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HINSHELWOOD

BIBLIOTECA ARTES MEDICAS

Psicanálise, Psicologia,
Psicopedagogia, Psiquiatria
TÍTULOS EDITADOS
* Aberastury. A.; Adolescência
* Aberastury. A,: Psicanálise da Crança —Teoria e Técnica
* Aberastury. A.: A Percepção da M orte na Criança e Outros Escritos
* Aberastury 8, Knobel Adolescência Normal
* Aberastury £k Salas: A Paternidade — Um Enfoque Psicanalítico
* Ackerman. Na Diagnóstico e Traramento das Relações Familiares
* Aimard, Paule: A Linguagem da Criança
* Ajuriaguerra 6, Marcelli; Manual de Psicopa tologia Infanríl
' Ajuriaguerra, j.: A Dislexia em Questão
* Ajuriaguerra. j. A Escrita infantil — Evolução e Dificuldade
* Albuquerque, T. Lins: Psicologia &. Educação
* Alencar. Eunice: Psicologia da Criatividade
* Alexandet. Franz:/Vledícina Psicossomática
* Alliençle 8. Condenwiri; A Leitura
* Artdolfi. Mautizio: Por Tra's da Mascara familiar — Um novo
Enfoque em Terapia familiar
* Andolfi 8. An gelo: Tempo e Mico em Psicoterapía familiar
* Anzteu. Didier: A Auro-Análise de Freuet e a Descoberta da Psica­
nálise
* Aucouturier e colaboradores: A Prática Psicomotora
* Aucouturier 8. lapierre; Sruno — Psícomotricidade e Terapia
1 Balaban, Naney: O inicio da Wda Escolar
* Baranger. W.: Posição e Objeto na Obra de Metanie Klein
* Barbizet 8, Duizabo; Neuropsicoiogia
* Beilak 8. Smaíi: Psicoterapía de Emergência S, Psicoterapía Breve
* Bergeret: Personalidade Normal e Patológica
■ Bergeret 8, Leblaric: Toxicomanias
* Bèrgés 8. Lézine; Fesre de Imiração de Cestos
* Besteiheim 8, Zelan: Psicanálise da Alfabetização
* Bettelheim, Bruno:Sobrevívência
* B!anck. G, 8, R,: Psicologia do Ego — Teoria e Praríca
* Bleger. josé: Psicologia da Conduta
’ Bleger. josé; Psíco-HIgiene e Psicologia institucional
* Bleichmar. Emitce-, O fem inism o Espontâneo da Histeria
* Bleichmar. NugO: Depressão.- Um Estudo Pslcanaíirico
* Bleichmar. Hugo: Introdução ao Esrudo das Perversões
' Bleichmar. Hugo: Narcisisçno
* Bleichmar. Hugo: Angus (ia e Fantasma
* BI um, H,; Psicologia Feminina
’ Bossuet. Gérard: O Computador na Escola — O Sistema Logo
* Bowlby, John: Uma Base Segura
* Brazelton: A Dinâmica d o Bebè
' Brazelton. T,; O Desenvolvimento d o A pego
* Brunnet, Lèzine; Desenvolvimento Psicotogíco da I; infância
* Bryant 8, BradSey; Problemas de leitura na Criança
* Cabral, Lanza 8. Tejera — Educar Vivendo — O C orpo e o Crupo
na Escola
■ Calkins. Lucy: A Arre de Ensinar a Escrever
* Chasseguer-Smirgeí. j. 8, Cols: Sexualidade Feminina
* Chasseguet-Smirgel, j..; As Duas Arvores do jardim
* Chasseguet Smirgel: Erica e Esférica da Perversão
* Castorina e Cols.: Psicotogia Genética
* Chess & Hassibi; Princípios e Prática da Psiquiatria infantil
* Chlland. Collete: A Criança, a Família, a Escola
* Ctawson. A.: Bender Infantil
* Coridemarirv Mabek Dislexia — Manual de Leitura Corretiva
’ Condemarin, Mabel: A Escrita Criativa e Formal
* Condemarin. Chadwtck 8. Milícic: Maturidade Escolar
' Craig. Robert: Enrrevisra Clinica e Diagnostica
* Cunha, Freitas 8. Raimundo: Psicodiagnósrico
* Curtiss. Sandra: A Alegria d o Movim ento na Pré-Escola
* Debray, Rostne: B.ebés/Mães em Revolta
* Decherf, Gérard; Edipo em Grupo: Psicanálise e G rupos de Crian-
ças
* Dejours. C.i O Corpo entre a Biologia e a Psicanálise
* DeWald. Paul: Psicoterapía — Uma Abotdagem Dinâmica
* Dt Léo; A Interpretação do Desenho Infanríl
* Dolto. Frartçoise: A Dificuldade d e Viver
* Duarte, Bornholdt 8. Castro: A Prática da Psicoterapía Infantil
* Eiguer, Alberto: Um Divã para a Família
1 Eizirik: Psicoterapía d e Orientação Analítica
* Eikãim Mony 8. Cols.: Formações e Práticas em Terapia Familiar
* Enderle, Carmen: Psicologia da Adolescência
* Enderle. Carmen: Psicoiogia d o Desenvolvimento
* Etchegoyen. Hofácio: Fundamentos da Técnica Psicanalirica
* Fernandes, Alicia; A Inteligência Aprisionada
* Ferreiro 8. PalaciO: Novas Perspectivas Sobre os Processos de
leitura e Escrita
" Ferfeiro 8, Teberoski: Psicogènese da Língua Escrica
* Fogel 8 Cols.: Psicoiogia Masculina
’ Gambaroff, Marina: Utopia da Fidelidade
* Garma. Angel: A Psicanálise — Teoria, Clinica e Técnica
* Gibello. Bernard; A Criança com Distúrbios de inteligência
Giovacchtni, P,: Roteiro à Leitura de Freud
* Golbert, Clarissa: A Evolução Pskolingüistica e Suas im plicações
na Alfabetização
* Goodrich et al.; Terapia Feminista da Família
* Goodwin, Guze: Diagnóstico da Doença Mental
* u ftril ^obetto: Discorrer a Psicanálise
, Hetren 8 He nem A Estimulação Psicomotora Precoce
, Homstein. L.: Cura Ps/canafitica e Subtimaçâo
■, Horowiiz, M.: Introdução á Psicodlnám/ca
V: lerusalinsky, A,: Psicanálise do Autismo
. lerusalinsky. A.: Psicanálise e Desenvolvimento Infantil
a\°

dicionário do
pensamento
*

deiniano

( 0 1 ^ <; > ■
'v

Aíendomoa po>- E,,,


H665d Hinshelwood, R. D.
Dicionário do pensamento kleiniano / R. D, Hinshelwood ;
trad, de José Octavio de Aguiar Abreu. — Porto Alegre : Artes
Médicas, 1992.
5 0 7 p .; 23cm.

1.Klein, Melanie — Dicionários 2.Psicanálise — Dicioná­


rios I.Abreu, José Octavio de Aguiar II.Título.

C.D.D. 150.19503
616.891703
C.D.U. 159.964.2KIein,Melanie(03)

índices Alfabéticos para o Catálogo Sistemático

Klein, M elanie: Dicionários


159.964.2KIein,Melanie(03)

(Bibliotecária responsável: Sonia H. Vieira — CRB-10/526)


R.D.HINSHELWOOD

• / *
do

Tradução:
JOSÉ OCTAVIO DE AGUIAR ABREU

Supervisão da tradução:
ELIZABETH LIMA DA ROCHA
LIANA PINTO CHAVES
Psicanalistas. Membros -da: Sociedade Brasileira
de Psicanálise de São Paulo e da comissão editorial
para a tradução brasileira das obras de Melanie Klein.

AlHÊS
ÍVEDiCAS PORTO ALEGRE / 1992
A meu pai,
que não entendia muito
desta maneira de pensar,
mas teria ficado
orgulhoso de meus esforços.
SUMARIO
Prefácio à 1? edição........................... . ......................................................................................................... 11
Prefácio à 2? Edição................................................. ......................... ............................................................13
Introdução.........................................................................................................

...> A - VERBETES PRINCIPAIS

1 Técnica..................... 23
2 Fantasia inconsciente.......................................... 46
;P3 Agressão, sadismo e instintos componentes.......................................................... 61
4 Complexo de Êdipo.................................................. 71
if-5 Objetos internos............................................................................ 82
6 Fase da feminilidade........................................................................................ 99
■i 7 Superego........................................................................................................ 109
£ 8 Situações arcaicas de ansiedade......................................................................................................... 126
'l 9 Mecanismos primitivos de defesa................................................................................................ 136
Ç-TO Posição depressiva.................................................................................................................................. 152
11 Posição esquízoparanóide............................................................................ 170
12 Inveja.......................................................................................................................................................... 181
13 Identificação projetiva ........................................................................................................................... 193

B - VERBETES GERAIS

Abraham, Karl................................................................................................................................................ 225


Agressão.......................................................................................
Ambivalência..........................................................................................
A m or................................................................................................................................. 22
Análise de crianças.........................................................................................
Aniquilamento......................................................................................
Ansiedade........................................................................................................................................................ 234
Ansiedade depressiva...............................................................................
Assimilação.................................................................................................................... 24
Atuação na transferência............................................................................................. 24
Autism o........................................................................................................................................................... 24$
Bebês...............................................................................................................
Bick, Esther............................................................................................
Bion, Wilfred................. 249
Brincadeira...................................................................................................................................................... 254
Brincar.............. ............................................................................................................................................. 254
Castração......................................................................................................................................................... 256
Cena originária............................................................................................................................................. 257
C isão................................................................................................................................................................ 257
Ciúme................................................................................................................................................................. 260
Clivagem......................................................................................................................................................... 260
C o ito ................................................................................................................................................................ 261
Conhecimento inato..................................................................................................................................... 261
Conter.............................................................................................................................................................. 263
Continuidade genética................................................................................................................................ 270
Contratransferência...................................................................................................................................... 271
C rian ça........................................................................................................................................................... 279
Criatividade................................................................................................................................................... 279
Criminalidade................................................................................................................................................ 281
Culpa................................................................................................................................................................ 282
Culpa inconsciente....................................................................................................................................... 283
Debates sobre as controvérsias (1943-44).............................................................................................. 285
Defesa paranóide contra a ansiedade depressiva................................................................................. 287
Defesa psicológica......................................................................................................................................... 287
Defesas m aníacas........................................................................................... 290
Defesas obsessivas....................................................................................................................................... 292
Denegrimento........................... 293
Dentes........................................................................................ 293
Desenvolvimento......................................................................... 293
Despersonalização............................................................................................................................ 298
Desprezo................................ 299
Dor psíquica................................................................................................................................................... 299
> Ego......................................................................................................................................................... 300
Elementos beta....... ...................................................................................................................................... 302
Elos de ligação...............................................................................................................................(.............. 303
Empatia............................................................................................................................................................ 305
Envenenamento.............. .............................................. 306
Ep-D................................................................................................................................................................. 306
Epistemofilia................................................................................................................................................... 308
Equação sim bólica................................... 311
Equilíbrio psíquico....................................................................................................................................... 316
Escola das Relações O bjetais..................................................................................................................... 317
Estados confusionais..................................................... 323
Estrutura.................................................. 324
Esvaziamento.................................................................................................................................................. 327
Evolução..................................................................................................... 328
Externalização....................................................... 328
Fairbairn, Ronald......................................................................................................................................... 328
Fantasias de masturbação........................................................................................................................... 333
Fator constitucional................................ 334
Feminilidade........................ 336
Jp Fezes................................................................................................................................................................. 337
Figura combinada dos p a is......................................................................................................... 338
^ Formação de símbolos......................................................... 339
4 ' Fragmentação................................................................................................................................................ 346
Freud, A nna.............. ................................................................................................................................... 347
Função-Alfa.................................................................................................................................................... 347
Grade................................................................................................................................................................ 349
Gratidão.......................................................................................................................................................... 349
Grupo Kleiniano............................................................................................................................................ 349
Heimann, P au la............................................................................................................................................ 351
Id....................................................................................................................................................................... 353
^Identificação................................................................................... 354
Identificação adesiva................................................................................................................................... 355
fJ|'. Inconsciente ( 0 } ............................................................................................................................................ 357
ífIncorporação..................................................................................................... 357
Inibição........................................................................................................................................................... 358
Instinto de m orte.......................................................................................................................................... 358
Instintos.......................................................................................................................................................... 358
Integração....................................................................................................................................................... 358
Interesse.......................................................................................................................................................... 359
J( Introjeção................................................................... 359
Isaacs, Susan................................................................................................................................................. 361
Jogos........................................ 362
Klein, M elanie.............................................................................................................................................. 362
Libido.............................................................................................................................................................. 363
,-^Luto................................... 365
S M ãe.................................................................................................................................................................. 365
Mãe~com~pênis.............................................................................................................. 366
Masculinidade........................................................................................................................................... 366
Meio ambiente................................................. i..................................................................................... . 366
Meltzer, Donald......................................................... 366
Memória e desejo ......................................................................................................................................... 367
Modelo econômico....................................................................................................................................... 368
Modificação psíquica........... ...................................................................................... 370
'lí Mudança psíquica......................................................................................... 370
Mundo externo .............................................................................................................................................. 372
^^Narcisismo........................................................................................................................................................ 373
^-Márcisismo negativo.......................................................................................... 379
^ N eg ação............................................................................................... *....................................................... 379
('O bjeto bom ............................................................................................................................. 380
■jObjeto externo............................................................. 381
/O bjeto ideal................................................................................................ 382
(Objeto mau................................................................................................................................................... 383
Objeto total.................................................................................................................................................... 384
[Objetos .................................................................................................................. 385
^Objetos bizarros.......................................................................................... 390
Objetos parciais....................................................................... 391
Observação de bebês.............................................................................................. 394
•ã1- Onipotência............................................................ 396
Organizações patológicas...................... 398
P a i........................................................................................................................................ 404
Paranóia............................ 405
Pavor sem nome......................................-..................................................................................................... 406
P ele.................................................................................................................................................................. 407
Pênis........................ 411
Pensamento............................................. 411
Pensar....................................................................................................................................... 411
Perda........................ 416
Perseguição................................................. 417
Personificação............................................. 418
Perversão....................... .............................. 418
Pesar.................................... ......................... 420
P osição ....................................................... 421
Preconcepção.............................................. 422
Preocupação................................. ............. 422
Pressupostos básicos................................. 422
Problema mente-corpo............................. 425
^ Projeção................................................... 427
^ Psicanálise clássica..................................... 430
Psicologia do ego (Psicanálise clássica) 430
'^.Psicose......................................................... 439
^Pulsão de m orte........................................ 444
y P u lsõ es..................................................... 449
Reação terapêutica negativa................... 452
/ Realidade interna................. ..................... 454
^Realidade psíquica.................................... 456
Realização.............................. ..................... 456
/ t Reparação.................................................... 456
>~Reparação maníaca................................... 460
Repressão..................................................... 460
Resistência................................................... 462
Restituição/Restauração.................... 463
Rêverie........................................................ 464
Rosenfeld, Herbert............. ...................... 465
/-Sadism o........................................................ 466
Segai, Hanna.............................................. 467
/ S e i o .......................... .................................... 469
?Self................................................... 469
Sintoma................................................. . 470
Sistemas sociais de defesa....................... 471
Sociedade..................................................... 473
Sonhos.......................................................... 473
Subjetividade........ .............................. . 474
^Técnica de análise através do brincar,. 479
j -/ T ransferêncía.............................................. 479
Vinculação................................................ 484
Voracidade.................................................. 484

Bibliografia das publicações kleinianas. 485


PREFACIO A lf EDIÇÃO
Venho sentindo há algum tempo que a psicanálise se beneficiaria com uma
descrição dara e acessível dos conceitos kleinianos e pós-kleinianos, assim
como do trabalho das principais figuras dessa corrente. Isso se mostraria par­
ticularmente útil com relação aos textos de Klein, uma vez que são com fre-
qüência considerados obscuros, assim como os de Bion. Seguidamente se diz
que essas idéias são apreendidas melhor durante a supervisão, onde são trans­
mitidas à luz do material clínico.
Ocorreu~me um dia que K ey w ords [palavras-chave], de Raymond Williams
(Fontana, 1976), que rastreia a evolução histórica dos conceitos e estudos cul­
turais, podería servir de modelo para um livro desse tipo, juntamente com
The language o f psycho-analysis [vocabulário da psicanálise], de Laplanche
e Pontalis (Hogarth, 1983). Partilhei a idéia nesse mesmo dia com Bob Hin-
shelwood, com quem já vinha trabalhando há algum tempo, servindo-lhe
de orientador quanto à história das idéias e sendo supervisado por ele com
relação a casos clínicos. Ele me telefonou um dia depois e concordou em em­
preender o projeto. Não tinha idéia de quão ambicioso ele seria, nem de que
livro minucioso e abrangente escrevería.
Não exagero, mas estou orgulhoso por haver editorado e publicado este
livro, que, acredito, constituirá um ponto de referência da psicanálise. Dora­
vante, acho eu, ninguém mais poderá pôr de lado as idéias kleinianas mera­
mente porque elas são de acesso difícil, ao mesmo tempo em que muitos des­
cobrirão, como aconteceu comigo, que sua própria experiência e a de seus
pacientes se beneficiarão desta iluminação sutil e em muitos níveis. Sem dúvi­
da, certos ensaios necessitarão de revisão, mas uma base para a clareza e a
acessibilidade foi assentada. Eu, de minha parte, sou-lhe grato e admirador.

ROBERT M. YOUNG
FAB

R.D.Hinshehvood / 12
PREFÁCIO À 2? EDIÇÃO
Esta edição revisada do Dicionário do Pensamento Kleiniano é uma
oportunidade feliz para considerarmos o clamor da resposta à segunda edição.
Foi extremamente encorajador ter uma resposta tão ampla - e tão favorável,
em sua maior parte.
Mas nem todos os que responderam formavam um consenso sobre o
trabalho e isto deu-me a oportunidade para refletir ainda mais sobre a geo­
grafia da área. Como resultado disso, acrescentei novos materiais e reescre-
vi várias passagens. Felizmente, a quantidade do que está reescrito e modifi­
cado da primeira edição é muito pequena. Fico satisfeito com isso, tanto pe­
lo prazer de ter produzido uma versão substancialmente aceitável do pensa­
mento kleiniano, quanto porque a quantidade de material a ser relido por
aqueles que estudaram a primeira edição não é grande. O mais importante,
acerca desta segunda edição, é o material adicional.
As principais críticas relacionavam-se a duas questões: certos aspectos
do instinto de morte e inveja e os recentes avanços na técnica associada ao
nome de Betty Joseph.
A primeira destas críticas levou-me a fazer algumas alterações nas entra­
das instinto âe morte, inveja, agressão e perversão,
A segunda crítica - de que não valorizei e não representei adequadamen­
te o trabalho de Betty Joseph - foi mais difícil avaliar. A publicação de uma
coletânea de seus trabalhos em 1989, editada por Michael Feldman e Eliza-
beth Spillius, traz esta questão de um modo mais vigoroso. Seu livro é uma
coleção admirável de textos sobre um desenvolvimento impressionante no trá-
balho de um grupo significativo de kleinianos londrinos - trabalho este admi­
rado e reconhecido por todo o grupo kleiniano. Relaciona-se ao fenômeno
do "acting-in", como Betty Joseph o chama. Ela o descreve como a manifesta­
ção clínica encontrada com maior frequência dentro do tratamento analítico
de certos tipos de pacientes particularmente difíceis, aqueles que são "difíceis
de serem alcançados". O "acting-in" é o correlativo clínico dos problemas teó­
ricos chamados pelos analistas kleinianos de "organizações patológicas". Eu
dei maior ênfase a este trabalho na presente edição, introduzindo novas entra-

R.D.Hínshelwood / 13
das, organizações patológicas, e, para cobrir o trabalho de Betty Joseph, alte­
rações psíquicas e equilíbrio psíquico (termos adotados por Feldman e Spil-
lius para dar aos escritos de Betty Joseph maior clareza técnica) e dor psíqui­
ca e acting~in. Também foram necessárias algumas modificações às entradas
já existentes de transferência e contratransferência. Consegui explicar de mo­
do mais completo minhas próprias impressões sobre a importância do trabalho
de Betty Joseph, quando fui convidado a revisar seu livro para a Free Asso-
ciations 22.
A bibliografia foi atualizada e tentei manter-me em dia com a republica-
ção dos textos anteriormente publicados pelos kleinianos, que parecem for­
mar, atualmente, um importante empreendimento por seus próprios méritos.
Sou grato aos amigos e colegas por terem apontado alguns erros meno­
res de ortografia, que foram corrigidos nesta edição. Graças a Selina 0'Grady,
poucos desses erros passaram por sua atenta vigilância. Agradeço também a
Hanna Segai, pelo tempo que passou comentando e discutindo sobre a pri­
meira edição deste livro; e também por uma correspondência detalhada com
Elizabeth Spillius, após sua revisão da primeira edição ("On Kleinian langua-
ge", Free Associations 18:90-110). E, como sempre, Robert Young encorajou-
me muito com sua perspicácia sobre os elementos necessários ao trabalho.

Robert H inshelwood

14 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


INTRODUÇÃO
s conceitos kleinianos versam a respeito de elementos muito primitivos
da mente humana, afastados do senso comum e bastante semelhantes
às inapreensíveis partículas da física subatômica. Os blocos de construir são
poucos, mas erigidos em complexidade fantasticamente rica. Diferentemente
das partículas subatômicas, contudo, a matéria da mente é potencialmente
cognoscível pelo indivíduo. Hle é uma mente, num sentido diferente da ma­
neira pela qual ele é uma estruturação maciça de elétrons e prótons. Algo dis­
to é cognoscível àqueles que podem inquirir dentro de si mesmos, com ou
sem a ajuda de seu próprio analista. É impossível, em palavras escritas, trans­
mitir üm senso de compreensão, mas simplesmente um conhecim ento a res­
peito de conceitos que o leitor deve levar avante, consigo mesmo e sozinho.
Grande parte da inacessibilidade ao pensamento kleiniano provém não
apenas do fato de ser emoldurado pelas próprias experiências do paciente,
mas também do fato de essas experiências serem tão afastadas do pensamen­
to consciente e verbal e também tão difíceis de serem comunicadas por ma­
neira que seja verificável fora da parceria específica analièta-paciente: "A des­
crição de tais processos primitivos padece de uma grande desvantagem, pois
essas fantasias surgem em uma época em que o bebê ainda não começou a
pensar em palavras" (Klein, 1946, p. 8n). Trata-se de questões que todo tex­
to psicanaíítico tem de enfrentar. Este dicionário não constitui exceção, e ne­
le tentei dedicar-me à descrição de conceitos sem esquivar-me de sua grande
complexidade e sua qualidade remota.
Em certo grau, as definições podem ser trazidas à luz através da transmis­
são dos embates da discussão da qual elas provieram, mas existe uma dificul­
dade inerente em trazer conceitos psicanaliticos à vida por esta maneira, par­
ticularmente os conceitos kleinianos, que se acham, de modo especial, estrei­
tamente vinculados aos fundamentos clínicos da psicanálise. Em grande par­
te, a teoria kleiniana é teoria clínica, e as teorias que os pacientes têm a res­
peito de suas próprias mentes constituem a base das teorias kleinianas da
mente. Esta ênfase em tomar a experiência subjetiva do paciente a sério com
freqüência tendeu a causar confusão, especificamente porque a linguagem

R.D.Hínshelwooâ / 15
do sujeito e a linguagem do observador representam discursos tradicionalmen­
te separados na psicologia 'científica".
Existem várias características principais na formação do pensamento kleiniano:
1. Klein chegou à vida profissional, e à psicanálise, tarde em sua vida, e, de­
vido a isso — bem como, provavelmente, por razões localizadas em sua pró­
pria personalidade — lutou continuamente para estabelecer-se de modo segu­
ro, posição que constantemente lhe fugia. A psicanálise kleiniana continua a
ser um corpo de conhecimentos cuidadosamente mantido por um grupo de
pessoas (o Grupo Kleiniano) com o mesmo arredio senso de insegurança e
uma preocupação sobre o que outros que venham a possuir os conhecimen­
tos possam fazer com eles. O debate com outras escolas de psicanálise foi
ou inexistente ou, quando aconteceu, degenerou em disputas de tipo bastan­
te pessoal.
2. Mesmo assim, Klein, como todos os inovadores, foi afortunada em desco­
brir-se de posse de uma nova técnica que lhe permitiu um alcance muito
maior em sua área de descobertas do que qualquer pessoa antes dela. Ela vi­
brou com o poder de sua técnica através do brincar e ficou entusiasmada pa­
ra demonstrar a utilidade dela. Mas a novidade e o poder de sua técnica fa­
lharam em dar-lhe a posição segura que buscava; na realidade, aconteceu o
inverso: seus resultados excepcionais tornaram-na um membro embaraçoso
e divergente da comunidade psicanalítica ortodoxa.
3. Outro elemento de vulto no pensamento de Klein foi a importância conce­
dida às "relações objetais", que lentamente surgiram da ênfase crescente da­
da a um aspecto especial do relacionamento analítico: a transferência. A vi­
da profissional de Klein acompanhou a lenta compreensão da realidade con­
creta das relações objetais internas, o processo de compreendê-las através
do brincar das crianças e da loucura dos psicóticos, e por fim a revisão radi­
cal da natureza e do uso da transferência, em resultado dessas descobertas.
O pensamento de Klein nem sempre progrediu em uma direção única. As eta­
pas podem ser relacionadas em ordem cronológica aproximada:
1919 Importância do conteúdo {antes que a origem pulsional da ansiedade)
1922 Terapia através do brincar
1923 Fantasia inconsciente
1923 Violência e sadismo ná vida de fantasia
1925 Abandono do esquema temporal das fases evolutivas
c.1925 Ciclos de perseguição
1926 Objetos internos
1926 Culpa e superego arcaico
1927 Introjeção das imagens fantasiosas dos pais!
1928 Simbolização, personificação e externaíização
1930 Mecanismos primitivos de defesa

16 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


1933 Pulsão de morte
1935 Importância do objeto amado
1935 Posição depressiva
1946 Perseguição e defesas da posição pré-depressiva {posição esquizo~pa~
ranóide)
1957 Inveja
Considerei alguns desses conceitos tão fundamentais que a primeira parte des­
te dicionário (Parte A) consiste em 13 verbetes principais, que tratam desses
conceitos básicos. Esses verbetes principais acham-se dispostos em ordem cro­
nológica, Alguns conceitos surgem e se esvanecem (tal como a Fase da Femi­
nilidade); outros permanecem vigorosamente centrais (particularmente Fanta­
sia Inconsciente e O bjetos Internos); um deles (Técnica) concerne ao impor­
tante instrumento de que todas as descobertas provieram. Há possibilidade
de esses 13 verbetes serem lidos como capítulos de um trabalho introdutório
à psicanálise kleiniana.
O ultimo dos verbetes principais (Identificação Projetiva) é o trampolim
para a maior parte da evolução com que colegas contribuíram na parte ulte-
rior da carreira de Melanie Klein (1945-60) e subseqüentemente.
A segunda parte do dicionário (Parte B) consiste nos verbetes gerais, dis­
postos em ordem alfabética convencional. Todos têm a intenção de propor­
cionar acesso satisfatório, mediante a referência cruzada à matriz dos concei­
tos, e o leitor determinado deve ser capaz de seguir o caminho que lhe inte­
ressa. Os verbetes gerais também ampliam os desenvolvimentos que se deram
após Klein. Tal como Freud, ela deixou um legado ricamente dotado para
que outros o levassem à frente. Há muitos desenvolvimentos posteriores;
em particular:
(Í) Desenvolvim entos no conceito de identificação projetiva: diferenciação en­
tre identificação projetiva normal e patológica (Bion, 1959); formação de sím­
bolos e suas anormalidades (Segai, 1957); teorias do conter e do pensar (Bion,
1962, 1970); desenvolvimento do conceito de contratransferênda em uma te­
oria de ação terapêutica (Money-Kyrle, 1956).
(ii) M anifestações clínicas da pulsão de m orte: investigação do narcisismo ne­
gativo (Rosenfeld, 1971); estruturação patológica da personalidade (Meltzer,
1968; Joseph, 1975).
(iü) O bservação direta de bebês nas primeiras fases da vida: a pele e a identi­
ficação adesiva (Bick, 1968; Meltzer, 1975); autismo (Meltzer et ah, 1975;
Tustin, 1981).
No curso da redação deste dicionário, fiquei mais do que nunca convenci­
do que os conceitos kleinianos surgiram do contexto do pensamento freudia­
no. Uma certa descrição do arcabouço freudiano foi, portanto, essencial, e
tentei avaliar quanto do pano de fundo freudiano é necessário explicar. Pa­
ra alguns leitores, posso ter descrito muita coisa que já lhes é familiar; para

R, D, Hinshelwood / 17
outros, muito pouco, e poderão necessitar conhecer mais sobre os anteceden­
tes, caso em que só posso referi-los ao Vocabulário da psicanálise, de Laplan-
che e Pontalis, e ao Dicionário 'crítico de psicanálise, de Charles Rycroft, ex­
celentemente simples.
A tradição kleiniana sempre deu ênfase ao trabalho clínico e pode-se dizer
que virtualmente nenhum trabalho kleiniano surge sem uma quantidade subs­
tancial de material clínico a respaldar-lhe os argumentos. Klein, sendo uma
observadora tão excepcional no consultório, sempre apoiou-se nessa força
quando sentiu, durante os anos de discussão, de 1926 a 1946, que era pressio­
nada a defender seu caso. Sua base foi sempre o conteúdo psicológico das
mentes de seus pacientes, tal como surgia no material. E curioso redigir um
relato não-clínico do pensamento kleiniano, mas, constitui pilar central do
propósito deste dicionário reunir seus fios teóricos.
Embora os conceitos kleinianos surjam da psicanálise clássica, eles existem
hoje em contraste com a psicologia do ego, atualmente a tradição dominan­
te derivada da psicanálise freudiana clássica. Onde possível, fiz referência
aos caminhos divergentes entre estas duas escolas.
Finalmente, compilei uma Bibliografia bastante abrangente, para meus pró­
prios fins, ao trabalhar neste dicionário, e, de vez que existe uma fronteira
bastante clara entre aqueles que trabalham rigorosamente com a psicanálise
kleiniana e aqueles que não o fazem, pareceu valer a pena incluir essa compilação.
Fiquei embaraçado com o uso de pronomes da terceira pessoa. O neutro
(it) é desagradavelmente impessoal, em minha opinião, para a descrição de
uma matéria-prima tão intensamente humana e pessoal. Qualificar constante­
mente o pronome utilizando a expressão "ele ou ela" ou "dele ou dela" leva
a um estilo laborioso. Portanto, ocasionalmente utilizei "ele", "a ele" ou "de­
le" onde me podería referir a identidades tanto masculinas quanto femininas,
e com isso não se pretende qualquer ofensa. Em verdade, é minha opinião
— e da psicanálise em geral — que o gênero não vai além da pele; somos
um amálgama de ambos os estereótipos de gênero e o emprego de "ele" ou
"ela" reduz a identidade a um objeto parcial, ponto que pode ser esclarecido
consultando-se o verbete PAI.
Desejo agradecer a meu próprio analista kleiniano, a meus professores de
psicanálise e a meus pacientes, com quem aprendi a empunhar esses difíceis
instrumentos conceptuais, e também a um certo número de pessoas que me
ajudaram na preparação deste livro: Gillian Beaumont, ]oe Berke, Susanna
Isaacs Elmhirst, Karl Figlio, Selina 0'Grady, Frank Orford, Hanna Segai, Eli-
zabeth Spillius, Victor Wolfenstein, Bob Young.
Devo particularmente assinalar o constante apoio que agradecidamente re­
cebí de Bob Young e o rigoroso teste intelectual a que Karl Figlio submeteu
o meu original, algo que tornou o resultado algo muito mais meticuloso do
que eu teria doutra maneira conseguido. Na preparação das correções a acrés­
cimos posteriores, tenho de reconhecer a ajuda de muitos colegas e amigos,

18 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


mas, especialmente, o tempo e o interesse concedidos ao Dicionário por Elisa-
beth Spillius e Hanna Segai.
Finalmente, permitam-me agradecer a alguém que nada tem a ver direta­
mente com este dicionário, exceto pelo seguinte importante conselho:
Algumas pessoas, quando veem uma palavra, pensam que a primeira coi­
sa a fazer é defini-la. Dicionários são produzidos e, com uma demonstra­
ção de autoridade não menos confiante por ser usualmente limitada no es­
paço e no tempo, algo que é chamado de significado correto é-lhe atribuí­
do. Mas, embora seja possível fazer isto, de modo mais ou menos satisfató­
rio, com certos nomes simples de coisas e efeitos, é não apenas impossível
mas também irrelevante no caso de idéias mais complicadas. O que nelas
importa não é o significado correto, mas a história e a complexidade dos
significados; as mudanças conscientes, ou os usos inconscientemente dife­
rentes, e, com freqüência, aquelas mudanças e diferenças que, mascaradas
por uma continuidade nominal, vêm a expressar mudanças radicalmente
diferentes e, amiúde, a princípio despercebidas, na experiência e na histó­
ria {Williams, 1972, p.67~8).
Tentei, talvez de modo vacilante, manter em mente esta advertência a res­
peito das idéias complexas. Na medida em que lhes tornei clara a complexida­
de, fico em dívida com o conselho de Raymond Williams; na medida em que
não o consegui, só posso encaminhar o leitor às fontes originais, a fim de
que as explore por si próprio.

Bick, Esther (1968), “The experiertce of the skin in early object relations", Int. ]. Psycho-A-
rtal, 49:484-6; replublícado (1987) em Martha Harris e Esther Bick, The collected papers
o f M artha Harris and Esther Bick, Perth, Clunie, p.114-8.
Bion, Wilfred (1959), “Attacks on Hnking", Int. J. Psycho-A nal., 40:308-15; republicado
(1967) em W. R. Bion, Second Thoughts, Heinemann, p .93-109.
...........(1962), Leam ing from experience, Heinemann.
-------- (1970), Attention and interpretation, Tavistock.
Joseph, Betty (1975), "The patient who is difficult to reach", em Peter Giovacchini, (org.),
Tactics and techniques in psycho-analysis, vol. 2, Nova Iorque, Jason Aronson, p.205-16.
Klein, Melaníe (1946), “Notes on some schizoid mechanisms'', em The wrítings o f M elanie
Klein, vol, 3, Hogarth, p.1-24.
Meltzer, Donald (1968), “Terror, persecutíon, dread", Int. ]. Psycho-A nal., 49:396-400; repu­
blicado (1973) em Donald Meltzer, Sexual States o f mind, Perth, Clunie, p,99-106.
-------- (1975), "Adhesive identifícation", Contem porary Psycho-Analysis, 11:289-310.
Meltzer, Donald; Brenner, John; Hoxter, Shirley; Weddell, Doreen e Wittenberg, Isca (1975),
Explorations in autism, P,erth, Clunie.
Money-Kyrie, Roger (1956), "Normal counter-transference and some of its deviatíons", Int.
J. Psycho-Anal., 57:360-6; republicado (1978) em The collected papers o f R oger M oney-Kyrie,
Perth, Clunie, p.330-42,
Rosenfeld, Herbert (1971), "A clinicai approach to the psycho-analytic theory of the life and
death instincts: an investigation into the aggressive aspects of narcissism", Int. }. Psycho-Anal.,
52:169-78.

R.D.Hinshehoood / 19
Segai, Hanna (1957), "Notes on symbol-formafcion", Int. ]. Psycho-A nal., 38;391~7; republica­
do (1981) em The w ork o f Hanna Segai, Nova Iorque, Jason Arortson, p.49-65.
Tustin, Francês (1981), Àutistic states in children, Routíedge & Kegan Paul.
Williams, Raymond (1972), "Ideas of nature", em (1980) Problem s in materialism and cultu-
re, Verso, p,67-85.

20 / Dicionário do Pensamento Kleíniano


A
Verbetes
Principais

Àm
TÉCNICA
DEFINIÇÃO, O trabalho de Klein com crianças enfatizou a função da fantasia
e a sua técnica utilizou brinquedos no setting psicanalítico, para realçar a
expressão de fantasias. O brincar, tal como a associação livre, os sonhos
e a atuação [acting out] foram encarados como expressões da fantasia.
Klein demonstrou que a técnica da interpretação imediata e profunda resul-
tava em uma modificação da ansiedade, achado que apoiou fortemente es­
se tipo de interpretação, enfatizando também a qualidade mutativa das in­
terpretações transferenciais.
Todo o material das manifestações verbais do paciente em uma sessão
analítica, mesmo em um adulto que está associando livremente, refere-se
a aspectos da relação transferenciai com o analista.
As associações que se referem a figuras externas da vida do paciente
são encaradas como aspecto da transferência que foram escindidos (split
offj a fim de reduzir a ansiedade do momento imediato com o analista a
um nível tolerável.
A contratransferência foi sempre encarada com certa desconfiança por
Klein, como também aconteceu com Freud; entretanto, o modelo apresen­
tado por Bion, de uma interação mãe-bebê, trouxe-a para o centro da téc­
nica psicanalítica. A compreensão da contratransferência é equivalente à
compreensão que a mãe tem das necessidades corporais de seu bebê e de­
senvolve a capacidade que o padente/bebê tem de compreender a si mes­
mo. Os analistas kleinianos não interpretam um sentimento contra transfe­
renciai sozinho; a própria experiência do analista é interpretada à luz dos
relacionamentos descritos no material do paciente.

CRONOLOGIA
1918 Trabalho com crianças.
1919 Interpretação de perguntas inconscientes sobre a sexualidade.
1921 Utilização de brinquedos e do brincar (Klein, Melanie, 1920, 'The
development of a child"; Klein, Melanie, 1955, "The psychoanalytic
play-technique: its history and significance").

R.D.Hínshelioood / 23
1926 Confrontação com Anna Freud (Klein, Melanie, 1926, 'The psycho-
logical principies of early analysis").
1934 Ênfase dada por Strachey à tranferência (Strachey, James, 1934, 'The
nature of the therapeutic action of psycho-analysis").
1956 Ênfase na contratransferência e nos ciclos de identificações projeti-
va e introjetiva (Money-Kyrle, Roger, 1956, "Normal counter-trans-
ference and some of its deviations"; Bion, Wilfred, 1959, "Attacks
on linking").

JJreud descobrira a psicologia da infância {principalmente as fases da se-


S . xualidade infantil e a teoria do trauma reprimido) a partir de sua psica­
nálise de adultos [ver 3. AGRE3SAO; L1BIDO], Quando quis conferir
suas teorias com crianças reais, pediu a conhecidos e colegas que coletas­
sem observações de seus próprios filhos e filhas. A "histórias clínica" do
Pequeno Hans (freud,. 1909) foi uma análise das notas taquigráficas feitas
pelo pai, das conversas diárias com Hans, de quatro anos e meio de ida­
de. A "análise” do Pequeno Hans causou duas coisas. Em primeiro lugar,
.confirmou as teorias de Freud a respeito do desenvolvimento infantil, mas
também, em segundo, o pessimismo dele sobre trabalhar diretamente com
crianças pareceu imped.r todos os demais de trabalhar com elas, quer tera-
peuticamente, quer para fins de pesquisa. Passaram-se outros quinze anos
até haver novamente interesse em estudar as crianças, desta vez para con­
ferir as teorias mais recentes do narcisismo (Freud, 1914) [ver NARCÍS1SMO].
Disso surgiu uma tentativa de instituir uma forma de análise de crianças
mais terapêutica (antes que de pesquisa) e ela se vinculou primeiramente
a educação (Hug-Hellmuth, 1921; Pfister, 1922; Hoffer, 1945). Hug-Belb
muth considerava que a melhor utilização da psicanálise era na orientação
da educação das crianças — professores psicanalíticos. Klein, contudo, foi
a primeira analista a tentar com crianças uma forma rigorosa de psicanáli­
se que excluía todos os elementos pedagógicos.

CONTRIBUIÇÃO DE KLEIN Â TÉCNICA PSICANALÍTICA. Todos os de-


senvohir eníos de Melanie Klein em técnica e prática originam-se de seu
interesse primário pela ansiedade, e, em particular, pelo conteúdo da ansiedade:
Para ela, foi sempre a pedra de toque, o fio orientador que a conduziu
através do labirinto (...) Para Freud a ansiedade era de importância
muito grande (...) sua abordagem a ela dava-se, até cerlu ponto, do
ângulo fisiológico, como uma condição de tensão que deve se- investiga­
da e entendida, e ele não se interessou pelo conteúdo p‘ .:o!6gjco do
medo (fantasias) r.a mesma medida em que Melanie Klein o fez. (Rivie-
re, 1952, p.8)
9Sk A técnica de Klein enfatizava o conteúdo da mente [ver 2. FANTASIA IN­
CONSCIENTE] mais do que as forças propulsores subjacentes — as pul-
24 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano
$Ões —, que os analistas clássicos haviam até alí estudado. Isto conduziu
a muitas modificações de grande alcance, que continuam a assinalar a dife­
rença entre a psicanálise kleiniana e a psicanálise ortodoxa (psicologia do ego);

I A técnica através do brincar


(1) o brincar das crianças foi considerado equivalente à associação livre
nos adultos;
(2) as interpretações que se dirigem à ansiedade inconsciente modificam-
na visivelmente;
(3) a atividade de brincar é uma forma de externalização, no setting analí­
tica, de preocupações internas, em particular uma preocupação com o re­
lacionamento com objetos que se acredita existirem internamente.

II Psicanálise de adultos
(1) as associações livres dos adultos vieram a ser vistas com um brincar
com objetos (com o analista ou com partes da mente deste);
(2) deu-se mais ênfase à criança no paciente adulto;
(3) importância da transferência negativa;
(4) a "situação total" (isto é, todas as associações) refere-se à transferência
para o analista;
(5) o analista, suas partes corporais e as funções de sua mente podem ser,
todas elas, experienciadas como objetos parciais;
(6) o bebê no paciente.

I A TÉCNICA ATRAVÉS DO BRINCAR. Melanie Klein viu Freud pela pri­


meira vez em 1918, ao assistir ao Congresso Internacional em Budapeste,
em que Freud leu "Linhas de avanço em terapia psicanalítica" (Freud,
1919). Ela deve ter sido inspirada e incentivada a contribuir para os novos
desenvolvimentos. Klein começou a praticar psicanálise com crianças por
sugestão de seu próprio psicanalista, Ferenczi, em Budapeste, provavelmen­
te em 1917 — seu primeiro sujeito foi um de seus próprios filhos (Petot,
1979). Isto hoje é um tanto chocante; contudo, achava-se de acordo com
a análise do Pequeno Hans pelo pai e, em verdade, com a análise feita
por Freud em sua própria filha Anna (Young-Bruehl, 1989), assim como
a análise que Abraham fez da filha. Essas primeiras tentativas levaram
Klein a especializar-se na análise de crianças.

O desenvolvim ento da técnica: No decorrer de um período de cerca de cin­


co anos, Klein desenvolveu uma técnica específica, a que deu o nome de
técn ica,através do brincar, com a qual podia analisar crianças menores

R.D.Hínshehuood / 25
de três anos; dessa maneira, achava ela, podia remontar à área cinza da
primeira infância mais longe do que qualquer outro o fizera.
A técnica não surgiu de uma vez só, mas através de uma série de eta­
pas, Ela começou reservando tempo para conversar com crianças e respon­
der às perguntas delas, especialmente aquelas relacionadas à vida sexual
dos pais, Era franca e aberta, e modelava o que fazia na maneira pela
qual Freud abordara o manejo dos problemas com o Pequeno Hans {Freud,
1909). Descobriu que se dava um efeito geralmente positivo na criança con­
frontada com um adulto aberto e totalmente franco, de maneira que o brin­
car e a vida de fantasia eram visivelmente enriquecidos.
Entretanto, quando relatou seu trabalho em um encontro da Sociedade
Psicanalítica Húngara em Budapeste, em 1919, um colega, Anton von
Freund, queixou-se de que ela se dirigia apenas às questões conscientes
que estavam intrigando a criança, e não às inconscientes. Suas interpreta­
ções, disse ele, não eram psicanalíticas, ainda que a maneira pela qual for­
mulava suas observações o fosse.
Depois disso, ela começou a dirigir-se às questões inconscientes [ver 2.
FANTASIA INCONSCIENTE], A princípio, teve muita cautela com as in­
terpretações; ainda assim, ficou estupefata com as mudanças de grande al­
cance que ocorreram, resultando num surgimento bastante espantoso de
fantasias e brincadeiras: "(...) de modo inteiramente espontâneo ele come­
çou a falar e, daí por diante, contou histórias fantásticas mais longas ou
mais curtas (...) Até então, a criança havia mostrado tão pouca tendência
a contar histórias quanto a brincar" (Klein, 1920,' p. 31). Ela parece ter fi­
cado quase alarmada pela repentina e infindável produção de fantasias,
não menos, talvez, por descobrir que elas eram com tanta freqüência vio­
lentas. Contudo, a força da técnica foi-lhe imediatamente confirmada.
Introdução de pequenos brinquedos (1923): Para realçar a expressão des­
sas fantasias, Klein começou a usar conjuntos muitos pessoais de brinquedos:
Em uma sessão em que novamente encontrei a criança respondendo pou­
co e retraída, deixei-a, dizendo-lhe que voltaria em um momento. Fui
até o quarto de brinquedos de meus próprios filhos, apanhei alguns brin­
quedos, carrinhos, figurinhas, tijolos de armar, um trem, coloquei-os
numa caixa e voltei para o paciente. A criança, que não fora atraída
pelo desenho ou outras atividades, ficou interessada nos brinquedos e
imediatamente começou a brincar com eles. (Klein, 1955, p. 125).
Klein tomou como modelo as interpretações feitas por Freud de um bebê
de oito meses, a brincar com um carretei de algodão (Freud, 1920).

(1) O brincar como associação livre. A abordagem de Klein à análise de crian­


ças muito pequenas era simples e inovadora: a liberdade de brincar podia
substituir as associações livres, e as fantasias expressas no brinquedo eram
"a mesma linguagem, o mesmo arcaico e filogeneticamente adquirido mo-

26 / Dicionário do Pensamento Kkiniano


do de expressão com que estamos familiarizados nos sonhos" {Klein, 1926,
p. 134). Cada criança tinha o seu próprio armário e isto permanece sen­
do característica importante da técnica através do brincar. O armário con­
tinha brinquedos pequenos, água e uma bacia, papel, tesoura, cola, etc.
Klein observava e, quando necessário, tomava parte no brincar da criança.
O n ovo setting: Este era um novo setting que envolvia brinquedos e obje­
tos reais. Assim, a transferência envolvia todos os objetos deste setting,
não apenas a analista [ver "a situação total", adiante]. Ela adotou um mé­
todo estrito e ortodoxo, querendo com isso dizer que interpretava exclusi­
vamente o inconsciente e abstinha-se das outras intervenções que Hug-Hell-
muth e Anna Freud estavam promovendo nessa ocasião.
Ela interpretava os elementos do brincar e respeitava-lhes o valor simbó­
lico, como se fossem elementos de um sonho. Utilizava as palavras comu-
mente empregadas pela criança, mas falava de modo explícito e franco a
respeito de assuntos sexuais, partes do corpo e as proeminentes relações
agressivas e sádicas, assim como das sexuais amorosas. Parece que Klein
era bastante ativa em seu brincar com os pequenos pacientes, dispondo-
se a desempenhar papéis nas fantasias deles, reencenando assim os dramas
também representados com brinquedos. Ela interpretava as relações entre
objetos como sendo o conteúdo psicológico da mente. Olhando retrospec­
tivamente, contrastou isso com a técnica padrão:
(...) era princípio estabelecido que as interpretações fossem dadas de
modo muito parcimonioso. Com poucas exceções, os psicanalistas não
haviam explorado as camadas mais profundas do inconsciente, sendo
tal exploração considerada perigosa em crianças. (Klein, 1955, p, 122).
O brincar e relações objetais: Os objetos possuídos pela pequena pessoa
dentro do setting analítico deixaram sua marca, não apenas na técnica da
psicanálise de crianças, mas também no tipo de observações que Klein co­
meçou a fazer e, subseqüentemente, nas teorias que desenvolveu. O con­
sultório é uma arena em que os brinquedos são manipulados e, necessaria­
mente, dispõem-se em relações espaciais uns com os outros. O senso de
um conjunto de relações ativas entre objetos, dentro de um espaço clara­
mente demarcado, já fica aparente no estabelecimento da descoberta, fei­
ta por Klein, das relações objetais. A idéia do mundo interno já fora esti­
pulada por sua escolha de setting [ver 5. OBJETOS INTERNOS]. Por um
acaso feliz, topara com um veículo ideal para trazer à luz a visão das rela­
ções objetais da mente humana [ver 5. ESCOLA DAS RELAÇÕES OBJETAIS].

(2) A interpretação como modifícadora da ansiedade. Klein descobriu que a


interpretação modificava a ansiedade. Em uma análise conduzida em 1924,
Ruth (quatro anos e três meses) recusava-se a relacionar-se com a analis­
ta e só ficava no aposento se sua irmã mais velha estivesse presente. Du­
rante muitas sessões, Klein foi derrotada em seus esforços para estabelecer

R.D.Hinshetwood / 27
contato positivo com a criança: "Vi-me assim forçada a tomar outras me­
didas, medidas que mais uma vez deram prova notável da eficiência da in­
terpretação na redução da ansiedade e da transferência negativa do pacien­
te". Prossegue descrevendo como utilizou material provindo de várias ses­
sões para formular uma interpretação da ansiedade da criança a respeito
das entranhas da mãe, e o temor de um bebê por nascer. Ela ficou espanta­
da com a mudança imediata: "O efeito de minha interpretação foi assom­
broso. Pela primeira vez, Ruth voltou sua atenção para mim e começou
a brincar de maneira diferente, menos tolhida" (Klein, 1932, p. 26-7).
A ansiedade e a transferência negativa: Os aspectos negativos do relaciona­
mento da criança com o analista (transferência negativa) eram de conside­
rável importância, uma vez que o brincar a que Klein assistia achava-se im­
pregnado por fantasias agressivas e pelo temor e alarma a que pareciam
dar origem. Tornou-se-lhe óbvio que o ato de interpretação;tinha de, em
primeiro lugar e acima de tudo, lidar com os aspectos negativos das fanta­
sias da criança, tanto porque era esse o ponto máximo de ansiedade quan­
to por ela haver descoberto que ele definitivamente mudava os sentimen­
tos pelo analista nessa direção positiva. ísaacs (1939) confirmou o efeito
de interpretar o ponto de ansiedade máxima. Nessa ocasião, contudo, ou­
tros analistas de crianças, alarmados por interpretações explícitas e profun­
das, desaprovaram intensamente isso (Anna Freud, 1927) [ver adiante; tam­
bém ANÁLISE DE CRIANÇAS].

(3) O brincar como expulsão. A importância do brincar levou Klein a interes­


sar-se pela sua natureza; através da expulsão, um conflito interno era ex-
ternalizado e, dessa maneira, tornado mais tolerável. Searl (1929) comen­
tou que "as fantasias são sempre melhores ou piores que a realidade" (p.
289), de maneira que, enquanto tendemos a ser conscientes daquelas que
são melhores (devaneios), as que são piores tendem a ser externalizadas,
a fim de serem mitigadas. O brincar, portanto, possui um aspecto que é
desesperado e é, de fato, uma forma de defesa-expulsão ou projeção [ver
PROJEÇÃO].
Esta função do brincar é bastante sombria e pessimista. Ele não é diver­
tido, mas destina-se a fornecer alívio para esses estados persecutórios internos:
: Pela divisão de papéis, a criança consegue expelir o pai e a mãe a quem,
/ na elaboração do complexo de Edipn, absorveu em si mesma e que ago-
\ ra a estão atormentando internamente, por sua severidade. O resulta-
I do dessa expulsão é alívio, que contribui em grande medida para o pra-
1 zer que deriva do jogo. (Klein, 1926, p. 133).
Externalização e culpa inconsciente: Freud (1916) demonstrara como crimi­
nosos, com um severo sentimento inconsciente de culpa, externalizam a
perseguição [ver CULPA INCONSCIENTE], Isto foi vinculado com o sub-
seqüente desenvolvimento de sua teoria posterior do superego. Freud tam-

28 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


bém considerara o brincar das crianças e descrevera-o de forma semelhan­
te: "Quando a criança passa da passividade da experiência para a ativida­
de do jogo, ela entrega a experiência desagradável a um de seus companhei­
ros de jogo" (Frèud, 1920, p. 17). Klein considerava-se como dando contri­
buições significativas para a externalização da culpa inconsciente, uma vez
que analisava crianças que se achavam na idade (ou antes dela; em que
Freud supusera que o superego estava se formando (quatrr a seis am,s de
idade) [ver 7. SUPEREGO).

II A TÉCNICA KLEINIANA COM ADULTOS. Na técnica kieiniana com a


psicanálise de adultos, a idéia, derivada da análise de crianças, de um esta­
do interno externalizado foi desenvolvida muito além. O emprego por
Klein da técnica através do brincar e os pressupostos que estão por trás
desta influenciaram o desenvolvimento da técnica psicanalítica com adultos.

(1) Associações livres como equivalentes ao brincar. Embora o brincar na


criança fosse originalmente tomado como equivalente a associações livres
no adulto, ele proporcionava uma ênfase nova se as associações livres dos
adultos fossem, inversamente, vistas como uma externalização semelhan­
te ao analista. As associações livres podem ser uma forma de atuação [ac-
ting ou t] (expulsão) de conflitos internos, estados de mente e pai tes do self.
O próprio ato de interpretar pode, por si, oferecer oportunidade para
o paciente engajar-se em manobras defensivas, processo que os kleinianos
observaram cada vez mais (Joseph, 1975; 0'Shaughnessy, 1981; Reisen-
berg-Malcolm, 1981; Brenman, 1985) [ver ESTRUTURA; PERVERSÃO].
Esta atuação [acting out] na situação transferenciai é função da identifica­
ção projetiva, em que certos aspectos da experiência e impulsos do pacien­
te são projetados para dentro do analista, aos quais ele pode responder
quer (i) reagindo a eles, quer (ii) verbalizando-os. Este aspecto da contra-
transferência foi progressivamente desenvolvido e sensibilizou grandemen­
te o analista aos aspectos não-verbais das comunicações do paciente [ver
CONTRATRANSFERÊNCIA, e adiante).

(2) A transferência como fantasia inconsciente. Klein veio a recomendar uma


visão muitíssimo mais rigorosa da transferência:
De meu trabalho com crianças cheguei a certas conclusões que, até cer­
to ponto, influenciaram minha técnica com os adultos. Tomemos pri­
meiramente a transferência. Descobri que, com crianças, a transferência
(positiva ou negativa) é ativa desde o começo da análise, de vez que,
por exemplo, até mesmo uma atitude de indiferença oculta ansiedade e
hostilidade. Também com adultos descobri que a situação transferen­
ciai acha-se presente desde o início de uma forma ou de outra, e vim,
portanto, a fazer uso de interpretações transferenciais cedo na análise,
(Klein, 1943)

R.D.Hinshelwood / 29
A relação com o analista é vista como possuindo significado para o pacien­
te, de acordo com os impulsos ativos neste, no momento [ver 2 FANTA­
SIA INCONSCIENTE],
Externalizaçâo da fantasia inconsciente: Não se trata, portanto, meramen­
te de uma repetição de antigas atitudes, acontecimentos e traumas do pas­
sado; trata-se de uma externalizaçâo da fantasia inconsciente "aqui e ago-
ra • ^ primado dos processos (projetivos) de externalizaçâo concede uma
importância espacial; assim como temporal, ao conceito de transferência,
em oposição a uma importância meramente temporal [ver TRANSFERÊN­
CIA],
A tradição kleiniana enfatizou a importância, na transferência, da ansie­
dade e das atitudes negativas no "aqui~e-agora". Strachey (1937) ampliou
isto em fundamentos teóricos que derivaram da teoria dos objetos inter­
nos e do superego [ver 5. OBJETOS INTERNOS; 7. SUPEREGO]:
Suponhamos que o analista dê a uma paciente uma interpretação no
sentido de que, em certa ocasião, ela teve o desejo de que o marido
morresse. Ora, o efeito que (de acordo com nossa teoria da interpreta­
ção) se deveria produzir aqui é que a paciente, por ser conscientizada
desse particular impulso do id, ficasse em posição de discriminar entre
seu objeto real (uma imago paterna, talvez) e pudesse assim ser capaz
de efetuar uma correção em sua atitude para com a realidade externa e,
em última análise, fazer um reajuste interno. Mas o que na realidade
acontece é algo inteiramente diferente. Quando a interpretação é dada,
todo o conflito se transfere da situação sobre a qual o analista está fa­
lando para outra situação sobre a aual não está falando. A paciente po­
de, é verdade, concordar que desejou que o marido morresse, mas seus
interesses emocionais passaram automaticamente para outro problema,
desta vez a respeito do analista e sua interpretação. Ela agora está reple­
ta de sentimentos conflitantes a respeito dele — raiva, temor, desconfian­
ça, gratidão, e muitos mais. E a totalidade deste novo conflito está, de
momento, fora da visão e do alcance do analista. (Strachey, 1937, p. 142-3).

Estas concepções, por sua vez, fortaleceram a própria ênfase dada por
Klein aos objetos internos e coincidiram com sua formulação da posição
depressiva [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA].

(3) A importância da transferência negativa. A importância dos conflitos ime­


diatos no relacionamento com o analista foi mais enfatizada quando uma
técnica psicanalítica com esquizofrênicos desenvolveu-se na década de
1940. Rosenfeld (1947) e outros descobriram que uma técnica verdadeira­
mente psicanalítica podia ser usada com pacientes psicóticos, desde que
uma atenção suficientemente apropriada, imediata e profunda fosse presta­
da à transferência, especialmente nas fases negativas.

30 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


A transferência negativa havia sido tão proeminente nas crianças que
Klein ficou alerta para sua natureza freqüentemente oculta nos adultos,
ponto para o qual Abraham (1919) e outros haviam ocasionalmente cha­
mado a atenção. A transferência negativa também é importante em ter­
mos teóricos. De vez que derivados da pulsão de morte são o problema,
a agressão e a destrutividade precisam ser trazidas para a transferência,
para investigação e interpretação.

(4) A situação total como situação transferenciai. A atenção concedida a ma­


nifestações ocultas de aspectos profundamente negativos, assim como posi­
tivos, revela a transferência como um todo:
Estamos acostumados a falar da situação transferenciai. Mas mantemos
sempre em mente a importância fundamental deste conceito? É minha
experiência que, ao desenredar os pormenores da transferencia, e essen­
cial pensar em termos de situações totais transferidas do passado para
o presente, assim como de emoções, defesas e relações objetais. (Klein,
1952, p. 55).

Klein estabeleceu que o total de todas as associações livres que vem a men­
te de um paciente pode ser referido à transferência, por mais afastado da
consciência que o vínculo possa ser:
Durante muitos anos a transferência foi entendida em termos de referên­
cias diretas ao analista no material do paciente. Minha concepção da
transferência como enraizada nos estágios iniciais do desenvolvimento
e em camadas profundas do inconsciente é muito mais ampla e acarre­
ta uma técnica pela qual, de todo o material apresentado, os elementos
inconscientes da transferência são deduzidos. (Klein, 1952, p. 55).

Isto desenvolveu-se como uma ênfase dada à situação total. A análise clás­
sica, em contraste, desconfia de tais interpretações "profundas" [ver adiante].
Esta ênfase é um marco decisivo da abordagem kleiniana, à qual ela re­
tornou repetidas vezes:

O princípio em questão é aquele, muito fundamental, da importância


do inconsciente na vida consciente. Quando compreendemos essa dife­
rença fundamental em perspectiva, entendemos por que alguns analis­
tas vêem tão pouco no material de seus pacientes, interpretam tão pou­
co e nem mesmo reconhecem uma situação transferenciai até o próprio
paciente expressar algo dela em referência consciente e direta ao analis­
ta. (Riviere, 1952, p. 17)
Klein enfatizou como o paciente se afastará do analista com seus impulsos
e fantasias agressivos e negativos e os voltará na direção de outras figuras,
que aparecerão no relato (ou brincar) do paciente como extrínsecas:

R.D.Hínshelwood / 31
(...) o paciente e obrigado a lidar com conflitos e ansiedades reexperien-
ciados em relação ao analista através dos mesmos métodos que utilizou
no passado, ou seja, ele se afasta do analista como tentou afastar-se
de seus objetos originários; tenta cindir as relações com ele, manten­
do-o seja como figura boa, seja como figura má; desvia alguns dos sen­
timentos e ansiedades experienciados em relação ao analista para outras
pessoas de sua vida atual, e isto faz parte da "atuação" [acting out]
(Klein, 1952, p. 55-6).

Isto repete a atividade primária de cisão do ego infantil [ver CISÃO]. Des­
sa maneira, todas as figuras que aparecem no brincar ou nas associações
livres devem ser consideradas como aspectos do analista que foram cindi­
dos [spiit off] e projetados [ver PROJEÇÃO]; trata-se de uma cisão desti­
nada a regular o relacionamento com o analista em níveis controláveis de
ansiedade. É esta a importância da situação total (Joseph, 1985).

(5) Objetos parciais na transferência. Muitos aspectos da transferência podem


ser perdidos, a menos que a totalidade do material que é produzido pos­
sa ser interpretada como uma luz importante que é lançada sobre a transfe­
rência, especialmente sobre os elementos inconscientes: "(...) não nos con­
duz suficientemente longe entendermos que o analista representa o pai ou
a mãe reais, a menos que compreendamos qual aspecto dos pais foi revivi­
do (Klein, 1952, p. 54). Nos níveis mais profundos da mente, o bebê ex­
perimenta funções maternas separadas — alimentação, limpeza, ser segura­
do, etc. — como se fossem desempenhadas por objetos separados [ver OB­
JETOS PARCIAIS]; em particular, os aspectos bons da mãe (que alimen­
ta, por exemplo) e seus aspectos maus (mantém o bebê esperando, em esta­
do de desespero, por seu alimento, por exemplo) são atribuídos a objetos
separados. A função que a mãe está ou não desempenhando num determi­
nado momento é esclarecida na transferência. O analista "(...) está não
apenas representando pessoas reais no presente e passado do paciente,
mas também os objetos que o paciente internalizou a partir dos primeiros
dias" (Klein, 1943). O genitor internalizado passou por uma distorção na
mente do paciente através da "(...) projeção e idealização, e amiúde rete­
ve muito de sua natureza fantasiosa". (Klein, 1952, p. 54).
Foi devido a esta técnica, de tomar toda associação na seqüência de pen­
samento de um paciente como se referindo inconscientemente ao analista,
que os kleinianos alcançaram sua penetração com os esquizofrênicos. Freud
considerara-os inanalisáveis, razão pela qual tentou analisar Schreber a
pariir de seu livro de memórias (Freud, 1911). Ele defendeu essa visão por
não se achar em posição de compreender a idéia dos aspectos excindidos
da transfèrencia. Não apreendeu reaímente o fenômeno da cisão senão
muito mais tarde, e a importância deste para a compreensão dos esquizo­
frênicos não foi desenvolvida por Klein até 1946 [ver PSICOSE].

32 / Dicionário do Pensamento Kieiníano


(6) O bebê no paciente. Estas idéias tornaram-se mais acentuadas quando
Bion (1959, 1962) distinguiu entre identificação projetiva normal e anor­
mal [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA; CONTER] e demonstrou
que o acting out na transferência relacionava-se à contenção dos medos in­
fantis e à dependência. Em sua forma normal, a identificação projetiva tem
uma função comunicativa em nível não simbólico. Esta visão do drama
transferenciai encenado entre mãe e bebe atraiu a atenção, em anos recen­
tes, para a contratransferência [ver adiante e CONTRATRANSFEREN-
q a ], Através da compreensão e do conter maternos, o bebê e o paciente
podem acumular experiências de serem compreendidos, e isto, como Segai
diz, "(.,,) é um começo de estabilidade mental" (1975, p. 135). O modelo
do continente materno da ação terapêutica torna uma prioridade a compre­
ensão do bebê nos pacientes adultos [ver CRIANÇA].
EFEITOS TERAPÊUTICOS. Klein justificou seu método pelos efeitos notá­
veis que tinha sobre a redução da ansiedade: a dissolução das inibições
para brincar, a redução da ansiedade imediata e a mudança para uma rela­
ção mais positiva com o analista:
Vi repetidas vezes quão rapidamente as interpretações faziam efeito (...)
embora existam numerosas e inequívocas indicações desse efeito: o de­
senvolvimento do brincar, a consolidação da transferencia, a diminui
ção da ansiedade, etc., apesar disso, por tempo bastante longo, a crian­
ça não elabora conscientemente as interpretações (...) Minha impressão
é de que a interpretação, a princípio, só é assimilada inconscientemen­
te. Apenas mais tarde é que a sua relação com a realidade penetra gra­
dualmente a compreensão da criança (...) a primeira coisa que aconte­
ce na análise é que a relação emocional com os pais melhora; a compre­
ensão consciente só chega quando isto se deu. (Klein, 1926, p. 137)
Ela notou que as reações do paciente eram mais importantes que suas res­
postas conscientes. O significado inconsciente da associação que surge ime­
diatamente após uma interpretação é mais importante do que qualquer
concordância ou discussão consciente.
Klein veio gradualmente a formular os efeitos terapêuticos:
(i) o desenvolvimento da percepção [awareness] que o sujeito tem de sua
realidade psíquica, e
(n) o equilíbrio das correntes de amor e ódio que nele circulam.
Ela expressou isto em termos das primeiríssimas ansiedades de que o sujei­
to padece: "(..) minha abordagem ao problema de terminar analises de
crianças e de adultos pode ser definida do seguinte modo: a ansiedade per-
secutória e depressiva deve ser suficientemente reduzida, e assim em
minha concepção — pressupõe a análise das primeiras experiencias de lu­
to" (Klein, 1950, p. 45). Nos termos de suas teorias posteriores das posi-

R.D.Hinshelwood / 33
ções depressiva e esquizoparanóide, isto significava o estabelecimento de
um objeto bom interno mais seguro.

A interpretação mutativa: Strachey (1934) teve muita influência no desen­


volvimento da teoria de que o efeito terapêutico provém da internalização
satisfatória de um objeto bom. Através da cisão, o analista pode ser uma
ou outra de duas figuras arcaicas — uma figura excepcionalmente boa ou
uma figura fantasiosamente má. A introjeção do analista em qualquer des­
tas formas não resultaria em benefício terapêutico, mas realçaria a cisão
dos objetos internos nessas formas excepcional e irrealisticamente boas ou más.
Hle elaborou uma teoria de interpretação imediata do aqui-e-agora que
retirava o analista dessas distorções transferenciais e capacitava o pacien­
te a introjetar uma imagem mais reaíística — uma mistura de bom e mau.
Dessa maneira, o analista, através da interpretação, se torna uma influên­
cia moderada que pode melhorar a situação interna e mediar entre os obje­
tos internos arcaicos e irrealísticos através da formação da base de um no­
vo objeto interno, menos arcaico e mais realista. Essas interpretações são
mutativas.
A teoria dele, com efeito, é uma teoria de como o objeto externo pode
vir a modificar a dureza primaria do superego — e Strachey refere-se ao
analista, em verdade, como “superego auxiliar". Ela é um modelo estrutu­
ral de mudança intrapsiquica, em oposição a um modelo econômico [ver
MODELO ECONÔMICO].
O pensamento de Strachey engastava-se profundamente no arcabouço
kleiniano de idéias e mostrava quão extensamente Klein influenciara os
analistas da Sociedade Britânica de Psicanálise. Com efeito, o trabalho de­
le é uma contribuição notável no sentido da sistematização da teoria klei-
niana, comparável, em certos aspectos, a teoria de Klein da posição depres­
siva, sobre a qual ela refletia nessa mesma época. É também considerada
como importante pedra angular para a compreensão da ação terapêutica
da psicanálise (Rosenfeld, 1972; Etchegoyen, 1983).
Contratransferência: A ênfase na transferência adquiriu impulso com o
correr dos anos e foi suplementada e realçada por uma crescente compreen­
são da transferência. Joseph (1985), na descrição que dá da situação trans­
ferenciai total, trouxe à tona a importância das reações do analista ao pa­
ciente, chegando a descrever em seu trabalho as reações que os membros
de um seminário de pós-graduação tiveram com um paciente que lhes era
relatado!
Klein não acompanhou esta ênfase dada à contratransferência, mas a
teoria desta repousa nas descrições que ela fez da posição esquizoparanói­
de, e da identificação projetiva em particular. O analista que se acha em
contato com o paciente recebera, na maioria dos casos, a projeção das pró­
prias experiencias do paciente em si mesmo e, então, experienclará quer
os sentimentos projetados do paciente em si próprio, quer os resultados

34 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


de sua posição de defesa contra tais sentimentos. Por exemplo, se o pacien­
te projeta culpa, o analista pode sentir culpa, responsabilidade, inadequa­
ção ou, por causa de sua posição de defesa, pode sentir-se autojustifican-
te ou querer protestar [ver CONTRATRANSFERÊNCIA].
O analista acha-se em posição de ter um conhecimento "de primeira
mão" a respeito das experiências de seu paciente, embora esse seja um co­
nhecimento que pode ser facilmente encoberto por suas próprias distor­
ções defensivas:
No decorrer dos últimos cinqüenta anos, os psicanalistas mudaram a
visão que tinham de seu próprio método. É hoje largamente sustenta­
do que, ao invés de serem a respeito da dinâmica intrapsíquica do pacien­
te, as interpretações devem ser a respeito da interação de paciente e ana­
lista em nível intrapsíquico. (0'Shaughnessy, 1983, p. 281) [ver CON-
TRATRANSFERÊNCIA ].
A situação analítica de transferência e contratransferência é uma interação
de processos intrapsíquicos separados, através da introjeção e da projeção.
O analista, neste sentido, tem a função de aceitar as próprias experiências
do paciente, sendo, assim, mais um ego auxiliar (contrastando com a opi­
nião de Strachey, acima mencionada, em que este descreveu o objeto re­
centemente internalizado, o analista interno, como superego auxiliar). Es­
te ponto de vista começou com Heimann (1950): "Minha tese é que a res­
posta emocional do analista a seu paciente, dentro da situação analítica,
representa um dos instrumentos mais importantes para o trabalho (...)
um instrumento de pesquisa do inconsciente do paciente" (p. 81). Ela argu­
mentou contra o analista que acredita que deva permanecer petreamente
inabaíado por seu paciente.
A mente do analista constitui elemento do meio ambiente do paciente,
talvez o elemento mais importante:
A compreensão que [o analista] tenha das raízes da ansiedade sera rudi­
mentar de início, mas a percepção da ansiedade per se não precisa ser
rudimentar. É mediante a disposição de entrar em contato com as ansie­
dades do paciente, de não ser esmagado por elas, de trabalhar com elas,
que o analista forja um relacionamento terapêutico operante. (Jaques,
1982, p. 503)
A mente do paciente busca uma função continente no analista, o qual, ten­
do experiências e elaborando-as em sua própria mente, é o aspecto impor­
tante da "situação total". Dessa maneira, a mente do analista, suas capaci­
dades e falibilidades, torna-se na análise o decisivo objeto continente que,
se reintrojetado pelo paciente em sua própria mente, forma um objeto in­
terno que funciona como base da estabilidade mental [ver CONTER].
Uma interpretação é mutativa na medida em que, psiquicamente, o analís-

R.D.Hinshelwood / 35
ta trabalha para conter a si próprio como distinto da representação do pa­
pel de uma ou outra figura arcaica (Elmhirst, 1978).
Contratransferência normal e anormal: Money-Kyrle (1956) e Bion (1959)
formularam o quadro mais claro do conter projetivo e introjetivo das expe­
riências do paciente. Money-Kyrle (1956) elaborou a teoria de Strachey.
Enquanto que este olhou para o problema da introjeção, pelo paciente,
de seu analista, e descreveu a maneira pela qual as projeções do paciente
atribuíam aspebtos primitivos do objeto ao analista, Money-Kyrle descre­
veu a situação desde dois pontos de vista intrapsíquicos: o do paciente e
o do analista. Se o paciente projeta sobre o analista e depois reintrojeta o
analista distorcido pela projeção, existe também a situação do analista que
introjeta a projeção do paciente e o que faz com ela dentro de si, antes
de devolvê-la ao paciente, para reintrojeção. Neste processo normal, o ana­
lista aceita em si aquilo que o paciente diz e, sob forma de uma interpreta­
ção, ele calmamente projeta uma versão modificada da comunicação do
paciente [ver MEMÓRIA E DESEJO], A conversão da projeção do pacien­
te, embora resida dentro do analista, deve, em circunstâncias normais,
achar-se alinhada com a opinião de Strachey, de que a interpretação não
apresenta o analista como qualquer dos objetos arcaicos polarizados ("bom"
ou "mau"). Money-Kyrle chama isto de contratransferência n orm al Contu­
do, as coisas não são tão diretas. Usos "anormais" do analista surgem a
partir da deterioração do processo, com um crescente vigor das projeções
para dentro do analista [ver CONTRATRANSFERÊNCIA; LIGAÇÃO].
Há situações em que o processo de introjeção oriundo do paciente cau­
sa problemas para a mente do analista, e então a projeção de volta para
o paciente fica empacada. O analista pode sofrer de estados prolongados
de aferramento a um paciente introjetado, pensando nele após a sessão
de maneira preocupada, etc., ou, então, estados prolongados de projeção
em que o seu proprio self infantil é atribuído de modo exagerado ao pacien­
te. Isto exige que o psicanalista se valha de trabalho interno para corrigir
a situação. Ele tem, em verdade, de elaborar aquilo que, em si, é perturba­
do por aquilo que o paciente nele projeta [ver CONTRATRANSFERÊNCIA].
Precauções!: Klein, tal como Freud, objetava a este uso da contratrans­
ferência, porque ele poderia constituir uma licença para o analista pojetar
defensivamente qualquer de seus sentimentos no paciente, parecendo assim
culpar a este por colocar seus sentimentos em mim". E importante relem­
brar este equívoco (Finell, 1986). Os próprios sentimentos do analista são
apenas um guia para a experiência do paciente. A dificuldade que o analis­
ta deve ter em distinguir o seu próprio investimento inconsciente no set-
ting significa que ele precisa conferir os seus próprios sentimentos pela uti­
lização dos detalhes das associações do paciente para fazer sentido de sua
própria experiência com o paciente.

36 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


No mesmo filão, é possível ao analista fazer intervenções que soam co­
mo interpretações transferenciais, mas de maneira mecânica, e,
relaciona todo o material que lhe é apresentado, de maneira vaga,
à transferência, tal como "você agora sente isto a meu respeito" ou "vo­
cê está me fazendo isso,í ou repete as palavras do paciente como se fos­
se um papagaio e relaciona-as a sessão. Acho que este tipo estereotipa-^
do de interpretação, que se imagina ser uma interpretação aqui-e-ago-
ra, transforma a valiosa contribuição que Strachey fez da interpretação
mutativa em algo absurdo. (Rosenfeld, 1972, p. 457).
O paciente experiencia esta forma mecânica de interpretar como sendo o
analista defendendo-se contra o paciente e as ansiedades que ele, paciente,
está projetando.
Técnica kteiniana contem porânea: A técnica kleiniana, hoje, enfatiza (i) a
situação imediata aqui-e-agora, (ii) a totalidade de todos os aspectos do
setting, (iii) a importância de entender o conteúdo da ansiedade, (iv) a con-
seqüência de interpretar a ansiedade, em vez de apenas as defesas (a cha­
mada interpretação profunda). Estes princípios fundamentais provêm da
análise de crianças e foram reforçados pela analise de esquizofrênicos, nas
décadas de 1940 e 1950. Nessa época, a percepcção da importância da ci­
são e da identificação projetiva teve uma influência teórica importante so­
bre a prática, realçando o uso amplo e franco de palavras que denotavam
objetos parciais (mencionados como seio, pênis, mamilo, etc.) uma mudan­
ça nas últimas duas décadas, baseada na compreensão da identificação pro­
jetiva e do acting out na transferência [ver ATUAÇÃO DENTRO DA SES­
SÃO; MUDANÇA PSÍQUICA], enfocou em vez disso aqueles processos
no setting analítico que servem de defesa contra a experiência que o pacien­
te tem de dependência e inveja no aqui-e-agora (Spillius, 1983)*.

Graduaímente, ainda que de modo bastante desigual, quatro tendências


de mudança emergem (...) nas décadas de 60 e 70: (1) A destrutivida-
de começou a ser interpretada de maneira mais equilibrada. (2) O uso
imediato da linguagem de objeto parcial tendeu a ser substituído por
uma abordagem mais passo-a-passo das expressões corporais da fanta­
sia inconsciente, (3) O conceito de identificação projetiva começou a
ser usado de modo mais direto na análise da transferência. (4) A partir
da terceira tendência, aumentou-se a enfase sobre o acting out na trans­
ferência e a pressão aplicada ao analista no sentido de juntar-se a ele.
(Spillius, 1983, p. 325).

Técnica clássica e técnica kleiniana: O interesse de Klein pela ansiedade le-


vou-a a fazer interpretações que descreviam a situação inicial de ansieda­
de [ver 8. SITUAÇÕES DE ANSIEDADE] e que, portanto, eram profun­
das no sentido de tentarem alcançar a ansiedade subjacente às defesas.

R.D.Hinshekoood / 37
Em contraste, a técnica clássica, tal como desenvolvida em Viena, era in­
teiramente diferente. Aqui, a técnica era identificar os impulsos (tal como
emergiam no pré-consciente) como derivados das pulsões no inconsciente,
identificar para o paciente o impulso imediato — quase à superfície —,
que está lutando para aparecer, e interpretar a defensividade final que re­
siste a sua infiltração na consciência. Dessa maneira os analistas clássicos,
ao descreverem o derivado mais superficial das pulsões, que ainda não é
inteiramente consciente, acreditavam manter uma cooperação baseada
em uma transferência positiva (posteriormente denominada aliança de tra­
tamento, Zetzel, 1956) e impedir que uma transferência negativa prejudi­
cial fosse despertada mediante o desafio das defesas além de um certo ní­
vel mínimo, que podia ser controlado (ver Fenicheí, 1941). O método clás­
sico de interpretar a partir da superfície e apenas mover-se cautelosamen­
te, de modo sistemático e mais fundo através das camadas da mente, ba­
seia-se na abordagem "fisiolófica" de Freud da energia mental [ver LIBI-
DO; MODELO ECONÔMICO], Para um resumo claro da divergência en­
tre as duas técnicas, ver Payne (1946).

O DEBATE COM ANNA FREUD. Em 1926, Anna Freud deu uma série de
palestras em Viena sobre a sua experiência de análise de crianças. A essên­
cia de suas conferências foi uma crítica do trabalho de Klein e sua técnica
através do brincar (Anna Freud, 1927). Embora essas críticas fossem mais
tarde um tanto mitigadas, elas constituem a base do abismo profundo exis­
tente entre a técnica, tal como descrita neste verbete, e a técnica clássica
que veio a ser adotada pela escola de psicanálise conhecida como psicolo­
gia do ego [ver PSICOLOGIA DO EGO].
Em 1927, o ano seguinte as palestras de Anna Freud, houve um simpó­
sio no 10? Congresso de Psicanálise, em Innsbruck, no qual Anna Freud
forneceu um breve resumo de suas conferências e Klein (1927) contestou
plenamente as críticas da primeira.

Críticas iniciais de Anna Freud. Anna Freud efetuou um certo número de crí­
ticas específicas, formuladas em linguagem intransigente. Transmitiam elas
a opinião de que Klein encontrava-se seriamente em erro na sustentação
teórica de sua abordagem. Essas críticas podem ser consideradas sob diver­
sos subtítulos: (i) a fase preparatória; (ii) a situação analítica modificada;
(iti) a transferência de crianças e (iv) o brincar e associação livre.
(a) A fase preparatória: Anna Freud começou apontando que a criança
não chega à análise por sua própria vontade, mas sim por causa de outros
família, escola —, que sofrem com os sintomas dela. A criança come­
ça sem entendimento de para que serve a analise e o analista tem de enga-
jar-lhe o interesse, mostrando como, de uma forma ou de outra, ele pode
ser útil ao pequeno paciente como um aliado. Ela advogava uma "fase pre­
paratória , destinada a vincular a criança ao analista em um apego emocio-

38 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


nal de tipo afetuoso, isto ia contra a visão sustentada por Klein da impor­
tância de aderir firmemente à principal estratégia psicanalítica da interpreta­
ção do inconsciente.
(b) A situação analítica m odificada: Anna Freud achava que o analista
não pode mais apresentar-se como figura indistinta ao paciente infantil,
mas sim ser uma personalidade por seu próprio direito, se quiser que a
criança desenvolva um vínculo afetuoso: "Em concordância com isso, o
analista combina em sua própria pessoa duas funções difíceis e diametral­
mente opostas: ele tem de analisar e educar" (Anna Freud, 1927, p. 49).
De vez que era prática comum na época o analista apresentar-se como
uma tela branca, a fim de não interferir com o desenvolvimento da transfe­
rência do paciente, parecia que uma transferência propriamente dita não
podería desenvolver-se em uma análise de crianças e, assim, uma técnica
analítica clássica de interpretar as resistências transferenciais não podería
avançar.
(c) A transferência nas crianças: De acordo com a teoria da transferencia
na época, a criança ainda se achava sob os cuidados de seus objetos primá­
rios (pai ou mãe) e como ainda tinha exatamente esses objetos, os primá­
rios, ele ou ela não transferiríam afetos e impulsos a partir desses relacio­
namentos para formar uma "nova edição" com o analista. Desenvolver
uma transferência acarretaria afastar a criança de casa para uma escola re­
sidencial de algum tipo. Em verdade, medida dessa ordem é adotada, por
exemplo, pela Escola Ortogênica, em Chicago, estabelecida por Bettelheim
para crianças gravemente autistas (Bettelheim, 1975; Sanders, 1985).
(d) O brincar e associação livre: Anna Freud criticou particularmente a vi­
são de Klein de que o brincar da criança é equivalente à associação livre
do adulto. A criança não brinca para esse fim e, portanto, ela considera­
va o método de interpretar de Klein como selvagem, por lhe faltarem asso­
ciações que pudessem confirmar os significados do brincar. Em 1937, Wa-
elder ainda se mostrava crítico da técnica de Klein e acreditava que seus
achados resultavam de uma técnica defeituosa, critica repetida, mais recen­
temente, por Greenson (1974).

As refutações de Klein. Klein (1927) argumentou exaustivamente contra to­


das essas críticas. Havia um certo grau de impaciência e sarcasmo na ma­
neira pela qual apresentou as suas provas contra Anna Freud:
Minha experiência confirmou minha crença de que, se construo a anti­
patia imediatamente como ansiedade e sentimento de transferencia nega­
tiva, e interpreto como tal em conexão com o material que a criança
ao mesmo tempo produz, e então a remonto a seu objeto original, a
mãe, posso imediatamente observar que a ansiedade diminui. Isto se
manifesta pelo começo de uma transferencia mais positiva e, como ela,

R.D.Hinshelwood / 39
de um brincar mais vigoroso (...) Pela resolução de alguma parte da
transferência negativa, obteremos então, tal como acontece com os adul­
tos, um aumento da transferência positiva, e isto, em concordância com
a ambivalência da infância, logo, por sua vez, será sucedido pelo ree-
mergir da negativa. (Klein, 1927, p. 145-6)
Ela impiedosamente demonstrou a maneira inconsistente que Apna Freud
tinha de lidar com a transferência negativa.
Até onde posso entender do livro dela [Anna Freud] (...) ela tenta por
todos os meios ocasionar uma transferência positiva, a fim de atender
à condição, que considera necessária para seu trabalho, de criar um ape­
go na criança à personalidade dela (...) [Mas] nós temos outra excelen­
te e bem-testada arma, a qual empregamos de maneira análoga à que
utilizamos nas análises de adultos (...) Quero dizer que nós interpreta­
mos. (Klein, 1927, p. 145-6).

Klein alegou que o método de Anna Freud era não-analítico, e prosseguiu


fazendo a acusação suprema que se pode fazer contra outro analista: "Os
exemplos que Anna Freud da demonstram, em verdade, uma ausência de
análise do complexo de Édipo" (Klein, 1927, p. 141). Sendo o complexo
de Edipo o cerne da teoria e prática psicanalísticas, Klein estava alegando
que a técnica de Anna Freud não podia ser classificada como psicanálise.
Foi levada a esta violenta réplica por haver Anna Freud reivindicado ser
mais ortodoxa em sua abordagem teórica.
Em resumo, as opiniões de Klein a respeito da abordagem de Anna Freud
podem ser sumarizadas sob os mesmos subtítulos:
(a) A fase preparatória: Klein defendia que as crianças não precisam ser
induzidas ou persuadidas, mas que imediatamente compreenderão (incons­
cientemente) os benefícios da análise desde a primeira interpretação. Argu­
mentou que o sentimento inconsciente que o paciente tem de ser entendi­
do torna-se a sua motivação.

(b) A situação analítica m odificada: Klein (1927) utilizou exemplos clíni­


cos pormenorizados, numa tentativa de demonstrar que o setting não tem
que ser diferente de outro baseado na interpretação do inconsciente. A in­
terpretação da transferência negativa (sentimentos hostis), enquanto estão
sendo demonstrados, tinha resultados espantosos, que capacitavam a crian­
ça a voltar-se imediatamente para o analista. Aferrou-se ela à sua reivindi­
cação de não haver necessidade de mudar a situação analítica, de uma in-
terpretativa para outra que incluísse o ensino ou a tentativa de obter do
paciente uma atitude positiva.

(c) A transferência nas crianças: Klein também produziu exemplos clínicos


em que o analista ou os brinquedos são especiaímente vinculados com os
pais e os representam. A evidência de que objetos primários [ver OBJE-

40 / Dicionário âo Pensamento Kleiniano


TOS PARCIAIS] são representados todo o tempo desta maneira, levou-a
a acabar por reconhecê-los como objetos internos, constantemente externa-
lizados em objetos externos, inclusive os genitores reais. Na prática, qual­
quer que fosse a teoria, a resolução de conflitos na transferência analítica
resultou em um relacionamento melhor com os pais. Não existe, como
Anna Freud supôs, um conflito entre a análise e o lar. Klein concordou
que o analista que se dispõe a estabelecer um relacionamento particular
com a criança não pode formar uma transferência. Ela e outros analistas
ingleses comentaram ironicamente existir algo de autocontraditório entre
o desvio de Anna Freud quanto à técnica clássica e sua queixa de não po­
der usar interpretações transferenciais,
(d) O brincar e associação íro/e:Klein negou fazer interpretações selvagens
do significado dos símbolos no brincar e alegou que sempre obtivera pro­
vas do vínculo existente entre a figura no brinquedo e o objeto primário
antes de interpretar, ainda que em seus trabalhos ela com freqüencia não
forneça os vínculos reais que surgem nas sessões.
A natureza altamente crítica destas trocas de pontos de vista tendeu a
polarizar as opiniões em torno de cada um deles, entrincheirando cada
um dos lados em suas próprias opiniões.

A técnica posterior de Anna Freud. As conferências de 1926 de Anna Freud


só foram publicadas na Grã-Bretanha em 1946, fato que conduziu a um
certo amargor e à suspeita de que os ingleses estivessem boicotando os vie-
nenses. Na época em que foram publicadas, porém, a técnica de Anna
Freud já havia mudado um pouco — e na direção da de Klein. Aquela fez
um comentário nesse sentido no prefácio à edição inglesa de seu livro, e
Klein, de modo bastante triunfante, comentou isso em uma edição poste­
rior (1948) de seu próprio artigo de 1927. Geleerd (1963) também confir­
mou que a "fase preparatória" não era mais exigida e que grande parte
do papel educativo não era necessária. Reconheceu ela que muitas das
(...) críticas a Anna Freud [por Klein] são hoje válidas: ex., a prepara­
ção manipulativa da criança para a análise de crianças, como proposta
então por Anna Freud, está superada. Uma análise sistemática das defe­
sas e afetos assumiu o seu lugar. (Geleerd, 1963, p. 496)

Níveis e profundidade. Apesar disso, Gelleerd mostrou-se profundamente crí­


tica do método de Klein de interpretação, no qual os variados níveis eram
constantemente tornados confusos ou escolhidos aparentemente ao acaso,
de vez que, na técnica clássica, o nível do impulso ativo oral, anal ou
genital — deve ser discernido com exatidão [ver LIBIDO].
Embora o trabalho inicial de Klein se destinasse a tornar claro, com ba­
se em amplas provas clínicas, que as fases da íibido (nível oral, anal ou
genital) não são, em realidade, nítidas, a preocupação a respeito do nível

R.D.Hinshehvood / 41
da interpretação permaneceu constante (ver 4. COMPLEXO DE ÉDIPO].
Greenson (1974) mostrou-se muito crítico da alegação feita pelos kíeinia-
nos (por exemplo, Rosenfeld, 1965) de que os esquizofrênicos podiam ser
analisados sem mudança na técnica clássica, quando, aparentemente, a téc­
nica kleiniana havia abandonado por inteiro essa técnica. Isto se reflete
também nos trabalhos repetidamente críticos de Kernberg (1969, 1980, por
exemplo), que foram fulminantes também a respeito de interpretações que
são consideradas profundas, por haver perigo de que o paciente as experi­
mente como intrusiva. Não é de surpreender, reivindicam eles, que os klei-
nianos encontrem com tanta freqüência ansiedade persecutória em seus pa­
cientes: suas interpretações a provocam. Em resposta, Rosenfeld (1987) ten­
tou distinguir, no material clinico, entre aquelas ocasiões em que o pacien­
te é ferido por uma interpretação incorreta e as reações paranóides que
derivam de outras fontes. Enfatizou ele também o importante alívio quan­
to a sentimentos paranóides que as interpretações "profundas" corretas po­
dem fornecer.

A natureza do brincar. Por haver Anna Freud sido crítica do pressuposto klei-
niano da equivalência entre o brincar e a associação livre, Klein começou
a ter um interesse de longa duração pela natureza da simbolização. Cons­
tantemente retornou à importância da externalização como simbolizadora
do conteúdo das fantasias ansiosas e como forma de voltar-se para novos
objetos [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. Em contraste, os analistas vie-
nenses, que apoiavam Anna Freud, encaravam o brincar como uma ativi­
dade mais inocente, embora Waeíder (1933), seguindo Freud (1920), consi­
derasse o brincar uma repetição, na qual uma situação ou incidente peno­
so é constantemente re-representado, para fins de chegar-se a um acordo
com o trauma; a situação de ansiedade é controlada invertendo-se os pa­
péis, de maneira a que o sujeito não seja mais passivo, mas tenha o papel
ativo. Anna Freud (1936), mais tarde, adotou a expressão "identificação
com o agressor" [ver também 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA] para
designar esse processo. Dessa maneira, brincar é mudar o final para um
desfecho agradável, ao invés de penoso. A diferença decisiva era que, pa­
ra Klein, a externalização da fantasia é uma manobra defensiva, enquan­
to que, na psicanálise clássica, a fantasia é utilizada para elaborar o trau­
ma [ver DEFESA PSICOLÓGICA].

CONCLUSÕES. Por temperamento, Klein escorava suas opiniões, quando


se sentia atacada, valendo-se de suas observações na situação clínica, ao
invés de engajar-se na elucidação teórica. Tinha nisto a ajuda de ser, por
natureza, uma observadora clínica muito astuta e da boa sorte de ter ido
ao encontro de uma técnica poderosa para o trabalho com crianças. Sua
técnica foi um bem valioso na sustentação de suas concepções, mas repre­
sentou também um ônus quando ela ingressou em um campo de trabalho

42 / Dicionário áo Pensamento Kteiniano


completamente novo quando ainda tinha pouca experiência. Inevitavelmen­
te, isto fez com que ela fosse contra as concepções de seus colegas mais
velhos. Klein nunca intimidou-se de ter uma opinião própria, e isto condu­
ziu a muitas afrontas, amargor e sofrimento em sua carreira profissional,
para si mesma e para aqueles que com ela trabalhavam como colegas (Gross-
kurth, 1986). Há uma diferença marcante entre os textos de Anna Freud
e os de Melanie Klein. A primeira abordou o seu trabalho com crianças
com base na teoria do desenvolvimento infantil existente na ocasião, en­
quanto que Klein, de modo mais simples, observou as situações clínicas e
o efeito de suas interpretações.
O poder da técnica original de Klein para a psicanálise de crianças deu
ímpeto a todos os desenvolvimentos posteriores de sua teoria e à sua técni­
ca de psicanálise de adultos. Os textos kleinianos continuam a refletir a
ênfase clínica; muito poucos trabalhos são publicados sem relatórios deta­
lhados de casos que substanciem seu argumento.

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R.D.Hinshehvood / 45
\ 2 ]

FANTASIA INCONSCIENTE
DEFINIÇÃO. As fantasias inconscientes estão subjacentes a todo processo men­
tal e acompanham toda atividade mental. Elas são a representação mental
daqueles eventos somáticos no corpo que abrangem as pulsões, e são sen­
sações físicas interpretadas como relacionamentos com objetos que causam
essas sensações. Irrompendo a partir de sua instigação biológica, as fanta­
sias inconscientes são lentamente transformadas por duas maneiras: (i) pe­
la mudança através do desenvolvimento dos órgãos para a percepção à
distância da realidade externa, e (ii) pelo surgimento no mundo simbólico
da cultura, a partir do mundo primário do corpo. As fantasias podem ser
elaboradas para alívio dos estados internos da mente, quer pela manipula­
ção do corpo e suas sensações (fantasias masturbatórias), quer pelo fanta­
siar direto. A fantasia é a expressão mental das noções pulsionais e tam­
bém dos mecanismos de defesa contra essas noções pulsionais.

CRONOLOGIA
1920 Fantasia consciente e curiosidade sexual (Klein, Melanie, 1920, "The
development of a chiíd").
1921 Fantasias pre-genitais (Klein, Melanie, 1923, "The role of the school
in the libidinal development of the child").
1925 Fantasias de masturbação (Klein, Melanie, 1925, "A contribution to
the psychogenesis of tics").
1948 Pulsão e fantasia (Isaacs, Susan, 1948, "The nature and function of
phahtasy").

A idéia da fantasia como atividade inconsciente esteve presente, para


Klein, desde o início de seu trabalho. Ao interessar-se pelo conteúdo
da ansiedade, ela inevitavelmente trouxe as fantasias presentes no brincar
para o primeiro plano. A importância da fantasia no pensamento de Klein
foi reforçada por dois fatores:

(1) A extraordinária inclinação das crianças a produzirem fantasias no seu


brincar, e, especialmente, sua elaboração preocupada de teorias sexuais a

46 / Dicionário do Pensamento Klemiano


respeito dos relacionamentos entre os seus próprios órgãos e seus pais [ver
3. AGRESSÃO]. Klein ficou impressionada por esta forma de pensar nar­
rativo com objetos e desafiou a teoria do narcisismo primário. Ferenczi
(1921) havia descoberto no sintoma psicológico do tique nervoso uma pro­
va clínica do narcisismo primário. A atividade motora no tique era simples­
mente uma descarga de energia psíquica. Em contraste, Klein (1925) dis-
pôs-se a demonstrar que, mesmo com este protótipo de impulso sem obje­
to, existiam fantasias subjacentes na parte inconsciente das mentes das crian­
ças [ver NARCISISMO].
(2) Os notáveis efeitos que a interpretação tinha sobre a produção de fan­
tasias [ver 1. TÉCNICA]. Klein ficou assombrada com a escala de produ­
ção de fantasias após a liberação da inibição, mas foi suficientemente astu­
ta para dar-se conta de que uma liberação da fantasia e o relaxamento pa­
ra uma atitude mais positiva em relação ao analista eram indicadores tera­
pêuticos decisivos e denotavam um sinal importante de uma mente a fun­
cionar de modo sadio. Esta importância clínica básica da fantasia incons­
ciente permaneceu intocada através de todo o pensamento kleiniano.
Houve, contudo, diversas etapas na compreensão de sua importância
teórica: (I) a atividade de fantasia nas fases pré-genitais e, em verdade, a
partir do nascimento; (II) a fantasia como representação mental de pulsôes
biológicas; (III) a fantasia inconsciente e as defesas; (IV) a distinção em re­
lação à teoria clássica freudiana da fantasia (fantasia e realidade), e (V) o
papel da fantasia inconsciente no desenvolvimento.

I ATIVIDADE ARCAICA DA FANTASIA. Em apoio ao artigo de Freud


(1914) sobre o narcisismo, Abraham (1921) e Ferenczi (1921) descreveram
casos psicanalíticos de tique nervoso em que nenhum objeto sexual se acha­
va ligado à descarga motora. O tique, portanto, constituía um simples subs­
titutivo para a masturbação. Os impulsos libidinais são simplesmente des­
carregados e satisfeitos. A idéia de uma fase de narcisismo primário ou au-
to-erotismo, em que não existe relacionamento com objetos como tais, foi
confirmada.
A coleção de produções fantasiosas trazidas à tona pela nova técnica
através do brincar impressionou Klein pela forma que tinha de um pensar
narrativo com objetivos, e ela desafiou a teoria do narcisismo primário.
Demonstrou que mesmo com o tique nervoso, aparente protótipo de im­
pulso sem objeto, havia fantasias subjacentes na parte inconsciente das
mentes das crianças (Klein, 1925). Descobriu ela que podia interpretar ati­
vidades de fantasia que eram simbolicamente representadas pelo tique: fan­
tasias de fazer algo a objetos ou de passivamente permitir que se fizesse
algo ao sujeito. Aquelas fantasias acompanhadas pela ação involuntária
do tique nervoso foram descritas como sendo fantasias de masturbação,
ou masturbatórias [ver FANTASIAS DE MASTURBAÇÃO], e eram incons-

R.D.Himhetwood / 47
cientes, ainda que a expressão "fantasia inconsciente" pareça ser quase
uma contradição. Tais fantasias (distinguidas na literatura por serem grafa­
das com ph e não com f*) tornam-se evidentes através de derivados de
um tipo ou de outro, tal como acontece com o próprio inconsciente. Ficam
conhecidas por inferência com base na evidência clínica.

Fantasias pré-genitais: Acrescendo-se a esta confiança, havia o fato de que


as crianças que Klein analisava tinham fantasias orais e anais a respeito
da relação sexual. Tais fantasias pré-genitais não se acham explicadas na
teoria freudiana do narcisismo primário, em que não existem outros (obje­
tos) verdadeiros até chegar-se à fase genital. As fantasias que expressou im­
pulsos sádicos horríficos, oriundos de fontes pré-genitais, constituem pro­
va contra o narcisismo primário.

II FULSÃO E FANTASIA INCONSCIENTE. ísaacs formulou o conceito de


fantasia inconsciente de modo muito claro, em nome do Grupo Kleiníano,
em 1943, em artigo destinado a cristalizar as controvérsias existentes entre
as concepções de Klein e os psicanalistas clássicos, oriundos de Viena. Ela
enunciou o cerne de seu trabalho como "fantasia é o conteúdo primário
de processos mentais inconscientes" (ísaacs, 1948, p. 82). Trata-se de uma
idéia de longo alcance: toda atividade mental se dá com base em relações
fantasiadas com objetos, inclusive a atividade da percepção, fantasiada co­
mo sendo uma incorporação concreta por meio do aparelho perceptual, e
os pensamentos como objetos [ver BION], A fantasia inconsciente, sendo
a representação mental de noções pulsionais, é o fenômeno psicológico
mais próximo da natureza biológica do ser humano.
Fantasias primárias: As fantasias inatas, pulsionalmente derivadas, são pri­
mariamente inconscientes. Elas incluem o conhecimento do mamilo e da
boca, que o recém-nascido inatamente concebe como sendo para sugar,
ísaacs trata de uma objeção comum:
Foi algumas vezes sugerido que fantasias inconscientes tal como a de
"rasgar em pedacinhos" não surgiríam na mente da criança antes que
ela tivesse conquistado o conhecimento consciente de que despedaçar

N. do T.t Transcrevemos, para esclarecimento, o verbete FANTASY E PHANTASY, do Di­


cionário crítico de psicanálise, de Charles Rycroft {Rio de janeiro, Imago, 1975. p. 101). Pa­
ra considerações mais extensas a respeito da expressão, ver V ocabulário da Psicanálise", de
Laplanche e Pontaüs (São Paulo, Martins Fontes, 1986. p. 228).
FANTASY e PHANTASY. Segundo o O xford English dictionary, "no uso moderno, fantasy
e phantasy, apesar de sua identidade de som e etimologia, tendem a ser compreendidas co­
mo palavras independentes, sendo o sentido predominante da primeira 'capricho, extravagân­
cia, invenção fantasioa', e o da segunda, 'imaginação, noção visionária"'. Como o conceito
psicanalítico se aparenta mais à IMAGINAÇÃO do que ao capricho, os autores psicanalíticos
ingleses invariavelmente utilizam phantasy e não fantasy, mas poucos autores am ericanos_
se é que algum — os acompanharam nesse proceder.

48 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


uma pessoa significaria matá-la. Essa opinião não se aplica ao caso. Ela
despreza o fato de que tal conhecimento é inerente aos impulsos corpo­
rais, como veículo da pulsão, ao alvo da pulsão, à excitação do órgão,
qual seja, neste caso, a boca. (ísaacs, 1948, p. 93-4). (ver CONHECI­
MENTO INATO]
Origens som áticas: O inconsciente é constituído por relacionamentos com
objetos. Uma fantasia inconsciente é uma crença na atividade de objetos
"internos" concretamente sentidos [ver 5. OBJETOS INTERNOS], Este é
um conceito difícil de ser apreendido. Uma sensação somática reboca con­
sigo uma experiência mental que é interpretada como um relacionamento
com um objeto que deseja causar essa sensação, sendo amado ou odiado
pelo sujeito segundo o objeto for bem disposto ou tiver intenções más (is­
to é, uma sensação agradável ou desagradável). Dessa maneira, uma sensa­
ção desagradável é mentalmente representada como um ^relacionamento
com um objeto "mau", que pretende ferir e danificar o sujeito. Por exem­
plo, um bebê que está com fome experienciará, digamos, sensações desa­
gradáveis de fome no estômago. Isto se representa mentalmente com o be­
bê sentindo um objeto malevolentemente motivado de modo concreto em
sua barriga, o qual quer provocar-lhe aí o desconforto da fome, Quando
dizemos, coloquialmente, que estamos sentindo ferroadas de fome no estô­
mago, revertemos a esta forma de experienciar primitiva, animista e con­
creta, embora não suspendamos nosso conhecimento de que a fome é al­
go que tem a ver com nossa fisiologia. O bebê não possui este conhecimen­
to sofisticado, mas está absorvido em interpretações primitivas de sua rea­
lidade (ver REALIDADE INTERNA]. Inversamente, quando é alimentado,
a experiência que o bebê tem é de um objeto que nós podemos identificar
como mãe ou o leite desta, mas que o bebê identifica como um objeto
em sua barriga benevolamente motivado e a causar sensações agradáveis.
Após a alimentação, as sensações de plenitude contribuem para a fantasia
beatífica de que um maravilhoso e benevolente objeto reside dentro de seu
estômago.
Reflexos e fantasias: Quando vemos que, nas primeiras instâncias da vida,
pode-se fazer com que um bebê vire a cabeça e sugue, quando sua boche­
cha é tocada, podemos pensar nisso como sendo um dote biológico: pulsio-
nal e provavelmente um reflexo baseado nas primeiras ligações neuronais
em seu pequeno sistema nervoso. Contudo, podemos formular a pergun­
ta de se ele também experiencia esse incidente como um incidente a envol­
ver a pele de sua face, os lábios e um objeto que entra em contato com
eles. Se assim for, que tipo de experiência está o bebê tendo? Desta manei­
ra, o biológico e o psicológico são unidos em um único incidente, embo­
ra sejam conceptualmente distinguíveis. ísaacs descreve isto como sendo
uma"(...) experiência única e indiferenciada de sugar e fantasiar". (ísaacs,
1948, p, 92n).

R.D.Hinshelwood / 49
O crescendo de raiva e medo do bebê, à medida que sua fome permane­
ce insatisfeita, deriva, naturalmente, de reações pulsionais, mas ele o expe-
riencia, à sua própria maneira, como sendo a ameaça crescente de um per­
seguidor cada vez mais hostil, que com sucesso ataca-lhe a barriga e tor­
na o sofrimento cada vez pior, Esta é uma situação temível, e os bebês pa­
recem ter capacidade de sentir medo e raiva desde o começo. É esta cren­
ça de haver, dentro de seu estômago, algo que está malevolentemente ten­
tando prejudicá-lo e destruí-lo que constitui o conteúdo da raiva. Essas fan­
tasias temíveis são o que mais se aproxima de uma manifestação direta
da pulsão de morte, experiendada como desviada para um objeto [ver
PULSÃO DE MORTE].

III FANTASIAS INCONSCIENTES E DEFESAS


Fantasia elaborada: O bebê, desde o início, é assediado por essas situações
em que teme ser ferido por algo situado diretamente dentro dele. Em resul­
tado disso, tentará tomar algumas medidas para evitar esse dano e essa si­
tuação. Não há muito o que possa fazer e, na maior parte das vezes, de­
pende da mãe para aliviar a situação, ao apresentar-se como o objeto
"bom" igualmente fantástico [ver 5. OBJETOS INTERNOS]. Entretanto,
há certas fantasias que o bebê pode utilizar, fantasias que podem funcio­
nar como defesa, por assim dizer [ver DEFESA PSICOLÓGICA; 9. MECA­
NISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA]. Segai (1964) apontou que a fantasia
é não apenas a representação mental de uma pulsão, mas pode também
ser elaborada para representar ações defensivas contra a ansiedade [ver 8.
SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE]. A fantasia inconsciente do
bebê acha-se ligada a sensações corporais, mas, através destas e de sua
manipulação, ele pode vir a estimular seu mundo de fantasia para situa­
ções mais toleráveis, A externaíização do objeto "mau" [ver PROJEÇÃO]
e a intemalização do objeto "bom" (ver INTROJEÇÃO] são os mecanis­
mos prototípicos de defesa e relacionam-se a processos em que substâncias
atravessam as fronteiras do ego. A expulsão dos excrementos, por exem­
plo, dá origem a sensações no ânus e na uretra que são interpretadas co­
mo objetos a passarem do mundo interno para o externo. Mais tarde, a
fantasia vem a ficar menos vinculada às sensações corporais, à medida
que, com a posição depressiva, o mundo interno vem a ser povoado mais
por objetos simbólicos, antes que concretamente reais [ver 10. POSIÇÃO
DEPRESSIVA]. Contudo, remanescentes dos primitivos objetos concretos
sobrevivem e são ocasionalmente experienciados como somatizações e con­
dições psicossomáticas. A ansiedade é ainda expressa, e até mesmo experien-
ciada, como 'borboletas no estômago", e a tristeza, como "um nó na garganta".
Surgiu uma disposição bastante complexa em que noções pulsionais pri­
márias e mecanismos de defesa são representados por fantasias semelhan­
tes no inconsciente [ver DEFESA PSICOLÓGICA; 9. MECANISMOS PRI­
MITIVOS DE DEFESA].

50 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


IV. A FANTASIA INCONSCIENTE E A TEORIA FREUDIANA DA FANTA­
SIA. Freud anteriormente descrevera a realização alucinatória de desejos
como sendo a atividade mental do bebê que é frustrado. Klein modificou
isso e reivindicou ser ela um acompanhamento incessante da atividade da
criança em todas as ocasiões. Assim, a teoria kleiniana da fantasia incons­
ciente ampliou radicalmente a de Freud — ou, como Glover (1945) amar­
gamente observou, a depôs. Freud sustentava que as fantasias constituíam
gratificações substitutas, quando as noções pulsíonais não encontravam
satisfação. Quando a frustração e a tensão crescem, a energia é descarrega­
da de volta no sentido da memória e do aparato perceptual, mais do que
em descarga e ação muscular. Dessa maneira, a fantasia só entrava em jo­
go quando a gratificação era suspensa, visão muito mais restrita que a de Klein.
Já a partir de um ponto muito inicial em seu trabalho, Klein descreve­
ra uma extraordinária vida de fantasia, que era, na realidade, um acompa­
nhamento do comportamento orientado para a realidade. Os elementos
simbólicos do brincar e da encenação expressavam todos os tipos de rela­
ções existentes entre todos os tipos de objetos e pessoas:
Para Fritz, quando estava escrevendo, as linhas significavam estradas,
e as letras por elas rodavam em motocicletas, a caneta. Exemplifican­
do, "i" e "e" rodam juntas em uma motocicleta que é usualmente dirigi­
da por "i", e amam-se mutuamente com uma ternura inteiramente desco­
nhecida no mundo real. Por sempre rodarem juntas, tornam-se tão se­
melhantes que mal existe alguma diferença entre elas, pois o começo e
o fim de ‘T e "e" são os mesmos; apenas no meio o "i" tem um peque­
no sinal e o "e", um buraquinho. (Klein, 1923, p. 64).
Estas fantasias dos órgãos genitais masculinos e femininos reunidos no
amor são simplesmente parte da experiência de estar na escola. Natural­
mente, fantasias especialmente temíveis na escola podem conduzir a um
distúrbio da aprendizagem, por causa do medo. Em uma história clínica,
Isaacs (1943b) acentuou: "(•••) quão intimamente a realidade externa e a
interna acham-se entrelaçadas nos sintomas, ria história evolutiva e nas re­
ações analíticas" (p. 31). Em sua noção de fantasia inconsciente, Klein e
seus seguidores reivindicaram respeitar o conceito de inconsciente de Freud,
acrescentando-lhe algo e elaborando-o mais.
As fantasias inconscientes, sendo onipresentes, são uma categoria com­
pletamente diferente de eventos. A distinção nas opiniões sobre fantasia é
radical, e sobre ela cada analista tem de decidir. Por um lado, temos a vi­
são da psicanálise ortodoxa, de que existe quer realidade, quer fantasia;
por outro, a opinião de que a fantasia inconsciente acompanha todas as
experiências da realidade. Através de toda a obra de Klein, assim como
na de seus colegas, fez-se a investigação da maneira pela qual a fantasia
inconsciente interna penetra e dá significado aos "acontecimentos reais"
do mundo externo, e, ao mesmo tempo, a maneira por que o mundo exter­
no traz significado sob a forma de fantasias inconscientes.

R.D.Hinshelwood. / 51
A teoria freudiana da sedução: A teoria da sedução foi uma tentativa de
colocar em forma fisiológica a anormalidade de uma neurose psicológica
(Freud, 1896). Um trauma de infância fazia um trauma físico separar-se
do circuito elétrico do cérebro, com a subseqüente criação dê tensões. A
substituição, por Freud, desta teoria por outra em que o trauma resulta-
va de um acontecimento imaginado (distorcido) introduziu a idéia de fanta­
sia inconsciente. É a fantasia que a criança faz de uma sedução que consti­
tui o trauma perturbador, não o acontecimento físico real em seu corpo.
(A idéia que Freud tinha de alguma interferência física com os circuitos elé­
tricos do cérebro sobreviveu na psiquiatria geral sob a forma de tratamen­
tos elétricos e outros tratamentos físicos, ainda que a psicanálise a tenha
hoje abandonado [Caper, 1988]).
Fantasia ou realidade: A recente controvérsia instigada por Masson (1984)
baseia-se na alegação de que Freud reaímente suprimiu sua teoria de uma
sedução física que conduzia a um trauma neurológico. A implicação é de
que o "acontecimento real" deveria ser resgatado do esquecimento. A natu­
reza alternativa (ou/ou) do problema (ou sedução real ou fantasia), que
originaímente expressou o conflito entre fisiologia e psicologia, migrou pa­
ra um conflito entre a realidade externa e o mundo interno (em verdade,
sociologia versus psicologia) [ver PROBLEMA MENTE-CORPO; SUBJETI­
VIDADE], com a idéia de uma sutil interpenetração dos mundos externo
e interno.

V. FANTASIA INCONSCIENTE E DESENVOLVIMENTO. Um outro proble­


ma a causar confusão é que certos mecanismos, especialmente a introjeção
e a identificação, resultam em acréscimo de novas habilidades e atributos
ao ego. Como todos os outros processos mentais, estas introjeções e iden­
tificações são também representadas por fantasias de incorporação e assi­
milação subjacentes a mecanismos de defesa e impulsos orais primitivos.
As fantasias inconscientes a respeito da incorporação ou expulsão, portan­
to, têm influência sobre a experiência do que o sujeito contém e daquilo
com que ele se identifica e a que se torna realmente semelhante. Neste sen­
tido, a fantasia é sentida como sendo realidade concreta e, em verdade,
seus efeitos são bastante reais. A fantasia inconsciente, neste sentido, é
onipotente [ver ONIPOTÊNCIA].
O problema filosófico de como uma entidade biológica pode transfor-
mar-se de um mundo de gratificações e necessidades corporais em um mun­
do de gratificações e significados simbólicos permanece sem solução [ver
PROBLEMA MENTE-CORPO]. A posição-chave da fantasia inconsciente,
situada sobre a linha fronteiriça entre a pulsão fisiológica e a representa­
ção psicológica, levou os kleinianos a buscar com confiança uma maior
compreensão dos símbolos em seu trabalho clínico [ver FORMAÇÃO DE
SÍMBOLOS]. As fantasias a respeito dos conteúdos corporais representam
as sensações corpóreas primárias e reais. Subseqüentemente, o bebê emer-

52 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


ge no mundo social dos símbolos, no qual as fantasias são compostas de
objetos não-corporais e imateriais [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. A
passagem de uma experiência concretamente sentida de um objeto, construí­
do na fantasia inconsciente, para um objeto simbólico não-físico constitui
um passo evolutivo de vulto; ele representa abandonar as formas idiossin­
cráticas e inatas de representação por meio da fantasia inconciente e inves­
tir esses significados em objetos socialmente oferecidos (símbolos).
Esta passagem envolve outra mudança, qual seja, a da onipotência da
fantasia para um reconhecimento do objeto como separado e diferente da
coisa simbolizada (Segai, 1957) [ver EQUAÇÃO SIMBÓLICA],
Susan Isaacs, com seus antecedentes acadêmicos e sua formidável capa­
cidade de debate intelectual, lidou com a natureza da fantasia inconscien­
te. Mostrou ela que se tratava da base para uma visão completamente no­
va da natureza da mente como uma pequena sociedade de relacionamen­
tos com objetos. Achando-se intimamente ligada à natureza biológica do
homem, a fantasia inconsciente fornece uma ponte clinicamente operacio­
nal para o problema mente-corpo [ver PROBLEMA MENTE-CORPO].

OS DEBATES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS: 1934-44. Nenhum outro tópi­


co ocupou mais tempo e gerou mais fúria nos Debates sobre as Controvér­
sias da Sociedade Psícanalítica Britânica que o da "fantasia inconsciente"
[ver DEBATES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS]. O primeiro conjunto de
cinco debates deu-se em reação a um artigo da autoria de Susan Isaacs, "A
natureza e a função da fantasia" (posteriormente publicado, em 1948). O
artigo era um enunciado claro do conceito, pesadamente apoiado por cita­
ções de Freud e alguns interessantes comentários pescados em textos recen­
tes de Anna Freud, os quais, segundo se alegava, haviam-se deslocado no
sentido da posição kíeiniana, após a controvérsia anterior (1926-1927) a
respeito da análise de citações [ver 1. TÉCNICA; ANÁLISE DE CRIANÇAS].
Um certo número de temas surgiu da veemência emocional e eles serão
resumidos sob sete títulos: (1) o método da inferência; (2) narcisismo pri­
mário; (3) sofisticação no primeiro ano de vida; (4) processo secundário;
(5) confusão de termos; (6) conceitos e fantasias, e (7) regressão.

(1) O método da inferência. Um dos argumentos utilizados contra Klein foi


o de que não havia método de investigar ou conferir a existência de fanta­
sias no primeiro ano de vida, ou a partir do início da vida, como Klein
sustentava (Waelder, 1937). Isaacs forneceu relatos detalhados da pesquisa
psicológica atual a respeito do primeiro ano de vida, enfatizando especial­
mente o trabalho de Middlemore (1941). Demonstrava este, alegou ela,
que sinais de ansiedade e aflição no recém-nascido eram mais variados e
mais freqüentes do que sinais de prazer ou contentamento. Os últimos ocor­
riam apenas após a alimentação. Alegou ela que essas proporções muda­
vam após cerca de três a quatro meses, indicando uma mudança da fase

R.D.Hinshelwood / 53
paranóide para a posição depressiva, à medida que o amor pelo objeto se
torna mais mobilizado. As observações foram contestadas sob fundamen­
tos diversos: (i) que as proporções de momentos ansiosos versus momen­
tos de contentamento estavam incorretas, e que, de vez que a maior por­
ção de tempo nos primeiros meses é ocupada pela alimentação, as ocasiões
de contentamento sobrepujavam as ansiosas; (ii) que observações diretas
de estados de sentimento em bebês não podem ser corroboradas pela psica­
nálise, método aplicável apenas a crianças muito mais velhas. A réplica
de ísaacs (desenvolvida plenamente na versão publicada de seu artigo,
em 1948) foi de que todo conhecimento científico era inferencial e que a
inferência fora um método suficientemente válido nas descrições que Freud
fizera do desenvolvimento das crianças. Apelou ela no sentido de que as
conclusões psicanalíticas podiam e precisavam ser testadas em cotejo com
a observação direta dos bebês.
Continuou a haver protunda dúvida a respeito do método pelo qual
os kleinianos adquirem suas teorias, com a suspeita de que o método de
interpretação profunda cria, por si, artifícios nas observações.
(2) Narcisismo primário. De acordo com os analistas ortodoxos, os primeiros
anos de vida são ocupados pela gratificação auto-erótica e narcísica, nas
quais qualquer objeto é simplesmente um instrumento para a satisfação
pulsional. Existe apenas "prazer sem significado". O amor objetai não apa­
rece até õ terceiro ao quinto ano, e somente então podem existir fantasias
de relações com objetos: "A fantasia como corolário imaginário da pulsão
assume o lugar do corolário sensório (prazer/sofrimento)" (A. Freud,
1943), opinião que decorre, de maneira ortodoxa, da opinião do próprio
Freud de que as qualidades de sofrimento ou prazer eram tudo o que o be­
bê pode apreciar, e não existe capacidade de imaginar as fontes que pro­
porcionam sofrimento ou prazer. Barbara Lantos (1943), contestando as
descrições feitas por ísaacs de suas provas de fantasia inconsciente no pri­
meiro ano de vida do bebê, disse:
O fato de ele [o bebê] poder reconhecer pessoas, de estar ciente de suas
idas e vindas, temeroso de sua perda e de reagir em conseqüência dis­
so, acha-se ligado, em nossa opinião, ao desenvolvimento do aparelho
sensório e mental, sem sugerir a existência de fantasias.
A disputa, aqui, parece girar em torno da distinção entre o mero registro
perceptual e mnêmico de objetos, por um lado, e a capacidade de conce­
ber atividades desejadas com eles ou por eles. O tema torna-se então um
debate sobre a época em que o bebê faz ligações entre essas imagens perce­
bidas e relembradas e o reconhecimento emocional delas como fontes ama­
das ou odiadas de prazer ou sofrimento.

(3) Sofisticação no primeiro ano de vida. Houve muita disputa a respeito da


idade em que uma função tão sofisticada quanto a fantasia começa.

54 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Sofisticação retrospectiva: Argumentou-se, contra a concepção de Isaacs,
que devido a crianças em idade mais avançada terem realmente essas fanta­
sias, o complexo de Édipo seria afetado por uma regressão. A criança de
três ou quatro anos que se ocupa com ansiedades a respeito da relação
dos pais e se acha sob a pressão da frustração regride a desejos e impulsos
orais, que então dão colorido às suas teorias do que os pais estão fazen­
do juntos. Esta é uma forma de "sofisticação retrospectiva". Foi um dos
3 argumentos mais. acerbos contra a opinião que Klein tinha da fantasia no
primeiro ano de vida. Waelder o demonstrou com o comentário de que
este argumento não me parece mais convincente do que seria insistir
em que o Hamlet ou o Lear, de Shakespeare, já devem ter existido em sua
mente na infância" (p, 429). Ernest Jones, contudo, respondeu de modo
cáustico (1943):
Uma regressão de volta para o nada não tem significado para mim. As­
sim, quando Waelder fala de extraordinárias fantasias canibalísticas se­
rem familiares à idade de três ou quatro anos, mas as atribuí à regres­
são, isto não me transmite absolutamente nada se não significar uma
reanimação de fantasias orais correspondentes à idade de, digamos, seis
meses; por que uma criança de quatro anos seria subitamente tomada,
pela primeira vez, pelo desejo de comer seios ultrapassa minha compre­
ensão.
Seu argumento é de que a regressão a fantasias orais deste tipo implica fan­
tasias orais, na fase oral, a que se pode regredir.
Sofisticação cognitiva: Argumentou-se que as fantasias de despedaçar a
mordidas, matar e afogar a mãe, etc., são sofisticadas demais para a men­
te de um bebê que se encontra em seu primeiro ano de idade. Ele não tem
possibilidade de saber o que matar e morrer significam nessa idade. Isaacs
(1948) deu-se a grande trabalho para descrever o primitivismo das fanta­
sias — não-verbais, não-visuais, uma fantasia somaticamente experiencia-
/•3§j
da — e alegou existir um conhecimento filogeneticamente fornecido. Por
■ :33
isto, quis dizer que na constituição do corpo e seus impulsos já existe um
conhecimento inerente ou inato — as sensações corporais são uma forma
I de postular sob a form a de ação [ver CONHECIMENTO INATO].
Após os furiosos debates da década de 1940, o tema da capacidade da
criança para a sofisticação cognitiva permaneceu restrito aos psicólogos
acadêmicos e uma boa quantidade de pesquisa acadêmica em psicologia
■m
■ dos bebês foi acumulada (Trevarthen, 1980; Chamberlain, 1987). Os pro­
■/■Si:
cessos que Trevarthen chama de "intersubjetividade primária" sugerem exis­
tir uma sofisticação muito precoce nas relações com objetos, o que vai con­
tra os detratores de Klein. A pesquisa também sugere haver um senso de
realidade muito bom do contexto emocional dos relacionamentos bebê-
mãe, o que tende a ir contra as descrições que Klein fez das relações qua­
se solipsísticas com objetos de fantasia. A evidência é de que os bebês são

R.D .H inshelw ood / 55

íd
I
realmente mais sofisticados do que tanto Klein quanto seus críticos vienen-
ses alegavam. Lichtenberg (1983) e Stern (1985) começaram a fazer o levan­
tamento desta literatura, em busca de suas implicações psicanalíticas.

(4) Processo secundário. Os psicanalistas ortodoxos definem a atividade men­


tal do inconsciente como sendo um processo primário, isto é, um proces­
so que depende da condensação e do deslocamento, tal como acontece na
lógica e no simbolismo dos sonhos. Alegam eles que o conceito kleiniano
de fantasia inconsciente mostrava sinais de negação, uma concepção de
tempo e uma interação de impulsos, todas elas qualidades da atividade
mental de processo secundário, que não se imagina ocorrer no inconscien­
te ou, certamente, não no primeiro ano de vida. Anna Freud argumentou
contra um "ego arcaico do prazer" integrado que parecia estar implícito
na teoria da fantasia inconsciente, que tem de pressupor que um ego tenha
as fantasias. Discordando, ísaacs citou passagens de Freud que eram suges­
tivas do ponto de vista dela, de que um aparelho psíquico a possuir ape­
nas um processo primário constitui uma ficção (Freud, 1900) e que existe
uma certa organização de funcionamento do inconsciente. Alegou que ad­
mitir desejos orais no primeiro ano, com memória consciente das experiên­
cias, tal como Anna Freud descrevera em seus textos, mas negar a função
da fantasia, era teoricamente inconsistente. O debate parece resumir-se
em uma disputa um tanto estéril sobre o que Freud reaímente disse, amplia­
do para o que Freud reaímente queria dizer. ■■.v|

(5) Confusão de termos. Houve muita preocupação de que a precisão da ter­


minologia psicanaíítica estabelecida estivesse sendo erodída, tal como, por
exemplo, a crítica de Anna Freud, descrita antes, a respeito do processo
primário e da natureza do inconsciente. Gfover (1945) rejeitou a teoria da
fantasia inconsciente porque ela mais ou menos fundia todos os termos
psicanaííticos conhecidos em um só, reduzindo assim a nada a teoria psica-
nalítica. O que se perdia, acreditava ele, incluía os conceitos de progressão
das fases libidinais, regressão e fixação, e o complexo de Édipo.
Marjorie Brierley também ficou preocupada. Embora concordasse que
o argumento de ísaacs, baseado na continuidade genética, fosse poderoso,
ampliando o termo "fantasia" para abranger todos os aspectos da ativida­
de mental no passado e como sendo subjacente a toda a atividade mental
do paciente no presente, ele obscurecia distinções importantes entre os pri­
meiros estágios e os posteriores — entre, por exemplo, os estágios iniciais
do complexo de Édipo e os posteriores [ver 4. COMPLEXO DE ÉDIPO]
ísaacs contestou isto dizendo que a descoberta de fatores que são impor­
tantes no desenvolvimento de um estado ou organização psíquica particular,
tal como o complexo de Édipo, não diminui a importância do conceito
desse complexo; em verdade, realça-lhe a compreensão. Por exemplo, dis­
se ela, Klein aumentara grandemente a importância do complexo de Édi-

56 / D icionário do Pensam ento Kleiniano


po ao demonstrar que sua influência era mais precoce e que aspectos im­
portantes do bebê pré-genital estavam relacionados ao complexo.

(6) Conceitos e fantasias. Glover descreveu o que chamou de "adição [de


Klein] (...) a uma espécie de antropomorfismo psíquico (...) qual seja, q
de confundir conceitos do aparelho psíquico com mecanismos psíquicos"
(Glover, 1943). Se os mecanismos de introjeção e projeção destinam-se tam­
bém a transmitir o significado das fantasias (de incorporação e expulsão),
dá-se então uma fusão da observação objetiva com a experiência subjeti­
va do paciente.
Brierley ficou também preocupada com a elisão de experiências com
conceitos e argumentou fortemente em favor de manter "a descrição da
experiência, do condicionamento objetivo dessa experiência" (Brierley,
1943). Este debate, embora apenas aflorasse no Debate sobre as Controvér­
sias, tem ramificações profundas na filosofia da ciência e na posição espe­
cial daquelas ciências que versam sobre sujeitos humanos, em oposição a
objetos inanimados. Heimann (1943), por exemplo, apontou que o tipo
de trabalho em que um psicanalista se acha engajado é um caso especial,
pois trata-se de uma ciência objetiva do subjetivo [ver SUBJETIVIDADE].
Brierley quis sugerir um nome alternativo, "significado", que daria cla­
reza à distinção entre descrições objetivas e subjetivas, de vez que a fanta­
sia as confunde. O termo "significado" situa a qualidade subjetiva da fan­
tasia inconsciente e mantém-na separada dos aspectos puísionais e objeti­
vos (ver também Rycroft, 1966). Isaacs discordou disto e decidiu apegar-
se ao termo "fantasia", em parte porque a força do conceito parece residir
em abranger ele tanto os aspectos biológicos quanto os psicológicos da ba­
se das funções mentais. Meltzer (1973), contudo, comentou a respeito da
necessidade de enfatizar-se esta mudança em metapsicologia:
Como o quadro de referência neuropsicológico original de Freud mudou
para outro puramente psicológico, a idéia quase fisiológica de "energia
psíquica" precisou ser substituída por conceitos puramente mentais de
"significado" e "vitalidade", (p, 131)

(7) Regressão. Anteriormente a Klein, "fantasia" tinha significado uma regres­


são da libido resultante da frustração e que excita o aparelho perceptual,
causando alucinações ou desenvolvendo fantasias para o pensamento. ísa-
acs reconheceu que a teoria da fantasia inconsciente alterava a importân­
cia da regressão, se as fantasias inconscientes do início da vida forem con-
tinuadamente ativas e subjacentes (e derem significado) a todos os estágios
desenvolvimentais posteriores. Embora Freud e Abraham, e a psicanálise
clássica, sustentassem que as noções puísionais arcaicas exercem suas in­
fluências posteriores como resultado da regressão, Isaacs enfatizou que,
ao reconhecer a influência difusa desses estágios iniciais, o funcionamen­
to e o contexto dos mecanismos de defesa muito arcaicos eram vistos nas

R.D.Hinshelwood / 57
repetições posteriores [ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA];
dessa maneira, a importância da regressão reside em incluir as configura­
ções defensivas nos estágios iniciais a que a regressão se dá.
Glover mostrou-se inflexível em afirmar que ampliar o significado do
termo fantasia mais além das satisfações regressivas e alucinatórías torna­
va redundantes os outros termos. Uma fantasia inconsciente continuada-
mente ativa, de um tipo primitivo, parecería pôr fim aos conceitos de pon­
tos de fixação, de regressão da libido ou de regressão das relações objetais
desde formas posteriores para anteriores.
Fixação permanente: Por reivindicar a importância da fantasia inconscien­
te em todos os estágios, desde o mais remoto, e enfatizar as fantasias ori­
ginárias do estágio oral {incorporação, introjeção, etc.), argumentou-se, a
metapsícologia de Klein equivalia a uma fixação permanente nos primei­
ros estágios. Acreditava-se que a ocorrência de fantasias ligadas a impul­
sos orais, anais e genitais eliminaria a regressão compíetamente, de vez
que Klein havia se desfeito do conceito de progressão através dessas fases
[ver LIBIDO].
A utilização de fantasias contra outras fantasias — por exemplo, o de­
senvolvimento de fantasias genitais como meio de lidar com o sadismo pré-
genital [ver DESENVOLVIMENTO] em verdade dispensa o modelo econô­
mico da conservação qualitativa de energia [ver MODELO ECONÔMICO].
O enclave de G lover: Glover insistiu em que a idéia de fantasias conti-
nuadamente ativas, de tipo primitivo, no inconsciente, não era freudiana.
Conceptualizou isso como sendo um enclave de atividade mental primiti­
va que continuava, por alguma maneira separada, no inconsciente. Enfati­
zou a qualidade herética dessas idéias através do argumento de que se pre-
eminencia for dada a esse enclave primário, o complexo de Edipo é auto­
maticamente rebaixado de sua posição psicanaíítica chave. Esta critica do
deslocamento do complexo de Édipo será tratada mais adiante [ver 4.
COMPLEXO DE EDIPO]. Nenhum outro analista apoiou esta crítica espe­
cífica, e os kleinianos que responderam nos Debates sobre as Controvér­
sias concederam pouco tempo a um debate sério com Glover, pondo de
lado suas críticas, de modo geral, como sendo a â hominem.
Entretanto, de maneira irônica, o tempo pode ter sido mais gentil com
Glover. A idéia de um enclave separado (escindido) retornou, e na literatu­
ra kleiniana, A própria Klein veio a entreter a idéia de existir uma área
de objetos arcaicos extremamente primitiva (Klein, 1958) [ver 7. SUPERE-
GO], Mais tarde, Rosenfeld (1971), em suas investigações das manifesta­
ções clínicas da pulsão de morte, descreveu uma espécie de "máfia" inter­
na que não se acha integrada com o resto da personalidade. Este tipo de
estruturação da personalidade tornou-se um foco proeminente do pensa­
mento kleiniano contemporâneo na Grã-Bretanha [ver ESTRUTURA].

58 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Apesar do calor, do orgulho ferido e da marcação retaliatória de esco­
res nestas discussões, há numerosas questões de fundamental importância.
Embora a impressão que se tem ao ler os registros dos Debates sobre as
Controvérsias seja a de que o método de debate incisivo e academicamen­
te treinado de Isaacs levou a melhor, de modo geral, em relação a seus
oponentes, em verdade essas questões não foram realmente resolvidas. Co­
mo bem se sabe, um "acordo de cavalheiros" foi alcançado na Sociedade
Psicanalítica Britânica para o alinhamento dos membros em grupos separa­
dos (os kíeinianos, o Grupo Independente e o Grupo "B" de freudianos
ortodoxos) e sua partilha do poder em todas as comissões da Sociedade
(Steiner, 1985; Grosskurth, 1986), Ao invés, os Debates serviram para en­
terrar a discussão "científica" entre os grupos, com muito poucos engaja­
mentos subsequentes. Em conseqüência, muitas dessas questões, ainda que
para cada uma das partes aparentemente há muito tempo esquecidas, ain­
da se encontram nas raízes das divergências atuais entre os kíeinianos e
os psicanalistas clássicos ou da psicologia do ego.

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60 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


AGRESSAO, SADISMO E PULSOES
COMPONENTES
DEFINIÇÃO. Na teoria da sexualidade de Freud há um certo número de compo­
nentes da Hbido: amor oral, anal e genital; heterossexualidade e homosse­
xualidade; sadismo e masoquismo; voyeurismo e exibicionismo. Os impul­
sos libidinais eram uma mistura complexa desses componentes, com dife­
rentes ênfases no sentido de um ou outro deles, em estágios diferentes do
desenvolvimento. Klein mostrou que o desenvolvimento seqüencial, tal co­
mo visto a partir da análise de adultos, era grandemente exagerado e que
havia uma compressão de todos os componentes no primeiro ano de vida.
Isto não obstava uma dominância de fase, em que um dos componentes
predomina sobre os outros, mas ela descreveu uma situação em que mais
ou menos todos os tipos de impulsos achavam-se presentes na maioria dos
estágios.
Demonstrou ela que o sadismo tem importância enorme na criança e,
nisto, seguiu Abraham, que estudara as fases agressivas do começo da vi­
da. Klein acabou por considerar a agressão, ou a inibição dela, como o fa­
tor decisivo do desenvolvimento e veio a encará-la como a manifestação
da pulsão de morte. Outras pulsões componentes que se lhe tornaram im­
portantes foram os impulsos epistemofüicos (ligados ao voyeurismo e ao
exibicionismo).

CRONOLOGIA
1920 A descoberta de enorme sadismo na criança pequena (Klein, Melanie,
1922, "ínhibitions and difficulties in puberty"; Klein, Melanie, 1927,
"'Criminal tendencies in normal children").
1927 As primeiras origens do superego, da culpa e do remorso (Klein, Me­
lanie, 1933, "The early devélopment of conscience in the child").
1929 Situações infantis de ansiedade (Klein, Melanie, 1929, "Infantil an-
xiety-situations reflected in a work of art and in the Creative impulse").
1932 O sadismo como manifestação da pulsão de morte (Klein, Melanie,
1932, The psycho-analysis o f children).

R.D.Himhelwood / 61
1935 A posição depressiva (Klein, Melanie, 1935, “A contribution to the
psychogenesis o f manic-depressive States").

Q uando Klein com eçou o seu trabalho, em 1918-19, a teoria freudia­


na ortodoxa repousava com pactam ente sobre o m odelo evolutivo
cias fases sexuais infantis. Havia diversas pulsões com ponentes na sexuali­
dade e várias fases no desenvolvim ento sexual da infância (Freud, 1905).
(a) Os com ponentes — amor oral, anal e genital; heterossexualidade e ho­
mossexualidade; sadismo e masoquismo; voyeurismo e exibicionismo. To­
dos estes grupos podiam fundir-se uns com os outros, e cada um deles pos­
suía um modo ativo e um modo passivo.
(b) As fases — (a) primeiro ano, oraiidade; (b) segundo ano, analidade;
(c) terceiro ao quinto ou sexto ano, genitalidade; (d) do sexto ano à puber­
dade, a fase de latência, e (e) da puberdade em diante, até o estado adul­
to, a adolescência. Estas fases de amor da libido progridem de modo natu­
ral. Outros componentes da libido aparecem por cima desta cronologia
básica. Particularmente importantes eram os componentes sadismo/maso-
quismo, que Abraham tentou classificar em fases semelhantes. Estas fases
de sadismo sobrepunham-se parcialmente às fases oral, anal e genital, em
verdade cindindo cada uma delas em duas, estabelecendo assim o que ele
chamou de "horário" do desenvolvimento da libido (Abraham, 1924) fver
SADISMO; LIBIDO).

A CONTRIBUIÇÃO DE KLEIN À TEORIA DAS PULSÕES. No começo de


seu trabalho, Klein aceitou a teoria das pulsões componentes, mas, à me­
dida que prosseguia, suas observações de crianças apresentaram diferenças
no cronograma evolutivo, elaborado a partir da análise de pacientes adul­
tos. Ela efetuou quatro contribuições principais:
(1) Primeira, notou o problema que se punha para as crianças, provoca­
do por sua própria curiosidade (chamou isto de componente epistemofíli-
co, equivalente ao voyeurismo/exibicionismo de Freud). Pensou tratar-se,
basicamente, de curiosidade a respeito da cena originária, da sexualidade
dos pais e dos órgãos sexuais destes.
(2) Segunda, e estreitamente vinculada à primeira, o componente sádico.
Esta manifestação chocante de fantasia horrificante nas crianças parecia
ser causada pela curiosidade sexual frustrada. Tem, contudo, consequên­
cias profundas, a incluírem o fator subjacente à paranóia e à psicose. O
termo "sadismo" assumiu seu significado, nos textos kleinianos, de Freud
e, especialmente, de Abraham. Nessa época (por volta de 1923), acredita­
va-se que ele derivasse do impulso sexual perverso, especialmente em ní­
vel oral ou anal. Cada vez mais, no pensamento de Klein, "sadismo" tor­
nou-se sinônimo de qualquer forma extremada de agressão.

62 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


(3) Diferentemente de Abraham, que refinou o cronograma das fases libi-
dinais de modo cada vez mais preciso, Klein descobriu que, quando exa­
minava o desenvolvimento nas crianças, tal como acontecia, as fases não
tinham ordem exata e, em verdade, amiúde se sobrepunham de modo parcial.
(4) Finalmente, em 1932, Klein liberou as fantasias sádicas que tanto a ha­
viam chocado e tinham levado a seu embate com Freud. O sadismo não
era mais visto como componente da libido, mas como pulsão separada,
presente desde o nascimento. Nisto, adotava ela a teoria freudiana da pul­
são de morte, mas, enquanto Freud encarava a última como clinicamente
silente, Klein reivindicava ser a vida de fantasia sadica das crianças uma
manifestação clínica da pulsão de morte.

(1) Epistemofilia. Em seu trabalho inicial, Klein mostrou como as interpreta­


ções das perguntas e fantasias da cena originaria feitas pela criança libera­
vam um poderoso surto de fantasia. Encarou isso como sendo a liberação
da fantasia inibida a respeito da cena originária. O desejo por saber, a cu­
riosidade, parecia, evidentemente, constituir um poderoso impulso, primi­
tivo e primordial [ver EPISTEMOFILIA]. Ela ficou interessada nisso por
duas razões teóricas. Em primeiro lugar, sua técnica, utilizando brinque­
dos e o brincar como símbolos, levou-a a concentrar-se na natureza do sim­
bolismo [ver 1. TÉCNICA; FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. Em segundo,
descobriu-se confrontada, em alguns casos, com uma ausência maciça de
funcionamento simbólico (Klein, 1930); estes levaram-na a supor que pode­
ría ter dado com a natureza da psicose [ver PARANÓIA; PSICOSE].
A inibição da curiosidade era especialmente forte nas crianças psicóti­
cas ou quase psicóticas. Esta descoberta parecia ser de grande importância
para compreender os distúrbios da psicose, dos quais se sabia incluírem
dificuldades na formação adequada de símbolos. Freud distinguira as repre­
sentações de palavras das representações de coisas (Freud, 1915) e formula­
ra esta hipótese a partir dos distúrbios de esquizofrênicos:
Se agora colocarmos esta descoberta [a forma peculiarmente concreta
dos símbolos nos esquizofrênicos] ao lado da hipótese de que, na esqui­
zofrenia, os investimentos objetais são abandonados, seremos obriga­
dos a modificar a hipótese, acrescentando que o investimento das repre­
sentações de palavra dos objetos é mantido. (Freud, 1915, p. 201).
Klein deu-se conta de que podia examinar as raízes deste problema na crian­
ça, enquanto estava acontecendo.
Na busca de expressar fantasias de uma espécie ou outra no brincar ou
em qualquer outra atividade simbólica, existe um processo de externaliza-
ção. A externalização está ligada com o processo de expulsão, ou projeção,
como defesa contra intoleráveis conflitos internos e a sádica punição do
superego. A crueldade deste tipo de situação interna achava-se incutida
em Klein quando ela escreveu:
R.D.Hinshelwood / 63
Esta defesa, em conformidade com o grau de sadismo [na situação inter­
na], é de caráter violento e difere fundamentalmente do mecanismo pos­
terior da repressão. Em relação com o próprio sadismo do sujeito, a de­
fesa implica expulsão, enquanto que, em relação ao objeto, implica des­
truição. O sadismo se torna uma fonte de perigo por oferecer ocasião
para a liberação da ansiedade e, também, porque as armas utilizadas
para destruir o objeto são sentidas pelo sujeito como apontadas também
para o seu próprio self (...) o ego ainda não totalmente desenvolvido é
defrontado com uma tarefa que, neste estágio, ainda se acha bastante
além dele. (Klein, 1930, p. 220).
(2) Sadismo. A conexão inicial entre o impulso epistemofílico e o sadismo é
muito importante para a totalidade do desenvolvimento mental. Esta pul-
são (...) em princípio concerne principalmente ao corpo da mãe, do qual se
assume ser a cena de todos os processos e desenvolvimentos sexuais. A
criança ainda está dominada pela posição libidinal sádico-anal, que a impe­
le a desejar apropriar-se dos conteúdos do corpo. Ela começa assim a ficar
curiosa a respeito do que este contém, a que se assemelha, etc. Dessa ma­
neira, a pulsão epistemofílica e o desejo de apossar-se vêm muito cedo a
ser muito intimamente ligados um com o outro. (Klein, 1928, p. 188)
Aprender, estava dizendo Klein, representa uma intrusão no corpo da mãe
(1931) e, portanto, faz aflorar as ansiedades que surgem da fantasia de pe­
netrar sadicamente a mãe [ver 8. SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE].
A criança espera encontrar dentro da mãe (a) o pênis do pai, (b) excre­
mento e (c) crianças, e iguala estas coisas a substâncias comestíveis.
De acordo com as fantasias (ou "'teorias sexuais") mais arcaicas da crian­
ça a respeito do coito dos genitores, o pênis do pai (ou o corpo inteiro
deste) se incorpora à mãe durante o ato. Assim, os ataques sádicos da
criança têm por objeto tanto o pai quanto a mãe, que, em fantasia, são
mordidos, dilacerados, cortados ou calcados aos pés até ficarem em pe­
daços. Os ataques dão origem à ansiedade de que o sujeito seja puni­
do pelos pais unidos e esta ansiedade também se internaliza em conse-
qüência da introjeção sádico-oral dos objetos, sendo assim já dirigida
no sentido do superego arcaico. (Klein, 1930, p„ 219)
A prova clara da agressão do bebê foi uma descoberta perturbadora para Klein:
A idéia de um bebê de seis a doze meses tentando destruir a mãe por
todos os métodos à disposição de suas tendências sádicas — com den­
tes, unhas e excrementos, e com a totalidade de seu corpo, transforma­
do, na fantasia, em todos os tipos de armas — apresenta a nossas men­
tes um quadro horripilante, para não dizer inacreditável. E é difícil, co­
mo sei por minha própria experiência, forçar-se a reconhecer que tal
idéia odiosa corresponde à verdade. (Klein, 1932, p. 130).

64 / Dicionário do Pensamento Kieiniano


Por ter sido uma descoberta tão inesperada para si, Klein concentrou-se
nela, de modo mais ou menos exclusivo, durante os primeiros quinze anos
de sua prática clínica.
Círculo vicioso: A preocupação especial com a agressão, e as conseqüên-
cias vingativas que despertam medo e mais agressão, são autoperpetuantes.
Os ataques aos perseguidores tornam-nos mais daninhos, antes que menos,
porque deles se imagina, na fantasia, que estejam ainda mais enraivecidos
e dispostos à violência retaliatória: "(.,,) quando os objetos são introjeta-
dos, o ataque que sobre eles é lançado com todas as armas do sadismo
desperta no sujeito o pavor de um ataque análogo sobre si mesmo, partin­
do dos objetos externos e dos objetos internalizados" (Klein, 1929, p. 212).
Este tipo de círculo vicioso representa um estado paranóide de hostilida­
de, com imensa desconfiança de quaisquer figuras "boas" [ver PARANÓIA],

(3) Fases pré-genitais. Klein originalmente seguiu Abraham, ao atribuir o sa­


dismo a um período mais tardio no primeiro ano de vida, e tendeu a refe­
rir de volta a essa ocasião as fantasias que encontrou em crianças mais ve­
lhas, como sendo um ponto de fixação. Acabou por chegar à conclusão
de que todos os variados impulsos libidinais coincidem, ainda que um ou
outro estejam em ascendência em qualquer momento determinado: "As fa­
ses libidinais sobrepõem-se parcialmente a partir dos primeiros meses de
vida. As tendências edipianas positivas e invertidas estão, desde seu come­
ço, em interação próxima" (Klein, 1945, p. 416). As fantasias sádicas são
em grande parte atribuídas às fases oral e anal, e os impulsos pré-genitais
são, em princípio, mais dominantes que os genitais. Dessa maneira, a crian­
ça, em seus primeiros momentos, tem de lutar contra a ansiedade causa­
da por esses impulsos sádicos. Klein veio a achar que havia um certo des­
pertar de impulsos genitais (isto é, no sentido de ambos >s pais, como ca­
sal) desde o primeiro ano de vida, mas, posteriormente, os impulsos geni­
tais se fortalecem e realçam o amor da criança.
Com frequência Klein parece escrever como se impulsos pré-genitais (sá­
dicos) se opusessem aos genitais e amorosos:
(...) o sadismo é superado quando o sujeito progride para o nível geni-
tal. Quanto mais vigorosamente este se instala, mais capaz a criança
se torna de amor objetai e mais capaz fica de conquistar seu sadismo
por meio da piedade e da simpatia. (Klein, 1929, p, 214)
Ela considerava que uma das maneiras pelas quais os impulsos agressivos
influenciam o desenvolvimento é promoverem eles um movimento para a
frente, por parte do ego, na direção de impulsos (estimulações) genitais,
a fim de mobilizar os sentimentos amorosos. Dessa maneira, os sentimen­
tos agressivos podem tanto fortalecer quanto inibir o movimento evoluti­
vo, ou até mesmo, às vezes, o movimento para a frente pode ser impeli­
do de modo prematuro, com conseqüências diferentes. Assim Klein desen-

R.D.Hinshelwood / 65
volveu a opinião controversa de que era o impacto dos impulsos agressi­
vos nesses estágios muito iniciais que determinava o curso do desenvolvi­
mento ou a sua obstaculização [ver LIBIDO; DESENVOLVIMENTO],
Foi com base na evidência das fantasias pré-genitais que eía começou a
revisar a visão classica do complexo de Édipo e da origem do superego
[ver 4. COMPLEXO EDIPIANO; 7, SUPEREGO],

(4) A pulsao de morte. Mais tarde (a partir de 1932), Klein considerou a tota­
lidade do primeiro ano de vida como sendo a época de sadismo máximo.
Essa ampliação de suas concepções deu-se em resultado da adoção por eía,
em 1932, da pulsão de morte como fonte primária dos impulsos agressivos
desde o início: "(•••) um desvio da pulsão de morte para fora influencia
as relações da criança com seus objetos e conduz ao desenvolvimento ple­
no de seu sadismo" {Klein, 1932, p. 128), e:
(...) suas puísões destrutivas despertaram-lhe ansiedade já nos primei­
ros meses de vida. Em conseqüência, suas fantasias sádicas ficaram liga­
das à ansiedade, e este elo entre ambas dá origem a situações específi­
cas de ansiedade (...) A satisfação libidinal, como expressão de Eros,
reforça sua crença em suas imagos dè auxílio e diminui os perigos que
o ameaçam do lado da sua pulsão de morte e de seu superego, (Klein
1932, p. 201) [ver PULSÃO DE MORTE],
A partir deste ponto, a visão kleiniana da mente e seu desenvolvimento
gira em torno do conflito inerente entre a pulsão de morte e a libido (pul-
sões de vida), e da maneira pela qual o mundo externo pode auxiliar no
desenvolvimento da consciência das realidades externas e internas.
Quando a pulsão de morte predomina, então a mistura (ou fusão) das puí­
sões resulta em inveja, masoquismo ou outras formas de perversão, e vá­
rios outros estados de agressão patológica. A saúde e o desenvolvimento
normal apóiam-se na dominância das pulsões de vida [ver PULSÃO DE
MORTE].

Desde o nascimento o bebê reage à experiência de suas próprias necessida­


des através da exigência de satisfações e, em última análise, pela busca de
objetos que satisfaçam e pelo amor a eles (pulsões de vida), ou, então, pe­
la obliteração da experiência (ou da percepção do objeto por que se anseia)
ou do aparelho perceptual que tem a experiência ou percebe o objeto (pul­
são de morte) [ver 12. INVEJA]. Ao fugir aos efeitos da destrutividade ini­
cial, a pulsão de morte é geralmente projetada (o termo original de Freud
foi "desvio") para fora, para um objeto externo que corporifica a ameaça
destrutiva ao setf; um elemento de destrutividade é mantido dentro e volta­
do no sentido do objeto externo ameaçador.
Posição depressiva: O conflito de sentimentos que originalmente se viu en­
tre os impulsos pré-genitais e genitais veio a ser visto como conflitos entre

66 / Dicionário áo Pensamento Kteiniano


o compiexo de Édipo positivo e negativo, que existe nas fantasias incons­
cientes tanto sob formas pré-genitais quanto genitais [ver 4. COMPLEXO
DE ÉDIPO]. Estas elisões confundidoras de categorias teóricas tornaram-
se menos problemáticas à medida que Klein avançou teoricamente, em
1935, para desenvolver a idéia da posição depressiva, que se tornou cada
vez mais proeminente que o complexo de Édipo e as seqüências de fase
[ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA], por formar o suporte sobre o qual es­
ses passos evolutivos clássicos se realizam.
Aniquilação esquizóide: Em 1946, Klein revisou sua teoria do intenso pe­
ríodo sádico e paranóide ao começo da vida (então chamado de posição
paranóide). Descobriu ela que impulsos agressivos operavam contra o ego
do sujeito, assim como na direção de objetos. A autodestrutividade era co­
mo se a pulsão de morte (a promover o deslizar do indivíduo de volta pa­
ra a dissolução e a morte) não houvesse sido corretamente voltada para
fora a partir do nascimento [ver 7. SUPER EGO]. Em sua teoria da pulsão
de morte, seguiu Klein a visão de Freud do desvio para fora dessa pulsão.
Nos estados esquizóides, dá-se um fracasso inicial nesse desvio [ver 11.
POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓÍDE; 12. INVEJA]. Daí o indivíduo esqui­
zóide ter medo de uma força aniquiladora provinda de dentro, e temer
por si próprio, assim como a dissolução em fragmentos de seu próprio ego
e identidade (Klein, 1946). Nessa ocasião, Klein descreveu o protótipo de
um relacionam ento objetai agressivo, em que esses fragmentos do ego po­
dem ser expelidos para dentro de objetos externos [ver 13. IDENTIFICA­
ÇÃO PROJETIVA].
Inveja: Em 1957, Klein efetuou sua última contribuição à sua própria teo­
ria. Tal como suas preocupações muíto iniciais, tinha a ver com as enor­
mes quantidades de agressão sádica nos seres humanos. Não apenas desco­
briu ela, anteriormente, vastas quantidades de agressão em crianças a brin­
car, como posteriormente, em sua carreira, pôde confirmar esse sadismo
e essa excessiva agressão em material clínico provindo de pacientes psicóti­
cos adultos.
A inveja primária é uma agressão e um sadismo inatos com respeito aos
objetos bons ou seus atributos bons, em oposição à agressão mais paranói­
de para com objetos maus que parecem ameaçadores ao sujeito [ver 12.
INVEJA]. A inveja e a pulsão de morte são semelhantes no sentido de am­
bos atacarem a vida e os objetos amados. Na inveja, os impulsos da pul­
são de morte acham-se fundidos com as pulsões de vida de maneira tal
que a pulsão de morte é dominante. Esta é uma forma patológica de fusão,
na qual (a) o objeto é atacado como satisfação da pulsão de morte, e (b)
é atacado, ao mesmo tempo, como defesa contra a inveja, pela obliteração
do objeto que dá surgimento à necessidade. A destrutividade refere-se a
um objeto que excita uma necessidade (e, portanto, amor) e é também a
satisfação dessa necessidade.

R.D.Hinshelwood / 67
Uma forma primária de inveja parecia representar uma das mais primiti­
vas manifestações dos impulsos agressivos, e Klein achou que, no come­
ço, o bebê era dotado de uma discrepância inata nas quantidades de pul-
são de vida e de morte, junto com outras falhas (nos esquizofrênicos), es­
pecialmente a dificuldade em separar entre impulsos agressivos e libidinais
(e tolerância fraca da frustração, meio ambiente desfavorável ao desenvol­
vimento, etc.).

