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TRIBUNAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE


Processo n. 0000069-50.2019.9.13.0000
Referência: Processo n. 000613-63.2018.9.13.0003
Revisor: e relator para o acórdão Juiz Jadir Silva
Relator: Juiz Rúbio Paulino Coelho
Julgamento: 20/05/2019
Publicação: 31/05/2019
Decisão: MAJORITÁRIA

EMENTA
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE – PRELIMINAR
SUSCITADA DE OFÍCIO – NÃO CABIMENTO DE EMBARGOS
INFRINGENTES EM CORREIÇÃO PARCIAL – DECISÃO
RELATIVA AO PROCEDIMENTO, E NÃO O MÉRITO DA CAUSA –
AUSÊNCIA DE CARÁTER DEFINITIVO – RECURSO NÃO
CONHECIDO (vencido).
MÉRITO – DISCUSSÃO SOBRE RITO A SER ADOTADO PARA O
PROCESSAMENTO E O JULGAMENTO DOS CRIMES TRAZIDOS
À COMPETÊNCIA DESTA JUSTIÇA MILITAR, A PARTIR DAS
MODIFICAÇÕES INSERIDAS NO ART. 9º DO CÓDIGO PENAL
MILITAR PELA LEI N. 13.491/2017 – CRIMES DENOMINADOS
MILITARES – OBSERVÂNCIA DE REGRAMENTO PRÓPRIO DO
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL MILITAR – ATO TUMULTUÁRIO
RECONHECIDO EM VIRTUDE DE ADOÇÃO DE
PROCEDIMENTOS PRÓPRIOS DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL – EMBARGOS PROVIDOS.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, sendo embargante
Renne Flávio Nunes Caetano e embargado o Ministério Público do Estado
de Minas, acordam os juízes do Tribunal Pleno, por maioria, em passar
pela preliminar levantada pelo juiz Jadir Silva de não recebimento dos
embargos, por não serem cabíveis. Vencido o juiz Jadir Silva, que ficou na
preliminar.
No mérito, por maioria de 5 votos a 2, acordam em dar provimento
ao recurso, a fim de declarar a competência do Conselho de Justiça para
julgar o feito, aplicando-se o rito previsto no Código de Processo Penal
Militar, observado o rito da legislação específica.
Vencidos os juízes Rúbio Paulino Coelho e Fernando Armando
Ribeiro, que declararam a competência do Conselho de Justiça e
determinaram o prosseguimento do feito nos termos do Código de
Processo Penal brasileiro.

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RELATÓRIO
Trata-se de embargos infringentes e de nulidade, opostos nos
termos do art. 538 e seguintes do CPPM e art. 246, inciso I, do Regimento
Interno do TJMMG, contra decisão da Primeira Câmara deste Egrégio
Tribunal, publicada no Diário Judiciário Militar Eletrônico – DJME, de
27/02/19, onde por maioria, acordaram os juízes, nos termos do voto do
juiz relator para o acórdão Fernando Armando Ribeiro, em negar
provimento ao recurso, mantendo a decisão da juíza de 1º grau de
jurisdição.
Ficou vencido o juiz Osmar Duarte Marcelino, que deu provimento à
correição parcial, para determinar a aplicação dos procedimentos
previstos no CPPM à ação penal de origem, desde o seu ingresso nesta
justiça especializada, anulando-se todos os atos praticados sob o manto
do Código de Processo Penal comum.
Sustenta a Defensora Pública que a Lei n. 13.491/2017, que alterou
a redação do art. 9º do CPPM, aumentou o rol de crimes militares e
igualmente ampliou a competência da Justiça Militar, trazendo uma nova
categoria de crimes militares, qual seja, a dos crimes militares por
extensão.
Afirma a douta Defensora que a alteração da competência
promovida pela referida Lei atrai a incidência da norma processual penal
militar, por considerar necessário o respeito aos princípios da
especificidade e da segurança jurídica.
Desta forma, o embargante pugna para que seja determinada a
aplicação do rito previsto no CPPM nos autos de referência e que seja
decretada a nulidade de todos os atos que se realizaram no procedimento
diverso daquele determinado pela legislação própria da justiça castrense.
Em despacho de fl. 63, presentes os requisitos de admissibilidade,
nos termos do art. 251 do Regimento Interno deste TJMMG, foi
determinada a abertura de “vista” ao douto Procurador de Justiça, no
prazo de cinco dias, para a apresentação de suas contrarrazões.
O e. Procurador de Justiça ofertou o seu parecer às fls. 64/64v,
pugnando pelo não provimento do presente recurso.
É o sucinto relatório.

