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1NDIÇÍE

LIVRO I

REVOLUÇÃO E CONTRA-REVOLUÇÃO
I _ o SURTO DO PODER SOVIÉTICO 9
1. Missão em Petrogrado — 2. Contra-Revolução —
3. Revolução —• 4. Não-reconhecimento — 5. Diplomacia
secreta.
II — TACO A TACO 29
1. Agente britânico — 2. Hora Zero — 3. Fim da missão
III — ESPIÃO MESTRE 41
1. Entra M. Massino — 2. Sidney Reilly — 3. Dinheiro
e crime — 4. A conspiração letônica — 5. Sai Sidney
Reilly.
IV — AVENTURA SIRERIANA 59
1. Aide Mémoire — 2. Intriga em Vladivostoque — 3.
Terror a leste.
V — PAZ E GUERRA 71
1. Paz no Ocidente —• 2. Na Conferência de Paz — 3.
Missão de Golovin.
VI — A GUERRA DE INTERVENÇÃO 87
1. Prelúdio — 2. A campanha do norte — 3. A campanha
do noroeste — 4. A campanha do sul — 5, A campanha
de oeste — 6. Os poloneses e Wrangel — 7. O último
sobrevivente

VII — UM BALANÇO 109


LIVRO I

REVOLUÇÃO
E
CONTRA-REVOLUÇÃO
CAPITULO I

O SURTO DO PODER SOVIÉTICO

1. Missão em Petrogrado
Pelo meado do verão do ano fatídico de 1917, quando
ardia o troava o vulcão da revolução russa, um major ame-
ricano chamado Ravmond Robins chegava a Petrogrado (1)
em missão secreta ae extrema importância. Oficialmente êle
viajava como assistente da divisão americana da Cruz Ver-
melha. Na realidade estava a serviço do Departamento de
Informações do Exército dos Estados Unidos, Sua missão
secreta era a de ajudar a Rússia a manter-se na guerra
contra a Alemanha.
A situação na frente oriental era desesperada. O exér-
cito russo sem comando, miseràvelmonte equipado, fôra des-
troçado pelos alemães. Abalado pelo impacto da guerra e
apodrecido interiormente, o regime feudal czarista vacilara
e ruíra. Em março, o Czar Nicolau II fôra forçado a abdi-
car e estabeleceu-se um govêrno provisório. O grito de "Paz,
Terra e Pão!" atravessou o país, resumindo tôdas as reivin-
dicações mais imediatas e as aspirações mais antigas de mi-
lhões de russos cansados de guerra, famintos e espoliados.
Os aliados da Rússia — Grã-Bretanha, França e Esta-
dos Unidos — temiam que o colapso do exército russo esti-

(1) Petrogrado era a capital da Rússia czarista. A cidade, assim


chamada em homenagem a Pedro, o Grande, era originàriamente deno-
minada S. Petersburgo. Esta denominação foi vertida par» a" forma
russa mais vernácula de Petrogrado, por ocasião da l . a Guerra Mun-
dial. Depois da Revolução Bolchevique, Moscou tornou-se â nova ca-
pital e, em 1924, depois da morte de Lénin, a antiga capital passou a
denominar-se Leningrado.
10 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

vesse iminente. A qualquer momento um milhão de sol-


dados alemães poderia desembaraçar-se subitamente da frente
Oriental, arremessando-se contra as forças aliadas já exaustas
no ocidente. Igualmente alarmante era a perspectiva do trigo
da Ucrânia, do carvão do Donetz, do petróleo do Cáucaso
e de outros ilimitados recursos do solo russo caírem nas fau-
ces vorazes da Alemanha imperial.
Os aliados estavam desesperadamente empenhados em
conservar a Rússia na guerra — pelo menos até os reforços
americanos atingirem a frente ocidental. O Major Robins
era um dos numerosos diplomatas, militares e oficiais espe-
ciais do Serviço de Informações despachados precipitada-
mente a Petrogrado para fazerem tudo quanto possível a
fim de manter a Rússia lutando...
Com 43 anos de idade, homem de ilimitada energia,
extraordinária eloqüência e grande magnetismo pessoal, ca-
belos pretos como azeviche e impressionante feição aquilina,
Raymond Robins era notável figura .política nos Estados Uni-
dos. Renunciara a uma vantajosa carreira de negócios em
Chicago para dedicar-se à filantropia e ao trabalho social.
Em política, era um "homem de Roosevelt." Desempenhara
papel preponderante na famosa campanha "Buli Moose", de
1912, quando o seu herói, Theodore Roosevelt, empreen-
dera ir à Casa Branca sem o auxílio dos capitalistas ou da
maquinaria política. Robins era um liberal militante, um
incansável e destemido cruzado de tôda causa que desafiasse
a reação.
"O quê? Raymond Robins? Êsse arrivista? Êsse capanga
de Roosevelt? O que faz êle nesta missão?" — exclamou
o Coronel William Boyce Thompson, chefe da Cruz Ver-
melha Americana na Rússia, ao ouvir que Robins fôra indi-
cado como seu primeiro assistente. O Coronel Thompson
era republicano e conservador. Tinha considerável interesse
pessoal nos negócios russos — no manganês e nas minas
de cobre. Mas era também realista e observador clarividente
dos fatos. Já reconhecera intimamente que nada se poderia
concluir através do ponto de vista conservador em que os
funcionários do Departamento de Estado norte-americano se vi-
nham colocando oom relação ao turbulento cenário russo.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 11

David Francis, embaixador americano na Rússia naquele


í '1 ' eiró de S. Luís, jogador
Missouri. Na atmosfera
i a . atormentada pela guerra,
êle constituía uma figura'excêntrica com o seu cabelo pra-
teado, colarinho alto e engomado de velho estilo e sobreca-
saca preta.
' O velho Francis", observava um diplomata britânico,
"não sabe distinguir um social-revolucionário de uma batatal"
Mas o conhecimento da política russa que faltava ao
embaixador, êle o supria pela firmeza de suas convicções.
Estas êle as hauria quase sempre dos generais czaristas e dos
milionários que formigavam na embaixada americana em Pe-
trogrado. Francis estava totalmente convencido de que a
rebelião russa não era mais que o resultado de uma cons-
piração germânica e de que todos os revolucionários russos
eram agentes estrangeiros. De qualquer forma, julgava que
tudo terminaria dentro em breve.
Aos 21 de abril de 1917, o Embaixador Francis tele-
grafoú confidencialmente ao Secretário de Estado dos E.U.A.
Robert Lansing:
"SOCIALISTA EXTREMADO OU ANARQUISTA CHAMA-
DO LÈNIN PROFERE DISCURSOS VIOLENTOS E COM
ISSO FORTALECE O GOVÊRNO. PROPOSITADAMEN-
TE SE LHE CONCEDE LIBERDADE E OPORTUNA-
MENTE SERA DEPORTADO."

Mas a revolução russa, longe de abater-se com a queda


do czar, estava apenas começando. O exército russo se des-
conjuntava e ninguém na Rússia parecia capaz de o deter.
Alexandre Kerensky, o ambicioso primeiro-ministro do go-
vêrno provisório, percorria a frente oriental, falava eloqüen-
temente às tropas, assegurando-lhes que "a vitória, a demo-
cracia e a paz" já se aproximavam, Sem se impressiona-
rem, os soldados russos, famintos e rebeldes continuavam a
desertar às dezenas de milhares. Em uniformes esfarrapados
e sujos, os desertores inundavam o país inteiro, através dos
campos encharcados e ao longo das estradas esburacadas, em
direção às pequenas e grandes cidades (2,)
(2) Durante 3 anos os soldados russos tinham lutado com gran-
de bravura e destreza contra a superioridade esmagadora do inimigo.
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Na retaguarda os soldados russos que regressavam da


frente encontravam os operários e os camponeses revolucio-
nários. Por tôda parte soldados, operários e camponeses for-
mavam espontâneamente os seus próprios comitês revolucio-
nários ou "Sovietes", como eram chamados, e elegiam depu-
tados para levarem a sua reivindicação de "Paz, Terra e
Pão" aos quartéis-generais do govôrno de Petrogrado.
Quando o Major Raymond Robins chegou a Petrogrado,
massas famintas e desesperadas do povo tinham-se espraiado
como uma grande maré sombria sôbro o país. A capital
regurgitava do delegações do soldados, vindas diretamente das
trincheiras lodosas da íronto para podirom o têrmo da guerra.
Os tumultos por causa do píío ocorriam quase todos os dias.
O Partido Bolchevique do Lónin — a organização dos comu-
nistas russos que fóru declarada ilegal o impelida à ação subter-
rânea por Kerensky — crescia ràpiaamonto cm fôrça o prestígio.
Raymond Robins recusou-se a aceitar as opiniões do Em-
baixador Francis e seus amigos czaristas como a vordado
acôrca do que so passava na Rússia. Em voz de perder
tempo nos salões de Petrogrado, meteu-se polo interior, como
dizia, para apreciar o drama russo com os seus próprios
olhos. Robins cria apaixonadamente no quo ôle chamava "a
mentalidade do ar livre — ossa coisa quo ó comum na
América entre os prósperos homens de negócio: mentalidade
que não se acomoda com a tagarelice; que vai sempre em
busca de fatos." Êlc viajou pelo país inspecionando fábri-
cas, sedes sinclicais, quartéis do exército c até mesmo as
trincheiras infectadas do piolhos da frente oriental. A fim

Nos primeiros meses da guerra, no auge da agressão germânica, os


russos invadiram a Prússia Oriental, obrigando os alemães a retirar da
França dois corpos de exército e tuna divisão de cavalaria, e dando
a Joffre o ensejo de fechar a brecha do Mame e salvar Paris. Na
sua retaguarda, o exército russo tinha de lutar contra a traição e a
inépcia. O ministro da Guerra, Sukhoumlinov, era um traidor a soldo da
Alemanha. A côrte do czar enxameava de agentes alemães e de germa-
nófilos notórios encabeçados pela czarina e seu conselheiro, o sinistro
Padre Rasputin. As tropas russas estavam pèssimamente equipadas. Em
1917, o exército russo sofrera mais baixas por morte do que a Grã-Bre-
tanha, França e Itália em conjunto. As perdas totalizavam 2.702.064
mortos, 4.950.000 feridos e 2.500.000 desaparecidos.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 13

de descobrir o que se passava na Rússia, Robins meteu-se


no meio do povo.
A Rússia toda eia nesse ano tuna vasta sociedade em
turbulento debate. Após séculos de silêncio forçado, o povo
recobrara a voz. Realizavam-se comícios por toda parte.
Todo mundo tinha o que dizer". Oficiais do governo, pro-
pagandistas pró-aliados, bolcheviques, anarquistas, social-revo-
lucionários, mencheviques — todos falavam ao mesmo tempo.
Os bolcheviques eram os oradores mais populares. Soldados,
operários e camponeses repetiam constantemente o que êles
rtfziam-
"Digam-me por que é que eu estou lutando?" pergun-
tava um soldado russo em um desses comícios de massas.
Por Constantinopla ou pela Rússia livre? Pela democracia ou
pelos salteadores capitalistas? Se me podem provar que eu
estou defendendo a Revolução, então eu volto para a luta sem
necessidade de pena capitel para me constranger. Quando
a terra pertencer aos camponeses, as fábricas aos operários e
o poder aos sovietes, então reconheceremos que temos algo
por que lutar e lutaremos por isso!"
Robins estava no seu elemento no meio dessa atmos-
fera de debates. Em sua-pátria, nos E.U.A., como tribuno
popular, debatera freqüentemente com marxistas americanos.
Por que não debateria com os bolcheviques russos? Freqüen-
temente Robins pedaa permissão para replicar a algum dos
oradores bolcheviques. No burburinho das fábricas e trinchei-
ras o americano de ombros largos e olhos negros levantava-se
e falava. Por intermédio do intérprete que o acompanhava,
Robins informava as assembléias russas acerca da democracia
americana e da ameaça do militarismo prussiano. Invariàvel-
mente, aplausos tumultuosos saudavam as suas palavras.
Ao mesmo tempo, Robins não se descurava de seus afa-
zeres na Cruz Vermelha. Sua tarefa era de obter alimentos
para as cidades ameaçadas pela fome. Descendo o Yolga,
achou imensos estoques de trigo apodrecendo nos armazéns.
O trigo não podia ser removido por falta de transporte.
Sob o regime desesperadoramente inepto do czar, todo trans-
porte se desorganizara e Kerensky não fizera coisa alguma
para remediar a situação. Robins propôs a organização de
uma frota de barcaças que descesse o Volga para carregar
o trigo. Os funcionários de Kerensky informaram-no de que
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isso não seria possível. Um camponês se apresentou. Era


o presidente do soviete local dos camponeses. Comunicou
que as barcaças poderiam ser conseguidas. Na manhã se-
guinte o trigo começou a ser transportado rio acima para
Moscou e Petrogrado.
Por tôda parte Robins observava a mesma evidência de
confusão e inépcia do govêrno de Kerensky; contrastando com
a organização e determinação dos sovietos revolucionários.
Quando um presidente de soviete dizia que algo devia ser
feito, fazia-se . . .
Na primeira vez que Robins foi a uma aldeia russa e
pediu para ver o funcionário responsável pela administração
da localidade, os camponeses riram, — Ê melhor que veja o
presidente do soviete — disseram-lhe.
— O que ó ôsso soviete? — perguntou Robins.
— São os deputados dos operários, soldados o camponeses.
— Mas isso ó uma organização revolucionária - » protestou
êle. Eu desejo é ver a organização civil, o poder regular.
Os camponeses riram. — Ahl Isso não valo nada. O senhor
deve é ver o presidente do soviete.
De volta a Petrogrado, após sua viagem de inspeção,
Robins fêz o seu informo preliminar ao Coronel Thompson:
"O govêrno provisório do Kerensky, disse Robins, era uma
organização burocrática, imposta do cima para baixo ,e sus-
tentada por baionetas em Petrogrado, Moscou o alguns lu-
gares mais." O govêrno real do país vinha sondo exercido
pelos sovietes. Mas Kerensky era pelo prosseguimento da
guerra contra a Alemanha, e por essa im&o Robins acredi-
tava que devia ser mantido no poder. Se os aliados esta-
vam interessados em impodir que a Rússia caísse cm com-
pleto caos e sob a dominação germânica, teriam de se utili-
zar de tôda a sua influência para fazer Kerensky reconhecer
os sovietes e chegar a um acôrdo com êles. O govêrno
dos E.U.A. devia ser inteiramente informado dos fatos antes
de ser demasiado tarde.
Robins propunha uma façanha arrojada: o lançamento
imediato de uma gigantesca e impressionante campanha de
propaganda para convencer o povo russo de que a Alemanha
constituía ameaça real para a sua Revolução. Para surprêsa
sua, o Coronel Thompson exprimiu completo acôrdo tanto com
o informe como com a proposta de seu assistente. Disse
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 15

que telegrafaria a Washington traçando o plano da propaganda


e pedindo autorização e fundos para lançá-la. Nesse ínte-
rim, já que o tempo era precioso, Bobins devia iniciar o
trabalho.
— Mas de onde virá o dinheiro? perguntou Robins.
— Eu arrisco um milhão de meu dinheiro — disse o Co-
ronel Thompson.
Robins foi autorizado a sacar essa importância da conta
de banco do coronel em Petrogrado...
A coisa mais importante, dizia o coronel, era manter
o exército russo na frente oriental e a Alemanha fora da Rússia.
Ao mesmo tempo estava bem informado dos riscos em que
se poderia envolver, intervindo tão ativamente e de modo
tão pessoal nos negócios da Rússia.
— Sabe o que, isso significa, Robins? — perguntou êle.
— Eu penso que se trata do único recurso para salvar
a situação, coronel — replicou Robins.
— Não. Pergunto se sabe o que isso significa para você?
— O que significa?
— Significa que, se falharmos, você será fuzilado.
Robins encolheu os .ombros. — Homens melhores e mas
jovens estão sendo fuzilados diariamente na frente oriental.
E acrescentou após uma pausa: .
— Coronel, se eu fôr fuzilado o senhor será enforcado.
— Não será surpresa para T T I T T O se acabar acontecendo isso
que você diz — respondeu o Coronel Thompson (3.)