DEBATE A RESPEITO DA PULSÃO DE MORTE. Não existe disputa real


a respeito de existirem fases sádicas na infância, mas sim a respeito da ori­
gem delas na pulsão de morte. Levantaram-se quatro objeções principais
à utilidade do conceito de “pulsão de morte": (a) as descrições feitas por
Freud haviam sido, em grande parte, especulativas, e ele se referira à pul­
são como clinicamente "silente"; (b) é desnecessário postular a projeção
da pulsão de morte como fonte de agressividade, de vez que a frustração
da libido já é suficiente para explicar a agressividade; (c) não existem pro­
vas de uma destrutividade autodirigida, a operar dentro da personalidade,
e (d) a importância concedida por Klein à pulsão de morte rebaixa a libi­
do de sua importância central na teoria psicanalítica,
(a) A pulsão silente: É opinião amplamente sustentada que Freud deparou-
se com a idéia da pulsão de morte seguindo exemplos biológicos, suas re­
flexões a respeito da mortalidade dos organismos e as tendências univer­
sais para a matéria viva retornar ao estado inanimado e a matéria inanima­
da degenerar em níveis inferiores de organização. Ligar esta segunda lei
da termodinâmica, ou entropia, ao modelo de Freud da mente ameaçava
trazer uma tonalidade de misticismo à psicanálise. Conseqüentemente, a
maioria dos psicanalistas deixou de conceder-lhe lugar sério em seu pensa­
mento clínico. Mostrou-se possível relegar a pulsão de morte ao esqueci­
mento, por haver Freud se referido a ela como sendo "uma pulsão muda
e silente". Tal inaudibilidade explicava, para Freud, por que a havia negli­
genciado em seu trabalho anterior.
Klein, contudo, argumentou vigorosamente que a "pulsão de morte"
constitui um conceito clínico, porque Freud (1920) começara os seus pró­
prios argumentos com dados oriundos do trabalho clínico sobre a transfe­
rência (a compulsão à repetição), dos sonhos de pacientes que sofriam de
neuroses traumáticas e da observação de crianças a brincar. Fora em ver­
dade o problema clínico da compulsão à repetição que dera origem à sua
escolha de nome para esse trabalho de 1920, qual seja, Além do princípio
do prazer. Devido ao fato de os pacientes parecerem ser compelidos a re­
petir experiências penosas, o princípio do prazer é rompido. Tem de haver
algo mais além do prazer.
(b) Libido frustrada: Igualmente, em sua forma projetada, a pulsão de
morte está longe de ser silenciosa, mas é barulhenta e estridente [ver PUL-

68 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


SÃO DE MORTE], Amiúde se argumenta que os impulsos agressivos não
são, em si próprios, prova da pulsão de morte, por poderem ser derivati­
vos de impulsos libidinais que foram frustrados. O argumento, em sua for­
ma mais benigna, é de que é impossível isolar os diferentes componentes
pulsionais através da investigação psicanalítica. As discordâncias entre os
psicanalistas a respeito da pulsão de morte acham-se repletas de engenho­
sos argumentos a posteriori sobre o ponto, desde ambos os lados [ver 2.
FANTASIA INCONSCIENTE; CONTINUIDADE GENÉTICA],
(c) Destrutividade interna: Klein demonstrou que, nas crianças, pelo me­
nos, a pulsão de morte não era muda nem silenciosa; existia um sentido
em que o ego, ou alguma parte do que ele continha, permanecia dentro,
a fim de exercer uma influência mortífera sobre a personalidade. Essa par­
te são os objetos internos "maus", que dão origem, no decorrer do desen­
volvimento, ao superego severo [ver 7. SUPEREGO], Nos adultos, a expe­
riência de um objeto destrutivo dentro do ego é transmitida por um pacien­
te que tem uma fobia por câncer, que representa um objeto interno devora-
dor. Em verdade, o temor generalizado do câncer é similar mente ligado a
fantasias inconscientes de um objeto mau concebido de modo sádico-oral.
Outras formas de hipocondria podem constituir ilustrações equivalentes.
Uma destrutividade interna clinicamente manifesta foi examinada por
Rosenfeld (1971) e, recentemente, por muitos outros, em reação à queixa
de que os kleinianos não haviam respondido às críticas de sua utilização
do conceito da "pulsão de morte". A estrutura dos pacientes fronteiriços
ou limítrofes consiste na organização de partes "más" do $elf, que atacam
o self "bom" com estratégias sedutoras ou intimidantes [ver ESTRUTURA].
(d) A importância relativa da pulsão de m orte e da libiâo: Em outra dire­
ção, argumentou-se haver Klein afirmado que a pulsão de morte predomi­
na, em influência, sobre a Iibido, e que o impulso a relacionar-se com ob­
jetos deriva da pulsão de morte! Isto seria inteiramente contrário à teoria
freudiana. Queixas de que Klein havia abandonado a teoria de Freud da
progressão das fases libidinais atingiram um ápice quando os analistas vie-
nenses chegaram a Londres, em 1939 [ver DEBATES SOBRE AS CONTRO­
VÉRSIAS]. A reclamação era demasiadamente excitada, mas é verdade
que Klein via os problemas e as inibições do desenvolvimento da Iibido
(e do intelecto, também) como devidos à ansiedade causada pelos impul­
sos agressivos. Ela realmente não lançou fora a teoria da Iibido e a seqüên-
cia das fases sexuais infantis. Apegou-se a ela formalmente, ao mesmo tem­
po em que apontava para o fato de que as fases não mais progridem co­
mo um horário de estrada de ferro (a própria analogia de Abraham). Elas
são comprimidas todo o tempo, mas ainda apresentam uma seqüência de
dominância de impulsos' a princípio, os impulsos orais dominam os anais;
depois, estes começam a afirmar-se e se tornam dominantes em relação
aos orais e genitais. A ênfase de Klein incidia sobre a interferência no de­

R.D.Hinshelwooâ / 69
senvolvimento libidinal por parte do sadismo, que assinala os pontos de
fixação da libido.
Os problemas, portanto, permanecem. Para os kleinianos, a pulsão de
morte não é silente, mas ativa como importante fator que perturba e mo­
difica grandemente a progressão natural do desenvolvimento libidinal atra­
vés das fases iniciais, enquanto que os psicanalistas clássicos minimizam
a importância clínica da pulsão de morte e enfatizam o desenvolvimento
epigenético da libido e do ego [ver PSICOLOGIA DO EGO]. A que situa­
ções criticamente decisivas na prática clínica levaria a decisão destas ques­
tões é algo que ainda espera receber atenção séria.

Abraham, Karl (1924), "A short study of the development of the libido", em Karl Abraham
{1927), Selected papers on psycho-analysis, Hogarth, p. 418-501,
Freud, Sigmund (1905), Three essays on sexuality, em James Strachey, org., The standard
edition o f the com plete psychological w orks o f Sigmund Freud, 24 vols., Hogarth, 1954-73,
vol. 7, p. 125-245.
-------- . (1915), 'T h e unconscious", S.E. 14, p. 159-215,
-------- , (1920), "Beyond the Pleasure Principie", S.E. 18, p, 3-64,
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Klein, vol, 1, Hogarth, p. 54-8.
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-------- . (1928), "Early stages of the Oedipus complex", The writings o f M elanie Klein, vol. 1,
p. 186-98.
-------- . (1929), "Infantile anxíety-situatíons reflected in a work of art and in the Creative im­
pulse", The writings o f M elanie Klein, vol. 1, p. 210-18.
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writings o f M elanie Klein, vol, 1, p. 219-32.
-------- . (1931), "A contributíon to the theory of inteiiectual inhíbition", The writings o f M ela­
nie Klein, vol, 1, p. 236-47.
-------- . (1932), "The psycho-analysis of children", The writings o f M elanie Klein, vol. 2.
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Klein, vol. 1, p. 248-57.
-------- . (1935), "A contributíon to the psychogenesís of manic-depressive States", The writings
o f M elanie Klein, vol. 1, p. 262-89.
-------- . (1945), 'T h e Oedipus complex in the light of early artxieties", The writings o f M ela­
nie Klein, vol. 1, p. 370-419.
--------. (1946), "Notes on some schízoid mechanism", The writings o f Melanie Klein, vol. 3, p. 1-24.
-------- , (1957), "Envy and gratitude", The writings o f M elanie Klein, vol. 3, p. 176-235.
Rosenfeld, Herbert (1971), "A clinicai approach to the psycho-analytic theory of the íife and
death ínstincts; an investigation into the aggressive aspects of narcissism", Int. ],, Psycho-
A n a l, 52:169-78.
Segai, Hanna (1987), "The clinicai usefulness of theconcept of the death instinct" (não publicado).

70 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


4
COMPLEXO DE ÊDIPO
DEFINIÇÃO. As descobertas clínicas de Klein acabaram por modificar a teoria
de Freud do complexo de Édipo. Ao enfatizar o conteúdo de fantasia das
reações pulsionais, Klein demonstrou especialmente os componentes pré-
genitais (orais e anais) das fantasias edipianas. Ela tomou isso como pro­
va da origem precoce, pré-genital, do complexo de Édipo. Klein nunca es­
teve à vontade com a teoria de Freud de que o superego era "herdeiro do
complexo de Édipo", porque a ocasião em que ele aparecia não combina­
va com suas próprias observações clínicas, de maneira que acabou por ir
contra Freud.
A terrificante e "psicótica" vida de fantasia arcaica da criança é subja­
cente ao complexo de Édipo clássico e Klein deu ênfase aos primeiros está­
gios do com plexo de É dipo. Achava ela estar dando ênfase à importância
do complexo por demonstrar a intensidade dos estágios iniciais subjacen­
tes a ele.
Klein também enfatizou a importância do complexo de Édipo negativo
(invertido) e a intrincada interação existente entre os complexos positivo
e negativo; mais tarde, isto foi absorvido por sua teoria da ambivalência
na posição depressiva. Subseqüentemente, sua própria teoria em desenvol­
vimento da ambivalência e da posição depressiva resultou em uma refor­
mulação implícita do complexo de Édipo, fundada em termos da reunião
de figuras de fantasia "boas" e "más" (os objetos parciais "bons" e "maus").
Na situação transferenciai de uma psicanálise, isto amiúde tem como con-
seqüência a relação do paciente com a reunião de partes da mente do analista.

CRONOLOGIA
1920 O complexo de Édipo clássico em crianças (Klein, Melanie, 1920,
"The development of a child").
1928 Formas pré-genitais do complexo de Édipo e complexo de Édipo in­
vertido (Klein, Melanie, 1928, "Early stages of the Oedipus complex").
1932 Desligamento do superego do complexo de Édipo (Klein, Melanie,
1932, The psycho-analysis o f children (Parte II); Klein, Melanie,
1933, "The early development of conscience in the child").

R.D.Hinshelwood / 71
1935 Complexo de Édipo e posição depressiva (Klein, Melanie, 1940, "Mour-
ning and its relation to manic-depressive States"; Klein, Melanie,
1945, "The Oedipus complex in the light of early anxieties").

A psicanálise ortodoxa da época em que Klein começou o seu trabalho


estabelecera que o problema nuclear de todas às neuroses era o com­
plexo de Édipo. Klein nunca questionou isso, mas, encarou o complexo
de um ponto de vista cada vez mais divergente.
O com plexo de Édipo na década de 1920: Na visão freudiana clássica, o
bebê tem em seu corpo sensações sexuais que tenta descarregar como dese­
jos voltados para os pais; ele não tem sucesso nisso e encontra proibições.
Isto conduz à masturbação, que atrai proibições semelhantes às anteriores.
Freud descrevera isto no nível genital e explorara as teorias (fantasias) se­
xuais da criança e discernira a ansiedade de castração do menininho, devi­
do às ameaças que experimenta por parte do pai; a menininha padece de
inveja do pênis.
Em artigo publicado em 1918 — por volta da época em que Klein come­
çou a analisar crianças — ele descreveu com extremo cuidado as identifica­
ções que a criança faz com cada um dos pais na relação sexual, e em ida­
de muito inicial (já aos dezoito meses). Nesse caso, estivera tentando elabo­
rar clinicamente algumas das implicações das idéias que publicara, no ano
anterior, em 'Luto e melancolia" (Freud, 1917), no qual descrevera, pela
primeira vez, o mecanismo da identificação (através da introjeção). Esses
artigos devem ter provocado um debate excitado e intenso em todas as so­
ciedades psicanalíticas, exatamente na época em que Klein estava formulan­
do os seus primeiros casos.

A CONTRIBUIÇÃO DE KLEIN AO COMPLEXO DE ÉDIPO. O trabalho


de Klein com crianças a brincar mostra-lhe a variedade dessas fantasias e
as maneiras pelas quais elas pareciam identificar-se com as figuras de brin­
quedo por todos os modos. Este tipo de identificação múltipla parecia pro­
duzir o florescer criativo do próprio brincar, com a criança observando
os acontecimentos a partir do ponto de vista de uma das figuras e, depois,
de outra [ver 1. TÉCNICA]. Klein enfatizou também as identificações com
cada um dos pais, bem como a forma simples do complexo de Édipo,
qual seja, ódio por um dos genitores e amor pelo outro.
Descobri o que Werner chamava de seus "pensamentos irrequietos".
Contou-me que ficava irrequieto a respeito dos animais de Tarzan. Os
macacos estão caminhando através da selva; em sua fantasia, caminha
atras deles e adapta-se a seu modo de caminhar. As associações mostra­
vam claramente sua admiração pelo pai, que copula com a mãe, e seu
desejo de disso participar, como terceira pessoa. Esta identificação,
mais uma vez com a mãe e o pai, formava também a base de seus ou­

72 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tros numerosos pensamentos "irrequietos", todos os quais podiam ser
reconhecidos como .fantasias de masturbação. (Klein, 1925, p. 118)
Com base nessas fantasias infantis, Klein efetuou quatro descobertas clíni­
cas principais a respeito do complexo de Édipo no período de 1919 a 1935.
Cada uma dessas etapas foi de tal magnitude que a teoria acabou por trans­
formar-se em outra inteiramente diferente: a teoria da posição depressiva.
As etapas foram:
(1) a qualidade particular do sadismo que se liga às fantasias do casal edi-
piano, dando origem a grande ansiedade [ver 8. SITUAÇÕES ARCAICAS
DE ANSIEDADE];
(2) as provas clínicas de fantasias pré-genitais e, portanto, de uma origem
pré~genital, algo inteiramente diferente da visão de Freud de que o comple­
xo de Édipo surge na fase genital, entre o terceiro e o quinto ano de vida
[ver LIBIDO; 7. SUPEREGO];
) (3) a concepção dos pais edípianos em termos de órgãos individuais — o
I pênis na vagina (o mamilo no seio) — o que dá origem a uma fantasia ate-
4 morizante dos pais eternamente unidos, constituindo uma figura parental
\ combinada [ver FIGURA COMBINADA DOS PAIS], e (4) a ambigüida-
de dos complexos de Édipo positivo e invertido, que, coexistindo, criam
sentimentos ambivalentes para com cada um dos pais [ver 10. POSIÇÃO
‘ DEPRESSIVA].

(1) Ansiedade. Klein contribuiu para a teoria ortodoxa do complexo de Édi­


po através da concentração no conteúdo das ansiedades que surgem das
fantasias a respeito dos objetos edipianos (mãe e pai):
O menininho que odeia o pai como rival no amor da mãe fará isso com
o ódio, a agressão e as fantasias derivadas de suas fixações sádico-orais
e sádico-anais (...) Neste caso [de Gerard], o pênis do pai deveria ser
cortado fora, a mordidas, cozinhado e comido. (Klein, 1927, p. 172).
Observou ela que "(...) tal manifestação de tendências primitivas é invaria­
velmente seguida pela ansiedade" (Klein, 1927, p. 175). Esses impulsos sá­
dicos criam grande temor e remorso em crianças pequenas, que temem o
que acontecerá aos pais reais e também a retaliação deles contra a crian­
ça [ver 3. AGRESSÃO; PARANÓIA].

(2) As primeiras origens do complexo de Édipo. Freud considerava os impul­


sos pré-genitais como sendo simplesmente descarregados, enquanto que
as fantasias edipianas verdadeiras começavam somente com a fase genital
(por volta da idade de três a cinco anos). Klein, contudo, apresentou fanta­
sias edipianas em idades pré-genitais: "(...) as crianças com freqüência de­
monstram, já no começo de seu segundo ano de vida, uma preferência acen­

R.D.Hinshelwooâ / 73
tuada pelo genitor do sexo oposto e outras indicações de tendências edipia-
nas incipientes" (Klein, 1926, p. 129). Impulsos pré~genitais ocorrem nas
reações das crianças aos pais e ao relacionamento sexual destes, e seus brin­
quedos giram em tomo de idéias, fantasias e ansiedades ligadas à cena ori­
ginária; na ignorância que a criança tem dos fatos, essas fantasias baseiam-
se em interpretações de suas próprias necessidades (orais ou anais) e a
cruel frustração delas:
De acordo com o estágio sádico-oral e sádico-anal que esteja atravessan­
do, a relação sexual vem a significar para a criança um desempenho
em que comer, cozinhar, troca de fezes e atos sádicos de todo tipo (es­
pantar, cortar, etc.) desempenham o papel principal. (Klein, 1927, p. 175)
Com esta massa de provas clínicas de fantasias pré-genitais, Klein viu-se
forçada à conclusão de que o complexo de Edipo surge antes da fase genital.
Dessa maneira, os pais estão sempre se alimentando mutuamente, incor-
porando-se um ao outro, despedaçando-se a mordidas, mexendo um den­
tro do outro, controlando-se mutuamente, mas há também fantasias geni-
tais de penetrar, cortar, cuidar ou proteger um ao outro:
(...) a análise dos primeiros anos demonstrou que ela [a criança] desen­
volve essas teorias muito mais cedo do que isso, em uma época em que
os impulsos pré-genitais ainda determinam predominantemente o qua­
dro, mesmo que seus impulsos genitais ainda ocultos tenham voz no
assunto. Essas teorias são no sentido de que, na cópula, a mãe está con­
tinuamente incorporando o pênis do pai por via da boca, de maneira
que o corpo dela acha-se repleto de um grande número de pênis e be­
bês. Todos estes a criança deseja comer e destruir. Ao atacar o interior
da mãe, portanto, ela está atacando um grande número de objetos.
(Klein, 1933, p. 254)

(3) Objetos parciais. Grande parte da vida de fantasia da criança é concebi­


da em termos de objetos parciais; isto equivale a dizer que ela imagina ór­
gãos em relação uns com os outros: objetos imaginados com uma única
função, mal visualizados, mas a se reunirem na relação sexual. Em particu­
lar temos o seio da mãe, que se reunirá com o pênis do pai, ou este últi­
mo, dentro da vagina da mãe: "(...) neste estágio inicial de desenvolvimen­
to, o princípio da pars pro toto se aplica, e o pênis também representa o
pai em pessoa" (Klein, 1932, p. 132) [ver OBJETOS PARCIAIS]. Envolvi­
dos também nesse mundo de órgãos acham-se os bebês que o corpo criati­
vo da mãe também contém algo que evoca outras fantasias, mais uma
vez predominantemente agressivas. Todas estas noções primitivas de ór­
gãos ainda não ligados são provavelmente propensões inatas a imaginar
tais coisas: fantasias inconscientes [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE;
CONHECIMENTO INATO].

74 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


A figura parental unificada: Central aos estágios iniciais do complexo de
Édipo é o quadro dos pais como um casal unido e atemorizante, abraça­
do em violenta relação sexual que os destruirá e também o bebê (Klein,
1932). Dessa maneira, os pais unificados (ou seus órgãos) destroem-se mu­
tuamente em uma catástrofe mundial para o bebê, que não lhe deixa na­
da; ao mesmo tempo, a figura volta-se sobre ele por causa de suas próprias
fantasias onipotentes contra os pais e submete-o às mesmas forças destruti­
vas que o bebê acredita que aqueles desencadeiam um contra o outro (ver
FIGURA COMBINADA DOS PAIS].

(4) Complexo de Édipo invertido. Por estar Klein analisando crianças muito
pequenas, encontrava-se ela em posição particularmente boa para demons­
trar que o complexo de Édipo não é simplesmente um amor pelo genitor
do sexo oposto e um ódio pelo genitor rival do mesmo sexo. Em verdade,
ela descobriu sentimentos muito misturados e, portanto, veio a enfatizar
o complexo de Édipo invertido, no qual menininhas tanto amam quanto
se identificam com a mãe, e os meninos amam o pai e com ele se identifi­
cam, à exclusão do genitor do sexo oposto. Isto se acha de acordo com a
visão que Freud tinha da bissexualidade inerente. As oscilações entre com­
plexo edipiano positivo e complexo edipiano invertido tornaram-se de im­
portância crescente e acabaram por contribuir para o desenvolvimento,
por parte de Klein, do conceito da posição depressiva (ver 10. POSIÇÃO
DEPRESSIVA].'

AS CONSEQUÊNCIAS DAS TEÓRICAS CONTRIBUIÇÕES DE KLEIN.


As contribuições de Klein conduziram a diversas direções:
(1) a uma nova origem do superego;
(2) à qualidade ''secundária'' das ansiedades clássicas ligadas à castração e
à inveja do pênis;
(3) à teoria da posição depressiva, da perda do objeto amado;
(4) bastante mais tarde, o seguidor mais original de Klein, Bion (1962), de­
senvolveu a importante noção de objetos parciais, juntando-se tal qual
um continente com os seus conteúdos [ver CONTER].
A dificuldade de Klein foi que suas observações clínicas, efetuadas com
crianças, tinham implicações de longo alcance e conflitavam com a obser­
vação clínica dos psicanalistas de adultos. Problemas estavam sempre à
espera de quem quer que desafiasse as descobertas do próprio Freud. O
mundo psicanalítico da década de 1920 não era clemente e foi somente
na década de 1930 que ela pôde desenvolver as suas próprias teorias, inde-
pendentemente de Freud. Nessa época, a visão que tinha da ansiedade e
da situação edipiana havia mudado, em resultado da incorporação, por

R.D.Hinshelwood / 75
ela, do conceito de Freud da pulsão de morte em seu entendimento de
suas provas clínicas; isto conduziu ao conceito da posição depressiva.

(1) O superego arcaico. A agressão evocada nestas fases pré~genitais do com­


plexo cria relações já complicadas com as figuras primárias, antes mesmo
que os impulsos genitais assumam. Essas figuras complexas, ambíguas e
terríficantes, quando introjetadas tornam-se perseguidores internos. Argu­
mentou Klein que versões internalizadas de genitores que atacam o ego
são claramente fenômenos da mesma categoria que o superego, tal como
descrito por Freud. Conseqüentemente, este também deve surgir em idade
muito anterior à enunciada por Freud (em 1923), quando o apresentou co­
mo "herdeiro do complexo de Édipo" e, portanto, como desfecho princi­
pal desse complexo. Assim, uma origem antiga do superego sugeria uma
origem ainda mais antiga de seu precursor, o complexo de Édipo. Como
isto se achava de acordo com sua descoberta de fantasias pré-genitais do
casal edipiano, acreditou Klein que os fatos clínicos demonstravam que a
seqüência geral de eventos definida por Freud podia ser mantida, se fosse
adiantada para uma idade anterior do desenvolvimento. Enquanto seguia
com suas observações, descobriu-se colocando tanto o superego quanto o
complexo de Édipo cada vez mais cedo. A princípio, aferrou-se à seqüên-
da c[ue Freud havia estabelecido; o superego é o resultado do complexo
de Édipo. Contudo, diferentemente da visão de Freud, os dois processos
de elaborar o complexo de Édipo e formar o superego não se acham intei­
ramente em seqüência, porque a "(...) análise de crianças muito pequenas
demonstra que, assim que o complexo de Édipo. surge, elas começam a ela­
borá-lo e, por esse meio, desenvolvem o superego" (Klein, 1926, p. 133).
Depois, os dois processos acabaram por tornar-se tão agrupados no pri­
meiro ano, pouco mais ou pouco menos, de vida que ela finalmente desen­
ganchou um do outro e tornou-os independentes, com o superego adian­
tando-se, de fato, para os primeiros momentos da vida [ver 7. SUPEREGO].

(2) Ansiedade de castração e inveja do pênis. Klein esforçou-se por reforçar


todos os aspectos e ansiedades descritos na teoria clássica do complexo
de Édipo, e constantamente alegou que sua descoberta dessas fantasias era
simplesmente um recheio da teoria aceita. Achava-se portanto em posição
de reivindicar que as grandes ansiedades que estivera descrevendo achavam-
se profundamente envolvidas na qualidade assustadora das ansiedades "or­
todoxas". Dessa maneira, a ansiedade de castração é reforçada e multipli­
cada pelas fantasias que o menino tem de ataques violentos ao corpo da
mãe, a fim de destruir o pênis que lá reside, com o terror da retaliação
mutilante, paga na mesma moeda, sobre seu próprio pênis. A inveja do
pênis nas menininhas acha-se mais claramente relacionada à ansiedade que
Klein descreveu como a incursão que a menina faz contra o corpo da mãe
como receptáculo do pênis do pai e dos bebês que traz à vida lá. Inveja

76 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


do pênis é um conceito mais estreito que as descrições que Klein faz da
variedade de fantasias que assediam a menininha [ver 6. FASE DA FEMI­
NILIDADE].
Apesar da alegação de estar recheando as teorias de Freud com fanta­
sias mais pormenorizadas, observáveis se se trabalha com crianças na oca­
sião em que o complexo de Édipo se acha em seu auge, em verdade as an­
siedades que Klein descrevia não eram as que Freud havia descrito. Klein,
na década de 1920, descrevera uma ansiedade nova, a de violentamente
invadir o corpo da mãe, e o temor de uma retaliação comparável sobre o
corpo da própria criança. Sua lealdade para com Freud, contudo, exigia-
lhe que endossasse a visão dele a respeito das ansiedades principais, apre­
sentando suas próprias descobertas como amplificadores subjacentes da
ansiedade de castração e da inveja do pênis.

(3) Perda do objeto amado. Freud pensava que os país edipianos tinham de
acabar por serem abandonados, e que essa perda era alcançada de modo
semelhante às outras perdas, tal como descrevera em 1917: por uma intro-
jeção do objeto. Em 1923, definira o objeto interno que resultava como
superego. Por volta do fim da década de 1920, contudo, quando Klein já
se instalara no arcabouço apoiador da Sociedade Psicanahtica Britanica,
ela ficou mais livre para permitir que suas próprias deduções teóricas se­
guissem avante.
Os objetos internos resultantes dos pais edipianos tornaram-se, para
Klein, as figuras psicológicas importantes, mais importantes que as exter­
nas, das quais, naturalmente, as internas apesar disso derivam. Acredita­
va que as oscilações entre os complexos de Edipo positivo e negativo no
curso do desenvolvimento infantil resultavam em objetos internos amados
e objetos internos odiados. Uma confluência acaba por se desenvolver en­
tre as figuras amadas e as odiadas, resultando em um objeto interno (geni­
tor) que é tanto amado quanto odiado, Esta confluência do amor com ata­
ques sádicos dá origem a uma constelação especial de afetos, atitudes, rela­
ções objetais, ansiedades e defesas, à qual Klein deu o nome de posição
depressiva [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA].

A POSIÇÃO DEPRESSIVA. O advento da posição depressiva no pensamen­


to de Klein tornou necessária uma redisposição de suas teorias. Em primei­
ro lugar, ela não mais se referiu com tanta confiança ao desmame como
sendo a frustração mais importante, dando ênfase, ao invés, às vicissitu-
des do objeto interno e à perda temida dele, antes que ao destino do obje­
to externo (o seio real). Em segundo, a volta para o pai, atribuída previa­
mente à reação contra a mãe no desmame, foi vista mais como inerente
em frustrações inevitáveis e conflitos de ambivalência em relação à mãe,
que se estabelecem desde o início. Este conflito é visto como inerente, ine­
vitável e engastado na natureza conflitiva das pulsões: um conflito entre

R.D.Hinshelwood / 77
o complexo edipiano positivo (querer o amor do genitor do sexo oposto
contra a rivalidade com o genitor do mesmo sexo) e o complexo de Édi-
po invertido (amar o genitor do mesmo sexo e com ele identificar-se, vol­
tando-se a oposição no sentido do genitor do sexo oposto). Dessa manei­
ra, existe alguma correspondência entre a reunião dos pais na situação edi-
piana e a reunião do objeto parcial "bom” com o "mau":
Cada objeto, portanto, está por sua vez sujeito a tornar-se às vezes bom
e, às vezes, mau. Este movimento para lá e para cá entre vários aspec­
tos das imagos primárias [figuras parentais] implica uma interação estrei­
ta entre os primeiros estágios do complexo de Édipo invertido e positi­
vo. (Klein, 1945, p. 409) [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]

R eparação: A importância da reparação aparece também em algumas fan­


tasias edipianas. Há reparação envolvida no realce dos aspectos amorosos
da situação edipiana. Os impulsos edipianos genitais representam um mo­
vimento no sentido de um fortalecimento dos sentimentos amorosos; estes
são importantes nos atos de reparação, para mitigar a possibilidade triun­
fante de reparação onipotente baseada em mecanismos maníacos [ver RE­
PARAÇÃO],

A posição esquizoparanôide: Com a compreensão da cisão da mente infan­


til em partes ou fragmentos, que vem associada à cisão dos objetos, a reu­
nião dessas partes e fragmentos assumiu o papel do objeto edipiano clássi­
co [ver CISÃO; 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÔIDE], Na experiência
do bebê, a mãe boa e que satisfaz desaparece quando ele está insatisfeito,
e intromete-se um objeto diferente. Em seu mundo externo apenas parcial­
mente percebido, o pai, um irmão ou irmã, um visitante ou o cão da famí­
lia servem tão bem quanto qualquer outra coisa para representar essa ter­
ceira figura intrusa e prejudicial. Neste estágio, contudo, essas figuras são
mantidas separadas no tempo, a fim de minimizar a experiência de uma
configuração triangular. O bebê, nos momentos em que experiencia o seu
objeto bom, acha-se em plena posse dele, uma posse interna e externa.
Contudo, à medida que os potenciais cognitivo e emocional se desenvol­
vem, os objetos se reúnem e o desencadeamento da posição depressiva
cria uma situação em que o bebê não mais possui o objeto "bom", mas
assiste à posse de dois objetos, um pelo outro (Britton, 1989).
O complexo de Édipo nesta versão é um complexo que pouco explica
os pais reais e sua relação sexual realr pois se fundamenta na maneira pe­
la qual o bebe faz uso dos objetos reais para "escutar" seu próprio mun­
do de fantasia e manipulá-los (defensivamente) para seu próprio alívio
[ver DEFESA PSICOLÓGICA].
Esta capacidade de pôr-se de lado e observar um relacionamento entre
dois objetos exige a capacidade de suportar o sentimento de ser deixado
de fora e, portanto, o impacto pleno do sofrimento edipiano clássico. É

78 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


neste momento que à capacidade de amar e odiar se junta à capacidade
de observar e conhecer, uma das grandes características da posição depres­
siva [ver VINCULAÇÃO; 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Dessa maneira,
a posição depressiva é mais que a consecução do complexo de Édipo; ela
envolve a capacidade de começar a ter um melhor conhecimento dos mun­
dos interno e externo:
O ego mais forte e mais coerente (...) repetidamente reúne e sintetiza
os aspectos excindidos do objeto e do self (...) Todas estas evoluções
conduzem a uma crescente adaptação à realidade externa e interna.
(Klein, 1952, p. 75)
Partes "m aterna" e “paterna" da mente do analista: Na situação clinica, o
uso desta interpretação de “objeto parcial" do complexo de Edipo influen­
ciou grandemente a compreensão da transferência [ver 1. TÉCNICA]. A
tentativa que o paciente faz de alcançar o estado de mente do analista com
freqüência inclui a maneira pela qual aquele experiencia as partes da men­
te do analista como separadas ou vinculadas. Dessa maneira, o analista
pode ser experienciado como compreensivo, mas, ao assim proceder, uma
outra parte dele — sua parte mais severa, analisadora, que o paciente sen­
te que o criticará é escindida. Tais aspectos da mente do analista podem
ser experiencíados em termos de gênero, como uma parte materna e outra
paterna, as quajs o paciente deseja manter separadas. Ou então, de modo
semelhante, pode se sentir que falta uma parte que sente e intuitiva do ana­
lista, quando este interpreta (segundo o paciente acredita) utilizando suas
próprias funções intelectuais. A reunião das partes da mente do analista
pode ser muito resistida e ferozmente atacada pelo paciente.

ESTÁGIOS INICIAIS VERSUS PRECURSORES — A DISPUTA. Houve relu­


tância continuda em aceitar as conclusões de Klein de que o complexo de
Édipo começava antes da fase genital (fase do primado genital) [ver tam­
bém 7. SUPEREGO]. Foi Fenichel quem a articulou de modo mais claro:
É indubitavelmente verdade que, em período muito anterior, a criança
se apega ao genitor do sexo oposto e sente ciúme e ódio do outro geni­
tor. Entretanto, estas fases preliminares diferem em certos pontos funda­
mentais do complexo de Édipo à época de seu zênite. As fases prelimina­
res possuem conteúdos (não genitais) diferentes daqueles do verdadei­
ro complexo de Édipo. Ainda estão competindo com tendências auto-
eróticas e o ódio ciumento ainda existe sem conflito, lado a lado com
o amor pelo genitor do próprio sexo do sujeito. (Fenichel, 1931, p. 141-2)

O argumento se baseia em não existirem elos entre o ciúme e o amor. Em


verdade, Fenichel descreveu um certo número de situações pré-genitais se­
paradas e diferentes: a proibição de impulsos auto-eróticos; o realce da an­
siedade de castração pela perda do seio da mãe (desmame); impulsos amo-

R.D.Hinsketwood / 79
rosos pré-genitais; a igualação do pênis com o seio ou com as fezes, e a
igualação do coito à incorporação oral. Todos estes componentes acabam
por influenciar o complexo de Édipo quando a fase genital vem a ser atin­
gida, e pareceriam, na realidade, pesar contra o argumento de Fenichel e
em favor da importância dos primeiríssimos estágios do complexo de Édipo.
isto se contrapõe à visão kleíniana de estados emocionais contrastantes
(o ciúme e o amor, por exemplo), que considerariam a separação como
uma não-intçgração secundária (uma cisão dos objetos e do relacionamen­
to) mais do que primária, antes de o ego começar a funcionar como for­
ça integradora. Os analistas freudianos clássicos consideravam as fantasias
pré-genitais da relação sexual dos genitores e a situação edipiana como sur­
gindo retrospectivamente, a partir de uma elaboração posterior, na fase
genital, do casal edipiano, em termos de impulsos pré-edipianos que eram
externados através da regressão. A reivindicação kleiniana de que impul­
sos de todas as fases (oral, anal, genital) tendiam a coincidir parecia abo­
lir o fenômeno psicanalítico da regressão.
A reação kleniana foi enfatizar o princípio da continuidade genética
[ver CONTINUIDADE GENÉTICA]; os fenômenos no estado adulto, ou
mesmo na infancia, decorrem inevitavelmente de algo anterior, argumen­
to que foi utilizado, na mesma época, a respeito do superego arcaico, E a
regressão tem de ser regressão de volta a alguma coisa, o que equivale a
dizer que as fantasias arcaicas, orais ou anais, de relação sexual dos pais
têm de ter existido, para que se possa a elas regredir. A disputa entre re­
gressão à atividade de fantasia de um estágio inicial e elaboração retrospec­
tiva de impulsos anteriores é difícil de ser decidida com base em provas
clínicas e, tal como acontece com tantas disputas, esta tendeu a sair de dis­
cussão antes de ter-se chegado à sua resolução.
Os embates, a estima ferida e as posições assumidas dos Debates sobre
as Controvérsias de 1943 ilustraram as dificuldades de buscar-se uma atitu­
de inteiramente científica em relação a tais tópicos [ver DEBATES SOBRE
AS CONTROVÉRSIAS]. A temperatura subiu especialmente a respeito
do conceito-chave do complexo de Édipo, por ele ser central à teoria clás­
sica de Freud na ocasião. A acusação de Klein (1927) de que Anna Freud
não interpretara o complexo de Édipo (ver 1. TÉCNICA] ocasionou arrou­
bos lancinantes e amargor, expressos de modo sofrido e cuidadoso em cor­
respondência trocada entre o próprio Freud e Ernest Jones, respectivos pa­
tronos das mulheres em disputa (Steiner, 1985) [ver 1. TÉCNICA].
O desenvolvimento da teoria kleiniana do complexo de Édipo, contu­
do, afastou-a da idéia çlássica dos pais "reais" para um mundo de fantasia
de objetos parciais na posição esquizoparanóide. Na prática, no consultó­
rio, são o casamento e a devoção do analista à psicanálise, ou a reunião
dos pensamentos do analista, ou de partes de sua mente, os casais decisi­
vos a que o paciente psicanalítico responde. Para alguns (os analistas clás­
sicos), a teoria é hoje irreconhecível; para os kleinianos, é a continuidade

80 / Dicionário do Pensamento Kleiniana


entre as fantasias de objetos parciais nos primeiros estágios do com plexo
de Édipo e o estágio edipiano posterior (clássico) o que constitui a questão
relevante [ver CONTINUIDADE GENÉTICA].

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R.D.Hinshelwood / 81
5
OBJETOS INTERNOS
DEFINIÇÃO, Este termo denota a experiência ou fantasia inconsciente de um
objeto concreto fisicamente localizado no interior do ego (corpo), que pos­
sui seus próprios motivos e intenções para com o ego e outros objetos. Ele
existe dentro do ego, em maior ou menor grau de identificação com este
(uma fantasia de absorção ou assimilação pelo ego). A experiência do obje­
to interno é profundamente dependente da experiência que se tem do obje­
to externo, e os objetos internos são, por assim dizer, espelhos da realida­
de. Eles também contribuem de modo significativo, porém, através da pro­
jeção, para a maneira pela qual os objetos externos são, eles próprios, per­
cebidos e experienciados.

CRONOLOGIA
1927 Expulsão como meio de administrar o mundo interno (Melanie Klein,
1927, “Criminal tendencies in normal children").
Objetos internos múltiplos (imagos que constroem o superego (Klein,
Melanie, 1929a, “Personification in the play of children").
1935 Perda do objeto interno bom (Klein, Melanie, 1935, "A contribution
to the psychogenesis of manic-depressive States").
1946 Cisão de objetos e do self (Klein, Melanie, 1946, "Notes on some schi-
zoid mechanisms"),

idéia de objeto interno é uma das mais importantes descobertas de


A Klein, mas também uma das mais misteriosas. A experiência que o
sujeito tem de um objeto dentro de si proporciona-lhe um senso de existên­
cia e identidade. As nossas relações com objetos abrangem aquilo que so­
mos. A percepção deste fenômeno por parte de Klein começou muito ce­
do. O aprofundamento da teoria, porém, constituiu um processo prolonga­
do, que envolveu um certo número de etapas conceptuais:
(1) O objeto introjetado (o termo "objeto" e a maneira por que é usado
pelos kleinianos e outros psicanalistas das relações objetais acham-se des­
critos em outra parte [ver OBJETOSJ);

82 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


(2) exíernalização;
(3) o mundo interno;
(4) o superego;
(5) figuras de ajuda;
(6) a realidade interna dos objetos, e
(7) onipotência e qualidade concreta.

(1) O objeto introjetado. Em sua análise de Rita, em 1923, Klein deu-se con­
ta da importância de um objeto introjetado que veio a aterrorizar a crian­
ça. Essa compreensão proveio da elucidação da fantasia envolvida em ri­
tuais da hora de dormir: o "temor de que um camundongo ou um amigui-
nho* entrassem pela janela e lhe cortassem o seu amiguinho* (órgão geni-
tal) a dentadas" (Klein, 1926, p. 132). Este temor do objeto interno perse­
guidor constituía uma proibição violenta, mas não emanava "(...) da mãe
real, e sim de uma mãe introjetada" (Klein, 1926, p. 132). Klein descobriu
que parte do ritual da hora de dormir envolvia a colocação de um elefan­
te, representando o pai, ao lado da cama:
O elefante (a imago paterna) destinava-se a assumir o papel do pertur­
bador, papel que o pai introjetado desempenhara dentro dela desde o
tempo em que [quinze meses de idade] quisera usurpar o lugar da mãe
junto ao pai, roubar da mãe a criança com que estava grávida, e ferir
e castrar os pais. (Klein, 1926, p. 132).

(2) Externalização. Klein continuou descrevendo como "(...) o jogo de desem­


penhar um papel serve para separar essas identificações diferentes" ê "(...)
a criança alcança êxito em expelir o pai e a mãe que, na elaboração do
complexo de Édipo, absorveu dentro de si, e estão agora atormentando~a
internamente com sua severidade" (Klein, 1926, p. 133).

(3) O mundo interno. Tal como o conceito de superego, o conceito de Freud


de mundo interno foi grandemente ampliado por Klein. Ela tentou ilustrar
as preocupações dramáticas da mente da criança em um estranho trabalho
baseado na resenha que um jornal de Berlim fez de uma opereta de Ravel,
representada em Viena (Klein, 1929b). O mundo de pesadelo de uma crian­
ça formava uma espécie de narrativa cheia de perseguidores, temidos e ata­
cados, que é representada no palco com um pungente estado de piedade
dela decorrente. Vinculou isto também a um processo de criatividade vi­
sual (a história de um pintor) e esforçou-se por recriar o efeito dramático,

* N. do T .; Em inglês butty, que significa amigo, camarada e também órgão sexual.

R.D.Hinshelwood / 83
a fim de transmitir a qualidade de um mundo inteiro de fantasia em que
a criança se acha envolvida.
Já em 1923 estivera absorvida no estudo da maneira pela qual as crian­
ças se preocupavam com os interiores dos corpos, os próprios e o da mãe:
A menininha tem um desejo sádico, a originar-se nas etapas iniciais do
conflito edipiano, de despojar o corpo da mãe de seus conteúdos, a sa­
ber, o pênis do pai, fezes, crianças, e destruir a mãe, ela própria. Este
desejo dá origem à ansiedade de que a mãe, por sua vez, despeje a pró­
pria menininha dos conteúdos de seu corpo (especialmente das crian­
ças) e de que este seja destruído ou mutilado. (Klein, 1929b, p. 217).
A criança tem assim uma concepção de objetos dentro de seu próprio cor­
po, retratados, diz Klein aqui, como sendo seus próprios filhos. Não se tra­
ta apenas de meninas; a respeito do rapazinho, diz ela:
Contudo, não é apenas seu pênis que ele sente dever preservar, mas tam­
bém os conteúdos bons de seu corpo, as boas fezes e a boa urina, os
bebês que deseja desenvolver na posição feminina e os bebês que —
em identificação com o pai bom e criativo — deseja produzir, na posi­
ção masculina. (Klein, 1945, p. 412)
Por esta atenção concedida ao interior da mãe, Klein denominou este está­
gio de fase da feminilidade [ver ó. FASE DA FEMINILIDADE]. Ela via as
crianças como tendo um interesse absorvente, desde muito cedo, pelos
seus próprios interiores, os quais sentiam conterem objetos bons e enrique-
cedores e os quais sentiam estarem ameaçados e, com freqüência, danifica­
dos pelo ataque por parte de objetos maus, quer de dentro de si mesmos,
quer do exterior.

(4) O superego. Na época em que Klein se achava investigando as idéias


das crianças a respeito de um mundo dentro de si mesmas, Freud produziu
a sua própria teoria da estrutura da personalidade: id, ego e superego.
Em verdade, o superego é o único objeto introjetado e interno que Freud
descreveu. O interesse de Klein, então, voltou-se para ligar as observações
que estava fazendo dos objetos introjetados das crianças com o novo mo­
delo da mente de Freud. Do brincar de uma menininha, diz ela:
Erna com freqüência fez-me ser uma criança, enquanto ela era a mãe
ou a professora. Eu tinha então de passar por fantásticas torturas e hu­
milhações (...) era constantemente espionada, pessoas adivinhavam os
meus pensamentos, e o pai ou a professora aliavam-se com a mãe con­
tra mim — em verdade, achava-me sempre rodeada por perseguidores.
Eu própria, no papel de criança, tinha de constantemente espionar ou­
tras pessoas e atormentá-las (...) Nas fantasias desta criança, todos os
papéis em que se engajava podiam ser encaixados em uma só fórmula:
o de dois papéis principais — o superego perseguidor e o id ou o ego,

84 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


segundo fosse o caso, ameaçados, mas de maneira alguma menos cruéis.
(Klein, 1929a, p.-199-200)
Dessa maneira, os dramas encenados na sala de atendimento são igualmen­
te, na interpretação de Klein, dramas internos à mente da criança, e ela
engenhosamente os vinculou à estrutura que Freud recentemente descrevera.

(5) Objetos internos de ajuda. Contudo, não se tratava apenas do superego


duro e aterro rizaaor. Klein também observou figuras de ajuda:

George sempre se sentira conscientemente rodeado e ameaçado (por


mágicos, bruxas e soldados), mas (...) tentara defender-se contra eles
com o auxílio de figuras de ajuda (...) Três papéis principais achavam-
se representados em seus jogos: o do id e os do superego, em seus as­
pectos persecutórios e seus aspectos de ajuda. (Klein, 1929a, p. 201)

"As figuras de ajuda assim inventadas são, a maior parte delas, do tipo
extremamente fantasioso" (Klein, 1929a, p. 203). Embora as primeiras im­
pressões que Klein havia obtido da análise infantil fossem de lutas assusta­
doras com perseguidores horríficos, versões distorcidas dos pais, ela ago­
ra "(...) viera a dar-se conta de que o funcionamento de tais imagos, com
características fantasiosamente boas e fantasiosamente más, é um mecanis­
mo geral nos adultos, assim como nas crianças" (Klein, 1929a, p. 203).
Neste estágio, Klein pensou que as figuras de ajuda eram conjuradas co­
mo defesa contra os perseguidores, e continuou, pela elaboração dessas
imagos, a apontar os problem as que decorrem de uma "(...) influência ex­
cessivamente forte exercida por esses tipos extrem ados de imagos, a inten­
sidade da necessidade de figuras bondosas, em oposição às ameaçadoras,
a rapidez com que aliados transformam-se em inimigos" (Klein, 1929a, p.
204). Esta visão de "imagos" muito variadas acha-se em nítido contraste
com as relações muito limitadas que Freud descreveu existirem entre o su­
perego e o ego e o id. Mais tarde, Klein veio a descrever essas figuras de
ajuda como objetos "bons", especialmente o objeto interno bom.
O bjetos internos múltiplos: A compreensão dos dois lados do superego
— o severo e o de ajuda —, expressos como objetos diferentes, e, depois,
dos objetos dos diferentes níveis libidinais (oral, anal e genital) conduziu
a uma visão do mundo interno como povoado por grande número de obje­
tos variados, derivados do meio ambiente e das histórias reais do bebê.
Por lealdade a Freud, Klein escreveu: "(...) o superego como um todo é
constituído pelas várias identificações adotadas nos diferentes níveis [fa­
ses] do desenvolvimento" (Klein, 1929a, p. 204), e, a fim de fazer suas pró­
prias observações conformarem-se à visão de Freud de um amálgama mo­
nolítico de pai e mãe, internamente, descreveu um processo de "(...) sinte­
tizar as identificações em um superego integral". Entretanto, com o correr
do tempo, o pensamento kleiniano veio a aceitar que o mundo interno é

R.D.Hinshelwood / 85
uma arena cheia de objetos variados, em diversos graus de síntese e separa­
ção, em contextos diferentes e em épocas diferentes.

(6) A realidade interna dos objetos. O conceito de objeto interno subseqüen-


temente tornou-se assunto de grande confusão — e repetidas elucidações.
A dificuldade é que os objetos internos descritos a partir das provas, clíni­
cas do brincar das crianças, {e, subseqüentemente, da análise de esquizofrê­
nicos) eram de tipo muito concreto. Naturalmente, é verdade que as crian­
ças (e os adultos, também) têm fantasias muito concretas a respeito do
que existe dentro de seus corpos. As fantasias inconscientes desses conteú­
dos, contudo, são muito extraordinárias. Os objetos internos não são "re­
presentações", como poderíam ser em lembranças ou em fantasias conscien­
tes (devaneios). Eles são sentidos como constituindo a substância do cor­
po e da mente.
Durante as décadas de 1930 e 40 um grupo de kleinianos formou o que
chamaram de Grupo dos Objetos Internos, a fim de tentar esclarecer esse
conceito misterioso. Searl (1932, 1933) e Schmideberg (1934) tentaram for­
necer deles relatos descritivos. Karin Stephen afirmou de modo lúcido e
categórico: "(...) a crença nesses objetos internos fantasiosos origina-se de
experiências corporais reais da mais tenra infância, ligadas a descargas vio­
lentas, amiúde incontroláveis, de tensão emocional" (Stephen, 1934, p.
321). Isaacs (1940) relatou um caso para fins de demonstração, a fim de
mostrar as provas clínicas em favor dos objetos internos, e Heímann (1942)
relatou com detalhes um caso em que as provas clínicas demonstravam a
introjeção de um objeto materno hostil que interferia com a capacidade
do ego; as habilidades criativas do paciente retornaram quando pôde ele
identificar-se (assimilar) com o objeto.
Objeto interno e identificação: O objeto internalizado é normalmente (em­
bora não sempre) sentido como pertencente ao ego. Exemplificando, se ex­
pandirmos as fronteiras do ego para fins de esclarecimento, eu poderia di­
zer que, dentro das fronteiras de minha casa, tenho "minha esposa" ou
"meu inquilino". Não se nega a esses objetos a sua própria identidade,
mas eles realmente constituem a minha identidade também — como mari­
do, senhorio — por fazerem parte de meu lar. E diferente com outros obje­
tos que entram em minha casa: eu não me referiría ao "meu ladrão" ou
ao "meu enxame de abelhas" se qualquer um desses objetos nela se introdu­
zisse. Embora sejam internos em relação às fronteiras de minha casa, eles
não são sentidos como pertencendo a ela.
O mesmo se aplica às fronteiras do ego: os objetos são normalmente
sentidos como pertencentes a (identificados com) ele, mas podem aí residir
como objetos estranhos [ver adiante, e ASSIMILAÇÃO].

(7) Onipotência e qualidade concreta. O objeto é, em primeiro lugar, um ob­


jeto em ocional, por provir das sensações que o bebê tem de prazer ou so-

86 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


frimento. Mas, por serem corporais as sensações, o bebê experiencia tais
objetos como entidades concretas reais, tão concretas como seu próprio
corpo: as sensações acham-se aí, de maneira que os objetos que as causam
devem aí se achar também. Bem de início, os objetos não são conhecidos
em termos de seus atributos físicos, mas isto de maneira alguma impede
a crença em sua presença física real, porque a criança "conhece" os efeitos
deles; suas próprias sensações corporais são prova disso.
Heimann (1949) resumiu do seguinte modo a relação corporal com obje­
tos internos:
(...) a pulsão busca o objeto (...) A situação se apresentaria então do
seguinte modo: sob a influência da fome e de desejos orais, o bebê, por
alguma maneira, conjura o objeto que satisfaça esses impulsos. Quan­
do esse objeto, o seio da mãe, lhe é em realidade oferecido, ele o acei­
ta e, em fantasia, o incorpora. (Heimann, 1949, p. 10)
A experiência é sentida como sendo concretamente real; a fantasia é onipo­
tente e produz resultados reais no ego, modificando e formando a base pa­
ra o dsenvolvimento do ego.
O mundo representacional e o mundo interno: O plano mais arcaico e
mais concreto da fantasia é, no desenvolvimento posterior, recoberto pe­
lo mundo de representações do objeto e do self, mas ele nunca é, em reali­
dade, substituído. O mundo concreto do objeto interno persiste como um
leito rochoso da personalidade, para vir à superfície em sonhos, no delírio,
nas alucinações, na hipocondria e nos estados delirantes menores dos pre­
conceitos e das preferências. A metáfora do "nó na garganta", para desig­
nar um momento emocional de tristeza, corresponde a uma realidade cons­
tituída por uma experiência corpórea real de sensações experimentadas na
garganta [ver OBJETOS].
A idéia que Freud tinha das representações (Freud, 1900) é de que elas
têm a função de símbolos pessoais, de vez que não se confundem com o
objeto externo real. Quando tais representações são confundidas com o
objeto externo, em resultado da operação da fantasia onipotente, a experi­
ência é a de um objeto completamente real, a existir dentro do sujeito (Ro~
senfeld, 1964). De modo semelhante, na representação do self, se a fanta­
sia for do tipo onipotente, o self se toma realmente fundido ou confundi­
do com o objeto [ver ASSIMILAÇÃO].
Os objetos internos são concebidos em um nível de desenvolvimento in­
teiramente separado (e anterior) e baseiam-se na fantasia onipotente de in­
corporar um objeto ao ego e identificar-se com ele. Isto resulta em uma
mudança radical no ego, por causa da confusão do objeto externo com o
próprio introjeto que resulta na qualidade onipotente da fantasia primiti­
va. Da mesma maneira, a projeção onipotente resulta na experiência de
uma perda real de partes do mundo interno ou do self, as quais se acredi­
ta se acharem no objeto externo [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].

R.D.Himhelwooá / 87
OS OBJETOS INTERNOS E O CORPO. O uso que Klein faz do termo “ob­
jeto Ínterno“ refere-se principalmente a esta experiência muito primitiva
dos objetos internos como concretamente reais. Schilder e Wechsler (1935),
em um estudo empírico piloto, conseguiram extrair de crianças o que elas
pensavam que havia dentro de seus corpos e demonstraram uma espanto­
sa variedade de objetos concretamente imaginados. No caso clínico de
Schmideberg (1934), os sintomas corporais derivavam de causas psicológi­
cas (sintomas de conversão e hipocondria): “(...) os sintomas de conversão
e a ansiedade dela eram em grande parte determinados por sua ansiedade
do objeto incorporado. Ela sentia que o objeto perigoso dentro dela acha­
va-se em oposição a seu ego“ (p. 263), e, à medida que a condição da pa­
ciente melhorou, “(...) o contraste entre o objeto incorporado e o ego tor­
nou-se menos poderoso e ela se identificou com o objeto dentro de si" (p, 263).
Este modo de experienciar objetos internos é conduzido através de to­
do o desenvolvimento e no decorrer da vida; entretanto, a ele se sobrepõe
um conjunto progressivo de modos adicionais de experienciar. A experiên­
cia do corpo, com o desenvolvimento dos receptores de distância, assume
as possibilidades de uma apreciação mais objetiva. Isso resulta no que é
então chamado de “representações" na mente de objetos internos e exter­
nos. As representações são, portanto, uma capacidade evolutivamente avan­
çada do bebê. Mais tarde, surge a substituição do objeto primário por ou­
tros objetos, e isto é o desenvolvimento da formação de símbolos. Este
progresso passo a passo na experiência de objetos foi esboçado por
Money^Kyrle (1968), que nele distinguiu três estágios: (i) a crença concre­
ta em um objeto fisicamente presente; (ii) a representação de um objeto
na mente e na memória, e (iii) uma representação simbólica em palavras
ou outros símbolos [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. A passagem da
experiência concreta de objetos para uma modalidade mais representacio-
nal complementa as concepções de Piaget (1954; ver também Matthews,
1980) e se acha ligada ao fenômeno que Bion chamou de função-alfa [ver
PENSAR; FUNÇÃO-ALFA].

A EXPERIÊNCIA DOS OBJETOS. A experiência especial destes objetos inter­


nos primitivos, concretamente sentidos, é obscura, mas podemos tomar
como exemplo o bebê que está com fome. Suas sensações corporais, forne­
cidas por sua fisiologia, são também experienciadas, mentalmente, como
um relacionamento com um objeto. O desconforto é atribuído à motiva­
ção de um objeto malévolo realmente localizado em sua barriguinha e que
tem a intenção de causar-lhe o desconforto da fome. Bion ambiguamente
refere-se a este objeto como um “não-seio", reconhecendo que, objetiva­
mente, há uma ausência, mas, para o bebê, não existe tal coisa como uma
ausência, e sim simplesmente a presença de algo que causa o sofrimento.
Neste exemplo, o objeto acha-se localizado dentro do ego, na barriga.
Este objeto interno é “bom" quando o bebê tem a experiência de ser ali­

88 / Dicionário âo Pensamento Kleiniano


mentado e sente o leite morno proporcionar sensações satisfatórias à barri­
ga [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE], Os objetos internos derivam
suas características das noções pulsionais que são ativas (objetos frustran­
tes ou "maus") ou estão sendo satisfeitas (objetos satisfatórios ou "bons"),
dependendo das sensações corporais que se encontram no centro de aten­
ção nesse momento. O objeto fica assim limitado à importância de apenas
uma espécie: em conexão com as sensações do momento — alimentação,
calor, conforto, sujeira, urina, etc. — e também em termos de permitir
ao objeto que haja alguma satisfação ou ser frustrante desses impulsos.
Cada objeto representa apenas uma fatia muito parcial do mundo do be­
bê e, em verdade, apenas uma parte da pessoa que dele cuida ("mãe"), a
qual é o seu mundo externo. Tecnicamente, isto é conhecido como objeto
parcial. Somente mais tarde é que a criança pode avançar para um quadro
mais complexo de seus objetos, mediante suas percepções mais avançadas,
e então os objetos dela vêm a ter intenções múltiplas e sentimentos mistos,
assim como atributos físicos e consistência no tempo.
Dessa maneira, a característica principal do objeto está na sua motiva­
ção de causar a sensação corporal. Drasticamente reduzidos a uma entida­
de de motivação única, esses objetos são, de um ponto de vista objetivo,
na melhor das hipóteses parciais e são conhecidos como objetos parciais
[ver OBJETOS PARCIAIS; 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE].
Os primeiros objetos concretos têm apenas atributos emocionais. Isso
cria um mundo animístico em que tudo sente e tem intenções. E somente
mais tarde, com o desenvolvimento de habilidades perceptuais ulteriores,
especialmente os receptores de distância, que um conjunto objetivo de atri­
butos pode vir a ser conhecido e atribuído aos objetos reais emocionalmen­
te já existentes. Somente com grande sofisticação é que o mundo dos obje­
tos com sentimentos e o mundo dos objetos inanimados podem ser final­
mente e com precisão separados, e uma representação na memória, ou fi­
nalmente, em símbolos, pode dar-se.

AS PRIMEIRAS RELAÇÕES OBJETAIS. No nascimento, acreditava Klein,


o bebê se relaciona com objetos que são primitivamente distinguidos do
ego: "existem relações objetais desde o nascimento". Estas relações derivam
da capacidade inata que o bebê tem de interpretar as suás sensações corpo­
rais; objetos bons que desejam causar sentimentos agradáveis e prazerosos
(uma sensação de estar completo, com o mamilo enchendo-lhe a boca,
por exemplo, ou a barriguinha cheia de leite morno), e objetos maus que
querem causar sentimentos desagradáveis (o objeto que morde, por exem­
plo, que lhe causa dor na boca quando os dentes começam a romper, ou
aquele que lhe rói o estômago, provocando a sensação de fome).
Em 1935, Klein chegara ao ponto de postular que processos introjetivos
achavam-se ativos e criavam objetos internos desde o nascimento: "(...)
desde o início o ego introjeta objetos "bons" e "maus", para ambos os

R.D.Hinshelwooá / 89
quais o seio da mãe é o protótipo" (Klein, 1935, p. 262). A introjeção de
objetos não mais deveria ser entendida como ocasionada pela perda de
um objeto amado, nem, tampouco, como dependente da resolução do con­
flito edipiano. A introjeção e a consecução de um objeto "bom" dentro
do ego é uma defesa contra a pulsão de morte. As terríficantes imagos, contudo,
(...) são um retrato fantasiosamente distorcido dos objetos reais [genito­
res externos] em que se baseiam, [elas] se instalam não apenas no mun­
do externo, mas também através do processo de incorporação, dentro
do ego (...) Muito cedo também o ego tenta defender-se contra os perse­
guidores internalizados pelos processos de expulsão e projeção. (Klein,
1935, p. 262).

Isto acontece tanto com os objetos aterrorizantes (agora chamados de


"maus") quanto com os úteis, os que ajudam ("bons"). Estes estados de
achar-se em relação com objetos fantasiosamente maus ou bons são gera­
dos por círculos maldosos ou benévolos, mediante a projeção repetida do
objeto interno fantástico para um objeto externo e uma reintrojeção do
objeto distorcido que vem aumentar o interno: "Parece que temos aqui
dois círculos, um benévolo e outro maldoso, ambos os quais se baseiam
na interação de fatores externos ou ambientais e fatores psíquicos inter­
nos" (Klein, 1936, p. 292). A instalação desses objetos internos fantásti­
cos, iniciada quando do nascimento, acarretava o abandono da tentativa
de Klein de colocar suas observações de acordo com a visão que Freud ti­
nha do superego. Concedia-lhe; em verdade, uma liberdade muito maior
para explorar as vicissitudes dos objetos internos, e, em 1935 e 1940, ela
postulou o esboço geral da posição depressiva [ver 10. POSIÇÃO DEPRES­
SIVA].

Narcisismo: Parte dos resultados obtidos pelo Grupo dos Objetos Internos
foi uma nova visão do narcisismo, que Heimann (1952) elaborou a partir
da idéia, previamente sugerida por Schmideberg (1931) e Riviere (1936),
de que o narcisismo representava a retirada da libido do objeto externo
para um objeto interno identificado com o ego [ver NARCISISMO], e não
simplesmente para o próprio ego.
De fato, em um anterior artigo formativo, Klein (1925) analisara dois
meninos com tiques nervosos, dos quais até então se pensara
(...) como sendo um sintoma narcísico primário (...) A experiência me
convenceu de que o tique não é acessível à influência terapêutica enquan­
to a análise não teve êxito em revelar as relações objetais nas quais se
baseia. (Klein, 1925, p. 121)
O tique não é apenas uma satisfação auto-erótica como a masturbação,
mas "(...) fantasias masturbatórias acham-se também ligadas a ele" (Klein,
1925, p. 124), e postulou Klein que essas fantasias masturbatórias consis­

90 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tem em partes do corpo do bebê que se acham envolvidas nos movimen­
tos do tique, e que se acham identificadas com um ou outro dos pais que
foi íntrojetado e com o qual o bebê se identificou. Este relacionamento in­
tensamente emocional, composto de introjeção e identificação com obje­
tos, existe desde muito cedo no desenvolvimento; na verdade, desde o nas­
cimento. Quando, por exemplo, um bebê suga o polegar, a psicologia é
complicada. Ele já introjetou o seio que alimenta por uma maneira tal que
este se acha pelo menos parcialmente seguro dentro do bebê, mediante
uma identificação com uma parte do corpo da criança. Neste caso, a iden­
tificação com o seio se dá com o polegar do bebê, de maneira que, quan­
do o chupa, está em relacionamento com o seio internalizado, identifica­
do com uma parte do ego (Heimann, 1952).
Assimilação do objeto: Uma das dificuldades do conceito de objetos inter­
nos foi figurar as relações reais existentes entre o objeto íntrojetado, o ego
e os outros objetos internos. Freud presumira em 1917 que a introjeção im­
plicava uma identificação do objeto com o ego. Em verdade, ele utilizou
o termo "identificação" para descrever a internahzação feita por um pacien­
te maníaco-depressivo de seu objeto ambivalentemente amado. Mais tar­
de, em 1923, descreveu a internalização do superego, que tem um desfecho
diferente, uma vez que ele se mantém separado do ego ou destaca-se do
ego. Isto parece ser contraditório e foi observado por outros psicanalistas
(ex., Rado, 1928) [ver ASSIMILAÇÃO]. O ponto, contudo, é que as des­
crições do brincar de crianças feitas por Klein mostravam que a criança
pode, em determinado momento, identificar-se com uma das partes do re­
lacionamento (o superego, digamos) e, em outro, tornar-se a criança culpa­
da e em falta, repreendida pelo superego. Esta disposição fluida das identi­
ficações (identificação introjetiva) sugere que objetos internos acham-se
disponíveis para o ego com eles se identificar, e existem como um repertó­
rio de identidades, atitudes, papéis, etc. para o ego, em qualquer ocasião
determinada ou em qualquer contexto específico.
Há, contudo, certos outros tipos de objetos internos, mais patológicos,
que parecem existir como intrusos estranhos (tais como os objetos inter­
nos descritos por Schmideberg, 1934, e Heimann, 1942). Esta última des­
creveu-os (1942) como corpos estranhos que não podem ser assimilados,
Klein mais tarde (1946) descreveu este problema, dando reconhecimento
ao material clínico de Heimann. Descreveu o ego como tendo sido debilita­
do pela identificação projetiva excessiva, ou seja/ que grande número de
fragmentos do self foram localizados em objetos externos, de maneira que
o ego se experiencia como um self esvaziado — até mesmo despersonaliza-
do —, fraco e vulnerável. Quando o ego se encontra neste estado, os obje­
tos introjetados, mesmo que sejam sentidos como objetos bons, são expe-
rienciados como esmagadores e não é possível haver identificação com
eles e, portanto, assimilação pelo ego.

R.D.Himhelwood / 91
OS OBJETOS NA POSIÇÃO DEPRESSIVA. Alcançar a posição depressiva
é, dessa maneira, mais do que conquistar maior capacidade perceptual.
Envolve uma intensa situação emocional, preocupada com os objetos par­
ciais em ocionais, e dá origem a uma mudança e uma agitação emocionais
especiais, ou seja, à posição depressiva.
A mudança no objeto: A descrição inicial que Klein deu da posição depres­
siva repousava na distinção existente entre objetos parciais e objetos totais:
(...) a perda do objeto amado se dá durante aquela fase do desenvolvi­
mento em que o ego efetua a transição da incorporação parcial para a
incorporação total do objeto (...) os processos que subseqüentemente
se tornam claros, como "'perda do objeto amado", são determinados
pelo senso de fracasso que o sujeito experiencia (durante o desmame e
nos períodos que o precedem ou seguem) em garantir seu objeto "bom
e internalizado" (...) Uma das razões para o seu fracasso é ter sido inca­
paz de superar seu pavor paranóide de perseguidores internalizados.
(Klein, p. 267)

A posição depressiva surge quando o objeto provoca uma confluência de


amor e ódio. Ela é estimulada, portanto, pela integração de objetos bons
com maus, de maneira que a angústia de odiar o objeto que é amado põe
em risco inteiramente o objeto. "Até que o objeto seja amado como um
todo", diz Klein, "sua perda não pode ser sentida como um todo" (1935,
p. 264). Com isto ela quer dizer que, anteriormente, a perda era sentida
como uma privação ativa por parte de um objeto mau: o objeto bom se
torna um perseguidor. Já na posição depressiva, sente-se que o objeto, co­
mo um todo, está faltando, foi perdido, ou danificado, e por ele se anseia.
Os objetos internos e o mundo externo: Com o começo da apreciação, do
objeto externo como um "objeto total", exige-se do bebê que aceite uma
visão mais realista da natureza daquele. O mundo animista dos objetos in­
ternos concretos cede e o mundo interno gradualmente se torna separado
com mais precisão. A identificação concreta de partes do self e dos obje­
tos dá lugar a uma capacidade de representar objetos para si próprio, e a
posição depressiva introduz uma mudança decisiva na exatidão da percep­
ção do objeto externo (ver MUNDO EXTERNO].
O objeto interno concreto continua a ser ligado a um objeto externo
através da projeção e sob a influência das exigências corporais. O objeto
externo permanece parcialmente construído a partir de fontes internas; es­
ta parte da construção gradativamente diminui, mas dificilmente se pode
dizer que desapareça. De modo igual, a construção do mundo interno dos
objetos, mediante a introjeção de objetos externos, continua, talvez com
intensidade declinante, através de toda a vida.
A importância do objeto bom : Antes de 1935, Klein dera ênfase à impor­
tância do objeto perseguidor que cria os círculos viciosos paranóides [ver
92 / Dicionário áo Pensamento Kleiniano
PARANÓIA], Com a posição depressiva, porém, sua ênfase mudou para
a importância do objeto bom, um objeto que é necessário, do qual se de­
pende e ao qual se ama, um objeto que tem de ser mantido. No desenvol­
vimento normal, o indivíduo é protegido das relações desoladas e paranói-
des com o objeto mau perseguidor por possuir internamente um objeto
bom e apoiador. A sensação de ter um objeto bom dentro de si é a base
da confiança em si próprio, e os distúrbios da autoconfiança resultam de
problemas com a manutenção de um bom objeto interno. Por exemplo,
diz Klein de Richard, à medida que sua análise prosseguia:
A crença na mãe boa interna era o seu maior suporte. Sempre que es­
sa crença se fortalecia, a esperança, a confiança e um sentimento maior
de segurança estabeleciam-se. Quando esse sentimento de confiança era,
abalado, fosse por doença, fosse por outras causas, então a depressão
e as ansiedades hipocondríacas aumentavam. (Klein, 1945, p. 391)
M anutenção do objeto interno: A importância do objeto interno é maior
na obra subseqüente de Klein, de vez que a luta para alcançar um bom
objeto interno, seguro e estável, dentro de si — um objeto com que se pos­
sa identificar — é vista como sendo o cerne de uma personalidade estável,
capaz de suportar grandes distúrbios emocionais. A ampliação dada por
Abraham ao trabalho de Freud sobre o luto e a doença maníaco-depressi-
va demonstrara quão precária é, nos estados patológicos, a posse de obje­
tos introjetados no ego. Esta precariedade jaz no fundo de grande parte
dos distúrbios e doenças psicológicas. O objeto bom interno tem de ser
sustentado contra as fantasias de ataque e dano que são ocasionadas pelo
lado "mau” e malvindo do "objeto total".
Luto: A descoberta da posição depressiva capacitou então Klein a efetuar
uma contribuição significativa para a natureza do luto. No artigo mais tar­
dio sobre a posição depressiva, de 1940, diz ela:
A pungência da perda real de uma pessoa amada é, em minha opinião,
grandemente aumentada pelas fantasias inconscientes que o enlutado
tem de haver também perdido os seus objetos "bons e internos". Sente
então que seus objetos internos "maus" predominam e seu mundo inter­
no fica em perigo de ruptura. Sabemos que a perda de uma pessoa ama­
da leva a um impulso, no enlutado, a restabelecer o objeto amado e
perdido (Freud, Abraham). A meu ver, porém, ele não apenas recebe
em si (reincorpora) a pessoa que acabou de perder, mas também resta­
belece os seus objetos bons internalizados (em última análise, seus pais
amados) (...) Também estes são sentidos como tendo sido arruinados,
como estando destruídos, sempre que a perda de uma pessoa amada é
experienciada. Logo após, vem a posição depressiva arcaica, e, com ela,
ansiedades, culpa e sentimentos de perda e pesar são reativados. Se,
por exemplo, uma mulher perde o filho por causa da morte deste, junta­

R.D.Hinshehoooâ / 93
mente com a tristeza e a dor o seu pavor arcaico de ser roubada por
uma mãe "má" e retaliadora é reativo e confirmado. (Klein, 1940, p.
353) [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA].

OS OBJETOS INTERNOS E A POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE. A ansie­


dade da posição esquizoparanóide relaciona-se principalmente com o me­
do da fragmentação e perda do ego. Isto se acha intimamente vinculado
com o destino do objeto interno — um objeto parcial, altamente instável,
oscilando de "bom" para "mau". Se, nesta posição, o objeto é atacado, ele
se fragmenta, e o ego é sentido como sendo identicamente fragmentado
[ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE]. Nas descrições da posição
esquizoparanóide há uma delicada sensibilidade quanto ao destino dos ob­
jetos, tanto internos quanto, externos. Temores de que o objeto interno
bom seja perdido através de projeções forçadas, como se por engano (jo­
gar fora o bebê junto com a água do banho), ou de que objetos maus se­
jam introjetados juntamente com objetos bons (cavalo de Tróia) constituem
ansiedades persistentes nos estágios iniciais.

O ESFORÇO PARA COMPREENDER OS OBJETOS INTERNOS. Nem to­


dos os analistas interessados em objetos internos acompanharam Klein
em sua concepção de que os objetos internos são características do desen­
volvimento normal do ego, mediante a importância central do objeto inter­
no bom, sua perda e sua reintegração na posição depressiva. Brierley lan-
çou-se em novas linhas: "Os objetos internos apenas se anunciam como
tais na prática clinica nos casos em que é óbvio que a síntese normal do
ego é deficiente" (Brierley, 1939, p. 241). Defendia aí o argumento de que
o aparecimento de um objeto interno constitui sinal de psicopatologia gra­
ve e, com efeito, declarou que ele surge do trabalho com as psicoses ma-
níaco-depressivas e outras psicoses. Baseou sua idéia na teoria de Glover
dos núcleos do ego (Glover, 1932). Glover descrevera o ego como se for­
mando a partir de núcleos, cada um deles formado ao redor dos fragmen­
tos separados de sensações corporais que o bebê experiencia. Esses núcle­
os de ego gradualmente se reúnem para integrar-se no ego à medida que
o desenvolvimento se dá. Em estados de distúrbios graves, contudo, eles
não se integram todos, ou então, sob tensão, pode haver uma regressão a
um estado integrado do ego, deixando separados alguns núcleos que dão
origem, na teoria de Brierley, ao sentimento de algo separado dentro de
si. Brierley, pretendendo apoiar esta teoria, apontou que Klein havia en­
dossado a teoria dos núcleos do ego, de Glover. Entretanto, Klein mais
tarde (1946) mudou de opinião [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Aqui,
Brierley estivera desenvolvendo idéias a respeito *dos estados anormais'do
ego e virtualmente ignorara o objeto descrito por Klein.
Fuchs (1937), em um artigo que tomava os analistas ingleses a sério
(mas foi ignorado por eles), desenvolveu uma idéia um tanto semelhante. Ten­

94 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tou ele esclarecer os fenômenos distinguindo duas formas de identificação,
dependendo do caráter dos processos de internalização. Por um lado, há
uma forma pré-genital de identificação com um objeto, baseada na introje-
ção e funcionando como defesa contra a perda real de um objeto interno,
conduzindo a uma identificação narcísica; por outro, temos uma identifica­
ção parcial com um objeto, em resultado de impulsos genitais, com preser­
vação do objeto externo e conduzindo a uma identificação histérica.
Em teoria correlacionada, Matte-Blanco (1941) formulou a hipótese de
que o objeto interno fracassa em ser assimilado se ele foi cindido pela agres­
são; doutra maneira, os objetos são assimilados pelo ego de modo harmo­
nioso e discreto.
As diversas tentativas de soluções teóricas não levaram a uma aceitação
geral da posição kleiniana, tal como definida por Klein (1935, 1946), ísa-
acs (1940) e Heimann (1942, 1945). Em verdade, a posição confusa foi apre­
sentada por Alix Strachey (1941), que discerniu três usos separados do ter­
mo "'interno": (a) mental; (b) imaginário e (c) dentro. As publicações klei-
nianas no transcurso de dez anos indicaram estarem se deslocando no sen­
tido do terceiro destes usos, a crença em algo dentro, embora Brierley ain­
da permanecesse incerta em 1942 e solicitasse que os kleinianos decidissem
a qual dos usos propostos por Alix Strachey eles aderiam.
Estrutura endopsíquica: Fairbairn, em uma série de artigos escritos na déca­
da de 1940 e coligidos em 1952, começou a descrever um novo modelo es­
trutural da mente, no qual três partes do ego se engajam em relações inter­
nas separadas com três objetos internos [ver FAIRBAIRN], De acordo com
ele, o objeto que é introjetado é somente o objeto "mau", internalizado co­
mo meio de controlá-lo. A estrutura foi então descrita em forma estável,
à maneira pela qual o modelo estrutural de Freud é fixado. Por ambas as
maneiras, o modelo estrutural de Fairbairn contrastava com o modelo flui­
do e subjetivamente descrito de Klein.
O bjetos internos e representações: Freud descreveu o estabelecimento das
representações quando estava elaborando a teoria dos sonhos (Freud, 1900).
Na teoria psicanalítica clássica, o único objeto interno é o superego; todos
os outros objetos são "representados" na percepção ou na memória. Mui­
tos analistas, portanto, decidiram que o conceito kleiniano de objetos in­
ternos constitui uma tradução do termo clássico "representação de objeto";
entretanto, assim não é. A distinção entre um objeto concreto experiencia-
do, em fantasia, como ativo dentro da personalidade (corpo) e a represen­
tação, na memória, de um objeto é importante. Eles são distinguidos, no
primeiro caso, por uma crença onipotente na presença concreta do objeto
e, no segundo, por uma representação que o simboliza para o ego, mas
com ele não se confunde [ver REALIDADE INTERNA]. Esta distinção cor­
responde à existente entre equação simbólica e símbolos verdadeiros [ver
FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS; EQUAÇÃO SIMBÓLICA].

R.D.Hinshehoood / 95
Sandler e Joffe (1969), explorando a distinção entre "ego" e "representa­
ção do self" feita por Hartmann (1950) e Jacobson (1954) [ver PSICOLO­
GIA DO EGO], desenvolveram o conceito de mundo representacional (San­
dler e Rosenblait, 1962) em um modelo para mapear outros arcabouços
conceptuais no arcabouço psicanalítico clássico. Ultimamente, Sandler
(1989) vem usando este modelo para entender a expressão "objeto inter­
no", a qual, propôs ele, deveria representar a construção teórica, por par­
te do analista, de uma estrutura subjacente no paciente (antes que denotar
um aspecto da experiência deste último).
O conceito de "objeto interno" partilha, com o de "fantasia inconscien­
te", o papel dos mais originais e inovativos aspectos do trabalho de Klein,
e ambos aprofundam a visão que Freud tinha do inconsciente. O concei­
to de "objeto interno" permanece sendo uma força poderosa para entender
os distúrbios mentais mais graves, constituindo uma arma igualmente po­
derosa para os mal-entendidos mais graves existentes entre a escola kleinia-
na e outras escolas psicanalíticas.
Temos hoje uma situação em que o caráter misterioso dos "objetos in­
ternos", que tanto preocupava os analistas nas décadas de 1930 e 1940,
foi eclipsado (não solucionado) nas de 1970 e 1980 pelos mistérios da "i-
dentificação projetiva". Talvez fosse mais útil, ao tentar-se avaliar os méri­
tos relativos da escola kleiniana e da psicologia do ego, que a distinção
entre objetos internos e representações fosse tornada foco de atenção, ao
invés das disputas mais usualmente teóricas que se dão a respeito da eficá­
cia do conceito de "identificação projetiva".

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98 / Dicionário âo Pensamento Kleiniano


6
FASE DA FEMINILIDADE
DEFINIÇÃO, Klein descreveu a relação arcaica com o seio como inerentemen­
te carregada. A princípio, ela tem características orais, e as fantasias —
sádicas e paranóídes, de sugar, morder ou ser mordido — resultam na for­
ma mais arcaica de ansiedade. Tanto meninos quanto meninas voltam-se
do primeiro objeto (mãe) para o pai e o pênis deste. Neste sentido, eles
adotam uma posição de feminilidade.
Imaginou-se originaímente que o afastamento do objeto primário, a
mãe — ou, no nível primitivo, o seio dela —, fosse uma reação ao desma­
me, mas, posteriormente, Klein percebeu~o como mais fundamemental, e
deu-se conta de que, na natureza humana, reside uma profunda ambivalên­
cia, que resulta nas características da posição depressiva. Com o desvio
do interesse de determinado objeto para o seguinte vai uma etapa de desen­
volvimento, dando origem à importância do pai, como é característico
das teorias de Freud. Alternativamente, o grau de ambivalência pode ser
tão grande a ponto de inibir as etapas evolutivas, Klein achava estar des­
crevendo observações importantes que não contradiziam as concepções
de Freud, mas eram subjacentes a elas e lhes davam mais significado.

CRONOLOGIA
1928 Ansiedade ligada a ataques ao corpo da mãe (Klein, Melanie, 1928,
"Early stages of the Oedipus confíict'" Klein, Melanie, 1932, The
Psycho-Analysis o f Children).
1945 Fase feminina e posição depressiva (Klein, Melanie, 1945, 'The Oedi­
pus complex in the light of early anxieties").

P or meados da década de 1920, Klein ficou convencida de que sua téc­


nica permitia-lhe novos insights por causa das observações muito mais
próximas que podia fazer com crianças pequenas, antes que da extrapola­
ção oriunda da psicanálise de adultos ou crianças mais velhas. Contudo,
hesitava em fazer as modificações na teoria psicanalítica ortodoxa do com­
plexo de Édipo e, depois, do superego, modificações que se achavam ím-

R.DMinshelwood / 99
plícitas em suas observações. Ela tinha de ser incaracteristicamente reticen­
te, mas havia uma contribuição que podia fazer, uma contribuição ao inte­
resse contemporâneo na psicologia feminina.

CONTRIBUIÇÕES DE KLEIN À SEXUALIDADE ARCAICA. Na época, dé­


cada de 20, esse era um campo escancarado. Ela não tinha de ficar hesi­
tante a respeito de seus resultados, e não ficou. Anunciou as suas desco­
bertas como comparáveis em importância à ansiedade de castração nos
menininhos.
Havia duas importantes descobertas:
(1) a ferocidade e a freqüência de ataques em fantasia ao corpo da m ãe
por parte da menininha (e também pelo menininho), os quais levavam ao
medo de perder a mãe e também a temores de retaliações por parte desta;
(2) o importante processo de descobrir novos objetos com que se relacio­
nar, com o fito de evitar a penosa constelação de ambivalência e medo
que se desenvolveu com um objeto antigo. Voltar-se para o pai como no­
vo objeto representa uma fase normal do desenvolvimento, na qual uma
atitude feminina com que se relacionar ao pai é expressa.
(1) Ataques à mãe. As primeiras análises conduzidas por Klein começaram
a mostrar-lhe uma fantasia particular de violência:
Então ela saiu do canto específico que chamava de seu quarto, subiu
até mim e fez-me toda sorte de ameaças. Me apunhalaria na garganta,
me jogaria no pátio, me queimaria ou me entregaria ao policial. Tentou
amarrar minhas mãos e meus pés, levantou a capa do sofá e disse que
estava fazendo po-kaki-ku cki [nádegas/fezes] (...) Nessa época, já quise­
ra roubar a mãe, que estava grávida, dos filhos dela, matá-la e tomar
seu lugar no coito com o pai. Estas tendências ao ódio e à agressão
eram a causa de sua fixação à mãe, assim como de seus sentimentos
de ansiedade e culpa. (Klein, 1926, p. 131)
Toda esta descoberta foi posteriormente resumida com grande clareza:
Minha observação dos casos de Trude, Ruth e Rita (...) levou-me a re­
conhecer a existência de uma ansiedade, ou melhor, de uma situação
de ansiedade que é específica às meninas e equivalente à ansiedade de
castração sentida pelos meninos.. Esta situação de ansiedade culmina pe­
la idéia que tem a menina de que a mãe destr-uir-lhe-á o corpo, abolir-
lhe-á os conteúdos e tirará os filhos para fora dele (...) Ela baseia-se
nos impulsos de agressão que a criança sente contra a mãe, e em seus
desejos, que brotam dos estágios iniciais do conflito edipiano, de matá-
la e roubá-la, (Klein, 1932, p. 31)
Quando Klein descobriu estas fantasias ansiosas nas análises de 1923-24,
elas eram novas para a psicanálise. O ataque ao corpo da mãe e seus con-

100 / Dicionário do Pensamento Kiemiano


teüdos mostravam-se vividos na manipulação dos brinquedos na sala de
atendimento, Riviere descreveu o efeito do desmame:

Em conseqüência de desapontamento ou frustração durante a amamen­


tação ou o desmame, acoplados a experiências durante a cena originá­
ria, que é interpretada em termos orais, um sadismo extremamente in­
tenso se desenvolve dirigido a ambos os pais. O desejo de cortar fora
o mamilo a dentadas desloca-se, e desejos de destruir, penetrar e destri­
par a mãe, assim como de devorá-la e aos conteúdos de seu corpo, suce-
dem-no. Tais conteúdos incluem o pênis do pai, as fezes da mãe e o ab­
dômen dela — todas as suas posses e objetos amados, imaginados co­
mo se achando dentro de seu corpo. O desejo de cortar fora o mamilo
a dentadas também se desloca, como sabemos, para o desejo de castrar
o pai cortando-lhe fora o pênis a dentadas {Riviere, 1929, p. 309-10).

(2) Objetos novos. O resultado da agressão para com a mãe é que a criança
se volta para o pai com uma atitude feminina: a fase da feminilidade. A
princípio, Klein pensou que esta era impelida por uma afronta real feita à
criança pela mãe, qual seja, o desmame. "Encaro a privação do seio co­
mo a causa mais fundamental do voltar-se para o pai" (Klein, 1928, p.
193). Mais tarde, contudo, achou que esta surgia da ambivalência ineren­
te com relação a objetos.
Voltar-se para novos objetos é o começo de um dos mais importantes
passos evolutivos: a capacidade de substituir objetos primários de interes­
se por símbolos [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. O ímpeto de explo­
rar objetos novos e a de alargar o mundo do bebê resulta de lesões, da
perda, e das fantasias temerosas que as acompanham. Os símbolos têm a
qualidade, portanto, de servir de defesa contra as ansiedades da agressão
arcaica e fazem parte da elaboração da posição depressiva [ver 10. POSI­
ÇÃO DEPRESSIVA].

SEXUALIDADE FEMININA. O interesse pelo desenvolvimento das meninas


foi muito grande durante a década de 1920. Com a crescente emancipação
das mulheres após a Primeira Guerra Mundial e a sua aceitação nas profis­
sões liberais, houve um certo número delas que foram capazes de desafiar
a opinião de Freud a respeito da "área escura" do desenvolvimento sexual
da menina:

Apesar de tudo, a conclusão que até agora se tirou das investigações


— equivalente, como o é, a uma asserção de que metade da raça huma­
na não se acha contente com o sexo que lhe foi atribuído e só pode su­
perar esse descontentamento em circunstâncias favoráveis — é decidida­
mente insatisfatória, não apenas para o narcisismo feminino como tam­
bém para a ciência biológica (Horney, 1924, p, 52).

R.D.Hínshelwood / 101
Horney lançara um desafio e acompanhou esse ato por dissociações cada
vez mais estridentes quanto à visão psicanalítica, dominada pelos homens,
a respeito das mulheres (Horney, 1926). Freud (1925, 1931) e Jones (1927)
tentaram manter-se à altura, mas o ritmo foi dado por analistas femininas
(Lampl de Groot, 1928; Riviere, 1929; Deutsch, 1930; Klein, 1932; Horney,
1932, 1933).
Em 1930, Deutsch pronunciou uma série de palestras sobre O desenvol­
vimento psíquico das mulheres no Instituto Psicanalítico de Viena, e Hor­
ney (1933), crescendo de modo mais provocativamente independente, anun­
ciou sua concordância com a descoberta kleiniana da furiosa e retaliatória
relação com o interior da mãe. Riviere (1934) aproveitou a oportunidade
que lhe foi oferecida pela publicação das N ovas conferências introdutórias
de Freud para criticar a opinião deste a respeito da psicologia feminina,
no meio de uma resenha sob outros aspectos laudatória. Jones (1935) pas­
sou em revista a "nova compreensão" da psicologia das mulheres em uma
conferência que pronunciou na Sociedade Psicanalítica de Viena. Ela foi
a primeira de uma série de Conferências de Intercâmbio entre Londres e
Viena, organizadas por causa das divergências teóricas existentes entre os
dois principais centros da psicanálise na época. E significativo que Jones,
ao confrontar as diferenças crescentes e ameaçar com o divórcio, tenha to­
mado a sexualidade feminina como tema central. Estava se atrevendo a le­
var a Viena uma das mais importantes divergências quanto às concepções
de Freud que permaneciam internas ao mundo psicanalítico [ver DEBATES
SOBRE AS CONTROVÉRSIAS].

O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DAS MENINAS. Decisivo, co­


mo estágio na evolução de sua obra posterior, foi o interesse de Klein pe­
lo desenvolvimento da criança do sexo feminino. Ela concordava com as
muitas críticas feitas a respeito das opiniões de Freud sobre o papel da in­
veja do pênis na evolução da menininha. Segundo a visão dele, uma mu­
lher não é mais do que um homem a quem falta algo, e o desenvolvimen­
to da garotinha é determinado pela penosa desfeita que experimenta quan­
do esta descobre a respeito de seu corpo, e, depois, pela busca do objeto
a quem culpar — usualmente a mãe.
Crítica a Freud: A visão que Freud tinha das mulheres é historicamente re­
lativa, derivando das relações sociais do século XIX. Na realidade social
da época, as mulheres eram social, moral, econômica e anatomicamente
inferiores.
O enfático coro de protestos contra Freud foi que ele subestimou a per­
cepção que a menininha tem de seu espaço interno e do potencial criador
de vida de seu corpo — "a negação da vagina".
O relacionam ento anterior com a m ãe: Klein achava-se particularmente
concentrada em apresentar uma descrição verdadeiramente psicanalítica

102 / Dicionário âo Pensamento Kleiniano


do desenvolvimento da feminilidade. Tomou isto como sendo o conteúdo
das ansiedades da criança, à medida que passa através das diversas contor­
ções e voltas do desenvolvimento pulsional, especialmente nas fases pré-
genitais. Foi contribuição de Klein demonstrar a importância do relaciona­
mento com a mãe antes do que com o pai, e isto levou alguns autores a
contrapor Klein a Freud (ex., Chodorow, 1978). Entretanto, a posição
de Klein é na realidadè mais sutil, por ela não negar a atitude denegrido-
ra detectável em Freud, mas atribuí-la, ao invés, às fantasias da paciente,
que é apanhada entre seus impulsos destrutivos para com as mães e as
mulheres e impulsos de amor e identificação.
O próprio Freud, em trabalho posterior, admitiu a força dessas correções:
Nosso insight desta fase inicial, pré-edipiana, nas meninas chega-nos co­
mo uma surpresa, semelhante à descoberta, em outro campo, da civili­
zação mino-miceneana por trás da civilização da Grécia. Tudo na esfe­
ra deste primeiro apego à mãe pareceu-me tão difícil de apreender na
análise — tão cinzenta pela idade, e obscura, e quase impossível de re-
vivificar — que era como se houvesse sucumbido a uma repressão espe­
cialmente inexorável. Mas talvez eu tenha ficado com essa impressão
porque as mulheres que se achavam em análise comigo foram capazes
de aferrar-se ao próprio apego ao pai em que se haviam refugiado da
fase inicial que estava em questão. (Freud, 1931, p. 226)
Trata-se de um reconhecimento elegante de sua disposição de, pelo menos,
considerar as possibilidades maiores abertas às mulheres analistas nesta es­
fera. Ela reconheceu a volta para uma fase de apego feminino ao pai.
O conflito aterrorizante da ansiedade de castração, que leva a proces­
sos de amadurecimento e também à amnésia infantil no menininho, tem
o seu equivalente na garotínha. Klein chegou a esta descoberta cedo, em
seu trabalho com crianças, e enunciou-a categoricamente como sendo "o
equivalente da ansiedade de castração no menininho" em suas conferên­
cias de Londres, em 1925 (ver The psycho-analysis ofchildren, Klein, 1932).
Em sua opinião, a menina está muito preocupada com o interior do cor­
po da mãe, atraída para ele pela prova da criatividade da mãe em produ­
zir outras crianças e por assistir à mudança e ao tamanho da barriga da
mãe durante a gravidez. O interesse no corpo da mãe é determinado por
muitos fatores, e Klein postula uma percepção inerente do pai a residir
nas entranhas da mãe [ver FIGURA COMBINADA DOS PAIS]. Trata-se
de fantasias complexas, que acarretam relações com partes dos corpos da
mãe e do pai, assim como entre estas: seio, barriga, traseiro e pênis [ver
OBJETOS PARCIAIS]. Elas não são apenas percepções ou imaginações,
mas são sentidas com uma intensidade de emoção de natureza muito mis­
ta. A fantasia do pênis do pai dentro da barriga da mãe, ou do seio desta,
cria sentimentos enormemente poderosos de exclusão e raiva, que são ex-
perienciados como um relacionamento de ódio, de dano e de ser ferido.

R.D.Hinshehoood / 103
Os sentimentos da menininha equivalem a um desejo de entrar, despojar
e destruir a barriga da mãe e sua criatividade, e o relacionamento que lá
existe com o pênis do pai. Esta fantasia primitiva, misteriosa e inconscien­
te, é então igualada pelo temor de que a mãe e os danificados e irados res­
tos de suas entranhas, de seus filhos e do pênis do pai voltem-se contra ela
para destruir o seu próprio corpo e os seus próprios filhos, através, exata­
mente, do mesmo tipo de ataque. A menininha teme a mãe como repleta
de objetos danificados e, agora, hostis; ao mesmo tempo, sente a perda
da mãe como grande amor e protetora.
São as fantasias da garotinha, de destruição mútua das entranhas uma
da outra que criam um relacionamento intensamente problemático com a
mãe. Ele resulta em uma necessidade, semelhante à do menino, de manter
amnésia durante este período de desenvolvimento da infância e coloca
em movimento uma prolongada elaboração de sentimentos hostis para com
a mãe e os pais unidos. Lança as sementes para as ansiedades da mulher
adulta a respeito de sua atração física, ou falta dela, e das devastações
do processo de envelhecimento.
Os suportes da inveja do pênis; Essas ansiedades terrificantes acham-se sub­
jacentes à crença em um corpo danificado que acaba por se expressar co­
mo o problema clássico da inveja do pênis. A menina padece do temor
de existir algo errado com o seu corpo (simbolizado pelo pequeno órgão
genital externo), o qual se manifestará nos medos, durante a gravidez, de
dar à luz bebês deformados; todos esses medos combinam com as deformi­
dades causadas aos bebês e ao pênis que a menininha atacou em fantasia
dentro da mãe.

O DESENVOLVIMENTO DOS MENINOS. Seguindo estas descobertas a res­


peito das menininhas e da base da inveja que têm do pênis, Klein estendeu
a teoria ao menininho. O reconhecimento, por parte de Freud, da dificul­
dade em estendê-la a um ponto tão atrás quanto o primeiro apego à mãe
na garotinha sugere poder ser igualmente verdade que o primeiro apego
do menininho à mãe foi de igual modo negligenciado pela teoria psicanalí-
tica clássica — e constituía uma área igualmente cinzenta de dúvida.
Klein assim resumiu a fase feminina:
Ela tem sua base no nível sádico-anal e concede a esse nível um conteú­
do novo, pois as fezes são agora igualadas à criança pela qual se anseia
e o desejo de roubar a mãe aplica-se agora à criança, tanto quanto às
fezes. Podemos aqui discernir dois objetivos que se fundem. Um está
dirigido para o desejo de ter filhos, sendo a intenção apropriar-se deles,
enquanto que a outra meta é motivada pelo ciúme dos futuros irmãos
e irmãs cujo aparecimento é esperado e pelo desejo de destruí-los dentro
da mãe. (Um terceiro objeto das tendências sádico-orais do menino, den­
tro da mãe, é o pênis do pai.) (Klein, 1928, p. 189-90)

104 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Dessa maneira, também o menino tem uma fase feminina:
Tal como no complexo de castração das meninas, também no comple­
xo de feminilidade do homem existe, no fundo, o desejo frustrado de
um órgão especial. As tendências a roubar e destruir estão relacionadas
aos órgãos da concepção, gravidez e parto, que o menino presume exis­
tirem na mãe, e, ainda, à vagina e aos seios, a fonte do leite (...) O
menino teme o castigo por sua destruição do corpo da mãe, mas, ao la­
do disso, seu medo é de natureza mais geral, e temos aqui uma analo­
gia com a ansiedade associada aos desejos de castração da menina. O
menino teme que seu corpo seja mutilado e desmembrado, e este pavor
também significa castração (...) Este pavor da mãe é tão esmagador por
estar combinado com ele um intenso pavor de castração pelo pai. As
tendências destrutivas cujo objeto é o útero são também dirigidas, com
sua plena intensidade sádico-oral e sádico-anal, contra o pênis do pai,
que se imagina estar localizado lá (...) Dessa maneira, a fase da femini­
lidade se caracteriza por uma ansiedade relacionada ao útero e ao pênis
do pai; esta ansiedade sujeita o menino à tirania de um superego que
devora, desmembra e castra e que é formado igualmente a partir da
imagem do pai e da mãe. (Klein, 1928, p. 190)
O suporte da ansiedade de castração: Foi por esta maneira que Klein inves­
tigou os fatores subjacentes à ansiedade de castração. Contudo, ela negli­
genciou completamente o fato de haver brutalmente arrancado o conceito
de ansiedade de castração de suas intrincadas ligações teóricas com o com­
plexo de Édipo. Em verdade, suas hipóteses levaram-na ainda mais a mo­
dificar o último (ver 4. COMPLEXO DE ÉDIPO].
A fase da feminilidade está saturada por uma atenção particular a assun­
tos internos e a uma necessidade específica de mobilizar solidariedades com-
pensadora, amor e identificação com as mulheres e os interesses femininos.
Este enfoque do que é interno constituiu uma compreensão importante,
que resultou na teoria em grande escala do mundo interno e dos objetos
internos. Abrangeu também uma compreensão do desenvolvimento carac-
terológico do interesse das mulheres por seus interiores corporais e, a pro­
pósito, do interesse dos homens pelos interiores corporais das mulheres.

PRIMEIROS ESTÁGIOS DO COMPLEXO DE ÉDIPO. A importância da fa­


se da feminilidade esmaeceu gradualmente após Klein descrever a posição
depressiva. Seu interesse nos efeitos da ambivalência nos relacionamentos
já não dependia mais tão intensamente de manter-se alinhada com as teo­
rias clássicas. A experiência penosa de atacar a mãe, seus seios, seu cor­
po e tudo o mais dela ficou englobado na ansiedade geral dos ataques ao
objeto amado, ou do dano a este.
O voltar-se para o pai representava a fase feminina tanto em meninos
quanto em meninas, e o relacionamento que se volta para ele é de uma

R.D.Hinshelwood / 105
ambivalência inerente. Dessa maneira, a dor e o sofrimento da posição de­
pressiva também se acham envolvidos aqui.
Estas ansiedades [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA], experimentadas nos
"prinadros estágios do complexo de Édipo", são forças poderosas para a
promoção do desenvolvimento, assim como para causar dificuldades e a
parada do crescimento (fixações):
A gratificação experienciada ao seio da mãe capacita o bebê a voltar
seus desejos na direção de novos objetos, primeiro de tudo no sentido
do pênis do pai. Um ímpeto específico, contudo, é dado ao novo dese­
jo pela frustração na relação como seio. (Klein, 1945, p. 408)
A relação com o seio é dupla. Tanto o aspecto positivo dela como instiga­
ção a desenvolver novas experiências e relacionamentos, quanto os aspec­
tos negativos podem acentuar (os últimos, provavelmente, de modo prema­
turo e ansioso) um passo evolutivo à frente [ver DESENVOLVIMENTO].
Esta atitude dupla (ambivalente) acaba por ser transferida para o pênis:
A frustração e a gratificação, desde o início, moldam a relação do be­
bê com um seio bom e amado e um seio mau e odiado. A necessidade
de lidar com a frustração e com a agressão que se lhe seguem é um dos
fatores que levam a idealizar o seio bom e a mãe boa e, correspondente­
mente, a intensificar o ódio e os temores do seio mau e da mãe má,
que se torna o protótipo de todos os objetos perseguidores e assustado­
res. As duas atitudes conflitantes para com o seio da mãe são transferi­
das para a nova relação com o pênis do pai. A frustração sofrida na re­
lação anterior aumenta as exigências e as esperanças em relação à no­
va fonte e estimula o amor pelo novo objeto. (Klein, 1945, p. 408)
As duas atitudes conflitantes para com a mãe — com o terceiro objeto (o
pai) — são integradas à complexidade dos complexos edipianos coexisten-
tes, positivo e invertido [ver 4. COMPLEXO DE ÉDIPO].

DESENVOLVIMENTO SEXUAL ANORMAL. O desenvolvimento da identi­


dade sexual depende do manejo bem sucedido destas ansiedades persecutó-
rias arcaicas. De acordo com Klein, os desvios do desenvolvimento hete­
rossexual resultam da persistência de intensa ansiedade persecutória e para-
nóide. Com relação a isto, ela desenvolveu as idéias dos psicanalistas clás­
sicos. Freud atribuira o homossexalismo a uma repulsa por parte do geni­
tor amado do sexo oposto, com a conseqüente volta para o genitor do
mesmo sexo como objeto amado. Abraham começou a examinar a homos­
sexualidade em termos das identificações baseadas em introjeções dos pais.
Klein encarou o homossexualismo de ambos os pontos de vista. Sua con­
tribuição específica foi de que o voltar-se para um objeto novo e a introje-
ção satisfatória de um objeto com que se identificar resultavam do equilí­
brio de forças sádicas e forças afetuosas, em uma complicada interação

106 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano


com os objetos externos reais: "Quando o temor [do menininho] do pai
castrador é mitigado peia confiança no pai bom, ele pode enfrentar seu
ódio e rivalidade edipiana" (Klein, 1945, p. 411). Nesta passagem, estava
ela transmitindo a idéia de que o menino busca um pai bom que possa in-
trojetar como apoio interno que lhe fortaleça a confiança em si mesmo co­
mo homem e ajude-o a enfrentar o seu próprio ódio pelo pai. Isto por sua
vez repousa, em grande medida, em ser o pai real capaz de suportar o
ódio do filho sem deixá-lo privado de apoio por parte do primeiro.
Em contraste com a visão de Freud de que a homossexualidade latente
é subjacente à paranóia — veja-se a análise por ele feita de Schreber, por
exemplo (Freud, 1911) — Klein apontou para a possibilidade de que temo­
res paranóides se achem subjacentes ao homossexualismo. Rosenfeld (1949)
examinou explicitamente esta revisão.
As perversões sexuais, mesmo as sadomasoquistas, foram muito pouco
estudadas pelos kleinianos. Tanto Hunter (1954) quanto Joseph (1971) ana­
lisaram fetichistas e demonstraram o voltar-se para um objeto substituto
que, sendo inanimado, aliviava um pouco da penosa ambivalência dos ob­
jetos humanos amados. Joseph foi particularmente meticulosa ao definir
a necessidade do objeto como sendo uma premência febril de entrar bem
dentro dele, uma forma concreta de identificação projetiva. Em geral, as
perversões são tipicamente consideradas como possuindo a forma descri­
ta por Rosenfeld (1949), em que o afastamento e o voltar-se para substitu­
tos sexuais derivam de uma ansiedade persecutória paranóide. O interes­
se, portanto, não reside tanto na forma específica da sexualidade perver­
sa, mas na paranóia ou na inveja subjacentes a que o analista remontou
o conflito (Gallwey, 1979) [ver PERVERSÃO].
A idéia da fase de feminilidade de meninas e meninos, caracterizada
por grande ciúme e agressão, foi importante para Klein na época (as déca­
das de 1920 e 1930), por ser uma hipótese que apontava para a força de
sua técnica através do brincar na revelação de maiores detalhes do desen­
volvimento sexual infantil e de suas aberrações subjacentes à psicopatolo-
gia da infância (e adulta) com que a psicanálise clássica se havia até então
ocupado. Contudo, após Klein haver adotado a pulsão de morte como ten­
do importância igual à Iibido sexual (1932), a atenção concedida por ela
ao desenvolvimento dos objetos e identificações sexuais esmaeceu um pou­
co, à medida que a importância da agressão primária vinha para o primei­
ro plano. Entretanto, a fantasia específica de intrusão com dano ao inte­
rior do objeto retornou por conta própria. Em 1957, a teoria da inveja pri­
mária [ver 12. INVEJA] enfatizou-a como sendo uma fantasia inata que
representa a pulsão de morte; as conotações específicas com o desenvolvi­
mento sexual, porém, haviam dela se desprendido.

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Riviere, Joan (1929), "Womanliness as a masquerade", Int. ]. P sy ch o-A n al, 10:303-13.
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rançid anxlety and narcissism", Int. ]. Psycho-A nal., 30:36-57; republicado (1965) em Her­
bert Rosenfeld, Psychotic States, Hogarth, p, 34-51.

108 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


7
SUPEREGO
DEFINIÇÃO, O trabalho de Klein desafiou a teoria clássica do superego, que
consistia nos pais internalizados (imagos), que representam os padrões so­
ciais, a capacidade de auto-avaliação e a origem de certos estados de men­
te tais como culpa, falta de valor e auto-estima. Na visão de Klein, o supe-
rego pode ser decomposto em um certo número de figuras internas, conhe­
cidas como objetos internos, que se acham em relação consigo mesmos,
assim como com o ego. Durante o primeiro período de seu trabalho
(1920-32), Klein preocupou-se muito com o superego e as origens deste,
que apareciam mais cedo que a teoria de Freud permitia. Ao final, após
uma longa e contrafeita aceitação da teoria clássica de Freud, ela desenvol­
veu a sua própria visão, radicalmente diferente das origens daquela instân­
cia no desvio inicial da pulsão de morte.

CRONOLOGIA
1926 Culpa inconsciente e o superego severo (Klein, Melanie, 1927, "Cri­
minal tendencies in normal children").
1929 Objetos internos múltiplos.
1932 O superego e a pulsão de morte (Klein, Melanie, 1932, "Early stages
of the Oedipus conflict and of superego formation".
(Capitulo 8 de The psycho-analysis o f children)', Klein, Melanie,
1933, "The early development of conscience in the child").
1935 Culpa e a posição depressiva (Klein, Melanie, 1935, "A contribution
to the psychogenesis of manic-depressive States").

esde o inicio de seu trabalho, até 1932, Klein esforçou-se por enten­
D der a experiência do remorso e da culpa em seus pacientes infantis, e,
a partir de 1923, quando Freud produziu a sua própria teoria do supere­
go como sendo a fonte da culpa, não apenas teve de esforçar-se para enten­
der seus pacientes, mas também descobriu-se em oposição às opiniões orto­
doxas. Ela constantemente tentou incluir as suas descobertas dentro do* ar­
cabouço teórico "correto" do superego, mas cada vez com menos sucesso,

R.D.firísiiríiraM / 109
à medida que o tempo passava. Acabou por romper com a visão ortodo­
xa em 1932, quando adotou o superego como sendo a manifestação da
pulsão de morte, visão que permanece, hoje tal como então, oposta à psi­
canálise clássica. Entretanto, a importância do conceito de superego vem
diminuindo no pensamento kleiniano desde 1935, quando o conceito da
posição depressiva surgiu e tornou-se a sua teoria de culpa em plena escala.
O problem a: O problema principal era que Klein, desde o começo de seu
trabalho, em 1918, descobrira intensos sentimentos de remorso em crian­
ças, algumas delas contando apenas dois anos e poucos meses. Cinco anos
depois, porém, em 1923, Freud descreveu a culpa como se originando do
superego, que se forma após o complexo de Édipo na posição genital, con­
cedendo ao superego uma data no desenvolvimento, por volta de quatro
a cinco anos. As opiniões de Klein vieram a divergir disso por três manei­
ras principais: (i) as formas arcaicas; (ii) constituintes múltiplos, e (iii)
uma história evolutiva específica do superego, de severo para mais suave.

REMORSO. Klein datou de 1923 a sua compreensão da importância da cul­


pa {Klein, 1955), época em que analisou Rita, uma criança de apenas dois
anos e nove meses: "a causa destes fenômenos comuns era um sentimento
de culpa particularmente forte subjacente ao p av o r nocturnus" [terror no­
turno] (Klein, 1926, p. 131). Rita era perturbada por sua própria agressivi­
dade e afetada por remorso e culpa desde a idade de quinze meses, quan­
do os seus sintomas haviam começado.
Nesse mesmo ano, 1923, Freud descreveu a culpa como sendo o resulta­
do de um conflito interno entre as pulsões (o id) e o "superego". Durante
algum tempo ele estivera ocupado com um fenômeno que chamara de sen­
timento inconsciente de culpa ou necessidade inconsciente de castigo (Freud,
1916, 1920). Com o surgimento de sua teoria do superego no mesmo ano
(Freud, 1923), a culpa achava-se claramente na agenda para debate atra­
vés da comunidade psicanalítica [ver CULPA INCONSCIENTE],

A teoria freudiana da culpa e do superego. Até esse ponto, Freud não tivera
conhecimento de Klein ou de suas provas de remorso arcaico. Ela deve ter
ficado ao mesmo tempo emocionada e desalentada pela nova teoria dele;
emocionada porque concedia a seu próprio trabalho importância e um ar­
cabouço teorico, alem de permitir-lhe fornecer provas clínicas àquele gran­
de homem, mas desalentada porque a teoria declarava categoricamente
que a instância moral interna, o superego, se formava por volta da idade
de quatro ou cinco anos. Freud confirmou a importância de suas próprias
concepções no ano seguinte, em seu artigo a respeito da dissolução do com­
plexo de Édipo (Freud, 1924b). O molde acl)ava-se então criado para uma
nova ortodoxia em psicanálise, a qual persistiu até os dias de hoje.

110 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


O herdeiro do complexo de Édipo. Segundo essa visão, o superego é o "her­
deiro do complexo de Édipo" (Freud, 1923, p. 48} e se forma através da
introjeção dos objetos amados edipianos (mãe e pai): a introjeção das "í-
dentificações primárias". Eles são recebidos dentro do ego (dentro da perso­
nalidade) e estabelecidos como parte da instância autocrítica interna e vigi­
lante. A visão que Freud tinha do superego formou-se baseada em suas
descobertas a respeito do luto (1917), por meio da descrição da resolução
do complexo de Édipo como sendo um processo de introjetâr os seres ama­
dos (sexuais) da infância, no ato de desistir deles por causa da ansiedade
de castração. O resultado disso era um relacionamento interno com uma
figura moldada nos genitores, com o mesmo tipo de papel de guardião e
censor. O trabalho surgiu de uma colaboração persistente com Abraham
(que trabalhava em Berlim), o qual desenvolvera suas próprias concepções
em um longo artigo de 1924, ou seja, o ano em que Klein estava fazendo
sua própria psicanálise com ele.

O esforço de Klein. Uma vez inteiramente elaborada a teoria do superego,


Freud ficara então mais capacitado a fazer mais sentido da culpa inconscien­
te, vinculando-a também ao masoquismo (Freud, 1924a). A nova teoria
tornou a culpa inconsciente e a necessidade de castigo um tópico de consi­
derável interesse e confusão (ver, por exemplo, Glover, 1926; Fenichel,
1928). Onde existia perplexidade e confusão no mundo psicanalítico, Klein
não se achava muito atrás, mostrando como a análise de crianças podia
lançar luz sobre os pontos mais escuros. Sua primeira referência ao supere­
go foi feita em 1926 e, no ano seguinte, ela investigou a teoria original de
Freud (Freud, 1916), de que a culpa inconsciente era a força propulsora
por trás do comportamento criminoso (Klein, 1927).
Contudo, o conceito de superego de Freud colocara problemas para
Klein em uma ocasião em que ela se achava também em análise com o
mais próximo colaborador de Freud, Abraham. Ela nunca questionou a
existência do superego; era tudo uma questão de datas. A fonte da culpa,
na teoria de Freud, surgia como sendo uma resolução do complexo de Édi­
po por volta da idade de quatro ou cinco anos, e no entanto Klein tinha
provas de culpa e remorso em seus pacientes que remontavam ao segun­
do ano de vida.
A posição dela na Sociedade Psicanalítica de Berlim, como uma jovem
e inexperiente (e talvez bastante difícil) recém-chegada, era precária, espe­
cialmente após a morte, em 1926, de seu próprio mentor e analista Abra­
ham. Em resultado disso, ela insistiu desesperadamente em que não se acha­
va em conflito com Freud e esperançosamente escreveu (em sua primeira
referência ao superego):
Nos casos que analisei, o efeito inibitório dos sentimentos de culpa era
claro desde uma idade muito inicial. O que aqui encontramos correspon­
de ao que conhecemos como superego nos adultos. O fato de presumir­

R.D.Hinshelwood / 111
mos que o complexo de Édipo atinja seu auge por volta do quarto ano
de vida e reconhecermos o desenvolvimento do superego como resulta­
do final do complexo não me parece contradizer essas observações de
maneira alguma. (Klein, 1926, p. 133)
Ela sustentou até 1932 não existir discordância real dela com Freud, opi­
nião ardentemente contestada por Anna Freud no inflamado debate (1926-7)
entre as duas mulheres [ver ANNA FREUD; ANÁLISE DE CRIANÇAS*
1. TÉCNICA].
A despeito de suas negativas, Klein alterou de modo significativo a teo­
ria de Freud, e também para ela contribuiu:
Estes fenômenos definidos e típicos, cuja existência na forma mais clara­
mente desenvolvida podemos reconhecer quando o complexo de Édipo
alcançou o seu auge e que precedem o seu declínio, são meramente o
término de uma evolução que ocupa anos. A análise de crianças muito
pequenas mostra que, assim que surge o complexo de Édipo, elas come­
çam a elaborá-lo e, por esse meio, a desenvolver o superego. (Klein,
1926, p. 133)
Ao que ela estava se referindo aqui era que o superego plenamente desen­
volvido é tudo aquilo que é corretamente reconhecido a partir da distância
das análises de adultos, mas também que, do ponto de vista privilegiado
da análise de crianças, o processo arcaico de formação do superego podia
ser descrito com pormenores muito mais precisos. De fato, antes da nova
teoria estrutural de Freud, tinha havido sugestões da existência de instân­
cias “morais" arcaicas dentro da mente: Abraham (1924) descrevera a ini­
bição interna da voracidade oral e Ferenczi (1925) introduzira a idéia de
uma "moralidade esfincteriana" que derivava da fase anal.
A poio por parte da Sociedade Britânica.* Inconvenientemente, Abraham
faleceu em 1925 e a Sociedade Psicanalítica de Berlim teve de escolher en­
tre endossar as concepções dessa desafiadora mas ainda insignificante no­
va analista ou rejeitá-la e a seu trabalho não testado com crianças. Ela já
apresentara trabalhos desafiadores e impopulares, tais como, por exemplo,
o seu artigo sobre os tiques nervosos (Klein, 1925) [ver 2. FANTASIA IN­
CONSCIENTE]. A Sociedade de Berlim não lhe concedeu o reconhecimen­
to e o apoio imediatos que ela desejava e precisava, de maneira que ficou
vulnerável às propostas provindas da Grã-Bretanha. Decidira-se a analisar
as formas arcaicas da vida mental e da ansiedade e, com a finalidade de
proporcionar-se lugar para fazer isso sem ser importunada, mudou-se pa­
ra Londres (1926), onde lhe foi concedido considerável apoio para suas
descobertas (Jones, 1926, 1927; Isaacs, 1929).
Não está claro por que Ernest Jones, alguém de alta posição no mundo
psicanalítico internacional, tenha feito essas propostas a uma "arrivista"
pouco conhecida. Pode ter sido o desejo sub-reptício dele de tentar arran­

112 / Dicionário do Pensamento Kleirüano


car um pouco da iniciativa científica de Viena para Londres ou pode ter
precisado de alguém para tratar um membro jovem de sua própria famí­
lia. Ao continuar sua linha de evolução por trás do fosso defensivo do
Canal da Mancha, Klein provocou conflito do outro lado do continente
europeu com sua rival, Anna Freud [ver ANNA FREUD), O conflito entre
elas atingiu o auge entre 1926 e 1943 e centralizou-se, em primeira instân­
cia, em torno da natureza e do momento da origem do superego,
O próprio Jones mostrou-se bastante crítico do conceito de Freud e,
pouco tempo após as descrições originais (Freud, 1923), escreveu, numa
mistura de obsequiosidade e critica incisiva:
Contudo, quando abandonamos essas valiosas generalizações amplas e
chegamos a um estudo mais próximo dos problemas neles envolvidos,
um considerável número de questões desajeitadas se apresenta. Para
mencionar apenas algumas delas neste ponto, como podemos conceber
a mesma instituição como sendo tanto um objeto que se apresenta ao
id para ser amado, em lugar dos pais, e como uma força que critica o
ego? Se o superego surge da incorporação do objeto amoroso abandona­
do, como acontece que ele em verdade com mais frequência derive do
genitor do mesmo sexo? Se ele é composto de elementos tirados das
pulsões "morais" e não sexuais do ego, tal como devemos esperar do
papel que desempenha na repressão das pulsões incestuosas sexuais,
donde deriva ele sua natureza sádica, isto é, sexual? (Jones, 1926, p. 304)

AS CONCEPÇÕES DIVERGENTES DE KLEIN. As concepções de Klein a


respeito do superego divergiam das de Freud em três aspectos principais:
(1) a origem do superego é muito anterior à sugerida por Freud;
(2) os constituintes do superego são múltiplos e variados, não um amálga­
ma monolítico dos pais edipíanos introjetados, e
(3) devido ao curso evolutivo muito mais longo, o superego passa por pro­
cessos de modificação, particularmente uma suavização de sua dureza e
uma integração de suas partes contraditórias.

(1) A origem do superego. Embora Klein aceitasse a descrição que Freud de­
ra do superego, ela não concordava com sua origem somente no quarto
ou quinto ano de vida; suas provas daras dos sentimentos arcaicos de cul­
pa apresentavam as origens do superego como sendo no segundo ano de
vida, no máximo. Quais eram essas provas?
(a) A prova direta: A análise de crianças pequenas, com menos de quatro
a cinco anos, mostrava provas diretas de remorso e culpa.
(b) A prova dos sintomas continuados: As fantasias subjacentes envolvi­
das em sintomas podem ser imaginadas como operando na ocasião eirt
que os sintomas começaram; por exemplo:

R.D.Hinshelwood / 113
f
O caso de Rita claramente mostrava que o pavor noctum us que apare­
cera à idade de dezoito meses de idade era uma elaboração neurótica
de seu complexo de Édipo (...) [e se achava] muito intimamente vincula­
da a fortes sentimentos de culpa que surgiam desse conflito edipiano
arcaico. (Klein, 1932, p. 4)
Schmideberg expressa claramente a lógica disso:
Presumo que os determinantes para os sintomas que encontrei aos três
anos de idade tenham estado continuadamente em operação desde a
ocasião em que os sintomas pela primeira vez ocorreram. Isto não é sus­
cetível de prova, mas a mesma presunção foi assumida por Freud quan­
do utilizou os fatores revelados na análise de adultos para explicar sinto­
mas que haviam ocorrido na infância. (Schmideberg, 1934, p, 257-8)
(c) A severidade do superego da criança: Algo para que Klein continuada­
mente apontava era a qualidade da culpa, que sugeria um superego extre­
mamente severo, muito mais que nos adultos — único aspecto do trabalho
de Klein a que Freud um dia se referiu (Freud, 1930). Exemplificando, Er-
na experienciara um treinamento de asseio muito precoce aos doze meses
de idade, "(...) na realidade efetuado sem qualquer tipo de severidade",
mas a menininha o vívenciou "(...) como um ato muito cruel de coerção",
do qual os seus sintomas se desenvolveram, indicando "(...) sua sensibilida­
de à atribuição de culpa e o precoce e acentuado desenvolvimento de seu
sentimento de culpa" nessa idade (Klein, 1926, p. 136n).
Em verdade, Klein demonstrou que, quanto mais jovem a criança, mais
severo é o superego, sugerindo que, no desenvolvimento da criança, exis­
te um processo de modificação e suavização contínua de um superego ar­
caico sádico, que persegue a criança com idéias de horripilantes castigos.
A implicação é que o superego severo acha-se relacionado a fases pré-geni-
tais do sadismo, tal como descritas e datadas por Abraham (1924).
Em 1927, Klein fortaleceu esta visão do superego severo quando, seguin­
do Freud (1916), interessou-se pelas características criminais nas crianças
e a relação delas com a culpa e com o sadismo a que a culpa dava origem
(Klein, 1927) [ver CRIMINALIDADE].
(d) O superego prê-genital: A quarta forma de prova se acha no caráter
pré-genital das fantasias envolvidas, a indicar uma origem nas fases pré-
genitais. A severidade específica do superego em algumas crianças (Erna,
por exemplo) "(...) porta a marca dos impulsos pré-genitais". (Klein, 1929,
p. 204).
(...) a criança então teme um castigo correspondente à ofensa; o supere­
go se toma algo que morde, devora e corta. A conexão entre a forma­
ção do superego e as fases pré-genitais do desenvolvimento é muito im­
portante, desde dois pontos de vista. Por um lado, o sentimento de cul­
pa liga-se às fases sádico-orais e sádico-anais, que ainda predominam;

114 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


por outro, o superego surge enquanto essas fases se acham em ascendên­
cia, o que explica a sua atividade sádica. (Klein, 1928, p. 187)

(2) Os constituintes do superego. O superego, formando-se no contexto de


impulsos orais e anais, resulta em várias figuras internalizadas baseadas
tanto na mãe quanto no pai:
A análise de crianças pequenas revela a estrutura do superego como cons­
tituída por identificações que datam de períodos e estratos muito dife­
rentes da vida mental. Essas identificações são surpreendentemente con­
traditórias em natureza, com a bondade excessiva e a severidade exces­
siva existindo lado a lado. (Klein, 1928, p. 187)

Essas imagos (figuras internalizadas baseadas nos país) representam portan­


to, para a criança, atividades orais ou atividades anais dirigidas à própria
criança. Essas relações internas podem ser representadas por fantasias de
ser alimentada, ser devorada ou mordida, ou de alimentar o objeto (o "ro­
er da própria consciência", por exemplo); o mesmo acontece com os im­
pulsos anais. Klein descreveu esse catálogo de relações em fabuloso deta­
lhe no brincar das crianças com todos os tipos de objetos.
A partir de então, o superego é visto como um conjunto completo de
objetos internos, cada um deles dotado de funções específicas de fantasia
[ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE], e a psicanálise kleiniana, na práti­
ca, torna-se cada vez mais uma análise desses objetos internalizados. Isso
era dar uma tendência ampliadora ao conceito, em contraste com Freud,
que, ao substituir "o ideal do ego pelo superego tendera a resumir os rela­
cionamentos objetais intrapsíquicos à relação existente entre o ego e o su­
perego" (Heimann, 1955, p. 251).

A comunidade interna de objetos: A mente da criança acha-se ocupada


por muitos "objetos" que poderíam ser chamados de superegos [ver 5. OB­
JETOS INTERNOS]. Klein refere-se a eles como imagos, e a variedade des­
tas concede grande riqueza às características da mente:
(...) dois "personagens" principais: o da boneca, que corporificava o
id, e o do elefante coibidor, que representava o superego (...) Os "perso­
nagens", tal como no caso de George, consistem em três papéis princi­
pais: o do ego ou do id, o de uma figura que ajuda e o de uma figura
que ameaça ou frustra. (Klein, 1929, p. 202-3)
Esta variedade é ampliada por uma distinção entre bom e mau: "Vim a
dar-me conta de que a operação de tais imagos, com características fantas­
ticamente boas e fantasticamente más, é um mecanismo geral". As imagos
são também diferentes em relação ao nível pré-genital que representam:
"As imagos adotadas nesta fase inicial de desenvolvimento do ego portam
a marca das noções pulsionais pré-genitais, embora sejam na realidade cons­

R,D.Himhelwood / 115
truídas com base em objetos edipianos reais", acrescenta ela lealmente, e
continua:
Estes níveis iniciais são responsáveis pelas fantásticas imagos que devo­
ram, cortam em pedacinhos, subjugam, e nas quais vemos uma mistu­
ra dos variados impulsos pré-genitais em operação. Acompanhando a
evolução da íibido, estas imagos são íntrojetadas sob a influência dos
pontos libidinais de fixação. O superego, porém, como um todo, é cons­
tituído pelas várias identificações adotadas nos diferentes níveis de de­
senvolvimento cuja marca portam. (Klein, 1929, p. 204)
Figuras de ajuda: Cada vez mais Klein notou que essas figuras incluíam fi­
guras de ajuda, assim como figuras terrificantes e sádicas. As de ajuda cor­
respondem àquelas que proporcionam satisfação dos impulsos pré-genitais.
Entretanto, a importância das figuras de ajuda parece ter sido secundária
para Klein neste estágio de seu pensamento, de vez que as observações
da agressividade no brincar das crianças e da culpa e do remorso por cau­
sa dela haviam sido muito proeminentes e chocantes. Foi somente em 1935
que a importância das figuras internas de ajuda chegou apropriadamente
ao primeiro plano e, então, com a introdução da posição depressiva, o ob­
jeto interno bom e a preservação dele tornaram-se o fator mais importan­
te [ver 5. OBJETOS INTERNOS].

(3) Modificação do superego. A severidade do superego é progressivamente


modificada, principalmente através da influência do objeto externo real:
Comparado com o estágio precedente, em que o brincar era completa­
mente inibido, isto era um progresso, pois agora o superego não simples­
mente ameaçava de maneira terríficante e sem sentido, mas tentava,
com ameaças, impedir as ações proibidas. (Klein, 1929, p. 202)
As figuras de ajuda também começam a influenciar. Elas "são, na maior
parte, de um tipo extremamente fantasioso". (Klein, 1929, p. 203) e deri­
vam, parcialmente, pelo menos, de um ímpeto para a frente, no sentido
dos impulsos genitais, o qual dá acesso a sentimentos mais positivos e à
possibilidade de que figuras mais prestativas mitiguem a severidade.
A síntese dos objetos internos: Klein estava agudamente ciente da divergên­
cia existente entre suas concepções e as de Freud. Este descrevera um obje­
to reíatívamente unificado por volta da idade de quatro ou cinco anos, e
Klein enganchou sua teoria a isso, pensando em termos da reunião das va­
riadas imagos em algum tipo de objeto unitário posteriormente observável
como sendo o superego descrito por Freud: "A necessidade de uma sínte­
se do superego surge da dificuldade experienciada pelo sujeito em chegar
a um entendimento com um superego constituído de imagos de naturezas
tão opostas" (Klein, 1929, p. 205). Esta idéia de um ego impelido na dire­
ção de um esforço unificador sobre os objetos internos parece, nesta oca­

116 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


sião (1929), achar-se no contexto das próprias preocupações dela a respei­
to de estar divergindo das concepções de Freud. Contudo, a idéia unifica­
dora retorna, de forma muito diferente e vigorosa, em 1935, fazendo par­
te do desenvolvimento a que deu o nome de posição depressiva [ver 10.
POSIÇÃO DEPRESSIVA],
O objeto externo: Ao resumir as suas opiniões neste estágio, Klein escreveu:
No adulto, é verdade encontramos em ação um superego que é bastan­
te mais severo do que os pais do sujeito foram na realidade (...) na crian­
ça pequena, deparamo-nos com um superego do mais incrível e fantásti­
co caráter (...) Não tenho dúvidas, de minhas próprias observações ana­
líticas, que os objetos reais por trás dessas figuras imaginárias e terrifi-
cantes são os próprios pais da criança, e que essas formas apavorantes
de uma maneira ou outra refletem as feições do pai ou da mãe, por dis­
torcida e fantasiosa que a semelhança possa ser. (Klein, 1933, p. 249)

Aqui, ela estava se enganchando à teoria clássica da origem do superego


no caráter dos pais. Entretanto, era a distorção extremada dessas figuras
o que a preocupava; a investigação dos processos envolvidos nessa distor­
ção extrema tornou-se a marca distintiva da psicanálise kleiniana.
Ao considerar o superego como uma interação de figuras externas intro-
jetadas sob a influência deformante de impulsos sádicos arcaicos, Klein
aprofundou a teoria das origens do superego mais além de uma mera cor­
respondência entre algum objeto externo e a introjeção resultante.

O superego e o efeito terapêutico: James Strachey (1934) delineou uma te­


oria formal da ação terapêutica da psicanálise baseada na idéia de que o
objeto externo, o analista, é introjetado para tornar-se um superego auxi­
liar. A vantagem especial deste novo objeto interno é que, através da fun­
ção de interpretar a transferência, o analista evita ser distorcido pela fanta­
sia inconsciente primitiva e não se identifica então com o objeto interno
primitivamente bom ou com o primitivamente mau (as imagos primitivas).
Neste caso, o paciente fica então capaz de sustentar um relacionamento
objetai interno que não se baseia na autocondenação horrorizada ou na
idealização extremada [ver 1. TÉCNICA].

O ABANDONO DA TEORIA CLÁSSICA. O famoso artigo de Strachey foi


escrito em um momento decisivo do pensamento, kleiniano. As idéias dele
ligavam-se parcialmente à mudança radical de direção que Klein estava efe­
tuando: (1) em 1932, ela abandonara a teoria ortodoxa do superego e a
tornara uma manifestação clínica e intrapsíquica da pulsão de morte, e (2)
em 1935, publicada a sua teoria da posição depressiva, que tratava da his­
tória evolutiva das imagos primitivas que Strachey estava também concep-
tualizando.

R.D.Hinshelwood / 117
(1) O superego e a pulsão de morte. Klein via-se continuamente empurrada
para longe de sua lealdade à teoria clássica. Sua "pequena" modificação
da visão de Freud a respeito das origens do superego — ou seja, que o su­
perego surge a partir do momento em que o complexo de Édipo aparece
— teve na realidade importância maior do que ela revelou na ocasião [ver
4. COMPLEXO DE ÉDIPO]. Em particular, implicara ela que a introjeção
dos pais não vem após a "perda dos objetos amados" da primeira infância,
mas que é um processo que prossegue no curso de um relacionamento ati­
vo — e, em verdade, desde o início deste. Esta implicação acha-se muito
mais alinhada com as opiniões de Abraham, quais sejam, de que a introje­
ção e a projeção são processos constantemente ativos, ligados a impulsos
orais e anais, e são ativos continuadamente, desde o início da vida e atra­
vés desta [ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA].
Em 1932, as atitudes haviam se endurecido, com pouca perspectiva de
as concepções de Klein e Anna Freud poderem ser reconciliadas. A primei­
ra tinha o patrocínio seguro de Ernest Jones e existe uma correspondência
interessante, trocada entre Jones e Freud, a respeito dos conflitos entre
suas respectivas protegidas (Steiner, 1985). Dessa maneira, existiam cada
vez menos obstáculos a impedir que Klein desse o passo decisivo de aban­
donar a teoria clássica do superego, tal como assentada por Freud. O livro
dela, The psycho-analysis o f children [A psicanálise de crianças], publica­
do em 1932, era uma compilação de artigos clínicos (Parte 1), originalmen­
te palestras proferidas em 1925, e capítulos teóricos (Parte 2) sobre as im­
plicações das observações clínicas para as teorias do complexo de Édipo,
do desenvolvimento arcaico de meninos e meninas e do superego, reescri-
tos com base em conferências feitas em 1927. A parte teórica fora revisa­
da e é, em alguns aspectos, inconsistente. "É a sua descrição mais comple­
ta de sua primeira série de descobertas e concepções, escrita, porém, em
um momento de transição, e apresenta opiniões que só parcialmente con­
cordam com a base teórica principal delas" (Melanie Klein Trust, 1974).
Uma das mais decisivas das novas evoluções, introduzida como esboço
aqui e ali no texto, era a visão inteiramente nova da origem do superego
na pulsão de morte.
O superego e a pulsão de morte: Klein elaborou a teoria da origem do su­
perego na pulsão de morte de modo mais sistemático em 1933. Ao romper
com as concepções clássicas, ela engenhosamente descobriu, em Freud,
passagens que podia alegar estar seguindo. Apoiando-se nas descrições da
pulsão de morte por aquele feitas em Além do princípio do prazer (Freud,
1920), ela utilizou a visão dele de que a mais arcaica função do ego é des­
viar para fora a pulsão de morte, no sentido de um objeto do mundo ex­
terno. Este primeiro ato cria o ego:
A fim de escapar de ser destruído por sua própria pulsão de morte, o
organismo emprega sua libido narcísica, ou de autoconsideração, para

118 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


forçar o primeiro para fora, e dirigi-lo contra seus objetos (...) Diria
eu, ademais, que paralelamente a este desvio da pulsão de morte para
fora, contra objetos, uma reação intrapsíquica de defesa prossegue con­
tra aquela parte da pulsão que não pôde ser assim externalizada, pois
o perigo de ser destruído por esta pulsão de agressão estabelece, penso
eu, uma tensão excessiva no ego, que é por este sentida como ansieda­
de (...) Dá-se uma divisão no id, ou níveis pulsionais da psique, atra­
vés da qual uma parte das noções pulsionais é dirigida contra a outra.
Esta medida aparentemente muito arcaica de defesa por parte do ego
constitui, acho, a pedra fundamental do desenvolvimento do superego,
cuja violência excessiva neste estágio inicial seria assim explicada pelo
fato de tratar-se de uma ramificação de pulsões destrutivas muito inten­
sas. (Klein, 1933, p. 250) [ver 3. AGRESSÃO; PULSÃO DE MORTE]
Desta maneira, apoiando seu caso nas próprias teorias de Freud (embora
altamente selecionadas), ela demonstrava a origem arcaica do superego
(no nascimento, em verdade), as razões para a sua severidade extremada
e a necessidade de revisar a relação do superego com o complexo de Edi-
po. Assim, o superego surge antes do complexo de Edipo.
O intrincado dos argumentos dela destinava-se a resguardá-la contra a
critica de que sua teoria não era realmente psicanalística, porque se desvia­
va de Freud. Em verdade, os detalhes exatos da formação do superego que
ela descrevia são tão especulativos quanto as teorias de Freud, e, haven­
do neste ponto desvinculado o superego do complexo de Edipo, ela mal re­
tornou de novo a estes argumentos, com a exceção se dando em 1958, ao
explorar certos fenômenos nos esquizofrênicos [ver adiante]. De fato, uma
vez abandonada por ela a teoria clássica do superego, a importância des­
te, em si próprio, declinou nas teorias de Klein, tornando-se um conceito
muito menos saliente. Ao invés dele, Klein colocou em proeminência mui­
to maior a idéia de objetos internos, um mundo muito mais rico, que ela
então explorou no seu próprio valor [ver 5. OBJETOS INTERNOS].

(2) A posição depressiva. Com a perda de sua exatidão, o termo "superego"


foi mantido como descrição geral de objetos internos que possuem caráter
severo e autocrítico. Com freqüência o seu uso parece ser mais adjetivo:
"superegóico". Para o Grupo Kleiniano, "poder-se-ia dizer que o supere­
go não se acha finalmente assentado" (Segai, 1987). Em primeiro lugar, sig­
nifica a integração dos objetos ideais e persecutórios. Em segundo, "signifi­
ca um aspecto dos objetos internos que exerce pressão moral; por exemplo,
os pais internos engajados em relação sexual. Não sabemos como isso con­
tribui para o superego, talvez como uma influência sobre a maneira de fa­
zer amor" (Segai, 1987).
Searl (1936), em determinada época apoiadora de Klein, fez uma tenta­
tiva de resgatar o conceito de superego através da descrição de uma estru­
tura de dois ideais, baseada parcialmente na descrição feita por Strachey

R.D.Hínsheiwood / 119
(1934) de objetos bons e objetos maus. Sugeriu ela fazer a expressão "supe-
rego" referir-se ao "ideal negativo" (o imperativo "não farás") e a de "ide­
al do ego" ao positivo ("farás"). Searl, nessa ocasião, já estava se afastan­
do do Grupo Kleiniano e pouco depois demitiu-se da Sociedade Psicanalí-
tica Britânica. A idéia foi ressuscitada muito tempo depois por Meltzer
(1967) e Maneia e Meltzer (1981), para fazer distinção entre a posição de­
pressiva (na qual a passagem de figuras internas persecutórias para figuras
internas de ajuda predomina) e a inveja (a razão para não se poder livrar
de um superego persecutório).
O efeito maior do abandono da teoria clássica do superego foi permitir
desenvolvimento em direções bastante diferentes, das quais se pode salien­
tar em particular, em 1935, a posição depressiva [ver 10. POSIÇÃO DE­
PRESSIVA]. Isto deu a Money-Kyrle (1951) a possibilidade de utilizar a
distinção entre posição depressiva e posição esquizoparanóide para sepa­
rar duas categorias amplas de superego. Ele aplicou esta formulação psica-
nalítica à Alemanha, nos dias que se seguiram à Segunda Guerra Mundial,
numa tentativa de predizer quais os nazistas capazes de reabilitação e, as­
sim, merecedores de empregos responsáveis (pessoas com um superego
mais acentuado, na posição depressiva) e quais os possuidores de um supe­
rego autoritário e sádico, que mais haviam florescido sob o regime nazis­
ta, baseados mais na obediência e na perseguição do que na responsabilida­
de pessoal (funcionamento esquizoparanóide). Grinberg (1978) enfatizou
os diferentes tipos de culpa: persecutória (ou severamente punitiva) e de­
pressiva (com possibilidades de reparação) [ver ANSIEDADE DEPRESSI­
VA]. Comum a todos esses textos é a ênfase na seqüência de mudança de
afeto no curso do desenvolvimento: (i) perseguição; (ii) culpa persecutória;
(iii) culpa e reparação [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA],

OUTROS DESENVOLVIMENTOS

(1) Assimilação. Um tema explorado especialmente por Heimann foi a interes­


sante questão de se o objeto externo era introjetado no ego ou no supere­
go (Heimann, 1952) [ver ASSIMILAÇÃO]. Em um tardio e raro resumo
das origens do superego, escreveu Klein:
O ego, apoiado pelo objeto bom internalizado e fortalecido pela identifi­
cação com ele, projeta uma parte da pulsão de morte naquela parte de
si que foi escindida, uma parte que vem a ficar em oposição com o res­
tante do ego e forma a base do superego. (Klein, 1958, p. 240)
A importância desta passagem é que ela descreve a introjeção como sen­
do um processo que identifica um objeto externo com o ego. Um proces­
so diferente, porém, foi investigado por Heimann (1955), que relatou o ca­
so de um paciente masoquista cuja excitação por ser espancado nas náde­

120 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


gas resulta va da introjeção de uma imago paterna odiada e hostil, que se
tornava identificada com a parte de seu ego a ser espancada, ou seja, as
nádegas. O objeto externo é identificado apenas com uma parte do ego,
que é então, por assim dizer, repudiada, não adequadamente assimilada
pelo ego, mas, em contraste, esvaziando-o. Esta é uma maneira de descre­
ver, em termos de relaç'ões objetais internas, a natureza e o desenvolvimen­
to específicos da forma severa do superego.
O processo contrastante é "uma progressiva assimilação do superego
pelo ego" (Klein, 1952, p. 74). Klein mostra-se vaga a respeito deste pro­
cesso: "a capacidade aumentada do ego em aceitar os padrões dos objetos
externos (...) acha-se ligada à síntese maior dentro do superego e à assimi­
lação crescente deste último pelo ego" (Klein, 1952, p. 87). O objeto não
assimilado é descrito por Klein e Heimann: "os objetos internos agem co­
mo corpos estranhos engastados dentro do s e lf (Klein, 1946, p. 9n). Isto
resulta de um enfraquecimento do ego (resultante de identificação projeti­
va excessiva), que não é mais suficientemente forte para assimilar o obje­
to sem ser esmagado e dominado por ele. Riesenberg-Malcolm (1981) des­
creveu uma forma de pseudo-submíssão que disso resulta. O objeto estra­
nho independente, contudo, assemelha-se um tanto ao superego original­
mente descrito por Freud.

(2) O superego e a esquizofrenia. O crescente trabalho psicanalítico com es­


quizofrênicos nas décadas de 1940 e 1950 por parte de psicanalistas mais
jovens com qualificações médicas (Scott, Rosenfeld, Segai, Bion) — por
exemplo, o artigo de Rosenfeld sobre o superego do esquizofrênico (Rosen­
feld, 1952) —- levou Klein a retornar ao seu trabalho anterior com crian­
ças esquizofrênicas e ela descreveu algo que não fora previamente notado.
Perseguidores escindiáos: Ela descreveu então objetos extremamente hostis
com que os esquizofrênicos se preocupam:
Estes objetos extremamente perigosos dão origem, na primeira infância,
a conflito e ansiedade dentro do ego; sob a tensão da ansiedade aguda,
porém, eles, e outras figuras terrificantes, são escindidos de maneira di­
ferente daquela pela qual o superego se forma e são relegados às cama­
das mais profundas do inconsciente (...) o supergo normalmente se esta­
belece em relação estreita com o ego e partilha aspectos diferentes dos
mesmos objetos bons. Isto torna possível ao ego integrar e aceitar o su­
perego em maior ou menor grau. (Klein, 1958, p. 241)
Mesmo na época do período de latência, e depois, essas figuras especial­
mente violentas permanecem:
(...) a parte organizada do superego, embora muito amiúde severa, é
muito mais separada de sua parte inconsciente (...) quando penetramos
em camadas mais profundas do inconsciente, descobrimos que figuras

R.D.Hinshelwooâ / 121
perigosas e persecutórias ainda coexistem com figuras idealizadas. (Klein,
1958, p. 242)
Embora a persistência de um conjunto profundamente inconsciente de obje­
tos originários fosse reconhecida nos esquizofrênicos, isso não era inteira­
mente novo, por se assemelhar a um retorno às descrições de crianças (al­
gumas delas na latência) no primeiro período do trabalho de Klein, e lá
Strachey, para mencionar apenas ele, fizera uso (1934) da idéia de objetos
arcaicos perseguidores e imagos idealizadas.
A persistência de relações, em um estado separado, com objetos especial­
mente arcaicos foi utilizada por Bion na distinção entre partes psicóticas
e não-psicóticas de uma personalidade [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJE­
TIVA]. Rosenfeld também levou esta idéia mais além, em termos de uma
dominação interna da personalidade por partes cruéis e escindidas, que
aterrorizavam as partes boas da personalidade, tal qual uma quadrilha
da Máfia (Rosenfeld, 1971); linha semelhante de pensamento foi desenvol­
vida por Sidney Klein ao descrever aspectos autistas e encapsulados de
personalidades neuróticas (Sidney Klein, 1980) [ver ESTRUTURA],

OBJEÇÕES ÃS MODIFICAÇÕES FEITAS POR KLEIN NO SUPEREGO.


De início, Anna Freud (1927) discutiu, em bases teóricas, a descrição fei­
ta por Melanie Klein do superego nos primeiros estágios. Isto preparou a
cena para uma prolongada discordância entre kleinianos e freudianos orto­
doxos, que remontavam sua linhagem aos analistas vienenses [ver 1. TÉC­
NICA], Fenichel (1928, 1931) fez uma distinção entre o superego, tal co­
mo descrito por Freud, e os precursores do superego que podem ser encon­
trados nos níveis pré-genitais, semelhante à crítica que fizera quanto à mo­
dificação de Klein no complexo de Édipo [ver 4. COMPLEXO DE ÉDIPO].
A severidade e o sadismo orais e anais, achava ele, podem dar origem a
um autocastigo masoquista, mas não podem ser confundidos com o supe­
rego inteiramente formado, que tem um componente "moral" que deriva
do amor genital dos pais. Os argumentos de Fenichel referentes aos "pre­
cursores do superego" acompanham seus argumentos similares relativos
aos componentes arcaicos, pré-genitais, do complexo de Édipo [ver 4.
COMPLEXO DE ÉDIPO]. Os vários objetos das fases pré-genitais que Fe­
nichel estava disposto a aceitar entram na constituição do superego, só se
tornando integrados quando o ego começa e a sua função integrante entra
em operação. Isto contrasta com a visão de Klein de que os componentes
arcaicos são ativamente mantidos separados e manipulados por um ego
que tem funções e opera defesas.
Mais uma vez a distinção é feita a respeito da ocorrência de um funcio­
namento arcaico de um ego no primeiro ano de vida. Segundo a visão de
Fenichel, a datação do superego deve seguir os começos do ego e de suas
funções integratívas; para Klein, o superego data do primeiro ato de cisão,
quando o ego tem de lidar com a pulsão de morte. Waelder (1937) reite-

122 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


rou essas objeções, mas, tal como tantas das controvérsias surgidas entre
kleinianos e psicanalistas clássicos, a questão morreu sem ser resolvida.
Outra questão referia-se à severidade especial do superego, mesmo em
adultos e, tipicamente, em criminosos. Freud explicara essa severidade co­
mo sendo resultado da introjeção do superego dos pais, antes que da tota­
lidade das personalidades destes. Contudo, essa explicação simplesmente
adiava a questão da natureza do superego em relação ao desenvolvimen­
to dos impulsos do id, e o pensamento de Freud, posteriormente, aproxi-
mou-se mais do de Klein (ver nota de rodapé a Klein, 1933, p. 250). Mas
a questão aqui refere-se à explicação da severidade como sendo uma dis­
torção retrospectiva, na memória de crianças mais velhas e adultos, do tra­
tamento delas pelos pais, em oposição à observação direta das fantasias e
do remorso em crianças de apenas dois anos de idade. O tema veio à su­
perfície com intensidade nos Debates sobre as Controvérsias a respeito da
fantasia inconsciente [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE] e discutiu-se
se as fantasias de crianças mais velhas e adultos são aquelas que persisti­
ram desde estágios muito iniciais do ego (os primeiros seis meses) ou uma
sofisticação retrospectiva resultante da regressão da hostilidade posterior
a fantasias orais e anais.
As provas fornecidas por crianças muito jovens eram fortes e Waelder
(1937) concedeu que a severidade do superego provinha parcialmente de
fontes internas, embora permanecesse em oposição à opinião de que isso
indicava uma origem anterior do superego. Apesar disso, as discordâncias,
de modo geral, não foram corretamente resolvidas, mas tenderam a esma­
ecer e a desaparecer de vista, em parte porque os kleinianos colocavam
ênfase menor no superego, à medida que o seu próprio interesse avança­
va para examinar a posição depressiva e, depois, a posição esquizopara-
nóide e a identificação projetiva.
A história do superego faz parte integrante da história de Melanie Klein.
Ela o colocou em oposição à opinião ortodoxa, uma posição em que ela
esforçou-se por permanecer fiel às suas descobertas, ao mesmo tempo em
que sentia prazer por ser ligeiramente escandalosa. Fracassou em seu esfor­
ço por permanecer leal à teoria freudiana ortodoxa na ocasião (década de
1930) e sofreu por causa disso. A sua própria progressão teórica mais ou
menos contornou a teoria estrutural freudiana de id, ego e superego. Não
é exagerado descrever o desenvolvimento, por Klein, da idéia do supere­
go como sendo uma nova teoria estrutural. O florescer de todo um conjun­
to de objetos internos cria um mundo verdadeiramente interno, povoado
por imagos de figuras externas, e o reconhecimento subseqüente de organi­
zações ocultas da personalidade (a parte psicótica, a parte perversa, etc.)
que se empenham em relações internas que constantemente destroem ou
pervertem as experiências do ego [ver ESTRUTURA],
Muitos dos temas sobre os quais a teoria kleiniana divergiu da psicaná­
lise clássica encontram-se na história do conceito de "superego'": a compre­

R.D.Hinshelwood / 123
ensão das fases libidinais iniciais versus sua progressão a ciaramente dar-
se no momento oportuno; a manifestação da pu!são de morte interna à
personalidade versus a puísão de morte como algo clinicamente silencioso;
o funcionamento arcaico do ego ao nascimento versus o desenvolvimento
dele muito mais tarde; o primeiro ato do ego de cisão e desvio (projeção)
versus sua função inicial integrativa; a fenomenologia e a experiência sub­
jetiva de objetos internos de diversos tipos, concretamente sentidos, ver­
sus a experiência de representações simbólicas na mente. Esses temas entra­
ram em erupção em acaloradas atmosferas de controvérsia entre Melanie
Klein e Anna Freud, entre as sociedades psicanalíticas britânica e vienen-
se e, por fim, entre grupos diferentes dentro da Sociedade Britânica. Tal
atmosfera não era propícia à resolução desses debates, de maneira que os
temas permanecem conosco, hoje amiúde irreconhecidos por uma nova
geração que parece ter herdado o calor mas não a clareza das questões.
A disputa ulterior tem tendido a ser conduzida a respeito de desenvolvi­
mentos posteriores na teoria, por ambos os lados (ver 13. IDENTIFICA­
ÇÃO PROJETIVA; PSICOLOGIA DO EGO], sem remontá-los às suas ra­
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R.D.Hinshelwood / 125
SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE
L*L
DEFINIÇÃO. Klein tirou esta expressão da referência de Freud às situações ar­
caicas de ansiedade ou perigo para o bebê e aplicou-a à sua própria desco­
berta dos medos que surgem de fantasias sádicas de atacar o corpo da
mãe, e da retaliação que deste se espera. A intensidade da ansiedade e a
importância dela em crianças de ambos os sexos conduziu à descoberta
da fase da feminilidade tanto em meninas quanto em meninos. Em 1935,
Klein introduziu a posição depressiva; neste ponto, reverteu à visão de
Freud de ser a perda do objeto amado a ansiedade decisiva, mas modifi­
cou significativamente a idéia de Freud, pois enfocou a perda do objeto
amado interno. Posteriormente, a partir de 1946, a descrição da fase esqui-
zoparanóide de cisão muito arcaica indicou uma situação de ansiedade di­
ferente, qual seja, um medo de aniquilação do ego (resultante da pulsão
inerente de morte a funcionar no mundo interno), e, em textos posteriores
aos de Klein, a ansiedade tem sido concebida predominantemente neste
sentido (ansiedade persecutória).

CRONOLOGIA
1927 Ataques ao corpo da mãe, com retaliação (Klein, Melanie, 1928, "E-
arly stages of the Oedipus conflict"; Klein, Melanie, 1929, "Infantile
anxiety-situations as reflected in a work of art and in the Creative im­
pulse")-
1935 Ansiedade não paranóide, ligada à perda do objeto interno bom
(Klein, Melanie, 1935, "A contribution to the psychogenesis of manic-
depressive States"; Klein, Melanie, 1945, "The Oedipus complex in
the light of early anxieties").
1946 Medo de aniquilação do ego, devido à operação interna da pulsão
de morte (Klein, Melanie, 1946, "Notes on some schizoid mechanisms").

m dos aspectos da maneira exclusiva pela qual Klein abordou a psica­


U nálise foi a atenção particular que concedeu à ansiedade, antes que
aos derivados das pulsões. A psicanálise começou por um interesse nos sin­

126 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tomas e passou para um interesse nos mecanismos de defesa. Klein partiu
para uma trajetória diferente: "Desde o início de meu trabalho psicanalíti­
co, meu interesse enfocou a ansiedade e sua causa" (Klein, 1948, p. 41).
Estava ciente de que, nisso, escapou por pouco de ser posta de lado co­
mo herética: "Desviei-me de algumas das regras até então estabelecidas,
pois interpretei o que imaginei ser mais urgente no material que a criança
me apresentava e descobri meu interesse enfocando as ansiedades dela e
as defesas contra as mesmas" (Klein, 1955, p. 122).
O trabalho de 1926 de Freud, Inibições, sintomas e ansiedade, teve um
efeito notável e de grande alcance sobre a evolução teórica de Klein. Ela
repetidas vezes retornou a ele para que a ajudasse em suas próprias formu­
lações teóricas e dele tirou quatro idéias principais, com efeitos também
de grande alcance: 7
(a) Freud introduzira a expressão "situações infantis de perigo e ansieda­
de", que confirmava, para Klein, a correção de sua abordagem ao conteú­
do da ansiedade, antes que o interesse mais ortodoxo nas transfomações
da libido.
(b) Freud debatera o trauma do nascimento e a natureza geral da "(...) per­
da do objeto amado", que viria mais tarde a ser uma importante base teó­
rica para a teoria kleiniana da posição depressiva [ver 10. POSIÇÃO DE­
PRESSIVA].
(c) As observações de Freud sobre a natureza especial das defesas em rela­
ção à pulsão de morte deram finalmente a Klein apoio para suas próprias
observações de crianças. As opiniões dele foram o instrumento para que
ela em breve se afastasse das teorias clássicas do superego e do complexo
de Édipo [ver 7. SUPEREGO; 4. COMPLEXO DE ÉDIPO].
(d) A formação do superego a partir de um desvio para fora da pulsão
de morte e de uma divisão no id era a "(...) medida mais arcaica de defe­
sa por parte do ego" (Klein, 1933, p. 250) [ver 7. SUPEREGO; PULSÃO
DE MORTE],
Dessa maneira, a influência do artigo citado de Freud estendeu-se até o clí­
max radical do rompimento teórico de Klein com a psicanálise ortodoxa
em 1932 (o superego como manifestação clínica da pulsão de morte) e ao
desenvolvimento do conceito da posição depressiva. O que a fez partir
nessa confiante jornada tão pessoal foi o apoio que sentia por um interes­
se no conteúdo que levava diretamente a uma mudança radical na visão
que se tinha da natureza da ansiedade — de uma transformação fisiológi­
ca para um conteúdo psicológico. Ainda hoje isto representa uma das
mais importantes distinções entre a Escola Kleiniana e outros psicanalistas.

A VISÃO DA ANSIEDADE POR KLEIN. O artigo de 1926 de Freud sobre


a ansiedade devería ter um efeito notável e de grande alcance sobre o pró-

R.D.Hímhehvood / 127
prio desenvolvimento teórico de Klein. Ao introduzir a expressão “situa­
ções infantis de perigo e ansiedade", Freud confirmou para ela a correção
de sua abordagem ao conteúdo da ansiedade, Em verdade, Freud estava
reagindo ao livro de Rank que argumentava que toda ansiedade era devi­
da a uma só causa: o trauma do nascimento. Freud argüía ao invés que a
situação de ansiedade mudava nos diferentes estágios da vida. Assim pro­
cedendo, estava ele, com efeito, endossando a importância do conteúdo
de fantasia, ou de realidade, que dá significado à ansiedade.
A abordagem inortodoxa de Klein, que dava prioridade ao conteúdo
da ansiedade, resultou em contribuições específicas a esta última:
(1) ansiedade nas crianças ligada à expressão revelada no brincar;
(2) ansiedade como conflito pulsional;
(3) ênfase no conteúdo de fantasia da ansiedade;
(4) ataques ao corpo da mãe;
(5) ansiedades psicóticas, e
(6) técnica.

(1) Brincar e sadismo. Klein descobriu que a crueldade e a agressividade no


brincar conduziam a uma forma extremamente severa de remorso e culpa,
originada da agressão. Ela própria ficou chocada com a violência das fan­
tasias das crianças: "(...) é difícil, sei-o por minha própria experiência, for­
çar-se a reconhecer que uma idéia tão abominável corresponde à verdade"
(Klein, 1932, p. 130).
Ficou cada vez mais aparente para Klein que era o sadismo delas que
assustava as criancinhas e tornava-as tão temerosas de uma retribuição
igualmente sádica. Embora se aferrasse primeiro à visão de que a ansieda­
de e a culpa originavam-se da libido sexual e do complexo de Édipo, esta­
va claro que ela interpretava os esforços das crianças para controlar a sua
agressão e não apenas a sua sexualidade. Em 1927 (especialmente em seu
artigo sobre a criminalidade), cresceu a ênfase dada à agressão e ao sadis­
mo. Ela acabara de descobrir de quão grande alcance era o efeito que a
culpa e a ansiedade podiam ter sobre o brincar das crianças, resultando
em inibições graves da fantasia, correlacionadas com inibições igualmente
severas do desenvolvimento em geral (1930) e do intelecto em particular
(1931) [ver 1. TÉCNICA].

(2) Conflito pulsional. Quando ela começou, as interpretações de Klein, tal


como as de Freud, relacionavam-se à maneira pela qual a vida de fantasia
era inibida pela repressão da libido, a qual era desligada especialmente
por frustrações na busca de conhecimentos sobre a cena originária. A vi­
são clássica da ansiedade na época (década de 1920) era a de um conflito

128 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


central a respeito das pulsões sexuais da criança, a surgirem em idade pre­
matura, e em uma sociedade que proibia a livre satisfação dos impulsos sexual.
A versão de Freud desta teoria, em 1926, foi importante para Klein
[ver (3), adiante] e, por volta de 1932, as opiniões dela sofreram uma mu­
dança radical. Ela começou a aceitar a pulsão de morte como conceito cli­
nicamente útil [ver PULSÃO DE MORTE]. Clinicamente, entendia que a
ansiedade com que lidava nas crianças pequenas achava-se relacionada a
um conflito muito primitivo entre a agressão e a reação cheia de remorso
a esta. Repentinamente, Klein foi muito além de sua teoria prévia da ansie­
dade, ao descrever a propensão que tem a pulsão de morte, em sua for­
ma projetada como agressão, a entrar em conflito com as pulsões amoro­
sas. Um conflito desse tipo torna-se inevitável, por brotar dos dotes con­
traditórios e herdados das pulsões de vida e de morte. A idéia de um con­
flito primordial das pulsões era inteiramente compatível com a visão que
Klein tinha da ansiedade psicótica como sendo um círculo vicioso e auto-
perpetuante de agressão e medo. A visão clássica da ansiedade, acredita­
va ela, referia-se a uma forma posterior, surgida com base no conflito já
precedente entre as pulsões.

