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Luz, pixel, ação – O YouTube e os novos processos formativos audiovisuais

contemporâneos1

Leonardo Silveira2

Universidade Estadual da Bahia - UNEB

Resumo

Fruto de uma pesquisa que investiga como a autoria, o compartilhamento em rede e a


interatividade no YouTube podem contribuir para a construção de um processo formativo
audiovisual contemporâneo. Esse artigo fará uma discussão teórico-metodológica em torno do
tema, explicitando que tipo de pesquisa qualitativa se pretende construir e, sobretudo,
promovendo uma análise desse fenômeno que são as redes sociais do ciberespaço, espaços
formados por estruturas geradoras de uma nova sociabilidade, que propiciam mudanças
culturais significativas, podendo alterar o modo de ser, pensar e agir das crianças, jovens e
adultos contemporâneos.

Palavras-chave

Rede Social; YouTube; Novos Processos Formativos; Autoria; Conteúdo Audiovisual

Que pesquisa é essa?

Esse artigo é fruto de uma pesquisa que busca investigar como a autoria, o
compartilhamento em rede e a interatividade, articulados no YouTube, podem contribuir para
a construção de um processo formativo audiovisual contemporâneo. A pesquisa em questão
encontra-se em andamento na fase da discussão teórica, dialogando com a literatura
especializada em torno do tema proposto, portanto, esse artigo se apresenta enquanto
constructo teórico, em fase de aprofundamento e discussão.
Para tanto será utilizada a abordagem qualitativa, visando, dessa forma, investigar o processo
formativo audiovisual de um grupo de sujeitos que atuam no YouTube, na tentativa de

1
Artigo científico apresentado ao eixo temático “Redes Sociais, Comunidades Virtuais e Sociabilidade”, do IV
Simpósio Nacional da ABCiber.
2
Bacharel em Desenho Industrial pela Universidade do Estado da Bahia (2001), Especialista em Educação a
Distância, pela Universidade de Brasília (2008). Mestrando em Educação e Contemporaneidade pela
Universidade Estadual da Bahia (2010), orientado pela profª drª Tânia M. Hetkowski . Atua como Designer de
Multimeios no Núcleo de Educação a Distância do SENAI - Bahia, desde 2005. E-mail:
silveira.design@gmail.com

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atualizar as teorias que defendem a importância da autoria, do compartilhamento de conteúdos
e da interatividade para a construção dos processos formativos contemporâneos.
Antes de nos debruçarmos sobre as questões centrais que orbitam em torno do fenômeno em
questão, convém compartilhar com o(a) leitor(a) o posicionamento metodológico que
conduzirá essa pesquisa. Afinal é de suma importância, de antemão, assumir de que lugar
metodológico eu falo, pois um objeto dinâmico, polissêmico e instituinte como as ciber redes
demanda uma abordagem que propicie a construção de uma pesquisa coerente com as mesmas
bases.
Na busca por um outro rigor metodológico para as atuais pesquisas qualitativas, a partir de
novos fundamentos epistemológico, Galeffi (2009, p. 13) nos convida a compreender o
conhecimento humano “em sua dinâmica gerativa e em sua organização vital, em sua natureza
histórica e existencial, e em seu modo de comportamento conjuntural e complexo ”para,
assim, ampliarmos a compreensão da realidade e suas estruturas formadas e formantes”.
Diante da perspectiva-necessidade de analisar e melhor compreender as possibilidades
(re)significativas para o processo de formação do homem contemporâneo, trazidas pela
digitalização audiovisual e sua disponibilização em rede, a abordagem qualitativa trará
contribuições significativas para melhor compreensão desse fenômeno, pois, segundo Bogdan
e Biklen (1994), esse tipo de abordagem utiliza como instrumento-chave de análise o
entendimento que o investigador constrói dos dados e por isso tenta “analisar os dados em
toda a sua riqueza, respeitando, tanto quanto o possível, a forma em que estes foram
registrados ou transcritos.” (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 48).
É por tal motivo que o contexto é muito relevante nesse tipo de abordagem, por influenciar de
forma expressiva o comportamento dos sujeitos envolvidos no processo (BOGDAN;
BIKLEN, 1994). O estudo desse novo agenciamento está intrinsecamente ligado ao seu
contexto. O que aproxima o objeto de uma investigação com essa natureza.
É importante compreender porque esse objeto de pesquisa necessita de uma abordagem
qualitativa e de que tipo de abordagem qualitativa estamos falando. Nesse sentido nada é
banal e sem relevância para uma compreensão mais ampla e mais profunda, cada detalhe
transforma-se em indícios importantes com capacidade de revelar facetas implícitas que
influenciarão os resultados da pesquisa. Diante da necessidade desse detalhamento minucioso
para melhor compreensão do objeto, traduzir os dados em símbolos numéricos não será o
suficiente.