2. Contra-Revolução

Enquanto os ventos frios e úmidos de outono sopravam


do Mar Báltico e nuvens baixas e entumecidas pairavam
agoureiras sobre a cidade, os acontecimentos em Petrogrado
precipitavam-se para o seu clímax histórico.
Pálido e nervoso, vestindo, como de costume, o seu sin-
gelo uniforme pardo rigorosamente abotoado, com os olhos

(3) Esse diálogo entre o Major Robins e o Coronel Thompson


como outro diálogo qualquer citado neste livro, é tirado diretamente
das fontes documentárias mencionadas nas Notas Bibliográficas.
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querendo saltar-lhe das órbitas e o braço direito em ângulo


conforme o estilo napoleónico, Alexandre Kerensky, primeiro-
-ministro do govêrno provisório, passeava de um para outro
lado no seu quarto do Palácio de Inverno.
"O que esperam êles de mim?" gritou a Raymond Robins.
"Metade do meu tempo sou forçado a falar na linguagem do
liberalismo europeu ocidental para satisfazer aos aliados, e
•na outra metade eu tenho de falar na linguagem do socia-
lismo eslavo-russo para salvar a minha pele!
Kerensky tinha razão para estar perturbado. Pelas cos-
tas, os seus mantenedores, os milionários russos e os seus
aliados anglo-franceses, já estavam conspirando para derru-
bá-lo do poder.
Os milionários russos já declaravam abertamente que se
a Grã-Bretanha e a Fiança se recusassem a agir para deter a
revolução, êles apelariam para os alemães.
"A revolução é uma doença"* relatava Stepan George-
vitch Lãanozov, o "Rockefejler russo", ao correspondente ame-
ricano John Reed. "Mais cedo ou mais tarde as potências
estrangeiras terão de intervir aqui — como alguém que in-
tervém para curar uma criança doente e ensina-la a andar."
Outro milionário russo, Ríabuchinsky, declarava que a
única solução "para a mão descarnada da fome e para a
miséria do povo seria a de agarrar pelo pescoço os falsos
amigos do povo — os sovietes e comitês democráticos!"
Samuel Hoare, o chefe do Serviço Diplomático de In-
formações na Rússia, falara com êsses milionários e voltara
a Londres para relatar que a ditadura militar seria a melhor
solução para os problemas russos. Segundo Hoare, os candi-
datos mais indicados para o pôsto de ditador na Rússia eram
o Almirante Koltchak que, dizia Hoare, era a coisa mais pró-
xima de um gentleman inglês que pudera achar na Rússia;
e ainda o General Lavr Komilov, vigoroso cossaco de bar-
bicha preta e comandante-chefe do exercito russo.
Os governos inglês e francês decidiram apoiar o General
Komilov. Êle seria o homem forte com a incumbência de
manter a Rússia na guerra, suprimir a revolução e proteger
os interêsses financeiros anglo-franrceses.
Quando Raymond Robins soube dessa decisão, percebeu
que os aliados tinham cometido grave êrro. Êles não co-
nheciam a têmpera do povo russo. Estavam simplesmente
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 17

dando razão aos bolcheviques que profetizaram desde o co-


meço que o regime de Kerensky acabaria sendo apenas uma
máscara sob a qual se estaria preparando secretamente a con-
tra-revolução. O Major-general Alfredo Enos, adido militar e
chefe da Missão Militar britânica em Petrogrado, secamente
ordenou a Robins que se calasse.
O Putsch intentado realizou-se na manhã do dia 8 de
setembro de 1917. Começou com uma proclamação expedida
por Kornilov como comandante-chefe do exército, que ape-
lava para a queda do governo provisório e estabelecimento
da "disciplina e da ordem." Milhares de panfletos, intitulados
Kornilov, o Herói Russo, subitamente apareceram nas ruas
de Moscou e Petrogrado. Anos depois Kerensky, no seu livro
A Catástrofe, revelou que "esses panfletos tinham sido im-
pressos a expensas da Missão Militar britânica e trazidos a
Moscou da embaixada britânica em Petrogrado no carro da
composição do General Kaox adido militar.'"' Kornilov deu or-
dem a vinte mil soldados para marcharem sobre Petrogrado.
Oficiais franceses e ingleses em uniformes russos marcharam
com as tropas de Kornilov.
Kerensky ficou horrorizado com a traição. Êle ainda
estava sendo aclamado em Londres e Paris como um "grande
democrata" e "o herói das massas russas." E enquanto isso, na
Rússia, os representantes aliados estavam tramando a sua der-
rubada; Kerensky procurou saber o que lhe restava fazer so-
zinho e não fèz nada.
O soviete de Petrogrado controlado pelos bolcheviques,
por sua própria iniciativa, ordenou mobilização imediata. Ope-
rários armados uniram-se aos marinheiros revolucionários da
esquadra do Báltico e aos soldados da frente. Barricadas e
cêrcas de arame farpado se estenderam pelas ruas da cidade.
Montaram peças de artilharia e metralhadoras. Guardas ver-
melhos — operários de gorros e jaquetas de couro, armados
de fuzis e granadas de mão — patrulhavam os becos lama-
centos e esburacados.
Dentro de quatro dias o exército de Kornilov se de-
compunha. O próprio general foi detido pelo Comitê de
soldados que se organizara secretamente dentro do seu pró-
prio exército. Uns quarenta generais do velho regime, envol-
vidos na conspiração de Kornilov, foram sitiados na primeira
tarde no Hotel Astória em Petrogrado, onde estavam espe-
18 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

rando pelas notícias do êxito de Kornilov. O vice-ministro da


Guerra de Kerensky, Bóris Savinkov, foi deposto do cargo
pelo clamor popular por ter participado da conspiração. Ruía
o governo provisório.
O Putsch resultara na única coisa que se poderia prever:
um triunfo para os bolcheviques e uma demonstração da
fôrça soviética.
Eram os sovietes, o não Kerensky, que detinham o poder
real em Petrogrado.
"O surto dos sovietes", dizia llobins, "operou-se sem fôr-
ç a . . . Foi ôsso poder que derrotou Kornilov/'
O Embaixador Francis, por sua vez, telegrafou ao De-
partamento do Estado dos K.U.A.:
" O FRACASSO DE KORNILOV DEVE-SE ATRIBUIR
A MAUS CONSELHOS, FALSAS INFORMAÇÕES, MÉTO-
DOS IMPRÓPRIOS IS INOPORTUNIDADE. KORNILOV,
BOM SOLDADO, PATRIOTA, MAS INEXPERIENTE. O
GOVERNO APAVOAOU-SK E PODE APROVEITAR-SE DA
EXPERIÊNCIA."

3. Revolução
Os acontecimentos agora se precipitavam como raios.
Até agora subterrânea, Lenia dera uma nova palavra de or-
dem à Revolução: Todo poder aos sovietes] Abaixo o go-
vêrno provisório!
Aos 7 dc ovitubro, o Coronel Thompson telegrafava an-
siosamente para Washington:
"MAXIMALISTAS (BOLCHEVIQUES) PROCURAM AGORA
ATIVAMENTE CONTROLAR TODO O CONGRESSO DE
DEPUTADOS DOS OPERÁRIOS E SOLDADOS QUE SE
REÚNEM AQUI NESTE MES. SE TIVEREM BOM ÊXITO,
FORMARAO NOVO GOVERNO COM DESASTROSOS RE-
SULTADOS QUE LEVARÃO PROVAVELMENTE A PAZ
EM SEPARADO.

ESTAMOS NOS UTILIZANDO DE TODO RECURSO MAS


Ê PRECISO QUE HAJA APOIO IMEDIATO OU TODOS
OS ESFORÇOS SERÃO DEMASIADO TARDIOS."

No dia 13 de novembro realizou-se no gabinete do Coro-


nel Thompson uma conferência secreta dos líderes militares
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 19

aliados na Rússia. O que se deveria fazer para deter os


bolcheviques? O Coronel XiesseL chefe da Missão Militar fran-
cesa atacou raivosamente o govêmo provisório pela sua ine-
ficiência e chamou os soldados russos de "cães amarelos." A
essa altura um general russo saiu da sala, com o rosto afoguea-
do de cólera.
O General Knox exprobrou os americanos por não terem
apoiado Komilov.
— Não tenho interesse na estabilidade de Kerensky e do
seu governo — gritou Knox a Robins. — É incompetente, ine-
pto, sem valor! Você deveria ter apoiado Komilov!
— Bem, general! — replicou Robins — o senhor ajudou
Komilov.
O general corou. — A única solução para a Rússia é uma
ditadura militar — disse. — Êsse povo precisa sentir o peso
do azorrague!
— General — disse Robins — o senhor poderá vir a ter
uma ditadura de caráter muito diferente.
— Quer você se referir a essa canalha, bolchevique de
Trotsky-Lénin — esses mitingueiros reles?
— Sim, é a isso que me refiro.
— Robins, disse d General Knox — você não é militar, não
entende coisa alguma de assuntos militares. Nós, militares,
sabemos o que é preciso fazer com essa espécie de gente.
Nós os pomos em fila e os fuzilamos.
— Sim, se o senhor os apanhar, o senhor os fuzila — retru-
cou Robins. — Admito, general, que eu não conheça coisa algu-
ma de questões militares, mas conheço algo acerca do povo. Eu
trabalhei com êle toda a minha vida. Penetrei a Rússia e
julgo que o senhor está enfrentando uma insurreição popular.
No dia 17 de novembro de 1917, quatro dias depois
dessa conferência no gabinete do Coronel Thompson, os bol-
cheviques tomaram o poder na Rússia.
A abaladora revolução bolchevista chegou estranhamente,
quase imperceptível a princípio. Foi a mais pacífica revo-
lução da história. Pequenos bandos de soldados e marinheiros
marchavam tranqüilamente pela capital Poucos tiros, espo-
rádicos, esparsos. Homens e mulheres aglomeravam-se nas frias
ruas argumentando, gesticulando, lendo os últimos apelos e
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proclamações. Os boatos contraditórios de praxe circulavam


pela cidade. Os bondes moviam-se acima e abaixo pelo Nevs-
ky. As donas de casa iam e vinham pelos bazares da ci-
dade. Os jornais conservadores de Petrogrado que circula-
ram nesse dia, como habitualmente, não deram nenhuma no-
tícia segura da revolução que se fizera.
Vencendo insignificante oposição, os bolcheviques ocupa-
ram o Centro Telefônico, a Repartição Telegráfica, o Banco
do Estado e os Ministérios.
O Palácio de Inverno, sede do governo provisório, foi en-
volvido e sitiado. O próprio Kerensky escapou nessa tarde
num carro emprestado pela embaixada americana e sob a
proteção da sua bandeira. Ao partir, êle se dirigiu em co-
rajosas palavras ao Embaixador Francis, dizendo que voltaria
com tropas da fronteira e liqüidaria a situação em cinco dias."
Às 18 horas Francis telegrafava ao.Secretário de Estado
Lansing:
"PARECE QUE OS BOLCHEVIQUES ESTÃO CONTRO-
LANDO TUDO POR AQÜL IMPOSSÍVEL SABER O
PARADEIRO DE QUALQUER DOS MINISTROS..."

Pelo meio dessa noite cruelmente úmida, caminhões se


arrastavam pelas ruas enlameadas, detendo-se junto às fo-
gueiras em que as sentinelas se aqueciam de espaço a espaço
pelas ruas. De dentro dos caminhões arremessavam punhados
de volantes brancos com a seguinte proclamação:
"AOS CIDADÃOS DA RÜSSIA!
O govêmo provisório foi deposto. O poder do Estado
passou para as mãos do órgão dos Deputados dos Traba-
lhadores e Soldados do Soviete de Petrogrado, o Comitê
Militar Revolucionário, que está à testa do proletariado e
da guarnição de Petrogrado. A causa por que o povo lutou
foi a proposta imediata de uma paz democrática, a abolição
dos direitos feudais de propriedade da terra, o controle tra-
balhista da produção, a criação de um govêmo soviético
— essa causa está vitoriosa.

"VIVA A REVOLUÇÃO DOS TRABALHADORES, SOL-


DADOS E CAMPONESES!
O Comitê Revolucionário Militar do Soviete de Deputados
dos Trabalhadores e Soldados de Petrogrado."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 21

Centenas de guardas vermelhos e soldados tinham-se reu-


nido em massa compacta em torno do Palácio de Inverno
brilhantemente iluminado, o ultimo reduto do já inexistente
governo provisório. Subitamente, a massa locomoveu-se, espa-
lhou-se pelo pátio do palácio e arremessou-se sobre as barri-
cadas, em direção ao Palácio de Inverno. Os antigos minis-
tros de Kerensky foram levados à sala grande e cuidadosamente
decorada, onde haviam estado sentados o dia todo em tomo
de uma mesa. Á mesa estava repleta de folhas amarrotadas
de papel, restos das proclamações passadas. Uma delas di-
zia: "O govêrno provisório apela paia todas as classes para
que o apoiem..." .
As 22,45 de 17 de novembro, o Congresso Pleno dos
Deputados dos Sovíetes de Trabalhadores e Soldados realizou
a sua sessão inaugural no salão de danças do Instituto Smol-
ny, que fora antes uma academia elegante para as filhas
da aristocracia czarista. O vasto salão enfumaçado, com suas
colunas de mármore, candelabros brancos e pavimento mar-
chetado, abrigava agora os representantes eleitos dos soldados
e operários, do povo russo. Sujos, barbas por fazer, cansa-
dos, os deputados soviéticos — soldados ainda com barro
das trincheiras nos uniformes, trabalhadores de gorros e rou-
pa escura amarrotada, marinheiros de blusa riscada e peque-
nas boinas redondas — ouviam atentamente os membros do
Comitê Central Executivo que subiam para falar um após ou-
tro na tribuna. O Congresso durou dois dias. Na tarde do
segundo dia houve longa aclamação e vasto tumulto quando um
homenzinho rechonchudo, de traje largo mal ajustado se le-
vantou no estrado, a calva luzindo, com um maço de pa-
péis na m ã o . . .
O tumulto durou alguns minutos. Depois, inclinando-se
negligentemente para a frente, o orador falou: "Agora temos ,
de proceder à construção da ordem socialista!"
O orador era Lénin.
O Congresso passou a constituir o primeiro govêmo so-
viético — o Conselho dos Comissários do Povo, encabeçado
por Vladimir Ilitch Lénin.
22 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