(3) Situações infantis de perigo e ansiedade, Freud (1926) começara a enfati­


zar o conteúdo psicológico da ansiedade, ou seja, que esta última represen­
tava uma situação psicologicamente experienciada, uma situação de ansie­
dade perigosa, real ou imaginária. Por essa época (1926), quando Klein
se achava envolvida em uma disputa com Anna Freud [ver ANÁLISE DE
CRIANÇAS], ela ficou grata por poder agarrar-se ao texto de Freud co­
mo apoio para a sua própria abordagem e abraçou com entusiasmo a ex­
pressão "situação arcaica de ansiedade", por pensar que fortalecia a sua
posição no mapa da teoria psicanalítica clássica,
Freud sugerira que, de maneira geral, existiam situações específicas de
ansiedade em diferentes períodos de desenvolvimento. Klein apresentou
as suas próprias descobertas para rechear o esboço de Freud com um con­
teúdo psicológico pormenorizado. Adotou pela primeira vez o termo de
Freud, "situação de ansiedade", em 1929, em um extraordinário artigo ba­
seado na resenha feita por um jornal de Berlim de uma opereta da autoria
de Ravel, apresentada em Viena e que ela própria não havia visto. Utili­
zar a expressão cunhada por Freud resguardava-a da acusação de divergir
deste (como comumente se dizia em Viena):
Quero relembrar estes conceitos meus às suas mentes porque deles pos­
so lançar uma ponte até um conceito de Freud, uma das mais importan­
tes das novas conclusões que ele nos apresentou em Inibições, sintomas
e ansiedade (1926), a saber, a hipótese de uma situação arcaica infantil
de ansiedade ou perigo. (Klein, 1929, p. 212)
E ela prosseguiu, elaborando o tema:

R.D.Hinshehoood / 129
Freud presume que a situação infantil de perigo pode ser reduzida em
última análise à perda da figura amada (por quem se anseia). Nas meni­
nas, acredita ele, a perda do objeto é a situação de perigo que opera
de modo mais vigoroso; nos meninos, é a castração. Meu trabalho me
provou que ambas estas situações de perigo são modificação de outras
ainda mais antigas. Descobri que nos meninos o pavor da castração pe­
lo pai está ligado a uma situação muito especial que, acho eu, prova
ser a mais arcaica de todas as situações de ansiedade. Como indiquei,
o ataque ao corpo da mãe, que psicologicamente é cronológico com o
zênite da fase sádica, implica também a luta com o pênis do pai dentro
da mãe. (Klein, 1929, p. 213 [ver ô. FASE DA FEMINILIDADE; FIGU­
RA COMBINADA DOS PAIS].
(4) Ataque ao corpo da mãe. A situação de ansiedade que Klein primeiramen-
íe descreveu era, decisivamente, os ataques infantis ao corpo da mãe, com
o temor da retaliação na mesma moeda [ver 6. FASE DA FEMINILIDA­
DE], Klein já descobrira uma ansiedade especifica em diversas análises:
Rita, em 1923, e Trude e Ruth em 1924.
Minha observação dos casos de Trude, Ruth e Rita, juntamente com o
conhecimeto que ganhei nos últimos anos, levaram-me a reconhecer a
existência de uma ansiedade, ou, antes, de uma situação de ansiedade
que é específica das meninas e equivalente à ansiedade de castração sen­
tida pelos meninos (...) Ela se baseia nos impulsos de agressão que a
criança tem contra a mãe, e em seus desejos, que brotam dos estágios
iniciais de seu complexo de Edipo, de matá-la e roubá-la. Estes impul-,
sos conduzem não somente a uma ansiedade ou a um temor de ser ata­
cada pela mãe, mas a um medo de que a mãe a abandone ou morra.
(Klein, 1932, p. 31)
Esta situação de ansiedade surge da provocação edipiana à agressão extre­
mada contra o interior do corpo da mãe, com o consequente temor de re­
taliação por parte desta, e do pai, cujo pênis reside dentro do corpo ataca­
do da mãe e que é também atacado por aí residir. Estas fantasias infantis
são extraordinariamente ricas (SearI, 1929) e o intenso entusiasmo senti­
do por Klein, por desta maneira acrescentar algo à teoria de Freud da an­
siedade, deve ter se defrontado com uma recepção pétrea igualmente inten­
sa por parte de Anna Freud e dos analistas continentais que se opunham
a essa abordagem [ver DEBATES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS].
Destruição dos perseguidores: Uma das defesas contra essas imagos genito-
riais horrendamente severas (tal como a dos pais combinados) é lançar con­
tra elas ataques diretos a fim de destruí-las, com o resultado de ser o obje­
to então temido ainda mais, por causa de seus poderes de violência retalia-
tória. Decorre daí o círculo vicioso da paranóia [ver PARANÓIA]. A in­
tensidade a que pode montar o medo chega a tal tom que Klein começou

130 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


a referir-se à ansiedade como sendo psicótica, e acabou por revisar sua te­
oria da origem dela no complexo de Edipo.

{5} Ansiedades psicóticas. Klein demonstrou, em seu artigo de 1935, como a


ansiedade se modifica da maneira mais significativa pelo ingresso na posi­
ção depressiva [ver 10, POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Neste ponto do desen­
volvimento {por volta dos quatro a seis meses de idade), o objeto bom e
o objeto mau tornam-se menos gravemente separados, e um começa a con­
taminar o outro. O objeto bom, particularmente, não é mais tão completa­
mente bom. Este objeto total ou integral constitui uma experiência nova
[ver OBJETO TOTAL]. Sua bondade menos que completa dá origem a
um sério temor por ele e por sua sobrevivência, assim como um senso agu­
do de responsabilidade pelo objeto e pela possibilidade de haver contami­
nado ou danificado o objeto bom. Estas são as primeiríssimas manifesta­
ções do sentimento de responsabilidade e culpa e a razão para a visão de
Klein de que o superego torna-se aparente em idade muito inicial [ver 7.
SUPEREGO; ANSIEDADE DEPRESSIVA], Esta culpa é um tipo especial-
mente penoso, em estado bruto, por assim dizer, com os sentimentos de
perseguição da posição esquizoparanóide. Possuí uma qualidade intensa­
mente persecutória e dá origem a sentimentos desesperados de que o da­
no causado não tenha reparo [ver REPARAÇÃO].

A libido e a posição depressiva: A ansiedade característica da posição de­


pressiva — o temor pelo objeto amado — veio a ser, em 1935, a situação
de ansiedade. Nesta época, Klein deu-se conta de que a ansiedade depressi­
va contribuía para o desenvolvimento da libido por diversas maneiras:
em geral (i), por estabelecer um estado interno intoleravelmente penoso,
ela inibia o desenvolvimento da libido e a personalidade como um todo,
por esta depender do desenvolvimento daquela, e (ii) a posição depressi­
va pode ser mitigada por um movimento em direção ao estágio genital,
no qual os sentimentos amorosos pelo objeto são maiores e minorarão os
impulsos sádicos, às vezes com erotização prematura e perversões eróticas
posteriores que disso decorrem.

A posição esquizoparanóide: Em 1946, Klein retornou ao postulado de


Freud da pulsão de morte e acrescentou-lhe novas descobertas que coloca­
ram a ênfase de volta desde a posição depressiva e a importância do obje­
to bom para a paranóia e a operação do objeto e dos impulsos maus [ver
11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE],

Freud enunciou não existir temor da morte no inconsciente, mas isto


não parece compatível com sua descoberta dos perigos que surgem da
pulsão de morte operando internamente. Tal como vejo a questão, a
ansiedade primordial que o ego combate é a ameaça que surge da pul­
são de morte. (Klein, 1958, p. 237)

R.D.Hinshetwood / 131
A primeira manifestação da pulsão de morte vem desde o nascimento, co­
mo temor de perseguição pelo objeto mau e mobilização de ódio contra
esse objeto, criando o primeiro paradigma para "uma relação objetai má",
da seguinte maneira: "Farte da pulsão de morte é projetada dentro do ob­
jeto, tornando-se este, por isso, um perseguidor, enquanto que a parte da
pulsão de morte que é retida no ego faz a agressão voltar-se contra o obje­
to persecutório" (Klein, 1958, p. 238n). O elemento paranóide destas rela­
ções objetais más é claro, e elas foram esclarecidas mediante o trabalho
com pacientes paranóides e esquizofrênicos e crianças feito por Klein e
seus colaboradores próximos. (Segai e Rosenfeld)
Referimo-nos a este tipo de ansiedade como ansiedade persecutória e
ela é a marca distinta do que veio a ser descrito como posição esquizopara-
nóíde [ver 11. POSIÇÃO ESQUÍZOPARANÓIDE], Em 1946, a situação
de ansiedade arcaica foi descrita como sendo um novo medo, uma aniqui-
lação do ego, uma fragmentação que resulta da ação interna da pulsão
de morte.
Mundo interno: A ansiedade depressiva (relacionada com a perda do obje­
to amado interno) e a ansiedade persecutória (relacionada com o temor
de aniquilação do self) são situações desagradáveis profundamente pesso­
ais e relacionam-se às próprias e perturbadas fantasias da pessoa sobre o
que ele ou ela são por si próprios, o que se acha dentro delas, no que ele
ou ela consistem. As "situações de ansiedade", a partir de 1935, foram si­
tuações internas.
Os mecanismos primitivos de defesa (ou mecanismos psicóticos) estão
envolvidos primariamente em aliviar os temores a respeito destes estados
internos e, em verdade, iniciam o ego como função que controla esse mun­
do interno. As defesas contra as ansiedades psicóticas são a cisão, a nega­
ção, a projeção, a introjeção, a identificação e a idealização [ver 9. MECA­
NISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA], e elas são gradativamente eclipsadas
à medida que as ansiedades mudam e defesas mais maduras ganham proe-
minência. A repressão sobrepuja a cisão, as defesas obsessivas assumem
o lugar das maníacas, etc.
Inveja primária: A o dar acabamento a seu sistema teórico em 1957 com a
teoria da inveja primária, Klein descreveu um relacionamento particular
de fantasia com um objeto. Retornou ela à fantasia específica de introdu-
zir-se em um objeto "bom" e estragar os conteúdos que lá dentro se acham.
A contribuição original de Klein — o ataque ao corpo da mãe — foi inicial-
mente considerada como edipiana. Em 1957, ele retornou como inveja pri­
mária, remontada a um conflito inerente e pulsional [ver 12. INVEJA].

(6) Técnica. Klein começou por observar a mudança na ansiedade, como re­
sultado de suas intervenções interpretativas, algo que continuou a ser um
indicador importante do trabalho analítico, Joseph (1978, 1981) demons­

132 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


trou em grande pormenor a importância de acompanhar-se as mudanças
em ansiedade que ocorrem durante uma sessão psicanalítica. Ela apontou
que o movimento da ansiedade entre ansiedade persecutória e ansiedade
depressiva é o importante, mais do que simplesmente a diminuição global.
Klein veio a acreditar que esses movimentos entre as posições esquizopara-
nóide e depressiva eram os passos importantes no amadurecimento [ver 1.
TÉCNICA; DEFESA PARANÓIDE CONTRA A ANSIEDADE DEPRESSI­
VA]. As oscilações entre a posição esquizoparanóide e a posição depressi­
va foram elevadas a uma teoria abrangente do desenvolvimento e do pen­
samento por Bion {ver EP-D; BION],

CONTROVÉRSIAS SOBRE A VISÃO KLEINIANA DA ANSIEDADE. A


visão clássica da ansiedade continua a ser sustentada na psicologia do ego.
A ansiedade é um sinal de advertência de um conflito libidinal que resulta­
rá em cargas represadas de energia psíquica, a encontrar escoadouros em
estados não específicos de tensão corpórea e mental. A visão de Klein, de
que a ansiedade constitui um estado de tensão entre amor e agressão (pul-
sões de vida e de morte), implicava mudanças radicais no "modelo econô­
mico" da mente, de Freud [ver MODELO ECONÔMICO]. Estas implica­
ções da teoria de Klein para o conceito de energia psíquica e o modelo eco­
nômico não foram adequadamente examinadas por ela ou por kleinianos
subseqüentes. Contudo, parece que a analogia física do modelo econômi­
co não é, na prática, compatível com uma visão psicológica do conteúdo
de fantasia da ansiedade.
Ansiedade e desenvolvim ento: Anna Freud (1927) e Glover (1945) acredita­
vam que a teoria de Klein da ansiedade como tensão entre as pulsões des­
cartara a teoria de Freud do desenvolvimento da libido, elevara a uma po­
sição de preeminência a importância concedida à agressão (pulsão de mor­
te) e rebaixara o papel e a importância da libido. Se a ansiedade for uma
interação entre o sadismo e a libido e, dessa maneira, esta ultima e a agres­
são acharem-se em pé de igualdade, isto rebaixa a libido como elemento
decisivo da vida pulsional; além disso, se a ansiedade excessiva inibir ou
distorcer o desenvolvimento mediante interferência com o progresso natu­
ral da libido, então a agressão se torna o motor real do desenvolvimento
[ver 3. AGRESSÃO; LIBIDO]. Anna Freud veio a encarar o desdobramen­
to natural (epigênese) das fases da libido como qualidade inerente do orga­
nismo que conduz a um impulso normal no sentido da adaptação e de as­
pectos do ego que se acham fora de seu conflito com as outras instâncias
da mente [ver PSICOLOGIA DO EGO]. O desenvolvimento é, dessa ma­
neira, visto sob duas luzes inteiramente diferentes, quais sejam, a da psico­
logia do ego de um desdobramento e adaptação naturais versus um pertur­
bado empurrão para a frente impelido pela ansiedade derivada das pulsões.
Pulsão de morte: A ênfase dada por Klein às manifestações da pulsão de
morte foi persistentemente questionada com base em três pontos principais:

R.D.Hinshelwood / 133
(a) a pulsão de morte, de acordo com Freud, é, em grande parte, clinica­
mente silenciosa (Freud, 1920);
(b) é desnecessário postular que a agressão seja uma manifestação (através
da projeção) da pulsão de morte, de vez que a agressão como frustração
das pulsões de vida, tal como descrita por Freud (1915), é bastante suficiente, e
(c) as provas de um processo interno de destrutividade autodirigida que
foram oferecidas pelos kleinianos — a teoria do superego de Klein (Klein,
1933) e teorias posteriores da estrutura das personalidades fronteiriças (Hei-
mann, 1952; Rosenfeld, 1971) [ver ESTRUTURA] — são discutidas [ver
PULSÃO DE MORTE],
Ansiedade e técnica: O interesse de Klein no conteúdo da ansiedade condu­
ziu à sua técnica de interpretações profundamente penetrantes. Em contras­
te, a técnica clássica desenvolvida pelos psicólogos do ego interessava-se
por analisar os mecanismos de defesa (e de adaptação) do ego e levou à
crítica feita a Klein de que suas interpretações profundas eram causa de
ansiedade, pois deviam ser experienciadas pelo paciente como intrusivas
e, portanto, persecutórias, com o resultado de serem os kleinianos confron­
tados por muita ansiedade persecutória (Geleerd, 1963; Greenson, 1974)
[ver 1. TÉCNICA].

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R.D.Hinshelwooá / 135
[ 9
]

MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA


DEHNIÇÃO. Os mecanismos primitivos (ou psicóticos) de defesa alinham-se
contra ansiedades que derivam da atividade da pulsão de morte; eles de­
vem ser contrastados com as defesas neuróticas, notavelmente a repressão,
que se dirigem contra a libido, Eles constituem o caráter das posições psi­
cóticas (depressiva e esquizoparanóide) e abrangem a negação, a cisão, as
formas excessivas de proteção e introjeção, as identificações correlaciona­
das e a idealização. Estes mecanismos, em sua maioria, foram descritos
pelos psicanalistas clássicos, mas Klein concede-lhes significância especial,
por caracterizarem as fases mais iniciais do desenvolvimento, preenchen­
do o período, sob outros aspectos como fase sem objeto do narcisismo pri­
mário.
A princípio, alinhada com Freud, Klein enfatizou as defesas obsessivas
como específicas contra o sadismo. Entretanto, viu-se cada vez mais leva­
da, por suas observações clínicas, a notar os mecanismos primitivos de
defesa que afetavam o caráter das relações objetais e definiam os funda­
mentos da identidade. Dessa maneira, substituiu os mecanismos obsessi­
vos pelos mecanismos primitivos de defesa como sendo as defesas típicas
contra o sadismo e a destrutividade. Em particular, Klein tomou a proje­
ção arcaica e maciça (onipotente) como manifestação do processo, lança­
do como hipótese por Freud, pelo qual o ego se defende contra a pulsão
de morte.
As duas formas de ansiedades psicóticas, a depressiva e a persecutória,
despertam diferentes conjuntos de defesas, cujos componentes são os meca­
nismos primitivos de defesa. Os mais arcaicos (contra a ansiedade persecu­
tória) abrangem a aniquilação dos perseguidores, a expulsão (projeção,
inclusive a identificação projetiva), a negação, a fuga para o objeto bom
e a cisão. Na posição depressiva, as defesas maníacas — onipotência, nega­
ção triunfo e controle desdenhoso — são características.

CRONOLOGIA
1895 Freud (projeção).

136 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


1911 Ferenczi (introjeção).
1924 Ciclos de introjeção-projeção, de Abraham.
1930 Desenvolvimento, por Klein, da expulsão e da incorporação como
(a) desenvolvimento do ego e (b) percepção e ação {Klein, Melanie,
1930, "The importance of symbol-formation in the development of
the ego").
1932 Projeção primária da pulsão de morte (Klein, Melanie, 1932, The
psycho-analysis o f children).
1946 Identificação projetiva e cisão do ego (Klein, Melanie, 1946, "Notes
on some schizoid mechanisms"; Bion, Wilfred, 1957, "Differentiation
of the psychotic from the non-psychotic personalities").
uando Klein começou a se interessar pelas defesas psicológicas, por
Q volta de 1930, ela desenvolveu a noção de duas categorias: as defe­
sas psicóticas" e as defesas "neuróticas". Preocupou-se apenas com as pri­
meiras e elas se tornaram cada vez mais importantes à medida que entra­
va mais fundo nos distúrbios graves e nos estágios muito iniciais do desen­
volvimento infantil. Suas concepções sobre as defesas incidem em diversas
fases:
(i) 1930-35: defesas específicas contra a agressão;
(ii) 1935-46: a constelação especial de defesas na posição depressiva;
(iii) de 1946 em diante: as defesas especiais contra a ansiedade de aniquila-
ção na posição esquizoparanóide, especialmente a'identificação projetiva, e
(iv) 1957: as defesas contra a inveja.
Pelo fato de a descoberta original de Klein ter sido o método de modificar
a ansiedade através da interpretação direta no nível de ansiedade máxima,
ela se interessou menos pelas defesas usadas contra a ansiedade que pelo
conteúdo das fantasias ansiosas; em verdade, este foi um ponto de dispu­
ta entre ela e Anna Freud, que se achava mais interessada nas defesas que
na ansiedade subjacente a elas.

DEFESAS ESPECIAIS CONTRA IMPULSOS AGRESSIVOS. Em 1930, contu­


do, Klein desenvolveu seu interesse pela manifestação da psicose em crian­
ças e deu-se conta de que a qualidade da defensividade era extrema. Des­
sa maneira, quando encontrou a passagem de Freud (1926) em que ele se
perguntava a respeito da possibilidade de defesas especiais e arcaicas, sen­
tiu-se desafiada a demonstrar que sua técnica através do brincar podia es­
clarecer esta indagação a respeito do desenvolvimento infantil:
Bem pode ser que, antes de sua nítida divisão em um ego e um id, e an­
tes da formação do superego, o aparelho mental faça uso de métodos
de defesa diferenes daqueles que emprega após haver atingido esses está­
gios de organização. (Freud, 1926, p. 164)

R.D.Hinshelwood / 137
Assim, Klein preencheu esse período inicial com dados clínicos reais, oriun­
dos da análise de crianças. "Esta defesa", escreveu ela, ligando-a com a
passagem de Freud, "em conformidade com o grau de sadismo, é de cará­
ter violento e difere fundamentalmente do mecanismo posterior da repres­
são" (Klein, 1930, p. 220). Ela vinculou a qualidade especial das ansieda­
des paranóides da criança a defesas especiais que operam no começo da
vida, defesas inteiramente diferentes da repressão, com a qual a maior par­
te da análise de adultos se preocupava.
É somente nos estágios posteriores do conflito edipiano que a defesa
contra os impulsos libidinais faz seu aparecimento; nos estágios iniciais,
é contra os impulsos destrutivos acompanhantes que a defesa se dirige
(...) Esta defesa é de caráter violento, diferente do mecanismo da repres­
são. (Klein, 1930, p. 232)
Este foi um momento importante no próprio desenvolvimento teórico de
Klein. A partir daí, ela assumiu grande interesse pelas defesas reais arcai­
cas e manteve-se relativamente desinteressada na repressão e nas "defesas
neuróticas". Em contraste, chamou as defesas muito arcaicas de "defesas
psicóticas" ou mecanismos primitivos âe defesa. Ligou isto à sua própria
descoberta, em algumas crianças, de ansiedades intensas que se aproxima­
vam de uma intensidade psicótica e tinham uma qualidade psicótica, a pa­
ranóia [ver PARANÓIA]. Ficou mais entusiasmada com essas defesas pri­
mitivas quando pôde ver que a teoria de Freud de uma operação especial
arcaica da projeção poderia solucionar o problema da origem do supere-
go, que lhe havia causado tanta busca interior e ostracismo. As observa­
ções dela sobre o superego capacitaram-na a demonstrar esta "(...) medi­
da de defesa aparentemente muito arcaica por parte do ego" (Klein, 1933,
p. 250) [ver 7. SUPEREGO].
Onipotência: Uma das características mais importantes dos mecanismos
primitivos de defesa é a qualidade da onipotência, que dá origem a mudan­
ças de vulto na estrutura da mente e da personalidade. Estes mecanismos
acham-se ligados com o funcionamento de fantasias primitivas e inconscien­
tes a respeito dos conteúdos do self e do mundo externo, tais como a nega­
ção, a projeção e a introjeção [ver ONIPOTÊNCIA].

ANSIEDADE PSICÓTICA. A descoberta inicial de Klein de que as fantasias


encenadas no brincar derivavam de fases iniciais (especialmente orais) do­
minadas pelo sadismo conduziu-a a descobrir estados paranóides em crian­
ças, permeados por uma ansiedade a respeito de uma violência interna pri­
mitiva semelhante, em seu caráter e conseqüências, às condições psicóticas
nos adultos [ver PARANÓIA; 8. SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDA­
DE]. Ela descreveu círculos viciosos como sendo a base para essa paranóia.
Ataques retaliatórios aos perseguidores tornam-nos mais e não menos da­
ninhos, por serem imaginados, na fantasia, como enraivecidos ainda mais

138 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


pela violência retaliatória. Este tipo de círculo vicioso representa um esta­
do paranóide de hostilidade, com desconfiança extrema de quaisquer figu­
ras "boas". O funcionamento desses mecanismos dá origem a uso mais ex­
cessivo ainda dos mecanismos primitivos de defesa, ao esvaziamento do
ego e a uma fixação nesta estrutura de defesas que contribui para um ris­
co permanente de regressão a uma psicose.

Defesas especiais: ,A princípio, seguindo Abraham (1924), as candidatas


mais adequadas ao papel de defesa especial contra os impulsos sádicos pa­
reciam ser as defesas obsessivas [ver DEFESAS OBSESSIVAS]. Era claro,
pelas observações clínicas de Klein, que seus pequenos pacientes utilizavam
formas obsessivas de controlar e dominar suas ansiedades e impulsos me­
diante o uso de todos os tipos de rituais. Entretanto, ela cedo notou a qua­
lidade psicótica existente por trás desses sintomas obsessivos, tal como,
por exemplo, na análise da pequena Erna, realizada por volta de 1925: "A
medida que a análise prosseguia, descobri que a grave neurose obsessiva
mascarava uma paranóia" {Klein, 1927, p. 160n). Ela tornou-se, portanto,
mais interessada no mecanismo de projeção, que Freud demonstrara achar-
se envolvido na paranóia (Freud, 1911), e também no mecanismo da intro-
jeção {Abraham, 1924).

Processos mentais arcaicos. Enquanto que os mecanismos obsessivos propor­


cionavam controle, os mecanismos da projeção e da introjeção eram funda­
mentais ao desenvolvimento de um senso do self e da personalidade, e,
de fato, da própria composição do mundo interno [ver PROJEÇÃO; IN-
TROJEÇÃO]. Klein apoiou-se numa passagem de Freud (1925) que expres­
sava sucintamente este desenvolvimento de um senso do self, e a nature­
za dos dois mecanismos da projeção e da introjeção:

A função de julgamento relaciona-se, principalmente, a dois tipos de


decisões. Ela afirma ou desafirma a posse de um atributo particular por
uma coisa e afirma ou disputa que uma representação tenha existência
na realidade. O atributo a ser decidido pode originalmente ter sido bom
ou mau, útil ou prejudicial. Expresso na linguagem das mais antigas no­
ções pulsionais, as orais, o julgamento é: "Eu gostaria de comer isto”
ou "Eu gostaria de cuspi-lo fora"; e colocando-o de modo mais geral:
"Eu gostaria de pôr isto dentro de mim e manter aquilo fora", o que
equivale a dizer: "Ficará dentro de mim" ou "Ficará fora de mim". Co­
mo já demonstrei alhures, o ego original do prazer deseja introjetar tu­
do o que é bom e ejetar de si tudo o que é ruim. (Freud, 1925, p.237),

O efeito integral dos mecanismos de projeção e introjeção contribui para


a construção de um mundo interno de objetos [ver REALIDADE INTER­
NA] e de um senso do self.

R.D.Himhelwooá / 139
OS MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA. Klein não foi a única analis­
ta a acompanhar a investigação da projeção e da introjeção feita por Abra-
ham (Harnik, 1932, por exemplo). Seu desenvolvimento dessas idéias, con­
tudo, foi inteiramente original e acabou por desviar-se dos conceitos clássi­
cos. Klein enfatizou os vínculos existentes entre os mecanismos e as fanta­
sias, e Stephen (1934) resumiu, em traços gerais, as ligações desses meca­
nismos a estados de sentimentos e a objetos, mais do que a impulsos.

Projeção, Existem várias maneiras pelas quais o termo "projeção" é utiliza­


do [ver PROJEÇÃO]; em particular, a externalização de um conflito inter­
no ou a externalização de um objeto hostil mortífero, de maneira a que a
agressão seja voltada para fora:
(i) Klein, acompanhando Freud, atribuiu um papel primário na existência
do ego à projeção: "A projeção (...) origina-se do desvio da pulsão de
morte para fora e, em minha opinião, ajuda o ego a superar a ansiedade
livrando-o do perigo e da maldade" (Klein, 1946, p. 6). Assim, ela é deci­
siva para a defesa arcaica do ego contra a ansiedade que surge, desde o
início, a respeito da sobrevivência.
(ii) No decorrer de suas pesquisas sobre simbolização, Klein deu-se conta
de que uma das premências para brincar é o alívio que se obtém pela ex-
ternaíização de penosas situações internas. A princípio, estas foram consi­
deradas, teoricamente, como relações torturantes entre o ego e o superego:
Através da divisão de papéis, a criança alcança êxito em expulsar o pai
e a mãe a quem, na elaboração do complexo de Édipo, absorveu em si,
e que agora a estão atormentando internamente com sua severidade.
(Klein, 1926, p. 133)
A importância da projeção como externalização de conflitos internos (Klein,
1927) confirmava a visão que Freud tinha da criminalidade como provenien­
te de um sentimento de culpa (Freud, 1916). Externalizar o conflito inter­
no (no brincar, por exemplo) permite fugir à torturante crueldade dos obje-
tos mternos [ver 7. SUPEREGO]:
A ansiedade dele realça a compulsão à repetição, e sua necessidade de
castigo serve à compulsão (agora tornada muito forte) de garantir pa­
ra si mesmo uma punição real, a fim de que a ansiedade possa ser miti­
gada por um castigo menos severo que aquele que a situação de ansieda­
de o faz prever. (Klein, 1929, p. 214)
Introjeção. Ferenczi (1909) pensou na introjeção como surgindo através da
identificação, emprego que Freud pareceu adotar em seu artigo sobre o lu­
to (1917), onde utilizou o termo "identificação" para significar o que hoje
chamaríamos de "introjeção". A introjeção e a identificação são hoje con­
sideradas mecanismos independentes, que às vezes se combinam. Contu­

140 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


do, as tentativas de desemaranhar a introjeção e a identificação nem sem­
pre se mostraram consistentes e foram, algumas vezes, idiossincráticas
(Fuchs, 1937; de Saussure, 1939; Alice Balint, 1943). Na tradição kleinia-
na, o desenvolvimento do mundo interno como um espaço em que obje­
tos vêm e vão e se relacionam por seu próprio direito tornou-se altamen­
te formalizado [ver 5. OBJETOS INTERNOS] (Klein, 1935, 1940).
Freud descrevera a função defensiva da introjeção em 1917, quando de­
monstrou que um objeto externo pode vir a ser identificado com o ego,
ou parte deste, e um relacionamento com ele pode ser internamente estabe­
lecido. Freud chamou isto, original mente, de identificação, embora agora
seja chamado de identificação introjetiva. Este é um dos tipos de introje­
ção, quando o objeto internalizado é identificado com uma parte do ego.
Contudo, existe uma situação alternativa em que o objeto permanece sepa­
rado, dentro do mundo interno, "{...) como um corpo estranho" (Klein,
1946, p. 9n). Há uma importante distinção a ser feita entre o objeto inter­
no (isto é, introjetado) que foi assimilado e aquele que não o foi [ver IN-
TROJEÇÃO; ASSIMILAÇÃO],
Ademais, "estreitamente ligados à projeção e à introjeção estão alguns
outros mecanismos (...) cisão, idealização e negação". (Klein, 1946, p. 6)
Cisão. Há um certo número de formas de cisão. Trata-se de um mecanismo
que foi frouxamente definido a princípio, mas que pode ser hoje sistemati­
camente descrito com o auxílio de duas discriminações: (i) existe uma ci­
são do objeto ou do ego; (ii) a cisão pode ser coerente (tal como em bom
versus mau) ou, então, fragmentadora. Há, assim, quatro tipos possíveis
de cisão: uma cisão coerente no objeto, uma cisão coerente no ego, uma
fragmentação do objeto e uma fragmentação do ego [ver CISÃO]. A dis­
tinção entre estas formas pode ser menos dara na prática, de vez que, co­
mo Klein diz, "(...) o ego é incapaz de cindir o objeto sem que uma cisão
correspondente se realize dentro do ego" (Klein, 1946, p. 6) [ver CISÃO].

Idealização. A idealização envolve vários passos defensivos:


E típico encontrar uma idealização do objeto bom, de maneira que ele
possa ser mantido tão distante quanto possível do objeto mau e perse­
guidor e, assim, evitar confusão com este. Este processo defensivo se
combina com o mecanismo da negação, o qual, por sua vez, é respalda­
do pela onipotência: é a negação onipotente que pode negar completa­
mente a existência de objetos maus (...) No inconsciente, este processo
é equivalente à aniquilação de todo o relacionamento objetai perturba-,
dor, de maneira que é claro que envolve a negação não apenas do obje­
to mau, mas também de uma parte importante do ego, que está em rela­
cionamento com o objeto. (Rosenfeld, 1983, p. 262) [ver OBJETO IDEAL]
Um dos problemas a isso associados é a impossibilidade de o objeto ideal
permanecer sendo perfeito. Qualquer imperfeição que ocorra (uma sensa­

R.D.Hínshelwood / 141
ção de dor ou frustração) conduz a uma mudança abrupta para um obje­
to "mau", Esta imensa precariedade só diminui quando nos aproximamos
da posição depressiva e desenvolve-se uma certa tolerância de um objeto
"bom" que não é perfeito.

Negação. Como parte da idealização, a negação é um mecanismo importan­


te. Entretanto, ela possui também uma função independente. Nos estágios
muito iniciais do ego, a negação representa a fantasia de aniquilar percep­
ções e partes do ego [ver LIGAÇÃO],

Identificação. Trata-se de um mecanismo profundamente importante para o


estabelecimento de um senso de um mundo pessoal, interno e externo. A
capacidade de reconhecer um elo pessoal de identidade, de que os objetos
pertencem ao ego, é a base da existência psicológica e de um sentimento
de self, A identificação, de acordo com Klein, pode se dar através dos me­
canismos associados da introjeção ou projeção [ver IDENTIFICAÇÃO;
13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].

DEFESAS CONTRA A PARANÓIA. Na época em que Klein estava utilizan­


do a idéia de uma posição paranóide (até 1946), ela considerava a defesa
principal contra a ansiedade como surgindo das ameaças de objetos maus,
como o impulso a destruir o objeto: "(...) defesas contra estes medos são,
predominantemente, a destruição dos perseguidores através de métodos
violentos ou dissimulados e astutos" (Klein, 1940, p. 348) [ver 8. SITUA­
ÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE], Klein descrevera a poderosa agres­
são existente no brincar das crianças, e os esforços destas para lidar com
isto como manifestação do relacionamento objetai mau. A agressão em si,
contudo, conduz a novas ansiedades — de modo típico, a respeito da reta­
liação e estabelece novas expectativas de aumento de violência por par­
te dos objetos, com a resultante de uma hostilidade em espiral:
(...) a defesa, em conformidade com o grau de sadismo, é de caráter
violento (...) Em relação ao próprio sadismo do sujeito, implica expul­
são, enquanto que, em relação ao objeto, implica destruição (...) O ob­
jeto do ataque torna-se uma fonte de perigo porque o sujeito teme ata­
ques semelhantes ~r retaliatórios — por parte daquele. (Klein, 1930, p. 220)
Este é o fundamento para um círculo vicioso em que as relações hostis en­
gendram medo e agressão, prometendo retaliação e um aumento do me­
do: "Dessa maneira, o ego não totalmente desenvolvido se defronta com
uma tarefa que, neste estágio, se acha muito além dele, qual seja, a de do­
minar uma ansiedade agudíssima" (Klein, 1930, p. 220).
O ataque hostil que visa a aniquilar o perseguidor pode ser reforçado
pela expulsão do estado interno no mundo externo, a fim de aniquilar o
objeto (agora externo): "No bebê, processos de introjeção e projeção (...)

142 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


são dominados por agressão e ansiedades que se reforçam mutuamente"
(Klein, 1940, p. 348);-isto dá origem a novas tentativas de defesa contra
essas situações de fantasia: "(...) várias defesas típicas do ego arcaico, tais
como os mecanismos de cindir o objeto e os impulsos, a idealização, a ne­
gação da realidade interior e exterior e o abafamento das emoções" (Klein,
1946, p. 2). Todos estes mecanismos defensivos potencialmente violentos
no período muito inicial agravam efetivamente o sentimento de persegui­
ção, dando origem a um círculo vicioso.

A ORGANIZAÇÃO DAS DEFESAS PRIMITIVAS. Depois de 1932, a teoria


de Klein tornou-se mais sistemática, mediante a identificação dos mecanis­
mos primitivos de defesa como sendo aqueles dispostos contra a pulsão
de morte. De modo típico, as ansiedades que surgem da pulsão de morte
assumem duas formas: (1) as ansiedades depressivas associadas à posição
depressiva, uma ansiedade que inclui alto grau de culpa; (2) as ansiedades
paranóides de ser atacado ou de despedaçar-se (esquizóides). Existem defe­
sas e constelações de defesas específicas (posições) contra cada uma dessas
ansiedades. Em acréscimo a isso, há a ansiedade que deriva da inveja
a agressão dirigida ao objeto bom , em oposição à agressão paranóide diri­
gida para o objeto mau. Recentemente tem havido um interesse crescente
na estrutura das defesas, estimulado pela apresentação, para análise, de
personalidades fronteiriças /borderline,/ narcísicas ou esquizóides [ver ES­
TRUTURA].

Defesas da posição depressiva: O interesse de Klein pelos medos paranóides


muito arcaicos diminuiu em 1935, quando ela se deu conta da importância
do objeto interno "bom" e do destino dele. O tema central de suas descri­
ções de um mundo interno povoado por objetos internos [ver REALIDA­
DE INTERNA; 5. OBJETOS INTERNOS] era a necessidade de sustentar
um objeto interno bom e seguro [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA] (Klein,
1935), A ansiedade de perder o objeto interno amado provocava formas
especiais de defesa, em particular a defesa paranóide contra a ansiedade
depressiva, as defesas maníacas e a reparação.
A ansiedade da posição depressiva refere-se a "(...) perigos que guardam
o objeto dentro do ego" (Klein, 1935, p. 265), porque "(...) o ego se tor­
na identificado com seus objetos internalizados bons". Além disso, "(...)
o ego faz uso maior da introjeção do objeto bom como mecanismo de de­
fesa. Isto se acha associado a outro importante mecanismo: o de fazer re­
paração ao objeto", e, incidentalmente, "(...) os mecanismos de expulsão
e projeção perdem valor". A introjeção, assim, é muito característica des­
ta fase, bem como a premência decisiva a restaurar: a reparação.

A defesa paranóide contra a posição depressiva: As provas de Klein, de


que a posição depressiva ocorre tão próxima dos estados precedentes de

R.D.Hinshelwood / 143
paranóia ou deles surge, sugeriram a ela um processo flutuante em que se
dá, repetidamente, uma retirada da posição depressiva, quando as ansieda­
des depressivas se tornam fortes demais. Nesse caso, "(...) os temores e
as desconfianças paranóides eram reforçadas como defesa contra a posição
depressiva" (Klein, 1935, p. 274) [ver DEFESA PARANÓIDE CONTRA
A ANSIEDADE DEPRESSSIVA]. Mais tarde, então, dá-se mais uma vez
um avanço em direção à posição depressiva e da sustentação da ansieda­
de depressiva (Joseph, 1978, 1981) [ver EP-D).
O suicídio é uma forma drástica de "defesa", que visa a "{...) destruir
a (...) parte do ego que está identificada com os objetos maus e com o id"
(Klein, 1935, p. 276). E um pouco surpreendente, em vista da disputa com
os psicanalistas clássicos a respeito de provas em favor da pulsão de mor­
te como sendo uma destrutividade dirigida para o self, que os kleinianos
não tenham prestado mais atenção às idéias, fantasias e comportamentos
suicidas.
Defesas maníacas: As defesas maníacas, tais como a paranóide, são uma
tentativa de fugir ao agudo sofrimento da culpa na posição depressiva ar­
caica. A defesa é, na realidade, uma coleção de defesas que envolvem a
negação da realidade psíquica e, portanto, da importância dos objetos que
são amados e incorporados [taken inj, um desprezo denegridor pelos obje­
tos que são amados, de maneira a que sua perda não seja experienciada
como impoltante, e uma forma triunfante e onipotente de corrigir tudo.
Todas elas são meios de minimizar os sentimentos de perda e culpa [ver
DEFESAS MANÍACAS],
R eparação: Em grau significativo, o conceito de reparação assumiu, no
pensamento de Klein, o lugar das defesas obsessivas, em particular a defe­
sa conhecida como "desfazer", em que há uma tentativa de retraçar exata­
mente uma ação destrutiva (real ou imaginada) e, por essa maneira, restau­
rar uma situação preexistente. A reparação também sumplantou, em grau
significativo, a noção de sublimação, ou seja, a descarga saudável das pul-
sões, em forma alterada, através de canais socialmente aceitos e propicia­
dos. Dizendo-o de outra maneira: a forma de sublimação, para Klein, era
a reparação, ou seja, a "sublimação" da culpa em ação construtiva [ver
REPARAÇÃO].

DEFESAS DA POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE. Foi em 1946 que Klein


descreveu a posição esquizoparanóide [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARA-
NÓIDE], Ela determinou com precisão o medo da aniquilação como sen­
do a ansiedade primária, isto é, o temor da pulsão de morte a trabalhar
internamente a fim de aniquilar o ego. Há uma falha no desvio da pulsão
de morte para fora, para um objeto externo, e o resultado disso é o temor
de um perseguidor interno a trabalhar para a morte do sujeito, desde den­
tro. Os resultados destas fantasias (quando particularmente fortes e quan-

144 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


do as defesas não estão lidando satisfatoriamente com a ansiedade) são
uma variedade de experiências de despedaçamento e fragmentação do self,
ou temores hipocondríacos de um objeto mortal dentro de si, tal como,
por exemplo, uma fobia de câncer. A manobra defensiva predominante é
a projeção, a fim de realizar o desvio da pulsão de morte e, depois, reloca-
lizar o perseguidor no mundo exterior, em contraste com a posição depres­
siva, onde a introjeção vem para o primeiro plano.
Klein deu ênfase à cisão na posição esquizoparanóide, mas sob uma for­
ma particular: a cisão do ego. Isto se acha em contraste com a cisão dos
objetos [ver CISÃO], na qual o objeto é reduzido a uma função isolada
(objeto parcial) ou lhe são atribuídas características somente boas (ou so­
mente más): objeto idealizado (ou perseguidor). Até certo ponto, os pro­
blemas deste período inicial são na realidade agravados pelo emprego dos
processos de cisão:
(...) o ego arcaico cinde o objeto e a relação com ele por maneira ati­
va, e isto pode implicar uma certa cisão ativa do próprio ego. Dessa
maneira, uma das conseqüências é a experiência de o ego achar-se frag­
mentado e em pedaços, (Klein, 1946, p. 5)
Muitos destes processos defensivos resultam no enfraquecimento ou frag­
mentação do próprio ego, especialmente (i) a cisão e os impulsos por trás
dela que derivam do impulso oral de morder e reduzir a pedaços pela mas­
tigação; (ii) a idealização dos fragmentos bons remanescentes, com nega­
ção e aniquilação dos objetos maus e a expulsão deles:
A negação onipotente (...) é, no inconsciente, igual à aniquilação pelo
impulso destrutivo. Contudo, não são apenas uma situação e um obje­
to que são negados e aniquilados: ê uma relação objetai que experimen­
ta este destino e, portanto, uma parte do ego, da qual emanam os senti­
mentos para com o objeto. (Klein, 1946, p. 7)
Concluindo, (iii) a identificação projetiva conduz a que partes do self sejam
perdidas:
Junto com estes excrementos daninhos, expelidos com ódio, partes escin-
didas do ego são também projetadas para (dentro da) a mãe. Estes ex­
crementos e partes más do self destinam-se não apenas a danificar, mas
também a controlar e a tomar posse do objeto. (Klein, 1946, p. 8) [ver
13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA]
Outras defesas da posição esquizoparanóide acham-se ligadas à identifica­
ção projetiva, particularmente a cisão do objeto e do ego. Ligada também
com ela está a cisão primária em objeto bom e objeto mau. As pulsões pri­
márias (libido e pulsão de morte) são desativadas para produzir estes esta­
dos polarizados de amor e ódio. No mecanismo primitivo da idealização,
há uma divisão do objeto em supostas partes boas e partes más. As últi-

R.DMinshehvood / 145
mas são depois projetadas e/ou negadas, de maneira que para o ego sobre­
vive apenas um objeto bom sem aspectos maus (objeto idealizado), enquan­
to que a ameaça ao ego por parte de qualquer objeto mau é eliminada (ne­
gação e projeção) (Rosenfeld, 1983) (ver IDEALIZAÇÃO],
Defesas contra a inveja: Em 1957, Klein introduziu o seu último grande
conceito teórico: a inveja [ver 12. INVEJA]. Ele surgiu de seu interesse pe­
los esquizofrênicos e referia-se a formas muito primitivas de agressão con­
tra o objeto bom (ou idealizado) [ver OBJETOS]. Parte do interesse dela
se voltou para as manifestações defensivas que o bebê tem de adotar logo
no início da formação do ego. A inveja resulta da dotação herdada da libi-
do e da pulsão de morte, e de um certo grau de confusão entre os resulta­
dos disso. O bebê precisa urgentemente separar esses dois impulsos contras­
tantes logo de início, e o faz utilizando o processo mais arcaico da cisão.
Isto representa o primeiríssimo momento em que as coisas podem sair erra­
das, dando origem a certas formas de patologia [ver PSICOSE; ESTADOS
DE CONFUSÃO; NARCISISMO]. Proeminente entre estas defesas é a pron­
ta separação dos dois tipos de noções pulsionais, que equivalem a uma for­
ma normal de cisão, essencial para a sobrevivência.
Klein (1957, p. 216-9) detalhou outras defesas [ver 12. INVEJA], tais
como onipotência, negação e cisão, e confusão; fuga do objeto originário,
desvalorização do objeto e, paradoxalmente, desvalorização do se//; inter-
nalização voraz do objeto, incentivo da inveja em outros, abafamento dos
sentimentos de amor e uma correspondente intensificação do ódio, e, final­
mente, uma forma especial de atuação [acting out}, descrita por Rosenfeld
(1952). Um pouco relacionada à última é uma defesa descrita por Segai
(1962), que a retratou como sendo uma excisão da inveja primária para
dentro de um estado não integrado [ver 12, INVEJA]. As defesas desta li­
nha compilada por Klein são organizações características dos típicos meca­
nismos primitivos de defesa que podem ser encontrados na posição depres­
siva ou paranóide.

FIXAÇÃO E DESENVOLVIMENTO. Klein com freqüência defendeu o argu­


mento de que os mecanismos de defesa podem ter conseqüências de tipo
deletério. Ela descreveu círculos viciosos, especialmente em conexão com
os estados paranóides muito arcaicos, em que as medidas hostis tomadas
pelo ego para safar-se do perigo só fazem acentuar ainda mais esse perigo
[ver 8. SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE; PARANÓIA].

Defesas e impulsos. Problema mais intrincado é que processos que parecem


ser expressão psicológica normal de uma noção pulsional são também des­
critos como defesas contra as noções pulsionais. Esta relação entre as defe­
sas do ego e os impulsos do id é de grande importância em alguns ramos
da psicanálise, mas a escola kleiniana não é um deles. Os termos "proje­
ção" e "introjeção" são utilizados sem referência a se reportarem eles quer

146 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


a uma manifestação de um processo normal (incorporação ou expulsão, a
serem encontrados nos processos normais da percepção), quer a manifesta­
ções defensivas, quer a abuso (como Freud o chamou).
Uma postura desse tipo é complicada, em parte porque as teorias psica-
nalíticas da psicologia "normal" são expulsas para fora do campo de visão
pelas teorias da psicologia normal. Embora na psicologia do ego exista
uma teoria da adaptação normal, ela ainda é designada como livre de con­
flitos e fora do domínio do interesse psicanalítico. O desemaranhamento
do normal quanto ao anormal permaneceu sendo o bicho-papão das teo­
rias kleinianas, tal como de outras escolas psicanalíticas. Bion contribuiu
para a distinção importante entre mecanismos onipotentes e o funciona­
mento mais benigno dos mecanismos de defesa [ver ONIPOTÊNCIA].
A maneira pela qual um mecanismo psíquico se dedica a um uso defen­
sivo ou à satisfação de um impulso tem de ser deslindada por referência
ao próprio material clínico. Exemplificando, a projeção de um perseguidor
interno para o mundo externo da sala de atendimento era uma defesa mui­
to importante, tal como Klein a compreendia, por transformar uma amea­
ça interna em uma externa, mais administrável. Contudo, ao mesmo tem­
po, a projeção pode ser um ataque a um perseguidor externo.
Defesas e desenvolvimento. Em acréscimo, estes mecanismos, tanto as no­
ções pulsionais quanto as defesas, são os blocos de construção do desen­
volvimento do ego. A introjeção, por exemplo, é o mecanismo evolutivo
isolado mais importante, por ser o meio pelo qual o objeto bom "(...) pré-
condição do desenvolvimento normal (...) vem a formar um ponto focal
no ego e contribui para a coesão deste" (Klein, 1946, p. 9):
Entretanto, os desejos sádico-orais do bebê, que são ativos desde o iní­
cio da vida e facilmente despertados por frustrações originárias de fon­
tes externas e internas, inevitável e repetidamente dão origem a um sen­
timento de que o seio está destruído e em pedaços dentro dele, em re­
sultado de seus vorazes e devoradores ataques àquele. Estes dois aspec­
tos da introjeção existem lado a lado. (Klein, 1952, p. 67)
As introjeções na realidade constroem o ego com base na acumulação
dos atributos do objeto no $elf; já a projeção despe o ego em fantasia (e
depois, por efeito, na realidade) de certos atributos repudiados.

Identificação projetiva normal e anormal. Em data posterior, Bion (1959) ex­


plorou a identificação projetiva e dela revelou existirem uma forma nor­
mal e outra anormal, dependendo do grau de hostilidade e destrutividade
inerente ao estado mental em que a identificação projetiva se realiza. Em
sua forma mais normal, a identificação projetiva estabelece a base da co­
municação, a um objeto, do estado da mente do sujeito. Isto é importan­
te no campo interpessoal do bebê com a mãe e do paciente com o analis­
ta [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].

jR.D.Hinshelwood / 147
Dessa maneira, esses mecanismos primitivos de defesa desempenham
quatro funções do ego:

(i) defesa contra a ansiedade e o sofrimento;


(ii) descarga de impulsos pré-genitais, orais e anais;
(iü) um passo no desenvolvimento do ego, mediante a identificação introje-
tiva com um objeto, com freqüência por processos projetivos, e
(iv) comunicação não-verbal de estados emocionais.

Repressão. Ocasíonalmente, Klein fez referência à distinção existente entre


os mecanismos primitivos de defesa e a repressão. Via ela a repressão co­
mo modificação posterior do mecanismo de cisão, a cisão entre a consciên­
cia [consciousnessj e a mente inconsciente. Em determinado ponto, descre­
veu variados graus desta cisão, a conduzirem a formas mais ou menos per­
meáveis de repressões [ver REPRESSÃO]. A mudança é de uma forma ver­
tical de cisão da mente, com cada parte possuindo um elemento do ego
em um relacionamento parcial com um objeto parcial, para uma divisão
horizontal da mente em camadas inconscientes, pré-conscientes e conscien­
tes (modelo topográfico) [ver REPRESSÃO],

CRÍTICAS PRINCIPAIS DA VISÃO KLEINIANA DAS DEFESAS. A ênfa­


se dada a estes mecanismos primitivos depende da aceitação da importân­
cia da destrutividade primária como fator determinante (a) na criação da
ansiedade e (b) na inibição ou intensificação precoce da progressão nor­
mal da libido.

O ego arcaico. Desde que se estabeleceu a tarefa de analisar as estruturas e


as funções do ego (Anna Freud, 1936; Hartmann, 1939), os psicólogos do
ego descobriram-se um tanto superados em estratégia pela concentração
dos kleinianos nessas funções arcaicas do ego. As descrições dadas por
Klein dos aspectos mais arcaicos do ego no remoto e enevoado período
do primeiro ano de vida suplantaram a concentração dos psicólogos do
ego nas fases posteriores, quando o ego já era mais aparente em termos
de comportamento [ver PSICOLOGIA DO EGO],
Os psicólogos do ego argumentaram que o primeiro ano de vida é ocu­
pado por estados auto-eróticos e narcísicos, durante os quais a função do
ego acha-se mais ou menos ausente. Daí não existirem relações objetais,
quaisquer funções integrativas do ego e a vida de fantasia não haver come­
çado; não existia ego.
A asserção de uma proposição negativa foi difícil. A pesquisa psicológi­
ca acadêmica das primeiras semanas e dos primeiros meses de vida tendeu
a sugerir a existência de considerável e inicial sofisticação cognitiva no be­
bê (Chamberlain, 1987). Em verdade, já se sabia bastante disso na déca­

148 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


da de 1940 (Middlemore, 1941, assim como Capítulo 3, nota 2, de Isaacs,
1952). Mahler e outros haviam feito estudos abrangentes com um pano
de fundo psicanalítico, ainda que as interpretações que deram a suas obser­
vações tenham sido questionadas (Stern, 1985). Isto não vem necessaria­
mente em favor da visão kleiniana, de vez que a teoria da fantasia incons­
ciente tem muito mais a ver com o desenvolvimento afetivo em relação a
um objeto do que com a sofisticação cognitiva ou perceptual. A massa
de literatura existente exige maior revisão e elucidação antes de poder dar
peso à questão do mundo sem objetos ou não do bebê. O trabalho de
Murray sobre as perturbações afetivas do relacionamento mãe-bebê ace­
na com uma possível discriminação {ver, por exemplo, Murray e Trevar-
then, 1985; Murray, 1987).

Rebaixamento do desenvolvimento posterior. Os psicólogos do ego queixam-


se do rebaixamento e negligenciamento dos mecanismos posteriores de de­
fesa e dos aspectos evolutivos posteriores do ego, sua estrutura e funções,
através do constante referimento de todos os processos posteriores às for­
mas dos mecanismos arcaicos. Com a ênfase concedida a essas funções pri­
mitivas do ego, houve a preocupação de que a totalidade da teoria e ter­
minologia psicanalíticas pudessem ser jogadas fora, já que tudo é redese­
nhado em termos desses processos arcaicos. Houve um bom número de
queixas a respeito da elisão de termos, condensando tudo de volta a esses
processos primitivos. Glover ficou particularmente encolerizado com a
idéia de que um processo que dá origem ao ego e a seu desenvolvimento
(introjeção) pudesse ser uma função do ego, e escarneceu da incoerência
interna disto.

O bebê psicótico. Schmideberg (1931) considerava que os mecanismos primi­


tivos de defesa eram remanescentes, em pacientes psicóticos (ex., os ma-
níaco-depressivos de Abraham [1924]), de mecanismos arcaicos normal­
mente absorvidos nas funções posteriores do ego, sem nenhuma importân­
cia ulterior. Houve a suspeita de que processos essencialmeníe psicóticos
estivessem sendo atribuídos ao bebê normal; ademais, um caráter franca­
mente psicótico estava sendo atribuído ao inconsciente dos adultos: um "en-
clave" psicótico, residual e intocável (Glover, 1945).
Klein (1946) foi sensível à acusação de haver confundido "primitivo"
com "psicótico" e de que pudesse ser imaginada como acreditando que to­
das as crianças são psicóticas (Klein, 1929, 1930). As descrições kleinianas
das constelações destas defesas primitivas nas posições depressiva e esqui-
zoparanóide permaneceram vulneráveis à acusação de que os bebês eram
encarados como psicóticos até que Bion e outros fizeram uma distinção
entre o uso psicótico e o não-psicótico desses mecanismos primitivos [ver
ONIPOTÊNCIA; LIGAÇÃO; 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA],

R.D.Himhelwood / 149
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R.D.Hinshehvood / 151
10
POSIÇÃO DEPRESSIVA
DEFINIÇÃO. A confluência de ódio e amor na direção do objeto dá origem a
uma tristeza particularmente pungente que Klein chamou de "ansiedade
depressiva" (ou "anseio" "anelo" [pining]). Ela expressa a forma de culpa
mais arcaica e angustiada, devida a sentimentos ambivalentes para com
um objeto. O bebê, em certo estágio (normalmente dos quatro aos seis
meses de vida), já se acha física e emocionalmente maduro para integrar
suas percepções fragmentadas da mãe, reunindo as versões (imagos) boas
e más que anteriormente experienciou. Quando tais objetos parciais são
reunidos num todo, eles ameaçam formar um objeto total contaminado,
danificado ou morto.
A ansiedade depressiva é o elemento decisivo dos relacionamentos ma­
duros, a fonte dos sentimentos generosos e altruístas que são devotados
ao bem-estar do objeto, Na posição depressiva, são mobilizados esforços
para maximizar o aspecto amoroso do relacionamento ambivalente com
o "objeto total" danificado (reparação), mas também o são os mecanismos
de defesa. Estes compreendem a constelação de defesas paranóides (origi­
nalmente chamada por Klein de "posição paranóide", e posteriormente
abandonada) e as defesas maníacas.

CRONOLOGIA
1935 Enunciado definitivo da mudança ao se alcançarem objetos totais
(Klein, Melanie, 1935, "A contribution to the psycho-genesis of ma-
nic-depressive States").
1945 Luto pela perda do objeto interno amado (Klein, Melanie, 1940, "Mour-
ning and its relation to manic-depressive States").

P or volta de 1932, Klein finalmente aceitara achar-se em uma trajetória


cada vez mais divergente da psicanálise clássica, embora corretamen­
te mantivesse que suas concepções não eram divergentes de grande parte
dos textos posteriores de Freud. Foi nesse ponto que esposou a teoria pos­
terior de Freud a respeito da pulsâo de morte. Sua própria jornada teóri­

152 / Dicionário áo Pensamento Kleiniano


ca começou em 1935, com uma reavaliação radical da culpa [ver CULPA
INCONSCIENTE], partindo do ponto a que Abraham e Freud haviam che­
gado antes da descrição do superego e do modelo estrutural: a descoberta
de Freud {1917, 1921), de que o ego internaliza um objeto externo e as ob­
servações de Abraham (1924) sobre o destino do objeto nos estados melan­
cólicos e obsessivos.
Precursores; Klein estava ciente da depressão nas crianças e a ligação da­
quela com a agressão e a culpa destas: 'Após seu sadismo haver se esgota­
do nessas fantasias, aparentemente não coibidas por qualquer inibição, a
reação se estabelecia sob a forma de depressão profunda, ansiedade e exaus­
tão corporal" (Klein, 1929a, p. 200), Tal como Freud, ela sabia que a cul­
pa e a depressão tinham a ver com perder e prantear um objeto ambivalen­
temente amado: "Em estágio posterior do desenvolvimento, o conteúdo
do pavor muda do de uma mãe que ataca para o pavor de que a mãe re­
al e amorosa possa ter sido perdida e que a menina seja deixada solitária
e abandonada" (Klein, 1929b, p. 217):
(...) assim que o sadismo da criança diminui e o caráter e a função de
seu superego mudam, de maneira a despertar menos ansiedade e mais
sentimentos de culpa, aqueles mecanismos defensivos que formam a ba­
se de uma atitude moral estética são ativados, e a criança começa a ter
consideração por seus objetos e a mostrar-se dócil ao sentimento social.
(Klein, 1933, p. 252)
Dá-se uma movimentação do sadismo [ver SADISMO] para a depressão,
o temor de perder a mãe que é também amada, e isto dá origem a atitu­
des morais e éticas.

O GRANDE SALTO TEÓRICO. Klein acrescentou, em 1935, que no momen­


to em que a grande fase do sadismo na infância começa a ser resolvida,
começa uma nova relação com os objetos: um relacionamento objetai to­
ta l Então, impulsos amorosos aparecem mais no quadro e profundos re­
morso e preocupação tomam a criança. Ela agora entendeu que a preocu­
pação é o resultado de uma confluência de amor e ódio (pulsional e herda­
do) em direção da mesma pessoa (objeto),.com aspectos tanto "bons" quan­
to "maus".
As características da posição depressiva: A posição depressiva foi a pri­
meira das evoluções teóricas de vulto na obra de Klein. Ela pode ser consi­
derada a partir de cinco pontos de vista:
(1) integrou de maneira notável todos os aspectos teóricos principais das
fases precedentes do trabalho de Klein;
(2) o cerne do novo desenvolvimento é a idéia da reunião de objeíos par­
ciais, que são suplantados por objetos totais ou integrais na experiência
do bebê em evolução na idade de quatro a seis meses;

R.D.Hinshehvood / 153
(3) em contraste com seu persistente interesse pelo relacionamento de obje­
to -mau e ansiedade paranóide, Klein deu subitamente ênfase, de um no­
vo modo, à importância do objeto bom e dos impulsos amorosos;
(4) o objeto bom que é perdido é o objeto interno, e
(5) a posição depressiva representou uma mudança em ênfase, no desen­
volvimento, da projeção (nos estados paranóídes precedentes), para a in-
trojeção.

(1) A integração teórica. A ênfase dada por Klein à vida de fantasia, em opo­
sição às economia clássica da energia puísional, abriu um mundo novo:
um mundo de objetos experienciados como concretamente localizados den­
tro da personalidade. As fantasias de sadismo e agressão haviam contri­
buído para uma nova teoria do complexo de Edipo e enfocado a contro­
vérsia psicanalxtica sobre o primeiro ano de vida. A combinação das fases
libidinais, do complexo de Edipo e da formação do superego havia muda­
do a importância de cada uma delas. O resultado final foram os aspectos
disputantes do superego (perseguidores e figuras de ajuda) e do complexo
de Edipo (complexos positivo e invernos [negativo]), bem como a tensão
entre as pulsões libidinais (na maior parte consideradas como genitais) e
os impulsos agressivos (na maioria encarados como pré-genitais). Isto atin­
gira seu foco teórico, anteriormente, na fase da feminilidade e na situação
específica de ansiedade em que a criança ataca, suja, rouba e destrói o cor­
po da mãe e o pênis do pai, que reside dentro da mãe [ver 6. FASE DA
FEMINILIDADE; 8. SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE].
Entretanto, a crescente consciência por Klein da importância, para a
criança, dos interiores das pessoas levou-a a conceder importância crescen­
te aos processos de projeção e introjeção e ao movimento constante, na
fantasia, entre os mundos interno e externo. Com a compreensão da im­
portância do objeto bom, e do dano a ele, Klein pôde ver o mundo inter­
no como centrado em tomo do objeto interno bom, e os problemas que
se apresentam para o bebê quando ele descobre seus impulsos agressivos
em relação a esse objeto, assim como o seu amor. Dessa maneira, a posi­
ção depressiva se forma a partir da crescente apreciação da pungêncía dos
impulsos ambivalentes [ver AMOR, GRATIDÃO], da importância do
mundo interno na fundação da própria personalidade e da percepção em
desenvolvimento de um mundo interno de objetos e impulsos bons e maus
(insight).

(2) Objetos totais. Por diversas razões, que incluem a falta de desenvolvimen­
to perceptual, o bebê muito novo a princípio reconhece apenas objetos
muito polarizados, pessoas boas e pessoas más. Por causa desta falta de
percepções, o bebê nem mesmo reconhece pessoas totais, mas somente par­
tes de pessoas, o seio, especialmente, e, por fim, o rosto da mãe: "A per-

154 / Dicionário do Pensamento Kleiníano


da do objeto amado se dá durante aquela fase do desenvolvimento em que
o ego efetua a transição da incorporação parcial para a incorporação total
do objeto" (Klein, 1935, p. 267). Klein referia-se ao uso dado por Freud à
expressão "perda do objeto amado", proveniente do artigo dele sobre an­
siedade (Freud, 1926), no qual a definia como sendo a situação de ansiéda-
de típica e primária enfrentada por todo bebê. Klein vinculou isto, de ma­
neira totalmente original, à teoria de Abraham dos objetos parciais e to­
tais [ver OBJETO TOTAL]. A perda decisiva do objeto amado é a experi­
ência que o bebê tem de perder o objeto ideal e maravílhosamente perfei­
to (a mãe) quando descobre as imperfeições dela. O seio que o alimenta
é também a mãe que o faz esperar.
Estes objetos arcaicos têm muito pequena presença física ou atributos
físicos, simplesmente porque o bebê não se encontra em posição de reco­
nhecer tais atributos [ver 5. OBJETOS INTERNOS]. À medida que o de­
senvolvimento progride, o bebê desenvolve a capacidade de perceber as
pessoas como objetos totais, especialmente quando o aparelho visual entra
em uso. Não se trata apenas de uma capacidade do aparelho perceptual,
mas é também uma realização emocional. De vez que objetos separados
são definidos para o bebê, em grande parte, nos termos de seus sentimen­
tos e intenções benevolentes ou malevolentes, reunir essas partes em algo
mais íntegro significa fundir em um só um objeto que tem uma mistura
de intenções.
Este passo (que é dado por volta dos quatro a seis meses de idade) apre­
senta intensas questões emocionais, inteiramente novas e muito dolorosas.
Existem dois aspectos:

(a) O objeto bom acha-se agora mudado, na mente da criança, em algo


ao mesmo tempo mais realístico (num sentido objetivo) e mais suspeito.
Trata-se de uma relação nova com a mãe, uma relação em que a própria
mãe, excepcionalmente boa, inteiramente bem intencionada (um objeto
parcial) passa a ser uma figura mista, particularmente hostil e, portanto,
contaminada, danificada, não mais a perfeição que a criança deseja. Esta
nova relação com a mãe é o cerne da posição depressiva e a fonte de mui­
tas fantasias penosas a respeito do que aconteceu com ela. Ela pode pare­
cer ter sido drasticamente esvaziada de sua bondade, ou contaminada pe­
la maldade, ou, então, ferida, danificada ou brutalmente mutilada. Todas
estas fantasias, baseadas nos tipos de impulsos que o bebê conhece em si
mesmo, levam a um intenso sentimento de responsabilidade, assim como
a um pesar agudo [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA]. O bebê tem de lutar
com o fato de odiar, com a mais irrestrita e paranóide intensidade, a mãe
que, agora pode ver, é a mesma pessoa que amou por alimentá-lo, cuidar
dele e amá-lo [ver AMOR].
Em resumo, o objeto se toma adequadamente separado e potencialmen-
te um personagem por si mesmo. A onipotência da fantasia diminui e o

R.D.Hinshetwood / 155
ego vem a penosamente encontrar um lugar menor em seu próprio e cres­
cente mundo. Os objetos vão e vêm apesar dele.
(b) Com este passo, aparece uma nova capacidade de amar. O interesse,
o pesar e o amor pelo objeto total são pelo objeto em si, não simplesmen­
te pela gratificação que proporciona. Abraham (1924) foi o primeiro a des­
crever o "verdadeiro amor objetai", em contraste com o desejo por obje­
tos parciais. Esta nova forma de amor traz novas conseqüências para o
ódio e a perda [ver AMOR], Klein considerou isto importante para a com­
preensão das condições psicóticas: "Acredito que a diferença principal en­
tre a incorporação na paranóia e na melancolia acha-se ligada com mudan­
ças na relação do sujeito com o objeto" (Klein, 1935, p. 263). Na posição
depressiva, o objeto é amado apesar de suas partes más, enquanto que,
na posição esquizoparanóide, a percepção das partes más transforma o ob­
jeto bom, abruptamente, em um perseguidor. Dessa maneira, o amor po­
de ser mantido na posição depressiva, proporcionando os primórdios da
estabilidade.
A confluência de emoções é extremamente perturbadora e pode-se resistir
a este passo à frente a partir do estado paranóide, de maneira que o bebê
cresce com uma propensão inusitadamente forte a relações paranóides (is­
to é, um potencial psicótico se fixa na personalidade). Klein descreveu a
reversão às relações paranóides como sendo uma defesa paranóide contra
a ansiedade depressiva.

(3) A importância do objeto bom. Até este ponto (1935), o enfoque de Klein
sempre se voltara para as relações paranóides — o medo e o ódio — e pa­
ra o objeto destes impulsos — o objeto mau. Era o objeto mau que domi­
nava o mundo da criança e o mundo interno, e controlava o desenvolvi­
mento normal ou anormal da libido. Neste ponto, porém, Klein começou
a dar-se conta da importância do objeto bom, da necessidade de sustentá-
lo e do relacionamento com ele, assim como da acerbidade e da dor do
amor por ele.
A compreensão do relacionamento com o objeto bom deu início a to­
da uma nova redisposição das lutas evolutivas da criança. Ao invés dos
conflitos sobre o controle da libido que Freud descrevera e em vez das lu­
tas para controlar os impulsos agressivos, Klein via agora a base das lutas
como sendo o ímpeto a proteger e reparar o objeto bom. Ela descreveu a
insegurança como sendo especialmente importante para o objeto interno
bom — o sentimento de existir uma figura boa e de ajuda dentro da perso­
nalidade, sentida como residindo lá, e tão estreitamente amada a ponto
de constituir a identificação primária básica em torno da qual toda uma
identidade se forma. O objeto interno bom proporciona o diálogo inter­
no e contínuo de incentivo e auto-estima em que a confiança e a seguran­
ça psicológica se baseiam.

156 / Dicionário do Pensamento Kieíníano


(4) O objeto interno. Com a sua teoria dos objetos internos, Klein ficou em
posição de definir qual a perda de objeto que é importante. Tal como na
teoria da melancolia, de Freud, é a perda do objeto bom, internamente,
que é importante. A perda do objeto interno bom acha-se estreitamente
vinculada à perda do externo. Uma repulsa externa, ou a privação de al­
guém, também ameaça a fantasia de um objeto interno bom que nutre a
pessoa com apoio psicológico desde dentro. Klein viu o luto da pessoa
que perdeu alguém como sendo apenas uma manifestação grosseira e aber­
ta de um processo que está sendo constantemente efetuado, por maneiras
menores e internas, durante a vida toda, sempre que se é repelido e per­
das de menor espécie são sofridas.
Luto: O conceito de Klein sobre a posição depressiva é um desenvolvimen­
to direto das descobertas de Freud (1917) e Abraham (1924) sobre a melan­
colia e a importância central que o "medo da perda do objeto amado" tem
na evolução e na experiência humanas.
Freud descobriu o elo existente entre o luto (perda do objeto externo)
e a melancolia, na qual um relacionamento anormal e persecutório com
um "objeto interno" se estabelece, por causa da ambivalência. Abraham
mais tarde reconheceu que tanto o luto quanto a melancolia fazem parte
do mesmo fenômeno. Klein definiu a importância de um equilíbrio: a melan­
colia tendia mais para o ódio do que para o amor; o luto, mais para o
amor do que para o ódio.
O bebê é assediado pelo trabalho de luto. Para Klein, o trabalho da po­
sição depressiva é o trabalho do luto: "O ponto por mim defendido é que
a criança passa por estados mentais comparáveis ao luto do adulto" (Klein,
1940, p. 344). Entretanto, estava fazendo uma sugestão nova e radical so­
bre o próprio luto: "(...) este luto arcaico é revivido quando o pesar é ex-
perienciado, mais tarde, na vida" (Klein, 1940, p. 344). O luto é um luto
interno por algo que morreu dentro, um objeto interno morto ou moribun­
do, e uma repetição de inumeráveis ocasiões anteriores.
Klein deu ênfase à importância da correspondência entre os objetos ex­
terno e interno, especialmente em termos dos temores da perda de um ou
de outro: "Desde o início da evolução psíquica há uma correlação constan­
te dos objetos reais com aqueles instalados dentro do ego" (Klein, 1935,
p. 266). Ao recuperar-se do estado de luto, a pessoa enlutada "(...) não
apenas recebe em si (reincorpora) a pessoa que acabou de perder, mas tam­
bém reintegra objetos bons (em última análise, os pais amados)" (Klein,
1940, p. 353).
Trata-se de um acréscimo importante à visão que Freud tinha do traba­
lho de luto, na qual a pessoa enlutada introjeta a pessoa real perdida e
com ela se identifica. Klein está agora dizendo que isso é parte integrante
de um processo de reintegração de um objeto originário, um genitor, que
foi sentido como danificado, destruído e perdido, em correspondência com
a morte do objeto externo.

R.D.Hinsheíwooâ / 157
"Muitas pessoas enlutadas só podem dar passos lentos no restabeleci­
mento das ligações com o mundo externo, por estarem lutando contra o
caos que têm dentro de si (...) este desenvolvimento gradual nas relações
objetais do bebê (...) é também devido ao estado caótico de seu mundo in­
terior" (Klein, 1940, p. 361). O bebê tem a experiência de que tudo dentro
dele acha-se em tumulto e caos. Não são apenas os seus sentimentos que
se encontram caoticamente mesclados. Por estes se acharem sempre repre­
sentados ém sua mente como fantasias, o bebê acredita que o objeto resi­
de concretamente dentro dele, ou em seu próprio corpo, de maneira que
seu próprio estado interno é um estado que se torna confuso e embaralha­
do, com uma mistura de objetos "bons" e objetos perigosamente "maus",
amados e odiados, tudo ao mesmo tempo. Em particular, ele sente que seu
ódio danifica sua mãe real amada, e isto vem a ser também refletido na
experiência de que o objeto dentro dele está também danificado ou morto,
e ele pode identificar-se com esta morte interna. Um caos interno surge atra­
vés da introjeção de um objeto externamente já danificado ou morto. Em
verdade, Klein foi mais além: "(,..) qualquer sofrimento causado por expe­
riências infelizes, seja qual for a natureza delas, tem algo em comum com
o luto" (Klein, 1940, p. 360).
Bastante mais tarde, quando já havia mais compreensão dos estados
não integrados do ego [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE], Grin-
berg (1978) observou que o luto pela perda do objeto amado deve incluir
uma forma de luto pela parte do self que se acha ligada com esse objeto.

(5) O equilíbrio da projeção e da introjeção. Atingir a posição depressiva é


um passo evolutivo, um passo incerto e um passo que constitui, portanto,
uma tarefa de vida inteira. Assume o lugar dos estados paranóides e da
posição esquizoparanóide precedentes. Nestes estados anteriores, o ego
mantém separação do bom e do mau no objeto e em si próprio, mediante
o uso persistente do mecanismo da projeção para lidar com essas coisas
más. Quando ele chega à posição depressiva, porém, o equilíbrio muda.
A própria projeção dá origem a temores, tais como, por exemplo, o de
que o bom objeto interno seja perdido por sua projeção para fora (como
nos pormenores clínicos que Abraham relatou). Como resultado disso,
há uma ênfase maior na introjeção de coisas boas no mundo interno e
um relaxamento do impulso para projetar coisas más para fora. Com o
declínio do apoiar-se na projeção, tem-se uma oportunidade maior de per­
cepção do estado do mundo interno e, por sua vez, do mundo externo.
O primeiro acarreta o reconhecimento de aspectos não bem-vindos de si
próprio; o último, o reconhecimento das qualidades melhores do mundo
externo.

ANSIEDADE DEPRESSIVA. As primeiras ansiedades provêm de um medo


dos impulsos agressivos e, em última instância, de um medo da puísão de

158 / Dicionário do Pensamento Kieiniano


morte. São estas as ansiedades psicóticas, e elas são de dois tipos: persecu-
tórias e depressivas — (i) temor por si próprio, e (ii) temor pelo objeto
amado, respectivamente. Com a mudança na relação com o objeto (entre
os quatro a seis meses de idade), a ansiedade predominante se altera: "O
pavor da perseguição, que era sentido por causa do ego, relaciona-se ago­
ra ao objeto bom também" (Klein, 1935, p. 264). A vida de fantasia do
bebê é assediada pela idéia de que o ódio causou dano real à pessoa ama­
da, e ele é lançado em um estado a que Klein se refere (acompanhando
Freud e Abraham) como sendo a perda do objeto am ado, uma turbulência
emocional baseada na idéia de que o maravilhoso objeto "bom" (mãe, seio)
foi-se embora [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA], Em um resumo útil, dis­
se Joseph:

Freud [1926] (...) reuniu os vários tipos de ansiedade, em relação aos


impulsos e ao superego, incluindo assim os sentimentos de culpa como
um tipo de ansiedade. Em adição a isso, acentuou que a própria existên­
cia das pulsões de vida e de morte e a percepção delas juntas, sob a for­
ma de ambivalência, produzia, tal como descreveu, "a inevitabilidade
fatal de um sentimento de culpa". O trabalho de Klein acha-se alinha­
do com estas descobertas. Acentuou ela que, uma vez que o indivíduo
esteja ciente de que o objeto que ama é também aquele contra o qual
se enfurece e por que sente raiva, a culpa então é, fatalmente, inevitá­
vel; ela acentuou também o sofrimento e a ansiedade causados por tal
culpa e pelas censuras, internas e externas, dos objetos por quem a cul­
pa é sentida, na posição depressiva. Na opinião de Klein, antes de esta
posição ser alcançada, a pulsão de morte dá origem a ansiedades que
são de natureza persecutória. (Joseph, 1978, p. 223-4)

O bebê teme que a mãe amada tenha sido morta ou destruída:

(...) somente quando o ego introjetou o objeto como um todo (...) é ele
capaz de dar-se plena conta da catástrofe criada através de seu sadis­
mo e, especialmente, através de seu canibalismo (...) O ego vê-se então
confrontado com a realidade psíquica de que seus objetos amados acham-
se em estado de dissolução — em fragmentos — e há a ansiedade de co­
mo reunir esses fragmentos de maneira correta e livrar-se dos maus;
de como trazer o objeto à vida, quando reunidos, e há a ansiedade de
que nessa tarefa interfiram objetos maus e o próprio ódio, etc. (Klein,
1935, p. 269)

A preocupação com o conserto de algo irrecuperavelmente danificado ou


morto é o cerne: "Os processos que subseqüentemente se tornam claros
com 'a perda do objeto amado' são determinados pelo sentimento de fra­
casso que o sujeito tem em garantir seu objeto bom internalizado, isto é,
possuí-lo". (Klein, 1935, p. 267) [ver AMOR].

R.D.Hinshelwood / 159
Nestes primeiríssimos momentos da apreciação do objeto total, o sofri­
mento é particularmente agudo. Ele vem coroar as antigas ansiedades para-
nóides:
(...) o ego sente-se constantemente ameaçado em sua posse de objetos
bons internalizados. Está cheio de ansiedade de que tais objetos possam
morrer. Tanto em crianças quanto em adultos a padecerem de depres­
são, descobri o pavor de abrigar objetos mortos ou moribundos (espe-
cialmente os pais) dentro de si e uma identificação do ego com objetos
nessa condição. (Klein, 1935, p. 266)
A angústia do sujeito é pessoal, um temor por sua própria sobrevivência
dentro da mãe que o apóia, e também uma preocupação genuína por ela
.
[ver 8 SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE; AMOR].
O primeiro período dos textos de Klein referia-se a "ansiedade e um sen­
timento de culpa", mas isto foi resolvido em 1935 por uma distinção níti­
da entre uma ansiedade paranóide de perseguição e culpa associada à posi­
ção depressiva, a qual é mencionada como ansiedade depressiva. A ansie­
dade persecutória é um temor pelo ego; a ansiedade depressiva, um medo
pela sobrevivência do objeto amado:
Existem assim dois conjuntos de medos, sentimentos e defesas, os quais,
por variados que sejam em si e por intimamente ligados que estejam,
podem, em minha opinião, para fins de clareza teórica, ser isolados uns
dos outros. O primeiro conjunto de sentimentos e fantasias é o persecu-
tório, caracterizado por medos relacionados à destruição do ego por
perseguidores internos, através de métodos violentos, furtivos e astutos
(...) O segundo conjunto de sentimentos (...) vai constituir a posição
depressiva- (Klein, 1940, p. 348)
Mas a ansiedade, na prática, é mista. A interação da ansiedade persecutó­
ria e da culpa (agora denominada "ansiedade depressiva") é extremamen­
te complexa e manejada por combinações intrincadamente tecidas de intro-
jeções e projeções de objetos entre o mundo interno e o externo. As ansie­
dades paranóides precedentes não desaparecem, mas permanecem como
um pano de fundo proeminente a colorir a posição depressiva, envolvendo
(...) o estado depressivo como o resultado de uma mistura de ansieda­
de paranóide e daqueles conteúdos de ansiedade, sentimentos de aflição
e defesas que se acham ligados com a perda iminente do objeto amado
total. (Klein, 1935, p. 275)
As ansiedades persecutórias e depressivas interagem — em particular a in­
terferência na posição depressiva do círculo vicioso que cria a ansiedade
persecutória através da projeção e da reintrojeção: "Uma das razões para
o seu fracasso é que ele foi incapaz de superar seu pavor paranóide de per­
seguidores internalizados" (Klein, 1935, p. 267). Culpa é um termo que en-

160 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tão se refere à combinação das duas ansiedades, em uma variedade de pro­
porções diferentes,
A intensidade da culpa varia com o decorrer do tempo. Com um obje­
to interno razoavelmente consistente, uma certa confiança na restauração
e no conserto se desenvolve. O tipo perseguidor e punidor -de culpa gra­
dualmente dá lugar a uma forma que realça mais os esforços realísticos
[ver ANSIEDADE DEPRESSIVA; CULPA].

DEFESAS CONTRA A ANSIEDADE DEPRESSIVA. O bebe tem outros re­


cursos para tentar lidar com os onerosos sentimentos da posição depressi­
va, ou seja, ele pode estabelecer defesas psicológicas. Com a nova forma
de relacionamento (com objetos totais) vem uma nova ansiedade (a ansie­
dade depressiva), e esta evoca novas defesas. Existem duas formas defensi­
vas principais de evasão da ansiedade depressiva (defesas paranóides e
maníacas). Klein achava que, normalmente, havia uma flutuação constan­
te tanto (i) entre a posição depressiva e os estados paranóides quanto (ii)
entre as defesas depressivas e as maníacas. Conseqüentemente, ela falou
a princípio de todas as três posições: depressiva, paranóide e maníaca.
Mais tarde, contudo, reservou o termo "posição" para a posição depressi­
va, enquanto que as outras duas são, realmente, constelações de defesas
[ver POSIÇÃO].

A defesa paranóide. Primeiro, dá-se uma retirada defensiva da posição depres­


siva, de volta às formas paranóides mais diretas de relacionar-se: "Desco­
bri que os temores e as suspeitas paranóides eram reforçados como defe­
sa contra a posição depressiva" (Klein, 1935, p. 274). Isto envolve garan­
tir que os objetos são vistos como objetos parciais — inteiramente bons
ou inteiramente maus [ver DEFESA PARANÓIDE CONTRA A ANSIEDA­
DE DEPRESSIVA]. Há uma cisão freqüentemente arbitrária do objeto, pa­
ra evitar a confluência do ódio com o amor e isto fornece proteção contra
a ansiedade depressiva (culpa).
Suicídio: Klein escreveu apenas de maneira brevíssima sobre o suicídio, tó­
pico a respeito do qual os analistas, em geral, têm sido reticentes. Entretan­
to, ela dedicou um parágrafo a ele:
(...) em alguns casos, as fantasias subjacentes ao suicídio visam a pre­
servar os objetos bons internalizados e aquela parte do ego que se acha
identificada com objetos bons, e também a destruir a outra parte do
ego que se identifica com objetos maus e com o id. Dessa maneira, o
ego fica capacitado a vir a unir-se com seus objetos amados. Em outros
casos (...) as mesmas fantasias (...) relacionam-se com o mundo exter­
no e com objetos reais, parcialmente como substitutos para os internali­
zados. (Klein, 1935, p. 276)

R.D.Hinshehoooà / 161
A defesa maníaca. Central à defesa maníaca está a idéia onipotente de que
as relações objetais não são de grande importância. O ego diz a si mesmo
que o objeto amado, que é sentido como estando morto ou danificado,
dentro ou fora, não é realmente de grande importância; ele pode sair-se
perfeitamente bem sem depender de ninguém:
(...) neste estado,a fonte do conflito é que o ego não está disposto
nem é capaz de renunciar a seus objetos internos bons, mas, apesar dis­
so, esforça-se por fugir aos perigos da dependência deles, assim como
de seus objetos maus (...) Obtém êxito neste compromisso negando a
importância de seus objetos bons e também dos perigos com que é ame­
açado por parte de seus objetos maus e do id. (Klein, 1935, p. 277)
A defesa maníaca é, na realidade, uma coleção de defesas, a envolver uma
negação da realidade psíquica e, portanto, da importância dos objetos que
são amados e tomados para dentro de si, um desprezo denegridor pelos
objetos que são amados, de maneira que sua perda não seja experiencia-
da como importante, e uma forma triunfante e onipotente de acertar tu­
do. Todos estes são meios de minimizar os sentimentos de perda e culpa
[ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA; DEFESAS MANÍACAS].
Klein enfatizou que as defesas maníacas visam tanto aos sentimentos
depressivos quanto aos paranóides que existem na posição depressiva: "Na
mania, o ego busca refúgio não apenas da melancolia, mas também de
uma condição paranóide que é incapaz de dominar" (Klein, 1935, p. 277).
D efesas obsessivas; Por serem as ansiedades da posição depressiva tão es­
treitamente vinculadas, nos primeiros estágios, com as ansiedades paranói­
des, as defesas específicas para a posição depressiva acham-se misturadas
com as defesas contra a ansiedade persecutória que resulta das fases sádi­
cas, inclusive a defesa específica de destruir os perseguidores, e também
as defesas obsessivas. Por várias vezes Klein percebeu relações diferentes
entre as defesas maníacas e as obsessivas [ver DEFESAS OBSESSIVAS].
Ambos os tipos envolvem domínio e controle sobre os objetos e isto se
mostra, de modo particular, nos tipos de reparação que são tentados. Com
freqüência o sujeito fantasia a reparação do objeto, mas se este se acha em­
baralhado demais com as defesas contra a perseguição (maníaca ou obses­
siva), a reparação será efetuada com todas as características de ódio do
estado paranóide: o domínio e o controle terão uma qualidade odienta e
rancorosa e levarão à ansiedade de que os objetos tenham sido ainda mais
danificados no processo de conserto.

REPARAÇÃO. A reparação não constituí uma posição separada; ela é uma


modificação progressiva da ansiedade depressiva. Não se trata de um me­
canismo de defesa, tampouco, por ser antes uma modificação que uma fu­
ga à ansiedade. Ela deve ser situada, juntamente com a sublimação, co­
mo um método de administrar os impulsos e não de defender-se contra

162 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


eles — um "mecanismo de aceitação", na terminologia de Grotstein (Grots-
tein, 1983).
Klein explorou pela primeira vez essa idéia em uma nota sobre a cria­
ção artística (1929b) e, no mesmo ano, Riviere estava claramente refletin­
do na mesma direção (Riviere, 1929). Outra colega delas na época, Ella
Freeman Sharpe (1930), começou a explorar a reparação seguindo a lide­
rança de Klein, pelo exame do material dos pacientes como sendo a drama­
tização de conflitos e relações objetais, da mesma maneira por que uma
criança o faz ao brincar.
A experiência da reparação é uma tolerância da perda, e da culpa e res­
ponsabilidade pela perda, ao mesmo tempo em que se sente que nem tu­
do está perdido. A possibilidade de restaurar o desastre permanece sendo
uma esperança. Isto se baseia no sentimento de um mundo interno em que
alguma bondade sobrevive, sejam quais forem os paroxismos de sentimen­
tos maus que o varrem. Ê a confiança no otimismo, apesar de tudo.
Klein se deu conta de que normalmente a culpa dá origem à preocupa­
ção ou interesse, e que esta é uma reação mais esperançosa para a posição
depressiva. A preocupação promove esforços para corrigir as coisas, e
Klein adotou para designar isso o termo "reparação":
Um só momento após havermos visto os impulsos mais sádicos, defron-
tamo-nos com desempenhos a demonstrarem a máxima capacidade de
amor e o desejo de fazer todos os sacrifícios possíveis para ser amado
(...) É impressionante ver-se, na análise, como essas tendências destruti­
vas podem ser usadas para a sublimação (...) como as fantasias podem
ser liberadas para trabalho mais artístico e construtivo. (Klein, 1927, p. 176)

Mais tarde, quando Klein afrouxou seu compromisso com a teoria clássi­
ca, a idéia de sublimação caiu também um tanto, enquanto que a idéia
de reparação desenvolveu-se e tornou-se a perda angular dos processos
de maturação que forjam uma saída para a posição depressiva [ver AMOR].
A reparação é evocada especificamente pelas ansiedades da posição de­
pressiva e, junto com o teste da realidade, constitui um dos dois princi­
pais métodos de superar a ansiedade depressiva. Klein acentuou que a pre­
ocupação é mais que apenas a necessidade que a criança tem de garantir
sua própria sobrevivência através da manutenção de uma mãe para apoiá-
la e cuidar dela, ainda que esse seja um dos aspectos da ansiedade. A repa­
ração também surge da preocupação real pelo objeto, de um anseio por
ele, e pode envolver grande auto-sacrifício. Exemplificando, ao descrever
os sentimentos maternais, diz:

(...) a mãe é capaz de pôr-se no lugar da criança (...) ser capaz de fazê-
lo com amor e simpatia, acha-se estreitamente ligado, como vimos, com
sentimentos de culpa e o impulso à reparação (...) [e] pode levar a uma
atitude inteiramente auto-sacrificante. (Klein, 1937, p. 318)

R.D.Hinshelwood / 163
A questão é complexa, contudo, porque a teoria da posição depressiva é
de que a preocupação é igualmente a respeito do objeto interno, que por
uma boa parte do tempo se identifica com o ego. Dessa maneira, a repara­
ção devotada à restauração da mãe boa (objeto externo) tem, como aspec­
to correspondente, o efeito de restaurar ao mesmo tempo um estado inter­
no dentro do sujeito [ver NARCÍSISMO],

DESENVOLVIMENTO. Como o bebê se esforça no sentido desse objeto bom,


seguro e internalizado? Quatro fatores principais acham-se nisso envolvidos:
(i) A natureza real da mãe é decisiva na capacitação da criança a progre­
dir através do sofrimento da posição depressiva.
(ii) A capacidade de fazer reparar (ver acima) provém de tolerar~se peno­
sa culpa e remorso até descobrir-se maneira de efetuar reparação,
(iü) A predisposição a sentir-se seguro provém da fase precedente, que pro­
porciona um recurso ao bebê quando ele pela primeira vez se aproxima
da posição depressiva, isto só foi tratado em um ponto posterior da elabo­
ração teórica que Klein fez de seu material, quando, em 1946, ela voltou-
se para um exame aprofundado desta fase mais remota da vida mental
[ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE].
(iv) A posição depressiva é, em certo sentido, uma saída da posição para-
nóide, mas o sofrimento e a agitação da primeira não parecem ser um con­
vite atraente. A maneira pela qual a criança lida com isto depende de sua
capacidade de construir e manter um senso de sua própria amorosidade,
equilibrada contra seu próprio ódio. Entretanto, o bebê é impelido no sen­
tido da posição depressiva pelo amadurecimento de sua percepção do obje­
to externo e também pelo desdobramento natural das fases da libido. A
mobilização dos impulsos genitais pelo amor objetai total dá novas forças
ao amor e à reparação, e, em resumo, isto significa a capacidade que tem
de sustentar um sentimento de amor por um "objeto" que é bom e senti­
do como se achando concretamente dentro dele, fazendo parte de sua per­
sonalidade, Uma confiança pessoal segura, alega Klein, acaba por resultar
em um senso de um âmago amoroso seguro para a personalidade.
Klein via a posição depressiva como limiar de enorme potencial evoluti­
vo, por se basear no reconhecimento emergente da realidade dos objetos.
Por fantasiosos que sejam os componentes bons .e maus, se o desenvolvi­
mento perceptual pode ser mantido, então as discriminações a respeito
dos objetos tal como concretamente são, na realidade, podem ser conquis­
tadas e, em última análise, um conhecimento crescente da realidade inter­
na e do autoconhecimento e compreensão. Uma avaliação verídica da rea­
lidade interna (a capacidade de auto-avaliação honesta) desenvolve-se tam­
bém por sua vez. A capacidade de preocupar-se é profundamente estimula:
da pela ansiedade depressiva e isto conduz ao impulso para o engajamen­

164 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


to social e interpessoal com outras pessoas reais. O potencial evolutivo
da preocupação ou interesse é o substitutivo kleiniano para o superego;
em contraste com a preocupação genuína, o superego leva o sujeito a con­
siderações sociais através de ameaças de punição, enquanto que a preocu­
pação em reparar é um ato de amor que surge da tristeza.

MODIFICAÇÕES POSTERIORES. Klein, tal como Freud, estava sempre ex­


perimentando idéias novas e fazendo modificações. Até certo ponto, o con­
ceito da posição depressiva tem sido eclipsado, como tanta coisa mais de
seu pensamento inicial, pelo desenvolvimento do conceito da posição es-
quizoparanóide e, particularmente, da identificação projetiva. Os anos
que se seguiram à introdução da posição depressiva foram perturbadores
para Klein, na medida em que um certo número de pessoas começou a dis­
cordar dela — inclusive Glover e Melita Schmideberg (filha de Klein). Pa­
recia haver pouco interesse em desenvolver a idéia, embora Scott (1947)
houvesse produzido uma importante e detalhada história clínica.
Riviere foi uma das poucas pessoas a assumir a idéia da posição depres­
siva de imediato, e utilizou-a para entender como a depressão e a culpa,
abrangendo o retraimento para uma preocupação com objetos internos (nar-
cisismo), podiam expressar-se como reação terapêutica negativa à análise:

Em minha opinião, é o am or p or seus objetos internos, subjacente e


que produz culpa e sofrimento insuportáveis, a necessidade de sacrifi­
car sua vida a deles e, dessa maneira, a perspectiva da morte, que tor­
na esta resistência tão obstinada. E só podemos neutralizá-la trazendo
à tona esse amor e, assim, a culpa junto com ele. Para estes pacientes,
o analista representa um objeto interno, de maneira que é a transferên­
cia positiva no paciente que temos de trazer à concretização e é a isso
que eles mais resistem, embora saibam bem como ostentar uma "a mis-
tosidade" substituta. (Riviere, 1936, p. 319) [ver REAÇÃO TERAPÊU­
TICA NEGATIVA].
Houve dois outros pequenos, embora importantes, acréscimos à teoria de
Klein da posição depressiva [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA]. Em primei­
ro lugar, em 1948 Klein descreveu a possibilidade da integração de objetos
em nível de objeto parcial, embora acrescente que isso é transitório,
pois desde o começo da vida o ego tende a integrar-se e a sintetizar os
diferentes aspectos do objeto. Parecem existir estados transitórios de in­
tegração mesmo em bebês muito jovens, os quais se tornam mais fre-
qüentes e duradouros à medida que o desenvolvimento avança. (Klein,
1948, p. 34)
Isto destinava-se a explicar observações clínicas uiteriores em pacientes es-
quizóides, que pareciam apresentar os efeitos de terem de defender-se con­
tra a ansiedade depressiva.

R.D.Hinshehvood / 165
O segundo desenvolvimento da teoria é semelhante. Foram algumas ob­
servações feitas por Hanna Segai no curso da análise pioneira de um esqui­
zofrênico gravemente enfermo {Segai, 1956). Mostrou ela que havia algu­
mas evidências de depressão em um esquizofrênico, mas que esta não era
sentida por ele. Ao invés, existia um processo no qual a depressão é senti­
da por outras pessoas — no curso da análise, no analista. Klein ficou im­
pressionada por este trabalho de uma de suas jovens estudantes (Klein,
1960) [ver PSICOSE].

A RECEPÇÃO DADA Ã TEORIA DA POSIÇÃO DEPRESSIVA. O grande


salto em teoria corporificado na descrição da posição depressiva colocou
certa distância entre Klein e seus críticos. Havia muito poucos fora do cír­
culo kleiniano que podiam comentá-la. Outros analistas ficaram, na maior
parte, estupidificados pela noção de objetos internos que havia subitamen­
te sido erguida da obscuridade para o centro do palco da teoria e prática
psicanalíticas de Klein e, dessa maneira, grande parte da crítica desta área
da teoria kleiniana aparece em outros verbetes [ver 5. OBJETOS INTERNOS].
Em nível geral, Bierley (1950), ao tentar uma resenha equilibrada da
compilação de artigos de Klein {publicada como Contribuições à psicanáli­
se, (1948), mostrou reservas a respeito da posição depressiva por duas ra­
zões: em primeiro lugar, ela desbancava o complexo de Édipo do eixo cen­
tral da teoria psicanalítica, de vez que Klein não reconhecia as flutuações
entre o complexo de Édipo positivo e invertido como protótipo da reunião
dos objetos bons e maus na posição depressiva, e, em segundo, queixava-
se Brierley de que a idéia da posição depressiva diminui a importância da
regressão, ao tempo em que enfatiza a importância do movimento "progres­
sivo" para uma maior percepção da realidade (tanto a interna quanto a
externa) e a evolução da reparação.
R eparação: Glover (1945) pôs de lado a reparação como mero mecanis­
mo obsessivo, algo que em verdade fora a idéia precursora: a tentativa
de anular um malfeito. Contudo, como Klein apontara, a anulação obses­
siva possui propriedades mágicas e consiste em uma inversão precisa da
ação (fechamento da torneira que foi aberta) [ver REPARAÇÃO MANÍA­
CA], enquanto que a reparação envolve um conserto mais imaginativo
da situação, com muita freqüência sob forma simbólica, que pode, ela pró­
pria, acarretar processos extremamente criativos ou artísticos [ver FORMA­
ÇÃO DE SÍMBOLOS].
A semelhança entre a reparação e a formação reativa já foi apontada,
mas a qualidade baseada na realidade da reparação torna-a diferente. A
reparação onipotente (ou mágica) em verdade incorpora objetivos fantasio­
sos e realizações delirantes comparáveis à anulação obsessiva ou à forma­
ção reativa, amiúde denominados de "reparação maníaca". Embora hou­
vesse queixas a respeito da introdução de mais um outro termo, a "repara-

166 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


ção" tem a virtude de colocar esses variados mecanismos, realísticos e irre-
alísticos, em um contexto mútuo,
A relação entre a reparação e os mecanismos de defesa tais como a anu­
lação e a formação reativa é semelhante à relação existente entre a repara­
ção e a sublimação. Em ambos os casos há a diferença entre administrar
um impulso {anulação, formação reativa e sublimação) e, por oposição,
amar um objeto. Estritamente falando, trata-se de dois vocabulários emer­
gentes que não possuem entre si regras estritas de tradução. O elo, na vi­
são de Klein, era que a reparação se relacionasse aos mecanismos primiti­
vos de defesa e à ansiedade depressiva, que é um substrato sobre o qual
a personalidade posterior se desenvolve, a qual pode então ser descrita
em termos de terminologia freudiana ortodoxa.

Ansiedade depressiva: O aspecto decisivo da posição depressiva, a angús­


tia a respeito do estado do objeto, foi criticado desde um ponto de vista
da psicologia do self por Grotstein (1983):

Klein colocou demasiada ênfase no bem-estar do objeto por parte do


bebê e aparentemente sacrificou o direito deste a ter um "self' próprio
e/ou a ter reconhecimento das necessidades do self, independentemen­
te da consideração pelo bem-estar do objeto, (p. 529)

Contudo, o que Grotstein está descrevendo é exatamente o sofrimento da


posição depressiva em seus primeiros estágios, quando a culpa possui um
tom fortemente persecutório, que exige extremo auto-sacrifício e escravi­
dão [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA]. É por causa desta qualidade evolu­
tivamente arcaica da ansiedade depressiva que a pessoa dela foge, defen­
de-se contra ela ou bate em retirada para a posição esquizoparanóide. É
somente pela elaboração disto que o bebê e indivíduos mais velhos podem
chegar a um ajuste mais fácil entre a preocupação por seu objeto e o grau
normal de auto-respeíto (uma espécie de narcísísmo normal) exigido para
cuidarem de si mesmos (ver Rosenfeld, 1987).

Fairbaim e a futilidade: A crítica mais reveladora da posição depressiva


foi, de fato, uma que lhe era bastante simpática e que Klein, de modo pou­
co característico, levou a sério. Fairbairn (1941) considerou a posição de­
pressiva como simplesmente um desenvolvimento lógico das concepções
de Freud, uma vez que este e Abraham haviam desviado sua atenção da
histeria para a melancolia. Fairbain considerou isto um equívoco e argu­
mentou que a estrutura descrita como superego era, de fato, uma organiza­
ção defensiva do ego que escondia, debaixo de si, uma estrutura fundamen­
talmente diferente, caracterizada por cisões dentro do ego e do objeto. Re-
tornando-se a um estudo da histeria, dos estados de dissociação e dos indi­
víduos esquizóides, alegava ele, era possível investigar esta posição ante­
rior, que denominou de posição esquizóide. A pista para isto estava nos afetos.

R.D.Hinshehvood / 167
Apontou ele que aquilo que com freqüência é chamado de depressão é,
de fato, um afeto bastante diferente, um afeto que chamou de futilidade.
Vinculou-o com estados mentais histéricos, tipicamente a belle indifféren-
ce sem afetos, caracterizada por um afeto aparentemente faltante. Fairbairn
atribuía este vazio a uma cisão da mente e defendeu energicamente que
mais atenção fosse prestada aos fenômenos dissociativos, coisa com que
Klein devidamente concordou (1946) [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARA-
NÓIDE]. Fairbairn considerava que os fenômenos depressivos mascaravam
os fenômenos dos estados esquizóides e, em particular, a cisão do ego e o
conseqüente temor pelo self, pontos que Klein tomou a sério.
No que concernia a esta e seus seguidores imediatos, a posição depressi­
va imediatamente tornou-se central e sofreu excepcionalmente pouca modi­
ficação. A consecução da posição depressiva, com uma visão equilibrada
da realidade dos objetos, ainda é considerada marca distintiva de progres­
so psicológico. James Strachey (1934), em sua teoria da modificação de
objetos irrealisticamente bons e maus, claramente caminhava nos calcanha­
res de Klein na compreensão da importância terapêutica de modificar os
objetos bons e maus arcaicos. Stephen (1934), sem dúvida por causa de
seu conhecimento íntimo de Klein, também explorou a relação existente
entre a internalização de objetos, a destrutividade e a culpa.
Contudo, após a publicação dos artigos sobre a posição depressiva (1935,
1940), o mundo psicanalítico foi envolvido pela situação política da Euro­
pa e, depois, pela luta interna na Sociedade Psicanalítica Britânica. Quan­
do delas emergiu, Klein já havia avançado para sua descoberta da posição
esquizoparanóide.

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R.D.Hinshelwood / 169
11
POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE
DEFINIÇÃO. No estado mental mais arcaico, a ansiedade persecutória se encon­
tra com processos que ameaçam fragmentar (e fragmentam) a mente. A
gravidade dela afeta a passagem para a posição depressiva, porque a inte­
gridade da mente é seriamente perturbada. Os processos de cisão tipica­
mente conduzem à projeção de partes do self ou do ego (identificação pro­
jetiva) para dentro de objetos, com um efeito esvaziador sobre o self. Es­
te self esvaziado tem então dificuldades com a introjeção e a identificação
introjetiva. Esta posição foi descrita em 1946 e constituiu modificação pro­
funda das descrições anteriores, feitas por Klein, dos estados persecutório
e paranóide. Estas descrições, em 1946, levaram a desenvolvimentos de
vulto (especialmente da identificação projetiva) por parte de seus colegas
contemporâneos e de seus discípulos.

CRONOLOGIA
1929 Primeiras idéias precursoras.
1946 Posição esquizoparanóide (Klein, Melanie, 1946, "Notes on some schi-
zoid mechanisms"; Rosenfeld, Herbert, 1947, "Analysis of a schizop-
hrenic state with depersonaíization").

s estados paranóides da primeira infância haviam sido antiga preocu­


O pação de Klein, até que, na década entre 1935 e 1946, ela e seus cola­
boradores exploraram os conceitos de fantasia inconsciente, objetos inter­
nos e, especialmente, a importância do objeto interno bom na posição de­
pressiva [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Esta mal fora contestada ain­
da, e tampouco muito elaborada pelos kleinianos, quando, em 1946, Klein
ficou repentinamente influenciada por Fairbairn, alguém inteiramente fo­
ra de seu círculo imediato de colaboradores.
Fairbairn provocou uma pergunta: — Por que algumas pessoas conse­
guem atravessar a erupção de culpa na posição depressiva mais ou menos
bem, enquanto que outras não o conseguem? — e ele mesmo responde que

170 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


a situação morai que resulta pertence, naturalmente, a um nível mais
elevado de desenvolvimento mental que a situação original (...) a cul­
pa deve ser considerada como fazendo parte da natureza de uma defe­
sa. Em poucas palavras a culpa funciona com o uma resistência na psico-
terapia. (Fairbairn, 1943, p. 68-9)
Ele considerou essa situação original como sendo uma experiência que "é
não tanto de culpa como simplesmente 'má7" (Fairbairn, 1943, p. 63).
Klein concluiu que esta distinção era correta;
Se os temores persecutórios são muito fortes e, por esta razão (entre
outras), o bebê não consegue elaborar a posição esquizoparanóide, a
elaboração da posição depressiva é, por sua vez, dificultada. (Klein,
1946, p. 2)
Estados esquizôiâes: Afastado do restante da comunidade psicanalítica,
Fairbairn morava e trabalhava na Escócia, mas fora influenciado pio traba­
lho de Klein sobre os estados paranóides [ver FAIRBAIRN). Argumentou
ele, contudo, que a posição paranóide não era meramente defensiva con­
tra a posição depressiva [ver DEFESA PARANÓIDE CONTRA A ANSIE­
DADE DEPRESSIVA]., e defendeu a importância dos processos que cin­
dem o ego, manifestando-se contra o relativo descaso da histeria e dos
mecanismos dissociativos que haviam sido o fundamento original da psica­
nálise. Chamou a atenção para os esquizoifrênicos e os estados esquizói-
des, em contraste com a enfermidade maníaco-depressiva, que fora tão
predominante (Abraham, 1911, 1924; Freud, 1917):
Ver-se~á que algumas das conclusões que apresentarei neste trabalho
acham-se de acordo com as conclusões de Fairbairn, enquanto que ou­
tras delas diferem fundamentalmente. A abordagem dele deu-se, em gran­
de parte, desde o ângulo do desenvolvimento do ego em relação aos
objetos, enquanto que a minha se fez, predominantemente, desde o ân­
gulo das ansiedades e suas vicissitudes (...) A ênfase particular que ele
depositou na relação inerente entre a histeria e a esquizofrenia merece
atenção plena. Sua expressão, "esquizóide", seria aproprida se fosse en­
tendida de maneira a abranger tanto o medo persecutório quanto os
mecanismos esquizóides. (Klein, 1946, p. 3)
A esquizofrenia, declara Fairbairn, podería ser melhor compreendida se
maior referência se fizesse à histeria e aos fenômenos dissociativos. Esqui­
zofrenia significa uma mente cindida em fragmentos e Fairbairn postulou,
portanto, uma posição esquizóide que é anterior à posição depressiva de
Klein — e fundamental a esta. Ela explicava e determinava a patologia fu­
tura da personalidade, e Fairbairn prosseguiu descrevendo uma categoriza-
ção sistemática de condições, com base em cisões que ocorrem dentro do
ego e do objeto. Klein entendeu o que ele queria dizer — e compreendeu
que a esquizofrenia se referia à experiência de uma mente em fragmentos.

R.D.Hinshelwooá / 171
Como, deve ter se perguntado, pode ela vir a experienciar-se como se
achando em fragmentos? Descobriu que havia ficado impressionada e, ao
mesmo tempo, também determinada a incorporar isso em um arcabouço
apropriadamente kleiniano. Deu-se conta de que ainda não havia presta­
do atenção suficiente aos primeiros meses de vida, por haver situado o de-
sencadeamento da posição depressiva no segundo trimestre do primeiro
ano de vida.
Klein havia, em certo sentido, superado os ataques feitos às suas opi­
niões no início da década de 1940 [ver DEBATES SOBRE AS CONTRO­
VÉRSIAS], com o resultado havendo sido um empate, insatisfatório mas
estável. Não havia razão para esperar que outros analistas fora de seu gru­
po emparelhassem com as opiniões dela, de maneira que Klein simplesmen­
te seguiu em frente, pelo retorno a seu antigo interesse na psicose. Anterior­
mente, haviam sido as crianças e os estados de pensamento inibidos e frag­
mentados delas (Klein, 1930, 1931). Ela sempre enfatizara o medo paranói-
de que inibia o desenvolvimento do pensamento e da simbolização, de
maneira que, sem abandonar a importância da posição depressiva, concor­
dou com Fairbairn que o início desta dependia da elaboração anterior e
adequada de outro tipo de ansiedade que não o depressivo. Concordou
também que isto concernia aos mecanismos esquizóides e tinha lugar de
relevo no mecanismo da cisão. Em consequência, reconheceu a contribui­
ção de Fairbairn combinando a expressão dele, "posição esquizóide", com
o seu próprio termo "posição paranóide", para produzir a expressão corre­
ta mas um tanto desajeitada, ou seja, "posição esquizoparanóide",

CARACTERÍSTICAS DA POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE. Havia um cer­


to número de aspectos que Klein descreveu clinicamente:

(1) Fragmentação e a puísão de morte. Klein pôde aceitar a crítica de Fair­


bairn porque ela havia dado com uma idéia elegante: a experiência de es­
tar em pedaços poderia ter algo a ver com o funcionamento da pulsão de
morte dentro do ego. Portanto, podia procurar mais provas clínicas da
puísão de morte na análise do mais perturbado de todos os pacientes, o
esquizofrênico desintegrado. Ela investigou, portanto, a hipótese com a
ajuda de seus próprios discípulos que estavam tratando esquizofrênicos
[ver GRUPO KLEINIANO; PSICOSE].

(2) O ego arcaico. O ego, em princípio, alterna entre estados de integração e


desintegração: "(...) falta, em grande parte, coesão ao ego arcaico, e uma
tendência no sentido da integração se alterna com outra para a desintegra­
ção, para o despedaçamento" (Klein, 1946, p. 4). Isto foi posteriormente
descrito por Bick (1968), a partir da observação direta de bebês em sua
primeira semana de vida [ver IDENTIFICAÇÃO ADESIVA]. Enquanto
que a análise clássica enfoca o ego como um órgão que busca a descarga

172 / Dicionário âo Pensamento Kleiniano


das tensões pulsionais em alguma forma de satisfação e pode ser objetiva­
mente descrito nos termos de sua estrutura e função, Klein via o ego de
maneira diferente: como a função que tem de experienciar-se a si mesmo.
Ela descreveu isto, de modo característico, nos termos das fantasias que
o ego tem de lutar com ansiedades experienciadas no curso de suas rela­
ções com objetos.
Desde cedo os estados de perseguição e paranóia em crianças pequenas
foram encarados como sendo de importância suprema no progresso relati­
vamente suave (ou não) do desenvolvimento. Searl (1932), uma das cole­
gas mais chegadas a Klein nessa época, descreveu como tais estados men­
tais poderíam formar um "(...) impulso a formações arcaicas e avançadas
de ego, na criança precoce, por exemplo, as quais empobrecem a vida libi-
dinal exatamente por se acharem a serviço de uma redução do sentimen­
to e das sensações de tensão" (Searl, 1932, p. 346). Ela descreveu o fenô­
meno de uma criança que se livrou de seus estados de sentimento, "(...)
tornando-se quieto e duro" (p. 334), o que pressagiava as descrições que
Klein deu em 1946 e Bick em 1968.

(3) A ansiedade. A luta do ego destina-se a manter a sua própria integrida­


de em face de suas penosas experiências de objetos que ameaçam com ani-
quiíação. Klein começou, portanto, pela experiência do ego cindido, a an­
siedade de ser cindido em fragmentos. Ela modificou significativamete a
visão que Freud tinha do desvio da pulsão de morte como sendo o pri­
meiro ato do ego. Embora continuasse a prestar-lhe homenagem da boca
para fora, indicou que uma projeção satisfatória da pulsão de morte só é
alcançada por um ego que já se formou a partir de um objeto interno bom
e seguro e é por este ajudado. Dessa maneira, o desvio da pulsão de mor­
te não é o evento primário que traz à existência o ego, mas pode, ao invés,
ser um processo continuado de desvio e cisão que acontece repetidas vezes
ou, em verdade, pode às vezes fracassar.
Anteriormente, Klein seguira a idéia hipotética de Freud, de um desvio
primário da pulsão de morte, com uma cisão do id [ver 7. SUPEREGO],
Isto lhe permitiu abandonar a psicanálise clássica ao mesmo tempo em
que se mantinha aderida a Freud, uma manobra habilidosa. Fizera isto pe­
lo oferecimento de provas clínicas para a pulsão de morte. A descrição
da posição esquizoparanóide fornece mais provas da pulsão de morte, por
preencher os detalhes dos primeiros momentos do ego. A ansiedade arcai­
ca é "(...) um medo da aniquilação (morte) e assume a forma de um me­
do de perseguição (...) experienciado como temor de um objeto domina­
dor incontrolável (...) a ansiedade de ser destruído desde dentro" (Klein,
1946, p. 4-5).
A experiência da própria mente em fragmentos, argumentou ela, tem
algo a ver com a ação da pulsão de morte dentro do mundo interno. Po­
de ter a ver também com um certo grau de fracasso no desvio primário

R.D.Hinshelwood / 173
da pulsão de morte para fora. Ela veio a dizer que esta é uma ansiedade
primária subjacente a todas as outras ansiedades, que ela é, de fato, aque­
la mesma que é evocada pela ação da pulsão de morte: um objeto inter­
no está prestes a aniquilar o ego [ver 8. SITUAÇÕES ARCAICAS DE AN­
SIEDADE].
Isto difere de suas descrições anteriores da situação arcaica de ansieda­
de, quando entusiasticamente assumira a idéia de Freud e utilizara seu pró­
prio material clínico para preencher a idéia dele; então {em 1927), conside­
rara a ansiedade como derivada das incursões feitas ao corpo da mãe, em
fantasia, e da temida retaliação na mesma moeda por parte da mãe ou
dos conteúdos danificados desta. Este é um dos conteúdos específicos da
ansiedade, ligados aos impulsos genitais, e, naquela época, reconhecida
por Klein como fazendo parte do complexo de Edipo ortodoxo. Em 1932,
Klein adotara a descrição hipotética, por Freud, no desvio da pulsão de
morte para fora, e a temida reintrojeção de um perseguidor interno. Foi
em sua descrição da posição esquizoparanóide, em 1946, que ela a preen­
cheu com a experiência da pulsão de morte, em termos de fantasias de ob­
jetos que ameaçam de morte desde dentro, que possuem qualidades sádi­
cas pré-genitais, assim como edipianas.

(4) A ausência de ansiedade. Com freqüência o paciente esquizóide ou esqui­


zofrênico, atolado em maior ou menor grau na posição esquizoparanóide,
parece sentir pouca ou nenhuma ansiedade, cu sentimentos de qualquer
espécie. Klein (1946) demonstrou que isto não quer dizer que não exista
nenhuma, mas apenas que o método de lidar com a ansiedade é extrema­
do, equivalendo a dizer que ela foi projetada alhures, deixando o sujeito
aparentemente sem afetos e emocionalmente esvaziado. Isto foi confirma­
do pelas observações de Segai (1956), que mostraram como a depressão
no esquizofrênico com muita freqüência não estava realmente neste, mas,
invariavelmente, terminava no analista {Klein, 1960). Compreender este
estado em que faltam afetos e, em verdade, aspectos similarmente faltan-
tes da transferência, foi uma influência importante sobre a técnica kleinia-
na com pacientes adultos psicóticos e fronteiriços [ver 1. TÉCNICA] e tam­
bém sobre a teoria da psicodinâmica dos grupos, especialmente os grandes
[ver SISTEMAS SOCIAIS DE DEFESA],

Domínio da ansiedade persecutôria: A posição esquizoparanóide é a luta


para alcançar e manter um desvio satisfatório da pulsão de morte, a fim
de ter-se a confiança de que não se vai fragmentar. O que Klein descreveu
foram vários estados do ego em que a preocupação dominante é se o ego
se acha em pedaços ou não. Ela sugeriu que o ego ativamente se cinde:

(...) alguns processos ativos de cisão dentro do ego [podem] ocorrer


em estágio muito inicial, [conduzindo à] (...) ansiedade primária de ser

174 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano


aniquilado por uma força destrutiva situada dentro, com a reação espe­
cífica do ego de despedaçar-se ou cindir-se. (Klein, 1946, p. 5)
O próprio suicídio pode representar a ação da pulsão de morte, na qual
o ego se ataca. Ele é também uma defesa contra os objetos internos maus
e o seíf mau, pela destruição deles mediante a destruição da totalidade do ego.
Mais tarde, Bion (1957) demonstrou este processo ativo de cisão em
material clínico tirado de casos de esquizofrênicos; em particular, mostrou
a destruição ativa de seu aparelho perceptual, por este apresentar-lhes o
seu próprio sofrimento, que não podem tolerar (o mensageiro que porta
más notícias é morto) [ver PSICOSE; PENSAR; LIGAÇÃO]. O conceito
de Rosenfeld de narcisismo negativo, que descreveu clinicamente como sen­
do a manifestação de um objeto que lida com a morte dentro de alguém,
como se fosse uma quadrilha da Máfia, mostra uma ameaça ativa semelhan­
te, a processar-se internamente (Rosenfeld, 1971) [ver NARCISISMO; PER­
VERSÃO].

(5) A primeira introjeção. Antes de 1946, Klein seguira Freud ao encarar o


primeiro ato do ego como sendo uma projeção; a pulsão de morte é proje­
tada para fora, seguida pelo risco de introjetar-se um perseguidor atormen-
tante e assustador. Em 1946, porém, ela descreveu as primeiras introjeções
de modo diferente: elas são muito mais primitivas. Com base na importân­
cia atribuída ao objeto interno bom, que ela elaborara na posição depressi­
va, descreveu a introjeção do objeto amado e bom como uma atividade
primária destinada a criar um objeto interno bom que vem a formar o fo­
co do ego frágil, e em torno do qual este se pode integrar:
O primeiro objeto interno bom age como um ponto focal no ego. Ele
neutraliza o processo de cisão e de dispersão, contribui para a coesão
e a integração e é instrumental na construção do ego. (Klein, 1946, p. 6)
O objeto bom integrador: Estados alternantes de integração e desintegra­
ção acham-se ligados com o aparecimento e o desaparecimento do objeto
externo bom. Estados de frustração desenvolvem-se com a perda do obje­
to bom introjetado e são aliviados apenas quando se apresenta ao bebê
um objeto externo bom, para introjeção continuada. O objeto de que o
bebê necessita de início é um objeto que possa sustentar ou conter as suas
experiências [ver CONTER; RÊVERIE]. Bick (1968) foi ainda mais categó­
rica ao dizer que o primeiro ato do ego é uma introjeção, a introjeção de
um objeto que proporciona a capacidade de manter as coisas juntas inter­
namente, a fim de dar o senso primário de self [ver PELE].
Introjeção onipotente na posição esquizoparanôiâe: É importante distin­
guir entre a introjeção do objeto bom na posição esquizoparanóide que
vem a ser um cerne do ego, unindo-o — e a introjeção do objeto bom na
posição depressiva, objeto que o ego ama e com quem se preocupa em re~

R.D.Hinshelwood / 175
lação com ele. A diferença se dá pela qualidade da introjeção. Quando es­
ta se faz acompanhar, na fantasia, por um certo grau de onipotência (Ro-
senfeld, 1964), há um dissolvimento da fronteira entre o ego e o objeto in­
terno, que é possuído pelo primeiro como simplesmente uma parte do self.
A posição depressiva assinala o esvaecimento desta dissolução narcísica e
onipotente das fronteiras do ego, e os objetos são mais realisticamente ex-
perienciados como totais em si próprios [ver NARCISISMO].
Com freqüêncía o ego fica grandemente enfraquecido pela cisão e inca­
paz de satisfatoriamente introjetar e identificar-se, resultanto isso em obje­
tos internos não assimilados [ver ASSIMILAÇÃO]; além disso, fantasias
onipotentes de incorporação podem envolver uma agressão considerável
e resultarem na perda de algum objeto não danificado dentro de alguém
[ver VORACIDADE]. Em verdade, a introjeção pode ser grandemente pre­
judicada nesta posição, devido ao medo de introduzir-se objetos bons em
um mundo interno catastroficamente destrutivo.

OS MECANISMOS DE DEFESA NA POSIÇÃO ESQUÍZOPARANÔIDE.


A crítica de Fairbairn fora de que Klein depositara ênfase demasiada na
depressão e também seguira Abraham no interesse deste por mecanismos
obsessivos e estados maníaco-depressivos. Havendo assumido no início
de sua obra (década de 1920) que as defesas específicas contra o sadismo
e a ansiedade paranóide eram obsessivas, ela começou a dar-se conta de
que existia toda uma classe de mecanismos primitivos de defesa, de nature­
za bastante diferente [ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA].
Ainda em 1940 ela havia estado tentando encontrar lugar para os mecanis­
mos obsessivos em seu esquema da posição depressiva. A partir daí, pare­
ce abandonar inteiramente a importância deles e, em anos posteriores, os
kleinianos vieram a considerar a neurose obsessiva como uma manifesta­
ção particular e posterior de algumas das defesas maníacas de domínio e
controle.
Fundamental a toda a posição esquizoparanóide é o mecanismo da ci­
são [ver CISÃO], mas Klein estava particularmente interessada na proje­
ção e na introjeção em relação à cisão:

As arremetidas fantasiadas à mãe seguem duas linhas principais: uma


é o impulso predominantemente oral de sugar até deixar seco, morder,
esvaziar e despojar o corpo da mãe dos seus conteúdos bons. A outra
linha de ataque deriva dos impulsos anais e uretrais e implica expelir
substâncias perigosas (excrementos) para fora do self e para dentro da
mãe. (Klein, 1946, p. 8)

Trata-se dos mecanismos de introjeção e projeção expressos em termos de


experiências de fantasia.

176 / Dicionário âo Pensamento Kleiniano


Identificação projetiva: O interesse dominante de Klein era pela expulsão
violenta de excrementos. Em associação com estas projeções violentas, a
cisão do ego resulta na expulsão associada de partes más e repudiadas do setf:
Junto com estes excrementos prejudiciais, expelidos com ódio, partes
escindidas do ego são também projetadas sobre a mãe, ou, como eu pre­
feria dizer, para dentro da mãe. Esses excrementos e essas partes más
do self destinam-se não apenas a ferir, mas também a controlar e a to­
mar posse do objeto. Na medida em que a mãe vem a conter as partes
más do self, ela não é sentida como um indivíduo separado, mas co­
mo o self mau (...) Isto conduz a uma forma particular de identificação
que estabelece o protótipo de uma relação agressiva. (Klein, 1946, p. 8)
A frase "Sugiro para estes processos a denominação de 'identificação proje­
tiva'" foi acrescentada ao texto neste ponto, em 1952. A intenção desta
forma de projeção é variada, mas invariavelmente envolve o controle vio­
lento do objeto; seus resultados são sintomas psicóticos graves e o senso
profundo de um ego esvaziado ou debilitado, produzindo a despersonaliza-
ção [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].
Esta agressão prototípica é complicada, de vez que "(...) se este proces­
so projetivo é levado a cabo de modo excessivo, partes boas da personali­
dade são sentidas como perdidas" (Klein, 1946, p. 9), e, especialmente se
as partes boas do self são perdidas, dá-se "(...) um enfraquecimento e em­
pobrecimento do ego". E este o dilema particular da personalidade esqui-
zóide, para quem o amor esvazia, por causa do emprego invariável da iden­
tificação projetiva.
As expulsões visam a um objeto, e o projétil composto de um objeto in­
terno mais uma parte do setf é inserido de modo violento diretamente den­
tro do objeto externo. Klein enfatizou a interioridade do objeto e isto se
vinculava ao seu interesse prévio na situação arcaica de ansiedade, que
abrange a invasão do corpo da mãe, em fantasias de controle agressivo,
roubo e dano [ver 6. FASE DA FEMINILIDADE].
O ego é dessa maneira cindido e dispersado, não apenas dentro de seu
próprio mundo interno, mas também para o mundo externo. Neste, obje­
tos dos quais subseqüentemente se acredita, em fantasia, conterem a par­
te do ego que foi expelida assemelham-se agora ao ego. O ódio com que
o objeto é desta maneira atacado faz o ego sentir que as suas partes estão
em perigo e isto realça os seus estados de ansiedade. Em resultado desta
fragmentação do ego, ele se sente como sendo o mais fraco. Embora estes
processos ocorram na fantasia, a convicção com que são sustentados e a
falta de recursos que o bebê tem para de alguma maneira testar a realida­
de de si próprio e dos outros resultam em o ego ser realmente afetado pe­
la fantasia, como se ela houvesse acontecido — nos termos de Freud, uma
"alteração do ego" (Freud, 1940) [ver ONIPOTÊNCIA]. Dessa maneira, a
dispersão na fantasia vem a ser com efeito uma realidade, uma realidade

R.D.Hímhelwood / 1 7 7
emocionai ou psíquica. O ego fica enfraquecido pela perda de suas partes.
Isto pode tomar as introjeções mais difíceis de serem manejadas e elas po­
dem parecer dominar completamente um ego agora enfraquecido dentro
de seu próprio mundo interno, e ele pode sentir-se como sendo meramen­
te uma concha para um objeto estranho dentro de si, de maneira que se
sente esmagado e "compulsivamente subordinado" até mesmo ao objeto
interno bom. Há muitos processos nestas descrições que claramente se asse­
melham aos estados extravagantes de identidade que são sofridos pelo pa­
ciente esquizofrênico [ver PSICOSE].

DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES. Nas últimas quatro décadas, tem


havido uma operosidade de vulto para manter o termo "identificação pro­
jetiva" vivo e pleno de significado. Embora Klein imaginasse e descreves­
se a ansiedade persecutória como sendo a marca distintiva da posição es-
quizoparanóide, a identificação projetiva veio a quase assumir esse papel.
Ela é particularmente importante, por abranger os estados estranhos de
confusão de identidade e despersonalização que são encontrados em condi­
ções psicóticas ou fronteiriças. As experiências extravagantes dos esquizo­
frênicos — não apenas a sua desintegração, mas também a externalízação
de partes de suas próprias mentes em alucinações e idéias referenciais —
são abrangíveis pela expressão "identificação projetiva". Ela já foi descri­
ta em um número crescente de situações, inclusive na alegação não irrazoá-
vel de ser o mecanismo subjacente à capacidade de empatia (colocar-se
no lugar de alguém). Dessa maneira, a história do pensamento kleiniano,
a partir de meados da década de 50, mais ou menos, tem sido, em gran­
de parte, o desenvolvimento do conceito da identificação projetiva [ver
13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA] e, em menor grau, do conceito de in­
veja [ver 12. INVEJA].
Outras form as de identificação: Na década de 1970, com base em observa­
ções minuciosamente detalhadas da integração mãe-bebê, a partir do nasci­
mento, desenvolveu-se o conceito de adesão ou identificação adesiva (Bick,
1986; Meltzer, 1975) [ver IDENTIFICAÇÃO ADESIVA].
Bleger, um kleiniano sul-americano, descreveu {Bleger, 1971) uma posi­
ção que é anterior às posições esquizoparanóide e depressiva (ver Amati
[1987] para o único relato em inglês, atualmente, das concepções de Ble­
ger), mas que sobrevive como núcleos (núcleos aglutinados). Eles são aglu­
tinados pelo fato de afetos e impulsos conflitantes serem indiferenciados e,
portanto, não conflitivos. Esses núcleos aglutinados podem ser deposita­
dos no mundo externo — não dentro de um objeto, de vez que não exis­
te objeto apropriadamente distinguido, embora pareça existir um mundo
fora do self. Este depósito não é inteiramente uma identificação projetiva,
por não haver objeto no qual projetar e com o qual se identificar. Poderia
assemelhar-se ao vazamento no espaço vazio descrito por Bick (1968), e a
idéia de sentimentos indiferenciados parece-se com as descrições feitas por

178 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Rosenfeld da confusão da libido com os impulsos destrutivos, na inveja
primária.

REAÇÕES Â TEORIA DA POSIÇÃO ESQUIZOPARANÕIDE. A maioria


dos críticos de Klein havia deixado de segui-la à época em que ela desen­
volveu a idéia da posição depressiva, de maneira que, quando passou des­
ta para a descrição da posição esquizoparanóide, poucos fora de seu pró­
prio grupo achavam-se em posição de comentá-la. Fairbaim, contudo, que
dera início à discussão ulterior da primeira posição, fornece comparação.
Fairbairn consistentemente afirmara que a posição depressiva era uma ex­
tensão lógica da seqüência de pensamento de Freud, mas que desviava a
atenção de forma equivocada. A organização oral da estrutura do supere-
go mascarava e era uma defesa contra a posição anterior, caracterizada
pela cisão.
Fairbairn diferia de Klein em sua visão de que os processos introjetivos
são utilizados unicamente na defesa e, portanto, disse ele, apenas o obje­
to "mau" ê internalizado. Enfatizava também a importância do destino,
nas mãos da cisão, do objeto mau, internamente. Isto difere radicalmente
de Klein, que achava que o desenvolvimento do ego constituía um proces­
so que dependia inteiramente de ciclos de projeção-introjeção, tanto do
objeto "bom" quanto do "mau".
Fairbairn atribuía os problemas dos processos arcaicos de cisão a um
ambiente inclemente e evitava completamente a visão de Klein do confli­
to inato e, portanto, primariamente interno com as pulsões. Isto levou
Klein a depositar muito mais ênfase na fantasia, direção em que Fairbairn
não a acompanhou.
Alguns membros do grupo kleiniano não seguiram os desenvolvimentos
teóricos dela e se afastaram. Winnicott, por exemplo, embora aceitasse a
importância da posição depressiva (1945), produziu do período inicial uma
visão completamente diferente, que revertia à idéia clássica de um perío­
do de auto-erotismo em que não existe distinção entre self e objeto. Cha­
mou isto de onipotência infantil primária e qualquer intrusão ambiental
dela cria uma profunda perturbção do self.
A outra grande defecção do campo kleiniano foi Paula Heimann, que,
em meados da década de 1950, separou-se de Klein de uma maneira que
pode ter se assemelhado à da própria filha de Klein, Melitta Schmideberg,
cerca de duas décadas antes. Heimann nunca empregou a idéia da identifi­
cação projetiva e parece ter tido uma visão muito diferente das divisões
do ego, baseada em suas próprias idéias de objetos assimilados e não-assi-
milados (indicadas em Heimann, 1955).
Identificação projetiva: Em anos recentes, tem havido um considerável in­
teresse pela identificação projetiva fora do Grupo Kleiniano, o que, como
se podería esperar, deu conseqüentemente origem a um amplo grau de va-

R.D.Hinshehuood / 179
riação conceptual e simples confusão. Uma tentativa de desemaranhá-la é
efetuada alhures, neste dicionário [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].

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180 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


INVEJA
DEFINIÇÃO. De seu trabalho com a análise de esquizofrênicos, Klein e seus co­
laboradores descreveram uma forma precisa de inveja. Trata-se de um ata­
que destrutivo às fontes da vida, ao objeto bom , não ao mau, e deve ser
distinguida da ambivalência e da frustração. Ela é considerada como de
origem inata, parte que é da dotação pulsional, e exige o mecanismo da
cisão como defesa arcaica a operar no começo.

CRONOLOGIA
1952 Descrições clínicas por Rosenfeld (Rosenfeld, Herbert, 1952, "Notes
on the psycho-analysis of the superego conflict in an acute schizop-
hrenic").
1952 Exposição teórica por Klein (Klein, Melanie, 1957, Envy and Gr atitude) >
1971 Inveja e estrutura do ego (Rosenfeld, Herbert, 1971, "A clinicai ap-
proach to the psycho-analiticy theory of the life and death instíncts:
an investigation into the aggressive aspects of narcissism").

termo "inveja" possui uma longa história na psicanálise, mas o seu


O significado tem variado. Freud introduziu o conceito com a "inveja
do pênis", como sendo o problema específico na evolução psicológica das
mulheres. Desde então, contudo, muitos analistas e outros autores desafia­
ram as descrições feitas por Freud da psicologia feminina [ver 6. FASE
DA FEMINILIDADE].
Inveja oral: Klein (1929) reconheceu suas origens em estados muito iniciais
do desenvolvimento, tanto em meninos quanto em meninas, e descreveu-a
na fase oral: "A inveja oral é uma das forças motivadoras que fazem crian­
ças de ambos os sexos quererem introduzir-se no corpo da mãe e desper­
tam o desejo pelo conhecimento a isso aliado" (Klein, 1932, p. 131).
Com a nova capacidade técnica para compreender a transferência dos
esquizofrênicos que surgiu do emprego dos conceitos da "posição esquizo-
paranóide" e da "identificação projetiva", a atenção voltou-se perseverante­
mente para o material invejoso. Em pacientes desse tipo, a fantasia de m-

R.D.Hinshelwood / 181
gressar em um objeto "bom" e estragâ-lo e a seus conteúdos é muito preva-
lecente. Esta fantasia constitui expressão primária de uma pulsão: a pulsão
de morte. Enquanto que, anteriormente, imaginava-se que a pulsão de
morte fosse desviada para fora, para um objeto, talvez arbitrariamente es­
colhido como objeto "mau", com intenções contra o sujeito, Klein descre­
veu um deslocamento diferente dos impulsos da pulsão de morte. Estes
eram agora vistos como dirigidos no sentido do objeto "bom", de manei­
ra que impulsos "bons" e "maus" e objetos "bons" e "maus" parecem cón-
fundir-se. Este estado, de que o bebê inevitavelmente padece, tem de ser
imediatamente tratado, ainda que os esforços se transformem em uma lu­
ta de vida inteira para discriminar entre o que é bom e mau na própria
pessoa e no mundo externo que a cerca.

INVEJA PRIMÁRIA. Ao começar-se a analisar pacientes esquizofrênicos adul­


tos (final da década de 30 e década de 40), pareceu que os problemas e as
transferências encontradas eram resquícios dos estágios mais iniciais da ati­
vidade psíquica, os primeiríssimos momentos da vida. Klein sempre aceita­
ra as descrições hipotéticas de Freud a respeito do desvio da pulsão de
morte quando do nascimento, mas o grupo de analistas com ela associa­
do na década de 1940 descobriu-se confrontado por uma propensão apa­
rentemente inata ao conflito e à confusão, na qual o objeto bom é ataca­
do em função da sua bondade. Este fenômeno repetia~se cada vez mais,
pelas maneiras mais primitivas, nas transferências de esquizofrênicos crô­
nicos adultos (Rosenfeld, 1947, 1952; Segai, 1950) [ver PSICOSE).
As características da inveja primária: Klein achava-se descrevendo uma
entidade com características específicas que a distinguiam de estados men­
tais correlacionados de frustração ou rivalidade:
(í) a fantasia é inata;
(ii) o ataque é feito ao objeto "bom" por causa de sua bondade;
(iii) conseqüentemente, a percepção de estar separado do objeto bom que
desperta a inveja é intolerável.
Esta constelação de aspectos conduz a dois outros:
(iv) existe uma necessidade fundamental e imediata de manter separados
os objetos "bons" e os objetos "maus", e, igualmente, os impulsos bons e
maus do bebê. Esta é uma forma de cisão "normal", que fracassa nos dis­
túrbios esquizofrênicos.,
(v) a intolerância da separação dependente conduz a uma tendência no sen­
tido de uma confusão (fusão) com o objeto "bom", processo (identificação
projetiva) que põe em relevo as características da posição esquizoparanói-
de: a dificuldade de alcançar um senso de realidade e uma estrutura de
personalidade narcísica potencial.

182 / Dicionário âo Pensamento Kkiniano


Inveja e frustração: É importante distinguir esta fantasia de atacar, ingres­
sar em e estragar o objeto bom por ser bom de outras formas de ataque e
ódio. Não se trata do ódio sentido por um objeto frustrante que retém o
que possui, nem tampouco da violência de sentimentos para com um rival
que ocupou o objeto bom para si próprio.

Precursores. Abraham (1919) já escrevera clinicamente a respeito de pacien­


tes exasperantes que não conseguem reagir aos esforços e habilidades do
analista e obstinadamente permanecem sem auxílio, e Klein originalmente
encarara a inveja, teoricamente, como manifestação do sadismo oral (Klein,
1929). Riviere (1932), em uma descrição do ciúme, descrevera: "(..*) a in­
veja e a espoliação do objeto", sem distingui-los claramente do ciúme.
Horney (1936) começara a descrever a inveja, com certo pormenor, como
implicada na reação terapêutica negativa [ver REAÇÃO TERAPÊUTICA
NEGATIVA].

O conceito já circulava dentro do Grupo Kleíniano por algum tempo,


antes de surgir o trabalho sobre Inveja e gratidão [Envy and gratitudej
(1957). Em 1952, Rosenfeld começou a explorar a idéia, e descreveu um
detalhado material clínico que demonstrava a inveja primeva em um pacien­
te esquizofrênico:
Ele disse então: — O mundo é redondo — e continuou, de modo claro
e deliberado: — Odeio-o porque me faz sentir queimado por dentro.
— E mais adiante acrescentou, como para explicar isto ainda mais: —
Amarelo — inveja, — Interpretei-lhe que o mundo redondo representa­
va a mim, sentido como um seio bom, e que ele odiava o meu eu exter­
no por despertar a sua inveja, porque esta fazia-o sentir que queria ma­
tar-me e queimar-me dentro de si próprio. Dessa maneira, não podia
manter-me bom e vivo ele próprio, e sentia que tinha a mim, mau e
queimado, dentro de si. (Rosenfeld, 1952, p. 92)
Em 1952, Klein, comentando a voracidade, alegou:
Meu trabalho analítico demonstrou-me que a inveja (alternando-se com
sentimentos de amor e gratificação) dirige-se primeiro no sentido do
seio que alimenta. A esta inveja primária, acrescenta-se o ciúme, quan­
do surge a situação edipiana, (Klein, 1952a, p, 79)
Ela reconheceu também que a inveja, embora típica das fases mais iniciais
(as sádico-orais), é, sem embargo, responsável por formas de projeção pa­
ra dentro de objetos, e descreveu
(...) as maneiras pelas quais as perseguições internas influenciam, por
meio da projeção, a relação com objetos externos. A intensidade da in­
veja e do ódio dela [Erna] demonstrava inequivocamente a sua deriva­
ção da relação sádico-oral com o seio da mãe. (Klein, 1955a, p. 135)

R.D.Hinshelwood / 183
Em outro trabalho desse mesmo ano, descreveu a inveja como sendo um
dos motores fundamentais das fantasias agressivas: "(...) essas emoções
premem Fabian a apoderar-se das posses de outras pessoas, tanto materiais
quanto espirituais; elas o impelem, de modo irresistível, no sentido do que
descreví como sendo identificações projetivas" (Klein, 1955b, p. 154). Ela
concedeu à inveja considerável importância, como fator que promove a
identificação projetiva [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA],

A pulsão de morte. A inveja constituiu um acréscimo tardio ao arcabouço


teórico de Klein. Derivou do trabalho começado com o artigo sobre a po­
sição esquizoparanóide (1946) e de seus esforços por levar a sério a pulsão
de morte e o que ela significava. Tomara de Freud (1926) a idéia do desvio
da pulsão de morte como suporte de sua nova teoria do superego, e a du­
reza do superego na criança muito jovem constituía prova clínica da pul­
são de morte a manifestar-se como uma consciência sádica (Klein, 1933)
[ver 7. SUPEREGO]. A introjeção do objeto bom, que sistematicamente
proporciona satisfações básicas das pulsões libidinais, torna-se o cerne esta­
bilizador do ego, que se integra por receber o objeto bom em seu âmago
e por desviar a pulsão de morte, que é experienciada como um persegui­
dor [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE], Estava claro para Klein
— e ela o comunicou de modo vivido —■que muita coisa pode sair erra­
da nesse processo. Diversas formas de desequilíbrio nos sistemas de proje­
ções e introjeções podem deixar atrás de si, na personalidade, propensões
desastrosas a tombar na fragmentação e na psicose, mais tarde na vida
(Klein, 1946).
O conceito de inveja foi projetado para explicar a razão pela qual al­
guns bebês devessem ser assediados por problemas de integração. A res­
posta, descobriu Klein, residia na confusão inata que o bebê não consegue
deslindar. A inveja é a tendência a estabelecer relações hostis com o obje­
to bom, não com o perseguidor mau e temido. Aquele que satisfaz os im­
pulsos libidinais vem a ser atacado, como se por engano, mas, na realida­
de, por ser bom.

Fusão das pulsões: Recentemente, Segai (1987) passou em revista a rela­


ção existente entre a inveja e a pulsão de morte [ver PULSÃO DE MOR­
TE]. Desde o nascimento essa pulsão se manifesta sob variadas formas, in­
clusive uma projeção (nos termos originais de Freud, um "desvio") dela,
de maneira que um objeto externo ameaça o self, um elemento de destruti-
vidade que permanece dentro e se volta no sentido do objeto externo ame­
açador, e outro elemento que internamente ameaça e destrói o self que per­
cebe ou as percepções dos objetos.
Embora a inveja e a pulsão de morte sejam ambos ataques às pulsões
de vida e aos objetos desses impulsos, no estado de inveja a pulsão de
morte se encontra fundida com as pulsões de vida. Então, a destrutivida-
de se dirige para um objeto que excita uma necessidade e, portanto, amor.

184 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Ele é odiado por sua capacidade de excitar, mas é também a satisfação
da necessidade que é excitada. A inveja, dessa maneira, envolve tanto as
pulsões de vida (o reconhecimento das necessidades e a premência no sen­
tido do objeto) quanto a pulsão de morte {ataques ao objeto e à capacida­
de de percebê-lo).
A fusão na inveja persistente, dominada pela pulsão de morte, contras­
ta com as formas mais normais e saudáveis de integração, que são domina­
das pelas pulsões de vida. No último caso, as premências libidinais alcan­
çam sucesso em estabelecer relações objetais amorosas [ver AMOR] e con­
tinuar com a evolução através das fases libidinais [ver LIBIDO].
A inveja é uma das formas de fusão sob a dominância da pulsão de
morte, mas existem outras, como o masoquismo e outras perversões [ver
PERVERSÕES; NARCISISMO NEGATIVO; ORGANIZAÇÕES PATOLÓ­
GICAS].

A luta pelo objeto bom : Klein, com base na tendência a atacar o objeto
bom, estabeleceu como sendo o primeiro e necessário ato do ego uma dis­
criminação entre estados mentais bons e maus e objetos bons e maus. Es­
ta é uma forma de cisão que parece ser saudável, quer dizer, sem ódio de­
masiado. Quando ódio demais acha-se presente, esta forma de cisão é per­
turbada e permanecem confusões entre os impulsos e objetos bons e maus.
Se o bebê não consegue resguardar do ataque o objeto bom, ele não
pode introjetá-lo apropriadamente, de modo seguro e sem danos. Não po­
de desenredá-lo dos objetos maus de que precisa fugir e, assim, começará
com a incapacidade básica de colocar suas próprias experiências na for­
ma mais primitiva. No desenvolvimento normal, uma forma de cisão nor­
mal separa o objeto bom do mau, de maneira que o processo de integra­
ção do ego baseado em um objeto bom amado e protegido pode prosse­
guir. Os elementos da inveja, o ataque a pessoas com vantagens e qualida­
des especiais simplesmente por causa de sua bondade, podem ser gradual­
mente modulados até chegarem ao ciúme e, por fim, a um estado mais ho­
nesto de competição.

Inveja e ansiedade persecutória. A inveja conduz a diversas ansiedades para-


nóides, através dos característicos círculos viciosos que Klein desde cedo
descrevera em sua obra [ver PARANÓIA):
(i) Introjeção forçada: Em resultado do forçar invejoso (projeção) do self
para dentro do objeto, a fim de ocupá-lo e estragá-lo, podem existir igual­
mente fantasias temerosas de uma entrada retaliatória no bebê para estra-
gá-lo, uma vez que este último tenha atingido o estágio de percepção de
objetos separados não onipotentemente possuídos e controlados. Em verda­
de, esta temível introjeção retaliatória forçada constitui uma inibição ao
reconhecimento emergente da qualidade da separação.

R.DMinshelwood / 185
(ti) Voracidade: A inveja é uma fantasia de entrada forçada (por métodos
projetivos) no objeto bom , e de destrutivos ataques a ele, apenas por cau­
sa de sua bondade. Quando a inveja é forte, pode haver uma fantasia igual­
mente onipotente de agressão introjetiva, uma absorção com violência da-
nificante, de maneira que o objeto é estragado através de uma forma vio­
lenta de posse e controle. O estado interno, então, permanece sem nutri­
ção, com uma fome continuamente insatisfeita. A voracidade pode resul­
tar em uma acumulação de objetos danificados dentro de si, cada um de­
les provocando maior demanda e fome por um objeto bom que seja absor­
vido para aliviar o estado interno em piora contínua.

Gratidão e gratificação. Klein opôs à inveja o senso de gratidão. A gratidão


é o sentimento específico por um objeto que constitui uma fonte de gratifi­
cação, Segundo a visão de Freud, as pulsôes exigem a gratificação por
um objeto; esse objeto permanece sendo meramente um adendo incidental
à gratificação, enquanto não entrava a satisfação. Gratidão não é o mes­
mo que satisfação e fruição, mas origina-se delas:
Se a fruição não perturbada de ser alimentado é experiendada com fre-
qüência, a introjeção do seio bom ocorre com relativa segurança. Uma
gratificação plena ao seio significa que o bebê sente ter recebido de seu
objeto amado um presente exclusivo, que deseja guardar. É esta a base
da gratidão. (Klein, 1957, p. 188)
Klein via o objeto como pelo menos tão importante quanto o impulso;
em verdade, achava que o objeto era inerente ao impulso [ver FANTASIA
INCONSCIENTE]. Em resultado disso, o objeto é experienciado, na opi­
nião dela, de modo inteiramente diferente. Este senso de um objeto dispo­
nível e livremente dado desperta carinho, consideração e gratidão pelo pró­
prio objeto, como parte da pulsão de vida [ver AMOR]. A inveja se diri­
ge contra o objeto que proporciona gratificação, sendo assim inteiramen­
te diferente do ataque ao objeto que frustra.
Este senso específico de gratidão para com o objeto caracteriza a teoria
das relações objetais, sendo um senso de amor e apreciação que se torna
espeçialmente agudo na posição depressiva, no relacionamento com um
objeto total [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA; AMOR],

Defesas contra a inveja. Os mecanismos de defesa contra a inveja foram des­


critos especificamente por Klein e incluíram aqueles encontrados nas des­
crições da posição esquizoparanóide: onipotência, negação, cisão e ideali­
zação. Eles são sutis: "Dá-se amiúde uma mistura da expressão concreta
da inveja e das defesas contra esta. Não é sempre possível dizer se algo é
um ataque invejoso ou uma defesa" (Joseph, 1986, p. 18). Ela descreve
um certo número de outras que são específicas da inveja: (i) uma das mais
importantes é a confusão: "Por ficar-se confuso quanto a um substituto

186 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


da figura original ser bom ou mau, tanto a perseguição quanto a culpa a
respeito de estragar e atacar o objeto primário através da inveja é, até cer­
to ponto, neutralizada" (Klein, 1957, p. 216); (ii) "a fuga da m ãe para ou­
tras pessoas, que são admiradas e idealizadas a fim de evitar-se sentimen­
tos hostis para com aquele objeto muito importante e invejado, o seio"
(Klein, 1957, p. 217); (iii) desvalorização d o objeto: "O objeto que foi des­
valorizado não precisa mais ser invejado" (Klein, 1957, p. 217)1; (iv) desva­
lorização do self: "(...) sempre que existe perigo de rivalidade com uma fi­
gura importante (...) {pela] desvalorização de seus próprios dons eles ao
mesmo tempo negam a inveja e se punem por ela" (Klein, 1957, p. 218);
(v) intem alização voraz do seio, de maneira que "(...) na mente do bebê,
ele se torna inteiramente possessão sua e é por ele controlado, e [o bebê]
sente que todo bem que lhe atribui tornar-se-á seu próprio" (Klein, 1957,
p. 218); (vi) a inveja p od e ser projetada: "Método freqüente de defesa é
despertar em outros inveja por nosso próprio sucesso, posses e boa sorte,
por esse meio invertendo a situação" (Klein, 1957, p. 218); (vii) a sufoca­
ção dos sentimentos de am or e a correspondente intensificação do ódio
"(..,) [são] menos penosas do que suportar a culpa que surge da combina­
ção de amor, ódio e inveja. Isto pode não se expressar como ódio, mas
assumir a aparência de indiferença" (Klein, 1957, p. 219); (viii) finalmen­
te, há uma defesa que opera especificamente para evitar a reunião de uma
cisão que até aí havia mantido a inveja afastada. Esta defesa foi original­
mente descrita por Rosenfeld (1952) e é uma "(...) atuação {acting outj uti­
lizada para evitar a integração" (Klein, 1957, p. 219); ver também Rosen­
feld, 1955). Um tanto mais tarde, Segai (1962) descreveu com detalhes (ix)
a excisão da inveja, que resulta no esvaziamento do ego: na realidade, a
identificação projetiva.

DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES. No debate subseqüente da teoria


de Klein, a inveja ficou em segundo lugar com relação à identificação pro­
jetiva, mas, apesar disso, foi consideravelmente ampliada, ainda que, vir­
tualmente, nenhum comentário externo ao Grupo Kleiniano tenha sido
de importância. O artigo de Joffe (1969) tratou apenas do trabalho da pró­
pria Klein e ignorou os desenvolvimentos posteriores.
Confusão entre self e objeto: Um dos efeitos mais primitivos e imediatos
da confusão de impulsos no sentido do objeto "bom" é a dissolução das
fronteiras entre o objeto separado e o self. A fantasia da inveja envolve a
entrada no objeto e a sua posse, para fins de dano (identificação projeti­
va). A onipotência envolvida nesta fantasia destrói a qualidade separada
do objeto e o sofrimento de invejá-lo. Rosenfeld (1965) descreveu esta con­
fusão onipotente de self e objeto em várias formas de distúrbios graves.
À medida que a destruição, na fantasia, do relacionamento com um ob­
jeto “bom" externo prossegue, surge um estado narcxsico onipotente, que

R.D.Hinshelmood / 187
se pode prolongar como estrutura narcísica da personalidade (Rosenfeld,
1987) [yer NARCISISMO; ESTRUTURA].
Rosenfeld (1965) considerou a confusão nas relações objetais por oca­
sião do nascimento como uma dotação inerente. Um potencial especialmen­
te herdado para confundir as noções pulsionais desta maneira pode bem
conformar-se às provas, reunidas de fontes psiquiátricas, da existência de
um fator genético na esquizofrenia [ver FATOR CONSTITUCIONAL].
A inveja é, assim, um dos diversos fatores que Klein encarava como
constitucionais, isto não significa que a inveja seja imodificável, ainda que
tal critica tenha sido dirigida contra o conceito. Ela é constatável no esqui­
zofrênico, onde, em verdade, não foi modificada, mas, no curso normal
da evolução, o bebê humano em verdade a modifica o suficiente para po­
der receber nutrição e desenvolver uma psique que evolua normalmente.
É apenas nos distúrbios mentais graves, onde a modificação fracassou, e
em alguns estados escindidos que ela permanece primitivamente ativa.
Inveja e narcisismo: Klein pouco diz em seu artigo (1957) sobre a estrutu­
ra e os sistemas de fantasia do narcisismo. Acentua os detalhes de observa­
ção das defesas e disto fica claro estar ela descrevendo uma elaboração
da posição esquizoparanóide. Como esta se relaciona com o estado do ego,
trata-se de uma posição narcísica (em verdade, Segai [1983] chamou-a de
"posição narcísica"):

Encontrar o objeto torna-se uma experiência fundamentalmente frustran­


te apenas se o sujeito quer ser o objeto, ao invés de tê-lo (...) a intole­
rância das relações objetais implica inveja e toda teoria que defina as
relações objetais como frustrantes introduz a inveja nessa teoria de ma­
neira furtiva. (Etchegoyen et a l , 1987, p. 54-5).
A inveja constitui um ataque as relações objetais per se, a fim de preser­
var a onipotência e a auto-idealização [ver NARCISISMO], não simples-
mene um ataque ao objeto por causa de seu comportamento frustrante. "A
inveja e o narcisismo acham-se estreitamente vinculados, como os dois la­
dos da mesma moeda" (Etchegoyen et a l , 1987).
Narcisismo negativo: Em 1971, Rosenfeld descreveu com detalhes conside­
ráveis provas clínicas da pulsão de morte a atuar internamente, dentro
das relações objetais internas [ver NARCISISMO], Descreveu ele um obje­
to interno, bastante semelhante a uma gangue da Máfia, que dominava e
intimidava as partes melhores da personalidade e idealizava a agressão e
a destruição. Encontrou.este tipo de objeto interno (estrutura) em pacien­
tes fronteiriços. Localizou uma vida de fantasia concernente a um confli­
to interno, no qual a pulsão de morte permanece sendo uma força poten­
te que idealiza as partes mas do self, os impulsos delas, e os objetos maus.
Estes estados escindidos de fenômenos semelhantes aos psicóticos foram
ampliados por Sidney Klein (1980), que descreveu fenômenos autistas até

188 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


mesmo em pacientes neuróticos e remontou~os a objetos internos que eram
sentidos como sobrevivendo num estado murado, como se fossem cober­
tos por uma carapaça [ver ESTRUTURA]. Esta organização psicótica inter­
na foi novamente descrita por Steiner (1982), que mostrou a qualidade per­
versa dos relacionamentos internos.
Em abordagem correlata, Joseph (1971, 1975) descreveu manifestações
clínicas da pulsão de morte sob a forma de perversões, ou, de modo mais
preciso, sob a forrqa de uma perversão de caráter (em contraste com as
perversões sexuais), na qual os aspectos destrutivos são tortuosamente es­
condidos, amiúde sob a dificuldade de aspectos bons do self e de boas
relações objetais. A qualidade perversa permeia a transferência e é extre­
mamente importante nos pacientes gravemente perturbados.

CRÍTICAS À INVEJA KLEINIANA. As críticas gerais feitas à pulsão de mor­


te são aplicáveis ao conceito de "inveja" [ver 3. AGRESSÃO]. A queixa
de que os kíeinianos fracassaram em responder a essas críticas — "(,..) seu
fracasso em reagir às críticas desses conceitos revela sua incapacidade de
fazê-lo ou, então, seu dogmatismo" (Kernberg, 1980, p. 41) — não é real­
mente verdadeira. Provas clínicas surgem da observação de crianças (Klein,
1952b; Bick, 1964, 1968, 1986) e também em evidências psicanalíticas (no­
tavelmente Riviere, 1936; Meltzer, 1963, 1973; Rosenfeld, 1971, 1987), es­
pecialmente com referência à reação terapêutica negativa [ver REAÇAO
TERAPÊUTICA NEGATIVA].
A tentação — que freqüentemente se permitem analistas inexperientes
— de atribuir todas as reações incômodas a uma reação terapêutica negati­
va invejosa não é válida, como Kernberg (1969) e Greenson (1974) mor­
dazmente apontaram. O primeiro (1980, p. 49) comentou com acidez a
transferência perversa que surge diretamente em consequência da técnica
kleiniana. Em resposta, Rosenfeld (1987) tentou fornecer pormenorizados
dados clínicos para distinguir as reações negativas que surgem de interpre­
tações ou técnica deficiente daquelas que se originam de um súbito golpe
invejoso.
Joffe (1969) fez um estudo meticuloso da inveja, descrevendo o concei­
to a partir de um ponto de vista clínico. Demonstrou ele que a idéia da in­
veja constitucional já fora apresentada em 1921 (Eisíer, 1921, que reconhe­
ceu seu importante vínculo com Abraham, 1919), mas mostrou-se irredutí­
vel ao fato de que, em seu próprio arcabouço, o conceito é insustentável.
Repudiou as concepções de Klein com base em que "a inveja implica rela­
ções objetais e deve vir após a fase primária do narcisismo". Ela não é pri­
mária, sendo, em verdade, um complexo de afetos, antes que um impul­
so unitário inerente ao id: "Embora certos elementos do id sejam compo­
nentes necessários da inveja, a qualidade específica desta reside na contri­
buição do ego" (1969, p. 540), e o ego não surge até ser ultrapassado o es­
tágio narcísico (à idade de dois anos, segundo o palpite dele). Distinguiu

R.D.Rinshelwooá / 189
Joffe quatro componentes do ego: (i) a capacidade de distinguir entre self
e objeto; <ii) uma certa capacidade de fantasias; (iii) a capacidade de distin­
guir entre uma realização fantasiada de desejo e uma gratificação alucinató-
ria (isto e, entre a realidade interna e o mundo externo), e (iv) a existência
de uma qualidade de sentimento duradoura: "Talvez devéssemos falar de
uma organização de inveja' de tipo permanente ou semipermanente" (p, 540).
Não e inteiramente correto dizer que Joffe criticou o conceito kleinia-
no. Ele o tomou de modo equivocado, presumindo-o relacionado à frustra­
ção de noções pulsionais, de vez que diz que o que é invejado é "(...) o
seio que alimenta (...) visto desde o nascimento como deliberadamente re­
tendo gratificação, em seu próprio benefício" (p. 538). Em verdade, a inve­
ja e o estrago de algo bom por causa de sua bondade e não por frustrar
pela retenção dessa bondade; na analise, com freqüência, porque o analis­
ta não reteve consigo sua interpretação, mas forneceu-a realmente ao pa­
ciente. E esta idéia de uma confusão de sentimentos maus para com um
objeto bom que escapou a Joffe.
Ele demonstrou de modo definitivo que o conceito kleiniano de inveja
não e compatível com o arcabouço de conceitos da psicologia do ego, mas
não lhe montou uma crítica a partir de uma posição que fornecesse uma
perspectiva dele, de maneira que o conceito torna-se meramente uma esco­
lha entre dois arcabouços integrais. Em verdade, desde por volta de 1946
a teoria kleiniana afastou-se tanto da psicologia do ego que é difícil para
aqueles que pertencem a um dos campos apreender os importantes aspec­
tos e matizes do arcabouço conceptual do outro e, portanto, distinguir com
exatidão os pontos dos quais surgiram divergências. Conseqüentemente,
o diálogo ütil entre os dois tendeu a extinguir~se.
Para os situados fora do Grupo Kleiniano, o conceito de "inveja" apoiou
a opinião de que a psicanálise kleiniana é profundamente pessimista. Por
ser constitucional a inveja, presumiu-se que fosse imutável, e isto conduz
a tentativas de reduzi-la a conceitos mais compatíveis. Terem os seres hu­
manos a agressão e a destrutividade aleatória tão fundamentaímente inseri­
das em nossa natureza constitui uma compreensão sombria, a que ninguém
dá boas-vindas. Em verdade, pode existir alguma verdade na opinião de
que Klein era pessimista a respeito deste trabalho:
Tanto ela quanto eu viemos a reconhecer a importância de sua inveja
destrutiva para comigo e, como sempre acontece quando chegamos a
estes estratos profundos, parecia que quaisquer que fossem os impulsos
destrutivos que lá existissem eles eram sentidos como onipotentes e,
portanto, irrevogáveis e irremediáveis. (Klein, 1957, p. 207)
Aqueles que se achavam em posição de fazer críticas mais bem informa­
das do conceito kleiniano de "inveja" — notavelmente Heimann e Winni-
cott ja se haviam afastado do pensamento de Klein em considerável
grau, apos a introdução da teoria da posição esquizoparanóide. Heimann

190 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


nunca utilizou o conceito de identificação projetiva ou as idéias de cisão,
tal como eram descritas na posição esquizoparanóide, e não deixou qual­
quer versão publicada da opinião que tinha da "inveja". Winnicott, haven­
do aceito a importância da posição depressiva e do amor pelo objeto bom,
divergiu da ênfase dada por Klein à destrutividade na posição esquizopara­
nóide, empregou o conceito de identificação projetiva apenas raras vezes
e parece ter discordado ardentemente do conceito de "inveja", tal como
Klein o descreveu. Não existe relato publicado de suas críticas, mas pare­
ce que a inveja inata, para ele, tornava dispensável a importância do rqeio
ambiente e da ligação única entre mãe e bebê (relatado em Grosskurth,
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192 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


13
IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA
DEFINIÇÃO. A identificação projetiva foi definida por Klein, em 1946, como
sendo o protótipo do relacionamento objetai agressivo, representando um
ataque anal a um objeto por forçar partes do ego neste, a fim de apoderar-
se de seus conteúdos ou controlá-lo, ocorrendo na posição esquizoparanói-
de, a partir do nascimento. Trata-se de uma "fantasia distanciada da cons­
ciência", que traz consigo uma crença de que certos aspectos do self acham-
se situados alhures, com um conseqüente esvaziamento e senso enfraqueci­
do do self e da identidade, chegando ao ponto da despersonalização. Sen­
timentos profundos de estar perdido ou um senso de aprisionamento po­
dem dela resultar.
Sem uma introjeção concomitante por parte do objeto em que se proje­
ta, tentativas cada vez mais forçadas de intrusão resultam em formas extre­
madas de identificação projetiva. Estes processos excessivos conduzem a
distorções graves de identidade e às experiências perturbadas do esquizofrênico.
Em 1957, Klein sugeriu que a inveja achava-se profundamente implica­
da na identificação projetiva, que então representa o ingresso forçado em
outra pessoa, a fim de destruir suas melhores qualidades. Pouco depois,
Bion (1959) fez distinção entre uma forma normal de identificação projeti­
va e outra patológica e outros autores elaboraram este grupo de "muitos
processos distintos mas, ainda assim, relacionados". A compreensão maior
da identificação projetiva tem sido a área de maior importância subseqüen-
temente desenvolvida pelos kleinianos.

