Você está na página 1de 3

II ENCONTRO DE FORMAÇÃO CONTINUADA

PARA COORDENADORE PEDAGÓGICOS

LEITURA COMPLEMENTAR

Ensinar a Ler textos de Ciências


Ana Espinoza
Adriana Casamajor
Egle Pitton

4. As Situações de Leitura em Contexto

... O objeto de estudo se relaciona com uma preocupação generalizada na prática docente:
“Os alunos não entendem o que leem”
... Quando lemos fora da escola, o fazemos para satisfazer uma necessidade ou um desejo:
estar informados, nos divertir, saber como se faz funcionar um aparelho, aprofundar sobre um
tema. [...] Embora possa ser produto de uma situação criada pelo professor, para o aluno
pode transformar-se em um objetivo próprio: Lê porque “necessita saber”.
Nas classes de ciências naturais a leitura se apresenta com uma finalidade: ler para aprender
um determinado tema da área. Nas práticas habituais, o aluno que pretende ser bom
estudante tentará marcar as ideias mais importantes, responderá a um questionário,
entregará o trabalho para corrigir. Suponhamos que seu trabalho esteja muito bem feito.
Podemos afirmar que aprendeu os conteúdos que comunicam o texto, que aprendeu ciências
naturais? O que podemos afirmar é que localiza informações, responde perguntas
pertinentemente e, provavelmente, possa evocá-la ou repeti-la. Mas enquanto a informação é
necessária, pois sem ela não se pode pensar, dispor da mesma forma isolada de relações
que é próprio de um campo do conhecimento. Este aspecto, fundamental no ensino de
ciências naturais, convida a nos interrogarmos sobre a relação entre concepção de leitura e
aprendizagem. O problema é, então, em que condições o docente apresenta a leitura para
que possa ser uma ferramenta que os alunos usem para problematizar suas ideias, modificar
suas representações, ampliar seu marco de referência e assim explicar os fenômenos da
natureza utilizando a linguagem da ciência.

O problema se vincula com a autonomia do leitor.


Ler é assumir riscos e controlá-los; aprender a ler é – em grande medida – aprender a revisar,
a monitorar os significados que vão sendo construídos na interação com o texto a partir dos
indícios que o mesmo aporta. Em outros termos, aprender a ler é também aprender a
controlar as próprias interpretações.

Cabe aclarar que não estamos dizendo que o professor renuncie seu papel de professor. Pelo
contrário, o que trataremos de desenvolver é que para ensinar a ler o professor deveria “adiar”
a explicação de sua interpretação, ao mesmo tempo, que intervém ativamente para permitir
que na aula se desenrolem, argumentem, contrastem as ideias dos estudantes acerca do que
“diz” o texto. A pergunta central é, então, que condições didáticas ajudariam aos alunos a
formar-se como leitores autônomos de textos de ciências naturais.
Em termos de contrato didático, para ser leitores é necessário que nas diversas situações de
leitura os alunos assumam responsabilidades na avaliação da mesma. Se trata de que os
estudantes aprendam a dar-se conta quanto a ideia que vão construindo – a medida que
avançam na leitura – é coerente ou não o é com as ideias que seguem, quando se trata de
um erro deles e quando de uma inconsistência do texto. Ou seja, se trata de ajudar aos
alunos a monitorar sua própria compreensão; a encontrar indicadores, pistas, marcas no texto
que lhes permitam fundamentar sua interpretação ou refutar a de um companheiro ou a do
docente; se trata então de “brindar às crianças oportunidades de construir estratégias de
autocontrole da leitura” [Lerner, 2001]. Para que os alunos tenham direito a avaliar as
interpretações que circulam na classe é necessário que o professor “adie a comunicação de
sua opinião aos alunos, que delegue provisoriamente a eles a função avaliadora” [Lerner,
2001], em outros termos, que não seja o primeiro ou o único em validar as diversas
interpretações, mas o último.
A seguir apresentamos um fragmento de uma aula em que os alunos leem pela primeira vez
um texto onde se comunica a teoria cinético-molecular da matéria. O mesmo pode ilustrar
como os alunos assumem parte da responsabilidade em relação à validação de uma
interpretação. Nas aulas anteriores os alunos tem trocado ideias em torno de suas
representações. O propósito desta aula é que leiam para contrastar estas ideias com a
explicação que a ciência tem elaborado sobre o tema:
Docente: Terminaram? Bem, agora vamos ouvir todos muito bem. Minha pergunta é o que entenderam do texto.
Há uma primeira parte que se chama “A teoria das partículas em movimento” – Vamos ver, o que diz o texto
sobre a teoria das partículas em movimento?
Natalí: Diz que a teoria se chama teoria das partículas em movimento, que consiste em que as partículas
sempre estão em movimento... bem, isso, é assim a teoria.
Docente: Sim, mas suponha que eu não sei nada, não me lembro de nada e te digo: “Olá Natali, o que leu?”
Natali: Estão formadas por minúsculos e invisíveis granitos de matéria de partículas.
Docente: Quem está formada?
Vários alunos: As partículas.
Melanie: A matéria.
Jonathan: A substância.
Natali: a matéria está formada por minúsculos e invisíveis granitos de matéria de partículas.
Nicole: No texto diz que todas os materiais são formadas por minúsculos e invisíveis granitos de matéria. Ou
seja, as partículas.
Natali: A substância está cheia de minúsculos e invisíveis granitos de matérias de partículas.
Miguel: Não, de matéria, que são as partículas
Docente: Então vocês não estão de acordo. Natali, vamos ver, o que você diz?
Natali: É que eu estive discutindo com ela, por mais que ela me convença...
Docente: Vamos ver Lair se pode convencer Natali. O que diz o texto?
Lair: O texto fala sobre que as partículas estão divididas em três grupos.
Alan: Ah, sim, gases, líquidos e sólidos.
Docente: Estão de acordo com o que Alan está dizendo?
Lair: Eu, posso...
Docente: Uma opinião?
Lair: Sim, que as partículas podem ter três formas distintas. Podem ter as partes gasosas, podem ter as partes
liquidas ou...
Docente: Mas você disse que se dividem em três classes de partículas. Vamos ver, então, que coisa aparece
nas três classes?
Miguel: As partículas como que...
Melanie: A matéria
Jonathan: A substância.
Lair: A matéria se divide em sólido, líquido e gasoso. Cada partícula se junta nestas formas e ao esfriar e ao
aquecer passa algo em cada uma delas que formam a matéria.
Docente: Está bem Lair. Eu te pedi que contestasse com Natali; vou repetir o que você disse. Você disse que a
matéria pode se apresentar em estado sólido, líquido e em estado gasoso. Mas há uma ideia que expressou
Natali e há uma discussão. Vocês escutaram o que Natali disse?
Lair: Sim, eu escutei.
Docente: E concorda?
Lair: Não sei se concordo ou não.
Alan: Eu penso, ou seja, que como as partículas, por exemplo, o sólido, as partículas, como dizer como que se
juntam...
Docente: Uma ideia, voltem a ler para ver o que diz
Alan: Aqui diz que é... “vírgula” as partículas de três tipos de matéria.
Natalí: “A teoria consiste em supor que a natureza está formada por minúsculos e invisíveis granitos de matéria,
as partículas.”
Nicole: E por isso, esses granitos são as partículas, entende?
Docente: Onde está a confusão, Natali?
Alan: Esses granitos são as partículas. O que acontece é que você está saltando uma vírgula. Diz: “os granitos
da matéria”, ou seja, as partículas.