4, Não reconhecimento

Na manhã seguinte à formação do govêrno soviético, o


Embaixador Francis despachou uma nota a seu amigo, Mad-
din Summers, cônsul americano em Moscou.
"Relata-se", escrevia o Embaixador Francis, "que o Con-
selho de Trabalhadores e Soldados de Petrogrado nomeou
um gabinete com Lénin feito primeiro-ministro. Trotsky como
ministro dos Negócios Exteriores o a Senhora ou Senhorita
Kollontai como ministra da Educação. Lamentável! — mas
eu tenho esperança do quo quanto mais se afundarem no
ridículo mais depressa so remediará a situação."
Para Washington o embaixador cabografou a sua opinião
segundo a qual a vida do novo regime soviético seria ques-
tão de dias, Êle urgiu o Departamento de Estado a não re-
conhecer o govêrno russo enquanto os bolcheviques não fôssom
derrotados o substituídos no poder pelos "patriotas russos..."
Na mosma manhã, Robins entrava no gabinete do Coronel
Thompson no quartel-general da Cruz Vermelha Americana
em Petrogrado.
"Chefe", disse Robins, "precisamos agir depressa! Essa
idéia do quo Keronsky foi reconstituir um exército algures,
de que os cossacos estão vindo do Don e os Guardas Brancos
descem da Finlândia, tudo isso é embuste! Êles nunca che-
garão aqui. Há muitos camponeses armados no caminho!
Não, ôsse grupo está dirigindo a dança do Smolny e dirigirá
por muito tempo ainda!"
Robins pediu permissão ao seu chefe para ir ao Smolny
diretamente e obter uma entrevista com Lénin. "Essa gente
é na maior parte bondosa e respeitável", disse Robins refe-
rindo-se aos bolcheviques. "Tá lidamos com políticos ameri-
canos, e se no Smolny há algum indivíduo mais corrompido
e malvado do que alguns de nossos patifes, então são patifes
também, e é tudo!"
Em resposta, o Coronel Thompson mostrou a Robins as
ordens que recebera havia pouco. Êle deveria voltar imedia-
tamente para Washington. Pessoalmente, concordava com Ro-
bins em que os bolcheviques representavam as massas do
povo russo, e de volta à América, faria tudo para convencer
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 23

disso o Departamento de Estado. Enquanto isso Robins, ti-


nha de aTOimir a missão de chefe da Oroz Vermelha Ame-
ricana na Rússia. O Coronel Thompson apertou as mãos de
seu ex-assistente, desejando-Ihe boa sorte
Robins não perdeu tempo. Dirigiu-se ao Smolny e pediu
para ver Lénin.
"Eu era a favor de Kerensky*, disse francamente, "po-
rém reconheço que o governo provisório está definitivamente
morto. Quero saber de que modo a Cruz Vermelha Ameri-
cana pode servir ao povo russo sem prejuízo de nossos inte-
resses nacionais. Sou contra o vosso programa doméstico, mas
não é da minha conta o que se passa na vida íntima da
Rússia. Se Komilov, o czar ou outro qualquer detivesse o
poder, eu estaria falando com ele."
Lénin gostou imediatamente do americano franco e
aberto. Procurou explanar o caráter do novo regime.
"Dizem eles que eu sou um ditador", declarou Lénin.
"Eu o sou no momento. Sou um ditador porque tenho o
apoio das massas dos camponeses e operários. No momento
em que deixasse de representar a sua vontade, êles tomariam
o poder de minhas mãos, e eu seria destituído como foi o
czar."
Quanto aos aspectos econômicos do plano soviético, acres-
centou: "Nós vamos desafiar o mundo com uma república
de produtores. Não estamos colocando quem quer que seja no
Soviete apenas porque seja possuidor de ações ou porque seja
proprietário. Estamos colocando os produtores. A bacia de
carvão do Donetz será representada pelos produtores de car-
vão; as estradas de ferro, pelos produtores de transporte, o
sistema postal, pelos produtores das comunicações e assim por
diante."
Lénin descreveu outra face essencial do programa bolche-
vique: "A solução da "questão nacional", sob o czar, os múl-
tiplos grupos nacionais da Rússia tinham sido desapiedadamen-
te suprimidos e convertidos em povos submissos. Tudo isso
deve mudar, disse. O anti-semitismo e outros preconceitos »
primitivos explorados pelo czarismo para jogar um grupo cod-
tra outro deviam desaparecer. Tôda nacionalidade e minoria
nacional na Rússia deveria ser totalmente emancipada, com
direitos iguais, com sua autonomia regional e cultural. Lénin
comunicou a Robins que o homem que deveria enfrentar êsse
24 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

problema complexo e importantíssimo seria a principal autori-


dade bolchevique na questão nacional, José Stálin (4!)
Robins perguntou quais eram as possibilidades de a Rússia
permanecer na guerra contra a Alemanha. Lénin respondeu
com absoluta candura. A Rússia já estava completamente
fora da guerra. Não poderia opor-se à Alemanha enquanto
não se organizasse o seu novo exército — o Exército Ver-
melho. Tôda a estrutura completamente desarticulada da in-
dústria e dos transportes russos deveria ser reconstituída de
alto a baixo.
O govêrno soviético, continuou dizendo Lénin, desejava
o reconhecimento e a amizade dos E.U.A. Êle era sabedor
do preconceito oficial contra o seu regime. Êle oferecia a
Robins um programa prático mínimo de cooperação. Em troca
do auxílio técnico americano, o governo soviético empreenderia
a evacuação de todos os suprimentos bélicos da fronteira ori-
ental, sendo que de outro modo não seria possível impedir
que êstes caíssem nas mãos dos alemães.
Robins informou o General William Judson, adido mi-
litar americano e chefe da Missão Americana na Rússia, acêrca
da proposta russa; e êste dirigiu-se ao Smolny para ultimar
os pormenores do entendimento. Judson tinha uma exigência
adicional a fazer: as centenas de milhares de prisioneiros
alemães em mãos dos russos não seriam repatriados antes de
acabada a guerra. Lénin consentiu.
O general informou prontamente o Embaixador Francis de
que seria do interêsse dos E.U.A. reconhecer o govêrno so-
viético.

(4) "Meu primeiro conhecimento de Stálin", escreveu Robins aos


autores dêste livro em novembro de 1943, "foi quando Lénin me falou
de seus planos de unia República Soviética Socialista-Federada... Fa-
lou dos planos seus e de Stálin de unir numa cooperação comum
todos os vários grupos da Rússia Soviética e comunicou-me que Stálin
acabava de ser eleito comissário para as Nacionalidades. Talvez a maior
contribuição histórica de Stálin para a unidade e poder do povo sovié-
tico tenha sido a sua obra incomparável como comissário das Naciona-
lidades. Sua politica varreu as animosidades raciais, religiosas, nacio-
nais e de classe, dando aos vários grupos soviéticos a unidade e har-
monia para lutarem e morrerem em defesa de Leningrado, Stalingrado
e do solo russo." Na última sentença é claro que Robins está se
referindo à parte histórica que o povo soviético tomou na luta para
repelir e esmagar os invasores nazistas na II Guerra Mundial.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 25

"O Soviete é o govêrno de falo; devem-se estabelecer


relações com ele", disse o General Judsoii.
Mas o embaixador tinha outras idéias e já as transmitira
para Washington.
Poucos mas depois um telegrama do Secretário de Es-
tado Lansing, advertia o Embaixador Francis de que os re-
presentantes americanos deveriam "recusar toda comunicação
direta com o governo bolchevique.1" O telegrama acrescentava:
"Advirta igualmente a Judson."
Um segundo telegrama, despachado logo após, chamava
Judson para os E.U.A. Robins pensou em resignar em sinal
de protesto contra a política do Departamento de Estado. Para
surpresa sua, o Embaixador Francis pediu-lhe que se mantivesse
em seu posto e permanecesse em contacto com o Smolny.
"Penso eu que não é prudente de sua parte cortar as
suas relações abruptamente — isto é, cessar as suas visitas
lá", comunicou o Embaixador Francis a Robins. "Além do que
eu desejo saber o que eles estão fazendo, e ficarei entre
você e o fogo."
Robins não sabia, mas o embaixador necessitava de todas
as informações possíveis acerta do governo soviético por im-
portantes motivos pessoais.

5. Diplomacia secreta

No dia 2 de dezembro de 1917 o Embaixador Francis en-


viou a Washington o seu primeiro relato confidencial das ati-
vidades do General Alexeí Kaledin, atamã dos cossacos do
Don. Francis descrevia o "general Kaledin, como coman-
dante-chefe de 200.000 cossacos." O General Kaledin orga-
nizara um exército branco contra-revolucionário entre os cos-
sacos no Sul da Rússia, proclamara a "independência do
Don" e estava preparando a TT»arfha sôbre Moscou para es-
magar o governo soviético. Grupos secretos de oficiais cza-
ristas em Petrogrado e Moscou estavam agindo como espiões
anti-soviéticos de Kaledin e mantinham contacto com o Em-
baixador Francis.
A pedido deste, Maddin Summers, cônsul-geral ame-
ricano em Moscou, mandou alguns dias depois uma relação
26 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

mais pormenorizada das forças do General Kaledin ao Depar-


tamento de Estado. Summers, que se casara com a filha
de um rico fidalgo czarista, era ainda mais violentamente
prevenido contra o regime soviético do que o próprio embai-
xador. De acordo com o informe de Summers ao Depar-
tamento de Estado, Kaledin já conseguira a aliança de todos
os elementos "leais" e "honestos" do Sul da Rússia.
O Secretário de Estado Lansing telegrafou à embaixada
americana em Londres recomendando um empréstimo secreto
para financiar a causa de Kaledin. Êsse empréstimo, dizia,
deveria fazer-se através do govêrno britânico ou francês.
"Não é necessário sublinhar", acrescentou o Secretário
Lansing, "a necessidade de agir ràpidamente e de insistir
junto àqueles com quem falais acêrca da importância de
não se dar a conhecer que os Estados Unidos demonstram
simpatia pelo movimento de Kaledin e, muito menos, dar a
entender que lhe estamos prestando assistência financeira."
O Embaixador Francis estava prevenido a fim de usar
de grande discrição em seus entendimentos com os agentes
de Kaledin em Retrogrado, para não despertar as suspeitas
dos bolcheviques.
Apesar das precauções tomadas, a conspiração foi des-
coberta pelo govêrno soviético que estava sutilmente alerta
à possibilidade da intervenção aliada na Rússia. No meado
de dezembro a imprensa soviética acusou o embaixador ame-
ricano de conspirar secretamente com Kaledin. Francis ne-
gou suavemente que conhecesse o chefe cossaco...
"Estou fazendo um relatório para publicar", telegrafou
Francis ao Secretário Lansing, no dia 22 ae dezembro, "o qual
esclarecerá tudo, negando toda ligação com Kaledin ou co-
nhecimento do seu movimento, fixando as vossas instruções
decisivas e enfáticas de não interferir nos negócios internos,
mostrando como eu as tenho escrupulosamente observado."
Isolado pela hostilidade aliada e muito fraco para en-
frentar sòzinho a maciça máquina de guerra alemã, o govêrno
soviético tinha de proteger-se como melhor pudesse. A amea-
ça mais ou menos imediata era a Alemanha.
Para salvar a nova Rússia e ganhar tempo para efetuar
a reorganização essencial e criar o Exército Vermelho, Lénin
propôs-se a assinar uma paz imediata na fronteira oriental.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 27

"Precisamos concluir a paz de qualquer maneira", comu-


nicou Lénin aos companheiros, depois de examinar detida-
mente as espantosas condições do transporte, da indústria e
do exército da Rússia. "Temos de nos fortalecer, e para
isso é necessário tempo... Se os alemães começam a avan-
çar, seremos forçados a assinar qualquer modalidade de paz,
que será então mais dura."
A instâncias de Lénin uma delegação soviética de paz
dirigiu-se apressadamente a Brest-Litovsk, quartel-general do
Exército Alemão Oriental para obter os termos de paz da
Alemanha.
Aos 23 de dezembro de 1917, um dia após a primeira
sessão da conferência preliminar de paz em Brest-Litovsk, re-
presentantes da Grã-Bretanha e França reuniram-se em Paris
e concluíram secretamente um entendimento para desmem-
brar a Rússia Soviética. O entendimento chamou-se "Acordo
Franco-Britànico de 23 de dezembro de 1917, definindo as
zonas de ação francesa e inglesa."
Nos termos dêsse acordo, a Inglaterra devia receber uma
"zona de influência" na Rússia, dando-lhe o óleo do Cáucaso
e o controle das províncias do Báltico, a França teria "a
zona" do ferro e carvão da bacia do Donetz e o controle
da Criméia. Êsse tratado secreto anglo-francês determinava
inevitavelmente a política que essas duas nações prossegui-
riam com respeito à Rússia durante os vários anos seguintes.
CAPITULO n

TACO A TACO

1. Agente britânico

Pelo meio da noite glacial de 18 de janeiro de 1918,


um elegante jovem escocês énrolado de peles seguia às apal-
padelas, à luz de uma lanterna, através de uma ponte par-
cialmente arrebentada entre a Finlândia e a Rússia. A guerra
civil assolava a Finlândia e o tráfego ferroviário sôbre a ponte
fora interrompido. O governo vermelho finlandês tinha for-
necido ao jovem escocês uma escolta para conduzi-lo com
as suas bagagens para o território soviético, onde um trem es-
tava à sua espera para levá-lo a Petrogrado. O viajante era
R. H. Bruce Lockhart, agente especial do Ministério da Guerra
britânico.
Produto do sistema exclusivista da "escola pública" in-
glesa, Bruce Lockhart entrara no serviço diplomático com a
idade de 24 anos. Êle era ao mesmo tempo belo e inte-
ligente, e em curto tempo fizera por si mesmo o seu renome
como um dos mais talentosos e prometedores jovens do Mi-
nistério das Relações Exteriores britânico. Aos 30 anos, era
êle o vice-cônsul britânico em Moscou. Falava russo fluen-
temente e familiarizara-se tanto com a política como com a
intriga russa. Fôra chamado a Londres seis semanas antes da
Revolução Bolchevique.
Agora estava regressando à Rússia por solicitação pes-
soal do primeiro-ministro Llovd George, que se impressionara
profundamente com o que o Coronel Thompson, de volta à
pátria, lhe relatara acêrca da Rússia. O antigo chefe de
Robins censurara violentamente a recusa dos aliados em reco-
nhecer o regime soviético. Em seguida à conversa do Coro-
30 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
«*

nel Thompson com Lloyd George, Lockhart fôra escolhido


para ir à Rússia estabelecer uma espécie de relações práti-
cas — na falta de reconhecimento oficial — do regime so-
viético.
Mas o elegante jovem escocês também era um agente
do "Intelligence Service" diplomático britânico. Sua verda-
deira missão era explorar em benefício dos interêsses britânicos
o movimento de oposição que nascera dentro do próprio go-
vêrno soviético . . ,
A oposição a Lénin era encabeçada pelo ambicioso co-
missário soviético do Exterior, Leon Trotsky, que se consi-
derava a si mesmo o sucessor inevitável de Lénin. Durante
quatorze anos, Trotsky se opusera ferozmente aos bolchevi-
ques. Finalmente, em agôsto de 1917, poucos meses antes da
Revolução Bolchevique, lie tomara o partido de Lénin e assu-
mira o poder com êste. Dentro do Partido Bolchevique, Trots-
ky estava organizando a oposição de esquerda a Lénin.
Quando Lockhart chegou a Petrogrado no comêço de
1918, o comissário do Exterior, Trotsky, estava em Brest-Li-
tovsk, como chefe da Delegação Soviética de Paz.
Trotsky fôra enviado a Brest-Litovsk com instruções cate-
góricas de Lénin para assinar a paz. Em vez de seguir as
instruções de Lénin, Trotsky se pos a divulgar apelos infla-
mados ao proletariado europeu para que se sublevasse e sub-
vertesse os seus governos. O govôrno soviético, declarou êle,
não pode de maneira alguma fazer a paz com regimes capi-
talistas. "Nem paz nem guerral" exclamava Trotsky. Êle co-
municou aos alemães que o exército russo não podia mais
lutar, continuaria se desmobilizando, mas não faria a paz.
Lénin denunciou irritado o procedimento e os propósitos
de Trotsky, em Brest-Litovsk — "interrupção da guerra, re-
cusa de assinar a paz, desmobilização geral do exército" —
como "loucura ou coisa pior."
O Ministério das Relações Exteriores britânico, como
Lockhart revelou mais tarde em suas memórias, Agente Bri-
tânico, estava extremamente interessado nessas "dissensões en-
tre Lénin e Trotsky — dissensões de que muito esperava
o nosso govêrno." (5.)

