habito este planeta, e só fui incomodado três vezes. A primeira vez foi há
vinte e dois anos, por um besouro que veio não sei de onde. Fazia um
barulho terrível, e cometi quatro erros na soma. A segunda foi há onze
anos, quando tive uma crise de reumatismo. Por falta de exercício. Não
tenho tempo para passear. Sou um sujeito sério. A terceira... é esta! Eu
dizia, portanto, quinhentos e um milhões...
PP: Milhões de quê?
Empresário: Milhões dessas coisinhas que se veem às vezes no céu.
PP: Moscas?
Empresário: Não, não. Essas coisinhas que brilham.
PP: Vagalumes?
Empresário: Também não. Essas coisinhas douradas que fazem sonhar os
preguiçosos. Mas eu sou uma pessoa séria! Não tenho tempo para
divagações.
PP: Ah! Estrelas?
Empresário: Isso mesmo. Estrelas.
PP: E que fazes com quinhentos milhões de estrelas?
Empresário: Quinhentos e um milhões, seiscentas e vinte e duas mil,
setecentas e trinta e uma. Eu sou um sujeito sério. Gosto de exatidão.
PP: E que fazes com essas estrelas?
Empresário: O que faço delas?
PP: Sim.
Empresário: Nada. Eu as possuo.
PP: Tu possuis as estrelas?
Empresário: Sim.
PP: Mas eu já vi um rei que...
Empresário: Os reis não possuem. Eles "reinam" sobre. É muito diferente.
PP: E de que te serves possuir as estrelas?
Empresário: Serve-me para ser rico.
PP: E de que te serves ser rico?
Empresário: Para comprar outras estrelas, se alguém achar.
PP: Esse aí, raciocina um pouco como o bêbado. Como pode a gente
possuir as estrelas?
Empresário [EXALTADO]: De quem são elas?
PP: Eu não sei. De ninguém.
Empresário: Logo, são minhas, porque pensei primeiro.
PP: Basta isso?
Empresário: Sem dúvida. Quando achas um diamante que não é de
ninguém, ele é teu. Quando achas uma ilha que não é de ninguém, ela é
tua. Quando tens uma ideia antes dos outros, tu a registras: ela é tua.
Portanto, eu possuo as estrelas, pois ninguém antes de mim teve a ideia
de as possuir.
PP: Isso é verdade. E que fazes tu com elas?
Empresário: Eu as administro. Eu as conto e reconto. É complicado. Mas
eu sou um homem sério!
PP: Eu, se possuo um lenço de seda, posso colocá-lo em volta do pescoço
e levá-lo comigo. Se possuo uma flor, posso colhê-la e levá-la comigo. Mas
tu não podes levar as estrelas.
Empresário: Não. Mas posso colocá-las no banco.
PP: Que quer dizer isso?
Empresário: Isso quer dizer que eu escrevo num pedaço de papel o
número de estrelas que possuo. Depois tranco o papel numa gaveta.
PP: Só isso?
Empresário: Isso basta...
PP: É divertido. É bastante poético. Mas sem muita utilidade.
N: O principezinho tinha, sobre as coisas sérias, ideias muito diferentes do
que pensavam as pessoas grandes. O empresário levava o seu trabalho
muito a sério, porém, apesar de possuir as estrelas, não as sabia admirar.
PP: Eu possuo uma flor que rego todos os dias. Possuo três vulcões que
revolvo toda semana, porque revolvo também o que está extinto. A gente
nunca sabe! É útil para os meus vulcões, é útil para a minha flor que eu os
possua. Mas tu não és útil às estrelas...
N: O empresário abriu a boca, mas não encontrou nenhuma resposta, e o
principezinho se foi...
PP: As pessoas grandes são mesmo extraordinárias.

Capítulo XIV
N: O quinto planeta era muito curioso. Era o menor de todos. Tinha espaço
suficiente para um lampião e para o acendedor de lampiões... O
principezinho não conseguia entender para que serviriam, no céu, num
planeta sem casa e sem gente, um lampião e um acendedor de lampiões.
PP: Talvez esse homem seja mesmo um tolo. No entanto, é menos tolo que
o rei, que o vaidoso, que o empresário, que o beberrão. Seu trabalho ao
menos tem um sentido. Quando acende o lampião, é como se fizesse
nascer mais uma estrela, ou uma flor. Quando o apaga, porém, faz
adormecer a estrela ou a flor. É um belo trabalho. E, sendo belo, tem sua
utilidade.
N: Quando alcançou o planeta, saudou educadamente o acendedor:
PP: Bom dia. Por que acabas de apagar teu lampião?
Acendedor: É o regulamento. Bom dia.
PP: Qual é o regulamento?
[APAGANDO O LAMPIÃO]
Acendedor: É apagar meu lampião. Boa noite.
[ACENDENDO O LAMPIÃO]
PP: Mas por que acabas de acendê-lo de novo?
Acendedor: É o regulamento.
PP: Eu não compreendo.
Acendedor: Não é para compreender. Regulamento é regulamento. Bom
dia. Eu executo uma tarefa terrível. No passado, era mais sensato.
Apagava de manhã e acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar
e a noite toda para dormir...
[APAGANDO O LAMPIÃO]
PP: E depois disso, mudou o regulamento?
Acendedor: O regulamento não mudou. Aí é que está o problema! O
planeta a cada ano gira mais depressa e o regulamento não muda!
N: Mesmo com a mudança da realidade, o acendedor continua fazendo a
mesma coisa e não pensa na possibilidade de mudar o regulamento. Assim
como ele, existem pessoas que não conseguem criar novas regras quando
necessário.