VOTOS
JUIZ JADIR SILVA, REVISOR E RELATOR PARA O
ACÓRDÃO
Eméritos julgadores, suscito, aqui, uma preliminar, de ofício,
referente ao descabimento dos embargos infringentes contra decisão não
unânime proferida nos autos de correição parcial.
Pois bem.
A previsão do recurso de embargos infringentes está contida no art.
538 do Código de Processo Penal Militar (CPPM). Transcrevo:

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Cabimento e modalidade
Art. 538. O Ministério Público e o réu poderão opor embargos de
nulidade, infringentes do julgado e de declaração, às sentenças finais
proferidas pelo Superior Tribunal Militar.

De conformidade com a previsão legal, serão cabíveis contra a


sentença final, ou recursos contra essas sentenças.
Quanto à decisão contra a qual os embargantes se insurgem,
saliente-se ser proveniente do julgamento de uma correição parcial.
A correição parcial destina-se “ao ataque às decisões ou despachos
dos juízes não impugnáveis por outro recurso e que representem ‘erro ou
abuso’, de que resulte a ‘inversão tumultuária dos atos e fórmulas da
ordem legal do processo’”.
O seu fim precípuo é a correção de erro ou de omissão
inescusáveis, de abuso ou de ato tumultuário, cometidos ou consentidos
pelo juiz. Logo, a correição parcial visa a corrigir o “error in procedendo”,
ou seja, aspectos procedimentais que ocasionem a inversão tumultuária
dos atos e fórmulas legais da ordem do processo. Veja-se:

Código de Processo Penal Militar


Casos de correição parcial
Art. 498. O Superior Tribunal Militar poderá proceder à correição
parcial:
a) a requerimento das partes, para o fim de ser corrigido erro ou
omissão inescusáveis, abuso ou ato tumultuário, em processo,
cometido ou consentido por juiz, desde que, para obviar tais fatos,
não haja recurso previsto neste Código;
[...]

Sendo assim, a decisão impugnada pela defesa dos militares não


traz o caráter de “sentenças finais”, ou seja, definitiva de mérito ou
prejudicial de mérito (prescrição, decadência etc.), o que impediria o
conhecimento dos presentes embargos infringentes.
No tocante ao conhecimento dos embargos – como denominado
pela defesa – como o “de nulidade”, insta salientar que tal nulidade
deverá ter decorrido do próprio julgamento ou da tramitação da presente
correição, o que não constitui fundamento do referido recurso.
Sendo assim, voto no sentido de não recebimento do presente
recurso, por ser manifestamente incabível.
Vencido na preliminar suscitada, vejo-me no dever de manifestar
sobre a matéria que foi objeto de discussão nos autos da Correição
Parcial n. 0000069-50.2019.9.13.0000.
Conforme se vê no acórdão acostado às fls. 49/53, restou decidido,
em maioria, pela adoção do entendimento que, com a edição da Lei n.
13.491/2017, houve a inclusão de crimes, então pertencentes à legislação
penal comum, ao rol dos denominados militares do art. 9º, II, do Código
Penal Militar (CPM); e que tais crimes são considerados militares apenas
por ficção ou extensão, na medida em que não estão previstos no CPM.
Sendo assim, a alteração de competência para julgamento dos crimes

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não constitui justificativa razoável para que sejam alterados os