CRONOLOGIA
1946 Descrição clássica por Klein (Klein, Melanie, 1946, "Notes on some
schizoid mechanisms").
1957 Ampliações pós-kleinianas do conceito, tais como conter, etc. (Segai,
Hanna, 1957, "Notes on symbol formation"; Bion, Wiífred, 1957,
"Differentiation of the psychotic from the nonpsychotic personali-
ties"; Bion, Wilfred, 1959, "Attacks on linking"; Bion, Wilfred, 1962b,
Leaming from experience).

R.D.Hinshelwood / 193
esde cedo Klein descreveu partes do self e seus impulsos como locali­
D zadas no mundo externo: "Gerard propôs que o mandássemos [a um
tigre de brinquedo] para o quarto ao lado, para executar os desejos agres­
sivos dele para com o pai (...) Esta parte primitiva de sua personalidade
estava, neste caso, representada pelo tigre" (Klein, 1927, p. 172). Entretan­
to, somente em 1946 é que o conceito foi inteiramente descrito e situado
em seu arcabouço teórico [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDEJ.
Neste ponto, Klein estava descrevendo a patologia grave no desenvolvi­
mento do ego do esquizofrênico.
Quando ela republicou seu artigo de 1946 em D evelopments in psycho-
analysis, de 1952, efetuou um acréscimo para sugerir o termo "identifica­
ção projetiva como nome para esse processo. Desde então o conceito de
identificação projetiva" tem vindo cada vez mais para o centro do palco
da psicanálise kíeiniana. Os desenvolvimentos principais que se deram
após o falecimento de Klein em 1960 foram na compreensão da importân­
cia do grande alcance do conceito. Suas origens e arcabouço são debati­
dos alhures (ver 11.* POSIÇÃO ESQUÍZOPARANÓIDE; PROJEÇÃO].
O presente verbete descreverá os problemas na definição do termo, os prin­
cipais desenvolvimentos ocorridos no emprego do conceito (com referência
a debates mais amplos sob determinados verbetes gerais) e alguns dos
usos não-kleinianos e críticas do conceito.

PROJEÇÃO E IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA. Por causa da longa história


de seu emprego em psicanálise, a expressão "projeção" veio a ser confundi­
da com "identificação projetiva". A distinção entre os dois termos é com
frequência um grande mistério para muitos que abordam o tópico pela pri­
meira vez. A verdade é que, historicamente, ambas as expressões foram
usadas por maneiras que parcialmente se sobrepõem para abranger fenô­
menos que não são inteiramente distinguidos [ver PROJEÇÃO].
O uso inicial que Freud fez do termo "projeção" referia-se a "(...) um
abuso do mecanismo de projeção para fins de defesa" (Freud, 1895, p.
209) e descreveu ele como as idéias de determinada pessoa podem ser atri­
buídas a alguém mais, criando assim um estado de paranóia. Conceito
muito semelhante aparece em Rosenfeld (1947), quando descreve a proje­
ção dos impülsos sexuais de uma paciente:

Toda a sua ansiedade girava em torno de se ela podia controlar os dese­


jos e argumentos dele. Repetia-me alguns de seus argumentos [dele] e
estava claro que Denis representava os próprios desejos sexuais vorazes
dela, com os quais tinha dificuldade em lidar e que, portanto, projeta­
va sobre ele. (Rosenfeld, 1947, p. 18)

Nesse meio tempo, outros significados de "projeção" vieram para o primei­


ro plano.
194 / Dicionário do Pensamento Kleiniano
Abraham : Em 1924, Abraham formalizou uma visão dos estados mania-
co-depressivos, cuja base eram provas clínicas detalhadas de ciclos de pro­
jeção seguidos por introjeção recuperatíva dos objetos. A eliminação anal
de objetos (tipicamente fezes e o que elas representam) tornou-se um aspec­
to importante da visão em desenvolvimento das relações objetais, especial-
mente na Grã-Bretanha, de vez que muitos analistas de Londres haviam
estado em Berlim, para sua própria análise com Abraham {James e Ed-
ward Glover, Alix Strachey, e a própria Klein veio para Londres após o
falecimento de Abraham). Daí, à medida que a compreensão pormenoriza­
da das relações objetais florescia durante as décadas de 20 e 30, ter-se esta­
belecido a visão que Abraham tinha da projeção, qual seja, a projeção p a­
ra o mundo externo de um objeto interno,

Projeção do superego: Klein contribuiu consideravelmente para isto duran­


te sua importante consideração da natureza do brincar e do simbolismo
[ver 1. TÉCNICA; FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS], A externalização para
o mundo externo foi inicialmente envolta em termos da externalização do
superego ou partes dele, de vez que, por essa época, o mundo psicanalíti-
co achava-se preocupado em assimilar a nova teoria de Freud (1923) do
superego [ver 7. SUPEREGO], e Klein exemplificava com George (seis
anos de idade): "Três partes principais achavam-se representadas em seus
jogos: a do id e as do superego, em seus aspectos persecutório e de ajuda".
(Klein, 1929, p. 201)

Self ou objeto: Neste estágio, Klein achava-se inconfortavelmente tentan­


do casar a idéia de Abraham de objetos expelidos desde dentro com a teo­
ria de Freud do superego (o único objeto interno que Freud reconhecia).
Seu material clínico, contudo, não era muito arrumado: "{...) por assim
atirá-los [alguns brinquedos] para fora do quarto, estava ele indicando
uma expulsão tanto do objeto danificado quanto de seu próprio sadismo"
(Klein, 1930b, p, 226). Dessa maneira, tanto o. objeto quanto uma parte
do self (seu próprio sadismo) estavam sendo projetados.
Até 1946, a ênfase do trabalho de Klein incidiu sobre o destino do obje­
to, algo grandemente realçado, em 1935, pela teoria da posição depressi­
va [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA], O destino das partes do self acha­
va-se menos em evidência no pensamento de Klein até Fairbairn apontar
isso. Ela concentrou-se então na fragmentação do ego nos processos esqui-
zóides e no destino projetivo desses fragmentos [ver 11. POSIÇÃO ES-
QU1ZOPARANÓIDE]. Eles podiam ser vistos como identificados com ob­
jetos externos mediante um processo de projeção de algum tipo, a que ela
deu o nome de "identificação projetiva". Escolheu esta expressão porque,
durante algum tempo, houvera um prolongado debate entre os kleinianos
e outros analistas a respeito da relação existente entre a introjeção e a for­
ma de identificação baseada na incorporação [ver ASSIMILAÇÃO]. A iden-

R.D.Hinshehvood / 195
tificação projetiva parecia oferecer a possibilidade de um significado simé­
trico, mas suas ramificações não tornaram real essa esperança.
Neste ponto, podería ser tentador considerar-se utilizar o termo “proje­
ção" no sentido de Abraham, qual seja, o de projetar objetos, e “identifica­
ção projetiva" no sentido de Klein, de projetar partes do self. Mais uma
vez, porém, uma solução tão límpida não se sustenta.
Em primeiro lugar, como a citação mencionada (Klein, 1930b, p. 226)
torna claro, partes do ego (self) são projetadas com o objeto interno. Isto
é enfatizado na definição que Klein fornece da identificação projetiva: “Jun­
to com esses excrementos daninhos, expelidos com ódio, partes escindidas
do ego são também projetadas" (Klein, 1946, p. 8). Além disso, nas idéias
posteriores sobre identificação projetiva, a projeção de um objeto capaz
de conter uma projeção é um pré-requisito para projetar-se parte do self
no objeto externo [ver PELE].
Em segundo, a maneira pela qual objetos e o ego são psicologicam ente
construídos contribui para a dificuldade.

A construção do ego e dos objetos: O desenvolvimento do ego dá-se, em


grande parte, mediante a introjeçao de objetos, no que vem a ser uma inte­
gração, mais ou menos estável, de objetos introjetados assimilados dentro
do ego e sentidos como pertencentes a ele, que é em grande parte estrutu­
rado por eles. Ao mesmo tempo, os objetos externos são construídos me­
diante projeções, no mundo externo, de objetos derivados pardalmente
da fantasia inconsciente e, em parte, de experiências anteriores de objetos.
Estes objetos no mundo externo são assim construídos, em parte, a partir
de aspectos inerentes do ego (fantasia inconsciente), juntamente com carac­
terísticas reais dos objetos presentes e passados. Este amálgama, quando
introjetado, pode então ser assimilado como parte do ego [ver ASSIMILA­
ÇÃO] ou permanencer sendo um objeto interno aparentemente separado
do ego ou até mesmo estranho a ele.
Dessa maneira, tanto o ego quanto os seus objetos são construídos a
partir de graus variados de mistura e integração do self e do mundo exter­
no. As experiências de quando são partes do self ou de quando são separa­
dos como objetos internamente — ou externamente — são muito fluidas
e variam no tempo, exigindo uma constante análise do processo das rela­
ções objetais internas e externas.
O resultado final é de que não existe distinção clara entre projeção e
identificação projetiva:

Não acho que seja útil distinguir entre projeção e identificação projeti­
va. O que Klein fez, em minha opinião, foi adicionar profundidade e
significado ao conceito de Freud de projeção, ao enfatizar que não se
pode projetar impulsos sem projetar parte do ego, o que envolve cisão,
e, ademais, que os impulsos não desaparecem simplesmente quando pro­
196 / Dicionário do Pensamento Kleiniano
jetados, mas penetram num objeto e distorcem a percepção deste últi­
mo, (Spillius, 1983, p. 322)
Contudo, Freud ocasionalmente referiu-se a este aspecto mais profundo
da projeção. Ao escrever sobre o brincar das crianças, em uma referência
que indubitavelmente influenciou Klein no início do seu trabalho, descre­
veu a maneira pela qual as crianças tentam elaborar experiências traumáti­
cas: "À medida que a criança supera a passividade do brinquedo, ela entre­
ga a experiência desãgradável a um de seus companheiros de jogo e, des­
ta maneira, vinga-se em um substituto"(Freud, 1920, p. 17). Híe está de­
monstrando como uma experiência do sujeito é transferida, para tornar-
se a experiência de um objeto (em substituição).

Identificação projetiva e a contratransferência: A reivindicação de proprie­


dade que os kleinianos fazem a respeito do termo "identificação projeti­
va" contrasta com a extrema dificuldade de tornar claro como reconhecê-
la quando se a encontra: "A descrição destes processos padece de uma gran­
de desvantagem, pois essas fantasias surgem em uma ocasião em que o be­
bê ainda não começou a pensar em palavras" (Klein, 1946). Joseph, por
exemplo, em um certo número de trabalhos (1975, 1981, 1982), adotou
um modo de descrição que depende de indicar o processo no material clí­
nico, em oposição à tentativa de derivar uma definição: nenhuma tentati­
va de definir a cor vermelha a uma pessoa que nunca a viu antes substitui­
rá a ação de apontar-lhe algum objeto vermelho. Descreveu Joseph a ma­
neira pela qual um paciente pode usar o analista e a excitação que lhe dá
alcançar êxito nesse uso. Não se trata do uso do analista para representar
algo — uma figura parental, etc. — mas um uso para fugir a um vínculo
engajado com o analista, em que o paciente corre o risco de experiências
penosas e de uma desestabilização de sua estrutura de personalidade.
Após relatar um intercâmbio em certo material clínico, Joseph comentou:

Acho provável que tenha cometido um erro técnico ao interpretar a fan­


tasia da vaca de modo demasiado integral, ou, antes, prematuramente,
em termos do corpo da mãe, e que isso incentivou inconscientemente
meu paciente a sentir que ele estava realmente alcançando sucesso em
arrastar-me para o seu excitante mundo de fantasia e, dessa maneira,
incentivou-o a proliferar suas fantasias. (Joseph, 1975, p. 215-6)

A analista foi momentaneamente apanhada com a guarda baixa e sugada


a desempenhar~se como analista, algo que o paciente imediatamente frui
como uma dominação sobre o analista, por poder sentir que este desempe­
nha-se de acordo com o controle do paciente. Lapsos desse tipo no analis­
ta, que o levam a pôr-se nas fantasias do paciente, podem bem ser engen­
drados pelo paciente que conhece bem seu analista. O problema é definir
o que está acontecendo no analista quando, tal como no paciente, não es­

R.D.Hinshehvooá / 197
tá acontecendo em palavras, A experiência subjetiva do analista é difícil
de apreender:

A experiência da contratransferência parece-me possuir uma qualidade


inteiramente distinta, que deveria capacitar o analista a diferenciar a
ocasião em que é objeto de uma identificação projetiva daquela em que
não o e. O analista sente estar sendo manipulado de maneira a estar
desempenhando um papel, pouco importa quão difícil de reconhecer,
na fantasia de outra pessoa — ou o faria não fosse pelo que, em reme-
moração, só posso chamar de perda temporária de insight, uma sensa­
ção de experienciar sentimentos intensos e, ao mesmo tempo, a crença
de que a existência destes é inteira e satisfatoriamente justificada pela
situação objetiva. Do ponto de vista do analista, a experiência consiste
em duas fases estreitamente relacionadas: na primeira há a sensação de
que, seja o que for que se tenha feito, certamente não se deu uma inter­
pretação correta; na segunda, existe a sensação de ser-se um tipo parti­
cular de pessoa, em uma situação emocional particular. Acredito que
a capacidade de livrar-se do entorpecedor sentimento de realidade que
e concomitante a este estado constitui o requisito primordial. (Bion
1961, p. 149)

Embora estivesse se referindo ao analista a trabalhar num grupo, Bion esta­


va tentando transmitir tanto a intensidade quanto o entorpecimento da
qualidade subjetiva de receber uma poderosa identificação projetiva. Ain­
da que a tentativa dele seja uma das melhores em descrever a identificação
projetiva, trata-se de uma qualidade subjetiva que é mais facilmente indica­
da do que definida.

IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA NORMAL E ANORMAL. Bion (1959,1962a,


b ) estabeleceu ser complexo o conceito e que ele pode ser categorizado
em identificação projetiva normal e anormal. A diferença depende do grau
de violência na execução do mecanismo. Existem dois objetivos alternati­
vos da identificação projetiva:

(i) um é evacuar de modo violento um estado mental penoso, conduzin­


do a um ingresso forçado em um objeto, na fantasia, para alcançar alívio
imediato, e, amiúde, com o objetivo de um controle intimidador do obje­
to [ver OBJETOS BIZARROS; PSICOSE], e

(ii) o outro é introduzir rio objeto um estado mental, como meio de comu­
nicar-se com ele a respeito desse estado [ver CONTER].

A diferença entre evacuação e comunicação é decisiva, ainda que, em qual­


quer caso determinado, possa haver uma mistura delas. Na prática, contu­
do, e importante distinguir estes dois m otivos.

198 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Onipotência e fusão: A evacuação e a comunicação acham-se ligadas com
diferentes funções defensivas e efeitos diferentes, na fantasia, sobre o obje­
to e o ego. O que caracteriza a forma patológica é a grande violência e
onipotência com que é executada:
Quando Melanie Klein fala de identificação projetiva "excessiva", acho
que a expressão "excessiva" deveria ser entendida como se aplicando
não apenas à freqüência com que a identificação projetiva é emprega­
da, mas ao excesso de crença na onipotência. (Bion, 1962a, p. 114)
O objeto deixa de ser independente (Rosenfeld, 1964b). Dá-se uma fusão
do self com o objeto e isto representa, entre outras coisas, uma defesa con­
tra a separação, a necessidade e a inveja [ver 12. INVEJAI.
A identificação projetiva com o comunicação: Ao elaborar a teoria kleinia-
na do desenvolvimento do ego através de repetidos ciclos de introjeção e
projeção, Bion levou-a mais além, pela identificação desses ciclos como
sendo de identificação projetiva e identificação introjetiva, Ele apresentou
seu modelo, sob forma amadurecida, em 1959:

Através de toda a análise o paciente valeu-se da identificação projetiva


com uma persistência a sugerir tratar-se de um mecanismo do qual ele
nunca fora suficientemente capaz de valer-se; a analise concedeu-lhe a
oportunidade para o exercício de um mecanismo do qual havia sido pri­
vado (...) houve sessões que me levaram a supor que o paciente sentia
haver algum objeto que lhe negava o uso da identificação projetiva (...)
o paciente sentia que partes de sua personalidade que desejava repousar
em mim tinham seu ingresso por mim recusado (...) Quando o pacien­
te esforçou-se por livrar-se dos temores de morte que eram sentidos co­
mo poderosos demais para que sua personalidade os contivesse, ele es-
cindiu seus medos e os colocou em mim, com a ideia aparentemente sen­
do que, se lhes fosse permitido repousar aí por tempo suficiente, eles
experimentariam modificação por parte de minha psique e poderiam en­
tão ser reintrojetados com segurança. Na ocasião que tenho em mente,
o paciente sentira (...) que eu os havia evacuado de modo tão rápido
que os sentimentos não haviam sido modificados, mas sim, se tornado
mais penosos (...) ele se esforçou por força-los para dentro de mim com
maior desespero e violência.' Seu comportamento, isolado do contexto
da análise, poderia ter parecido ser uma expressão de agressão primária.
Quanto mais violentas eram as suas fantasias de identificação projeti­
va, mais assustado ele se tornava comigo. Houve sessões em que um
comportamento desse tipo expressou agressão não provocada, mas ci­
to esta série porque ela mostra o paciente sob uma luz diferente, com
sua violência sendo uma reação ao que ele sentia ser minha defensivida-
de hostil (...) a situação analítica fez crescer-me na mente a sensação
de estar assistindo a uma cena extremamente arcaica. Senti que o pacien-
R.D.Hinshetwooá / 199
te fora testemunha, na primeira infância, de uma mãe que obediente­
mente reagia âs demonstrações emocionais do bebê. A reação submis-
sa tinha em si um elemento de impaciência: — Não sei o que há com
esta criança. Minha dedução foi que, a fim de entender o que a crian­
ça queria, a mãe deveria ter tratado o choro do bebê como sendo mais
que uma exigencia da presença dela. Do ponto de vista do bebê, ela de­
veria ter recebido em si, e, assim, experíenciado, o medo de que a crian­
ça estivesse morrendo. Era este medo que a criança não conseguia con­
ter. Ela esforçou-se por escindi-Io junto com a parte da personalidade
em que residia e projetá-lo para dentro da mãe. Uma mãe compreensi­
va é capaz de experienciar o sentimento de pavor com que este bebê es­
tava se esforçando por lidar através da identificação projetiva e, ainda
assim, manter uma aparência equilibrada. Este paciente tivera de lidar
com uma mãe que não podia tolerar a experiência de tais sentimentos
e reagia quer negando-lhes ingresso, quer, alternativamente, tornando-
se presa da ansiedade que resultava da introjeção dos sentimentos maus
do bebê (...) Para alguns, esta reconstrução pode parecer injustificada-
' men*-e fantasiosa; para mim, ela (...) é a resposta a quem quer que pos­
sa objetar que se coloca enfase demasiada na transferência, com a exclu­
são de uma elucidação apropriada das lembranças arcaicas (...) Portan-'
to, o elo entre paciente e analista, ou bebê e seio, é o mecanismo da iden­
tificação projetiva. (Bion, 1959, p. 103-4)
Se o analista mostrar-se fechado ou não reagir, "o resultado é uma identi­
ficação projetiva excessiva por parte do paciente e uma deterioração de
seus processos evolutivos" (p. 105).
No esquizofrênico,

(...) o distúrbio é dúplice. Por um lado, temos a disposição inata do


paciente a destrutividade, ao ódio e à inveja excessivas; por outro, o
meio ambiente, que, em seu pior, nega ao paciente o emprego dos meca­
nismos da cisão e da identificação projetiva, (p. 106)
Bion esta descrevendo aqui tanto os distúrbios herdados quanto os ambien­
tais da identificação projetiva normal.
A distinção entre psicótico e não-psicótico foi importante. Klein freqüen-
temente fora criticada por reivindicar que as crianças normalmente passa­
vam por um período de psicose em seu desenvolvimento (Waelder, 1937;
Bibring, 1947; Kernberg, 1969). Esta distinção claramente refutava tal críti­
ca e descrevia aspectos clínicos para demarcar (i) um uso de mecanismos
psicóticos no desenvolvimento normal" e (ii) o caráter psicótico de seu
emprego. As marcas distintivas do uso patológico, ãnormat, da identifica­
ção projetiva (algumas vezes mencionada como identificação projetiva "ma­
ciça" ou "excessiva") são:
(a) o grau de ódio e violência da cisão e da intrusão;

200 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


(b) a qualidade de controle onipotente e, portanto, de fusão com o objeto;
(c) a quantidade de ego que é perdida, e
(d) o objetivo específico de destruir a percepção especialmente da realida­
de interna. Em contraste, a identificação projetiva "normal tem o objeti­
vo da comunicação e da empatia, e desempenha seu papel na participação
na realidade social [ver EMPATIA].

AS FANTASIAS DE IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA. Klein estava ciente


do problema de encontrar uma denominação: "A descrição de tais proces­
sos primitivos padece de uma grande desvantagem, pois estas fantasias sur­
gem em uma época em que o bebê ainda não começou a pensar em pala­
vras" (Klein, 1946, p. Sn), e esta preocupação continua a ser ecoada: a iden­
tificação projetiva "{...) pode ter de vir a ser eventualmente mudada para
algo como Identificação intrusiva', se alguém pudesse encontrar uma pala­
vra para expressar uma função de fantasia tão afastada da consciência, ex­
ceto nos contos de fadas" (Meltzer, 1967, p. xi).
O problema foi definido por outras maneiras, talvez com mais provei­
to: "Identificação projetiva é um nome global para um certo número de
processos distintos mas, ainda assim, relacionados, ligados à cisão e à pro­
jeção" (0'Shaughnessy, 1975, p. 325). Rosenfeld (1983), após longa experi­
ência, acabou por dar início a um catálogo dos tipos de fantasias envolvi­
dos. Abrangia ele o seguinte:

(i) Identificaçãso projetiva para fins defensivos, tais como livrar o self de
partes indesejadas.
(a) Intrusão onipotente, levando à fusão ou confusão com o objeto.
(b) Fantasia concreta de viver passivamente dentro do objeto (parasitismo).
(c) Crença em uma unicidade de sentimento com o objeto (simbiose).
(d) Expulsão da tensão por alguém que, em criança, foi traumatizado
por intrusões violentas.
(íi) Identificação projetiva utilizada para comunicação.
(a) Método de chegar-se a um objeto que se acredita ser arredio.
(b) Inversão do relacionamento bebê/genitor.
(c) Identificação com similaridades no objeto, para fins narcisicos.
(iii) Identificação projetiva com o fim de reconhecer objetos e identificar-
se com eles (empatia).
Conseqüências da fantasia: As identificações projetivas, sendo uma função
de fantasia envolvida na construção da identidade do self e dos objetos,
têm conseqüências de vulto para as experiências do indivíduo. O desloca­
mento do self é experienciado por um certo número de maneiras:
(i) a cisão subjacente dá a sensação de estar em pedaços [ver CISÃO];

R.D.Hinshelwood / 201
(ii) a experiência de um ego esvaziado e enfraquecido leva a uma queixa
de hão se ter sentimentos nem impulsos, e a um senso de futilidade;
(iii) esta perda para o ego pode ser experienciada como um senso de hão
se ser uma pessoa, de modo algum (despersonalização);
(iv) a identificação com o objeto leva a uma confusão com alguém mais;
(v) o ego pode sentir que partes dele foram retiradas, aprisionadas e con­
troladas à força (claustrofobia);
(vi) a identificação pode resultar em um aferramento peculiarmente tenaz
ao objeto em que partes do self se acham localizadas;
(vii) surgem ansiedades a respeito de dano causado ao objeto, em resulta­
do da intrusão e controle;
(viii) podem existir ansiedades graves a respeito de retaliação por parte
do objeto, por causa da intrusão violenta;
(ix) o destino do objeto, na identificação projetiva patológica, è o destino
do setf perdido, que pode vir a ser sentido como estranho e perseguidor
(ver ESTRUTURA].

DESENVOLVIMENTOS POSTERIORES; 1952-87. A compreensão da identi­


ficação projetiva conduziu imediatamente a um entendimento muito maior
das experiencias do psicotico. Rosenfeld (1952) descreveu sessões detalha­
das com um paciente esquizofrênico, com muitas referências à fantasia des­
te de introduzir-se no analista. As idéias também foram utilizadas em aná­
lises de crianças (Rodrigué, 1955). De meados de 1950 para a frente, contu­
do, a identificação projetiva deu origem a enormes e radicais desenvolvi­
mentos na teoria psicanalítica kleiniana.
O raio de ação destas descobertas encobriu e até mesmo eclipsou ou­
tras investigações. A relativa negligência de certos problemas introjetivos
(a introjeção forçada, por exemplo) é bastante perceptível. Os principais
pontos de desenvolvimento serão considerados um por um:
(i) Psicose;
(ii) Ligação;
(iii) Pensamento;
(iv) Formação de símbolos;
(v) Continentes e mudança;
(vi) Contratransferêncía;
(vii) Identificação adesiva;
(viii) Estrutura, e

202 / Dicionário do Pensamento Kleimano


(ix) O continente social.
(i) Psicose [ver PSICOSE]: Klein interessou-se pela psicose quase por aci­
dente. A pressão que lhe era aplicada para justificar a técnica através do
brincar e a natureza do processo de simbolizaçao inerente à produção do
brincar levou-a a estudar crianças que não conseguiam brincar e eram ini­
bidas em suas capacidades de formar e utilizar símbolos. Dessa maneira,
ela topou com a psicose nas crianças e notou a freqüência dela (Klein,
1930a). Outros se interessaram de modo igual. Melitta Schmideberg, filha
de Klein, foi cedo influenciada e deixou sua própria marca (Schmideberg, 1931).
Entretanto, as novas idéias sobre cisão e identificação projetiva iam
muito além. Rosenfeld relatou pela primeira vez a análise de um esquizo­
frênico em 1947. A análise começara por volta de 1944-5, em um período
no qual Klein se achava, escrevendo seu próprio artigo sobre mecanismos
esquizóides (Klein, 1946) e Rosenfeld fazia analise com ela. Ele e Segai de­
monstraram na situação clínica os processos de cisão do ego, de maneira
a que diversas funções e conhecimentos não entrassem em contato uns com
os outros. Em um dos casos, saber quanto tempo levava para chegar à ca­
sa do analista não se achava ligado com o conhecimento da hora da ses­
são, de maneira que o paciente não podia pôr-se a caminho para ela a tem­
po de lá chegar pontualmente. Em outro caso (citado anteriormente), os
impulsos sexuais da paciente eram encontrados em um parceiro sexual e
lá controlados, ao invés de na própria paciente.
Em 1956, Segai descreveu a projeção da depressão de esquizofrênico
no analista, conduzindo ao característico desespero que acomete aqueles
a cargo do cuidado de esquizofrênicos. A partir de 1953, Bion começou a
estudar os esquizofrênicos a partir do ponto de vista de seu distúrbio de
pensamento. Demonstrou ele que o esquizofrênico cinde uma certa parte
do ego, o aparelho perceptual, coisa que dá origem a uma forma patológi­
ca de identificação projetiva em que as funções da percepção parecem, ao
esquizofrênico, ser desempenhadas pelos objetos externos que o rodeiam
[ver OBJETOS BIZARROS].
(ii) Ligação /ver LIGAR}: Bion ampliou a teoria da esquizofrenia de manei­
ra a se tornar uma teoria de ataques generalizados à conscientização, espe­
cialmente à conscientização da realidade interna. O rompimento de pensa­
mentos dentro da mente, tal como descrito por Rosenfeld e Segai, consti­
tui ataques ativos aos elos de ligação entre conteúdos mentais. Bion com­
parou isto à ligação edipiana: o ataque à ligação entre os conteúdos men­
tais é um ataque ao casal parental experienciado como objetos parciais. Is­
to, em sua forma mais básica, é a vinculação da boca com o seio, ou da
vagina com o pênis.
Bion conseguiu estabelecer uma teoria geral da ligação como uma teoria
da própria mente, na qual as funções mais elevadas do pensamento são
compostas por blocos emocionais de construir muito básicos, dos quais o

R.D.Hinshehoood / 203
cerne é o vínculo edipiano. Desta maneira, o pensamento acha-se basea­
do nas fantasias corporalmente experienciadas de sugar e de sexo [ver CO­
NHECIMENTO INATO]. Referiu-se a este vínculo por via de uma de
suas propriedades-chave, a de um elemento a ajustar-se dentro de outro,
como sendo o relacionamento continente-conteúdo. Ao enfocar o acasala­
mento dos dois objetos, um a entrar no outro, começou Bion a ampliar a
idéia da identificação projetiva para a de uma função bastante onipresen­
te [ver CONTER].
A partir dai, Bion realizou um tour-de-force teórico que o levou a um
exame de largo alcance de muitíssimos problemas nas esferas psicológicas,
filosóficas, religiosas e sociais [ver BION; FUNÇÃO-ALFA, CONTER].
Das principais, entre elas salientam-se suas teorias do pensar e do relacio­
namento continente-contido.

(Ui) Pensar [ver PENSAR]: Bion empregou a idéia de identificação projeti­


va normal como bloco de construir básico para a geração de pensamen­
tos a partir de experiências e percepções.
O trabalho de Klein havia considerado teorias do conhecimento, inclu­
sive a idéia do conhecimento inato, particularmente o conhecimento do
casal edipiano a acasalar-se [ver FIGURA COMBINADA DOS PAIS]. Exis­
te uma expectativa inerente de que a união de dois objetos produza um
terceiro que seja mais que a soma das duas partes. Na geração de pensa­
mentos a partir da experiência, uma pré-concepção inata, tal qual a expec­
tativa neural e anatômica da boca por um mamilo, encontra uma realiza­
ção (o mamilo real entra na boca), e o resultado disso é uma concepção.
As concepções resultam de conjunções satisfatórias em que uma pré-con-
cepção encontra uma realização adequada (Bion, 1959). As concepções fi­
cam então disponíveis para o pensamento.
Este e dos modelos do pensar que Bion propôs, mas ele foi além e pare­
ce sugerir, no total, três modelos de pensar (Spillius, 1988).
No segundo modelo, Bion considerou o estado de coisas quando uma
pre-concepção não encontra uma realização concreta. A pré-concepção tem,
então, de acasalar-se com uma frustração, efetuando-se um trabalho emo­
cional. A concepção que resulta quando uma pré-concepção se acasala com
uma frustração e um pensamento útil para com ele se pensar, de maneira
que uma ação racional para a busca de uma satisfação possa ser planeja­
da. O pensamento de nível mais elevado repete o modelo, por tomar con­
cepções como novas pré-concepções para acasalar-se com novas realiza­
ções; exemplificando, fatos" (realizações) geram uma teoria (concepção),
que pode então funcionar como nova pré-concepção para buscar "fatos"
(realizações) ulteriores, e criar uma teoria mais geral.
Em um terceiro modelo, a aquisição de significado constitui uma função
que Bion quis explorar com liberdade de todas as expectativas anteriores,
de modo semelhante à investigação de funções matemáticas. Dessa manei-

204 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


ra, encontrou um termo "neutro" — função-alfa [ver BION; FUNÇÃO-
ALFA] e permitiu-lhe*significar a separação dos elementos da percepção
em aqueles utilizáveis para pensar e sonhar (elementos-alfa) e em outros,
como a inconsciência [unconsciousnessJ e dados brutos não assimiláveis,
que denominou de elementos-beta [ver ELEMENTOS-BETA]. Esta função,
no primeiro caso, é desempenhada para o bebe por uma mãe que, em um
estado mental receptivo chamado rêverie, contém a experiência intolerá­
vel do bebê mediante o seu próprio uso da função-alfa, colocando-a em
ações ou palavras adequadas [ver RÊVERIE; CONTER]. Este modelo pos­
terior do conter e da função-alfa é o mais completo dos moddos:
Bion não fez tanto quanto poderia ter feito para vincular seus três mo­
delos. São certamente experiências repetidas de alternações mtre realiza­
ções positivas e negativas que incentivam o desenvolvimento dos pensa­
mentos e do pensar (Spillius, 1988, p. 156).
(iv) Form ação de sím bolos [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]: A visão
que Freud tinha da simbolização era relativamente pouco desenvolvida,
mas baseava-se na sublimação, e foi elaborada por Jones (1916) e outros
autores. Entretanto, eles não realizaram nenhum ataque real ao problema
complexo da modificação especial de um organismo biológico, desde um
mundo de gratificações físicas para o mundo simbólico da sociedade huma­
na/Klein não efetuou grandes avanços na compreensão da diferença exis­
tente entre esses dois mundos, mas de modo implícito apontou para a im­
portância do estudo ulterior do pensar e, em particular, da formação de
símbolos como realização exclusivamente humana. Como sua colega Searl
o diz: "Klein tornou abundantemente claro que o simbolismo desempenha
um papel muito importante, ao fornecer a ponte libidinal sobre a qual o
ego pode construir suas relações de familiaridade com o mundo material
(Searl, 1932, p. 330).
Contudo, recaiu sobre os seguidores de Klein a missão de desenvolver
uma teoria explícita da formação de símbolos, Eles apoiaram-se na descri­
ção que ela fez da identificação projetiva. Enquanto Bion examinava a di­
ferença existente entre identificação projetiva normal e patológica, Segai
descreveu uma diferença comparável que esclarecia a natureza da "equa­
ção simbólica", distinguindo-a dos símbolos propriamente ditos. Na equa­
ção sim bólica, "(...) não existia distinção entre o símbolo e a coisa simbo­
lizada (...) Não era simplesmente uma expressão simbólica de seu desejo
de trazer-me suas fezes, mas ele sentia que realmente as havia oferecido a
mim" (Segai, 1950, p. 104), Mais tarde (1957), ela sistematizou suas con­
cepções de modo mais claro e demonstrou que esta confusão entre o sím­
bolo e o objeto simbolizado é um resultado da identificação projetiva. Is­
to concorda com a variedade de identificação projetiva que e conduzida
com onipotência e violência que visam a remoção da separação [ver EQUA­
ÇÃO SIMBÓLICA],
R.D.Hinshelwood / 205
(v) Continentes e mudança (ver CONTER]: A teoria do continente-conti-
■<io é uma tentativa de elevar o conceito da identificação projetiva a uma
teoria geral do funcionamento humano: dos relacionamentos entre pesso­
as e entre grupos; dos relacionamentos com objetos internos, e dos relacio­
namentos, no mundo simbólico, entre pensamentos, idéias, teorias, experi­
ências, etc. O relacionamento continente-contído se dá entre dois elemen­
tos, um a conter o outro, com a produção, ou não, de um terceiro elemen­
to. Os atributos deste relacionamento são variados e foram amplamente
explorados por Bion (1970). O protótipo é a união sexual, uma parte con­
tida dentro de outra. Ele não se restringe, porém, à união sexual, mas, ti­
picamente, pode ser um casamento que contém a atividade sexual, e é tam­
bém um conter do significado, na linguagem.
Bion categorizou diversos tipos de relacionamento continente-contido
e utilizou, de modo um tanto confuso, dois conjuntos separados de catego­
rias, de maneira bastante indiscriminada:

(a) O primeiro conjunto consiste em relacionamentos que causam dano a


um ou outro dos elementos do relacionamento. O contido é tão vigoroso
que estoura o continente, ou, então, o continente é tão forte e inflexível
que constringe, (...) por compreensão ou desnudamento", o elemento que
contém. Tais relacionamentos se acham em contraste com aquele em que
cada um deles realça o outro pelo crescimento mútuo.
(b) De modo separado, Bion classificou o relacionamento como comensal,
sim biótico ou parasitário e definiu sucintamente esses tipos:
Por "comensal" quero significar um relacionamento em que dois obje­
tos partilham um terceiro para vantagem de todos os três. Por "simbió­
tico , entendo um relacionamento em que um depende do outro para
vantagem mutua e por "parasitário" pretendo representar um relaciona­
mento em que um depende do outro para produzir um terceiro, que é
destrutivo de todos os três. (Bion, 1970, p. 95)
Bion durante longo tempo interessara-se pelo fato de que tanto a terapia
quanto o pensamento dependem da mudança psíquica. A psicanálise tem
de preocupar-se com as possibilidades e condições para a mudança. A ati­
vidade mental acha-se contida dentro de um arcabouço de pensamentos e
expectativa a que Bion deu o nome de "conjunções". A mudança, portan­
to, exige a desestruturação das teorias continentes internas existentes e o
restabelecimento de novas conjunções. Bion gostava de pensar neste pro­
cesso como sendo um colapso mental de menor vulto ("mudança catastró­
fica"), seguido pela recuperação. A desestruturação é um processo de frag­
mentação aparentado às descrições que Klein deu dos problemas da posi­
ção esquizoparanóide, enquanto que a reestruturação acha-se alinhada com
a posição depressiva. Trata-se de oscilações constantes, a que Bion deu o
nome de Ep~D [ver EP-D].

206 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


(vi) Contratransferência [ver CONTRATRANSFERÊNCIA]: A identifica­
ção projetiva normal deu origem a uma compreensão da empatia e do efei-
to terapêutico da psicanálise. "Colocar-se no lugar de alguém é uma des­
crição da empatia, mas é também uma fantasia do tipo identificação proje­
tiva- inserir-se na posição de outra pessoa.
O artigo seminal de Heimann (1950) instava a que a contratransferência
fosse tomada a sério. Ela é uma reação específica ao paciente e, portanto,
pode funcionar como instrumento único para sondar-lhe a mente. Esta im­
portante idéia foi rejeitada pela própria Klein, que permaneceu desconfia­
da de analistas que pudessem então atribuir todos os seus sentimentos ao
paciente, Apesar disso, ela tornou-se uma pedra angular da técnica kleihia-
na depois de Klein [ver 1. TÉCNICA], O objetivo é que o analista venha
a receber as identificações projetivas do paciente (Money-Kyrle, 1956).
A teoria vai mais além, ao sugerir que o analista então modifique a par­
te do paciente que ele agora contém, através da atividade mental direta
do adentrar-se em si mesmo. Então, finalmente, ele reprojeta (na elocução
de uma interpretação) de volta para o paciente uma forma modificada da
projeção. O paciente fica então com o benefício de introjetar não apenas
essa parte de si próprio, mas também um aspecto do analista, a parte com­
preensiva da mente do analista que pode então tornar-se um recurso inter­
no a ser utilizado pelo paciente para fazer sentido de si próprio.
Este processo descrito por Money-Kyrle possui claramente os elementos
de um ciclo: uma identificação projetiva para dentro do analista, seguida
pela modificação por parte deste, e a reintrojeção, pelo paciente, sob a for­
ma da interpretação do analista. Dessa maneira, a interação entre analis­
ta e paciente vem a ser iluminada pelo conceito de identificação projetiva.
Esta idéia não foi desenvolvida pela própria Klein e é difícil esclarecer
quem possui o maior crédito por ela, de vez que Heimann, que apresentou
a defesa inicial da contratransferência, nunca assumiu a idéia da identifica­
ção projetiva. Ela aparece no artigo clínico de Rosenfeld, de 1952, ainda
que não explicitamente enunciada; é explícita, mas em contexto bastante
diferente, no artigo de Jaques (1953) sobre a maneira pela qual pessoas pro­
jetam para grupos sociais (ver SISTEMAS SOCIAIS DE DEFESA, e adiante].
No caso em que o analista não consegue conter a identificação projeti­
va do paciente, ele pode reagir através de uma identificação projetiva rea­
tiva para o paciente, ocorrência bastante comum [ver Money-Kyrle, 1956;
Brenman Pick, 1985, e 1. TÉCNICA1, Esta ocorrência triste mas comum
recebeu o nome de contra-identificação projetiva, que lhe foi dado por
Grinberg (1962).
(vii) Identificação adesiva [ver PELE]: Por causa das brigas nas décadas
de 30 e 40 (Waelder, 1937; Isaacs, 1948) a respeito da validade das conclu­
sões de Klein sobre o primeiro ano de vida, no começo da década de 50
fizeram-se tentativas de obter provas diretas desse período evolutivo. Klein
(1952) relatou algumas informações a respeito de bebês, mas o interesse

R.D.Hinshehvood / 207
dela padeceu de uma falta de método rigoroso até que Bick começou, em
1948, observações sistemáticas de bebês com as mães em base semanal
(Bick, 1964). Ela reconheceu que o primeiro objeto dá ao bebê o sentimen­
to de existir, de ter uma identidade, e a personalidade é mantida reunida,
de modo passivo, por esse primeiro objeto (Bick, 1968).
Bick acreditava que a luta para manter o objeto interno bom era prece-
dida por uma introjeção da capacidade de introjetar. Mostrou ela o bebê
lutando pela capacidade de introjetar e que isto é uma função da pele, ou
melhor, uma função de sensações epidérmicas que despertam fantasias de
um objeto continente.
Ele tem de desenvolver um conceito de um espaço limitado no qual coi­
sas podem ser colocadas ou do qual podem ser retidadas. A primeira reali­
zação é conquistar o conceito de um espaço que segura coisas. Este concei­
to e adquirido sob a forma da experiência de um objeto que mantém uni­
da a personalidade. O bebê, ao receber o mamilo na boca, tem a experiên­
cia de adquirir esse objeto, objeto que tapa o buraco (a boca e outros ori­
fícios) situado na fronteira epidérmica. A primeira introjeção é a introje-
ção de um objeto que proporciona um espaço em que objetos podem ser
introjetados. Antes que a projeção possa acontecer, tem de haver um obje­
to interno capaz de conter o que possa ser projetado para dentro de um
objeto, antes que esse objeto possa ser sentido como contendo uma projeção.
Quando essa primeira conquista fracassa, o bebê é incapaz de projetar
ou introjetar. Sem um objeto interno desse tipo, que mantém unida a per­
sonalidade, ela não pode ser projetada em um objeto externo que dê às
projeções um continente. A personalidade é simplesmente sentida como a
vazar sem contenção em um espaço sem limites. O bebê tem de encontrar
outros métodos de maneter unida sua personalidade, uma formação de se­
gunda pele. Meltzer (Meltzer et a l , Tustin, 1981, 1986) achou estas idéias
importantes para uma técnica analítica utilizada com crianças autistas, que
tipicamente se empenham em uma forma de mímica mecânica, experiencia­
da, na fantasia, como aderindo ao objeto, ou seja, uma forma adesiva de
identificação.
(viii) Estrutura [ver ESTRUTURA]: Klein, originalmente, tentou reter a
visão clássica das instâncias internas de id, ego e supergo. Entretanto, com
suas modificações à teoria do superego [ver 7. SUPEREGO; 5. OBJETOS
INTERNOS], o mundo interno veio a ser encarado como muito mais flui­
do. Os objetos internos são variados, amorosos e odientos, e incluem a "fi­
gura combinada dos pais", particularmente importante. A personalidade
é estruturada por relacionamentos com todos estes objetos internos.
Importante na visão estrutural do mundo interno é o estado de identifi­
cação ou não entre o ego e os objetos. Alguns objetos serão estreitamente
assimilados ao ego, enquanto que outros não ficarão tão próximos. Em
verdade, alguns objetos podem fracassar em serem assimilados sob qual­
quer aspecto e existirão como objetos estranhos ou corpos estranhos [ver

208 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


5. OBJETOS INTERNOS; ASSIMILAÇÃO].
O ego não se acha semopre, permanentemente, em estado de identifica­
ção com seus objetos. Isto varia de ocasião para ocasião, de acordo com
o contexto, No trabalho, uma pessoa pode identificar-se intensamente com
algum superior, enquanto que, de volta ao lar, esse mesmo homem pode
identificar-se com o próprio pai, quando brinca com os filhos. A fluidez
de tal estrutura conforma-se à adaptabilidade das pessoas ao seu contexto
imediato. Ela representa "a outra extremidade de um contínuo que se ini­
cia pela fragmentação" (Orford, 1987).
De modo bastante diferente, o ego pode tender a cindir-se por maneiras
mais violentas. Assim, conjuntos diferentes de idéias ou sentimentos podem
existir de modo contemporâneo e incompatível. Sob tensão, o ego tende
a separar-se, comumente segundo as linhas de clivagem, por assim dizer,
dos objetos que foram assimilados. Contudo, processos mais ativos de ci­
são podem se dar com fragmentação considerável, asssim como distúrbios
do pensamento e de todas as outras funções [ver PSICOSE].
A estrutura do mundo interno é fortemente influenciada pela identifica­
ção projetiva, quando partes do ego são projetadas para dentro de objetos
externos. Isto cria uma estrutura narcísica em que o ego se acha em identi­
ficação com objetos externos que são considerados como sendo o ego ou
parte dele.
Em distúrbios de personalidades, o mundo interno pode vir a estruturar-
se de acordo com as pulsões primárias. Os aspectos negativos da persona­
lidade reúnem-se e são mantidos, como se por violência, sob a forma de
uma espécie de gangue da Máfia (Rosenfeld, 1971). Esta estrutura interna
negativa é uma forma interna, organizada e duradoura, da reação terapêu­
tica negativa [ver REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA; 12. INVEJA].
Esta organização tiraniza a personalidade, e especialmente as suas partes
boas, que são amiúde sentidas como aprisionadas, intimidadas e inativa-
das. Isto com freqüència se mostra pela motivação para o tratamento tor­
nando-se oculta ou inconsciente. A transferência vem a tornar-se perver­
sa e utilizada como se o fosse para o bem, mas, na realidade, é usada pa­
ra fins tortuosos, dedicados a estragar o tratamento e a frustrar a mudan­
ça [ver PERVERSÃO],
(ix) O continente social [ver SISTEMAS SOCIAIS DE DEFESA]: O empre­
go que Bion faz do conceito de identificação projetiva para descrever uma
função continente entre pessoas presta-se a tornar-se um uso interpessoal.
Jaques (1953), já cedo, descrevera estruturas sociais em termos de identifi­
cações projetivas e introjetivas. Grupos inteiros podem desenvolver siste­
mas concordantes de fantasia a respeito de si próprios e de seu trabalho,
e a respeito de outros grupamentos. Tal como nos indivíduos, os grupos
podem agir para absorver os estados mentais de um ou mais indivíduos.
Funerais são ocasiões em que a desolação de alguns é partilhada por mui­
tos. Um grupo que mantém solidariedade com base em um inimigo exter-

R.D.Hinshelwooâ / 209
no comum está claramente projetando, como grupo, no inimigo. Semelhan­
temente, um grupo que mantém sua coerência pela lealdade comum a um
líder único constitui também uma condição em que os membros se acham
coletivamente projetando qualidades no último, e um líder bem sucedido
dá a recíproca com uma projeção de qualidades complementares, que seus
seguidores coletivamente introjetam e com as quais se identificam.
A identificação projetiva foi assim ampliada por Jaques para demons­
trar o importante processo de coesão grupo e a qualidade tenaz, similar à
da cola, das lealdades a grupos que os membros individuais desenvolvem.
Isto descrevia o misterioso efeito de "contágio" descrito por Le Bon em gru­
pos, e que Freud (1921) explicara como sendo o poder do hipnotizador so­
bre o seu jeito em transe. Embora a explicação de Freud esteja apenas subs­
tituindo um mistério (o da hipnose) por outro, ela poderia ser desenvolvi­
da demonstrando-se que os processos da identificação projetiva e introjeti-
va são os processos subjacentes ou hipnotismo.

USO NÃO-KLEINIANO E CRÍTICAS. X medida que a psicanálise nos Esta­


dos Unidos começou a perder terreno e sfatus, novos aspectos da psicolo­
gia do ego se desenvolveram. Uma das áreas de interesse situou-se na expe­
riência do $elf; outro interesse correlacionado voltou-se para as relações
objetais (Greenberg e MitchelI, 1983). Em resultado disso, um certo interes­
se dirigiu-se para a Escola Britânica de psicanálise, com o exame, entre ou­
tras coisas, da "identificação projetiva". Nesse processo, o conceito foi re­
tirado do arcabouço global da teoria kleiniana e utilizado no arcabouço
teórico desenvolvido nos Estados Unidos. /
No processo, negligenciaram-se todos os tipos de aspectos da identifica­
ção projetiva, quais sejam, a variedade particular dela que se acha em ope­
ração, seu propósito intrapsíquico específico, ser a projeção feita com ódio
ou não, o grau de onipotência das fantasias e, em verdade, houve o negli-
genciamento da natureza fantasiosa do mecanismo. A medida que o con­
ceito transforma-se em um engodo para descrever todos os fenômenos in­
terpessoais, há o perigo de um rápido declínio em sua utilidade. Infelizmen-
te, o conceito de identificação projetiva mostrou ser uma fonte tão podero­
sa de confusão de pensamento quanto o mecanismo que indica.
A evolução difernte da psicanálise nos Estados Unidos [ver PSICOLO­
GIA DO EGO] veio a enfatizar os aspectos adaptativos do ego e as influên­
cias interpessoais ou culturais no desenvolvimento. Conseqüentemente, a
"identificação projetiva" foi adotada por seu valor (1) como descritiva dos
estados de fusão entre o ego e seus objetos que são encontrados em pacien­
tes psicóticos ou fronteiriços, ou (2) como um conceito interpessoal que
contribui para a compreensão psicanalítica dos processos adaptativos e
da influência do contexto social.
(1) O mecanismo intrapsíquico. O interesse na identificação projetiva como
conceito intrapsíquico deu-se particularmente nos termos da origem e de-

210 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano


senvolvimento das fronteiras do ego, através das quais a identificação pro­
jetiva acontece.
K em berg: Kernberg (1975) é, talvez, o psicólogo do ego mais próximo da
visão britânica das relações objetais. O seu esforço é uma tentativa genuí­
na de forjar um amálgama entre a psicologia do ego e a teoria britânica
das relações objetais. De modo específico, ele tentou uma integração com
as concepções kíeinianas e a "identificação projetiva" foi utilizada como
um importante conceito-ponte entre a psicologia do ego e a teoria das rela­
ções objetais. Tentou ele estabelecer que os "objetos” possuem um papel
primário que tende a descartar a idéia do narcisismo primário:
(...) em contraste com o tradicional ponto de vista psicanalítico, de que
primeiro existe um investimento narcísico da libido e, mais tarde, um
investimento objetai da libido (...) é minha crença que o desenvolvimen­
to do narcisismo normal e do patológico sempre envolve o relaciona­
mento do se//com representações objetais e objetos externos (...) A im­
plicação geral é que o conceito de "narcisismo primário" não mais pare­
ce justificar-se, porque, "metapsicologicamente", "narcisismo primário"
e "investimento objetai primário" são, com efeito, coincidentes. (Kern­
berg, 1975, p. 341)
A identificação projetiva, sendo o processo de ver partes do self no outro,
tem de depender da fronteira se//-outro e, portanto, reforçá-la. Kernberg,
dessa maneira, implicava a identificação projetiva neste processo do qual
as fronteiras do ego acabam por emergir.
Kemberg propôs a identificação projetiva como sendo um mecanismo
arcaico baseado em processos de cisão; a projeção, em contraste, apoiava-
se na defesa da repressão, posterior e mais sofisticada. Outra distinção ti­
nha a ver com o aspecto da "identificação", que ele descrevia como um
componente do tipo "empatia com" da identificação projetiva, que, em
sua definição, "é uma forma primitiva de projeção (...) a 'empatia' é man­
tida com o objeto real para o qual a projeção ocorreu e se acha vincula­
da com um esforço para controlar o objeto" (Kernberg, 1975, p. 80), A
projeção é a percepção equivocada do objeto, sem qualquer envolvimen­
to ulteríor com ele, o que localizava com precisão a qualidade, na identifi­
cação projetiva, de ser capaz de afetar o "interior" do objeto e fazê-lo sen­
tir algo sob o controle do sujeito, sendo semelhante à insistência de Klein
em referir-se à projeção para dentro do objeto, em oposição a sobre o ob­
jeto (Klein, 1946, p. 8n). Kernberg considerou a identificação projetiva co­
mo surgindo apenas quando a fronteira do ego já se formou, e postulou
que, de vez que a identificação projetiva, sendo o processo de ver partes
do self no outro, deve depender da fronteira self-outro, ela pode achar-se
profundamente envolvida em sua formação e reforço. Curiosamente, isto
situa a identificação projetiva em uma posição a que não está acostuma­
da, de vez que foi originalmente descrita a partir de material clínico em

R.D.Hinshelwood / 211
que se achava implicada na confusão entre self e objeto (Rosenfeld, 1965).
Visões conflitantes deste tipo precisam ser reconciliadas.
Entretanto, quando Kernberg tentou implantar o conceito em seu arca-
bouço teórico, suas explicações foram expressas em uma terminologia de
forma profundamente diversa: "(...) o que é projetado de maneira muito
ineficaz não é 'agressão pura', mas uma representação do self ou uma re­
presentação objetai vinculada com esse derivado do impulso" (Kernberg,
1975, p. 80-1). "Representações do self" e "representações objetais" não
são contemporâneas, em termos de desenvolvimento, com a identificação
projetiva em sua forma original. Um "derivado do impulso" substitui "u-
ma parte escindida do self". Falta a idéia de fantasia de objetos concreta­
mente sentidos e partes do self. O efeito é um híbrido curioso de termos
teóricos, no qual os conceitos da psicologia do ego e da teoria das rela­
ções objetais se deformaram em formatos inteiramente diferentes. O que
parece ter acontecido é que houve um embate inevitável entre processos e
estruturas psíquicas objetivamente descritos e fantasias inconscientes subje­
tivamente experienciadas. A metapsicologia kleiniana, expressa nos termos
das próprias fantasias do paciente, foi parcialmente traduzida para a ter­
minologia de uma ciência objetiva [ver SUBJETIVIDADE].

Grotsfeirt: Às vezes, Grotstein escreve (1981) dentro de uma perspectiva


intensamente kleiniana, mas ele também tem dificuldades em desvencilhar-
se do quadro de referência da psicologia do ego. Também ele tentou unir
a linha divisória teórica. Os kleinianos, disse ele, utilizaram o conceito
de identificação projetiva e outros mecanismos primitivos de defesa "(...)
para explicar a formação de estados psicóticos, antes que vê-los como me­
canismos neuróticos primitivos e, em conseqüência disso, passam por ci­
ma dos aspectos normais ou neuróticos da cisão e da identificação projeti­
va" (Grotstein, 1983, p. 529-30).
As tentativas de Grotstein para reunir as duas teorias não envolvem a
mistura de um coquetel de conceitos para ver o que dele resulta. Ele utili­
zou a idéia de um desenvolvimento de "trilha dupla", em que aspectos pri­
mitivos e outros aspectos do ego existem harmoniosamente lado a lado
um com o outro.
Ele tentou também lidar da mesma maneira tranqüila com os momen­
tos iniciais da vida, quando a identificação projetiva é mais significante-
mente operante; a incompatibilidade essencial entre o descarte, por Klein,
do narcisismo primário e o esposamento desta idéia por Mahler podia,
achou ele, ser resolvida:'

O conceito de Klein de separação mental infantil inicial colide com a


concepção de Mahler (e de outros) de narcisismo primário pós-natal
continuado, ou identificação primária. A teoria da trilha dupla permi­
te que cada uma delas esteja correta em duas trilhas. (Grotstein, 1981, p. 88)

212 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


A confirmação experimental de Mahler (Mahler et ah , 1975) da visão clás­
sica freudiana de que não existe uma separação nas semanas e meses ini­
ciais da vida fora sempre um problema para os psicanalistas da escola bri­
tânica das relações objetais [ver NARCISÍSMO]. Klein aferrou-se à lógica
de sua própria trajetória e declarou categoricamente que existem "relações
objetais no nascimento", pois somente com base nisso os mecanismos pri­
mitivos de defesa possuem qualquer significado. A identificação projetiva
representa os embates do bebê com essas relações muito arcaicas. As tenta­
tivas de Grotstein de obter isso por ambas as maneiras, ao mesmo tempo,
deixam um resultado insatisfatório.
Grotstein também se preocupou em distinguir entre projeção e identifi­
cação projetiva, sugerindo: '"projeção' é o mecanismo que lida com os im­
pulsos que são projetados sobre objetos, enquanto que as partes do self,
vinculadas a esses impulsos, são tratadas pela 'identificação projetiva"'
(Maíin e Grotstein, 1966).

Jacobson: Jacobson (1967) afastou a identificação projetiva como mecanis­


mo primitivo com base em o ego não existir nesses estágios muito primiti­
vos. Para ela, a identificação projetiva é um conceito útil, mas um concei­
to que só pode constituir uma reação sofisticada no paciente adulto e não
uma repetição dos mecanismos infantis. Rosenfeld (1987) debateu este pon­
to de vista e argumentou que Jacobson não compreendeu que o problema
de interpretar pacientes psicóticos se deve à recorrência do pensamento
concreto infantil, baseado na identificação projetiva.
A crítica do conceito de identificação projetiva como sofisticado demais
é importante e reveladora e aponta para uma diferença significativa e pro­
funda entre as teorias das mais arcaicas funções do ego. É verdade que a
capacidade de entrar em um objeto e controlar a maneira pela qual este
sente e reage soa como muito sofisticada. É claramente possível perceber
isto a ocorrer tanto em pacientes adultos quanto em crianças èm psicanáli­
se. Mas poderia uma fantasia deste tipo existir no nascimento? A respos­
ta a isto depende do tipo de objeto com que o bebê está se relacionando
quando começa a funcionar. Por um lado, aqueles que sustentam que o
ego não funciona no nascimento consideram os primeiros objetos como
objetos externos que são construídos com propriedades físicas quando o
bebê pode percebê-los ao ter o uso de seus receptores de distância, particu­
larmente os ouvidos e os olhos; por outro lado, porém, a teoria da fanta­
sia inconsciente diría que os primeiros objetos são construídos como inter­
pretações primitivas de sensações corporais básicas que proporcionam so­
frimento ou prazer e que o objeto é, portanto, emocional, com motiva­
ções, mas sem qualidades físicas, A questão que nos resta é se os objetos
a princípio têm um significado emocional que é a mais tarde ligado a obje­
tos físicos ou se eles possuem atributos físicos nos quais uma vida emocio­
nal acaba por ser descoberta.

R,D,Hinskelwood / 213
Deve haver certa validade na crítica de que bebês não podem desempe­
nhar suas identificações projetivas por maneira tão sofisticada quando os
pacientes adultos. Os médicos extraordinariamente sutis de usar o analis­
ta, que Joseph (1975), por exemplo, descreve, acham-se a uma longa dis­
tância do simples grito de um bebê que engaja a mãe no mundo dele. A
descrição kleiniana da identificação projetiva como primitiva tem de ser
ressalvada quando se descrevem manobras interpessoais sofisticadas desse
tipo, e restrita à qualidade primitiva da concretude [concreteness] das fan­
tasias existentes por trás dos métodos sutis.

(2) O processo interpessoal. A identificação projetiva apresenta um potencial


para a descrição de interações entre pessoas (Money-Kyrle, 1956) [ver
CONTRATRANSFERÊNCI A ]. A acentuação deste aspecto dela, acima
das funções intrapsíquicas de fantasia (Ashbach e Shermer, 1987), pode
ser chamada de conceito interpessoal da identificação projetiva.
Ogden: Um certo número de conceitos semelhantes na literatura da psica­
nálise cjassica foi notado por Ogden {1979, 1982), Ele especificou estes con­
ceitos (1982, p. 80) — a 'Identificação com o agressor", de Anna Freud
(1936); a externalização , de Brodey (1965); a "evocação por procuração",
de VVangh (1962), e a "efetivação de papel", de Sandler (1976) — e aglome­
rou-os todos juntos como manifestação clínica única e denominou-os de
"identificação projetiva".
Nesta formulação, o termo abrange um evento clínico complexo, de ti­
po interpessoal: determinada pessoa repudia os seus sentimentos e manipu-
lativamente induz outra a experienciá-los, com conseqüentes e visíveis mu­
danças no comportamento de ambos. Embora reconhecesse o pano de fun­
do intrapsiquico, Ogden enfatizou eventos interpessoais observáveis, a "e-
fetivação interpessoal" (Ogden, 1982, p. 177). Estes acontecimentos inter­
pessoais são observáveis, não podem ser negados e poderíam, portanto,
introduzir um certo esclarecimento, de vez que a natureza behaviorístíca
do termo é potencialmente observável, de maneira objetiva. Por esta razão,
a formulação de Ogden certamente tornou-se popular no campo das tera­
pias interpessoais, tais como a terapia familiar (Bannister e Pincus, 1965;
Zinner e Shapiro, 1972; Box, 1978) e a terapia de grupo (Main, 1975; Ro-
gers, 1987, por exemplo).
Entretanto, existe uma diferença entre uma definição tal como a de Og­
den e o conceito original. Ela e difícil de localizar com precisão: "A descri­
ção destes processos padece de uma grande desvantagem, pois estas fanta­
sias surgem em uma época em que o bebê ainda não começou a pensar
em palavras" (Klein, 1946). A formulação de Ogden rebaixa a experiência
subjetiva do sujeito e suas fantasias inconscientes de maneira semelhante
a outras formulações da psicologia do ego, Não obstante, a diferença é
mais que isso. Joseph (1975 e em muitos artigos), por exemplo, adotou
uma maneira de descrever esses fenômenos que é inteiramente diferente
214 / Dicionário do Pensamento Kleiniano
das utilizadas por Ogden, Kernberg, Grotstein, etc. (Sandler, 1988). Tra­
ta-se de uma tentativa de indicá-los no material clínico, em oposição ao
esforço de deles derivar uma definição. Tem a ver com a experiência subje­
tiva do analista, a respeito da qual e também muito difícil pensar em pala­
vras. com a utilização que é feita do analista, ao ser ele inadvertidamente
arrastado para dentro do mundo de fantasia do paciente.
A am pliação do conceito: Um certo número de pessoas já observou a gran­
de ampliação do conceito de identificação projetiva. Kernberg, por exem­
plo, escreveu (1980): "A identificação projetiva é alargada para incluir a
reação do objeto, isto é, um processo interpessoal é descrito como parte
de um mecanismo intrapsíquico (...) [Esta] mudança na definição do con­
ceito subjacente cria problemas tanto clínicos quanto teóricos" (p. 45). Atri­
buiu ele esta ampliação do conceito a Rosenfeld (1964a). Meissner atri­
buiu-a a Bion (1962a e b) e Segai (1957). Por outro lado, Spillius (1983)
atribuiu-a aos americanos, tal como Ogden (1979):
(...) o conceito é hoje utilizado por não-kleinianos e artigos são até mes­
mo escritos sobre ele, nos Estados Unidos. No curso de tal popularida­
de geral, o conceito foi ampliado e é às vezes utilizado de maneira frou­
xa. (Spillius, 1983, p. 321)
O que os kleinianos chamam de emprego frouxo do termo resulta, em gran­
de medida, da queixa feita pelos não-kleinianos contra manter-se o concei­
to atado dentro de todo o pacote da posição esquizoparanóide. Outros li­
vraram-se de uma boa quantidade da bagagem kleiniana: distinções entre
(a) identificação projetiva patológica ou normal; (b) fantasia onipotente
ou empatia; (c) objetos parciais ou objetos totais, e a aceitação de (a) fu­
sões defensivas secundárias, descritas por Rosenfeld como opostas ao nar-
cisismo primário e (b) fantasia inconsciente e significado subjetivo em opo­
sição a mecanismos e estruturas objetivas. Se util ou não o conceito resul­
tante "sobre o qual se escreve nos Estados Unidos", talvez não seja mais
uma questão kleiniana, mas, a julgar-se pela profusão de artigos, tanto
pró quanto contra, a opinião acha-se muito dividida.
Meissner: A mais exigente das críticas da psicologia do ego à identificação
projetiva é o trabalho da autoria de Meissner (1980). Em parte seus argu­
mentos tratam do conceito kleiniano [ver EQUAÇÃO SIMBÓLICA] e,
em parte, da ampliação americana no sentido de um conceito interpesso­
al: "(...) a ampliação excessiva e a aplicação do termo conduziram a uma
situação em que ele adquiriu significados múltiplos e, às vezes, inapropria-
dos, com o resultado da evacuação da significação do termo" (p. 43).
Concordou Meissner que a identificação projetiva inclui a difusão das
fronteiras do ego, a perda de diferenciação entre self e objeto e a tomada
do objeto como fazendo parte do self, todas as quais constituem elemen-
tos-chave da visão que a psicologia do ego tem da psicose, e o termo é sig­
nificativo nesta base estritamente limitada. E quando a expressão e empre­
R.D.Hinshelwood / 215
gada fora de sua referência a pacientes psicóticos, acreditava Meissner,
que os problemas começam. Seus vários argumentos podem ser relacionados:
(a) A descrição (Klein, 1959) da empatia como baseada na identificação
projetiva é uma dessas ampliações do termo a que Meissner objetou, de
vez que não existe perda das fronteiras do ego durante os momentos de
empatia.

(b) A teoria dos continentes de Bion [ver CONTER] é, argumenta Meiss­


ner, uma ampliação desleixada do termo:
(...) a identificação projetiva torna-se uma metáfora, traduzida frouxa­
mente em termos de continente e contido, que se aplica a quase qual­
quer forma de fenômeno relacionai ou cognitivo em que se possa ape­
lar para as notas comuns de relação, contenção ou implicação. (1980, p. 59)
Ela perde a sua referência precisa à experiência psicótica. Se a identifica­
ção projetiva não for estritamente confinada à psicose, queixou-se Meiss­
ner, mas for descrita em condições em que existe uma boa apreciação de
realidade de self e objeto, o termo então desaba para a simples "projeção"
e, portanto, gera confusão.

(c) De modo semelhante, Meissner argumentou que a importância que Se­


gai concede à equação simbólica (Segai, 1957) é igualmente injustificada e
montou argumentos específicos no sentido de que o emprego concreto de
símbolos descritos por Segai não é, necessariamente, um resultado da iden­
tificação projetiva. Apelou ele para as formas de pensamento pré-aristoté-
licas, "paleológicas", descritas por Von Domarus (1944) [ver EQUAÇÃO
SIMBÓLICA].
(d) Meissner tratou então da proliferação do termo "identificação projeti­
va" como descrição interpessoal (Zinner e Shapiro, 1972; Greenspan e
Mannoni, 1975; Slipp, 1973). Nestes, observou ele que o termo se refere
a complexos processos projetivo-introjetivos em sistemas familiares, entre
pessoas:
A questão básica que tem de ser levantada em objeção ao emprego da
identificação projetiva nestes contextos é se as interações complexas a
que estes conceitos se referem de fato envolvem algo mais que intera­
ções complexas de projeção e introjeção, (1980, p. 62)
Ele condenou a extrapolação do termo para contextos interpessoais, com
o fundamento de que, mais uma vez, isso o afasta dos fenômenos da psicose.
(e) Meissner, corretamente, apontou que o emprego do termo "identifica­
ção projetiva implicava um conjunto de pressupostos não expressos: a
natureza do conflito pulsional, os estados mais arcaicos de processamen­
to desses elementos pulsionais, a confusão entre self e objeto como defesa.
Conseqüentemente, o termo tornou-se distorcido por ser enxertado em ou­
216 / Dicionário do Pensamento Kleiniano
tros conjuntos de pressupostos: narcisismo primário, confusão entre obje­
to e se//como ansiedade primária, a objetividade da observação psicanalítica.
Contratransferência: O desenvolvimento do conceito de identificação pro­
jetiva coincidiu com a nova apreciação da contratransferência. Na Grã-
Bretanha, pelo menos, ambas as evoluções estiveram provavelmente inter­
ligadas e realçaram-se mutuamente. Devido ao aspecto interpessoal da iden­
tificação projetiva, ela tem influência sobre o relacionamento transferen-
cial-contratransferencial. Isso, contudo, pode levar a métodos simplistas
de conduzir uma análise. Interpretar a identificação projetiva no -material
clinico com base nas reações do analista pode conduzir à suspeita de que
o analista se acha meramente atribuindo os seus próprios sentimentos, sem
maior reflexão, ao paciente, e onipotentemente "conhece'" os sentimentos
deste por esta maneira diretamente intuitiva. Tal racionalização da análi­
se selvagem foi condenada por Finell (1986). Ela utilizou vinhetas ofereci­
das por Ogden e Grotstein para demonstrar as evasões e a onipotência de­
fensiva do analista. Esta crítica de um uso simplista da "identificação pro­
jetiva" na contratransferência é válida, como Rosenfeld (1972) também in­
dicou. Interpretações superficiais deste tipo levam o paciente a agir com
base na presunção de que o analista está se defendendo contra as proje­
ções do paciente, e Grinberg (1962) apontou que, em alguns casos deste
tipo, o paciente pode sentir que está sendo forçado a receber as identifica­
ções projetivas do analista [ver CONTRATRANSFERÊNCIA]. Seguindo
estas linhas, Dorpat (1983) defendeu que a expressão fosse colocada fora
de uso completamente.
Em nível clínico, há com freqüência concordância entre kleinianos e
não-kleinianos a respeito de certos momentos extremos da situação transfe-
rencial-contratransferencial que se caracterizam por o analista descobrir-
se com a guarda baixa e apanhado em algum afastamento, com o pacien­
te, para longe da situação analítica. Joseph (1975) descreveu algumas ma­
nifestações extremamente sutis disto, por prestar atenção à maneira pela
qual os pacientes usavam o analista e à excitação que dava ao paciente o
alcançar sucesso nesse uso. Não se trata de um uso do analista para repre­
sentar algo — uma figura genitorial, etc. — mas um uso destinado a evi­
tar certas experiências de dependência, ciúme, separação, inveja. Este uso
precisa ser apresentado ao paciente, a fim de auxiliá-lo com sua excitação
e triunfo. Kernberg (1988) descreveu uma situação em que um paciente
acreditava plenamente que o analista havia agido, fora da sessão, de ma­
neira prejudicial ao paciente, e tornou-se cada vez mais zangado quando
o analista não admitiu a existência de tal ato, até o próprio analista ficar
com medo de ser fisicamente atacado pelo paciente. Neste caso, resistiu-
se ao vigoroso convite do paciente a ser arrastado a encenar algo e o re­
curso de que se valeu o analista, nesta ocasião, foi sair fora do setting ana­
lítico, afirmando que a análise não poderia prosseguir a menos que o pa­
ciente lhe desse uma garantia de que não atacaria fisicamente o analista.
R.D.Hinshehüood / 2 1 7
Kemberg defendeu seu manejo não interpretativo dessas tentativas de pro­
jeção para dentro dele mesmo com fundamento em que, com certos pacien­
tes especialmente agressivos, é necessário introduzir um parâmetro desse
tipo na análise. Estas técnicas alternativas — seja a continuação das inter­
pretações ou a introdução de parâmetros — exigem mais avaliações com­
parativas.
O procedimento de Kernberg baseia-se na visão de que a agressividade
extremada representa um defeito primário do ego, uma regressão ao esta­
do apenas formado do ego, quando ele começa a surgir através da identifi­
cação projetiva. Neste sentido, a violência demonstrada contra o analista
constitui fenomeno muito diferente da visão kleiníana dos efeitos destruti­
vos da identificação projetiva sobre o analista, que visam à dissolução das
fronteiras pelo controle deste. A asserção, por Kernberg, do controle da
sessão tornou-se necessária, na opinião dele, para compensar o controle
incerto de seu paciente.
Isto levanta um importante debate, a que também se aludiu no último
argumento (e) de Meissner, antes citado: em que contexto de pressupostos
deve o termo identificação projetiva" ser utilizado? Permanece ele sendo
o mesmo conceito se se presume que falhas psicóticas do ego surjam da
ausência primária de fronteiras do ego (narcisismo primário), em oposição
à visão de que os defeitos psicóticos do ego surgem a partir das fantasias
onipotentes envolvidas na identificação projetiva? Visões inteiramente dife­
rentes das origens da psicose conduzem a avaliações inteiramente diferen­
tes do significado e valor do termo e do que fazer a respeito dele, Não pa­
rece haver consenso a propósito do valor do termo "identificação projeti­
va" fora do arcabouço conceptual kleiniano.

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R.D.Hinshelwood / 221
í
B
Verbetes
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A L L TS 1 Biografia. Nascido na Alemanha em 1877,
Xxdi 1Abraham começou a interessar-se pela psi­
canálise enquanto fazia um estágio em psiquiatria em Zurique, com Jung.
Em 1907, começou uma clínica psicanalítica em Berlim, a primeira na Ale­
manha, e fundou a Sociedade Psicanalítica Alemã em 1910.^ Tornou-se pre­
sidente da Associação Psicanalítica Internacional em 1924, mas logo fale­
ceu, no auge de sua capacidade e reputação profissional, em 1925 (Hilda
Abraham, 1974).
Foi persuadido por Melanie Klein a analisá-la, em 1924, embora a análi­
se fosse interrompida cerca de quinze meses depois por causa da saúde
má de Abraham. Ele também analisou um certo número de analistas ingle­
ses, inclusive James Glover, Edward Glover e Alix Strachey. Abraham go­
zava de uma posição especial dentro do movimento psicanalítico, de vez
que fora, com Jung (em Zurique), Ferenczi (em Budapeste) e Jones (em
Londres), um dos primeiros pioneiros da psicanálise fora de Viena. Mais
que isso, porém, sua importância é a de um observador clínico notável.

CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS. As principais contribuições de Abraham


deram-se em sua colaboração com Freud no sentido de tentar entender as
psicoses (Abraham, 1911). De vez que estas condições eram tão narcísicas,
os pacientes psicóticos não efetuavam uma transferência típica e os psica­
nalistas contemporâneos não conseguiam trabalhar com eles. A investiga­
ção que Abraham e Freud fizeram da psicose foi, portanto, uma investiga­
ção do narcisismo [ver NARCÍSÍSMO]. Abraham, contudo, explorou o
fato de a psicose maníaco-depressiva passar por fases de remissão, nas
quais os pacientes eram, na superfície, suficientemente normais, e analisou
pacientes durante essas fases "normais", com vista a descobrir as predispo­
sições subjacentes às fases psicóticas.
Fases prê-genitais do desenvolvim ento: Abraham confirmou clinicamente
que existiam pontos de fixação específicos às psicoses nas fases muito ini­
ciais da evolução libidinal (fases oral e anal). Esperava-se isto com funda­
mento em o narcisismo ser postulado como sendo o estado primário do
bebê e em o narcisismo da regressão psicótica resultar de uma fixação a
esse período inicial. Abraham apresentou provas claras dos impulsos orais
e anais nessas condições e descreveu-os magnificamente em sua grande
obra-resumo (Abraham, 1924). Em particular, descobriu que as fases oral
e anal são representadas pela preeminência da introjeção (absorção oral)
e da projeção (expulsão anal) [ ver INTROJEÇÃO; PROJEÇÃO], A psico­
se maníaco-depressiva parece ser uma preocupação com ciclos repetidos
de incorporação e expulsão, vinculados com ansiedade extremada a respei­
to dos objetos absorvidos ou expelidos.
Ao mesmo tempo, confirmou também que essas fases eram especialmen­
te marcadas por impulsos profundamente agressivos e sádicos. Em resulta­
do disso, refinou o "horário" das fases libidinais [ver LIBIDO]. A idéia

R.D.Hinshelwood / 225
de formas sádicas de introjeção e projeção foi, posteriormente, grandemen­
te realçada por Klein [ver 3.AGRESSÃO].
O interesse de Abraham, portanto, residia nas manifestações múltiplas
do sadismo e da agressividade; exemplificando, seu artigo (1919) sobre pa­
cientes difíceis é uma descrição famosa das manifestações ocultas de agressão.
Narcisismo e relações objetais: O falecimento de Abraham, porém, deixou
incompleto o seu trabalho. Embora se achasse investigando a fase do nar­
cisismo primário, que ele e Freud achavam, na ocasião, durar do nascimen­
to até por volta da idade de dois anos, ele estava, na realidade, descreven­
do a incorporação e a expulsão de objetos ou fragmentos de objetos. Ain­
da existe hoje desacordo a respeito da natureza das relações objetais du­
rante o período do narcisismo primário [ver NARCISISMO]. O trabalho
de Abraham, de maneira apenas esboçada, sugeria que o bebê se relacio­
na a objetos nesse estágio primário, mas que se trata de tipos muito esqui­
sitos de objetos, a que deu o nome de objetos parciais, e teve dificuldade
para descrever o desenvolvimento, em um estágio posterior, do verdadei­
ro amor objetai [ver OBJETOS PARCIAIS; OBJETO TOTAL; AMOR].
Esta distinção foi de grande importância no desenvolvimento que Klein fez
da idéia da posição depressiva [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA],
A dívida de Klein para com Abraham é enorme, não apenas por anali­
sá-la, mas por fornecer-lhe um pano de fundo de teoria bem fundada a
desenvolver.' Klein foi importante para Abraham, também, de vez que seu
trabalho com crianças trazia provas confirmatórías a respeito dos postula­
dos dele sobre o sadismo das fases pré-genitais iniciais e a importância
da introjeção e da projeção [ver ANÁLISE DE CRIANÇAS]. Embora Abra­
ham, tal como Freud, mal mencione Klein, é possível que as próprias ob­
servações do primeiro, em 1924, se valessem do material que Klein esta­
va relatando desde 1919,

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Pouco depois da Primeira Guerra Mundial, Freud


(1920) tardiamente admitiu a existência da agres
são. Nesse ponto, a prova da existência do profundo poço da destrutivida-
de nos seres humanos levou-o a conceder-lhe prioridade igual à da libido
[ver PULSÃO DE MORTE] e uma disputa acalorada tem desde então se

22ó / Dicionário do Pensamento Kleiniano


travado. Alguns (Glover, 1933, por exemplo) pensam ser pessimista acre­
ditar em uma fonte pulsional da agressividade e consideram a agressão co­
mo derivando da frustração da libido e outras pulsões. Entretanto é geral­
mente aceito que a agressão — seja de origem interna (pulsional) ou am­
biental (frustração da libido) — tem uma importância que compete com
a da sexualidade.
Klein foi das primeiras entre os que consideraram a agressão como sen­
do pulsional [ver 3.' AGRESSÃO; PULSÃO DE MORTE]. Entretanto, por
enfatizar as fantasias inconscientes, apoiava a visão de Freud de que as
pulsões nos seres humanos são extraordinariamente maleáveis. Dessa ma­
neira, as manifestações múltiplas da agressão demonstram sua mutabilida-
de e seu potencial a contribuir para o desenvolvimento da mente, assim
como de seus distúrbios. Klein achava que a inevitabilidade da agressão
em si não era otimista nem pessimista; cada indivíduo se empenha em sua
própria luta pessoal contra seus próprios impulsos agressivos. Em verda­
de, ela era de opinião de que esta destrutividade constituía um importan­
te fator no desenvolvimento da libido, opinião que a levou a ser criticada,
incorretamente, como rebaixadora das teorias essenciais da psicanálise,
quais sejam, as fases da libido, a sexualidade e o complexo de Edipo (Glo­
ver, 1945; Yorke, 1971).
Com o desenvolvimento, em anos posteriores (especialmente após Ro-
senfeld, 1971), de uma compreensão do narcisismo negativo, a prática clí­
nica kleiníana tende hoje a enfocar, primariamente, a organização da des­
trutividade na personalidade [ver ESTRUTURA].

Freud, Sigmund (1920), B eyond the pleasure principie, S.E. 18, p.3-64.
Glover, Edward (1933), War, sadism and pacifism, George Allen & Unwin,
-------- . (1945), “An examinaüon of the Klein system of child psychology", Psychoanal. Study
Child, 1:3-43.
Rosenfeld, Herbert (1971), "A clinicai approach to the psycho-analytic theory of the life and
death ínstíncts: an investigation into the aggressive aspects of narcissism", Int. /. Psycho-
A n a l, 52; 169-78.
Yorke, Clifford (1971), “Some suggestions for a critique of Kleinian psychology", P sychoa­
nal. Study Child, 29; 129-55.

A • |a • A psicanálise sempre se baseou teórica-


í T jlI I I L
/ 1 V d l C i l L l d l m e n t e na idéia de conflito mental, e am ­
bivalência significa a sustentação de estados contraditórios de sentimento
no relacionamento com determinado objeto. Freud descrevera a bissexuali-
dade do organismo humano, a dar origem tanto ao complexo de Edipo
normal quanto ao invertido, com o resultado de que amor e ódio podem
ser sentidos a respeito de ambos os genitores. Esta idéia foi grandemente
realçada pelo postulado de Freud da existência de uma dualidade de pul­
sões (libido e pulsão de morte). Klein elevou este estado de ambivalência

R.D.Hinshehvood / 227
a um lugar central do conceito-chave da posição depressiva [ver 10. PO­
SIÇÃO DEPRESSIVA],
Os sentimentos conflitantes podem, em contraste, ser alternados, em
estados mentalmente dissociados um do outro, ou cindir-se [ver CISÃO],
dando origem a uma considerável instabilidade, na medida em que amor
e ódio abruptamente dão lugar um ao outro [ver OBJETO IDEAL]; ou im­
pulsos podem se fundir, tal como, por exemplo, a mistura de íibido e des-
trutividade (sadismo), que dá origem a uma perversão sádica sexual excitada.

Ver CONFLITO; PULSÕES.

A Klein acom panhou A braham no tentar entender o tipo


J x í í L U í de am or que tem sentimentos pelo objeto, antes que o tipo
de amor descrito na psicanálise clássica, na qual o objeto é simplesmente
aquilo em que o sujeito se satisfaz. A última forma de satisfação é um
amor anaclítico, um amor interesseiro. Em contraste, Klein descreveu, a
partir da observação direta de bebês, como a “gratificação acha-se tão rela­
cionada ao objeto que fornece o alimento quanto ao próprio alimento"
(Klein, 1952, p.96). Wisdom (1970) esforçou-se por tornar clara esta distin­
ção, algo que Fairbairn (1952) também fez.
Eagle (1984), passando em revista as provas que Bowlby (1969) também
interpretara, demonstrou que as experiências dos objetivos não se colocam
apenas em termos de gratificação das pulsões, tal como a fome, por exem­
plo; "Estes achados apresentam um desafio sério aos 'modelos homeostáti-
cos de redução do impulso'". E, ainda, com respeito às experiências de cria­
ção de macacos de Harlow (Harlow e Zimmermann, 1969);
Se o apego a um objeto deriva do papel deste na gratificação do impul­
so, por que os bebês símios não se tornaram mais apegados à mãe for­
necedora de leite que proporcionava gratificação mais aproximadamen­
te ajustada a um modelo de descarga de impulso do que a gratificação
de "conforto de contato" fornecida pela mãe de tecido peludo? (Eagle,
1984, p .ll)
Na visão de Klein, existe um amor generoso desde o início. A gratificação
traz à superfície uma gratidão em relação ao objeto.

A posição esquizoparanóide: Desde o início, contudo, gratificação traz


consigo não apenas a gratidão, mas também inveja. Na medida em que o
bebê é capaz de manter uma atitude de gratidão para com o objeto ama­
do, e na medida em que o objeto externo real (mãe) pode ajudá-lo a expres­
sar gratidão, o bebê pode crescer mais forte em sua crença no amor e nas
partes boas de si mesmo.
E no equilíbrio entre inveja e gratidão que reside a segurança do bebê,
de vez que a inveja destrói o amor e a gratidão. Na maioria das vezes, o

228 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


bebê lida com isso escindindo um objeto gratificador "ideal", por quem
sente gratidão, e separando-o de um perseguidor invejado e odiado. Esta
cisão, contudo, traz em si mesma uma forma de insegurança, de vez que
qualquer grau de frustração resulta em uma abrupta mudança nos impul­
sos a odiar e no objeto, que repentinamente se torna persecutório.
A fim de evitar estas inseguranças, o bebê às vezes se engaja em uma
identificação projetiva excessiva. Quanto mais intenso o relacionamento,
maior a identificação projetiva, e isto conduz a um esvaziamento do ego.
O amor esquizóide esvazia.
O am or na posição depressiva: Quando Klein descreveu a posição depres­
siva, ela ingressou em descrições de estados afetivos inteiramente novos,
isto é, novos para as descrições dos psicanalistas. Em verdade, eles se acham
muito mais próximos dos afetos que constituem a preocupação do roman­
cista e da pessoa comum. Ela procurou transmitir as qualidades de um par­
ticular e pungente tipo de amor: um anseio enlanguescedor. Achava-se
aqui seguindo a idéia de Abraham de "amor objetai verdadeiro", qual se­
ja, a experiência de objetos totais. O amor na posição depressiva é pelo
objeto não ideal, o objeto bom que tem também defeitos e falhas [ver 10.
POSIÇÃO DEPRESSIVA]. À medida que isto se torna estabelecido, o
amor, a despeito das falhas, tende a não mudar de modo tão violento pa­
ra o ódio, e um certo grau de estabilidade emocional começa a se desen­
volver. Existe aqui capacidade para tolerância e perdão. O amor na posi­
ção depressiva é indelevelmente assinalado pelo interesse e/ou preocupa­
ção e pelo perdão.
O objeto total defeituoso, entretanto, dá origem à experiência de que
o objeto bom é ou foi perfeito e que foi ferido e danificado, com o desper­
tar de uma preocupação angustiada. Esta preocupação, por sua vez, dá
origem ao desejo de restaurar e consertar [ver CULPA; REPARAÇÃO].

Ver PREOCUPAÇÃO; OBJETO TOTAL.

Bowlby, John (1969), A ttachm ent and loss, Hogarth.


Eagle, Morris (1984), Recent developm ents in psycho-analysis, Nova Iorque, McGraw-Hill.
Fairbairn, Ronald (1952), Psycho-analytic studies o ft h e personality, Routledge & Kegan Paul.
Harlow, H. F. e Zimmermann, R, R, (1969), "Affectional responses in the infant monkey",
Science, 130:412-32.
Klein, Melanie (1952), "On observing the behaviour of yourig infants", WMK 3, p. 94-121.
Wisdom, J. O, (1970), "Freud and Melanie Klein: psychology, ontology and Weítanschauung',
em Charles Hanly e Morris Lanzerowitz, (orgs.), (1970) Psycho-analysis and philosophy,
Nova Iorque, International Universities Press, p. 327-62,

A / I» 1 o Quando Freud, em 1905, ela-


A n a lis e d e c ria n ç a s borou os pormenores de, sua
teoria da sexualidade infantil, ele o fez com ba£e nas provas que obtivera

R.D,Hinskelwood / 229
da análise de pacientes adultos. Buscou então provas diretas do desenvol­
vimento da sexualidade a partir da observação de crianças e solicitou aos
pais de seu círculo em Viena que registrassem a atividade e a conversa de
seus filhos. O resultado disto foi o "caso' do Pequeno Hans, que serviu
para confirmar belamente as teorias provisórias. Situação semelhante sur­
giu mais tarde, quando Freud refinara e levara suas teorias mais além, par­
ticularmente em resultado do interesse que ele e Abraham haviam assumi­
do pelos pacientes psicóticos, algo que deu origem à teoria do narcisismo
(Freud, 1914) e, subseqüentemente, ao lugar dos mecanismos de introjeção
e projeção e ao desenvolvimento do modelo estrutural (Freud, 1923). Hou­
ve ainda uma outra volta a um interesse psicanaíítico pelas crianças a par­
tir de 1917 [ver 1. TÉCNICA],
Psicanálise e edu cação: Em Viena, Hug-Hellmuth (1921) dera início a uma
forma psicanaliticamente inspirada de instrução pedagógica infantil. Ela,
contudo, não utilizava interpretações, tal como na análise de adultos, ou
sequer, a propósito, tal como o pai do Pequeno Hans havia feito. Hug-
Hellmuth acreditava que a criança, diferentemente do adulto, não era mo­
tivada a procurar a análise e, portanto, interpretações não lhe significariam
nada. Era a família que sofria, achava ela, e não a criança. Em acréscimo,
achava que o ego ainda não havia se desenvolvido suficientemente em for­
ça para suportar o peso adicional da interpretação psicanalítica. Acredita­
va, também, que as crianças só deveríam ser vistas em suas próprias casas
e, daí, não existir oportunidade de desenvolver-se uma transferência com elas.
Os primeiros pacientes infantis: Em Budapeste, Klein (1918-19) começou
a praticar uma forma diferente de análise de crianças. Esta, sabemos ago­
ra, foi feita, primeiro de tudo, com seus próprios filhos, atividade à qual
hoje se franziría o cenho (e ela parece ter escondido o fato após a publica­
ção de seu primeiro trabalho em 1919 [Petot, 1979; Grosskurth, 1986]), em­
bora na ocasião, com as provas do tratamento bem-sucedido do Pequeno
Hans, essa forma parecesse muito mais correta. Fora incentivada nisso por
Abraham, que analisara a filha (Abraham, 1974), e, em verdade, Freud
também analisou a filha (Gay, 1988).
Bastante cedo Klein chegou a conclusões diferentes das de Hug-Hell­
muth. Ela acreditou que as crianças podiam, uma vez tivessem experiencia-
do interpretações de suas ansiedades, ser (inconscientemente) motivadas,
dentro de si mesmas, para a análise. Em verdade, acreditava Klein que as
crianças possuíam uma compreensão inconsciente muito maior de seus pró­
prios problemas e da natureza do auxílio interpretativo do que parecia (re­
latado por Alix Strachey, 1924).
A primeira prática de Klein foi responder francamente e de modo aber­
to às solicitações de conhecimento sexual que as crianças apresentavam.
Nisto, ela foi influenciada pelo conselho de Freud ao pai do Pequeno
Hans (Freud, 1909) e também pela história qlínica que aquele descrevçra

230 / Dicionário do Pensamento Kieiniano


do caso do Homem dos Lobos, cujas fantasias sexuais pré-genitais foram
traumáticas, por coincidirem com o seu testemunho da cena originária da
relação sexual entre os pais (Freud, 1918). Entretanto, quando Klein apre­
sentou seu trabalho a uma reunião da Sociedade Psicanalítica Húngara,
em 1919, von Freund chamou-lhe a atenção de que não estava se dirigin­
do âs questões inconscientes que a criança não estava formulando. Klein
entendeu e, a partir daí, transformou-se em uma entusiasta da interpreta­
ção do inconsciente. Mais tarde, começou a utilizar brinquedos e a técni­
ca padrão através do brincar foi desenvolvida [ver 1. TÉCNICA].
A técnica com crianças: Klein produziu então rapidamente uma série de
artigos, todos visando a demonstrar a importância da análise de crianças
e da sua técnica através do brincar na compreensão das formas arcaicas
das neuroses adultas, e deu conferências em Viena, em 1924, sobre seu
método, que então havia se afastado completamente do de Hug-Hellmuth.
Esta havia recentemente morrido, assassinada pelo próprio sobrinho (a
quem havia criado!), mas Anna Freud assumira-lhe o manto naquela cida­
de. A diferença de técnica criou em Viena uma atmosfera de ressentimen­
to, que foi exacerbada pela qualidade espinhenta e vigorosa da personali­
dade de Klein.
Os atritos transformaram-se em guerra no decorrer dos anos de 1926 e
1927. Quando Anna Freud desfechou um ataque grande e detalhado à téc­
nica de Klein, na Sociedade de Berlim, em 1926, Klein já se havia muda­
do para Londres. Mas as batalhas haviam começado e o embate seguinte
foi um simpósio promovido pela Sociedade Psicanalítica Britânica, no ano
seguinte, com o fito de debater um livro das conferências pronunciadas
por Anna Freud (publicado na Inglaterra somente em 1946!).
As discussões basearam-se, em grande parte, nas asserções, por parte
de Anna Freud, dos princípios gerais que havia aprendido com Hug-Hell­
muth em Viena. Agora, porém, Klein já possuía provas clínicas suficientes
para pôr de lado e demolir tais objeções [ver 1. TÉCNICA].
Os debates do simpósio britânico não perturbaram os vienenses, mas
entrincheiraram-nos ainda mais por trás de Anna Freud, num embate que
perdura até hoje nas teorias sistematizadas da psicologia do ego [ver PSI­
COLOGIA DO EGO] e da psicanálise kleiniana.

Abraham, Karl (1974), "Little Hilda: daydreams and a symptom in a seven-year-old giri",
lnt, Rev. Psycho-A nal,, 1:5-14.
Freud, Anna (1946), T he psycho-analytícal treatm ent o f chiláren, Imago.
Freud, Sigmund (1909), "Analysis of a phobia in a Bve-year-old boy", S.E. 10, p. 3-149.
-------- , (1914), "On narcissism", S.E. 14, p. 67-102.
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Gay, Peter (1988), Freud: a iife fo r our tim e, Dent.

R.D.Hinshehvood / 231
Grosskurth, Phyilis (1986), M elanie Klein, Hodder & Stoughton.
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bury Freud: the letters o f James and Alix Strachey, 1924-1925, Chat to & Windus, p. 325-9.

ória da psicanálise tem sido a hisfó-


tentar entender a ansiedade cén-
trai da condição humana. Freud (1926) colocou em um altar esta busca
dando-lhe o nome de situação arcaica de ansiedade (—perigo) [ver 8. SI­
TUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE], e observou que ela difere de
acordo com o estágio do desenvolvimento. Na ocasião, argüia ele contra
a teoria de Rank do trauma do nascimento como sendo a única e onipre­
sente ansiedade subjacente a todas as outras; assim, o trauma do nascimen­
to pode ser suplantado pela perda do seio, pela perda de amor e, em últi­
ma análise, pela ansiedade de castração.
Klein, em 1946, assumiu a visão de que, central à experiência mais ar­
caica, está o medo da aniquilação pessoal, semelhante ao que é sentido
por pacientes psicóticos, sendo esta a maneira pela qual a pulsão de mor­
te é experienciada como operando dentro da personalidade.
O medo da aniquilação foi postulado por diversos psicanalistas. Jones
(1927), por exemplo, postulou a existência de uma perda catastrófica, a
afanisias, um temor que se estendia, mais além da ansiedade de castração,
a uma privação de todos os instrumentos possíveis de prazer e, portanto,
da existência.
Invasão am biental: Winnicott (1960) acreditava que a experiência de ani­
quilamento derivava da invasão do meio ambiente com a onipotência in­
fantil, o que destruía a "continuidade de ser" do bebê. Nos estágios mais
iniciais da primeira infância, a mãe está encarregada de sustentar a visão
do bebê de que não existe objeto separado além do self. Por trazer o seio
necessário exatamente ao lugar correto, exatamente no momento certo,
quando o bebê o está alucinando, ela protege o bebê de uma compreensão
verdadeira de como as necessidades dele são atendidas. Se a mãe falha
em apoiar a idéia que o bebê tem de satisfazer a si mesmo, ele então sofre
uma experiência particular que é descrita por Winnicott como invasão am­
biental e que o conduz a sentir-se aniquilado em si mesmo, Winnicott mo­
dificou a importância que Klein concedia à experiência de aniquilamento:
ao invés de um objeto interno destrutivo, Winnicott via a destruição co­
mo efeito de um agente externo. O fracasso do meio ambiente (mãe) em
facilitar o senso que o bebê tem de sua própria onipotência resulta em
um rompimento em seu "senso de continuidade de ser". Depois disso, a

232 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


personalidade em desenvolvimento pode apenas simular um sentimento
como se ele ou ela existissem — um self falso [ver PELE],
Tustin (1981) seguiu Winnicott na descrição das conseqüências de uma
invasão ambiental sobre o bebê que ainda não está preparado para aban­
donar o estado primário (ela chamou-o de "autismo primário") [ver AU­
TISMO]. Bick (1968), por outro lado, descreveu o relacionamento com o
objeto externo que mantém unido o bebê como sendo verdadeiramente
um relacionamento com um objeto, experienciado sensoriamente através
do contato epidérmico e capaz de conter as partes da personalidade [ver PELE].
Klein descreveu a aniquilação (ou fragmentação do ego) como sendo o
medo típico na posição esquizoparanóide.

(i) A ansiedade na posição esquizoparanóide: A aniquilação do ego (do


self), especialmente por um objeto situado dentro, o medo mais arcaico
de todos, deve-se ao funcionamento da pulsão de morte no início. O ani­
quilamento inclui uma fragmentação e desintegração do ego como um pro­
cesso ativo do ego sobre si mesmo e dá origem à fenomenologia da condi­
ção esquizofrênica [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE].
O medo de ser aniquilado faz parte das experiências inconscientes de
fantasia de que o bebê é dotado ao nascimento. Ele é também representa­
do dentro dos mecanismos primitivos de defesa pela negação, que é expe-
rienciada como aniquilando o aspecto negado do objeto ou do self. Ela é
ao mesmo tempo uma defesa e um fator contribuinte no temor da aniquila­
ção, formando o círculo vicioso da paranóia [ver PARANÓIA].

(ii) Defesas contra o m edo da aniquilação: Muitos kleinianos, notavelmen­


te Bion (1958), Segai (1972) e Sidney (1974), descreveram as manifestações
clínicas de defesas contra a experiência dá aniquilação catastrófica. Assim
como a negação, essas defesas incluem as formas onipotentes das defesas
primitivas da projeção, introjeção, identificação projetiva, cisão e idealização.

(iii) A pele continente: Com base na observação de bebês a partir do nas­


cimento [ver OBSERVAÇÃO DE BEBÊS], Bick (1964) descreveu as provas
dessa observação de uma experiência primária de aniquilação. Demons­
trou ela os métodos usualmente somáticos e sensórios pelos quais o meio
ambiente pode capacitar o bebê a sobreviver a tais experiências, fenôme­
nos a que se referiu como sendo a função da pele. Descreveu também mé­
todos corporais onipotentes, através dos quais a criança pode sobreviver
na ausência de uma contenção suficiente por parte do objeto externo, mé­
todos a que deu o nome de segunda pele [ver PELE; IDENTIFICAÇÃO
ADESIVA].

(iv) Mudança catastrófica: Dando ênfase à visão de Klein de que existe


um constante bamboleio entre a posição esquizoparanóide, com a sua an­
siedade de aniquilação, e a posição depressiva com sua ansiedade típica

R.D.Hinshelwood / 233
de preocupação e culpa, Bion considerou o medo da aniquilação como sen­
do uma experiência persistentemente ameaçadora durante toda a vida.
Qualquer mudança faz expressar-se a ameaça, mas a mudança é parte
necessária da vida e do pensamento. Bion enfocou a necessidade de mudar
e desenvolver o pensamento, e suas concepções aplicam-se a todas sa for­
mas de mudança de personalidade. A conseqüência de sua visão é que to­
do desenvolvimento traz em sua esteira a ameaça de catástrofe para a men­
te, e o desenvolvimento repousa em pequenas oscilações entre a fragmenta­
ção esquizoparanóíde e a preocupação da posição depressiva, algo a que
deu a notação de "Ep-D" [ver Ep-D].

Bick, Esther (1964), "Notes on infant observation in psycho-analytic trainmg", Int. /, P sycho-
A n a l, 45:558-66; republicado (1987) em Martha Harris e Esther Bick, The collected pa-
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--------■. (1968), "The experience of the skin in early object relations", Int, ]. P sycho-A n al,
49:484-8; republicado (1987) em The collected papers o f Martha Harris and Esther Bick, p. 114-8.
Bion, Wilfred (1958), "On arrogance", Int. ]. P sy ch o-A n al, 39:144-6; republicado (1967)
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Freud, Sígmund (1926), "Inhibitíons, symptoms and anxiety", S .E, 20, p. 77-175.
Jones, Ernest (1927), "The early development of female sexuality", Int, /. P sycho-A n al,
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Klein, Sídney (1974), "Transferece and defence in manic States", Int. /. P sycho-A n al, 55:261-8.
Segai, Hanna (1972), "A delusional system as a defence against the reemergence of a catastro-
phic situation", Int. J. P sycho-A n al, 53:393-403.
Tustin, Francês (1981), Autistic States in children, Routledge & Kegan Paul.
Winnicott, Donald (1960), "The theory of the infant-parent relatíonship", Int. /. Psycho-A ­
n a l, 41:585-95.

Teorias psicanalíticas da ansiedade proliferaram atra­


Ansiedade vés dos anos e, em grande parte, têm a ver com conflito.
(i) Em primeira instância, Freud descreveu o conflito entre o indivíduo e
a exigência de comportamento civilizado (dessexualizado).
(ii) Isto foi modificado para um conflito entre a libido e as pulsões de auto-
preservação ou "pulsões do ego". Segundo esta teoria, a libido represada
convertia-se em ansiedade manifestamente sentida.
(iii) Depois, com a modificação feita por Freud em sua teoria das pulsões
(para adotar uma teoria dualista de libido e pulsão de morte), o conflito
foi localizado (por Klein) como sendo um conflito interno entre as pulsões.
De acordo com ela, tal conflito desenvolve duas formas: ansiedade depres­
siva e ansiedade persecutória [ver ANIQUILAÇÃO; PERSEGUIÇÃO; AN­
SIEDADE DEPRESSIVA],
(iv) Artigo posterior de Freud (1926) sobre a ansiedade descrevia a ansieda­
de de sinalização ou de sinal, que não é diretamênte uma tensão pulsional

234 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


conflitada, mas sim um sinal, que ocorre no ego, de uma tensão pulsional
antecipada. Freud descreveu o ego como apreciador de certas situações
que dariam origem à ansiedade. Estas situações de ansiedade, portanto,
não seriam pulsionais em si mesmas, mas poderiam residir dentro de fun­
ções puramente do ego, tais como a memória.
(v) Klein com freqüência apontou o termo de Freud situação arcaica de
ansiedade como confirmação de estar ela na direção correta ao voltar-se
para o conteúdo de fantasia da ansiedade, antes que para a energia da
qual ela deriva (ver 8. SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE].

Freud, Sigmund (1926), "Inhibiüons, symptoms and anxíety", S.E. 20, p. 77-175.

* 1 1 1 *
Tanto Segai (1979) quan-
A n sied ad e d ep ressiva
a
to Grosskurth (1986) su­
gerem que o desenvolvimento aa compreensão de Klein a respeito do sofri­
mento da posição depressiva foi estimulado por sua própria desolação pe­
la morte de seu filho, em 1933.

Perda do objeto amado. Em dois trabalhos (1935, 1940) Klein preocupou-se


com os estados maníaco-depressivos e com o luto. Partindo das concep­
ções de Freud e Abraham de que esses estados resultam da experiência de
perder um objeto amado, a contribuição de Klein foi:
(i) demonstrar que a perda é sentida, na fantasia, como relacionada aos
impulsos sádicos que se sente haverem com sucesso ferido ou danificado
o objeto amado [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA], e
(ii) elaborar a descrição, feita por Freud (1926), da "perda do objeto ama­
do" pela descrição da experiência, em fantasia, da perda do objeto ama­
do interno.
O objeto interno bom surge da introjeção de um objeto externo e o ego
desenvolve uma identificação com esse objeto (identificação introjetiva).
Isto constitui uma conquista gradual:
À medida que o ego se torna mais plenamente organizado, as imagos
internas (os genitores íntrojetados e a base para o superego) aproximar-
se-ão mais estreitamente da realidade e o ego ídentificar-se-á de modo
mais pleno com objetos "bons". O pavor da perseguição, que foi a prin­
cípio sentido em nome do ego, relaciona-se agora ao objeto bom tam­
bém e, daí por diante, a preservação do objeto bom é encarada como
sinônima da sobrevivência do ego. (Klein, 1935, p. 264)
A apreciação maior da realidade que acompanha a relação com objetos to­
tais, por volta dos quatro aos seis meses de idade, cria sentimentos especial­
mente agudos pelo objeto:

R.D.Himhelwood / 235
De mãos dadas com este desenvolvimento dá-se uma mudança da mais
alta importância, a saber: de uma relação objetai parcial para a relação
com um objeto completo (...) o ego chega a uma nova posição, que for­
ma a fundação da situação chamada de perda do objeto amado. Somen­
te quando o objeto é amado com o um todo é que a sua perda pode ser
sentida como um todo. {Klein, 1935, p. 264)
O medo da perda do objeto, tipicamente no luto real, repete uma perda infantil:
A pungência da perda real de uma pessoa amada é, em minha opinião,
grandemente aumentada pelas fantasias inconscientes que a pessoa enlu-
tada tem de haver perdido também os seus objetos "bons" internos. Ela
sente então que os objetos internos "maus" predominam e que seu mun­
do interno acha-se em perigo de ruptura. (Klein, 1940, p. 353)

Medo e culpa. Na ansiedade depressiva,


(...) há dois conjuntos de medos, sentimentos e defesas [que] podem,
para intuitos de clareza teórica, ser isolados um do outro. O primeiro
conjunto de sentimentos e fantasias é o persecutório (...). O segundo,
que virá a constituir a posição depressiva, foi por mim anteriormente
descrito sem que sugerisse uma denominação para ele. Proponho ago­
ra utilizar para estes sentimentos de tristeza e preocupação pelos obje­
tos amados, o temor de perdê-los e o anseio por reconquistá-los, uma
palavra simples, derivada da linguagem cotidiana, qual seja, "anseio"
pelo objeto amado. Resumindo: perseguição (pôr objetos "maus") e as
defesas características contra ela, por um lado, e anseio pelo objeto
("bom") amado, por outro, constituem a posição depressiva. (Klein,
1940, p. 348)

A expressão "anseio" não chegou a "pegar" na realidade e os dois termos,


"culpa" ou "ansiedade depressiva", são normalmente usados em vez dela.
Não fica claro reaímente que ambos signifiquem exatamente o mesmo: "Sur­
ge agora a pergunta: é a culpa um elemento da ansiedade depressiva? São
ambos aspectos do mesmo processo ou um deles é resultado ou manifesta­
ção do outro? (...) Não posso, de momento, dar uma resposta definitiva"
(Klein, 1948, p. 36). Existe, contudo, uma aceitação geral de que a ansieda­
de que surge do medo dos ataques ao objeto amado é, na verdade, culpa,
e Joseph recentemente resumiu isso:

Freud [1926] (...) reuniu os diversos tipos de ansiedade em relação aos


impulsos e ao superego, incluindo assim os sentimentos de culpa como
um tipo de ansiedade. Além disso, acentuou que a própria existência
das pulsões de vida e morte e a conscientização deles juntos, sob a for­
ma de ambivalência, produziam,, como o descreveu, "a inevitabilidade
fatal de um senso de culpa". (Joseph, 1978, p. 223)

236 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Ansiedade persecutôria e ansiedade depressiva. A distinção entre ansieda­
de persecutória e ansiedade depressiva é, como disse Klein, teoricamente
cíara (Grinberg, 1964). Na prática, contudo, ela não é tão clara assim:
A ansiedade depressiva depende de a ansiedade estar principalmente rela­
cionada à preservação do ego — caso em que é paranóica — ou à pre­
servação dos objetos internalizados bons, com os quais o ego se identi­
fica como um todo (...) A ansiedade de que os objetos bons e, com eles,
o ego, sejam destruídos, ou que se achem em estado de desintegração,
está entretecida com esforços contínuos, e desesperados para salvar os
objetos bons (Klein, 1935, p. 269) [ver 8. SITUAÇÕES ARCAICAS
DE ANSIEDADE; 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA].

A ansiedade persecutória é um temor pelo ego; a ansiedade depressiva,


um medo pela sobrevivência do objeto amado. A movimentação entre as
duas não é uma súbita mudança, de uma vez por todas, da perseguição
para a culpa, mas uma modificação gradual com muitas idas e vindas (Jo-
seph, 1978), da (i) perseguição para (ii) uma forma persecutória de culpa
e, daí para (iii) uma forma de culpa que permite a reparação [ver Ep-D;
DEFESA PARANÓIDE CONTRA A ANSIEDADE DEPRESSIVA].
Por achar-se a primeira arremetida da culpa tão infundida por um tipo
punitivo e onipotente de perseguição, é difícil aproximar-se da posição de­
pressiva e mantê-la. E somente quando alguns esforços reparadores podem
entrar em funcionamento que a culpa (e o superego) se torna menos seve­
ra, processo que acarreta o abandono das fantasias primitivas de onipotên­
cia [ver REPARAÇÃO].

Modificações posteriores. Modificações de menor vulto aos conceitos de cul­


pa foram subseqüentemente apresentadas pela própria Klein.
(i) A igualização simples da ansiedade persecutória com objetos parciais e
da ansiedade depressiva com objetos totais não pode ser sustentada:
Meu trabalho ulterior (...) levou-me à conclusão de que, embora no pri­
meiro estágio os impulsos destrutivos e a ansiedade persecutória predo­
minem, a ansiedade depressiva e a culpa já desempeham um certo pa­
pel na relação objetai mais arcaica do bebê, isto é, em sua relação com
o seio da mãe (...) Isto quer dizer que agora vinculo o desencadeamen-
to da ansiedade depressiva à relação com objetos parciais. A modifica­
ção é resultado de (...) um reconhecimento mais pleno da natureza gra­
dual do desenvolvimento emocional do bebê. (Klein, 1948, p. 35-6)
A síntese entre sentimentos de amor e impulsos destrutivos para com
o mesmo e único objeto dá origem à culpa e à premência em fazer repa­
ração ao objeto amado ferido, o seio bom. Isto implica que a ambiva­
lência é às vezes experienciada em relação a um objeto parcial: o seio

R.D.Hinshehvood / 237
da mãe. Durante os primeiros meses de vida, tais estados de integração
são de curta duração. (Klein, 1952, p. 65)
Estes estados representam um certo 'progresso [inicial] em integração que
depende de os impulsos amorosos predominarem temporiamente sobre os
impulsos destrutivos" (Klein, 1952, p. 69). isto sugere que estes momentos
de integração são os promissores primórdios da diminuição na dominância
da ansiedade persecutória.
(ii) Subseqüentemente, um estado mais sinistro de coisas foi descrito, em
resultado das tentativas pioneiras de psicanalisar esquizofrênicos utilizan­
do conceitos kleinianos. Rosenfeld, reconhecendo os estados transitórios
de integração, acrescentou, contudo:
Desejo fazer alguns acréscimos tentativos a estes conceitos, e sugiro que,
sob certas condições externas e internas em que impulsos agressivos tem­
porariamente predominam, podem surgir estados em que impulsos de
amor e ódio e objetos bons e maus não podem ser mantidos separados
e são assim sentidos como misturados ou confusos. (Rosenfeld, 1950, p. 53)
Este fracasso da cisão primária que mantém o objeto bom intacto e separa­
do do mau na posição esquizoparanóide arcaica resulta em confusão de im­
pulsos e objetos.
Klein endossou parcialmente isto e concordou que uma forma particu­
larmente persecutória de culpa resulta de circunstâncias especiais em que
a inveja é anormalmente alta, principalmente por razões constitucionais,
mas pareceu preferir apegar-se ao termo "culpa" para descrever a experiência:
Parece que uma das conseqüências da inveja excessiva é um desencade-
amento precoce da culpa. Se uma culpa prematura é experienciada por
um ego que ainda não é capaz de suportá-la, a culpa é sentida como
perseguição e o objeto que desperta a culpa é transformado em um per­
seguidor. O bebê então não consegue elaborar a ansiedade persecutória
nem a depressiva, porque elas se tornam confundidas uma com a outra.
(Klein, 1957, p. 194)
Segai (1956) também, ao analisar esquizofrênicos, demonstrou claramente
que estes possuem uma capacidade de experienciar depressão, apesar de
sua fixação na posição esquizoparanóide. O recurso deles é a fragmenta­
ção imediata e a projeção dos fragmentos de si mesmos, quando são pos­
tos em perigo por sentimentos depressivos. A deterioração conseqüente
de seu próprio estado mental acha-se vinculada à experiência, pelo analis­
ta, da depressão e do desespero projetados, em nome do paciente.

Defesas contra a culpa e a ansiedade depressiva. Existem diversas defesas es­


pecíficas contra a culpa e a ansiedade depressiva. São todas elas primiti­
vas e acham-se relacionadas à qualidade psicótica da ansiedade.

238 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Uma das formas mais freqüentes de defesa é o irado afastam ento em re­
lação ao ob jeto, mecanismo que pode promover a situação edipiana atra­
vés do afastamento em relação ao seio ou à mãe e que também pode, se
o mecanismo for posto em ação com raiva excessiva, levar a consideráveis
problemas com a nova relação objetai. Em forma mais suave, trata-se do
processo de desvio. Outro mecanismo comum mencionado nos artigos ini­
ciais de Klein é a extem alização do superego, como um alívio para a perse­
guição interna e a culpa.
Outra defesa é o retorno a uma relação paranóide com o objeto [ver
DEFESA PARANÓIDE CONTRA A ANSIEDADE DEPRESSIVA]. Nos
estágios mais iniciais da posição depressiva, a culpa é tão penosa que é ex-
perienciada como uma perseguição deliberada, constituindo a base para
esta reversão ou retorno.
Defesas maníacas. Entretanto, as defesas mais importantes que são especi­
ficamente assestadas contra a ansiedade depressiva reúnem-se em um gru­
po e a elas nos referimos como defesas maníacas [ver DEFESAS MANÍA­
CAS]. A constância da constelação de defesas levou Klein a utilizar, por
curto prazo, a expressão "posição maníaca". Em 1935 ela as descreveu
abrangentemente pela primeira vez. "A torturante e perigosa dependência
[do ego] em seus objetos amados impulsa o ego a encontrar liberdade. Sua
identificação com esses objetos, contudo, é profunda demais para ser re­
nunciada (...) O senso de onipotência, em minha opinião, é o que, primei­
ro e antes de tudo, caracteriza a mania" (Klein, 1935, p. 277). As defesas
maníacas abrangem:
(i) a onipotência, que matiza todas as outras;
(ii) a negação da realidade psíquica, com uma conseqüente tendência à ne­
gação da realidade externa;
(iii) a negação da importância dos objetos bons, e
(iv) o controle e o domínio sobre objetos dos quais o ego é dependente.
Reparação: Desde muito cedo, Klein ficou impressionada pelas reações
das crianças a objetos danificados e pela maneira por que buscam lidar
com eles. Foi destas observações que ela, pela primeira vez, começou a in­
ferir a prevalência da culpa. O sofrimento de uma criança por causa de
um brinquedo pode levá-la a escondê-lo em uma gaveta e dessa maneira
negar o que a está fazendo sofrer, mas ela também pode fazer esforços
mais ou menos eficazes para restaurá-lo.
Cedo Klein observou como estes esforços de reparação relacionavam-
se à idéia de Freud da sublimação, mas, à medida que a culpa insinuava-
se cada vez mais para o centro do palco kleiniano, assim também a repara­
ção tornou-se a forma principal de sublimação das pulsões. Ela é a manei­
ra pela qual as pulsões são traduzidas para a'forma sublimada.

R.D.Hinshelwood / 239
Em seu artigo de 1940, porém, Klein mostrou existirem diversas formas
de reparação:
(a) a reparação maníaca conduz uma nota triunfante em que a reparação
se baseia em uma inversão, humilhante para os pais, da relação criança-
genitor [ver REPARAÇÃO MANÍACA];
(b) a reparação obsessiva consiste em uma repetição compulsiva de ações
do tipo de desfazer, sem um elemento criativo real, e destinadas a aplacar,
com freqüência de maneira mágica, e
(c) uma forma de reparação baseada no amor e no respeito pelo objeto
[ver REPARAÇÃO].

Freud, Sigmund (1926), "Inhibitions, symptooms and anxiety", S. E. 20, p. 77-175,


Grosskurth, Phyllis (1986), M elanie Klein, Hodder k Stoughton.
Grinberg, Leon (1964), "On two kinds of guílt: their relation with normal and pathological
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tion", Int. /. Psycho-A nal., 59:223-8.
Klein, Melanie (1930), "The importance of symbol-formation in the deveiopment of the ego",
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---------- (1935), "A contribution to the psychogenesis of manic-depressive States", WMK 1,
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WMK 3, p. 61-93.
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Rosenfeld, Herbert (1950), "Notes on the psychopathology of confusional States in chronic
schizophrenia", em Psychotic states, Hogarth, p. 52-62; publicado anteriormente em Int.
J. P sycho-A n al, 31: 132-7.
Segai, Hanna (1956), "Depression in the schizophrenic", Int. /. Psycho-A nal., 37:339-43; re­
publicado (1981) em Hanna Segai, The w ork o f Hanna Segai, Nova Iorque, Jason Aron-
son, p, 121-9.
---------- (1979), Klein, Fontana.

À <0 0 - 1 -s 1 ~ Durante o prolongado período das décadas de


ilb b lin ilciy u V J 30 e 40, quando o conceito de objeto interno es­
tava sendo elaborado, Heimann (1942) começou a debater a questão:
Qual é o destino do objeto externo, uma vez tenha sido introjetado? Ingres­
sa ele no ego ou no superego? Rado (1928) já fora anteriormente perturba­
do por este problema no trabalho de Freud e Abraham com pacientes ma-
níaco-depressivos. Freud (1917) originalmente descrevera como o objeto
"lança sua sombra sobre o ego", chamando esse processo de "identifica­
ção". Mais tarde (1921), tentou separar essas confusões descrevendo o des-

240 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tino do objeto como sendo colocado no lugar do ego ou do ideal
do ego" (p. 114) e, subseqüentemente (1923), formalizou o conceito do su~
perego. Descreveu também o estado de estar apaixonado "(...) como 'fasci­
nação' ou 'servidão' (...) (o ego] fica empobrecido, rendeu-se ao objeto,
substituiu o objeto pelo seu constituinte mais importante" (Freud, 1921, p. 113).
As dificuldades na compreensão da descoberta kleiniana dos objetos in­
ternos (ver 5. OBJETOS INTERNOS] derivam da qualidade confundido-
ra dessas tentativas iniciais de entender a identificação e a introjeção. Quan­
do, por exemplo, Klein escreveu
(...) o ego, apoiado pelo objeto bom internalizado e fortalecido pela iden­
tificação com ele, projeta uma parte da pulsão de morte naquela parte
de si que foi escindida, uma parte que vem a ficar em oposição ao res­
tante do ego e forma a base do superego (Klein, 1958, p. 240)
estava descrevendo um certo número de relações internas diferentes entre
o ego e os seus objetos: (i) o ego tem um relacionamento de apoio com
um objeto interno; (ii) o ego é realçado e apoiado pela identificação com
o objeto; (üi) uma parte escindida do ego torna-se um objeto interno hostil.
Assimilação no ego: O emprego que Heimann (1942) faz do termo "assimi­
lação" é útil para separar estas confusões, de vez que nos permite conce­
ber objetos internos que se tornam uma parte do ego, realçam-no, e pro­
porcionam habilidades, atitudes, qualidades, constituintes e defesas com
que o ego fica subseqüentemente à sua disposição/ através da identificação
com esse objeto interno. Em contraste, existem objetos não assimilados
que permanecem alheios dentro da personalidade e "{...) agem como cor­
pos estranhos engastados no self. Embora isto seja mais evidente com rela­
ção aos objetos maus, é verdadeiro mesmo para os bons, se o ego fica com-
pulsivamente subordinado à preservação deles" (Klein, 1946, p. 9n).
Heimann (1942) relatou a história clínica de uma artista em que o mate­
rial demonstrava a introjeção de um objeto hostil que então resultava em
uma perseguição interna do ego e na diminuição da capacidade criativa
da mulher. No decurso do processo psicanalítico, esta mãe interna hostil
veio a modificar-se e pôde ser assimilada como um apoio e uma fortaleza
para o ego. Modificação semelhante de um objeto interno hostil foi descri­
ta por Schmideberg (1934) em um paciente infantil.
Posteriormente, Heimann (1955) descreveu um caso em que o objeto in­
terno hostil era identificado com uma parte do ego (uma parte anatômica)
e tratado então como objeto estranho. Tratava-se de um paciente maso­
quista cuja excitação ao ser espancado nas nádegas resultava da introjeção
de uma imago paterna odiada e hostil e de uma identificação dessa imago
com a parte de seu ego a ser espancada, ou seja, as nádegas. Este objeto
interno, encarado como "mau", era um perseguidor interno dotado de im­
pulsos sádicos semelhantes aos com que era atacado, e indistinguível do
objeto interno conhecido como superego.

R.D.Hinshehuood / 241
Heimann (1955) também ilustrou a situação típica de um objeto que foi
assimilado e se torna um recurso adicional para o ego com a criança que
introjeta o seio da mãe após ser alimentada e o identifica com seu polegar;
mais tarde, quando com fome, pode sugar esse objeto intêrno sob a for­
ma do polegar, a fim de, em ponto posterior, gerar fantasias de satisfação
para protegê-lo de um objeto hostil e gerador de fome [ver 5. O&JETOS
INTERNOS].
No decurso do desenvolvimento há "(...) uma assimilação progressiva
do superego [objeto interno hostil] pelo ego" (Klein, 1952, p. 74); "(...) o
aumento da capacidade do ego de aceitar os padrões dos objetos externos
(...) está ligado à síntese maior dentro do superego e à assimilação crescen­
te do superego pelo ego" (Klein, 1952, p. 87). À medida que objetos totais
se desenvolvem na posição depressiva, eles se tornam mais disponíveis pa­
ra apoio e identificação, internamente, e o mundo interno se transforma
em uma coleção hostil menor de objetos internos estranhos.

Ver 5. OBJETOS INTERNOS.

Freud, Sigmimd (1917), "Mourning and melancholia", S. E. 14, p. 237-60.


---------• (1921), "Group psychology and the anaiysis of the ego", S, £, 18, p. 67-143.
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Heimann, Paula (1942), "A contribution to the problem of sublimation and its reíation to
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— - — . (1955), "A combínation of defences in paranoid States", em Melanie Klein, Paula
Heimann e Roger Money-Kyrle, (orgs.), (1955), New directions in psycho-anaiysis, Tavis-
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defence mechanisms in paranoid States", lnt. }. P sycho-A n al, 33:208-13.
Klein, Melanie (1946), "Notes on some schizoid mechanisms", em WMK 3, p. 1-24.
---------. (1952), "Some theoretical conclusions regarding the emotional iife of the infant",
WMK 3, p. 61-93.
— ---• (1958), "On the development of mental functioning", WMK 3, p. 236-46.
Rado, S. (1928), 'The problem of melancholia", lnt, J, Psycho-AnctL, 9:420-38.
Schmideberg, Melitta (1934). "The play anaiysis of a three-year-old girl", lnt, J. Psycho-A-
n a l, 15:245-64.

A - — . C A *
As relações entre
A tu a ça o n a tran sferen cia o analista e o pacien­
te podem encenar impulsos, relações objetais ou defesas primitivas e for­
mar uma resistência ao trabalho da análise (Freud, 1914). Essa encenação
na transferência tem sido chamada de "atuação dentro da sessão" (Sandler,
Holder e Dare, 1973). Na época de Freud, presumia-se que a resistência e
a defesa se expressassem na transferência como uma perturbação às asso­
ciações livres. Betty Joseph, no entanto, torna a transferência importante
por outra maneira, qual seja, "examinar a maneira pela qual os pacientes
nos usam — os analistas — para ajudá-los com a ansiedade" (Joseph, 1978,
p. 223).

242 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Trabalhando com personalidades fronteiriças graves, Joseph (1975) des-
creveu uma forma de impasse encontrada na análise como sendo uma ina­
cessibilidade, quando foi atraída para o exame detalhado da maneira pela
qual o paciente usa o analista para seus próprios fins, com o fito de que
o ajude em sua ansiedade [ver EQUILÍBRIO PSÍQUICO],
O tipo de contato que é engajado com o analista é um contato no qual
analista e paciente, juntos, falam a respeito do paciente. Este não é emocio­
nalmente tocado pelas interpretações do analista, mas pode ser muito refle-
tidamente cooperativo. Uma aliança se forma, mas "se revela ser inimiga
de uma aliança real e o que se denomina compreensão é, na realidade, an-
ticompreensão" (Joseph, 1975, p. 49). Joseph conceptualizou isto em ter­
mos de duas partes separadas do paciente. Uma delas "pode parecer estar
trabalhando e cooperando com o analista, mas [esta] parte da personalida­
de que se acha acessível está, na realidade, mantendo escindida outra par­
te mais necessitada ou potencialmente reagente e receptiva" (Joseph, 1975,
p. 48). A parte acessível e essencialmente observante da personalidade é
"utilizada para manter longe o analista" (Joseph, 1975, p, 52). O intuito
desta estrutura é criar uma "espécie de equilíbrio (...) Repetidas vezes expe-
rienciamos uma seqüência em que, dentro de uma sessão, ele fazia progres­
sos, ficava profundamente envolvido e comovido pelo que estava se pas­
sando; no dia seguinte, porém, isso era uma mera e insípida lembrança"
(Joseph, 1975, p. 55).
As vezes, isto é conseguido pela projeção, no analista, de uma parte in­
teressada ou preocupada do paciente, de maneira que se espera que o ana­
lista atue [act ou t] a preocupação e o desejo de que algo seja feito. Outras
vezes, a parte compreensiva do paciente é projetada no analista e o pacien­
te espera uma compreensão onipotente e onisciente por parte daquele; ou­
tras ainda, grandes partes do ego são projetadas, de maneira que o pacien­
te se torna muito apático, e, ainda, às vezes, a parte sadia do paciente é
projetada e ele então parece ter ficado estúpido [ver 13. IDENTIFICAÇÃO
PROJETIVA],
O caráter deste impasse pareceu dar origem a aspectos específicos da
transferência [ver TRANSFERÊNCIA]:

Grande parte de nossa compreensão da transferência nos chega através


de nosso entendimento de como nossos pacientes agem sobre nós por
muitas e variadas razões; como tentam atrair-nos para seus sistemas de­
fensivos; como inconscientemente atuam [act out] conosco na transfe­
rência, tentando fazer-nos atuar com eles; como transmitem aspectos
de seu mundo interno, construído a partir da primeira infância e elabo­
rado na infância e na idade adulta, experiências que com freqüência se
situam além das palavras e que só conseguimos capturar mediante os
sentimentos despertados em nós, através de nossa contratransferência.
(Joseph, 1985, p. 62).

R.D.Hinshelwood / 243
Na transferência, algo está constantemente acontecendo, o analista es­
tá constantemente sendo usado. Isto não é a análise da resistência e da de­
fesa, mas sim a representação, no relacionamento com o analista, de sutis
e amiúde extremamente obscuras relações objetais. O analista é submeti­
do à manobra inconsciente (de seu inconsciente), a fim de que o paciente
possa organizar as partes de si próprio, e seus objetos internos, "para aju­
dá-lo com sua ansiedade". As palavras do paciente, portanto, têm de ser
escutadas, não primariamente pelo conteúdo delas, mas mais pelo que vi­
sam a fazer ao analista e à mente deste.
Outros analistas kieinianos apoiaram recentemente estas conclusões:
O paciente não se expressa somente em palavras. Usa também ações e,
às vezes, palavras e ações. O analista escuta, observa e sente as comu­
nicações do paciente. Escrutiniza suas próprias reações ao paciente, ten­
tando entender os efeitos que o comportamento deste têm sobre ele pró­
prio, analista, e entende isto como uma comunicação partida do pacien­
te (ao mesmo tempo em que está ciente daquelas reações que provêm
de sua própria personalidade). É isto, abrangido em sua totalidade, que
é apresentado ao paciente como uma interpretação. (Riesenberg-Mal-
colm, 1986, p. 434)
Segai (1982), colocando a questão de modo sucinto, escreveu: "o desen­
volvimento infantil arcaico se reflete na parte infantil da transferência.
Quando ele é bem integrado, dá origem a uma comunicação não-verbal
subjacente, que dá profundidade a outras comunicações. Já quando não é
integrado, dá surgimento à atuação dentro da sessão como um modo pri-
'mitivo de comunicação" (Segai, 1982, p. 21).
Joseph demonstrou que os pacientes tentam preservar um equilíbrio psí­
quico, incertamente postado entre a posição esquízoparanóide e a posição
depressiva (Joseph, 1989) [ver EQUILÍBRIO PSÍQUICO]. O movimento
no sentido da posição depressiva parece ser particularmente bloqueado
por uma forma específica de sofrimento psíquico [ver DOR PSÍQUICA].
As personalidades limítrofes, especialmente, parecem sentir que seu equi­
líbrio é precário e valem-se então de uma organização de suas defesas que
é extremamente rígida. Estes estados estão associados com o desenvolvi­
mento sob a dominância da pulsão de morte e destrutividade [ver PUL-
SÃO DE MORTE] e essas organizações com freqüência envolvem a domi-
nância das partes "más" do self sobre as "boas" [ver ORGANIZAÇÕES
PATOLÓGICAS].

Freüd, Sígmund (1914), "Remembering, repeating and working-through ", S. E. 12, p. 145-56.
Joseph, Betty (1975), "The patient who ís difficuít to reach", em Peter Giovacchini, (org.),
Taches and techniques in psycho-analytic therapy, vol. 2, Nova Iorque, Jason Aronson,
p. 205-16.

244 / Dicionário do Pensamento Kieiníano


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Sandler, Joseph; Dare, Christopher e Holder, Alex (1973), The paiient and the analyst, Geor-
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Segai, Hanna (1982), "Early infantile development as reflected in the psycho-analytic process:
steps in integration", Ínt. J. Psycho-A nal., 63:15-21.

a a« O grave distúrbio infantil conhecido como autismo foi


A U tlS ir iO estudado (Meltzer et ah, 1975; Tustin, 1981, 1986) após
o bem-sucedido trabalho psicanalítico feito com pacientes psicóticos adul­
tos [ver PSICOSE], O interesse teórico reside nos estados mentais psicoló­
gicos muito arcaicos, quando a predisposição ao autismo é provocada.
Sustenta-se, portanto, a condição de ser ele um dos acessos aos estágios
mais remotos de desenvolvimento — em verdade, os momentos imediata­
mente anteriores e posteriores à experiência do nascimento.
Francês Tustin: Tustin descreveu como Klein "(...) já em 1930, demonstra­
ra haver antecipado de treze anos a diferenciação de Leo Kanner entre 'au­
tismo infantil inicial' e deficiência mental" (Tustin, 1983, p. 130). Postulou
ela (1981, 1986) um estado primário de "autismo normal", que ligou ao
auto-erotismo descrito por Freud, uma busca, sém relação com objetos,
por sensações corporais agradáveis. Aceitou também a visão de Winnicott,
da onipotência primária infantil, como equivalente à expressão de sua au­
toria. Passou ela então a distinguir entre dois tipos de autismo: (i) aquele
em que o "autismo normal" foi prematuramente interrompido para o be­
bê, que, em estado de hipersensibilidade à experiência da separação, rea­
ge batendo em retirada, de modo impenetrável, a uma preocupação úni­
ca com suas sensações corporais, com uma fu são permanente e psicótica
com o meio ambiente (mãe), e (ii) aquela forma em que o bebê, menos gra­
vemente traumatizado, passa a valer-se de um apoio permanente na identi­
ficação projetiva patológica, com uma confusão permanente com objetos
externos. Ambas as formas resultam em uma falta de desenvolvimento
do mundo interno e em uma preocupação com as sensações corporais. O
primeiro destes tipos de estados autistas é percebido claramente na noção
winnicottiana de invasão ambiental por parte de objetos externos, anterior­
mente ao estágio evolutivo em que a separação pode ser tolerada [ver
ANIQUILAMENTO]. A visão de Tustin, dessa maneira, serve de ponte
sobre o divisor de águas das concepções de Klein e Winnicott a respeito
dos estados mais arcaicos da psicologia infantil.
D onald Meltzer: Em direção ligeiramente diferente, Meltzer e outros (1975)
seguiram o entendimento de Bion a respeito do crescimento do aparelho

R.D.Hinshekoood / 245
mental e das formas aberrantes em que ele pode se dissolver. A inversão
do processo normal de integração mental ocasiona uma desintegração em
fragmentos de dados sensórios [ver PENSAR; ELEMENTOS-BETA], resul-
tando-em falta do desenvolvimento adequado para pensamentos pensáveis
(Meltzer, 1978). Ele também ligou isto ao trabalho de Bion sobre a identi­
ficação adesiva derivado da observação de bebês "normais" a partir do
nascimento [ver IDENTIFICAÇÃO ADESIVA]. Parece haver uma corres­
pondência significativa entre observações de crianças autistas e de bebês
normais, a partir dos primeiros dias (Meltzer, 1975). Bick (1968) demons­
trou a maneira pela qual o bebê primeiro vem a adquirir o senso de ser
mantido reunido, através da estimulação da pele. Quando isto não aconte­
ce de modo suficiente, a criança fica com um senso deficiente de integra­
ção, imaginado como uma incapacidade de sustentar o senso de um espa­
ço continente. A ausência deste espaço continente, quer interna a ela pró­
pria, quer externa, caracteriza a criança autista [ver PELE]; em resultado
disso, a criança encara intensas sensações perceptuais e outras sensações
como sendo mecanismos para sustentá-la reunida.
Como geralmente acontece com novas compreensões das experiências
arcaicas da primeira infância, elas podem ser utilizadas para entender os
problemas posteriores, em distúrbios adultos. Sidney Klein (1980) demons­
trou aspectos autistas de pacientes que apresentavam problemas neuróti­
cos. Eles se achavam encapsulados em rígido isolamento estrutural e eram
amíúde concebidos em sonhos como insetos duros ou animais com carapa­
ças, remaniscentes a defensividade secundária dura e muscular descrita
por Bick (1968). Estas paries escindidas da personalidade podem estar rela­
cionadas à organ zaçáo de elementos profundamente narcísicos descrita
por Rosenfeld >1971) b - r ESTRUTURA].

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246 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


"O 1 * a ^reud demonstrou que a significância dos bebês era muito im-
D c D C S p o r t a n t e e profunda. Eles representam o exultante substituto
de um pênis, para a menininha, e um triunfo para a criatividade dela.
Ataques ao corpo da m ãe: Segundo concepções iniciais de Klein (Klein,
1932), os bebês da mãe, que se acredita residirem dentro de seu corpo, cons­
tituem uma provocação extremada ao ciúme e à inveja desde tenra infân­
cia. Isto dá origem a ataques violentos, em fantasia, ao corpo da mãe e
aos conteúdos dele, assim como a pavorosos temores de retaliação [ver 6.
FASE DA FEMINILIDADE; 8. SITUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDA­
DE]. As fantasias que a garotinha tem de seus próprios bebês são, portan­
to, uma tranqüilização contra a ansiedade paranóide da retaliação materna.
Algo muito parecido acontece com o menininho, que é levado à violência
(e ao medo paranóide) pela fantasia adicional de o corpo da mãe conter
o pênis do pai [ver FIGURA COMBINADA DOS PAIS]. Em ambos os se­
xos, a idéia de bebês no corpo da mãe (e também o pênis do pai) produz
agressão e temores paranóides [ver PARANÓIA] que intensificam a ansie­
dade castratória e a inveja do pênis normais descritas por Freud; eles afe­
tam grandemente o desenvolvimento sexual da criança, com possíveis ini­
bições resultantes no estado adulto e, por sua vez, influenciam as relações
dos adultos com os seus próprios bebês, como mães ou pais.

Ver CRIANÇA.

Klein, Melanie (1932), "The psycho-analysis of chüdren," WMK 2.

T) ® 1 T7 1 1 Biografia. Nascida em 1901 na Polônia, Esther


D 1L K f C b lR v-l Bick estudou psicologia em Viena com Charlotte
BüWer, mas veio como refugiada para a Inglaterra, onde acabou por ingres­
sar na carreira psicanalítica após a Segunda Guerra Mundial. Trabalhou
então na Clínica Tavistock e desenvolveu o método de observação de be­
bês como instrumento de treinamento para psicoterapeutas de crianças.
Seu interesse, contudo, residia em testar as conclusões de Klein a respeito
do primeiro ano de vida através da observação direta, e, no curso disso,
efetuou as suas próprias descobertas originais, Apesar de sua lealdade a
Klein, as opiniões de Bick, desde sua morte em 1983, foram deixadas pa­
ra trás pela principal corrente kleiniana de desenvolvimento.

CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS. Bick contribuiu com um método do qual


provieram quatro resultados principais, referentes aos estágios muito ini­
ciais de desenvolvimento nos primeiros dias e semanas de vida (Harris, 1984).
(i) O bservação de bebês: Bick deu início a um método rigoroso de observa­
ções semanais de mães com bebês em suas próprias casas (Bick, 1964).

R.D.Hínshelwood / 247
Originalmente, tratava-se de um método de ensinar psicoterapeutas de crian­
ças e psicanalistas em formação a observar, ao invés de intervir. As obser­
vações, contudo, produziram resultados imediatos [ver OBSERVAÇÃO
DE BEBÊS].
(ii) Sensação epidérmica primária: A observação mais importante de Bick
referia-se à experiência passiva que tem o bebê de ser mantido unido por
um objeto externo sentido através das sensações da pele [ver PELE], e de
passivamente despedaçar-se se esse objeto falha (Bick, 1968). A pele é deci­
siva em sua função de fornecer provas da existência de um objeto desse
tipo. Isto se acha em contraste com as experiências descritas por Bion e
outros, ao trabalharem com esquizofrênicos, de um processo ativo de ci­
são e aniquilação do self.
A idéia de que a experiência de espaço interno tem de ser adquirida im­
plica a possibilidade de um fracasso em consegui-lo e, portanto, da neces­
sidade de medidas compensatórias, as mais primitivas de todas as defesas,
a que Bick (1968) deu o nome de fenômenos de "segunda pele" [ver PELE],
(iii) O objeto,prim ário: Bick conseguiu provas, em detalhes muito maiores,
da natureza deste primeiro objeto que mantém unida a personalidade [ver
12. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE] e tem de ser introjetado a fim de
dar um senso de espaço no qual introjeções possam ser colocadas. A opi­
nião de que a experiência de um espaço interno é uma experiência adquiri­
da, através de uma experiência adequada, contrasta com a idéia de uma
experiência inata de espaço interno, implícita nas teorias de Bion.
(iv) Identificação adesiva: O possível fracasso em desenvolver um objeto
(espaço) integrador primário desse tipo parece ser confirmado pelo traba­
lho com crianças autistas (Meltzer et a l , 1975) [ver AUTISMO]. Bick e
Meltzer (Meltzer, 1975, 1986) colaboraram na descrição das maneiras pe­
las quais as crianças autistas se desenvolvem sem senso de espaço interno
ou externo. O relacionamento delas com objetos parece ser uma "coíar-se
ao" objeto, mecanismo que recebeu o nome de "identificação adesiva"
[ver IDENTIFICAÇÃO ADESIVA].

Bick, Esther (1964), "Notes on infant observatíon in psycho-analyüc trairúng", Int. J. Psycho-
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Biografia. Bion nasceu na índia, em 1897,


, vvu u c u e teve uma carreira perigosa durante a Pri­
meira Guerra Mundial, como comandante de tanques (conquistando a
DSO*), antes de se estabelecer para estudar medicina e, por fim, psicanáli­
se durante as décadas de 30 e 40. Na década de 40, efetuou fascinantes
descobertas sobre a psicologia social dos grupos, as quais rapidamente aban­
donou para reunir-se à vanguarda da investigação psicanalítica da esquizo­
frenia. Sua extraordinária capacidade de distinguir-se em qualquer ambien­
te em que porventura estivesse casava-se com um desapontamento conti­
nuado frente à resistência que ele sentia contra os seus esforços. Isto o le­
vou a abandonar a Grã-Bretanha, em uma tentativa de implantar-se na
Califórnia dos anos 70, a qual novamente fracassou. Retornou para apoiar
uma moção destinada a criar um grupo psicanalítico (de orientação kleinia-
na) em Oxford, mas esta jogada final precedeu apenas em meses o seu fale­
cimento em 1979, Sua busca geográfica, até o final da vida, por um lugar
onde estabelecer seu lar constituiu uma metáfora para seus embates teóri­
cos igualmente inquietos na psicanálise. Suas realizações colocam-se em
segundo lugar apenas em relação às da própria Klein, embora alguns (Melt-
zer et ah, 1982) possam dizer que o potencial delas sobrepuja em muito
as de Klein. Se existir uma escola ou tradição pós-kleiniana, ela pertence a Bion.
As contribuições dele são muito amplas e podem ser encontradas com
pormenores em outros verbetes deste dicionário, nos quais far-se-á referên­
cia, Seus textos apresentam-se de modo aforístico, irritantes e intensamen­
te estimulantes, e esse estilo foi o responsável por uma tendência a santifi­
cá-lo, ao mesmo tempo em que realmente não se o entende. Todos os klei-
nianos da atualidade consideram sua atual prática e teoria como havendo
sido significativamente moldada pelo trabalho de Bion (0'Shaughnessy, 1981).

CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS. Enquanto fazia sua formação psícanalíti-


ca, Bion dirigiu terapia em grupos (Bion, 1961) [ver PRESSUPOSTOS BÁ­
SICOS]. Apesar de o fato de seu interesse nisso haver durado apenas alguns
anos, sua abordagem imaginativa conduziu: (i) ao desenvolvimento de
uma tradição de terapia de grupo conhecida pelo nome de 'estilo Tavis-
tock" (Menzies Lyth, 1981; Gosling, 1981); (ii) à criação de uma forma
de prática psiquiátrica conhecida como comunidade terapêutica (Main,
1946; Hinshelwood, 1987); (iii) à formação do Instituto Tavistock para tra­

* N .T.: Trata-se de uma condecoração concedida pela Coroa aos oficiais por bravura em combate.

R.D.Hirtshehoood / 249
balho e pesquisa em desenvolvim ento organizacional (Rice, 1963; Menzies
Lyth, 1988, 1989); (iv) à introdução de um método novo e duradouro de
seleção de oficiais nas forças armadas (Bion, 1946); (v) à compreensão da
psicologia social dos grandes grupos (Turquet, 1975), e (vi) ao desenvolvi­
mento de m étodos de ensino em grupos (Gosling et al., 1967).
A contribuição de Bion à psicanálise pode ser sucintamente resumida
nos subtítulos seguintes, dos quais exposição adicional aparece nos verbe­
tes que a eles se referem:

(1) Psicose. Como psicanalista, Bion uniu-se ao grupo de analistas kleinianos


que estavam explorando o avanço na compreensão da esquizofrenia que
proviera do artigo de Klein (1946) sobre os mecanismos esquizóides. Um
novo desenvolvimento na prática surgiu da descoberta dos aspectos escin-
didos da transferência que eram descritos nesse trabalho. Em seu primei­
ro artigo sobre o tópico, em 1954, Bion baseou sua visão do esquizofrêni­
co como "(...) quer cindindo-se, quer entrando ou saindo de seus objetos"
(Bion, 1954, p. 24). No simpósio para o qual contribuiu com esse trabalho,
havia também um outro da autoria de Katan, que descrevia critérios pa­
ra distinguir entre as partes psicóticas e não-psicóticas da personalidade e
que parece ter resultado na afirmação clássica de Bion, feita em 1957, so­
bre a diferença entre o psicótico e o não-psicótico. Em 1959, Bion descre­
veu a diferença decisiva existente entre a forma normal e a forma patológi­
ca da identificação projetiva [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA; OB­
JETOS BIZARROS], algo que colocou muito mais ordem no conceito con­
fuso da identificação projetiva.
Na forma patológica, o processo é alcançado com violência e sadismo
máximos, resultando em um objeto externo invadido e banhado de ódio
retaliatório, um objeto bizarro. Esta idéia situou-se na base de todos os
desenvolvimentos posteriores das teorias de Bion [ver PSICOSE].

(2) Empatia. Uma vez uma forma patológica de identificação projetiva tenha
sido isolada, uma forma mais "normal", dirigida com menos ódio, podia
ser compreendida. Processos benignos do tipo da empatia, que envolve "co­
locar-se no lugar do objeto", tornaram-se características importantes para
entender o efeito terapêutico da psicanálise [ver 1. TÉCNICA].

(3) Pensar. A violência e a onipotência da intrusividade do esquizofrênico é


a causa de sua dificuldade em pensar. Contudo, uma vez discernidas as
anormalidades do pensar esquizofrênico, tornou-se claro como os proces­
sos mais normais de pensamento baseiam-se também na identificação pro­
jetiva (que é uma forma mais normal). Bion fez experiências com paradig­
mas para a ligação dos pensamentos [ver LIGAÇÃO]. A interpretação de
determinado elemento dentro de outro podia ser erigida em estruturas
muito complexas de abstração, com repetições seriais deste tipo de ligação

250 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


emocional [ver PENSAR]. Trata-se de um processo que gera significado a
partir de sensações e experiências [ver FUNÇÃO-ALFA; EPISTEMOFILIA].

(4) Conter. Bion (1962a) descreveu uma nova teoria do relacionamento que
avança além do paradigma tradicional da sexualidade. Entretanto, ela po­
de ser enunciada de maneira inversa, qual seja, que o complexo de Édipo
e seu distúrbio podem vir a investir de energia qualquer destes contatos in-
terpenetrantes. Pode-se pensar no contato como sendo um processo de con­
ter. Determinada coisa torna-se comprimida em outra, com ou sem violên­
cia. Bion descreve então toda uma fenomenologia do relacionamento çon-
tinente-contido, na qual o que é contido pode fazer explodir o continente
ou então, por sua vez, pode ser constringido e sufocado pelo continente,
ou ainda, alternativamente, pode dar-se uma adaptação mútua entre os
dois. Descreveu ele formas sim bióticas, parasitárias e comensais do relacio­
namento (Bion, 1970). Embora tenha descrito esta forma interpretante de
contrato primeiro de tudo no processo de desenvolvimento de pensamen­
tos e teorias, ele estendeu-a a todos os tipos de fenômenos: colocar pensa­
mentos em palavras; o pensamento, ou o sentimento, na mente do indiví­
duo; o indivíduo em seu grupo social; o bebê na consciência [conscious-
ness] da mãe (reverie), etc. [ver CONTER.]

Técnica psicanalítica: A teoria do conter contribuiu para a revisão da téc­


nica psicanalítica que estava sendo efetuada na década de 1950 (Racker,
1948; Heimann, 1950; Rosenfeld, 1952; Money-Kyrle, 1956) através do
dom característico que Bion possuía de descrições vividas e desafiantes
[ver 1. TÉCNICA; CONTRATRANSFERÊNCIA].

M emória e desejo: Ao abordarem uma análise, achava Bion, tanto analis­


ta quanto analisando temem a experiência de mudança e desenvolvimen­
to que ela ocasiona. Elas são pequenas catástrofes na paz de espírito de
ambos [ver. Ep-D; ANIQUILAMENTO]. Bion prescreveu ao analista evi­
tar certas manobras mentais que obstruirão sua abordagem da catástrofe
potencial do desenvolvimento na análise [ver MEMÓRIA E DESEJO; CON­
TER]. Achava ele que os obstáculos principais eram o tumultuamento da
mente do analista pelo conhecimento previamente sabido a respeito do pa­
ciente ou da psicanálise (ao invés de estar aberto à experiência imediata)
e um zelo terapêutico que tinha por objetivo planejar o desenvolvimento
futuro, sem permitir que este emergisse na experiência mútua. Estas rotas
de fuga do presente imediato para dentro do passado ou do futuro podiam
ser fechadas pela recomendação de Bion (1965, 1970) de "abolir a memó­
ria e o desejo". Limpar a mente desta maneira constitui uma atividade vi­
gorosa por parte do analista, embora, tal como acontece na teoria da con-
tratransferência, possa se abusar dela e ela ser tomada como desculpa pa­
ra "a ignorância e a indolência" (Spiílius, 1988).

R.D.Hinsheíwood / 251
(5) A comunicabilidade do pensamento psicanalítico, Mais tarde, em sua car­
reira, Bion começou a interessar~$e pela maneira pela qual os psicanalistas
entendem — ou entendem mal uns aos outros. Primeiro de tudo, ele in­
ventou uma grade (Bion, 1963), na qual, sobre duas coordenadas, locali­
zou todos os tipos possíveis de comunicações. Uma das coordenadas era
uma cascata serial de relações continentes em diferentes níveis de abstra­
ção, indo de dados sensórios muito primitivos até teorias gerais do tipo
mais abstrato (de sonhos e fantasias até conceitos, sistemas teóricos e cál­
culo algébrico). A outra coordenada apresentava a maneira pela qual estes
elementos mentais podiam ser usados. Dessa maneira, Bion tentou trazer
precisão à comunicação a respeito da psicanálise e, em verdade, rigor ao
pensamento que se deve comunicar.

Vértices: Em outra tentativa para trazer ordem a toda a má compreensão,


Bion (1970) tentou gerar uma teoria de pontos de vista diferentes: os vérti­
ces. Os níveis de contenção fornecem pontos de vista diferentes — míticos,
científicos, etc.; isto conduz a vértices religiosos, individuais, sociológicos,
os quais ele tinha a esperança de que pudessem ser mutuamente reconciliados.

Fenômenos sociais: Suas reflexões a respeito da comunicação e dos pontos


de vista (vértices) levou Bion a especular sobre os fenômenos sociais a par­
tir de uma estrutura psicanalítica (Bion, 1970) [ver PRESSUPOSTOS BÁ­
SICOS; SOCIEDADE]. A tensão entre um indivíduo e a sua sociedade foi
elaborada em termos de conter e isso refletia uma idéia que Pichon-Rivie-
re (1931) havia considerado muito tempo antes.

O estilo de Bion: O curioso estilo da escrita de Bion parece achar-se liga­


do ao conteúdo das idéias sobre as quais está escrevendo. Em seus primei­
ros textos, é enérgico, até mesmo ligeiramente irascível — visando, segun­
do parece, ao desafio com idéias novas. Mais tarde, porém, quando enten­
deu melhor sua própria teoria do pensar e do comunicar-se com os outros,
seu estilo evoluiu para uma exigência, colocada ao leitor, de efetuar sua
própria reflexão. Bion aperfeiçoou um truque de descrever certos proces­
sos psíquicos, ao mesmo tempo em que se engajava extamente nesse pro­
cesso durante o ato de descrevê-lo. Exemplificando, buscou sua expressão
função-alfa para descrever o processo mental de adquirir significado pa­
ra impressões sensórias; ao mesmo tempo, o termo foi escolhido por sua
qualidade livre de significado e achava-se, no decurso dos textos de Bion,
no próprio processo de adquirir um significado. A combinação do proces­
so com o método de descrevê-lo compara-se com a incapacidade que o es­
quizofrênico tem para distinguir entre comunicação e ação. Mas a combi­
nação ou fusão de Bion não é incapacidade, mas sim uma tentativa calcu­
lada para fornecer um significado através da experiência, assim como me­
diante a exposição didática: "A vantagem de empregar um signo (...) é
que ele pelo menos indica que a compreensão que o leitor tem de meu sig­

252 / Dicionário áo Pensamento Kleiniano


nificado deveria conter um elemento que permanecerá insatisfeito até o lei­
tor encontrar a realização apropriada" (Bion, 1962b, p. 95-6). Exige-se do
leitor que preencha as palavras de Bion com a sua própria experiência.

A importância de Bion. É impossível, em um verbete resumido, transmitir a


escala do impacto de Bion sobre o pensamento kleiniano. O caráter da psi­
canálise kleiniana desenvolveu-se significantemente a partir do artigo de
Klein sobre os mecanismos esquizóides (Klein, 1946), mas o acompanha­
mento destas idéias foi feito, em grande parte, por seu grupo de seguido­
res (ver GRUPO KLEINIANO; 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA], e
Bion surgiu como o mais original deles. Os desenvolvimentos de maior al­
cance foram: (a) o reconhecimento das identificações projetivas onipoten­
te e normal; (b) a teoria da contenção emocional da personalidade, e (c)
a teoria do pensar de que deriva o próprio significado das mais primitivas
configurações infantis de emoções (ver FUNÇÃO-ALFA; ELEMENTOS-
BETA; OBJETOS BIZARROS; CONTER; CONTRATRANSFERÊNCIA;
LIGAR; PAVOR SEM NOME; PRÉ-CONCEPÇÃO; Ep-D; PENSAR].
Em todos estes desenvolvimentos, Bion constituiu a figura de maior realce.
Um ponto de importância no debate contemporâneo kleiniano é como
outorgar a Bion a sua importância: se ele avançou além de Klein a ponto
de poder ser reconhecido como o fundador, com efeito, de uma nova esco­
la de psicanálise, tal como Meltzer e alguns de seus colegas começaram a
sugerir (Meltzer et a l , 1982; Harris, 1982; Meltzer, 1986), ou se os desen­
volvimentos com que Bion esteve especialmente associado são parte inte­
grante de uma evolução geral do pensamento kleiniano que também inclui
(a) o desenvolvimento, por Segai, de uma teoria kleiniana do simbolismo
e da experiência estética (ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS; EQUAÇÃO
SIMBÓLICA], (b) os desenvolvimentos efetuados por Rosenfeld, Joseph e
outros a respeito da estrutura da personalidade (ver NARCISISMO NEGA­
TIVO; PERVERSÃO; ESTRUTURA], e (c) o estudo continuado de crian­
ças e bebês por parte de Bick e outros autores, desenvolvendo a teoria dos
espaços internos e da identificação adesiva [ver IDENTIFICAÇÃO ADESI­
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Brincadeira [Ver BRINCAR]


TJ • Klein desenvolveu um método de analisar crianças basea-
JL/X l I l L d r do na observação de como brincavam, o que analisou co­
mo se fosse comparável às associações livres dos adultos e aos sonhos [ver
1. TÉCNICA]. Por isto, foi criticada por Anna Freud, com fundamento,
254 / Dicionário do Pensamento Kleiniano
em a criança ter, por trás do seu brincar, um intuito diferente do intuito
do adulto na associação livre. Este último, sustentava Anna Freud, resulta-
va de uma cooperação com o analista no empreendimento psicanalítico,
enquanto que a criança não pode entender o intuito da psicanálise. Klein
respondeu a isto demonstrando (a) que tanto o brinquedo quanto as asso­
ciações livres são expressões simbólicas comparáveis ao conteúdo da men­
te, e (b) que a criança, desde a primeira interpretação, tem entendimento
(um entendimento inconsciente) da natureza da psicanálise [ver ANÁLISE
DE CRIANÇAS].
De saída, Klein modelou suas concepções no interesse de Freud pelo brin­
car das crianças:

Em seu brincar, as crianças repetem tudo que lhes causou grande impres­
são na vida real e, assim fazendo, ab-reagem à força da impressão e,
como se poder ia dizer, tornam-se senhoras da situação. Por outro lado,
porém, é óbvio que todo o seu brincar é influenciado por um desejo
que as domina a totalidade do tempo: o desejo de serem crescidas e ca­
pazes de fazer o que as pessoas crescidas fazem. Pode-se também obser­
var que a natureza desagradável de uma experiência nem sempre a tor­
na inapropriada para o brinquedo. Se um médico examina a garganta
de uma criança ou lhe faz alguma pequena operação, podemos estar in­
teiramente certos de que estas experiências assustadoras serão o tema
do brinquedo seguinte, mas não devemos, com relação a isso, passar
por cima do fato de existir uma obtenção de prazer, provinda de outra
fonte. Quando a criança passa da passividade da experiência para a ati­
vidade do brincar, ela passa adiante a experiência desagradável a um
de seus companheiros de jogo e, desta maneira, vinga-se em um substi­
tuto (Freud, 1920, p. 17.