(5) Em Brest-Litovsk, Trotsky, como "revolucionário mundial", re-


cusou-se a assinar a paz com a Alemanha, admitindo embora que o
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 31

O resultado da atitude de Trotsky foi o fracasso das


negociações de paz em Brest-Litovsk. O alto comando ale-
mão não quisera entendimento com os bolcheviques em pri-
meiro lugar. Trotsky, segundo Lénin, fizera o jogo dos ale-
mães e na verdade ajudara os "imperialistas germânicos."
Em meio de uma das arêngas de Trotsky em Brest-Litovsk,
o general alemão Max Hofnnann pôs a bota sôbre a mesa
da conferência e mandou, que os delegados soviéticos se
retirassem.
Trotsky regressou a Petrogrado e respondeu às recrimi-
nações do Lénin com a exclamação: "Os alemães não se
atreverão a avançar!"
Dez dias depois do fracasso das negociações de paz em
Brcst-Litovsk, o alto comando alemão lançou uma grande
ofensiva ao longo de tôda a fronteira oriental, desde o Bál-
tico ao Mar Negro. No sul, as hordas germânicas enxamea-

oxórcito russo não podia lutar por mais tempo, alegando que essa paz
reprosontava uma traição à revolução internacional. Com esse funda-
mente), Trotsky recusava-se a cumprir as instruções de paz de Lénin.
Mais tardo alegou que assim agira por não ter compreendido bem a
situação.
Na conforôncia do Partido Bolehovique de 3 de outubro de 1918,
depois do terem os alemães atacado a Rússia Soviética e terem quase
atingido Petrogrado, e esmagado o regime soviético, Trotsky declarou:
"Julgo meu dever confessar nesta autorizada assembléia, na hora em
que muitos de nós. inclusive cu, duvidavam se ora admissível para nós
a assinatura da paz om Brcst-Litovsk, ünicamente, o camarada Lénin
sustentou ioimosamonto, com admirável clarividência e contra a nossa
oposição, oue deveríamos assinar a p a z . . . E agora temos de admitir
que não tínhamos razão."
A atitude de Trotsky em Brest-Litovsk não foi um fato isolado.
Enquanto Trotsky agitava em Brest-Litovsk, seu principal lugar-tenente
pessoal cm Moscou, Nicolai Krestinskv, atacava públicamente Lénin e
talava cm iniciar "a guerra revolucionária contra o imperialismo alemão,
a burguesia russa o parte do proletariado liderada pot Lénin." Bukharin,
sócio de Trotsky, nesse movimento de oposição, sustentou uma reso-
lução aprovada om um congresso especial do chamado grupo de Es-
querda Comunista em Moscou e que estabelecia: "No interêsse da
revolução internacional consideramos conveniente consentir na ruína do
poder soviético, que atualmente se tornou puramente formal." Em 1923,
Bukharin revelou que por detrás dos bastidores, durante a crise de
Brest-Litóvsk, havia um plano em organização entre os oposicionistas
para dividir o Partido Bolchevique, derribar Lénin e estabelecer um
novo govêrno russo.
32 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

ram através das planícies da Ucrânia. No centro, a ofen-


siva se processou através da Polônia, em direção a Moscou. No
norte, Narva caiu e Petrogrado foi ameaçada. Por tôda parte,
no correr da fronteira, os remanescentes do velho exército
russo estalavam, esboroando-se.
A sombra de um completo desastre descia sôbre a nova
Rússia.
Precipitando-se das cidades, mobilizados às pressas por
seus líderes bolcheviques, os trabalhadores armados e os guar-
das vermelhos formaram regimentos para barrar o avanço ale-
mão. As primeiras unidades do novo Exército Vermelho en-
traram em ação. Em Pskov, no dia 23 de fevereiro, os ale-
mães foram detidos (6.) Temporàriamente, Petrogrado estava
salva.
Uma segunda delegação de paz, desta vez sem Trotsky,
seguiu às pressas para Brest-Litovsk. Como preço da paz, a
Alemanha pedia agora o domínio da Ucrânia, Finlândia, Po-
lônia, Cáucaso e enormes indenizações de ouro russo, trigo,
óleo, carvão e minérios. Uma onda de indignação contra os
"salteadores imperialistas alemães" atravessou a Rússia Sovié-
tica quando foram divulgados êsses têrmos de paz. O alto
comando alemão, declarou Lénin, esperava desmembrar a
Rússia Soviética e esmagar o regime com essa "paz de sal-
teadores."
Na opinião de Bruce Lockhart, a única coisa sensata
para os aliados fazerem nessa situação seria apoiar a Rússia
contra a Alemanha. O govêrno soviético não fazia tenta-
tiva alguma para disfarçar sua relutância em ratificar a paz
de Brest-Litovsk. Segundo Lockhart, a pergunta que os bol-
cheviques faziam era esta: "O que esperam os aliados? Re-
conheceriam êles o govêrno soviético e viriam em seu au-
xílio, ou permitiriam que os alemães impusessem à Rússia a
sua paz ae salteadores?"
A princípio, Lockhart inclinou-se a acreditar que os in-
teresses britânicos na Rússia ditavam um entendimento com
Trotsky contra Lénin. Trotsky e seus companheiros estavam
então atacando Lénin com o pretexto de que a sua política

(6) A data de 23 de fevereiro de 1918. quando os russos deti-


veram os alemães em Pskov, é comemorada como data natalícia do
Exército Vermelho.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 33

de paz conduziria a uma traição da Revolução. Trotsky es-


tava se empenhando em constituir o que Lockhart chamou
um bloco de "guerra santa" dentro do Partido Bolchevique,
com intuito de obter a proteção aliada e derrubar Lénin do
poder.
Lockhart, como relata no sou Agente Britânico, estabele-
cera contacto pessoal com Trotsky logo que o comissário do
Exterior regressara d© Brest-Litovsk. Trotsky conccdeu-lhe
uma entrevista de duas horas no seu gabinete privado, no Smol-
ny. Na mesma noite, Lockhart lançava em seu diário suas
impressões pessoais sôbre Trotsky: "Êle dá-me a impressão de
um homem que gostaria de morrer lutando pela Rússia, con-
tanto que houvesse uma assistência bem numerosa para vê-lo
fazer isso."
O agente britânico e o comissário soviético do Exterior se
tornaram logo íntimos. Lockhart dirigia-se a Trotsky familiar-
mente, chamando-o "Lev Davidóvitch", e sonhava, conforme
confessou mais tarde, "realizar um grande golpe juntamente com
Trotsky." Mas Lockhart chegou embora com relutância à con-
clusão de que Trotsky não tinha meios de substituir Lénin
no poder. É do seu Agente- Britânico o trecho seguinte:
"Trotsky era um grande organizador, um homem
de imensa coragem física. Mas moralmente, era tão
incapaz de enfrentar Lónin, como uma pulga um
elefante. No Conselho dos Comissários não havia
um homem que não pudesse considerar-se em pé
de igualdade com Trotsky. Não havia um comis-
sário que não olhasse Lónin como um semideus, cujas
decisões deviam ser aceitas sem discussão."

Se alguma coisa se pretendia na Rússia, só poderia ser


feita através de Lénin. Essa conclusão era partilhada por
Raymond Robins.
"Eu sempre tive pessoalmente uma dúvida acêrca de
Trotsky — dúvida sôbre o que êle fará, onde estará em
determinado tempo e dadas circunstâncias, por causa do seu
egotismo extremado e da sua arrogância" — dizia Robins.
Lockhart encontrara Robins logo depois de sua chegada
a Petrogrado. Ficou imediatamente impressionado pela se-
gurança do americano acêrca do problema russo. Robins »não
34 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

simpatizava com os vários argumentos dos aliados contra o


reconhecimento. Manifestava desprêzo pela teoria absurda,
sustentada por agentes czaristas, de que os bolcheviques que-
riam a vitória alemã. Com grande eloqüência, descreveu a
Lockhart as abomináveis condições da velha Rússia e o mara-
vilhoso ressurgimento de milhões de oprimidos sob o govêrno
bolchevique.
Para completar o quadro, levou Lockhart ao Smolny, para
ver o novo regime em ação. Quando êlos voltaram a Pe-
trogrado, sob a neve macia que caía, Robins declarou com
amargura que as embaixadas aliadas, com suas conspirações se-
cretas contra o govêrno soviético, estavam apenas fazendo
o jôgo alemão na Rússia.
O govêrno soviético permaneceria no poder o quanto mais
cedo os aliados reconhecessem o fato, melW.
Robins acrescentou francamente que Lockhart ouviria ou-
tra história muito diferente de outros representantes aliados
e agentes do serviço secreto na Rússia, e essas pessoas exibi-
riam tôda sorte de documentos para sustentar as suas afirma-
tivas. "Há na Rússia mais papéis forjados sôbro um assunto
qualquer do que em tôda a história passada da humanidade",
disse Robins. Havia documentos ate mesmo para provar que
êle era bolchevique e ao mesmo tempo, secretamente .inte-
ressado em obter na Rússia concessões comerciais para Wall
Street.
Os dois homens ficaram logo íntimos e quase insepará-
veis amigos. Passaram a tomar juntos, pela manhã, a sua
refeição, consultando-se reciprocamente quanto ao plano de
ação para o dia. Sua preocupação comum era induzir os seus
respectivos governos a reconhecerem a Rússia Soviética e im-
pedir a vitória alemã na frente oriental (7.)

(7) Lockhart e Robins acharam um aliado valioso no oficial fran-


cês, Capitão Jean Sadoul, antigo e conceituado advogado e deputado
socialista em Paris. O Ca-pitão Sadoul servia como elemento não ofi-
cial de ligação entre a França e o govêrno soviético. E chegava
exatamente às mesmas conclusões que Rob ins e Lockhart. Sua crítica de-
sabrida da atitude aliada com a Rússia provocara a feroz inimizade do
embaixador francês Noulens, o qual espalhou que Sadoul, Robins e
Lockhart se tinham tornado "bolcheviques." Noulens, um reacionário
acerbo, que recebia tôdas as suas opiniões políticas das "200 famílias"
francesas e dos banqueiros de Paris, odiava o regime soviético. Êle
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 35

2. Hora Zero

A situação que o goyôrno soviético enfrentava no comô-


ço da primavera do 19X8 era a seguinte: a Alemanha pre-
parava a derrocada do govôrno soviético pola fôrça, caso os
russos so recusassem a ratificar a paz do Brcst-Litovsk; a
Grã-Bretanha o a .França estavam apoiando soeretamonto fôr-
ças contra-revolucionárias que estavam so concentrando oro Ar-
e&ngel, Murmansk o no Don; o Japão, com a aprovação dos
aliados, planejava tomar Vladivostoquo e invadir a Sibéria...
Numa entrevista com Loekhart, Lénin comunicou ao agon-
te britânico quo o govôrno soviético seria transferido para
Moscou, com receio d© um ataque germânico a Retrogrado.
Os bolcheviques lutariam, so noeÒssário, mesmo quo dovossom
retirar-se até o Volga ou aos Urais. Mas lutariam por sons pró»
prios objetivos. Niío pretendiam "ser a mão do gato para os
aliados.' Se os aliados compreendessem isso, disso Lénin a
Loekhart, aí estava uma excelente oportunidade para cooperar.
A Rússia Soviética necessitava desesperadamente de auxílio
para resistir aos alemães.
"Ao mesmo tempo", disse Lónin cruamente, "eu estou per-
suadido de que o vosso govôrno nunca olhará as coisas sob
êsse prisma. Ê um govôrno reacionário. Êle cooperará com
os reacionários russos.'
Loekhart cabografou a substância dessa entrevista ao
Ministério do Exterior britânico. Alguns dias depois èle rece-
beu uma mensagem cifrada de Londres. Depressa decifrou-a
e leu. A measagem exprimia o parecer do "um perito militar"

cassou o direito do Sadoul comunicar-so diretamente com o govôrno


francês e chegou mesmo a interceptar suas mensagens o cartas pessoais.
A fim de impedir a influência de Robins sôbre o embaixador ame-
ricano David Francis, recorda Bruce Loekhart em sou Agente Britânico
que o Embaixador Noulens iniciou uma campanha de intrigas contra
Robins. Um de seus secretários, certa vez instigado por êle, perguntou
na presença de Francis: "Quem é o embaixador americano na Rússia
— Francis ou Robins?" Tais manobras obtiveram algum resultado. O
Kmbaixador Francis começou a desconfiar de Robins e a temer que êle
cüllvesse empenhado em tomar o seu lugar. Chegou mesmo a suspeitar
(|iio Robins informava os bolcheviques acêrca ae seus entendimentos
f i irlos com Kaledin. '
36 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

segundo o qual tudo o de que a Rússia estava precisando era


de "um pequeno mas resoluto núcleo de oficiais britânicos para
liderar os russos leais" que desejassem pôr um têrmo rápido
ao bolchevismo."
O Embaixador Francis, no dia 23 de fevereiro, escrevera
numa carta ao seu filho:
"É minha intenção permanecer na Rússia pelo
tempo que puder. Se se concluir ajpaz em separado,
como eu creio que acontecerá, nao haverá perigo
algum de eu ser capturado pelos alemães. Seme-
lhante paz em separado, todavia, será um golpe se-
vero para os aliados, e so alguma região da Rússia
se recusar a reconhecer a autoridade do govêrao bol-
chevique para concluir essa paz, eu procurarei me lo-
calizar nessa região e encorajar a reoelião."

Depois de escrever essa carta, o Embaixador Francis fôra


ter com o embaixador francês Noulens e outros diplomatas
aliados na pequena cidade de Vologda, localizada entre Mos-
cou e Arcangel. Estava claro que os governos aliados já
tinham decidido não cooperar de modo algum com o regime
soviético.
. Robins discutiu a crise com Trotsky que, tendo publica-
mente admitido o seu "êrro" em se opor a Lénin em Brest-
Litovsk, estava agora procurando se reabilitar aos olhos de
Lénin.
— Espera impedir que se ratifique o tratado de Brest? —
perguntou Trotsky a Robins.
— É clarol — respondeu Robins. — Mas Lénin é a favor e,
francamente, é êle quem decide.
— É engano — disse Trotsky. — Lénin entende que a
ameaça do avanço alemão é tão grande que se êle puder obter
cooperação e apoio dos aliados recusará a paz de Brest, reti-
rando-se, se necessário, de Moscou e Petrogrado até Ecate-
rimburgo e restabelecendo a fronteira nos Urais, para lutar com
o apoio aliado contra os alemães.
Por solicitação urgente de Robins, Lénin concordou em
redigir uma nota formal ao govêrno dos E.U.A. Êle tinha
pouca esperança de uma resposta favorável; mas quis tentar.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 37

A nota foi oportunamente entregue a Robins para ser


encaminhada ao governo dos E.U.A. Ela perguntava em parte:
"Caso (a) o Congresso dos Sovietes de tôdas as
Rússias se recuse a ratificar o tratado de paz com a
Alemanha ou (b), se o govêrno alemão, violando o tra-
tado de paz, renovar a ofensiva com intuito de con-
tinuar o seu assalto predatório...
1. Pode o govôrno soviético contar com o aupoio
dos E.U.A. da América do Norto, Grã-Bretanha e Fran-
ça na sua luta contra a Alemanha?
2. Que espécie de apoio poderia ser fornecido
— o mais brevemente possível e em que condições
— equipamento militar, suprimento de transportes, ví-
verosr
3. Que espécie de apoio poderia ser fornecido
particularmente e especialmente pelos E.U.A.?"

O Congresso dos Sovietes de tôdas as Rússias devia reu-


nir-sd no dia 12 de março para discutir a ratificação dos tra-
tados de paz do Brest-Litovsk.
A pedido de Robins, Lénin consentiu cm adiá-lo para
o dia 14, dando a Robins o Lockhart dois dias mais para
persuadir os seus governos a agir.
A 5 de março de 19.18, Lockhart despachou um último
telegrama ao Ministério do Exterior britânico, pleiteando o
reconhecimento (1o govêrno soviético: "Se os aliados algum dia
tiveram uma oportunidade na Rússia depois da Revolução, foi
agora com os termos exorbitantes do paz que os alemães impuse-
ram aos russos... Se o govêrno de Sua Majestade não deseja
ver a Alemanha soberana na Rússia, então se lhe implora-
ria para que não deixe passar esta oportunidade."
Não veio resposta de Londres. A única coisa que houve
foi uma carta da espôsa de Lockhart, insistindo com êle pa-
ra que se acautelasse e • avisando-o de que se estava espa-
lhando no Ministério do Exterior que êle se tornara "Verme-
lho."
No dia 14 de março o Congresso dos Sovietes de tôdas
as Rússias se reuniu em Moscou. Durante dois dias e duas
noites os delegados debateram a questão da ratificação do
38 MICHAEL
*
SAYERS E ALBERT E. KAHN

tratado de Brest-Litovsk. O bloco de Trotsky manifestara-se


em plena fôrça, tentando fazer-se aparecer com o impopular
tratado. Mas Trotsky, como acentuou Robins, "estava em Pe-
trogrado de mau humor e recusou-se a comparecer."
Uma hora antes da meia-noite, na segunda noite do Con-
gresso, Lénin acenou a Robins que estava sentado no degrau
ao pé da tribuna.
— O que ouviu vocô do sou govòrno?
' — Nada!
— O que ouviu Lockhart?
— Nada!
Lénin encolheu os ombros. — Agora vou cu à tribuna —
disse a Robins. — Vou falar sôbro o tratado. Será ratificado.
Lénin falou uma hora. file não amenizou a paz. Pintou-a
como uma catástrofe para a Rússia. Com lógica paciente,
apontou a necessidade para o govôrno soviético, isolado e amea-
çado por todos os lados, do "conquistar um espaço para res-
pirar.
O tratado de Brest-Litovsk estava ratificado. Um informe
publicado pelo Congresso declarava o seguinte:
"Nas condições atuais o govcir.no soviético da Re-
pública russa, entregue às suas próprias fôrças, é inca-
paz de suster o avanço armado do imperialismo ger-
mânico e ó compelido, para salvaguardar a Rússia re-
volucionária, a aceitar as condições apresentadas."