procedimentos que já os regiam, com toda a principiologia neles inscrita.
Com a devida venia, ouso divergir do entendimento adotado pela
maioria da colenda Primeira Câmara Cível e manifestar, nestes embargos
infringentes, favorável à prevalência do voto minoritário da lavra do
eminente juiz Osmar Duarte Marcelino.
Com o devido respeito, entendo que há de se fazer a vontade da lei
no sentido de que a regra é aplicação do Código de Processo Penal
(CPP), em todo o território brasileiro, ressalvados os processos da
competência da Justiça Militar (art. 1º, inciso III, do Código de Processo
Penal brasileiro).
Por se tratar a Justiça Militar de uma Justiça especializada, em que
se assegura aos acusados que, nas imputações relativas à prática, em
tese, de crimes denominados militares (próprios, impróprios e por ficção),
eles serão processados e julgados por regramentos próprios do CPPM,
na observância das especificidades de toda a matéria castrense, inclusive
as destacadas pela Constituição da República, incluindo direitos e
deveres decorrentes da natureza da sua condição de militar.
Sendo assim, a competência do julgamento da ação penal será do
juiz monocraticamente quando o ofendido for o civil – art. 125, § 5º, da
Constituição da República (CR) e os demais serão de competência do
escabinato; e o rito a ser seguido será o estabelecido no CPPM, sendo
que, na hipótese de omissão ou lacuna da lei, aplicar-se-á o art. 3º deste
códex, in verbis:

Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos:


a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao
caso concreto e sem prejuízo da índole do processo penal militar;
b) pela jurisprudência;
c) pelos usos e costumes militares;
d) pelos princípios gerais de Direito;
e) pela analogia.

O excelso Supremo Tribunal Federal apresentou o seu respeito à


especificidade do regramento militar tanto em matéria penal quanto
processual penal militar. Destaco:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL
MILITAR. REITERAÇÃO DOS ARGUMENTOS EXPOSTOS NA
INICIAL QUE NÃO INFIRMAM OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO
AGRAVADA. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME MILITAR DE
DESERÇÃO. ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. REGIME
PRISIONAL FECHADO. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART.
84 COMBINADO COM O ART. 59 DO CPM. COMPATIBILIDADE
CONSTITUCIONAL DA RESTRIÇÃO PREVISTA NO ART. 88, II, A,
DO CPM. PRECEDENTES DESTA SUPREMA CORTE. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I – O agravante apenas reitera os argumentos anteriormente
expostos, sem, contudo, aduzir novos elementos capazes de afastar
as razões decisórias.

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II – Aplicada reprimenda corporal de detenção ou reclusão inferior a 2


anos, quando vedada a concessão da suspensão condicional da
pena, deve aquela ser convertida em prisão, a ser cumprida em local
distinto para praças e oficiais. Inteligência do art. 84 combinado com o
art. 59 do Código Penal Miliar – CPM.
III – A incidência do art. 59 do CPM, na espécie, decorre do fato de o
paciente ter sido condenado à pena de 6 meses de prisão pela
prática do crime de deserção, para o qual o art. 88, II, a, do Código
Penal Militar veda expressamente a suspensão condicional da pena.
IV – O Plenário desta Suprema Corte decidiu que a restrição a
que se submete os condenados pela prática do delito de
deserção, crime militar por excelência, prevista no art. 88, II, a,
do Código Penal Castrense, não apresenta quadro de
incompatibilidade com a Constituição Federal de 1988 (HC
119.567/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, sendo Rel. para o acórdão Min.
Roberto Barroso).
V – É firme a orientação jurisprudencial desta Suprema Corte no
sentido de que, na hipótese de crime de competência da justiça
militar, “somente a falta de um regramento específico em sentido
contrário é que possibilitaria a aplicação da legislação comum”,
ante a “impossibilidade de se mesclar o regime processual penal
comum e o regime processual penal especificamente militar,
mediante a seleção das partes mais benéficas de cada um deles,
pena de incidência em postura hermenêutica tipificadora de
hibridismo ou promiscuidade regratória incompatível com o
princípio da especialidade das leis” (HC 105.925/SP, Rel. Min.
Ayres Britto).
VI – Nessas circunstâncias, fica afastada a possibilidade de fixação
do regime prisional à luz da aplicação analógica das regras
estabelecidas no art. 33 do Código Penal comum.
VII – Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, HC 150443
AgR/DF, relator Ministro Ricardo Lewandowski, julgamento realizado
em 22/03/2019, Segunda Turma, acórdão publicado no DJe-074,
disponibilizado em 09/04/2019 e publicado no dia 10/04/2019). (grifei)

Coaduno com o entendimento esposado pelo eminente juiz Osmar


Duarte Marcelino, motivo pelo qual dou provimento aos embargos
infringentes, a fim de declarar a competência do Conselho de Justiça para
o julgamento do feito, bem como para determinar a aplicação dos
procedimentos previstos no CPPM à ação penal de origem, desde o seu
ingresso nesta Justiça especializada, anulando-se todos os atos
praticados sob o manto do Código de Processo Penal comum.
É como voto.