A ênfase aqui incide sobre a importância do brincar no domínio do mun­


do interno da criança. Esse aspecto das descrições de Freud, que reconhe­
ce a transformação de uma experiência passiva em outra ativa, foi assumi­
do por Waelder (1933) e Anna Freud (1936).
Sob o estímulo da controvérsia com Anna Freud, Klein (1926, 1929) es­
forçou-se por elucidar os processos envolvidos no brincar das crianças,
Considerou a premência em brincar como composta de um certo número
de ingredientes, a maioria dos quais é indicada ou a eles se alude na passa­
gem de Freud citada:

(i) a mente humana pensa, desde o início, em termos de objetos, em rela­


ção uns com os outros e com o sujeito;

(ii) a criança busca alívio quanto aos reveses de seu mundo interno median­
te a externalização das piores situações persecutórias para o mundo externo;

R.D.Hinshelwood / 255
(iii) parte do desenvolvimento natural da criança é buscar novos objetos
como substitutos de anteriores, e brinquedos [coisas] e companheiros de
jogos são uma das formas de praticar uma simbolização deste tipo, e
(iv) o voltar-se para novos objetos é também movido pelos conflitos com
o objeto arcaico, de maneira que se ganha uma folga pela descoberta de
um novo objeto (um símbolo),
Estes processos são inconscientes e representam a mente da criança a lutar
com as dificuldades que lhe são colocadas por seus impulsos e seus obje­
tos. O brincar, na visão de Klein, era uma coisa séria para a criança e não
meramente um prazer trivial, nem, tampouco, apenas um exercício no do­
mínio “do meio ambiente físico.

Ver PERSONIFICAÇÃO; CRIMINALIDADE; EXTERNALIZAÇÃO; CRIA­


TIVIDADE.

Freud, Artrta (193ó), The ego and the m echanisms o f defen ce, Hogarth.
Freud, Sigmimd (1920), "Beyond the píeasure principie", S.E. 18, p. 7-64.
Klein, Melanie (1926); 'T he psychological principies of early analysis", WMK 1, p. 128-38.
-------- . (1929), "Personífication in the play of children", WMK 1, p. 199-209.
Waelder, Robert (1933), 'The psycho-analytic theory of play", Psycho-Anal, Q ., 2:208-24.

Classicamente, a concepção de Freud era de que o


cerne do problema edipiano seria os desejos sexuais
(libidinais) trazerem consigo o risco de o menininho ser castrado pelo pai.
Havia certos problemas com esta teoria, não sendo o menor deles aquele
de entender o complexo de Édipo da menininha. Klein descreveu (1932)
uma ansiedade em meninas que era a contrapartida da ansiedade de castra­
ção: os medos despertados pelos ataques em fantasia da menina às entra­
nhas da mãe e objetos que aquela acredita residirem lá, quais sejam, os
bebês da mãe e também o pênis do pai, que, acredita ela, forma um coi­
to permanente dentro da mãe. O objetivo combinado da mâe-com-pênis
ou pênis dentro do seio é extremamente violento e assustador [ver FIGU­
RA COMBINADA DOS PAIS]. A meninazinha teme a Retaliação, na mes­
ma moeda, por seus ataques invasores, danificadores e despojadores ao
corpo da mãe e seus conteúdos [ver 6. FASE DA FEMINILIDADE; 8. SI­
TUAÇÕES ARCAICAS DE ANSIEDADE]. Também o menininho tem fan­
tasias semelhantes de atacar a mãe, mas elas se centram em maior grau
no pênis do pai, que está alojado dentro daquela.
Klein acreditava haver descoberto um precursor da ansiedade de castra­
ção que, baseado nas fases pré-genitais muito sádicas, concede um temor
particularmente intenso à ansiedade de castração. Dessa maneira, sua con­
tribuição nesta ocasião (década de 30) foi reforçar a concepção clássica

25.6 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


das ansiedades que assediam o bebê e a criança, por demonstrar os elemen­
tos especialmente primitivos que se acham subjacentes à configuração geni-
tal oriunda de fases evolutivas anteriores e que são para ela atraídos. As­
sim, achou estar realçando a teoria clássica, pela ampliação dela, remon-
tando-a a períodos anteriores com os quais possui continuidade genética,
método que Freud sempre empregara [ver CONTINUIDADE GENÉTICA].

Klein, Melanie (1932), The psycho-analysis o f children, WMK 2.

s *Freud usou a expressão "cena originá-


o rig in aria ria" para designar a experiência que o
bebê ou a criança tem do canal de pais em relação sexual. Tipicamente,
interessou-se pelo testemunho real, por parte da criança, da cópula dos
pais. Os exaustivos pormenores de sua análise do Homem dos Lobos (Freud,
1918) referiram-se ao trauma do paciente por dormir no quarto dos pais
nas férias, as mistificantes fantasias que tinha a respeito disso, os desejos
de identificar-se com um ou outro ou ambos os pais e, em particular, as
tentativas de realmente datá-lo na primeira infância do paciente. Esta histó­
ria clínica foi publicada por volta da época em que Klein estava começan­
do a ínteressar-se pela análise e deve ter tido uma influência profunda sobre ela.
Os trabalhos mais iniciais de Klein interessaram-se exclusivamente pelas
teorias sexuais das crianças; ela cedo veio a dar-se conta da profunda afli­
ção causada pela mistificação, frustração e exclusão e da intensa reação
sádica, mesmo na criança mais amável. Para a concepção que a criança
faz da cena originária, Klein cunhou sua própria expressão, a "figura com­
binada dos pais" [ver FIGURA COMBINADA DOS PAIS].
Esta figura é inteiramente uma fantasia, mas os efeitos da fantasia de
atacar o corpo da mãe, onde a criança acredita que o pai (ou o pênis de­
le) constantemente reside, são reais no desenvolvimento normal e anormal
da criança [ver 6. FASE DA FEMINILIDADE].

Ver MUNDO EXTERNO.

Freud, Sigrxumd (1918), "From the history of an infantíle neurosis", S .E 17, p, 3-13.

A integridade da mente humana foi posta em questão pela teo­


ria de Freud sobre o inconsciente e foi somente muito tarde que
Freud reconheceu as formas mais graves de cisão da mente (Freud, 1940).
Klein, contudo, confrontou-se muito cedo, em seu trabalho com crianças,
com a importância das variadas formas de cisão, e demonstrou que esta
se achava centralmente envolvida nas manobras defensivas mais arcaicas
do ego [ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA].

R.D.Hinshelwood / 257
A experiência do ego de despedaçar-se desta maneira é uma manifesta­
ção da pulsão de morte [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDEj.

Üso inicial. O conceito de cisão foi tirado por Freud da idéia mais antiga da
dissociação. A mente era considerada como existindo em partes separadas,
o que explicava o fenômeno da personalidade múltipla. Estas idéias de dis­
sociação, oriundas da filosofia do século XVIII, foram utilizadas por Bleu-
ler para descrever e denominar a esquizofrenia.
Freud, contudo, afastou-se da psicologia associacionista ao descobrir o
inconsciente e a teoria da repressão. Desde esta época muito inicial, a psi­
canálise foi uma teoria de conflito da mente. A maioria dos acontecimen­
tos mentais podiam, para Freud, ser teoricamente entendidos com o con­
ceito da repressão, sem recorrer-se a qualquer idéia ulterior de cisão. Com
muito atraso, contudo, em trabalho escrito em 1938, relatou ele achar-se
ciente do fenômeno da cisão do ego. Nesse artigo, descreveu claramente
a adoção, pela mente, de dois pontos de vista separados. Seu exemplo foi
o do fetichista que ao mesmo tempo acreditava haver a mulher perdido o
pênis dela e também que ela tinha um pênis (representado pelo objeto de
fetiche). Este mecanismo não é resultado da repressão, ainda que um dos
pontos de vista possa ser reprimido. E como a criança que acredita em Pa­
pai Noel e tem toda a excitação e a reação emocional apropriada na noi­
te de Natal, ainda que tenha aprendido a realidade de que ele é "apenas
papai fantasiado". Do mesmo modo, o comentário preconceituoso de que
"alguns de meus melhores amigos são estrangeiros" apresenta uma atitu­
de cindida semelhante.
Há várias formas de cisão: (i) cisão do objeto e (ii) cisão do ego.

(i) Cisão do objeto .-O trabalho inicial de Klein concentrou-se nos objetos
e suas vicissitudes. Demonstrou ela que, desde extremamente cedo na vi­
da, os objetos não são objetivamente percebidos e entendidos mas que,
em verdade, concedem-se-lhes com freqüência naturezas inaturalmente bo­
as ou inaturalmente más [ver OBJETOS PARCIAIS]. As crianças cindem
os seus objetos de maneira a que as imagos dos pais sejam separadamen­
te dotadas, no brinquedo imaginativo dos filhos, de qualidades e inten­
ções inteiramente boas e benignas ou, então, inteiramente más. Em resulta­
do disso, "cisão" torna-se um termo empregado para descrever a maneira
pela qual objetos vêm a ser separados em seus aspectos bons e seus aspec­
tos maus.
Então, a introjeção e a projeção da versão boa ou má do objeto vem a
desempenhar um papel de vulto no desenvolvimento da personalidade
[ver REALIDADE INTERNA], A integração de tais cisões nos objetos em
uma forma realista de discriminação tornou-se, para Klein, o aspecto-cha-
ve do desenvolvimento infantil, A percepção cada vez mais realística dos
objetos ocasiona a posição depressiva [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA],

258 / Dicionário do Pensamento Kleintano


(ii) Cisão do ego: Freud descreveu uma divisão no ego quando se referiu
a um "grau diferenciador no ego" (Freud, 1921, p. 130), resultante da iden­
tificação com um objeto perdido. Esta explicação da melancolia tornou-se
mais tarde a base para entender a divisão do ego primitivo no ego que
veio a seguir e superego (Freud, 1923). Abraham e, depois, Klein fizeram
uso diferente das descrições de Freud de 1917 e, com a introjeção de obje­
tos internos no ego como aspecto normal da própria percepção, basearam
todo o desenvolvimento do ego em modificações ("alteração do ego", ha­
via-a Freud chamado) resultantes da introjeção e, depois, identificação de
uma parte do ego com novos objetos internos [ver ASSIMILAÇÃO].
Após 1946, Klein tornou-se mais interessada na cisão do ego. Em parti­
cular, descreveu a excisão de aspectos do self que eram temidos como
maus, usualmente com a invasão projetiva deles para dentro de um obje­
to [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA]. Descreveu também a cisão
minúscula de objetos que traz consigo a conseqüente fragmentação do ego.
Este último processo de cisão, que dá origem ao medo do aniquilamento
[ver ANIQUILAMENTO], pode ter nele uma qualidade ativa, ou seja, o
ego pode fragmentar-se [ver BION] ou pode ficar mais passivo e dependen­
te da presença ou ausência de um objeto integrador [ver PELE],

Fragmentação: Na década de 40, Klein e seus colaboradores estavam estudan­


do esquizofrênicos e foram levados de volta aos fenômenos que haviam
induzido Bleuler a inventar o termo para designar um estado de cisão múl­
tipla de pensamentos. Klein sempre estivera mais interessada na cisão dos
estados emocionais. Isto pro vinha de seu trabalho com os objetos cindidos
que representavam os relacionamentos dominados por sentimentos bons
ou maus: "Acredito que o ego é incapaz de cindir o objeto sem que uma
cisão correspondente se dê dentro do ego" (Klein, 1946, p. 6). Bion (1959),
contudo, referiu-se a este tipo de fenômeno como ataques ao elo de liga­
ções dos pensamentos.
Klein descreveu a fragmentação esquizofrênica como estando ligada a
uma cisão de objetos. Neste caso, não existe uma divisão nítida do obje­
to em bom ou mau, mas sim uma cisão múltipla. Trata-se de um esforço
defensivo, concebido em fantasia, para obliterar um objeto temido através
de sua fragmentação em pedacinhos, Este tipo fragmentador de ataque ao
objeto resulta em o ego cindir-se em um número correspondente de peda­
ços, cada um deles relacionado aos fragmentos do objeto. Ela considerou
isso como sendo a origem do medo do aniquilamento percebido pelo psicótico.

Tipos de cisão. Existem, portanto, muitos e complexos tipos de cisão, os


quais podem ser sistematicamente agrupados em quatro tipos, com o auxí­
lio de duas discriminações;
(a) uma cisão do objeto ou do ego,

R.D.Hinshelwood / 259
(b) uma cisão coerente (tal como em "bom" versus "mau") ou uma cisão
fragmentadora.

Dessa maneira, os quatro tipos possíveis de cisão são: uma cisão coerente
no obfeto, uma cisão coerente no ego, uma fragmentação do objeto e uma
fragmentação do ego. Claramente, algumas delas acompanham-se mutua­
mente.

Cisão e repressão. Klein declarou que os mecanismos primitivos de defesa


que descrevia não substituem os conceitos das defesas neuróticas e sim
meramente lhes são subjacentes. Descreveu ela uma cisão vertical e uma
cisão horizontal [ver REPRESSÃO). A cisão e a separação de partes do self
tornam-se, no curso de desenvolvimento, uma cisão entre o consciente e o
inconsciente, isto e, repressão. Na opinião de Klein, as formas mais gra­
ves de cisão acabam por dar origem a formas de repressão particularmen­
te rígidas e impenetráveis.

Bion, Wilfred (1959), "Attacks on linking", Int, }, P sycho-A nal, 40:308-15; repubiicado
(1967) em W. R. Bion, S econ á thoughts, Heinemann, p, 93-109.
Freud, Sigmund (1917), "Mourning and melancholia", S. £. 14, p. 237-60.
-------- . (1921),'"Group psychology and the anaiysis of the Ego", S, E. 18, p. 67-143.
-------- . (1923), "The Ego and the Id", S, £. 19, p. 3-66.
-------- . (1940), "Splitting of the ego in the process of defence", S, £. 23, p. 271-8.
Klein, Melaníe (1946), "Notes on sone schizoid mechanisms", WMK 3, p. 1-24.

í ^ 1 1 1 1 ^ j O EnqUaní0 qUG ° ciúme é a Pedra angular da teoria freudiana


X_.lU.Irit? clássica, sob a forma do complexo de Édipo, Klein assumiu
o conceito e deu-lhe uma nova profundidade. Demonstrou ela como as ex­
periências mais iniciais de antagonismo são quase pura violência e perse­
guição, e, depois, como o ciúme se cristaliza a partir disso como um afe­
to mais específico que permite a admiração da pessoa por quem se sente
ciúmes. Tal como na culpa [ver CULPA], existe um espectro de afetos que
parte da perseguição, passa por vários graus de intensidade de ciúme, à
medida que a posição depressiva é atingida e elaborada, e depois conduz
no sentido da competição sadia, na outra extremidade do espectro. Esta
descrição foi realçada quando, em 1957, Klein descreveu a inveja primária
e a distinguiu como sepdo uma invasão arbitrária que estraga o objeto
bom, bem como a maneira pela qual contribui para a extremidade persecu-
tória do espectro do ciúme [ver 12. INVEJA],

Clivagem Ver CISÃO.


2Ó0 / Dicionário do Pensamento Kleíniano
j O brincar de uma criança mostra as numerosas teorias sexuais
V ^ O l t O que ela está tentando explorar. Klein descobriu (na década de
20) que muitas dessas teorias derivaram de fantasias pré-genitais: o sugar
mútuo, o morder, a alimentação com leite, com fezes, o espancamento,
etc. As implicações, para ela, foram que as fantasias da cena originária co­
meçavam muito cedo na vida e que deveria haver alguma excitação genital (pre­
monições de um casal de pais) mesmo nos estágios oral e anal. Isto contras­
tava com a teoria ortodoxa da época, na qual idéias de relação sexual dos
pais eram normalmente retardadas até a fase genital e formavam a base
para o complexo de Edipo. O resultado disso foi que Klein descobriu-se
descrevendo formas pré-genitais desse complexo e datando cada vez mais
cedo a ocasião de suas origens [ver 4. COMPLEXO DE ÉDIPO].
Klein também descreveu um objeto que denominou de “figura combina­
da dos pais", que é a fantasia que o bebê tem dos pais como engatados
juntos, em preocupação mútua um com o outro.

Ver FIGURA COMBINADA DOS PAIS; VÍNCULAÇÃO.

L. * í. comeÇ° de seu trabalho,


eonnecimento
t
inato Klein ficou impressionada pe­
la natureza inquisidora da mente dos bebês e apoiou-se no esquema de
Freud com o Pequeno Hans (Freud, 1909) para a importância de reconhe­
cer a curiosidade sexual deles. Tornou-se-lhe claro como o sadismo das
crianças [ver SADISMO] estava ligado à frustração das investigações de­
las sobre a sexualidade e como o medo de seu próprio sadismo conduzia
a uma inibição da investigação e, mais ainda, ao embotamento da curiosi­
dade em geral [ver EPISTEMOFILIA; 3. AGRESSÃO]. Por causa das críti­
cas feitas a sua técnica através do brincar [ver 1. TÉCNICA; ANÁLISE IN­
FANTIL], Klein assumiu um interesse prolongado pelo desenvolvimento
do simbolismo e pelo papel essencial deste no desenvolvimento intelectual
(Klein, 1930, 1931) [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS].
Fantasia inata: O interesse pelo simbolismo acabou por conduzir à formu­
lação da fantasia inconsciente (Isaacs, 1948) [ver 2. FANTASIA INCONS­
CIENTE]. As pulsões são representadas na mente como fantasias inconscien­
tes de relacionamentos com objetos. Os diversos instintos dão origem a
fantasias de objetos e relacionamentos ativos com eles que ainda não são
conhecidos na realidade externa. As concepções primitivas dos objetos ba­
seiam-se nas sensações corporais envolvidas nas pulsões. Isto constituiu
um ponto de debate e a teoria da fantasia inconsciente foi criticada por im­
plicar que o bebê podia fantasiar a respeito de morder, queimar, cortar,
restaurar, etc., sem jamais haver tido experiência anterior disso.
No caso do recém-nascido que volta a cabeça para o mamilo a sugar
quando recebe um estímulo físico na bochecha, o que existe é simplesmen-

R.D.Hinsheíwood / 261
to um reflexo, A teoria, contudo, sugeria que o bebê terá alguma represen­
tação mental deste evento, isto é, haverá uma fantasia de um objeto para
o qual voltar-se e do qual sugar. Isaacs (1948), em seu artigo-chave, esten­
de-se com certa minuciosidade a fim de tentar transmitir a idéia de um co­
nhecimento somático realmente engastado nas sensações físicas. Freud já
se interessara sucintamente por este debate em suas reflexões sobre o Pe­
queno Hans: 'X-..) as sensações de seu pênis haviam-no colocado no cami­
nho de postular uma vagina" (Freud, 1909, p, 135). Klein foi mais explíci­
ta: (...) a criança muito pequena, que aparentemente nada sabe a respei­
to do nascimento, possui um 'conhecimento' muito definido do fato de as
crianças crescerem no útero" (Klein, 1927, p. 173). Entre os críticos de
Klein, houve considerável resistência em aceitar o conhecimento inato.
Dotes cognitivos inatos: Na formulação a que Isaacs deu início parecería
que tem-se de postular certas capacidades inatas a efetuar distinções:
(i) de distinguir algo que é motivado para o bem ("objeto bom") de algo
que é motivado para o mal ("objeto mau");
(ii) distinguir o self do que não é self (objetos).
Estas capacidades de que se é dotado [ver EGO] são inerentes às sensações
corporais. No processo de representação mental [ver FUNÇÃO-ALFA],
estas sensações são experienciadas como relacionamentos afetivos com ob­
jetos. Os objetos que são então fantasiados não são físicos ou, em verda­
de, concretos no sentido normal, mas são dotados de um senso primitivo
de lugar, dentro ou fora do self, e de motivações afetivas de benevolência
ou malevolência. No primeiro caso, portanto, eles são objetos afetivos
[ver OBJETOS PARCIAIS].

Os kleinianos descreveram este conhecimento inato de objetos e das ati­


vidades desempenhadas sobre eles ou por eles como sendo uma forma de
conhecimento muito diferente da do adulto. O bebê não possui o uso apro­
priado dos receptores de distância, o ouvido e a vista, e seu conhecimen­
to acha-se portanto limitado à própria pele, para dentro; o conhecimento
se confina a um senso de identidade separada quanto a um objeto. Este ti­
po de conhecimento, ainda que muito diferente, integra e forma a base
da experiência posterior (em oposição à percepção) de objetos, quando ad­
quiriu domínio correto dos olhos, dos ouvidos, etc.
Função-alfa: Bion (1962) interessou-se por estudar mais o processo através
do qual dados sensórios são convertidos em conteúdos mentais utilizáveis.
Ele chama de função-alfa [ver FUNÇÃO-ALFA] a elaboração de dados sen-
soríos na fantasia inconsciente de um objeto. Ao conhecimento inato, deu
o nome de pré-concepção [ver PRÉ-CONCEPÇÃO; PENSAR], que se
acha disponível, de início, para "acasalar-se" com uma realização desse
objeto. Nos termos de Bion, o resultado de um acasalamento é uma con­

262 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


cep ção. Ele estava tentando transmitir que a realidade dos objetos tem de
encontrar uma função do ego que dará significado às realizações. A quali­
dade de ter significado é um dote inato que é progressivamente elaborado
no mundo dos objetos externos.

Ver FATOR CONSTITUCIONAL.

Sion, Wiifred (1962), Learrüng from experience, Heinemann.


Freud, Sigmund (1909), "Anaiysis of a phobia in a fíve-year-old boy", S.E, 10, p. 3-149.
Isaacs, Susan (1948), "The nafcure and function of phantasy", ínt. /, Psycho-Anal., 29:73-97;
republicado (1952) em Melanie Klein, Paula Heimann, Susan Isaacs e Joan Riviere, (orgs.),
D evelopm ents in psycho-analysis, Hogarth, p. 67-121.
Klein, Melanie (1927), "Criminal tendencies in normal children", WMK 1, p. 170-85.
-------- . (1930), "The importance of symbol-formation in the development of the ego", WMK
1, p. 219-32.
-------- . (1931), "A contribution to the theory of intellectual development", WMK 1, p. 236-47.

A idéia de “conter" tornou-se um conceito decisivo para


a maior parte das formas britânicas de psicoterapia anahti-
ca, dentro e fora do Grupo Kleiniano de psicanalistas. Ela deriva da des­
crição original, feita por Klein, da identificação projetiva [ver 13. IDENTI­
FICAÇÃO PROJETIVA], na qual determinada pessoa, em certo sentido,
contém uma parte de outra. Isto deu origem a uma teoria do desenvolvi­
mento baseada no contato emocional do bebê com a mãe e, por extensão,
a uma teoria do contato psicanalítico.
O conceito formou-se gradativamente na literatura, à medida que ana­
listas kleinianos tateavam na exploração da identificação projetiva:

O paciente (...) mostrou que havia projetado seu self danificado, conten­
do o mundo destruído, não apenas em todos os outros pacientes, mas
em mim, e, por essa maneira, me modificara. Entretanto, em vez de fi­
car aliviado por esta projeção, ele tornou-se mais ansioso, por estar com
medo do que eu estava então colocando de volta nele, e, em conseqüên-
cia, seus projetos introjetivos tornaram-se gravemente perturbados. (Ro-
senfeld, 1952, p. 80-1)

Aqui, Rosenfeld está utilizando a teoria, estabelecida por Klein, do desen­


volvimento do ego através de ciclos repetidos de introjeção e projeção,
mas está também levando-a mais além, por reconhecer que não se trata
apenas de projeção do objeto, mas também projeção de partes do self: a
identificação projetiva em ciclo com a identificação introjetiva. Também
Jaques (1953) se achava fazendo experiências com estes tipos de idéias, na
mesma ocasião [ver SISTEMAS SOCIAIS DE DEFESA].
Bion (1959) é normalmente creditado pela forma amadurecida deste modelo:

R.D.Hinshehoood / 263
Através de toda a análise o paciente valeu-se da identificação projetiva
com uma persistência a sugerir tratar-se de um mecanismo do qual ele
nunca fora suficientemente capaz de valer-se; a análise concedeu-lhe a
oportunidade para o exercício de um mecanismo do qual havia sido pri­
vado (...) houve sessões que me levaram a supor que o paciente sentia
haver algum objeto que lhe denegava o uso da identificação projetiva
(...) há elementos a indicar que o paciente sentia que partes de sua per­
sonalidade que desejava repousar em mim tinham seu ingresso por mim
recusado (...) Quando o paciente esforçou-se por livrar-se dos temores
de morte que eram sentidos como poderosos demais para que sua perso­
nalidade os contivesse, ele escindiu seus medos e os colocou em mim,
com a idéia aparentemente sendo que, se lhes fosse permitido repousar
aí por tempo suficiente, eles experienciariam modificação por parte de
minha psique e poderíam então ser reintrojetados com segurança. Na
ocasião que tenho em mente, o paciente sentira (...) que eu os havia
evacuado de modo tão rápido que os sentimentos não haviam sido mo­
dificados, mas sim se tornado mais penosos (...) ele esforçou~se por for­
çá-los para dentro de mim com maior desespero e violência. Seu com­
portamento, isolado do contexto da análise, podería ter parecido ser
uma expressão de agressão primária. Quanto mais violentas eram as
suas fantasias de identificação projetiva, mais assustado ele se tornava
comigo. Houve sessões em que um comportamento desse tipo expressou
agressão não provocada, mas cito esta série porque ela mostra o pacien­
te sob uma luz diferente, com sua violência sendo uma reação ao que
ele sentia ser minha defensividade hostil. A situação analítica fez cres­
cer-me na mente a sensação de estar assistindo a uma cena extremamen­
te remota. Senti que o paciente fora testemunha, na primeira infância,
de uma mãe que obedientemente reagia às demonstrações emocionais
do bebê. A reação submissa tinha em si um elemento de impaciência:
— Não sei o que há com esta criança. — Minha dedução foi que, a fim
de entender o que a criança queria, a mãe deveria ter tratado o choro
do bebê como sendo mais que uma exigência da presença dela. Do pon­
to de vista do bebê, ela deveria ter recebido em si e, assim, experiencia-
do, o medo de que a criança estivesse morrendo. Era este medo que a
criança não conseguia conter. Ela esforçou-se por escindi-lo junto com
a parte da personalidade em que residia e projetá-lo para a mãe. Uma
mãe compreensiva é capaz de experienciar o sentimento de pavor com
que este bebê estava se esforçando por lidar através da identificação
projetiva e, ainda assim, manter uma aparência equilibrada. Este pacien­
te tivera de lidar com uma mãe que não podia tolerar a experiência de
tais sentimentos e reagia quer denegando-lhes ingresso, quer, alternati­
vamente, tornando-se presa da ansiedade que resultava da introjeção
dos sentimentos maus do bebê. (Bion, 1959, p. 103-4)

264 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Se o analista for fechado ou não reagir, "o resultado é uma identificação
projetiva excessiva por parte do paciente e uma deterioração de seus pro­
cessos evolutivos” (p. 105). Embora diga que o distúrbio do esquizofrêni­
co”!...) encontra sua fonte principal na disposição inata" (p. 105), Bion
acreditava que influências tanto genéticas quanto ambientais perturbam a
identificação projetiva normal.
Rêverie materna: Bion (1962) descreveu o estado mental da mãe, quando
ela pode receber o terror projetado do bebê, pelo nome de rêverie. Isto
foi expresso de modo sucinto por Segai como sendo um resumo da técni­
ca kleiniana com esquizofrênicos [ver 1. TÉCNICA]. O nome descreve, in­
dicou ela, a maneira pela qual o ego de um paciente pode ser construído
mediante a introjeção de um objeto que possa conter e com preender as ex­
periências dele:
(...) o mais próximo que posso chegar a isso é explicá-lo através de
um modelo, baseado no conceito de Melanie Klein da posição esquizo-
paranóide e no conceito de Bion da "mãe capaz de conter a identifica­
ção projetiva". Neste modelo, a relação do bebê com o seu primeiro
objeto pode ser descrita do seguinte modo: quando um bebê tem uma
ansiedade intolerável, ele lida com ela projetando-a na mãe. A reação
da mãe é reconhecer a ansiedade e fazer o que quer que seja necessário
para aliviar a aflição do bebê, A percepção deste é a de haver projeta­
do algo intolerável para dentro de seu objeto,, mas o objeto foi capaz
de contê-lo e lidar com esse algo. Ele pode então reintrojetar não somen­
te a sua ansiedade original, mas uma ansiedade modificada por haver
sido contida. Ele introjeta também um objeto capaz de conter a ansieda­
de e com ela lidar. O conter da ansiedade por um objeto externo capaz
de compreensão é um começo de estabilidade mental. Esta estabilidade
pode ser rompida a partir de duas fontes. A mãe pode ser incapaz de
suportar a ansiedade projetada do bebê e este pode introjetar uma expe­
riência de terror ainda maior do que aquela que havia projetado. Pode
também ser rompida pela onipotência destrutiva excessiva da fantasia
do bebê. Neste modelo, a situação analítica proporciona um continen­
te. (Segai, 1975, p. 134-5)
O analista é certamente um continente, e a mãe é outro, mas a teoria não
se interrompe aqui. Como está claro, qualquer um com um aspecto mater­
no em seu caráter e que possa escutar (ver Langs, 1978) podería funcionar
desta maneira [ver RÊVERIE]. Em verdade, a própria sociedade pode fun­
cionar como um continente emocional de um tipo ou de outro, mais ou
menos defensivo. Em emprego inicial desta idéia, Jaques (1953) explorou
instituições sociais, tais como os funerais, com detalhes:
Os indivíduos podem colocar seus conflitos internos em pessoas do
mundo externo, inconscientemente acompanham o curso do conflito atra-

R.D.Hinshehüooâ / 265
vés da identificação projetiva e reinternalizam o curso e o resultado do
conflito externamente percebido por meio da identificação introjetiva.
(p. 21) [ver SISTEMAS SOCIAIS DE DEFESA].
Embora este desenvolvimento do conceito de identificação projetiva tenha
sido, em parte, um esforço de todo o Grupo Kleiniano na década de 1950,
Bion tornou-se o seu principal expoente, dele colhendo os maiores frutos
[ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA]. A mente materna nesse estado
de "rêverie" desempenha uma função a que Bion deu uma denominação
neutra: "função-aífa" [ver RÊVERIE; FUNÇÃO-ALFAj.
Espelhando o bebê: Winnicott (1967) desenvolveu a idéia de um estado
materno que refletia o estado do bebê. Reconheceu as descrições feitas por
lacan (1949) das descobertas da criança a respeito de si mesma em um es­
pelho, mas foi mais além ao descrever a maneira pela qual o rosto da mãe
constitui um "espelho" emocional para o bebê e a criança, e descreveu is­
to como sendo um método da aprendizagem da criança a respeito de seus
próprios estados internos. O método está claramente relacionado ao tipo
de ciclos projetivos/introjetivos que os kleinianos tinham estado desenvol­
vendo; contudo, ao descrever esta interação visual, Winnicott achava-se
inevitavelmente enfocando um período posterior de desenvolvimento. Qual­
quer interferência nesta interação é atribuída somente ao objetivo externo.
As relação continente-contiâo: Bion esforçou-se por traçar uma teoria ge­
ral. Postulou ele três formas básicas de relacionamento coniinente-conti-
do: a parasitária, a sim biótica e a comensal.
Por "comensal" quero significar um relacionamento em que dois obje­
tos partilham um terceiro, para vantagem de todos os três. Por "simbió-
tico" entendo um relacionamento em que um depende do outro, para
vantagem mútua. Por "parasitário" desejo representar um relacionamen­
to em que um depende do outro para produzir um terceiro, que é destrui­
dor de todos os três. (Bion, 1970, p. 95).
A teoria bioniana do pensar consiste no acasalam ento de uma pré-concep-
ção com uma realização, o resultado sendo uma concepção e um degrau
na_construção do pensamento e das teorias [ver PENSAR, PRÉ-CONCEP-
ÇAO]. A relação existente entre os termos, neste processo, é a do conti­
nente para com o contido.

O místico e o establishment: Bion (1970) aplicou esta teoria aos sistemas


sociais, de maneira radicalmente diferente da de Jaques [ver SISTEMAS
SOCIAIS DE DEFESA]. Ele considerou o grupo social como a conter o in­
divíduo. Esta fora uma idéia considerada longo tempo antes por Pichon-
Rivíere (1931), mas sem o respaldo teórico que Bion (1970) mais tarde veio
a possuir. Um grupo social funciona para estabelecer uma ordem social fi­
xa de coisas (o establishm ent), o que conflita com a inspiração e a origina-
266 / Dicionário do Pensamento Kleiniano
lidade do indivíduo (mencionado como o místico, ou o gênio). Este tem
de ser contido pelo estabíishment do grupo e, comfreqüência, a criativida­
de do indivíduo é esmagada pela rigidez do sistema, "através da compres­
são ou do desnudamento". Altemativamente, certos indivíduos especiais
irrompem no grupo, que se despedaça sob a influência deles (Bion cita Je­
sus dentro das restrições de Israel). Uma possibilidade Anal é a adaptação
mútua de um ao outro, com o desenvolvimento tanto do indivíduo quan­
to do grupo. Estas idéias ampliam e desenvolvem um dos elementos da te­
oria anterior de grupos, da autoria de Bion [ver PRESSUPOSTOS BÁSI­
COS]: o grupo de acasalamento, em que o casal é o continente e o contido.
Dessa maneira, o desfecho é danoso para o que é contido, ou para o
continente, ou, ainda, mutuamente envolvente para ambos. Bion via esta
aplicação social da teoria dos continentes como sendo apenas um dos ní­
veis, com padrões semelhantes do conter reaparecendo ao nível do indiví­
duo que contém a si mesmo. Como exemplo de um indivíduo lutando pa­
ra conter-se, citou ele o exemplo do gago que tenta conter suas emoções
em palavras. Em última análise, Bion estava trabalhando com a idéia da
união sexual do pênis contido na vagina, experienciada em todas as for­
mas de união e vínculo. Os problemas que um relacionamento desse tipo
levanta, nos termos dos estágios iniciais kleinianos do complexo de Édipo,
afetam a vinculação de todos os problemas mentais [ver ELO DE LIGA­
ÇÃO; 4. COMPLEXO DE ÉDIPO; FIGURA COMBINADA DOS PAIS].
Reciprocidade: Bion também argüiu elaboradamente a respeito da recipro­
cidade do relacionamento continente-contido. Uma palavra pode conter
um significado, mas "(...) inversamente, um significado pode conter uma
palavra — que pode ou não ser descoberta" (Bion, 1970, p. 106). Este ar­
gumento críptico constitui referência ao homem que gagueja, de maneira
que as palavras, que deveríam conter suas emoções, ficam engolfadas e
espremidas pela força da emoção, transformando-se em um gaguejo ou
balbucio. A palavra, neste sentido, é um continente afetado e rompido pe­
la emoção que se supõe conter, exemplo que Bion descreveu também em
outros termos:
(...) ele estava tentando "conter" suas emoções dentro de uma forma
de palavras, tal como se podería falar de um general a tentar "conter"
as forças inimigas dentro de uma determinada zona. As palavras que
deveriam haver representado o significado que o homem queria expres­
sar foram fragmentadas pelas forças emocionais a que desejava dar ape­
nas expressão verbal: a formulação verbal não pôde "conter" suas emo­
ções, que irromperam e a dispersaram tal qual forças inimigas poderíam
romper as forças que se empenhavam em contê-las. (Bion, 1970, p. 94)
Bion engajava-se em uma manobra característica com seu leitor. Por um
lado, vemos a palavra como continente de significado; por outro, no mes­
mo exemplo, o significado toma conta e contém a palavra. Esta mudança

R.D.Hinshekoooá / 267
súbita de perspectiva constitui uma manobra que fascinava Bion. Cha­
mou-a de mudança de vértice, ou transformação, e concedeu-lhe grande
importância, particularmente porque resulta em uma "catástrofe" psíqui­
ca na mente do leitor (ver adiante).
M emória: A reciprocidade é particularmente importante para o psicanalis­
ta quando ele vem a considerar a memória — a sua própria memória. Ele
pode estar cheio de lembranças. Alternativamente, as lembranças podem
estar saturadas de emoções. Neste relacionamento reciprocamente satura­
do, o analista torna-se incapaz de fazer descobertas, por causa da satura­
ção. Bion desejava distinguir a "memória", neste sentido, de algo a que
deu o nome de "lembrar". Fez a distinção através da consideração de duas
situações: uma em que o paciente chega com uma lem brança de um sonho
para contar ao analista; a segunda, quando um sonho subitamente apare­
ce, como um todo coerente, na mente do paciente, dela havendo estado
ausente um momento antes (lembrar). Exige-se do analista que desempe­
nhe a segunda função — lembrar — e que se faça aberto para que a reme-
moração aconteça sem esforço (ou desejo), no curso de um momento atem­
poral [ver MEMÓRIA E DESEJO].
Quando o contato entre paciente e analista se frustra, a ausência de
momentos espontâneos — repletos que são de catástrofe ■ — é uma causa
importante do fracasso de um tratamento psicanalítico.
O paciente ficará sem saber como transmitir seu significado ou o signifi­
cado do que deseja transmitir será intenso demais para que ele o expres­
se de maneira apropriada, ou, ainda, a formulação será tão rígida que
ele sente que o significado transmitido é despido de qualquer interesse
ou vitalidade. Semelhantemente, as interpretações fornecidas pelo ana­
lista, "o contido", encontrar-se~ão com a reação aparentemente coopera­
tiva de serem repetidas para confirmação, o que priva "o contido" de
significado, seja por compressão, seja por desnudamento. O fracasso
em observar ou demonstrar o ponto pode produzir uma análise externa­
mente progressiva, mas factualmente estéril. A pista reside na observa­
ção das flutuações que fazem do analista, em determinado momento, "o
continente , e o analisando, "o contido", para, no momento seguinte,
inverter os papéis (...) Quanto mais familiar o analista se torna com a
configuração "continente" e "contido", e com acontecimentos da sessão
que se aproximam destas duas representações, melhor será. (Bion, 1970
p. 108).

Sem o reconhecimento da reciprocidade, os aspectos prejudiciais do relacio­


namento continente-contido têm probabilidade de aflorarem despercebidos
à superfície.

Mudança: Bion durante longo tempo estivera interessado na natureza da


mudança psíquica. Seu trabalho sobre a natureza do pensar estabelecera

268 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


a maneira pela qual uma ligação semelhante à identificação projetiva entre
elementos mentais gradualmente construía um aparelho de pensar que efe­
tuava a transmutação da experiência emocional em atividade cognitiva
[ver PENSAR]. Este aparelho para pensar é igualmente um continente de
estados emocionais. Ele acarreta a geração de teorias com que pensar. O
desenvolvimento traz consigo o desenvolvimento deste aparelho continen­
te de pensar.
Entretanto, ele ficou impressionado pela necessidade, na análise, de en­
tender a mudança e reconhecer que ela envolvia desarranjar o continente
de estados emocionais. Ele começou a olhar fora da psicanálise, para ou­
tras ciências, a fim de examinar as condições necessárias para que a mu­
dança se desse nas teorias. Denominou as teorias — e todas as outras enti­
dades contidas na mente — de conjunções de eventos; as teorias são con­
junções regulares. Mudar a estrutura do aparelho pensante exige, portan­
to, uma desestruturação das teorias e um restabelecimento de novas con­
junções.
Esta é uma atividade estreitamente alinhada com a descrição que Sto-
kes (1955) deu do processo artístico e poder ia ser tomada como um proces­
so psíquico geral [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. Bion, em verdade,
transformou isso em processo psíquico geral e relacionou-o aos elementos
essenciais da teoria kleiniana. A desestruturação é um processo de fragmen­
tação e Bion designou-o como sendo uma manifestação dos processos es-
quizoparanóides. Em linha com Segai (1952), situou a reestruturação co­
mo parte da posição depressiva. A mudança, portanto, envolve oscilações
entre as posições esquizoparanóide e depressiva, as quais representou co­
mo Ep-D [ver Ep-D]. Estas oscilações, contudo, fazem exigências emocio­
nais graves. Sustentar a desestruturação significa sustentar ansiedades a
respeito da desintegração da mente e dá origem à opinião de Bion de que
a mudança envolve uma catástrofe potencial. Por outro lado, a reestrutu­
ração acarreta todas as emoções da posição depressiva em relação a um
objeto danificado e a exigir reparo. A capacidade de desenvolver-se acarre­
ta um processo de mudança catastrófica e a capacidade de suportar e con­
ter os elementos do processo que representam aniquilação e morte.

Bion, Wilíred (1959), "Altacks on linking", Int. J. Psycho-Anal., 30:308-15; republicado


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Continuidade genéticai"S5
importante papel na teoria e na prática psicanalíticas. Trata-se da suposi­
ção de que aspectos psicológicos da personalidade no presente têm uma
continuidade com estágios precedentes do desenvolvimento. Foi assim que
Freud desenvolveu a idéia de que as neuroses adultas surgem de ocorrên­
cias traumáticas e fantasias acontecidas na infância. Mais do que isso, po­
rém, aspectos normais da personalidade, tais como o superego, desenvol­
vem-se a partir de seus precursores, os pais edípicos no estágio preceden­
te de desenvolvimento.
Foi com base na continuidade genética que Freud fez as suas inferên­
cias, a partir de adultos, sobre a evolução psicológica das crianças. A teo­
ria da continuidade genética foi testada quando Freud e o pai do Peque­
no Hans investigaram a teoria psicanalítica do desenvolvimento infantil
pela análise direta de material tirado de uma criança de cinco anos de ida­
de (o Pequeno Hans) durante as fases de desenvolvimento sobre as quais
se haviam formulado hipóteses com base na análise de adultos (Freud, 1909).
Quando Klein veio a analisar crianças, descobriu-se também especulan­
do a respeito de estágios de desenvolvimento anteriores aos que estava
analisando. Embora analisasse crianças com apenas dois anos e nove me­
ses, descobriu que havia muitos desenvolvimentos fundamentais a serem
descritos antes dessa idade. Suas inferências, portanto, basearam-se tam­
bém no princípio da continuidade genética, assim como em outras provas,
que acabaram por incluir a observação direta de bebês (ver BICK; OBSER­
VAÇÃO DE BEBÊS].
Desanimadoramente, Klein descobriu que suas contribuições à teoria
psicanalítica da evolução eram discutidas. Waeíder, sustentando a psicaná-

270 / Dicionário do Pensamento Kleiníano


líse ortodoxa, tal como entendida em Viena, leu um artigo de diretor de
escola perante a Sociedade Psicanalítica Britânica em 1936 (uma versão
diferente dele foi publicada mais tarde [Waelder, 1937]), advertindo que
os desenvolvimentos efetuados por Klein eram desvios quanto à verdadei­
ra teoria freudiana e efetuando um prolongado debate do que é inferência
psicanalítica válida. Isto produziu uma réplica de Isaacs, em defesa da va­
lidade científica das inferências de Klein a respeito do primeiro ano de vi­
da (Isaacs, 1938). A controvérsia aberta irrompeu durante os Debates so­
bre as Controvérsias de 1943-4 [ver DEBATES SOBRE AS CONTROVÉR­
SIAS].
A disputa a respeito do que é inferência psicanalítica válida e o que não
é nunca foi realmente solucionada, com uma tendência a discutir-se as infe­
rências de outras pessoas. A concordância em que o presente tinha seus
precursores no passado não se estendeu à concordância sobre o que exata­
mente esses precursores abrangem. Exemplificando, Klein atribuía, em par­
te com base na continuidade genética, uma forma arcaica de superego às
fases iniciais e pré-genitais do desenvolvimento [ver 7. SUPEREGO]. Com
fundamento na continuidade genética, Fenichel (1931) concordou que bem
poderia haver "precursores do superego", mas que eles eram inteiramente
diferentes do superego em si e não deveríam ser mencionados pelo mes­
mo termo, porque esses precursores possuíam algumas características dife­
rentes, O problema surgiu, portanto, na terminologia: se existe uma conti­
nuidade genética, como deveria o seu contínuo ser dividido? As respostas
a esta pergunta repousaram em uma mistura de motivos não científicos,
inclusive a simples lealdade a uma teoria precedente específica.

Fenichel, Oito (1931), "The pregenital antecedents of the Oedipus complex", Int. ]. Psycho-
A n a l, 9:47-70.
Freud, Sigmund (1909), "Analysis of a phobia in a five-year-old boy", S.E. 10, p. 3-149.
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não publicado mas incorporado a Isaacs (1952), "The nature and function of phantasy ,
em Klein et al., (orgs.), D evelopm ents in psycho-cmalysis, Hogarth, p. 67-121.
Waelder, Robert (1937), "The problem of the genesis of psychical conflict in earliest infancy",
Int. ]. Psycho-Anal., 18:406-73.

, r /v. e A contratransferência passou


i^ontratransrerenciapor uma metamorfose notá­
vel na década de 1950, tornando-se um elegante conceito que é central às
técnicas psicanalíticas modernas. Heimann enfatizou o lado humano da tran­
sação paciente/analista:
O objetivo da análise do próprio analista não é transformá-lo em um
cérebro mecânico que pode produzir interpretações com base em um
procedimento puramente intelectual, mas sim capacitá-lo a suportar

R.D.Himhelwood / 271
seus sentimentos, em vez de descarregá-los de modo semelhante ao pa­
ciente. (Heimann, 1960, p. 9-10)
Sua tese principal era de que "(...) comparando os sentimentos desperta­
dos em si próprio com o conteúdo das associações do paciente e as quali­
dades de seu estado de espírito e comportamento, o analista tem meios pa­
ra conferir se entendeu ou fracassou em entender seu paciente" (p. 10).
Anteriormente, Ferenczi (1919) já havia descrito a qualidade distanciado-
ra do analista que se defende contra qualquer contratransferência, e Feni-
chel (1941) também criticara a visão de "tela branca" do papel do analis­
ta. Nesta época, tanto quanto com Heimann e Racker na tradição kleinia-
na, houve um movimento disseminado para tomar a sério a contratransfe­
rência (Winnicott, 1947; Berman, 1949; Little, 1951; Gitelson, 1952; Annie
Reich, 1952; Weigert, 1952).
Há várias fases na história do conceito kleiniano de "contratransferên­
cia": (1) a importância dos sentimentos do analista como indicadores do
estado mental do paciente; (2) a descoberta de uma forma normal de iden­
tificação projetiva, que é utilizada como método de comunicação não-sim-
bólica; (3) ciclos de identificações introjetivas e projetivas como base de
uma compreensão intrapsíquica da situação interpessoal de transferência/
contratransferência entre analista e paciente; (4) a idéia de contratransfe­
rência "normal", e (5) a importância da mente do analista sobre tudo o
mais como sendo o aspecto significante do meio ambiente do paciente
[ver 1. TÉCNICA],

(1) A contratransferência como indicador: Heimann (1950, 1960) chamou a


atenção para o aspecto da contratransferência que constitui uma reação
específica ao paciente, e distinguiu-o da intrusão da neurose e da transfe-
rência neurótica do própria analista no trabalho psicanalítico. A contra­
transferência, por causa de sua especificidade potencial para o paciente in­
dividual, pode assim tornar-se um instrumento preciso para investigar o
paciente. Esta idéia importante, embora rejeitada pela própria Klein, foi
especificamente reconhecida por Rosenfeld (1952, p. 72) e por Bion (1955,
p. 225).

(2) Identificação projetiva normal. Subseqíientemente, Money-Kyrle (1956)


e, mais tarde, Bion (1959) formularam quadros mais claros do analista co­
mo continente das experiências intoleráveis do paciente, as quais, através
do processo analítico de colocar experiências em palavras, são por esse
meio contidas, isto surgiu de di$tinguir-se a identificação projetiva normal
da forma patológica [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA] e permitiu
uma teoria da natureza da empatia e, também, do efeito terapêutico das
interpretações psicanalíticas seguintes. Acompanhando a descoberta das
fantasias envolvidas no mecanismo da identificação projetiva, tornou-se

272 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


possível formular, em term os intrapsíquicos, a situação interpessoal do set-
ting analítico. O analista na realidade tem os seus próprios sentimentos,
tal como o paciente os tem {Heimann, 1950). Embora Klein nunca tenha
realmente adotado esta maneira de olhar para a sessão analítica (embora
suffis observações de mães e bebês [Klein, 1952] definitivamente apontem
para a interação interpessoal no nível inconsciente), este interesse "não klei-
niano" na contratransferência tornou-se hoje central à prática kleiniana.
E embora Heimann nunca tenha aceito a identificação projetiva como con­
ceito importante e tenha acabado por romper com Klein [ver HEIMANN;
GRUPO KLEINIANO], ela, apesar disso, influenciou fortemente a geração
mais jovem de kleinianos, que relacionavam a contratransferência à identi­
ficação projetiva.

(3) O analista como continente materno. Bion (1959, 1962) desenvolveu estas
opiniões em uma teoria mais rigorosa do conter materno e terapêutico e
utilizou o conceito da identificação projetiva para iluminar a interação in­
terpessoal [ver CONTER]. Segundo esta visão, o bebê chora e efetua uma
forma de comunicação projetiva na qual a sua aflição é realmente sentida
(introjetada) pela mãe. Se esta for uma mãe capaz e em forma razoavel­
mente boa no momento, ela pode efetuar um trabalho mental dentro de
si mesma para definir o problema e o que é necessário para lidar com ele.
Esta é uma importante função do ego envolvida na maternidade [ver RE-
VERIE]. Sendo capaz de discernir algo do que está errado, ela pode tomar
providências para prover a criança de maneira tal que avalie algo da afli­
ção desta. O processo de definir a aflição e lidar com ela é comunicado
no ato de lidar com o bebê: alimentando-o, digamos. Esta é uma forma
de projetar de volta (reprojetar) a aflição sob a forma de uma ação com­
preensiva. A criança, uma vez que a mãe tenha começado a prover e a aten­
der sua aflição, pode então receber de volta sua experiência de aflição —
reintrojetá-la —, agora sob forma modificada, porém, uma forma que foi
modificada pela função da mãe de definir e entender a aflição, expressa
ao bebê mediante as ações apropriadas que o ajudam. A experiência, des­
ta maneira, traz as marcas da compreensão por parte da mãe, impressas
na modificação da experiência. Ela é agora uma experiência compreendi­
da e, na interação entre esses dois mundos intrapsíquicos, gerou-se um sig­
nificado. Pela introjeção desta experiência compreendida, o bebê pode vir
a adquirir a compreensão que a mãe possui: exemplificando, se a mãe esti­
ver certa, ele pode dar-se conta, através do atendimento dela, que uma
certa experiência significa fome (isto é, exige que algo seja colocado contra
seus lábios, para fins de sugar e alimentar). As ocasiões acumuladas, em
que as experiências forem entendidas, começam a equivaler a uma aquisi­
ção, dentro do próprio bebê, de um objeto interno que possui a capacida­
de de compreender as experiências dele. Isto, como Segai o disse, "(...) é
um começo de estabilidade mental" (Segai, 1975, p. 135). Segai descreveu

R.D.Hinshehoood / 273
esta interação mãe-criança como modelo para o empenho terapêutico do
analista [ver CONTER].

(4) Contratransferência normal. Um dos problemas em utilizar-se a contra-


transferência desta maneira é a situação dos sentimentos do analista, ou
seja, se eles o conduzem a entender o paciente ou resultam em sua evasão
defensiva quanto a seus próprios sentimentos, com dano subseqüente pa­
ra o progresso da análise. Money-Kyrle expressou bem este problema quan­
do distinguiu a "contratransferência normal". Quando o processo de análi­
se está indo bem
(...) há uma oscilação bastante rápida entre a introjeção e a projeção.
A medida que o paciente fala, o analista, por assim dizer, tornar-se~á
íntrojetivamente identificado com ele e, havendo-o compreendido den­
tro de si, reprojeta-lo-á e o interpretará. Mas o que penso que o analis­
ta está mais ciente é da fase projetiva, ou seja, a fase em que o pacien­
te é o representante de uma parte anterior, imatura ou doente, do ana­
lista, incluindo os seus objetivos danificados, os quais pode agora com­
preender e, portanto, tratar através da interpretação, no mundo externo.
(Money-Kyrle, 1956, p. 331-2)
Money-Kyrle está descrevendo aquela experiência familiar de dar-se con­
ta de que a interpretação que se está fazendo bem poderia ser feita de si
próprio, e também reconheceu a possibilidade igualmente familiar de que,
"(...) pela descoberta de novos padrões em um paciente, o analista pode
fazer progressos de 'pós-graduação' em sua própria análise" (p. 341).
O problem a coniratransferenciah Isto, contudo, é "(...) normal apenas
no sentido de ser um ideal (...) sua interpretação [do analista] fracassa sem­
pre que o paciente corresponde de modo estreito demais a algum aspecto
de si próprio [do analista] que ele ainda não aprendeu a compreender" (p.
332). Neste caso, o analista fracassa, em razão de sua própria neurose,
em compreender o paciente. Isto se torna aparente ao analista como o sen­
timento "(...) de que o material tornou-se obscuro". Isto provoca tensão
no analista e constitui um evento ao qual o paciente também reage. A ten­
são e a ansiedade tendem, diz Money-Kyrle, a diminuir ainda mais a capa­
cidade de entender, e um círculo vicioso se estabelece. É nestes pontos que
entra o conceito tradicional da contratransferência: a interferência das pró­
prias dificuldades pessoais do analista no curso de seu entendimento das
dificuldades do paciente. O analista
(...) pode tornar-se consciente de um senso de fracasso, como expressão
de uma culpa persecutória ou depressiva inconsciente (...) quando a in­
teração entre a introjeção e a projeção se rompe, o analista pode tender
a ficar preso em uma ou outra dessas duas posições e aquilo que faz
com sua culpa pode determinar a posição em que fica impedido de pros-

274 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


seguir. Ao aceitar a culpa, tem probabilidades de ficar atolado com
um paciente introjetado. Se projetá-la, o paciente continua a ser uma
figura incompreensível no mundo externo, (p. 334)
Este arcabouço fornece uma visão extremamente clara do que sai errado
com a contratransferência,
Little (1951), GitelsOn (1952) e muitos outros especularam sobre um
método específico de escapar desta armadilha com o próprio inconsciente:
confiar o equívoco ao paciente. Este método, porém, é condenado por
Heimann (1960), por onerar o paciente com questões pessoais do analista.
Money-Kyrle também argumentou, com ilustração clínica, que a confissão
pode equivaler a um conluio com as projeções do paciente. Se o analista
falhou em compreender, o paciente fica em posição de projetar naquele
uma parte impotente de si mesmo, de maneira que uma atitude subseqüen-
te de contrição e humildade por parte do analista não é necessariamente
tornada pelo paciente da maneira pela qual o analista a desejou. O pacien­
te pode, ao invés, tomar a atitude do analista como confirmação da impo­
tência projetada. Money-Kyrle descreveu um paciente que reagiu à falta
de compreensão pelo analista:
(...) comportando-se como se houvesse tirado de mim o que sentia ha­
ver perdido, o intelecto claro mas agressivo do pai, com o qual atacou
o seu self impotente em mim. Nessa ocasião, naturalmente, era inútil
tentar retomar o fio onde eu o havia deixado cair. Uma nova situação
havia surgido, que nos afetava a ambos. E antes que o papel de meu
paciente em ocasioná-la pudesse ser interpretado, eu tinha de fazer uma
auto-análise silenciosa, a envolver a discriminação de duas coisas que
podem ser sentidas como muito semelhantes: o meu próprio senso de
impotência por haver perdido o encadeamento e o desprezo de meu pa­
ciente por seu self impotente, que ele sentia estar em mim. Havendo fei­
to esta interpretação a mim mesmo, acabei por poder passar a segun­
da metade dela para o paciente e, assim procedendo, restaurei a situa­
ção analítica normal. (Money-Kyrle, 1956, p. 336-7)
Este processo descrito por Money-Kyrle é claramente um ciclo de identifi­
cação projetiva para dentro do analista, seguido pela modificação deste
(auto-análise silenciosa^, e a reprojeção para o paciente sob a forma da in­
terpretação do analista, para possível reintrojeção por parte do paciente.

Aliciamento do analista: A visão da contratransferência por Money-Kyrle


desenvolveu a idéia kíeiniana da transferência [ver TRANSFERÊNCIA].
Com a idéia da identificação projetiva, o analista é mais do que apenas
percebido mal pelo paciente:

Vemos o paciente não apenas como percebendo o analista de maneira


distorcida, reagindo a esta visão deformada e comunicando estas rea-

R.D.Himhelwood / 275
ções ao analista, mas também como fazendo coisas à mente do analis­
ta, projetando para dentro do analista de uma maneira que afeta este
último. (Segai, 1977, p. 82) [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].
Joseph (1975) refinou consideravelmente a sensibilidade do analista às atua­
ções do paciente na transferência [ver ATUAÇÃO DENTRO DA SES­
SÃO], Descreveu ela a própria experiência do analista como muito impor­
tante para sentir como o paciente está "trazendo o analista para dentro",
ou aliciando-o:
(...) como nossos pacientes atuam sobre nós por muitas e variadas ra­
zões; como tentam atrair-nos para seus sistemas defensivos; como incons­
cientemente atuam conosco na transferência, tentando fazer-nos atuar
com eles; como transmitem aspectos de seu mundo interior, construí­
do a partir da primeira infância e elaborado na infância e no estado
adulto, experiências com freqüência situadas mais além do uso de pala­
vras, que só podemos capturar através dos sentimentos despertados
em nós, através de nossa contratransferência. (Joseph, 1985, p. 62)
Este aumento de sensibilidde capacitou os analistas a efetuarem progressos
com difíceis pacientes limítrofes e "inatingíveis", que pareciam impedidos
de se desenvolver, [ver EQUILÍBRIO PSÍQUICO; ORGANIZAÇÕES PA­
TOLÓGICAS],
Contra-identificação projetiva: Grinberg (1962), endossado por Segai
(1977), descreveu pacientes que sentiam que o analista estava fazendo vio­
lentas identificações projetivas para dentro deles. Esta sensibilidade do pa­
ciente baseia-se na experiência inicial de pais que faziam identificações pro­
jetivas maciças para dentro dele durante a primeira infância e a infância
propriamente dita. Grinberg cunhou a expressão "contra-identificação pro­
jetiva" para esta ocorrência na situação analítica.

(5)A mente do analista como objeto do paciente. Nos últimos anos, tem siste­
maticamente emergido quão sensíveis são os pacientes aos sentimentos do
analista e aos métodos utilizados por este para lidar com esses sentimentos,
defensivos ou de outra espécie. Por uma das implicações do ciclo de iden­
tificações projetivas e introjetivas ser o processo de modificação no analis­
ta, do qual se exige que tenha a estabilidade mental para lidar com ansie­
dades intoleráveis sem ficar abertamente perturbado ele próprio, são em
verdade as percepções do paciente quanto à capacidade que tenha o analis­
ta de modificar a ansiedade que constituem realmente o componente im­
portante. Rosenfeld (1987) e muitos outros chamaram a atenção para isto.
Por exemplo, ao debater a oportunidade das interpretações, escreveu Ro­
senfeld:
Em algumas situações, pode-se interpretar depressa dem ais aquilo que
se reconheceu, com o resultado de que o paciente experiencia o que é

276 / Dicionário do Pensamento Kleiníano


dito como uma rejeição dele (...) o analista foi concretamente experien-
ciado como a expelir os sentimentos projetados e, assim, a expelir tam­
bém o paciente. (Rosenfeld, 1987, p. 6)
Brenman Pick, em pormenorizado exame desta questão, afirmou: "O pa­
ciente ao receber uma interpretação escutará não apenas palavras ou o sig­
nificado conscientemente pretendido delas. Alguns pacientes, em verdade,
só escutam o 'estado de espírito' e não parecem ouvir as palavras de mo­
do algum" (Brenman Pick, 1958, p. 158). Se isso fosse tão direto quanto
a "auto-anáíise silenciosa" de Money-Kyrle! Ao debater um paciente mui­
to perturbado, Brenman Pick enfatizou que este problema "(...) envolve
um esforço maciço para administrar-se os próprios sentimentos, e, mes­
mo em um paciente tão enfermo, acredito que indagações estavam sendo
formuladas quanto à questão de como lidei com os meus sentimentos" (p.
163). O objeto externo importante para o paciente é mental e não físico;
é a mente do analista e a maneira pela qual funciona [ver RÊVERIE; CONTERJ.
Elaboração na contratransferência: A contra transferência é hoje um instru­
mento importante para compreender a transferência; a experiência do ana­
lista como tendo experiências a elaborar para si mesmo, em sua própria
mente, desenvolveu-se, e é hoje compreendido que a mente do analista,
com suas falibilidadcs e também com suas interpretações, constitui aspec­
to extremamente importante da situação total (Joseph, 1985). Anteriormen­
te (nas décadas de 1940 e 50), os objetos do paciente eram conceptualiza-
dos como parte do corpo do analista (especialmente o seio e o pênis).
Ultimamente, contudo, entende-se que os objetos parciais a que o pacien­
te se relaciona e nos quais projeta são partes da mente do analista, pelo
menos em pacientes neuróticos:
Estive tentando demonstrar que a questão não é simples; o paciente não
apenas projeta em um analista, mas, ao invés, os pacientes são muito
habilidosos em projetar em aspectos particulares do analista (...) no de­
sejo que o analista tem de ser mãe, no seu desejo de saber tudo ou de
negar conhecimentos desagradáveis, em sua pulsão sádica ou em suas
defesas contra este. E, acima de tudo, ele [o paciente] projeta na culpa
do analista, ou nos objetos internos deste (Brenman Pick, 1985, p. 161).
A aguda conscientização que o paciente tem da mente do analista e do con­
teúdo e funcionamento desta levaram Brenman Pick a descrever o encon­
tro psicanalítico da seguinte maneira: "Se existe uma boca que busca um
seio como um potencial inato, existe, acredito eu, um equivalente psicoló­
gico, isto é, um estado mental que busca outro estado mental" (p. 157
[ver 1. TÉCNICA].

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278 / Dicto tário do Pensamento Kleiniano


• A análise de crianças chamou a atenção para os desejos e
V ^ r i d L I l Ç d l temores semelhantes aos que as crianças têm como sendo
sugestões vivas, que realmente se dão na análise [ver ANÁLISE DE CRIAN­
ÇAS]. Como derivação disto, deu-se ênfase a ver-se a criança na análise
de adultos. A parte infantil da personalidade é com freqüência sentida co­
mo extremamente valiosa, por causa de sua vida e sua corporificação das
emoções e dos sentimentos; ao mesmo tempo, ela é extremamente vulnerá­
vel, humilhante e, portanto, repudiada. Na prática, a cisão entre a parte
infantil da personalidade e o adulto é importante. No arcabouço kleiniano,
falando de modo estrito, é à criança no paciente, inclusive ao bebê no pa­
ciente criança, que a análise se dirige.

Ver BEBÊS.

9 g* • 1 1 As realizações criativas dos seres humanos, do-


V ^ r i a l l V l Q d Q c tadas que são, no começo da vida, de pulsões
básicas, sempre foram de interesse para Freud. Ele cunhou a expressão "su-
blimação" para denotar a transmutação de uma pulsão básica em busca
de satisfação biológica em uma forma exaltada de conduta e realização ci­
vilizada no mundo "sublime" e não-físico dos símbolos. Para Klein, a cria­
tividade era um processo muitíssimo mais complexo, não sendo a simples
transmutação de uma pulsão. Ao invés disso, existem diversos elementos
no pensamento kleiniano que se relacionam com a criatividade.
(i) Reparação: Klein escreveu uma nota sobre o processo criativo em 1929,
descrevendo-ó em relação a um ataque a ou por parte de perseguidores
em fantasia. O esforço criativo era uma tentativa subseqüente de restaurar
o dano causado a objetos sentidos como externos ou internos. Nesse arti­
go, Klein utilizou o termo "reparação" pela primeira vez e, posteriormen­
te, a criatividade nos textos kleinianos tendeu a ser vista como sendo uma
manifestação da reparação. O conceito de reparação obteve ganhos consi­
deráveis em sua significância quando Klein introduziu a idéia da posição
depressiva [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA; REPARAÇÃO]. Grande par­
te do subseqüente interesse kleiniano pela estética (Segai, 1952, 1974; Sto-
kes, 1955) enfocou o papel-chave da reparação [ver FORMAÇÃO DE SÍM­
BOLOS].
A criatividade representa uma parte essencial da interação na qual as
pulsões libidinais são postas em preeminência ante as destrutivas. No pro­
cesso de investigar a natureza do pensamento e da criação de teorias, Bion
(1962) descreveu, em sua própria terminologia, o tipo de atividade incons­
ciente que discerniu na descrição, feita por Poincaré, da criatividade cientí­
fica. Ela acarretava o afrouxamento de todos os laços que ligam os elemen­
tos em uma teoria, com uma repadronização subseqüente em torno de
um novo ponto focal. Para designá-lo Bion tomou de Poincaré a expressão
"o fato selecionado". Neste, Bion viu um processo que descreveu como sen­

R.D.Hinshelwood / 279
do um movimento no sentido da posição esquizoparanóide (afrouxamen­
to da integração), seguido pela reorganização em tomo de um novo pon­
to, um mamilo, que reune novamente as partes em um movimento de vol­
ta, no sentido da posição depressiva. Representou isto pelo símbolo Ep-D
[ver Ep-D],

(ii) O brincar: Existem, contudo, outros importantes aspectos da criativida­


de, que não são com freqüência mencionados diretamente. Em seus traba­
lhos iniciais, Klein demorou-se muito na natureza do brincar como externa-
lização da atividade de fantasia, particularmente a fantasia inconsciente.
A fantasia inconsciente é o bloco de construir básico , da própria mente
[ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE] e representa não apenas o desdobra­
mento das moções pulsionais dentro do campo mental, mas também os
esforços por superar os conflitos e o sofrimento a que as moções pulsio­
nais dão origem. O processo de externalização faz parte desta atividade
para criar um mundo psíquico mais adequado. No ato de brincar, portan­
to, a criança — e, em verdade, o adulto que brinca ou joga — está ensaian­
do, de maneira pública e simbólica, grande parte do sofrimento básico da
situação humana e explorando novas soluções para ele. O próprio ato de
brincar é um processo criativo. Parte deste processo é a busca de novos
objetos para os quais alguns dos impulsos possam ser voltados, por esse
meio diminuindo as tensões e os conflitos internos.
A idéia que Klein tinha do brincar foi formada, em grande parte, a par­
tir dos textos de Freud — o Pequeno Hans (1909), o jogo fort-da descrito
em Além do princípio do prazer (Freud, 1920) — mas especialmente, no
último deles, a partir da descrição:

Quando a criança passa da passividade da experiência para a ativida­


de do brincar, ela entrega a experiência desagradável a um de seus com­
panheiros de jogo e, desta maneira, vinga-se em um substituto. (Freud,
1920, p. 17)
Winnicott deu ênfase à importância do brincar, a fim de distinguir suas
opiniões da acentuação dada por Klein à destrutividade. Referindo-se à ên­
fase concedida por ela à reparação, Winnicott escreveu: "Em minha opi­
nião, o trabalho importante de Klein não se estende ao tema da própria
criatividade' (Winnicott, 1971, p. 70). O brincar, na opinião dele, é uma
atividade alegre, incluída da categoria dos fenômenos transicionais ou in­
termediários, enquanto que, para Klein, trata-se de um assunto sério, fen­
dido por fantasias inconscientes sofridas e amedrontadoras.
(Ui) Pulsão de vida: Em adição a isso, na remodelação feita por Freud em
sua teoria das pulsões, a Iibido (pulsão de vida) adquiriu características
que iam além do sexual e incluíam uma função sintética de reunir coisas,
com o paradigma, naturalmente, sendo a reunião dos parceiros na relação
sexual. Este aspecto da criatividade foi acentuado mais por Meltzer (1973),

280 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


ao descrever a estrutura da personalidade como sendo fornecida pelos pais
internos, em um relacionamento criativo dentro do indivíduo. Descreveu
ele isso como sendo uma presença semelhante à divina dentro de cada pes­
soa, da qual deriva um senso de criatividade que pode inspirar o indiví­
duo a seus próprios esforços construtivos e criativos, e o aspecto importan­
te da personalidade é o relacionamento que o indivíduo tem com o seu ca­
sal interno de pais a copular [ver FIGURA COMBINADA DOS PAIS].

Bion, Wilfred (1962), Learning from experíence, Heinemann.


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* * 1 *1 _| Nas grandes disputas a respeito da técnica


^ r i m m a l i a a a e da análise de criança (1926-7) [ver ANÁLI­
SE DE CRIANÇAS; DEBATES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS], Anna
Freud criticou Klein por igualar o brincar às associações verbais livres [ver
1. TÉCNICA]. Klein tinha de justificar isto e começou a compreender que
o brincar era uma atividade que podia às vezes ser comparada ao tipo de
atividade que Freud (1916) descrevera em certos tipos de caráter que per­
sistentemente se comportavam por maneiras autoderrotantes. De modo tí­
pico, apontou ele como a criminalidade era uma externalização de culpa
oriunda de fontes inconscientes [ver CULPA INCONSCIENTE].
Culpa inconsciente: Freud (entre 1916 e 1924) chamou a atenção de modo
particular para a culpa inconsciente. Klein estivera ocupada com os graus
excepcionais de violência que encontrara no brincar de crianças bastante
comuns, com as reações delas a isso e suas lutas para dominar esses impul­
sos em si mesmas. Durante a acalorada disputa com Anna Freud (1927)
[ver ANÁLISE DE CRIANÇAS], relatou o caso de uma criança que apre­
sentava fortes tendências violentas em suas fantasias, junto com um supe-
rego sumamente inibidor (Klein, 1927) [ver CULPA INCONSCIENTE]. Ela
ficou interessada no fato de que os piores dos crimes violentos cometidos
por adultos com freqüência se assemelham aos desejos de fantasia das crian-

R.D.Hinshelwood / 281
ças. Em ambos os casos deu-se conta de que um processo de externaliza-
çao {no brincar ou no crime real) correspondia à opinião de Freud sobre
criminosos oriundos de um senso inconsciente de culpa e que essa externa-
lização era um método de mitigar a violência interna entre os desejos e as
proibições do superego. A ação externa permite que o mundo real tranqüi-
lize o ego de que as duras e violentas ameaças retaliatórias não são tão te­
míveis quanto as internas, que o superego externo não é tão onipotente e
pode ser enganado e que, no caso do brincar, novas fantasias, que melho­
rarão a violência, podem ser geradas {ver 7. SUPEREGO].
Aqui, Klein confirmou também a opinião de Freud de que as tendên­
cias criminais resultam de uma situação interna de culpa que surge de um
superego de extraordinária severidade e observou a proximidade entre es­
tes níveis inconscientes de culpa e a paranóia dos pacientes psicóticos [ver
3. AGRESSÃO; 7. SUPEREGO; PSICOSE].

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1 A culpa é um estado mental angustiado, que surge de um con-


V ~ . u i p d . f I i t o interno, particularmente a respeito do valor do self. Freud
enfatizou durante longo período a importância da culpa e deu-se conta
de que a culpa inconsciente [ver CULPA INCONSCIENTE] era uma pode­
rosa força motivadora para a autopunição ou para um tipo motivado de
fracasso (Freud, 1916, 1924). Ele acabou por tomá-la um aspecto central
de seu modelo final da mente, o modelo estrutural, no qual o ego se acha
em luta constante para desviar os ataques do superego. Esse conflito entre
o ego e o superego resulta na experiência da culpa, quando o superego cen­
sura o ego por transgredir os padrões internos corporificados no primeiro.
Posição depressiva: Klein levou isto um passo mais à frente, ao descrever
a posição depressiva, na qual a culpa continua a ser o aspecto central. En­
tretanto, o conflito na posição depressiva, o qual dá origem à culpa, foi
descrito em termos muito diferentes dos do modelo estrutural. Na opinião
de Klein, o conflito entre ego e superego é inerente à mente, no nascimen­
to (isto é, possui raízes inatas nos dotes pulsionais), e ela ligou isto à pos­
terior teoria das pulsões, de Freud, em que este postulava uma pulsão de
morte e uma pulsão de vida em conflito. Dessa maneira, no nascimento
atribui-se ao ego a tarefa de lutar para controlar essas duas pulsões contrá­
rias (e, em última análise, alcançar uma dominância do amor sobre o ódio)
[ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA].

282 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Culpa persecutória: A versão mais inicial deste conflito, contudo, não é
um senso moral, de modo algum. Na posição esquizoparanóide, o confli­
to se dá mais a respeito da sobrevivência do ego, que se sente sob amea­
ça de morte. Na posição depressiva, esta ameaça dirige-se mais no senti­
do de objetos amados e o sujeito lamenta o sofrimento deles com um inten­
so remorso que é sentido como culpa e responsabilidade [ver ANSIEDA­
DE DEPRESSIVA]. A culpa, tal como se desenvolve na posição depressi­
va, evoluiu dos precedentes senso de perseguição e temor da morte, e, por­
tanto, tem em si numerosas tonalidades, estendidas ao longo do espectro,
e indo da punição horrenda e persecutória até o remorso sofrido, o luto e
a reparação.
De início, na posição esquizoparanóide, a culpa é uma perseguição reta-
liatória, de tipo não mitigado. Quando a posição depressiva entra em exis­
tência e os objetos se tornam "objetos totais", a violência da perseguição
é aliviada pela ajuda e pela preocupação provindas dos aspectos "bons"
do objeto. Isto conduz ao medo pela sobrevivência do objeto "bom", mas
parte essencial dele é remorso e culpa. A princípio, esta culpa é persecutó­
ria e punitiva, tirando o seu colorido do estado paranóide precedente de
perseguição. Entretanto, pela acumulação de experiências boas com o obje­
to total e a sua tendência a sobreviver, a culpa vem a ser modificada pe­
lo impulso a reparar o objeto bom e contribuir para a sua sobrevivência.
Neste ponto, a culpa fica permeada por desejos reparadores e contribui
para a força do esforço construtivo e criativo que daquela deriva.

Ver ANSIEDADE DEPRESSIVA; 8. SITUAÇÕES INICIAIS DE ANSIEDA­


DE; REPARAÇÃO.

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» * Freud chamara a atenção para a


t
C ulp cl in con scien te importância da culpa inconscien­
te em 1916, em suas opiniões a respeito da criminalidade e da vontade de
fracassar. A idéia conquistou ímpeto em 1923, quando ele introduziu o
conceito do superego e tornou a culpa central ao desenvolvimento do cará­
ter; melhor, a importância da culpa incentivou-o a tornar a instância que
provoca a culpa o fator central no desenvolvimento do caráter.
Seguindo essa mudança na teoria, houve um interesse intenso pela cul­
pa e a necessidade de punição. Em 1924, Freud ligou-a ao masoquismo e,
então, outros logo começaram a examinar a questão (Glover, por exemplo,
1926; Fenichel, 1928).
Klein, sempre interessada em demonstrar que a análise de crianças era
importante para esclarecer os tópicos que estavam sendo discutidos, con-

R.D.Himhehtiood / 283
tribuiu de modo importante para este problema. Ela tinha, de qualquer
modo, muito material a mostrar a ocorrência inicial de remorso, pesar e
culpa em crianças e suas origens nas relações objetais agressivas e sádicas
[ver 3. AGRESSÃO; 7. SUPEREGO]. Em 1927, ela acompanhou as opi­
niões de Freud a respeito do lugar da culpa inconsciente no comportamen­
to criminoso com seu artigo sobre as tendências criminais em crianças [ver
CRIMINALIDADE].
Ela confirmou a opinião de Freud de que se lida com o com portam en­
to criminoso por uma externalização da culpa que é inconscientemente sen­
tida. A situação externa reflete a forma dos violentos ataques internos ao
ego por um superego severo, representado como objetos internos hostis.
Confirmou também que o mecanismo por trás disto era a substituição por
uma punição externa a fim de aliviar os sádicos e terrificantes estados in­
ternos que provocam completo desamparo. Um castigo substituto duro
mas externo é sentido como menos aterrorizante por ser real, antes que
fantasioso; pode-se também fugir a ele pela ocultação ou pelo descrédito
do acusador.
Este uso da teoria freudiana de externalização do estado interno também
tornou-se^ importante para Klein na compreensão do processo do brincar
[ver 1. TÉCNICA] e de formação de símbolos [ver FORMAÇÃO DE SÍM­
BOLOS]. A externalização era uma defesa contra uma perseguição inter­
na aterrorizante (culpa inconsciente) e, ao mesmo tempo, criava a possibi­
lidade de utilizar símbolos (Klein, 1929, 1930). O movimento de um obje­
to para outro, que, neste caso, era de um objeto interno para outro exter­
no, também tornou-se pedra angular de suas teorias de desenvolvimento
na criança (Klein, 1932). Quando o relacionamento com determinado obje­
to se torna hostil demais, novos objetos são buscados: exemplificando, o
afastamento da mãe, que desaponta o bebê no desmame e cria uma crise
de sadismo e perseguição, no sentido da busca de um novo objeto, o pai,
ou, alternativamente, as relações objetais sádicas das fases pré-genitais po­
dem provocar um movimento no sentido de impulsos e objetos genitais (tal­
vez a genitalidade prematura) [ver DESENVOLVIMENTO].

Fenichel, Otto (1928), The clinicai aspect of the need for punishment", Int. }. Psycho-Anal.
, 9:47-70.
Freud, Sigmund (1916), Some character-types met with in psycho-analytic work: III — cri­
minais from a sense of guilt', S. E, 14, p. 332-3.
-------- . (1923), 'The Ego and the Id", S. E. 19, p. 3-66.
-------- , (1916), "The economic’problem of masochism', S. E. 19, p. 157-70.
Glover, Edward (1926), "The neurotic cnaracter", Int. /. Psycho-Anal., 7:11-29.
Klein, Melanie (1927), "Criminal tendencies in normal children", WMK 1, p. 170-85.
-------- . (1929), "Persontfication in the play of children", WMK 1, p. 199-209.
-------- . (1930), "The importance of symbol-formation in the development of the ego", WMK
1, p. 219-32.
-------- . (1932), "The psycho-analysis of children', WMK 2.

284 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


D ebates sobre
as co n tro v érsias (1 9 4 3 -4 4 ) ^Tdè i92oeé
30 a Sociedade Psicanalítica Britânica desenvolvera um estilo característi­
co de teoria e prática psicanalíticas, o que veio a entrar em conflito com
a psicanálise vienense. As diferenças irromperam com amargor em 1926-7,
a respeito da prática kleiniana de psicanálise de crianças utilizando a tera­
pia através do brincar [ver 1. TÉCNICA], mas se acalmaram com a ten­
dência, por parte das duas sociedades, a ignorar os pontos de vista diver­
gentes de cada uma. O assunto foi temporariamente abordado quando Er-
nest Jones, em Londres, e Paul Federn, em Viena, começaram a tratar do
que se pretendia se tornasse uma permuta de conferências regular entre
as duas sociedades. Jones deu a primeira palestra em 1935, em Viena (Jo­
nes, 1936), e Joan Riviere a segunda, em 1936, também em Viena (Rivie-
re, 1936); a conferência de Waelder em 1936, em Londres, foi seguida pe­
la resposta dele a Riviere, publicada em 1937 (Waelder, 1937). Nesta oca­
sião, porém, a situação política da Europa estava se deteriorando e o con­
flito psicanalítico chegou literalmente à porta da frente da Sociedade Britâ­
nica em 1938, quando os psicanalistas vienenses foram forçados a imigrar.
Freud e Anna Freud vieram para Londres e constituíram o foco de um gru­
po vienense de analistas, em Londres, que se opunha às opiniões de Klein.
Formaram eles um grupo de oposição juntamente com certos analistas bri­
tânicos, notavelmente Edward Glover e Melitta Schmideberg (filha de
Klein), que se havia indisposto com as teorias kleinianas após a introdu­
ção do conceito da posição depressiva (Steíner, 1985).
Neste ponto, a Sociedade Britânica achou-se fendida pela disputa, quan­
do Klein e seus associados mais chegados reagiram mal às críticas e entrin­
cheiraram-se em tentativas de forçar suas teorias e seu material clínico so­
bre os recém-chegados. Assuntos de comitês na Sociedade, já dificultados
pelos deslocamentos da Segunda Guerra Mundial em 1940 e 1941, torna­
ram-se impossíveis, especialmente a respeito da formação de novos psica­
nalistas. Um armistício acabou por ser arranjado, com a concordância
em uma série de encontros científicos mensais, destinados a debater os as­
pectos controversos das teorias de Klein. Por um período de dezoito me­
ses, uma série de quatro artigos foi lida por kleinianos a respeito de aspec­
tos controversos das teorias deles: em 1943, "Sobre a natureza e a função
da fantasia", de Susan Isaacs, debatido durante cinco encontros; "Certas
funções de projeção e introjeção na primeira infância", de Paula Heimann,
discutido em dois encontros, e "Regressão", da autoria de Paula Heimann
e Susan Isaacas, debatido em dois encontros; depois, em 1944 (ainda que,
por esta época, a maioria dos analistas vienenses houvesse deixado de as­
sistir aos debates e Glover se houvesse desligado inteiramente da Socieda­
de), "A vida emocional do bebê, com referência especial à posição depres-

R.D.Hinsheiwood / 285
siva", da autoria de Melanie Klein, debatido em dois encontros. Estes tra­
balhos foram publicados, em formas reescritas, em Developments in psycho-
analysis (1952).
Os Debates sobre as Controvérsias não resolveram nenhuma questão
científica. Concentraram as mentes dos kleinianos de maneira a produzir
descrições sistemáticas de suas opiniões e demonstraram também, para sur­
presa dos vienenses, a sofisticação e o poder de argumento dos analistas
britânicos. O desfecho foi cada lado deixar o outro em paz e concordar
com uma solução burocrática para a estrutura de comitês da Sociedade
Britânica e a formação de novos psicanalistas. O acordo final ficou conhe­
cido por "Acordo de Cavalheiros", embora tivesse sido subscrito por três
mulheres; Melanie Klein, Anna Freud e a presidenta da Sociedade Britâni­
ca, Sylvia Paine (Grosskurth, 1986). Desde então uma paridade cuidadosa­
mente controlada dos integrantes dos comitês, especialmente dos de forma­
ção, tem sido mantida pela designação dos três grupos dentro da Socieda­
de; o Grupo Klein, o Grupo "B" (hoje chamado de Freudianos Contempo­
râneos) e um Grupo Intermediário de Independentes.
Os resumos feitos por Glover de suas críticas aos trabalhos kleinianos
foram subseqüentemente publicados (Glover, 1945) e Brierley foi estimula­
da a escrever um certo número de artigos que foram coligidos em livro so­
bre a nova forma da psicanálise (Brierley, 1946). Confrontações diretas en­
tre psicanalistas kleinianos e psicanalistas Ortodoxos (ou psicólogos do ego,
como vieram a tornar-se conhecidos) tenderam a ser evitadas desde então;
o debate entre Greenson (1974, 1975) e Rosenfeld (1974), bem como a con­
ferência de 1985 sobre identificação projetiva (Sandler, 1988) foram das
raras exceções publicadas.

Ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE; 4. COMPLEXO DE ÉDIPO.

Brierley, Marjorie (1946), Trends in psycho-analysis, Hogarth,


Glover, Edward (1945), "An examination of the Klein System of child psychology", Psycho-
anal. Study Child, 1:1-43.
Greenson, Ralph (1974), "Transference: Freud or Klein?", Int, }. Psycho-Anal, 55:37-48.
. (1975), Transference: Freud or Klein? A reply to the discussion by Herbert Rosen­
feld", Int, J. Psycho-Anal., 56:243.
Grosskurth, Phyllís (1986), Melanie Klein, Hodder & Stoughton.
Jones, Ernest (1936), "Early female sexuality', Int. J. Psycho-Anal., 16:262-73.
Riviere, Joan (1936), "On the genesis of psychical conflict in earliest infancy", Int. J. Psycho-
Anal, 17:395-422; republicado (1952) em Klein et aí,, (orgs.,), Developments in psycho-
analysis, Hogarth.
Rosenfeld, Herbert (1974), "Discussion of the paper by Ralph R. Greenson, 'Transference:
Freud or Klein?", Int. }. Psycho-Anal, 55:49-51.
Sandler, Joseph, (org.), (1988), Projection, Identification and projective Identification, Kamac.
Steiner, Ríccardo (1985), "Some thoughts about tradition and change arising from an exami­
nation of the British Psycho-Analytical $ociety's.
Controversial Discussions, 1943-1944", Int. Rev. Psycho-Anal, 12:27-71.

286 / Dicionário do Pensamento Kleiníano


Waelder, Robert (1937), "The problem of the genesis of psychicaí conflíct irt earliest infancy",
Int. /. P sycho-A nal, 18:406-73.

D efesa p aran óid e co n tra a


• j j 1 « A s evidências de Klein dé
ansiedade depressivâque a posição depressa
ocorre tão próxima dos estados precedentes da paranóia — e deles surge
- [ver 11. POSIÇÃO HSQUIZOPARANÓIDE; 13. IDENTIFICAÇÃO
PROJETIVA] sugeriram-lhe um processo flutuante, em que há, repetidas
vezes, uma retirada desde a posição depressiva quando as ansiedades de­
pressivas tornam-se fortes demais. Nesse caso, "(...) os temores e suspeitas
paranóides foram reforçados como defesa contra a posição depressiva"
(Klein, 1935, p. 274). Posteriormente, pode haver um novo avanço no sen­
tido da posição depressiva e outras tentativas de conter a ansiedade depres­
siva {Joseph, 1978).

Ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA; Ep-D.

Joseph, Betty (1978), "Different types of anxíety and their handhng in the analytic situation",
Int, J, Psycho-Anal., 59:223-8.
Klein, Melanie (1935), "A contribution to the psychogenesis of manic-depressive States",
WMK 1, p. 262-89.

y -v r « 1 / * O interesse de Klein pelas defesas


U eresa p sicológica foi secundário à compreensão da
ansiedade subjacente a elas e que impulsionava à defensividade. Ela esta­
va particularmente interessada na maneira por que as crianças produziam
ou inibiam as suas fantasias e brincadeiras. A inibição da fantasia era uma
resistência na análise e, portanto, uma defesa contra aquelas fantasias que
constituíam a fonte da ansiedade. Ela demonstrou como a interpretação
apropriada da ansiedade subjacente prontamente mobilizava a vida de fan­
tasia da criança (Klein, 1920 [ver 1. TÉCNICA].
Defesas e psicose: Klein tornou-se particularmente cônscia, provavelmen­
te sob a influência de Abraham, de quê a defensividade envolvida nessas
crianças pequenas assemelhava-se às defesas que Abraham (1924) e Freud
(1917) estavam descrevendo em pacientes psicóticos: a projeção, a introje-
ção e a identificação.
Entre 1924 e 1926, em determinada análise (Erna, uma menina de seis
anos de idade), Klein descobriu que a neurose obsessiva que se apresenta­
va encobria uma paranóia real e começou a dar-se conta de que o grau
de sadismo que estava descobrindo em tantas crianças não se achava lon­
ge do tipo de violência imaginado, por hipótese, como ponto de fixação

R.D.Hinshehoood / 287
para as psicoses. Esta idéia foi confirmada mais tarde na análise de Dick,
um menino de quatro anos, em 1929 {Klein, 1930) [ver PSICOSE). Em
1932 e 1933, Klein começou a encarar uma certa classe de defesa como es­
pecífica contra a manifestação da pulsão de morte, os impulsos destruti­
vos. Estes se achavam especiaímente implicados nos medos paranóides e
estavam, portanto, ligados a processos incipientes de psicoses, representan­
do pontos de fixação iniciais para a esquizofrenia e a paranóia (Klein, 1930).
Impulso e defesa: A estrita distinção feita por Klein entre as fantasias an­
siosas que formavam o conteúdo da ansiedade e as defesas contra elas não
era simples. Ela não elucidou esta complexidade de modo claro, mas se­
guiu de perto as descobertas clínicas de Abraham de que as defesas primi­
tivas envolviam a atividade de moções pulsionais, com a projeção depen­
dendo da expulsão anal e a introjeção, da incorporação oral. Abraham
(1924) descreveu clinicamente estes processos em termos das fantasias atua­
das por pacientes psicóticos e Klein pôde perceber os paralelos com o ma­
terial dela enquanto as crianças atuavam as suas fantasias no consultório
de crianças. As fantasias, portanto, vinham a estar envolvidas tanto no
conteúdo da ansiedade contra a qual se erguia defesa quanto nos proces­
sos de defesa contra essas ansiedades. Com fundamento nisto, desenvolveu-
se gradualmente a teoria da natureza onipresente da fantasia inconsciente
como a função básica da própria mente [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE].
Dessa maheira, fantasias desenvolvem-se, de modo inconsciente, para
defesa contra outras fantasias, confusão apontada e elucidada por Segai
(1964). A manipulação das fantasias que protegem contra a ansiedade po­
de a princípio se dar através do estímulo de sensações somáticas [ver S.
OBJETOS INTERNOS; FANTASIAS DE MASTURBAÇÃO ]. Como Bick
observou, estas fantasias manipuladas podem, no primeiro caso, ser provo­
cadas pelo objeto externo, a mãe, especiaímente através do contato epidér­
mico [ver PELE]. Joseph demonstrou a maneira pela qual estas fantasias
defensivas são mobilizadas no relacionamento transferenciai:
Podemos observar fantasias serem ligadas ao analista, como se o forçan­
do a um papel específico, como processo constante em progresso na si­
tuação analítica, de maneira que ansiedades surgem, defesas são mobili­
zadas, o analista é, na mente do paciente, atraído para o processo, sen­
do continuamente usado como parte do seu sistema defensivo. (Joseph,
1981, p. 24)

D efesas e desenvolvim ento: Klein também assumiu a linha de pensamen­


to começada por Freud em 1917, ha qual ele demonstrou que, como resul­
tado de uma experiência de um sofrimento psíquico particular (perda de
um objeto amado), alguns indivíduos incorporam objetos em seu ego.
Mais tarde (1921), identificou isto como sendo uma ocorrência mais geral
e um aspecto típico da vida social. Ele conduz, contudo, ao interessante
resultado de que uma defesa (introjeção) estimula o desenvolvimento do

288 / Dicionário do Pensamento Kteiniano


ego: em verdade, com o trabalho de Abraham (1924), a introjeção consti­
tuiu a base para uma teoria de desenvolvimento do ego (Heimann, 1952).
O ego é composto de um "precipitado de relações objetais".
Se uma defesa for também um passo evolutivo, existe o risco de uma
certa confusão aqui. À medida que Klein avançava na elaboração da teo­
ria dos objetos internos, a distinção entre um aspecto defensivo e um as­
pecto desenvolvímental da introjeção lentamente tornou-se mais clara, em­
bora o conceito de "objeto interno" fosse — e ainda seja — extremamen­
te difícil de ser apreendido [ver 5. OBJETOS INTERNOS; OBJETOS]. Hei­
mann, em 1942, começou a distinguir entre objetos internos que se tornam
assimilados pelo ego e objetos que permanecem, por assim dizer, como
corpos estranhos dentro dele (ver ASSIMILAÇÃO] e Klein escreveu exten­
samente sobre a importância do objeto interno bom como cerne do ego e
de sua estabilidade.
O ego arcaico: Estes mecanismos são fundamentais para os estágios mais
iniciais da existência do ego e do seu experienciar, e relacionam-se com o
desenvolvimento ou fuga da conscientização do mundo interno e do mun­
do externo, do bom e do mau em cada um deles. Processos de projeção e
introjeção contribuem para a construção de um retrato fundamental dos
mundos interno e externo. Também os processos de cisão e negação pos­
suem grande influência sobre o senso de integridade e plenitude do selft
ou sobre a ausência desses sentimentos. Existem processos de relação de
objetos a ocorrerem em uma ocasião em que a psicanálise clássica, ou psi­
cologia do ego, sustenta que a personalidade se encontra em um estado
de narcisismo primário [ver PSICOLOGIA DO EGO]. Mecanismos primi­
tivos são assim responsáveis pela maneira pela qual os estágios mais ini­
ciais do ego se desenvolvem e, portanto, têm um papel importante no de­
senvolvimento psicológico, assim como na defesa.
Mecanismos primitivos de defesa e percepção: Pode-se dizer que a persona­
lidade absorve do meio ambiente todo o tempo. No adulto, isto é um pro­
cesso de percepção e pensamento. Entretanto, Klein viu as raízes destes
processos nos estágios mais primitivos como dependentes do processo da
introjeção. Devido à onipotência com que o bebê acredita que sua mente
opera, estas introjeções possuem efeitos duradouros, por contribuírem pa­
ra o senso de coisas concretas a serem recebidas em si pela mente a funcio­
nar de modo primitivo [ver ONIPOTÊNCIA]. Embora, no curso do desen­
volvimento, sobreponha-se a este nível de funcionamento o pensamento
simbólico, há um nível em que as experiências dão realmente origem a sen­
sos concretos de absorver ou de dar que deixam a pessoa sentindo-se me­
lhor ou pior por essas experiências. Tais significados primitivos atribuídos
às experiências continuam a viver como parte da personalidade desempe­
nhada por essas funções primitivas. Mais tarde, Bion (1957) demonstrou
que o aparelho perceptual pode ser o órgão para a projeção (expulsão)
no funcionamento psicótico.

R.D.Hinshelwooá / 289
Ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA.

Abraham, karl (1924), "A short study of the development of the libido", em Kari Abraham
(1927), Selected papers o n psycho-analysis, Mcrgarth, p. 418-501.
Bíon, Wilíred (1957), "Dífferentiaèion of the psychotic from the non-psychotic personalities", 1
Int. J. Psycho-Anal,, 38:266,-75; republicado (1967) em W. R. Bion, Second thoughts, Hei- ■M
nemann, p. 543-64.
Freud, Sigmund (1917), "Mourning and melancholia", S.E. 14, p. 237-60.
— ■— . (1921), ''Group psychology and the analysis of the Ego", S.E. 19, p. 67-143.
Heimann, Paula (1942), "A contribwtion to the problem of sublimation and íts relation to in-
ternaíization" Int. J, Psycho-Anal., 23:8-17.
-------- . (1952), "Certain functíons of introjection and projection in early ínfancy", em Mela-
me Klein, Paula Heimann, Susan Isaacs e Roger Money-Kyrle, (orgs.), (1952), Develop-
ments in psycho-analysis, Hogarth, p. 122-68. ■;|Í
Joseph, Betty (1981), "Defence mechanisms and phantasy in the psycho-analytic process'', ■■Msí
Bulletín of the European Psycho-Analytical Feãeration, 17:11-24. Tf
Klein, Melaníe (1920), "The development of a child", WMK 1, p. 1-53.
-------- . (1930), 'The importanee of symbol-formation in the development of the ego", WMK
1, p. 219-32.
—------ . (1932), "The psycho-analysis of children", WMK 2.
-------- . (1933), 'T h e early development of conscience in the child", WMK 1, p. 248-57. :T;I|
Segai, Hanna (1964), Introduction to the ioork of Melaníe Klein, Heinenn.
ÍOI:

FN £ / O sofrimento da posição depres- 111


u e re sa s m a n ía ca s siva ocorre através de toda a vida
e defronta-se, às vezes, com uma defensividade na maioria das pessoas
(ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]. De importância suprema são as defe­
sas que entram na constituição dos estados de mania e hipomania, estados
que, em menor grau, são comuns em todas as pessoas. As defesas manía­
cas são tipicamente onipotentes: "O senso de onipotência é o que primei­ ■t I
I ro e antes de tudo caracteriza a mania; ela se baseia ainda no mecanismo
da negação (Klein, 1935, p. 277). As defesas abrangem:
(i) N egação: A onipotência baseia-se na negação, e "a primeira negação
entre todas é a realidade psíquica" (Klein, 1935, p. 277).
(n) D epreciação:
!
O ego não quer e é incapaz de renunciar a seus objetos internos bons,
mas, apesar disso, esforça-se por escapar dos perigos da dependência
deles (...) Sua tentativa de desligar-se de um objeto sem ao mesmo tem­
po renunciar a ele (é alcançada] através da negação da importância de
seus objetos bons. (Klein, 1935, p. 277)
O ego:
nega que sinta preocupação ou interesse por ele (o objeto bom]. — Cer­ i
tamente — argumenta o ego — não é uma questão de tão grande im­
i' ^ portância que este objeto específico seja destruído. Existem tantos ou-
1i
2 9 0 / Dicionário do Pensamento Kleiniano

A
tros a serem incorporados. — Esta depreciação da importância do obje­
to e o desprezo por ele é, penso eu, uma característica específica da ma­
nia. (Klein, 1935, p. 278)
(Ui) Controle: Ao mesmo tempo, contudo, ele se esforça incessantemente
por controlar e dominar todos os seus objetos (Klein, 1935, p. 277). "isto
é necessário por duas razões: (a) a fim de negar o pavor deles [os objetos
de que depende] que está sendo experienciado, e (b) de maneira a que o
mecanismo de fazer reparação ao objeto possa ser efetivado". (Klein, 1935,
p. 278)
(iv) Idealização: "A idealização é uma parte essencial da posição manía­
ca" (Klein, 1940, p. 349) [ver OBJETO IDEAL].
Tão importantes são os mecanismos envolvidos na mania que Klein, du­
rante um período, no final da década de 30, referiu-se à posição maníaca.
Estas defesas protegem o sujeito de experienciar as penosas conseqüên-
cias da dependência em objetos bons e amados e as conseqüências igual­
mente penosas de tal dependência. As defesas maníacas, contudo, condu­
zem a novos problemas:
A gratificação sádica de superá-lo e humilhá-lo, de sair-se melhor que
ele, o triunfo sobre ele, podem ingressar tão intensamente no ato da re­
paração que o "círculo benigno" iniciado por este ato se rompe. Os ob­
jetos que devería ser restaurados transformam-se novamente em perse­
guidores (...) Em resultado do fracasso do ato de reparação, o ego tem
de valer-se, repetidamente, das defesas obsessivas e maníacas. (Klein,
1940, p. 351) [ver REPARAÇÃO]

Relação das defesas maníacas com as obsessivas. Em 1940, Klein afirmou


que as defesas maníacas se desenvolvem das defesas obsessivas emprega­
das contra a ansiedade persecutória (elas "juntam" a ansiedade persecutó-
ria). Neste sentido, deu ênfase ao controle onipotente, chamando-o de "triun­
fo" e dizendo: "Desejo acentuar a importância do triunfo, estreitamente li­
gado com o desprezo e a onipotência" (Klein, 1940, p. 351). A relação pa­
rece ser tênue e, embora as defesas obsessivas fossem de grande interesse
para Klein em seus trabalhos iniciais, como defesas específicas contra sen­
timentos persecutórios, após a influência de Fairbairn em 1946, elas saem
fora da literatura kleiniana [ver DEFESAS OBSESSIVAS]. Este é um dos
muitos casos em que os conceitos kleinianos se afastaram tanto da termino­
logia clássica que os conceitos clássicos desapareceram do uso kleiniano,
ainda que nunca se tenha claramente afirmado que fossem redundantes.

Klein, Melanie (1935), "A contribution to the psychogenesis of manic-depressive States",


WMK 1, p. 262-89.
-------- . (1940), "Mourning and its relation to manic-depressive States", WMK 1, 344-69,

R.D.Hinshelwood / 291
F )p fp c a C n h c P Q Q l v a c Defesas obsessivas são atos ou
L / C I C u C l J U L / j C O D I V CS. D pensamentos repetitivos geralmen-
te destinados a algum ato de controle — deslocados da ansieade a respei­
to do controle de um estado interno, um impulso ou uma emoção — in­
vertendo ritualmente um impulso a danificar. Klein seguiu Freud (1909) e
Abraham (1924) em considerar as defesas obsessivas como específicas con­
tra impulsos sádicos:
(...) os mecanismos e sintomas obsessivos em geral servem ao fim de
unir, modificar e desviar uma ansiedade pertencente aos níveis mais ini­
ciais da mente, de maneira que as neuroses obsessivas se erigem sobre
a ansiedade das primeiras situações de perigo (Klein, 1931, p. 246).
Tão grande era a ênfase dela que se referiu, em uma ou duas ocasiões, à
'posição obsessiva". O desfazer repetitivo (uma defesa-chave nos mecanis­
mos obsessivos) foi particularmente proeminente em seu material clínico
a respeito de crianças pequenas, e Klein a atribuiu, nesse estágio, aos efei­
tos da culpa: "(...) da maior importância no desenvolvimento da neurose
obsessiva (...) é o sentimento de culpa no desenvolvimento da neurose ob­
sessiva (...) é o sentimento de culpa engendrado pelo superego" (Klein,
1927, p. 179).
O status dos mecanismos obsessivos, no entanto, começou a diminuir
em anos posteriores, quando as descrições de Klein a respeito da posição
depressiva revisaram as suas opiniões sobre a culpa. As defesas proeminen­
tes que descreveu então foram as maníacas [ver DEFESAS MANÍACAS]
e tornou-se difícil distingui-la das defesas obsessivas:
(...) onde a neurose obsessiva era o fato mais poderoso no caso, tal do­
mínio pressagiava uma separação forçada de dois (ou mais) objetos, en­
quanto que, onde a mania se achava em ascendência, recorria a méto­
dos mais violentos. Isto quer dizer que os objetos eram mortos, mas,
sendo o sujeito onipotente, supunha ele que podia também imediatamen­
te trazê-los de volta à vida. (Klein, 1935, p. 278)
Esta distinção muito fina era sustentada mais ainda:
O próprio fato de as defesas maníacas estarem operando em ligação tão
estreita com as obsessivas contribui para o temor que o ego tem de que
a reparação tentada por meios obsessivos tenha também fracassado.
(Klein, 1940, p. 351)
A defesa obsessiva específica do desfazer foi substituída pela descoberta
da reparação, a que, em certos aspectos, se assemelha; a reparação é a ten­
tativa de corrigir um dano [ver REPARAÇÃO].
O rebaixamento das defesas obsessivas tornou-se completo em 1946,
quando Klein voltou sua atenção para o estudo dos processos de cisão que
vieram para o primeio plano no trabalho que ela e seus colegas psiquia­

292 / Dicionário do Pensamento Kíeíniano


tras estavam fazendo com esquizofrênicos, A crítica de Fairbairn influen­
ciara Klein, que concordou em haver colocado ênfase demasiada na depres­
são e no interesse de Abraham pelas neuroses obsessivas nas fases "psicóti­
cas" iniciais. Ela começou a dar-se conta de que havia toda uma classe de
mecanismos primitivos de defesa contra o sadismo e ansiedade paranóide,
que era de natureza inteiramente diferente da que subjazia às defesas "neu­
róticas" [ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA].
A partir de então1, as defesas obsessivas foram consideradas como meca­
nismos neuróticos de defesa, constituídos de elementos dos mecanismos
primitivos de defesa, evolutivamente anteriores. Em nota de rodapé de
1957, <p. 221), observou ela, casualmente, que os mecanismos obsessivos
são específicos do segundo ano de vida, ou seja, muito tempo após os de­
cisivos primeiros seis meses de vida que abrangem a posição esquizopara-
nóide e o início da posição depressiva.
Para todos os fins e propósitos, as defesas obsessivas foram divididas
entre defesas maníacas (controle e isolamento) e reparação (desfazer). Elas
são em grande parte absorvidas pelas formas onipotentes de reparação
[ver REPARAÇÃO MANÍACA], embora existam também importantes as­
pectos projetivos nas defesas obsessivas, que dão a qualidade de ativida­
de de esfíncter" a tantos sintomas obsessivos.

Abraham, KarI (1924), "A short account of the deveiopment of the libido", em Karl Abra­
ham (1927), Selected papers on psycho-analysis, Hogarth, p. 418-501.
Freud, Sigmund (1909), "Notes upon a case of obsessional neurosis", S.E. 10, p. 153-320.
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-------- . (1957), "Envy and gratitude", WMK 3, p. 176-235.

D en egrim en to Ver DESPREZO; DEFESAS MANÍACAS.

t Os dentes representam os órgãos do sadismo oral [ver


uentes SADISMO]. O crescimento deles produz dor na boca, o que
dá origem à fantasia inconsciente de perseguidores dentro da boca, a mor­
derem o bebê, que teme a agressão retaliatória. Para o bebê, o dente é a
percepção terrificante de um objeto (parcial) interno e hostil.

Ver 5. OBJETOS INTERNOS.

Existem numerosos aspectos de


D esen vo lvim en to desenvolvimento psicológico: (D

R.D.Hinshekoood / 293
o amadurecimento fisiológico; (2) as fases da libido; (3) o princípio da re­
alidade; (4) o desenvolvimento das relações objetais; (5) o desenvolvimen­
to do ego, e (6) a seqüência das situações de ansiedade. Serão descritos
um por um:

(1) O amadurecimento fisiológico. Há um desdobramento epigenético natu­


ral do corpo físico e também da mente. O desenvolvimento corporal acha-
se diretamente subjacente ao psicológico por (a) estabelecer as fases da li­
bido, (b) determinar certas características do ego, e (c) estabelecer um equi­
líbrio entre as pulsões de vida e de morte. Ele afeta indiretamente o desen­
volvimento da mente por (d) um desenvolvimento do aparelho perceptual
que oferece novos tipos de objetos (objetos totais).

(2) As fases da libido. Klein aceitava a importância da seqüência normal das


fases libidinais, mas descrevia como a progressão normal é perturbada pe­
los impulsos destrutivos, quer
(i) inibem o progresso e a regressão pronta;
(ii) promovem o progresso mais rápido através dos estágios, causando tal­
vez um "amadurecimento" prematuro.
As ansiedades e as defesas das posições esquizoparanóide e depressiva in­
fluenciam o ritmo com que as fases libidinais epigeneticamente se desdobram:
O curso do desenvolvimento libidinal é assim, a cada passo, estimula­
do e reforçado pelo impulso à reparação e, em última análise, pelo sen­
so de culpa. Por outro lado, a culpa, que engendra o impulso à repara­
ção, também inibe os desejos libidinais, pois quando a criança sente
que sua agressividade predomina, os desejos libidinais lhe aparecem co­
mo um perigo a seus objetos amados e devem, portanto, ser reprimidos.
(Klein, 1945, p, 410) [ver LIBIDO]

(3) O princípio da realidade. O bebê depende de seu desenvolvimento neuro­


lógico para chegar a um ponto em que os receptores podem começar a dis­
tinguir a realidade dos objetos externos. A época em que isto acontece,
por volta do quinto ao sexto mês de vida, precisa haver uma quantidade
significativa de amadurecimento psicológico, a fim de que as ansiedades
depressivas possam ser suficientemente toleradas para um maior processo
de maturação, o que depende da elaboração do mundo interno. A capaci­
dade de relacionar-se .com um objeto total significa abandonar as proje­
ções e introjeções onipotentes, que distorcem a percepção. Esta capacida­
de de tolerar a ambivalência [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA] é um pré-
requisito para desenvolver os princípio da realidade.
(4) O desenvolvimento das relações objetais. Klein, estando interessada nos
relacionamentos com objetos, estava preocupada então com o desenvolvi-

294 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


mento das relações objetais. Na teoria destas relações, há um ego que esta­
belece relações objetais desde o nascimento, como dado biológico. A for­
ma e o desenvolvimento envolvem a interação entre a posição esquizopara-
nóide e a posição depressiva.
O desenvolvim ento na posição esquizoparanóide: O ego mais arcaico tem
de administrar estados intensos de perseguição e o temor de aniquilação
provindo de dentro e de fora. Em verdade, segundo a opinião de Freud,
o primeiro ato do ego é voltar a pulsão de morte para fora, no sentido
de um objeto externo. Além disso, lida-se com grande parte deste ônus atra­
vés da externalização (projeção) de objetos maus e a internalização (intro-
jeção) de objetos bons [ver 5. OBJETOS INTERNOS]. O significado dis­
to é que o bebê vem a operar fantasias que o capacitam a recuperar, tão
rápido quanto possível, o senso de que, internamente às suas fronteiras
do ego, existe uma plenitude e uma bondade. Tal como acontece com o
bebê com fome que é amamentado, as sensações do mamilo em sua boca
e do leite em sua barriga provocam representações mentais de fantasias in­
conscientes de um objeto bom a entrar nele (introjeção). O resultado é a
progressiva capacidade de manter o estado (ou mais rapidamente retornar
a ele) em que o bebê, concretamente, sente-se bem por dentro. É esta a
base da confiança.
Na maneira de ver de Klein, portanto, a defesa inicial contra a pulsão
de morte
(a) envolve um importante processo introjetivo (do bom objeto continen­
te), assim como o projetivo, e
(b) este primeiro passo do desenvolvimento só é alcançado gradativamente.
Para Klein, este primeiro objeto bom é o seio materno, isto é, o objeto
parcial que satisfaz as necessidade corporais imediatas do bebê. Bick (1968)
elaborou mais a idéia: o primeiro objeto introjetado é um objeto que pro­
porciona um senso de espaço interno e, portanto, externo para que nele
se possa projetar [ver PELE].
Posição depressiva: O objeto bom, até aqui experienciado como apenas
uma parte da mãe e onipotentemente controlado por mecanismos primiti­
vos [ver OBJETOS PARCIAIS], acaba por vir a ser experienciado como
um todo, com aspectos bons e maus. O amadurecimento físico do siste­
ma nervoso e da percepção está ligado ao desenvolvimento de novas fanta­
sias. O objeto bom vem a ser sentido como danificado ou contaminado
pelo mau (ou pelos sentimentos maus do ego dirigidos no sentido dos ele­
mentos maus do objeto total) e parece ser agora apenas parcialmente bom.
Os objetos bons são agora avidamente recebidos em si ou mantidos dentro
para sustentar o estado interno do ego quando a ansiedade a respeito do
estado do objeto interno bom aumenta. A introjeção vem para o primeiro

R.D.Hinshelwood / 295
plano, com um aumento de conscientização do mundo interno e a discri­
minação dele em relação ao mundo externo [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA].

Identificação introjetiva: O desenvolvimento representado pela posição de­


pressiva repousa em uma mudança no equilíbrio das identificações introje-
tivas e projetivas em favor das primeiras. A identificação projetiva onipo­
tente (patológica), característica da posição esquizoparanóide, é gradual­
mente abandonada. A aquisição de novos objetos e a introjeção deles pro­
duz um mundo interno cada vez mais rico, com mais objetos internos a
proporcionarem oportunidade para identificação e assimilação. Um obje­
to interno identificado com o ego traz consigo as habilidades e atributos
do objeto, que ficam então à disposição do ego para com ele se identificar
e desempenhar um papel no mundo externo real.

(5) O desenvolvimento do ego. Com a compreensão grandemente aumetada


das formas de cisão que surgiram com a descrição da posição esquizopara­
nóide e com o trabalho com esquizofrênicos, o efeito debilitador das par­
tes cindidas e expelidas do setf foi entendido. O desenvolvimento na análi­
se (assim como durante as posições esquizoparanóide e depressiva) veio a
cada vez mais ser visto como sendo a reunião das cisões em um ego mais
integrado [ver ANIQUILAMENTO; CISÃO]. Tal integração não significa
tornar idênticas as diferentes partes do se//; quer dizer, antes, a escolha
mais flexível de diferentes aspectos do self ou a identificação mais livre e
mais flexível com os objetos assimilados que constituem o self [ver INTE­
GRAÇÃO],
Estrutura do ego: O ego desenvolve tanto estrutura quanto atributos atra­
vés da acumulação e assimilação introjetivas de objetos introjetados. Na
teoria clássica de Freud, o ego introjeta meramente o superego que se tor­
na uma parte separada do ego; isto se acha em contraste com as descri­
ções kleinianas de objetos internos múltiplos em um relacionamento flui­
do com o ego [ver 5. OBJETOS INTERNOS],

(6) A sequência de situações de ansiedade. As importantes ansiedades que as­


sediam o bebê humano e contra as quais tem de se defender são muito nu­
merosas e, durante o curso da história da psicanálise, foram descritas de
modo diferente. Existe concordância geral de que as ansiedades centrais
giram em torno do complexo de Edipo; no entanto, o trabalho kleiniano
sobre os estágios muito iniciais ampliou o catálogo de situações iniciais
de ansiedade: aniquilamento, terror paranóide, perda do objeto amado,
medos neuróticos [ver 8. SITUAÇÕES INICIAIS DE ANSIEDADE]. O de­
senvolvimento acarreta a evolução desssas situações iniciais de ansiedade
para as situações clássicas posteriores (complexo de Édipo, ansiedade de
castração e inveja do pênis) [ver 6. FASE DA FEMINILIDADE].

296 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


INIBIÇÃO E AVANÇO DO DESENVOLVIMENTO. Existem diversos fato­
res que influenciam o ritmo do desenvolvimento: os objetos externos, os
fatores constitucionais envolvidos no desenvolvimento do ego e, em parti­
cular, a interferência causada pelos poderosos impulsos agressivos. Estes
fatores apresentam variados efeitos:
(a) Inibição do desenvolvim ento: Klein (1930, 1931) demonstrou que os im­
pulsos sádicos podem inibir gravemente ou interromper o desenvolvimen­
to cognitivo. Ela descreveu como os temores de agressão e retaliação impe­
dem o progresso das fases da libido [ver LIBIDO]. Esta inibição do desen­
volvimento que podia perceber em seus pacientes crianças era, considera­
va ela, prova direta da teoria ortodoxa da fixação em fases infantis do de­
senvolvimento, descrita por Freud.
(b) Desenvolvimento devido à culpa: É central à teoria kleiniana que a re­
paração que deriva da culpa e do amor é o resultado criativo mais podero­
so {Klein, 1929). Quando a criança é capaz de restaurar os seus objetos,
o componente importante para o desenvolvimento é que ele ou ela recons­
tituem uma situação interna [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]. O objeto
bom é interiormente restaurado e o mundo interno torna-se mais ordena­
do. Seqüências repetidas desta forma de reparação fortalecem o senso de
um objeto bom interno e durável e, portanto, de um senso de segurança
interna. E,
(...) quando a crença e a confiança da criança em sua capacidade de
amar, em seus poderes reparadores e na integração e segurança de seu
mundo bom interno aumentam (...) a onipotência maníaca diminui e a
natureza obsessiva dos impulsos voltados para a reparação decresce, o
que significa, em geral, que a neurose infantil passou. (Klein, 1940, p.
353) [ver REPARAÇÃO]
(c) A busca de novos objetos: Parte da reação ao conflito e a situações in­
ternas desastrosas é buscar novos objetos com que haja menos relaciona­
mento conflitivo. De modo típico, quando do desmame, a criança volta-
se da mãe (que a desapontou) para o pai. Processos deste tipo espalham
os impulsos, diminuindo-lhes a intensidade e conduzindo a uma ampliação
das relações objetais. Dessa maneira, a ansiedade depressiva "(...) contri­
bui para necessidade de substitutos" (Klein, 1952, p. 97). Em uma forma
diferente de fugir às suas relações objetais perturbadas, o ego é empurra­
do dos impulsos pré-genitais em direção aos impulsos genitais, com o seu
realce dos impulsos amorosos. Importante nesta movimentação para no­
vos objetos é o processo de substituir os objetos originais por símbolos, o
que conduz à enorme expansão do mundo simbólico da civilização, com
suas oportunidades imensamente ampliadas de busca ulterior [ver FORMA­
ÇÃO DE SÍMBOLOS].

R.D.Hinshelwood / 297
Interação com o mundo externo. Uma visão da ansiedade como sendo um
conflito entre as pulsões conduziu a uma acusação, formulada contra Klein,
de que negligenciou o mundo externo e repudiou tanto os fatores malévolos
quanto os benévolos provindos do exterior, e também que ela adotava
uma visão inteiramente pessimista da natureza humana e da impossibilida­
de da tarefa terapêutica da psicanálise [ver MUNDO EXTERNO; FATOR
CONSTITUCIONAL]. Na realidade, ela não repudiou a importância dos
fatores externos, nem negou a eficácia terapêutica da psicanálise. Os tex­
tos dela se acham repletos com o efeito espantoso das interpretações co­
mo eventos externos, que modificam a situação interna de seus pacientes.
Klein encarava o mundo interno [ver REALIDADE INTERNA] como
uma situação dramática [ver POSIÇÃO] em constante interação com o
mundo externo através da introjeção e da projeção [ver CONTER], O pro­
cesso de amadurecimento depende inteiramente da modificação progressi­
va da ansiedade tornada possível pelo meio ambiente, que funciona co­
mo continente da ansiedade. Dessa maneira, o desespero do bebê a respei­
to de sua ansiedade depara-se com uma mãe que pode, primeiro de tudo,
interpretá-lo como sendo uma necessidade que ela pode atender [ver REVE-
RIE], ou, em segundo lugar, pode persistir em tolerar a ansiedade do be­
bê mesmo quando este não o consegue [ver CONTER]. O resultado é um
bebê que tem a oportunidade de introjetar um objeto que pode tolerar a
ansiedade e dela fazer sentido.
Inversamente, um meio ambiente que não faz sentido em termos de sa­
tisfação de uma necessidade ou não tolera a ansiedade do bebê tem um efei­
to deletério sobre este. Então, a oportunidade é meramente a de introjetar
um objeto que não apenas não faz sentido, mas se adiciona à falta de sen­
tido. O bebê sofre então uma piora da ansiedade de um tipo especial a
que Bion chamou de "pavor sem nome" [ver PAVOR SEM NOME].

Bick, Esther (1968), 'T h e experíence of the skin in early object relations", Int. ], Psycho~A-
nal., 49:484-6; republicado (1987) em Martha Harris e Esther Bick, The collected papers
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estado do ego em que ele


•*—1 Dv z X l C L l l Z ^ d .^ C l K J perdeu o senso de ser uma pes­
soa substancial é ocasionado pela identificação projetiva excessiva, na

298 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


qual, em fantasia, o self foi externamente localizado em outros objetos.
Klein ilustrou extensamente este processo com o auxílio de um romance
de Julian Green, intitulado If I w ere you (Se eu fosse você] (Klein, 1955).

Ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓÍDH; 13. IDENTIFICAÇÃO PROJE­


TIVA.
Klein, Melanie, (1955), "On Identification", WMK 3, p. 141-75.

O desprezo é um dos componentes da tríade de aspec-


u e sp re z o tos-chave das defesas maníacas; os outros dois são o
controle e o triunfo (Segai, 1964). E representa o foco da negação defensi­
va (maníaca) da importância do objeto (Klein, 1935, 1940). Como tal, vi­
sa especificamente à gratidão a um objeto que, se sentido, daria origem a
sentimentos de dependência e pequenez, ou seja, ao desmantelamento do
sentimento de onipotência.

Ver DEFESAS MANÍACAS; 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA; GRATIDÃO.

Klein, Melanie (1935), "A contribution to the psychogenesis of manic-depressive States",


WMK 1, p. 262-89.
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Segai, Hanna (1964), lntroduction to the work o f Melanie Klein, Heinemann; Hogarth, 1973.

T “% / * Certos pacientes ficam atolados entre a posição


u o r p síq u ica esquizoparanóide e a posição depressiva e aí
tentam manter um equilíbrio precáro [ver EQUILÍBRIO PSÍQUICO]. Se
ocorre um movimento para fora desse equilíbrio frágil, "o lento surgimen­
to a partir desse estado traz consigo um sofrimento extremo de um tipo in­
compreensível, uma grande aflição que o paciente com freqüência tenta
silenciar concretamente por meio de drogas ou do álcool, acreditando não
existir outra maneira de lidar com ele" (Joseph, 1981, p. 98). Ele é amiú-
de experienciado como fisicamente localizado no corpo, mas, contudo,
de modo bastante definido, sentido como sofrimento psíquico. O sofrimen­
to possui qualidades específicas: (a) incompreensibilidade; (b) situa-se na
linha fronteiriça entre o físico e o mental, e (c) deriva do surgimento do
delicado equilíbrio mental no sentido da posição depressiva. O sofrimen­
to psíquico tem uma qualidade desconhecida especial "que não é possível
classificar sob qualquer rubrica. O sofrimento não é experienciado como
culpa em relação a impulsos, preocupação a respeito de objetos ou dà per­
da de um objeto; ele não possui esta clareza (...) acha-se mais ligado com
o emergir no mundo real" (Joseph, 1981, p. 99-100). Ele parece ser o tipo
de problema que se coloca com relações com objetos totais, quando o de­

R.D.Hmshelwood / 299
senvolvimento se acha sob a dominância dos impulsos destrutivos (pulsão
de morte) [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA].
A reação imediata a este sofrimento, por parte do paciente, é tratá-lo
como uma ansiedade sinaíizadora, e retrair-se para o atoleiro e o triunfo
de uma inacessibilidade [ver TRANSFERÊNCIA; ATUAÇÃO DENTRO
DA SESSÃO].

Joseph, Betty (1981), "Toward the experience of psychic paín", em James Grotstein, org.,
Do l Dare Disturb the Universe?, Beverly Mills, Caesura.

Klein não utilizou o termo “ego" de maneira tão precisa quanto


Freud veio a fazê-lo com o seu modelo estrutural de ego, id e supe-
rego e com frequência intercambiou-o com self. Para Klein, o ego já exis­
te no nascimento, tem uma fronteira e identifica objetos. Possui certas fun­
ções de tipo excepcionalmente primitivo, tais como (i) separar o "eu" do
"não eu"; (ii) discriminar entre o bom (sensações boas) e o mau; (iii) fanta­
sias de incorporar e expelir (introjeção e projeção), e (iv) a fantasia do aca­
salamento das preconcepções e realizações. Isto se acha em contraste com
a psicologia do ego e a psicologia do self, que situam a origem do ego
em alguns meses após o nascimento [ver PSICOLOGIA DO EGO],
Existe considerável debate a respeito do uso do termo "ego", que é uma
latinização introduzida no curso da tradução para o inglês. A partir da
descrição do modelo estrutural de "id", "ego" e "superego" tem havido
uma tendência, na teoria analítica clássica e na psicologia do ego, a descre­
ver o ego em termos de mecanismos.
Uma posição mecanicista desse tipo parece achar-se de acordo com as
intenções originais que Freud estabeleceu em seu "projeto" inicial (Freud,
1895), mas é antagônica ao estilo mais humanístico de seus interesses literá­
rios e clássicos, de sua linguagem e de sua impulsão geral, no decorrer da
carreira, no sentido da experiência humana (Freud, 1925), Ele acabou por
abandonar a tentativa de chegar a um determinismo neurológico (Schafer,
1976; Bettelheim, 1983 e Steiner, 1987). Klein nunca se sentiu à vontade
com a estrutura "científica" por que Freud parecia esforçar-se por chegar
[ver 7. SUPEREGO], De qualquer modo, ela se achava mais interessada
em compreender o conteúdo da ansiedade, antes que a energia da qual es­
ta derivava: "Desviei-me de algumas das regras até aqui estabelecidas,
pois interpretei o que pensei ser mais urgente no material que a criança
me apresentava e descobri o meu interesse a enfocar suas ansiedades e as
defesas contra elas" (Klein, 1955, p. 123).
O self: O termo self, com freqüência utilizado sinonimamente com "ego"
por Klein, parecería sugerir a experiência do sujeito, as suas fantasias a
respeito de si próprio. Se o "ego" representa uma parte da estrutura da

300 / Dicionário do Pensamento Kleiníano


mente, objetivamente descrita, o self tende a representar o sujeito em suas
próprias fantasias, descritas a partir de um ponto de vista subjetivo. O
self tendería então a expressar o aspecto relacionai das teorias de Klein,
como o faz o "sujeito", o que é mais coerente com o emprego do termo "ob­
jeto". É, entretanto, verdade que "ego", self e "sujeito" são indeterminada-
mente intercambiáveis nos textos de Klein [ver SELF], algo que é um tan­
to diferente da visão da psicologia do ego, onde o self é uma representa­
ção investida com energia mental pelo ego (Hartmann, 1950; Sandler e
Rosenblatt, 1962). A distinção feita por Hartmann deu posteriormente ori­
gem a um desenvolvimento da psicologia do ego conhecido pelo nome de
psicologia do self (Kohut, 1971) [ver PSICOLOGIA DO EGO].
O ego arcaico: O ego, em princípio, alterna entre estados de integração e
desintegração: "(.,.) em grande parte, falta coesão ao ego arcaico, e uma
tendência no sentido da integração se alterna com outra no sentido da de­
sintegração, de fragmentar-se" (Klein, 1946, p. 4). Isto foi posteriormente
descrito por Bick (1968) em bebês em sua primeira semana de vida [ver
BÍCK]. Enquanto que a análise clássica acha-se interessada no ego como
sendo um órgão que busca a descarga das tensões pulsionais em alguma
forma de satisfação e pode ser objetivamente descrito em termos de sua
estrutura e função, Klein via-o de maneira diferente, qual seja, como a ex­
periência que ele tem de si próprio. Ela descreveu isto em termos das fanta­
sias que o ego tem de lutar com ansiedades experienciadas no curso de
suas relações com objetos, as quais, embora sejam percebidas sob as cores
das pulsões, criam um mundo de experiências, ansiedades, amores, ódios
e temores, antes que estados de descarga. A luta do ego é no sentido de
manter a sua própria integridade em face de suas penosas experiências de
objetos que ameaçam com o aniquilamento [ver DESENVOLVIMENTO].
Em princípio, contudo, o ego é muito instável, e suas funções mais ini­
ciais constituem esforços desesperados para estabelecer estabilidade. Klein
concebeu o primeiro ato do ego de modo diferente, em diferentes estágios
do seu desenvolvimento teórico:
(i) em 1932, a função primária do ego era o desvio da pulsão de morte pa­
ra fora, no sentido de um objeto externo que é então temido como perse­
guidor, o mecanismo de projeção [ver 7. SUPEREGO];
(ii) em 1935, Klein começou a encarar a introjeção do objeto bom como
sendo o fundamento do ego [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA; 11. POSI­
ÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE]; finalmente,
(iii) em 1957, ela descreveu a primeira função do ego como sendo uma for­
ma de cisão, a base da capacidade de julgamento (Freud, 1925), ainda
que, inicialmente de um tipo muito narcísico [ver 12. INVEJA; ESTADOS
DE CONFUSÃO].

R.D.Hinshehvood / 301
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T71 « 1 ,
Ao gerar uma teoria pela qual um organis-
C l c i n t í I l l U b L / v lld mo biológico se torna uma psique queex-
periencia, Bion (1962a) descreveu um processo a que deu o nome de fun-
ção-alfa e do qual a característica essencial é o processo de gerar "significa­
do" a partir de sensações. Os resultados finais da função-alfa são os ele-
mentos-alfa, que constituem o mobiliário dos sonhos e do pensar [ver FUN-
ÇÃO-ALFA]. Quando a função-alfa sai errada ou fracassa, outro tipo (a-
normal) de conteúdo mental é gerado, o qual Bion chamou de elementos-
beta. "Elemento-beta" é uma das expressões de Bion "livre de significado",
destinada a ser preenchida a partir da experiência de utilizar o conceito
na prática [ver BION] e existem diversos aspectos do termo:
(i) Dados sensórios puros: A experiência é gerada de dados sensórios pu­
ros (uma realização) pelo encontro com alguma expectativa preexistente
(uma preconcepção), resultando em uma concepção "plena de sentido"
[ver PRECONCEPÇÃO; PENSAR], Ocasionalmente, contudo, esse encon­
tro pode fracassar (fracasso da função-alfa), com o resultado de partículas
de dados sensórios "indigeridos" se acumularem. Estas são os elementos-beta.
(íi) Evacuação: Os elementos-beta podem aglomerar-se em coleções (seme­
lhantes ao tipo de fala "salada de palavras" do esquizofrênico). Estas acu­
mulações são processadas por evacuação, não por pensar pensamentos
em sonhos e teorias. O processo de evacuação é o descrito por Klein co­
mo identificação projetiva em sua forma patológica [ver 13. IDENTIFICA­
ÇÃO PROJETIVA],

302 / Dicionário do Pensamento Kleíniano


(iii) O aparelho mental: Sob a pressão da acumulação de elementos-beta,
a mente desenvolve-se como um aparelho para "(...) livrar a psique de acu­
mulações de objetos internos maus", não como um aparelho para pensar
(Bion, 1962a, p. 112).

Ver PENSAR.

Bion, Wilfred (1962a), J'A theory of thinking", em Bion (1967), Second thoughts, Heinemann,
p. 110-9; publicado anteriormente (1962) em Int. }. Psycho-A nal., 43:306-10.
-------- , (1962b), Leam ing from experience, Heinemann.

Y Jl 1 1* — Na teoria da esquizofrenia de Bion (1959),


ClOS CiellSdiÇuOele descreveu os ataques ao próprio ego,
que representavam as experiências que Klein (1946) encarava como sendo
os efeitos da pulsão de morte agindo dentro — a sensação de estar-se des­
pedaçando. Bion descreveu particularmente um ataque à percepção da re­
alidade interna [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓÍDE; ANIQUILA­
MENTO].
Separação: A separação de pensamentos dentro da mente é característica
dos esquizofrênicos e foi descrita por Rosenfeld (1947) e por Segai (1950):
O fato de que muitas coisas são toleradas na consciência no esquizofrê­
nico não deve cegar-nos para a necessidade de interpretar o que está re­
primido. Os esquizofrênicos, mais do que outros, reprimem as ligações
entre diferentes orientações de pensamento. Eles com freqüência toleram
em seus egos pensamentos e fantasias que provavelmente seriam repri­
midos no neurótico; por outro lado, porém, reprimem as ligações entre
as diversas fantasias e entre a fantasia e a realidade. (Segai, 1950, p. 118)
São os elos de ligação entre os conteúdos mentais aquilo com que o esqui­
zofrênico lida. Freud também descreveu este tipo de processo quando este­
ve interessado pela neurose obsessiva grave:
Neste distúrbio, como já expliquei, a repressão é efetuada não por meio
da amnésia, mas por um corte das conexões causais ocasionada por
uma retirada de afeto. Estas conexões reprimidas parecem persistir sob
algum tipo de forma enevoada e são assim transferidas, por um proces­
so de projeção, para o mundo externo, onde dão testemunho do que
foi apagado da consciência. (Freud, 1909, p. 231-2)
Violência: Embora Freud e Segai tenham descrito o processo em termos
de repressão, Bion descreveu a sua qualidade violenta:
É de se esperar que a disposição de forças da identificação projetiva se­
ja particularmente severa contra o pensamento, de qualquer espécie,

R.D.Hinsheiwood / 303
que se volte para as relações entre as impressões objetais, porque se es­
te elo de ligação pudesse ser cortado ou, melhor ainda, nunca forjado,
...então pelo menos a consciência da realidade seria destruída, ainda que
a realidade em si não o pudesse ser. (Bion, 1957, p. 50)
O resultado final é que o esquizofrênico vive em um mundo fragmentado
de violência, com idéias primitivas inutílizáveis em sua mente:
Todas estas são agora atacadas, até que, finalmente, dois objetos não
podem ser reunidos de maneira que deixe cada um deles com as suas
qualidades intrínsecas intactas e ainda capaz, pela conjunção deles, de
produzir um novo objeto mental (Bion, 1957, p. 50). [ver PSICOSE]
A destruição destas conexões e conjunções conduz ao paciente sentir-se "ro­
deado por minúsculos elos de ligação que, estando impregnados agora com
crueldade, ligam cruelmente os objetos" (Bion, 1957, p. 50) [ver OBJETOS
BIZARROS], Bion chamou estas partículas de "elementos-beta" [ver ELE-
MENTOS-BETA], O efeito aproxima-se do que Freud chamou de "catástro­
fe mundial" (Freud, 1911, p. 70):
Isto constitui um desastre para a vida mental, que então não se estabele­
ce segundo o modo normal. Ao invés de um pensar baseado no princí­
pio da realidade e da comunicação simbólica dentro do self e com ou­
tros objetos, ocorre um aumento anômalo do ego do prazer, com uso
excessivo da cisão e da identificação projetiva como seu modo concre­
to de relacionar-se com objetos odiados e que o odeiam. A onipotência
substitui o pensar e a onisciência, a aprendizagem com a experiência
em um ego desastrosamente confuso, subdesenvolvido e frágil. (0'Shaugh-
nessy, 1981, p. 183) [ver PENSAR]
Adicionada à retirada narcísica da libido quanto aos objetos na realidade,
que Freud havia descrito como sendo a catástrofe mundial, está a idéia
de uma onipotente e violenta cisão e projeção do ego. O ego é o foco da
agressão, não apenas do amor libidinal [ver NARCISISMO].
Elo de ligação edipiano: Bion (1959) levou estas observações mais à fren­
te e estabeleceu uma teoria formal. Ele considerou esta atividade de acasa­
lamento como baseada em uma predisposição inata à concepção da liga­
ção entre um continente e seus conteúdos, de modo típico o mamilo na
boca ou o pênis na vagina. O ataque ao elo de ligação entre dois objetos
internos mentais é um ataque ao casal interno de pais [ver FIGURA COM­
BINADA DOS PAIS]. Por causa da conotação do casal edipiano, a união
de dois objetos mentais é sentida não apenas como despertando inveja,
mas como base para a criatividade mental e interna.
Continente e contido: O acoplamento de pênis e vagina, ou boca e mami­
lo, é considerado por Bion (1962) como protótipo da maneira pela qual
os objetos mentais são reunidos, um dentro do outro. Dessa maneira, colo­

304 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


car experiências em pensamentos, e pensamentos em palavras, acarreta
uma cadeia repetida de processos de ligação modelados na relação sexual
física entre duas partes corporais [ver CONTER], Com este modelo, Bion
foi em frente, para investigar a natureza do pensamento em si e descreveu
a sua base no elo de ligação de pensamentos, no acasalamento das precon-
cepções (expectativas) com as realizações [ver PENSAR]. O tipo particular
de elos de ligação que vão constituir o pensamento são designados pela
notação "K", e existem lado a lado com outros tipos de ligações, "L" e
"H", que representam amar e odiar o objeto [ver EPISTEMOFIEIA].

Bion, Wilfred (1957), "Differeníiation of the psychotic from the nonpsychotic personalities",
Int. J. Psycho-Anal., 38:266-75; republicado (1967) em W. R. Bion, Second thoughts, Hei-
nemann, p. 43-64.
-------- . (1959), "Attacks on linking", Int. J. P sycho-A nal, 40:308-15; republicado (1967) em
Second thoughts, p. 93-109.
-------- . (1962), Leam ing from experience, Heínemann.
Freud, Sigmund (1909), "Notes upon a case of obsessional neurosis", S.E. 10, p. 153-320.
-------- . (1911), "Psycho-analytic notes on an autobiographical account of a case of paranóia",
S .E 12, p. 3-82.
Klein, Melanie (1946), "Notes on some schizoid mechanísms", WMK 3, p. 1-240.
0'Shaughnessy, Edna (1981), "A commemoratíve essay on W. R, Bion's theory of thinking,
Journal o f Child Psychotherapy, 7:181-92.
Rosenfeld, Herbert (1947), "Analysís of a schizophrenic State with depersonalization", Int. }.
Psycho-A nal., 28:130-9; republicado (1965) em Herbert Rosenfeld, Psychotic States, Ho-
garth, p. 13-33.
Segai, Hanna (1950), "Some aspectos of an analysis of a schizophrenic", em (1981) The w ork
o f Hanna Segai, Nova Iorque, Jason Aronson, p. 101-20; publicado anteriormente em Int.
}. P sycho-A n al, 31:268-78.

T7 g* A empatia é uma daquelas formas benignas de identifica-


E i l i i p d l l d ç ã o projetiva que podem ser incluídas na "identificação
projetiva normal" [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].
Quando se fala em "colocar-se no lugar de outrem", estamos fazendo
uma descrição da empatia, mas ela é também a descrição de um processo
de inserir uma parte de si próprio, alguma capacidade de autopercepção,
na posição de alguém mais; particularmente, trata-se de uma parte em ex­
periência de si próprio que é inserida a fim de ganhar-se, em fantasia, a
experiência desse outrem. Isto constitui uma atividade bastante normal
por parte de pessoas sensíveis e ela pode ser indeterminadamente incluída
dentro do grupo de fantasias de identificação projetiva (Klein, 1959).
Um dos aspectos importantes desta intrusão em outrem é que não se
dá perda de realidade, nem confusão de identidade. E característico da
onipotência da identificação projetiva patológica [ver 13. IDENTIFICA­
ÇÃO PROJETIVA] que as fronteiras entre o self e o objeto sejam destruí­
das, o que difere da empatia, na qual uma conscientização apropriada e
realista de quem se é e onde se está por ocasião da projeção permanece intacta.

R.D.Hinshelwooá / 305
Meissner (1980) argumentou amargamente que é falso incluir a empatia
e outros fenômenos não-psicóticos dentro da expressão "identificação pro­
jetiva", pois afastava como apta a causar confusão a extensão do concei­
to de "identificação projetiva" mais além de sua referência às perturbadas
fronteiras de ego dos esquizofrênicos.

Ver PREOCUPAÇÃO; 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA.

Klein, Meíanie (1959), "Our adult world and its roois in infancy", WMK 3, p. 247-63.
Meissner, W. W, (1980), "A note on projective Identification", J. Amer. Psychoanal, Assn.
28:43-67.

"T? i Uma das fantasias inconscientes inatas,


JC r ll V C l l C l l d . i n c I l . l U em nível oral, é a de envenenar o leite
(ou a criatividade) da mãe pelo ataque e invasão dos seios maternos [ver
13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA]. Teme-se então também que o obje­
to ponha veneno no sujeito, a título da retaliação [ver PARANÓIA].

Ver 12. INVEJA; OBJETO MAU.

T? Seguindo a opinião de Klein (1923, 1931) de que o desenvolvi-


E s U - h J mento intelectual depende grandemente do desenvolvimento emo­
cional, Bion (1963) estabeleceu uma teoria sobre o processo de pensar [ver
PENSAR] baseada na ligação de pensamentos, a qual tem, para o sujeito,
a significação da ligação dos pais e seus órgãos na cena originária [ver FI­
GURA COMBINADA DOS PAIS]. Desenvolveu ele o modelo de um con­
tinente [ver CONTER], onde a conjunção dos conteúdos mentais forma
uma rede que serve como continente.
No processo criativo, o pensar envolve o desmantelamento de opiniões
e teorias anteriores, com o desenvolvimento de novas opiniões. Ao mudar-
se a maneira de pensar, o continente tem de ser dissolvido antes de ser re­
formado. Bion considerava o esforço de dissolução como possuindo a qua­
lidade de uma pequena catástrofe psíquica, de um despedaçamento. Trata­
va-se, portanto, de um movimento para a posição esquizoparanóide (Ep).
A reformação de um novo conjunto de opiniões e teorias é um movimen­
to sintetizador, reminiscente da posição depressiva (D). O esforço criati­
vo pode assim ser encarado como um processo, em pequena escala, de
movimentos para lá e para cá entre a posição esquizoparanóide e a posi­
ção depressiva. Bion representou este processo para lá e para cá pelo sím­
bolo Ep-D.
Quando o processo acontecia, achou Bion, ele causava intensas experi­
ências emocionais, tão intensas que utilizou o termo catástrofe a propósi­
to do acontecimento mental de ter-se um pensamento novo. Sua argumen­
tação repousa intensamente na evidência do relato pessoal, feito por Poin-

306 / Dicionário áo Pensamento Kleiniano


caré, da criatividade científica, da qual um dos elementos era a busca de
um fato selecionado em torno do qual uma nuvem de fatos ainda não or­
ganizados podia ser organizada. Bion achou isto uma descrição excelente
do movimento para a posição depressiva, com a internalização do seio
(mamilo) em tomo do qual a personalidade do bebê pode tomar-se organizada.
Klein descrevera os movimentos da posição depressiva para a posição
esquizoparanóide como sendo uma defesa paranóide contra a ansiedade
depressiva [ver DEFESA PARANÓIDE CONTRA A ANSIEDADE DEPRES­
SIVA]. Bion, armado de sua visão de que a identificação projetiva pode
ser tanto normal quanto patológica, conseguiu conceber um movimento
não-patológico no sentido da posição esquizoparanóide. A tolerância de
um certo grau de desintegração sem valer-se de mecanismos de defesa pri­
mitivos e onipotentes é essencial para o pensar criativo.
Ultimamente, analistas kleinianos, ao trabalharem com graves distúr­
bios limítrofes de personalidade investigaram com muito mais detalhes as
flutuações existentes entre as posições esquizoparanóide e depressiva (Jo-
seph, 1978, 1989) [ver EQUILÍBRIO PSÍQUICO; MUDANÇA PSÍQUI­
CA]. Existe entre essas duas posições um equilíbrio em torno do qual flu­
tuações constantemente reverberam; elas não devem ser concebidas como
estágios de desenvolvimento através dos quais a personalidade progride
para a maturidade ou mediante os quais regride a pontos de fixação. Ao
invés, dá-se, durante todo o desenvolvimento, uma flutuação constante
entre as duas posições e, em cada estágio daquele, ocorrem flutuações
Ep-D. O desenvolvimento e o amadurecimento, portanto, existem em uma
outra dimensão.
Essa dimensão é o abandono da onipotência e o reconhecimento da re­
alidade externa e interna. Embora estes passos evolutivos sejam comumen-
te associados com a posição depressiva, há momentos de funcionamento
esquizoparanóide em que a onipotência não desempenha grande papel e a
identificação projetiva normal (a empatia, por exemplo) substitui a forma
patológica [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA]. Durante toda a vida,
pode haver ansiedades realísticas a respeito da sobrevivência do self (a an­
siedade persecutória típica da posição esquizoparanóide) e elas podem ser
enfrentadas sem onipotência, um aspecto da personalidade que é conheci­
do como narcisismo normal. Ocorrem igualmente situações em que a posi­
ção depressiva pode reverter ao funcionamento onipotente, tais como, por
exemplo, estados patológicos de luto [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA].
Pode-se conceber toda a flutuação Ep-D movendo-se evolutivamente para
a frente como um todo ou, às vezes, para trás, no sentido da onipotência
e de uma perda irrealista do sentimento de separação.

Bion, Wilfred (1963), Elements o f psycho-analysis, Heinemann.


Joseph, Betfcy (1978), "Different types of anxiety and their handling in the anaíytic situation",
Int. J. Psycho-Anal., 59:223-8.

R.D.Hinshehvood / 307
-------- , (1989), Psychic change and psychic equilibrium, Routledge.
Klein, Melanie (1923), "The role of the school in the libidinal development of the chiid",
WMK 1, p. 59-76.
-------- . (1931), "A contributíon to the theory of intellectual development", WMK 1, p. 236-47.

—. £ * ] • A exigência por saber a respeito da sexualida-


l - j j p i s C c I I l O n i l c l de constitui uma experiência intensa para a
criança, uma vez que, devido à inconsistência e desigualdade do desenvol­
vimento humano, a vida pulsional da criança acha-se disponível para sua
experiência antes que esta esteja física ou socialmente madura para ter sa­
tisfações sexuais. Os primeiros textos psicanalíticos de Klein demonstraram
a estreita ligação existente entre o sadismo e o desejo de conhecer. Seu pri­
meiro artigo interessou-se pela inibição das questões a respeito da sexuali­
dade e a liberação da vida de fantasia conseqüente à resposta dessas per­
guntas. Mostrou ela que eram particularmente as respostas a questões in­
conscientes não formuladas que produziam um surto tão notável de fanta­
sia expressa (ver ANÁLISE DE CRIANÇAS]. Klein ficou interessada des­
de então pelo componente epistemofílico da libido e chegou naturalmente
ao estudo dos distúrbios de aprendizagem (Klein, 1923, por exemplo) e,
depois, aos problemas intelectuais dos distúrbios psicóticos (Klein, 1930a,
1931). As frustrações e os conseqüentes impulsos sádicos envolvidos nas
teorias sexuais da criança foram o material clínico mais saliente que se apre­
sentou a Klein quando ela se sentou com os seus primeiros pacientes crian­
ças. Ela podia ligar as frustrações sexuais, o sadismo e, depois, a inibição
de perguntas e impulsos sexuais como uma cadeia causai [ver 3. AGRESSÃO].
A premência a saber como aspecto proeminente da frustração levou-a
a acentuar a asserção da epistemofilia, feita por Freud (1917), como pulsão
componente da libido, relacionado à escopofilia (voyeurismo/exibicionis­
mo). Ao mesmo tempo, percebeu também que sérios problemas de apren­
dizagem podiam surgir com as inibições da epistemofilia, que se tornava
demasiadamente inundada por impulsos sádicos. A partir disto, desenvol­
veu ela uma teoria do desenvolvimento intelectual e da simbolização, ou,
melhor, dos distúrbios nesses processos (Klein, 1930a, 1931). A investiga­
ção de tais problemas nas crianças produziu dois resultados importantes:
(i) os primórdios da compreensão dos distúrbios psicóticos do intelecto, e
(ii) a hipótese de que esses distúrbios psicóticos em realidade muito mais
comuns em crianças do que então se pensava (Klein, 1930b), hipótese que
posteriormente demonstrou ser verdadeira [ver PSICOSE].
A evolução das teorias de Klein ocasionou mudanças de vulto em suas
opiniões a respeito da curiosidade e do conhecimento. Por perceber que o
desenvolvimento cognitivo nas fases muito iniciais era muito maior que o
esperado (a capacidade, por exemplo, de distinguir entre self e outrem, e

308 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


também de discriminar entre estado e objetos "bons" e "maus"), parecia
haver cada vez mais possibilidades de existirem conhecimentos e discrimi­
nações" inatas de grau bastante sofisticado [ver CONHECIMENTO INA­
TO]. Particularmente o conhecimento do pênis e da vagina e do encontro
e relacionamento dos dois órgãos parecia inerente e não resultante de um
testemunho real da cena originária [ver FIGURA COMBINADA DOS PAIS].
Um dos problemas para compreender a idéia de conhecimento inato é
que ele parece não permitir qualquer descoberta. Nos estágios mais primi­
tivos isto pode ser assim, mas, no entanto, o conhecimento é um conhecer
"emocional", um reconhecimento do estado intencional do objeto, benévo­
lo ou malévolo, e estes estados dão origem a estados de ego de amar e
odiar. São os distúrbios gerados nestes estados que conduzem a uma atitu­
de manipulativa para com o mundo dos objetos, uma onipotência destina­
da a colocá-lo alinhado com um mundo "conhecido" mais compatível [ver
2. FANTASIA INCONSCIENTE]. Em adição a isto, o reconhecimento
emergente, na posição depressiva, de que esses objetos "conhecidos" são
altamente mistos em caráter e que a vida emocional do ego é varrida por
devastadoras correntes de sentimento conduz a um senso crescente de ha­
ver necessidade de conhecer mais.
O elo epistem ofílico: Bion (1956, 1962a) enfrentou o problema do déficit
intelectual dos esquizofrênicos em uma série de artigos e prosseguiu elabo­
rando uma teoria sobre o pensar, baseada na idéia de os pensamentos se­
rem gerados pelo conter de uma percepção dentro de uma expectativa (u-
ma realização a acasalar-se com uma preconcepção). Ele debateu com por­
menores, muitas vezes, a natureza deste relacionamento "continente" [ver
CONTER].

A ligação continente. Bion pareceu elevar o desejo epistemofílico por conhe­


cer ao status do amor e do ódio no ser humano [ver PENSAR]. Ele descre­
veu (1962b) o elo de ligação existente entre a mente-continente e os seus
conteúdos como sendo de três tipos: "L", "H" e "K", representando o
amar, o odiar e o desejo de conhecer a respeito dos conteúdos [em portu­
guês, evidentemente, se se os fosse traduzir, os vínculos seriam representa­
dos por "A", "O " e "C", ou "S", de saber (N. do T.)]. Todos eles são elos
emocionais e, deles, "C" é de importância suprema para o crescimento e
a evolução de uma mente e uma personalidade. Uma mãe tem, às vezes,
de descobrir-se a tentar entender as experiências e sentimentos de seu be­
bê [ver RÊVERIE]. A ligação da mãe com o bebê que se dá desta maneira
desenvolve a capacidade da criança para o pensar, através da introjeção
de um objeto compreensivo. O elo de ligação "K", no entanto, pode vir
a ser perturbado pela inveja e pela privação real desta função por parte
do objeto externo.
0'Shaughnessy (1981) descreveu exemplos clínicos dos três importantes
tipos de elos de ligação-K apresentados por Bion:

R.D.Hinshehüood / 309
(i) a tentativa de vir a conhecer o objeto e o self atavés da identificação
projetiva ("K"): por exemplo, o conhecimento, pela mãe, do estado men­
tal de seu bebê;

(it) O despojamento do significado da experiência projetada do objeto, con­


duzindo a uma experiência desnudada e sem sentido, que dá origem ao sen­
timento, por parte do bebê, de um terror interno provindo de um objeto
invejoso introjetado que priva as experiências de todo significado (a este
elo de ligação nos referimos como "menos-K" ("-K") [ver PAVOR SEM
NOME]; e

(iii) um estado de ausência de "K" ("não-k") em que a capacidade de co­


nhecer foi destruída, dando origem a uma condição psicótica paranóide
em que o ego foi gravemente enfraquecido pela cisão e projeção de sua ca­
pacidade de "K" e enfrenta objetos hostis nos quais, em fantasia, pedaci­
nhos do ego foram violentamente impelidos.
(i) O elo de ligação K : A capacidade de conhecer mediante o processo
de aprender com a própria experiência é uma função que tem de ser adqui­
rida e ela surge da introjeção de um objeto externo (mãe) que pode com­
preender as experiências do bebê por ele e depois, gradualmente, apresen­
tá-lo a si mesmo [ver FUNÇÃO-ALFA]. Tipicamente, o elo de ligação "K"
e representado pelo acasalamento de uma preconcepção com uma realiza­
ção [ver ELO DE LIGAÇÃO; PENSAR]. O desenvolvimento desta função
é assediado por problemas de natureza emocional. O pensamento e a racio­
nalidade dependem da vida emocional do tipo mais primitivo e, em reali­
dade, dela emergem.

(ii) O elo de ligação "menos~K": Provinda de fontes internas, o bebê pode


ver-se banhado pela inveja, que tem o efeito de destruir a compreensão e
a aprendizagem. Este elo de ligação é muito distinto do elo de ligação "K":
(...) o bebê sente o medo de que esteja morrendo (...) O seio, em "K",
moderaria o componente medo no medo de morrer qúe nele foi projeta­
do e o bebê, no devido curso, reintrojetaria uma parte da personalida­
de agora tolerável e estimuladora do crescimento. Em "menos-K", o
seio é sentido a invejosamente retirar o elemento bom ou valioso do
medo de morrer e a forçar o resíduo sem valor de volta para o bebê.
O bebê que começou por um medo de morrer acaba por conter um pa­
vor sem nome. (Bion, 1962b, p. 96)
O resultado é um grave esvaziamento do ego e a internalização de um ob­
jeto que despoja e desnuda de significado; esta é uma das versões do supe-
rego extremamente severo; "É uma asserção invejosa de superioridade mo­
ral sem qualquer moral" (Bion, 1962b, p. 97). Exemplos clínicos deste ti­
po de desnudar, moralizar e denegrir o objeto foram fornecidos por Bren-
man (1985).

310 / Dicionário áo Pensamento Kleiniano


(Ui) "Não-K": Desde fontes externas, o bebê pode não ter qualquer objeto
rea! que esteja disposto a receber em si as identificações projetivas do be­
bê e devolvê-las a ele sob uma forma modificada que seja tolerável. O re­
sultado são identificações projetivas continuadas de força sempre crescen­
te, que conduzem a um esvaziamento progressivo do ego e à perda da fun­
ção, com uma acumulação de objetos no mundo externo que foram cres­
cente e violentamente assaltados por identificações projetivas onipotentes
forçadas para dentro de si. Como partes perdidas da mente, estes objetos
possuem uma qualidade bizarra [ver OBJETOS BIZARROS], com referên­
cia pessoal ao sujeito no que tange à animosidade, ódio e inveja para com
ele. A mente não é mais capaz de desenvolver pensamentos ou um apare­
lho para utilizá-los no pensar. Ao invés, ela se torna "(...) um aparelho
para livrar a psique de acumulações de objetos internos maus" (Bion, 1962a,
p. 112), Uma combinação de fontes internas e externas (menos~K e não~K)
dá origem à psicose.
A epistem ofilia e o esforço terapêutico: Freud tornou claro que entender era
a chave para a terapia psicanalitica; pensou nisso como sendo o conheci­
mento consciente do inconsciente caótico, ou, "onde era o id, ficará o
ego". Nos termos de Bion, isto significa que "K" é central ao esforço tera­
pêutico: a com preensão do paciente pelo analista é muito mais importan­
te, terapeuticamente, do que o amor do analista (memória e desejo) [ver
BION] ou o seu ódio ou sua defensividade ("-K"). A capacidade de rece­
ber em si as projeções do paciente e torná-las compreensíveis e suportá­
veis é o cerne da moderna técnica kleiniana (ver 1. TÉCNICA].

Bion, Wilfred (1956), "The development of schizophrenic thought", Int. /, Psycho-AnaL,


37:344-6; republicado (1967) em W . R. Bion, Second thoughts, Heinemann, p. 36-42.
-------- . (1962a), "A theory of thinking", Int. /. Psycho-AnaL, 43:306-10; republicado (1967)
em Second thoughts, p. 110-9.
-------- . (1962b), Leaning from experience, Heinemann.
Brenman, Eric (1985), "Cruelty and narrow-mindedness", Int. /. Psycho-AnaL, 66:273-81.
Freud, Sigmund (1916-17), "Introductory lectures", S.E. 15, 16,
Klein, Melanie (1923), "The role of the schcool in the libidinal development of the child",
WMK 1, p. 59-76.
-------- . (1930a), 'The importance of symbol-formation in the development of the ego", WMK
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-------- . (1930b), "The psychotherapy of the psychoses", WMK 1, p. 233-5.
-------- . (1931), "A contribuíion to the theory of intellectual development'', WMK 1, p. 236-47.
0'Shaughnessy, Edna (1981), "A commemorative essay on W. R. Bion's theory of thinkíng",
Journal o f Child P sychotherapy, 7:181-92.

y-i i / i * Jones (1916) e outros autores (Fe-


nquaçao Simbólica renczi, 1912; Miiner, 1953)discer­
niram uma forma particular de simbolismo [ver FORMAÇÃO DE SIMBO-

R.D.Hinshekoood / 311
LOS] em que há uma iguaíização do símbolo com a coisa simbolizada, re­
sultando em o símbolo ser tratado como se fosse realmente o original. A
descrição de Segai (1950), contudo, é vivida; assim, para um de seus pacien­
tes esquizofrênicos
(...) não havia distinção entre o símbolo e a coisa simbolizada.
(...) Ele corava, gaguejava, dava risinhos e se desculpava após trazer-
me um pedaço de fezes feito de lona. Comportava-se como se me hou­
vesse oferecido um pedaço de fezes real. Não era meramente uma expres­
são simbólica de seu desejo de trazer-me suas fezes. Ele sentia que as
havia realmente oferecido a mim. (Segai, 1950, p. 104)
Uma vez formado, contudo, o símbolo não funcionava como tal, mas
tornava-se, em todos os respeitos, equivalente ao objeto (p. 105).
Segai (1957) utilizou mais tarde elegantes exemplos clínicos para demons­
trar a representação sim bólica, na qual o símbolo é colocado no lugar em
que o original estivera, mas sem perder a diferença real do símbolo, e a
equação sim bólica, em que o símbolo não é distinguido e acredita-se que
o objeto inocente seja a coisa simbolizada.
O paciente A. (...) foi um dia perguntado por seu médico porque havia
parado de tocar violino desde sua enfermidade. Ele respondeu com algu­
ma violência; — Por quê? Espera que eu me masturbe em público? —
Outro paciente, B., sonhou certa noite que ele e uma menina estavam
tocando um dueto de violinos. Fez associações com remexer, masturbar-
se, etc., das quais emergiu claramente que o violino representava seu
órgão genital, e tocar violino uma fantasia masturbatória de relação
com a menina. Aqui, então, temos dois pacientes que aparentemente
utilizam os mesmos símbolos na mesma situação: o violino representa
o órgão genital masculino e tocar violino representa a masturbação. A
maneira pela qual os símbolos funcionam, contudo, é muito diferente.
Para A., o violino tornou-se tão completamente igualado com seu ór­
gão genital que tocá-lo em público tornou-se impossível. (Segai, 1957,
p. 49-50)
A equação, feita pelo paciente A., do objeto com a coisa simbolizada fa­
zia parte de um distúrbio habitual de sua realidade, que resultava do uso
da forma concreta e patológica da identificação projetiva [ver 13. IDENTI­
FICAÇÃO PROJETIVA]. O resultado foi que o símbolo perdeu a sua dis­
tinção com o original e atraiu os mesmos conflitos e inibições que este último.
Segai, tal como Klein e Ferenczi, reconheceu o lugar da identificação
no processo. Onde existe uma falha em distinguir entre a coisa simboliza­
da e o símbolo, ela
(...) faz parte de um distúrbio na relação entre o ego e o objeto. Partes
do ego e objetos internos são projetados em um objeto [externo] e iden­

312 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tificam-se com este. A diferença entre o self e o objeto é obscurecida.
De vez que uma parte do ego é então confundida com o objeto, o sím­
bolo — que é criação e função do ego — torna-se, por sua vez, confun­
dido com o objeto que é simbolizado. (Segai, 1957, p. 53)
A expressão equação sim bólica surge de uma fusão defensiva de self e ob­
jeto e de objeto e símbolo, uma fusão ocasionada pela identificação proje­
tiva patológica.