3. Fim da Missão
O Embaixador Francis telegrafou ao Departamento de
Estado em 2 de maio de 1918: "Robins e provàvelmente
Lockhart favoreceram o reconhecimento do governo soviético,
mas vós e os aliados sempre vos opusestes a êle, e eu me
recusei pertinazmente a recomendá-lo. Não julgo que com
isso tenha errado."
Poucas semanas depois Robins recebia um telegrama do
Secretário de Estado Lansing: "Em qualquer circunstancia con-
sidero desejável que regresseis para consulta."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 39

Viajando através da Rússia na E. F. Transiberiana para


tomar navio em Vladivostoque, Robins recebeu três mensagens
do Departamento de Estado. Cada uma delas com a mesma
instrução: Não fazer - declarações de espéçie alguma.
De volta a Washington, Robins submeteu ao Secretário
Lansing um relatório condenando vigorosamente a idéia de
intervenção do qualquer arliado contra a Rússia Soviética. Ro-
bins juntava ao sou relatório um programa detalhado sôbre
o desenvolvimento das relações comerciais russo-americanas.
Lénin entregara pessoalmente a Robins ôsso programa, pouco
antes do sua partida do Moscou. Devia ser entregue ao
Presidente Wilson.
O programa do Lóniii nunca chegou às mãos de Wilson.
Robins procurou avistar-se pessoalmente com o presiden-
te, mas em vão. Estava completamente bloqueado. Tentou
encaminhar a sua mensagem aos jornais. A imprensa ou
não tomava conhecimento ou desnaturava o que ele queria
dizer.
• Robins foi obrigado a se defender diante de uma comis-
são do Senado que investigava sôbre "Bolchevismo" e "pro-
paganda alemã."
"Como eu mantinha a minha palavra, não mentia nem
difamava os revolucionários russos, não afirmava que eram
agentes germânicos, ladrões o assassinos, criminosos sem re-
missão, então fui considerado bolchevique!" declarou Robins.
"Mas eu era dono da melhor janela e possuía melhor visão
do que qualquer outro representante aliado na Rússia e pro-
curava manter sempre os pés no chão. Eu gostaria de cuzer
a verdade a respeito dos homens e dos movimentos, sem
paixão e sem ressentimento, mesmo que eu estivesse em desa-
côrdo com files... Desejo cordialmente que o povo russo
tenha o governo de sua escolha quer me agrade, quer esteja
de acôrdo com os meus princípios, quer n ã o . . . Eu penso que
reconhecer o que atualmente se passa na Rússia é de máxima
importância, para nós e" para o nosso país, a fim de que possa-
mos nos entender com a Rússia, honesta e corretamente e não
movidos por paixão ou por alguma determinação falsa para...
Eu não desejaria nunca impor idéias a baionetas... A única
solução para o desejo de uma vida humana melhor, é uma
vida humana melhor." •
40 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Mas a voz de Robins foi afogada na maré montante das


informações falsas e do preconceito.
Pelo verão de 1918, embora os E.U.A. estivessem em
guerra com a Alemanha e não com a Rússia, o New York
Times descrevia os bolcheviques como "nossos inimigos .mais
malignos" e como "feras vorazes de rapina." Os líderes so-
viéticos eram habitualmente denunciados na imprensa ame-
ricana como "agentes pagos" dos alemães. "Carniceiros", "assas-
sinos e malucos", "criminosos intoxicados de sangue" e "escória
humana" eram alguns dos termos característicos com os quais
os jornais americanos se referiam a Lénin e aos seus com-
panheiros. No Congresso, êles eram chamados de "animais
danados."
O Embaixador .Francis permaneceu na Rússia até julho
de 1918. Periodicamente, publicava proclamações e apelos
ao povo russo para que derrubasse o govêrno soviético. Pouco
antes de embarcar para os E.U.A. recebeu de Tchitcherin, o
novo Comissário Soviético dos Negócios Exteriores, um tele-
grama de agradecimento extensivo ao amigo povo ameri-
cano. Francis relatou mais tarde o que fêz com a mensagem
de Tchitcherin. "Esse telegrama era evidentemente destinado
ao consumo dos pacifistas americanos", escreveu o ex-embaixa-
dor no seu livro A Rússia vista da embaixada americana,
"e temendo que êle pudesse ser comunicado ao povo ame-
ricano pelo Departamento de Estado, eu deixei de transmi-
ti-lo."
Bruce Lockhart permaneceu na Rússia. "Eu devia ter
resignado e voltado para casa", disse mais tarde. Entretanto,
permaneceu no seu pôsto como agente britânico.
"Sem que o tivesse compreendido", confessou Lockhart no
Agente Britânico, eu me tinha identificado com um movi-
mento que, fosse qual fosse o seu objetivo original, se di-
rigia não contra a Alemanha, mas contra o govêrno de fato
da Rússia."
C A P I T U L O m

ESPIÃO MESTRE

1. Entra M. Massino
A revolucionária Petrogrado, cercada de fora por ini-
migos externos e ameaçada interiormente por conspirações
contra-revolucionárias, era uma terrível cidade em 1918. Pouca
comida, nenhum aquecimento, nenhum transporte. Homens
e mulheres esfarrapados tiritavam nas intermináveis filas de
pão, nas ruas frias e sujas. As longas noites cinzentas eram
pontuadas com os estampidos dos canhões. Bandos de gcn-
gsters, desafiando o regime soviético, alvoroçavam a cidade,
depredando e aterrorizando a população (8.)
Destacamentos de operários armados iam de edifício a edi-
fício, dando batidas nos estoques de víveres escondidos pelos
especuladores, cercando salteadores e terroristas.
O govêrno soviético ainda não estabelecera o contrôle
completo. Remanescentes do luxo czarista contrastavam ber-
rantemente com a miséria da massa. Os jornais anti-soviéticos
continuavam a aparecer, predizendo a imediata derrocada
do regime. Os restaurantes e hotéis caros ainda se conserva-
vam abertos, fazendo fornecimento a multidões de homens
trajados à moda. À noite os cabarés regurgitavam. Bebia-
-se e dançava-se, e às mesas cheias, oficiais czaristas, dan-
çarinas de ballet, especuladores famosos do mercado negro

(8) Por meio de investigação pessoal, Robins e Bruce Lockhart


concluíram conjuntamente que muitos dêsses chefes de gangsters anti-
soviéticos, alguns dos quais se apelidavam a si mesmos de anarquistas,
eram então financiados pelo serviço de informações militar alemão, a
fim de provocar desordens e motins como pretexto para a intervenção
alemã na Rússia.
42 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN.

e suas mulheres segredavam boatos excitantes: Os alemães


estão marchando sôbre Moscou! Trotsky prendeu Lénin! Lénin
enlouqueceu! Esperanças e mentiras ferozes derramavam-se
com a naturalidade de uma vodca. A intriga campeava...
Um tal M. Massino surgira em Petrogrado nessa prima-
vera. Apresentava-se como negociante turco. Era um homem
pálido de face alongada, feição sombria, nos seus 40 anos,
com uma testa alta e chanfrada, olhos escuros e inquietos e
lábios sensuais. Andava em atitude erecta, quase militar, e
num passo rápido, curiosamente silencioso. Parecia rico. As
mulheres achavam-no atraente. No moio da atmosfera difícil
da capital temporária dos Sovietes, M. Massino empreendeu
suas atividades com prumo peouliar.
Às noites, M. Massino era o freguôs constante do pe-
queno e enfumaçado Cafó Balkov, o antro favorito dos ele-
mentos anti-soviéticos om Petrogrado. O proprietário, Sérgio
Balkov, tratava-o com deferência. Num quarto privado ao
fundo do café, M. Massino entrevistava homens o mulheres
misteriosos que lhe falavam baixinho. Alguns se dirigiam a file
em russo, outros em francôs ou inglôs, M, Massmo falava
fluentemente várias línguas.
O jovem govêrno soviético lutava para pôr ordem na
caos. Suas tarefas colossais de organização tornavam-se ainda
uais complicadas devido à ameaça oniprosente e mortal da
contra-revolução. "A burguesia, os latifundiários o tôdas as
classes ricas estão fazendo esforços desesperados para minar
a revolução", escrevia Lénin. Por decisão sua fundou-se uma
organização soviética especial do contra-sabotagem e contra-
-espionagem, para tratar com os inimigos domésticos e estra-
nhos. Chamou-se a Comissão Extraordinária de Combate à
Contra-Revolução e Sabotagem. Suas iniciais russas formam
o nome Tcheka... (9.)
No verão de 1918, quando o govôrno soviético, temen-
do o ataque germânico, se locomoveu para Moscou, M. Mas-
sino o seguiu. Mas em Moscou a aparência do suave e rica
mercador levantino mudou estranhamente. Êle passou a usar

(9) Em 1922 a Tcheka foi abolida e substituída pela OGPU ini-


ciais do título russo que significava Administração Politica do Estado^
Unido. Em 1934 a OGPU foi substituída pelo NKVD, ou Departa-
mento de Segurança Pública, sob o Comissariado dos Negócios Internos..
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 491

uma jaqueta de couro e o boné de operário. Foi ao Krem-


lin. Detido nos portões por um dos jovens guardas comu-
nistas letões, que formavam o corpo de guarda do govêrno
soviético, o outrora M. Massino exibiu um documento sovié-
tico oficial. Êste o identificava como Sidney Georgevitch Re-
linsky, agente do Departamento Criminal <ía Telicka cm Pe-
trogrado.
"Passe, camarada Relinskyl" disso o guarda lotão.
Do outro lado de Moscou, no luxuoso apartamento da
popular dançarina do ballet Dagmara K., M. Massino, oliás
camarada Relinsky da Tcheku, ora conhecido como M. Cons-
tantine, agente do serviço secreto britânico.
Na embaixada britânica, Bruce Lockhart conheceu sua ver-
dadeira identidade: Sidney Reilly, o homem misterioso do
serviço secreto britânico e conhecido c o m o . . . espião mestro
da Grã-Bretanha."

2. Sidney Reilly

De todos os aventureiros que emergiram do mundo po-


lítico subterrâneo cia Rússia czarista duranto a I Guerra
Mundial para liderar a grande cruzada contra o bolchevismo,
nanhuma figura mais colorida o extraordinária do que a do
Capitão Sidney Reilly, do serviço secreto britânico. "Um ho-
mem fundido cm moído napoleónico I" exclamava Bruce Lock-
hart, a quem Reilly estava para envolver om uma das mais
perigosas o fantásticas façanhas da história européia.
Até a maneira pela qual Reilly chegou ao serviço secreto
britânico continua sendo um dos muitos mistérios que cercam
êsse misterioso e poderoso aparato de espionagem. Sidney
Reilly nascera na Rússia czarista. Filho de um capitão de
mar irlandôs e de mulher russa, êle cresceu no pôrto de
Odessa, no Mar Negro. Anteriormente à I Guerra Mundial
foi empregado da grande firma czarista de armamentos na-
vais de Mandrochovitch e do Conde Tchubersky em S. Pe-
tersburgo. Já nessa ocasião o seu trabalho era de caráter
altamente confidencial. Êle serviu de ligação entre a firma
russa e certos interêsses financeiros e industriais alemães, in-
clusive os famosos estaleiros de Bluhm e Voss em Hambur-
44 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

?o. Nas vésperas da I Guerra Mundial, o Almirantado em


jondres começou a receber valiosas informações concernentes a
programa alemão de construções de submarinos e navios. A
fonte de tais informações era Sidney Reilly.
Em 1914, Sidney apareceu no Japão como "representan-
te confidencial" do Banco Russo-Asiático. Do Japão viajou
para os E.U.A. onde conferenciou com banqueiros e fabri-
cantes americanos do armamentos. Sempre nas fileiras do ser-
viço secreto britânico, Sidney Reilly figurava nas suas listas
com o nome cifrado, l Esti, e era conhecido como agente
secreto de grande audácia o recursos.
Poliglota fluente, dominando sete línguas, Reilly foi logo
convocado dos K.U.A. para importante trabalho na Euro-
pa. Disfarçado cm oficial naval alemão, penetrou no Almi-
rantado alemão. Conseguiu o encaminhou para Londres uma
cópia do Código do Serviço Naval de Informações alemão.
Foi êsso provàvolmente o maior golpe do serviço secreto da
I Guerra Mundial.
Em 1918 o Capitão Reilly foi transferido para a Rússia
como diretor do Serviço Britânico de Informações em ativi-
dades nesse país. Seus numerosos amigos pessoais, amplas
relações comerciais e íntimo conhecimento dos círculos in-
ternos da contra-revolução russa, faziam dele o homem ideal
para essa tarefa. Mas a transferência para a Rússia tinha
também para Reilly uma profunda significação pessoal. Con-
sumia-o um ódio implacável aos bolcheviques e, daí, contra
tôda a revolução russa. Êle manifestou francamente os seus
propósitos contra-revolucionários: "Os alemães são sêres hu-
manos. Podemos mesmo ser batidos por êles. Mas aqui em
Moscou está atingindo a maturidade o arquiinimigo da raça
humana. Se a civilização não tomar a iniciativa e não es-
magar o monstro enquanto ó tempo, o monstro esmagará fi-
nalmente a civilização!"
No seu relatório ao quartel-general do serviço secreto bri-
tânico em Londres, Reilly repetidamente advogou uma paz
imediata com a Alemanha e uma aliança com o Kaiser con-
tra a ameaça bolchevique.
"A qualquer preço", declarava êle, "esta imunda obsce-
nidade nascida na Rússia deve ser esmagada e eliminada.
Paz com a Alemanha: Sim, paz com todo o mundo! Só há
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 491

um inimigo I A humanidade deve se unir em uma santa


aliança contra tamanha ameaça."
Chegando à Rússia, Reilly entregou-se imediatamente à
conspiração anti-soviética. Era seu propósito confessado derri-
bar o govôrno soviético (10.)

3. Dinheiro e crime
O partido antibolchevique numèricamente mais forte na
Rússia em 1918 era o Partido Social-Revolucionário, que de-
fendia uma fonna de socialismo agrário. Liderado por Bóris
Savinkov, ox-ministro da Guerra de Kerensky que tomara parte
no Futsch abortivo de Kornilov, os militantes social-revolucio-
nários tornaram-se o pivô do sentimento antibolchevique. Seus
métodos extremistas e sua propaganda conseguiram considerá-
vel apoio de elementos anarquistas alimentados na Rússia por
gerações da opressão czarista. Os social-revolucionários pra-
ticarafn por muito tempo o terrorismo como arma contra o
Czar. Agora se preparavam eles para volver a mesma arma
contra os bolcheviques.
Os social-revolucionários recebiam auxílio financeiro do
Serviço Francês de Informações. Com fundos pessoalmente
entregues pelo embaixador francês Noulens, Bóris Savinkov res-
tabelecera o antigo centro terrorista social-revolucionário em
Moscou, sob o título de Liga para a Regeneração da Rússia.
Seu plano era o assassínio de Lénin e de outros líderes so-
viéticos. Por recomendação de Sidney Reilly o serviço secreto
britânico começou também a suprir Savinkov com dinheiro
para armar e treinar os terroristas.

(10) Neste capítulo e em outros da Grande Conspiração, os au-


tores se utilizam da história pitoresca do Capitão Sidney Reilly como
de um símbolo das atividades de coalizão anti-soviética ocidental enca-
beçada nesse período pelo torusmo inglês e pela reação francesa. Con-
quanto as opiniões e atos atribuídos a Reilly sejam pessoais e seus, é
perfeitamente claro que Reilly não estava em condições de determinar
uma política por sua própria conta, mas foi nesse tempo e posterio-
mente o instrumento mais audaz e resoluto da conspiração anti-sovié-
tica diretamente dirigida do estrangeiro contra a Rússia.
46 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN.

Mas Reilly, um ardente czarista, não confiava nos so-


cial-revolucionários para formar um novo govêrno russo desti-
nado a substituir o regime soviético. Salvo Savinkov, que êle
considerava completamente digno de confiança, Reilly pres-
sentia que os esquerdistas social-revolucionários representa-
vam uma perigosa fôrça esquerdista. Alguns dêles eram co-
nhecidos pelas ligações com os oposicionistas bolcheviques que
seguiam Trotsky. Reilly estava preparado para se utilizar
dessa gente para os seus propósitos, mas aeterminara-se a
expurgar a Rússia do radicalismo. Êle desejava uma dita-
dura militar como primeiro passo para a restauração do cza-
rismo. Do acôrdo com isso, enquanto continuava a financiar
o encorajar os terroristas social-revolucionários o outros gru-
pos anti-soviéticos radicais, o espião britânico estava ao mesmo
tempo construindo sua própria organização conspirativa. O
próprio Reilly revelou mais tardo nas suas memórias como ela
funcionava:
"Era essencial que a minha organização russa não
soubesse coisas demais e que nenhuma parte dela es-
tivesse em condições do trair a outra. O plano era
ordenado conseqüentemente no sistema dos Cinco", e
cada participante conhecia ànicamente outras quatro
pessoas, Eu mesmo, que estava no tôpo da pirâmide
conhecia-os a todos, não pessoalmente, mas apenas
Íielo nomo e enclerôço, e êstes nomes e endereços me
oram muito úteis posteriormente. Assim no caso de
uma traição, nem todos seriam descobertos e a desco-
berta soria focalizada..."