JUIZ RÚBIO PAULINO COELHO, RELATOR VENCIDO


Conheço do recurso. Presentes os pressupostos objetivos e
subjetivos de sua admissibilidade.
Analiso primeiramente a preliminar suscitada pelo eminente juiz
Jadir Silva, referente ao descabimento dos embargos infringentes contra
decisão não unânime proferida nos autos de correição parcial.

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Muito embora a correição parcial se destine ao ataque às decisões


ou despachos dos juízes não impugnáveis por outro recurso e que
representem erro ou abuso de que resulte a inversão tumultuária dos atos
e fórmulas da ordem legal do processo, o seu julgamento produziu um
acórdão, não unânime, que, nos termos do voto do juiz relator para o
acórdão Fernando Armando Ribeiro, negou provimento ao recurso,
mantendo a decisão da juíza de 1º grau de jurisdição.
O Regimento Interno deste Tribunal estabelece, em seu artigo 246,
inciso I, que são cabíveis os embargos infringentes e de nulidade contra
“acórdãos”, o que reforça de maneira inequívoca a possibilidade de
oposição deste recurso em face do acórdão que julga correição parcial,
desde que preenchidos os requisitos legais, como é o caso que ora
examinamos. Com base nesses argumentos, passo por esta preliminar.

MÉRITO
Os presentes embargos se baseiam nos argumentos contidos no
voto vencido do juiz Osmar Duarte Marcelino, que, na visão da defesa,
trouxe uma nova perspectiva para reforçar a ilegalidade perpetrada pela
Juíza de Direito Titular da 1ª Auditoria de Justiça Militar Estadual (AJME),
na aplicação de procedimento diverso daquele previsto no Código de
Processo Penal Militar (CPPM).
A Lei n. 13.491, publicada em 13 de outubro de 2017, trouxe
significativa ampliação da competência criminal na Justiça Militar estadual
e provocou profundas modificações na redação do artigo 9º, inciso II, do
Código Penal Militar (CPM), o qual define os crimes militares, bem como
sua competência para julgamento. Com isso, estudiosos e operadores do
direito militar descontentes com esta inovação tentam insistentemente
macular a norma penal com a pecha de inconstitucionalidade.
O Supremo Tribunal Federal (STF) já recebeu diversas ações diretas
de inconstitucionalidade em face da nova lei, contudo a Constituição
Federal (CF) define, nos artigos 5º, LXI, 124 e 125, § 4º, que o crime
militar é aquele definido por lei.
Se considerarmos que inexiste o deferimento de qualquer medida
cautelar nas ações diretas de inconstitucionalidade que tramitam no STF
que suspenda os efeitos da Lei n. 13.491/2017, fica fácil concluir que a
partir de 13 de outubro de 2017, todas as ações penais, ainda não
sentenciadas em primeiro grau de jurisdição da justiça comum nas quais o
autor seja militar estadual, independentemente do delito praticado, desde
que atendidas as condições do art. 9º, inciso II, do CPM, deverão ser
imediatamente remetidas a esta justiça especializada, sob pena de
nulidade dos eventuais atos judiciais decisórios praticados, por
incompetência absoluta do Juízo comum. Temos recebido dezenas de
processos oriundos de diversas comarcas do Estado de Minas Gerais
demonstrando que a competência trazida pela nova lei está mais do que
consolidada.

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Assim, compete à Justiça Militar estadual, por força do previsto no