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Nossa pretensão é construir uma pesquisa qualitativa qualificada, tendo por base outra forma
de compreender os fenômenos humanos. Essa nova percepção em torno da realidade humana,
por conseguinte, evidencia a emergência de se reelaborar métodos de pesquisa qualitativa, que
atuem com outra percepção de rigor.
A visão epistemológica e metodológica herdadas da ciência moderna firmou os postulados da
física moderna e da visão lógico-matemática enquanto legítimos procedimentos metódicos de
experimentação para desvendar a realidade e encontrar respostas válidas para os problemas da
humanidade. Tais postulados acomodavam os fenômenos em processos de simplificação e
homogeneidade.
Autores como Galeffi (2009) e Boa Ventura Santos (2005), por exemplo, compreendem os
fenômenos naturais e, sobretudo, humanos, de uma ótica diferente, apostam na metodologia e
na perspectiva transdisciplinar. Trazem uma compreensão complexa, heterogênea,
plurifacetada, polilógica e multirreferencial dos fenômenos humanos, e justamente por isso
afirmam que as pesquisas qualitativas devem ser pautadas em outra referência metodológica,
diferente da preconizada historicamente pela ciência pragmática, positiva, mecânica.

Daí a necessidade de operar com uma lógica inclusiva, porque são as operações mentais de
sujeitos históricos que estabelecem conexões entre níveis distintos de organização, todos
autopoiéticos. Assim a linguagem matemática não dá conta da complexidade físico-química-
biológica-psíquica dos indivíduos e dos agrupamentos sociais humanos, sendo apenas um dos
meios de descrição disponíveis. O ser humano também precisa de imagens, afetos, juízos,
metáforas e conceitos para formar uma compreensão articulada da sua existência concreta
(GALEFFI; 2009).

Esse caráter sensível, computante e cogitante do homem e não meramente mecânico, modelar
e ideal, indica que compreender a realidade humana consiste em compreender os processos
atualizados de um organismo autoreflexivo, em constante retroalimentação. Na tentativa de
compreender uma totalidade vivente da condição humana faz-se mister evitar velhas
dicotomia criadas por nossa construção cultural, tais como qualitativo versus quantitativo,
subjetivo versus objetivo, mente versus corpo, sem, contudo, buscar alcances definitivos
(GALEFFI, 2009; SANTOS, 2005).
Inspirado nessas premissas, esse projeto investe na tentativa de atualizar-experimentar tais
bases, assumindo que a construção de uma pesquisa que se pretenda qualitativa e qualificada
não pode deixar de levar em conta as influências da subjetividade no processo de
compreensão dos fenômenos humanos.