No fragmento da aula se pode analisar como a docente distribui o controle sobre a


interpretação, ou dito de outra maneira, como compartilha com os alunos a responsabilidade
de decidir “o que diz” o texto. Cabe aclarar que esta distribuição é possível, entre outras
questões, porque o texto é tratado depois de um árduo trabalho em torno da pergunta e sua
possível resposta, mediante o qual os alunos avançam na conceitualização sobre o tema.
Depois de realizar um experimento no qual se produzem mudanças entre os estados sólido,
líquido e gasoso, os alunos haviam imaginado o que poderia acontecer no interior da matéria.
Os alunos – que haviam começado a pensar na existência de partículas – imaginavam que se
alargavam, que se amaciavam, que se separavam, ou de outro modo, que se juntavam, que
eram seres vivos. Nesses momentos de ensino – anteriores à leitura – não se tentava que os
alunos se colocassem de acordo, mas que explicitassem suas ideias e as discutirem para
chegar ao texto com interpretações e perguntas próprias.
Agora, o fato de a professora dividir a responsabilidade não significa que se desligue da sua
função, mas ao contrário. Como “leitora experiente” conhecedora de suas funções, desse
texto e do conteúdo que nele se comunica, é ela que intervém para que o intercâmbio entre
os alunos seja possível: dá voz a uma aluna, toma o que disse e pergunta novamente para
que seja ela quem confirma ou modifica sua afirmação, abre perguntas ao grupo para que
seja ele que manifeste acordo ou não com a interpretação, pede que voltem ao texto para
reler o que diz. [...] Para poder partilhar a função avaliadora com os alunos, é necessário que
sua intervenção seja firme: ela pede a palavra, retoma a ideia ainda que seja errônea,
submete a opinião dos demais, deixa lugar para que sejam os próprios alunos quem identifica
a causa do erro na interpretação. Ou seja, não fecha a discussão, mas mantém a pergunta
acerca do que diz o texto. Não só propicia o intercâmbio entre os alunos em função do que
entenderam, mas os convida a voltar ao texto. [...]
Este fragmento é um exemplo de situação em que a professora de ciências naturais ensina a
ler, pois ajuda aos alunos a controlar as próprias interpretações e a buscar indicadores que as
fundamentam. Além disso, está ensinando que, quando se lê para aprender, a leitura adquire
características peculiares: é mais lenta, mais reflexiva, profunda, se relê, se volta ao texto, se
interroga.

4.2. Propósito leitor e formação de leitores


[...]

Agora, como criar a necessidade de ler quando para os alunos a pergunta acerca de como
está constituída a matéria não é uma inquietação, pois em seu universo sobre o natural não
existe este problema. [...] Para instalar um propósito leitor – ou seja, que para o aluno tenha
sentido ler – foi necessário gerar situações que favoreceram a apropriação da pergunta e
conceberam então a possibilidade de encontrar repostas.
[...] como a instalação de um propósito leitor é uma condição didática importante para a
interpretação de um texto de ciências naturais e como esta apropriação gera autonomia sobre
o que e como ler.
[...]
Uma condição didática importante para a aprendizagem é que os alunos sejam guiados por
perguntas que tenham circulado na classe e que foram produto de uma construção coletiva.
Assim, o propósito leitor que se instala contribui para que os alunos se posicionem como
leitores autônomos, ou seja, como leitores que não dependem necessariamente de um guia
externo – a professora – para ler o texto, mas que o façam convocados por encontrar
respostas para suas perguntas.[...]

Você também pode gostar