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É constitucional vedar a

promoção de militares que


respodem a processos
criminais ou administrativos?
Vedação existente no Rio Grande do Norte

Publicado em 05/2017. Elaborado em 05/2017.

! DIREITO CONSTITUCIONAL DIREITO MILITAR REGIME DISCIPLINAR


(DIREITO MILITAR) PRINCÍPIOS (DIREITO CONSTITUCIONAL)

Análise do princípio da presunção da inocência


como elemento norteador das promoções dos
militares estaduais do Rio Grande do Norte.

INTRODUÇÃO

O presente estudo visa demonstrar, sob a ótica


deste autor, que o Estado do Rio Grande do Norte,
mantendo a previsão já contida no Decreto Estadual de nº
7.070, de 07 de julho de 1977 (alterado pelos Decretos nº
10.447/89; 13.284/97; 14.059/98), regulamentando o direito
de promoção das praças militares do Estado, editou texto
flagrantemente inconstitucional, por violação do art. 5º, LVII,
da Constituição Federal, quando de publicação da Lei
Complementar nº 515, de 09 de junho de 2014, que em seu
art. 13, V, veda a promoção àqueles que se encontram
respondendo a processo no foro criminal comum ou militar,
ou submetidos ao Conselho de Disciplina da respectiva
Corporação ou, ainda, a Processo Administrativo Disciplinar.

DA INCONSTITUCIONALIDADE POR
VIOLAÇÃO DA PRESUNÇÃO DA
INOCÊNCIA:

Acontece que o Estatuto da Polícia Militar do Rio


Grande do Norte, Lei nº 4.630, de 16 de dezembro de 1976,
ainda em vigor, garante que todo militar estadual, Praça ou
Oficial, terá direito à promoção conforme se depreende pela
inteligência do art. 49, IV, m, bem como, dos arts. 58 a 60 do
referido dispositivo. Nesse sentido, vejamos:

Art. 49 - São direitos dos policiais-militares:

(...)

IV - Nas condições ou nas limitações impostas na


legislação e regulamentação específica:

m) a promoção;

Art. 58 - O acesso na hierarquia policial-militar é


seletivo, gradual e sucessivo e será feito mediante
promoções, de conformidade com o disposto na legislação e
regulamentação de promoções de Oficiais e de Praças, de
modo a obter-se um fluxo regular e equilibrado de carreira
para os policiais-militares a que esses dispositivos se
referem.

(...)

Art. 59 - As promoções serão efetuadas pelos


critérios de antiguidade e merecimento ou, ainda, por
bravura e “post-mortem”.

(...)

Art. 60 - Não haverá promoção de policial-militar por


ocasião de sua transferência para a reserva remunerada ou
de sua reforma.

Logo, todo militar estadual terá direito à promoção,


contudo existirão limitações ou condições impostas por lei,
estas, contudo, encontrarão, em última instância, limitações
na Constituição Federal de 1988. Conforme demonstrado, o
Estatuto da Polícia Militar do Rio Grande do Norte é datado
de 1976. No ano seguinte, em julho de 1977, foi publicado o
Decreto Estadual nº 7.077 regulamentando tais promoções.
Neste, continha uma vedação de que a praça militar a qual
estivesse respondendo a processo judicial na esfera criminal,
ou, mesmo a processo administrativo, teria seu direito de
promoção suspenso até o final do processo. Com o
resultado do julgamento, somente seria promovido em caso
de absolvição.

Com a promulgação da Constituição Federal de


1988 entendemos que a redação do Decreto nº 7.077 não
teria sido recepcionada pelo texto constitucional, em razão
da previsão contida no art. 5º, LVII, da Lei Fundamental da
República, de que ninguém será considerado culpado até
trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Ora, o postulado constitucional da presunção da


inocência garante que somente após sentença penal
transitada em julgado é que alguém poderia ser considerado
culpado. Em razão do decreto, entendo que os militares do
Estado do Rio Grande do Norte eram punidos como se
culpados fossem, mesmo antes do trânsito em julgado, pois
já eram impedidos de ser promovidos pelo fato de
responderem a processo criminal.

Infelizmente, conforme defende este autor, a


inconstitucionalidade manteve-se regulamentada pelo
decreto por muitos anos, até que, com a publicação da Lei
Complementar de nº 515, de 09 de junho de 2014, apelidada
de Lei de Promoção de Praças, ou, simplesmente LPP, o
bastão da inconstitucionalidade foi transmitido para outro
dispositivo que revogou o anterior, mas, manteve,
insistentemente, a violação da Lei Maior.

A Lei de Promoção de Praças criou os chamados


Quadros de Acesso que seriam listas das Praças, bombeiros
ou policiais militares, aptas a concorrer às promoções nas
graduações da carreira. Entretanto, manteve a mácula ao
princípio constitucional da presunção de inocência. Neste
sentido, vejamos a previsão contida no art. 13, V, da LPP:

Art. 13. A Praça Militar Estadual não poderá constar


no QA quando:

(...)