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Na busca desse outro rigor não é possível deixar de levar em conta os juízos e afetos humanos
na construção da realidade, indo de encontro com a postura metodológica exclusivamente
geometrizada como único meio válido de descrição da realidade objetiva humana.
É necessário assumir e estar atento ao processo de reintrodução do sujeito e dos seus
processos de subjetivação na construção do conhecimento em torno do objeto, tanto na
construção do saber do sujeito-pesquisador, quanto na compreensão trazida pelos sujeitos-
pesquisados. Há nessa tessitura implicações com a subjetividade nas dimensões individuais,
sociais que não podem ser excluídas ou menosprezadas (GALEFFI, 2009; SANTOS, 2005).
É necessário erigir uma epistemologia que privilegia sentidos alcançados pela experiência
direta e pela elaboração conceitual, capaz de gerar instituições criadoras e meios promotores
de transformações radicais. Epistemologia essa, que se utilize de meios descritivos que
favorecem a compreensão das qualidades dos conjuntos-objetos fenomenais investigados,
promovendo novas conseqüências práticas e resultados funcionais para os problemas do
homem contemporâneo.
Nesse caso, o interesse pelo processo assume papel mais prioritário que os resultados, na
compreensão de que estudar primeiro como as relações acontecem nos permite perceber com
maior clareza o produto dessas relações e os elementos que as tornaram possíveis de existir
(BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Portanto, surge a proposta de uma ciência flexível, maleável, capaz de atravessar “a rigidez da
mente calculadora condicionada que fundamenta a pretensão atomista de reduzir tudo ao
cálculo e à mensuração operacional e controladora.” (GALEFFI; 2009, p. 20).
Não se trata de negar a importância e o valor das disciplinas positivas, o que se combate é o
juízo absoluto de rigor científico das ciências duras e seu métodos de pesquisa, enquanto
única forma válida de conhecer. Nesse outro sentido rigor e flexibilidade devem dançar juntos
para promover um enfrentamento das dicotomias. Como propôs Galeffi (2009, p. 38), trata-se
de corrigir o excesso de rigidez com flexibilidade, ”assim como o excesso de flexibilidade”
deve “ser corrigido com o tensionamento justo.”
Fazer pesquisas qualitativas rigorosas, nessa acepção, tem mais a ver com a qualidade do
rigor do pesquisador ao lidar com as interpretações dos fatos e dos comportamentos humanos
diversos que com exteriorização metodológica, regras e passos rígidos, universais e
inquestionáveis. É necessário critério, cuidado com o uso das fontes, coerência com suas
bases epistemológicas, responsabilidade e comprometimento com mudanças qualitativas

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práticas, mas, ao mesmo tempo, sem deixar de estimular um comportamento atitudinal do
pesquisador que promova o pensamento livre, híbrido, mestiço e complexo.
A investigação qualitativa ajudará a descobrir como os significados em torno da temática são
construídos, negociados e estabelecidos, por meio de sua análise descritivo-narrativa, indutiva
(BOGDAN; BIKLEN, 1994) e crítica, explicitando o modo como os atores-autores-sujeitos
dão sentido a esse novo agenciamento que é o aumento da produção de conteúdo audiovisual
contemporâneo, por meio da autoria, do compartilhamento em rede e da interatividade, em
especial no sítio do YouTube. Uma vez posta o posicionamento metodológico que norteará
essa pesquisa, convido o(a) leitor(a) a navegar no intrigante mundo das redes sociais do
ciberespaço a fim de melhor compreender os novos arranjos e sociabilidades que elas podem
promover na atualidade.

As TIC mudam o homem.

