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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 22.161 - GO (2006/0133713-4)

RELATORA : MINISTRA LAURITA VAZ


RECORRENTE : JOSÉ GONÇALVES DA ROCHA
ADVOGADO : RENATO ANTÔNIO DE ALMEIDA E OUTRO(S)
T. ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
IMPETRADO : COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO
DE GOIÁS - PMGO
RECORRIDO : ESTADO DE GOIÁS
PROCURADOR : SALOMÃO DE MELO FILHO E OUTRO(S)
EMENTA

ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. POLICIAL MILITAR


REFORMADO EM RAZÃO DE INCAPACIDADE PARA O SERVIÇO.
APLICAÇÃO DE PENALIDADE ADMINISTRATIVA ANTES DO
TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA.
POSSIBILIDADE. PUNIÇÃO APÓS A REFORMA. PREVISÃO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO LOCAL. NÃO INFRINGÊNCIA DA
SÚMULA N.º 56 DA EXCELSA CORTE. PRERROGATIVAS DE
POLICIAL-MILITAR. ROL QUE NÃO INCLUI A PERCEPÇÃO DE
PROVENTOS ORIUNDOS DA REFORMA. PERDA DESSES.
IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL EXPRESSA.
1. O Conselho de Disciplina da Polícia Estadual tem competência para
conduzir processo administrativo disciplinar movido contra policiais reformados,
tendo em vista expressa disposição no art. 48, § 3.º, da Lei n.º 8.033/75 c.c. art.
2.º, § 2.º, do Decreto 4.713/96.
2. Para a instauração do processo administrativo disciplinar, não é
preciso aguardar o trânsito em julgado da sentença a ser exarada no processo
penal, porquanto essa só influenciará a decisão no âmbito da Administração nos
casos de absolvição por inexistência do fato ou quando concluir-se que o acusado
não concorreu para a execução do delito. Precedentes.
3. A vedação de aplicação de sanção disciplinar prevista na Súmula n.º
56 do Supremo Tribunal Federal não incide nos casos em que há expressa
previsão, na legislação estadual, de aplicação de sanção disciplinar aos policiais
militares reformados. Precedentes desta Corte e do Excelso Pretório.
4. As leis estaduais de regência não apresentam em seus bojos qualquer
previsão quanto à possibilidade de exclusão de policiais reformados, com a
consequente perda dos respectivos proventos.
5. Embora o Impetrante não possa mais gozar das prerrogativas de
Policial-Militar, dentre os efeitos passíveis de serem produzidos pelo ato
impugnado não está a sustação do pagamento dos valores correspondentes aos
seus proventos.
6. Recurso ordinário parcialmente provido.

ACÓRDÃO
Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 1 de 5
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Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA


TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a
seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra
Relatora. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Gilson Dipp votaram com a Sra.
Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Gilson Dipp.

Brasília (DF), 16 de dezembro de 2010 (Data do Julgamento)

MINISTRA LAURITA VAZ


Relatora

Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 2 de 5
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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 22.161 - GO (2006/0133713-4)