OS SÍMBOLOS NA POSIÇÃO DEPRESSIVA. À medida que a posição de­


pressiva supera a posição esquizoparanóide, o objeto começa a ser um ob­
jeto total, reconhecido mais realisticamente pelo que é. Assim, o objeto
torna-se mais distinto do ego e há uma diferenciação crescente entre os
mundos e objetos internos e externos. Isto dá origem à qualidade curiosa­
mente ambígua dos símbolos na qual eles são reconhecidos como possuin­
do suas próprias qualidades, mas, ao m esmo tem po, reconhecidos como
representando algum outro objeto com propriedades e atributos inteiramen­
te diferentes.
As etapas de importância neste movimento para reconhecer o símbolo
como separado são:
(i) o abandono das formas onipotentes de identificação, que negam a sepa­
ração;
(ii) o luto conseqüente dos objetos que desaparecem, com o resultado vo­
luntário de que representações deles podem ser toleradas, e
(iii) a conscientização crescente das realidades interna e externa e da identi­
dade real dos objetos.
Dessa maneira, o objeto que representa pode ser distinguido de um obje­
to com o qual onipotentemente se faz identificação.
A internalização destes símbolos verdadeiros, indicou Segai, é de gran­
de vantagem na posição depressiva, porque eles ajudam na recriação do
objeto interno danificado e, portanto, têm uma relação-chave com a repa­
ração, sendo um apoio do mundo interno, o qual, no decurso da posição
depressiva, é tão radicalmente convertido em um mundo interno de símbo­
los e de pensamento e relações verbais. Sabemos hoje que o mundo inter­
no amadurecido é grandemente influenciado pela estrutura da linguagem.
A equação sim bólica e o conter: Em 1978, Segai demonstrou explicitamen-
te como os símbolos verdadeiros e a equação simbólica relacionam-se res­
pectivamente com as identificações projetivas normal e patológica e com
o conter bem-sucedido e malsucedido; "A equação simbólica é utilizada
para negar a separação entre o sujeito e o objeto [enquanto que o verda­
deiro] símbolo é usado para superar uma perda aceita" (Segai, 1978, p.
316). O emprego (patológico) da identificação projetiva é efetuado em

R.D.Hinshdwood / 313
grau tal que o self e o objeto se fundem, com a subseqüente equação de
símbolo e objeto simbolizado {equação simbólica).
Segai prosseguiu demonstrando como isto afeta o desenvolvimento dos
símbolos verbais:
A verbalização pode ser encarada desde o ângulo da relação entre con­
tinente e contido. Diferentemente de outras formas de simbolismo, a fa­
la tem de ser aprendida, embora o bebê comece por emitir sons onoma­
topaicos. Esses sons têm de ser compreendidos pelo meio ambiente a fim
de serem convertidos em fala e, posteriormente, palavras têm de ser
aprendidas do meio ambiente. O bebê tem uma experiência e a mãe for­
nece a palavra ou a frase que circunscreve essa experiência. Ela con­
tém, abrange e expressa o significado, fornece um continente para este.
O bebê pode então internalizar essa palavra ou frase que contém o sig­
nificado. {Segai, 1978, p. 318)
Dessa maneira, o conter verbal, sendo aprendido do meio ambiente social,
exige a projeção para o meio ambiente (mãe) da situação a ser simboliza­
da [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS].
A identificação projetiva patológica na mãe funde o bebê com ela, e
as reações da mãe (ações de protesto, sons, etc.) serão reinternalizados co­
mo objetos hostis, igualados à própria situação. De uma paciente específi­
ca, relatou Segai: "Coisas estranhas aconteceram às minhas interpretações.
Elas podiam tornar-se uma dor na barriga dela ou uma excitação sexual"
(Segai, 1978, p. 318). O fracasso da função continente da mãe despia de
significado a experiência e ela era reduzida a uma sensação somática.
A situação psicodinâmica é que a relação entre o símbolo e o objeto sim­
bolizado é uma relação de grande violência, que destrói a separação e o
significado no símbolo. Tocar violino ficou reduzido, no paciente de Se­
gai, a uma sensação somática masturbatória em que a voz comunicativa
do violino, o significado da música, era violentamente obliterado, a fim
de destruir o senso de fronteira entre o ego e o mundo ao redor a escutar.

PENSAMENTO PALEOLÕGICO. A relação entre representação concreta e


identificação projetiva foi posta em dúvida por Meissner (1980):
O exemplo [em Segai (1957), de pênis igualado com violino porque com
ambos se pode brincar ou ambos podem ser tocados] pode representar
um caso de identificação projetiva, na medida em que a parte projeta­
da (pênis) se torna identificada com o objeto (violino), mas, por outro
lado, pode não representar. Podemos simplesmente estar tratando com
um caso do que Arieti (1974) descreveu como sendo uma forma de pen­
samento paleológico, a lógica dos predicados que seguem o princípio
de von Domarus. Em outras palavras, pênis e violino são igualados sim-,
plesmente porque partilham de um atributo comum, qual seja, que ca­
da um deles é algo com que se pode brincar ou que se pode tocar. Des-

314 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


sa maneira, pode-se questionar se qualquer exemplo de equação simbó­
lica pode ser tomado, prima f a d e , como prova de identificação projeti­
va. <p. 60)
Trata-se de uma contestação interessante.
Von Domarus (1944) descreveu a lógica esquizofrênica como pré-aristo-
télíca, pelo fato de nela dois sujeitos com o mesmo predicado serem enca­
rados como idênticos: os homens morrem a grama morre; portanto, os
homens são grama. Isto contrasta com o silogismo normalmente formado
e descrito por Aristóteles: os organismos vivos morrem; os homens são
organismos vivos; logo, os homens morrem.
A identificação que surge da chamada forma paleológica (pré-aristotéli-
ca) da lógica é claramente prevalecente nos esquizofrênicos. O argumento
de Meissner, contudo, não é realmente de importância, de vez que Segai
está descrevendo a produção psicoâinâm ica desta forma de pensar, enquan­
to que Meissner^está chamando a atenção para a estrutura form al do pen­
samento paleológico. Como diz Arieti: "O princípio de von Domarus e
as outras leis paleológicas que serão mencionadas sucintamente não expli­
cam dinamicamente estes fenômenos, mas apenas de modo formal" (Arie­
ti, 1974, p. 235). A alegação de Meissner de que a identificação projetiva
pode não ser sempre a explicação psicodinâmica é uma tergiversação, de
vez que ele não fornece casos alternativos.
Em circunstâncias normais, permite-se à hipótese estabelecida que se
sustente até que provas alternativas sejam realmente encontradas.
Há um outro problema com as críticas de Meissner. Arieti, ao debater
esta forma primitiva de lógica, compara-a com o chamado pensamento
primitivo das crianças e das culturas primitivas, apoiando-se nas opiniões
do antropólogo Heinz Werner (1940), a quem cita: "(...) a forma avança­
da de pensar característica da civilização ocidental é apenas uma forma
entre muitas, e (...) a formas mais primitivas falta não tanto lógica, mas
baseiam-se em lógica de um tipo diferente" (Werner, 1940, p. 15). Isto não
torna esquizofrênicos todos os membros das culturas primitivas. Todo o
argumento se baseia em visões estereotipadas de "primitivos". Muitos an­
tropólogos posteriores observaram as interessantes formas lógicas de cultu­
ras não ocidentais (Radcliffe-Brown, 1952; Lévi-Strauss, 1966), sem diag­
nosticá-las como compostas de indivíduos psicóticos. A questão é que o
pensamento paleológico (tal como o dito pensamento moderno) pode, ele
próprio, ser de dois tipos: (a) esquizofrênico ou delirante, ou (b) não psicó­
tico e mítico. Dessa maneira, não é irrazoável reivindicar que a identifica­
ção projetiva patológica se acha especificamente implicada no tipo deliran­
te, tal como descrito por Segai.

Arieti, SUvano (1974), Interpretation o f schizophrenia, Nova Iorque, Basic.


Ferenczí, Sandor (1912), "Symbolism", lm ago 1:276-84.
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Werner, Heinz (1940), Com parative psychotogy o f mental developem ent, Nova Iorque, Inter­
national Universities Press.

T7 *1xl • / • Do trabalho com distúrbios gra-


cq u iiio n o p síqu ico ves de personalidades fronteiri­
ças ou limítrofes, Betty Joseph (1989) concluiu que todos os pacientes ten­
tam preservar um equilíbrio que lhes dê alívio dos distúrbios das posições
esquizoparanóides e depressiva [ver MUDANÇA PSÍQUICA],
Os pacientes perturbados que ela descreveu haviam ficado impedidos
de prosseguir em alguma posição intermediária entre a desintegração da
posição esquizoparanóide e a culpa e a responsabilidade da posição depres­
siva [ver Ep-D].
Estas personalidades desenvolvem-se no contexto de um excesso de pul-
são de morte. Elas haviam conseguido, pela luta, ir além da fragmentação
e dispersão projetiva da personalidade, que é característica do psicótico e
da posição esquizoparanóide e desenvolver certos tipos de relações obje­
tais estáveis. Entretanto, não haviam alcançado corretamente a posição
depressiva e haviam ficado atolados em um equilíbrio precário, como Jo­
seph (1981) o chamou. Sua expressão alternativa, equilíbrio psíquico, foi
assumida por Spillius (1988) e Feldman e Spillius (1989). Qualquer forma
de mudança ou desenvolvimento psíquico [ver MUDANÇA PSÍQUICA]
é ameaçadora, e tais pacientes dirigem seus esforços para a manutenção
de seu equilíbrio. O equilíbrio é rigidamente mantido, fornecendo uma
transferência muito insípida, difícil de trazer à vida na análise, e o pacien­
te parece "inatingível".
Estes pacientes perturbados sentem-se muito precários, sendo ameaça­
dos, por um lado, pela fragmentação, e, pelo outro, pelo sofrimento da
posição depressiva. O último possui uma qualidade muito especial, de acor­
do com Joseph (1981) [ver DOR PSÍQUICA]. Eles resistem ao movimen­

316 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


to ou mudança psíquica com defesas fortes e altamente organizadas [ver
ORGANIZAÇÕES PATOLÓGICAS], dominadas por partes "más" do self
(Rosenfeld, 1971) [ver NARCISISMO NEGATIVO].
Através da observação cuidadosa do material e da qualidade da contra-
transferência, Joseph (1978) pôde detectar como o paciente exerce uma pres­
são sutil sobre o analista, a fim de atraí-lo a uma atuação com o paciente
[ver ATUAÇÃO DENTRO DA SESSÃO; TRANSFERÊNCIA; CONTRA-
TRANSFERÊNCIA; 1. TÉCNICA],

Feidman, Michael e Spillius, Elizabeth (1989), "Introduction", em Betty Joseph, Psychic Chan-
ge and Psychic Equilíbrium, Routiedge,
Joseph, Betty (1978), "Different types of anxiety and their handling in the anaiytic situation",
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Spillius, Elizabeth Bott (1988), M elanie Klein T oday: Volume 2: Mainly Pmctice, Routiedge.

E sco la das relaçõ es ob jetais "relações ob­


jetais" sub-repticiamente se insinua no leitor de Klein. Ela acabou por dar
origem a toda uma parte integrante da teoria psicanalítica, centrada espe­
cialmente dentro da Sociedade Britânica de Psicanálise, A ausência de defi­
nição precisa dela foi importante por haver concedido licença para usos
múltiplos do termo,
A Escola das Relações Objetais inclui um certo número de diferentes
pontos de vista teóricos e geralmente indica aqueles analistas britânicos
que enfocam primariamente o estado e o caráter dos objetos. Ela deve ser
contrastada com a Escola Clássica ou Psicologia do Ego, que enfoca mais
as noções pulsionais qüe constituem a energia do interesse [ver PSICOLO­
GIA DO EGO].
A Escola das Relações Objetais inclui Fairbairn, Winnicott e Balint, par­
ticularmente, e, em geral, os assim chamados Psicanalistas Independentes
(Kohon, 1986) da Sociedade Psicanalítica Britânica. O que eles possuem
em comum é uma tendência a ignorar os aspectos "econômicos" da ener­
gia pulsional que os distingue dos psicólogos do ego. Klein fox assinalada
como diferente por sua aceitação da pulsão de morte. Há duas correntes
na Sociedade Psicanalítica Britânica: (i) o arcabouço de fairbairn, que cate­
goricamente afirma que o homem não busca o prazer, de modo algum,
mas sim objetos; (ii) diversas posições intermediárias, ou teorias de dois
fatores (Eagle, 1984), que combinam a ênfase nos objetos com uma teoria
das pulsões. Todas elas derivam de Klein a sua inspiração.

R.D.Hinshelwood / 3 1 7
Entretanto, existem muitos psicanalistas britânicos que alegariam hoje
que Klein não faz verdadeiramente parte da Escola das Relações Objetais
(ex., Kohon, 1986). Eles reservam esse termo para Fairbairn, Balint e
Winnicott. Guntrip {1961), por exemplo, ao promover Fairbairn, traçou
um mapa particular do processo em teoria psicanalítica nos últimos cinqüen-
ta anos. Ele se estende ao longo de uma dimensão que começa com a neu­
rologia científica de Freud, dirigindo-se para uma teoria psicológica, ínte­
gra e incontaminada pela biologia. Esta idéia é tentadoramente direta, ain­
da que possa se argüir tratar-se de um retrato espúrio, mais sedutor que
substancial. É realmente verdade que tem havido uma oscilação de pêndu­
lo a afastar-se da neurologia e biologia científicas no sentido da psicologia
pura, e isto é certamente evidente, mas o estilo melífluo da caneta de Gun­
trip tende a fazer oscilar demais o pêndulo. Apesar disso, a dimensão que
Guntrip enfatiza constitui aspecto proeminente do mapa. Ela foi também
descrita por Greenberg e Mitchell (1983) como sendo o contraste entre
um "modelo pulsão/estrutura" e um "modelo relacionai/estrutural".
Tanto o "biologismo" científico por que Freud começou quando o "psi-
cologismo" puro de Fairbairn {e Guntrip) são pontos extremados. Os seres
humanos são biológicos e psicológicos ao mesmo tempo e tanto uma inter­
pretação estritamente biológica de Freud quanto da psicologia rejeitante
das pulsões de Fairbairn terminam por padecer da mesma falácia, qual se­
ja, ambas tentam reduzir a dimensão total (biologia-psicologia) a uma
área de estudo isolada e simples. Infelizmente, a mente humana acha-se
tentalizantemente colocada diretamente através dessa dimensão [ver PRO­
BLEMA MENTE-CORPO] e a teoria psicanalítica não precisa refletir tal
dialética. Klein, naturalmente, ficou igualmente dividida por este dilema,
enquanto constantemente tentava equilibrar a sua lealdade à experiência
de seus pacientes com uma lealdade aos propósitos científicos de Freud, e
permaneceu inconfortavelmente distendida entre a biologia e a psicologia.
Kohon (1985) sugeriu que se redesenhasse o mapa ao longo de uma di­
mensão em que a tensão na abordagem de Freud entre uma biologia cientí­
fica da mente e uma psicologia literária e humanística se tornasse dividi­
da, após a dispersão de Viena, em uma tensão entre psicanalistas britâni­
cos e americanos, caracterizada pelo desenvolvimento, por parte dos ana­
listas britânicos, de uma teoria que "interessa-se pela relação do sujeito
com o seu objeto, não como relacionamento entre o sujeito e o objeto,
que é um relacionamento interpessoal" (Kohon, 1985, p, 27).

Os primórdios da teoria das relações objetais, À medida que Freud foi força­
do cada vez mais a conceder importância à transferência [ver TRANSFE­
RÊNCIA], assim também os relacionamentos do paciente ganharam cada
vez mais proeminência. O relacionamento transferenciai é a pedra angular
da prática da psicanálise, e a teoria baseada na prática concreta (aparente­
mente uma característica especial da psicanálise britânica) inevitavelmen-

318 / Dicionário do Pensamento Kleíniano


te deslocou o relacionamento transferenciai cada vez mais para o centro
da teoria, assim como da prática; isto acarretou mover os relacionamen­
tos do ego com os seus objetos para o primeiro plano.
Transferência atuada: O caso de Dora [ver TRANSFERÊNCIA] criou um
problema difícil para Freud, de vez que ele pretendia que fosse um caso
exemplar para publicação futura. Como Dora abandonou muito prematu­
ramente o tratamento, após três meses, ele teve de pensar muito a respei­
to do que havia saído errado. Deu-se conta de que não estivera vivo e re­
ceptivo à transferência negativa, nem, tampouco, a quão intensamente as
relações são sentidas como concretamente reais em sua atuação com o ana­
lista (Freud, 1905).
Entretanto, foi o seu problema com outro tipo de paciente que o colo­
cou mais firmemente no caminho que acabaria por levar outros à aborda­
gem das relações objetais. Estes pacientes eram os psicóticos, que, desco­
briu Freud, não estabeleciam uma transferência apropriada com ele. Des­
de o caso de Dora, ele poderia ter-se acautelado de que estivesse perden­
do a transferência, mas na realiade pensou que era da natureza da esqui­
zofrenia que esses pacientes fracassassem em investir de energia pulsional
o analista, a qual então não podia ser usada para engajar o paciente a su­
perar as suas resistências. Ele "analisou" o Juiz Schreber a partir das memó­
rias publicadas que o magistrado deixou, por achar que essa era a única
maneira de entender a mente de um esquizofrênico (Freud, 1911). Desco­
briu que o paciente havia sofrido uma "catástrofe mundial", pela qual que­
ria dizer que o mundo, como um todo, havia perdido completamente o in­
teresse para ele, isto é, nenhuma energia pulsional havia sido investida
no mundo. Ao invés, o esquizofrênico reconstrói um mundo imaginário
de delírio e alucinações para preencher, por assim dizer, o lugar onde o
mundo real outrora estivera. Esta separação de dois mundos, concreto e
pessoal, é de importância como precursor de um ponto de vista das rela­
ções objetais [ver REALIDADE INTERNA].
Narcisismo: Neste ponto (por volta de 1913), Freud reuniu certas idéias
de tipo inteiramente novo. Foi incentivado a isso por seu desejo de confron­
tar e demolir as afirmativas de Jung a respeito da existência de experiên­
cias não libidinais. Jung fora um psiquiatra com experiência de pacientes
psicóticos, algo que Freud não tivera. Freud trabalhara em um sanatório
neurológico com pacientes histéricos (neurológicos) e, dessa maneira, quan­
do Jung começou a afastar-se do movimento psicanalítico, Freud ficou de­
terminado a manter a sua compreensão dos esquizofrênicos e a estabelecer
uma teoria libidinal sobre os seus distúrbios. Em resultado de tudo isso,
Freud realmente começou a perceber que, em certo sentido, a própria pes­
soa, ou alguma parte de seu seíf ou suas próprias idéias, podia tornar-se
o objeto de suas próprias energias pulsionais. Assim nasceu o conceito de

R.D.Hinshelwood / 319
narcisismo (Freud, 1914) e dele acabaria por surgir um interesse pelo pró­
prio objeto {o self ou outrem) que é investido de interesse libidinal.
Introjeção de objetos: O segundo grande passo inovador se deu em 1917,
com o artigo de Freud sobre "Luto e melancolia". Durante certo tempo,
Freud estivera trabalhando com Abraham na tentativa de entender as psi­
coses. Na realidade, Abraham (1911) havia também escrito um artigo so­
bre o assunto aproximadamente na mesma época do trabalho de Freud so­
bre o esquizofrênico Juiz Schreber. O artigo de Abraham, no entanto, era
sobre a psicose maníaco-depressiva e ele se achava em certa vantagem so­
bre Freud. O interessante a respeito dessa psicose é o fato de ser intermi­
tente. O paciente passa por fases em que a condição sofre remissão e ele
vem a parecer aproximadamente normal. Abraham, então, pôs-se a tentar
analisar esses pacientes durante os períodos de remissão. Podería então tra­
balhar com eles como o faria com um paciente neurótico? A resposta, des­
cobriu ele, era que podia (Abraham, 1924). Isto despertou interesse na en­
fermidade maníaco-depressiva, de preferência à esquizofrenia, e o artigo
de Freud sobre luto e melancolia representou suas próprias reflexões sobre
o distúrbio. Trata-se de um trabalho com algumas belas descrições nas con­
dições do luto e da melancolia (psicose maníaco-depressiva) e, nele, Freud
também produziu um desenvolvimento extraordinário de seu pensamento
conceptual. Demonstrou ele que o trabalho de luto é o abandono lento,
como se fosse por etapas, do investimento em um objeto amado que foi
perdido. Demonstrou também que a condição da melancolia é clinicamen­
te semelhante, em muitos aspectos, ao pesar e que acarreta um abandono
semelhante de um objeto amado perdido. A diferença, argumentou ele,
era que o melancólico não abandona o objeto, mas faz algo bastante dife­
rente com ele, que é restabelecer o objeto dentro de seu próprio ego e con­
tinuar a relacionar-se com ele aí. Argüiu Freud que a razão para fazer is­
so é um elemento particularmente forte de ódio e fúria para com o objeto
amado e que o desfecho são fortes ódio e fúria enfocados sobre o ego, co­
mo se este fosse o objeto. Disse ele, "A sombra do objeto cai sobre o ego"
(Freud, 1917, p. 249) e chamou isto de "identificação" [ver INTROJE-
ÇÃO; IDENTIFICAÇÃO].
Até este ponto, Freud estava descrevendo uma fenomenologia do obje­
to e deixara de lado a economia das noções pulsionais. Havendo descober­
to este altamente interessante processo de identificação, que na realidade
causa uma "alteração do ego", demonstrou ele, quatro anos mais tarde
(Freud, 1921), que a psicologia grupai baseia-se na identificação. Já havia,
nesta ocasião, realizado o truque familiar que tem sido o destino de tantos
conceitos psicanalíticos: havendo sido descobertos como fenômenos patoló­
gicos em pacientes, eles vêm a ser vistos, em toda parte, como ingredien­
te essencial da psicologia normal.

320 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano


A separação de caminhos: O caminho de Freud, daí por diante, foi demons­
trar o desenvolvimento do superego como baseado neste processo de iden­
tificação que acarreta o estabelecimento interno dos objetos edipianos ama­
dos que tiveram de ser abandonados pela criança pequena (Freud, 1923).
A fronteira do ego era agora vista como permeável a objetos, ao invés de
apenas à energia pulsional dirigida.
Abraham, no curto tempo que lhe foi concedido antes de seu falecimen­
to prematuro em 1925, desenvolveu o entendimento freudiano do proces­
so internalizante, especialmente ao apontar para sua conexão com impul­
sos pré-genitais. Seguiu ele as sugestões de Freud de que a introjeção tinha
algo a ver com "canibalismo" e os impulsos sádicos e orais, e que dela ha­
via um processo de espelho na "projeção" ou expulsão, relacionada com
os impulsos anais. A confluência de alguns mecanismos básicos de defesa
[ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA], com pulsões compo­
nentes e suas correspondentes zonas erógenas, deve ter parecido muito ele­
gante e sugestiva de uma teoria a arredondar-se em seu acabamento. Abra­
ham foi atraído para a compreensão de que a introjeção e a projeção inte­
ressam primariamente ao destino dos objetos, sua localização dentro ou
fora do ego e a movimentação entre os dois lugares, e começou a rechear
esta teoria com exemplos meticulosos e detalhados vividamente expressos
na psicopatologia de seus pacientes maníaco-depressivos.
Análise de crianças: Após a morte de Abraham, o ímpeto da pesquisa pas­
sou na realidade para Klein, a quem ele havia incentivado a analisar crian­
ças e a desenvolver sua técnica através do brincar, o que, por um acaso
feliz, proporcionou a ela uma janela maravilhosamente clara sobre toda a
arena das relações objetais. Ela deu às crianças uma coleção de objetos
(brinquedos) e viu-as dispô-los em todos os tipos de relacionamentos mú­
tuos. Pôde então perceber que os desejos pulsionais comportavam-se visual­
mente, na frente dela, como relacionamentos entre objetos da maneira
mais natural possível, ou seja, como brinquedos de crianças [ver 1. TÉC­
NICA; ANÁLISE INFANTIL].

A teoria kleiniana das relações objetais. O que Klein descobriu imediatamen­


te com sua técnica através do brincar foi que seus pacientes brincavam
com objetos os brinquedos deles — e também encenavam dramas com
a pessoa da analista. Crianças muito pequenas parecem ter sentimentos
pelo objeto em si, por imaginário que ele seja [ver AMOR]. Assim, Klein
observou que, do ponto de vista da criança, seus objetos apareciam-lhe
como vivos, amantes e merecedores de amor, ameaçadores, dignos de pie­
dade, e assim por diante — muito diferentes dos objetos encontrados nas
descrições de Freud. Em resumo, na mente da criança existe uma relação
plena e intensa com o objeto concebido da maneira mais animística e an-
tropomórfica. Os objetos, mesmo os brinquedos, viviam, sentiam e morriam.

X.D .H inshelwood / 321


Qualquer pessoa pode efetuar estas observações simples no brincar de
crianças, e elas se situam em contraste com as descrições de descargas pul-
sionais sobre objetos passivos.
O bjetos e pulsão: A lealdade de Klein à teoria das pulsões, de Freud, sem­
pre forneceu-lhe o senso de achar-se firme e seguramente implantada den­
tro da psicanálise freudiana. Mas pôs-se a descrever a experiência que o
paciente tinha de seus objetos e o conteúdo psicológico das ansiedades a
respeito deles, e descobriu que podia manter os conceitos de "objeto" e
"pulsão" quando percebeu que as relações com objetos eram definidas exa­
tamente pelos impulsos oriundos de fontes libidinais (oral, anal, genital).
Descobriu ela que a criança acreditava achar-se o objeto banhado por in­
tenções e motivações que se achavam alinhadas com os próprios impulsos
libidinais da criança ativos no momento. O bebê oral podia acreditar que
o objeto era um outro que podería, ele próprio, morder o bebê por frustra­
ção ou retaliação. A relação da criança com o objeto é uma fantasia com
atores participantes e uma narrativa. Os objetos, portanto, eram o estofo
da vida de fantasia da criança, antes que meramente um meio para atingir
satisfações pulsionais. Entretanto, eles também são este último.
Os elos teóricos entre as relações objetais e as pulsões pareciam difíceis
de serem atingidas e, em 1939, foi estabelecido um grupo de estudo, conhe­
cido por Grupo dos Objetos Internos, que se reuniu de maneira intermiten­
te durante os anos de guerra, a fim de compreender e descobrir modos de
tomar críveis estas opiniões sobre os objetos. Deste trabalho, resultaram
diversos artigos (contribuições para os Debates entre as Controvérsias)
[ver DEBATES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS]. O trabalho mais impor­
tante foi da autoria de Susan Isaacs (1948), no qual descreveu como as
pulsões encontram expressão mental como fantasia na mente inconsciente
(fantasia inconsciente): a fantasia de uma relação com um objeto [ver 2.
FANTASIA INCONSCIENTE]. Isto constitui um laço das dimensões bioló­
gicas, psicológicas e, em última análise, sociais existentes na posição klei-
niana das relações objetais.

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F c h n r ln c r r m LIf nU LcOi lv
Ju O I u U U ü
rm a i c ° s estados confusionais sío
/X lC lI D comuns em pacientes esquizo­
frênicos e as origens deles foram descritas por Rosenfeid (1965). Demons­
trou este que pode existir uma confusão de pulsões primária que é extrema­
mente perturbadora. Se a puísão de morte domina a Hbido, então o obje­
to bom é odiado e destruído por engano, por assim dizer, conduzindo a
uma intensa insegurança e à incapacidade de classificar estados internos e
impulsos. Esta confusão das pulsões é um resultado pernicioso da inveja,
na qual o objeto bom é odiado por ser bom [ver 12. INVEJA].
Confusão entre self e objeto: Rosenfeid também descreveu diversas formas
de confusão que constituíam defesas contra a inveja — uma situação com­
plicada que se tem de desemaranhar na psicanálise dos esquizofrênicos.
O ego fica confuso com os objetos em resultado de formas onipotentes
de projeção e introjeção que visam a denegar a separação e a dependência
[ver NARCISISMO]. Particularmente, enormes partes do self são coloca­
das dentro do objeto mediante a operação maciça e violenta do mecanis­
mo da identificação projetiva,
Uma forma de fusão do self com o mundo externo pode ser alcançada
em certos estados autistas de retirada para uma ocupação exclusiva com
as sensações corporais [ver AUTISMO].
Este tipo de confusão entre self e objeto é secundário e para fins de defe­
sa. Ele contrasta com um estado primário de fusão e confusão regressiva
descrito pelos psicólogos do ego (tipicamente, Mahler et al., 1975), que se­
guem a teoria ortodoxa do narcisismo primário [ver NARCISISMO]. O
narcisismo primário é um arcabouço teórico inteiramente diferente, que
assevera não haver experiência primária de "eu" e "não-eu", nenhuma fron­
teira do ego ao nascimento e, portanto, ego algum ao começo da vida. Is­
to não é aceito pelos kleinianos, que aceitam um ego, funções do ego e
uma fronteira do ego como presentes e ativas desde o nascimento. A con­
fusão entre ego e objeto é, assim, secundária e resultado de mecanismos
primitivos e onipotentes de defesa.

Mahler, Margaret; Pine, Fred e Bergman, Anni (1975), The psychological birth o f the human
infant, Hatchinson.
Rosenfeid, Herbert (1965), Psychotic States, Hogarth,

R.D.Hinshelwood / 323
T7 i a Freud produziu vários modelos da estrutura da mente,
C b i r U l U r d principalmente: (i) o modelo topográfico de inconscien­
te, pré-consciente e consciente; e (ii) o modelo estrutural de id, ego e supe-
rego. A seguir à introdução do último modelo (Freud, 1923), a psicologia
do ego concentrou-se na estrutura dos mecanismos de defesa do ego (An-
na Freud, 1936) e da adaptação (Hartmann, 1939).
Um m odelo estrutural kleiniano: Em contraste, Klein deu menos atenção
ao modelo freudiano de ego, id e superego. A visão kleiniana da estrutu­
ra normal da personalidade concernia à população de objetos internos, al­
go que acha frouxamente relacionado à opinião que Freud tinha das rela­
ções entre o ego e o superego. Heimann (1942, 1952) começou a elaborar
a estruturação deste mundo interno em termos do grau de assimilação —
ou falta de assimilação — de objetos no ego [ver ASSIMILAÇÃO], Na
normalidade, existe uma estrutura fluida da personalidade, na qual o self
(ego) está em relação com seus objetos internos, identificando-se com eles
por períodos maiores ou menores, tal como possa ser realístíco nas circuns­
tâncias do mundo externo na ocasião.
Em 1946, porém, Klein chamou a atenção para a estrutura do ego, tal
como ela é afetada pela cisão. Esta pode conformar-se às divisões existen­
tes entre os objetos internos com que se identifica, ou pode ser outra for­
ma de cisão e dispersão no mundo externo que é alcançada mediante a iden­
tificação projetiva em objetos externos.
A estrutura nas posições esquizoparanóide e depressiva: Na posição esqui-
zoparanóide, o mundo interno, tanto os objetos quanto o ego, é cindido
e pode ser fragmentado; a preocupação do ego é constituir uma integração
dos variados objetos parciais e das partes do self.
Quando a posição depressiva chega, a estrutura da personalidade alte-
ra-se radicalmente para tornar-se mais integrada, com um objeto bom no
cerne do ego. Esse objeto bom pode estar danificado ou morto e está em
relação com objetos de ajuda ou daninhos que povoafn os mundos inter­
no e externo, Esta estrutura mais integrada — que se apóia menos na disse­
minação do mundo interno em objetos externos, como acontece na posi­
ção esquizoparanóide — forma uma fronteira mais consistente do ego e
um senso de identidade e dos conteúdos do self mais realista e, portanto,
mais estável.
Meltzer (1973) descreveu o desenvolvimento da estrutura psíquica à
medida que ela se desloca da posição esquizoparanóide para a posição de­
pressiva em termos do aumento do uso da introjeção e do estabelecimen­
to dos pais com binados como um casal no âmago do mundo interno [ver
FIGURA COMBINADA DOS PAIS].

Organização interna. O desenvolvimento da personalidade tende a ocasionar


constelações bastante estáveis de relações objetais características, a corpo-
rificarem impulsos, ansiedades e defesas típicas da personalidade.

324 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Em anos recentes, os psicanalistas kleinianos ínteressaram-se pela orga­
nização interna de aspectos da pulsão de morte (Segai, 1972; Õ'Shaugh-
nessy, 1981; Riesenberg-Malcolm, 1981; Steiner, 1982; Brenman, 1985).
Certos tipos de pacientes, geralmente referidos como fronteiriços ou limí­
trofes, exibem organizações particularmente daras e estáveis de impulsos
da pulsão de morte e de defesas contra eles.
O self mau: Estes desenvolvimentos surgiram como resultado de reconhe­
cer-se que o ego pode vir a organizar um self mau, que se acha dotado
de quantidades especialmente grandes de impulsos da pulsão de morte, as
quais podem então dominar o "self bom" pela intimidação ou pela sedução.
Meltzer (1968) descreveu uma sedução interna da parte boa do self a
afastar-se do respeito pela realidade externa e a um "desespero voluptuo­
so" por uma parte má do self que idealizava a violência. Esta idéia foi ela­
borada por Money-Kyrle (1969) e, particularmente, por Rosenfeld (1971),
que descreveu em maiores detalhes clínicos esta "gangue da Máfia" inter­
na que intimidava as partes boas da personalidade, de maneira que o su­
jeito se identificava com uma violência triunfante. As partes boas da perso­
nalidade, que podiam tolerar a dependência, a gratidão, o amor e o per­
dão, eram aprisionados ou se ocultavam, com freqüência havendo aparen­
temente desaparecido. Este esmagamento da personalidade por uma orga­
nização narcísica onipotente é típica, acreditava Rosenfeld, dos indivíduos
fronteiriços ou francamente psicóticos (Rosenfeld, 1987) [ver NARCISISMO].
Spilüus (1983) vinculou isto com o objeto rejeitante da identificação pro­
jetiva, de Bion (1959) [ver CONTER]. Bion descreveu experiências infantis
em que o bebê, prenhe de ansiedade intensa, tenta comunicar-se com a
mãe através da identificação projetiva. Parte da função materna é aceitar
e conter um alarme desagradável desse tipo, estado mental a que Bion deu
o nome de reverie [ver REVERIE], Algumas mães, contudo, constantemen­
te dão a seus bebês a experiência de rejeitarem essas comunicações, que
são efetuadas pela identificação projetiva. O bebê, diz Bion, experiencia
seus próprios sentimentos projetados como despidos de significado e força­
dos de volta para ele, (ver PAVOR SEM NOME], Quando com ele o be­
bê se identifica, este objeto se torna o "self mau" que triunfa em destruir
o significado e solapar a capacidade de aprender com a experiência.
Perversão de caráter: Joseph (1975), em uma exposição hoje clássica, des­
creveu a estrutura de certos pacientes "difíceis de serem atingidos", que
continuamente se reservavam a posição de observadores de aspectos deles
mesmos [ver EQUILÍBRIO PSÍQUICO]. Tal distanciamento das partes vul­
neráveis e dependentes de sua personalidade apresentava-se como caracte­
rística estável e permanente. Joseph demonstrou e, posteriormente, reite­
rou (Joseph, 1981) a qualidade de excitação perversa nessas manobras frus­
trantes e tentadoras para com o analista e para com a parte do self que
desejava cooperar com o último [ver PERVERSÃO].

R.D.Hinshehoood / 325
De modo semelhante, relações internas perversas entre as partes da per­
sonalidade foram descritas por Steiner (1982), que mostrou que as partes
boas da personalidade podiam ser exploradas pelas partes más como uma
espécie de traje de mascarado por trás do qual aqueles podiam ocultar-se.
Relações amorosas escondem uma qualidade perversa de crueldade secre­
ta da qual a parte má ou perversa da personalidade pode tirar prazer.
Psicose escinâida: A separação dos aspectos maus ou psicóticos do mun­
do interno em um compartimento separado foi descrita por Bion em 1957.
Neste quadro de referência, os primeiros objetos e ansiedades psicóticas
permanecem sendo profundamente escindidos "(..,) figuras terrificantes
(...) relegadas às camadas profundas do inconsciente" (Klein, 1958, p.
241), Elas se acham, aparentemente, fora de contato com o self não-psicó-
tico, mas, contudo, permanecem sempre disponíveis para reativação em
certas circunstâncias.
Sidney Klein (1980) descreveu evidências em sonhos de objetos duros e
encapsulados que contêm partes psicóticas escindidas da personalidade,
que podem ocorrer mesmo em pacientes neuróticos. Bick descreveu a pre­
servação, no bebê muito pequeno, de uma "fachada" rígida e externa à
personalidade. Descreveu ela "fenômenos de segunda pele" [ver PELE], cu­
jo propósito era proteger o bebê da experiência de um despedaçamento
ou dissolução catastrófica (Symington, 1983, 1985) [ver ANIQUILAMEN­
TO]. A fim de proteger-se da falta de um objeto que o segure e ao qual o
bebê possa adequadamente relacionar-se, diversos métodos de atividade
muscular ou verbal proporcionam uma forma de enfocar a sua atenção
em um estado integrado, algo que normalmente seria conseguido pelo ma­
milo e seio da mãe.
Rosenfeld demonstrou como os elementos encapsulados da psicose po­
diam ser identificados com órgãos físicos dentro do corpo, as "ilhas psicó­
ticas" (Rosenfeld, 1978). Este domínio restrito da psicose não era na reali­
dade idéia nova, de vez que Freud já o descrevera com clareza:
A distinção nítida entre neurose e psicose, contudo, é enfraquecida pe­
la circunstância de que também na neurose não faltam tentativas de subs­
tituir uma realidade desagradável por outra que esteja mais de acordo
com os desejos do sujeito. Isto é tornado possível pela existência de
um mundo de fantasia, de um domínio que se toma separado do mun­
do externo real por ocasião da introdução do princípio da realidade.
Desde então este domínio tem sido mantido livre das necessidades das
exigências da vida. (Freud, 1924, p. 187)

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T7 « * Em casos de identificação projetiva excessi-


I-iO V d Z l d i n C i L l U va (patológica), a fantasia do ego espalha­
do em outros objetos deixa um senso de esvaziamento. O setf sente-se va­
zio, fraco e incapaz de suportar uma ansiedade que conduz a mais defesas

R.D.Hinshehoood / 32 7
projetivas, e também não pode introjetar objetos bons e que prestou aju­
da de maneira a assimilá-los. Ao invés, o sujeito sente-se esmagado por
eles. "Esvaziamento" é um termo descritivo da experiência que o paciente
tem do processo que resulta na despersonalização.

Ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA; DESPERSONALIZAÇÃO.

E v o lu çã o Ver DESENVOLVIMENTO.

T7 , 1• — Klein utilizou o termo "externalização" ex-


J^XlCIÍ ld.llZcÍÇ.CÍO tensamente em suas primeiras tentativas
de entender os mecanismos existentes na formação do brincar. Mais tarde,
a expressão seria usada para projeção, de que é em grande parte sinônima.

Ver 1. TÉCNICA; CRIATIVIDADE; BRINQUEDO.

T7 • 1 • 1 1 Biografia. Fairbaim foi um outsiâer


Jl a i r D a i r n f l\OliaiCL entre os psicanalistas britânicos. Nas­
ceu em 1889 e trabalhou toda a sua vida em Edinburgo, em vez de Lon­
dres. Originalmente um acadêmico (em letras clássicas), após a primeira
Guerra Mundial fez formação médica e, depois, psicanaíítica, que praticou
em grande isolamento em sua cidade natal até falecer em 1964. Talvez por
causa da distância, ele foi a única pessoa fora do círculo kleiniano a quem
Klein permitiu que influenciasse consideravelmente o seu trabalho. Ele não
participou muito da vida da Sociedade Psicanaíítica Britânica, da qual se
encontrava tão afastado, mas influenciou grandemente um certo número
de analistas na Grã-Bretanha (Sutherland, 1963; Guntrip, 1961; Padel,
1987) e, nos Estados Unidos, é um dos poucos respeitados analistas britâ­
nicos das relações objetais, talvez por ter sido o mais destemido em enun­
ciar sistematicamente suas objeções à teoria das pulsões de Freud, ao tem­
po em que retinha uma estrutura tripartida semelhante ao modelo estrutu­
ral daquele.

CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS. Fairbairn fora grandemente influenciado


por Klein. Adotou-lhe o termo "posição", mas falava da posição esquizói-
de, em vez de paranóide, tal como ela então (na década de 30) a chama­
va [ver PARANÓIA]. Ele investigou profundamente os primeiros estágios
persecutórios da vida através do trabalho com indivíduos esquizóides na
época em que Klein se achava ocupada com o delineamento da posição
nos períodos íigeiramente posteriores do desenvolvimento infantil. Em re­
sultado disso, ele chamou a atenção para certas coisas a que Klein, dispos­

328 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


ta a não ser superada, então acompanhou. Em realidade, ela própria esti­
vera interessada por longo tempo nos estados fragmentados do pensamen­
to em crianças psicóticas, mas, no começo da década de 40, se interessa­
ra pelos esquizofrênicos adultos, pacientes psiquiatricamente gravemente
perturbados a quem viera a conhecer de modo particular através da super­
visão do trabalho de alguns psiquiatras que estavam agora se unindo ao
Grupo Kleiniano.
O posição à posição depressiva: A crítica de Fairbairn fora a de que Klein
havia colocado ênfase demasiada na depressão e que também seguira o in­
teresse excessivo de Abraham pelas obsessões, nas fases iniciais "psicóti­
cas''. Fairbairn alegava que a histeria havia se tornado relativamente negli­
genciada pelos psicanalistas desde 1912, quando Abraham e Freud começa­
ram a voltar seu interesse para as enfermidades maníaco-depressivas. Fair­
bairn ligava os estados de dissociação na histeria à fragmentação da perso­
nalidade esquizóide. Se Freud houvesse continuado a estudar o superego
através da histeria e da esquizofrenia, alegava Fairbairn, não teria perse­
guido a trajetória que mais tarde veio a ser denominada de "posição depres­
siva" por Klein. A estrutura oralmente formada do superego constitui uma
organização defensiva, acreditava ele, contra o que se encontra embaixo.
O reprimido é inerentemente estrutural e achava Fairbairn que os sonhos
demonstravam isso, sendo dramatizações de "(...) (i) relacionamentos en­
tre estruturas dò ego e objetos internalizados, e (ii) inter-relacionamentos
entre as próprias estruturas do ego" (Fairbairn, 1951, p. 170). Em particular,
o objeto "mau" internalizado é cindido em um objeto excitante e um obje­
to rejeitante. Dessa maneira, enquanto Klein, em seu trabalho sobre a po­
sição depressiva, estivera enfocando a ansiedade a respeito do destino do
objeto — como ele é danificado, cindido, etc. — Fairbairn estava chaman­
do a atenção para aspectos estruturais da cisão e fragmentação do ego.
Argumentava ele que havia alguma anormalidade de desenvolvimento
na esquizofrenia (em oposição à enfermidade maníaco-depressiva) a que
Klein não dava atenção. Ao trazer para o primeiro plano estados de dissso-
ciação na histeria e na esquizofrenia, postulava ele uma "posição esquizói­
de" que, segundo alegava, precedia a posição depressiva e era fundamen­
tal a esta. Essa posição explicava e determinava a patologia futura da per­
sonalidade, e Fairbairn prosseguiu descrevendo uma categorização sistemá­
tica das condições com base nas cisões dentro do ego e do objeto.
Klein concordou que o começo da posição depressiva dava-se com ba­
se em uma elaboração anterior de outra espécie de ansiedade que não a
do tipo depressivo. Ela sempre descrevera a paranóia que encontrara nas
crianças e a ansiedade persecutária delas, e utilizara a expressão "posição
paranóia". Embora houvesse então pensado na posição paranóíde como
de importância secundária para a posição depressiva, concordava agora
com Fairbairn que a posição anterior era de grande importância e também
que a cisão era um elemento decisivo, tal como as formas de projeção pa-

R.D.Hmshelwood / 329
ranóide (externaíização) que ela própria descrevera* Reconheceu a contri­
buição que ele fizera da expressão "posição esquizóide" combinando-a com
a sua própria, de maneira a produzir o termo correto, mas um tanto desa­
jeitado de "posição esquizoparanóide". Ela esforçou-se, contudo, por indi­
car as suas diferenças com Fairbairn no que tangia a outras coisas (especial-
mente o abandono de qualquer teoria das puisões):
Ver~$e-á que algumas das conclusões que apresentarei neste artigo acham-
se alinhadas com as conclusões de Fairbairn, enquanto que outras delas
diferem fundamentalmente. A abordagem de Fairbairn deu-se, em gran­
de parte, desde o ângulo do desenvolvimento do ego em relação aos
objetos, enquanto que a minha foi predominantemente desde o ângulo
das ansiedades e suas vicissitudes (...) a ênfase particular que ele deposi­
tou na relação inerente existente entre histeria e esquizofrenia merece
plena atenção. Sua expresão "esquizóide" seria apropriada se fosse en­
tendida como a abranger tanto o medo persecutório quanto os mecanis­
mos esquizóides. (Klein, 1946, p. 3)
Klein havia começado a perceber que havia toda uma classe de mecanis­
mos primitivos de defesa especificamente dirigidos contra o sadismo e a
pulsão de morte e reconhecia agora, com Fairbairn, que eles eram diferen­
tes dos mecanismos obsessivos que originalmente apontara como candida­
tos para as defesas específicas contra o sadismo.
O bjetos introjetados: Fairbairn aceitava que o estágio inicial do ego resul-
tava em um objeto introjetado, mas pensava neste como sendo o objeto
mau. Não havendo necessidade de introjetar o objeto bom, era somente
do mau que se tinha de defender-se, através da introjeção e, depois, cisão.
Isto contrasta com Klein, que achava que, desde o início, tanto os objetos
bons quanto os maus eram introjetados; o bom vinha estabelecer a estabi­
lidade do cerne do ego e mostrava os esforços do bebê para proteger a si
mesmo e seu objeto bom quanto ao objeto "mau" (Klein, 1946).
Há uma diferença significativa de enfoque a ser aqui apreciada. Fair­
bairn encarava o ego como ancorado na realidade externa, com os objetos
internos e introjetados estabelecidos para defender-se contra (ele emprega-
va a palavra "reprimir") o objeto externo mau. Isto contrastava com o en­
foque de Klein voltado para o mundo interno e o desenvolvimento do ego
que, inicialmente pelo menos, resulta na construção do mundo externo ba­
seada em manobras projetadas para estabelecer a segurança do mundo interno.
Estruturas endopsíquicas: As abordagens de Fairbairn e Klein aos fenôme­
nos da cisão e da fragmentação do seíf eram radicalmente diferentes. De
modo característico, as descrições de Klein exploravam multidimensional-
mente um amplo panorama de fantasias variadas e variantes experiencia-
das pela pessoa a respeito do estado de seu setf. Em contraste, Fairbairn
parecia querer reduzir os fenômenos a segmentos estritamente categorizá-

330 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


veis. Descrevia ele duas cisões básicas que separavam de um ego central
duas estruturas endopsíquicas. Cada uma delas compreendia (i) uma par­
te do ego, (ii) um objeto internalizado com o qual parte do ego se acha
identificada, e (iii) um relacionamento interno entre a parte do ego e o ob­
jeto interno. Cada estrutura psíquica é composta de tal "sistema de rela­
ções objetais" tripartido. Uma delas contém um aspecto libidinal do ego
(o ego libidinal), com seu objeto libidinal (excitante); a segunda estrutura
endopsíquica contém um ego antilibidinal (o sabotador interno, reminiscen-
te do superego), com um objeto antilibidinal {o objeto rejeitante). Além
disso, após essas duas partes se haverem cindido, permanece um ego central.
Este mundo interno de três estruturas endopsíquicas parece ser fixo, e
de modo claro, acha-se frouxamente relacionado ao modelo estrutural tri­
partido do próprio Freud: ego, id (o ego libidinal) e superego (o ego antili-
bidinal). Entretanto, enquanto Freud acreditava que as diversas estruturas
da mente desenvolviam-se direta ou indiretamente a partir do id, Fairbaim
contestava isto e argumentava que elas se desenvolviam do ego arcaico e
originalmente unificado. A idéia de existir um ego no começo acha-se exa-
tamente de acordo com Klein e contra Freud. No entanto, Fairbairn con­
testava Klein porque ela aderia "(...) de modo não crítico, à teoria da libí-
do hedonística de Freud" (Fairbairn, 1949, p. 154). Na realidade, Klein
não aderia desse modo à teoria freudiana de satisfação da libido [ver MO­
DELO ECONÔMICO], mas Fairbairn achava que ela o fazia e, em verda­
de, ela também provavelmente achava que aderia, sem dar-se conta de
quanto havia modificado os modelos de Freud.
Teoria das pulsões: Fairbairn se opunha à teoria das pulsôes. De acordo
com Guntrip (1961), grande discípulo e proselitista de Fairbairn, este a con­
siderava mecanicista e buscava uma teoria mais humanística. Conseqüente-
mente, falava apenas de objetos. Tinha implicância com a expressão "fa­
se oral", por exemplo, dizendo que bem podería também ser chamada de
"fase do seio", de vez que é este (o objeto) que é de importância para a
criança. Considerva a boca como a expressar uma estratégia particular de
relacionar-se com o objeto, e, neste caso, a boca é meramente o instrumen­
to inato para a estratégia (nada tendo a ver com uma pulsão).
Desta maneira, Fairbairn acreditava haver ido mais além da teoria das
pulsões e do modelo energético da mente que é a pedra angular da teoria
psicanalítica clássica. Klein, por outro lado, foi realmente mais além da
teoria das pulsões, mas por maneira inteiramente diferente. Guntrip (e ou­
tros, tais como, por exemplo, Sutherland, 1963; Kemberg, 1980; Green-
berg e Mitchell, 1983) reiterou a opinião de que a teoria de Klein era ape­
nas uma estação intermediária, a meio caminho de uma abordagem plena
das relações objetais, e que Fairbairn completava essa jornada. Isto não é
de fato assim: as jornadas se davam em direções diferentes. Klein reteve
uma teoria das pulsões somente pela redefinição do significado da pulsão

R.D.Hinshelwooâ / 331
— embora aparentando que não o estava fazendo — e substituindo-o pe­
la idéia de fantasia inconsciente, uma visão flexível e fluida da estrutura
interna. Fairbairn, por outro lado, substituiu a estrutura ortodoxa de id/e~
go/superego por um sistema monolítico e aparentemente inflexível de estru­
turas endopsíquicas (sistemas de relações objetais), em uma engenhosa ver­
são de relações objetais daquela primeira estrutura.
Poder-se-ia dizer que Klein reinterpretou o conceito de "pulsão" de ma­
neira a significar a experiência de um objeto que é "dada" pelas sensações
corporais das moções pulsionais, enquanto que Fairbairn remoldou a pul-
são como sendo a "energia" para buscar objetos.
Cisão: A descoberta da importância das cisões no sistema de parte do ego
/relacionamento/objeto deve ser creditada tanto a Fairbairn quanto a Klein,
que estimularam as observações feitas por um e pelo outro. Klein clara­
mente continuou a refletir sobre o problema e, embora não reconhecesse
a semelhança com a opinião de Fairbairn, brincou com uma idéia similar:
um tipo especial de cisão que deixava um sistema de relações objetais não
modificado e primitivo em uma parte "profundamente inconsciente" da
mente (Klein, 1958, p. 241) [ver ESTRUTURA].
Amor: Fairbairn foi muito enfático a respeito da importância das relações
objetais na experiência humana. Demonstrou ele, de modo mais crítico
que Klein, que as teorias clássicas de satisfações pulsionais (redução de
pulsão) consideram os objetos como incidentais ao sujeito, existindo unica­
mente para a descarga das tensões. Em contraste, ele enfatizou o sentimen­
to genuino pelos objetos. É esta qualidade de tentar ligar o amor e a preo­
cupação humana com a compreensão científica que o tornam tão interes­
sante para o ministro cristão Guntrip [ver AMOR].
Desenvolvimentos posteriores: As idéias de Fairbairn suportaram o tem­
po bastante bem. Ele teve dois importantes seguidores —•Guntrip (1961)
e Sutherland (1963) — e é amplamente reconhecido por muitos autores
americanos (ex., Ogden, 1983). Suas intrincadas sondagens teóricas, con­
tudo, não foram significativamente desenvolvidas por seguidores posteriores.

Fairbairn, Ronald (1949), "Steps in the development of an object-relations theory of the per-
sonality", Br. /, Med. P sychol., 22:26-31; republicado (1952) em Ronald Fairbairn, Psycho-
analytic studies o f the personality, Routledge & Kegan Paul, p. 152-61,
-------- . (1951), "A synopsis of the development of the authour's views regarding the structu-
re of the personalit": republicado (1952) em Psycho-anaíytic studies o f the personality, p. 162-79.
Greenberg, Jay e Mitchell, Stephen (1983), O bject relations in psychoanalytic theory, Cam-
bridge, MA, Harvard.
Guntrip, Harry (1961), Personality structure and human interactíon, Hogarth.
Kernberg, Otto (1980), Internai w orld anã externai reality, Nova Iorque, Jason Aronson.
Klein, Melanie (1946), "Notes on some schizoid mechanisms'', iW MK 3, p. 1-24.
-------- . (1958), "On the development of mental functioning", WMK 3, p. 236-40.
Ogden, Thomas (1983), 'The concept of internai object relations", Int. ], Psycho-A nal, 64:227-41.

332 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Padel, John (1987), "Positions, stages, attitudes or modes of being", Bulletin o f the Europe-
an Psycho-Analytic Fedemtion, 12:26-31.
Sutherland, J, D. (1963), "Object reladons theory and the conceptual model of psycho-anaiy-
sis", Br. J. Med. P sy ch o l, 36:109-24.

T™1 * • 1 i l —' Klein esteve inte-


rantasias Q6 IHâStUrbâÇaLOressada, desde o
início de seus trabalhos, pelo conteúdo da fantasia da ansiedade, e concen­
trou-se nas fantasias sexuais. Empregou ela a idéia de fantasias de mastur-
bação ou masturbatórias que haviam um dia acompanhado uma ativida­
de fisicamente estimulante, mas que, subseqüentemente, tinham-se torna­
do inconscientes:
(...) uma fantasia inconsciente possui uma ligação muito importante
com a vida sexual do sujeito, pois é idêntica à fantasia que serviu para
proporcionar-lhe satisfação sexual durante um período masturbatório.
Nessa época, o ato de masturbação compunha-se de duas partes: uma
era a evocação de uma fantasia e a outra, algum comportamento ativo
para obter autogratificação no auge da fantasia. Originalmente, a ação
era um procedimento puramente auto-erótico com o intuito de obter
prazer de alguma parte particular do corpo, a qual poderia ser descrita
como erotógena. Mais tarde, fundiu-se com uma idéia desejosa, oriun­
da da esfera do amor objetai. (Freud, 1908, p. 161)
Klein elaborou esta idéia da natureza física e concreta destas fantasias em
uma forma de relação objetai.
Embora Abraham (1921) e Ferenczi (1921) houvessem utilizado o sinto­
ma do tique nervoso como prova de uma fase auto-erótica, Klein brusca­
mente os contestou (Klein, 1925). Ao invés, descreveu ela um caso de ti­
que em que as fantasias acompanhavam os variados movimentos físicos;
cada movimento, observou ela, representava simbolicamente uma parte
de um ato sexual com um objeto. Utilizou isto para assinalar a sua pró­
pria abordagem, concentrando-se nas relações objetais envolvidas em no­
ções pulsionais [ver NARCISISMO; 2. FANTASIA INCONSCIENTE]. Is­
so desafiava a opinião de uma fase primária de auto-erotismo e narcisis-
mo e asseverava que fantasias inconscientes de masturbação achavam-se
engastadas em todas as atividades:
Permitam-me fornecer uma ilustração do efeito das fantasias de mastur­
bação sobre a sublimação. Félix, de treze anos de idade, produziu na
análise a seguinte fantasia: ele estava brincando com algumas lindas ga­
rotas que se achavam nuas e cujos seios ele apalpava e acariciava. Não
via a parte de baixo dos corpos delas. Estavam jogando futebol umas
com as outras. Esta fantasia sexual isolada (...) foi seguida, durante a
análise, por muitas outras, algumas sob a forma de devaneios, outras
lhe vindo à noite como substituto para o onanismo e todas elas relacio-

R.D.Himhehvood / 333
nadas com jogos. Estas fantasias demonstravam como algumas de suas
■" fixações eram elaboradas como um interesse por jogos. Em sua primei­
ra fantasia sexual (...) o coito já havia sido substituído pelo futebol. Es­
te jogo, juntamente com outros, havia absorvido inteiramente o interes­
se e a ambição dele. (Klein, 1923, p. 90)
Klein estava demonstrando que, engastadas no processo de gratificação
narcísica, havia fantasia de objetos associados com a "masturbação". Mais
tarde, Heimann, desenvolvendo a visão kíeiniana do narcisismo [ver NAR-
CIS1SMO], descreveu a masturbação como sendo a fantasia de uma rela­
ção erótica com um objeto interno:
O auto-erotismo baseia-se em fantasias relacionadas com um seio "bom"
interior e gratificante (mamilo, mãe) que é projetado em uma parte do
próprio corpo do bebê e assim representado por ela. Este processo, por
assim dizer, encontra a meio caminho a qualidade erotógena dos ór­
gãos da criança. (Heimann, 1952, p. 147-8)
As zonas erógenas permitem o uso do corpo para a geração de fantasias
inconscientes, especialmente, e de modo intenso mediante a manipulação
masturbatória. A sexualidade erótica é, portanto, um conjunto comumen-
te imaginado de fantasias inconscientes que são elaboradas defensivamen­
te contra as ansiedades persecutória ou depressiva. Meltzer (1966) descre­
veu um caso em que a masturbação anal era empregada para engendrar
fantasias inconscientes.

Abraham, Karí (1921), "CorUribution to a discussion on tic", em Karl Abraham (1927), Selec-
ted papers on psycho-analysis, Hogarth, p. 322-5.
Ferenczi, Sandor (1921), "Psycho-analytic observations on tic", em Further contributions to
the theory and technique o f psycho-analysis, Hogarth, p. 142-74.
Freud, Sigmund (1908), "Hystericalphantasies and their reiation to bisexuaiity", S.E. 9, p,, 155-66.
Heimann, Paula (1952), "Certain functions and of projection and introjection in early in-
fancy", em Melanie Klein, Paula Heimann, Susan ísaacs e Joan Riviere, (orgs.), (1952),
D êvelopm ents in psycho-analysis, Hogarth, p. 122-68.
Klein, Melanie (1923), "Infant analysis", WMK 1, p. 77-105.
-------- . (1925), "A contributíon to the psychogenesis of tic", WMK 1, p. 106-27.
Meltzer, Donald (1966), "The reiation of anal masturbation to projective identification", Int.
/. Psycho~Anal.,, 47:35-42.

T? «__ *
1 Imediatamente após o nasci-
r a to r constitucional mento, os fatores constitucio­
nais compõem-se com os fatores ambientais e o relacionamento profunda­
mente entrelaçado entre nutrição e natureza desde o início torna os dois
extremamente difíceis de desemaranhar. O problema é agravado por cau­
sa da enorme quantidade de interação que se processou no desenvolvimen­
to de um indivíduo antes que qualquer comunicação simbólica direta com
ele seja possível. O estudo dos estados muito iniciais da interação entre o
334 / Dicionário do Pensamento Kleiniano
fator constitucional e o meio ambiente depende de abordagens de observa­
ção, tais como a observação de bebês [ver OBSERVAÇÃO DE BEBÊS],
ou de estudos psicológicos acadêmicos da cognição inicial, ou, ainda, de
um estudo psicanalítico dessas condições iniciais mediante as "secções con­
geladas" do desenvolvimento que são apresentadas pelos estados de autis­
mo (Meltzer et al.; Tustin, 1981) [ver AUTISMO]. Não há dúvida de que
muitas características psicológicas, de modo semelhante às corporais, são
herdadas. A genética da esquizofrenia, por exemplo, demonstra satisfato­
riamente que existe uma precondição herdada definida, sobre a qual os fa­
tores ambientais (psicológicos) atuam para trazer à tona a psicose (Gelder,
1983).
Pessimismo biológico: Grande parte das críticas a Klein originou-se da ên­
fase dada por ela aos fatores "internos", oriunda da suposição pessimista
de que qualquer coisa que se receba por dote dentro da constituição bioló­
gica é imutável. Esta não era a opinião de Klein, e, em verdade, é manifes­
tamente inverídico biologicamente, de vez que os seres humanos são dota­
dos de uma psicologia que é especialmente adaptável. E, de fato, marca
distintiva das teorias de Freud que as puísões humanas são, de modo típi­
co, extraordinariamente plásticas. A dotação de uma pulsão sexual, por
exemplo, não impede a atratividade sexual de um conjunto aparentemen­
te ilimitado de todo tipo de parceiros, assim como de todos os tipos de
objetos fetiches que são absorventemente atraentes para certos apetites.
A impetuosidade da indústria da moda não existiría sem uma extraordiná­
ria disposição por parte da constituição sexual biologicamente dotada a
adaptar-se e buscar o que é novo. Em realidade, parte da dotação biológi­
ca humana é ser atraída pela mudança e no sentido de novos objetos [ver
DESENVOLVIMENTO].
Klein é com freqüência criticada por ser indevidamente biológica ao acei­
tar de Freud o conceito da pulsão de morte. A plasticidade desta pulsão,
contudo, conduzindo à variedade, engenhosidade e adaptabilidade da des-
trutividade humana sob influências psicológicas e sociais, não é menor
que aquelas da pulsão sexual.
Inveja: Klein, no entanto, enfatizou que as proporções relativas da libido
e da destrutividade podem ser determinadas pela hereditariedade. Estudos
de gêmeos deram ao fator constitucional provas crescentes da existência
de um fator genético na esquizofrenia. Uma balança de pulsão inclinada
em favor da pulsão de morte é predisposição constitucional da inveja par­
ticularmente grave desde o início (ver Rosenfeld, 1965), inveja que pertur­
ba tanto a mãe quanto a criança e acaba por levar a uma criança esquizói-
de, uma mãe desesperada e um ambiente interpessoal esquizofrenógeno
na família. Uma preponderância de impulsos destrutivos pode ser iguala­
da por uma fraqueza inerente do ego, conduzindo a um limiar muito bai­
xo de frustração [ver 12. INVEJA],

R.D.Hinshelwood / 335
Está implícito no conceito de fantasia inconsciente que existe fundamen-
- to constitucional para o desenvolvimento de uma mente [ver MENTE] e
para que esse desenvolvimento se dê sob a forma de representar todas as
sensações e experiências como relacionamento com objetos [ver CONHE­
CIMENTO INATO]. Que tem de haver algum fundamento biológico no
corpo para o desenvolvimento de uma mente é algo que dificilmente seria
contestado pela opinião científica e psicológica comum. O problema é on­
de estabelecer o limite do self psicológico que luta com a dotação biológi­
ca [ver SUBJETIVIDADE]. Klein, sem negar a importância do meio ambien­
te social, avançou muito no sentido de um quadro de um seíf puramente
psicológico a engalfinhar-se com seus próprios estados internos, com fato­
res constitucionais (tais como os sociais) agindo apenas como limites de
restrição.

Ver MUNDO EXTERNO; CONHECIMENTO INATO.

Bion, Wilfred (1956), "Development of schizophrenic thought", Int. }, P sycho-A nal, 37:344-6;
republicado (1967) em W ,R. Bion, Second thoughts, Heinemann, p. 36-42.
Gelder, John {1983), O xford tex tb ook o f psychiatry, Oxford, Oxford University Press.
Meltzer, Donald; Bremmer, John; Hoxter, Shirley; Weddell, Doreen e Wittenberg, Isca (1975),
Exploratiom in autism, Per th, Clunie.
Rosenfeld, Herbert (1965), Psychotic States, Hogarth.
Tustin, Francês (1981), Austic States in children, Routledge & Kegan Paul.

rj ® »1 • 1 1 Durante as décadas de 20 e 30, quando havia


r c l T l i n i i l Q a Q v muitos e estridentes debates a respeito da psico­
logia das mulheres nos círculos psicanalíticos, debates liderados por Karen
Horney (1926, 1932), Klein estava ansiosa por demonstrar que a análise
de crianças podia responder o problema e apresentou a contribuição espe­
cial que podia oferecer a partir de seu trabalho com crianças [ver 6. FA­
SE DA FEMINILIDADE]. Demonstrou a importância da agressividade das
menininhas na construção de situações fantasiosas, temíveis e persecutó-
rias, que acarretavam incursões no corpo da mãe em busca de seus bebês,
do pênis do pai, e também para estragar-lhe a criatividade. Esta fase, acha­
va ela, era importante tanto em meninos quanto em meninas, e constituía
uma situação especial de ansiedade que realçava o complexo de Edipo, a
ansiedade de castração e a inveja do pênis posteriores e descritas por Freud
(Klein, 1932) [ver COITO; FIGURA COMBINADA DOS PAIS],
Estas fantasias iniciais são concernentes aos objetos parciais: órgãos,
bebês, etc. A distribuição delas entre os pais reais não guarda conformida­
de com a expectativa adulta posterior de identidade social de gênero. O
desenvolvimento de uma identidade de gênero exige um considerável rea-
justamer to das fantasias infantis iniciais a respeito da disposição dos ór­
gãos e d i s objetos parciais [ver PAI).

336 / Dirimi m o do Pensamento Kleimano


O pensamento de Klein dava grande ênfase à inferioridade dos corpos,
especíalmente o corpo da mãe, e isto mais tarde tornou-se a teoria do con­
ter [ver CONTER]. Ela é a raiz do direcionamento para dentro da feminili­
dade, que surge de preocupações ansiosas e é talvez a qualidade essencial
da feminilidade. Esta ênfase concedida à exploração do corpo da mãe e
seus conteúdos conduziu a uma opinião de que Klein minimizava o papel
da masculinidade e do pai. Não é inteiramente assim. O pai é um objeto
concebido originalmente como situado dentro da mãe e a limitar o acesso
a esta por sua própria presença. A implicação destas opiniões é que estas
expectativas sociais de mãe e pai são inerentes, ainda que uma ou outra
seja invocada, em cada indivíduo, por processos e estereótipos sociais.

Ver 6. FASE DA FEMINILIDADE.

Horney, Karen {1926), "The flight from womanhood", Int. J. P sycho-A nal, 7:324-9,
-------- . (1932), "The dread of wornen", Int. /. P sycho-A nal, 13:348-60.
Klein, Melanie (1932), "The psycho-analysis of children", WMK 2.

Thc s *"? Abraham (1924) considerava as fezes como sendo o protótipo


F tZ tb do objeto interno: concretas, sensórias, internas, mas, apesar dis­
so, expelíveis. Freud (1905) igualou-as a bebês e a um pênis. A visão klei-
nianas dos objetos internos considerava as fezes como uma das possíveis
fontes de experiência de objetos internos — pelo fato de darem origem a
sensações anais — e da expulsão (projeção) de algo [ver 5. OBJETOS IN­
TERNOS],
As fezes representam, portanto, um objeto parcial, cuja importância é
dada pela fantasia inconsciente correntemente ativa e constituem uma das
primeiras manobras defensivas do bebê, talvez antes e durante o nascimen­
to, assim como depois. Dessa maneira, a defecação pode ser um recurso
inicial do ego para gerar fantasias de expulsão de objetos internos hostis.
Idear a expulsão física produz sensações anais que são então mentalmente
representadas como uma fantasia inconsciente de expelir um objeto mau
[ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE]. A passagem das fezes ocorre na
primeira infância em conjunção tão regular com a alimentação que isso re­
cebeu uma denominação médica, o chamado ''reflexo fastrocólico"; a expe­
riência destes eventos fisiológicos regulares construirá conjunções igualmen­
te regulares de experienciamento, quais sejam, a assimilação de um obje­
to bom e a expulsão de um objeto mau.
Meltzer (1965) descreveu o uso infantil das fezes em uma forma anal
de masturbação para fazer surgir fantasias inconscientes com o interesse
de apoiar um estado narcísico [ver FANTASIAS DE MASTURBAÇÃO;
NARCISISMO].

Ver OBJETOS PARCIAIS.

R.D.Hinshehvood / 337
Abraham, Karl (1924), "A short study of íhe development of the líbido", em Kar! Abraham
(1927), Selected papers on psycho-analysis, Hogarth, p. 418-501.
Freud, Sigmund (1905), "There essays on sexuality", S.E, 7, p. 125-245,
Meítzer, Donald (1965), "The reíation of anai masturbation to projective identifica tion", Int.
J. P sycho-A nal, 47:335-42.

•p. 1 * 1 1 • Uma das mais


rigura combinada dos paisProfundasexPe-
riências do bebê é o desejo de penetrar o corpo da mãe Por raiva e frustra­
ção e fazer coisas Prejudidais aos órgãos e objetos lá encontrados, em par-
te Por ciúmes dela e deles, em Parte Porque a criança deseja roubá-los pa-
ra si própria. Esta incursão e roubo são o âmago nuclear de uma terrifican-
te fantasia de o corPo da mãe a conter o Pênis do Pai.
O terror Profundo e crescente é que a mãe e os objetos dentro dela reta­
liem contra o bebê. Ele surge dos desejos orais que levam a querer incorpo-
rar todas essas coisas Para o PróPrio bebê e este acaba no meio de uma
fantasia de que todos esses objetos feridos e retaliatórios estejam agora a
vaguear saqueando, como Perseguidores internos em suas PróPrias entra­
nhas, após lá haverem sido projetados, e como a figura externa perseguido­
ra. Dessa maneira, as fantasias agressivas a respeito da relação sexual dos
pais despertam grandes quantidades de paranóia [ver 8. SITUAÇÕES INI­
CIAIS DE ANSÍEDAEj.
A fantasia da figura combinada dos pais é a de que os pais, ou, antes,
seus órgãos sexuais [ver OBJETOS PARCIAIS], acham-se entrelaçados
em permanente relação sexual. É a fantasia mais antiga e primitiva da si­
tuação edipiana: "Uma intensidade especial é conferida a esta situação de
perigo pelo fato de uma união dos pais estar em questão (...) esses pais
combinados são assaltantes extremamentes cruéis e muito temidos" (Klein,
1929, p. 213). A figura combinada dos pais é expressa pela mãe com o
pai dentro dela: "(.,.) a idéia do pênis materno e, em verdade, de um pê­
nis escondido dentro da vagina" (Klein, 1923, p. 69).
A fúria e a raiva do bebê levam-no a impregnar essa relação de tanta
violência entre os pais quanto a que está sentindo em relação a eles:
(...) estas fantasias sádicas de masturbação (...) incidem em duas catego­
rias distintas, ainda que interligadas. Nas da primeira categoria, a crian­
ça emprega vários meios sádicos para efetuar um assalto direto aos pais,
sejam combinados no coito, sejam separados; nas da segunda (...) sua
crença em sua onipotência sádica sobre os pais encontra expressão de
maneira mais indireta. Ela os dota de instrumentos de destruição mútua,
transformando-lhes os dentes, as unhas, os órgãos genitais, os excremen­
tos, etc., em perigosas armas e animais, etc.; e os retrata, de acordo
com seus próprios desejos, como se atormentando e destruindo mutua­
mente no ato da copulação. (Klein, 1932, p. 200)

338 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


A relação sexual que os pais executam é perigosa para eles próprios e dão-
se hostilidades horrendas entre a criança e esta figura particularmente ame­
açadora. A figura combinada dos pais é um dos perseguidores mais terrí­
veis nas dramatis personae da infância.
Inveja: A figura combinada dos pais constitui uma concepção inicial de
Klein e, posteriormente, a fonte da violência e do sadismo, especialmente
fortes, que vinculados a esta figura infantil de fantasia, passou a derivar
da inveja da relação sexual dos pais e da exclusão do bebê separado quan­
to a ela (ver 12. INVEJA].
Meltzer (1973) descreveu o desenvolvimento da sexualidade e da criati­
vidade na personalidade em termos da luta para ir além desta figura obje­
tai parcial, de maneira a reconstruí-la em objetos totais com versões mais
realísticas da mãe e do pai, processo inerente à posição depressiva. Interna-
mente, uma relação sexual realista desse tipo forma um objeto interno que
constitui a base — ou é sentido como fonte — da criatividade pessoal: se­
xual, intelectual e estética.

Klein, Melanie (1923), "The role of the school in the libidinal development of the chíld",
WMK 1, p. 59-76.
-------- . (1929), "Infantile anxíety-situations reflected in a work of art and ín the Creative im­
pulse", WMK 1, p, 210-8.
-------- . (1932), 'The psycho-analysis of children", WMK 2.
Meltzer, Donald (1973), Sexual states o f mild, Perth, Clurtíe.

Ver COITO.

TT ^ J / 1 1 A visão não desenvolvi-


rormaçao cie símbolos mento da simboiização
por Freud (1900), baseada na sublimação, foi elaborada por Jones (1976) e ou­
tros mais. Freud achava que as pulsões humanas eram particularmente
modificáveis, de maneira que a energia psíquica deles derivada podia ser
impedida de obter satisfações corporais diretas por proibições sociais e de
superego e, então, convertida no sentido de fins sociais. Era este o proces­
so de sublimação. A técnica psicanalítica da fala enfatizava a importância
dos símbolos verbais: as palavras. Na memória, dizia ele, há dois tipos
de representação: a lembrança de uma coisa (ou experiência) e a lembran­
ça do nome dela (ou designação verbal). Ele concedeu muita ênfase a esta
distinção: a característica-chave da mente pré-consciente (apresentações
de palavras) distinguia-a do inconsciente (apenas apresentações de coisas).
Na prática, é característica importante dos esquizofrênicos não poderem
manter eles uma distinção adequada entre apresentações de coisas e pala­
vras, de maneira que desgastam a distinção correta entre o inconsciente e
os sistemas conscientes da mente.

R,D,Hinshelwooá / 339
Entretanto, o trabalho de Freud era, na realidade, apenas descritivo da
distinção entre a coisa e o seu símbolo verbal e isso era mais ou menos tu­
do de que ele precisava, enquanto sua técnica fosse verbal. O apoio de
Klein nas palavras foi suplementado pelo valor simbólico do brinquedo in­
fantil. Dessa maneira, ela considerava a descarga das crianças no brinçar
como altamente simbólica, fato não apropriadamente suprido nas teorias
de Freud, onde a ação física é igualada a uma descarga direta de energia
pulsional. Klein encarava o brincar como equivalente aos sonhos:
Em seu brincar, as crianças representam simbolicamente fantasias, dese­
jos e as suas experiências. Aqui estão empregando a mesma linguagem,
o mesmo modo de expressão arcaico e filogeneticamente adquirido com
que estamos familiarizados nos sonhos. (Klein. 1926, p. 134) [ver 1.
TÉCNICA]
Os sonhos eram admitidos por Freud como alternativa simbólica às pala­
vras para descarga da energia mental — admitidos porque tanto palavras
quanto sonhos evitam o recurso à ação muscular. Klein, contudo, demons­
trou que o brincar era tão simbólico quanto as palavras, ainda que envol­
vesse descarga muscular. Dessa maneira, a fantasia não era necessariamen­
te um método de descarga alternativo à ação corporal, como Freud conten­
tara-se em deixá-la ser, mas concomitante profundamente importante, se­
não a mola mestra, da descarga física de energia. A relação entre descar­
ga direta e atividade simbólica fora invertida.
Klein, ela própria, não fez grandes avanços na compreensão da diferen­
ça existente entre esses dois mundos (satisfações físicas ou satisfações sim­
bólicas), mas apontou implicitamente para a importância do estudo ulte-
rior da formação de símbolos como conquista exclusivamente humana.
Substituição: Klein nunca tornou explícita a discrepância com Freud, de
vez que desejava evitar provocar o mundo psicanalítico ortodoxo. Ainda
assim, muitas pessoas subseqüentemente queixaram-se da visão dita "não
freudiana" que Klein tinha da fantasia (ex. Glover, 1945; Yorke, 1971)
[ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE]. Na parte inicial de sua carreira,
Klein mapeou as vicissitudes da formação de símbolos e as causas e efei­
tos da simbolização deficiente (Klein, 1929a, 1929b, 1930, 1931). Demons­
trou ela que, desde os estágios mais iniciais, o bebê começa a busca de sím­
bolos e o faz a fim de aliviar-se de experiências penosas [ver BRINCAR].
Os conflitos com objetos primários (isto é, o corpo da mãe) e a persegui­
ção por eles, em fantasia, promovem a busca de novos relacionamentos,
livres de conflitos, com objetos substitutos (símbolos). Apesar disso, esses
conflitos tendem a seguir e com freqüência afetam o relacionamento com
o objeto substituto (o símbolo), o que acaba por promover nova busca
por outro substituto ainda. Neste caso, ela descreveu um processo de subs­
tituição semelhante ao deslocamento, que Freud também pensava ser um
dos fatores subjacentes ao processo de simbolização onírica.

340 / Dicionário do Pensamento Kletniano


A substituição de um objeto por outro torna-se formação simbólica,
em sentido mais estrito, quando um objeto não material de satisfação subs­
titui, por aceitação social comum, um objeto físico de gratificação somáti­
ca direta.

Símbolos e defesas: O interesse de Klein pela simbolização minguou quan­


do ela ficou mais envolvida no intricado processo de definir o conteúdo
das fantasias, antes que na natureza do processo de expressão delas. Entre­
tanto, implícita em sua obra inicial, existe o embrião de uma teoria de for­
mação de símbolos. Estes são um recurso primário na expressão, tanto in­
terna quanto externa da atividade inconsciente da fantasia, em qualquer
momento determinado. A externalização destas fantasias no brincar simbó­
lico e na personificação é impulsada pela necessidade de colocar a certa
distância estados internos de perseguição. Klein estava demonstrando, por­
tanto, que os símbolos, como substitutos, constituem uma estratégia defen­
siva, e que a análise do processo de simbolização é uma análise das defesas.
A psicanálise foi originalmente uma análise de símbolos — tipicamente
na própria auto-análise de Freud (Freud, 1900). Posteriormente, a análise
das defesas, ou resistência, recebeu ênfase (Freud, 1915). A visão que ti­
nha Klein da simbolização como sendo em si própria uma manobra defen­
siva afetou profundamente a técnica kleiniana e a compreensão da transfe­
rência [ver 1. TÉCNICA]. Na análise, até mesmo o ato de verbalizar po­
de, ele próprio, ser uma forma defensiva de atuar [acting out] na transfe­
rência. Dessa maneira, os símbolos representam uma expressividade criati­
va primária [ver CRIATIVIDADE] e, também, uma defesa contra a ansie­
dade. A confluência de um passo evolutivo com um mecanismo de defesa
é um achado comum na obra de Klein [ver 9. MECANISMOS PRIMITI­
VOS DE DEFESA; DESENVOLVIMENTO].

Sím bolos e partes corporais: A primeira atividade de simbolização — o brin­


car — é um processo particularmente pessoal e idiossincrático. Ele não
possui a qualidade social dos símbolos verdadeiros. Isto podería implicar
que Klein não estava realmente descrevendo um verdadeiro processo de
simbolização. Entretanto, a implicação do trabalho dela é que, embora a
criança espontaneamente, sem respeitar um conjunto sociaímente conven­
cional de símbolos, utilize os seus próprios, eles em realidade possuem va­
lidade social pelo fato de serem comuns. São comuns aos seres humanos
porque, em última análise, são compreensíveis como experiências de par­
tes do corpo humano e das relações delas entre si [ver 2. FANTASIA IN­
CONSCIENTE], Isto aceita a opinião de Ferenczi, que Klein reconheceu
(1930): "Ferenczi sustenta que a identificação, a precursora do simbolis­
mo, surge do esforço do corpo por redescobrir, em cada objeto, os seus
próprios órgãos e o funcionamento deles" (p. 220). As partes corporais
que temos em comum agem, portanto, como base da comunalidr.de da ex­

R.D.Hinshehvood / 341
pressão simbólica original e, depois, como base de toda comunalidade ulte-
rior dos símbolos.
Biologia e psicologia: De vez que as sensações corpóreas (que dão origem
a pulsões) são representadas como relacionamentos com objetos [ver 2.
FANTASIA INCONSCIENTE], as experiências das partes do corpo são
objetos para o bebê, independentemente da causa real da sensação. Este é
um mundo mental de concepções, que já são símbolos. Quando o bebê
acaba por perceber objetivamente o mundo externo, a significação desses
objetos externos provém do investimento dos relacionamentos mentalmen­
te concebidos. Os objetos externos já são símbolos e têm significado so­
mente por causa dos objetos internos; exemplificando, um bebê que espe­
rou para ser alimentado em estado de crescente frustração pode voltar o
rosto para o seio quando este acaba por se aproximar; o que acontece é
que, em sua raiva e terror, ele percebe o objeto externo a aproximar-se e
dá-lhe significado identíficando-o com o perseguidor "mau", que pretende
causar-lhe sofrimento e dano.
Inibição da form ação de sím bolos: A capacidade de viver em um mundo
de símbolos afastado do mundo dos objetos físicos e biológicos é a marca
distintiva do desenvolvimento humano. A capacidade de deslocar-se para
novos objetos substitutos (símbolos) é um afastamento quanto à ansieda­
de, mas constitui também uma movimentação evolutiva.
Klein compreendeu pela primeira vez que a dificuldade que tem o esqui­
zofrênico em formar e utilizar símbolos era uma inibição deste processo
de formação de símbolos. A capacidade de identificar objetos, de manei­
ra simbólica, com coisas inteiramente diferentes é de grande importância,
e também o mecanismos subjacente ao desenvolvimento do intelecto. Ou
— para expressá-lo de maneira oposta — como Klein descobriu, o fracas­
so em simbolizar resulta em uma falta de desenvolvimento intelectual que
se assemelha à esquizofrenia nos adultos (Klein, 1930).

Equação simbólica. Segai (1950, 1957), trabalhando dentro da tradição klei-


niana, utilizou elegantes exemplos clínicos para efetuar uma importante
distinção entre dois fenômenos:
(i) Representação simbólica, na qual um símbolo verdadeiro é colocado
no lugar em que o original esteve; sua característica especial é que o símbo­
lo é reconhecido como possuindo suas próprias características, separadas
daquilo que simboliza, e
(ii) Equação simbólica, que envolve uma forma irrealística de projeção
em um objeto inocente (o símbolo). Na equação simbólica, o símbolo tor­
na-se o original, e atrai os mesmos conflitos e inibições que o último, por
causa da fusão de self e objeto que surge com a identificação projetiva pa-
tolótica [ver IGUALIZAÇÃO SIMBÓLICA],

342 / Dicionário do Pensamento Kkíniano


À medida que as identificações onipotentes diminuem com o progresso
no sentido da posição depressiva e do reconhecimento de um objeto total,
os objetos são experienciados como possuindo suas próprias qualidades e
reconhecidos como a representarem algum outro objeto com propriedades
e atributos inteiramente diferentes. O deslocamento das equações simbóli­
cas para a representação simbólica se dá com a posição depressiva e a cons­
cientização crescente da diferença existente entre os mundos interno e ex­
terno. E um processo de abandonar os objetos externos e, portanto, fazer
o trabalho de luto deles.

Epistemofilia e função-alfa: Mais tarde, Bion retomou a idéia de uma pul-


são epistemofílica [ver 3. AGRESSÃO] e situou-a lado a lado das pulsões
de vida e de morte, pela designação dos três por símbolos comparáveis:
"L", “H" e "K". "L" e "H" representam elos de ligação de amor e de ódio
com os objetos. "K" é a experiência de fazer sentido ou dar significado a
uma experiência, ou melhor, a capacidade de experienciar um senso de sig­
nificado em algo, ligar-se com esse algo mediante a aprendizagem pela ex­
periência com ele [ver EPISTEMOFILIA]. Para Bion, os seres humanos
possuem uma capacidade inata de realizar seus eventos físicos/fisiológicos
como acontecimentos em um mundo de significado. A essa capacidade ele
se referiu, de maneira tão neutra quanto possível, como sendo a "função-
alfa" [ver FUNÇÃO-ALFA].
Bion acabou por reformar as opiniões de Segai sobre a formação de sím­
bolos em seu próprio molde. A própria Segai diz, em pós-escrito recente
ao artigo de sua autoria (Segai, 1979), que ela hoje veria o tipo de identifi­
cação projetiva como importante e que podemos olhar para isso em ter­
mos de continente e contido [ver CONTER]. Dessa maneira, a função dos
símbolos pode ser vista como o continente para a identificação projetiva
de estados emocionais. Bion, de modo típico, em sua exposição posterior,
escreveu a respeito das maneiras por que as palavras são usadas; por exem­
plo, um homem que gagueja, a tentar expressar-se:
As palavras que deveríam haver representado o significado que o ho­
mem queria expressar foram fragmentadas pelas forças emocionais a
que desejava dar apenas expressão verbal; a formulação verbal não pô­
de "conter" suas emoções, que irromperam e a dispersaram tal qual for­
ças inimigas poderíam romper as forças que se esforçavam para contê-
las. (Bion, 1970, p. 74)
A relação entre o símbolo e o que se supõe conter pode ter várias modali­
dades, inclusive as duas que Segai distinguiu.

O desenvolvimento da simbolização. Existem assim diversos estágios e duas


direções para as quais o desenvolvimento dos símbolos pode ir. Os está­
gios foram estabelecidos por Money-Kyrle (1968):

R.D.Hinshelwood / 343
A teoria do desenvolvimento conceptual tem de ser ampliada de manei­
ra a incluir não apenas o crescimento no número e raio de ação dos con­
ceitos, mas também o crescimento de cada conceito isolado através de,
pelo menos, três estágios: um estágio de representação concreta que,
estritamente falando, não é de modo algum representacional, de vez
que nenhuma distinção é feita entre a representação e o objeto ou situa­
ção representados; um estágio de representação ideográfica, tal como
acontece nos sonhos, e um estágio final de pensamento consciente e
predominantemente verbal. (Money-Kyrle, 1968, p. 422)
A progressão através destas três etapas faz parte integrante do avanço do
sujeito no sentido da posição depressiva e através dela.
(i) Representação concreta: O momento de conscientização de uma sensa­
ção corpórea resulta em uma fantasia concreta (inconsciente) de um obje­
to que tem uma realidade integral.
(ii) Iâeógrafos: A conversão de eíementos-beta em conteúdo mental utilizá­
vel resulta no que Bion considerava "ideógrafos" ou o ''mobiliário dos so­
nhos" (elementos-alfa).
(Ui) Verbalização;Os ideógrafos (elementos-alfa), se foram formados, são
adequados para com ele se criar sonhos, mas também para o desenvolvi­
mento simbólico ulterior em representações verbais.

Pavor sem nome. Os dois passos — entre (i) e (ii) e entre (ii) e (iii) — depen­
dem de estar a função-alfa funcionando de modo satisfatório. Quando es­
tá, os estágios acima podem ser seguidos; contudo, em caso de falha da
função-alfa (Meltzer, 1978), ela é substituída por uma função diferente
em que se despe progressivamente de significado os objetos, que se tornam
cada vez mais persecutórios; isto dá origem a um estado de terror ao qual
se pode referir como "pavor sem nome" [ver PAVOR SEM NOME].
A função-alfa pode falhar por causa de frustração excessiva por parte
do mundo externo real, quando há tão pouco acasalamento de preconcep-
ções com realizações que nenhum desenvolvimento de concepções e capa­
cidade de pensar corretamente ocorre, ou, alternativamente, o indivíduo
pode possuir um grau tão alto de inveja inata que ele não pode fazer um
elo de ligação com "K", mas apenas com uma forma cruel ("~K"), que cria
objetos de pensamento extremamente persecutórios [ver ELO DE LIGA­
ÇÃO]. Nestes casos, há uma "inversão da função-alfa" (Meltzer, 1978) e
os conceitos percorrem de volta as três etapas, partindo do pensamento
verbal, passando pelos ideógrafos onírico e chegando à representação con­
creta e, talvez (nos distúrbios psicossomáticos), finalmente, aos estados
corporais. Esta batida em retirada é o aspecto cognitivo de uma retirada
da posição depressiva para a posição esquizoparanóide [ver DEFESA PA-
RANÓIDE CONTRA A ANSIEDADE DEPRESSIVA].

344 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Equações simbólicas psicóticas. Este fenômeno, explicado por Segai e bem
conhecido em pacientes psicóticos, resulta claramente do tipo de identifica­
ção projetiva, surgindo da fragmentação excessiva da mente associada com
a inversão da função-alfa. Esta forma de identificação projetiva, por achar-
se inundada por agressão, destrói as fronteiras entre self e objeto, esvazia
o self e reduz o pensamento ao estágio concreto de elementos-beta a des­
carregarem. Trata-se da forma patológica da identificação projetiva [ver
13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA], Os estados autistas, em que a simbo-
lização aparentemente não ocorre, são considerados por Bion (1962) e
Meltzer (Meltzer et ai., 1975) como uma incapacidade de estabelecer qual­
quer função-alfa [ver AUTISMO] ou engajar-se em um processo de "inver­
são da função-alfa" (Meltzer, 1978).

A estética. Estreitamente relacionado à formação de símbolos acha-se todo


o campo filosófico da estética e de como distinguir entre uma representa­
ção que é bela e outra que é feia ou meramente bonita. Em 1940, Rickman
relacionou o nojo pela fealdade a sentimentos a respeito de dano a objetos
na posição depressiva, ou de morte deles, e tateou no sentido da idéia de
que a criatividade artística acha-se vinculada ao esforço de restaurar obje­
tos à vida.
Este elo entre a experiência estética e a posição depressiva foi grande­
mente refinado por Segai (1952). Enquanto que Rickman havia descrito a
fealdade como devida à destrutividade, Segai descreveu a posição depressi­
va do artista como se tratando de uma posição em que existe um anseio
depressivo a respeito do objeto danificado e, ao mesmo tempo, um esfor­
ço para recriá-lo através do veículo de sua arte. A arte é um outro mun­
do, e Segai diz que ela é o mundo interno, tal como descrito por Melanie
Klein. A reparação feita ao objeto por que se anseia dá origem à arte este­
ticamente bela [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Ou, para expressá-lo
de outro modo, o esforço por reparar um objeto interno, que é a essência
da posição depressiva, é um esforço artístico, apenas expresso e tornado
diretamente comunicável, em forma física, pelo artista" [ver REPARA­
ÇÃO]. A obra de arte é uma externalização na realidade física que se tor­
na uma expressão simbólica do estado do mundo interno e do trabalho
que nele foi colocado.
Segai contrastou isto com a reparação maníaca [ver REPARAÇÃO MA­
NÍACA], que dá origem a uma jeitosa qualidade de boniteza, na qual o
artista demonstra um triunfo fácil sobre o estado de seu mundo interno e,
assim, sua evasão quanto ao anseio e à culpa. Em contraste com a profun­
didade da arte que contempla e faz o luto do objeto danificado, a bonite­
za é um desempenho aparentemente fácil de criatividade que não envolve
o luto pela destruição; ela se baseia em uma negação do dano e da destruição.
Stokes (1955), crítico de arte, acompanhou a abordagem de Segai bas­
tante de perto e decidiu que a essência da boa arte é a conjunção peculiar

R.D.Hinshelwood / 345
da fusão com as diferenças. Trata-se de uma idéia abstrata da situação psí­
quica para que Segai apontava quando descreveu a beleza como sendo
uma qualidade da luta por restaurar um objeto partido em pedacinhos e
em relação ao qual um luto é feito. A oscilação entre os fragmentos e o
todo é um tema que foi posteriormente retomado por Bion, ao descrever
as oscilações entre a posição esquizoparanóide e a posição depressiva que
são subjacentes a todo esforço criativo, não apenas o artístico, mas tam­
bém o científico (Bion, 1962) [ver Ep-D].

Bion, Wilfred (1962), Leam ing from experience, Heinemann.


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A cisão severa do ego, tipicamente em rela­


ção com as dificuldades encontradas na po-

346 / Dicionário do Pensamento Kleíniano


sição esquizoparanóide, dá origem a um senso de fragmentação, de despe-
daçamento [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE]. Embora seja
uma experiência normal quando se está sob stress ou exaustão, ela é extre­
mamente grave e central aos problemas do esquizofrênico [ver 8. SITUA­
ÇÕES INICIAIS DE ANSIEDADE].

Ver ANIQUILAMENTO; CISÃO.

T7 , 1 A Biografia. A filha mais moça de Freud nasceu


Jl 1 V- U i l f z í I T X l o Lem 1892, em Viena, e permaneceu-lhe como com­
panheira até o falecimento dele, acompanhando-o a Londres em 1938, on­
de continou morando na casa da família após a morte de Freud até ela pró­
pria falecer em 1982. Foi não apenas a filha de Freud, mas efetuou contri­
buições importantes, suas próprias, à psicanálise, e portou a bandeira da
lealdade ortodoxa à posição teórica de Freud (Solnit, 1983; Yorke, 1983),

CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS, Anna Freud ingressou na arena em 1926,


como protagonista da forma de análise de crianças de que Hug-Hellmuth
fora a pioneira, em oposição a Melanie Klein. Embora sua oposição mais
tarde se modificasse (Anna Freud, 1946; Geleerd, 1963), a escola dela de
análise de crianças em Londres continuou a ser inteiramente separada
após ela lá haver chegado em 1938 [ver ANÁLISE DE CRIANÇAS; DEBA­
TES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS].
Uma década após o início dessa disputa, em 1936, ela publicou seu li­
vro mais famoso, O ego e os m ecanismos de defesa, e ele, juntamente com
os trabalhos de Hartmann em Viena e nos Estados Unidos (Hartmann,
1939, 1964) criaram toda uma linha de desenvolvimento da psicanálise sur­
gida do estudo específico do ego e das relações deste com as outras instân­
cias psíquicas. A psicologia do ego permaneceu sendo a escola dominan­
te de psicanálise nos Estados Unidos [ver PSICOLOGIA DO EGO].

Freud, Anna (1936), The Ego and the mechanism s o f defence, Hogarth.
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As descrições de Bion foram influenciadas por


-alfa seu interesse na matemática e ele teve a intenção
R.D.Hinshelwood / 347
de derivar teoremas gerais semelhantes dentro da psicanálise- Em um sal­
to teórico curioso, obscuro e intensamente estimulante, ele (1962a, 1962b)
gerou o termo neutro "função-alfa" como um tipo de notação algébrica
psicanalítica que deveria ser definida pelos resultados práticos, mas que
era, inicialmente, despida de significado:
Pareceu conveniente supor uma função-alfa para converter os dados sen-
sórios em elementos-alfa e, dessa maneira, prover a psique com o mate­
rial para os pensamentos oníricos e, daí, a capacidade de despertar ou
ir dormir, de ser consciente ou inconsciente. (Bion, 1962a, p. 115)
O conceito proveio de investigações feitas por Bion a respeito do proble­
ma que tem o esquizofrênico para aplicar significado às suas experiências.
Quando ísaacs chamou a fantasia inconsciente de "representante mental
da pulsão", ela transmitiu com isso um processo de conversão de algum
tipo através do descontínuo corpo/mente. Bion deu ao processo de conver­
são o nome de "função-alfa" e começou a preencher-lhe os detalhes clíni­
cos, ou seja, quando ela funciona de modo apropriado e quando não o
faz (ver BION]. A expressão "função-alfa" representa o processo desconhe­
cido que se acha envolvido em tomar dados sensórios brutos e deles gerar
conteúdos mentais que possuem significado e podem ser utilizados para
pensar. Estes produtos resultantes da função-alfa são os elem entos-alfa (ou
partículas-alfa).
Quando a função-alfa não funciona, os dados sensórios permanecem
sendo elem entos-beta não assimilados, que são desenvolvidos por expulsão
de um tipo violento (identificação projetiva) [ver ELEMENTOS-BETA].
Como elementos da função-alfa, Bion postulou (í) uma "preconcepção"
preexistente, uma espécie de antevisão, possivelmente até inerente, que,
diz ele, tem de encontrar (ii) uma "realização", alguma ocorrência na reali­
dade concreta que se ajusta, tal qual mão em luva, com a preconcepção;
esta união de uma dentro da outra cria (iii) uma "concepção", que é men­
talmente utilizável para pensamento ulterior [ver ELO DE LIGAÇÃO], Es­
te paradigma da união de dois elementos para criar um terceiro é o bloco
de construir básico da mente, dos pensamentos, das teorias [ver CON­
TER], Integrante deste processo é um outro processo emocional em que
as cisões se juntam em um todo, processo que Bion cripticamente denomi­
na de "Ep-D" e se acha relacionado à teoria kleiniana da posição depressi­
va [ver Ep-D]. A acumulação dos elementos-aífa (pensamentos) cria um
aparelho para pensar (conceitos, estruturas teóricas, etc.), antes que, co­
mo acontece em outras teorias do pensamento, o aparelho para pensar
crie os pensamentos. O fracasso da função-alfa [ver ELEMENTOS-BETA]
dá origem à acumulação de elementos-beta e à criação de um aparelho pa­
ra livrar a mente de conteúdos indesejados.

Ver CONTER; PENSAR; RÊVERÍE.

348 / Dicionário âo Pensamento Kíeiniano


Bion, Wilfred {1962a), "A teory of thinking", em W. R. Bion (1967), Second thoughts, Heine-
mann, p. 110-9; publicado anteriormente {1962) em Int. /. Psycho-AnaL, 43:306-10.
-------- . (1962b), Leam ing from experience, Heinemann.
-------- . (1970), Attention and interpretation, Tavistock,

G rade Ver BION.


4- ° /-3 X ^ A. gratidão é um sentimento específico sentido por um
V j l Cl tlv JlciO objeto e precisa ser distinguido da gratificação, que é
a satisfação de uma necessidade corporal. A gratidão para com um obje­
to aflora e é realçada pela gratificação que esse objeto proporciona, sen­
do assim apresentada ao amor objetai, tal como descrito por Abraham
( 1924 ). Klein, entretanto, considerava esta capacidade de sentimento pelo
objeto como a originar-se no nascimento. Em sua opinião (Klein, 1957),
ela contrabalançava a inveja, que é uma reação que diminui ou mata a
gratidão para com o objeto.

Ver AMOR; 12. INVEJA.

Abraham, Karl (1924), “A short study of the development of the Hbido", em Karí Abraham
(1927), Selected papers on psycho-analysis, Hogarh, p. 418-501.
Klein, Melanie (1957), "Envy and gratitude", WMK 3, p. 176-235.

Os colegas de Klein incerem-se em


G rupo K leiniano grupos diferentes, de acordo com as
fases da carreira dela (Grosskurth, 1986). Não existiu grupo kleiniano cla-
ramente delimitado até meados da década de 40.
(i) Seus primeiros partidários foram membros eminentes da Sociedade Psi-
canalítica Britânica, tais como Ernest Jones e Edward Glover, que decidi­
ram adotar Klein, apesar da reputação má que ela havia granjeado no con­
tinente europeu. Um certo número de pessoas apoiou as opiniões dela e,
destacados dentre eles, foram Edward Glover, Marjorie Brierley e Alix e
James Strachey (Strachey e Strachey, 1986), bem como a própria filha de
Klein, Melitta Schmideberg.
(ii) De início, em Londres, Klein atraiu um certo número de simpatizantes
que lhe eram particularmente leais e a apoiaram através do momento da
independência, em 1932, quando outros, principalmente Glover e a pró­
pria filha dela, se afastaram. Os simpatizantes incluíram Joan Rivíere, Su-
san ísaacs, Mina Searl e, algum tempo depois, Paula Heimann.
Estes grupos iniciais a apoiaram até os anos de guerra e algum tempo
mais, sendo responsáveis por todo o trabalho efetuado a respeito da natu­

R.D.Hinshelwood / 349
reza da fantasia, dos misteriosos objetos internos e do arcabouço teórico
da posição depressiva. Entretanto, esses seguidores foram se afastando pou­
co tempo após isso. Susân Isaacs faleceu em 1948; o interesse de Joan Ri-
viere pelo trabalho minguou à medida que envelhecia e ficava particular­
mente desconcertada com a virulência da rivalidade com os analistas clás­
sicos de Viena; Paula Heimann acabou por buscar um grau maior de inde­
pendência profissional em 1956 [ver HEIMANN].

(iii) Quando o trabalho de Klein sobre a psicose surgiu no início da déca­


da de 30, desenvolveu-se um interesse dentro da psiquiatria infantil e de
adultos {previamente, a maior parte do interesse, nas décadas de 20 e 30,
se dera entre educadores e a intelligentsia literária). Nos anos que antecede­
ram 1940, portanto, diversos médicos buscaram formação com Klein: W.
Clifford M. Scott, John Bowlby, Donald Winnicott. Eram todos pessoas
importantes para a causa dela, por terem formação médica e, portanto,
serem mais influentes dentro das instituições que tinham importância; to­
dos, porém, tinham reputações estabelecidas, suas próprias e não eram
prometedores como novos acólitos para a posição assediada do grupo na
década de 1940. Apesar disso, parece certo que foram pessoas de quem
Klein coletou algo da importante experiência, necessária para entender os
mecanismos esquizóides e o mecanismo da identificação projetiva. A maio­
ria deles rompeu com o Grupo Kleiniano — ou qunca se consideraram
membros integrantes dele — tal como se estava formando sob as pressões
das disputas na década de 40, após a chegada de Anna Freud a Londres.

(iv) Pouco após a guerra, um certo número de médicos jovens, alguns emi­
grantes que não eram anteriormente analistas, chegou para fazer formação
com Klein. Eles foram talvez a verdadeira segunda geração e permanece­
ram com o grupo; notáveis entre eles foram Hanna Segai, Herbert Rosen-
feld e Wilfred Bion. Foram estas pessoas, juntamente com o sólido apoio
do mais afastado Roger Money-Kyrle e, posteriormente, com o acréscimo
de Donald Meltzer, que levaram à frente o pensamento kleiniano, quase
inteiramente na base da ampliação do conceito da identificação projetiva.

(v) Fínalmente, da década de 50 em diante, houve um considerável interes­


se em "uma formação kleiniana" e muitas pessoas chegaram de outros pa­
íses para fazer formação psicanalítica, especialmente da América do Sul e,
mais recentemente, da Itália. Desde o breve período passado por Bion nos
Estados Unidos, um pequeno grupo de analistas de orientação kleiniana
desenvolveu-se na América do Norte.

Grosskurth, Phyilis (1986), M elanie Klein: her w orld and her w ork, Hodder & Stoughton.
Strachey, James e Strachey, Alix {198ó), Bloom sbury Freud: the letters o f Jam es and AUx Stra'~
chey, Chatto & Wmdus,

350 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


T T * 0 1 Biografia. Pauia Heimann nasceu em
O c l i n d r l l l f i u l l i ã Dantzig em 1899, filha de pais russos.
Fez tormação médica e, depois, psicanálise em Berlim. Após o incêndio
do Reichstag, quando foi temporariamente presa, abandonou a cidade e
veio para Londres; seu marido mudara-se anteriormente para a Suíça.
Em Londres, Heimann fez nova formação psicanalítica com Melanie Klein
e tornou-se sua mais firme defensora (juntamente com Susan Isaacs) duran­
te toda a difícil época da década de 40 em que o Grupo Kleiniano foi al­
vo do ataque dos analistas emigrados de Viena. Misteriosamente, ela e
Klein começaram a discordar, embora isto nunca se tenha tornado públi­
co, e, finalmente, em 1956, Heimann abandonou o Grupo Kleiniano, sob
o chocado espanto do restante da Sociedade Psicanalítica Britânica. Ela
se tornou subseqüentemente um importante membro do Grupo Indepen­
dente de Analistas da Sociedade até o seu falecimento em 1982.

CONTRIBUIÇÕES CIENTIFICAS. Heimann foi uma protagonista decisiva


no Debate sobre as Controvérsias de 1943-44, durante o qual leu um arti­
go que definia a visão kleiniana dos objetos internos e, também, um outro
trabalho conjunto com Susan Isaacs, sobre a regressão (ambos foram pu­
blicados em 1952). O trabalho dela, neste estágio, tinha sido esclarecer,
tanto clínica quanto teoricamente, os conceitos que Klein havia lançado,
especialmente após a introdução do conceito da posição depressiva e a
idéia de objetos internos concretos. Este havia sido o tema de seu artigo
como estudante (Heimann, 1942).
Assim ilação: Mais tarde, Heimann deu desenvolvimento a um dos aspec­
tos importantes do artigo, que se referia ao destino do objeto interno, e
tinha a ver com a confusão sobre se o objeto era introjetado no ego ou
no superego. Heimann descreveu um processo de assimilarão do objeto
quando ele se torna parte do ego ou está potencialmente disponível para
identificação introjetiva, em contraste com o processo pelo qual os objetos
permanecem inassimiláveis e se tornam perseguidores internos hostis (Hei­
mann, 1942) [ver ASSIMILAÇÃO]. O trabalho dela gerou a visão do mun­
do interno com uma arena de relacionamentos objetais internos de varia­
dos tipos e constituía, em embrião, os prímórdios de uma visão kleiniana
sistemática da estrutura da personalidade. Klein utilizou a idéia da assimi­
lação em seu artigo posterior sobre os mecanismos esquizóides (Klein, 1946).
Contratransferência: O trabalho mais bem conhecido e desenvolvido de
Heimann é sobre o uso da .contratransferência como importante ajuda ao
analista, assim como campo minado de riscos. Seu artigo de 1950 é a pri­
meira visão publicada e pormenorizada do uso da contratransferência e
discorda da idéia do analista como uma tela branca. O artigo anterior de
Racker (1948), com opiniões semelhantes, só foi publicado em 1953 e, pro­
vavelmente, não era conhecido por Heimann quando escreveu o dela. Nes­

R.D,Hinshehvood / 351
sa época, havia considerável interesse em examinar a natureza e o possí­
vel uso da contratransferéncia [ver CONTRATRANSFERÊNCIA].
Heimann mostrou-se muito crítica das tentativas feitas por analistas de
manterem uma fria falta de reação, à maneira de um cirurgião que faz
uma operação (ver Freud, 1912). Ao invés, argumentou ela que os senti­
mentos do analista bem podem ter alguma correspondência com os senti­
mentos transferenciais do paciente e são, portanto, uma pista quanto à
transferência, ou aspectos ocultos desta [ver 1. TÉCNICA; CONTRA­
TRANSFERÊNCIA].
Isto apresenta também perigos potenciais, de vez que poderia permitir
aos analistas rédea livre para "acusar" o paciente por todos os estados
mentais do analista. O problema de distinguir entre os sentimentos do ana­
lista que derivam de uma posição que lhe é atribuída pela transferência
do paciente e aquele que são defensivos contra o paciente e a transferência
deste tem sido fonte de considerável debate desde então (Money-Kyrle,
1956; Brenman Pick, 1985; Rosenfeld, 1987) e repete, de certo modo, a
controvérsia a respeito da técnica ativa de Ferenczi (Balint, 1968). Em rea­
lidade, alguns analistas assumiram um interesse pela contratransferéncia
como método de justificar o engajamento ativo com o paciente deles: con­
tato físico, tomar chá com eles, etc. (Little, 1951; Gitelson, 1952; Winni-
cott, 1971). Heimann, subseqüentemente, criticou esses passos menos orto­
doxos (Heimann, 1960).
A divergência com Klein: Aparentemente (King, 1983), Klein pediu a Hei­
mann para retirar o seu artigo (sobre a contratransferéncia) em 1950, tal­
vez, semelhantemente a Freud, desconfiada do potencial mau emprego da
contratransferéncia; existem histórias apócritas das supervisões de Klein,
nas quais ela criticava com grande humor os estudantes por seu uso da
contratransferéncia. Heimann, contudo, recusou-se a retirar o artigo e assu­
miu o crédito por uma importante inovação que outros se achavam por
essa época considerando (ver Little e Langs, 1981; Racker, 1948). A rejei­
ção por Klein pode ter sido um golpe severo para Heimann e tenha condu­
zido ao seu rompimento. Apesar disso, é possível que ela tenha provoca­
do um pouco Klein. Pode-se notar que, embora Heiman tenha sido a gran­
de exposítora da teoria kleiniana da posição depressiva na década de 1940,
ela nunca mencionou a posição esquizoparanóide ou a identificação proje­
tiva, que^ foram os desenvolvimentos teóricos subseqüentes de Klein nessa
década. É possível que os últimos desenvolvimentos tenham sido colabora­
ções com outras pessoas — a geração mais nova de Herbert Rosenfeld,
Hanna Segai, Wilfred Bion — e não com Heimann,
O artigo de 1950 de Heimann pode ter deixado Klein zangada, pois fo­
ra escrito sem referência a ela — uma daquelas situações retaliatórias ti­
po bola de neve a respeito das quais Klein tanto havia escrito. O proble­
ma final, para Heimann, foi a teoria kleiniana da inveja (Klein, 1957 —
apresentada como artigo em 1955), que Heimann não pôde aceitar, embo-

352 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


ra houvesse aceito a pulsão de morte (King, 1983); mais tarde, Heimann
acabou por retratar-se de suas opiniões kleinianas sobre a pulsão de mor­
te (Heimann e Valenstein, 1972).

Baímt, Michael (1968), The basic fault, Tavistock.


Brenman Pick, írma (1985), "Workíng through in the counter-transference", Int. J. Psycho-
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Rosenfeld, Herbert (1987), Im passe and interpretation, Tavistock.
Winnicott, D. W, (1971), Playing and reality, Tavistock,

Freud (1923) descreveu o "id" como uma instância da mente. Juntamen­


d te com o ego e o superego, ele constitui o m odelo estrutural da mente,
O "id" abrange todos dotes primitivos pulsionais e dele se desenvolvem o
ego e o superego. Visões divergentes das de Freud desenvolveram-se parti­
cularmente na Sociedade Psicanalítica Britânica, em resultado da ênfase
maior dada às relações objetais; delas, destacam-se:
(i) Fairbairn (1952) dispensou o conceito de pulsões e substituiu-o pela
idéia de qüe os impulsos são "estratégias" de relacionar-se com os objetos,
de vez que o ser humano busca mais os objetos que o prazer. Isto, pensou
ele, tirava a psicanálise da dificuldade que conduzira Freud a postular a
pulsão de morte como situado mais além do prazer [ver FAIRBAIRN].

R.D.Hinshelwood / 353
Ui) Klein adotou uma abordagem clínica ao id que não apenas incluía a
pulsão de morte [ver PULSÃO DE MORTE], mas concebia as pulsões sob
a forma de sua representação mental, antes que de suas origens fisiológi­
cas. Isto dirigiu a atenção dela para a fantasia e para a fantasia inconscien­
te como representação das pulsões [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE].
Por temperamento, Klein foi leal ao "modelo estrutural" de Freud, mas,
na realidade, o "id" mudou de significado em suas mãos, à medida que
desenvolvia suas próprias teorias, Ela abraçou a teoria freudiana da pulsão
de morte, fornecendo-lhe pontos clínicos de referência, e seu modelo de
conflito psíquico concernia ao embate não entre a pulsão de vida e a pul­
são de morte per se, mas ao que se dava entre os seus representantes na
fantasia inconsciente. Devido ao fato de o conflito psíquico resultar, na
opinião dela, do impacto da pulsão de morte sobre as relações objetais, o
"id" tendeu a tornar-se um representante dessa pulsão em seus textos. O
conflito freudiano entre o ego e o id (estimulado pelas exigências feitas pe­
lo superego ao ego) foi substituído, com efeito, pela idéia kleiniana do con­
flito entre a pulsão de vida e a pulsão de morte [ver ANSIEDADE],

Ver PULSÕES; PULSÃO DE MORTE.

Fairbairn, Ronald {1952), Psycho-analytic studies o f the personality, Routledge & Kegan PauL
Freud, Sigmund (1932), "The Ego and the Id", S.E. 19, p. 3-66.

T I g « jf* — A identificação refere-se ao relacionamen-


l a e n i m c a ç a o t o com um objeto com base em semelhan­
ça percebida com o ego. Contudo, trata-se de um fenômeno complexo que
possui diversas formas. O simples reconhecimento de uma semelhança com
algum outro objeto externo que é reconhecido como possuindo sua pró­
pria existência separada constitui uma realização sofisticada. No nível pri­
mitivo da fantasia, objetos que são semelhantes são encarados como sen­
do o mesmo, e esta forma onipotente de fantasia dá origem a uma confu­
são entre self e objeto.
Os objetos internos são fantasias, mas, de início, as fantasias são onipo­
tentes, de maneira que, através dessas fantasias primitivas envolvidas na
identificação, o objeto é o self[ver ONIPOTÊNCIA]. Mudanças reais na
personalidade surgem como base nisso e podem ser objetivamente observa­
das. Há processos primitivos que ocorrem muito cedo no desenvolvimen­
to [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE], quando existe pouca dis­
tinção entre a atividade de fantasia e a realidade. A fantasia "é" a realida­
de, e a fantasia constrói a realidade do mundo interno com base nessas
formas primitivas de identificação introjetiva e identificação projetiva.
Identificação introjetiva: O ego contém toda uma sociedade de objetos in­
ternos [ver 5. OBJETOS INTERNOS] com quem a identificação é possível,

354 / Dicionário âo Pensamento Kleiniano


pois disso são potencialmente capazes [ver ASSIMILAÇÃO], com o resul­
tado de "uma alteração do ego" no sentido de tornar-se semelhante ao ob­
jeto. Este é um processo de identificação introjetiva.
Identificação projetiva: A identificação projetiva é a fantasia de que algu­
ma parte do ego foi separada [ver CISÃO] e relocalizada em um objeto
externo [ver MUNDO EXTERNO]. Neste caso, a alteração do ego é um
esvaziamento tanto da energia (senso de vida) quanto das capacidades re­
ais (Klein, 1955): exemplificando, o sentimento, na presença de um profes­
sor douto a respeito de que as próprias contribuições de alguém são imbe-
cilmente ridículas [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].
Nos últimos anos, analistas kleinianos (Bick, Meltzer) descreveram um
fenômeno que chamam de "identificação adesiva" (ou, simplesmente, ade­
são) [ver IDENTIFICAÇÃO ADESIVA]. Neste estado, que pode ser me­
lhor percebido nos processos de identificação da criança ou paciente autis­
ta, há uma identificação imitatíva em que o ego não tem capacidade de in-
trojetar coisa alguma, nem tampouco de projetar partes de si em um obje­
to [ver PELE]. Esta falha parece residir no desenvolvimento de um senso
de espaço [ver REALIDADE INTERNA], de maneira que nunca pode ha­
ver fantasias de projetar em algo ou de introjetar, de vez que não há pos­
sibilidade de fantasiar a respeito de espaços internos. Isto proporciona
um mundo a que falta uma terceira dimensão e a única possibilidade é
uma forma de apego imitativo ao exterior de um objeto sem interior.
Identidade: Desde o início, o ego experiencia relações com objetos [ver
OBJETOS], Entretanto, os constituintes que formam o objeto e o ego va­
riam de modo considerável, de acordo com as fantasias de introjeção e
projeção. Estes mecanismos são utilizados para ajustar o senso do que o
ego contém e do que é (Freud, 1925), sendo eficazes quando primitivamen­
te se acredita que sejam onipotentes. Tais fantasias surgem particularmen­
te da necessidade de defender-se contra os temores de que o ego seja ataca­
do ou de ataques ao objeto bom, que proporciona segurança, e da perda deste.
Equação sim bólica: Os símbolos são identificados com os objetos não com
base na semelhança, mas com base em um acordo coletivo dentro de um
grupo social. Contudo, existe também uma distinção entre onipotência e
fantasia, quando o símbolo é o objeto [ver EQUAÇÃO SIMBÓLICA], e
os símbolos propriamente ditos, quando o símbolo é reconhecido como
separado e possui uma identidade por seu próprio direito, assim como fun­
ciona como símbolo para algum outro objeto.

Freud, Sigmund (1925), "Negation" S,E. 19, p. 235-9.


Klein, Melanie (1955), "On Identification", WMK 3, p. 141-75.

T J __ _ I " D ___J * O conceito de "identificação


luentlllCâÇaO adesiva adesiva" foi descrito por

R.D.Hinshelwood / 355
Bick no início da década de 70 (Bick, 1986) e por Meltzer (1975). O traba­
lho de Bick no desenvolvimento de um método rigoroso de observação
de bebês (Bick, 1964, 1968) produziu novas idéias a respeito dos momen­
tos muito iniciais da vida, do primeiro objeto e da primeira introjeção
(ver OBSERVAÇÕES DE BEBÊS; PELE]. Nos casos em que a identificação
falha, os estágios mais iniciais do desenvolvimento saem mal, de vez que
a identificação projetiva não pode ser corretamente empregada por causa
da ausência de um senso de espaço interno [ver REALIDADE INTERNA].
Meltzer (Meltzer et ah, 1975) retomou estas idéias e descobriu que eram
importantes na pesquisa de uma técnica de análise infantil com crianças
autistas. Ele descreveu uma criança que
(...) tendia a desenhar retratos de casas, nos quais havia uma casa des­
te lado do papel e outra no outro lado do papel; quando se o segura­
va contra a luz, via-se que as portas eram superpostas, ou seja, um ti­
po de casa em que se abre a porta da frente e sai-se pela de trás ao mes­
mo tempo. (Meltzer, 1975, p. 300)
No decorrer desta elaboração, Bick e Meltzer começaram a identificar um
padrão nessas formações de "segunda pele" [ver PELE]. Bick, tipicamente,
chamou-o de ato de mímica. Contudo, o que começaram a perceber foi
que a imitação representava a experiência, e a fantasia, de apegar-se a
um objeto, em oposição a projetar-se para dentro dele [ver 13. IDENTIFI­
CAÇÃO PROJETIVA]. Um lapso no desenvolvimento de um senso de es­
paços internos conduz a uma tendência a relacionar-se a objetos por ma­
neiras bidimensional, sem profundidade [ver AUTISMO]:
Este bebê tinha de aproveitar o máximo do ato de sua mãe que apenas
tocava nele, de maneira a que pudesse adormecer novamente. Durante
o banho, quando a mãe lhe tirava as roupas, ele começava a tremer e
tiritar (...) talvez estivesse com frio porque as roupas lhe haviam sido
tiradas, mas isso era tornado improvável pelo fato de que quando a
mãe o tocava com um pedaço de algodão molhado ele também parava
de tremer. Sugeriria eu que esse toque deriva seu poder de sua impor­
tância como adesão, como restabelecimento do sentimento de sentir-se
preso à mãe. (Bick, 1986, p. 297)

Ver PELE.

Bick, Esther (1964), "Notes on infant observa ti on jn psycho-analytic training”, Int. /, Psycho-
Artal,, 45:558-66; republicado (1987) em Martha Harris e Esther Bick, The collected pa~
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— — . (1968), "The experience of skin in early object relations" Int. /. P sycho-A nai, 49:484-6;
republicado {1987} em The collected papers o f M artha Harris and Esther Bick, p. 114-8.
-------- . (1986), "Further considerations of the function of the skin in early object relations",
Br, }. Psychother., 2:292-9.
Meltzer, Donald (2975), "Adhesive identification", Contem porary psychoanah/sis, 11:289-310.

356 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Meltzer, Donald; Bremner, John; Hoxter, Shirley; Wedell, Doreen e Wittemberg, Isca (1975),
Explorations in autism, Perth, Clunie.

T • t / \ A idéia do inconsciente é um dos pou-


m c o n s c ie n ie \v/ /
COS conceitos que permaneceram relati­
vamente imutados no decurso da evolução de todas as escolas de psicaná­
lise. Concebe-se o sistema como primitivamente ativo desde o começo, co­
mo uma influência desconhecida, mas, apesar disso, dominadora sobre a
vida da pessoa. Constitui um fato na psicanálise que a maior parte da vi­
da mental não é acessível à mente conscicente {Freud, 1915).
Freud explorou os aspectos simbólicos do inconsciente e apresentou cer­
tas regras da atividade mental inconsciente: o deslocamento e a condensa­
ção. Estes termos descrevem a maneira pela qual os símbolos são maneja­
dos no inconsciente. Klein e seus seguidores respeitaram estes conceitos
pelo acréscimo a eles e sua elaboração. Em particular, os kleinianos desen­
volveram a idéia da fantasia inconsciente [ver 2. FANTASIA INCONSCIEN­
TE].
O inconsciente é estruturado de modo semelhante a uma pequena socie­
dade. Isto equivale a dizer que se trata de uma malha de relacionamentos
entre objetos. Uma fantasia inconsciente é um estado de atividade de uma
ou mais dessas relações objetais "internas". Diz Isaacs que as pulsões, quan­
do fisiologícamente ativa, são representadas mentalmente como relaciona­
mentos com objetos. Dessa maneira, uma sensação somática arrasta consi­
go uma experiência mental de um relacionamento com um objeto que cau­
sa a sensação, do qual se acredita estar motivado para causar essa sensa­
ção e que é amado ou odiado pelo ego de acordo com o tipo da sensação,
agradável ou desagradável. Dessa maneira, uma sensação que fere ou ma­
chuca torna-se uma representação mental de um relacionamento com um
objeto "mau", que está pretendendo ferir e danificar o ego.
O inconsciente — e, em verdade, a mente — é construído por sensa­
ções interpretadas como relacionamentos com objetos, Este conceito aca­
bou por separar-se da teoria psicanaíítica clássica da energia mental [ver
MODELO ECONÔMICO],

Freud, Sigmund (1915), 'The unconscious", S.E. 14, p. 159-215.


O termo "incorporação" refere-se à fantasia
in c o rp o ra ç ã o
T
da absorção corporal de um objeto que é sub-
seqüentemente sentido como fisicamente presente dentro do corpo, ocupan­
do espaço e sendo ativo lá. É a experiência que o sujeito tem de um meca­
nismo de defesa que é objetivamente descrito como "introjeção".

Ver INTROJEÇÃO.

R.D.Hinshelwood / 357
T *1"** * A inibição é um aspecto importante da teoria psicanaíítica
i n i D l Ç . d . 0 e descreve o bloqueio a uma saída natural da atividade men­
tal. Freud (1900) desenvolveu a teoria mecânica de um bloqueio a uma sa­
ída natural da atividade mental. Freud (1900) desenvolveu a teoria mecâni­
ca de um bloqueio da energia mental, mas Klein acentuou, ao invés, a ini­
bição da atividade simbólica e, particularmente em seu trabalho inicial,
do brincar infantil. Ela constituía um dos sintomas mais prevalecentes em
crianças perturbadas e Klein atribuiu-o aos efeitos do sadismo [ver SADIS­
MO] (ou da retaliação que o sadismo das crianças pode provocar), o qual
assustava tanto essas crianças que elas inibiam alguma atividade mental.
As vezes, em crianças psicóticas, toda a atividade mental fica inibida
(Klein, 1930; Rodrigué, 1955).
Klein ampliou esta idéia para demonstrar que o sadismo tinha o efeito
de inibir o desenvolvimento em geral e perturbava o desdobramento natu­
ral (epigênese) das fases libidinais [ver LIBIDO; DESENVOLVIMENTO].

Freud, Sigmund (1900), ''The interpretation of dreams", S.E, 4 e 5.


Klein, Melanie (1930), "The importance of symbol-formation in the development of the ego”,
WMK 1, p.219-32.
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Rodrigué, Emiiio (1955), "The analysis of a fchree-year-oíd mute schizophrenic", em Melanie
Klein, Paula Heimann e Roger Money-Kyrle, (orgs.), (1955), New áirections in psycho-a­
nalysis, Tavistock, p.140-79.

In stin to de m o rte Ver Pulsão de Morte.

In stin tos Ver PulsÕes

Klein, desde muito cedo, encarou a mente como fun­


cionando por maneiras cindidas e não integradas,
e, mais do que qualquer outro analista, abandonou a integridade da men­
te. Ao invés da estrutura inter-reíacionada de id, ego e superego, ela viu
a integração como sendo a tarefa do desenvolvim ento, tarefa concebida
de modo diferente em variados estágios de seu trabalho:
(i) (até por volta de 1932) ela esteve preocupada com a luta para integrar
as imagos internas dos pais em um superego amadurecido;
(ii) depois (1935-46) veio a posição depressiva: com a integração dos obje­
tos bons e maus durante o desenvolvimento, a cisão torna-se progressiva­
mente mais realística [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]; e
(iii) finalmente (de 1946 em diante) interessou-se pela integração do pró­
prio ego [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓÍDE].

358 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


A integração é promovida pelo empuxo da ansiedade a deslocar-se para
um nível novo de maturidade, combinado com a tração do desenvolvimen­
to biológico. Na prática clínica, a técnica kleiniana deu cada vez mais ênfa­
se à ultima destas formas de integração: a integração das cisões dentro
do ego. O relacionamento transferenciai é visto como cindido em variados
aspectos, muitos dos quais são projetados fora do consultório analítico e
experienciados em relação com objetos aparentemente extra-analíticos. Es­
ta dispersão dos relacionamentos e da experiência resulta dos processos
de cisão, junto com a identificação projetiva [ver 2. TÉCNICA],

Ver DESENVOLVIMENTO

Interesse Ver PREOCUPAÇÃO.

T t * —■ Surpreendentemente, para um termo que se acha liga-


in tro je çã o do à "projeção" — e dela é uma imagem no espelho —,
a hitória e o significado de "introjeção" são muito diferentes e muito me­
nos problemáticos.
Ferenczi: O termo foi cunhado por Ferenczi em 1909, quando os psicanalis­
tas (Freud, Abraham) estavam sendo induzidos, pela associação com Jung,
a examinar paciente psicóticos. Ferenczi efetuou uma distinção entre neuro­
se e psicose com base em que os problemas neuróticos baseavam-se na in­
trojeção excessiva, como espelho do problema dos psicóticos, cujos proble­
mas enfocavam sua projeção demasiada. Ele foi um dos primeiros a apon­
tar a correlação existente entre impulsos orais e introjeção e entre os anais
e a projeção, correlação que Abraham mais tarde viría a retomar extensa­
mente em seu trabalho com maníaco-depressivos.
Freud: Quando Freud pela primeira vez se defrontou com a importância
das vicissitudes do objeto em 1917 e, mais tarde, em 1921, utilizou o ter­
mo "identificação" [ver IDENTIFICAÇÃO], Por esta expressão, contudo,
ele muito claramente queria dizer um processo pelo qual um objeto era re~
localizado das fronteiras do ego, objeto que fora um dia experienciado co­
mo externo. Para ele, isso constituía um processo misterioso e mistifican-
te: por um lado, é uma atividade de fantasia [ver 2. FANTASIA INCONS­
CIENTE], mas, contudo, verdadeiramente causa "uma alteração do ego"
na realidade objetiva. A personalidade, tal como percebida por outras pes­
soas, se modifica.
Abraham : Abraham, também impressionado por esta demonstração de
um mecanismo através do qual o ego se desenvolve, reivindicou a possibi­
lidade de mudanças físicas e descreveu como exemplo uma modificação fí­

R.D.Hinshelwood / 359
sica ocorrida em si próprio, quando seu pai morrera e os cabelos do psica­
nalista ficaram brancos de um dia para o outro! Havia claramente um pro­
cesso de identificação em processo, assim como introjeção. Em seu exem­
plo, os cabelos brancos eram uma identificação com os do pai e, dessa
maneira, a introjeção é de um objeto no ego, provocando a mudança neste.
Abraham demonstrou que o processo de introjeção de um objeto ama­
do é muito freqüente e, em verdade, um processo norm al nas relações hu­
manas. As pessoas carregam seres amados em seus corações e continuam
um diálogo interno com eles [ver 5. OBJETOS INTERNOS].
A introjeção e o superego: Em 1923, contudo, Freud modificou o concei­
to de introjeção, ao elaborar o desenvolvimento do superego. Com o aban­
dono dos objetos edipianos amados {mãe e pai), eles são introjetados pa­
ra formar o superego, que se torna um verdadeiro objeto interno. O sujei­
to não se identifica com ele e permanece sendo uma estrutura interna sepa­
rada. Parecem existir, então, duas possibilidades:
(i) a introjeção de um objeto outrora externo, com o qual a identificação
se dá (identificação introjetiva) [ver ASSIMILAÇÃO], e
(ii) a introjeção de um objeto com o qual a identificação não se dá, tal co­
mo o superego.

Objetos internos. Para Klein, os objetos introjetados com os quais a identifi­


cação não se dá tornam-se objetos internos, e ela concebeu um processo
variado e contínuo que povoa o mundo interno com muitíssimos objetos
internos. Esta sociedade interna se torna, por um lado, uma fonte de obje­
tos para identificação [ver REALIDADE INTERNA] e, por outro, um con­
junto de experiências a respeito do que consiste o ego e do que contém {coi­
sas boas e más).
A introjeção com o mecanismo de defesa: Embora "introjeção" seja usada
para descrever a representação mental de um impulso pulsival oral, ela é
também um mecanismo de defesa [ver PSICOSE], Isso significa, dentro
do arcabouço kleiniano, uma fantasia inconsciente engendrada para o fim
de defender-se contra certas experiências [ver 2. FANTASIA INCONSCIEN­
TE]. Para Freud, a introjeção é uma defesa contra a perda do objeto exter­
no, mas, para Klein, a experiência típica é uma ansiedade a respeito do
mundo que se acha dentro, que é sentido como aterrorizante. Se, na fanta­
sia, acredita-se que o mundo interno contenha objetos muito maus ou per-
secutórios, que parecem colocar em perigo o ego, então uma das fantasias
é internalizar o objeto externo bom. Exemplificando, a criança com fome
(que acredita existir um objeto mau roendo a sua barriguinha desde den­
tro) pode experienciar a internalização do leite materno como um objeto
bom a nela ingressar, substituindo o objeto mau e, em verdade, salvan-
do-a [ver ANSIEDADE]. Entretanto, o temor dos perseguidores internos

360 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


pode eventualmente fazer que pareça melhor não permitir que o objeto
bom entre, para que não seja danificado pelo que se encontra lá dentro
— o que é uma das causas da anorexia, por exemplo,
Introjeção e desenvolvim ento: A introjeção como fantasia é uma defesa
adotada para preservar o ego ou os objetos bons. A prazo mais longo,
constitui um dos mais importantes mecanismos empregados para construir
uma personalidade segura mediante a experiência de ter-se objetos bons in-
trojetados seguramente localizados dentro de si, com a experiência decor­
rente de um senso interno de bondade, ou autoconfiança e estabilidade
mental. Nas origens da posição depressiva, por volta dos quatro a seis
meses de idade, a introjeção vem para o primeiro plano com a construção
do mundo interno separado e distinto do mundo externo. Ela assume o lu­
gar da projeção, que era o processo mais dominante na posição esquizopa-
ranóide anterior {Klein, 1946) e, neste sentido, Klein se aproxima da hipó­
tese original de Ferenczi.
Por se tratar de descrições das próprias fantasias do sujeito, há uma
confusão entre os termos técnicos: "introjeção" {uma descrição objetiva
por parte do psicólogo observador) e expressões como "incorporação",
que denominam as fantasias do paciente, são difíceis de serem distinguidas.
Ainda que a solução tenha sido designar um termo para referir-se à fanta­
sia inconsciente do paciente e outro para a descrição (objetiva), pelo ana­
lista, do mesmo processo em seu paciente, ainda há uma forte tendência
a utilizar os termos intercambiavelmente na literatura kleiniana. Isto tem
a ver com o problema dos dois níveis, ou seja, uma ciência objetiva do
subjetivo [ver SUBJETIVIDADE],

Ferenczi, Sandor (1909), "Introjection and tramference", em First contributions to psycho-a-


nali/sis, Hogarth, p.30-79.
Freud, Sigmund (1917), "Mourning and melancholia", S.E. 14, p.237-60.
-------- . (1921), "Group psychology and the analysis of the Ego", S. E. 18, p,67-143.
-------- . (1923), "The Ego and the Id", S.E. 19, p.3-66.
Klein, Melanie (1946), "Notes on some schizoid mechanisms", WMK 3, p.1-24.

Biografia. Susan Isaacs nasceu (1835) e foi cria­


da no Lancashire, província da qual manteve o
sotaque durante toda a sua vida (Gardner, 1969). Sua carreira acadêmica
foi notável e continuou a ser uma educadora eminente durante toda a sua
carreira psicanalítica. Ensinou geração de professores no Instituto de Edu­
cação da Universidade de Londres e, por um breve período, dirigiu uma
escola experimental progressiva para crianças muito pequenas (Maíting
House School, em Cambridge). Ela representou uma contribuição enorme
para o Grupo Kleiniano em seus primeiros dias e, mais tarde, durante a
prova de fogo dos Debates sobre as Controvérsias, por trazer o rigor do

R.D.Hinshelwood / 361
debate acadêmico para as intuições clínicas dos analistas praticantes. Ela
faleceu na plenitude de sua carreira, em 1948.
CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS. Os trabalhos escritos de Isaacs acham-se
espalhados entre a psicanálise e a educação. Tal como acontecia com Klein,
ansiava por distinguir as duas. Seu trabalho psicanalítico é, em grande
parte, uma exposição rigorosa das idéias de Klein, com muitas ilumina­
ções clínicas. Ela e Heimann foram as principais protagonistas dos Deba­
tes sobre as Controvérsias (Isaacs, 1948; Isaacs e Heimann, 1952). O espí­
rito aguçado e o pensamento rápido de Isaacs concederam ao Grupo Klei-
niano vantagem nesses debates, ganhando pontos ainda que raramente con­
vencessem a oposição [ver DEBATES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS].
Sua última grande e duradoura contribuição foi sua exposição meticulo­
sa do conceito de fantasia inconsciente (Isaacs, 1948). É difícil dizer quan­
to do conceito, com toda sua profunda importância, tanto filosófica quan­
to psicanalítica, foi obra de Isaacs, mas parece provável que a idéia ini­
cial, provinda de Klein, a clínica, tenha sido assumida por Isaacs, a pensa-
dora acadêmica, em parceria [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE].

Gardner, D.E.M. (1969), Susan Isaacs, Methuen,


Isaacs, Susan (1948), "The nature and function of phantasy", Int. J.
Psycho-AnaL, 29:73-97; republicado (1952) em Melaníe Klein, Paula Heimann, Susan Isaacs
e Joan Ríviere, (orgs.), D evelopm ents in psycho-analysis, Hogarth, p.67-121.
Isaacs, Susam e Heimann, Paula (1952), "Regressíon", em Melanie Klein, Paula Heimann,
Susan Isaacs e Joan Riviere, (orgs.), (1952), D evelopments in psycho-analysis, H ogarth,
p .169-97.

Jo g o Ver BRINCAR.

TV ’1 • A yf 1 * Biografia. Melanie Klein nasceu em Viena em


l V I € l c i R l € l 8 8 2 , mas, aparentemente, jamais ou­
vira falar de Freud até por volta de 1914-15, quando, em Budapest, foi
aconselhada a consultar Ferenczi, que a tomou como paciente, na primei­
ra análise dela, Uwe Peters (1985) observou que, pouco antes da Primeira
Guerra Mundial, o marido de Melanie Klein, Arthur, trabalhara no mes­
mo escritório que o irmão de Ferenczi. É possível que este tenha sido o ca­
minho seguido por Melanie Klein para sua primeira análise. Parece que ela
se achava deprimida na ocasião, em conseqüência do falecimento da mãe
e durante o puerpério de seu terceiro filho (Grosskurth, 1986), Por causa
da agitação política da Europa, ela acabou por ir morar em Berlim (1920),
onde continuou a estudar psicanálise, e suas experiências iniciais de anali­
sar os próprios filhos ao longo das linhas da análise do Pequeno Hans
(Freud, 1909) vieram a desenvolver-se em sua rigorosa técnica do brincar.

362 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Foi nisso incentivada por Abraham, a quem acabou por persuadir a acei­
tá-la em análise, em 1924 (Segai, 1979). O analista, porém, faleceu dezoi­
to meses depois, trazendo a uma interrupção abrupta a segunda análise
de Klein. Abraham ficou interessado pelos esforços de Klein em corrobo­
rar os acontecimentos psicológicos da primeira infância a partir da análi­
se direta de crianças, porque ele estava descobrindo a importância do sa­
dismo inicial em seu trabalho com pacientes psicóticos. Não existe dúvi­
da de que Klein foi influenciada pelas opiniões dele, mas não é inconcebí­
vel que o próprio Abraham tenha sido também incentivado e influencia­
do pelos resultados clínicos dela. À parte a poderosa proteção de Abraham,
parece que o restante da Sociedade Psicanalítica de Berlim não gostava de­
la e rejeitava-a.
Em Berlim, Klein entrou em contato com alguns analistas ingleses que
haviam ido para lá a fim de fazer formação com Abraham. Eles incluíam
Edward Glover e Alix Strachey (esposa de James Strachey). Em resultado
disso, foi ela convidada a dar conferências na Inglaterra, onde suas opi­
niões foram repentinamente aplaudidas. Ficou tentada a permanecer em
Londres e aceitou prontamente o convite de Ernest Jones, que era o esta­
dista mais antigo da Sociedade Psicanalítica Britânica e foi o protetor de­
la na Grã-Bretanha. Parte deste acordo parece ter resultado do compromis­
so por ela tomado de analisar um dos filhos dele. A personalidade difícil
e inflexível de Klein, juntamente com suas capacidades clínicas sem parale­
lo, tornavam-na uma colega exigente e muitos dos que com ela associaram
afastaram-se mais tarde. Somente os mais talentosos e fortes com ela per­
maneceram, e Klein parece ter tido vários grupos diferentemente compos­
tos de defensores em ocasiões diferentes (ver GRUPO KLEINIANO]. Estes
grupos, portanto, eram sempre pequenos, mas seus padrões, coesão e ati­
vidade davam aos outros a impressão de que havia um grande e podero­
so grupo kleiniano. Klein faleceu em Londres, em 1960, e deixou como le­
gado uma rica tradição de idéias e práticas que, tal como o do próprio
Freud, desenvolveu-se constantemente desde então.

Freud, Sigmund (1909), "Anaiysis of a phobia in a five-year-old boy", S.E. 10, p,3-149.
Grosskurth, Phülis (198ó), Melanie Klein: her world and her work, Hodder & Stoughton.
Peters, Uwe (1985), Anna Freud: a life devoted to children, Weidenfeld & Nicolson.
Segai, Hanna (1979), Klein, Fontana.

T 'L 'J A intenção original de Freud foi desenvolver uma quase-físi-


J ü l O l C i O ca da mente. Os pormenores da teoria da libido que ele desen­
volveu e as continuadas modificações dela em seus textos e nos dos teóri­
cos psicanalíticos que surgiram após ele é uma das histórias mais comple­
xas da evolução da psicanálise (Laplanche e Pontalis, 1973).
Freud, com efeito, descreveu uma economia da libido, que estava sujei­
ta à conservação quantitativa. Conceptualizou ele uma energia mental exa­

R.D.Hinshekoood / 363
tamente análoga a uma energia física e considerou-a como gerada pelo es­
tímulo das zonas erógenas (boca, ânus, órgãos genitais). Esta teoria da li­
bido (Freud, 1905) considerava toda energia mental como derivada de fon­
tes sexuais, mesmo que no curso de seu fluxo através do aparelho mental
ela se tornasse "dessexualizada". Deu a essa energia o nome de Hbiâo.
Em resumo, a mente opera dirigindo a libido para algum objeto (que tam­
bém pode ser o próprio ego do sujeito); isto equivale a dizer que o objeto
é investido de atenção e interesse (catexia). Quando alguém se acha apaixo­
nado, por exemplo, seu ser amado (objeto) é investido de imensas quanti­
dades de interesse, absorvendo quantidades enormes de energia mental
(ver PULSÕES; MODELO ECONÔMICO].
As fases da libido: Em cada estágio do desenvolvimento do bebê, a libido
se organiza de modo bastante diferente. Existem três fases principais de
evolução da libido infantil: o estágio oral, em que a boca é o foco primá­
rio de interesse; o estágio anal, em que o treinamento de toalete e os subs­
titutos simbólicos constituem o interesse preocupante, e o estágio genital,
quando os órgãos genitais iniciam sua longa hegemonia como fontes de
ávido e compulsivo interesse pulsional Iver 3. AGRESSÃO].
Abraham, com extrema precisão, elaborou estas fases através da prepa­
ração de um esquema de subfases. Cada um dos estágios de Freud foi di­
vidido em dois, resultando num total de seis: (i) estágio oral inicial (su­
gar), pré-ambivalente; (ii) estágios oral posterior, sádico (canibalístico);
(iii) estágio anal-sádico inicial, retentivo (excesso de sadismo); (iv) estágio
anal-sádico posterior, expulsivo; (v) estágio genital inicial, fálico e sádico;
(vi) estágio genital posterior, pós-ambivalente, com amor objetai verdadei­
ro (objetos totais) (ver Abraham, 1924).
A visão da libido por Klein. As teorias kleinianas da libido incidem em duas
fases: antes e depois do período 1932-35, ponto em que ela adotou a teoria
freudiana da pulsão de morte como conceito clínico.
1920-32: Klein, trabalhando incentivada por Abraham, começou por veri­
ficar as descobertas dele com crianças. Descobriu que essas fases não eram,
de maneira alguma, tão assinaladas quanto Freud e Abraham descreviam.
Em verdade, demonstrou ela que, desde o início, havia principalmente
uma mistura de todas essas fases, ou seja, que haviam impulsos orais,
anais e genitais e impulsos sádicos a ocorrerem juntos. Isto não significa
que ele descartou inteiramente a seqüência; em verdade, ela (e, crescente­
mente, muitos outros analistas) começou a pensar em um primado de im­
pulsos sobre outros impulsos. Todos os tipos de impulsos existem na fase
oral, mas os orais são dominantes, e coisa semelhante ocorre com as ou­
tras fases [ver COMPLEXO DE ÉDIPO; 7. SUPEREGO].
Klein continuamente se impressionava com a força dos impulsos sádi­
cos e percebeu que parte importante da pressão a progredir através da se­
qüência de dominância era efeito do sadismo, do temor da retaliação e

364 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


do desejo angustiado de restaurar o dano [ver SADISMO], Dessa manei­
ra, achou ela que alguns impulsos seriam deliberada e inconscientemente
inibidos pela criança, com o possível retardamento da seqüência libidinal.
Imaginou também a fase genital como representando um surto de sentimen­
tos libidinais e que, portanto, podería haver um surto precoce no sentido
dessa fase como tranqüilização contra os impulsos sádicos das fases pré-
genitais. Dessa maneira, a libido teve um importante lugar durante esta
fase do trabalho kleiniano. O desenvolvimento das pulsões era o aspecto
importante do desenvolvimento infantil [ver DESENVOLVIMENTO], jun-
tamente com as maneiras pelas quais o desenvolvimento era afetado pela
manipulação dos diversos tipos de impulsos, a fim de garantir o mais bai­
xo nível de ansiedade.
A pós 1935: A ênfase de Klein modificou-se com a introdução da posição
depressiva, em 1935 [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA], Nesse ponto, Klein
passou a ver a história evolutiva do bebê em termos da qualidade das rela­
ções objetais. A partir de então, sua ênfase voltou-se para a acumulação
dos objetos internos: de que tipo, em que condição, e em que relação com
o self. Esta teoria dos objetos internos foi escorada ainda mais pela teoria
da fantasia inconsciente. Com a fantasia inconsciente, a teoria das pulsões
deslocou-se ainda mais para o segundo plano [ver 2. FANTASIA INCONS­
CIENTE], Essas fantasias, sendo a representação mental das pulsões, pode­
ríam então ser debatidas sem referência a estes últimos, de vez que existia
uma tradução delas, na base de uma para uma, das fases para a fantasia
inconsciente. Entretanto, porque as fantasias podem ser geradas, de manei­
ra defensiva, reparativa e criativa, o aspecto quantitativo das pulsões se
perdeu [ver MODELO ECONÔMICO], A elaboração da fantasia incons­
ciente implicava que derivados da pulsão podiam ser inventados pelo ego,
ao invés de meramente permitir-se que emergissem [ver FANTASIAS DE
MASTURBAÇÃO; DEFESA PSICOLÓGICA],

Ver PULSÕES.

Abraham, Karl (1924), "A short study of the development of the libido", em Karl Abraham
(1927), Selected papers on psycho-analysis, Hogarth, p. 408-501.
Freud, Sigmund (1905), "Three essays on sexuaiity",S.E 7, p. 125-245.
Laplanche, J. e Pontalis, J.-B. (1973), The language of psycho-analysis, Hogarth.

Ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA; PERDA.

yr —- A "mãe" é o primeiro objeto na vida do bebê, mas Klein interes-


1 VÃ C lC sou-se por compreender como ele se relaciona com ela desde os
primeiros momentos, e que tipo de distorções se dão na apreciação que o

R.D.Hinshelwood / 365
bebê faz dela. No primeiro estágio do desenvolvimento, o bebê não pos­
sui a percepção da distância e só conhece a mãe a partir de sensações que
surgem da pele para dentro. A experiência do bebê, quando aprecia a sua
própria sensação corporal, é a de que um objeto, sentido como tendo mo­
tivações para com ele, causou as sensações corporais da criança [ver 5.
OBJETOS INTERNOS]. Este objeto primário é às vezes chamado o "seio"
[ver SEIO], sendo apreciado de acordo com ele ser (a) bem ou mal inten-
sionado para com o bebê, e (b) ser experienciado como situado dentro ou
fora da criança.
Existem de fato, ao início, numerosas "mães", cada uma delas vincula­
da à gratificação que o bebê recebe ou que lhe falta, dando origem a res­
pectivamente uma mãe "boa" e uma mãe "má" para cada necessidade. Es­
tas "mães" correspondem a "bebês" separados, ou seja, estados separada­
mente experienciados pelo bebê cindem-se uns dos outros e são mantidos
separados para fins defensivos [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓI-
DE; CISÃO].

Ver PAI.

^ * Ver FIGURA COMBINADA DOS PAÍS


Mae-com-peniS4 c o m p l e x o d e é d ip o .

M asculinidade Ver FEMINILIDADE.


Meio ambiente Ver MUNDO EXTERNO.
A /Fol f ca 1 r\ ^ ° 8 ra^a - Meltzer formou-se
I V l t l l / i v l f L / O n a i Q e m medicina e psiquiatria infantil nos
Estados Unidos, mas veio para Londres em 1954 especificamente para fa­
zer formação psicanalítica com Melanie Klein, permanecendo em análise
com esta até o falecimento de Klein, em 1960. Suas brilhantes evocações
de material clínico tornaram-no um membro de proa do Grupo Kíeiniano,
ainda que o interesse dele pela análise de exames de crianças divergisse
do interesse contemporâneo do grupo na psicose e nos distúrbios fronteiri­
ços da personalidade. Ele teve influência no desenvolvimento da formação
em psicoterapia infantil que fora começada por Esther Bick na Clínica Ta-
vistock e lá trabalhou de modo estreito com ela e com Martha Barris, sua
segunda esposa. Nos últimos tempos, suas opiniões sobre técnica e sobre
a formação de psicanalistas colocaram-nos em conflito com o Instituto de
Psicanálise de Londres.

366 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano


CONTRIBUIÇÕES CIENTIFICAS. As contribuições de Meltzer à psicanáli­
se kleiniana são muitas e de realce, em particular (i) sua compreensão ex­
tremamente detalhada do processo psicanalítico durante a sessão {Meltzer,
1967), e (ii) sua vigorosa exegese da obra de Freud, Klein e Bion (Meltzer,
1978, 1987).
Sua descrição de uma personalidade fronteiriça ou limítrofe em 1968
constituiu o primeiro debate de uma estrutura de personalidade organiza­
da em torno dos impulsos destrutivos, ponto de vista também sustentado
por Rosenfeld (1971) e desenvolvido, mais recentemente, por muitos ou­
tros [ver ESTRUTURA]. Meltzer ampliou suas opiniões a respeito destes
tipos perversos de personalidades em uma série de artigos publicada em
1973. Seü interesse continuado por crianças psicóticas levou-o a efetuar
um seminário de pesquisa sobre autismo infantil, no qual utilizou os con­
ceitos de Esther Bick [ver PELE] e Francês Tustin [ver AUTISMO] {Melt­
zer, et al., 1975).
Ultimamente, o interesse de Meltzer pelo ensino levou-o a efetuar diver­
sos comentários de vulto sobre os textos kleinianos. The kleinian develop-
ment (Meltzer, 1978) é um esforço importante para apresentar os elemen­
tos relevantes dos textos de Freud, a detalhada história clínica da autoria
de Klein (Narmtive o f a child analysis, 1961) e o trabalho de Bion como
uma meada contínua de desenvolvimento intelectual e clínico. O ponto
de crescimento do pensamento kleiniano, na opinião de Meltzer, é a conso­
lidação do trabalho de Bion a respeito do pensar e do experienciar (Melt­
zer, 1987), e ele tem trabalhado no sentido de criar, a partir disto, uma
epistemologia psicanalítica.

Klein, Melanie (1961), Narratíve o f a child analysis, Hogarth.


Meltzer, Donaid (3.907), The psycho-analytíc process, Heinemann.
-------- . (1968), "Terror, persecution, dread", int, ]. Psycho-Anaí,, 49:396-400; republicado
(1973) em Donaid Meltzer, Sexual states of mind, Perth, Clunie, p. 99-106.
-------- , (1973), Sexual States of mind, Perth, Clunie.
-------- . (1978), The kleinian development, Perth, Clunie.
-------- . (1987), Studies in extended metapsychology, Perth, Clunie.
Meltzer, Donaid; Bremer, John; Hoxter, Shírley; Weddell, Doreen e Wíttenberg, Isca (1975),
Explorations in autism, Perth, Clunie.
Rosenfeld, Herbert (1971), "A clinicai approach to the psycho-analytic theory of the life and
death instincts: an investigation into the aggressíve aspects of narcissism", Int. /. Psycho-
Anaí. , 52:169-78.

O conselho de Freud, dado em seus


Memória e o trabalhos sobre técnica, de desenvol-
ver uma "atenção igualmente suspensa" (Freud, 1912) foi realçado por reco­
mendações de Bion, formuladas como duas regras estritas para abolir a
memória e o desejo (Bion, 1967). Ele descreveu como, em particular, a ten­
tativa de trazer de volta sessões passadas para a rememoração consciente

R.D.Hinshelwood / 367
constituirá uma distração para a sessão atual. Descreveu também como
um desejo ambicioso de extrair progresso, quer da análise, quer do pacien­
te, pode igualmente lançar uma influência deformante sobre a capacidade
de observar o presente. A referência ao passado (memória ou lembrança)
ou ao futuro (desejo) significa que "a evolução da sessão não será observa­
da na única ocasião em que pode ser observada, ou seja, quando está acon­
tecendo" (Bion, 1967, p. 18).
Achava ele que suas regras conduziríam a um atravancamento menor
da mente do analista e à maior abertura dela ao paciente. As consequên­
cias de adotar-se este estrito regime mental seriam o progresso poder ser
medido em termos do "maior número de variedade de estados de espírito,
idéias e atitudes percebidos em qualquer sessão determinada (...) [e] me­
nor obstrução das sessões pela repetição de material que deveria ter desa­
parecido e, conseqüentemente, um ritmo mais rápido dentro de cada ses­
são, em todas as sessões" (Bion, 1967, p. 18).

Ver CONTER; BION; RÊVERÍE.

Bion, Wilfred (1967), "Notes on memòry and desire", em Blizabeth Spillius, (org.), (1988),
M elanie Klein today; Volume 2: Mctinly practice, Routledge; anteriormente publicado
(1967) em The Psycho-Analytic Forum, 2:272-3 e 279-80.
Freud, Sigmund (1912), ''Recommendations to physidans practising psychoanalysis", S.E.
12, p. 111-20.