PP: E então?
Acendedor: Agora, que ele dá uma volta por minuto, não tenho mais um
segundo de repouso. Acendo e apago uma vez por minuto!
PP: Ah! Que engraçado! Os dias aqui duram um minuto!
Acendedor: Não é nada engraçado. Já faz um mês que estamos
conversando.
PP: Um mês?
Acendedor: Sim. Trinta minutos. Trinta dias. Boa noite.
[ACENDENDO O LAMPIÃO]
N: O principezinho respeitou-o, e gostou daquele acendedor tão fiel ao
regulamento. Lembrou-se das vezes que em ele mesmo provocara o pôr-
do-sol, apenas recuando sua cadeira. Quis ajudar seu amigo.
PP: Sabes? Conheço uma maneira de descansar quando quiseres...
Acendedor: Eu sempre quero descansar. Pois a gente pode ser, ao mesmo
tempo, fiel e preguiçoso.
PP: Teu planeta é tão pequeno, que podes, com três passos, contorná-lo.
Basta andares bem lentamente, de modo a ficares sempre ao sol. Quando
desejares descansar, tu caminharás... e o dia durará o tempo que quiseres.
Acendedor: Isso não adianta muito. O que eu gosto mais na vida é dormir.
PP: Então não há solução.
Acendedor: Não há solução. Bom dia.
[E APAGOU O LAMPIÃO]
PP: Esse aí seria desprezado por todos os outros, o rei, o vaidoso, o
beberrão, o empresário. No entanto, é o único que não me parece ridículo.
Talvez por ser o único que se ocupa de outra coisa que não seja ele
próprio. Era o único com quem eu poderia ter feito amizade. Mas seu
planeta é mesmo pequeno demais. Não há lugar para dois...
N: O que o principezinho não ousava admitir é que lamentava partir
daquele planeta abençoado com mil quatrocentos e quarenta pores-do-sol
a cada vinte e quatro horas!

Capítulo XV
N: O sexto planeta era dez vezes maior e era habitado por um velho que
escrevia em livros enormes.
Geógrafo: Ora vejam! Eis um explorador!
N: O principezinho sentou-se à mesa, meio ofegante. Já viajara tanto!
Geógrafo: De onde vens?
PP: Que livro é esse? Que faz o senhor aqui?
Geógrafo: Sou geógrafo.
PP: Que é um geógrafo?
Geógrafo: É um especialista que sabe onde se encontram os mares, os
rios, as cidades, as montanhas, os desertos.
PP: Isso é bem interessante. Eis, afinal, uma verdadeira profissão!
N: E lançou um olhar, ao seu redor, no planeta do geógrafo. Nunca havia
visto planeta tão grandioso.
PP: O seu planeta é muito bonito. Há oceanos nele?
Geógrafo: Não sei te dizer.
PP [DECEPCIONADO]: E montanhas?
Geógrafo: Não sei te dizer.
PP: E cidades, e rios, e desertos?
Geógrafo: Também não sei te dizer.
PP: Mas o senhor é geógrafo!
Geógrafo: É verdade, mas não sou explorador. Falta-me exploradores!
Não é o geógrafo quem vai contar as cidades, os rios, as montanhas, os
mares, os oceanos, os desertos. O geógrafo é muito importante para estar
passeando. Nunca abandona sua escrivaninha. Mas recebe os
exploradores, interroga-os e anota os seus relatos de viagem. E quando
algum lhe parece mais interessante, o geógrafo faz um inquérito sobre a
moral do explorador.
PP: Por quê?
Geógrafo: Porque um explorador que mentisse produziria catástrofes nos
livros de geografia. Assim como o explorador que bebesse demais.
PP: Por quê?
Geógrafo: Porque os bêbados veem em dobro. Então o geógrafo anotaria
duas montanhas onde, na verdade, só há uma.
PP: Conheço alguém que seria um mau explorador.
Geógrafo: É possível. Pois bem, quando a moral do explorador parece
boa, faz-se uma investigação sobre a sua descoberta.
PP: Vai-se vê-la?
Geógrafo: Não. Seria muito complicado. Mas exige-se do explorador que
ele forneça provas. Tratando-se, por exemplo, da descoberta de uma
grande montanha, é essencial que ele traga grandes pedras.
[ENTUSIASMANDO-SE] Mas tu vens de longe. Certamente és explorador!
Portanto, vais descrever-me o teu planeta!
N: E o geógrafo, tendo aberto o seu caderno, apontou o lápis. Anotam-se
primeiro à lápis as narrações dos exploradores. Espera-se, para anotar à
caneta, que o explorador tenha trazido as provas.
Geógrafo: Então?
PP: Oh! Onde eu moro não é interessante: é muito pequeno. Eu tenho três
vulcões. Dois em atividade e um vulcão extinto. Mas a gente nunca sabe...
Geógrafo: A gente nunca sabe.
PP: Tenho também uma flor.
Geógrafo: Nós não anotamos as flores.
PP: Por que não? É o mais bonito!
Geógrafo: Porque as flores são efêmeras.
PP: Que quer dizer "efêmera"?
Geógrafo: Os livros de geografia são os mais exatos. Nunca ficam
ultrapassados. É muito raro que uma montanha mude de lugar. É muito
raro um oceano secar. Nós escrevemos coisas eternas.
PP: Mas os vulcões extintos podem voltar à atividade. Que quer dizer
"efêmera"?