art. 125, § 4º e § 5º, da CF, processar e julgar a prática do crime previsto
no art. 16 da Lei n. 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), quando
praticados por militares em serviço, conforme ocorre neste caso ora em
análise.
O entendimento da Juíza de Direito Titular da 3ª AJME é de que a
Lei n. 13.491/17 trouxe uma verdadeira revolução à Justiça Militar,
notadamente na competência e, de forma reflexa, no âmbito processual
penal, com ênfase no binário da ampla defesa e do contraditório e nas
condições de procedibilidade da ação penal.
Com a inovação da nova lei, todos os crimes praticados por policiais
militares no exercício de sua função devem ser remetidos para esta
justiça especializada, a fim de serem processados e julgados. Contudo
estes crimes, no que tange às disposições penais e processuais penais
que lhes são inerentes, com os atributos específicos de que são
portadores, devem vir para a Justiça Militar estadual em conformidade
com o sistema jurídico que os regem e os regulem, tendo em vista que a
especialidade da lei penal e processual penal militar não se confunde com
a competência da Justiça Militar.
Desta forma, a alteração trazida pela Lei n. 13.491/17 refere-se tão
somente à competência, sem, contudo, modificar a norma aplicável aos
crimes que antes eram processados e julgados na Justiça comum.
A vida castrense é estruturada nos princípios da hierarquia e da
disciplina, e os crimes militares próprios e impróprios estão tipificados no
CPM, cujos procedimentos processuais estão previstos no CPPM.
Entendo que, neste caso específico, cabe ao Conselho Permanente
de Justiça julgar o feito, pois assim está previsto no art. 125, § 5º, da CF.
Não há que se falar em julgamento monocrático exercido pelo Juiz de
Direito do Juízo Militar.
A alegação do embargante de que a aplicação de procedimentos
previstos no sistema jurídico-processual comum causaria um nítido
constrangimento flagrantemente ilegal, acarretando cerceamento de
defesa e afronta ao contraditório (art. 5º, LV, da CF/88), princípios
constitucionais basilares da nossa Constituição da República e do Estado
Democrático de Direito, em meu modesto entendimento não deve
prosperar.
Comungo do mesmo entendimento da Juíza de Direito Titular da 3ª
AJME quando ela afirma que o direito à defesa do acusado determina
profunda adesão à responsabilidade pessoal e ao diálogo. O militar
processado deve procurar a sua defesa técnica, conversar, apresentar
seus argumentos e facilitar a construção de sua tese de defesa, sob pena
de ficar prejudicado em sua pretensão de contrapor as acusações que
pesam em seu desfavor.
Cabe ao acusado o ônus de constituir um advogado, através de
associações ou mesmo particular. Se não dispuser de recursos para isso,
deve procurar a Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais.

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Desta forma, a adoção pela Juíza de Direito Titular da 3ª AJME do


procedimento previsto nem qualquer sistema jurídico-processual comum
não traz constrangimento ilegal nem nenhuma violação aos princípios da
ampla defesa e do contraditório, se considerarmos que o processo em
curso está direcionado à pessoa do acusado e lhe proporciona todas as
oportunidades de produção de provas, que seja mais favorável à sua tese
de defesa.
Neste contexto, não houve qualquer erro procedimental ou ato
tumultuário praticado pela magistrada que enseje a aplicação do rito
previsto no CPPM, ou a decretação da nulidade de todos os atos que se
realizaram neste feito, até o momento.
A alteração de competência para o julgamento dos crimes trazida
pela Lei n. 13.491/2017, não constitui justificativa razoável para que sejam
alterados os procedimentos que já os regiam, conforme estabelece o art.
394, §§ 2º, 4º e 5º, do Código de Processo Penal (CPP) c/c art. 3º, alínea
“a”, do Código de Processo Penal Militar (CPPM).
Diante do exposto, nego provimento ao presente recurso.
É como voto.

JUIZ FERNANDO ARMANDO RIBEIRO, VENCIDO


Passo pela preliminar de não recebimento dos embargos, arguida
pelo eminente juiz Jadir Silva, revisor. No mérito, acompanho,
integralmente, o voto do eminente juiz Rúbio Paulino Coelho, relator.