V – estiver sub judice com processo no foro criminal


comum ou militar, ou submetida ao Conselho de Disciplina
da respectiva Corporação ou à Processo Administrativo
Disciplinar;

Diante da norma, que muitos compreendem por


flagrantemente inconstitucional, não demorou a surgir
demandas judiciais que pleiteavam, por meio do controle
difuso de constitucionalidade, a declaração pela via
incidental da inconstitucionalidade da norma, uma vez que o
impedimento do militar em constar no Quadro de Acesso
teria, por consequência, a vedação de sua promoção.

No mesmo sentido, os Oficias Militares do Rio


Grande do Norte também questionavam as normas que
vedavam suas promoções pelo mesmo motivo, igualmente
judicializaram suas questões. Desta forma, não demorou a
surgir decisões no Tribunal de Justiça do Estado no sentido
de reconhecer o vício, vejamos como exemplo o julgado
abaixo que trata de norma relativa aos Oficias:

EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO.


MANDADO DE SEGURANÇA. CAP/PM MÉDICO.
PROMOÇÃO AO POSTO DE MAJ/PM MÉDICO.
PRELIMINAR DE FORMAÇÃO DE LITISCONSÓRCIO
PASSIVO NECESSÁRIO. EVENTUAL PROMOÇÃO QUE NÃO
AFETA, EM ABSOLUTO, A SITUAÇÃO JURÍDICO
FUNCIONAL DE TERCEIRO JÁ PROMOVIDO.
PRECEDENTES DO STJ E DESTA CORTE. REJEIÇÃO.
MÉRITO: IMPETRANTE HABILITADO EM 1º (PRIMEIRO)
LUGAR NA MODALIDADE ANTIGUIDADE, EXCLUÍDO DO
QUADRO DE ACESSO POR FORÇA DE PENDÊNCIA
JUDICIAL (ART. 29, INC. IV, LEI 4.533/75). PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART.
5º, LVII, DA CF) MACULADO. EXISTÊNCIA DE PROCESSO
PENAL E PREVISÃO LEGAL DE RESSARCIMENTO QUE
NÃO SE PRESTAM A LEGITIMAR O TOLHIMENTO DA
ASCENSÃO FUNCIONAL (PROMOÇÃO). SUPERAÇÃO DOS
PRECEDENTES DO PLENÁRIO DESTA CORTE
(OVERRULING) PARA RECONHECER A NÃO RECEPÇÃO
DO INC. IV, DO ART. 29, DA LEI ESTADUAL 4.533/75 PELA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. PRETERIÇÃO
EFETIVAMENTE DEMONSTRADA. DIREITO LÍQUIDO E
CERTO À PERFECTIBILIZAÇÃO DO ATO PROMOCIONAL.
PRECEDENTES DO STF (RE 782649 E RE 560900),
ESTANDO O ÚLTIMO COM REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA (APESAR DAS TESES SEREM DIVERSAS)
CUJO MÉRITO SE ACHA PENDENTE DE JULGAMENTO EM
DECORRÊNCIA DE PEDIDO DE VISTA. CONCESSÃO DA
ORDEM. (TJRN. MS nº 2016.010612-9. Relator: Des. Saraiva
Sobrinho. Julgamento em 19/12/2016).

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Pelo que percebemos do julgado, o Tribunal de


Justiça do Estado do Rio Grande do Norte está, a meu ver,
acertadamente, mudando seu ângulo de visão para
reconhecer a inconstitucionalidade da vedação de
promoções dos militares que se encontrem sub judice. Na
realidade, já existem precedentes na Suprema Corte, ao
tratar de normas similares em outros Estados da Federação,
como pode-se verificar pelo julgado abaixo:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO – POLÍCIA MILITAR


DE MATO GROSSO DO SUL – PROMOÇÃO DE POLICIAL
MILITAR INDEFERIDA, PELO FATO DE EXISTIR, CONTRA
ELE, PROCEDIMENTO PENAL EM FASE DE TRAMITAÇÃO
JUDICIAL – IMPOSSIBILIDADE – TRANSGRESSÃO AO
POSTULADO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII) – RECURSO
EXTRAORDINÁRIO IMPROVIDO – RECURSO DE AGRAVO
IMPROVIDO. - A recusa administrativa de promover policial
militar, motivada, unicamente, pelo fato de haver sido
instaurado, contra ele, procedimento penal, inexistindo,
contudo, condenação criminal transitada em julgado,
transgride, de modo direto, a presunção constitucional de
inocência, consagrada no art. 5º, inciso LVII, da Lei
Fundamental da República. Precedentes. - O postulado
constitucional da presunção de inocência impede que o
Poder Público trate, como se culpado fosse, aquele que
ainda não sofreu condenação penal irrecorrível ..." (RE
782649 AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j.
11/03/2014)

Ademais, vislumbra-se ao horizonte, por meio do


julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do RE com
Repercussão Geral 560900/DF, que haverá o
reconhecimento da inconstitucionalidade de dispositivos que
vedem a promoção de militares que respondem a processos
criminais e que não tenham suas sentenças penais
transitadas em julgado.