Geógrafo: Que os vulcões estejam extintos ou não, isso dá no mesmo para
nós. O que nos interessa é a montanha. Ela não muda.
PP: Mas que quer dizer "efêmera"?
Geógrafo: Quer dizer "ameaçada de desaparecer brevemente".
PP: Minha flor está ameaçada de desaparecer em breve?
Geógrafo: Sem dúvida.
PP [COM REMORSO]: Minha flor é efêmera, e não tem mais que quatro
espinhos para se defender do mundo! E eu a deixei sozinha!
N: A conversa com o geógrafo assustou o principezinho e o fez refletir
sobre o significado do eterno. O geógrafo não percebe que uma flor, em si,
é efêmera, mas que pode se eternizar na memória de quem a cativou.
PP: Qual planeta me aconselha visitar?
Geógrafo: A Terra. Goza de boa reputação...
N: E o principezinho partiu, pensando em sua flor. A visita aos seis
planetas o fez refletir sobre diferentes assuntos, como poder, admiração,
esquecimento, ambição, submissão e efemeridade. Mas será no sétimo
planeta que descobrirá o verdadeiro significado de cativar.

Capítulo XVI
N: O sétimo planeta foi, portanto, a Terra. Esperava encontrar um planeta
povoado, e surpreendeu-se ao não ver ninguém. Já receava ter se
enganado de planeta, quando um anel cor de lua se remexeu na areia.
PP: Boa noite.
Serpente: Boa noite.
PP: Em que planeta me encontro?
Serpente: Na Terra, na África.
PP: Ah!... E não há ninguém na Terra?
Serpente: Aqui é o deserto. Não há ninguém nos desertos. A Terra é
grande.
PP [ERGUENDO OS OLHOS PARA O CÉU]: As estrelas são todas
iluminadas... Será que elas brilham para que cada um possa um dia
encontrar a sua? Olha o meu planeta. Está bem em cima de nós..., mas
como ele está longe!
Serpente: Teu planeta é belo. Que vens fazer aqui?
PP: Tenho problemas com uma flor.
Serpente: Ah!
[SILÊNCIO]
PP: Onde estão os homens? A gente se sente um pouco sozinho no
deserto.
Serpente: Entre os homens a gente também se sente só.
PP: Tu és um bichinho engraçado. Fino como um dedo...
Serpente: Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei.
PP [SORRINDO]: Tu não és tão poderosa assim... não tens nem patas...
não podes sequer viajar...
Serpente: Eu posso levar-te mais longe que um navio.
N: Ela enrolou-se no tornozelo do pequeno príncipe, como se fosse um
bracelete de ouro. Serpente: Aquele que eu toco devolvo à terra de onde
veio. Mas tu és puro e vens de uma estrela...
[SILÊNCIO]
Serpente: Tenho pena de ti, tão fraco, nesta terra de granito. Posso
ajudar-te um dia, se tiveres muita saudade do teu planeta. Posso...
PP: Oh! Eu te compreendo muito bem. Mas por que falas sempre por
enigmas?
Serpente: Eu os resolvo todos.
N: E calaram-se os dois. Após despedir-se da serpente, o pequeno
príncipe continuou sua caminhada. Viu uma florzinha insignificante,
escalou uma grande montanha e, após muito caminhar, levou um grande
susto...

Capítulo XVII
N: Mas aconteceu que o pequeno príncipe, tendo andado muito pelas
areias, pelas rochas e pela neve, descobriu, enfim, uma estrada. E as
estradas vão todas em direção aos homens.
PP: Bom dia!
N: Era um jardim cheio de rosas.
Rosas: Bom dia.
N: Ele as contemplou. Eram todas iguais à sua flor.
PP [ESPANTADO]: Quem sois?
Rosas: Somos as rosas.
PP: Ah!
N: E ele se sentiu profundamente infeliz. Sua flor lhe havia dito que ela era
a única de sua espécie em todo o universo. E eis que havia cinco mil,
iguaizinhas, num só jardim!
PP [PENSATIVO]: Ela teria se envergonhado se tivesse visto... Começaria
a tossir, simularia morrer para escapar ao ridículo. E eu seria obrigado a
fingir que cuidava dela; porque senão, só para me humilhar, ela seria bem
capaz de morrer de verdade... Eu me julgava rico por ter uma flor única, e
possuo apenas uma rosa comum. Uma rosa e três vulcões que não passam
do meu joelho, estando um, talvez, extinto para sempre. Isso não faz de
mim um príncipe muito poderoso...
N: E, deitado na relva, ele chorou.

Capítulo XVIII
N: Depois de sua jornada por diversos planetas, sem ter encontrado nada
que lhe fizesse sentido e percebendo que talvez não fosse tão importante
quanto se julgava, o pequeno príncipe se sente vazio e triste ao ver que
sua rosa não era a única no mundo e é nesse momento que está pronto
para ouvir a raposa. Foi então que ela apareceu.
Raposa: Bom dia.
PP: Bom dia.
Raposa: Eu estou aqui.
PP: Quem és tu? Tu és bem bonita...
Raposa: Sou uma raposa.
PP: Vem brincar comigo. Estou tão triste...
Raposa: Eu não posso brincar contigo. Não me cativaram ainda.
PP: Ah! Desculpe... Que quer dizer "cativar"?
Raposa: Tu não és daqui. Que procuras?
PP: Procuro os homens. Que quer dizer "cativar"?
Raposa: Os homens têm fuzis e caçam. É bem assustador! Criam galinhas
também. É a única coisa que fazem de interessante. Tu procuras galinhas?