JUIZ FERNANDO GALVÃO DA ROCHA


Srs. juízes. A questão debatida nos presente embargos é de grande
importância para a Justiça Militar e mereceria até a edição de uma
Súmula para orientar os julgamentos de primeiro grau de Jurisdição.
Pedindo vênia ao eminente juiz Jadir Silva, passo pela preliminar por
ele levantada, tendo em vista que a decisão hostilizada decidiu de
maneira definitiva sobre a competência do órgão jurisdicional, não sendo
meramente uma intervenção tumultuária. Portanto, penso que incide no
caso a previsão do art. 538 do Código de Processo Penal Militar (CPPM).
A primeira baliza que deve orientar o deslinde da questão é a
distribuição de competência estabelecida no art. 125 da Constituição da
República. Com base nesta referência, fica muito claro que a competência
monocrática do Juiz Civil da Justiça Militar é restrita aos crimes militares
cometidos contra civil. Em todos os demais casos, a competência é dos
Conselhos de Justiça.
O rito processual a ser utilizado pelo órgão julgador é uma outra
questão a ser analisada e encontra direcionamento claro no artigo 1º do
CPPM, que peço vênia para transcrever: “ Art. 1º O processo penal militar
reger-se-á pelas normas contidas neste Código, assim em tempo de paz
como em tempo de guerra, salvo legislação especial que lhe fôr
estritamente aplicável”.

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Como deixa claro o dispositivo legal, todos os crimes militares


devem ser processados e julgados conforme o disposto no CPPM.
Havendo legislação com rito específico, tal rito deve ser observado.
O processo e julgamento dos novos crimes militares que foram
instituídos por lei extravagante deve obedecer a regra estabelecida no
CPPM. Se a lei extravagante estabelecer rito especial, como é o caso do
crime de abuso de autoridade, deve-se obedecer ao rito especial
estabelecido no órgão jurisdicional competente, conforme disposto na
constituição.
As adaptações que se fazem necessárias ao rito estabelecido no
CPPM, diante de inovações do Código de Processo Penal (CPP), são
admissíveis. Como, por exemplo, o interrogatório que deve ser feito no
final da instrução dos processos que apuram crimes militares.
No caso, o crime objeto de apuração no processo judicial é previsto
no art. 16 da Lei n. 10.826/03, que possui a seguinte redação:

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em


depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar,
remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo,
acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

É fácil perceber que não se trata de crime militar que não é dirigido
contra civil, que se encontra na competência constitucional expressa
definida do Conselho Permanente de Justiça.
Por tais razões, dou provimento ao presente recurso, para anular as
decisões monocráticas proferidas pela juíza titular da 3ª AJME.
É como voto.

JUIZ SÓCRATES EDGARD DOS ANJOS


Passo pela preliminar de não recebimento dos embargos, arguida
pelo eminente juiz Jadir Silva, revisor. No mérito, acompanho o voto do
eminente juiz Jadir Silva, revisor.

JUIZ OSMAR DUARTE MARCELINO


Em primeiro lugar, passo pela preliminar de não recebimento dos
embargos, arguida pelo eminente juiz Jadir Silva, revisor.
No mérito, eminentes juízes, a questão posta em análise pode, à
primeira vista, parecer complexa, mas a aparente complexidade cai diante
da vontade da lei, ou melhor, das leis processuais, objetivamente
estabelecidas.
Como de costume, ouvi com atenção o judicioso voto do eminente
juiz relator, mas dele ouso divergir, conforme entendimento manifestado
pelo douto Juiz Fernando Galvão da Rocha, e conforme o entendimento
que tenho manifestado a respeito da questão.

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Esclareço, em primeiro lugar, e uma vez mais, que não me agrada a


separação dos crimes militares além daqueles conceituados como crimes
ditos próprios e crimes ditos impróprios. Para mim, não existem os tais
crimes militares por extensão. Onde estão estes crimes por extensão em
nosso ordenamento jurídico, ou melhor, onde estão eles no Código Penal
Militar (CPM)?
Essa nomenclatura, dada por doutrinadores àqueles crimes que
ingressaram ou que ingressarão na Justiça Militar oriundos da ampliação
de competência introduzida pela Lei n. 13.491/17, não faz jus à
objetividade estabelecida na própria norma.
Em todas as ações que envolvam crimes militares, definidos assim
pelo art. 9º do CPM, estamos diante de crimes militares, próprios ou
impróprios, conforme a possibilidade, ou não, da sua prática por civis, cuja
divisão nunca obstou a aplicação do Código de Processo Penal Militar
(CPPM).
O certo é que o dispositivo supracitado diz que são crimes militares
os delitos insertos no rol que apresenta, e nele está, atualmente, o crime
cuja prática é imputada ao acusado na ação de origem, bem como estão
todos os demais crimes a que se refere a Lei n. 13.491/17, já que esta
inclui os ditos crimes no rol do art. 9º do CPM, que trata dos crimes
militares.
Posso até concordar que se trata de um crime militar impróprio, mas
realmente não coaduno com o vocábulo “extensão”.
Prossigo no meu voto, observando o que diz o art. 1º, III, do Código
de Processo Penal (CP) brasileiro, como abaixo se extrai:

Art. 1º O processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, por


este Código, ressalvados:
[...]
III - os processos da competência da Justiça Militar;
[...]
(sem grifo no original)

Vejam Vossas Excelências que o processo penal comum rege-se


pelas normas do Código de Processo Penal (CPP), ressalvando, ou
excetuando, os processos de competência da Justiça Militar, e o voto
condutor na correição parcial refere-se exatamente à ampliação da
competência.
Então, com referência à manifestação da douta juíza corrigida e à
manifestação do Ministério Público nos autos da correição a que se
relacionam estes embargos, a exemplo do que restou decidido pelo voto
do eminente Juiz Fernando Armando Ribeiro, todos invocam a mera
modificação de competência e não do procedimento, nos termos do art. 1º
do CPP brasileiro.
Ora, se o processo de origem é de competência da Justiça Militar,
como é o caso, não tenho dúvida de que há expressa vedação para a
aplicação da legislação processual penal ordinária, ou comum, como dito
alhures.

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A lei é firme ao dizer que o processo penal reger-se-á pelo CPP, e o


processo penal militar reger-se-á pelo CPPM, aplicando-se o último nos
processos de competência da Justiça Militar. Vejam que a lei se refere
ao vocábulo competência, na sua acepção jurídica.
Se a lei quisesse dizer diferente, teria dito que o CPP comum não se
aplicaria aos feitos que envolvessem os crimes militares previstos na lei
penal militar, ou, ainda, que envolvessem os crimes militares próprios.
Mas não é isso que diz o texto da lei, que revela de forma clara a sua
vontade, qual seja, a de que a regra estabelecida para a aplicação do
CPPM assenta-se exatamente na competência da Justiça Militar. Então,
se o processo for de competência da Justiça Militar, e desde quando o for,
afasta-se a aplicação da lei processual ordinária e aplica-se, doravante, a
lei processual penal militar.
Essa também é a regra do art. 1º, cabeça, do CPPM, verbis: “Art. 1º
O processo penal militar reger-se-á pelas normas contidas neste Código,
assim em tempo de paz como em tempo de guerra, salvo legislação
especial que lhe for estritamente aplicável”.
Mas aqui, neste caso, não estamos diante de uma legislação
especial que tenha procedimento intrínseco que lhe seja estritamente
aplicável, como pode ocorrer em relação aos delitos relativos à
organização criminosa, por exemplo, que têm previsão de procedimento
especial.
E mais, ao tratar da aplicação subsidiária do processo penal militar,
o § 2º do art. 1º do CPPM é enfático ao determinar que “aplicam-se,
subsidiariamente, as normas deste Código aos processos regulados em
leis especiais”.
Segundo o dispositivo acima, temos que aplicar aos delitos previstos
na lei especial “Estatuto do Desarmamento”, a que se refere a ação de
origem, as normas instrumentais do Diploma Processual Penal Militar.
Não podemos criar embaraços à aplicação do CPPM, que exige
interpretação literal de suas expressões, conforme, inclusive, prevê o seu
art. 2º.
Quanto às garantias, ressalto que o processo penal comum é bem
garantista, mas não é mais garantista que o processo penal militar, sendo
que os dois podem até se igualar quanto ao máximo de garantias, mas o
processo penal militar tem peculiaridades que garantem maior
elasticidade ao princípio da ampla defesa para os militares, a quem é
especialmente dirigida a norma instrumental própria.
A aplicação do CPP comum pode acarretar, aos militares
submetidos ao processo criminal nos crimes de competência da Justiça
Militar, prejuízos à ampla defesa em sua maior acepção político-jurídica.
Por isso fiz questão de tratar da necessidade de interpretação literal
dos regramentos inseridos no CPPM, pois quando há uma possibilidade
de prejuízos à defesa, o Codex em referência proíbe expressamente a
interpretação não literal, como bem observamos no já citado art. 2º do
diploma legal. Confira-se:

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TRIBUNAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Código de Processo Penal Militar


Art. 2º A lei de processo penal militar deve ser interpretada no sentido
literal de suas expressões. Os termos técnicos hão de ser entendidos
em sua acepção especial, salvo se evidentemente empregados com
outra significação.
[...]
§ 2º Não é, porém, admissível qualquer dessas interpretações,
quando:
a) cercear a defesa pessoal do acusado;
b) prejudicar ou alterar o curso normal do processo, ou lhe desvirtuar
a natureza;
[...]