Em ligação com a União dos Oficiais Czaristas, com os


remanescentes da velha polícia secreta, a sinistra Ochrana
com os terroristas de Savinkov e com semelhantes elementos
contra-revolucionários, a organização de Reilly logo se es-
tendeu através de Moscou e Petrogrado. Numerosos antigos
amigos de Reilly e saudosistas dos dias do Czar uniram-se a
êle e demonstraram grande valor. Entre êsses amigos in-
cluía-se o Conde Tchubersky, o magnata de armamentos na-
vais que já empregara Reilly como elemento de ligação com
os estaleiros germânicos; o general czarista Yudenitch; o pro-
prietário de um café em Petrogrado, Sérgio Balkov, a dan-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 491

çarína de ballet Dagmara, em cujo apartamento Reilly insta-


lara o seu quartel-general em Moscou; Crammatikov, um rico
advogado e antigo agente secreto da Ochrana, que vinha a
ser agora o mais importante elemento de contacto de Reilly
com o Partido Social-Revolucionário; e Veneslav Orlovsky, ou-
tro ex-agente da Ochrana, <jue conseguira chegar a oficial
da Tchelca em Petrogrado e do qual Reilly obtivera o pas-
saporte forjado com o nome de Sidney Georgevitch Relinsky,
que o habilitara a andar livremente por onde quisesse na
Rússia Soviética.
Êsses e outros agentes que chegaram até mesmo a pe-
netrar no Kremlin e no estado-maior do Exército Vermelno,
punham Reilly inteiramente informado de tôda medida do
govêrno soviético. O espião britânico podia gabar-se do or-
dens expodidas pelo Exército Vermelho "serem lidas em Lon-
dres antes mesmo de terem sido abertas em Moscou."
Grandes somas de dinheiro para financiar as operações
de Reilly, montando a vários milhões de rublos estavam es-
condidas em Moscou, no apartamento da bailarina Dagmara.
Para levantar êsses fundos, Reilly contava com os recursos
da embáixftda britânica. O dinhoiro era coletado por Bruce
Lockhart o enviado a Reilly polo Capitão Hieks do serviço se-
creto britânico. Lockhart, a quem Reilly envolvera nesse ne-
gócio, posteriormente revelou no seu Agente Britânico, como
o dijjheiro tinha sido obtido:
"Havia numerosos russos com estoques, de rublos
escondidos. Êles ficavam satisfeitíssimos de entregá-
-los em troca do uma letra promissória sôbre Londres.
Para afastar tôda suspeita, recolhíamos os rublos atra-
vés de uma firma inglôsa em Moscou. Esta entrava
em entendimento com os russos, fixava o valor da
operação e dava-lhes a promissória. Em cada transação
nós fornecíamos à firma uma garantia oficial do mon-
tante em Londres. Os rublos eram levados ao Con-
sulado Geral Americano e entregues a Hicks, que os
encaminhava aos fins já determinados."

Finalmente sem omitir pormenor algum, o espião britâ-


nico chegoii mesmo a traçar um plano minucioso para o go-
verno que/devesse assumir logo que caísse o poder soviético.
48 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
t!

Os amigos pessoais de Reilly tinham de desempenhar papéis


importantes no novo regime:
"Tudo fôra previsto para um govêrno provisório.
Meu grande amigo e aliado Grammatikov deveria
ser ministro do Interior, tendo sob a sua direção todos
os assuntos de polícia e finanças. Tchubersky, velho
amigo e sócio de negócios, que se tornara chefe de
uma das maiores casas de comércio da Rússia, deve-
ria ser o ministro das Comunicações. Yudenitch, Tchu-
bersky e Grammatikov constituiriam um govêmo pro-
visório para suprimir a anarquia que inevitàvelmente
seguiria a essa revolta."
Os primeiros golpes da campanha anti-soviética foram vi-
brados pelos terroristas do Savinkov,
Em 21 do junho de 1918, quando so realizava um co-
mício de trabalhadores na fábrica de Obusohov em Potrogra-
do, o Comissário Soviético do Propaganda foi assassinado
pelos terroristas social-revolucionários., Seguiu-se, dentro de
duas semanas, o assassínio do embaixador alemão Mirbach
em Moscou, no dia 0 de julho, O intuito dos social-revo-
lucionários era disseminar o terror nas fileiras bolcheviques e
simultâneamente precipitar o ataque alemão que êles acredi-
tavam deveria significar a ruína do bolchevismo (11.)
No dia em que foi assassinado o embaixador alemão, o
V Congresso Pan-Russo dos Sovietes estava em sessão na
Ópera de Moscou. Os observadores aliados estavam senta-
dos nos camarotes dourados ouvindo os discursos dos delega-
dos. Havia um ar pesado em tôrno dos trabalhos. Bruce
Lockhart, sentado num camarote com outros numerosos agen-
tes e diplomatas aliados, reconheceu logo que algo de extra-
ordinário ocorrera, quando Sidney Reilly entrou. O espião

(11) O assassínio de Mirbach foi obra de um terrorista social-


revolucionário chamado Blumkin. Êle conseguiu entrar na embaixada
alemã apresentando-se como oficial da Tcheka que vinha para advertir
Mirbach acêrca de uma conspiração contra a sua vida. O embaixador
alemão perguntou a Blumkin como os assassinos planejavam matá-lo.
"Assim!" exclamou Blumkin. E sacando de uma pistola atirou. Blum-
kin escapou saltando pela janela e tomou um carro que estava à sua
espera. Tempos depois o assassino Blumkin tornara-se o guarda-costas
pessoal de Trotsky.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 491

britânico olhava pálido e agitado. Em cochichos precipita-


dos êle contou a Lockhart o que acabara de acontecer.
O tiro que matara Mirbach era apenas uma senha do levante
geral social-revolucionário, sustentado por elementos bolchevi-
ques dissidentes, em todo o país. Os artilheiros social-revo-
lucionários deveriam ter-se* encaminhado para a Ópera e
aprisionado os delegados soviéticos. Mas algo saíra errado. A
Ópera estava agora cercada ppr soldados do Exército Verme-
lho. Houve tiroteio nas ruas, mas era claro que o govôrno
soviético dominava a situação.
Enquanto Reilly falava, examinava os bolsos procurando
algum documento comprometedor. Achou um, rasgou-o em
pedaços e engoliu-os. Um agente seeroto francês, sentado
atrás de Lodklmrt, fêy. o mesmo.
Poucas horas depois, um locutor levantou-se no palco da
ópera o anunciou que um Putsch anti-soviético destinado a
depor o govônio peias armas fôra ràpidamente sufocado pelo
Exército vermelho o pela Tcheka. Nuo houvera apoio público
aos putsohístas, Grupos de terroristas social-revolucionários,
armados do bombas, fuzis e metralhadoras, tinham sido envol-
vidos e aprisionados. Muitos dêlos foram mortos. Seus líderes
ou tinham morrido, ou tinham-se escondido ou fugido.
Os representantes aliados na Ópera foram notificados de
que poderiam voltar seguramente para as suas respectivas
enibaixadas. As ruas estavam livres.
Chegaram notícias posteriores do quo uma intontona em
Iaroslav, emprazada para coincidir com o Putsch de Moscou,
fôra também sufocada pelo Exército Vermelho. O líder so-
cial-revolucionário, Bóris Savinkov, que capitaneara pessoal-
mente o levante de Iaroslav, escapara por pouco de ser captu-
rado pelas tropas soviéticas.
Reilly estava aborrecido e desapontado. Os social-revo-
lucionários tinham agido com a sua característica impaciência
e estupidez! Todavia, declarou êle, a idéia de desencadear
um golpe no momento em que se reunia a maior parte dos
líderes soviéticos num só lugar, para um congresso ou uma
convenção, era muito acertada. A perspectiva de apanhar todos
os chefes bolcheviques em um bote só era coisa para espi-
\ caçar a imaginação napoleônica de Reilly...
\ E êle começou a planejar sèriamente a sua realização»
50 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN.

4. A conspiração letônica
Durante o agudo mês de agosto de 1918, os planos se-
cretos de intervenção aliada na Rússia se revelaram. No dia
2 de agôsto tropas britânicas desembarcaram em Arcângel
com o intuito declarado de impedir que "os suprimentos de
guerra caíssem em mãos dos alemães." No dia 4 de agôsto
os britânicos tomaram o centro petrolífero de Bacu no Cáu-
caso. Dias depois, contingentes britânicos e franceses acam-
pavam em Vladivostoque. Seguíram-se-lhes no dia 12 de agôsto
uma divisão japonêsa e, nos dias 15 e 16, dois regimentos
americanos recentemente transferidos das Filipinas.
Largas zonas da Sibéria já estavam nas mãos de fôrças
anti-soviéticas. Na Ucrânia, o general czarista Krasnov apoia-
do pelos alemães, estava desencadeando uma sangrenta cam-
panha anti-soviética. Em Kiev, o títere germânico Hetman
Skoropadsky iniciara massacres totais de judeus e comunistas.
Do norte, sul, leste e oeste, os inimigos da nova Rússia
se preparavam para convergir sôbre Moscou.
Os poucos representantes aliados em Moscou começaram
a se preparar para sair. Não informaram o govêrno de que
o estavam fazendo. Como Bruce Lockhart escreveu mais
tarde no Agente Britânico: "Era uma situação extraordinária.
Não havia declaração de guerra, embora se lutasse numa fron-
teira que se estendia do Dvina até ao Cáucaso." E Lochkart
acrescentava:. "Éu tive diversas entrevistas com Reilly, que de-
cidira permanecer em Moscou após nossa partida."
No dia 15 de agôsto, dia em que os americanos acam-
param em Vladivostoque, Bruce Lockhart recebeu uma visita
importante. A cena foi descrita depois por Lockhart em suas
memórias. Estava êle merendando em seu apartamento, perto
da embaixada britânica, quando a campainha tocou e o criado
anunciou que "dois cavalheiros letões desejavam vê-lo. Um
era um jovem baixo de face pálida chamado Smidren. O ou-
tro, um homem agigantado, poderosamente estruturado, feições
claras, olhos firmes e rudes, que se apresentou como "coronel"
Berzin, comandante da guarda letônica do Kremlin.
Os visitantes trouxeram a Lockhart uma carta do Capitão
Cromie, adido naval britânico em Petrogrado, que era extre-
491
A GRANDE CONSPIRAÇÃO

mamente ativo na conspiração anti-soviética. "Sempre alerta


contra agentes provocadores", recorda Lockhart, "eu examinei
cuidadosamente a carta. Era indubitàvelmente de Cromie."
Lockhart perguntou aos visitantes o que desejavam.
O Coronel Berzin, que se apresentara como comandante
da guarda do Kiemlin, informou Lockhart de que embora tives-
sem os Ietões apoiado a Revolução Bolchevique, êles não ten-
cionavam combater as fôrça*s britânicas comandadas pelo Ge-
neral Poole, que tinham acampado recentemente em Ar-
cângel. Êles estavam dispostos a negociar com o agente
britânico.
Antes de dar uma resposta, Lockhart conversou sôbre o
caso com o cônsul geral francês, M. Grenard, que como Lock-
hart recorda, o aconselhou a negociar com o Coronel Berzin,
mas "evitando comprometer de qualquer modo a nossa pró-
pria posição." No dia imediato, Lockhart viu novamente o
Coronel Berzin e deu-lhe um documento dizendo: "Queira
atender o portador, que tem uma comunicação importante
a fazer ao General Poole, através das linhas inglesas. E foi
~ hart pôs o Coronel Berzin em ligação com

"Dois dias depois", recorda Lockhart, "Reilly informou


que as negociações prosseguiam satisfatòriamente e que os
letões não tinham intenção de se deixarem apanhar no co-
lapso dos bolcheviques. Êle adiantou que após a nossa par-
tida seria capaz de iniciar, com o auxílio dos letões, uma
contra-revolução em Moscou."
Pelo fim de agôsto de 1918, um pequeno grupo de re-
presentantes aliados se reuniu para uma conferência confiden-
cial num quarto do Consulado Geral Americano em Moscou.
Escolheram o Consulado Geral Americano porque to-
dos os demais centros estrangeiros estavam sob vigilância so-
viética. A despeito de os americanos estarem acampados na
Sibéria, o governo soviético ainda mantinha uma atitude amis-
tosa com os E.U.A, Em Moscou foram espalhados cartazes que
apresentavam os 14 Pontos de Woodrow Wilson. Um editorial
do Izvestia. afirmava que "ünicamente os americanos sabiam
tratar os- bolcheviques com decência." O legado da missão
de Robins ainda não fôra totalmente perdido.
A reunião no Consulado Geral Americano foi presidida
52 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN.
#

pelo cônsul francês Grenard. Os britânicos foram represen-


tados por Reilly e pelo Capitão George Hill, um oficial do
serviço britânico de informações, que fora delegado para tra-
balhar com Reilly. Os outros numerosos agentes diplomáticos
e do serviço secreto estavam presentes, inclusive o jornalista
francês René Marchand, correspondente do Fígaro de Paris
em Moscou.
Sidney Reilly convocara a reunião, conforme relato de
suas próprias memórias para informar acêrca do progresso de
suas maquinações anti-soviéticas. Êle informou os represen-
tantes aliados de que "comprara o Coronel Berzin, comandan-
te da guarda do Kremlin." O preço do coronel fôra de
"dois milhões de rublos", Sidney Reilly tivera de adiantar a
importância de 500.000 rublos em moeda russa. O restante
da importância seria pago em libras inglêsas, quando o Coro-
nel Berzin prestasse determinados serviços para as linhas bri-
tânicas em Arcângel.
"A nossa organização está agora imensamente forte", de-
clarou Reilly. 'Os letões estão ao nosso lado e o povo es-
tará também quando fôr desferido o primeiro golpe."
Então Reilly anunciou que no aia 28 de agôsto se reali-
zaria no grande Teatro de Moscou uma assembléia especial
do Comitê Central Bolchevique. Êle apanharia juntos no
mesmo recinto todos os lideres decisivos ao Estado soviético.
O plano de Reilly era audaz, porém simples...
No curso de sua tarefa haoitual, a guarda letônica esta-
cionaria em tôdas as entradas e saídas do teatro, durante a
assembléia bolchevique. O Coronel Berzin escolheria para o
caso, homens "absolutamente fiéis e amigos de nossa causa."
A um sinal dado, os guardas de Berzin fechariam as portas
e deteriam tôda a gente no teatro com os seus fuzis. Então
um "destacamento especial" constituído do próprio Reilly e
seu "círculo mais íntimo de conspiradores" saltariam à cena
e aprisionariam o Comitê Central ao Partido Bolchevique!
Lénin e outros líderes seriam fuzilados. Antes de sua
execução, todavia, seriam públicamente levados pelas ruas de
Moscou, "para que todos soubessem que os tiranos da Rússia
tinham sido depostos."
Com a eliminação de Lénin e seus companheiros o regime
soviético ruiria como um castelo de cartas. Havia "60.000 ofi-
ciais" em Moscou, disse Reilly, "prontos para se mobilizarem
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 491

imediatamente, ao primeiro sinal", e dispostos a formar um


exército para lutar dentro da cidade enquanto as fôrças alia-
das atacassem de fora. O homem que chefiaria êsse exército
secreto anti-soviético seria o "conhecido oficial czarista, Gene-
ral Yudenitch." Outro exército se formaria no norte da Rússia
sob o comando do "gdneral" Savinkov "e os remanescentes
bolcheviques seriam esmagados num abrir e fechar dolhos."
Era ôsse o plano de. Reilly. Êle tinha o apoio de am-
bos os serviços de informações britânico e francês. Os bri-
tânicos estavam em estreito contacto com o General Yudenitch
e preparados para supri-lo de armas e equipamentos. Os fran-
ceses apoiavam Savinkov.
Os representantes aliados reunidos no Consulado Geral
Americano foram informados do que poderiam fazer para
auxiliar a conspiração, quer por meio de espionagem, pro-
paganda, quer providenciando a destruição de pontos ferro-
viários vitais em tôrno de Moscou e Petrogrado, com o fito
de isolar o govêrno soviético de qualquer auxílio que o Exér-
cito Vermelho tentasse trazer-lhe de outros recantos do país...
Ao aproximar-se o dia do golpe armado, Reilly confe-
renciava regularmente com o Coronel Berzin, ultimando cuida-
dosamente os pormenores do complot e preparando-se para
qualquer emergência. Ultimavam os seus planos quando soube-
ram que a assembléia do Comitê Central Bolchevique fôra
• adiada de 28 de agôsto para 6 de setembro. "Não importa",
disse Reilly a Berzin. "Isso dá-me mais tempo para os meus
preparativos finais." Reilly decidira ir a Petrogrado para dar
um retoque aos seus trabalhos nessa cidade.
Poucas noites depois, viajando de trem com o passa-
Êorte forjado que o identificava como Sidney Georgevitcn Re-
nsky, agente da Tcheka, Reilly deixou Moscou seguindo para
Petrogrado.