PP: Não. Eu procuro amigos. Que quer dizer "cativar"?
Raposa: É algo quase sempre esquecido. Significa "criar laços” ...
PP: Criar laços?
Raposa: Exatamente. Tu não és ainda para mim senão um garoto
inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade
de ti. E tu também não tens necessidade de mim. Não passo a teus olhos
de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós
teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu
serei para ti única no mundo...
PP: Começo a compreender. Existe uma flor... eu creio que ela me
cativou...
Raposa: É possível. Vê-se tanta coisa na Terra...
PP: Oh! Não foi na Terra.
Raposa [INTRIGADA]: Num outro planeta?
PP: Sim.
Raposa: Há caçadores nesse planeta?
PP: Não.
Raposa: Que bom! E galinhas?
PP: Também não.
N: A raposa ensina ao principezinho a arte de cativar. Explica que quando
cativamos e somos cativados, a vida deixa de ser monótona e se torna
maravilhosa. Quando confiamos, perdemos o medo e saímos de nosso
esconderijo.
Raposa [SUSPIRANDO]: Nada é perfeito... Minha vida é monótona. Eu
caço as galinhas e os homens me caçam. Todas as galinhas se parecem e
todos os homens se parecem também. E isso me incomoda um pouco. Mas,
se tu me cativas, minha vida será como que cheia de sol. Conhecerei um
barulho de passos que será diferente dos outros. Os outros passos me
fazem entrar debaixo da terra. Os teus me chamarão para fora da toca,
como se fossem música. E depois, olha! Vês, lá longe, os campos de trigo?
Eu não como pão. O trigo para mim não vale nada. Os campos de trigo não
me lembram coisa alguma. E isso é triste! Mas tu tens cabelos dourados.
Então será maravilhoso quando me tiveres cativado. O trigo, que é
dourado, fará com que eu me lembre de ti. E eu amarei o barulho do vento
no trigo...
[SILÊNCIO]
Raposa: Por favor... cativa-me.
PP: Eu até gostaria, mas eu não tenho muito tempo. Tenho amigos a
descobrir e muitas coisas a conhecer.
Raposa: A gente só conhece bem as coisas que cativou. Os homens não
têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas
lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais
amigos, se tu queres um amigo, cativa-me!
PP: Que é preciso fazer?
Raposa: É preciso ser paciente. Tu te sentarás primeiro um pouco longe
de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu não dirás
nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, te
sentarás um pouco mais perto...
N: No dia seguinte o principezinho voltou.
Raposa: Teria sido melhor se voltasses à mesma hora. Se tu vens, por
exemplo, às quatro da tarde, desde as três eu começarei a ser feliz.
Quanto mais a hora for chegando, mas eu me sentirei feliz. Às quatro
horas, então, estarei inquieta e agitada: descobrirei o preço da felicidade!
Mas se tu vens a qualquer momento, nunca saberei a hora de preparar meu
coração... É preciso ter ritos.
N: A Raposa fala sobre a importância da espera alegre e confiante que nos
prepara para a intensidade do encontro. Para criar vínculos, é preciso
tempo, pois é o tempo que dedicamos às coisas que as tornam especiais
para nós.
PP: Que é um ritual?
Raposa: É uma coisa muito esquecida também. É o que faz com que um
dia seja diferente dos outros dias; uma hora, das outras horas. Os meus
caçadores, por exemplo, adotam um ritual. Dançam na quinta-feira com as
moças da aldeia. A quinta-feira é, então, um dia maravilhoso! Vou passear
até a vinha. Se os caçadores dançassem em qualquer dia, os dias seriam
todos iguais e eu nunca teria férias!
N: Compreendendo o significado do “cativar” e a importância do ritual, o
principezinho pôde cativar a raposa. Mas, passado algum tempo, chegou o
momento da separação...
Raposa: Ah! Eu vou chorar.
PP: A culpa é tua, eu não queria te fazer mal; mas tu quiseste que eu te
cativasse...
Raposa: Quis.
PP: Mas tu vais chorar!
Raposa: Vou.
PP: Então, não terás ganhado nada!
Raposa: Terei, sim, por causa da cor do trigo.
N: A raposa ensina ao príncipe e o prepara tanto para o encontro, como
para a despedida. Demonstra que, na separação, há um lucro, pois o que
foi vivido ganha mais intensidade ao se tornar lembrança.
Raposa: Vais rever as rosas. Assim compreenderás que a tua é a única no
mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um
segredo.
N: Então o principezinho foi rever as rosas.
PP: Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada
ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes a ninguém. Sois como
era a minha raposa. Era uma raposa igual a cem mil outras. Mas eu a
tornei minha amiga. Agora ela é única no mundo. Sois belas, mas vazias.
Não se pode morrer por vós. Um passante qualquer sem dúvida pensaria
que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais
importante que todas vós, pois foi ela que eu reguei. Foi ela que pus sob a
redoma. Foi ela que abriguei com o para-vento. Foi por ela que eu matei as
larvas [EXCETO DUAS OU TRÊS, POR CAUSA DAS BORBOLETAS]. Foi
ela que eu escutei se queixar ou se gabar, ou mesmo calar-se algumas
vezes, já que ela é a minha rosa.
N: As rosas ficaram desapontadas e o principezinho voltou para se
despedir da raposa.
PP: Adeus...
Raposa: Adeus. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o
coração. O essencial é invisível aos olhos.
PP: O essencial é invisível aos olhos...
Raposa: Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante.
PP: Foi o tempo que eu perdi com a minha rosa...