Da primeira grande revolução neolítica que foi o advento da agricultura nas civilizações
primitivas ao mais recente salto tecnológico com o surgimento das Tecnologias de
Informação e Comunicação, o homem vem alterando seu sistema de produção (material e
simbólico) para construir suas relações sócio-políticas, gerando mudanças tecnológicas que
não se restringem ao aspecto instrumental (LÉVY, 1993).
Segundo Lima Júnior (2005), a tecnologia é mais que instrumentalização e produção de bem
material. É a arte de organizar o pensamento para interferir na vida humana. Esse
imbrincamento homem-máquina (LÉVY, 1993) configura-se enquanto realidade
interdependente, nas quais a técnica é humanizada e o homem tecnologizado, a exemplo do
corpo e da linguagem, tidos como ferramentas naturais do homem que operam e criam
transformações no mundo externo, e, ao mesmo tempo, sofrem os reflexos dessas alterações
decorrentes. Desta forma, a humanidade atualiza seu modo de ser, no decurso civilizatório, na
história, transformando a realidade e a si mesma. (ARENDT, 1981 apud LIMA JR;
HETKOWSKI, 2006).
Guimarães (2002, apud BURLAMAQUI; BRANDÃO, 2006a, p. 8), com percepção similar,
afirma que o papel da tecnologia desempenhado na sociedade atual “[...] é tão profundo e
extenso que se torna difícil conceber um único âmbito de atividade em que não estejam
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presentes, ou, ainda, em que não tenham exercido impacto substancial”. Arremata, concluindo
que as tecnologias de informação e comunicação, decorrentes dos últimos avanços
tecnológicos, assumem caráter de próteses mentais que potencializam cognitivamente o
cérebro e a mente humana (GUIMARÃES, 2002).
A popularização e a penetrabilidade de instrumentos-dispositivos-utensílios digitais derivados
da telefonia móvel, do ramo da informática, eletro-eletrônicos, e o acesso a internet, nas duas
últimas décadas, no Brasil, são exemplos desse tipo de agenciamento cultural-econômico-
político-sociotécnico (ALVES, 2009), e a pesar do ciberespaço estar “impregnado das formas
culturais e paradigmas que são próprios do capitalismo global” (SANTAELLA, 2003, p. 75) e
do projeto da racionalidade-instrumental moderna, ele possui uma dimensão comunitária mais
interativa, com maior potencial de reciprocidade, enquanto softwares sociais mais autônomos
(ALVES, 2005; HETKOWSKI; LÉVY, 1993; LIMA JR, 2006; LIMA JR, 2007;
SANTAELLA, 2003).
A digitalização criou particularidades tão profundas que extrapolou o território das atividades
de consumo, produção e comunicação social. A própria forma de auto representação
simbólica e as relações interpessoais começam a sofrer influência das possibilidades digitais
da rede (LIMA JR; HETKOWSKI, 2006; LACAN, 1992 apud LIMA JR; HETKOWSKI,
2006).
Sites de relacionamento e de produção audiovisual com forte apelo autobiográfico são cada
vez mais corriqueiros no ciberespaço. Esse processo de construção dessas narrativas
audiovisuais digitais, na rede, tem a ver com a construção da narrativa sobre o homem do
nosso tempo, e, portanto, de certa forma, possui um caráter de reflexão autobiográfica (LIMA
JR, 2006). Trocando em miúdos, trata-se de um processo de construção da narrativa sobre si,
fecundo de subjetivação e reflexão na construção da autobiografia do sujeito contemporâneo e
suas singularidades.
Um exemplo cabal é a forma como as pessoas produzem e veiculam conteúdos audiovisuais,
interagindo umas com as outras e criando novas sociabilidades. Essas comunidades digitais
audiovisuais, a exemplo do YouTube, em suas dimensões hipertextual, hipermidiática e
multimidiático-interativa “oferece(m) um domínio mais rápido e mais fácil do que através do
audiovisual clássico (analógico) ou do suporte impresso.” (LÉVY, 1993, p. 40).
O que se verifica atualmente é que as pessoas estão produzindo conteúdo audiovisual na rede,
por conta própria, em ambientes colaborativos e coletivos, como nunca antes puderam fazer,
em decorrência de mudanças tecnosociais e econômicas. Na tentativa de transbordar o campo
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temático TIC e suas linguagens, em um novo lócus formativo contemporâneo, surge, nesse
sentido e direção, o desejo de me aprofundar nesse canal de investigação.