RECORRENTE : JOSÉ GONÇALVES DA ROCHA


ADVOGADO : RENATO ANTÔNIO DE ALMEIDA E OUTRO(S)
T. ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
IMPETRADO : COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO
DE GOIÁS - PMGO
RECORRIDO : ESTADO DE GOIÁS
PROCURADOR : SALOMÃO DE MELO FILHO E OUTRO(S)
RELATÓRIO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ:
Trata-se de recurso ordinário em mandado de segurança interposto por JOSÉ
GONÇALVES DA ROCHA com fundamento no art. 105, inciso II, alínea b da Constituição
Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, assim
ementado:
"MANDADO DE SEGURANÇA. 1 - Não há que se falar em carência
do direito da ação mandamental por ausência do direito líquido e certo do
impetrante, uma vez que tal situação será objeto de apreciação no mérito. 2
- Se as provas carreadas com a inicial do writ são suficientes à valoração
do juízo quanto a concessão ou denegação do mandado de segurança, não
há que se falar em carência de ação por tal motivo. 3 - Inexiste
arbitrariedade ou coação no ato do Comandante Geral da Polícia Militar
que determina a perda das prerrogativas de militar do impetrante, quando
consubstanciada a prática de crime por parte deste, demonstrando, assim,
desrespeito às normas da Corporação e ao deveres éticos, sociais e
profissionais. SEGURANÇA DENEGADA." (fls. 218/219)
Alega o Recorrente, nas razões do recurso ordinário em mandado de segurança,
em síntese, a nulidade da decisão que o excluiu das fileiras da polícia militar, proferida essa pelo
Conselho da Polícia Militar do Estado de Goiás, a qual teria violado os princípios da presunção de
inocência e cerceado o direito de defesa do servidor, ignorando, inclusive, laudo pericial sobre a
sua capacidade mental.
Assevera, também, contrariedade aos arts. 2.º, § 1.º, e 3.º, inciso II, ambos do
Decreto n.º 4.713/96, ao fundamento de que a instauração da comissão disciplinar só poderia
ocorrer após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Aponta que há indícios de insanidade mental no Impetrante, porquanto a perícia
médica teria concluído que o servidor "[...] era à época da ação portador de perturbação da
saúde mental, sendo que era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato,
tendo, contudo, diminuída a capacidade de determinar-se segundo esse entendimento. (fl.
244).

Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 3 de 5
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E, por isso, conclui o Recorrente que a decisão da comissão disciplinar fere os
princípios da igualdade, equidade, razoabilidade e proporcionalidade, ao ignorar a necessidade de
dispensar tratamento diferenciado em razão de sua capacidade mental reduzida.
Sustenta violação ao art. 48 do Código Penal Militar, defendendo que "[...] sendo
o agente inimputável, afastada fica a culpabilidade, dessa maneira, não pode sofrer um
juízo de reprovação." (fl. 245).
Entende por violada a Súmula n.º 56 do Supremo Tribunal Federal, deduzindo que
o militar inativo não estaria sujeito a pena disciplinar após a sua reforma.
Requer a aplicação dos arts. 64, § 1.º, inciso IV, 93, 94, inciso II, 96, inciso IV e §
4.º, e 99 da Lei n.º 8.033/75, aduzindo que antes de se infligir ao Impetrante a "perda das
prerrogativas de militar" o Comandante Geral da Polícia Militar deveria ter encaminhado o militar
debilitado para tratamento de saúde adequado.
Apresentadas as contrarrazões (fls. 254/266) e admitido o recurso ordinário (fl.
277), subiram os presentes autos à apreciação desta Corte.
A douta Subprocuradoria Geral da República opinou pelo provimento do recurso
(fls. 283/293).
É o relatório.

Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 4 de 5
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RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 22.161 - GO (2006/0133713-4)

EMENTA
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. POLICIAL MILITAR
REFORMADO EM RAZÃO DE INCAPACIDADE PARA O SERVIÇO.
APLICAÇÃO DE PENALIDADE ADMINISTRATIVA ANTES DO
TRÂNSITO EM JULGADO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA.
POSSIBILIDADE. PUNIÇÃO APÓS A REFORMA. PREVISÃO NO
ORDENAMENTO JURÍDICO LOCAL. NÃO INFRINGÊNCIA DA
SÚMULA N.º 56 DA EXCELSA CORTE. PRERROGATIVAS DE
POLICIAL-MILITAR. ROL QUE NÃO INCLUI A PERCEPÇÃO DE
PROVENTOS ORIUNDOS DA REFORMA. PERDA DESSES.
IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL EXPRESSA.
1. O Conselho de Disciplina da Polícia Estadual tem competência para
conduzir processo administrativo disciplinar movido contra policiais reformados,
tendo em vista expressa disposição no art. 48, § 3.º, da Lei n.º 8.033/75 c.c. art.
2.º, § 2.º, do Decreto 4.713/96.
2. Para a instauração do processo administrativo disciplinar, não é
preciso aguardar o trânsito em julgado da sentença a ser exarada no processo
penal, porquanto essa só influenciará a decisão no âmbito da Administração nos
casos de absolvição por inexistência do fato ou quando concluir-se que o acusado
não concorreu para a execução do delito. Precedentes.
3. A vedação de aplicação de sanção disciplinar prevista na Súmula n.º
56 do Supremo Tribunal Federal não incide nos casos em que há expressa
previsão, na legislação estadual, de aplicação de sanção disciplinar aos policiais
militares reformados. Precedentes desta Corte e do Excelso Pretório.
4. As leis estaduais de regência não apresentam em seus bojos qualquer
previsão quanto à possibilidade de exclusão de policiais reformados, com a
consequente perda dos respectivos proventos.
5. Embora o Impetrante não possa mais gozar das prerrogativas de
Policial-Militar, dentre os efeitos passíveis de serem produzidos pelo ato
impugnado não está a sustação do pagamento dos valores correspondentes aos
seus proventos.
6. Recurso ordinário parcialmente provido.
VOTO
A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA):
O Impetrante, policial militar reformado em 17/09/1991 – por incapacidade mental
–, ajuizou a presente ação mandamental para desconstituir ato do Comandante Geral da Polícia
Militar do Estado de Goiás que o excluíra das fileiras daquela corporação, cassando a reforma
anteriormente concedida.
O fato gerador da instauração do processo administrativo disciplinar foi a
acusação de que o ora Recorrente, em 29/08/2003, ou seja, após a sua reforma por incapacidade
cometera o crime de tentativa de homicídio.

Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 5 de 5
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A liminar foi indeferida, ao argumento de ausência de fumus boni iuris e do
periculum in mora (fls. 185/189).
No julgamento do mérito, o Tribunal local, adotando as razões de decidir do
parecer ministerial, concluiu que a cassação das prerrogativas do ex-militar não caracteriza
punição disciplinar e que, portanto, foi válida a exclusão.
Feita essa breve resenha dos fatos, passo à análise do recurso ordinário
propriamente dito.
De início, cumpre asseverar que o entendimento pacífico desta Corte é no sentido
que, para a instauração do processo administrativo disciplinar, não é preciso aguardar o trânsito
em julgado da sentença a ser exarada no processo penal, porquanto essa só influenciará a
decisão no âmbito da Administração nos casos de absolvição por inexistência do fato ou quando
concluir-se que o acusado não concorreu para a execução do delito.
Nesse sentido:
"RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
REVISÃO DE PUNIÇÃO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. CARCEREIROS
POLICIAIS. LC 207/79 DO ESTADO DE SÃO PAULO. PROCEDIMENTO
IRREGULAR DE NATUREZA GRAVE, NO CASO, REPETIDOS ATENTADOS
CONTRA A INTEGRIDADE FÍSICA DE DETENTOS SOB CUSTÓDIA DOS
IMPETRANTES. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NO ÂMBITO
CRIMINAL. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS CRIMINAL E
ADMINISTRATIVA. SINDICÂNCIA. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO
DE DEFESA. FORMAÇÃO DE CONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE.
RECURSO DESPROVIDO.
1. A punição imposta aos recorrentes, na esfera administrativa, o
foi com espeque no art. 74, II da LC do Estado de São Paulo 207/79
(infração disciplinar de natureza grave) e, em face da independência das
instâncias criminal e administrativa, além de que o reconhecimento da
prescrição punitiva no âmbito criminal não afastou a materialidade e a
autoria do crime, despiciendas se tornam as alegações de ocorrência de
prescrição administrativa, destacando-se o fato de que o decreto demissório
não está fundamentado em tipo penal, mas no reconhecimento administrativo
de ocorrência de infração disciplinar de natureza grave.
2. Tratando-se a sindicância de procedimento de rito peculiar,
destinado tão somente a investigar o cometimento de pretensas irregulares
funcionais, dispensa a aplicação de certos princípios inerentes ao processo
administrativo. Precedentes.
3. Alegações que não se adeqüam aos pressupostos da Revisão de
Punição Disciplinar, na medida em que já haviam sido examinadas na fase
recursal.
4. Recurso desprovido." (RMS 24.523/SP, 5.ª Turma, Rel. Min.
NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 15/12/2008.)
"RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO.
Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 6 de 5
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SERVIDOR PÚBLICO MILITAR. EXCLUSÃO EX OFFICIO. AMPLA
DEFESA. ESFERA PENAL. PROVAS INSUFICIENTES. ABSOLVIÇÃO.
INDEPENDÊNCIA DA INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA.
I – Se a punição imposta ao militar foi baseada em prévio
procedimento, no qual se abriu a possibilidade do acusado acompanhar
todos os atos, bem como apresentar defesa escrita, não há nulidade por
ofensa ao direito de ampla defesa ou contraditório.
II – O fato de o militar não ter sido condenado na esfera criminal
não influi, em regra, sobre a punição disciplinar envolvendo os mesmos
fatos, em face da independência entre as instâncias penal e administrativa,
mormente quando absolvido por inexistência de provas (art. 386, VI, do
CPP).
Recurso desprovido." (RMS 17911/GO, 5.ª Turma, Rel. Min. FELIX
FISCHER, DJ de 29/11/2004.)
"RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR ESTADUAL
DEMITIDO. ALEGAÇÕES INVIÁVEIS NA SEARA DO APELO EXTREMO.
REEXAME DE PROVAS – SÚMULA 7/STJ. ATO PUNÍVEL NAS ESFERAS
PENAL E ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO DA PUNIBILIDADE.
INDEPENDÊNCIA ENTRE OS PODERES. PRECEDENTES.
O recorrente sustenta inúmeras alegações que, sem sombra de
dúvidas, são descabidas na via do recurso especial, por demandarem
reexame de provas – Súmula 7 do STJ.
No tocante ao principal argumento de que, declarada extinta a
punibilidade no feito criminal, o mesmo deveria ter ingerência na esfera
administrativa, esta Corte tem firme posicionamento, seguindo orientação
doutrinária clássica, de que a absolvição criminal só afasta a
responsabilidade administrativa quando restar decidido sobre a inexistência
do fato ou a não autoria imputada ao servidor. A espécie não se amolda a tal
entendimento.
Recurso não conhecido." (REsp 475175/SP, 5.ª Turma, Rel. Min.
JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 13/09/2004; sem grifos no original.)
Na esteira dos entendimentos jurisprudenciais citados, cabe afastar a alegada
ofensa aos arts. 2.º, § 1.º, e 3.º, inciso II, ambos do Decreto n.º 4.713/96, asseverando-se que o
Conselho Disciplinar pode apurar fatos delituosos ainda que não se tenha concluído ou iniciado o
processo penal.
De outra banda, cumpre transcrever, na parte que interessa, os seguintes
dispositivos da Lei Estadual n.º 8.033/75 – Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Goiás –,
in verbis:
"[...]
Art. 48 - O Aspirante-a-Oficial PM, bem como as Praças com
estabilidade assegurada, presumivelmente incapazes de permanecerem como
Policiais-Militares da ativa, serão submetidos a Conselho de Disciplina, na
forma da legislação específica.
[...]
Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 7 de 5
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§ 3º - O Conselho de Disciplina também poderá ser aplicado às
Praças reformadas e na reserva remunerada." (sem grifo no original.)
Por seu turno, o Decreto n.º 4.713/96 que regulamenta a supracitada lei, dispõe
sobre as atribuições do Conselho de Disciplina da Polícia Militar do Estado de Goiás, que prevê,
dentre as atribuições do Conselho, a sua competência quanto aos policiais reformados, litteris:
"[...]
Art. 1º - O Conselho de Disciplina, através de processo
administrativo disciplinar, destina-se a julgar a incapacidade do
Aspirante-a-Oficial PM e das demais Praças da Polícia Militar do Estado de
Goiás com estabilidade assegurada para permanecerem na ativa,
criando-lhes ao mesmo tempo, condições para se defenderem.
Art. 2º - O Aspirante-a-Oficial PM e as praças com estabilidade
assegurada serão reformados ou excluídos a bem da disciplina se forem
considerados, pelo Conselho de que trata o artigo anterior, incapacitados
de permanecer como policiais militares da ativa.
§ 1º - O Conselho de Disciplina poderá, também, ser aplicado ao
Aspirante-a-Oficial PM e às praças da reserva remunerada e reformados,
presumivelmente incapazes de permanecer na situação de inatividade em
que se encontram.
§ 2º - O Conselho de Disciplina poderá, também, ser aplicado ao
Aspirante-a-Oficial PM e às demais praças da reserva remunerada e
reformados, presumivelmente incapazes de gozarem das prerrogativas
inerentes ao policial militar.
§ 3º - As praças da ativa que forem reformadas em razão de
submissão a Conselho de Disciplina perderão, igualmente, o gozo das
prerrogativas inerentes ao policial militar." (grifei)
Assim, tendo como base a legislação estadual de regência, ao contrário do
alegado pelo ora Recorrente, o Conselho de Disciplina da Polícia do Estado de Goiás tem, sim,
competência para conduzir processo administrativo disciplinar movido contra policiais