Raposa: Os homens esqueceram essa verdade. Mas tu não a deves
esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu
és responsável pela tua rosa...
PP: Eu sou responsável pela minha rosa...
N: O principezinho repete os ensinamentos da raposa para não se
esquecer, mas este ensinamento será internalizado mais adiante, quando
compreender verdadeiramente o significado da separação e a importância
da lembrança, que permanece como o essencial que é invisível aos olhos,
mas intenso na memória. A eterna responsabilidade está em manter vivo o
aprendizado que se deu no encontro. O que se ganha é esse aprendizado
de que fala a raposa, é o que precisa ficar preservado para sempre na
nossa lembrança.

Capítulo XIX
PP: Bom dia.
Manobreiro: Bom dia.
PP: Que fazes aqui?
Manobreiro: Eu separo os passageiros em blocos de mil. Despacho os
trens que os carregam, ora para a direita, ora para a esquerda.
N: E um trem iluminado, roncando como um trovão, fez tremer a cabine do
manobreiro.
PP: Eles estão com muita pressa. O que estão procurando?
Manobreiro: Nem o homem da locomotiva sabe.
N: E apitou, vindo em sentido inverso, um outro trem iluminado.
PP: Já estão de volta?
Manobreiro: Não são os mesmos. É uma troca.
PP: Não estavam contentes onde estavam?
Manobreiro: Nunca estamos contentes onde estamos.
(E o apito de um terceiro trem soou)
N: O descontentamento não decorre necessariamente do lugar, mas do fato
de que as pessoas não estão verdadeiramente presentes ali. Quando
alguém está com muita pressa, não dá tempo a coisas e não consegue
valorizar o momento presente, tornando-se insatisfeito e triste.
PP: Estão correndo atrás dos primeiros viajantes?
Manobreiro: Não correm atrás de nada. Estão dormindo lá dentro, ou
bocejando. Apenas as crianças apertam seus narizes contra as vidraças.
PP: Só as crianças sabem o que procuram. Perdem tempo com uma
boneca de pano, e a boneca se torna muito importante, e choram quando
ela lhes é tomada...
Manobreiro: Elas são felizes...

Capítulo XX
PP: Bom dia.
Vendedor: Bom dia.
N: Era um vendedor de pílulas especiais que saciavam a sede. Toma-se
uma por semana e não é mais preciso beber.
PP: Por que vendes isso?
Vendedor: É uma grande economia de tempo. Os peritos calcularam. A
gente ganha cinquenta e três minutos por semana.
PP: E o que se faz com esses cinquenta e três minutos?
Vendedor: O que a gente quiser...
PP [PENSANDO]: Eu, se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, iria
caminhando calmamente em direção a uma fonte...

Capítulo XXI
N: Estavam no oitavo dia da pane do avião no deserto. Justamente quando
bebia a última gota de sua reserva d´água, o aviador escutou essa história
do vendedor das pílulas especiais.
Aviador: Ah! São bem bonitas as tuas lembranças, mas eu não consertei
ainda meu avião, não tenho mais nada para beber, e eu também seria feliz
se pudesse ir caminhando calmamente em direção a uma fonte!
PP: Minha amiga raposa me disse...
Aviador: Meu caro, não se trata mais da raposa!
PP: Por quê?
Aviador: Porque vamos morrer de sede...
PP: É bom ter tido um amigo, mesmo que a gente vá morrer. Eu estou
muito contente de ter tido a raposa como amiga...
Aviador [PENSANDO]: Ele não pode avaliar o perigo. Não tem nunca fome
ou sede. Um raio de sol lhe basta.
N: Mas o principezinho olhou para o aviador como que respondendo ao seu
pensamento:
PP: Tenho sede também... procuremos um poço...
N: O aviador, fazendo um gesto de desânimo, pensou que era absurdo
procurar um poço ao acaso, na imensidão do deserto. No entanto,
puseram-se a caminho. Já tinham andado horas em silêncio quando a noite
caiu e as estrelas começaram a brilhar. O aviador as apreciava como num
sonho, porque a sede o tornara febril. As palavras do pequeno príncipe
ressoavam em sua memória.
Aviador: Tu tens sede também?
PP: A água pode também ser boa para o coração...
N: Embora não tivesse entendido sua resposta, o aviador se calou. Sabia
que não adiantava interrogá-lo.
PP: As estrelas são belas por causa de uma flor que não se pode ver...
Aviador: É verdade.
N: Respondeu mantendo-se em silêncio e fixando os olhos nas ondulações
da areia iluminada pela Lua.
PP: O deserto é belo...
N: E era verdade. O aviador sempre havia amado o deserto onde era
possível se sentar numa duna de areia, onde não se via nada, não se
escutava nada. De repente, alguma coisa irradia no silêncio...
PP: O que torna belo o deserto é que ele esconde um poço em algum
lugar.
Aviador: Quer seja a casa, as estrelas ou o deserto, o que os torna belo é
invisível!
PP: Estou contente que estejas de acordo com a minha raposa.
N: O aviador ficou surpreso por compreender de repente essa misteriosa
irradiação da areia. Quando era pequeno, morava numa casa antiga e,
diziam as lendas, que ali fora enterrado um tesouro. Ninguém jamais
conseguiu descobri-lo, nem talvez o tenha procurado. Mas isto encantava a
todos. Pouco a pouco, as lembranças emergiam em sua memória e o
faziam compreender o verdadeiro significado do segredo que lhe havia
revelado a raposa.