O YouTube e suas novas sociabilidades

As redes sociais audiovisuais no ciberespaço são sítios na rede mundial de computadores que
possibilitam a distribuição e a socialização de conteúdos em vídeo digital, potencializando a
interação entre esses autores e suas produções, criando novas sociabilidades ou ampliando as
já existentes.
Essas redes sociais que pululam no ciberespaço são fruto da Terceira Revolução Tecnológica,
filhas de uma revolução informacional engendrada pelas sociedades tecnocientíficas que
começaram na esfera político-militar, extrapolaram para os processos de produção industriais,
culminando na crescente penetrabilidade em praticamente todos os processos produtivos, e,
por fim, espraiaram-se pela vida cotidiana dos sujeitos contemporâneos.
A informatização da vida humana por meio da digitalização dos dados (signos)
informacionais e comunicacionais (textos, áudios, imagens) surge do desenvolvimento de
pesquisas na teleinformática - informática, microeletrônica e telecomunicação. Nos países
economicamente desenvolvidos populariza-se entre os anos 70 e 80, enquanto no Brasil, esse
evento sociotécnico ocorre entre os anos 80 e 90.
A criação de interfaces homem-software-máquina mais intuitivas e visualmente mais
agradáveis aproximaram as TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação) digitais das
pessoas que não possuíam domínio dessas linguagens. A crescente popularização dos
artefatos-dispositivos-instrumentos como os computadores pessoais (PC - Personal
Computer) e os aparelhos de telefonia móvel (celulares) reduziram etapas de produção-
criação e ampliaram possibilidades de comunicação e tráfego de informações entre pessoas e
organizações sociais. A convergência de dispositivos em um único aparelho (celular, máquina
fotográfica, gravador e filmadora), por outro lado, disseminou a digitalização dos dados e
ampliou consideravelmente a mobilidade e independência das pessoas na produção de seus
próprios conteúdos audiovisuais.
Além da digitalização dos dados, sua distribuição em uma rede mundial de computadores
(Internet), difundida, em 1996, por uma interface gráfica menos rígida, a WWW (World Wide
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Web), explodiu as possibilidades de trocas de informação no planeta. Começam a ser
construídas ou ampliadas as redes sociais (blogs, Orkut, YouTube, Facebook, Tweeter, etc.)
nesse ambiente digital compartilhado, culturalmente chamado de ciberespaço.
No Brasil, o número de internautas que acessam a rede mundial tipo banda larga, por meio de
tecnologia wireless, é baixo. Indício de uma expressiva exclusão digital em nosso país
(ALVES, 2009). Todavia, em agosto de 2008, houve um crescimento de 78% no número de
usuários na internet, ou seja, nesse ano, segundo dados do IBOPE (2008 apud ALVES, 2009),
o Brasil contava com cerca de 42 milhões de internautas, muito provavelmente graças às
diversas lan houses espalhadas pelos centros e periferias das cidades brasileiras (ALVES,
2009).
O crescimento da economia brasileira e as políticas econômicas de estímulo ao consumo de
aparelhos eletro-eletrônicos e de telefonia móvel, na primeira década do século XXI, também
contribuíram significativamente para ampliar o acesso às redes audiovisuais digitais no
ciberespaço. Um exemplo mais cabal é o recente e crescente aumento na compra de notebooks
e celulares, fruto das políticas de barateamento desses dispositivos, das facilidades de crédito
e do forte apelo publicitário que orbita em torno desses objetos de consumo (ALVES, 2009).
Só para se ter uma idéia, no primeiro semestre de 2008, com a implantação de infra-estrutura
para comercializar serviços de telefonia 3G (terceira geração) e de internet banda larga, o
faturamento das empresas de telecomunicação subiu 33% (ABINEE, 2008 apud ALVES,
2009). Nesse mesmo período foram criados 12,2 milhões de terminais para novas linhas de
telefones celulares. Um crescimento de 81% em relação ao mesmo período do ano anterior
(ANATEL, 2008 apud ALVES, 2009).
De modo abrangente foram esses alguns dos agenciamentos sociotécnicos que possibilitaram
a digitalização dos dados, sua difusão em rede mundial de computadores e maior mobilidade e
manipulação desses dados digitalizados. Ou seja, fatos que promoveriam a construção de
ambientes de sociabilidade e produção como as redes sociais digitais do ciberespaço.
Essas mudanças sócio-econômicas contribuíram para o crescimento expressivo de 1700% na
produção de vídeos digitais por meio de celulares. Com o lançamento de modelo IPhone 3G
os uploads (publicações) na rede social audiovisual YouTube aumentaram significativamente,
ou seja, cresceram 400%, por dia, desde julho de 2009 de acordo com dados extraídos do blog
oficial do YouTube3 e divulgados pelo site de notícias UOL News4.