5. Sai Sidney Reilly


Em Petrogrado, Reilly foi direito à embaixada britânica,
para informar o Capitão Cromie, adido naval britânico. Reilly
expôs a situação em Moscou, e desenvolveu o plano da in-
surreição. "Moscou está em nossas mãos", disse êle. Cromie
54 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN.

ficou deslumbrado. Reilly prometeu escrever um relatório


completo para despachar secretamente para Londres.
Na manhã seguinte Reilly começou a se pôr em ligação
com os líderes de seu movimento em Petrogrado. Ao meio-
dia êle telefonou ao antigo agente da Ochrana, Grammatikov.
A voz de Grammatikov soou roucamente e de maneira
desusada. — Quem é? — perguntou.
— Sou eu, Relinsky — respondeu Reilly.
— Quem? — insistiu Grammatikov.
Reilly repetiu o seu pseudônimo.
— Tenho alguém comigo que me trouxe más notícias —
disse Grammatikov cx-abrupto. — Os médicos operaram cedo
demais. A condição do paciente é grave. Venha imediatamente
se você deseja me ver.
Reilly correu para a casa de Grammatikov. Encontrou-o
esvaziando febrilmente suas gavetas e queimando papéis na
lareira.
— Os loucos se insurgiram cedo demais! — exclamou
Grammatikov, logo que Reilly entrou no seu quarto. Uritsky
está morto, foi assassinado no seu escritório esta manhã às 11
horas!
Enquanto falava, Grammatikov ia rasgando papéis. — Ê
um risco enorme permanecermos aqui. Eu estou sob sus-
peição, é claro. Se alguma coisa se descobrir, antes de mais
ninguém, nós dois estaremos envolvidos.
Chamando o Capitão Cromie à embaixada britânica, Reilly
soube que êle já era conhecedor do assassínio. Uritsky, chefe
da Tcheka de Petrogrado, fôra baleado por um terrorista
social-revolucionário. Tudo, porém, estava em ordem nas fi-
leiras de Cromie. Cuidadosamente, Reilly sugeriu que se reu-
nissem no seu rendez-vaus habitual. Cromie entendeu. O ren-
dez-vous habitual era o Café Balkow.
Reilly aproveitou o tempo de espera para destruir vá-
rios documentos comprometedores e desnecessários, e para
esconder cuidadosamente seus códigos e outros papéis...
Cromie não apareceu no Café. Reilly decidiu-se a ar-
riscar uma visita à embaixada britânica. Ao sair, cochichou
uma advertência a Balkov. "Alguma coisa anda mal. Es-
teja preparado para deixar Petrogrado e escapulir pela fron-
teira para a Finlândia..."
Na perspectiva Vlademirovsky, Reilly viu homens e mu-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 491

lheres correndo. Escondiam-se nos portões e nas esquinas.


Ouvia-se o rugido de poderosos motores. Passou a tôda pressa
um carro repleto de soldados do Exército Vermelho, depois
outro, mais outro.
Reilly apressou o passo. Estava quase correndo quando
dobrou a esquina para a rua em que estava a embaixada
britânica. Parou súbitamente. Em frente à embaixada jaziam
diversos cadáveres. Eram ôficiais mortos da polícia soviética.
Havia quatro carros diante da embaixada e através da rua
um duplo cordão de homens do Exército Vermelho. A porta
da embaixada fôra arrancada do lugar.
— Então, camarada Relinsky, veio ver nosso carnaval? —
Reilly girou a cabeça e viu um jovem soldado sorridente
do Exército Vermelho, que êle encontrara por várias vêzes
sob seu disfarce de camarada Relinsky da Tcheka. — Dize-me,
camarada, o que aconteceu? — perguntou Reilly todo aflito.
— A Tcheka andava à procura de um tal Sidney Reilly —
replicou o soldado.
Reilly veio a saber depois o que acontecera. Perseguindo
o assassino de Uritsky, as autoridades soviéticas em Petro-
grado mandaram agentes da Tcheka fechar a embaixada bri-
tânica. Em cima, o pessoal da embaixada, sob a direção do
Capitão Cromie, estavam queimando papéis comprometedo-
res. Cromie desceu e fechou a porta na cara da policia secreta
soviética. Êstes puseram a porta abaixo, e os agentes britâ-
nicos, desesperado interceptaram-nos na escada armados com
uma Browning automática em cada mão. Cromie atirou e
matou um comissário e vários outros oficiais. Os agentes da
Tcheka responderam ao fogo. O Capitão Cromie caíra, ba-
leado na cabeça...
Reilly passou o resto dessa noite em casa do terrorista
.social-revolucionário Sérgio Dornosky. De manhã êle mandou
Dornosky sair em reconhecimentos e saber dos acontecimen-
tos. Dornosky voltou com um exemplar do jornal comunista
oficial, Pravda. "As ruas serão lavadas em sangue", disse
Ne. "Alguém atirou em Lénin em Moscou. Errou o alvo,
infelizmente!" Passou o jornal a Reilly. Um cabeçalho desta-
cava o atentado contra a vida de Lénin.
Na "tarde anterior, quando Lénin deixava a fábrica de
Michelson, onde falara num comício, uma terrorista social-re-
volucionária de nome Fanya Kaplan alvejara o líder sovié-
56 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN.

tico com dois tiros à queima-roupa. As balas tinham sido


entalhadas e envenenadas. Uma penetrou no pulmão de
Lénin abaixo do coração. Outra entrou-lhe no pescoço, pró-
ximo à carótida. Lénin não morrera, mas dizia-se que a sua
vida estava pendendo por um fio.
A arma de que se servira Fanya Kaplan contra Lénin
fôra-lhe dada por um cúmplice de Reilly, Bóris Savinkov. Pos-
teriormente, Savinkov revelou èsse fato em suas Memórias
de um terrorista.
Com uma pequena pistola automática e pronto para qual-
quer eventualidade, Reilly partiu imediatamonte de trem pa-
ra Moscou. A caminho, no dia seguinte, comprou um jornal
no entroncamento de Klin. As notícias eram as piores pos-
síveis. Havia uma descrição pormenorizada do tôda a cons-
piração de Reilly, inclusive do plano de assassínio de Lénin
e dos demais líderes soviéticos, para tomar Moscou o Petro-
grado e para impor uma ditadura militar chefiada por Sa-
vinkov e Yudenitch.
Reilly ia lendo num abatimento crescente. TXoné Mar-
chand, o jornalista francôs quo estivera presente à reunião
no Consulado Geral Americano informara os bolcheviques de
tudo quanto fôra concluído lá.
Mas o golpe final ainda estava por vir.
O Coronel Berzin, comandante da guarda letônica, de-
nunciara o Capitão Sidney Reilly como agente britânico que
tentara suborná-lo com a oferta do dois milhões de rublos
para que conspirasse no assassínio dos líderes soviéticos. A
imprensa soviética publicava também a carta que Bruce Lock-
hart dera a Berzin para que pudesse transpor as linhas bri-
tânicas em Arcângel.
Lockhart fôra detido em Moscou pela Tcheka. Outros
oficiais e agentes aliados foram também cercados e postos
sob custódia.
Por tôda parte em Moscou fôra afixada a descrição de
Reilly. Seus vários pseudônimos — Massino, Constantine,
Relinsky — foram publicados juntamente com a proclamação
de sua proscrição. Iniciara-se a caçada.
A despeito do perigo evidente, Reilly se encaminhou
para Moscou. Localizou a dançarina de haílet, Dagmara, na
casa de uma mulher chamada Vera Petrovna, cúmplice de
Fanya Kaplan.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 491

Dagmara relatou a Reilly que o seu apartamento fôra


vasculhado alguns dias antes pela Tcheka. Ela conseguira es-
conder dois milhões de rublos que possuía cm notas do mil,
parte do dinheiro da conspiração de Reilly. Os agentes da
Tcheka não a prenderam; ela não soube porquô. Talvez porque
pensassem quo ela lhes abrisse a pista para apanhar Sidney
Reilly.
Mas com os dois milhões de rublos de Dagmara à sua
disposição, Reilly não seria uma prôsa fácil. Disfarçado ora
em mercador grego, ora em ex-oficial czarista, ora em oficial
soviético, ora cm trabalhador o militante comunista, file pro-
curou se locomover, despistando a Tcheka.
Um dia 61o encontrou o seu ex-auxiliar em Moscou, Capitão
George Hill, do serviço secreto britânico, que até então con-
seguira escapar à caçada bolchevique. Os dois agentes veri-
ficaram as listas do nomos o endereços. Reilly descobriu que
uma porção considerável do sua máquina anti-soviética estava
intacta. Então sentiu que ainda havia esperança.
Mas ao contrário do Reilly, o Capitão Hill julgava a
partida terminada. Êle ouvira dizer quo se negociava uma
troca do prisioneiros entro os governos soviético o britânico.
Os russos deviam libertar Lockhart o outros em troca d©
salvo-conduto a vários representantes soviéticos, inclusive Ma-
xin» Litvinov, quo as autoridades britânicas tinham aprisio-
nado na Inglaterra.
"Eu vou entregar-mo" disso o Capitão Hill. E aconselhou
Reilly a fazer o mesmo.
Mas Reilly não quis admitir a derrota. "Eu voltarei
sem permissão dos peles vermelhas", disse o Capitão Hill.
E apostou com o seu cúmplice que se encontrariam dois
meses depois no Hotel Savóia em Londres (12.)

(12) Após a sua volta à Inglaterra, o Capitão George Hill foi


designado pelo serviço secreto britânico em 1919 para servir como ofi-
cial de ligagão com os exércitos brancos do General Anton Denikin
durante a guerra de intervenção na Rússia Soviética. Mais tarde o
Capitão Hill foi trabalhar como agente especial para Henri Deterding,
o famoso magnata europeu do petróleo, cuja obsessão era destruir a
Rússia Soviética e que ajudara a financiar a ascensão de Hitler ao po-
der, na Alemanha. O govêrno britânico, subseqüentemente, se utili-
zou de George Hill cm importantes atribuições na Europa Oriental.
58 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN.

Reilly permaneceu na Rússia durante várias semanas,


colhendo material de espionagem, advertindo e encorajando
os elementos anti-soviéticos que ainda restavam. Depois do
que, escapulindo 'várias "vêzes por um triz, êle viajou com
um falso passaporte alemão, rumo a Bergen, Noruega. Daí
navegou para a Inglaterra.
De volta a Londres, o Capitão Reilly relatou tudo aos
seus superiores do serviço secreto britânico. Lastimou pro-
fundamente as oportunidades perdidas. "Se René Marchand
não tivesse traído . . . Se Berzin não se tivesse rendido . . .
Se a fôrça expedicionária tivesse avançado mais depressa sô-
bre Vologda... Se eu tivesse podido combinar com Savin-
kov..."
Mas de uma coisa Reilly tinha certeza. O fato de a
Inglaterra ainda estar em guerra com a Alemanha era um
desastre. Deveria haver uma • cessação imediata de hostili-
dades na frente ocidental, e uma coalizão contra o bolche-
vismo. O Capitão Sidney George Reilly exclamava:
"Paz, paz a qualquer preço — e uma frente única
contra os verdadeiros inimigos da humanidade!"

Em 1932 Hill publicou um livro em Londres. Seu título era Vai espiar
o país, ou seja, as Aventuras de 1. K. 8 do Serviço Secreto Britânico.
Na primavera de 1945 o governo de Churchill escolheu George
Hill, que fora entretanto elevado à categoria de brigadeiro no exército
britânico, para missão especial na Polônia. O Brigadeiro Hill, estava ex-
plicado, iria servir como observador britânico na Polônia, devendo,
de volta a Londres, informar sobre a situação então agitada da Po-
lônia. O govêrno provisório de Varsóvia não permitiu, entretanto, que o
Brigadeiro Hill entrasse na Polônia.
CAPITULO IV

AVENTURA SIBERIANA

1. "Aide Mémoire" •
No dia 2 de agôsto de 1918, dia em que as tropas bri-
tânicas acamparam em Arcângel, o Major-general William
S. Graves do Exército dos E.U.A. comandante da VIII Di-
visão em Camp Fremont, Palo Alto, Califórnia, recebeu uma
mensagem cifrada urgente do Departamento de Guerra em
Washington, D. C. A primeira frase decifrada dizia:
"NENHUM MEMBRO D O SEU PESSOAL OU QUEM
QUER QUE SEJA DEVERÁ CONHECER O CONTEÚDO
DESTA MENSAGEM."

E a mensagem instruía o General Graves para "tomar


o primeiro e mais rápido trem de S. Francisco, dirigir-se a
Kansas Cit^, e ali procurar o secretário de Guerra no Hotel
Baltimore.
Não havia o que explicasse o motivo dessa convocação do
general para Kansas City, assim como não havia indicação
alguma do tempo por que êle deveria se ausentar de seu
pôsto.
O General Graves, veterano e soldado severamente disci-
plinado, não fêz objeções, o que era aliás obviamente des-
necessário. Encheu a maleta ae viagem de alguns pertences
e duas horas depois já tomara o expresso de S. Fé, par-
tindo velozmente rumo a leste, deixando S. Francisco.
Chegando a Kansas City o general encontrou Newton
D. Baker, secretário de Guerra, esperando por êle na es-
tação.
60 MlfcHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

O secretário estava apressado. Tinha de tomar o trem


dentro de poucos minutos, explicou êle. Ràpidamente, relatou
ao General Graves o porquê de sua convocação para aquêle
encontro misterioso. O Departamento de Guerra o escolhera
para comandar uma expedição de tropas americanas que de-
veriam embarcar imediatamente para a Sibéria.
O Secretário Baker entregou ao General Graves um enve-
lope fechado, dizendo: "Isto contém a política dos E.U.A.
na Rússia, a qual você tem de seguir. Veja onde pisa. Você
vai andar em cima de ovos carregados de dinamite. Deus
o proteja e adeus l"
Nessa noite, sòzinho no seu hotel em Kansas City, o
General Graves abriu o envolopo lacrado. Desdobrou um me-
morando do sete páginas intitulado Aide Mémoíre, O me-
morando não tinha assinatura, mas aparecem na conclusão
as seguintes palavras: Departamento de Estado, Washington,
D. C., 17 de julho de 1918.
O Aíde Mémoíre começava com uma série do generali-
dades sôbre "o coração do povo americano" palpitando com
o desejo de "ganhar a guerra." Em necessário, prosseguia
o documento, que os E.U.A. cooperassem espontâneamente"
de todo o modo possível com os aliados contra a Alemanha.
E Aide Mémoire atingia o sou ponto principal:
"Depois de bem examinar a situação russa o go-
vêrno chegou à conclusão definitiva de que uma in-
tervenção militar agravaria do muito a confusão, seria
prejudicial em vez de benéfica e não apresentaria van-
tagens para o nosso principal objetivo: vencer a guerra
contra a Alemanha. Não podo assim tomar parte em
tal intervenção ou sancioná-la em princípio.'