Aviador [PENSANDO]: Minha casa escondia um tesouro no fundo do seu
coração...
N: Como o principezinho adormecesse, o aviador tomou-o nos braços e
prosseguiu a caminhada. Estava emocionado e tinha a impressão de
carregar um frágil tesouro. Parecia-lhe mesmo não haver na Terra nada
mais frágil. Observava, à luz da Lua, aquele rosto pálido, seus olhos
fechados, suas mechas de cabelo que se agitavam com o vento.
Aviador [PENSANDO]: O que eu vejo não passa de uma casca. O mais
importante é invisível...
N: Percebendo um sorriso se esboçar nos lábios entreabertos do
principezinho, o aviador pensou:
Aviador: O que tanto me comove nesse príncipe adormecido é sua
fidelidade a uma flor; é a imagem de uma rosa que brilha nele como a
chama de uma lamparina, mesmo quando ele dorme... É preciso proteger a
chama com cuidado: um simples sopro pode apagá-la!
N: E, continuando a caminhada, ele descobriu o poço, ao raiar do dia.

Capítulo XXII
PP: Os homens embarcam nos trens, mas já não sabem mais o que
procuram. Então eles se agitam, sem saber para onde ir. E isso não leva a
nada...
N: O poço a que tinham chegado não se parecia de forma alguma com os
poços do Saara. Os poços do Saara são simples buracos na areia. Aquele,
parecia um poço de aldeia. Mas não havia ali aldeia alguma, e o aviador
pensava estar sonhando.
Aviador: É estranho. Tudo está preparado: a roldana, o balde e a corda.
N: O principezinho riu, pegou a corda e fez girar a roldana. E a roldana
gemeu como geme um velho cata-vento.
PP: Tu escutas? Estamos acordando o poço, ele canta...
Aviador: Deixa que eu puxo. É muito pesado para ti.
N: Lentamente, o aviador içou o balde e, com cuidado, o colocou na borda
do poço. O canto da roldana ainda permanecia nos seus ouvidos, e na
água ainda trêmula ele podia ver o reflexo do sol.
PP: Tenho sede dessa água. Dá-me de beber...
N: E o aviador compreendeu o que o principezinho havia buscado!
Levantou o balde até sua boca. Ele bebeu, de olhos fechados. Era doce
como uma festa. Aquela água era muito mais que um alimento. Nascera da
caminhada sob as estrelas, do canto da roldana, do esforço do seu braço.
Era boa para o coração, como um presente. Quando o aviador era
pequeno, as luzes da árvore de Natal, a música da missa da meia-noite e a
doçura dos sorrisos se refletiam nos presentes que ganhava.
PP: Os homens do teu planeta cultivam cinco mil rosas num mesmo
jardim... e não encontram o que procuram...
Aviador: É verdade...
PP: E, no entanto, o que eles procuram poderia ser encontrado numa só
rosa, ou num pouco de água...
Aviador: É verdade.
PP: Mas os olhos são cegos. É preciso ver com o coração...
N: Eles se puseram a caminho sem saber exatamente para onde estavam
indo, mas, no caminhar, encontraram o que buscavam: o poço que estava
escondido nas profundezas de sua alma despertou da caminhada, desta
jornada principezinho e aviador empreenderam juntos. O despertar da fonte
recupera a memória de um tempo anterior, de quando era criança, e a
lembrança do Natal conecta o aviador à mais longínqua infância. Nesse
reencontro entre a sensação presente e a sensação passada, ele desperta
sua consciência para a vida verdadeira, enfim, descoberta e tornada clara.
Essa vida está presente em todos os homens, mas só é desvendada
através do esforço.
Aviador [PENSANDO]: Eu tinha bebido daquela água. Respirava
normalmente. Ao amanhecer a areia é cor de mel. E a cor de mel também
me fazia feliz. Por que, então, eu estava triste?
PP: É preciso que cumpras a tua promessa.
Aviador: Que promessa?
PP: Tu sabes... a focinheira do meu carneiro... eu sou responsável por
aquela flor!
N: O aviador tirou do bolso seus esboços de desenho.
PP [RINDO]: Teus baobás mais parecem repolhos...
Aviador [PENSANDO]: Oh! E eu caprichara tanto nos meus baobás!
PP [RINDO]: Tua raposa... as orelhas dela... parecem chifres... e são
compridas demais!
Aviador: Tu és injusto, meu caro, eu só sabia desenhar jiboias abertas e
fechadas...
PP: Não faz mal, as crianças entendem.
N: O aviador então rabiscou uma pequena focinheira. Mas, ao entregá-la
ao principezinho, sentiu um aperto no coração.
Aviador: Tu tens planos que eu desconheço...
PP: Lembras-te da minha chegada à Terra? Será amanhã o aniversário...
Caí pertinho daqui...
N: Sem compreender por que, o aviador sentiu uma estranha tristeza.
Aviador: Então não foi por acaso que vagavas sozinho quando te
encontrei, há oito dias, a quilômetros e quilômetros de qualquer região
habitada! Estavas retornando ao local aonde chegaste? Talvez por causa
do aniversário?...
N: O principezinho ficou vermelho. Não respondia nunca às perguntas.
Mas, pensou o aviador, quando a gente fica vermelho, é o mesmo que dizer
"sim".
Aviador: Ah! Eu tenho medo...
PP: Tu deves agora trabalhar. Voltar para teu aparelho. Espero-te aqui.
Volta amanhã de noite...
Aviador [PENSANDO]: Mas eu não estava seguro. Lembrava-me da
raposa. A gente corre o risco de chorar um pouco quando se deixou
cativar...