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Ambiente on line que veicula o mais conhecido acervo audiovisual da internet, comprado pelo Google Inc. em
novembro de 2006.
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O YouTube, de acordo com as pesquisas feitas por Jean Borges e Joshua Green (2009) foi
criado em junho de 2005 por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, e vendido para a
empresa Google, em outubro de 2006, por US$1,65 bilhões. Inicialmente tratava-se de uma
dentre várias tentativas em se criar condições tecnológicas de compartilhamento de vídeos
pela internet.
O objetivo do site era possibilitar a publicação e a visualização de vídeos digitais sem a
necessidade de altos conhecimentos tecnológicos, diante das modestas restrições de acesso
dos programas de navegação e das possibilidades de transmissão de dados por meio de
tráfegos limitados. Em abril de 2008 o site contava com mais de 85 milhões de vídeos em sua
plataforma e estava entre os dez mais visitados do mundo (BORGES; GREEN, 2009).
Em dezembro de 2005 um vídeo intitulado Lazy Sunday (Domingo da Preguiça) atingiu
índices recordes de audiência, tornando-se o primeiro hit do YouTube. Continha um trecho do
quadro cômico Saturday Night Live, da NBC Universal, que mostrava dois nerds nova-
iorquinos cantando hap. Em fevereiro do ano seguinte o clip registrava mais de cinco milhões
de acesso, até que a NBC exigiu sua retirada do site, alegando violação dos direitos autorais.
Esse fato, além de ter contribuído significativamente para a popularização do YouTube,
colocou o site na mídia tradicional e lançou ao público questionamentos que acompanham a
trajetória dessa rede social ainda hoje. Seria o YouTube uma nova plataforma de distribuição
de mídia? Seria mais uma novidade tecnológica instrumental passageira? Que tipo de negócio
irá fomentar? E quais implicações trarão para as políticas de direitos autorais? Que tipo de
cultura promoverá?
Surge com a proposta de ser um repositório de vídeos digitais, um recurso de armazenamento
pessoal de conteúdos de vídeos, mas termina por se tornar uma plataforma Broadcast Yourself
(Transmita-se) de expressão pessoal, um provedor de distribuição de conteúdos das grandes
empresas e ao mesmo tempo uma rede social on line. Paira em torno do YouTube grandes
incertezas, segundo Borges e Green (2009) por conta das múltiplas funções que exerce
enquanto “site de grande tráfego, plataforma de veiculação, arquivo de mídia e rede social”
(p27).
Esse ambiente é formado e tencionado por dois tipos de atores, de modo geral. Um que
representa os velhos meios de comunicação, os conglomerados midiáticos, que vislumbraram

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Disponível em:< http://wnews.uol.com.br/site/noticias/materia.php?id_secao=4&id_conteudo=13726>. Acesso
em 26 de junho de 2009.