M odelo E co n ô m ico da de Freud, conhecida como


metapsicologia, abrangeu um certo número de modelos separados de fun­
cionamento da mente — topográfico, dinâmico, evolutivo, estrutural e eco­
nômico. Na maior parte das vezes, Klein nada fez para modificar os mode­
los globais, ainda que, em alguns casos, possa ter elaborado o conteúdo
deles, mudando a ordem do desenvolvimento infantil, por exemplo, ou ela­
borando a complexidade da estrutura interna no modelo estrutural. Em
verdade, a tendência dela era negar ter mudado muita coisa nas teorias
de Freud.
Está claro, contudo, embora não seja geralmente reconhecido, que as
opiniões de Klein constituem uma mudança radical em relação à idéia da
mente como sistema de energia, a operar em linhas econômicas fechadas.
As idéias de Freud desenvolveram-se na esteira da ciência física do século
XIX, baseada na conservação da energia. Ele introduziu este princípio na
psicologia psicanahiica como lei da conservação da energia mental e seus
trabalhos iniciais interessaram-se pelo destino dessa hipotética energia men­
tal e por sua distribuição quantitativa (Freud, 1895) [ver INSTINTOS],
As opiniões de Klein desenvolveram-se durante o período em que a soli­
dez da ciência do século XIX estava se rompendo. É também provável que

368 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


I
Klein tivesse muito poucos antecedentes científicos para por eles ser influen­
ciada; achava-se, dessa maneira, mais livre da rigorosa bagagem científi­
ca que Freud carregou consigo para a psicologia. Desse modo, a visão que
Klein teve das pulsões foi real e distintamente não freudiana. Não respei­
tou o princípio da conservação e continuadamente desenvolveu suas idéias
como se alguma forma de impulso amoroso pudesse espalhar-se — multi-
plicar-se, por assim dizer — de modo igual aos impulsos agressivos. Des­
sa maneira, impulsos dirigidos para objetos externos sempre se -'espalha­
vam" para objetos internos, e vice-versa, Como Greenberg edvfitchell per-
ceptivamente observaram a respeito de Klein, "(4d o amor por determina­
do objeto não limita, mas sim aumenta o amor por outros. No amor adul­
to, por exemplo, a pessoa amada é amada/não noJLu^ar dos objetos edipia-
nos originais, mas em acréscimo a eles"/(Greenberg e Mitchell, 1983, p.
144). Não existe lei de conservação do amorC^
Alguns autores — Yorke (1971), por exemplo — alegam que Klein tro­
cou a distribuição quantitativa da libido por um interesse pelo equilíbrio
quantitativo entre as pulsões de vida e de morte. Isto não é estritamente
verdadeiro, sendo provavelmente incentivado pela visão igualmente equi­
vocada de que Klein via toda evolução como um desdobramento (inato)
predeterminado. De fato, ela se referiu à maneira pela qual impulsos agres­
sivos podem trazer à superfície um esforço pelo desenvolvimento dos im­
pulsos amorosos ou, então, serem um incentivo ao avanço (talvez prematu­
ro) para a posição genital. A fluidez dos impulsos, sua multiplicação, a
manipulação aparentemente desejada deles para realçar o amor sobre a
agressão, acha-se completamente fora do modelo econômico freudiano da
conservação quantitativa.
Permitiu-se que estas opiniões se desenvolvessem em conseqüência da
versão kleiniana da natureza das pulsões e da fantasia inconsciente. Co­
mo Isaacs acabou por enunciar de modo explícito, "a fantasia é (em pri­
meira instância) o corolário mental, o representante psíquico da pulsão.
Não existe impulso, premência ou reação pulsionaí que não seja experien-
ciado como fantasia inconsciente" (Isaacs, 1952, p. 83) (ver 2. FANTASIA
INCONSCIENTE]. Dessa maneira, o que se acha na mente é uma "repre­
sentação", não uma quantidade ou qualidade física. Isto parece prenunciar
o interesse atual na teoria da comunicação que está relacionado à distri­
buição da informação. Tal como as informações, as fantasias de relaciona­
mentos com objetos não estão sujeitas a uma lei da conservação.
O abandono explícito do modelo econômico é conseqüência da ênfase
concedida às relações objetais. Freud descreveu o objetivo do princípio
do prazer como sendo a descarga da energia mental, e o sofrimento (des-
prazer) como o crescimento da energia não descarregada;
Melanie Klein descreveu algo semelhante ao princípio do prazer, mas
visto desde outra perspectiva: um mecanismo inicial de defesa ao qual
deu o nome de identificação projetiva. Em sua opinião, o bebê peque­

R.D.Hinshelwood / 369
no defende o seu ego da ansiedade intolerável pela cisão, expulsão e
projeção de impulsos e sentimentos indesejados em seu objeto. Esta é a
perspectiva das relações objetais sobre a descarga de tensões e estímu­
los desagradáveis. (0'Shaughnessy, 1981, p. 182)
No arcabouço do modelo econômico de Freud, uma pulsão inibida quan­
to ao alvo dá origem à frustração, enquanto que, no kleiniano, a mesma
situação dá surgimento a um estado de luto por um objeto {ao qual se vi­
sa) que não pode ser encontrado. A evacuação da ansiedade experiencia-
da através da identificação projetiva para um objeto é muito diferente da
descarga de uma hipotética energia mental inibida em relação ao seu objetivo.

Freud, Sigmund (1895), "Project for a sdentific psychotogy”, S.E. p. 283-397.


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Modificação psicjuica Ver m u d a n ç a p s íq u ic a .

T V T iir I a r » / - :a Todo contato na análise tem um


I V A C i.v l.C ll L ^ d . U M U U I L t í l impacto sobre a vida emocional e
interior do paciente e muda o seu estado mental.
Quando dois caracteres ou personalidades se encontram, cria-se uma
tempestade emocional. Se estabelecerem contato suficiente para estarem
cientes um do outro, ou mesmo suficiente para estarem mcientes um
do outro, um estado emocional é produzido pela conjunção desses dois
indivíduos (...) O analisando ou o analista diz algo. A coisa curiosa a
respeito disto é que tem um efeito, perturba o relacionamento entre
duas pessoas. Isto também aconteceria se nada fosse dito, se elas perma­
necessem caladas (...) O resultado de permanecer calado ou resultado
de intervir com uma observação ou até mesmo de dizer: — Bom dia
—- ou — Boa tarde — novamente estabelece o que parece ser uma tor­
menta emocional (Bion, 1979)
Betty Jfoseph (1985) enfatizou que há algo constantemente "acontecendo"
[ver ATUAÇÃO DENTRO DA SESSÃO]. A transferência não é algo está­
tico, mas uma seqüência vivida de conflitos, ansiedades e defesas. O pacien­
te continuamente tenta restaurar o seu equilíbrio [ver EQUILÍBRIO PSÍ-

370 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


■;3f
QUICO] quanto a essa multidão de minúsculas influências que puxam e
empurram a sua vida interior.

As mudanças no sentido de assumir mais responsabilidade pelos pró­


;
prios impulsos ou dela fugir; o surgimento de preocupação ou culpa, e
o desejo de corrigir as coisas, ou delas fugir; a conscientização de par­

te da personalidade, o ego, sentindo-se capaz de olhar para o que está
. : 'iS acontecendo e lutar com isso; enfrentar a ansiedade ou começar a dene-
gá~la — todos estes movimentos são a própria matéria que é inerente

à nossa compreensão da mudança psíquica. (Joseph, 1989, p. 195)

O analista acompanha estes movimentos na transferência, à medida que


cada um novo deles faz surgir novas ansiedades, novas defesas e usos do
analista. O acompanhamento meticuloso das deslocações do paciente não
deve ter caráter de julgamento.

Nós, como analistas, precisamos ser capazes de descobrir e seguir as


mudanças que ocorrem de momento a momento em nossos pacientes,
sem preocupar-nos se são positivas ou sinais de progresso ou retirada,
mas percebendo-as como o método individual que nosso paciente tem
de lidar com suas ansiedades e seus relacionamentos à sua própria e ex­
clusiva maneira. Doutra maneira, não podemos ter esperança de ajudar
nossos pacientes a alcançarem uma mudança psíquica positiva, real e
a longo prazo, em resultado do tratamento. Se nos vermos apanhados
em preocupações a respeito de se as mudanças demostram ou não pro­
gresso, em buscas de provas que apoiem este, podemos ficar entusiasma­
dos com o que sentimqs ser progresso ou desapontados quando se dá
uma aparente regressão. Descobriremos que somos jogados fora do cur­
so e ficamos incapazes de escutar com plenitude, ou, então, podemos
aplicar a nossos pacientes uma pressão inconsciente a se ajustarem, a
conformarem-se com nossos desejos, nossas necessidades, ou, ainda,
nossos pacientes podem apenas sentir-se incompreendidos. {Josep, 1989,
p. 192).

isto segue a prescrição de Bion (1967) [ver MEMÓRIA E DESEJO]: ter


um objeto que simplesmente o acompanha dá ao paciente insight e com­
preensão de seus padrões habituais de relacionamentos e defesas e não ape­
nas uma crítica destes.

Acho que não se pode ajudar pacientes a irromperem de antigos méto­


dos de funcionamento e emergirem para a experiência deste tipo de rea­
lidade psíquica e dos primórdios de passar por sofrimento psíquico e
superá-lo, exceto pelo acompanhamento de minúsculos movimentos de
emergência e retirada, experiência e evitação, dentro da transferência.
{Joseph, 1981, p. 101)

R.D.Hínshelwooâ / 371
O objetivo disto é tornar mais seguro um objeto interno com preensivo;
uma função com caráter de julgamento fortalece objetos internos de natu­
reza persecutória e a posição esquizoparanóide [ver 1. TÉCNICA; CONTER],
Esta função de um objeto que dá suporte e compreensão capacita o pa­
ciente a enfrentar e compreender a realidade de seu mundo interno de im­
pulsos e do estado de seus objetos, e ele alcança "mudança psíquica e a
longo prazo, em termos de movimento no sentido e para dentro da posi­
ção. depressiva; em termos de uma maior integração do self e de uma rela­
ção mais total e realística com os objetos" (Joseph, 1989, p. 202). Ela será
"indicada não apenas por um alargamento e aprofundamento das emoções,
mas por sinais de partes do ego a engajar-se em um novo caminho no tra­
balho analítico" (Joseph, 1983, p. 296).

Bion, Wilfred (1967), "Notes on memory and desire", em The Psycho-Analytic Forum, 2:272-3
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R / h in r J r » o v t o r t i r > ° m u n d o e x te ra o é c o n s tru íd o P ek>su)ei-


JLVJL UXI I v l U C A I C 1 X I X J to a partir de aspectos do mundo objeti­
vo, de expectativas baseadas na experiência passada (lembranças) e de fan­
tasias inconscientes de objetos projetados [ver OBJETO EXTERNO].
Klein foi — e ainda é — acusada de negligenciar os aspectos objetivos
do mundo externo, isto não é correto, entretanto, de vez que o objetivo
dela era precisamente compreender os problemas de objetividade do pacien­
te — em outras palavras, entender as intruções do subjetivo — e isto con­
duziu a uma ênfase apenas aparente do interno. Essa ênfase destinou-se
também, parcialmente, a neutralizar a tendência contrária dos analistas
que superconscienciosamente davam atenção aos objetos externos reais
da vida do paciente. Em apoio dela, Jones dirigiu-se aos vienenses:
(...) os vienenses nos censurariam por estimar de maneira excessivamen­
te alta a vida inicial de fantasia, às expensas da realidade externa. E res­
ponderiamos que não há perigo de qualquer analista negligenciar a rea­
lidade externa, enquanto lhes é sempre possível subestimar a doutrina
freudiana da importância da realidade psíquica. (Jones, 1935, p. 273)
A própria Klein descreveu, em considerável detalhe, as interações que ha­
via observado entre mães e seus bebês (Klein, 1952). Isto, subseqüentemen-

372 / Dicionário do Pensamento Kleiníano


te, foi grandemente ampliado pelo desenvolvimento de uma técnica de ob­
servação de bebês [ver OBSERVAÇÃO DE BEBÊS].
D
Realidade social: Existe um outro problema na diçotomia aparentemente
simples de realidade versus fantasia, mundo externò x>ersus mundo inter­
no. Ele tem a ver com a tentação a presumir que existe uma realidade ex­
terna do ser humano, da mesma maneira que os físicos investigam o mun­
do físico da natureza. O mundo das outras pessoas, o mundo social, é
uma realidade muito variável, uma realidade que com freqüência se alte­
ra em conseqüência da fantasia individual e coletiva [ver PRESUNÇÕES
BÁSICAS; SISTEMAS SOCIAIS DE DEFESA]. No mundo interpessoal,
não existe "coisa-em-si" permanente a ser descoberta. Em grau de vulto o
mundo interno é construído e continuamente reconstruído pelo indivíduo
e pelo grupo. Uma projeção de fantasia de um objeto no mundo externo
não é um acontecimento inócuo; essa fantasia pode ocasionar uma altera­
ção real do objeto no mundo externo. O bebê que berra com um terror
persistente pode desmoralizar tanto a mãe que esta se torna retraída, fria
e até mesmo perseguidora para sua própria autoproteção, por esse meio
confirmando a fantasia do bebê. Dentro da realidade social, há ocasiões
em que a fantasia pode, na realidade, ser onipotente.
Esta docilidade do mundo externo a ser construído a partir da fantasia
constitui fator importante á ser levado em conta quando se considera a
natureza do teste da realidade. Esta visão da construção da realidade so­
cial tem sua contrapartida na escola da sociologia do conhecimento, repre­
sentada por Mannheim (1936), e por Berger e Luckman (1967).

Berger, Peter e Luckman, Thomas {1967}, The social construction o f reality, Penguin.
Jones, Ernest (1935), "Early female sexuais ty", lnt. /. Psycho-AnaL, 16:262-73.
Klein, Melanie (1952), "On observing the behaviour of young infants", WM.K 3, p. 94-121.
Mannheim, Karl (1936), Id eology and utopia, Routkdge & Kegan Paul.

Klein afastou-se radicalmente de Freud a respeito


Narcisismo da natureza do narcisismo. Freud (1914) nele dis­
cerniu vários aspectos:
(i) o narcisismo primário, como estágio inicial da primeira infância, antes
que exista o reconhecimento de um objeto pelo bebê e quando o próprio
ego deste é tomado como objeto de amor Iibidinal;
(ii) o narcisismo secundário, uma regressão desde um relacionamento obje­
tai, que foi desapontador seja por causa da perda do objeto, seja por al­
gum tipo de desfeita por este causada, de volta para um amor narcísico
do ego, e
(iii) relações objetais narcísicas, quando o ego ama um objeto na medida
em que esse objeto se assemelha ao ego.

R.D.Hinshelwood / 373
Klein discordou e afirmou que não existia narcisismo primário. Esta talvez
seja sua mais fundamental diferença teórica com a psicanálise clássica e a
psicologia do ego [ver PSICOLOGIA DO EGO]. Há um certo número de
estágios no desenvolvimento do conceito kleiniano de narcisismo:
(1) o narcisismo e as relações objetais coexistem;
(2) estados narcísicos em oposição a um estágio narcísico;
(3) narcisismo e inveja;
(4) narcisismo negativo, e
(5) estrutura narcísica de caráter.

(1) Coexistência do narcisismo e das relações objetais. Klein fez desmoronar


as variadas formas de narcisismo descritas por Freud em sua teoria única
dos objetos internos [ver 5. OBJETOS INTERNOS], Em primeiro lugar,
em 1925, ela contestou Freud e Abraham a respeito da opinião que tinha
sobre a natureza sem objeto do tique nervoso [ver FANTASIAS DE MAS-
TURBAÇÃOj; ela "(...) sustentou a opinião de que o auto-erotismo e o
narcisismo são, na criança pequena, contemporâneas da primeira relação
com objetos" (Klein, 1952, p. 51).

Relações objetais narcísticas: "A fase em que o desencadeamento do com­


plexo de Édipo e as fantasias sádicas de masturbação que o acompanham
aparecem é a fase do narcisismo" (Klein, 1932, p. 171). À primeira vista,
um estágio que é ao mesmo tempo sem objeto (auto-erótico ou narcísico)
e em que há relações objetais (o complexo de Édipo) parece ser contraditó­
rio. Na época, Klein escreveu a respeito como se não o fosse, mas unica­
mente um desenvolvimento das teorias ortodoxas. Mais tarde, contudo,
concordou que esta "(...) hipótese contradiz o conceito freudiano da grati­
ficação auto-erótica e dos estágios narcísicos" (Klein, 1952, p. 51), e fez
distinção entre o estágio narcísico de Freud e estados narcísicos. Esclareceu
ela que "(...) é para este objeto internalizado que, na gratificação auto-eró­
tica e nos estados narcísicos, dá-se uma retirada" (Klein, 1952, p. 51).

Narcisismo e identificação introjetiva: Heimann, em 1952, enunciou de


modo mais explícito a teoria kleiniana do narcisismo:

A diferença essencial entre relações objetais infantis e maduras é que,


enquanto que o adulto concebe o objeto como existindo independente­
mente de si próprio, para o bebê àquele sempre se refere, de alguma
maneira, a ele mesmo, ou seja, existe em virtude de sua função para o
bebê. (Heimann, 1952, p. 142)

Estava ela descrevendo relações objetais parciais [ver OBJETOS PAR-


CIAIS], nas quais o objeto representa simplesmente a causa fantasiada das
próprias sensações do bebê [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE]. O mun­
do, tal como realmente é, invade o bebê e é moldado pelas próprias fanta­

374 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


sias que este tem a respeito das motivações do objeto para com ele (moti­
vos bons ou motivos maus).
Estes objetos são não apenas orientados no sentido do próprio ego do
bebê, mas são também introjetados e com eles se dá identificação (são as­
similados), de maneira que o objeto se torna identificado com uma parte
do bebê e a relação com o objeto torna-se uma relação consigo mesmo
ou parte de si mesmo. A ilustração fornecida por Heimann é o bebê que,
ao sugar o polegar,
(...) sente-se em contato com o seio desejado, embora, na realidade, sim­
plesmente sugue o próprio dedo. Suas fantasias de incorporar o seio,
que fazem parte de suas experiências e impulsos orais, conduzem-no a
identificar seu dedo com o seio incorporado. Ele pode, de maneira inde­
pendente, produzir sua própria gratificação (...) ele se volta para o seio
bom internalizado. (Heimann, 1952, p. 146)
Um estado narcísico tornou-se, para Klein, uma gratificação "auto-eróti-
ca" por um objeto interno identificado com uma parte do ego e amada co­
mo tal. Trata-se de uma reação defensiva.
O conceito de narcisismo foi modificado pelo entendimento da qualida­
de onipotente das fantasias subjacentes aos mecanismos primitivos de defe­
sa (ver ONIPOTÊNCIA; 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA].
Os estágios narcísicos de que Freud falava tornaram-se, para Klein e
Heimann, estados narcísicos (Segai, 1983), nos quais se dá uma retirada
para um estado mental em que fantasias onipotentes de identificação vêm
para o primeiro plano. A escolha objetai narcísica é uma organização
mais permanente de fantasias onipotentes na estrutura das relações obje­
tais e da personalidade. Klein a princípio considerou-a, juntamente com
Freud, como a identificação de um objeto externo a ser amado com uma
parte do self; de modo típico, no homossexualismo, o pênis de outro indi­
víduo do sexo masculino representa a própria masculinidade do amante,
a qual ele ama.

(2) Estados narcísicos. O desenvolvimento ulterior do conceito kleiniano do


narcisismo chegou com as descrições por ela feitas da identificação projeti­
va (ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA]. O processo de identificar
uma parte do self com um objeto foi completamente remoldado, elabora­
do e instalado como centro do pensamento kleiniano (ver 11. POSIÇÃO
ESQUIZOPARANÓIDE]: "(...) a relação com outra pessoa baseada na
projeção de partes más do self nela é de natureza narcísica" (Klein, 1946,
p. 13), porque o objeto "(...) não é sentido como um indivíduo separado,
mas sim como o self mau" (Klein, 1946, p. 8). Na identificação projetiva,
partes boas do self também são colocadas em objetos. Entretanto, a ênfa­
se que Klein concede à identificação projetiva como sendo um meio, na
posição esquizoparanóide, de lidar com a ansiedade persecutória e a pul-

R.D.Hinshehvooâ / 375
são de morte liga as relações objetais narcísicas à ansiedade, à agressão e
à pulsão de morte.

Onipotência e narcisismo: O uso da identificação projetiva tornou-se qua­


se sinônimo de narcisismo na literatura kleiniana e a posição esquizopara-
nóide tem sido mencionada como sendo a "'posição narcísica" (Segai, 1983).
E importante, contudo, distinguir entre "identificação projetiva normal" e
"identificação projetiva patológica" [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETI­
VA]. Bion (1959) e Rosenfeld (1964) distinguiram dois tipos de identifica­
ção projetiva, com base no grau de onipotência da fantasia. Quando esta
é onipotente, a identificação de uma parte do seíf com o objeto resulta
na dissolução da fronteira entre eles, de maneira que um ê o outro [ver
ONIPOTÊNCIA]. Isto é semelhante às descrições feitas por Segai da for­
ma primitiva de símbolo a que dá o nome de "equação simbólica" [ver
EQUAÇÃO SIMBÓLICA].
Rosenfeld (1964) também demonstrou que a identificação onipotente
através da introjeção resulta em uma perda similar de fronteiras, na qual
o objeto introjetado se funde onipotentemente, na fantasia, com uma par­
te do self. A marca distintiva dos estados narcísicos é uma identificação
onipotente por projeção ou introjeção, com uma violência que desfaz a fron­
teira existente entre o ego e o objeto com uma conseqüente perda de cons­
ciência da realidade interna e externa [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARA-
NÓIDE],

(3) Narcisismo e inveja. Segai (1983) apontou que Klein, em Envy and gratitu-
de [Inveja e gratidão] (1957):
(...) descreve completamente a disposição estratégica da identificação
projetiva como uma consecução de objetivos invejosos e, também, co­
mo uma defesa contra a inveja, tal como, por exemplo, entrar em um
objeto e assumir as qualidades deste. Em conexão a isso, ela não se refe­
re ao narcisismo, mas, contudo, em sua obra está implícito que tem de
haver uma relação íntima entre narcisismo e inveja. A descrição por
Freud do narcisismo primário é que o bebê sente a si mesmo como fon­
te de todas as satisfações. A descoberta do objeto dá surgimento ao ódio.
Por outro lado, a inveja primária, tal como descrita por Klein, é:
Uma hostilidade arruinante face à compreensão de que a fonte da vida
e das coisas boas residem do lado de fora. Para mim, inveja e narcisis­
mo são dois lados de uma mesma moeda. O narcisismo defende-nos
contra a inveja e a diferença residiría nisto: se se acredita em um está­
gio narcxsico prolongado, a inveja seria sedundária à desilusão. Se, com
Melanie Klein, argumenta-se que a percepção de uma relação objetai e,
portanto, da inveja, existe desde o início, o narcisismo podería ser vis­
to como uma defesa contra a inveja e, portanto, estar mais relaciona­

376 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


da a pulsão de morte e à inveja do que às forças libidinais. (Segai, 1983,
p. 270-1)
O narcisismo — a identificação onipotente por projeção ou íntrojeção —
é, dessa maneira, mais ou menos igualado à totalidade das lutas do ego
nos momentos iniciais da vida para organizar-se contra a ameaça de pul­
são de morte (originalmente manifesto como inveja primária).

(4) Narcisismo negativo. Rosenfeld (1964) achava que "(...) a força e a persis­
tência das relações objetais onipotentes e nardsicas acham-se estreitamen­
te relacionadas à força da inveja do bebê" (p. 171). Ele tirou essa idéia
do aspecto agressivo do narcisismo que é devido à inveja e também à pul­
são de morte (Rosenfeld, 1971). Identificou ele uma simetria entre a retira­
da da libido para o ego (tal como descrito por Freud), por um lado, e a
retirada da pulsão de morte para o ego, por outro. Ao último deu o no­
me de narcisismo negativo e também o relacionou à reação terapêutica ne­
gativa:
Ao estudar o narcisismo em maior pormenor, parece-me essencial dife­
renciar entre os aspectos libidinais e destrutivos dele. Considerando-o
desde o aspecto libidinal, pode-se perceber que a supervalorização do
self desempenha um papel central, baseada principalmente na idolização
do self. A auto-idealização é mantida por identificações onipotentes in-
trojetivas e projetivas com objetos bons e as qualidades destes. Desta
maneira, o narcisista sente que tudo de valioso que é relacionado a ob­
jetos externos e ao mundo exterior faz parte dele ou é por ele onipoten­
temente controlado. De modo semelhante, quando se considera o narci­
sismo, descobrimos que os aspectos destrutivos da auto-idealização
mais uma vez desempenham papel central, mas agora, porém, é a idea­
lização das partes onipotentes e destrutivas do self. Elas são dirigidas
contra qualquer relacionamento objetai libidinal positivo e qualquer
parte libidinal do self que experiencie necessidade por um objeto e o de­
sejo de deste depender. (Rosenfeld, 1971, p. 173).
No decurso do material clínico apresentado neste artigo, Rosenfeld descre­
veu a organização dos objetos e das relações internamente, sob a dominân-
cia de impulsos agressivos autodirígidos, remanescentes da pulsão de mor­
te original com que a "externalização" primária descrita por Freud e Klein
não lidou plenamente [ver PULSÃO DE MORTE; ESTRUTURAS].

(5) Estrutura nardsica de caráter. A dissecção feita por Rosenfeld dos dois
tipos de narcisismo é de considerável importância prática e tem sido endos­
sada por outros autores. A estruturação da personalidade, tal como descri­
ta por Rosenfeld, entre um self "mau" onipotente e um self "bom" aprisio­
nado fora anteriormente descrita por Meltzer (1968) e Money-Kyrle (1969),
mas Rosenfeld demonstrou a estabilidade desta organização em certos ti-
R.D.Hinshelwood / 377
pos de personalidade, a que geralmente se costuma designar por “fronteiri­
ços" ou "limítrofes".
Segai (1983) deu ênfase à distinção entre uma simples retirada narcísi-
ca, por um lado, e, por outro, a estrutura permanente de personalidade
de uma personalidade narcísica de quem vemos números crescentes"
(p. 270). A estrutura é construída pela "(...) reinternalização do objeto pro-
jetivamente possuído" (p. 270). A estrutura da personalidade acha-se defen­
sivamente organizada contra a inveja. Estudos mais recentes sobre a pato­
logia das personalidades fronteiriças demonstram o combate contra partes
"más" do self que são compostas de mecanismos e relações objetais liga­
das com a pulsão de morte. Este é um dos métodos pelos quais o ego ten­
ta organizar as fantasias que expressam essa pulsão e ele contrasta com o
modo mais típico de projetar um objeto "mau", descrito por Klein:
Sustento que a ansiedade surge da operação da pulsão de morte dentro
do organismo, é sentida como temor de aniquilamento (morte) e assu­
me a forma de perseguição. O medo do impulso destrutivo parece ligar-
se imediatamente a um objeto, ou, antes, é experienciado como o te­
mor de um objeto irresistível e incontrolável. (Klein, 1946, p. 4)
As estruturas patológicas que organizam a pulsão de morte por esta ma­
neira foram subseqüentemente descritas por muitos outros (Joseph, 1982;
Steiner, 1982; Brenman, 1985; Sohn, 1985) [ver ESTRUTURA].

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À nal,, 6:269-76,
Sohn, Leslie (1985), "Narcissistic organizatíon, projective Identification and the formation
of the identificate", Int. ].- Psycho-Anal., 66:201-13,
Steíner, John (1982), "Perverse reíationships between parts of the self", Int. J. Psycho-Anal.,
63:15-22,

«jy j » « , • Rosenfeld (1971), em respos-


JNarcisismo negativo ta a críticas da aceitação, por
Klein, da pulsão de morte (por exemplo, Kernberg, 1969), examinou mate­
rial clínico que sugeria existir um processo destrutivo a operar dentro da
personalidade que era sentido como "mau" e que dominava as partes "'bo­
as" da personalidade à maneira pela qual uma gangue da Máfia pode vir
a controlar uma sociedade inteira. Similar a esta intimidação interna, ha­
via uma espécie de forma malévola de sedução interna, descrita por Melt-
zer (1968).
Com base em Freud haver descrito o narcisismo como a volta da libi-
do para o ego, num ato de amor a si mesmo, Rosenfeld introduziu a expres­
são "narcisismo negativo" para descrever um estado interno da destrutivi-
dade do ego para consigo mesmo.

Ver NARCISISMO; PULSÃO DE MORTE.

Kernberg, Otto (1969), "A contribution to the ego-psychologscal critique of the Kleinian Scho-
ol", Int. /. Psycho-Anal., 50:317-33,
Meltzer, Donald (1968),. "Terror, persecution, dread", Int. /. Psycho-A nal., 49:396-400; repu­
blicado (1973) em Donald Meltzer, Sexual States o f mind, Perth, Clunie, p. 99-106.
Rosenfeld, Herbert (1971), "A clinicai approach to the psycho-analytic theory of the Hfe and
death instíncts: as investigatíon into the aggressive aspects of narcissism", Int. /. Psycho-
A n a l, 52:169-78.*

*i v t —■ A negação é uma idéia psicanalítica muito antiga, origi-


1N e g â Ç í l O nalmente denominada, por Freud, de escotomatizaçâo.
Nela, uma percepção é obliterada. A negação acha-se especificamente en­
volvida nas defesas maníacas e, de modo particular, a negação da realida­
de de alguma parte da mente, ou da realidade psíquica [ver DEFESAS MA­
NÍACAS].
Negar a importância de objetos dos quais o sujeito concretamente de­
pende é um elemento-chave das defesas maníacas. A negação também se
acha envolvida na idealização, quando nos livramos dos aspectos maus
do objeto, deixando um objeto bom imaculado (Rosenfeld, 1983) [ver OB­
JETO IDEAL].
Klein, (1946) descreveu o mecanismo da negação como ligado à fanta­
sia de aniquilaçâo e a uma perda real de parte do ego ou do objeto [ver
ANIQUILAMENTO]. Neste sentido, ela difere da repressão, que tende a

R.D.Hinshetwood / 379
ser a remoção, da consciência, apenas da realidade de algum acontecimen­
to externo, ou a lembrança dele. Contudo, embora exista uma tendência
dos kleinianos utilizarem o termo "negação" e a dos freudianos clássicos
referirem-se à "repressão", na prática, pouca clareza existe. A distinção
deve ser feita quanto ao grau de violência e onipotência. A negação é uma
obliteração onipotente, sem referência à realidade concreta, enquanto que,
na repressão, a realidade externa é respeitada [ver REPRESSÃO].
Tal como acontece com outros mecanismos primitivos de defesa, a nega­
ção refere-se à atividade defensiva de um tipo inicial, primitivo e tipica­
mente violeto, no qual o ego luta com ansiedades psicóticas.

Ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DEFESA; REPRESSÃO.

Klein, Melanie (1946), "Notes on some schizóid mechanísms", WMK 3, p. 1-24.


Rosenfeld, Herbert (1983), "Primitive object relatíons and mechanísms", Int. ]. Psycho-Anal,,
64:261-7.

/A l * 1 _ ___ Este termo denota um objeto parcial (concebido


V-/ U J C l U D O X i l na fantasia inconsciente) que mentalmente repre­
senta a sensação de uma necessidade satisfeita. Pode haver um certo núme­
ro de objetos "bons", cada um deles associado à sensação de uma satisfa­
ção particular [ver também OBJETO MAU], e, igualmente, um certo nú­
mero de objetos "maus": "Existem de fato muito poucas pessoas na vida
da criança pequena, mas ela as sente ser uma multidão de objetos, porque
eles lhe aparecem sob diferentes aspectos" (Klein, 1952, p. 54). Nas fases
mais iniciais, o objeto bom sentido como singular em qualquer momento
determinado é de importância particular, de vez que sua introjeção segu­
ra forma a base para a estabilidade do ego. Como âmago deste, sua per­
da conduz a uma insegurança extrema na posição esquizoparanóide. Mais
tarde, na posição depressiva, a perda do objeto interno bom é ameaçada
pela perda de um objeto externo e dá origem ao luto, à culpa e ao impul­
so à reparação [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA; 10. POSIÇÃO DEPRES­
SIVA; REPARAÇÃO].
Na posição depressiva, o objeto bom pode ser mantido por processos
de cisão que constantemente mantém-no livre de características más que,
doutra maneira, atrairíam impulsos de ódio, com o risco de perder-se o
objeto. Um objeto desse tipo, alcançado através da cisão, é perfeito e co­
nhecido como objeto "ideal" (ou "idealizado"). Ele contribui para a insegu­
rança por causa de sua qualidade de perfeição extremamente irrealista.
Os objetos reais sempre fracassam em pôr-se à altura das expectativas e,
na posição esquizoparanóide, levam ao desapontamento catastrófico (desi-
deaíização), experienciada como o aparecimento súbito do objeto "mau"
perseguidor. Dessa maneira, o objeto "ideal" deve ser distinguído do obje­
to "bom" [ver OBJETO IDEAL].

380 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


1* Klein, Melanie (1952), "The origins of transference", WMK 3, p, 48~5ó.

• . - É importante distinguir cuidadosamente


V / D j C l O C X l c r n O o que se quer dizer pela expressão "obje­
to externo", de vez que seu significado varia de acordo com o ponto de
vista. O objeto externo, encarado desde o ponto de vista do sujeito, pode
ser muito diferente do objeto externo examinado por um observador obje­
tivo tanto do sujeito quanto do objeto, e escolas diferentes de psicanálise
darão prioridades diferentes aos diferentes pontos de observação.
Os kleinianos tendem a assumir o primeiro desses pontos de observação,
isto é, entender o objeto externo nos termos da percepção que o próprio
paciente tem dele. Esta percepção será distorcida pela projeção do sujeito
sobre o objeto de suas próprias expectativas, que serão uma mistura de
experiência prévia e expectativas inconscientes de fantasia que surgem da
fantasia ativa no momento. Além disso, dependendo da intensidade da fan­
tasia, o sujeito terá uma maior ou menor capacidade de (a) ver o objeto
externo tal como realmente é, ou (b) alterar realmente o objeto por meio
de manobras provocativas inconscientes, a fim de fazê-lo corresponder às
suas percepções. As qualidades reais do objeto são importantes na medi­
da em que combinam com as expectativas do sujeito e em que o objeto
possua a qualidade de colocar-se de acordo com as percepções do pacien­
te ou a elas resistir.

Os mecanismos primitivos de defesa: Os mecanismos iniciais caracterizam-


se pela onipotência, de maneira que as identificações introjetiva e projeti­
va distorcem grosseiramente a realidade do objeto externo; isto em princípio
não encontra obstáculos, até o bebê começar a desenvolver a percepção
da distância [ver DESENVOLVIMENTO]. A partir da época em que essa
percepção torna-se possível, acontece uma longa luta emocional [ver 10.
POSIÇÃO DEPRESSIVA] para alcançar o princípio da realidade.

Reconstrução: Na análise, a criação da transferência constitui um proces­


so no qual o objeto externo (neste caso, o analista) é visto por maneiras
que provêm das formas características de distorção do paciente. A visão
kleiniana dos objetos internos [ver 5. OBJETOS INTERNOS] é a base pa­
ra compreender as distorções da transferência e a reconstrução do analis­
ta sob a forma de uma figura que é percebida desde o passado:

O paciente era responsável por construir uma cultura desse tipo no "a-
qui-e-agora" e minha tarefa era a análise dessa estrutura. O que estava
sendo revivido era uma interação com os objetos internos construídos
no passado, e isto precisava ser revisto e integrado. (Brenman, 1980, p. 55)

A tarefa do analista é entender e analisar o objeto percebido que é conti­


nuamente construído na pessoa externa do analista.

R.D.Hinshelwood / 381
O objeto externo, portanto, não é apenas o objeto físico, mas sim, inva­
riavelmente, a presença psicológica da pessoa (ou do analista). Sandford
(1952), por exemplo, descreveu um paciente cujo objeto fora uma mãe que
utilizava o bebê para nele projetar ansiedade, a qual a criança introjetava,
resultando em uma criança ansiosa. Neste caso, o objeto externo era o in­
consciente da mãe — o que pôde ser experenciado no relacionamento trans­
ferenciai [ver RÊVERIE].
Grinberg (1962) relatou uma situação semelhante referente à contra-íden-
tificação projetiva, quando descreveu um paciente que se experienciava in­
conscientemente como recebendo identificações projetivas do analista. Foi
este reconhecimento de que o objeto é percebido primariamente como pos­
suindo motivos e atitudes e apenas secundariamente atributos físicos que
impulsou para o primeiro plano o interesse na contratransferência.

Ver MUNDO EXTERNO; CONTRATRANSFERÊNCIA; 1. TÉCNICA.

Brenman, Eric (1980), "The value o£ reconstruction in adu.lt psychoanalysis", Int. J. Psycho~
A n a l, 61:53-60,
Grinberg, Leon (1962), "On a spedfic aspect of counter-transference due to the patient's pro~
jective identification", Int. J. P sycho-A nal, 43:436-44.
Sandford, Beryl (1952), "Anobsessional man'sneed tobekept", Int. ]. P sycho-A nal, 33:144-52;
republicado (1955) em Melanie Klein, Paula Heimann e Roger Money-Kyrle, (orgs.), New
directions in psycho-analysis, Hogarth, p. 266-81.

O K ín f n •J 1 Freud (1921) descreveu um processo de idealiza-


v -/ U Jv í t l C L e d l Ção no ato de amor, mas desenvolveu-o em rela­
ção com seu conceito de narcisismo e ideal do ego.
Para Klein, os conceitos de "idealização" e "objeto ideal" acham-se ne­
cessariamente ligados ao conceito do "objeto mau", através do mecanis­
mo de cisão que dá origem a ambos os tipos de objetos. Quando um obje­
to é concebido como primordialmente bom, diz-se então que ele é "ideali­
zado"; os aspectos bons do objeto foram separados, por cisão, seguida pe­
lo aniquilamento (negação) dos aspectos maus, e isto fornece a ilusão de
perfeição.
Idealização e inveja: A idealização é um mecanismo de defesa, ligado a
uma forma primária de cisão (Rosenfeld, 1983), que visa a conseguir rela­
ções com um objeto bom. Os sentimentos maus são inerentes à existência
da pulsão de morte e conduzem, em princípio, a um risco de relacionamen­
tos confusos com objetos [ver ESTADOS DE CONFUSÃO], nos quais fan­
tasias destrutivas operam no sentido dos objetos bons, sendo isto a for­
ma primária da inveja. A cisão que visa a manter o objeto e os impulsos
bons separados do objeto e dos impulsos maus é uma defesa que é necessá­
ria ao início da vida e destinada a manter o mundo seguramente definido
como bom ou mau. A idealização é uma fuga aos horrendos e persecutó-

382 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


rios círculos viciosos nas relações com objetos "maus" hostis [ver PARA-
NÓIA; 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE] e, portanto, uma defesa
contra o surgimento do conflito pulsional primário.
A idealização e a posição depressiva: Posteriormente, cindir um objeto
em dois e a idealização de uma das partes pode ser uma resposta às peno­
sas ansiedades iniciais da posição depressiva. A ansiedade depressiva da
ambivalência é evitada por meio de um recuo paranóide a separar os senti­
mentos bons dos maus, mediante a cisão dos aspectos bons e maus do ob­
jeto, a fim de criar, mais uma vez, um objeto ideal e um objeto persecutó-
rio [ver DEFESA PARANÓIDE CONTRA A ANSIEDADE DEPRESSIVA].
Perfeição: A perfeição a que se aspira como resultado da idealização po­
de ela própria tornar-se bastante persecutória e conduzir a novos mecanis­
mos primitivos de defesa. O objeto real, tendo as suas falhas, vem a repre­
sentar a experiência perseguidora de um objeto perfeito danificado, que é
então "(...) sentido como não atraente e, na realidade, uma pessoa ferida,
incurável e, portanto, temida" (Klein, 1935, p. 270).

Ver OBJETO BOM.

Freud, Sigmundo (1921), "Group psychology and the analysis of the Ego”, S.E, 18, p. 67-143.
Klein, Melanie (1935), "A contribuiion to the psychogenesis of manic-depressíve States",
WMK 1, p. 262-89.
Rosenfeld, Herbert (1983), "Primitive object relations and mechanisms", Int. /, Psycho-A nal.,
64:261-77.

Na vida inicial de fantasia [ver 5. OBJETOS IN~


m au TERNOS; 2. FANTASIA INCONSCIENTE], atri-
buem-se aos objetos, de maneira animística, motivos em relação ao sujei­
to. Uma sensação corporal desagradável é interpretada como derivando
das intenções de um objeto mau (malevolamente motivado). Tal objeto,
neste estágio, possui um sentido muito poderoso de realidade para o bebê,
mas trata-se de uma realidade da existência e localização de um motivo,
antes que a percepção de um objeto fisicamente identificado, tal como é
geralmente concebido pelos adultos.
O objeto mau contrasta com o seu oposto polar — e coexistente — ob­
jeto "bom", que deriva de sensações corporais agradáveis e se imagina ser
benignamente motivado. Exemplificando, nas sensações da alimentação,
um objeto frustrante e indüzidor de fome (objeto "mau") é contraposto
por um objeto que satisfaz, que alivia a fome. Estas concepções primitivas
são indicadas pelas notações seio "bom", seio "mau"; mãe "boa", mãe
"má", e, de modo semelhante, pai, pênis, etc. [ver SEIO; MÃE; PAI].
Em princípio, estes pares de objetos são percebjdos como estritamente
cindidos e inteiramente separados, embora percepções gradativamente

R.D.Hinshelwood / 383
mais realísticas se desenvolvam, de maneira que objetos com característi­
cas e motivações mistas boas e mas" venham a ser percebidos [ver 10
POSIÇÃO DEPRESSIVA].

Ver OBJETOS PARCIAIS.

10tOtotal Trata_Se Um termo no trabalho de


O b ] C L U t L í L <Xi Abraham sobre as vicissitudes do objeto e sua
relação com o desenvolvimento da Iibido (Abraham, 1924). A teoria dele
de objetos parciais e "amor parcial" recebeu um significado radicalmente
novo da parte de Klein [ver OBJETOS PARCIAIS].

A posição depressiva: A capacidade de perceber uma pessoa "tal como ela


realmente e constitui uma realização que exige mais que o amadurecimen­
to do aparelho perceptuaí, O objeto "bom" que satisfaz as necessitades
do bebê e o objeto "mau" que o mantém à espera vêm a ser reconhecidos
como uma só e única pessoa, um objeto total (Klein, 1935) [ver 10. POSI­
ÇÃO DEPRESSIVA]. Não é apenas a presença física, mas sua realidade
em ocional que vem a ser reconhecida. O objeto total possui (i) seu próprio
conjunto muito misto de sentimentos e motivos, e (ii), além disso, o obje­
to é reconhecido como sendo capaz de sofrer, tal como o sujeito. Os obje­
tos não são mais definidos pelos próprios sentimentos e necessidades do sujeito.

A m or e preocupação: Abraham tinha descrito os objetos parciais como


sendo meramente aqueles que proporcionam gratificação ao sujeito, pela
satisfação de suas necessidades, e o "verdadeiro amor objetai" surgia ape­
nas quando o objeto era apreciado como um todo. Klein, contudo, acha­
va que o amor e a gratidão ocorriam desde o início. Qualquer objeto que
gratifique realça a gratidão e o amor, e aquele que frustre provoca ódio e
paranóia. No caso dos objetos parciais, existe uma mudança brusca entre
amor e ódio, de acordo com o estado de necessidade ou satisfação do be­
bê; na posição depressiva, porém, os sentimentos pelo objeto adquirem
estabilidade e a nova dimensão de preocupação ou interesse pelo objeto.
Constitui uma conquista atingir a capacidade de preocupação, porque ela
e penosa para o sujeito: o sofrimento do objeto é-o sofrimento do sujeito.

Ver AMOR; 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA; OBJETOS PARCIAIS.

Abraham, Karl (1924), "A short study of the deveiopment of the Iibido", em Karl Abraham
(1927), Selected papers in psychoanalysis, Hogarth, p. 418-501.
Kiein, Melanie (1935), "A contribution to the psychogenesis of manic-depressive States",
WMK 1, p. 262-89.

384 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


/ - 'v f • g expressão "objeto" é técnica utilizada originaímente na
A expressã<
U b j e t O S psicanálise para denotar o objeto de um impulso pulsio-
.nal. Ele é a pessoa, ou alguma
algu: outra coisa, que seja de interesse para a sa­
tisfação de um desejo. A noção de objeto provém diretamente das primei­
ras teorias científicas de Freud. Segundo essa opinião, o objeto tinha mui­
to pouco em seu caráter que fosse pessoal. Tratava-se de algo sobre o
qual impulsos de energia eram descarregados e reconhecidos apenas para
os fins da busca do prazer, satisfação e alívio do sujeito.
Na década de 1930, as relações objetais tornaram-se o enfoque princi­
pal da escola de psicanálise que se desenvolveu particularmente dentro da
Grã-Bretanha {ver ESCOLA DAS RELAÇÕES OBJETAIS]. Klein forneceu-
lhe uma base inicial de observação com sua técnica do brincar fver 1. TÉC­
NICA] e o conceito de objeto, em resultado disso, modificou-se [ver 5.
OBJETOS INTERNOS]. No arcabouço kleiniano, o objeto é um compo­
nente da representação mental de uma pulsão.

Objetos e fantasia: O que se acha representado na fantasia inconsciente é


um relacionamento entre o self e um objeto, no qual o objeto é motivado
por certos impulsos, bons ou maus, relacionados às moções pulsionais
orais, anais, genitais, etc. — do sujeito [ver 2. FANTASIA INCONSCIEN­
TE]. Nas origens delas, a fantasia inconsciente é onipotente e o objeto é
sentido como tendo existência real, dentro ou fora do sujeito. O relaciona­
mento com o objeto é efetuado com base em seus supostos impulsos para
com o ego. De modo típico, estas interpretações muito primitivas das sen­
sações pulsionais conduzem a intenso amor e gratidão ou ao ódio e à inve­
ja. Elas são a atividade mental inerente da criança, desde o nascimento.
De início, acreditava Klein, o bebê existe em relação a objetos que são pri­
mitivamente distinguidos do ego e existem relações objetais desde o nasci­
mento.
Podemos tomar, por exemplo, o bebê que está com fome. As sensações
corporais que lhe são fornecidas por sua físiologia são também experiencia-
das de modo subjetivo e psicológico. O desconforto é atribuído à motiva­
ção de um objeto mau localizado concretamente em sua barriguinha e que
pretende causar-lhe o desconforto da fome. Bion, de modo ambíguo, refe-
re-se a este objeto como um "não-seío", reconhecendo que objetivamente
há uma ausência, mas para o bebê não existe esse tipo de coisa, mas sim
a presença de algo que causa o sofrimento da frustração: a fome realmente rói.
Neste exemplo, o objeto é atribuído ao interior do ego, à barriga, e refe-
rímo-nos a ele como sendo um objeto interno. Um objeto interno bom é
experienciado quando o bebê é amamentado e sente o leite morno causan­
do-lhe sensações satisfatórias na barriguinha [ver 5. OBJETOS INTERNOS].
O bebê vive em um mundo de relações objetais más e relações objetais
boas, dependendo das sensações corpóreas que se acham no centro da aten­
ção no momento. O objeto tem a característica de ser motivado a causar

R.D.Himhehoood / 385
a sensação corporal, juntamente com um conjunto lentamente acumulado
de dados sensórios provindos do contato epidérmico e de outros recepto­
res de distancia experienciados em princípio dentro dos primitivos relaciona­
mentos objetais. Sendo radicalmente reduzidos a uma entidade unicamen­
te motivada, esses objetos são, de um ponto de vista objetivo, parciais, e
por esse nome conhecidos: objetos parciais [ver 1 1 . POSIÇÃO ESQUIZO-
PARANOIDE; OBJETOS PARCIAIS].

Objeto total. A experiência de objetos parciais acha-se em contraste com os


objetos totais, cujas características são acentuadamente diferentes. O be­
be, com sua capacidade limitada de ver, ouvir e perceber, tem um reconhe­
cimento mínimo da fonte real de suas sensações. Essa capacidade se desen­
volve com o amadurecimento do sistema nervoso e dos órgãos receptores
de distância (olhos e ouvidos), assim como a apresentação, pelo meio am­
biente pessoal, dos significados sociais daquilo que apreendemos. Com o
aumento da capacidade de reconhecer o mundo externo, os objetos que
aparecem ao bebê se modificam, modificação cujo sucesso depende da ca­
pacidade emocional de tolerar a ambivalência [ver ANSIEDADE DEPRES­
SIVA]. Não existe mais a mãe 'ma“ que se acredita causar a fome, nem
tampouco, de modo exato, a mãe simplisticamente "boa" que satisfaz a fo­
me. Algo de cada uma acha-se presente no mesmo objeto. Este vem a ser
visto mais como um tod o, assume duas tonalidades, a ter uma complexida­
de de motivos e a atrair do ego sentimentos mistos [ver ANSIEDADE DE­
PRESSIVA]. Esta constelação é conhecida pelo nome de posição depressi­
va [ver 1 0 . POSIÇÃO DEPRESSIVA], O desenvolvimento da capacidade
de perceber objetos totais não depende apenas do maior refinamento da
percepção, mas é em grande parte determinado pela capacidade de tolerar
aqueles estados de ansiedade introduzidos pelo encontro de um objeto mis­
to (ou contaminado). Este desenvolvimento emocional é decisivo e se este
passo não for assegurado, o indivíduo com facilidade recua para a posição
esquizoparanóie [ver 1 1 . POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓÍDE] e para uma
percepção deformada de um mundo de objetos compíetamente "bons" e
maus . Os analistas kleinianos concebem a relação com objetos totais co­
mo sendo um dos alvos terapêuticos da psicanálise [ver DESENVOLVI­
MENTO].

As características dos objetos. Embora Klein não fosse sistemática em suas


opiniões teóricas, as descrições de objetos feitas por ela podem de fato se­
rem categorizadas em diversas dimensões:
(i) Bom versus mau: No estado muito primitivo, o objeto com que se esta­
belece relação possui qualidades incontaminadas, seja de coisas boas, seja
de maldade, no sentido de fazer bem ou mal ao sujeito e, ao mesmo tem­
po, impondo um relacionamento em que o ego se enche de sentimentos
amorosos ou hostis que são eles próprios sentidos pelo ego como bons ou

386 / Dicionário do Pensamento Kteiniano

■ *»
maus. Este tipo de objeto é portanto "cindido", desde um ponto de vista
objetivo [ver CISÃO], conduzindo a uma cisão no estado do ego e de
seus sentimentos.
(ii) Pulsões instintivas: Em princípio, cada impulso dá origem a um obje­
to específico para as sensações corporais características da pulsão: uma
mãe que "causa" a fome, uma mãe que "satisfaz" a fome, uma que causa
frio e outra que aquece, uma que segura o bebê de maneira precária e ou­
tra que o agarra com firmeza, etc. [ver PULSÕES; 2. FANTASIA INCONS­
CIENTE], Estes objetos referidos pelo nome de "mãe" não devem de ma­
neira alguma ser confundidos com a mãe real, tal como é percebida por
um observador externo, de vez que as percepções do bebê são radicalmen­
te diferentes e baseadas em estados internos de seu corpo. No começo da
vida, mal existe um reconhecimento do tempo e de um objeto a substituir
outro. Deve-se também notar que esses objetos vem em pares, ou seja,
aqueles que frustram e aqueles que satisfazem. Cada um dos pares corres­
ponde à distinção de bom versus mau no item (i), anterior [ver OBJETOS
PARCIAIS],
(iii) Objeto parcial versus objeto total: Estes estados primitivos [ver 11,
POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE] em que o bebê teme objetos maus, in­
ternos ou externos, dão lugar ao novo estado de excitantes sentimentos
mistos (objetos bons contaminados) e relações ambivalentes [ver AMBIVA­
LÊNCIA]. O novo estado, que é tão penoso quanto o primeiro, mas de
maneira diferente, acha-se assim ligado com a experiência de objetos mais
completos, conhecidos como objetos totais. A reversão a relações objetais
parciais e o progresso no sentido de relações objetais totais e uma dinâmi­
ca constante e flutuante através de todo o decurso da vida, sendo represen­
tada por Bion pelo sinal "Ep-D", que se refere a uma oscilação entre a po­
sição esquizoparanóide e a posição depressiva [ver Ep-D].
(iv) Interno/externo: O ego, do nascimento em diante, tem uma fronteira e
experiencia-se em relação ao mundo de fora, que é ínerentemente experien-
ciado como externo. Objetos experíenciados em resultado de sensações cor-
póreas províndas do interior do corpo são sentidos como situados dentro
do ego e constituem, assim, objetos internos: exemplificando, o objeto
causador de fome" é interpretado como localizado dentro da barriga, on­
de se situam as dores da fome. Inversamente, os objetos experíenciados
através da pele são vivenciados como situados fora (objetos externos).
Do trabalho de alguns dos colaboradores de Klein, especialmente Bick,
apareceu que a distinção entre dentro e fora pode ser catastroficamente
rompida [ver IDENTIFICAÇÃO ADESIVA], Muito cedo na vida, a locali­
zação de objetos como situados dentro ou fora pode ser alterada: um obje­
to interno vem a ser expelido para fora ou um objeto externo o seio
do qual o bebê suga vem a ser experienciado como a residir dentro da
barriguinha, fornecendo-lhe as sensações de calor e plenitude. Tais movi-

R.D.Hinshelwood / 387
mentos de objetos em relação às fronteiras do ego são interpretações de
sensações corporais [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE] e, eventualmen­
te, de sensações corpóreas induzidas, tais como sugar o polegar [ver FAN­
TASIAS DE MASTURBAÇÃO]. O intuito de tais relocalizações na fanta­
sia e a estimulação corporal que pode ser empregada para dar surgimento
a essas fantasias é proteger o bebê quanto a objetos temíveis, tais como,
por exemplo, um objeto interno produtor de fome mau e daninho, motiva­
do a ferir ou danificar a barriga do bebê [ver 9 . MECANISMOS PRIMITI­
VOS DE DEFESA].
(v) Físico versus mentfih No decurso do desenvolvimento, o mundo dos
objetos internos muda e uma qualidade mental torna-se separada de uma
qualidade física (Scott, 1948). Os objetos internos retêm uma qualidade fí­
sica, mas ocorre agora uma possibilidade de representação que não é senti­
da como sendo uma presença física, mas reconhecida como "mera" repre­
sentação. Isto traz consigo as possibilidades do "mundo representacional"
(Sandler e Rosenblatt, 1962) e de representações de "sei/" e de "objeto",
termos que são utilizados no arcabouço da psicologia do ego [ver PSICO­
LOGIA DO EGO].

Objetos internos e representações. É com freqüência difícil apreender a distin­


ção existente entre o conceito de "objetos internos" tal como descrito pe­
los kleinianos, e o de "representações", descrito por freudianos ortodoxos
tais como Sandler e Rosenblatt. Devido à onipotência da fantasia inicial,
há uma experiência de um objeto real fisicamente presente dentro do ego,
sentido como fisicamente situado dentro do corpo e usualmente identifica­
do com uma parte deste: um nó na garganta, borboletas no estômago, etc.
são experiências comuns nas quais um pensamento concreto desse tipo
se insinua à percepção consciente. A teoria dos objetos internos é de que
uma crença desse tipo em uma presença concreta dentro do ego (self ou
corpo) constitui a moeda corrente dos processos inconscientes [ver 2 . FAN­
TASIA INCONSCIENTE]; a onipotência da fantasia realmente ocasiona
experiências e manifestações visíveis da personalidade da pessoa que se
conformam à crença nelas. Elas são o que acreditam ser.
Existe, portanto, uma semelhança com o tipo de descrição de estrutura
mental e objetos psíquicos fornecida por Freud quando formulou o modelo
de ego, id e superego. Enquanto que Freud apresentou esse modelo como
instrumento conceptual para que os psicanalistas o utilizassem em seu tra­
balho, a abordagem kleiniana é de que também os pacientes possuem mo­
delos do que suas mentes e corpos realmente consistem, e, na realidade,
acreditam neles. Segai (1964) relatou o sonho de um oficial naval que era
(...) uma pirâmide. Na parte de baixo desta pirâmide havia uma turbu­
lenta multidão de marujos portando um pesado livro de ouro sobre as
cabeças.,Sobre esse livro estava de pé um oficial naval da mesma paten-

388 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


te que ele e, sobre os ombros deste, um almirante. O almirante, disse
ele, parecia, à sua própria maneira, exercer uma pressão tão grande des­
de cima e ser tão inspirador de temor respeitoso quanto a multidão de
marinheiros que formava a base da pirâmide e, desde baixo, pressiona­
va para cima. (p. 2 1 )
O paciente prosseguiu descrevendo como este sonho representava a ele pró­
prio, com suas puísões vindo de baixo e sua consciência, de cima, Como
o paciente não possuía conhecimentos ou leitura sobre psicanálise, estava
utilizando um modelo de si mesmo, que teria agradado profundamente
Freud. Outros pacientes têm visões muito variadas de suas estruturas e
dos processos que se dão para criar essas estruturas (especialmente a intro-
jeção e a projeção) [ver REALIDADE INTERNA].
Em contraste, representações e imagens são conteúdos mentais a que
falta esse senso de concretude e são reconhecidas como representações, exa­
tamente como um símbolo verdadeiro é reconhecido como sendo um obje­
to que representa algo e não é realmente confundido com a coisa que re­
presenta [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS].
Embora o contraste seja feito para fins de esclarecimento, tanto objetos
internos quanto representações coexistem na vida mental dos indivíduos.
O mundo representacional é a atividade mental que se torna cada vez
mais proeminente, desde cedo na vida, e desenvolve-se à medida que o sen­
so de realidade interna se torna mais testado e exato com o começo da po­
sição depressiva [ver 1 0 . POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Seria verdadeiro dizer,
porém, que provavelmente nenhuma representação existe sem que haja
um objeto interno, e nenhuma manipulação mental de representações sem
uma correspondente fantasia inconsciente de relacionamentos a envolverem
objetos internos. Em circunstâncias normais, a concretude dos objetos in­
ternos não impede a apreciação mais realista do mundo que é fornecida
por representações e imagens. Entretanto, como as fantasias inconscientes
são as manifestações psicológicas das puísões, elas dão cor, energia, pai­
xão e significado à atividade mental; portanto, são as fantasias inconscien­
tes do mundo interno dos objetos que dão significância às representações
e imagens que são manejadas na mente consciente. O mundo dos objetos
internos corresponde aproximadamente ao conceito de 'Investimento afeti­
vo" das representações, tal como utilizado por psicanalistas ortodoxos
(ver Sandler, 1987),

Ver 5. OBJETOS INTERNOS; REALIDADE INTERNA.

Sandler, Joseph (1987), From safety to Superego, Karnac.


Sandler, Joseph e Rosenblatt, Bemard (1962), 'The concept of the representational world",
Psychoanal, Study Child, 17:128-45.
Scott, W, e Clifford, M. (1948), "Some embryologícal, neurological, psychiatrk and psycho-
analytic implícations of the body schema", Int. J. Psycho-A nal., 29:141-55.

R.D.Hinshelwood / 389
a l 7 3 ) X g f r t h 64)' lntr°ãuCtÍOn t0 the WOrk Klein, Heinemann; republicado

OC 7 n Durante a década de 1950, Bion come-


, J . X O S ç o u a elaborar uma teoria abrangente
do distúrbio esquizofrênico do pensamento, baseada nas conseqüêndas
e uma cisão fragmentária do ego. Demonstrou ele que o esquizofrênico
padece de uma cisão de certa parte do ego, qual seja, o aparelho perceptual:
(...) ataques são dirigidos contra o aparelho da percepção desde o início
da vida. Esta parte de sua personalidade é cortada, cindida em fragmen­
tos mmusculos e, depois, utilizando a identificação projetiva, expelida
da personalidade. Havendo assim se livrado do aparelho da percepção
consciente das realidades interna e externa, o paciente atinge um esta­
do que e sentido como nem vivo nem morto. (Bion, 1956, p. 3 9 )
A personalidade é assim esvaziada, mas os fragmentos ejetados do apare­
lho perceptual continuam a ter uma existência afastada como objetos bi­
zarros, Eles se introduzem onipotentemente em um objeto externo, para
ormar um objeto particularmente persecutório que possui uma percepção
da própria mente do esquizofrênico:

Cada partícula é sentida como consistindo em um objeto externo real,


encapsulãdo em um pedaço da personalidade que o engolfou. O caráter
desta partícula completa dependerá parcialmente do caráter do objeto
real, um gramofone, digamos, e em parte do caráter da partícula da
personalidade que o engolfa. Se o pedaço de personalidade acha-se pre­
ocupada com a vista, o gramofone, quando estiver tocando, será senti-
o como a vigiar o paciente. O objeto, raivoso por haver sido engolfa-
go, mcha, por assim dizer, e permeia e controla a parte da personalida­
de que o engolfa: até aí, a partícula é sentida como havendo se torna­
do uma coisa. (Bion, 1956, p. 39-40)

Mediante a evacuação repetida destas partes de sua mente, o pensamento


e a capacidade que o esquizofrênico tem de atender à realidade são progres-
sivamente reduzidas. A acumulação de objetos bizarros constrói um mun­
do egocêntrico persecutório no qual o esquizofrênico está destinado a per­
manecer aprisionado.

Ver PSICOSE; PENSAR; BION.

Bion, Wjifred (1956) "Development of sthkophreníc thought", Int. /. Psycho-Anal 37-344-6-


rePU^ ? < 1 * 2 ^ W ; R' Bi0n' See^ Heinemann, p .36-42.
D ) a \ D l^erentiaíion ° f fhe psychotic from non-psychotic personalifies" Int 1
Psycho-AnaL, 38:266-75; republicado (197) em W. R. Bion, Second tkoughts, p. 43-64. '

390 / Dicionário do Pensamento Kíeímano


A idéia de objetos parciais provém de
O bjetos p arciais Abraham. Falando de pacientes manía-
co-depressívos, relatou ele:
(...) um dos pacientes costumava com muita frequência ter a fantasia
de cortar a dentadas o nariz ou o lóbulo da orelha ou o seio de uma jo­
vem de quem gostava muito. Em outras ocasiões, costumava brincar
com a idéia de arrancar fora a dentadas o dedo do pai (...) Podemos
assim falar de incorporação parcial do objeto. (Abraham, 1924, p. 487)
Abraham via a mordida e a incorporação de uma parte do objeto como
manifestação da mais antiga forma (oral) de relacionamento amoroso com
um objeto. Achava ele que a mordida, com o amor, era uma ambivalên­
cia. Em sua teoria, objetos parciais representam um estágio de ambivalên­
cia, antes da conquista do amor objetai verdadeiro pós-ambivalente (obje­
tos totais).
Klein desenvolveu isto de modo inteiramente diferente. Ao analisar dire­
tamente crianças, demonstrou que a nítida seqüência de fases de Abraham
[ver LIBIDO] não era exata. Em 1935, descreveu como atingir um relacio­
namento objetai total resulta nas penosas dificuldades da ambivalência,
antes que na resolução desta; os relacionamentos objetais parciais acarreta­
vam a libertação do ego quanto à ambivalência [ver OBJETOS]. Dessa
maneira, para ela, a fantasia de cortar fora a mordidas um dedo ou outro
objeto parcial conduzia consigo o sentido de incorporar .um objeto bom,
o pênis "bom".
O objeto em ocional: Embora representados nas fantasias das crianças e
dos pacientes psicóticos como partes anatômicas, os objetos parciais pos­
suem muito pouca presença física e poucas qualidades físicas:
(...) o objeto de todas estas fantasias é, para começar, o seio da mãe.
Pode parecer curioso que o interesse da criança pequenina limite-se a
uma parte de uma pessoa, antes que à totalidade, mas tem-se de man­
ter em mente, primeiro de tudo, que a criança tem uma capacidade ex­
tremamente pouco desenvolvida para a percepção, física e mental, e,
depois (...) a criança pequena só está preocupada com suas gratifica­
ções imediatas. (Klein, 1936, p. 290)
O objeto parcial é, em primeiro lugar, um objeto emocional, possuindo
uma função, antes que uma existência material: "(...) o relacionamento
objetai parcial não é com as estruturas anatômicas somente, mas com a
função; não com a anatomia, mas com a fisiologia; não com o seio, mas
com a amamentação, o envenenamento, a vida, o ódio" (Bion, 1959, p. 102).
Como o bebê não pode perceber a verdadeira natureza e causa de suas
próprias sensações, elas são interpretadas de acordo com as experiências
(e conhecimento) inatas [ver 2 . FANTASIA INCONSCIENTE; CONHECI-

R.D.Hínshelwood / 391
MENTO INATO]. Em particular, o objeto possui um estado de sentimen­
to — bom ou mau — e tem intenções ou motivos para com o bebê. O ob­
jeto, de início, é sensorio, emocional e intencional, antes que físico. Des­
sa maneira, "o seio" não é capaz de conjurar as variadas imagens ou a pe­
numbra de significados associados que posteriormente terá na vida. Trata-
se de um objeto com um relacionamento mais simples com o bebê. Toca-
lhe a bochecha, introduz-lhe um mamilo na boca, para intuitos bons ou
maus. Apesar de possuir apenas estas qualidades efêmeras, ele é çompleta-
mente real para o bebê. Tais objetos são chamados de "objetos parciais",
embora, do ponto de vista do bebê, a parte seja tudo o que existe no objeto.
Onipotência: Na posição esquizoparanóide, um objeto parcial existe em
relação às sensações corporais do sujeito. Através da projeção para o obje­
to, ele se torna uma extensão narcísica das experiências do próprio ego e
a qualidade de separação do objeto bom não é reconhecida. Somente quan­
do o objeto vem a ser reconhecido como total é que ele assume apropria­
damente uma existência separada da do sujeito e isto acarreta a irada rea­
ção narcísica que realça os temores da posição depressiva, na qual o bebê
está tentando manter o objeto bom a salvo de danos.
A capacidade que o bebê tem de perceber pessoas como objetos totais
gradualmente se desenvolve, à medida que o aparelho visual entra em uso.
Esta capacidade de ver pessoas como totalidades não é apenas uma capaci­
dade do aparelho perceptual; ela representa também uma realização emo­
cional. De vez que objetos separados são definidos para o bebê em gran­
de parte em termos de seus sentimentos e intenções benévolos ou malévo­
los para com ele, então reunir as partes em algo mais integrado ou inte­
gral significa a fusão em um só objeto, com uma mistura de sentimentos
e intenções, dos objetos separados que representavam sentimentos e inten­
ções distintas. Este passo no sentido de sentimentos mistos apresenta uma
situação emocional que é inteiramente nova e muito penosa para o bebê
(ver 1 0 . POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Ele tem de abandonar uma visão oni­
potente de um mundo que foi criado por sua própria interpretação de
suas sensações corpóreas.
O bjetos parciais e síntese: As partes da personalidade podem ser separa­
das e expelidas para o mundo externo: "O fato de que nas fantasias de
George os papéis eram desempenhados por figuras que ajudam, distinguia
o seu tipo de personificações das do brincar de Erna. Três papéis princi­
pais achavam-se representados no brinquedo dele" (Klein, 1929a, p. 2 0 1 ).
O mundo interno era descrito, então, em termos de papéis que podem ser
representados de modo separado e que interagiam como se o fosse num
drama representado num palco. De fato, Klein relacionou especificamen­
te os dramas que ocorriam internamente no mundo de fantasia dos obje­
tos internos a um desempenho realizado sobre um palco (ver Klein, 1929b).

392 / Dicionário do Pensamento Kteiniano


Acredito que estes mecanismos (cisão/expulsão e projeção) constituem
um fator principal na tendência à personificação no brincar. Por meio
deles, a síntese do superego, que só pode ser mantida com esforço maior
ou menor, pode ser abandonada de momento. (Klein, 1929a, p. 205)
Mas o superego, como um todo, é constituído pelas variadas identifica­
ções adotadas nos diferentes níveis de desenvolvimento cuja estampa
portam (...) Já durante o processo de sua construção, o ego emprega
sua tendência à síntese esforçando-se por formar uma totalidade dessas
variadas identificações. (1929a, p. 204)
Foi a reunião, de maneira realística, de algumas dessas identificações que
Klein, em 1935> descreveu, por maneira teórica inteiramente nova, como
sendo a posição depressiva.
Posição depressiva: Trata-se de uma relação nova com a mãe, na qual a
própria e excepcionalmente boa e inteiramente bem intencionada mãe (um
objeto parcial) torna-se uma figura mista — até mesmo contaminada — e
não mais a fonte de perfeição que a criança deseja. E esta nova relação
com a mãe que constitui o âmago da posição depressiva: "(...) somente
quanto o ego introjetou o objeto como um todo (...) é ele capaz de perce­
ber plenamente a desgraça causada através de seu sadismo" (Klein, 1935,
p. 269). O bebê tem de lutar com o fato de que odeia, com a mais ilimita­
da e paranóide intensidade, a mãe que é agora vista também como a mãe
amada que o alimenta, cuida e ama. Uma confluência de emoções desse
tipo é extremamente perturbadora e pode-lhe opor resistência. As observa­
ções de Klein conduziram-na à opinião de que o bebê flutua entre as rela­
ções paranóides e a posição depressiva. As abordagens constantes a esta
última posição gradualmente permitem que a agitação emocional seja do­
minada [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA].
Um catálogo de objetos parciais incluiría: "bebês", "objeto mau", "seio",
"nádegas", "criança", "figura combinada dos pais", "fezes", "pai", "obje­
to bom", "leite", "mãe", "mãe-com-pênis", "pênis" e "útero".

Ver PAI; OBJETO MAU; FIGURA COMBINADA DOS PAIS.

Abraham, Kar! (1924), "A short history of the development of the Iibido", em KarI Abraham
(1927), Selected papers on psycho-analysis, Hogarth, p. 418-501.
Bíon, Wiifred (1959), "Attacks on linking", Int, J, P sycho-A n al, 40:308-15; republicado
(1967) em W. R. Sion, Second thoughts, Heínemann, p. 93-109.
Klein, Melanie (1927), "Criminal fendencies in normal children", W M K 1, p. 170-85.
-------- . (1929a), "Personification in the play of chiidren", WMK 1, p, 199-209.
-------- . (1929b), "Infantile anxiety-situations reflected in a work of art and in the Creative im­
pulse", WMK 1, p. 210-18.
-------- . (1935), "A contribution to the psychogenesis of manic-depressive States'', tVMK 1, p.
262-89.
-------- . (1936), "Weaning", WMK 1, p. 290-305.

R.D.Hirtshelwood / 393
Observação de bebêsSCSTír. tíí,S
Guerra Mundial era substanciar as opiniões de Freud a respeito da infân­
cia, as quais ele havia formulado por extrapolação retrocedendo desde o
estado adulto. O mesmo imperativo começou a ser sentido a respeito das
descobertas das experiências do bebê no primeiro ano de vida que haviam
provindo da análise, feita por Klein, de crianças mais velhas (de aproxima­
damente dois anos e meio em diante). No começo da década de 1950, fize­
ram-se tentativas para observar esta idade evolutiva.
O problema é o de ser um observador externo, sem método direto de
tornar-se um ouvinte ao mundo interno do bebê. O estágio de desenvolvi­
mento é uma fase em que a vida simbólica encontra-se em um mínimo e,
portanto, as possibilidades de comunicação (que normalmente dependem
de símbolos) são igualmente mínimas. O método utilizado com adultos é
uma comunicação verbal mútua; com crianças, é o brincar delas que se
observa e do qual, às vezes, se participa [ver ANÁLISE DE CRIANÇAS].
Com bebês, torna-se necessário um método novo. O bebê conceptualiza
tudo em termos de objetos em relação a seu corpo, as partes deste e as sen­
sações e satisfações diretas delas. Sem alguma forma de comunicação sim­
bólica, é qualquer ingresso no mundo do bebê de algum modo possível?
A questão foi furiosamente discutida nos Debates sobre as Controvér­
sias, em 1943. Quando o artigo desse ano de Susan ísaacs ("A natureza e
a função da fantasia") foi posteriormente publicado (1948), ela incluiu nele
uma exaustiva introdução que tentava validar o processo da inferência psi-
canalítica: se Freud havia extrapolado, retrocedendo à infância a partir
de adultos, então era válido para Klein extrapolar para a primeira infância
o seu trabalho com crianças.
Klein também efetuou observações diretas de bebês, interpretando, com
base em suas próprias descobertas, os tipos de experiências nas mentes de­
les. De modo interessante, quando seu artigo acabou por ser publicado
(Klein, 1952), ele demonstrava apenas quanta atenção ela havia concedi­
do ao meio ambiente da mãe e ao estado mental desta como meio ambien­
te primário da criança. Ele efetivamente apoiava do dito "não existe essa
coisa chamada bebê" (Winnicott, 1960). Joseph (1948) debateu uma rápi­
da observação, em termos do problema de efetuar uma intervenção tera­
pêutica. À parte estas observações felizes efetuadas por acaso, o interesse
em bebês fez um progresso lento.
Com unicação não sim bólica: Quando finalmente se compreendeu que exis­
tem variedades diferentes de identificação projetiva (Bion, 1957) [ver 13.
IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA], uma via no sentido de um método de
observação de bebês tornou-se possível. A identificação projetiva não é
uma forma simbólica de comunicação, mas compreendeu-se que o impac­
to direto de um estado mental sobre outro pode ter um potencial comuni-

394 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


cativo que é externo ao mundo dos símbolos {''identificação projetiva nor­
mal"). As vezes, os símbolos podem mesmo ser um instrumento utilizado
para o fim de efetuar um impacto direto desse tipo (comunicações não-ver-
bais segundo o tom da voz, etc.). Desta maneira, os analistas que estavam
se tornando sensíveis ao emprego de suas próprias reações como instru­
mentos de compreensão [ver CONTRATRANSFERÊNCIA] puderam vir
a entender um método que não exigia expressões simbólicas do mundo in­
terno. No método de observação de bebês, contudo, o impacto direto dos
estados mentais deve ser o daqueles que se dão entre o bebê e a mãe. As­
sim, a mãe tornou-se o veículo para tornar manifestas as interações do be­
bê com os objetos, equivalente às coisas com que a criança brinca na análise.
O bservação de bebês: Bick iniciou este trabalho em 1948, como exercício
de formação para estudantes de psicoterapia e psicanálise de crianças (por
exemplo, Magagna, 1987; Glucksman, 1987; di Ceglie, 1987). Ela começou
as observações sistemáticas dos bebês com suas mães em casa em uma ba­
se semanal durante todo o primeiro ano de vida (Bick, 1964, 1968 e, postu­
mamente, 1986). Como se podia esperar, os resultados confirmaram par­
cialmente os resultados da análise de crianças e em parte contribuíram com
novos fatos e teorias, algumas das quais permanecem, no presente, um tan­
to fora da corrente principal do pensamento kleiniano [ver BICK], quais
sejam, a qualidade passiva de ser mantido unido pelo primeiro objeto e a
natureza da identificação adesiva,
Bick descreveu as primeiríssimas tentativas de introjetar um objeto que
manteria unida a personalidade [ver 1 1 . POSIÇÃO ESQUIZOPARANOI-
DE]. Percebeu ela, na interação mãe-bebê, que este primeiro objeto era
particuíarmente experienciado através do contato epidérmico, e a sensação
da pele como objeto continente.

Ver PELE; IDENTIFICAÇÃO ADESIVA.

Bick, Esther (1964), "Notes on infant observation in psycho-analytíc training", Int. J. Psycho-
A n a l, 45:558-66; republicado (1987) em Martha Harris e Esther Bick, The collected pa~
pers o f M artha Harris and Esther Bick, Perth, Clunie, p. 240-56.
-------- . (1968), “The experience of the skin ín early object relations", Int. ]. Psycho-Anal.,
49:484-6; republicado (1987) em The collected papers o f Martha Harris and Esther Bick, p . 114-8.
-------- . (1986), ''Purther considerations of the function of the skin in early object relations".
Br. J. Psychother., 2:292-9,
Bion, Wíifred (1957), "Dífferentiation of the psychotic from the non-psychotic personalities",
Int. }. Psycho-A nal, 38:286-75; republicado (1967), em Secondthoughts, Heinemann, p. 43-64.
di Ceglie, Giovanna (1987), "Projective Identification in mother and baby relationship", Br.
J. Psychother., 3:239-45.
Glucksman, Marie (1987), "Clutching ant straws: an infant's response to lack of maternal
containment", Br. J. P sychother., 3:340-9.
Isaacs, Susan (1948), "The nature and function of phantasy", Int. J. P sycho-A n al, 29:73-97',
republicado (1952) em Melanie Klein, Paula Heimann, Susan Isaacs e Joan Riviere, (orgs.),
D evelopm ents in psycho-analysis, Hogarth, p. 66-121.

R.D.Hinshelwood / 395
Joseph, Betty (1948), "A technical problem in the treatment of the infant patient", Int. /,
Psycho-A nal., 29:58-9.
Klein, Melanie (1952), "On observing the behaviour of young infants", WMK 3, p. 94-121.
Magagna, Jeanne (1987), "Three years of infant observation with Mrs Bíck", Journal o f Chtlà
Psychotherapy, 13:19-39.
Schmideberg, Melitta (1934), "The play analysts of a three-year-old girl", Int. J. Psycho-A-
n a l, 15:245-64.
Wínnicòtt, D. W. (1960), "The theory of the infant-parent relationship", Int. /, P sycho-A nal.,
41:585-95.

/A * |A « Os estágios iniciais da primeira infância são ca-


W n i p O t c r l C l d . racterizados por pensamentos, sentimentos e
fantasias onipotentes. Para Klein, a importância da onipotência estava liga­
da a temores de uma destrutividade onipotente e ao fato de que certas ati­
vidades de fantasia, espedalmente as envolvidas nos mecanismos primiti­
vos de defesa (absorver, expelir, aniquilar), têm efeitos profundos e perma­
nentes sobre o desenvolvimento do ego e suas relações objetais característi­
cas. Klein considerava estas fantasias onipotentes [ver 9. MECANISMOS
PRIMITIVOS DE DEFESA] como defesas contra a experiência da separa­
ção, dependência e inveja.

Onipotência da fantasia. As fantasias iniciais de receber em si e expelir são


experienciadas pelo bebê como reais e a darem origem a uma "alteração
do ego" concreta. Esses mecanismos onipotentes iniciais são, portanto, res­
ponsáveis por desenvolvimentos reais no self e no ego. Na fantasia, acredi-
ta-se que certos objetos residam dentro e formem uma parte do self: exem­
plificando, um objeto "bom" introjetado, com um conseqüente desenvolvi­
mento real de um sentido de segurança e confiança. A perda concretamen­
te sentida do objeto interno bom tem efeitos opostos. O objeto mau expe-
rienciado internamente é sentido como uma ameaça paranóide à vida [ver
5. OBJETOS INTERNOS; OBJETOS].
As fantasias onipotentes ingressam na constituição psicológica por di­
versas maneiras:
(i) A onipotência com o defesa: O sentimento de onipotência é importante
nos mecanismos primitivos de defesa que se acham envolvidos com o rom­
pimento das fronteiras do ego, de maneira a que as experiências de separa­
ção e inveja sejam evitadas [ver 9. MECANISMOS PRIMITIVOS DE DE­
FESA].
(ii) Estados narcísicos: As defesas onipotentes também podem criar confu­
são entre self e objeto, a qual persiste como "relações objetais narcísicas
onipotentes" (Rosenfeld, 1987), conduzindo a um estado de narcisismo du­
radouro (Segai, 1983) [ver NARCISISMO].
(iii) Organização narcísica: Estes estados onipotentes podem se tornar orga­
nizados na personalidade, para criar uma forma de narcisismo negativo,

396 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


descrita por Rosenfeld (1987) em termos de partes más onipotentes do self
que se engajam em relações intimadoras ou sedutoras a aprisionarem as
partes boas do self [ver ESTRUTURA].

Desenvolvimento. Normalmente, a saída para este sentimento de onipotência


surge através da experiência de desamparo, por uma maneira mediada por
objetos continentes externos, que podem ser introjetados e com eles se esta­
belecer identificação. O abandono da invasão ou incorporação narcísica
de objetos constitui passo essencial no desenvolvimento da posição depres­
siva [ver 1 0 . POSIÇÃO DEPRESSIVA] e do reconhecimento da realidade
dos objetos por seu próprio direito.

Onipotência e invasão ambiental. Em contraste, Winnicott considerava a oni­


potência como uma área protegida desde o início que deve resistir à coli­
são, visão que se assemelhava à da teoria clássica do narcisismo primário
[ver NARCISISMO]. Sem uma distinção entre ele próprio e a mãe, o be­
bê existe em um estado de "onipotência primária". O papel da mãe, na
opinião de Winnicott, é prover a criança de maneira tal que lhe permita
continuar com sua crença delirante em sua própria onipotência. Ela, des­
se modo, provê a satisfação necessária (o seio) exatamente no lugar e no
momento em que o bebê está alucinando a satisfação de sua própria fo­
me. A segunda tarefa principal de uma mãe, segundo Winnicott, é locali­
zar com exatidão os momentos em que o bebê começa a estar pronto pa­
ra sair de sua onipotência. Ela pode então introduzir um momento de frus­
tração, uma ausência de satisfação, no momento certo e na ocasião corre­
ta. A "mãe suficientemente boa" é o grau certo. A transição desde a onipo­
tência infantil para uma realidade mais exata fracassa se a confrontação
com a mãe for feita de modo demasiado brutal e prematuro, e o bebê so­
fre então uma experiência a que Winnicott deu o nome de colisão.
Winnicott (1953) descreveu a maneira pela qual o bebê sai fora do esta­
do de narcisismo primário mediante um passo intermediário: ele busca e
cria objetos transicionais ou intermediários como estágios de meio de ca­
minho, de maneira que a onipotência infantil nunca tem de ser inteiramen­
te abandonada. Winnicott parece retornar a uma visão mais ortodoxa do
narcisismo primário, embora a chame de onipotência primária. O ego, se
assim ele pode ser chamado na opinião de Winnicott, tem a função primá­
ria isolada de não experienciar qualquer sentido de si próprio em um mun­
do. O ego não possui mecanismos de defesa que sejam seus e o meio am­
biente fica encarregado de defender esse estado mental de onipotência indi-
ferenciada.

Rosenfeld, Herbert (1987), Im passe and interpretation, Tavistock.


Segai, Hanna (1983), "Some clinicai implications of Melaníe Klein's work", Int. J. Psycho-
A nal., 64:269-76,

R.D.Hínshelwood / 397
Winnicott, Donald (1953), "Transi tional objects and transitional phenomena", Int. J, Psycho-
Anal., 34:89-96; republicado (1971), em D. W. Winnicott, Playing and reality, Tavistock.

• — . / •
Nos últimos anos,
O rg an izaçõ es p ato ló g icas 1
pacientes com gra­
ves distúrbios de personalidade foram submetidos a uma investigação
mais atenta (Rey, 1979). Joseph (1975, 1978) descreveu os problemas técni­
cos de trabalhar com esses pacientes [ver TRANSFERÊNCIA; CONTRA-
TRANSFERÊNCIA; 1. TÉCNICA]. Eles não parecem ser psicoticamente
deficientes demais, mas sim atolados em um nível de distúrbio que não
muda, ou muda apenas lentamente, com análises muito longas (Spillius,
1988). Tal como o trabalho efetuado com pacientes psicóticos na geração
anterior, e com crianças na geração que precedeu à última, o trabalho com
os pacientes acima mencionados deu origem a certos desenvolvimentos teó­
ricos.
De um ponto de vista kleiniano, as personalidades fronteiriças ou limí­
trofes apresentam três características principais:
(i) elas ficaram empacadas em alguma posição intermediária entre as posi­
ções esquizoparanóide e depressiva, com uma defensividade complexa tan­
to contra a fragmentação da posição esquizoparanóide quanto contra a
culpa e a responsabilidade de posição depressiva (Joseph, 1989) [ver EQUI­
LÍBRIO PSÍQUICO];
(ii) desenvolveram-se no contexto de um excesso de pulsão de morte e in­
veja, mas conseguiram desenvolver certos tipos de relações objetais está­
veis, ainda que estas se organizem em torno da dominância das partes
"más" do self sobre as partes "boas" [ver ESTRUTURA; NARCISISMO
NEGATIVO];
(iii) a estabilidade da personalidade é especialmente frágil e elas consegui­
ram chegar além da posição esquizoparanóide apenas pelo desenvolvimen­
to de um sistema rígido de defesas, conhecido origínalmente como organi­
zação narcísica (Rosenfeld, 1964), depois, sistema delirante dé defesa (Se­
gai, 1972), organização defensiva (0'Shaughnessy, 1981) e, então, mais re­
centemente, como organização patológica (Steiner, 1982; Spillius, 1988),
de vez que sua função e, de modo claro, não apenas defensiva, mas tam­
bém uma adesão rígida a certos tipos de relações objetais e fonte de consi­
derável prazer de tipo patológico e, usualmente, perverso [ver NARC1SIS-
MO; ESTRUTURA].
Vários autores pesquisaram estes "pacientes com um ego fraco que, com
mais perseguição que o normal, chegam na primeira infância às fronteiras
da posição depressiva, tal como definida por Klein (1935), mas são então
incapazes de com ela lidar e, ao invés, formam uma organização defensi­
va" (0'Shaughnessy, 1981, p. 359) [ver ANSIEDADE DEPRESSIVA; AN-

398 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


SIEDADE]. 0'Shaughnessy distinguiu as defesas em um desenvolvimento
mais normal das da organização defensiva:
Diferentemente das defesas — fragmentadas, transitórias em maior ou
menor grau, recorrentes —, que fazem parte normal do desenvolvimen­
to, uma organização defensiva é uma fixação, uma formação patológi­
ca (...) Expressas em termos kleinianos, as defesas são parte normal do
Hdar com a posição esquizoparanóide e a posição depressiva; já uma
organização defensiva, por outro lado, constitui uma organização pato­
lógica fixa em uma ou outra posição ou sobre a linha de fronteira entre
elas. (0'Shaughnessy, 1981, p. 363)
Ela deu ênfase ao "controle e à transferência estática característica do
funcionamento de uma organização defensiva" (0'Shaughnessy, 1981, p.
363), visando a "uma total e perpétua organização de seus relacionamen­
tos internos e externos, de maneira a excluir todo distúrbio" (0'Shaugh-
nessy, 1981, p. 366).
A idéia de uma estrutura fixa de defesas provém, direta ou indiretamen­
te, do caso Schreber e da descrição feita por Freud da construção de um
delírio organizado no lugar de uma realidade fragmentada e aniquilada
(Freud, 1911). Riesenberg-Malcoím (1970) descreveu um caso em que uma
fantasia sadomasoquista era continuamente empregada para reconstruir
uma atividade mental e um mundo interno organizados, em seguida a
uma fragmentação psicótica da personalidade. Segai (1972) descreveu um
sistema defensivo rígido semelhante, o qual se destinava a impedir uma
psicose em seguida a um colapso psicótico da infância. Subseqüentemente,
porém, os kleinianos adicionaram à formulação de Freud dois conceitos
(elementos, conforme Spillius (1988) os descreveu):
(a) Equilíbrio psíquico: A estase na flutuação normal entre a posição es­
quizoparanóide e a posição depressiva [ver Ep-D], Embora os autores ini­
ciais (Riesenberg-Maícolm, 1970; Segai, 1972) houvessem descrito casos
em que a organização defensiva combate um colapso psicótico, ele é ago­
ra encarado como um recuo a partir das ansiedades tanto da posição es­
quizoparanóide quanto da posição depressiva. O desenvolvimento da per­
sonalidade detém-se antes que a posição depressiva tenha sido corretamen­
te alcançada e as defesas organizadas visam à manutenção da imobilida­
de e à retenção de um caráter onipotente.
(b) Aspectos agressivos do narcisismo: Sob a dominância da pulsão de
morte, a personalidade se estrutura em torno da organização de defesas
onipotentes.

Estrutura da personalidade. O artigo de Bion (1957) distinguiu entre uma par­


te psicótica da personalidade e outra não-psicótica [ver PSICOSE; 13. IDEN- *
TIFICAÇÃO PROJETIVA]. Esse trabalho foi seminal dentro e fora do Gru­

R.D.Hinshelwood / 399
po Kleiniano. Mais tarde, ele descreveu um mundo interno em que a fun-
ção-alfa fracassa; trata-se de um mundo dominado pelo despojamento de
significado de todas as experiências e pela produção de mísseis extrema­
mente persecutórios (elementos-beta), expelidos com a finalidade de elimi­
nar toda a experiência (Bion, 1962) [ver PENSAR; FUNÇÃO-ALFA]. A
idéia de partes separadas de uma personalidade isolada dividida segundo
o eixo psicose-neurose conquistou considerável peso e foi central para as
idéias relativas à estruturação da personalidade [ver ESTRUTURA]. Melt-
zer (1968) e Money-Kyrle (1969) descreveram conflitos internos entre uma
parte do self que era capaz de experíenciar a dependência e relações obje­
tais mais realísticas, e outras partes que assumia uma atitude de deboche
para com os benefícios das relações objetais e constantemente distorcia o
indivíduo no sentido de atitudes fúteis, desesperantes, destrutivas ou auto-
destrutivas [ver ESTRUTURA], Money-Kyrle (1969), nesta ocasião, descre­
veu também a luta interna entre as partes sãs e insanas do self.
Idealização das partes >!m âs>r do self: Rosenfeld (1971) descreveu a idealiza­
ção do self 'mau" e o narcisismo negativo como sendo proposição geral
nesses pacientes ''fronteiriços" [ver NARCISISMO; NARCISISMO NEGA­
TIVO]. Descreveu uma estrutura na qual, tal como na de Meltzer, a pul-
são de morte se organiza dentro da personalidade como um objeto, ou gru­
po de objetos, que domina o restante da personalidade. As partes destruti­
vas e autodestrutivas da personalidade exigem ser idealizadas e intimidam
ou seduzem as partes amorosas, construtivas e mais realísticas da persona­
lidade a essa idealização. Sxdney Klein reenfatizou em 1980 a importância
da descrição original, feita por Bion, do contraste entre psicótico e não-
psicótico dentro da personalidade e descreveu clinicamente o conhecimen­
to inconsciente, por seus pacientes, de estruturas dentro deles próprios a
que deu o nome de "autistas". Áreas da personalidade são dominadas pe­
la pulsão de morte e encapsuladas e separadas do restante da personalida­
de, que mantém um estado mais "normal" (neurótico). Estas cápsulas emer­
giam em sonhos como objetos de casca dura, tais como moluscos, etc., e
Sidney Klein referiu-se ao conceito de Rosenfeld (1978) de "ilhotas" de psi­
cose que podem ser convertidas em patologia somática. Por volta desta
época (1970), Brenman (1985a e b) descreveu um superego cruel que domi­
nava internamente a personalidade da maneira- antes descrita por Bion
(1962). A fim de manter uma crença idealizada nos aspectos cruéis, vinga­
tivos e destrutivos da personalidade, argumenta Brenman, é necessária
uma grosseira restrição da percepção, uma estreiteza de mente. Isto elimi­
na a compreensão humana e exige "a adoração da onipotência, que é sen­
tida como superior ao amor humano e à capacidade humana de perdoar,
o apego à onipotência como defesa contra a depressão e a santificação do
ressentimento e da vingança" (Brenman, 1985a, p. 280), Esta supressão
da percepção é ilustrada também por Steiner (1985).

400 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


O identificado: Sohn (1985) descreveu o aspecto central das organizações
patológicas como sendo uma identificação com um objeto específico, e,
em particular, a identificação se dá por projeção onipotente [ver 13. IDEN­
TIFICAÇÃO PROJETIVA]. Rosenfeld (1964) achou que esta identificação oni­
potente se dá também por identificação introjetiva simultânea (o ego se identifi­
ca com os atributos bons e os denega no objeto). Tomar-se o objeto induz o sen­
so de onipotência, ou o realça e o self pode ter o prazer de ser um objeto novo
(ver ONIPOTÊNCIA]. A dominância da destrutividade, contudo, traz conse-
qüências consigo: (i) a desvalorização do objeto, cujas qualidades são expro-
priadas através desta identificação invasiva, e (ii) a cisão, e, portanto, o enfra­
quecimento do self. O ego se cinde entre o self necessitado e dependente e uma
parte mais onipotente. É a última que assume o objeto, adota as qualida­
des dele como suas próprias, infla ainda mais a onipotência, denega a exis­
tência de outras partes, mais fracas, do ego, e pode então acreditar ser o
ego total, e um ego melhorado. Ele domina sobre o restante do mundo in­
terno e apaga a existência de um mundo externo separado. A invasão e o
controle do objeto, que é então incorporado como uma espécie de satélite
do self, é um composto das propriedades do objeto e da arrogância do
self, um precipitado a que Sohn dá o nome de identificado.
O ego, esvaziado pela cisão, e o objeto, desvalorizado pela apropriação
de seus atributos, dão origem a um vazio que é realçado porque o self oni­
potente pode com frequência mudar o seu objeto, transformando-se repeti­
damente em novos objetos, a fim de manter a cisão, a projeção, o contro­
le e a onipotência. Esta falsidade foi em outros lugares descrita como pseu-
do-aliança (Joseph, 1975), submissão (Riesenberg-Malcolm, 1981a) ou pseu-
do-integração (Steiner, 1987). Brenman (1985b) explorou mais as múltiplas
e rapidamente mutantes identificações com objetos ideais, "um objeto os­
tensivamente total usado como objeto parcial" (Brenman, 1985b, p. 424)
fver OBJETOS PARCIAIS].

Pontos de pesquisa em andamento. Estas descrições são suficientemente fre-


qüentes e coerentes para sugerirem uma adição válida ao pensamento klei-
niano. Contudo, permanece um certo número de pontos sobre os quais
os diversos autores não coincidem.
Cisão ou ligação: Steiner (1982) debateu se existe realmente uma cisão cla­
ra entre partes "boas" e "más" da personalidade. Concluiu ele que "esta­
mos lidando aqui não com uma cisão entre bom e mau, mas com as conse­
quências de um colapso na cisão e a remontagem dos fragmentos em uma
mistura complexa, sob a dominância de uma estrutura narcísica onipoten­
te" (Steiner, 1982, p. 250). Tanto na parte narcísica e defensiva quanto
na parte mais sadia há provas de uma fusão das pulsões, de uma "ligação":
Se presumirmos que uma parte destrutiva primitiva do self existe em to­
dos os indivíduos, um determinante importante do resultado será a ma­

R.D.Hinshelwooâ / 401
neira pela qual as partes remanescentes da personalidade lidam com es­
sa destrutividade. Nos pacientes psicóticos, esta parte destrutiva do self
domina a personalidade, destruindo e imobilizando as partes saudáveis,
No indivíduo normal, a parte destrutiva é menos escindida, de manei­
ra que pode, em maior grau, ser contida e neutralizada pelas partes sa­
dias da personalidade. Permanece uma situação intermediária, em que
o equilíbrio é maior, o que resulta, clinicamente, em estados fronteiri­
ços e narcísicos. Aqui, a parte destrutiva do self não pode ignorar com­
pletamente as partes sadias, sendo forçada a levá-las em conta e a ingres­
sar em uma ligação com elas. (Steiner, 1982, p. 242)
A ligação cria uma questão complexa, na qual partes sadias da persona­
lidade são induzidas a conscientemente conluiar-se com intuitos sentidos
como destrutivos e são assim perversamente utilizadas para mascarar-se
como saúde [ver PERVERSÃO],
Excitação: Em muitas destas descrições, a organização patológica oferece
gratificações perversas de um tipo excitante, nas quais os objetos são oni­
potente e sadomasoquistamente controlados (Meltzer, 1968; Riesenberg-
Malcolm, 1970; 0'Shaughnessy, 1981; Joseph, 1975, 1982, 1983; Brenman-
Píck, 1985), A excitação seduz as partes cooperativas da personalidade pa­
ra longe do desenvolvimento normal e das relações objetais "boas" e curativas:
Tecnicamente, é extremamente importante estar claro se o paciente es­
tá-nos falando a respeito de um desespero real e comunicando-nos esse
desespero (ou depressão ou medo ou perseguição), que ele quer que com­
preendamos e o ajudemos com ele, ou se está se comunicando de ma­
neira a primariamente criar uma situação masoquista na qual pode ser
apanhado. (Joseph, 1982, p. 318)
O funcionamento de uma organização patológica distorce as realidades
interna e externa de tal maneira (Riesenberg-Malcolm, 1981b; Joseph, 1983)
que estes pacientes têm sido às vezes chamados de "perversões de caráter"
[ver PERVERSÕES], ainda que possam não apresentar perversões sexuais
explícitas. Entretanto, o elemento sadomasoquista destas defesas não é in­
variavelmente relatado, de maneira que resta a ser visto se ele constitui
elemento integrante da organização patológica.
R elações internas das organizações patológicas: Na descrição que Sidney
Klein (1980) fez das partes autistas do self, o paciente parece ser inatingí­
vel porque grande parte da.personalidade acha-se encerrada dentro da par­
te psicótica encapsuíada da personalidade. Em contraste com isso, outros
autores consideraram a organização patológica como profundamente im­
plicada em um conflito interno que surge da intimação (Rosenfeíd, 1971)
ou sedução (Meltzer, 1968; Riesenberg-Malcolm, 1970) das partes "boas"
do self pelas partes "más". Steiner, por sua vez (1982), postulou a existên­
cia de uma ligação entre as partes "más" e "boas" do self. Dessa maneira,

402 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


três inter-relações possíveis entre as partes "boas" e "más" do self foram
relatadas:
(i) as partes permanecem relativamente não-interatuanies, através da cria­
ção de uma cápsula dura;
(ii) as partes acham-se empenhadas, sob a domínância das "más", em evi­
tar todo movimento emocional, ou
(iii) a parte "boa" do self, consciente e voluntariamente, conluía-se com a "má",
Ainda não está claro se essas inter-relações constituem diferentes formu­
lações teóricas da mesma patologia ou se elas são formulações de diferen­
tes fenômenos clínicos.

O bjeto e self: Estas descrições da cisão do ego, ou do self, e seu relaciona­


mento confíitívo resultante às vezes chegam muito perto de soar como
um conflito interno entre o self e um objeto interno "mau". Bio (1962),
por exemplo, estabeleceu uma ligação específica entre o aparelho para eva­
cuação da experiência, na mente do psicótico, e o superego persecutório.
Este vínculo é mencionado também por Brenman: "o superego primitivo
e severo está vinculado com uma poderosa organização patológica" (Bren­
man, 1982, p. 304).
Embora a organização claramente derive das defesas e impulsos do ego,
seu status exato quanto às relações objetais não está claro. Em parte, isto
provém da qualidade onipotente das fantasias envolvidas, que criam uma
confusão entre self e objeto. A descrição que Meltzer (1973) fez da identifi­
cação projetiva para dentro de objetos internos pode ser uma maneira de
descrever esta ocorrência de aparência obscura, na qual partes separadas
do self tornam-se, aparentemente, objetos internos não assimilados.

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) _ * Ao nascimento, qualquer experiência que mais tarde se torne ligada


C l l com "pai" é, inteiramente, um objeto construído, a aparecer na vida
inconsciente de fantasia. Quando o bebê, na posição esquizoparanóide,
descobre que não há objeto para satisfazê-lo (quando a mãe, em algum
respeito, esteja ausente), ele experiencia um objeto mau [ver OBJETO
MAU], Este objeto mau se fantasias de nível genital estiverem operando,
será concebido como um casal odiado e temido, empenhado em uma união
exclusiva, geraimente de tipo muito violento e danificador [ver FIGURA

404 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


COMBINADA DOS PAIS]. Parte desta união é, então, um objeto parcial
que ocupa a mãe (o pênis) ou o seio da mãe {o mamilo), o qual acabará
por ser atribuído, mais tarde, a um pai estrito e repressor, quando este for
mais conhecido como figura externa por seu próprio direito.
Às vezes, pode haver fantasias protetoras que estabelecem o pênis co­
mo guardião do espaço materno e servem para diminuir a ansiedade de im­
pulsos excessivamente violentos no bebê.
Num período ligeiramente posterior, quando o bebê pode estabelecer
mais figuras (objetos totais) em sua vida, o pai será um objeto para quem
voltar-se, por causa do desapontamento com a mãe (de modo típico quan­
do do desmame, achava Klein), quando ele pode ser amado e com ele o
bebê pode se identificar. O pai é a primeira oportunidade para explorar-
-se novos objetos, podendo então aliviar um pouco da intensidade da posi­
ção depressiva.
Gênero: Os objetos parciais "mãe", "pênis", "seio", "mamilo", etc. surgem
primeiramente como objetos que povoam a fantasia inconsciente e são
mais tarde atribuídos a membros da família. É importante lembrar que,
embora a atribuição social de gêneros à mãe e ao pai reais parece classifi­
car os objetos parciais entre os pais — "mãe", "seio" à mãe real; "pênis"
ao pai — a criança não faz isso. Antes da socialização e da aceitação mais
consciente desses atributos de gênero, o bebê experienciará esses objetos
parciais em qualquer dos genitores e, depois, apesar das atitudes socializa­
das, pode continuar a existir uma busca ardente pelos aspectos maternais
dos homens ou pelos aspectos masculinos das mulheres. De fato, a união
dos pais permanece dentro da personalidade e a maturidade consiste em
uma capacidade crescente de tolerar, acolher e valorizar ambos os aspec­
tos, abraçados juntos dentro do self.

Ver OBJETOS PARCIAIS.

■r^ / * Desde o início de seu trabalho Klein ficou impressiona-


1 â r â . n O 1 0 [ da pela qualidade violenta do brincar das crianças e
da vida humana de fantasia. Ela logo percebeu que as inibições e os pro­
blemas neuróticos nas crianças surgiam do medo intenso que provinha das
fantasias de agressão. A prevalência dos sentimentos e das relações obje­
tais paranóides levou-a, em 1935, a contrastar a posição depressiva com
uma posição paranóiáe anterior. A ultima expressão foi abandonada em
1946, quando Klein introduziu o termo "posição esquizoparanóide" [ver
1 1 . POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE],

O círculo -vicioso paranóiáe: Klein sempre se ocupou com a fonte dessa


agressão. As fantasias agressivas conduzem ao medo intenso da retaliação.
O medo provoca mais medo e violência, que, por sua vez, causam mais

R.D.Hinshehoood / 405
medo de retaliação, Ela retratou isto como um "(...) círculo vicioso domi­
nado pela pulsão de morte, no qual a agressão dá origem à ansiedade e a
ansiedade reforça a agresão' (Klein, 1932, p. 150), Ela descreveu a manei­
ra pela qual as crianças podem se ver apanhadas por este círculo vicioso
que conduz ao pânico e ao pavor noctumuB {terrores noturnos) e desco-
briu~se a pensar a respeito da relação entre esses estados e a«psicose para-
nóide nos adultos. Ela acabou por descobrir, em uma criança gravemen­
te inibida, que esses temores paranóides eram tão intensos que inibiam to­
da a atividade, inclusive a capacidade de criar símbolos. Klein percebeu
então que esses crescendos de agressão e medo eram, em verdade, a base
para as psicoses {Klein, 1930).
Embora Klein estivesse muito cônscia da importância dos sentimentos
amorosos e bons [ver AMOR], ela sempre encarou os impulsos agressivos
e os círculos viciosos a que dão origem como sendo o distúrbio decisivo
que interrompia a capacidade de amar.

Ver 12 . INVEJA; PULSÃO DE MORTE; PSICOSE.

Klein, Melanie (1930), "The importance of symbol-formation in the development of the ego"
WMK 1, p. 319-32. '
-------- . (1932), "The psycho-artalysis of chiídren", WMK 2.

c o m m
X d V UI bCÍIl num eo Este foi um íermo usado pela pnmei-
ra vez por Karín Stephen {1941) para
descrever o grau extremado de ansiedade na primeira infância: "um pavor
da impotência em face da tensão da pulsão na infância" (p. 161). "Pavor
sem nome" ou "pavor inominável" recebeu mais tarde de Bion um signifi­
cado mais pleno e específico para descrever um estado de medo sem sen­
tido que surge no contexto de um bebê com uma mãe incapaz de "rêverie"
[ver RÊVERIE], conceito derivado da teoria bioniana do conter [ver CON­
TER], Quando a mãe fracassa em conter os terrores do bebê e torná-los
significativos, este "objeto rejeitante da identificação projetiva" [ver PEN­
SAR] é sentido como despindo de significado a experiência e o bebê; este
portanto reintrojeta, não um medo de morrer tornado tolerável, mas
um pavor sem nome" {Bion, 1962a, p. 116). Com a recorrência repetida
deste fracasso projetivo, um objeto interno é formado segundo as mesmas
linhas através da introjeção; este objeto destrói o significado e deixa o sujei­
to em um mundo misterioso e sem sentido:
Na prática, significa que o paciente sente-se cercado não tanto por obje­
tos reais, coisas-em~si, mas por objetos bizarros que são reais apenas
no fato de serem o resíduo de pensamentos e concepções que foram des­
pidas de seu significado e ejetadas (Bion, 1962b, p. 9 9 ) [ver CONTER}.
Um objeto interno que despoja de significado dá surgimento a um supere-
go que edita injunções sem sentido a respeito do comportamento.

406 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


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1 Bick (1964) introduziu a observação de bebês como parte da forma-


1 C i e ção de estudantes de psicoterapia e psicanálise de crianças [ver OBSER­
VAÇÃO DE BEBÊS]. No decorrer dela, começou a notar fenômenos espe­
cíficos na interação mãe-bebê que concerniam à estimulação da pele. Pare­
cia que o contato epidérmico era o elemento mais proeminente no relacio­
namento mais inicial e nas primeiríssimas introjeções do ego.
O primeiro objeto é aquele que dá ao bebê a sensação de existir — de
ter uma identidade, poderiamos dizer, em estágio posterior do desenvolvi­
mento. Observações do par mãe-bebê levaram Bick a compreender dois
estados mentais opostos para o bebê, quer a sensação de achar-se existin­
do com uma certa coerência, quer o oposto, ou seja, um sentimento de
dissolução, descoordenação, aniquilamento. Nos primeiros dias e semanas
após o nascimento, pode-se perceber que certos acontecimentos acham-se
associados com movimentos inquietos e descoordenados dos membros e
com grunhidos, choros e gritos. Eles ocorrem, de modo típico, quando o
bebê é despido, seu rosto é lavado ou ele é seguro de modo precário quan­
do se interrompe a alimentação. Outros acontecimentos reduzem a aparen­
te descoordenação e aflição: quando ele é carregado no colo, vestido após
um banho, enquanto se o amamenta ou se o enrola em cobertores na ca­
minha. Sustenta-se que estes estados distinguíveis de modo bastante claro
correspondem a estados mentais posteriores, que Bick identificou como
sendo o sentimento de despedaçar-se (aniquilamento) ou conter [ver CON­
TER].
Para Klein, o bebê, ao nascimento, tem um ego que pode distinguir ob­
jetos separados dele mesmo, mas Bick tinha muito menos certeza de que
isso fosse uma capacidade cognitiva herdada: todo o ego podia entrar em
colapso e freqüentemente o fazia nos primeiros dias e semanas. Embora
Klein (1946) houvesse descrito o despedaçamento do ego, ela não explicou
como esse ego extremamente frágil podia íntrojetar e projetar, funções que
exigem um grau firme de estabilidade e fronteira do ego. Afinal de contas,
Klein havia descrito o medo do aniquilamento como sendo uma experiên­
cia primária do bebê. Em 1946, demonstrara os intricados detalhes das pro­
jeções e introjeções em que o bebê se engaja no processo de manter o ego
e um sentido de identidade, bem como de proteger-se do medo do aniquila­
mento [ver 11. POSIÇÃO ESQUÍZOPARANÓIDE]. Bick, contudo, des­
crevia isto dentro de outro arcabouço.
O primeiro objeto: Manter a personalidade unida e impedi-la de despeda­
çar-se em fragmentos é experienciado passivam ente como uma função que
é desempenhada inicialmente desde fora:
R.D.Hinshehoood / 407
(...) em sua forma mais primitiva, as partes da personalidade são senti­
das como não possuindo força de ligação entre elas, devendo, portan­
to, serem mantidas juntas de uma maneira que é por elas experiencia-
da de modo passivo, com a pele funcionando como froteira. (Bick,
1968, p. 484)

De fato, Bick chamou a atenção para o momento mais inicial da existência


do ego e expandiu-o. Klein descrevera variadamente o primeiro momento
e a primeira função do ego como (i) uma projeção da pulsão de morte
(Klein, 1932); (ii) uma introjeção do objeto bom, para formar o cerne do
ego (Klein, 1935, 1946) [ver 1 . POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE], e (iii)
uma cisão primária do ego destinada a impedir uma inveja indevida (Klein,
1957). Bick demonstrou que o bebê tem de lutar pela capacidade de intro-
jetar e que essa capacidade é uma conquista conjunta do bebê e da mãe:
"'O estágio de cisão e idealização primordiais do self e do objeto pode ser
visto agora como repousando neste processo inicial de contenção de self
e objeto por suas respectivas peles'" (bick, 1968, p. 484).
O objeto interno bom, descrito por Klein como cerne do ego nas posi­
ções esquizoparanóide e depressiva, possui uma condição precedente —- a
capacidade de introjetar:
(...) esta função interna de conter as partes do self depende inicialmen­
te da introjeção de um objeto externo experienciado como capaz de pre­
encher esta função (...) Até que as funções de conter tenham sido intro-
jetadas, não pode surgir o conceito de um espaço dentro do self. A in­
trojeção, ou seja, a construção de um objeto em um espaço interno, é,
portanto, prejudicada. (Bick, 1968, p. 484)
A primeira realização é conquistar o conceito de um espaço que contenha
coisas. Este conceito é alcançado sob a forma da experiência de um obje­
to que mantém unida a personalidade.
A pele: O bebê, ao receber o mamilo na boca, tem a experiência de adqui­
rir um objeto desse tipo, um objeto que tapa o buraco na fronteira que a
boca parece representar. Com esta primeira introjeção vem a percepção
de um espaço no qual objetos podem ser introjetados. Através de suas ob­
servações do bebê, tornou-se claro para Bick que uma vez ele tenha intro-
jetado um objeto continente primário desse tipo, o bebê o identifica com
sua pele — ou, para dizê-lo doutro modo, o contato epidérmico estimula
a experiência (fantasia inconsciente) de um objeto que contém as partes
da personalidade tanto quanto o mamilo na boca o faz. A pele é um ór­
gão receptor extremamente importante na criança pequena*. "(...) às vezes
pensamos que em nossa pele como sendo hoss.a mais íntima possessão, en­
quanto às vezes ela é meramente o envólucro de nosso verdadeiro self e
do que acha dentro de nós" (Shilder e Wechsler, p. 360).

408 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Em acréscimo a isso, existem "substitutos" do mamilo:
A necessidade de um objeto continente parecería, no estado infantil não
integrado, produzir uma busca frenética por um objeto — uma luz,
uma voz, um cheiro ou outro objeto dos sentidos — que possa prender
a atenção e por esse meio ser experienciado, momentaneamente, pelo
menos, como unindo as partes da personalidade. (Bick, 1968, p. 484):
Vazamento: Bick descreveu ocasiões em que esta primeira realização do
ego sai errada, e forneceu a Meltzer e seus colaboradores no trabalho com
crianças autistas (Meltzer et ah, 1975) uma-teoria da ausência de espaço
interno, que é característica do autismo.
Sem um objeto interno capaz de manter unida a personalidade, o bebê
não pode projetar para dentro de um objeto externo que atue como conti­
nente. Então, a personalidade simplesmente vaza sem contenção em um
espaço sem limites. O bebê experiencia uma dissolução ou aniquilamento
que Bick relacionou especificamente aos horrores do espaço externo:
Quando o bebê nasce, ele se vê na posição de um astronauta que foi
lançado para o espaço externo sem um traje espacial (...) O terror pre­
dominante do bebê é despedaçar-se ou liqüefazer-se. Pode-se perceber
isto no tremor do bebê quando o mamilo lhe é tirado fora da boca,
mas também quando suas roupas lhe são retiradas. (Bick, 1986, p. 296).
Schmideberg, no primeiro caso inteiramente relatado de uma análise de
crianças, também observou o importante "(,..) papel das roupas na supera­
ção da ansiedade paranóide" (Schmideberg, 1934, p. 259).
Vazamento e identificação projetiva patológica: Há um contraste com a
hipótese de Bíon de que o primeiro objeto é aquele que recebe comunica­
ções primitivas provindas do bebê, ocasionadas pela identificação projeti­
va [ver ELO DE LIGAÇÃO; CONTER]. Bick descreveu uma situação ante­
rior em que a capacidade de gerar fantasias de um espaço continente é, ela
própria, adquirida de um objeto. Assim, na opinião dele, a forma comuni­
cativa de identificação projetiva dependería da experiência de um objeto
que mantém unida a personalidade derivada de sensações da pele e da bo­
ca. Onde Bion descreveu as experiências posteriores de um bebê que ten­
ta projetar numa mãe que resistia às projeções, Bick descreveu não um cres­
cendo de projeções cada vez mais violentas para forçar o objeto a abrir-
se e a conter, mas, ao invés, uma situação onde não há objeto algum pa­
ra fornecer a idéia de um continente e onde a identificação projetiva de to­
dos os tipos é impossibilitada. Há então uma fantasia de completa, infor­
me e total dissolução da identidade e da existência.
Não existe uma distinção absoluta a ser traçada entre os dois estados
descritos por Bion e por Bick, e parece que a última considerava um dos
problemas como entrando pelo outro, dependendo de quão seguramente
o objeto interno continente foi estabelecido; inversamente, ele pode ser sen-

R.D.Hínshelwooâ / 409
tido pelo bebê como se fosse uma pele parcial, uma pele que tende a desen­
volver "burados".
A segunda pele: Bick achou que havia uma reação específica de que o be­
bê se valia quando o objeto continente era, de modo particular, incerta­
mente estabelecido. Para desenvolver um método de manter-se unido, o
bebê gera fantasias onipotentes que evitam a necessidade da experiência
passiva do objeto:

O distúrbio da função primária da pele pode conduzir ao desenvolvi­


mento de uma formação de "segunda pele", mediante a qual a depen­
dência no objete é substituída por uma pseudo-independência, pelo uso
inapropriado de certas funções mentais ou, talvez, talentos inatos, pa­
ra o fim de criar um substituto para esse continente epidérmico. (Bick,
1968, p. 484).

O desenvolvimento precoce da fala — proporcionando o som da própria


voz — e um desenvolvimento muscular que permite que o corpo seja man­
tido palpavelmente rígido e "unido" são exemplos típicos. Symington
(1983) e Dale (1983), por exemplo, mostraram quão importantes estes con­
ceitos se tornaram recentemente na moderna psicoterapia infantil, e Syming­
ton (1985) descreveu algumas destas manifestações em um paciente adul­
to. O trabalho com crianças gravemente perturbadas (Bick, 1986) e com
criança autistas (Meltzer, 1975; Meltzer et a l , 1975) levou à descoberta
de um fenômeno peculiar de "aderir " objetos, na ausência de espaços nos
quais se possa projetar. Isto recebeu o nome de adesão ou identificação
adesiva {ver IDENTIFICAÇÃO ADESIVA].
Há uma semelhança entre o fenômeno da segunda pele descrito por
Bick e o fenômeno do "falso s e l f , descrito por Winnicott (1960). O últi­
mo é um conjunto de características de personalidade, freqüentemente bas­
tante rígidas, que são experienciadas pelo indivíduo como não realmente
fiéis a ele próprio, mas desenvolvidas para ocultar sua própria falta de sen­
so de um ser verdadeiro. Esta falta subjacente de identidade acha-se rela­
cionada à experiência do aniquilamento [ver ANIQUILAMENTO]. Segun­
do a opinião de Winnicott, essa experiência provém de um experienciar pre­
maturo de um objeto externo como separado. Na visão de Bick, a mesma expe­
riência de aniquilamento provém da experiência deficiente de um objeto externo
que pode ajudar o bebê por manter unida a personalidade dele. As expressões
"segunda pele" e “self falso" originam-se de antecedentes teóricos bastante dife­
rentes e, dessa maneira, apontam para implicações diferentes para a prática clí­
nica.

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410 / Dicionário áo Pensamento Kleiniano


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^ * O "pênis'.' é um objeto pardal inidalmente concebido, na fanta-


e n l S sia inconsciente, como parte da figura combinada dos pais. O bebê
acredita que ele resida dentro do corpo, abdômen ou seio da mãe [ver FI­
GURA COMBINADA DOS PAIS].
A violência da concepção inicial pode ser atribuída ao pai externo, quan­
do ele acaba por ser encontrado [ver PAIj. Com o começo da posição de­
pressiva, o pênis pode ser encarado como um aliado na restauração da
mãe danificada. À medida que o desenvolvimento do menininho progride,
ele pode encontrar uma grande tranqüilização em seu pênis, se este for iden­
tificado com o pênis restaurador ou o pai. Por outro, pode ser também
grandemente temido e até mesmo repudiado, se for identificado com o ob­
jeto violento da fantasia inicial..
Tal como acontece com outros objetos parciais, as características pare­
cem, em certa medida, ser inatamente determinadas e um trabalho tem
de ser efetuado para distinguir os objetos externos (neste caso, o pai) mais
como eles realmente são [ver CONHECIMENTO INATO].

Ver PAI; OBJETOS PARCIAIS; MASCULINIDADE.

P en sam en to Ver PENSAR.

Em seus trabalhos iniciais, a posiçaô clássica de Klein levou-a


P en sar a enfatizar a importância das lutas infantis para aceitar a ce—

R.D.Hinshelwood / 411
na, primária e o doloroso e sub-reptício pensar a respeito dos mistérios da
sexualidade dos pais (Klein, 1923). Seu interesse no componente epistemo-
fílico da libido ocasionou algumas modificações de vulto na compreensão
da curiosidade e do conhecimento, ambos inerentes desde o começo da vi­
da (Klein, 1930,1931) [ver EPISTEMOFILÍA; CONHECIMENTO INATO].
Embora o interesse de Klein por este aspecto de seu trabalho tenha min­
guado durante certo tempo, ele ganhou um novo ímpeto quando diversos
de seus colaboradores começaram a analisar esquizofrênicos e se viram
confrontados por distúrbios graves de cogníção. Rosenfeld e Segai produ­
ziram material clínico a analisar o pensamento fraturado e a cisão de per­
sonalidade desses pacientes [ver ELO DE LIGAÇÃO]. Bion, contudo, le­
vou isto mais à frente e deu início a uma ampla viagem teórica, tomando
como ponto de partida as dificuldades que os esquizofrênicos têm em efe­
tuar elo de ligação intelecutal (Bion, 1959) [ver ELO DE LIGAÇÃO]. As
maneiras anormais pelas quais os esquizofrênicos utilizam o seu aparelho
mental levou-o a uma compreensão do pensamento normal.
O trabalho de Bion descrevia várias visões diferentes do pensar (Spil-
lius, 1988), todas elas apresentadas em suas duas publicações de 1962: (1)
o acasalamento de uma pré-concepção com uma realização; (2 ) o acasala­
mento de uma preconcepção com uma ausência, e (3) um processo que
dependia da função-alfa, originalmente proporcionado pela mente mater­
na em um estado de "rêverie"; a mente da mãe forma um objeto capaz
de compreensão, que pode ser introjetado para formar a base da função
do pensar. O último destes modelos foi o que ele escolheu para elaborar
melhor (Bion, 1970) e outros autores o adotaram como sendo uma teoria
kleiniana do pensar.

(1 ) O acasalamento de uma preconcepção com uma realização. Ao desenvol­


ver sua teoria do pensar, Bion apoiou-se nos conceitos kleinianos da posi­
ção esquizoparanóide e da identificação projetiva. Sua idéia a respeito da
ligação dos objetos é que existe uma apreensão inata da ligação de dois
objetos e do relacionamento entre eles, baseada na expectativa inata do
relacionamento entre boca e mamilo e pênis e vagina. Bion tentou colocar
um grau matemático de rigor em seus termos:
(a) Preconcepção. Este termo representa um estado de expectativa. É
a contrapartida de uma variável na lógica matemática ou de uma incóg­
nita na matemática. Possui a qualidade que Kant atribui a um pensa­
mento vazio, que pode ser pensado mas não pode ser conhecido.
(b) Concepção. É o que resulta quando uma preconcepção se acasala
com as impressões sensórias apropriadas. (Bion, 1962b, p. 91)
Existe uma expectativa inerente da união de dois objetos para constituir
um terceiro que é mais que a soma das duas partes. Esse relacionamento
é visto por Bion como sendo a propriedade subjacente à construção dos

412 / E)kionário do Pensamento Kleiniano


pensamentos. Descreveu ele (Bion, 1962a, b) uma "'história evolutiva" de
um pensamento, que se dá assim: uma preconcepção inata, tal como a ex­
pectativa neural e anatômica que a boca tem de um mamilo, encontra
uma realização (o mamilo real entra na boca); o resultado disso é uma con­
cepção. As concepções são os resultados de conjunções satisfatórias [ver
PRECONCEPÇÃO].

(2) O acasalamento com uma ausência. Em deferência a Freud, que encara­


va o desenvolvimento do pensamento como surgindo da ausência de uma
satisfação, Bion considerou a situação em que uma preconcepção tem dê
acasalar-se com a ausência de uma realização:

E um "pensamento" o mesmo que a ausência de uma coisa? Se não exis­


te "coisa", é a "não coisa" um pensamento e é por virtude do fato de
existir uma não "coisa" que se reconhece que "ela" tem de ser um pensa­
mento? (Bion, 1962b, p. 35)

Para o bebê, a ausência de um seio é uma presença tão concreta quanto


o seio presente, com o ausente sendo conhecido como "não-seio" [ver OB­
JETO MAU; OBJETOS]. Bion está tentando descobrir a fonte da qualida­
de que alerta a consciência para o fato de "ela" ser é um pensamento, an­
tes que uma realidade ou uma alucinação. Isto depende da capacidade que
o ego tenha de tolerar a experiência do objeto mau que o ameaça e a expe­
riência da perda do objeto bom. Se a tolerância for possível, então o ego
é capaz de experienciar o "pensamento" de um objeto, ao mesmo tempo
em que reconhece a sua ausência real. A capacidade de distinguir o pensa­
mento do objeto em si, ou da alucinação do objeto, constitui um pré-re­
quisito para o pensar [ver EQUAÇÃO SIMBÓLICA; OBJETOS],
A criação de um pensamento, então, torna necessário o desenvolvimen­
to de "um aparelho para pensá-lo", e o pensamento é definido, por referên­
cia a Freud, como a capacidade de "construir uma ponte sobre o abismo
de frustração que se forma entre o momento em que uma falta é sentida
e o momento em que a ação apropriada para satisfazer a falta culmina pe­
la satisfação desta" (Bion, 1962a, p. 112). Relacionamentos desse tipo en­
tre objetos podem ser grosseiramente rompidos pelos ataques edipianos
iniciais, pela inveja ou pela privação real grave.

O objeto mau: Na circunstância em que a tolerância da frustração não se­


ja suficiente para transpor o abismo, então "a incapacidade de tolerar a
frustração desequilibra a balança no sentido da frustração" (Bion, 1962a,
p. 112). Ao invés de uma união de preconcepção com a realização negati­
va, uma outra coisa se desenvolve, que recebe o nome de objeto "mau",
o qual é então evacuado através do mecanismo da identificação projetiva.
Dessa maneira, a frustração e o sofrimento são evitados pela expulsão da
frustração e de um fragmento associado do ego (a preconcepção). Isto

R.D.Hinshekoood / 413
é um afastamento importante dos acontecimentos que Freud descreve
como característicos do pensamento na fase da dominância do princípio
da realidade, Aquiio que deveria ser um pensamento, um produto da
justaposição, da preconcepção e da realização negativa, torna-se um
objeto mau, indistinguível de uma coisa em si, adequada apenas para
evacuação, (Bion, 1962a, p. 112}
Um aparelho para pensar fracassa então em desenvolver-se e, ao invés, é
o uso da identificação projetiva que se desenvolve:
O modelo que proponho para este desenvolvimento é o de uma psique
que opera segundo o princípio de que a evacuação de um seio mau é
sinônimo de obter-se sustento de um seio bom, O resultado final é que
todos os pensamentos são tratados como se fossem indistinguíveis de
objetos internos maus; a maquinaria apropriada é sentida como sendo
não um aparelho para pensar pensamentos, mas como um aparelho pa­
ra livrar a psique de acumulações de objetos internos maus, (Bion, 1962a,
p. 112)

Função-alfa: Dessa maneira, se tudo corre bem, as impressões sensor ias


são convertidas, através do acasalamento com preconcepções, em pensa­
mentos utilizáveis; isto distingue aquelas frustrações toleráveis que podem
ser usadas para desenvolver o pensar (elementos-alfa) de outros conteúdos
mentais que são sentidos como apropriados apenas para evacuação (ele-
mentos-beta) [ver FUNÇÃO-ALFA; ELEMENTOS-BETA]. A função-alfa
é o processo (inespecífico) pelo qual o significado se acumula aos dados
sensórios

O pensar de nível superior: As concepções, uma vez estabelecidas, podem


repetir a história das preconcepções, ou seja, elas se tornam preconcep­
ções para realizações ulteriores (ou realizações negativas, de ausência) por
uma maneira hierárquica que gera o pensamento refinado e a construção
de teorias. A cada etapa as funções de satisfação e frustração desempe­
nham — ou não — seu papel de fazer avançar o aparelho em desenvolvi­
mento do pensar. Esta é uma das dimensões da grade de Bion (Bion, 1963),
que foi, ela própria, uma teoria (preconcepção) sistemática, elaborada pa­
ra atender as realizações de tipos reais de pensamentos [ver BION].

(3) Conter. O terceiro modelo do desenvolvimento do pensamento é o de


que a capacidade de desenvolver um aparelho para pensar depende da in~
trojeção de um objeto capaz de compreender a experiência do bebê e forne­
cer-lhe significado. O conceito bioniano de identificação projetiva normal
[ver CONTER] foi distinguido da identificação projetiva "excessiva", utili­
zada para evacuar acumulações de objetos internos maus. De fato, dada
uma experiência suficiente de um objeto externo continente, a identificação
projetiva normal é a ocorrência que se pode esperar:

414 / Diáonário do Pensamento Kleímano


Como atividade realística, ela [a identificação projetiva] mostra-se co­
mo um comportamento razoavelmente calculado para despertar na mãe
sentimentos dos quais o bebê deseja ver-se livre. Se o bebê sente que
está morrendo, ele pode despertar na mãe temores de que esteja morren­
do. Uma mãe bem-equilibrada pode aceitar esses temores e reagir-ihes
terapeuticamente, ou seja, de uma maneira que faça o bebê sentir que
está recebendo de volta sua própria personalidade assustada, mas sob
uma forma que.ele pode tolerar: os medos são administráveis pela per­
sonalidade do bebê. (Bion, 1962a, 115)

A mãe é o aparelho para o bebê tolerar a conjunção da preconcepção com


uma realização negativa, o não-seio [ver CONTER]. Para desempenhar
esta função, a mente da mãe tem de estar em um estado de "rêverie" (ver
REVERÍE], que se aproxima do estado de atenção de flutuação livre descri­
to por Freud e, também, na descrição de Bion, da mente que aboliu a me­
mória e o desejo [ver MEMÓRIA E DESEJO; BION). Quando as coisas
saem mal, e a mãe fracassa em receber em si as sensações do bebê, este
então se vale de esforços cada vez mais violentos de projetar na mãe, de­
senvolvendo assim o "aparelho para livrar a psique de objetos internos
maus". Neste caso de fracasso, o bebê tem uma mãe, um objeto interno
em formação, que Bion descreveu como um "objeto rejeitante da identifica­
ção projetiva", e, para o bebê, um objeto intencionalmente incompreensi-
vo, com o qual está destinado a identificar-se. Ao invés de o bebê ter as
suas frustrações tornadas compreensíveis, ele sente que elas se tornaram
ativamente despojadas de significado, um "pavor sem nome" [ver PAVOR
SEM NOME].
O elo de ligação continente: Bion (1962) começou a investigar as vicissitu-
des do relacionamento continente pela descrição da qualidade do elo de li­
gação existente entre a mente continente e os conteúdos colocados nela.
Esses elos possuem três potencialidades, "L", "H" e "K", que representam
o amor, o ódio e o desejo de conhecer a respeito dos conteúdos. Dessa
maneira, a mãe às vezes amará o filho, odia-lo-á ou descobrir-se-á tentan­
do compreender a maneira pela qual ele está experienciando, sentindo e
pensando. Para fins do desenvolvimento do pensamento, o elo-K é o mais
importante. A ligação da mãe com o bebê por esta maneira desenvolve a
capacidade da criança mediante a introjeção do objeto de ligação-K. Entre­
tanto, existem distúrbios com o elo de ligação-K. 0'Shaughnessy (1981)
descreveu, com exemplos clínicos, os três importantes tipos de elo de liga­
ção-K: (i) a tentativa de chegar a conhecer o objeto através de suas identi­
ficações projetivas; (íi) o despojamento de significado da experiência proje­
tada do objeto, conduzindo a uma experiência desnuda e sem sentido que
dá origem ao bebê sentir um terror interno provindo de um objeto introje-
tado invejoso que o priva de significado para as suas experiências [do be­
bê] (referimo-nos a isto como "menos-k" ou "-K") e (iii) um estado de au-
R.D.Hinshehoood / 415
sência de "K" ("não-K"), no qual a capacidade de conhecer foi destruída,
dando surgimento a uma condição psicótica paranóide em que o ego foi
gravemente enfraquecido pela cisão e projeção de sua capacidade de "K"
e enfrenta objetos hostis, para dentro dos quais, em fantasia, fragmentos
do ego foram violentamente expelidos [ver EPISTEMOFILIAj.
A teoria do pensar de Bion é, em geral, adotada pelos kleinianos co­
mo um todo. Há variações no grau em que é usada (ou mesmo compreen­
dida) e alguns autores a pesquisaram mais por sua própria conta. A mais
ambiciosa dessas pesquisas é a de Meltzer (1987).

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P 1 _ Tanto Freud quando Abraham interessaram-se pelas experiên-


X v I lC lu cias dos pacientes psicóticos e trabalharam durante uma déca­
da com a análise de pacientes maníaco-depressivos. Freud (1917) acabou
por descrever a semelhança existente entre as enfermidades depressivas e
o luto e o aspecto central da perda na natureza do problema. Essas perdas
ligavam-se com suas opiniões precedentes a respeito da importância espe­
cial da castração no desenvolvimento infantil. Em 1926, quando investiga­
va a natureza da ansiedade, viu um certo número de situações de perda;
a perda no nascimento, no desmame, na castração, e assim por diante, atra­
vés do ciclo evolutivo [ver 8. SITUAÇÕES INICIAIS DE ANSIEDADE].
Perda do objeto interno: Klein adicionou a isso descrevendo essas perdas
como possuindo uma semelhança decisiva por todas elas despertarem an­
siedade mediante a criação de um senso de um objeto bom internalizado
inseguro (Klein, 1940) [ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Com isto, ela
fez üm acréscimo significante à teoria de Freud (exposta em 1917), na
qual ele ficara impressionado pela aberrante reação de luto do melancóli­
co quando o objeto externo não fora realmente perdido, e desenvolveu o
trabalho de Abraham, em que este descrevera a preocupação do maníaco-
depressivo com objetos perdidos representados por fezes.

416 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Dessa maneira, Klein desenvolveu a direção em que Abraham e Freud
haviam apontado e, por isto, foi criticada por Fairbairn, que censurou os
três por absorverem-se demais com a posição depressiva e negligenciarem
os processos de cisão manifestos na esquizofrenia (a outra psicose de vul­
to), características que são semelhantes às da histeria, com a qual, natural­
mente, a psicanálise havia começado [ver FAIRBAIRN; 11. POSIÇÃO ES-
QUIZOPARANÓIDE].

Ver ANSIEDADE DEPRESSIVA.

Freud, Sigmund (1917), "Mourning and melancholia", S. E. 14, p. 737-60.


Klein, Melanie{1940), "Mourning and its relation tomanic-depressiveStates", W M K1, p. 344-69.

No início de seus trabalhos, Klein ficou estarreci­


da com o nível de violência apresentado pelo brin-
car das crianças e logo deu-se conta de que os estados de ansiedade que
encontrava em seus filhos, tal como, por exemplo, o pavor noctumus, es­
tavam ligados com o medo dessa violência. O sentimento de uma retalia­
ção pendente afetava grandemente a criança e Klein refletiu que isso cons­
tituía um estado de perseguição não muito inferior à paranóia dos pacien­
tes psicóticos [ver PARANÓIA].
Quando ela descobriu que o nível do sadismo [ver SADISMO] e do te­
mor da retaliação inibiam o brincar, a simbolização e outras formas de
desenvolvimento intelectual da criança, Klein estabeleceu a conexão com
o distúrbio de pensamento dos pacientes esquizofrênicos. Remontou esse
temor da violência e da perseguição aos meses iniciais da vida analisando
o pavor noctum us de crianças cujos sintomas haviam começado em seus
primeiros meses de vida e confirmou que Abraham e Freud estavam corre­
tos em inferir que pontos de fixação para as psicoses existem desde muito
cedo nas fases pré-genitais.
Posteriormente (1946), Klein situou a perseguição no contexto da posi­
ção esquizoparanóide, um medo do aniquilamento, mas deixou claro que
as pessoas constantemente retornam a estas ansiedades persecutórias, sob
certas circunstâncias, através de toda a vida. O tom persecutórío das rela­
ções objetais, contudo, só desaparece gradualmente e as experiências ini­
ciais da posição depressiva acham-se inundadas por uma forma persecutó-
ria de culpa. Apenas gradualmente é que o tom muda para uma forma
de culpa mais claramente preocupada e reparadora [ver ANSIEDADE DE­
PRESSIVA]. Em verdade, esta forma inicial de culpa pode incentivar um
recuo para a posição esquizoparanóide, onde o medo da perseguição é
menos angustiante que o desencadeamento da culpa na posição depressi­
va [ver DEFESA PARANÓIDE CONTRA A ANSIEDADE DEPRESSIVA].

Ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE; PARANÓIA.

R.D.Hinshehvood / 4 1 7
Klein, Melanie (1946), "Notes on some schizoid mechanisms", WMK 3, p, 1-24.

Klein demonstrou que, em seu brincar, as


P erso n ificação crianças transformavam seus brinquedos
em pessoas, imaginárias ou reais, que eram de importância em sua vida
real [ver X. TÉCNICA], e se preocupavam com as relações existentes entre
esses objetos personificados.
A personificação, sempre presente em todo brincar, levou Klein à opi­
nião de que toda atividade mental é concebida com relacionamentos entre
objetos personificados. Ela ficou impressionada com a fluidez e a facilida­
de com que relações, afetos e conflitos podiam ser transferidos para novos
objetos [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. A crença kleiniana na capaci­
dade de representar pessoas, simbolizar e efetuar uma transferência contras­
tou com a opinião de Anna Freud [ver 1 . TÉCNICA].

Ver BRINCAR.

T) çr Em suas teorias iniciais, Freud (1905) encarava a pul-


1 t i VCÍ bdU são sexual como possuindo vários componentes — sa­
dismo e masoquismo, voyeurismo, homossexualidade. A sexualidade de
uma criança é multiplamente perversa (sexualidade polimorfa perversa da
infância). Achava ele que isto desaparecia do interesse consciente durante
o amadurecimento normal. Nas pessoas que têm prazer nas perversões,
contudo, a pulsão infantil permanece e, na neurose, um impulso compo­
nente perverso expressa-se indiretamente, representando um interesse se­
xual perverso mal reprimido.
Embora a teoria clássica concedesse grande ênfase à sexualidade perver­
sa e às conseqüências de sua repressão, Klein pouco diz a respeito das per­
versões em particular. É verdade que ela descobriu que uma das pulsões
componentes, o sadismo, era especialmente importante, mas não acompa­
nhou isso por uma investigação das perversões sadomasoquístas [ver SA­
DISMO], deixando seus achados onipresentes de sadismo nas crianças cu­
riosamente desvinculadas do sadismo sexual adulto.
Perversões adultas: Klein (1927), contudo, descobriu que os componentes
sádicos, muito em primeiro plano nas crianças, combinavam com os tipos
de sadismo encontrados na criminalidade adulta. Subseqüentemente, os
kléinianos tenderam a considerar todas as perversões como uma manifesta­
ção da pulsão de morte, ou seja, como impulsos que distorcem a sexualidade.
Klein descreveu o desenvolvimento precoce dos sentimentos genitais co­
mo sendo um meio de lidar com os terrores dos impulsos pré-genitais. A
erotização genital dos impulsos pré-genitais mobiliza os impulsos genitais
tranqüilizantes do amor e da criatividade, mas o processo de genitalização

418 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


prematura corre o risco de criar perversões sexuais adultas e estados excita­
dos de destrutividade.
O sadomasoquismo e outras perversões, assim como as adicções, repre­
sentam uma maneira de lutar para desenvolver as relações objetais além
da posição esquizoparanóide, quando um excesso de destrutividade domi­
na a personalidade [ver ORGANIZAÇÕES PATOLÓGICAS],
Hunter (1954) e Joseph (1971) analisaram perversões sexuais (ambas ca­
sos de fetichismo) e demonstraram a importância de voltar-se para um no­
vo objeto, ou, melhor, distanciar-se de um objeto antigo que dera origem
a ansiedade demasiada. O paciente de Joseph mostrava identificações pro­
jetivas patológicas e onipotentes com o seu fetiche, através de fisicamente
introduzir seu corpo nele. Além disso, Meltzer (1973) descreveu a enorme
variedade de conteúdos de fantasia dos impulsos invejosos e sádicos envol­
vidos nas perversões sexuais. Distinguiu ele entre a sexualidade perversa
infantil e a adulta e considerou a perversidade polimorfa como uma explo­
ração, até onde a criança é capaz, do mistério de sua própria sexualidade,
da sexualidade dos pais, e das possibilidades de identificar-se com eles.
Em contraste, a. perversão adulta é motivada por impulsos destrutivos a
danificar a sexualidade, especialmente a dos pais e o coito destes.

H om ossexualidade: Freud (1911) via o ser humano como inatamente bisse-


xual, mas que um grau indevido de homossexualismo podia ser reponsá-
vel pelo desenvolvimento (defensivo) da paranóia. Rosenfeld (1949), contu­
do, explorou a possibilidade de que problemas particularmente agudos na
posição esquizoparanóide resultassem em um afastamento genital, por hos­
tilidade, da mãe para o pai. Dessa maneira, a homossexualidade é um
meio de lidar com a paranóia indevida.

Perversão da transferência: O interesse kleiniano deslocou-se para um inte­


resse técnico na manifestação de impulsos sádicos em relação ao analista
(Etchegoyen, 1978; Spillius, 1983). Joseph (1975, 1982) interessou-se de
perto pela perversão do relacionamento transferenciai, uma forma de per­
versidade que se acha estreitamente ligada com a reação terapêutica nega­
tiva [ver REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA]. Demonstrou ela (1982)
quão importante é determinar se as manifestações que parecem ser ansieda­
de não são realmente uma forma de fruição masoquista do sofrimento e
se o que parece ser uma reação paranóide não é realmente uma pseudopa-
ranóia que visa a criar uma situação excitante.

Perversão de caráter: Joseph (1975) demonstrou também a maneira pela


qual os pacientes engajam-se apenas parcialmente e obtêm grande prazer
em manter as partes mais vividas de sua personalidade a uma distancia
inatingível do analista. Às vezes, estes relacionamentos perversos na trans­
ferência podem ser acompanhados por um acting out passageiro de impul­
sos sexuais perversos reais (Galíwey, 1979).

R.D.Hinshelwood / 419
Rosenfeld (1971) e outros autores chamaram repetidas vezes a atenção
para as manifestações de destrutividade e sadismo arbitrários em relação
ao analista e para a maneira porque isto é organizado como parte da per­
sonalidade — uma perversão de caráter [ver NARCIS1SMO; ESTRUTU­
RA]. A organização interna da pulsão de morte pode resultar em partes
más do self intimidarem as partes "boas'' (por exemplo, Money-Kyrle,
1969; Rosenfeld, 1971) ou em as partes perversas do self poderem seduzir
as partes "boas" (Meltzer, 1968; Steiner, 1982) [ver ESTRUTURA].
Steiner (1982) descreveu detalhados materiais clínicos que demonstram
as descrições mais gerais, feitas por Joseph (1975), da maneira pela qual
partes aparentemente boas do self podem ser assumidas e utilizadas a fim
de seduzir, distorcer e perverter o relacionamento com o analista, de ma­
neira que aquilo que aparece como impulsos cooperativos e amorosos ocul­
ta tentativas secretas de controlar e invadir [ver ORGANIZAÇÕES PATO­
LÓGICAS].

Etchegoyen, Horatio (1978), "Some thoughts on transference perversion", lnt. /. Psycho-A­


nal, 59:45-53.
Freud, Sigmundo (1905), "Three essays on the theory of sexuality", S.E. 7, p. 125-245,
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blicado (1973) em Donald Meltzer, Sexual States o f mind, Per th, Clunie, p. 99-106,
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Money-Kyrle, Roger (1969), "On the fear of insanity", em (1978) The collected papers o f
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Rosenfeld, Herbert (1949), Remarks on the relation of male homosexuality to paranóia, pa-
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bert Rosenfeld, Psychotic States, Hogarth, p. 34-51.
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Spillius, Elizabeth Bott (1983), "Some developments from the work of Melanie Klein", lnt, ].
Psycho-Anal, 64:321-32.
Steiner, John (1982), "Perverse relationships between parts of the self: a clinicai illustration",
lnt. J. Psycho-Anal,, 63:241-52.

P e sa r Ver LUTO

4£0 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


j ^ Klein adotou a expressão "posição" para dar uma ênfase
' O S l Ç a O diferente ao seu modelo de desenvolvimento, Ela queria
afastar-se da idéia de estágios ou fases do desenvolvimento, as quais havia
demonstrado não serem nítidas, mas sim parcialmente sobrepostas e flutuan­
tes. Uma posição é uma constelação de ansiedades, defesas, relações obje­
tais e impulsos. Ela pela primeira vez começou a utilizar o termo neste sen­
tido em 1935, quando descreveu a posição depressiva [ver 1 0 . POSIÇÃO
DEPRESSIVA]. Anteriormente, a expressão havia se referido a posições
libidinais [ver LÍBIDO]: homossexual, heterossexual, etc. (ver, por exem­
plo, Klein, 1928, p. 186).
Posição e relações objetais: O termo "posição" descreve a postura caracte­
rística que o ego assume com relação aos seus objetos. Embora Klein con­
tinuasse a utilizar os termos "oral", "anal", "fálico", etc., estes se referiram
cada vez mais a tipos de moções pulsionaís, antes que a estágios, ou seja,
referiram-se mais a fantasias inconscientes típicas [ver 2. FANTASIA IN­
CONSCIENTE] do que a períodos estritos de desenvolvimento. De fato,
as observações dela levaram-na a modificar consideravelmente o esquema
clássico da evolução, por colocar as origens do complexo de Edipo e o su-
perego bem no início do primeiro ano de vida. Ela queria transmitir, com
a idéia de posição, um processo muito mais flexível, para lá e para ca, en­
tre uma e outra, do que normalmente se quer exprimir por regressão a
pontos de fixação nas fases evolutivas [ver Ep-D]. Queria também trans­
mitir, com a expressão "posição", uma ênfase nos relacionamentos. Traba­
lhando com crianças, ela estava muito mais familiarizada com a maneira
pela qual os objetos eram localizados e manipulados pelo ego.
Posição ou estrutura defensiva: Em princípio, Klein utilizou o termo "posi­
ção" de modo livre e descreveu uma posição paranóide, uma posição ma­
níaca e uma posição obsessiva, assim como uma posição depressiva. Mais
tarde, porém, restringiu o emprego do termo: as posições "paranóide", "ma­
níaca" e "obsessiva" foram abandonadas quando ela reconheceu que elas
se referiam simplesmente a estruturas típicas de defesas contra ansiedades;
para Klein, estas "posições" denotavam configurações patológicas (Meltzer,
1978). Posteriormente, as duas posições fundamentais — a posição depres­
siva, com ansiedade depressiva, e a posição esquizoparanóide [ver 1 1 . PO­
SIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE], com ansiedade persecutória, tiveram im­
portância evolutiva.
Posições psicóticas: A mudança do termo de um emprego patológico pa­
ra um uso evolutivo levou a confusões a respeito do que Klein queria di­
zer. Muitos a entenderam como sugerindo que as crianças eram normal-
mentè psicóticas. Ela esforçou-se por corrigir isto:
Em meu trabalho anterior, descreví as ansiedades psicóticas e os meca­
nismos das crianças em termos de fases de desenvolvimento (...) Contu-

R.D.Hinshêhvood / 421
do, de vez que no desenvolvimento normal as ansiedades e os mecanis­
mos psicóticos nunca predominam isoladamente (fato que, naturalmen­
te, enfatizei), a expressão "fases psicóticas" realmente não é satisfatória.
Estou empregando agora o termo "posição" (...) Parece-me mais fácil
associar com esta expressão (...) as diferenças existentes entre as ansie­
dades psicóticas evolutivas da criança e as psicoses do adulto, ex . , 1 a
rápida mudança que ocorre de uma ansiedade de perseguição *ou senti­
mento deprimido para uma atitude normal, reviravolta essa que é tão
característica da criança (Klein, 1935, p, 276n)
O termo "posição", achava ela, indicaria um ponto de atração regressiva
no psicótico, antes que a psicose franca. Dessa maneira, chamou-as de po­
sições psicóticas, a serem contrastadas com as posições libidinais, por esta­
rem relacionadas com os métodos primitivos e violentos de lidar com as
manifestações da pulsão de morte.

Klein, Melanie (1928), "Eariy stages o£ the Oedipus complex", WMK 1, p. 186-98.
-------- . (1935), "A contribution to the psychogenesis of manic-depressive States", WbAK 1, p.
262-89.
Meltzer, Donald (1978), The kleinian development: Part II, Richard week-by~week, Perth, Clunie,

Ainda que multo menos que os elementos


i. X C L U I jovens de outras espécies, o bebê humano
nasce com aptidões inerentes [ver CONHECIMENTO INATO], Uma delas
é a capacidade de ter experiências psicológicas. Quando se toca no rosto
de um bebê a sua cabeça se volta e ele suga. Esta potencialidade está dispo­
nível desde o início, e qualquer potencialidade para experienciar psicologi­
camente esses eventos será também iguaímente inerente. Que tipo de enti­
dade psicológica é essa potencialidade inerente? Presumindo que o recém-
nascido é capaz de experiências, qual é a experiência do reflexo da crian­
ça de peito antes de ter acontecido pela primeira vez? Bion introduziu a
idéia de uma preconcepção, ou seja, uma entidade psicológica à espera
de uma realização que se "acasalará" com ela. A preconcepção "inexperien-
ciada", acasalada com uma realização, produz uma concepção e, desta,
pensamentos e o pensar podem se desenvolver.

Ver CONTER; BION; 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA; PENSAR.

P re o cu p a çã o Ver GRATIDÃO; AMOR.

P re ssu p o sto s b á s ic o s L ™ 0

422 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


1948-51; Rioch, 1970), antes de sua formação como analista kleiniano, é
com freqüência incluído no cânone kleiniano. Ele subseqüentemente desen­
volveu parte de seus resultados com uma intensa ênfase kleiniana (Bion,
1955 e, posteriormente, 1970), mas "uma interpretação kleiniana dos pres­
supostos básicos não decorrente necessariamente dos dadòs dele, embora
sua plausibilidade seja considerável" (Trist, 1987). Meltzer elevou esse tra­
balho descrevendo-o como "(...) as momentosas formulações de Bion so­
bre Grupos de Pressupostos Básicos" (Meltzer, 1984, p. 89), e Wilson
(1983) apontou com certos detalhes como o modelo bioniano dos pressu­
postos básicos é uma "metapsicologia de grupos equivalente, em muitos
casos, ao sistema imaginado por Freud" (Wilson, 1983, p. 157) e, em parti­
cular, ao modelo topográfico freudiano.
Análise do grupo: Bion (1961) lidou com grupos tal como um analista que
se senta à cabeceira de um paciente. O "grupo-como-um-todo" exibe uma
transferência para o líder grupai sob a forma de uma cultura de grupo que,
demonstrou Bion, era permeada por pressupostos tácitos e inconscientes
partilhados por todos os membros do grupo. O conjunto de pressupostos
sobre a natureza do grupo, de seu líder, da tarefa do grupo e do papel
que se espera de seus membros possui três variantes. Os três pressupostos
básicos são detectados no tom de sentimento da atmosfera do grupo:
(i) primeira, o pressuposto básico dependente (PBD) dá origem a um gru­
po de membros com cada qual dependendo, amiúde com desapontamen­
to, das palavras de sabedoria do líder grupai, como se presumissem que
todo conhecimento, saúde e vida acham-se nele localizado e dele devem
ser derivados individualmente por cada membro;
(ü) segunda, o pressuposto básico de luta/fuga (PBFF), no qual os mem­
bros se reúnem em torno da idéia excitada e violenta de que existe um ini­
migo a ser identificado e que os membros serão conduzidos, em conformis­
ta falange, pelo líder, contra esse inimigo, ou, alternativamente, dele fugi­
rão. Tal inimigo pode ser a própria "neurose" do grupo terapêutico, ou
um dos membros do grupo, ou algum objeto adequado fora do grupo (um
inimigo externo);
(III) finalmente, o pressuposto básico de acasalamento (PBA) permeia o
grupo com um tipo misterioso de esperança, amiúde com um acasalamen­
to behaviorístico entre dois dos membros, ou entre um membro e o líder,
como se todos partilhassem a crença de que alguma grande nova idéia (ou
indivíduo) emergirá da relação sexual do casal (uma crença messiânica).
Os grupos de trabalho: Bion contrastou o estado de pressuposto básico
de um grupo com o que chagou de grupo de trabalho, no qual os mem­
bros voltam-se para a tarefa conscientemente definida e aceita do grupo.
Neste estado, o grupo funciona com um refinamento de processo secundá­
rio e assiste a um exame da realidade dentro e fora do grupo. O apoio de

R.D.Hinshelwood / 423
Bion no modelo psicanalítico de um funcionamento refinado da mente ba­
seado em um inconsciente fervilhante foi observado por Wilson (1983).
O estado de grupo de trabalho usualmente mostra sinais de estados ativos
de pressupostos básicos e Bion imaginou os pressupostos como "valências",
que atraíam inevitavelmente pessoas a se reunirem e estabeleciam o senti­
mento de pertencer ao grupo.
Bion tentou relacionar as características dos pressupostos básicos aò funcio­
namento das instituições sociais: o exército, por exemplo, representava cla­
ramente o pressuposto de luta/fuga, e a Igreja, acreditava ele, representa­
va o pressuposto de dependência. Via o pressuposto do acasalamento na
aristocracia, uma instituição preocupada com a procriação.
Esta visão da natureza tríplice dos pressupostos grupais tornou-se disse­
minada fora da psicanálise (de Board, 1978; Pines, 1985). Embora Bion fi­
zesse uma tentativa inicial de relacionar seus achados com o conceito klei-
niano da identificação projetiva (Bion, 1955), subseqüentemente ele aban­
donou estas idéias e o seu trabalho com grupos. Mais tarde (Bion, 1970;
Menzies Lyth, 1981), porém, reformulou a idéia do pressuposto de acasala­
mento para torná-la mais ou menos básica à vida grupai em geral, ven­
do-a como o método principal para examinar a função continente dos gru­
pos e como uma maneira apropriada de entender o relacionamento existen­
te entre o indivíduo e a sociedade — o místico e o establishment (ver CONTER].

Bion, Wilfred (1948a), "Experiences in Groups I", Human Relatiorts, 1:314-20; republicado
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424 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


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Tríst, Eric (1987), "Working with Bion in the 1940s", Group Analysis, 20:263-70.
Wilson, Stephen (1983), " 'Experíences in Groups': Bion'sdebt to Freud", Group Analysis, 16:152-7.

t A relação entre a men~


rro b le m a m e n te -co rp o te e o corpo é uma ques­
tão filosófica, um tema da história das idéias, rintretanto, é também, inevi­
tavelmente, um problema para os psicólogos e tem profundas implicações
para os tratamentos psiquiátricos, a quimioterapia e a psicoterapia. Lamen­
tavelmente, o problema permaneceu obstinadamente insolúvel para os filó­
sofos, e a psicologia pode achar-se em posição de prestar informações à
filosofia.
Desde os primórdios da grande dicotomia cartesiana, os psicólogos es-
falfaram-se em discussões infrutíferas no fundo deste "grande vale fendi­
do" da filosofia. Freud não constituiu exceção. Ele se formara segundo o
molde da ciência do século XIX, que havia alcançado notáveis resultados
nas ciências naturais, inclusive na fisiologia. Por outro lado, havia a tradi­
ção romântica da Naturphilosophie alemã, que enfatizava uma abordagem
hegeliana metafísica e introspectiva aos problemas filosóficos. A dicotomia
é se se deve abordar a mente desde um ponto de vista objetivo — isto é,
o funcionamento do cérebro — ou de um ponto de vista subjetivo: uma
psicologia de experiências pessoais. A primeira abordagem encarava a men­
te como um epifenômeno pousado no topo dos processos físicos e fisioló­
gicos básicos que determinam o funcionamento do cérebro: a mente co­
mo um efeito colateral, por assim dizer, da neurofisiologia. Freud foi tenta­
do por esta psicologia fisiológica quando começou a pensar a respeito do
inconsciente e das descobertas que estivera fazendo na década de 1890. Ele
procurou construir explicações físicas para as idéias e lembranças esqueci­
das de que seus pacientes histéricos sofriam. Seu "Projeto de uma psicolo­
gia científica", postumamente publicado (Freud, 1895 [1940]), constituiu
uma tentativa de elaborar um modelo fisiológico para esses eventos psico­
logicamente esquecidos. O projeto, entretanto, foi abandonado, porque
"Freud, o neurologista, estava sendo ultrapassado por Freud, o psicólogo"
(Strachey, 1957, p. 163).
Freud não se sentia à vontade com uma visão fisiológica da relação en­
tre mente e corpo porque ela ia contra suas experiências pessoais dos pacien­
tes com que passara a vida trabalhando; ia também contra a tradição filo­
sófica alemã do humanismo, a qual, de acordo com Bettelheim, pode ser
vista claramente ao se repassar os originais de língua alemã dos textos de
Freud (Bettelheim, 1983). Freud nunca conseguiu encontrar inteiramente a
saída para fora da psicologia fisiológica com que começara, e a mistura
de Freud, o neurologista, com Freud, o psicólogo, ê suficientemente mes­
clada para que Sulloway (1979) faça campanha em favor do Freud biólo­
go, tão bem quanto Bettelheim o faz em prol do*1humanista Freud: ambos

R.D.Hinshelwood / 425
estão igualmente convencidos e nenhum dos dois é realmente convincente
(Young, 1986). Como este último argüiu, o que faltou a Freud (e ainda
nos falta hoje) é uma linguagem com a qual possamos falar a respeito da
mente e do corpo, e, em verdade, da "pessoa" (Strawson, 1959).
Paralelismo psicofísico: A posição de Freud sobre o problema mente-cor-
po é tecnicamente conhecida, em filosofia, como paralelismo psicofísico,
ou seja, existe uma mente e existe um cérebro. Ambos funcionam à sua
própria maneira. O funcionamento de uma não é traduzível, de modo exa­
to, no funcionamento do outro. Nem um nem outro tampouco são primá­
rios e determinantes, mas, contudo, tem de se inter-relacionar. Para fins
práticos, os dois existem em paralelo (paralelismo psicofísico), sem especi­
ficar qual produz o quê. A fim de progredir como psicólogo, Freud, influen­
ciado por Hughlings Jackson, tomou o fenômeno da mente e deixou de la­
do o problema de como ela se relacionava ao cérebro.
Interacionismo: E possível assumir uma posição filosófica ulterior e dizer
que a mente surge da atividade do cérebro, o qual, por sua vez, pode ser
manipulado por aquela. Membros do Grupo Kleiniano, que estavam con­
siderando a fantasia inconsciente em finais da década de 30 e começos da
de 40, chegaram perto de adotar este interacionismo psicofísico.
Os processos biológicos se espelham em atividades da mente chamadas
de fantasias inconscientes. De igual modo, essas fantasias moldam tanto
a pessoa quando o seu mundo social. Nem os eventos físicos nem os psico­
lógicos são primários e torna-se claro, dos textos kleinianos, existir uma
presunção de que possam influenciar-se mutuamente. Dessa maneira, estí­
mulos pulsíonais provindos de um estômago vazio, digamos, são mental­
mente representados como uma fantasia inconsciente de uma relação com
um objeto (um objeto que causa fome). A mente também pode elaborar
uma fantasia inconsciente como uma manobra defensiva contra intensas
ansiedades de fantasia (Segai, 1,964). Tais fantasias defensivas elaboradas
são iniciadas por manipulação do corpo (masturbação), especialmente nas
fases iniciais da primeira infância; assim, por exemplo, a expulsão das fe­
zes pode ser utilizadas para dar início à fantasia de expulsão de um obje­
to interno mau [ver FEZES]. Mais tarde, a manipulação das representa­
ções simbólicas retém vínculos somáticos (corporais).
Biologia e psicologia: Fantasias de expulsão ou incorporação criam o sen­
so do self e da identidade, e as fantasias específicas reúnem o caráter espe­
cífico do self, Processos projetivos também criam as percepções do mun­
do social, em torno do qual, por sua vez, mediante processos introjetivos,
eles precipitam formas sociais no indivíduo. O desenvolvimento do bebê
é um deslocamento para fora de um mundó de, satisfação corporal e para
dentro de um mundo de símbolos e satisfação simbólica. Há um movimen­
to progressivo a sair do corpo para dentro do mundo simbólico da mente
amadurecida [ver FUNÇÃO-ALFA]. Esse movimento ocorre na geração

426 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


de pensamentos, assim como é o processo de desenvolvimento psicológi­
co. O processo não é explicado pela idéia kleiniana da fantasia inconscien­
te, mas é por ela bem descrito.
Os símbolos, sendo inerentes à experiência das partes do corpo, são,
portanto, uma capacidade inerente do bebê humano desdç o nascimento.
Ele representa para si mesmo suas próprias sensações como sendo relacio­
namentos com objetos [ver 2 . FANTASIA INCONSCIENTE]. De*vez que
o objeto possui uma presença para o bebê, independentemente da situação
objetiva real, ele se acha em um mundo mental de concepções, sendo já
um símbolo. Quando o bebê pode vir a perceber as realidades objetivas,
a significação dessa realidade é gerada por um investimento provindo dás
representações mentais.
Em algum momento resplandecente da história de cada indivíduo, um
evento mental vem a manipular um evento corporal. Isto se acha tão cerra­
damente oculto em nossos passados que parece impossível, um milagre.
A representação simbólica na mente resulta na manipulação do corpo, pa­
ra criar novas sensações corporais e, em última análise, eventos mentais.
Talvez a qualidade sobrenatural de uma idéia deste tipo seja mitigada pe­
lo fato de que os objetos que investigamos fisicamente não são, inicialmen­
te, experienciados como físicos [ver 5. OBJETOS INTERNOS]. No nível
infantil, o objeto não se acha fisicamente presente; o bebê e o seu mundo
são objetos emocionais, ou seja, localizações a que se dá importância emo­
cional primitiva. Sua ausência de fisicalidade de maneira alguma diminui
a sua qualidade de serem reais para o bebê. A distinção entre mente e cor­
po surge no curso da evolução; ela é gerada psicologicamente. Em termos
kleinianos, dá-se um processo inicial de cisão para distinguir, no espaço
primitivo infantil, entre o corpo e a mente (Scott, 1948). Não devemos to­
mar como assegurado que tal diferenciação fundamental da pessoa seja in­
variável em seu caráter, de vez que parece provável que uma socialização
diferente, em diferentes culturas, dê origem a variações nas concepções ini­
ciais de corpo e mente {Marsella et al.t 1987).
Bettelheim, Bruno (1983), Freud and marís soul, Hogarth.
Freud, Sigmund (1895), "Project for a scientífic psychology", S.E. 1, p. 283-397.
Marsella, Anthony; Devos, George; Hsu, Francss {1987), Culture and self; asian and western
perspectives, Tavistock.
Scott, W.; Clifford, M. (1948), "Some embryological, neurological, psychiatríc and psychoso-
matic implications of the body schema", Int, }. Psycho-Anal., 29:141-55.
Segai, Hanna (1964), Introduction to the work of Melanie Klein, Heinemann.
Strachey, James (1957), "Editor's note to 'The Unconscious"', S.E. 14, p. 161-5,
Strawson, P. F. (1959), Individuais; an essay in descriptive metaphysics, Methuen.
Sulloway, Franck (1979), Freud; biologist of the mínd, Burnett.
Young, Robert (1986), "Freud: scientist and/or humanist", Free Assns, 6:7-35.