Em brilhante trabalho sobre os princípios


constitucionais do processo penal, BECHARA e CAMPOS
(2005) afirmam, ao tratar da presunção de inocência, que:
“melhor denominação seria princípio da não culpabilidade.
Isto porque a Constituição Federal não presume a inocência,
mas declara que ninguém será condenado culpado antes da
sentença penal condenatória transitada em julgado.”

Ora, diante da vedação de promoção, os militares do


Estado do Rio Grande do Norte que em razão de estarem
respondendo processo judicial de natureza criminal, ou,
mesmo a processo administrativo, não são promovidos,
portanto, são considerados, no entendimento deste estudo,
culpados antes mesmo da decisão sobre a qual não caiba
mais recurso.

Ao que tudo indica, tanto o Tribunal de Justiça do


Estado do Rio Grande do Norte como o Supremo Tribunal
Federal, os quais por muito tempo não viram
inconstitucionalidade na proibição, em razão de que os
dispositivos que impedem a promoção observam que, após
o trânsito em julgado, não havendo a condenação do militar,
este seria promovido com data retroativa ao dia em que teria
adquirido o direito à promoção.

Contudo, a verdade é que esta promoção retroativa,


denominada de ressarcimento de preterição, não supera os
inúmeros transtornos que o militar sofrerá neste período.
Isso porque a carreira militar possui por princípios a
hierarquia e disciplina e quando o militar deixa de ser
promovido na data correta, passa a ser inferior na escala
hierárquica para com relação a outro militar que estaria em
condições similares na categoria, devendo-lhe
subordinação. Sabe-se que os processos, como regra geral,
tramitam a passos lentos, logo estes militares sofrerão por
vários anos uma subordinação indevida, bem como sofrerão
efeitos financeiros por continuarem a receber valores da
graduação em que estão “congelados”. Não é, pois, justo,
sob estes argumentos, com o militar, os efeitos de
culpabilidade antecipada.

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CONCLUSÃO:

Por todo o exposto, resta claramente demonstrado


que o art. 13, V, da Lei de Promoções de Praças da Polícia
Militar do Rio Grande do Norte é, sob a ótica aqui
apresentada, passível de reconhecimento do vício
de inconstitucionalidade, por violação ao princípio da
presunção da inocência previsto do art. 5º, LVII, da
Constituição da República Federativa do Brasil.

BIBLIOGRAFIA

BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito


Constitucional Contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. 2. ed. São
Paulo: Saraiva, 2010.

BATISTA, Leonir. Presunção de Inocência.


Apreciação dogmática e nos instrumentos internacionais
e constituições do Brasil e Portugal. Curitiba: Juruá, 2009.

BECHARA, Fábio Ramazzini e CAMPOS, Pedro


Franco. Princípios Constitucionais do Processo Penal:
questões polêmicas. 2005. Disponível em <
https://jus.com.br/artigos/6348/principios-constitucionais-
do-processo-penal > acesso em 09 de maio de 2017.

LENZA, Pedro. Direto Constitucional


Esquematizado. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

Autor

Roberto Barroso Moura


Graduado em Direito pela Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte - UERN (2007),
Aprovado em Concurso Público Para Ocupação
de Cargo Público Federal Junto ao Instituto
Nacional do Seguro Social (2006), Advogado Inscrito na Ordem
dos Advogados do Brasil da Subseccional da OAB em
Mossoró/RN (2008), Consultor Jurídico da Associação da Policia
Militar de Mossoró e Região (2008); Membro da Comissão de
Segurança Pública da OAB/RN (2012); Membro da Fiel
Consultoria Empresarial (2012); Coordenador do NAP da
Procuradoria Federal Seccional da Advocacia Geral da União em
Mossoró/RN (2016); Pós-Graduado do Curso de Especialização
em Processo Civil pela rede de ensino LFG/ANHANGUERA
(2016). Pós-Graduando do Curso de Especialização em Direito
Constitucional e Tributário da Universidade Federal Rural do
Semi-Árido - UFERSA (2018).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOURA, Roberto Barroso. É constitucional vedar a promoção


de militares que respodem a processos criminais ou
administrativos? Vedação existente no Rio Grande do
Norte. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862,
Teresina, ano 22, n. 5116, 4 jul. 2017. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/57656. Acesso em: 10 out.
2019.

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