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no site uma oportunidade de atingir o público jovem por meio de marketing viral, e outro
representado pelos youtubers, usuários-criadores mais ativos, ou líderes da parte comunitária
da rede, ou ainda astros do YouTube, participantes que buscam o sítio enquanto lócus de
expressão e criação, individual e coletiva, independente.
Entre ambos está a empresa YouTube Inc. que se encontra numa verdadeira encruzilhada. De
um lado os conglomerados desconfortáveis diante da impossibilidade de controlar a
distribuição e a circulação dos seus conteúdos em uma dinâmica pouco hierarquizada, de
outro, os integrantes dessa rede social alternativa que temem ver um espaço ainda não
amordaçado pelo mercado ser absorvido pelas grandes empresas de comunicação.
Velhas e novas formas de lidar com conteúdo midiático tencionam, influenciam e criam a
dinâmica dessa rede social do ciberespaço (BORGES; GREEN, 2009). Pela primeira vez na
história da humanidade as pessoas estão podendo, com maior autonomia, criar seus conteúdos
audiovisuais digitalizados e socializá-los nessas ciber redes mundiais (SANTAELLA, 2003).
Borges e Green (2009) afirmam que o design e a arquitetura do YouTube inicialmente não
privilegiaram a comunicação e a criação coletiva a exemplo de outros sites da internet, mas
que os sujeitos mais ativos buscaram formas de subverter as limitações comunicacionais do
sistema, extrapolando a rede para outros sítios que possibilitassem uma maior comunicação.
Esse desejo de se comunicar, e não apenas se ‘exibir’, ‘mostrar-se’, fica evidente por meio da
utilização de códigos que permitem a incorporação, em outros sites, dos vídeos publicados no
YouTube, além da utilização de vídeo blogs (Vlogging) enquanto possibilidades de
comunicação entre os participantes dentro do próprio YouTube.
Ainda que os mesmos autores reconheçam que a maioria das pessoas que utiliza essa rede
social não assume um papel ativo, na maior parte das vezes contentando-se em assistir aos
vídeos e não necessariamente criando, socializando esses conteúdos, eles também evidenciam
o papel dos youtubers mais ativos e engajados que imprimem a dinâmica de rede social ao
ambiente. Evidenciam que a pesar dos conglomerados operarem com sua lógica comercial nas
tecnologias digitais, a maleabilidade intrínseca a elas abre brechas de subversão antes não
acessíveis para os sujeitos que não possuíam grandes recursos de criação e difusão de
conteúdos audiovisuais (SANTAELLA, 2003; HETKOWSKI; NASCIMENTO, 2009;).
O que de fato caracteriza o YouTube enquanto rede social audiovisual é a articulação entre a
maior capacidade que as pessoas têm atualmente de produzir seus conteúdos digitais, a
possibilidade de distribuir e disseminar esses conteúdos em rede, com ampla possibilidade de

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audiência, e o sentido social que pode ser construído, em torno desses conteúdos
compartilhados, por meio da interação entre esses sujeitos-criadores que compõem a rede.
As pessoas tendo acesso a essa base instrumental digital em rede poderão ampliar suas
possibilidades de autoria, compartilhamento e interatividade coletiva, caso possuam esse traço
tecnológico em seu modo de ser e funcionar (LIMA JR, 2005) ou se apropriem desse modus
operandi por meio de processos formativos diferenciados.

O YouTube enquanto potente lócus formativo contemporâneo

Se as TIC mudam o homem, mudam sua forma de ser e pensar, mudam, portanto, sua forma
de conhecer e produzir conhecimento. Alguns especialistas em educação defendem a
utilização das TIC enquanto elemento significativo para os processos de formação
contemporânea, dentro de uma perspectiva pedagógica que privilegie a autoria, o
compartilhamento de conteúdos e a interatividades entre os sujeitos. Uma visão além da
instrumentalização para uma formação atual e significativa, que pode ser mais criativa,
melhor apropriada e mais crítica (ALVES, 2009; HETKOWSKI; NASCIMENTO, 2009;
LÉVY, 1993; LIMA JR, 2006; LIMA JR, 2007; SANTAELLA, 2003).
Mattar (2009) em recente artigo traz uma série de experiências formativas vivenciadas no
YouTube, na tentativa de integrar as potencialidades da rede na educação, compartilhando as
percepções e impressões de diversos autores, analisando algumas ferramentas numa
perspectiva educacional e confrontando potencialidades e barreiras. Aponta a possibilidade de
registrar aulas, palestras e debates, de criar blogs com vídeos sobre educação para se
comunicar com os alunos, bem como aborda e discutes os limites pedagógicos, técnicos e
legais dessa rede.
No YouTube, de maneira similar (Becker,1982) os valores estéticos, formas culturais, e
técnicas criativas são normatizadas por meio de atividades coletivas e julgamentos da rede
social – formando um “mundo artístico” informal e emergente específico ao YouTube.
(BORGES, GREEN; 2009, p.88).