A projeção foi pela primeira vez descrita por Freud em


1895 e a história de seu significado desde então tem si-

R.D.Hinshelwood / 427
do longa. O termo veio primeiramente da óptica e da nova ciência da car­
tografia no século XVI, chegando no século XIX à psicologia da percepção,
donde Freud introduziu na psicanálise.
Há vários sentidos em que o termo "projeção" é utilizado: (i) percepção;
(ii) projeção e expulsão; {iii) externalização de conflitos; (iv) projeção e iden­
tidade, e (v) projeção de partes do self,
(i) Percepção: No sentido fisiológico, certas experiências são interpretadas
como projetadas fora, mais além do alcance real do órgão perceptual. Des­
sa maneira, embora o impacto dos raios luminosos aconteça fisiologica-
mente na retina, a interpretação visual é atribuída a alguma distância
maior ou menor, na frente dos olhos. De modo semelhante, o cego que
caminha com sua bengala branca encontrará um obstáculo mediante as
sensações tácteis na palma da mão que está segurando a bengala. Apesar
disto, ele com precisão projeta a sua percepção de um objeto para a outra
extremidade da bengala. Isto é "projeção", tal como o termo é normalmen­
te empregado na psicologia da percepção. Com base em sensações corpo­
rais, o bebê projeta da mesma maneira um objeto que está causando essas
sensações [ver PULSÕES; 5. OBJETOS INTERNOS]. A projeção é, portan­
to, parte de um processo normal de interpretar os dados sensorios do siste­
ma perceptivo [ver FUNÇÃO-ALFAj.
(ii) Projeção e expulsão: Freud (1895) já havia notado, a ligação existente
entre projeção e paranóia. Abraham (1924), ao investigar a melancolia e
a importância, nesta condição, do "objeto perdido" ou do temor de perdê-
lo, reconheceu que uma importante fantasia era a fantasia anal de expelir
fisicamente do corpo um objeto. Ele ligou o impulso à expulsão anal ao
mecanismo de projeção.
(iii) Externalização de conflitos: Klein achou que o mecanismo de projeção
era importante na externalização de conflitos internos no brincar com obje­
tos externos (Klein, 1927). Esta forma de projeção nos atos delinqüentes
confirmou a opinião de Freud a respeito dos criminosos que atuam a par­
tir de um sentimento inconsciente de culpa (Freud, 1916).
(iv) Projeção e identidade: A projeção tem um papel primordial na existên­
cia do ego: "A projeção (...) origina-se do desvio da pulsão de morte pa­
ra fora e, em minha opinião, ajuda o ego a superar a ansiedade por livrá-
lo do perigo e da maldade" (Klein, 1946, p. 6 ). A projeção é uma das ati­
vidades elementares de fantasia que situam objetos dentro ou fora do ego:
(...) expresso na linguagem das moções pulsionais mais antigos — os
orais — o julgamento é: — Eu gostaria de comer isto — ou — Eu gosta­
ria de cuspi-lo fora — ou, colocado de modo mais geral: — Eu gostaria
de receber isto em mim e manter aquilo fora — o que equivale a dizer
Ficará dentro de mim — ou — ficará fora de mim. Como já demons­

428 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


trei alhures, o ego original do prazer quer introjetar em si tudo o que
é bom e ejetar fora de si tudo o que é mau. (Freud, 1925, p. 237)
(v) Projeção de partes do self: Um outro sentido em que o termo "proje­
ção" foi usado tanto por Freud (1895) quanto por Klein (1946) foi o de atri­
buir certos estados mentais a outra pessoa. Alguma coisa do ego é percebi­
da em mais alguém. Isto é característico da maneira pela qual os sentimen­
tos homossexuais são evitados, pois são, de modo típico, atribuído a ou­
trem, e Freud construiu uma complexa cadeia de "vicissitudes": "Eu o
amo" transforma-se em "Eu o odeio", que se torna "Ele me odeia". O ódio,
dessa maneira, é atribuído a outra pessoa. Freud (1914) começou um estu­
do da fenomenologia deste tipo de relacionamento em seu artigo sobre nar-
cisismo, quando descreveu a escolha narcísica de objeto, em contraste com
uma escolha anaclítica de objeto. Entretanto, como ele não havia claramen­
te delineado o objeto como um campo de estudo por seu próprio direito,
o emprego do termo "projeção" tornou-se confuso e a sua utilização por
Klein corporificou esta confusão.

O uso, por Klein, do termo "projeção": Klein empregou a expressão "proje­


ção" com muitos dos significados mencionados: (a) projeção do objeto in­
terno; (b) desvio da pulsão de morte; (c) externalização de um conflito in­
terno, e (d) projeção de partes do self.
(a) Projeção do objeto interno: Este emprego do termo foi tirado de Abra-
ham (1924); exemplificando, um bebê a chorar de fome experiencia a mãe/
seio/mamadeira ausentes como a presença ativa de um objeto mau e hos­
til que lhe causa as dores da fome [ver 2 . FANTASIA INCONSCIENTE]
em sua barriguinha. Através de berros e choros (e, amiúde, da defecação),
o objeto vem a ser experienciado como expelido para fora do corpo do
bebê, onde é ligeiramente menos aterrorizante.
(b) Projeção da pulsão de morte: A visão kleiniana da pulsão de morte
projetada (ou desviada) para fora significa existir uma agressão primária
internamente dirigida que se volta para fora, contra algum objeto exterior.
A projeção de um objeto (isto é, a relocalização do ob jeto) para o lado
de fora é um emprego diferente do termo "projeção", distinto da projeção
para fora de um impulso (redirecionamento de uma pulsão) no sentido de
um objeto externo.
(c) Externalização de conflitos: As observações originais de Klein eram de
que as crianças atuavam rrum relacionamento entre brinquedos no mun­
do externo, relacionamento no qual era o conflito interno ou relacionamen­
to interno que era projetado para o mundo exterior. Um interesse libidino­
so no comportamento criminoso e sua repressão legal pode constituir um
caso comum de externalizar conflitos internos a respeito de certos impul­
sos [ver SISTEMAS SOCIAIS DE DEFESA].

R.D.Hinshelwooá / 429
(d) Identificação projetiva: Esta constitui a visão mais tradicional da proje­
ção, na qual parte da self é atribuída a um objeto. Assim, parte do ego
— um estado mental, por exemplo, tal como uma raiva indesejada, o ódio
ou outro sentimento mau — é vista em outra pessoa e completamente re­
pudiada (negada). Klein chamou isto de "'identificação projetiva" [ver 13.
IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA].
Muitos destes empregos não podem ser completamente distinguidos; a
projeção do objeto, o impulso, o relacionamento ou a parte do self envol­
vida são, todos eles, aspectos inextriçáveis do relacionamento objetai.
Onipotência: Bion (19S9) distinguiu duas formas de identificação projeti­
va com base no seguinte: uma forma patológica, que é conduzida com
onipotência e violência, e uma forma "normal", sem esse grau de violência
e com a conseqüente manutenção de um senso de realidade interna e exter­
na. A forma patológica da identificação projetiva, na qual há confusão
do self com um objeto, deve ser contrastada com a empatia, na qual o
que projeta permanece ciente de sua própria identidade separada [ver 13.
IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA; EMPATIA].

Abraham, Karl {1924), ''A short study of the development of the libido", em Karl Abraham
{1927}, Selected papers on psycho-analysis, Hogarth, p. 418-501.
Bion, Wilfred (1959), "Attacks on línking", Int. /. Psycho-Anaí., 40:308-15; republicado
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se of guilt", S.E. 14, p. 332-3.
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Klein, Melanie (1927), "Criminal tendencies in normal children", WMK 1, p. 170-85.
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P sican álise clássica Ver PSICOLOGIA DO EGO.

P sico lo g ia do ego
( P c i V a n a l i c o r - l a c c i í - a V psicanálise clássica' tal co'
\ 1 D Iv -C lX L C L llO C L l d u i j l L C l / mo se desenvolveu até a épo­
ca do falecimento de Freud em 1939, continuou sendo um estudo especial
do ego e resultou na escola dominante de psicanálise, a psicologia do ego.
Embora tenha havido afastamentos radicais da tradição freudiana, a psico­
logia do ego conquistou uma posição como herdeira da tradição em sua
forma pura, alcançada em parte por virtude dos números. Por haverem
os vienenses emigrado em grande parte para os Estados Unidos e por cau­
sa do aumento do interesse pela psicanálise neste país entre a década de
40 e meados dos anos 70, o número de psicanalistas formados segundo a

430 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tradição dominante superou qualquer outro grupo de psicanalistas situa­
do em outros lugares,
A psicologia do ego é o estudo do desenvolvimento e estrutura do ego,
após Freud (1923) haver delineado o modelo estrutural, que abrangia um
modelo da mente constituído de três instâncias inter-relaeionadas-, o id, o
ego e o superego. O conflito interno entre o id pulsional e o superego civi­
lizado coloca o ego em uma posição decisiva de mediação entre eles e,
em última análise, expressa a luta entre o indivíduo e a sociedade. Dessa
maneira, o funcionamento do ego foi elevado a um lugar de interesse psi-
canalítico especial, tendência cuja vanguarda foi assumida pelo livro de
Anna Freud (1936), O ego e os mecanismos de defesa. A tendência estabe-
leceu-se como escola de pensamento e prática psicanaíítica com o acrésci­
mo, feito por Hartmann, de um ponto de vista adaptacional explícito,
em seu Ego psychology and the problem o f adaptation [A psicologia do
ego e o problema da adaptação] (Hartmann, 1939).
Este desenvolvimento teórico foi transportado para fora de Viena por
causa da ocupação alemã. A consolidação da escola deu-se nos Estados
Unidos, embora a figura de proa, Anna Freud, houvesse permanecido em
Londres (não sendo portadora de uma qualificação médica, ela teria sido
proibida de exercer a psicanálise nos Estados Unidos, mas tinha liberdade
de fazê-lo na Grã-Bretanha). Nos Estados Unidos, a tradição vienense en­
controu duas outras influências. Uma foi a importância da psicologia so­
cial no país — corporificada, na psiquiatria, pela orientação cultural de
Sullivan, para quem o contexto social, cultural e familiar do paciente cons­
tituíam uma dimensão importante em seu desenvolvimento e psicopatolo-
gia, Era um ponto de vista que ressoava como uma corda no aspecto adap­
tacional da psicanálise vienense e tendeu a fortalecer o aspecto interpesso­
al da psicanálise americana. A outra influência foi a dominâncía da psico­
logia behaviorística nos Estados Unidos, pano de fundo que pode ter fei­
to vir à tona o estilo mais mecanicista que a psicologia do ego lá desenvolveu.
A psicologia do ego chegou à proeminência principalmente na década
de 1950 e, desde então, manteve posição de dominâncía nos Estados Uni­
dos. isso coincidiu com certos resultados da psicologia evolutiva, princi­
palmente o trabalho de Harlow (Harlow e Zimmermann, 1959; Harlow,
1961), que demonstrou importantes efeitos no desenvolvimento de maca­
cos quando estes eram criados com diversos substitutos mecânicos de uma
mãe. Bowlby (1969) retomou este trabalho como demonstração de impor­
tância da ligação afetuosa, que seria pulsional de maneira diferente das
pulsões orais clássicas (fome) [ver AMOR]. A psicologia do ego não sur­
giu destes trabalhos experimentais, mas sim da psicanálise; suas conclu­
sões, contudo, apontavam em direção semelhante, pois ambos são aspec­
tos do ego e seu desenvolvimento, que residem fora da teoria psicanalíti-
ca clássica da redução das pulsões. A teoria das pulsões [ver LIBIDO] sus­
tenta que o organismo sempre se comporta de maneira a reduzir a frustra-

R.D.Hirtshelwood / 431
ção das pulsões corporais primárias de sobrevivência e sexo. À parte a re­
dução das pulsões, diz a psicologia do ego, existe toda uma área de desen­
volvimento através da qual o ego passa de maneira autônoma (isto é, inde­
pendentemente das pulsões), ou seja, há um reino de desenvolvimento psí­
quico fora das pulsões. Postulou-se uma fonte especial de energia psíqui­
ca dentro do ego, a qual foi separada da energia pulsional do id, potencial­
mente conflitiva.
Desde a década de 1960, contudo, tem havido uma percepção das limi­
tações da psicologia do ego, especialmente na área das relações objetais,
e desenvolveu-se um interesse por certos psicanalistas britânicos dessa área,
notavelmente Fairbairn e Rosenfeld (por causa do trabalho do último com
esquizofrênicos) [ver FAIRBAIRN; ROSENFELD]. A escola de psicanálise
da psicologia do ego parece ter ultrapassado o seu apogeu.-Ultimamente,
um certo grau de crítica tem-se mostrado crescente nos Estados Unidos,
baseado na omissão de uma teoria abrangente das relações objetais na psi­
cologia do ego [ver adiante].
Assim como Anna Freud e Hartmann, Kris, Loewenstein e Rapaport fo­
ram expoentes de vulto da psicologia do ego. Rapaport (1958) deu a essên­
cia de um breve resumo histórico desta psicologia, da qual Blanck e Blanck
(1974) produziram um levantamento mais definitivo.
A teoria da adaptação: A característica central da psicologia do ego é a
teoria da adaptação. Partindo de certos aspectos da teoria da ansiedade
de Freud (1926), a noção de funções autônomas do ego (particularmente
as de síntese) foi desenvolvida, descrevendo a maneira pela qual certas ca­
racterísticas do ego (motilidade, percepção, memória, etc.) acham-se pre­
sentes sem se haverem desenvolvido a partir do id, da vida pulsional ou
dos conflitos a que o id dá surgimento. O ego tem a função, independen­
te do id, de adaptar-se ao meio ambiente. Em princípio, a psicologia do
ego presume que o ego normal é dotado, de início, de potencialidades que
progressivamente se desdobram, a fim de atender satisfatoriamente o meio
ambiente de expectativa médica. Dessa maneira, o encontro do indivíduo
e do meio ambiente social (a mediação do id e do superego, feita pelo
ego) é harmonioso, a menos que nele doutra maneira interfira um meio
ambiente inesperado. Esta epigênese do ego que se adapta para enfrentar
a sociedade é inteiramente separada do desdobramento epigenético das fa­
ses da libido. Erikson, que definiu os estágios seriais do desenvolvimento
característico do ego, voltou-se especificamente para ela (1951).
A teoria

trata do aspecto do ego e do aspecto social das relações objetais. Ela


concebe as pessoas encarregadas de cuidar como os representantes de
sua sociedade, como portadores de seus padrões institucionais e tradicio­
nais de cuidado, e, dessa maneira, enfoca a atenção no fato de cada so­
ciedade atender cada fase do desenvolvimento* de seus membros através

432 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


de instituições (cuidado dos pais, escoias, professores, ocupações, etc,)
que lhe são específicas, a fim de assegurar que o indivíduo em desenvol­
vimento nela será viável (...) Dessa maneira, não se presume que as
normas sociais sejam enxertadas no indivíduo geneticamente associai
através de "disciplinas" e "socialização", mas que a sociedade na qual
o indivíduo nasce torna-o membro dela por influenciar a maneira pela
qual ele resolve as tarefas que lhe são apresentadas por fase dè seu de­
senvolvimento epigenético. (Rapaport, 1958, p. 753)
Isto contrasta radicalmente com o modo essencialmente dinâmico pelo
qual o indivíduo alcança participação em um grupo com base nas identifi­
cações projetiva e introjetiva.
Dessa maneira, a psicologia do ego encara a psicanálise como interessa­
da pelo processo normativo no qual um indivíduo, que socialmente se con­
forma, é benignamente assistido por sua sociedade; a meta psicanalítica é
corrigir o processo quando a adaptação sai mal, mediante o apoio aos me­
canismos que permitem ao indivíduo conformar-se com sua sociedade e
com a maneira pela qual esta espera que ele solucione os seus próprios pro­
blemas.
Os temas que ocuparam os psicólogos do ego foram: (i) as origens do ego
a partir de um narcisismo simbiótico primário; (ii) as funções particulares
do ego, inclusive as envolvidas em suas áreas livres de conflito (motiíida-
de, percepção, memória, etc.); (iii) os mecanismos de adaptação (assim co­
mo de defesa) do ego; (iv) o desenvolvimento de uma técnica acurada pa­
ra interpretar o pré-consdente (em oposição ao inconsciente), e (v) uma
lealdade ao espírito da busca inicial que Freud fez de uma psicologia cien­
tífica (determinista) (Freud, 1895).

CRÍTICAS À PSICOLOGIA DO EGO, Há um certo número de áreas que


tem uma influência de discordância radical entre os desenvolvimentos ame­
ricanos e o desenvolvimento kíeiníano.
O primeiro ano de vida e fusão: Trata-se da disputa entre narcisismo pri­
mário versus "relações objetais desde o nascimento". A lealdade dos psicó­
logos do ego à teoria freudiana do narcisismo conduziu a diferenças parti­
cularmente obstinadas com os kleinianos. Spitz (1950) e Mahíer (Mahler
et al., 1975) interessaram-se pelo primeiríssimo desenvolvimento do ego,
quando a mente se forma após um período inicial de narcisismo primário.
Spitz reconheceu a existência de ansiedade verdadeira somente aos seis
meses de idade. Mahler situou o "nascimento psicológico do bebê" por
volta dos nove meses, pouco mais ou menos.
Os psicólogos do ego negam que o bebê seja capaz de discriminar as fron­
teiras do ego e distinguir entre objetos bons e maus, como sustenta Klein,
e tampouco tem qualquer capacidade para fantasiar antes dos seis a nove
meses [ver 2 . FANTASIA INCONSCIENTE]. Esta é uma diferença de opi-

R.D.Hinshelwood / 433
nião muito importante, de vez que a concepção kleiniana dos mecanismos
primitivos de defesa nos primeiros seis meses de vida simplesmente não é
aceita pelos psicólogos do ego, que encaram o ego como inexistente nesse
estágio [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE; CONTINUIDADE GENÉTI­
CA].

Narcisismo prim ário: Os psicólogos do ego basearam sua opinião de que


não existem relações objetais no nascimento nas próprias afirmações de
Freud, especialmente em seu artigo sobre narcisismo (Freud, 1914). Ela foi
apoiada pelo trabalho experimental de Spitz (1950) e Mahler (Mahler et
ah, 1975). Entretanto, houve recentemente um questionamento sério des-
ta posição por alguns psicólogos do ego e Hoffer (1981), por exemplo, ob­
servou: "Se existir qualquer verdade em minha sugestão de que tivemos
aqui uma realização alucinatória de desejo, o estado sem objeto da primei­
ra infância não pode mais ser considerado contínuo por qualquer grande
extensão de tempo" (citado em Britton, 1982). Stern (1985), examinando
recentes resultados de pesquisa da psicologia evolutiva, reconsiderou a ex­
periência subjetiva do bebê nos primeiros meses após o nascimento, con­
cluindo que existe um sofisticado ego cognitivo, afetivo e socialmente inte­
rativo durante o período anteriormente designado como sendo o do narci­
sismo primário.

O lugar da destrutividade: Os psicólogos do ego foram estritos na argüi-


ção contrária à pulsão de morte como entidade clinícamente útil (Kernberg,
1969; Dorpat, 1983) [ver PULSÃO DE MORTE].

Pontos de observação diferentes (subjetivo versus objetivo): A metapsicolo-


gia kleiniana, por definir as experiências e fantasias típicas do paciente e
afirmar que elas têm efeitos estruturais e permanentes sobre a personalida­
de, é criticada por (i) reificar os fenômenos, e (ii) confundir o nível de des­
crição da experiência do paciente com o nível da teoria psicanalítica. O
problema não é pequeno e não pode simplesmente ser posto de lado co­
mo uma questão de pensamento confuso. A ciência da subjetividade tem
de levar em conta o fato de que o objeto de estudo é subjetivo e que o ob­
servador utiliza sua própria subjetividade sob a forma de empatia e intui­
ção, na perseguição de sua compreensão científica. Este tema é debatido
alhures [ver SUBJETIVIDADE], mas, suscintamente, a disputa gira em tor­
no de que status dar às próprias teorias do paciente (inclusive as inconscien­
tes) a respeito do funcionaniento de sua mente. Exemplificando, uma fanta­
sia inconsciente de incorporação de um paciente pode ser evidenciada em
um sonho como uma absorção de algum objeto representado pelo analis­
ta e isto ser um retrato exatamente congruente com o conceito que o ana­
lista tem de uma introjeção do analista. As fantasias do paciente e as teo­
rias do analista não são mantidas distintas com facilidade.

434 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


A daptação ou integração: O objetivo da terapia psicanalítica em si tem
divergido radicalmente entre a psicologia do ego e a psicanálise kleiniana.
Na abordagem kleiniana, a meta é integrar aspectos da personalidade que
estão ou escindidos um do outro ou que estão em conflito constante um
com o outro [ver DESENVOLVIMENTO]. Isto é muito diferente do objeti­
vo que o psicólogo do ego tem de liberar o desdobramento inerente de
uma adaptação normativa ao mundo social através de uma aliança amadu­
recida e livre de conflitos com o paciente.
Segai argumentou que o ego sempre se desenvolve em relação aos seus
objetos e no contexto de seus impulsos nessas relações:

Não posso concordar que negligenciemos funções autônomas do ego,


tal como a fala. O que eu disse a respeito de meu trabalho sobre o sim­
bolismo e o pensamento de Bion deveríam indicar quanta atenção pres­
tamos a esses processos. O ponto é que nós não as vemos como fun­
ções autônom as do ego, mas sim como funções desenvolvidas em cone­
xão estreita com os relacionamentos objetais. (Segai, 1977, p. 380-1).

Bion elaborou uma teoria do pensar baseada nos dois princípios freudia­
nos do funcionamento mental, nos quais os pensamentos e um aparelho
pensante são gerados p or um ego em um turbilhão de conflito emocional,
esforçando-se por administrar seus objetos (internos e externos) [ver PENSAR].
A opinião radical nos Estados Unidos reparou que "a psicanálise modi­
ficou a sua função na cultura de nossa época" (Marcuse, 1969, p. 190). O
desenvolvimento de uma abordagem adaptacional representa uma corren­
te conformista na cultura americana, espedalmente talvez nas partes imi­
grantes. A abordagem adaptacional, ao acentuar um ingresso normaliza­
do e não conflitivo do indivíduo na sociedade, como Erikson o faz [ver
acima], tendeu a diminuir os aspectos "negativos" do indivíduo humano
que são inerentemente antagônicos à conformidade social, detalhados por
Freud em 1930 (Jacoby, 1975). Os mecanismos de defesa contra a sexuali­
dade foram rebaixados como enfoque da análise, em favor dos mecanis­
mos adaptacionais.

A aliança de tratamento: O psicólogo do ego dirige-se ao ego do paciente,


em seus apuros por ter de manejar os impulsos do id. O ego — e, com ele,
o analista — está, por assim dizer, acima do turbilhão das pulsões do id.
Acredita-se que o ego, dotado que é de funções autônomas, possua áreas
livres de conflito que o psicanalista busca localizar, estabelecendo assim a
"aliança de tratamento" (Zetzel, 1956).
Em contraste, Klein achava que todas as atividades do ego achavam-se
inextricavelmente misturadas com os conflitos existentes entre amor e ódio.
Uma aliança positiva com o analista certatrtente existe, mas ela não esta
livre das intrusões das partes agressivas, destrutivas e invejosas do self.
Em verdade, a parte do ego que se engaja em uma aliança com o analista

R.D.Hinshekvood / 435
pode ser o self infantil e dependente, ou seja, a parte do self que é capaz
de aceitar a dependência.
Esta diferença leva a grandes diferenças em técnica [ver 1. TÉCNICA].
O psicólogo do ego apela ao paciente para que reconheça conscientemen­
te certos conteúdos de seu pré-consciente, derivados pulsionais que se acham
mais próximos da superfície da mente do paciente. Desta maneira, o ana­
lista alinha-se com o ego do paciente, em sua luta com os impulsos do id.
Klein, ao invés disso, acreditava que, a fim de estabelecer e manter a situa­
ção analítica, o analista deve fornecer interpretações profundas, que locali­
zem o nível de ansiedade.

Representações: Os psicólogos do ego concederam muita atenção às descri­


ções, feitas por Freud, da introjeção e da "alteração do ego". Contudo,
há uma diferença radical em terminologia que resulta em uma grande má
compreensão. Klein via a percepção de um objeto como acompanhada
por uma fantasia de incorporação dele que resulta va em um objeto inter­
no: concreto, real, interno e com suas próprias intenções antropomorfica-
mente concebidas. Este existe lado a lado da lembrança refinada em que
representações do objeto existem e são reconhecidas como separadas do
objeto. A representação do objeto na memória e na consciência é muito
diferente de um objeto interno que não é distinguido do objeto externo, É
importante não traduzir "objeto interno" por "representação objetai" [ver
5. OBJETOS INTERNOS].
Psicanálise mecanicista: Uma terminologia particularmente objetiva e meca-
nicista é característica da psicologia do ego, Ela parece ter sido influencia­
da, nos Estados Unidos, pela psicologia behaviorística, com sua ênfase
no ego como princípio para adaptação à sociedade. Uma reação ao que
parece ser uma visão mecanicista dos seres humanos pode ter levado ao
desenvolvimento da psicologia humanística (Hinshelwood e Rowan, 1988).
Certos psicanalistas também se levantaram contra a qualidade aparente­
mente desumanizante da psicanálise americana (Bettelheim, 1960; Fromm,
1971; Schafer, 1976):

Nos Estados Unidos, naturalmente, "a cura da doença mental" tem si­
do vista como sendo a tarefa principal da psicanálise, tal como a cura
da enfermidade corporal o é da medicina. Espera-se que qualquer pes­
soa que faça psicanálise consiga resultados tangíveis — o tipo de resulta­
dos que o médico alcança para o corpo — antes que uma compreensão
mais profunda de si mesmo e um controle maior de sua vida (...) de to­
dos os aspectos da teoria freudiana, os mecanismos de ajustamento tor­
naram-se os mais amplamente aceitos nos Estados Unidos. Isto revela
a natureza da aceitação americana da psicanálise, particularmente quan­
do se sabe que Freud pouco se importava com o "ajustamento" e não
o considerava valioso. A verdade (...) é que o conceito de ajustamento
foi injetado no sistema freudiano porque era de importância primordial

436 / Dicionário do Pensamento Kleimano


para o esquema de valores do psicanalista americano e que esta altera­
ção explica a aceitação disseminada na psicanálise nos Estados Unidos.
(Bettelheim, 1981. p. 40)

Reação às críticas: A psicologia do ego parece ter reagido principaímente à


última das críticas que lhe foram feitas, qual seja, o tom mecanicista de
sua terminologia. O interesse afastou-se dos mecanismos do ego, no senti­
do das relações objetais e da representação do self:
O cerne desses desafios [à psicologia do ego] é que certos temas e aspec­
tos críticos do desenvolvimento da personalidade e da psicopatolõgia,
tendo a ver com as relações objetais e o $elf, não se ajustam facilmen­
te ao modelo básico id-ego da teoria tradicional. Exemplificando, as
descrições de desenvolvimento psicológico que pareceram mais signifi-
cantes para muitos clínicos e teóricos recentes não são as que têm a ver
com o desenvolvimento psicossexual, mas explicações que enfocam di­
mensões tais como a diferenciação se//-outro, o afastamento quanto à
separação-individuação e o grau de autocoesão. (Eagle, 1984, p. 18)

Claramente, muitos desses problemas clínicos são dos investigados por


Klein e seus colegas ao descreverem a posição esquizoparanóide e a identi­
ficação projetiva [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE; 13. IDENTI­
FICAÇÃO PROJETIVA], mas colocados em uma terminologia estranha.
Um certo número de analistas dos Estados Unidos reconheceu isto e pro­
curou fazer acréscimos à psicologia do ego com temas tomados empresta­
dos da teoria das relações objetais [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETI­
VA]. Eagle (1984) descreveu quatro tendências principais:

(i) A abordagem com binada: Mahler (Mahler et al., 1975) e, até certo pon­
to, Jacobson (1964) mantêm a teoria tradicional das pulsões, enquanto ten­
tam chegar a uma síntese com uma teoria de relações objetais: Kernberg
(1980) e Grotstein (1981), por exemplo. Langs (1978) e Ogden (1982), que
adotaram ambos uma forte ênfase relacionai objetai, apesar disso o fazem
por uma maneira que ainda mostra traços da abordagem adaptacional in­
terpessoal. Especificamente, utilizaram o conceito de "identificação projeti­
va" para enfocar o entendimento no aspecto interpessoal da ambiência ana­
lítica.

(ii) A teoria dos dois fatores: Kohut (1971) e Modell (1975) trabalham tan­
to com a teoria das pulsões quanto com uma teoria das relações objetais,
usando cada uma delas quando apropriada com certos pacientes, ou em
certos estágios, com determinado paciente.

(iii) Rejeição da teoria dos instintos: G. S. Klein*(1976) representa um cer­


to número de psicanalistas norte-americanos que seguiram a abordagem
de Fairbairn e abandonaram completamente a teoria das pulsões.

R.D.Hinshelwood / 437
(iv) Psicologia do self: O trabalho de Kohut (1971) com pacientes fronteiri­
ços e narcísicos desenvolveu uma psicologia das relações com o self. Par­
tindo da opinião de que o sentimento do self é a primeira luta psicológica
com que o bebê se defronta (quando o narcisismo primário abre caminho
à percepção de um objeto e da relação com ele), Kohut enfocou não tan­
to a relação com o objeto, mas o selfr que está tendo de fazer o relaciona­
mento. Trata-se de um ponto de vista que se assemelha, em alguns aspec­
tos, à opinião desenvolvida por Klein e também por Winnicott de que a
primeira preocupação do bebê é manter seu sentimento de um self contra
o medo do aniquilamento. Aqui, a semelhança é maior com Winnicott, a
quem Kohut presta reconhecimento por haver descrito a importância do
objeto como um espelho usado para desenvolver um retrato do self.

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y * Freud considerava não analisáveis as condições psicóticas


S1COS6 (esquizofrenia, inclusive a paranóia, e a psicose maníaco-
depressiva). Tais pacientes ocupavam-se narcisicamente com seus próprios
pensamentos e construções psíquicas, negligenciando completamente o
mundo externo, inclusive o analista. Klein, contudo, tinha uma visão dife­
rente do narcisismo [ver NARCÍSISMO] e pôde demonstrar as relações
objetais que são típicas dos psicóticos (Klein, 1930a). Estas envolviam graus
enormes de sadismo [ver SADISMO] e confirmavam o trabalho pormeno­
rizado de Abraham sobre os pontos de fixação das psicoses [ver ABRA-
HAM]. O trabalho kleiniano sobre as psicoses possui duas fases:

(1) a descoberta, por Klein, da paranóia em crianças, e


(2) a exploração, por ela e seus colegas, das descrições dos mecanismos es-
quizóides (Klein, 1946), através do trabalho direto com esquizofrênicos
adultos [ver 11. POSIÇÃO ESQUIZOPARANÓIDE; 13. IDENTIFICA­
ÇÃO PROJETIVA].

R.D.Hinshelwood / 439
(1) Paranóia infantil: O brincar das crianças é cheio de atos violentos cometi­
dos em inimigos e do temor da mesma tortura e morte às mãos desses ini­
migos. Klein tomou isto a sério e encarou-o como representando um sadis­
mo real nos anos iniciais da criança. A análise da pequena Erna, por vol­
ta de 1925, mostrou a Klein que crianças pequenas podem padecer de en­
fermidade psicótica: "A medida que a análise progredia, descobri que a
grave neurose obsessiva mascarava uma paranóia" (Klein, 1927, p. lóOn).
Nessa análise, a própria Klein, no brincar,
(...) tinha de passar por fantásticas torturas e humilhações. Se no brin­
quedo alguém me tratava com bondade, geralmente revelava-se que es­
sa bondade era apenas simulada. Os traços paranóicos se mostravam
em ser eu constantemente espionada, com as pessoas adivinhando os
meus pensamentos. (Klein, 1929, p. 199)
Este é um retrato do mundo da criança, no qual não há pessoa que ajude,
mas apenas perseguidores em potencial. Ataques retaliatórios feitos aos
perseguidores tornam-os mais daninhos do que antes, porque deles se su­
põe, em fantasia, que fiquem ainda mais enraivecidos pela violência reta-
liatória. Este tipo de círculo vicioso representa um estado paranóide de
hostilidade, com uma intensa desconfiança de quaisquer figuras "boas":
(...) uma fantasia sobre como ele conseguiría alcançar um lugar melhor
na classe. Fantasiou como se emparelharia com os que se achavam aci­
ma dele, os afastaria e mataria, e descobriu, para seu espanto, que ago­
ra eles não mais lhe apareciam como companheiros, como acontecia até
há pouco, mas como inimigos. (Klein, 1923, p. 61)
A essência do problema que o psicótico enfrenta e fracassa em superar é
a qualidade de sadismo excessivo, que conduz a fantasias de temível reta­
liação por parte dos objetos e a uma cessação parcial ou total da vida de
fantasia (e da vida interna), de modo integral. Esta visão do estado emo­
cional extremado do psicótico foi seguida, um ano mais tarde (Klein,
1930a), por um artigo sobre a inibição do desenvolvimento intelectual,
no qual ela demonstrou que certas palavras tornam-se o ponto principal
(ponto de fixação) de fantasias agressivas decisivas que assustam a crian­
ça a um grau tal que essas palavras não podiam ser aprendidas [ver FOR­
MAÇÃO DE SÍMBOLOS].
O circulo vicioso da paranóide: Achando-se além do ego jovem, a tarefa
de lidar com os círculos viciosos sádicos da paranóia pode conduzir a uma
inibição do processo de expulsão e, portanto, da simbolização. A inibição
desta última distorce ou interrompe todo o processo de desenvolvimento
do ego e do intelecto:

Em Díck havia uma incapacidade completa e aparentemente constitucio­


nal do ego para tolerar a ansiedade (...) O ego deixara de desenvolver

440 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


uma vida de fantasia e de estabelecer uma relação com a realidade.
Após um débil começo, a formação de símbolos nesta criança havia
chegado a uma parada. (Klein, 1930a, p. 224}
O grau de sadismo que ela estava encontrando em tantas crianças não se
achava longe do tipo de violência hipotetizado como pontos de fixação
para as psicoses. A inibição grave de Dick em seu emprego dos símbolos
é um fenômeno típico encontrado no quadro clínico da esquizofrenia:
(...) era caracterizado por uma ausência quase completa de afeto e an­
siedade, um grau muito considerável de retraimento quanto à realida­
de, e de inacessibilidade, uma falta de rapport emocional, comportamen­
to negativista, a alternarem-se com sinais de obediência automática, in­
diferença ao sofrimento, perseverança, todos eles sintomas que são ca­
racterísticos da demência precoce. (Klein, 1930a, p. 230)
Klein ficou entusiasmada que essas descobertas fossem importantes para
a psiquiatria e para o tratamento subseqüente da enfermidade mental gra­
ve (psicose). Asseverou ela que a psicose em crianças é muito mais comum
do que até então se imaginava e que freqüentemente passa despercebida
mesmo aos pais:
Em minha opinião, a esquizofrenia é mais comum na infância do que
geralmente se supõe (...) e acho que uma das principais tarefas do analis­
ta de crianças é descobrir e curar a psicose nelas. (Klein, 1930b, p. 235)
Defesas psicóticas: Por causa da intensidade e do primitivismo da para­
nóia, Klein acreditou haver descoberto um nível novo de operação mental
e o mais inicial dos problemas evolutivos. Pensou ela existirem defesas es­
pecíficas que operam contra esse nível de ansiedade, agressão e medo (em
oposição às defesas contra a libido). Deu-lhes o nome de mecanismos pri­
mitivos de defesa ou defesas psicóticas (ver 9. MECANISMOS PRIMITI­
VOS DE DEFESA]. Estes mecanismos incluem a cisão, a negação, a ideali­
zação, a projeção, a introjeção e a identificação. São, na maior parte, inun­
dados pela onipotência e postos em execução com grande violência na fan­
tasia [ver ONIPOTÊNCIA].
Quando Klein descreveu fases "psicóticas" no desenvolvimento das crian­
ças, foi acusada de considerar psicóticas todas as crianças. Entretanto, as
descrições dela são claras: crianças que sofrem de esquizofrenia infantil
acham-se em poder de impulsos sádicos e inextricavelmente apanhadas
nos infindáveis círculos viciosos a que as defesas onipotentes contra o sa­
dismo dão surgimento [ver PARANÓIA]. Ela defendeu-se das críticas com
a afirmação de estar meramente descrevendo os pontos de fixação para a
psicose.
(2) Esquizofrenia, A ênfase original dada por Klein à enfermidade maníaco-
depressiva foi retificada pelo desafio de Fairbairn a que compreendesse as

R.D.Hinshelwooâ / 441
condições esquizóides (Klein, 1946), Ao longo do interesse que desenvol­
veu pelos esquizofrênicos adultos, ela descreveu a identificação projetiva
e a posição esquizoparanóide. Todas estas condições achavam-se particu­
larmente ligadas com o problema do sadismo e da retaliação.
Durante a década de 40, Klein, juntamente com certos íolegas, estudou
a esquizofrenia. Rosenfeld (1947) relatou na totalidade a primeira psicaná­
lise de um esquizofrênico conduzida à maneira kleiniana. Utilizou ele uma
técnica rigorosa, restringindo-se à interpretação da transferência (embora
algumas das características normais da situação analítica, tal como o uso
do divã, fossem dispensadas pelo paciente), e Segai (1950) seguiu-o logo
depois com a análise de um esquizofrênico hospitalizado. Esses pacientes
demonstraram a importância de entender os mecanismos da cisão e da iden­
tificação projetiva que se acham envolvidos na instabilidade do ego e de
seu senso de identidade, na perda de afeto, nas falhas de cognição e no
prejuízo da formação normal de símbolos, assim como a importância de
uma técnica estrita de análise da transferência [ver 13. IDENTIFICAÇÃO
PROJETIVA; FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS].

Cisão e psicose: Rosenfeld descreveu uma paciente esquizóide que se en­


volveu com o marido de sua melhor amiga, quando ele teve um colapso
quando a esposa se achava ausente, tendo um segundo filho. Quando o
amigo tentou seduzir a paciente, houve um certo desejo consciente disso
por parte dela, mas

toda a sua ansiedade girava sobre se ela poderia controlar os desejos e


argumentos dele. Repetiu-me alguns de seus argumentos e ficou claro
que Dennis representava os próprios desejos sexuais gananciosos dela,
com que tinha dificuldade em lidar, e que, portanto, projetava para ele,
(Rosenfeld, 1947, p. 18)

Rosenfeld descreveu outros exemplos de cisão, desta vez de um tipo frag­


mentário. Falando de uma hora marcada que a paciente tinha com um ca­
beleireiro, ela havia confundido as horas

(...) saindo de casa na hora em que deveria estar lá. Ela não havia es­
quecido que a viagem levava trinta minutos, mas este fato e a ação de
viajar haviam-se tornado completamente dissociados um do Outro (...)
parecia como se todos os processos de pensamento, ações e impulsos
estivessem cindidos em partes inumeráveis, isolados uns dos outros e
mantidos em estado de divisão. A paciente referiu-se espontaneamente
à condição deles dizendo: — Estou novamente dividida (...) A cisão
de pensamentos e ações mostrava-se particularmente em relação à situa­
ção analítica; exemplificando, seu atraso freqüente para a análise origi­
nava-se do fato de ela dividir sua vinda para esta em muitas ações par­
ciais isoladas. Levantar-se, vestír-se, tomar café, pegar o ônibus para a

442 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


análise e a sessão analítica em si eram todos atos que não lhe pareciam
ter nada a ver um com o outro. (Rosenfeld, 1947, p. 27) [ver CISÃO]
Confusão: Rosenfeld (1965) demonstrou os graus extremos em que os pa­
cientes esquizofrênicos ficam confusos com o analista ou com outros indi­
víduos e foi muito explícito em sua demonstração das experiências concre­
tas que o paciente tem de entrar no analista ou ser ejetado. Partes do pa­
ciente eram experienciadas como onipotentemente localizadas no objeto
em que se achavam situadas e, assim, confundidas com ele.
Depressão projetada: De modo semelhante, Segai (1956) descreveu afetos
que foram escindidos e projetados:
(...) no curso do desenvolvimento, os esquizofrênicos atingem a posição
depressiva e, achando-a intolerável, lidam com ela através da identifica­
ção projetiva (...) Com freqüência descobrir-se-á que a parte depressi­
va do ego do paciente está projetada no analista, e, a fim de conseguir
essa projeção, o paciente vale-se uma cuidadosa encenação da situação
analítica. (Segai, 1956, p. 121).
Esta observação foi vigorosamente endossada por Klein (1960), que comen­
tou ser por isto que a depressão é tão difícil de ser detectada no esquizofrê­
nico — e, presumivelmente, outros afetos também. Isto explica também a
aparente ausência de transferência notada por Freud e o seu próprio pessi­
mismo a respeito dos esquizofrênicos pode ter tido a ver com sentir ele a
depressão que os pacientes lhe projetavam.
O ego danificado: Com a cisão excessiva do ego, seus impulsos e suas ex­
periências, temos um certo número de conseqüências: "'No que concerne
ao ego, a excísão e a expulsão excessivas para o mundo exterior de partes
dele mesmo enfraquecem-no de modo considerável'' (Klein, 1946, p. 5).
A conjunção de introjeção e cisão era igualmente importante para Klein,
de vez que a fantasia resultante é, de modo típico, uma fuga para o obje­
to interno idealizado, a qual, se excessiva, dificulta o desenvolvimento
do ego: "(...) o ego pode ser sentido como inteiramente subserviente ao
objeto interno e dependente dele: apenas uma carapaça para este" (Klein,
1946, p. 9).
"Este ego enfraquecido (...) torna-se também incapaz de assimilar os
seus objetos internos e isto conduz a uma sensação de ser esmagado por
eles (...) [e] incapaz de tomar de volta para si as partes que projetou no
mundo externo" (Klein, 1946, p. 11). A interação desequilibrada entre a
císão e os processos introjetivos e projetivos resulta em grosseiros distúr­
bios do ego, que tornam o desenvolvimento ulterior muito inseguro e pro­
porcionam uma propensão à esquizofrenia na vida posterior.
Conter a função-alfa: Bion deu alguns passqs teóricos de vulto, com base
em sua experiência com a análise de esquizofrênicos (Bion, 1967), Essas

R.D.Hinshelwood / 443
formulações completamente originais são descritas com detalhes em outros
verbetes [ver BION], de vez que o avanço em teoria provindo do trabalho
com esquizofrênicos teve um efeito profundo sobre todo o corpo da teoria
e da prática kleinianas. Bion distinguiu uma forma patológica de identifica­
ção projetiva, encontrada em esquizofrênicos e outros pacientes gravemen­
te perturbados, de uma forma mais normal [ver 13. IDENTIFICAÇÃO
PROJETIVA; EMPATIA]. Juntamente com outros, ele estabeleceu que a
identificação projetiva constitui a base para uma comunicação extremamen­
te primitiva, não-verbal e não~simbóíica, que se dá entre mãe e bebê. Isto
tornou-se conhecido como "conter" [ver CONTER] e foi importante para
o desenvolvimento da técnica psicanalítica [ver 1. TÉCNICA; CONTRA-
TRANSFERENCIAJ. Bion investigou os processos envolvidos na função
continente da mãe [ver RÊVERIE; FUNÇÃO-ALFA] ou do analista com
pormenores e demonstrou o que podia sair errado com os objetos-rejeitan-
tes-da~identificação~projetiva [ver 13. IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA*
CONTER; PENSAR; FUNÇÃO-ALFA].

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da descoberta, pu,sele,
ões
dos impulsos sexuais da infância. Considerou a Iibido como se achando
em conflito com a sociedade, mas, mais tarde, percebeu este conflito co­
mo se dando entre a Iibido e as pulsões do ego que buscam em outros
amor, aprovação e os meios físicos de sobrevivência [ver ANSIEDADE;
LIBIDO]. No decurso do estudo de condições narcísicas tais como as psico­
ses maníaco-depressivas, Freud (1914) deu-se ponta de que o apego 'libidi­
nal a um objeto e o amor por este podem ser devolvidos ao ego, de ma­
neira que este se torna o objeto amado. Neste caso, as pulsões do ego cons-

444 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano


tituem apenas uma versão da libido, voltada para dentro, para o ego co­
mo objeto.
Em 1920, introduziu ele uma nova dicotomia, desta vez entre puisões
inerentemente opostas. A libido, agora incluindo as puisões do ego (pela
sobrevivência e pela vida) encontra oposição de uma pulsão de morte silen­
ciosa e oculta, que exige a dissolução e é o oposto da vida. Tratava-se de
um conceito difícil de ser aceito pela comunidade analítica, em parte por­
que Freud achava que as manifestações da pulsão de morte eram silentes,
não havendo qualquer maneira boa de investigar-lhe a existência.

A pulsão de morte e o superego: Klein, contudo, por volta de 1923, perce­


beu que esse conceito constituía um instrumento poderoso para ela, pois
solucionava seu maior problema. Durante longo tempo estivera produzin­
do provas clínicas de que o superego formava-se mais cedo do que qual­
quer outra pessoa havia pensado e era mais severo do que alguém jamais
imaginara: em verdade, quanto mais inicial, mais severo ele era [ver 7.
SUPEREGO], Havia estado em confrontação direta a respeito disto com
analistas vienenses, inclusive Anna Freud, e o próprio Freud tendera a
apoiar a filha. Dessa maneira, Klein, possuindo provas clínicas de algo
que ia diretamente contra o próprio Freud, achava-se em uma posição difí­
cil. O que ela fez foi tomar o conceito freudiano da pulsão de morte silen­
ciosa e dizer que ela não era tão silente, mas que possuía manifestações
clínicas profundas muito visíveis, que são o próprio e duro superego, Es­
te era, então, a manifestação no nascimento da pulsão de morte a operar
uma destrutividade no sentido do indivíduo, como Freud mesmo havia ar­
gumentado (Klein, 1933). Ela descobrira um meio de lidar com dois proble­
mas de realce ao mesmo tempo: solver o enigma da origem inicial do supe­
rego e colocar "carnes" clínicas nos ossos da teoria freudiana da pulsão
de morte [ver 7. SUPEREGO].

Críticas ao uso feito por Klein do conceito da pulsão de morte: Tem havi­
do muitas críticas bem entrincheiradas da aceitação kleiniana da manifesta­
ção clínica da pulsão de morte. A rejeição direta, mas sucinta da teoria
kleiniana a respeito deste ponto, feita por Kernberg (1969) com fundamen­
to em ser a pulsão de morte "clinicamente silenciosa", foi refutada por Ro-
senfeld (1971), que descreveu, com ilustrações clínicas, a manifestação de
uma agressão dirigida para dentro, a que então deu o nome de "narcisís-
mo negativo" [ver NARCIS1SMO]. Apesar disso, Kernberg repetiu sua cáus­
tica rejeição em 1980: "Os principais expoentes continuaram a aderir a es­
tes conceitos e o fracasso deles em responder às críticas de tais conceitos
indica seja sua incapacidade de fazê-lo, seja o seu dogmatismo" (Kernberg,
1980, p. 41) — como se não houvesse notado o considerável volume de
material clínico publicado por Rosenfeld e outros kleinianos (Joseph, 1975;
Sidney Klein, 1974; Meltzer, 1968, 1976).

R.D.Hinshelwooá / 445
Os kleinianos apontaram também que as descrições originais, feitas por
Freud, da pulsão de morte, em 1920, incluíam observações clínicas. Freud
estava preocupado com as neuroses de guerra, após a Primeira Guerra
Mundial, que eram repetições do trauma, amiúde sob a forma de um so­
nhar repetitivo. Observou também a repetição do trauma*na transferência
e na formação de sintomas. Ligou isto a suas próprias observações de uma
criança a brincar de perder e redescobrir um objeto, e ficou impressiona­
do pela importância de repetir o brinquedo a fim de dominá-lo. Ele intro­
duziu o conceito de compulsão à repetição nesse trabalho (Freud, 1920),
a fim de acentuar que existe algo mais além de uma simples busca do pra­
zer na satisfação dos impulsos libidinais.
Em uma reformulação recente do conceito kleiniano das manifestações
clínicas da pulsão de morte, Segai (1987) descreveu-lhe um certo número
de características importantes. De acordo com Freud, a pulsão de morte é
cíinicamente silente; contudo, ela é silenciosa apenas com respeito ao fato
de que o sofrimento e a ansiedade provêm da premência a viver. O sofri­
mento está no viver; a morte é o esquecimento.
A experiência das necessidades pessoais, com que o bebê se defronta a
partir do momento do nascimento, conduz a duas reações alternativas: (i)
a pulsão a satisfazê-las, que conduz à busca objetai e ao amor, ou (ii) uma
pulsão a aniquilar a necessidade, ou a percepção dela, ou o ego que perce­
be. A primeira destas puísões é a manifestção das pulsões de vida; a segun­
da é a da pulsão de morte.
A pulsão de morte manifesta-se sob três formas:

(i) a destrutividade que visa ao self se funde com as pulsões de vida e é


atribuída a um objeto esta é a idéia original, de Freud, do "desvio da
pulsão de morte", ou seja, em outras palavras, a projeção, para um obje­
to, do desejo de ferir ou matar o sujeito, sendo, portanto, uma fonte de
profunda paranóia [ver 7. SUPEREGO];

(ii) um elemento interno remanescente de destrutividade também fundido


com as pulsões de vida e manifesto como raiva e agressão é voltado para
o objeto, que, agora, em resultado do "desvio", ameaça o sujeito desde o
exterior, e

(iü) outro elemento remanescente interno que pode ameaçar e destruir o


self que percebe ou a percepção direta dos objetos.

Estas formas da pulsão de morte são clinicamente observáveis, mas em cir­


cunstâncias especiais. A pulsão de morte acha-se normaímente em estado
de fusão com a libido e as pulsões de vida, e a saúde implica que, nesta
fusão, as pulsões de vida tenham ascendência. Em estado de defusão (cer­
tos aspectos dos distúrbios esquizofrênicos da percepção e do pensar), con­
tudo, ou quando a fusão se acha sob a égide da pulsão de morte, em vez

446 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


das pulsões de vida, o funcionamento da pulsão de morte se torna aparen­
te (organizações patológicas, masoquismo e outras perversões).
Prazer no sofrim ento: O sofrimento é buscado por uma complexa intera­
ção de razões. Segai apontou para três fatores:
(i) tirando fora a morte em si, o sofrimento e a autodestrutividade são
uma satisfação direta da pulsão de morte;
(ii) o sofrimento é também inerente às ameaças à vida, de maneira que
um prazer assassino é concedido à parte do ego que lida com a pulsão de
morte se a vida e as fontes da vida são derrotadas;
(iii) quando, em uma fusão das pulsões de morte com a libido, a pulsão
de morte é a mais forte, então o sofrimento {e a morte) possuira uma qua­
lidade libidinal e erotizada.
As diversas condições patológicas que derivam de um excesso de pul­
são de morte — psicose, organizações patológicas, perversões - são prova­
velmente compostas de todos os três fatores, ainda que em proporções va­
riadas [ver PSICOSE; ORGANIZAÇÕES PATOLÓGICAS; PERVERSÕES].
A pulsão de morte e a inveja: A descrição original feita por Klein da inve­
ja mostrava que, em comum com a pulsão de morte, tanto ela quanto es­
ta envolviam ataques à vida e aos objetos das pulsões de vida. Mais recen­
temente, entretanto, analistas kleinianos investigaram com maiores deta­
lhes a relação existente entre a inveja e a pulsão de morte (Segai, 1987).
A inveja é ambivalente, de vez que repousa no reconhecimento da necessi­
dade e da satisfação e representa uma fusão da pulsão de morte com as
pulsões de vida [ver 12. INVEJA], mas é uma fusão em que o primeiro tem
a ascendência. Dessa maneira, quando a experiência da necessidade invo­
ca a exigência de satisfação, ela também invoca uma exigência mais forte
a atacar e obliterar a necessidade. O tipo particular de fusão que se acha
envolvida na inveja é um tipo em que o objeto é atacado como uma satis­
fação da pulsão de morte e, ao mesmo tempo, como uma defesa contra o
experienciamento da inveja, pela extinção do objeto que dá surgimento àquela.
Quando há uma dominância das pulsões de vida, os impulsos invejosos
são então modificados no sentido do ciúme e, por fim, para formas mais
sadias de competitividade, ambição e aspiração.
A organização estrutural da pulsão de morte: Embora muitas pessoas te­
nham aceito a potencialidade inata para a agressividade nos seres huma­
nos, Klein e os kleinianos que a sucederam deram ênfase à concepção ori­
ginal freudiana de ser a pulsão de morte uma força dentro da personalida­
de que impulsava no sentido da destruição do ego. No pensamento e na
prática kleinianas mais recentes, isto conduziu a um entendimento de uma
estrutura de personalidade na qual uma organização interna ataca as par­
tes boas do ego. Rosenfeld, escrevendo com a crítica dos psicólogos do

R.D.Hínshelwooâ / 447
ego muitíssimo em mente, investigou num caso clínico a volta da destruti-
vidade contra o self (ego). Deu a isso o nome de narcisismo negativo, por
analogia com teoria freudiana da volta da libido para o self, nas descri­
ções que fez do narcisismo [ver NARCISISMO]:
Quando os aspectos destrutivos predominam, a inveja é mais violenta
e aparece como um desejo de destruir o analista como objeto que é a
fonte real da vida e da bondade. Ao mesmo tempo, surgem violentos
impulsos autodestrutivos e são estes que quero considerar com mais de­
talhe. Nos termos da situação infantil, o paciente narcísico quer acredi­
tar que deu vida a si mesmo e é capaz de alimentar-se e cuidar de si pró­
prio. Quando é defrontado com a realidade de ser dependente do analis­
ta, a representar os pais, particularmente a mãe, ele preferiría morrer,
não existir, denegar o fato de seu nascimento, e também destruir seu
progresso analítico e seu insight, que representam a criança nele próprio,
a qual ele sente que o analista, representando os pais, criou (...) Como
o indivíduo parece determinado a satisfazer um desejo de morrer e desa­
parecer no nada, o que se assemelha à descrição freudiana da pulsão
de morte "pura", poder-se-ia considerar estarmos lidando, nestes esta­
dos, com a pulsão de morte em completa defusão. Entretanto, analitica-
mente pode-se observar que o estado é causado pela atividade de partes
invejosas e destrutivas do self, que se tornaram gravemente escindidas
expelidas e defundidas do self libidinal e que cuida, e se preocupa, o
qual parece haver desaparecido. O todo self integral torna-se identifica­
do com o self destrutivo (...) O paciente amiúde acredita que destruiu
para sempre o seu self que cuida, o seu amor (...) Parece que estes pa­
cientes lidaram com a luta entre seus impulsos destrutivos e libidinais
tentando livrar-se de seu interesse e amor por seus objetos através da
morte de seu self amoroso e dependente e identificando-se quase ir.teira-
mente com a parte narcísica e destrutiva do self que lhes proporciona
um senso de superioridade e auto-admiração. (Rosenfeld, 1971, p.173-4)
Existem hoje numerosos trabalhos que descrevem a organização de uma
parte da personalidade dedicada à destrutividade [ver ORGANIZAÇÕES
PATOLÓGICAS; ESTRUTURA; NARCISISMO] e temos agora muitas
descrições de objetos internos e partes do self que são sentidas como más
e que possuem um poder perverso e destrutivo sobre as partes boas, exer­
cendo sobre estas uma servidão intimidante. O indivíduo idealiza sua pró­
pria violência e destrutividade, tanto quanto a si próprio quanto em rela­
ção a outras pessoas.

Freud, Sigmund (1914), "On narcissism" S.E. 14, p. 67-102.


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448 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano


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Segai, Hanna (1987), "The clinicai usefulness of the concept of the death instinct" (não publicado).

No apogeu da ciência do século XIX, Freud viu-se impeli­


do a procurar uma psicologia "científica" que se conformas-
se a leis de determinismo psíquico análogas às leis da física {Freud, 1985).
Determinismo psíquico: A base da teoria mecanicista de Freud era a ener-
gia mental das pulsões. As origens da vida e da atividade mental podem
ser consideradas como jazendo no corpo biológico e na herança genética
expressa no desenvolvimento corporal. As pulsões permanecem sendo o
elo entre as origens biológicas do indivíduo e seus embates e desenvolví-
mentos psicológicos. Freud originalmente encarou as pulsões como surgin­
do da estimulação das chamadas zonas "erógenas" (a boca, o ânus e os
órgãos genitais), todas as quais dão surgimento a uma forma especial de
estimulação neurológica. Esta estimulação era o componente importante
da energia mental. Passou ele então a analisar sua dissipação e descarga
como se fosse a carga de um condensador elétrico.
A teoria das pulsões de Freud continuou a mudar durante a vida dele
e à sua instigação. Especialmente a partir de quando ele começou a ser for­
çado a afastar-se de suas teorias neurológicas {de 1914 em diante), seu inte­
resse na natureza e na atividade do ego começaram a predominar sobre o
seu interesse nas pulsões. A teoria especulativa das pulsões anunciada em
1920 {Além do princípio do prazer) tratava das pulsões aceitas por Klein.
Através dos anos, muitos esforços foram feitos para afastar-se das limi­
tações da teoria pulsional de Freud. A teoria das relações objetais deu ênfa­
se às vicissitudes do objeto, antes que às pulsões. Fairbairn, por exemplo,
aboliu toda referência a pulsões [ver FAIRBAIRN; ID], A psicologia do
ego descreveu aspectos de ego que eram independentes dos dotes pulsio-
nais [ver PSICOLOGIA DO EGO],
Fantasia inconsciente: Klein retomou a idéia das origens biológicas das
pulsões, mas, entretanto, modificou a idéia da energia ^mental e a aborda­
gem mecanicista à sua descarga [ver MODELO ECONÔMICO]. Ao invés,
considerou a estimulação do corpo como dando origem aos eventos men-

R.D.Hinshelwood / 449
tais primários que eram interpretações subjetivas de estímulos corpóreos,
tal como provocados por um objeto. Susam Isaacs demonstrou como es­
tas interpretações, conhecidas pelo nome de "fantasias inconscientes", cons­
tituem, com efeito, a substância da mente [ver 2 . FANTASIA INCONS­
CIENTE].

PULSAO E CONFLITO- Freud desenvolvera originalmente a teoria de que


a estimulação das zonas erógenas, exigido descarga imediata e total, colo­
cara o ego em conflito com os padrões civilizados da sociedade. Tal confli­
to dava-se essencialmente entre as exigências sexuais da pessoa e as coibi-
ções da sociedade, e ele formou a base da teoria psicanalítica inicial. O
problema com ela é que não explica porque a sociedade acontece, em pri­
meiro lugar, nem tampouco a influência civilizadora na humanidade.
Tentando solucionar este problema, Freud postulou que a conformida­
de social é importante por significar sobrevivência pessoal. A humanida­
de não pode sobreviver sem uma cooperação social imposta. Introduzir
esta idéia significava que havia no ser humano alguma força impulsora a
sobreviver, e postulou ele um conjunto de pulsões do ego, que garantiam
que a pessoa cuidasse de seus próprios interesses quando fosse ameaçada
pela condenação social e a perda de amor, nutrição, etc. As pulsões do
ego eram assim uma categoria diferente daquelas que surgiam das zonas
erógenas, as quais tinham a qualidade especialmente impulsivas do erotis­
mo em sua estimulação. Ele tendeu a aceitar as pulsões do ego como bas­
tante certas e não tratou delas com muitos detalhes. Elas certamente não
o interessavam tanto quanto a libido. Nesta visão, o conflito se dava en­
tre dois conjuntos de pulsões, um envolvendo a sobrevivência do indiví­
duo, o outro, a sobrevivência da espécie. Tratava-se de uma idéia que se
ajustava bem a uma interpretação especificamente germânica da teoria da
evolução (por exemplo, o germeplasma versus o somatoplasma, de Weiss-
mann).
A reforçar esta visão, havia a teoria freudiana da ansiedade de castra­
ção. O conflito com a sociedade acarretava uma ameaça (especialmente in­
tensa na fantasia) aos próprios órgãos genitais da criança, e ele permane­
ceu sendo um conflito com o mundo externo, que se opõe aos aspectos li-
bidinais do corpo. Freud parece nunca realmente ter resolvido que priori­
dade dar a esta visões separadas do impacto da sociedade [ver FORMA­
ÇÃO DE SÍMBOLOS]. A partir de 1914, ficou incerto a respeito da distin­
ção entre libido e pulsões do ego; os últimos pareciam ser uma retirada
narcísica da libido para o ego como objeto amado (Freud, 1914).
A pulsão de morte: A teoria das pulsões de Freud modificou-se radicalmen­
te em 1920. Ele deve ter ficado impressionado pela escala de destruição
da Primeira Guerra Mundial e pôde também ter-se sentido mais relaxado
após jfung haver deixado o movimento psicanalítico em 1919 e Freud não
mais ter de defender de modo tão rígido sua teoria sexual da neurose e
450 / Dicionário do Pensamento Kleiniano
da civilização. Ele elevou a agressão ao mesmo nível de importância que
as pulsões sexuais, mas par uma estranha maneira, qual seja, a de impu­
tar ao ser humano uma pulsão agressiva inata contra a sua própria existên­
cia, a pulsão de morte, que existia de modo paralelo àquelas pulsões dedi­
cadas à promoção da vida. Pôs então de lado a oposição entre pulsões
do ego e pulsões sexuais e alinhou-os juntos contra a pulsão de morte. Fez
esta aventura teórica com vários fundamentos, tais como, por èxemplo, a
teimosa resistência de alguns pacientes em se beneficiarem de boas interpre­
tações analíticas, ou seja, a reação terapêutica negativa, e a propensão
dos pacientes neuróticos a repetirem continuadamente e a reexperiençiar
novas versões de um trauma provindo de suas infâncias (ou, no caso da
neurose de guerra, de seus estados adultos, especialmente em sonhos). Si­
tuou a teoria (e talvez isto mostre os resíduos de sua discussão com a reli­
giosidade de Jung) em um arcabouço íntensamente biológico e físico, a
um ponto em que chegou a ser rejeitada como biologia mística [ver PUL­
SÃO DE MORTE].
Plasticidade: Decisiva para a teoria das pulsões de Freud e para todas as
teorias psicanalíticas que decorreram dela é a visão de que as pulsões hu­
manas são especialmente plásticas e podem ser canalizadas para uma notá­
vel variedade de impulsos derivados. A sociedade reage, por assim dizer,
oferecendo canais para os derivados desviados das pulsões, num processo
conhecido pelo nome de "sublimação". Tipicamente, a plasticidade reside
na mudança de satisfações físicas e biológicas para canais culturais e sim­
bólicos [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS].
Esta mudança de organismo biológico para ser social é, em grande par­
te, um mistério, e as opiniões de Freud dela não oferecem solução, mas sim­
plesmente uma descrição. Fairbairn evitou a questão pela negação de que
a mente seja biológica por qualquer maneira que possa ser psicanaíitica-
mente relevante. Ao dizer que a humanidade busca objetos, ele estabeleceu
que a arena biológica não deveria mais ser considerada. Também Klein
tornou redundante a questão, mas, sem negar as pulsões, encarou o bebê
como estabelecendo relações objetais já no nascimento [ver 5. OBJETOS
INTERNOS; 2. FANTASIA INCONSCIENTE]. Desta maneira, foi estabe­
lecido que havia um ser psicológico e social já no início, e que ele não era
simplesmente emergente do nível biológico. O problema de entender co­
mo o ser social surge não mais existe, de vez que ele já se encontra la no
começo, e a questão é dessa maneira retirada da psicologia e mandada de
volta para a filosofia [ver PROBLEMA MENTE-CORPO],
As novas teorias: O grande divisor de águas no desenvolvimento teórico
de Klein surgiu por volta de 1932 e relacionava-se com a visão que ela ti­
nha do sadismo. Durante os seus trabalhos iniciais, à medida que aquele
vinha a ganhar ênfase cada vez maior, ele se tornou uma entidade separa­
da, um conjunto de impulsos que, embora ligado com as fases oral e anal

R.D.Hinshelwood / 451
da libido, dava origem a uma fenomenologia clínica separada e a conjun­
tos separados de defesa [ver SADISMO]. Klein finalmente abandonou a
ligação entre o sadismo e a libido e mudou explicitamente para a teoria
posterior das pulsões, de Freud, que outros analistas não haviam realmen­
te desenvolvido. Em 1932, aceitou ela estar observando as manifestações
clínicas de um conflito entre as pulsões de vida e de morte: "(,,.) nos está­
gios inicais do desenvolvimento, a pulsão de vida tem de exercer o seu po­
der ao máximo, a fim de sustentar-se contra a pulsão de morte" (Klein,
1932, p,150). O abraçar da teoria mais recente das pulsões concedeu-lhe
mais liberdade de pensamento para desenvolver as suas próprias teorias:
da natureza e do desenvolvimento do superego; do sadismo, perseguição
e paranóia, como fenômenos coerentes que derivam da pulsão de morte,
interatuando com o desenvolvimento da libido; e da qualidade distinta
da ansiedade e da culpa na posição depressiva.

Freud, Sigmund {1S95), "Project for a sdentific psychology", S.E. 1, p.283-397.


-------- . (1914), "On narcissism" S.E. 14, p.67-102.
-------- . (1920), "Beyond the pleasure principie", S.E. 18, p.3-64.
Klein, Melanie (1932), "The psycho-analysis of chüdren", WMK 2.

R e a çã o terap êu tica n eg ativ a


ra sua consternação, que havia alguns pacientes que reagiam mal às inter­
pretações analíticas: ficavam piores com interpretações boas, antes que
melhores. Ele ficou afrontado pelo "{...) hábito [do homem dos lobos] de
produzir 'reações negativas7 transitórias; todas as vezes que algo havia si­
do conclusivamente esclarecido, ele tentava contradizer o efeito" (Freud,
1917, p. 69). Desde então tem havido um esforço prolongado para enten­
der este problema. A presunção geral tem sido de que, por correta que te­
nha sido a interpretação que provocou uma reação negativa no paciente,
tem de haver uma "mais correta", que entenderia esta reação negativa.
Várias tentativas foram feitas para compreender a reação:
(i) Culpa: Freud atribuiu-a à culpa, especialmente â culpa inconsciente,
que leva a uma necessidade de punição; o paciente alcança esse castigo
sob a forma de padecer de má saúde [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE],
(ii) Pulsão de morte: Em 1924, Freud especulou sobre o papel da pulsão
de morte na reação terapêutica negativa.
(th) Posição depressiva: Riviere (1936) tirou algumas conclusões à luz da
posição depressiva de Klein, as quais mostravam a importância das rela­
ções objetais envolvidas na culpa inconsciente: um medo de ser responsá­
vel pelo dano ou pela morte do objeto bom, especialmente do objeto bom
internalizado [ver 1 0 . POSIÇÃO DEPRESSIVA]. Apontou ela que se inter­

452 / Dicionário do Pensamento Kleíniano


pretar a um paciente culpado o que se acha errado com ele, isso o fará sen­
tir-se mais culpado ainda, por estar dessa maneira errado. Advogou ela o
equilíbrio entre interpretações das partes más do setf e interpretações das
partes boas, ponto de vista endossado por Rosenfeld (1967).
(iv) Inveja: No mesmo ano (1936), Horney argumentou que a reação tera­
pêutica negativa resultava da inveja do analista, isto é, de um desejo de
estragar o trabalho deste último. Sob muitos aspectos, isto remonta a um
breve artigo da autoria de Abraham (1919), a respeito de pacientes que
não podem suportar o trabalho bem-sucedido do analista.
Quando Klein trouxe exatidão à expressão "inveja" [ver 1 2 . INVEJA], a
destrutividade foi claramente vista como um impulso extremamente primi­
tivo contra as interpretações do analista. Assim, as melhores interpreta­
ções trazem à tona a reação invejosa mais intensa. Além disso, o pacien­
te invejoso inveja a capacidade que o analista tem de fazer interpretações,
assim como estas próprias, ou seja, o paciente inveja um aspecto da men­
te do analista.
Bion (1962) descreveu o uso que o paciente faz da identificação projeti­
va para invadir a mente do analista com partes intoleráveis dele próprio,
em resultado da inveja que tem da capacidade possuída pelo analista de
conter as suas próprias experiências e as de seus pacientes.
Rosenfeld (1975) e também Etchegoyen e outros (1987) apontaram a ne­
cessidade de distinguir entre a reação terapêutica negativa que deriva do
impulso invejoso de estragar os melhores esforços do analista e a reação
(talvez igualmente negativa) ao analista, cujas interpretações estão apenas
erradas, por serem defensivas da parte dele.
Estrutura do ego: Rosenfeld (1971) descreveu o narcisismo negativo e a
organização da personalidade em estados fronteiriços, nos quais os impul­
sos negativos são dirigidos contra a parte melhor do self e contra qual­
quer objeto (inclusive o analista) que se relacione com o lado cooperativo
da personalidade. Esta estrutura das personalidades limítrofes tem, desde
então, sido frequentemente descrita [ver ESTRUTURA]. O solapamento
da análise, amiúde com uma reação terapêutica negativa oculta, conduz
a freqüentes impasses de causas aparentemente desconhecidas: o paciente.

(...) assume as capacidades do analista através da identificação projeti­


va onipotente, a qual implica um sentimento muito concreto de achar-
se dentro do analista e, assim, controlando-o, de maneira que toda a
criatividade e compreensão do analista possam ser atribuídas ao ego
do paciente. (Rosenfeld, 1975, p. 223)

Toda a estrutura da personalidade se organiza em torno da inveja e das


defesas contra o reconhecimento da capacidade separada do analista [ver
NARCISISMO].

R.D.Hinshelwooâ / 453
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R p a 1i r l n i n lo r n o ° momentoso P ° nto de P artid a de


I x v C I I I L í CIVa C 1 1 1 t v T l 1 ICL Freud foi tomar a sério o que pacien­
tes neuróticos e psicóticos lhe diziam, e ele começou com a suposição de
eles estarem lhe transmitindo algo compreensível e que era real para eles
mesmos. A realidade interna ou psíquica é a convicção da realidade do
mundo psíquico que existe inconscientemente e é sentido como situado den­
tro da pessoa.

Klein elaborou isso com a teoria dos objetos internos; ela efetuou uma
descoberta que criou um acréscimo revolucionário ao modelo da men­
te, a saber, que não vivemos em um só mundo, mas em dois, que vive­
mos em um mundo interno que é um lugar tão real para viver quanto
o mundo de fora (...) A realidade psíquica podia ser tratada de manei­
ra concreta. (Meltzer, 1981, p. 178).
Os objetos internos são experienciados como concretamente reais e inter­
nos ao ego, o que significa uma experiência de dentro do corpo [ver PE­
LE]. Eles são diferentes das imagens e representações que, quando as expe-
rienciamos, retêm em sí uma qualidade efêmera (embora possam ser repre­
sentações de coisas concretas). Essa idéia bizarra derivou, em última análi­
se, do trabalho com pacientes psicóticos, mas foi considerada como sen­
do o estado inicial que o bebê tem de experienciar a si mesmo e a seu mun­
do quando do nascimento e antes que possa saber qualquer coisa de obje­
tivo a respeido do mundo que o rodeia. Este é sentido concretamente co­
mo um mundo interno de objetos reais (não imagens ou representações)
que se empenham em relações uns com os outros e com o sujeito.

454 / Dicionário do Pensamento Kleíniano


Esta qualidade de realidade interna concreta é muito difícil de ser captu­
rada conscientemente no estado adulto e foram precisos muitos anos de
debate através das décadas de 30 e 40 para que a distinção entre objetos
internos (introjetados) e representações se tornassem apreensível. A distin­
ção não é, no fundo, uma distinção conceptual, mas sim uma distinção
na qualidade de experienciar a si mesmo e à própria atividade mental.
Rapaport (1957) tentou distinguir o mundo "interior" das representações
mentais do mundo "interno" da estrutura psíquica. Assim, o paciente teria
üm mundo de lembranças, idéias, fantasias que ele "representa" a si mes­
mo — o mundo representacional (Sandler e Rosenblatt, 1962) — que tem
a qualidade de ser mental e diferente de uma qualidade física. O mundo
contrastante da estrutura psíquica é aquele que o analista constrói para si
mesmo, a fim de fornecer um retrato objetivo da mente do paciente no ar­
cabouço de uma metapsicologia. A distinção de Rapaport falha, contudo,
e de maneira importante. Uma das categorias de fantasias que os pacientes
têm é a respeito da estrutura de suas próprias mentes e as funções que as
estruturam da maneira que acreditam que ela é. Isto pode ser simplesmen­
te a própria fantasia idiossincrática do paciente, mas o problema, contu­
do, é que se pode demonstrar que tais fantasias têm efeito importante em
produzir uma mente que aparece, à observação analítica, como estrutura­
da de acordo com a crença do paciente. Abraham (1924) deu disto um to­
cante exemplo pessoal, ao mencionar a maneira pela qual seus cabelos fica­
ram brancos por ocasião do falecimento de seu pai. O exemplo destinava-
se a mostrar que a introjeção do objeto perdido era tão intensa (onipoten­
te) que chegou a causar uma mudança real no ego. O pai dele não apenas
ingressou no mundo representacional dos objetos mentais, mas tornou-se
uma modificação física real, como se o pai realmente houvesse entrado
na cabeça de Abraham e alterado-a fisicamente.
Se, portanto, as fantasias do paciente a respeito da estrutura e do fun­
cionamento de sua própria mente possuem uma correspondência real com
a estrutura e a função psíquicas objetivamente concebidas, então a distin­
ção entre as perspectivas subjetivas do paciente e as perspectivas objetivas
do analista se rompe. A observação relatada por Abraham é típica das
descrições kleinianas das comunicações de pacientes a respeito da estrutura­
ção de suas mentes. Isto levou à crítica feita a Klein de que ela (i) reifica-
va os fenômenos de fantasias e (ií) confundia os níveis de descrição com
os de teoria [ver 2. FANTASIA INCONSCIENTE]. Entretanto, a realida­
de interna do paciente é reificada porque é este que a reifica e funciona co­
mo se realmente houvessem objetos físicos entrando e saindo de seu ego.
É este mundo de dentro que tem a qualidade de uma existência física que
se quer significar pela expressão "mundo interno"; ele é perceptível ao pa­
ciente, não apenas ao analista.

Ver 5. OBJETOS INTERNOS; 2. FANTASIA INCONSCIENTE.

R.D.Himhelwood / 455
Abraham, Karí {1924), "A short study of the development of the libido", em Karl Abraham
(1927), Selected papers on psycho-analysis, Hogarth, p, 418-501.
Meltzer, Donaid (1981), "The kleinian expansion of Freudian metapsychology', Int. ]. Psycho-
ArmL, 62:177-85.
Repaport, David (1957), "A theoretical analysis of the superego concept", em (1967). A col-
lected papers of David Rapaport, Nova Iorque, Basic.
Sandler, Joseph e Rosenblatt, Bernard (1962), "The concept of the representational world",
Psychoanal. Study Child, 17:128-45.

R ealidade p síqu ica Ver REALIDADE INTERNA.

R ealização Ver PRECONCEPÇÃO; PENSAR.

T ) p r » ^ reparação é o elemento mais forte dos impulsos


^ A ^ construtivose criativos. Desde o início, Klein notou
a aflição das crianças com sua própria agressividade: "(...) ele mostrava
na fantasia, assim como em seus brinquedos, uma retração quanto à pró­
pria agressividade, ou um alarme em relação a ela" (Klein, 1920, p. 58n).
A capacidade de apiedar-se e o desejo de restaurar tudo esteve claro para
Klein todo o tempo através de sua obra; ao descrever uma ópera que re­
presentava de modo notável a situação infantil de ansiedade típica, escre­
veu ela: "(...) quando o menino sente piedade pelo esquilo ferido e vem
em seu auxílio, o mundo hostil se transforma em um mundo amistoso"
(Klein, 1929, p. 214).
Em seu artigo de 1940, Klein demonstrou existirem várias formas de re­
paração: (i) a reparação maníaca, que traz em si uma nota de triunfo, de
vez que se baseia em uma inversão da relação criança-genitor que é humi­
lhante para os pais [ver REPARAÇÃO MANÍACA]; (ii) a reparação ob­
sessiva, que consiste em uma repetição compulsiva de ações do tipo anula-
torio, sem um elemento criativo real e destinada a aplacar, com freqüência
de maneira mágica, e (iii) uma forma de reparação baseada no amor e no
respeito pelo objeto, e que resulta em realizações verdadeiramente criativas.
Remorso e am or: Foi uma grande surpresa, de considerável importância
para Klein e, em verdade, bastante pungente, quando ela cedo reconheceu,
em seus pacientes mais jovens, existir muito sentimento pelas pessoas, brin­
quedos e objetos com que eles brincavam:
A impressão que obtive da maneira pela qual mesmo a criança muito
pequena combate as suas tendências não sociais é bastante tocante (...)
Um momento após havermos visto os impulsos mais sádicos, defronta-
mo-nos com desempenhos a mostrar a maior capacidade de amor e o

456 / Dicionário do Pensamento Kleinian o


desejo de fazer todos os sacrifícios possíveis para ser amado (...) E im­
pressionante ver, na análise, como essas tendências destrutivas podem
ser usadas para sublimação (...) como as fantasias podem ser liberadas
para um trabalho muito artístico e construtivo. (Klein, 1927, p. 176)
4

Isto não confirmava a opinião de que as crianças usam os objetos para. a


simples satisfação de necessidade, de modo explorador, para a descarga
da energia pulsional. Ao invés, as crianças mostravam sentimentos por
seus objetos e o seu brincar revela exatamente quais os sentimentos e por
que [ver AMOR].
Foi para Klein igualmente surpreendemente — talvez alarmante — nò-
tar o enorme grau de violência e crueldade com que as crianças lidam com
os seus objetos, as quais dão origem ao remorso e à preocupação subseqüentes:
(...) podíamos ver a mãe cozinhada e comida, com os dois irmãos divi­
dindo a refeição entre eles (...) mas uma manifestação de tendências pri­
mitivas desse tipo é invariavelmente seguida pela ansiedade e por desem­
penhos que mostram como a criança tenta agora reparar e expiar aquilo
que fez. Às vezes, ela tenta consertar os próprios homens, trens, etc,,
que acabou de quebrar. Outras vezes, o desenho, a construção, etc.,
expressam as mesmas tendências reativas. (Klein, 1927, p. 175)
Klein mostrou que os impulsos de crueldade se voltam para a piedade e o
remorso. O brincar é uma tentativa de restaurar o objeto danificado na
fantasia ou, com freqüência, na realidade, como no caso de um brinque­
do pequeno:
(...) onde antes um menininho não havia feito nada, a não ser partir
em pedaços fragmentos de madeira, ele agora tentara fazer um lapis
desses pedaços de madeira. Apanhará pedaços de grafite que tirou de
outros lápis que cortou e os colocará em uma fenda grosseira na madei­
ra; depois, coserá um pedaço de tecido em torno da madeira bruta, a
fim de fazê-la parecer mais bonita (...) esse lápis feito em casa represen­
ta o pênis do pai, o qual ele destruiu em fantasia, e o seu próprio, de
cuja destruição agora tem pavor (...) Quando, no decorrer da análise,
a criança começa a apresentar tendências construtivas mais fortes, por
todos os tipos de maneiras, em seu brincar e em suas sublimações, ela
também apresenta mudanças em sua relação com o pai ou a mãe (...)
e estas mudanças assinalam o início de um relacionamento objetai me­
lhorado, de modo geral, e um crescimento do sentimento social. (Klein,
1933, p. 255)
Mecanismos obsessivos: Com tanta freqüência a criança mostrava rituais
obsessivos para prevenir ou restaurar que Klein chegou em princípio à con­
clusão de que os mecanismos obsessivos eram especificamente desenvolvi­
dos contra as manifestações de agressividade — visão que concordava com
a de Freud. O impulso a restaurar, no entanto, parecia muito mais que a

R.D.Hinshehuood / 457
prevenção e o desfazer obsessivos. Eie acarretava uma grande preocupação
e atividade no sentido de corrigir as coisas e mobilizar extraordinários im­
pulsos criativos. Ela veio a imaginar a reparação como raiz importante
de toda atividade criativa: "(...) o desejo de fazer reparação, de consertar
o dano psicologicamente feito à mãe e também de restaurar a si mesma
achava-se no fundo da premência imperiosa a pintar esses retratos de seus
parentes" {Klein, 1929, p. 218). Em grau significativo, o conceito de repa­
ração assumiu, no pensamento de Klein, o lugar das defesas obsessivas.
Reparação e sublim ação; A sublimação é a conversão de impulsos libidi-
nais em habilidades refinadas e criativas. A reparação, por outro lado,
não é vista desta maneira. De modo característico, Klein ficou interessa­
da no conteúdo psicológico do processo de conversão a que Freud estava
se referindo. A reparação está certamente relacionada com os impulsos,
mas consiste na fantasia de corrigir os efeitos dos componentes agressivos.
Existe alguma sugestão também de que Klein via a reparação como uma
fantasia trazida à tona, de modo particular pela agressão, enquanto que
a ênfase da sublimação repousa nos componentes libidinais ou sexuais. En­
tretanto, era importante para ela apontar a interação existente entre os im­
pulsos agressivos e os impulosos libidinais: "O curso do desenvolvimento
libidinal é assim, em todos os passos, estimulado e reforçado pelo impul­
so à reparação e, em última análise, pelo sentimento de culpa" (Klein,
1945, p. 410). A reparação é o resultado da confluência das noções pulsio-
nais opostas, antes que meramente o deslocamento de um impulso para
algum representante socialmente aceitável, tal como acontece na sublimação.
Mais tarde, quando Klein relaxou o seu comprometimento com a teoria
clássica, a idéia de sublimação desapareceu um pouco, enquanto que a
idéia de reparação se desenvolveu e tornou-se a pedra angular dos proces­
sos de maturação que forjam um caminho de saída para a posição depressiva.
O altruísmo inerente à reparação é um desvios das noções pulsionais
[ver PULSÕES] para canais sociais. Ele é, portanto, uma categoria da su­
blimação, processo identificado por Freud como sendo o meio pelo qual
as noções pulsionais podem ser canalizadas para aplicações socialmente
construtivas, neste caso, a saber, a culpa canalizada para o reparo.
A posição depressiva: Na posição depressiva, a reparação passa a ter um
papel central. Primaríamente, o que se pretende é um conserto do mundo
interno, mediante a reparação do externo. Ela é uma fonte de energia pa­
ra a energia e a criatividade maduras no mundo externo real [ver CRIATI­
VIDADE].
A reparação é invocada especificamente pelas ansiedades da posição de­
pressiva e, junto com o teste da realidade, constitui um dos principais mé­
todos de superar a ansiedade depressiva. Na posição depressiva, a preocu­
pação é com o destino do objeto amado, "bom", sendo mais do que ape­
nas necessitar garantir a própria sobrevivência da criança mediante a ma­

458 / Dicionário áo Pensamento Rleiniano


nutenção de uma mãe que a apóie e dela tome conta, embora esse seja
um dos aspectos da ansiedade. A reparação surge da preocupação real com
o objeto, do anseio por ele. Ela pode envolver grande auto-sacrifício no
mundo externo em que objetos danificados foram projetados. Intensos im­
pulsos reparadores são com freqüência responsáveis pelas vidas devotadas
a fins humanitários e vividas com grande sacrifício. Trata-se de uma fanta­
sia que pode ser atuada [acted out] com objetos externos, tal como, por
exemplo, através do ingresso em uma das profissões humanitárias.
Reparação matsucedida: Pode-se interferir com a própria reparação. On­
de defesas maníacas contra as ansiedades depressivas estejam operando
de modo intenso, pode haver fantasias extremamente onipotentes e a repa­
ração, portanto, será concebida com onipotência comparável. Esta é uma
receita para o fracasso, de vez que imensos esforços são invocados para
restaurar objetos extremamente danificados. Estados de depressão clínica
podem possivelmente sobrevir, quando se dá identificação com o objeto
danificado e o sentimento de fracasso é projetado nos amigos, nos paren­
tes e nos serviços sociais e médicos disponíveis.
Esforços desse tipo podem resultar em uma considerável desvalorização
da importância do objeto e em uma negação da dependência [ver REPARA­
ÇÃO MANÍACA] ou em um controle e um domínio obsessivos e força­
do dos objetos. Com a desvalorização ou com o controle excessivo, o obje­
to pode ser sentido como havendo sofrido mais dano ainda, o que dá ori­
gem a mais ansiedade depressiva a respeito do dano e dos impulsos destru­
tivos, assim como prejudica o desenvolvimento da criança.
Reparação e desenvolvim ento: A reparação, embora se relacione primor­
dialmente com o estado do mundo interno e o objeto bom que constitui
o âmago da personalidade, expressa-se usualmente em ações no sentido
de objetos situados no mundo externo e que representam o objeto interno
danificado ou que, então, podem ser introjetados em fantasia para apoiar
o mundo interno. Dessa maneira, ela constitui uma força para a ação cons­
trutiva no mundo externo e suplementa ou suplanta as atitudes positivas
de um simples relacionamento amoroso, por estar preocupada com os pro­
blemas e as dificuldades do objeto amado, e de uma maneira tal que se
aproxima mais do realismo que o simples relacionamento amoroso com
um ser amado idealizado e incontaminado.

Ver 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA.

Klein, Melanie {1920), "Inhibitions and difficulties at puberty", WMK 1, p, $4-8.


--------■. (1927), "Criminal tendencies in normal children", WMK 1, p. 170-85.
-------- . (1929), "Infantüe anxiety-situations refíected in a work of .art and in the Creative im­
pulse', WMK 1, p. 210-18.
-------- . (1933), "The early development of consdence in the child", WMK 1, p. 248-57. -
-------- . (1940), "Mourning and íts relation to manic-depressive States", WMK 1, p. 344-69.
-------- . (1945), "The Oedípus compiex in the light of early anxieties", WMK 1, p, 370-419.

R.D.Hinshehvood / 459
s Nos estágios iniciais do desen-
m an íaca volvimento, o bebê emprega
mecanismos onipotentes para estabelecer a segurança de seu ego. Conse-
qüentemente, quando a posição depressiva pela primeira vez o atinje [ver
1 0 . POSIÇÃO DEPRESSIVA], ele pode experienciar o objeto amado co­
mo irreparavelmente danificado, espelhando a violência extremada de
suas fantasias onipotentes. A angústia de querer reparar um objeto tão to­
talmente danificado origina-se do fato de isto ser experienciado como uma
tarefa imensamente demandante. Em resultado disso, toda a situação tem
de ser subestimada e a tarefa transformada em fácil, como se pudesse ser
realizada através de mágica.
Mais tarde na vida, até mesmo tensões normais podem provocar a fan­
tasia desdenhosa de que, de qualquer maneira, o objeto não vale a pena
que por ele se tenha preocupação. O desdém e a depreciação, porém, são
defesas maníacas contra a gravidade da angústia e ajudam o sujeito a sen-
tir-se menos desamparado e dependente de seus importantes objetos bons,
que lhe aparecem como danificados, e fazem vir à tona uma responsabilida­
de tão pesada [ver.ANSIEDADE DEPRESSIVA], O resultado final, contu­
do, é que o desprezo danifica os objetos ainda mais e pode, portanto, con­
duzir a um círculo vicioso.

Ver REPARAÇÃO.

Originalmente, a repressão foi o mecanismos de defe­


sa descrito por Freud. Mais tarde (1926), porém, ele
começou a distinguir outros: "A importância da repressão é reduzida à
de 'um método especial de defesa'. Esta nova concepção do papel da repres­
são sugere uma investigação dos outros modos específicos de defesa" (An-
na Freud, 1926, p. 46). Uma gama de mecanismos de defesa operados pe­
lo ego tornou-se um campo importante de estudo na psicanálise (A. Freud,
1926; Fenichel, 1945), O material clínico de Klein também chamou a aten­
ção para a operação de outros mecanismos, mas se confrontou particular­
mente com mecanismos de defesa que estavam relacionados com os conte­
údos do ego e do corpo da criança e com os tipos de objetos no mundo
que a cercava. Ela começou a pensar neles como sendo mecanismos primi­
tivos de defesa e distinguiu-os da repressão. Em 1930, reivindicou de mo­
do específico:
E somente nos estágios posteriores do complexo de Edipo que a defesa
contra os impulsos libidinais faz seu aparecimento; nos estágios iniciais,
é contra os impulsos destrutivos que os acompanham que a defesa se
dirige (...) Esta defesa é de caráter violento,'diferente do mecanismo
da repressão. (Klein, 1930, p. 2 2 0 ) [ver 9. MECANISMOS PRIMITI­
VOS DE DEFESA]

460 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


Quando, no decurso dos dois anos seguintes, Klein adotou a distinção en­
tre a pulsão de morte e a libido, ela demarcou uma distinção comparável
entre mecanismos primitivos de defesa (postados contra a ansiedade que
deriva da pulsão de morte) e a repressão (que lida com os conflitos e ansie­
dades libidinais).
Violência das defesas: Os mecanismos primitivos de defesa diferem dos
"neuróticos" no grau de violência utilizado na obliteração dessa parte da
mente consciente. A ênfase de Klein recaiu sobre a repressão (ou cisão,
ou negação) de partes da personalidade, enquanto que, na psicanálise clás­
sica, a repressão tende mais a afetar o conteúdo — afetivo ou cognitivo
— da mente, antes que a estrutura desta. Os mecanismos primitivos de
defesa distorcem ou empobrecem gravemente o ego. Por serem fantasias
onipotentes, ocorre uma "alteração do ego" real quando elas operam. Na
repressão, que é muito menos violenta, a percepção da realidade interna
e externa é mantida de modo muito melhor.
As defesas primitivas, contudo, podem afetar a qualidade final da repressão:
Os métodos iniciais de cisão influenciam fundamentalmente as manei­
ras pelas quais, em estágio um tanto posterior, a repressão é efetuada,
e isto, por sua vez, determina o grau de interação entre consciente e in­
consciente. Em outras palavras, o grau em que as diversas partes da
mente são "porosas" em relação umas às outras é determinado, em gran­
de parte, pela força ou fraqueza dos mecanismos esquizóides iniciais.
(Klein, 1952, p. 6 6 )
Em sua passagem mais explícita sobre a repressão, afirmou ela:
O mecanismos da cisão é subjacente à repressão (tal como se acha im­
plícito no conceito de Freud), mas, em contraste com as formas mais
iniciais de cisão, que conduzem a estados de desintegração, a repressão
normalmente não resulta em uma desintegração do self. De vez que,
neste estágio, existe integração maior dentro das partes consciente e in­
consciente da mente e desde que, na repressão, a cisão predominante­
mente efetua uma divisão entre consciente e inconsciente, nenhuma das
duas partes do self acha-se exposta ao grau de desintegração que pode
surgir em estágios anteriores. Entretanto, o grau em que os processos
de cisão são usados nos primeiros meses de vida influencia vitalmente
o emprego da repressão em um estágio posterior, pois, se mecanismos
e ansiedades esquizóides iniciais não foram suficientemente superados,
o resultado pode ser que, ao invés de uma fronteira fluida entre conscien­
te e inconsciente, surja entre eles uma barreira rígida. (Klein, 1952, p. 87)
A relação entre repressão e cisão pode ser iluminada pela idéia de cisão
vertical e horizontal. A defesa mais severa, a cisão, divide a mente em
duas mentes, por assim dizer (objeto, relacionamento e self em cada par­
te), com cada relacionamento separado coexistindo lado a lado (horizon-

R.D.Hinshelwood / 461
talmente), enquanto que a repressão atribui parte da mente, agora mais in­
tegrada, a um reino inconsciente, sem destruir a integridade (divisão vertical).
A gravidade da cisão diminui à medida que a posição depressiva assu­
me preponderância com a conseqüente aceitação maior das realidades in­
terna e externa: ”(...) à medida que a adaptação ao mundo real aumenta,
a cisão é efetuada em planos que gradualmente se tornam cada vez mais
proximos da realidade (Klein, 1935, p. 288). A repressão gradativamente
emerge com o impacto maior da realidade e a natureza dos objetos exter­
nos reais.

Elementos alfa e beta: A distinção feita por Bion (1962) entre elementos
alfa e beta [ver FUNÇÃO-ALFA; ELEMENTOS-BETA] constitui um arca­
bouço teórico alternativo para examinar-se a distinção existente entre a re­
pressão e os mecanismos primitivos de defesa, neste caso, a identificação
projetiva. A função-alfa é o processo psicológico que gera significado a
partir dos dados sensórios brutos. Ela dá origem a conteúdos mentais que
podem ser utilizados para pensar e sonhar, sendo a repressão quem com
eles lida. Contudo, se a função-alfa falha em sua operação, a mente acu­
mula quantidades de elementos-beta, conteúdos mentais impensáveis, apro­
priados apenas para descarga por meio da identificação projetiva (patoló­
gica), e a mente se desenvolve como se fosse um aparelho para descarre­
gar essas acumulações [ver PENSAR].

Bion, Wüfred (1962), Leaniing from experience, Heinemann.


Fenichel, Otio (1945), The psycho-analytic theory o f the neurosis, Routledge & Kegan Paul.
Freud, Anna (1936), The Ego and the m echanisms o f defense, Hogarth.
Klein, Melanie (1930), 'T he importance of symbol-formation in the development of the ego",
WMK 1, p. 219-32.
. (1935), A contribution to the psychogenesis of manic-depressive States", WMK 1 p
262-89.
. (1952), "Some theoretical condusions regarding the emotional life of the infant",
WMK 3, p. 61-93,
-------- . (1957), "Envy and gratitude", WMK 3, p. 176-235.

D pc*í of on r i o K*eindescreveu a resistência na análise como sen-


E t c i I C - x d do a manifestação de uma transferência negativa.
Em contraste, a psicanálise clássica considerava a resistência como uma
repressão da libido. Trata-se de uma diferença decisiva, que dá origem a
tipos de interpretação radicalmente diferentes e expectativas de eficácia te­
rapêutica também radicalmente diferentes. Na opinião de Klein, a resistên­
cia apresentava-se como uma forma de evitar o relacionamento com ela
própria ou como uma forma de evitar os jogos com brinquedos:
Minha experiência confirmou minha crença de que, se construo a anti­
patia, imediatamente como ansiedade e sentimento transferenciai negati­
vo e a interpreto como tal em conexão com o material que a criança

462 / Dicionário áo Pensamento Kleiniano


ao mesmo tempo produz, remontando-o depois de volta ao seu objeto
original, qual seja, a mãe, posso imediatamente observar que a ansieda­
de diminui, isto se manifesta pelo começo de uma transferência mais
positiva e, com esta,-de um brincar mais vigoroso (...) Pela resolução
de alguma parte da transferência negativa, obteremos então, tal como
acontece com os adultos, um aumento da transferência positiva e esta,
de acordo com a ambivalência da infância, será em breve, por sua vez,
sucedida por uma reemergência da negativa. (Klein, 1927, p. 145-6)
Interpretações desse tipo eram "(...) contra a prática costumeira" (Klein,
1955, p. 124) e ela entrou em disputa com Anna Freud a respeito do mane­
jo da resistência e da transferência negativa [ver ANÁLISE DE CRIANÇAS].
Klein estudou as inibições no brincar com grandes detalhes e deu-se con­
ta do impacto enorme dos sentimentos agressivos no desenvolvimento da
simbolização e, portanto, na totalidade do funcionamento intelectual [ver
FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. Mediante sua compreensão da personifica­
ção dos objetos internos e, eventualmente de partes do ego [ver 13. IDEN­
TIFICAÇÃO PROJETIVA], percebeu que estava lidando com o tipo de
defensividade que é adotado pelos psicóticos. A resistência psicótica e um
ataque à capacidade que tem a mente de pensar e conhecer (a pulsão epis-
temofílica), mencionado por Bion (1959) como "ataques aos elos. de liga­
ção" [ver VINCULAÇÃO; EPISTEMOFILIA].
A resistência, igualada à transferência negativa, representava uma ma-
' nifestação clínica da pulsão de morte [ver 3. AGRESSÃO]. O conceito
veio a mais ou menos fundir-se com o de reação terapêutica negativa [ver
REAÇÃO TERAPÊUTICA NEGATIVA].

Bion, Wiífred (1.959), "Attacks on linking", Int. ]. P sycho-A nal., 30:308-15; republicado
(1967) em W. R. Bion, Second thoughts, Heinemann, p. 110-19.
Klein, Melanie (1923), "The role of the school in the libidinal development of the child”,
WMK 1, p. 59-76.
-------- . (1927), "Symposium on child analysis', WMK 1, p. 139-69.
-------- . (1955), "The psycho-analytic play technique: its history and significance", WMK 3,
p. 122-40.

, . . * ~ / g — Estes termos foram


Restituição/ restauraçao utilizadosPO
rKiem
no início de seus trabalhos e seguiam as descrições feitas por Abraham
(1924) do impulso a reparar após a agressão. Posteriormente, o termo "re­
paração" tornou-se aceito.

Ver REPARAÇÃO; 10. POSIÇÃO DEPRESSIVA.

Abraham, Karl (1924), "A short account of the development of the Hbido', em Karl Abraham
(1927), C ollected papers on psycho-analysis, Hogarth, p. 418-501.

R,D,Hinshelwood / 463
termo *oi a<*ofcado Por Bion (1962) para referir-se a
X\t- V Cl It um estado de mente que o bebê exige da mãe. A mente da
mãe precisa estar em um estado de calma receptividade para receber os
próprios sentimentos do*bebê e dar-lhes significado [ver CONTER]. A
idéia é que o bebê, através da identificação projetiva, inserirá na mente
da mãe um estado de ansiedade e terror do qual ele é incapaz de fazer sen­
tido e que é sentido como intolerável (especialmente o medo da morte).
A rêveríe da mãe é um processo de fazer algum sentido dele para o bebê,
função conhecida como "função-alfa" [ver FUNÇÃO-ALFA]. Mediante a
introjeção de uma mãe receptiva e compreensiva, o bebê pode começar a
desenvolver sua própria capacidade de reflexão sobre seus próprios esta­
dos mentais.
Quando, por alguma razão, a mãe é incapaz desta rêveríe para um sig­
nificado reflexivo, o bebê fica incapaz de receber dela um sentimento de
significado; ao invés, experiencia a sensação de o significado haver sido
despojado, o que resulta em um aterrorizante sentimento do desconheci­
do medonho [ver PAVOR SEM NOME], Pode haver variadas razões pa­
ra um estado insatisfatório de rêveríe:
(i) O bjeto externo inadequado: A mente da mãe pode de fato achar-se api­
nhada por outras preocupações e, dessa maneira, acha-se ausente para o
bebê. Assim, a mente da mãe é o componente importante do mundo exter­
no para o bebe [ver OBJETO EXTERNO].
(ii) Inveja: O bebê pode atacar a função continente da qual depende [ver
12. INVEJA] e, dessa maneira, restringir suas oportunidades íntrojetivas
de um objeto bom e compreensivo.
(iii) Continente despojaáor: O bebê pode ter um componente de inveja
anormalmente grande, o qual, projetado no objeto, transforma-o em fanta­
sia, num continente invejoso que priva de qualquer significado as proje­
ções do bebe [ver CONTER; PAVOR SEM NOME; EPISTEMOFILÍA].
(iv) Projeções ilimitadas: A mãe pode ser um continente fraco para as pro­
jeções e entrar em colapso sob a força das identificações projetivas onipo­
tentes provindas do bebê. Uma função de limitar as projeções é desempe­
nhada, na fantasia, pelo ''pênis dentro da mãe". Se uma função limitado­
ra suficiente achar-se presente, ela pode, por sua vez, conduzir a um au­
mento da inveja, com as conseqüências descritas em (ii) e (iii), [ver PAI].

Holding. Winnicott (1960) descreveu um estado mental materno de estar à


disposição do bebê que, em muitos aspectos, assemelhava-se à descrição
que Bion faz da rêveríe [ver ONIPOTÊNCIA; CONTER]. Entretanto, exis­
tem diferenças claras entre as funções do holding e da rêveríe, que derivam
de arcabouços teóricos inteiramente diferentes. A função do holding de
Winnicott e dar apoio à crença inabalável do bebê em sua própria onipo­

464 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


tência, enquanto que o conceito bioniano de rêverie é a tentativa mater­
na de proporcionar uma função continente de compreensão da realidade
do bebê, a fim de apoiar a perda de onipotência deste.

Bion, Wilfred (1962), "A theory of thinking", Int. }. P sy ch o -A n a l. , 43:306-10; republicado


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-fj r -j j t j i , Biografia. Rosenfeld, nascido em


Kosenrela, JrLerDert 1909 na Alemanha, chegouàGrã-
Bretanha como refugiado em 1935. Seu interesse pelos pacientes esquizofrê­
nicos crônicos dos hospitais psiquiátricos britânicos conduziu-o no senti­
do de procurar fazer sua própria análise com Klein. Cedo tornou-se um
importante defensor dela, especialmente em sua capacidade de fazer senti­
do dos pacientes psicóticos nos termos da teoria posterior de Klein. Gran­
de parte do conteúdo do artigo desta sobre mecanismos esquizóides de
1946 dependeram do trabalho que ela fez com estudantes e analisandos
seus, que eram também psiquiatras, tal como Rosenfeld. Este estabeleceu-
se como uma das principais autoridades kleinianas em esquizofrenia e efe­
tuou contínuos desenvolvimentos científicos até o seu falecimento, ocorri­
do em 1986.

CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS. Em 1947, Rosenfeld publicou a primeira


história clínica detalhada da análise de um esquizofrênico, demonstrando
a importância dos conceitos kleinianos de cisão do ego e identificação pro­
jetiva, com a característica despersonalização esquizóide que ela havia des­
crito em 1946. Ele investigou os estados de confusão na esquizofrenia (Ro­
senfeld, 1950, 1965), que foram precursores do conceito kleiniano da inve­
ja. Em 1952, Rosenfeld descreveu em esboço a ação terapêutica da psicaná­
lise baseada na identificação projetiva e que foi subseqüentemente elabora­
da por Money-Kyrle (1956), Bion (1959, 1962) e muitos outros.
N arásism o: Da década de 1960 em diante Rosenfeld esteve interessado pe­
la natureza do narcísismo, que, na teoria kleiniana, divergia da visão que
tinha Freud de um estado primário a que o ego pode regressar. Na opinião
de Klein, não existe estado sem objeto (Klein, 1925) e o narcísismo é um
retraimento para uma preocupação com objetos internos, antes que exter­
nos. Posteriormente, Rosenfeld explorou as manifestações clínicas da pul-
são de morte e o narcísismo negativo que dele resulta [ver NARCÍSISMO].
Seu artigo de 1971 foi uma reação a consideráveis objeções ao conceito
de pulsão de morte (ex., Kernberg, 1969), baseadas na opinião original
de Freud de que a pulsão de morte é clinicamente silenciosa. O importan­
te artigo de Rosenfeld é uma descrição das provas clínicas da pulsão de
morte [ver SADISMO]. Descreve uma estrutura do ego extremamente im­

R.D.Hinshelwood / 465
portante na qual parte da personalidade está organizada para a expressão
de impulsos da pulsão de morte e se manifesta clinícamente como uma ide­
alização da destrutividade e um ataque às próprias partes boas do sujeito.
Nisto, seguiu Meltzer (1968), mas introduziu a expressão narcisismo nega­
tivo. Esta organização sinistra do ego, que perverte a transferência e todas
as relações humanas (Rosenfeld, 1987), tem sido elemento de muitas inves­
tigações clínicas recentes por parte dos kleinianos.
Durante muitos anos Rosenfeld supervisou analistas e psicoterapeutas
na Grã-Bretanha e no exterior, e desenvolveu uma sensibilidade intensa à
capacidade que tem o analista de entender o paciente. Interessou-se mui­
to por separar as reações negativas dos pacientes a interpretações em que
estes acham que não os entenderam direito de suas reações destrutivas (in­
veja) a interpretações que sentiram que realmente demonstravam a capaci­
dade do analista em compreender e tolerar o paciente (Rosenfeld, 1987).

Bion, Wilfred (1959), "Attacks on linking", Int. J. P s y c h o - A n a l, 30;308~15; republicado


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C « J * c m r\ ° S tra^a^ os inicíais de Klein (1922, 1923) referem-se


üdUlMIlü muito ao sadismo de crianças e bebês. Ela ficou chocada
pela quantidade de violência que encontrou no brincar das crianças. Tal
como Freud, tomou a sério as expressões de seus pacientes e observou que
o brincar, que exibia formas poderosamente cruéis de agressão, amiúde se­
guido por tentativas de restaurar ou corrigir o dano causado pela violên­
cia [ver REPARAÇÃO]. Ela explicou estas provas de violência em crian­
ças pequenas em termos das teorias psicanalíticas que eram correntes à
época em que estava começando a praticar a psicanálise. As opiniões de

466 / Dicionário â o Pensamento Kleirtiano


Abraham foram particularmente importantes e isto foi um dos fatores que
a fizeram estabelecer-se em Berlim em 1919, quando teve de deixar a Hun­
gria. Tanto Abraham (1911) como Freud (1917) haviam começado a de­
monstrar a prevalência da agressão na psicose maníaco-depressiva e ha­
viam enfatizado que a psicodinâmica dos pacientes p^jcóticos apontava
para uma fase da infância caracterizada por um grau muito elevado de.vio­
lência. Ambos chamaram esta j/iolência de "sadismo” e ligaram .variedades
dela às fases orais, anais e genitais do desenvolvimento [ver LIBIDO].
Klein acompanhou a terminologia deles.
O termo "sadismo”, contudo, sugere um extremo patológico de agres­
são, especialmente de conexão sexual; entretanto, desde que as primeiras
fases do sadismo vieram a ser consideradas como parte do desenvolvimen­
to normal, o emprego do termo tendeu a perder sua conotação gravemen­
te patológica. Ao invés, a extrema crueldade é atribuída, no pensamento
kleiniano, aos dotes pulsionais básicos dos seres humanos [ver 3. AGRES­
SÃO; INSTINTOS]. A prevalência desses impulsos de agressão cruel, por­
tanto, é extremamente ampla, e Klein (1927) pensou que o comportamen­
to criminoso era apenas a ponta do iceberg, qual seja, meramente a parte
da agressão humana que é realmente encenada, em oposição aos desejos
e fantasias agressivas que existem em todos. Esta visão foi fortalecida em
1932, quando Klein adotou a pulsão de morte como fenômeno clínico e a
agressão foi separada de suas conexões sexuais diretas. A expressão "sadis­
mo”, portanto, perdeu sua conotação patológica e tende hoje a ser empre­
gada antes em sentido não-técnico, a fim de enfatizar a escala de cruelda­
de oculta que reside por trás da agressividade mais comum na experiência
e no comportamento humanos.

Abraham, Karl (1911), "Notes on the psycho-analytic treatment of manic-depressive ínsanity


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-------- . (1932), 'T he psycho-analysis of children", WMK 2.

t T Biografia. Nascida na Polônia, Segai fez for-


Segai f nanna mação médica na Grã-Bretanha e, depois, for­
mação psicanalítica, tornando-se um membro particularmente importante
do Grupo Kleiniano posterior. Credita-se-lhe a primeira análise de um es­
quizofrênico hospitalizado com uma técnica psicanalítica sem maiores mo­
dificações. Ela trabalhou partícularmente para organizar e estabelecer de
modo mais firme o Grupo Kleiniano após o falecimento de Klein e tem-se
mostrado extremamente ativa em tornar os conceitos kleinianos conheci­
dos daqueles situados fora do Grupo Kleiniano e da própria psicanálise.

R.D.Hinshelwood / 467
CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS. Segai contribuiu para o caráter pioneiro
da psicanálise de esquizofrênicos nas décadas de 40 e 50, juntamente com
Scott, Rosenfeld e Bion. Ela ficou particularmente impressionada pela im­
portância do distúrbio quanto à formação de símbolos nos esquizofrênicos
(Segai, 1950) [ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. Suas observações origi­
nais sobre estes problemas, contudo, tiveram de esperar elucidação adequa­
da até o seu artigo decisivo de 1957. Demonstrou ela que a capacidade de
empregar símbolos impõe a construção de um relacionamento entre o sím­
bolo e o que é simbolizado (na raiz, uma parte do corpo), que deixavas es­
paço para que uma distinção fosse feita entre eles. Ela contrastou isto cqm
a equação sim bólica, na qual o símbolo e a coisa simbolizada não são dis-
tinguidas. Equacionar símbolos e os referentes deles interfere por sérias ma­
neiras com o pensamento e o comportamento, por causa do distúrbio da
capacidade de reconhecer a realidade. A equação simbólica resulta do uso
da identificação projetiva patológica, que confunde objetos com partes do
setf. Todo o fenômeno da formação simbólica perturbada, da identificação
projetiva patológica e de um sentido prejudicado da realidade constitui
uma característica da posição esquizoparanóide, Estes artigos (Segai, 1950,
1957) foram uma confirmação das hipóteses originais de trabalho de Klein,
quais sejam, de que os pontos de fixação para as psicoses residem na posi­
ção esquizoparanóide.
Relacionada à investigação da formação de símbolos, deu-se uma inves­
tigação da estética (Segai, 1952). Mais uma vez ela utilizou a distinção en­
tre a posição esquizoparanóide e a posição depressiva com efeito vigoro­
so (ver FORMAÇÃO DE SÍMBOLOS]. A criação artística exige uma con­
secução relativamente estável da posição depressiva, da qual o impulso à
reparação é mobilizado para a atividade construtiva. Esta visão foi leva­
da a sério e elaborada pelo crítico de arte Adrian Stokes (Stokes, 1963).
Subseqüentemente, Segai escreveu uma série de artigos sobre aspectos da
criatividade (Segai, 1974, 1977, 1981, 1984).
Não o menor dos importantes trabalhos de Segai foi a redação de resu­
mos definitivos das próprias idéias de Klein (Segai, 1964, 1979). Nos últi­
mos anos, ela tem estado interessada pela questão dos armamentos nucle­
ares e se manifestado de modo franco a respeito deles (Segai, 1987).

Segai, Hanna (1950), "Some aspects of the analysis of a schizophrenic", Int. /, P sy ch o -A n a l.,
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468 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


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Stokes, Adrían (1963), Painting and the inner w orld, Tavistock.

O • A parte da mãe com que o bebê primeiro entra em contato é o


J0 1 O seio. Klein deu-se conta de que o bebê tem apenas percepções par­
ciais dos objetos existentes em seu mundo, por razões que dependem de
sua neurofisiqlogia e, também, de seu desenvolvimento emocional. Conse-
qüentemente, ela descreveu o objeto parcial como "o seio".
Embora em princípio se imaginasse que o seio físico era experienciado co­
mo fisicamente presente e separado do resto da mãe física, o termo veio
a adquirir o significado geral de primeiro objeto parcial [ver OBJETO PAR­
CIAL], que, ultimamente, significa o objeto materno continente e contras­
ta com o pênis paterno e com bebês rivais.
Como objeto parcial, o "seio" tem várias características possíveis, de
acordo com as necessidades do bebê em qualquer momento determinado.
Alguma parte da experiência do bebê parecerá boa e o seio será então con­
cebido como bom (o seio "bom"), enquanto que experiências más levam
à concepção do seio "mau".

Ver OBJETOS; OBJETOS PARCIAIS.

q i r Seguindo a descrição feita por Freud do modelo estrutural (id, ego


D e i r e superego), houve um movimento de vulto no sentido de um estu-
do do ego, antes que do id, e das maneiras pelas quais o ego se relaciona
com seus objetos e os usa. A ênfase de Klein recaiu sobre a importância
dos relacionamentos com objetos. Ela tendeu a utilizar intercambiavelmen-
te as expressões "se//", "ego" e "sujeito". O termo "ego" (e também "sujei­
to") é empregado como complemento de "objeto", enquanto que “self",
argüiu ela mais tarde, "(..,) é usado para abranger a totalidade da persona­
lidade, que inclui não apenas o ego, mas também a vida pulsional que
Freud chamout de 'id' " (Klein, 1959, p.249); já o ego é "(...) a parte orga­
nizada do se//".
A psicologia do ego, em contraste, interessou-se pelo papel do ego na
estrutura, e menos pela vida pulsional da qual os objetos se originam [ver
2. FANTASIA INCONSCIENTE]. A diferença entre "ego" e "se//" foi niti­
damente traçada por Hartmann (1950), quando fez distinção entre o ego

R.D.Hinshelwood / 469
como uma organização mental objetivamente descrita e o self como sen­
do a representação que é investida no narcisismo. A expressão "ego" é
um termo técnico imaginado pelos pragmáticos tradutores ingleses de Freud,
a fim de realçar a objetividade da ciência psicanalítica; constitui, portan­
to, uma distorção do alemão “ich" (eu), usado por Freud, que fornece
uma conotação muito mais pessoal e subjetiva (Bettheim, 1983).

Ver EGO.

Bettelheim, Bruno (1983), Freud and m arís soul, Hogarth.


Hartmann, Heinz (1950), "Commenis on the psycho-analytic theory of the ego", Psichoanaí.
Study Child, 5:74-96.
Klein, Melanie (1959), "Our adulí world and its roots in ínfancy", WMK 3, p.247-63.

Q* i O interesse principal de Klein era na ansiedade, de ma-


O i n i U i r i a neira que quando Freud (1926) redigiu seu abrangente tra­
balho sobre o assunto, Klein sentiu-se vingada por havê-la escolhido co­
mo algo diferente dos outros sintomas, como mais diretamente relaciona­
da com os dotes pulsionais do indivíduo. Klein analisava seus pacientes e
descrevia suas descobertas em termos das relações objetais do ego a lutar
na tentativa de dominar a ansiedade. Dessa maneira, outros sintomas assu­
miam lugar secundário e eram interpretados em termos de relações obje­
tais [ver ANSIEDADE],
Um ponto decisivo foi atingido em 1926, quando Klein contraditou Fe-
renczi e Abraham a respeito da natureza do sintoma do tique nervoso.
Eles (Ferenczi, 1921; Abraham, 1921) encaravam o tique como sendo um
fenômeno narcísico primário, enquanto que Klein os desafiou asseveran­
do que o sintoma tinha base em um relacionamento objetai [ver FANTA­
SIAS DE MASTURBAÇÃO].
O debate por Klein dos sintomas normalmente concernia muito pouca
coisa que não fosse a própria ansiedade. Ela considerava es sintomas co­
mo simbolizando as relações objetais subjacentes que davam origem à an­
siedade; a interpretação deles exigia "(...) revelar as relações objetais em
que [o sintoma] se baseia" (Klein, 1925, p.121), Conseqüentemente, o mo­
do particular porque um sintoma se forma era de interesse menor que o
significado oculto, tal como, na prática psicanalítica, é o conteúdo laten­
te do sonho que é interpretado, antes que os símbolos oníricos finais.
Sintomas de conversão, hipocondria e doença psicossomâtica, Riviere
(1952) e Heimann (1952) debateram certos sintomas corporais no contex­
to do narcisismo. O relacionamento com um objeto interno pode atingir
proporções delirantes, nas quais o indivíduo desenvolve crenças conscien­
tes bizarras a respeito de seu corpo, baseadas nas fantasias inconscientes
de um objeto maligno dentro de si. Tal desenvolvimento baseia-se na iden­
tificação de uma parte do corpo com um objeto perseguidor "mau" que

470*/ Dicionário do Pensamento Kleiniano


foi introjetado. Maltzer (1987), ao observar a diferença existente entre a
doença psicossomática, onde se dão mudanças patológicas reais no pró­
prio corpo, e as outras duas condições (hipocondria e sintomas de conver­
são), formulou a hipótese (baseada em Bion) de um elo ou vínculo entre
certos fenômenos psíquicos (a acumulação de dados sensórios não-proces-
sados) e a patologia corporal. O distúrbio, sugeriu ele, encontra-se no ní­
vel da tradução de pulsão corporal para representação mental, quando a
função-alfa fracassa [ver FUNÇÃO-ALFA].

Abraham, Karl (1921), "Contribution to a discussion on tic", em Karl Abraham (1927), Selec-
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acs e Joan Riviere, (orgs,), (1952), D evelopm ents in psycho-analysis, Hogarth, p.1-36.

^ o * ® J J TNa década de 1940,


b is te m a s s o c ia is d e d e re sa durante a mobiliza­
ção social da nação britânica para a guerra, houve um considerável inte­
resse pela psicologia social. Üm certo número de analistas interessou-se
na maneira pela qual as descobertas da psicanálise manife.stavam-se nos
fenômenos da psicologia social. Hsses analistas incluiram Bion, Bridger,
Foulkes, Main e Rickman.
Após a guerra, essas idéias deslocaram-se em várias direções, para criar
a análise grupai (Pines, 1983, 1985), a comunidade terapêutica (Main,
1946, 1977) e uma escola de estudos organizacionais, baseada na Clínica
Tavistock (posteriormente Instituto Tavistock) (Rice, 1963, 1965),
O problema de uma psicologia social que se baseia nos conceitos da psi­
cologia individual é que, normalmente, o grupo social é concebido em ter­
mos de um indivíduo. Exemplificando, a primeira tentativa de Freud para
entender a sociedade (Freud, 1913) foi como sendo um agregado de indiví­
duos, uma espécie de superindivíduo nas fantasias típicas de indivíduos;
posteriormente (1921), porém, ele assentou as fundações da compreensão
das ligações agregantes na psicologia individual com fenômenos sociais
que delas desenvolviam (Gabriel, 1983). Jaques (1953) retomou as idéias
freudianas dos laços agregantes; "(...) um dos elementos coesivos primor­
diais que ligam indivíduos em associação humana individualizada e a defe­
sa contra a ansiedade psicótica" (Jaques, 1953, p.4), e demonstrou como
isto resulta de identificações dos tipos introjetivo e projetivo;

R.D.Hinshelwood / 471
Os indivíduos podem colocar seus conflitos internos em pessoas do
mundo externo, podem inconscientemente seguir o curso do conflito,
por meio da identificação projetiva, e podem reinternalizar o curso e o
resultado do conflito externamente percebido por meio da identificação
introjetiva. (jaques, 1953, p.21)
O trabalho de EÍIiott Jaques foi central ao desenvolvimento do Instituto
Tavistock, tal como o foi o de Bion [ver PRESSUPOSTOS BÁSICOS] e
o de Isabel Menzies; eles exploraram as opiniões de Klein (1946) sobre os
mecanismos primitivos de defesa da projeção e da introjeção em conjun­
ção com a identificação.
Defesas coletivas; Jaques (1953) descreveu a maneira pela qual os indiví­
duos podem utilizar as instituições sociais a fim de apoiar as suas próprias
defesas psíquicas, da maneira que estes métodos institucionais constituem
formas coletivas de defesa a que Jaques deu o nome de sistema social de
defesa. Elas vêm a ser incorporadas à vida rotineira da instituição. As ins­
tituições humanas, portanto, possuem uma subculíura que é inconsciente
no verdadeiro sentido freudiano e aítamente determinante da maneira pe­
la qual a instituição conduz seus assuntos e da eficácia que os indivíduos
dedicam às suas tarefas conscientes.
Menzies (1960) utilizou a idéia de um sistema social de defesa na "psica­
nálise" de um sistema hospitalar e demonstrou como certos mecanismos,
que cada novo recruta tinha de aprender, haviam sido instalados nas roti­
nas de enfermagem do hospital (as técnicas defensivas). Estes mecanismos,
ao servirem de defesa contra ansiedade no trabalho, amiúde solapavam
os objetivos terapêuticos da instituição, qual seja, no caso, o cuidado dos
pacientes. A idéia de defensividade coletiva demonstrou ser uma aplicação
fértil do pensamento kleiniano (Rice, 1963; Miller e Gwynne, 1973; de Bo-
ard, 1979; Hinshelwood, 1987; Menzies Lyth, 1988, 1989). O "sistema so­
cial de defesa" é uma idéia importante que demonstra a inserção do incons­
ciente do indivíduo, da fantasia inconsciente e dos mecanismos de defesa
em processos sociais, sem reduzir os últimos à psicologia individual.

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* 1 1 Embora psicanálise kleiniana tenha sido particular--


DOCieQcLQe mente rigorosa em enfocar o mundo intrapsíquico e
com freqüência tenha sido criticada por negligenciar o mundo externo [ver
MUNDO EXTERNO], ela deu origem a Uma tendência extraordinariamen­
te persistente a gerar teorias a respeito do mundo externo e da sociedade.
Em verdade, existem nada menos que três tentativas de vulto para desen­
volver uma teoria psicanalítica da sociedade baseada em conceitos kleinia-
nos. Todas elas apóiam-se no conceito da identificação projetiva, talvez
porque esta última pode ser utilizada como uma teoria intrapsíquica do
mundo interpessoal. As três teorias são: (i) a teoria de Jaques (1953), dos
sistemas sociais de defesa [ver SISTEMAS SOCIAIS DE DEFESA], (ii) a
teoria de Segai (1957), de formação de símbolos [ver FORMAÇÃO DE SÍM­
BOLOS] e (iii) a teoria do conter, de Bion (1962a) [ver CONTER].
Além disso, a teoria bioniana dos grupos de pressupostos básicas [ver
PRESSUPOSTOS BÁSICOS] possui fortes inclinações no sentido de uma
perspectiva kleiniana (Bion, 1961). Ele escreveu seus artigos que descreviam
os pressupostos básicos antes de fazer formação kleiniana e não perseguiu
suas idéias sob essa forma. Parte da idéia do pressuposto básico (especial-
mente os pressupostos de "acasalamento") foi transformada, em 1970, em
uma teoria do conter social (Bion, 1970). p

Bion, Wílfred (1961), Experiences in groups, Tavistock.


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Como o desenvolvimento da idéia da fantasia inconsciente,


S on h os a natureza dos sonhos implicitamente teve de ser moldada

R.D.Hinshelwood / 473
de novo. A teoria clássica de Freud considerava os sonhos como sendo a
atividade de uma mente perturbada. A fim de preservar o sono, o que dor­
mia construía, sob forma disfarçada, uma solução fantasiosa para o confli­
to perturbador. Os sonhos, dessa maneira, representavam uma realização
de desejos. Os sonhos de ansiedade, contudo, aqueles que despertam o
que sonha, parecem ser um fracasso do processo, em resultado da intensi­
dade do distúrbio.
A idéia kleiniana da fantasia inconsciente como alicerce sempre presen­
te de todos os processos mentais fornece uma visão nova da natureza dos
sonhos. O sonho é mais claramente uma expressão (sob forma disfarçada)
da fantasia inconsciente, assim como uma defesa contra a sua apreciação
consciente. Segundo esta visão, os sonhos de ansiedade não constituem
um problema tão grande para a teoria psicanalítica. O sonho, portanto,
representa a fantasia inconsciente de relações objetais que é estimulada pe­
los impulsos ativos (bons ou maus) do momento.
Meítzer (1983) considerou sonhos e fantasia inconsciente como sinôni­
mos e achou que a vida consciente e deperta é o conteúdo manifesto de
um sonho. Nisto, ele acompanhou Bion (1962), que considerava os pensa­
mentos oníricos como sendo o primeiro produto mental de toda experiên­
cia que deriva dos dados sensórios brutos processados pela função-alfa
[ver FUNÇÃO-ALFA]. Neste sentido, os sonhos são o espaço interno "(...)
onde o significado é gerado" (Meltzer, 1981, p.178).

Bion, Wilfred (1962), Leam ing from experience, Heinemann.


Meltzer, Donald (1981), "The Kleinian expansion of Freudian metapsychology", Int, /. Psycho-
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O l * e T J Dentro do pensamento kleiniano, há uma


ü U D ]C llV lQ w Q G combinação de conceitos que se referem à
experiência objetiva do analista e à experiência subjetiva do paciente. Tem
havido muitas críticas desta posição e talvez nenhum outro aspecto do tra­
balho kleiniano tenha sido posto de lado com tanta freqüência. fírierley
(1942) apontou: "Temos de distinguir entre a linguagem dos pacientes (des­
crevendo as fantasias deles) e a linguagem científica; entre a experiência
viva e as nossas inferências teóricas" (p. 110) [ver REALIDADE INTERNA].
A confusão de fantasias inconscientes de objetos bons e maus com for­
mulações científicas da estrutura mental de Freud levou Glover (1945) a
referir-se à invenção de "(...) uma nova biologia religiosa"(p.31). O folhe­
to com que Glover denunciou violentamente Klein ocupava-se com a defe­
sa da teoria ortodoxa e, nele, o autor resumiu muitas das críticas que ha­
via enunciado nos Debates sobre as Controvérsias de 1943-44 [ver DEBA­
TES SOBRE AS CONTROVÉRSIAS].

474 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


O bjetivo e subjetivo: O problema meníe-corpo deixa os psicólogos hesitan­
tes entre escolher uma abordagem objetiva ou subjetiva à mente. Podemos
conhecer um cérebro através da pesquisa objetiva feita dentro da cabeça
de alguém e, até certo ponto, pela mensuração dos parâmetros do seu com­
portamento. Entretanto, podemos também conhecer um cérebro por estar­
mos, por assim dizer, dentro dele e experienciá-lo subjetiv&amente em nos­
sa própria mente. Estes dois portais de entrada ao conhecimento de nossos
"selves" não se coadunam um com o outro e não podem ser mapeados co-
locando-os um sobre o outro [ver PROBLEMA MENTE-CORPO]. Quan­
do chegamos a uma psicologia da experiência pessoal, tal como a psicaná­
lise o é, ficamos apanhados entre (i) descrever os fenômenos da mente do
paciente enquanto examinamos objetivamente alguém, ou (ii) registrar a
experiência dele através de nossa experiência, enquanto nos identificamos
subjetivamente com ele [ver EMPATÍA]. O primeiro destes métodos é cha­
mado de metapsicologia, que é uma estrutura de termos técnicos que for­
mam uma teoria sobre as mentes humanas. É a atividade de uma ciência
normal, baseada nas teorias das ciências naturais tal como a física.
A segunda abordagem, que registra as experiências (fenomenologia) de
alguma pessoa individual, é diferente em vários respeitos: (i) trata-se da
psicologia dessa pessoa individual e não é necessariamente generalizável
(ou quantificável); (ii) acha-se aberta à interpretação por parte do observa­
dor, que escuta o relato das experiências que lhe é fornecido pelo sujeito,
e (üi), no que tange à psicanálise o interesse não reside meramente na expe­
riência consciente que é relatada, mas nas experiências inconscientes que
são inferidas. Existem, portanto, problemas muito amplos de validade, ge­
neralização e comunicabilidade em uma "ciência do sujeito".
Fantasia e m ecanism o: Os kleinianos empregam os termos "introjeção" e
"projeção" para referir-se às experiências subjetivas de seus pacientes, mas,
contudo, as expressões foram originalmente desenvolvidas para referir-se
a aspecto e processos psicológicos objetivamente descritos por maneira cien­
tífica, isto é, a metapsicologia freudiana. "Introjeção" é um termo objeti­
vo aparentado à experiência subjetiva da "incorporação" ou "internaliza-
ção"; de modo semelhante, "projeção" acha-se ligada à "expulsão" e "ex-
ternalização"; um "ego" objetivamente descrito é experienciado como um
"se//".
Uma fusão do objetivo com o subjetivo é perturbadora para cientistas
acostumados a considerar o objeto como separado do observador. "Perde­
mos o direito", disse Brierley, em acalorada discussão, "à nossa reivindica­
ção de sermos cientistas e revertemos ao estado primitivo do camponês
chinês que interpreta um eclipse como o Sol sendo engolido por um dra­
gão" (Brierley, 1943).
Duas linguagens paralelas parecem existir: (i) termos metapsicológicos
a respeito dos "fatos" ob;etivamente conhecidos, e (ii) uma linguagem feno-
menológica do significado e da fantasia pessoais do paciente. O termo "in-

R.D.Hinshelwooá / 475
trojeção" refere-se à descrição científica objetiva de um psicológico no
qual algum aspecto de um objeto externo se torna parte do ego; a expres­
são "incorporação" refere-se à fantasia que o indivíduo tem de receber
em si alguma coisa do objeto.
Parecería que a confusão entre categorias diferentes de linguagem pode­
ría ser esclarecida através de um emprego rigoroso dos termos: termos
metapsicológicos para a descrição científica objetiva; termos fenomenológi-
cos para a experiência subjetiva. Entretanto, isto não parece funcionar cor­
retamente.
Colapso da distinção: Qualquer separação entre a descrição objetiva do
ego e a experiência subjetiva do mundo da fantasia inconsciente conduz a
questões paradoxais tais como:
(...) ela [Klein] freqüentemente trata a fantasia como constitutiva da re­
alidade psíquica: nela são erigidos o superego e o ego e nela existem to­
das estas partes do self. Por outro lado, contudo, ela emprega a lingua­
gem estrutural da metapsicologia freudiana e trata a fantasia como sen­
do uma das atividades do ego. (Mackay. 1981, p. 196)
Pergunta-se: é a introjeção parte das funções do ego ou é o ego um produ­
to da introjeção (a fantasia de incorporar um objeto)?
Quando falamos sobre a realidade psíquica, que linguagem deveriamos
usar? A realidade psíquica é o mundo que é real para o paciente, mas, con­
tudo, como pode o seu mundo subjetivo ser real para outra pessoa? Melt-
zer reivindicou que as descobertas de Klein significavam que "a realidade
psíquica podia ser tratada de maneira concreta, como se fosse um lugar
(...) onde o significado da vida é gerado, para desdobramento para o mun­
do exterior" (Meltzer, 1981, p.178) e distinguiu o novo tipo de conhecimen­
to que se acha implícito nisso:
Esta transformação para uma visão platônica acha-se implícita nos tra­
balhos iniciais da Sra. Klein e isso transformou a psicanálise dela, nes­
se ponto, de uma ciência baconiana, que visa a explicações e espera che­
gar a verdades ou leis absolutas, em uma ciência descritiva, que obser­
va e descreve fenômenos infinitos em suas possibilidades, por serem fe­
nômenos da imaginação, (p. 178)
Fica difícil manter separadas as linguagens. "Ego" é um termo metapsicoló-
gico (linguagem [i]), mas se cria a partir dos atos da fantasia pessoal (lin­
guagem [ii]). A fantasia de incorporar um objeto tem o efeito de uma "al­
teração do ego" objetiva, experienciada pelo sujeito e visível ao observa­
dor. A descrição de que o ego se forma a partir da incorporação de obje­
tos soa como uma explicação objetiva do que acontece — tal como "o sis­
tema solar se forma a partir de redemoinhos de matéria". Mas descrever
a formação do ego pela incorporação de objetos é também uma atividade
pessoal de fantasia a respeito de si próprio. Mesmo que mantenhamos o

476 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


termo “ego" (um termo metapsicológico) distinto de "se//" (um termo pes­
soal de experiência subjetiva) e reconstruamos a frase como "o self se for­
ma a partir da incorporação de objetos", chegamos a uma descrição que
não é diferente da frase "o ego se forma pela introjeção de objetos". A dis­
tinção entre as linguagens parece tornar-se redundante. Um ato de fantasia
é, ele próprio, uma teoria objetiva.
O colapso da distinção entre fantasia e ciência objetiva suhge da situa­
ção em que (a) a fantasia é, neste nível, onipotente, de maneira que, obje­
tivamente, um ego que fantasia é também, subjetivamente, um ego que
está em um momento de criar a si próprio, e (b) a fantasia é o mundo sub­
jetivo onde o significado é gerado, e os significados que residem nas expli­
cações ojetivas resultam da atividade da fantasia, não menos que os signi­
ficados da fantasia subjetiva. Significado, nos mundos subjetivo e objeti­
vo, é o mesmo significado, mesmo que o conhecimento dos mundos subje­
tivo e objetivo se torne dois conhecimentos diferentes e crie duas lingua­
gens diferentes.
A ciências do subjetivo: É um problema que não exista processo ou even­
to psicológico que não seja também subjetivamente experienciado e, de fa­
to, formado e moldado pela experiência e pela fantasia subjetivas: "Uma
fantasia é tanto uma invenção quanto uma função (Isaacs, 1943). Isto tor­
na a ciência da experiência subjetiva uma ciência peculiar, ou seja, uma
ciência que não pode descrever seu campo de pesquisa como distante da
experiência da pessoa pesquisada, ou distinto dela: "(...) sabemos que em
psicanálise há uma relação orgânica entre material e técnica, e isto é algo
que outros cientistas usam para censurar-nos" (Segai, 1972, p.159).
"Objetivo" versus "subjetivo" é uma dicotomia simplista quando se apli­
ca as ciências humanas:
(...) quando a própria mente, que é o domínio do subjetivo, é o obje­
to de estudo, ainda temos de ser objetivos em nossa atitude para com
os fenômenos que estamos estudando, mas temos de aceitar e lembrar
que é da natureza do objeto ser "subjetiva" (Heimann, 1943)
Mackay (1981) explorou a possibilidade de que a metapsicologia de Klein
seja uma metapsicologia fenomenológica, ou seja, uma concentração exclu­
siva nas próprias percepções e experiências subjetivas do indivíduo. Indu­
bitavelmente a abordagem kleiniana começa aí, mas as experiências psico­
lógicas e os processos corporais não tão teoricamente separados. Não é
necessário asseverar, como Mackay o faz, que uma dicotomia "mecanis-
mo-fenomenologia" seja inevitável.

Contratrasferência: A incapacidade de tornar distintas a linguagem científi­


ca e a experiência subjetiva significa, inevitavelmente, que "introjeção" e
"incorporação" se equivalem, mas, mais ainda, separar artificialmente a
linguagem violenta o sujeito, uma vez que comunica existir algum agente

R.D.Hinshelwood / 477
fora do sujeito e de sua experiência que opera com processos diferentes
dos que pertencem ao sujeito humano que está estudando. O psicanalista
emprega métodos subjetivos (empatia e intuição) para coletar seu material.
Acompanhando Bion (1962) [ver PENSAR], o trabalho de pensar que o
psicanalista faz com os dados subjetivamente coletados a respeito de seu
paciente é também um processo subjetivamente determinado de fantasia
inconsciente.
Validade e confiabilidade: O analista experiencia subjetivamente o seu pa­
ciente e a. interação de dois mundos subjetivos e intrapsíquicos necessita
ser explorada mediante as complexidades do relacionamento transferenciai
e contratransferencial [ver CONTRATRANSFERÊNCIA]. As característi­
cas desta forma de comunicação entre duas pessoas, a respeito de experiên­
cias subjetivas, são extraordinariamente complicadas, complicação que,
até certo ponto, foi colocada em alguma ordem pelo conceito do conter
[ver CONTER] e pela compreesão da comunicação não simbólica conduzi­
da por meio da identificação projetiva.
Chegamos a outra situação quando temos de pensar a respeito da comu­
nicação de experiências subjetivas entre determinado analista e outro. Tem
sido natural presumir que tais comunicações seriam conduzidas, tais co­
mo as de outras ciências, por meio de uma linguagem de palavras profis­
sionalmente adaptada e especial, a terminologia da metapsicologia. É pro­
vável, contudo, que quando se trata de uma ciência do subjetivo, tenha­
mos de ser cuidadosos a respeito disto, dando o desconto do mesmo tipo
de complexidade que ocorre nas comunicações (transferenciais e contratrans-
ferenciais) entre analista e paciente. Durante a última parte de sua carrei­
ra como psicanalista, Bion (1970) ocupou-se a fundo com os problemas
de comunicação entre analistas a respeito de suas experiências, como analis­
tas, dos mundos subjetivos inconscientes de seus pacientes [ver BION].
A confiabilidade das observações e interpretações de um psicanalista
são subjetivamente determinadas por sua própria personalidade. Testar-
lhe a validade, portanto, repousa em sua própria análise pessoal, a qual
recebeu durante sua própria formação ou subseqüentemente. Esse proces­
so de validade é privado e o analista é validado apenas da maneira mais
grosseira, por ser aceito em uma sociedade psícanalítíca. É compreensível,
portanto, que a validade e a confiabilidade estejam publicamente restritas
à filiação a uma sociedade ou a uma linhagem de analistas que remonta a
uma figura fundadora específica. Bion (1963) tentou estabelecer critérios
diferentes e objetivos para debater o que acontece em uma psicanálise e
isolou um certo número de "elementos" — a grade [ver BION], e
"K" [ver EPISTEMOFILIA) e o relacionamento continente-contido [ver
CONTER]. Entretanto, ele não parece ter sido seguido no desenvolvimen­
to disto como método de comunicação entre psicanalistas. Ao invés, seus
conceitos foram aplicados mais à prática clínica com pacientes.

478 / Dicionário do Pensamento Kieiniano


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Técnica de análise
através do brincar Ver X. TÉCNICA.
r-f-t £ /\ « A transferência era conhecida desde o pró-
1 F a n s f e r e n c i a p r i o início da psicanálise, mas a maneira
por que é entendida e o seu impacto sobre o desenvolvimento teórico tem
se alterado constantemente. O conceito de transferência é, na realidade,
composto de vários conceitos que se desdobraram no decorrer do perío­
do de mais de um século: (1) foi um evento fora de ética e inconveniente;
(2) foi depois o aliado do psicanalista na superação das resistências, quan­
do os métodos hipnóticos montraram-se limitados e apenas passageiramen­
te benéficos; (3) podia apresentar uma forma de resistência à análise, por
transformar o relacionamento de trabalho em um relacionamento emocio­
nal; (4) veio depois a ser visto como a reencenação do passado, fornecen­
do uma clareza nova à reconstrução psicanaítica dos detalhes dos traumas
da infância; (5) alternativamente, a reencenação no consultório pôde ser
vista como a externalização da fantasia inconsciente atual, e (6),- finalmen­
te, um conjunto multiplamente cindido de relacionamentos com o analis­
ta foi descrito.

(X) Um evento inconveniente. Quando Breuer pela primeira vez relatou a


Freud o que foi denominando por eles de "evento inconveniente" (Jones,
1953), tratava-se de fato da percepção de que Anna O. havia-se apaixona­

R.D.Hinshelwood / 479
do por Breuer. Este então decidiu imediatamente que seu método não era
ético para um praticante da medicina e deixou o campo para que Freud
com ele lutasse sozinho. Freud foi mais circunspecto. Examinou os limites
do problema ético e, sendo um dentista natural bem formado, adotou a
neutralidade característica às questões éticas. Decidiu encarar o amor de
Anna O. como um fenômeno para estudo. Isto significa abster-se de qual­
quer satisfação pessoal no relacionamento. O amor devia ser considerado
como um fenômeno inteiramente afastado da pessoa real do analista e, quan­
do descobriu as afeições ansiosas de suas outras jovens pacientes femininas
voltando-se para ele da mesma maneira, recusou-se a aceitar que isso fos­
se devido a seus encantos pessoais.
Dessa maneira, a transferência foi examinada de maneira nova, qual se­
ja, em vez de ser um acontecimento incômodo e fora de ética ela podia tor-
nar-se um fenômeno para estudo e, depois, para utilização na prática.

(2) Superação de resistências. Na época em que Freud começou a abandonar


o método hipnótico para conquistar acesso ao inconsciente do paciente, ele
já tinha pronta e à mão a transferência como meio alternativo para supe­
rar as resistências à exploração psicanalítica. A transferência nesse estágio
{na década de 1890) era simplesmente a afeição positiva do paciente pelo
analista e que este utilizava como se fosse uma carga de energia [ver LÍ3Í-
DO] a ser colocada contra a resistência a trazer à mente lembranças do
passado. Ele simplesmente jogava com a lealdade positiva e fantasiosa do
paciente para pressioná-lo a relaxar as forças repressoras — a "técnica de
pressão".

(3) Resistência transferenciai. A transferência foi abruptamente trazida à aten­


ção de Freud novamente pelo caso de Dora. Em sentido geral, Freud já ha­
via percebido que o paciente podia abrigar sentimentos inaturalmente hos­
tis para com o analista, assim como sentimentos inaturalmente positivos.
Contudo, ele retardou o reconhecimento da importância deles até Dora in­
terromper muito prematuramente a sua análise, e com bastante rudeza.
Freud ficou especialmente ferido porque havia iniciado a análise de Dora
a fim de redigir um caso exemplar que fosse um modelo para toda a práti­
ca futura, Ela o fez engolir seu orgulho e reconhecer que isto tinha sido
um modelo de como não clinicar, ou, pelo menos, um modelo de como
não lidar com a transferência. A superação de seu desapontamento foi ape­
nas parte do ajuste que Freud teve de fazer.
A importância da transferência negativa significava uma revisão tanto
de sua prática da psicanálise quanto de suas teorias. Freud tendeu a assu­
mir duas opiniões desta ocorrência no caso de Dora. Em primeiro lugar,
considerou a transferência, na qual toda a análise se havia rompido, co­
mo uma forma de resistência contra o trabalho da análise e a recuperação
de lembranças e fantasias provindas do passado (Freud, 1912). Engajar-se

480 / Dicionário âo Pensamento Kleíniano


em uma intensidade de sentimento para com o analista era tentar, median­
te a sedução ou a hostilidade, frustrar o processo de compreender o passa­
do. Depois, em segundo lugar, Freud também pensou no relacionamento
entre Dora e ele próprio como sendo uma reencenação de um relacionamen­
to específico de algum tipo (Freud, 1915).

(4) Repetição na transferência. Freud podia ver como a transferência negati­


va de Dora recapitulava certos sentimentos que ela havia anteriormente sen­
tido por um certo Herr K. Ele de fato sabia que a transferência achava-se
ligada aos traumas iniciais da história da paciente e agora tivera uma aula
de como o trauma á revivido, reexperienciado e reencenado como vida re­
al, na transferência para o analista. E Freud conseguiu redigir o seu caso,
não como um caso exemplar, mas sim como um relato cautelar que demons­
trava, de maneira nova, a importância da transferência: a própria manei­
ra detalhada pela qual o passado podia ser assistido. Não era mais um ca­
so de acesso a enevoadas lembranças, confundidas pelos esforços por man­
tê-las reprimidas.
Apesar desta dolorosa lição sobre a transferência, Freud permaneceu,
como sempre, relutante em abandonar completamente as suas opiniões an­
teriores. Ainda hoje as descrições da transferência implicam ser ela uma
força a favor ou contra a resistência à análise e uma perigosa reencenação
do passado.

(5) Encenação da fantasia inconsciente. No decorrer dos anos que desde


então se passaram, a transferência como reencenação foi mais desenvolvi­
da. Um novo significado sobreveio à idéia de uma reencenação do passa­
do, e este novo desenvolvimento resultou do trabalho de Klein. Talvez
um dos fatores importantes da revisão que ela fez da transferência tenha
sido o fato de estar trabalhando com crianças, algumas de apenas dois
anos de idade, e, portanto, em uma ocasião em que se presumia que os
acontecimentos traumatizantes estivessem se dando. Dessa maneira, as re~
encenações das crianças não provinham de seu passado longínquo, mas
de seu presente imediato. A totalidade de seu brincar era uma série de re-
encenações de todos os tipos de acontecimentos e relacionamentos. A viva­
cidade e o vigor da reencenação mostravam-se espantosos para Klein. O
que, então, estavam as crianças reencenando em seu brincar? De modo cla­
ro, as crianças encenam a sua vida de fantasia. Klein levou isto a sério.
O brincar, pensou ela, a sério, e não apenas para diversão. Era a manei-
ra que a propria criança encontra de relacionar a si mesma os seus próprios
piores medos e ansiedades. Õs relacionamentos encenados no consultório
eram, então, expressões dos esforços feitos pela criança para abranger a
maneira traumática porque ela experiencia a sua vida cotidiana.
Retornando à prática da psicanálise adulta, esta nova compreensão te­
ve profundo efeito sobre a teoria e a prática. A transferência, já considera-

R.D.Hinshehuood / 481
da como uma reencenação no consultório, era agora encarada como reen-
cenação de experiências fantasiosas correntes, da mesma maneira que o
brincar da criança contitui uma reencenação da elaboração fantasiosa que
faz de seus traumas [ver ATUAÇÃO DENTRO DA SESSÃO], Essa visão
da transferência como surgindo das dificuldades .dq.aqube^agora,, concreta-
mente durante a sessão da análise’,""foi apoiada pelo desenvolvimento da
idéia de fantasia inconsciente e da ênfase concedida a esta [ver 2. FANTA­
SIA INCONSCIENTE], A prática da psicanálise kleiniana tornou-se uma
compreensão da transferência como expressão da fantasia inconsciente, ati­
va exatamente ali e agora, no momento da análise. A transferência, contu­
do, molda-se nos mecanismos infantis com que o paciente manejou as
suas experiências há longo tempo atrás:
; (...) o paciente está fadado a lidar com seus conflitos e ansiedades expe-
/ rienciados em relação ao analista pelos mesmos métodos que utilizou
i no pasado. Isto quer dizer que ele se afasta do analista tal como tentou
I afastar-se de seus objetos principais. (Klein, 1952, p.55)
Esta visão da transferência veio, por sua vez, a escorar o conceito de fanta­
sia inconsciente e os dois conceitos desenvolveram-se reciprocamente co­
mo o cerne da prática kleiniana.
Atuação na transferência: Mais recentemente, tem havido um aumento
de interesse na maneira pela qual o paciente atua [acts out] na transferên­
cia. Este desenvolvimento, ligado particularmente ao trabalho de Betty Jo-
seph [ver EQUILÍBRIO PSÍQUICO], demonstrou que os pacientes utilizam
a transferência não apenas para alcançar a satisfação de seus impulsos,
mas também para apoio de suas posições defensivas [ver ATUAÇÃO DEN­
TRO DA SESSÃO]. Os pacientes tentam "utilizar-nos —- os analistas —
para ajudá-los com a ansiedade" (Joseph, 1978, p.223). Ela descreve ma­
neiras extremamente sutis pelas quais os pacientes tentam "atrair-nos pa­
ra seus sistemas defensivos" (Joseph, 1985, p.62). Ao enfatizar a transferên­
cia como sendo a situação total (Joseph, 1985), ela investigou pacientes fron­
teiriços difíceis e intratáveis, cujas personalidades são construídas em tor­
no de um sistema rígido de defesas, de uma organização patológica [ver
ORGANIZAÇÕES PATOLÓGICAS],
Técnicas da psicologia do ego: Uma das diferenças na abordagem à trans­
ferência é que os psicólogos do ego olharão o material em busca da existên­
cia de provas de impulsos, derivados pulsionais e defesas contra estes, en­
quanto que outros procurarão objetos e os relacionamentos com eles.
Existe, contudo, um nível mais profundo nesta diferença. Aquilo a que
Klein deu início foi uma ênfase diferente no exame do material que os pa­
cientes produziam. Ela estava interessada no conteúdo das ansiedades e,
nisto, afastava-se do interesse anterior nas pulsões e na descarga da ener­
gia deles. Os analistas estão quer interessados em abordar a estrutura da

482 / Dicionário do Pensamento Kíeiniano


mente do paciente em termos objetivos, construindo um modelo dessa es­
trutura e trabalhando para modificá-la, quer, por outro lado, entrar no
mundo subjetivo do paciente de tentar encontrar palavras para apreendê-
lo. Estas abordagens à prática psicanalítica, que colocaram seus protago­
nistas em conflito na década de 20 a respeito da técnica da análise de crian­
ças, continuam em claro contraste hoje na análise de adultos [ver 1. TÉC­
NICA; ANÁLISE DE CRIANÇAS].

(6) Transferências cindidas. A partir da década de 1940, Klein introduziu


um novo desenvolvimento no entendimento e interpretação terapêutica
da transferência. Abraham (1919) e, subseqüentemente, muitos outros ana­
listas apontaram para aspectos ocultos do relacionamento do paciente com
o analista; geralmente, são os aspectos negativos os escondidos. Klein po­
dia abranger isto com sua teoria em desenvolvimento na década de 1940,
quando começou a entender a importância da cisão. Podia demonstrar
que todo material fornecido no curso da associação livre em uma sessão
analítica pode apresentar aspectos da transferência imediata para o analis­
ta agora, mesmo quando o material não se refere explicitamente a este úl­
timo ou mesmo quando aparentemente consiste em lembranças da infância:
Exemplificando, relatos de pacientes a respeito de sua vida cotidiana,
relações e atividades não apenas fornecem um insight do funcionamen­
to do ego, mas também revelam — se explorarmos o conteúdo incons­
ciente — as defesas contra as ansiedades despertadas na situação trans­
ferenciai (...) ele [o paciente] tenta cindir as relações com o analista,
mantendo-o quer como figura boa, quer como figura má: ele desvia al­
guns dos sentimentos e atitudes experienciados para com o analista pa­
ra outras pessoas de sua vida atual, e isto faz parte da "atuação'' [ac-
ting out]. (Klein, 1952, p.56) [ver 1, TÉCNICA]
A seqüência de associações no material é, realmente, uma descrição do
conjunto (inconscientemente) estilhaçado de resíduos do relacionamento
com o analista e, com frequência, aspectos muito imaturos desse relaciona­
mento, A tarefa do analista é entender como ele se acha representado nes­
sa miríade de maneiras conflitantes e que elas têm de ser reunidas de vol­
ta, em uma "reunião da transferência" (Meltzer, 1968).
Contratransferência: No decorrer desta jornada histórica do conceito de
"transferência", uma viagem um tanto semelhante foi percorrida pelo con­
ceito de "contratransferência". Este também começou sendo uma interferên­
cia e algo despistante de que o analista devia desconfiar muito. Os psicana­
listas abrigaram-se por trás da idéia de que pudessem apresentar a seus pa­
cientes uma tela branca porque podiam, na realidade, estarem muito assus­
tados do quanto eles eram instigados pelos pacientes (Fenichel, 1941). Con­
tudo, a partir de 1950 em diante, a idéia do analista como um operador
opaco e mecânico caiu de modo bastante rápido em descrédito, por duas

R.D.Hinshekoood / 483
razões: (a) um analista não pode, na prática, manter secreta sua própria
personalidade; (b) os sentimentos que um analista descobre em si, no cur­
so de suas sessões, têm, se cuidadosamente processados, considerável im­
portância na compreensão do estado de mente do paciente que ele tem con­
sigo no momento [ver CONTRATRANSFERÊNCIAj.

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V in cu lação Ver ELOS DE LIGAÇÃO

X J * 1 1 A voracidade baseia-se em uma forma de introje-


V U l d C l U d C I c Ção executada com raiva. A violência da incorpo­
ração oral, envolvendo o morder, conduz, na fantasia, à destruição do ob­
jeto. O estado final fica sendo de que não houve satisfação oral, de vez
que o objeto introjetado não tem valor, ou, pior que isso, transformou-se
em um perseguidor retaíiatório, em reação ao ataque sádico oral efetua­
do no processo de incorporação.
Na posição esquizoparanóide, o mundo interno pode acumular cada
vez mais objetos persecutórios e retaliatóríos que ameaçam o sujeito; isto
dá origem a uma fome cada vez maior por objetos "bons", a fim de ava­
liar o estado interno de dominância de objetos "maus" e dê ódio e impul­
sos destrutivos (Klein, 1957, p.181). A fome, no contexto da ansiedade
persecutória, conduz em fantasia a violentas formas de introjeção e ao te­
mor dos objetos destruídos dentro de si, destruídos pelos objetos maus e
impulsos "maus" mobilizados. A fome que dá origem a mais fome é voracidade.
O resultado final pode ser uma inibição dos impulsos orais e uma restri­
ção da introjeção, destinadas a poupar os objetos pelos quais se sente fo­
me, algo que pode, dessa maneira, conduzir a um estado de anorexia e a
um mundo interno esvaziado.
Esta violência introjetiva é contrapartida do ataque projetivo na inveja,
no qual o objeto desejado é invadido em fantasia, em um acesso de violên­
cia destrutiva, e é estragado ou envenenado [ver 12. INVEJA],

Klein, Melanie (1957), "Envy and gratitude", WMK 3, p.176-235.

484 / Dicionário do Pensamento Kleiniano


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R.D.Hinshehvood / 507
O Dicionário do Pensamento Kléiniano é a primeira
exposição completa e didática dos principais conceitos da
psicanálise kleiniana e de seus mais recentes desenvolvimentos.
Perpassa o trabalho de kleinianos como Bion, Segai,
Rosenfeld, Joseph e Meltzer, incluindo uma bibliografia
ampla e atualizada.
O Dicionário do Pensamento Kléiniano se notabiliza
por ser uma obra de referência indispensável para analistas,
psicoterapeutas, psicólogos, estudantes e todos que se
interessam pela natureza humana. É acima de tudo
um livro útil, fruto de muito trabalho e amadurecimento e
se constitui em companheiro essencial para
a prática e a reflexão.
A oportunidade e a magnitude deste trabalho
fizeram com que a Artes Médicas se empenhasse em trazê-lo
para o leitor de língua portuguesa com o crédito
de ser uma tradução autorizada e referendada pelo
Melanie Klein Trust.
R. D. Hinshelwood é psicanalista com formação no London
Institute of Psycho-Analysís. É fundador e Editor do British
Journal o f Psychotherapy.

Livros
por uma melhor
qualidade devida

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