Continuo o voto, trazendo à baila o que nos é imposto, como dever,


e não como faculdade, pelo art. 6º do CPPM.

Art. 6º Obedecerão às normas processuais previstas neste Código,


no que forem aplicáveis, salvo quanto à organização de Justiça, aos
recursos e à execução de sentença, os processos da Justiça Militar
Estadual, nos crimes previstos na Lei Penal Militar a que
responderem os oficiais e praças das Polícias e dos Corpos de
Bombeiros Militares.

Nos dizeres do dispositivo legal acima, se o crime está previsto na


Lei Penal Militar, como é a hipótese dos autos, consoante o art. 9º do
CPM, sendo o processo de competência da Justiça Militar, parece óbvio
que o processo deve obedecer às normas processuais previstas no
CPPM.
Lado outro, se flexibilizarmos em relação à expressa vedação legal
para adoção de procedimento penal comum aos delitos de competência
da Justiça Militar, reitero meu temor de que, daqui a pouco, poderão
alguns dizer que é indispensável a representação da vítima para os
crimes cuja exigência é condição para a ação penal, ou, por idêntico
fundamento, poderão dizer que cabe a ação penal militar privada.
Sabemos que, tratando-se da ação penal militar e do seu exercício,
a ação penal é pública e somente pode ser promovida por denúncia do
Ministério Público, nos termos do art. 29 do CPPM.
Vejam Vossas Excelências onde poderemos chegar pela
inobservância da pura e simples objetividade da lei processual penal
militar, que estampa com intensa propriedade a vontade de se aplicar aos
processos de competência da Justiça Militar o CPPM.
Confesso que tenho estudado o tema cada vez mais, mas não
consigo modificar meu entendimento, uma vez que a lei processual penal
que a douta juíza corrigida, no feito de origem, quer aplicar, a exemplo da
lei processual penal que o corrigente, ora embargante, busca aplicar, é
objetiva em firmar apenas a aplicação desta última, ou seja, a aplicação
do CPPM.
Então, eminentes juízes, tenho buscado uma posição condizente
com a objetividade das normas processuais em estudo, mesmo porque
não posso tender à criação de normas processuais penais, ainda que de

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TRIBUNAL DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

uma maneira híbrida, sob pena de adentrar na competência da União


para a matéria.
Se ainda houvesse dúvida em uma ou outra lei processual penal,
mas o CPP e o CPPM são tão claros quando se trata de processo de
competência da Justiça Militar, que realmente me sinto confortável quanto
a posição jurídica que adoto.
Dessa forma, entendi, e continuo entendendo, que a aplicação da lei
processual penal comum ao caso em análise realmente pode acarretar
prejuízos à defesa e causar insegurança jurídica, razão pela qual há erro
procedimental na adoção do procedimento penal comum, passível de
correição, à míngua de recurso próprio na norma processual.
Ante o exposto, dou provimento aos embargos infringentes, para
reformar o acórdão recorrido, prevalecendo como condutor o voto deste
juiz na correição parcial de mesmo número, e, assim, declarar a
competência do Conselho de Justiça para o julgamento do feito, bem
como para determinar a aplicação dos procedimentos previstos no CPPM
à ação penal de origem, desde o seu ingresso nesta Justiça
especializada, anulando-se todos os atos praticados sob o manto do CPP
comum.
É como voto.

JUIZ JAMES FERREIRA SANTOS


Passo pela preliminar de não recebimento dos embargos, arguida
pelo eminente juiz Jadir Silva, revisor. No mérito, Dou provimento ao
recurso, acompanhando o voto do eminente juiz Jadir Silva, revisor.

Belo Horizonte, sala das sessões do Tribunal de Justiça Militar


do Estado de Minas Gerais, aos 20 de maio de 2019.

Juiz Jadir Silva


Revisor e relator para o acórdão

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