Essa crescente audiência em torno do YouTube, sobretudo nas populações mais jovens, e a
forma como seu conteúdo polêmico e controverso tem se espraiado para a vida cotidiana,
promovendo nova forma de entretenimento, de construção de autoria, de fazer negócios e

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promover produtos, de distribuir conteúdos audiovisuais, de construção de valores, de
ativismos político-ideológico, de discutir direitos autorais, todas essas perspectivas apontam
como essas redes paulatinamente vêm interferindo na vida contemporânea e evidenciam a
relevância de pesquisas em torno delas.
Entendendo que esses novos agenciamentos podem provocar uma mudança qualitativa na
dinâmica social, podendo gerar microrupturas e subversões na sociedade capitalista,
instaurando um novo modus operandi paralelo, com maior potencial solidário, colaborativo,
crítico, criativo e transformativo (ALVES, 2005; HETKOWSKI; LÉVY, 1993; LIMA JR,
2006; LIMA JR, 2007; SANTAELLA, 2003).
É importante salientar que a temática está longe de ser esgotada, e que, ao contrário, o que se
espera com essa discussão teórica é abrir portas para que surjam novas investigações em torno
do objeto. Há ainda um vasto caminho a percorrer quando se trata de discutir e pesquisar
fenômenos trazidos por essa nova onda.
Qual o papel das oligarquias nessa nova dinâmica? E os indivíduos, como estão utilizando
esse maior potencial de autoria para se auto-representarem? Quais os desejos, valores,
ideologias, idéias, sentimentos, produtos estão sendo divulgados no ciberespaço por meio do
recurso audiovisual digital e dos ambientes que armazenam e socializam esses conteúdos em
rede mundial? Quais as influências estéticas que subjazem essas produções, e suas narrativas?
Quais os recursos de produção utilizados? O que muda no direito autoral e como esse fato
interfere nas futuras estratégias de marketing da indústria da informação, comunicação e
entretenimento?
Todas as indagações nos convidam a tentar entender melhor essa dinâmica para melhor
compreender o nosso tempo e o homem que está sendo formado e que está formando essa
nova dinâmica social, com regras próprias, com possibilidades específicas, numa forma
diferenciada de se organizar, de se expressar e existir, promovendo nova forma de se
relacionar consigo, com o outro e com o mundo (ALVES, 2009; LÉVY, 1993; LIMA JR;
HETKOWSKI, 2006; LIMA JR, 2006; SANTAELLA, 2003).
As TIC não mudam apenas a forma como nos comunicamos, ou armazenamos dados, ou
fazemos compras e nos relacionamos, elas alteram a forma de ser e pensar, e
consequentemente, a forma de aprender, de representar o pensamento humano e de construir
nossa forma de existir (ALVES, 2002; 2009; LÉVY, 1993; LIMA JR; HETKOWSKI, 2006;
LIMA JR, 2006; 2005; SANTAELLA, 2003). Em suma, mudam o processo de formação do
homem do século XXI e, por consequência, mudam a forma como construímos nossa
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realidade social coletiva e íntima, elaborando novas formas de pensar e conviver. Isso ocorre
porque as conexões artificiais desses dispositivos materiais se assemelham, em sua estrutura,
ao “processo reticular da inteligência humana”, desencadeando uma “nova economia
cognitiva”, “rede neural conexiva” (LIMA JR, 2007, p. 34).
Surge assim, a necessidade da busca por uma apropriação desse fenômeno tecnosocial,
compreendendo a forma como os grupos e os sujeitos sociais operam essas novas estruturas
materiais e o impacto que esses novos agenciamentos causam, na formação das próximas
gerações (LIMA JR, 2007). A expressiva produção audiovisual digital com seu maior
potencial de autoria, autonomia, sociabilidade e disseminação, nos instiga a abrir novos canais
de investigação, com densidades interpretativas que surjam dos campos temáticos propostos
por essa pesquisa e transbordem em análises histórico-críticas atualizadas (LIMA JR, 2007).

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