N: Depois de terem bebido da água da fonte, o aviador e o pequeno
príncipe estão preparados para a separação. Mas, apesar de ter bebido da
água da fonte e de ter contemplado a beleza do amanhecer no deserto, o
aviador estava triste: chegara o momento em que o principezinho deveria
voltar ao seu planeta.

Capítulo XXIII
N: Havia, ao lado do poço, a ruína de um velho muro de pedra. Quando
voltou do trabalho, no dia seguinte, o aviador viu, de longe, o seu pequeno
príncipe sentado no alto com as pernas balançando. E ele o escutou dizer:
PP: Tu não te lembras então? Não foi bem esse o lugar!
N: Uma outra voz lhe respondeu, porque em seguida o principezinho
replicou.
PP: Não! Não estou enganado. O dia é este, mas não é este o lugar...
N: O aviador prosseguiu em direção ao muro. Não enxergava nem ouvia
ninguém a não ser o principezinho..., no entanto, o principezinho replicou
novamente.
PP: ... Está bem. Tu verás na areia onde começam as marcas dos meus
passos. Basta me esperar. Estarei lá esta noite.
N: O aviador estava a vinte metros do muro e continuava a não ver nada.
PP: O teu veneno é do bom? Estás certa de que não vou sofrer por muito
tempo?
N: O aviador parou com o coração apertado, ainda sem compreender nada.
PP: Agora, vai-te embora... eu quero descer!
N: O aviador, então, baixou os olhos para o pé do muro e deu um salto! Lá
estava, erguida para o principezinho, uma dessas serpentes amarelas que
nos liquidam em trinta segundos. Rapidamente procurou o revólver no
bolso. Mas, percebendo o barulho, a serpente deslizou pela areia, como
um esguicho de água que de repente seca, e, vagarosamente, se enfiou
entre as pedras com um leve tinir metálico. Chegou ao muro a tempo de
segurar nos braços o seu caro príncipe, pálido como a neve.
Aviador: Que história é essa? Tu conversas agora com as serpentes?
N: O aviador afrouxou o nó do lenço dourado que ele sempre usava no
pescoço. Molhou sua testa. Deu-lhe de beber. Não ousava perguntar-lhe
mais nada. O principezinho o olhou seriamente e abraçou o seu pescoço.
Sentia-lhe o coração bater de encontro ao seu, como o de um pássaro
morrendo, atingido por um tiro.
PP: Estou contente de ter-lhes consertado o defeito de tua máquina. Vais
poder voltar para casa...
Aviador: Como soubeste?
N: O aviador ia justamente avisar-lhe que, contra toda expectativa, havia
conseguido realizar o conserto!
PP [TRISTE]: Eu também volto hoje para casa... são bem mais longe...
bem mais difícil...
N: O aviador percebia claramente que algo de extraordinário se passava.
Apertava-o nos braços como se fosse uma criancinha, mas tinha a
impressão de que ele ia deslizando num abismo, sem que nada pudesse
fazer para detê-lo... Seu olhar estava sério, vagando no além.
PP [SORRINDO COM TRISTEZA]: Tenho o teu carneiro. E a caixa para o
carneiro. E a focinheira...
N: O aviador esperou muito tempo. Sentia que seu corpo, aos poucos, se
reaquecia.
Aviador: Meu caro, tu tiveste medo...
PP: Terei mais medo ainda esta noite...
N: O sentimento do irremediável fez o aviador gelar de novo. E ele
compreendeu que não poderia suportar a ideia de nunca mais escutar
aquele riso que era para ele como uma fonte no deserto.
Aviador: Meu caro, eu quero ainda escutar o teu riso...
PP: Faz já um ano esta noite. Minha estrela estará exatamente sobre o
lugar aonde cheguei no ano passado...
Aviador: Meu caro, essa história de serpente, de encontro marcado, de
estrela, não passa de um pesadelo, não é mesmo?
PP: O que é importante não se vê...
Aviador: Sim, eu sei...
PP: É como com a flor. Se tu amas uma flor que se acha numa estrela, é
bom, de noite, olhar o céu. Todas as estrelas estarão floridas.
Aviador: É verdade...
PP: É como a água. Aquela que me deste para beber parecia música, por
causa da roldana e da corda... Lembras como era boa?
Aviador: Sim, lembro-me...
PP: À noite, tu olharás as estrelas. Aquela onde moro é muito pequena
para que eu possa te mostrar. É melhor assim. Minha estrela será para ti
qualquer uma das estrelas. Assim, gostarás de olhar todas elas... Serão
todas tuas amigas. E, também, eu lhe darei um presente...
N: Ele riu outra vez.
Aviador: Ah! Meu caro, meu querido, como eu gosto de ouvir esse riso!
PP: Pois é ele o meu presente... será como a água...
Aviador: Que queres dizer?
PP: As pessoas veem estrelas de maneiras diferentes. Para aqueles que
viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas
luzes. Para os sábios, elas são problemas. Para o empresário, eram ouro.
Mas todas essas estrelas se calam. Tu, porém, terás estrelas como
ninguém nunca as teve...
Aviador: Que queres dizer?
PP: Quando olhares o céu à noite, eu estarei habitando uma delas, e de lá
estarei rindo; então será, para ti, como se todas as estrelas rissem! Desta
forma, tu, e somente tu, terás estrelas que sabem rir!
N: E ele riu mais uma vez.