reformados.
Isso porque o entendimento desta Corte Superior de Justiça e do Pretório Excelso
é no sentido de que, havendo expressa previsão na legislação estadual de possibilidade de
aplicação de sanção disciplinar aos policiais militares reformados, é de ser afastada a incidência
da Súmula n.º 56 do Supremo Tribunal Federal que assim dispõe, litteris;
"Militar reformado não está sujeito a punição disciplinar."
A esse respeito, confiram-se os seguintes julgados:
"HABEAS CORPUS. PRISÃO DISCIPLINAR. DE ACORDO COM O
ART-153, PAR-20, DA CONSTITUIÇÃO, E ART-647, DO C.P.P., NÃO CABE,
EM PRINCÍPIO, HABEAS CORPUS, EM CASO DE TRANSGRESSÃO
DISCIPLINAR. HIPÓTESE, ADEMAIS, EM QUE A PENA DISCIPLINAR FOI
IMPOSTA POR AUTORIDADE COMPETENTE, SENDO O REGULAMENTO
Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 8 de 5
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DISCIPLINAR DA POLICIA MILITAR DO RIO DE JANEIRO, APROVADO
PELO DECRETO N. 6579/1983, APLICÁVEL, TAMBÉM, AOS POLICIAIS
MILITARES NA INATIVIDADE (ART-8.). DECRETO FEDERAL N.
83349/1979. NÃO CABE INVOCAR, NA ESPÉCIE, A SÚMULA 56.
RECURSO DESPROVIDO." (STF, RHC 61246, 1.ª Turma, Rel. Min. NÉRI DA
SILVEIRA, DJ de 25/11/1983.)
"ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR REFORMADO.
INFRAÇÃO DISCIPLINAR. PUNIÇÃO PELO CONSELHO DE DISCIPLINA.
POSSIBILIDADE. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS PENAL E
ADMINISTRATIVA. RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO.
1. É firme o entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido
de que as esferas criminal e administrativa são independentes, estando a
Administração vinculada apenas à decisão do juízo criminal que negar a
existência ou a autoria do crime.
2. Por expressa previsão na legislação local, o Conselho de
Disciplina da Polícia Militar do Estado do Maranhão é competente para
aplicar sanções disciplinares aos militares da reserva.
3. Recurso ordinário improvido." (STJ, RMS 19.493/MA, 5.ª Turma,
Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 23/10/2006; sem grifo no
original.)
"PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. INOVAÇÃO
EM SEDE RECURSAL. DESCABIMENTO.
1. A devolutividade ampla do recurso ordinário em mandado de
segurança, tal como na apelação, não autoriza ao recorrente inovar,
alterando o pedido e a causa de pedir formulados na inicial.
MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. POLICIAL
MILITAR NA RESERVA. EXCLUSÃO DA CORPORAÇÃO A BEM DA
DISCIPLINA. TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO ASSEGURADO. ARTIGO 201, §
9º, CR/1988. LEGALIDADE DO ATO. LEI N. 53/1990 E MP N.
2.215-10/2001. PERMANÊNCIA NA CONDIÇÃO DE SEGURADO DA
PREVIDÊNCIA ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO LÍQUIDO E
CERTO. AUSÊNCIA.
1. Nos moldes do artigo 201, § 9º, a Carta Política assegura o
direito à contagem recíproca do tempo de contribuição na administração
pública e na iniciativa privada.
2. Nada impede que o recorrente disponha do tempo de
contribuição incorporado a seu patrimônio jurídico para utilização em
regime diverso, por meio do instituto da contagem recíproca. Todavia, uma
vez fora da corporação a qual esteve vinculado, por expulsão a bem da
disciplina, não há como garantir-lhe a manutenção dos proventos.
3. Inexiste ilegalidade ou abuso de poder quando a cessação da
percepção dos proventos do militar inativo se der por exclusão a bem da
disciplina. Inteligência do art. 115, parágrafo único, da Lei Complementar
estadual n. 53/1990 e art. 13 da MP n. 2.215-10/2001.
4. A transferência para a reserva remunerada, no curso do
processo administrativo, não tem a força de impedir a aplicação da sanção
de exclusão a bem da disciplina, mormente quando o Conselho de Disciplina

Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 9 de 5
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foi instaurado antes da referida transferência e a condição de reservista
adveio de forma compulsória, em razão de ter atingido a idade limite de
permanência na força policial.
5. Recurso ordinário improvido." STJ, (RMS 29.142/MS, 5.ª Turma,
Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 07/12/2009.)
Doutra banda, quanto à alegada inimputabilidade do militar, que foi reformando
por ser considerado incapacitado definitivamente para o exercício do serviço policial, cabe
transcrever trecho do laudo pericial psiquiátrico, in verbis:
"[...]
O periciando era ao tempo do fato portador de perturbação da
saúde mental, sendo que era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito
do fato, tendo contudo diminuída a capacidade de determinar-se segundo
esse entendimento. O porte de armas é contra-indicado, possui
periculosidade.
1) Se o acusado sofre de doença mental, de desenvolvimento mental
incompleto ou retardado: Não é doente mental." (fls. 149/150; sem grifos no
original.)
Dessa forma, restou comprovado que o Impetrante não é doente mental, sendo
capaz de compreender a ilicitude de sua conduta, podendo, ainda que parcialmente, determinar-se
de acordo com esse entendimento, o que afasta a tese de inimputabilidade do Recorrido,
decorrente de sua suposta incapacidade total para compreensão do delito cometido.
No mais, conforme é possível depreender-se dos autos, como consequência do
ato administrativo impugnado por meio do writ of mandamus, o Impetrante deixou de receber os
proventos relativos à sua reforma.
A propósito, registro que, sobre a matéria ora posta sob exame, assim prevê o
Decreto Estadual n.º 4.717/96 – Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de Goiás
RDPM-GO –, in verbis:
"Art. 8º - Estão sujeitos a este regulamento:
I - os policiais militares da ativa e os da inatividade remunerada;
[...]
Art. 15 - A transgressão da disciplina, especificada ou não neste
regulamento, deve ser classificada, segundo sua intensidade, desde que não
haja causas de justificação, em:
I - leve (L);
II - média (M);
III - grave (G).
§ 1º - A transgressão disciplinar será LEVE quando ferir os
princípios da camaradagem, urbanidade e obrigações elementares e simples
do Policial Militar;
§ 2º - A transgressão disciplinar será MÉDIA quando ferir os
princípios da hierarquia e disciplina e o dever Policial Militar;
Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 10 de 5
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§ 3º - A transgressão disciplinar será GRAVE quando ferir a honra
pessoal, o pundonor militar ou o decoro da classe."
Por ser importante para o deslinde da matéria, transcrevo também os seguintes
dispositivos do Decreto Estadual n.º 4.713/96, in verbis:
"Art. 3º - Ficam sujeitas à declaração de incapacidade para
permanecer como policiais militares as praças referidas no art. 2º e seus
parágrafos que:
[...]
III - forem acusadas, por qualquer meio, de ter:
a) procedido incorretamente no desempenho do cargo ou função
policial militar;
b) tido conduta irregular;
c) praticado ato que afete a honra pessoal, o pundonor policial
militar ou o decoro da classe;"
A partir da leitura dos dispositivos da legislação estadual acima transcritos, de
fato, a prática de conduta de natureza "GRAVE", caracterizada como ofensiva a honra pessoal, o
pundonor militar e ao decoro da classe, é passível de acarretar, para o policial militar do Estado
de Goiás, a declaração de incapacidade de gozo das prerrogativas atinentes e a declaração de
incapacidade de permanecer no cargo.
Entretanto, as mesmas leis de regência, conquanto contenham a prescrição das
diversa punições aplicáveis aos Policiais Militares do Estado de Goiás, inclusive aos que já
estejam na reforma remunerada, não apresentam em seus bojos qualquer previsão quanto à
