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PARECER JURÍDICO

Anotações sobre a alteração patrocinada pela LC 95, de 17/01/2007, que modificou as regras
atinentes aos servidores militares do Estado de Minas Gerais que praticam o crime militar de
deserção - conduta caracterizada como ato atentatório à honra pessoal e ao decoro da classe –
Lei 14.310/2002 artigo 64 inciso II:

As alterações do antigo EPPM – Estatuto de Pessoal da Polícia Militar de MG - operadas pela


Lei Complementar nº 95, de 17/1/2007, trouxeram inúmeras inovações para o servidor militar
da PMMG e do CBM que, certamente, visam fazer correções no concernente às promoções na
carreira, dentre outras modificações.

Entretanto, a alteração que mais tem causado apreensão entre uma pequena parcela destes
servidores diz respeito à elevação da conduta do desertor como hipótese de demissão. Cabe, a
princípio, esclarecer que na seara do crime militar de deserção tudo permanece inalterado.
Abaixo, colacionamos a legislação federal que caracteriza abstratamente o que seja crime de
deserção:

Decreto-Lei 1.001 de 21 de outubro de 1969 – Código Penal Militar


Artigo 187 – Deserção
Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em
que deve permanecer, por mais de 08 (oito) dias;
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a dois anos; se oficial, a pena é agravada.

A deserção, além de ser ilícito propriamente militar e autônomo, se caracteriza, ademais,


como crime instantâneo de efeito permanente, submetendo-se o declarado desertor,
"incontinenti", à prisão em flagrante delito, esta é a regra positivada no artigo 243 do Código
de Processo Penal Militar, in verbis:

Qualquer pessoa poderá e os militares deverão prender quem for insubmisso


ou desertor, ou seja encontrado em flagrante delito.

De se observar que o Militar enquanto permanecer no estado de desertor poderá ou deverá,


conforme a situação, quando for encontrado ser imediatamente preso em flagrante delito. Essa
modalidade de prisão independe de anterior ordem de prisão emanada de autoridade

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judiciária. Essas são breves linhas acerca do crime de deserção.

Lado outro, urge retomar a alteração que mais interessa, qual seja: a inserção da conduta de
deserção como hipótese de submissão do militar ao PAD (Processo administrativo
disciplinar).

O artigo 10 da Lei Complementar 95/2007 acrescentou ao Estatuto dos Militares o artigo 240-
A nos seguintes termos:

Art. 240-A. O desertor comete ato atentatório à honra pessoal e ao decoro da


classe.
Parágrafo único. O prazo para submissão do militar a processo
administrativo-disciplinar é de, no máximo, cinco anos, contado da data em
que ele foi capturado ou se apresentar.

Inovou ao conferir legitimidade à Administração Militar para instaurar, processar e julgar a


conduta do militar desertor na seara da sanção administrativa. Não se pode olvidar que as
instâncias penal e administrativa, em particular nesse caso, não se comunicam, ou seja,
independe de haver condenação criminal por deserção para submeter o desertor ao PAD.

Há de se considerar que essas inovações somente entrarão em vigência a partir de 18 de abril


de 2007, os fatos ocorridos até antes dessa data hão de ser regulados pela lei antiga, entenda-
se: como se não houvesse qualquer alteração. Sabido é que o fato criminal se congela no
tempo e no espaço para os fins de aplicação da lei punitiva.

O apontado infrator da lei haverá de ser processado e julgado pela lei vigente à época do
delito praticado. O mesmo entendimento deve ser aplicado no que tange às transgressões
disciplinares. Somente se admite em nosso ordenamento jurídico a aplicação retroativa de
uma lei para beneficiar o infrator, jamais é admitida retroatividade para prejudicar, para
agravar pena ou sanção, para piorar o regime de cumprimento da pena aplicada ou ainda, para
criminalizar conduta anteriormente tida por lícita.

Não é conferido ao Estado o direito de sobrepor-se a tais mandamentos. Agir em sentido


contrário é afrontar os princípios constitucionais da reserva legal e da irretroatividade
insculpidos nos incisos XXXIX e XL in verbis:

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CR/1988 - Art. 5º inciso XXXIX - não há crime sem lei anterior que o
defina, nem pena sem prévia cominação legal;
inciso XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu.

Vem a comento simples nota a possibilitar a diferenciação entre o crime militar e a


transgressão disciplinar militar: O crime militar e a transgressão disciplinar militar dizem
respeito ao dever militar e consistem na violação desse dever. Por essa razão, dir-se-á que têm
a mesma objetividade jurídica. A diferença está na maior gravidade do crime militar. Na
transgressão, a violação é elementar e simples; no crime militar, a violação é complexa e
acentuadamente anormal. Mas ambos consistem na ofensa ao mesmo dever militar.

A vigência a partir de 18 de abril de 2007 foi determinada pela própria Lei Complementar 95
em seu artigo 20: Esta Lei Complementar entra em vigor noventa dias após a data de sua
publicação. Sendo certo que a publicação ocorreu em 18 de janeiro de 2007 no MINAS
GERAIS DIÁRIO DO EXECUTIVO.

A interpretação sistemática das regras e princípios ora discorridos conduzem ao entendimento


que somente os militares que vierem a cometer deserção a partir da vigência da lei
complementar 95/2007 é que poderão ser submetidos ao PAD para fins de demissão.
Entendimento este que se alia à natureza do artigo 10 da LC 95/2007, natureza de direito
material e não processual.

Por fim, necessário se faz relembrar que o militar do Estado de Minas Gerais, servidor
público, se encontrava até o advento desta LC 95/2007 privilegiado em relação aos demais
servidores públicos e também em relação aos empregados da iniciativa privada. Estes, uma
vez configurado o abandono (deserção) do cargo ou emprego são demitidos por justa causa
sofrendo as perdas decorrentes do ato.

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT prevê em seu artigo 482 letra “i” ser hipótese de
justa causa para rescisão do contrato de trabalho por parte do empregador o abandono de
emprego pelo empregado. Caracteriza-se abandono de emprego o sumiço do empregado por
tempo igual a 30 (trinta) dias.

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Também a Lei 8112/1990 que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da
União em seu artigo 138 delimita o mesmo prazo para a caracterização do abandono de cargo
nos seguintes termos:
Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço
por mais de 30 (trinta) dias consecutivos.

A sanção de ambas as leis impõe a demissão do empregado e perda do cargo –


respectivamente – para os infratores do dever de assiduidade.

* O conceito de deserção pode ser facilmente encontrado nos dicionários pátrios, a exemplo do
Houaiss Dicionário da Língua Portuguesa que fazemos anotar:

deserção:
abandono de lugar que se freqüentava por compromisso ou afinidade;
desistência, fuga, renúncia;
abandono;

Belo Horizonte, fevereiro de 2007.

Assessoria Jurídica do deputado Sargento Rodrigues

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