PP: E quando estiveres consolado, tu ficarás contente por teres me
conhecido. Tu serás sempre meu amigo. Terás vontade de rir comigo. E às
vezes abrirás tua janela apenas pelo simples prazer... E teus amigos
ficarão espantados de ver-te rir olhando o céu. Tu explicarás então: "Sim,
as estrelas, elas sempre me fazem rir!" E eles te julgarão louco. Será uma
peça que te prego...
N: E riu de novo.
PP [RINDO]: Será como se eu te houvesse dado, em vez de estrelas,
montes de pequenos guizos que sabem rir...
N: Assim como a raposa, que se lembrará do principezinho ao ver os
campos de trigo, o aviador poderá olhar para as estrelas e se lembrar do
amigo. Ao olhar as estrelas, o aviador – e somente ele – ouvirá o riso do
pequeno príncipe em todas elas. No poema “Ouvir estrelas”, Olavo Bilac
também expressa essa ideia:
Todos:
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo perdeste o senso!" E eu vos direi, no
entanto, que, para ouvi-las muita vez desperto E abro as janelas, pálido
de espanto... E conversamos toda noite, enquanto A Via Láctea, como
um pálio aberto, Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto, inda as
procuro pelo céu deserto. Direis agora: "Tresloucado amigo! Que
conversas com elas? Que sentido tem o que dizes, quando não estão
contigo?" E eu vos direi: "Amai para entendê-las! Pois só quem ama
pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas."
PP [SÉRIO]: Esta noite... por favor... não venhas.
Aviador: Eu não te deixarei.
PP: Eu parecerei estar sofrendo... parecerei estar morrendo. É assim. Não
venhas ver. Não vale a pena...
Aviador: Eu não te abandonarei.
PP [PREOCUPADO]: Se eu te peço isto... são também por causa da
serpente. As serpentes são más. Podem morder apenas por prazer...
Aviador: Eu não te abandonarei.
PP: É verdade que elas não têm veneno para uma segunda mordida...
N: Naquela noite, o aviador não viu o príncipe partir. Saiu sem fazer
barulho. Quando conseguiu alcançá-lo, ele caminhava decidido, num passo
rápido. Disse-lhe apenas:
PP: Ah! Aí estás...
N: E, segurando o aviador pela mão, preocupou-se de novo.
PP: Fizeste mal. Tu sofrerás. Eu parecerei morto, e isso não será
verdade... Tu compreendes. É muito longe. Eu não posso carregar este
corpo. É muito pesado. Mas será como uma velha concha abandonada.
Não tem nada de triste numa velha concha... Será lindo, sabes? Eu
também olharei as estrelas. Todas as estrelas serão como poços com uma
roldana enferrujada. Todas as estrelas me darão de beber...
N: O aviador se emudecia, mas o medo da separação é superado pela
sabedoria de que o essencial é invisível aos olhos e de que, na ausência,
nós fazemos presentes pela lembrança.
PP: Será tão divertido! Tu terás quinhentos milhões de guizos, eu terei
quinhentos milhões de fontes ...
N: E o principezinho também se calou, porque estava chorando...
PP: É aqui. Deixa-me ficar só.
N: E sentou-se, porque tinha medo.
PP: Tu sabes... minha flor... eu sou responsável por ela! Ela é tão frágil!
Tão ingênua! E tem apenas quatro pequenos espinhos para defender-se do
mundo...
N: O aviador sentou-se também, pois não podia mais ficar de pé.
PP: Pronto... É isso...
N: O principezinho ainda hesitou um pouco, mas depois se levantou. Deu
um passo. O aviador não podia mover-se. Houve apenas um clarão
amarelo perto da perna do principezinho. Permaneceu, por um instante,
imóvel. Não gritou. Tombou devagarinho, como tomba uma árvore. Não fez
sequer barulho, por causa da areia.

Capítulo XXIV
Aviador: E agora já se passaram seis anos... jamais contara essa história.
Os companheiros que me encontraram quando voltei ficaram contentes de
me ver são e salvo. Eu estava triste, mas lhes dizia: “É o cansaço...” Agora
já me conformei um pouco. Mas não completamente. Tenho certeza de que
ele voltou ao seu planeta, pois, ao raiar do dia, não encontrei o seu corpo.
Não era um corpo tão pesado assim... E gosto, à noite, de escutar as
estrelas. É como ouvir quinhentos milhões de guizos..., mas eis que
acontece uma coisa extraordinária. Na focinheira que desenhei para o
pequeno príncipe, esqueci de juntar a correia de couro! Ele não poderá
jamais prendê-la no carneiro. E então eu pergunto: "O que terá acontecido
no seu planeta? Talvez o carneiro tenha comido a flor..." Às vezes penso:
"Certamente que não! O principezinho guarda sua flor todas as noites na
redoma de vidro e vigia atentamente seu carneiro..." Então, eu me sinto
feliz. E todas as estrelas riem docemente. Ou penso: "Às vezes a gente se
distrai e isso basta! Uma noite ele se esqueceu de colocar a redoma de
vidro ou o carneiro saiu de mansinho, no meio da noite, sem que fosse
notado...” E todos os guizos então se transformam em lágrimas. Eis aí um
grande mistério. Para vocês, que também amam o pequeno príncipe, como
para mim, todo o universo fica diferente se, em algum lugar que não
sabemos onde, um carneiro que não conhecemos comeu ou não uma
rosa... Olhem o céu. Perguntem a si mesmos: O carneiro terá ou não
comido a flor? E verão como tudo fica diferente... E nenhuma pessoa
grande jamais entenderá que isso tenha tanta importância!

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