possibilidade de exclusão de policiais reformados, com a consequente perda dos respectivos
proventos.
Ademais, o ato impugnado é o Boletim Geral n.º 152, de 16 de agosto de 2004,
que homologou o despacho prolatado pelo Gerente de Correições e Disciplina, o qual considerara
o ora Recorrente incapaz de permanecer no gozo das prerrogativas do policial militar, litteris:
"[...]
II - Seja o Disciplinando incapaz de gozar das prerrogativas
inerentes ao policial militar, conforme expresso no § 2.º do artigo 2.º do
Decreto nº 4.713/96 c/c o artigo 68, parágrafo único, inciso I a IV da Lei nº
8.033/75." (fl. 14; sem grifos no original)
As prerrogativas de policial militar, estão previstas no art. 68 da Lei n.º 8.033/75 –
Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Goiás –, que assim dispõe, litteris:
"Art. 68 - As prerrogativas dos Policiais-Militares são constituídas
pelas honras, dignidades e distinções devidas aos graus hierárquicos e
cargos.
Parágrafo Único - São prerrogativas dos Policiais-Militares:
I - uso de títulos, uniformes, distintivos, insígnias e emblemas
Documento: 1032312 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 07/02/2011 Página 11 de 5
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Policiais-Militares da Polícia Militar, correspondentes ao posto ou à
graduação;
II - honras, tratamentos e sinais de respeito que lhes sejam
asseguradas em leis ou regulamentos;
III - cumprimento de pena de prisão ou detenção somente em
organização Policial-Militar, cujo Comandante, Chefe ou Diretor tenha
precedência hierárquica sobre o preso ou detido; e
IV - julgamento em foro especial, nos crimes militares."
Nessas condições, a partir da leitura do ato impugnado e do dispositivo legal
acima transcrito forçoso concluir que: (i) o ora Recorrido sofreu a sanção de perda da
capacidade de gozo das prerrogativas de Policial-Militar; e (ii) do rol dessas prerrogativas não
consta a percepção dos proventos decorrentes da reforma.
Portanto, embora o Impetrante não possa mais gozar das prerrogativas de
Policial-Militar, dentre os efeitos passíveis de serem produzidos pelo ato impugnado não está a
sustação do pagamento dos valores correspondentes aos seus proventos.
Ante o exposto, DOU PARCIAL provimento ao recurso ordinário para garantir
ao Recorrente a continuidade de percepção dos proventos decorrentes da reforma mantendo,
contudo, a perda de suas prerrogativas de policial militar, nos termos do art. 68 da Lei Estadual
n.º 8.033/75.
É o voto.

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA

Número Registro: 2006/0133713-4 RMS 22.161 / GO

Números Origem: 122643 200401692404

PAUTA: 14/12/2010 JULGADO: 16/12/2010

Relatora
Exma. Sra. Ministra LAURITA VAZ
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro GILSON DIPP
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO XAVIER PINHEIRO FILHO
Secretário
Bel. LAURO ROCHA REIS

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : JOSÉ GONÇALVES DA ROCHA
ADVOGADO : RENATO ANTÔNIO DE ALMEIDA E OUTRO(S)
T. ORIGEM : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS
IMPETRADO : COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE GOIÁS -
PMGO
RECORRIDO : ESTADO DE GOIÁS
PROCURADOR : SALOMÃO DE MELO FILHO E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO ADMINISTRATIVO E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO - Militar -


Regime - Reintegração

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso, nos termos do voto da
Sra. Ministra Relatora."
Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Gilson Dipp votaram com a Sra.
Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Gilson Dipp.

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Superior Tribunal de Justiça

Brasília, 16 de dezembro de 2010

LAURO ROCHA REIS


Secretário

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