Era uma norma política clara e precisa, com a qual o Ge-


neral Graves concordou cordialmente. Por que então era êle
enviado para comandar tropas americanas no território russo?
Perplexo, o general continuou a leitura:
"A ação militar é admissível na Rússia, como o
govêrno dos E.U.A. a considera nas atuais circuns-
tâncias, únicainente para auxiliar os tchecos a consoli-
dar as suas fôrças e colaborar vantajosamente com os
seus parentes eslavos..."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 61

Tcheco-eslovacos? Na Rússia?
"Deitei-me", escreveu mais tarde o General Graves, des-
crevendo o incidente no seu livro "Aventura Americana na
Sibéria", "mas não pude dormir, curioso por saber o que ou-
tras nações estavam fazqndo e porque não me davam alguma
informação do que ia pela Sibéria.'
Se o General Graves conhecesse as respostas às pergun-
tas que o mantinham desperto, ter-se-ia perturbado ainda
muito mais nessa noite do verão em Kansas City.

2. Intriga em Vladivostoque

Sob o regime feudal do Czar, a vasta e fabulosamente


rica região da Sibéria permanecera quase inteiramente es-
tagnada. Muito da imensa área que abrange das bordas da
Europa ao Pacífico e do Ártico ao Afeganistão estava com-
pletamento desabitada. Através dessa terra virgem e des-
conhecida passava a solitária E. F. Transiberiana, o único
elo entre leste o oosto. Quem controlasse essa ferrovia e o
território de umas poucas milhas de cada lado da mesma,
controlaria a Rússia Asiática, um subcontinente de impor-
tância estratégica © do riqueza incomensurável.
No meado do verão do 1918, quando Rayraond Robins via-
jou rumo a leste pela E. F. Transiberiana, ôle vira trens
carregados do soldados tcheco-eslovacos. Antigos membros des-
contentes do exército austro-húngaro, ôsses tchecos tinham de-
sertado em massa para as fileiras russas antes da Revolução.
O alto comando imperial russo os organizara num exército
tchcco lutando ombro a ombro com os russos contra as fôrças
austro-húngaras. Depois da queda de Kerensky, o govêrno
soviético concordara, por solicitação dos aliados, com o trans-
porte das tropas tchecas através da Rússia para Vladivostoque.
Elas embarcaram nesse pôrto, circundaram o globo para se
encontrarem com as fôrças aliadas na frente ocidental. Mais
de 50.000 dêsses soldados tchecos estavam alinhados ao longo
do percurso das 508 milhas ferroviárias de Kazan a Vladi-
vostoque.
Os soldados tchecos acreditavam que iam à Europa lutar
pela independência da Tcheco-Eslováquia, mas seus chefes, os
62 MlfcHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

generais reacionários Gayda e Sirovy, tinham outros planos.


Em conivência com certos homens de Estado aliados, êsses
fenerais planejavam se utilizar das tropas tchecas para derru-
ar o govêrno soviético...
Conforme o acôrdo estabelecido entre os aliados e o go-
vêrno soviético, os tohecos deviam entregar as suas armas às
autoridades soviéticas durante a passagem pelo território so-
viético. Mas aos 4 de junho de 1918, o Embaixador David
R. Francis informara seu filho, om carta, que estava "procu-
rando evitar, se possível", o desarmamento dos soldados tchecos.
O embaixador acrescentava:
"Não tenho instruções ou autorização de Washin-
gton para encorajar ôsses homens à dosobediência às
ordens do govêrao soviético, a não ser uma expressão
de simpatia manifestada pelo Departamento de Estado.
Todavia tenho feito o possível.

Agindo sob as ordens do General Gayda e Sirovy, os


tchecos recusaram-se a entregar o seu equipamento militar
às autoridades soviéticas. Simultâneamento ocorreram levantes
ao longo de tôda a ferrovia transiberiana. As tropas tchecas
bem treinadas e fartamente equipadas tomaram numerosas
cidades em que estavam estacionadas, derribaram os sovietes
locais e estabeleceram administrações anti-soviéticas.
Durante a primeira semana de julho, com o auxílio de
contra-revolucionários russos, o General Gayda desferiu um
golpe em Vladivostoque e estabeleceu um regime anti-soviético
nessa cidade. Nas ruas foram afixados cartazes e uma pro-
clamação assinada pelo Almirante Knight da Marinha dos
E.U.A., Vice-Almirante Koto da Marinha Japonêsa, Coronel
Pons da Missão Francesa e pelo Capitão Badiura do exército
tcheco-eslovaco, que fôra nomeado comandante da cidade
ocupada. A proclamação informava a população de que a in-
tervenção dos poderes aliados fôra motivada por "um espírito
de amizade e simpatia pelo povo russo."
Aos 22 de julho de 1918, cinco dias depois de ter o
Departamento de Estado dos E.U.A. redigido o seu Aide Mé-
moire acêrca da necessidade da remessa de tropas americanas
para auxiliar o desembarque de tropas tchecas, De Witt Clinton
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 63

Poole (13), cônsul americano em Moscou, enviou ao cônsul


em Omsk um telegrama cifrado que dizia:
'Informe confidencialmente os chefes tcheco-eslova-
cos que, salvo noticia posterior, os aliados desejam que
éles conservem sua posição atual. De outro lado, ôles
não devem deixar de aproveitar as exigências militares
da situação. Seria "desejável antes de tudo que êles
assumissem o contrôle da E. F. Transiberiana e depois
de assumido ôste, retivessem o contrôle de todo o ter-
ritório atualmente dominado por ôles. Informe os re-
presentantes franceses de que o cônsul-geral francês
concorda com estas instruções."

O pretexto dado pelos aliados para invadir a Sibéria no


verão efe 1918 ora o do salvar os tchecos de ataques não pro-
vocados das tropas do Exército Vermelho e dos prisioneiros
do guerra armados pelos bolcheviques. Nessa primavera e no
verão Os jornais britânicos, americanos e franceses encheram-
-se "de reportagens sensacionais acêrca dos bolcheviques que
estavam armando "detonas de milhares de prisioneiros alemães
e austríacos na Sibéria" a fim do lutarem contra os tchecos.
O New York Times relatava que só na cidade de Tomsk,
•60.000 alemãos haviam sido supridos de equipamento militar
pelos vermelhos.
O Capitão Ilicks, do serviço de informações britânico, o
Capitão Webster, da missão da Cruz Vermelha americana e
o Major Drysdalc, adido militar americano em Pequim, via-
jaram para a Sibéria com permissão das autoridades soviéticas
para inVestigarem sôbre tais acusações. Após semanas de
cuidadoso inquérito, os três homens chegaram à mesma con-
clusão. Não havia prisioneiros alemães ou austríacos armados
na Sibéria. As acusações, declararam os três oficiais, eram
pura fabricação da propaganda deliberadamente intencionada
em envolver os aliados numa intervenção contra a Rússia.
No dia 3 de agôsto de 1918, tropas britânicas acam-
param em Vladivostoque.

(13) De Witt Clinton Poole tornou-se mais tarde chefe do depar-


tamento de negócios russos do Departamento do Estado. ,
64 MICHÀEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

"Viemos", informava o governo britânico ao povo russo


no dia 8 de agôsto, "ajudar-vos a vos salvardes vós mesmos
do desmembramento e da destruição nas mãos dos alemães . . .
Desejamos assegurar-vos solenemente que não reteremos uma
nesga do vosso território. Os destinos da Rússia estão nas
mãos do povo russo. Cabe a êle, e só a cio, decidir a for-
ma de seu govêrno e achar a solução para os seus proble-
mas sociais.'
No dia 16 acamparam os primeiros destacamentos ame-
ricanos.
"A ação militar na Rússia atualmente", declarou Was-
hington, "só se justifica para proteger e ajudar quanto pos-
sível os tcheco-eslovacos contra os prisioneiros armados austría-
cos e alemães que os estão atacando, o para assegurar os es-
forços de autogovêrno e autodefesa dos próprios russos que
desejam receber assistência." p
Os japonêses acamparam também no mesmo môs com
tropas novas.
"Adotando essa medida", anunciou Tóquio, "o govêrno ja-
ponês permanece no firme propósito de promover relações de
duradoura amizade e assegura a sua política de respeitar a
integridade territorial da Rússia e de se abster de tôua inter-
ferência em sua política nacional."
Os soldados japonêses na Sibéria eram cuidadosamente
providos pelo alto comando japonês com pequenos dicioná-
rios russos nos quais a palavra "bolchevique", definida como*
barsuk (texugo. ou animal feroz), vinha seguida da seguinte
anotação: 'Tara ser exterminado."

3. Terror a leste

No dia 1.° de setembro de 1918, o General Graves che-


gou a Vladivostoque para assumir o comando das fôrças expe-
dicionárias americanas na Sibéria. "Acampei na Sibéria", es-
creveu êle mais tarde na Aventura Americana na Sibéria,
"sem nenhuma idéia preconcebida do que fazer ou deixar de
fazer. Eu não tinha preconceito algum contra nenhuma fac-
ção da Rússia e antecipadamente me sentia habilitado a tra-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 65

balhar harmoniosamente e com espírito cooperativo com todos


os aliados."
As instruções ao General Graves, como vinham no Aide
Mémoire, eram as de proteger a E. F. Transiberiana, ajudar
as fôrças tchceas a desembarcar em Vladivostoque e evitar
interferência nos negócios domésticos da Rússia.
Mal fixara êlo o seu quartel-general quando foi visitado
pelo chefe tcheco, General Gayda, que passou a colocar Graves
bem a par da situação russa. Os russos, disse Gayda, não
podem ser conduzidos com "gentileza ou persuasão, mas só a
chicote e baioneta." Para salvar o país do caos medonho,
era necessário varrer o bolchevismo e levar ao poder um di-
tador militar. Gayda disse que conhecia o homem talhado
exatamente para êsse pôsto: o Almirante Alexandre Vassilie-
vitch Kültehak, comandante naval ex-czarista que viera do Ja-
pão para organizar um exército anti-soviético e que já reunira
fôrças consideráveis na Sibéria. Entretanto, o General Graves
deveria ajudar os tchecos e outros para uma marcha imediata

E ara o Volga e um assalto de "exércitos anti-soviéticos a com-


ater os bolcheviques.
Gayda apresentou então ao General Graves um plano leste
sôbre Moscou. Êsse plano, revelou Gayda, fôra aprovado pe-
los consultores e representantes franceses e britânicos no De-
partamento de Estado dos Estados Unidos.
O General Graves repetiu as ordens que recebera de seu
govêrno e disse quo tencionava cumpri-las. Informou Gayda
de que enquanto ôle comandasse, nenhum soldado americano
seria utilizado contra os bolcheviques nem interferiria em qual-
quer negócio íntimo da Rússia.
Gayda saiu furioso. Pouco tempo depois o General Graves
' " " " ' "essa vez era o General Knox,
comandante das fôrças bri-
tânicas na Sibéria.
"Você está com a reputação de amigo dos pobres", ad-
vertiu Knox ao General Graves: "Não sabe você que são sim-
plesmente uns porcos?"
O General Graves tinha aejuilo que Raymond Robins de-
nominava "mentalidade aberta. Era um homem que preten-
dia descobrir as coisas por si mesmo. E êle decidiu-se a
obter informações de primeira mão acêrca do estado atual
dos negócios na Sibéria. Seus oficiais de informação pnseram-
66 MICHÀEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

-se logo a viajar pelo país e traziam extensos e minudentes


informes de suas observações. De há muito Graves chegara
à conclusão de que:
"A palavra "bolchevique", como se usava na Si-
béria, significava muita coisa do povo rusio, e empre-
gar tropas para combater bolcheviques ou armar, e
equipar, alimentar, vestir ou pagar russos brancos pa-
ra combatè-los, era absolutamente incompatível com a
cláusula do "não intervenção nos negócios internos da
Rússia."

No outono de 1918 já havia mais de 7.000 soldados


irjglôses no norte da Sibéria. Outros 7.000 oficiais britânicos
e franceses, técnicos o soldados estavam com o Almirante
Koltchak, ajudando-o a treinar o equipar seu exército branco.
Ajudando òs inglêses © franceses estavam 1.500 italianos. Ha-
via aproximadamente 8.000 soldados americanos sob o co-
mando do General Graves. A maior de tôdas as fôrças na
Sibéria era a japonôsa, que tinha grandes ambições de do-
minar por si só a Sibéria inteirinha. Os soldados japonêses
eram em número de 70.000...
Em novembro, o Almirante Koltchak, com o apoio de
britânicos e franceses, proelamou-sc com ditador da Sibéria.
O almirante, um homenzinho cxcitávol, a quem um dos seus
colegas descrevia como "uma criança doente... certamente
neurastônioa... sempre sob influência alheia", instalou quar-
tel-general em Omsk e conferiu a si próprio o título de
"Governador Supremo da Rússia." Anunciando que Koltchak
era "o Washington russo", o ex-ministro czarista Sazanov pron-
tamente se transformou em representante oficial de Koltchak
em Paris. Soaram hinos de louvor ao almirante em Londres
e Paris. Samuel Hoare repetia que na sua opinião Koltchak
era "um gentleman", Winston Churchill descrevia Koltchak co-
mo "honesto", "incorruptível", "inteligente" e "patriota." O
New York Times via nele "um homem valente e honesto",
com "um govêrno estável e aproximadamente representativo."
O regime de Koltchak era generosamente suprido pelos
aliados, especialmente pela Inglaterra, com munições, armas
de guerra e fundos. "Nós despachamos para a Sibéria", in-
formava enfàticamente o General Knox, "centenas de milhares
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 67

de fuzis, centenas de milhões de cartuchos, e t c . . . Cada bala


queimada contra os bolcheviques pelos soldados russos no curso
dêsse ano fôra manufaturada na Grã-Bretanha, por operários
britânicos, com matéria-prima britânica, despachada para Vla-
divostoque em cargueiros •britânicos."
Uma canção popular na Rússia dessa época, dizia:
Uniforrrtcs britânicos
Gnlôos da França
Fumo jnponâs
Koltchak rogo a dançai

p O General Graves não participava do entusiasmo aliado


pelo govôrno do Almirante Koltchak. Dia a dia seus oficiais
de informação traziam-lhe notícias do reino de terror que
Koltchak instituíra. Havia 100.000 homens no exército do al-
mirante e mais mil estavam sendo recrutados sob pena de
fuzilamento. Prisões e campos de concentração espalhavam-se
em superabundância. Centenas de russos que tinham come-
tido a temeridade de se opor ao novo ditador, foram pen-
durados aos postes telegráficos e árvores ao longo da E.F.
Transíberiana. Inúmeros outros repousavam em valas comuns
que eram obrigados a cavar por suas próprias mãos antes que
ós carrascos de Koltchak os atirassem para dentro a fogo de
«nolralha. Roubo, assassínio e pilhagem oram o programa do
dia.
Um dos principais esteios de Koltchak, um ex-oficial cza-
rista chamado General llozanoff, baixou as seguintes instruções
para os seus soldados:
"1. Ocupando as aldeias anteriormente ocupadas
pòr bandidos (guerrilheiros soviéticos), procurem apa-
nhar os líderes do movimento, e onde não puderem
apanhá-los, mas tiverem indícios da sua presença, então
fuzilem uma de cada dez pessoas do povo.
2. Quando as tropas atravessarem uma cidade e
a população não quiser informar os soldados, depois de
ter tido ensejo de o fazer, acèrca da presença do
inimigo, exigir-se-á inexoràvelmente de todos uma con-
tribuição em dinheiro.
3. As aldeias cuja população enfrentar nossas
tropas com armas, serão queimadas e todos ost adultos
68 MlfcHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

masculinos fuzilados; propriedades, casas, carros, etc.,


serão apreendidos para uso do exército."

Descrevendo o oficial que baixara tais ordens, o General


Knox disse ao General Graves: "Rozanoff é um ótimo com-
panheiro."
Ao lado das tropas de Koltchak bandos terroristas finan-
ciados pelos japonôses, assolavam o país. Seus chefes eram
o Ataman Gregori Semyonov e Kalmikoff.
O Coronel Morrow, comandante das tropas americanas
no setor Trans-Baikal, narrou que em uma aldeia ocupada
pelas tropas de Semyonov, todos os habitantes foram assas-
sinados. A maioria, relatou o coronel, havia sido abatida
"como coelhos" ao abandonarem as suas casas. Os homens
tinham sido queimados vivos.
"Semenov (Semyonov) e os soldados de Kalmikoff, se-
gundo o General Graves, "sob proteção das tropas japonôsas,
devastavam o país como animais selvagens, matando e rou-
bando o p o v o . . . Se se objetasse contra ôsses assassínios
brutais, respondiam que os assassinados eram bolcheviques,
e essa explicação, aparentemente, satisfazia ao mundo todo."
O General Graves exprimiu abertamente a sua repugnância
às atrocidades cometidas pelas fôrças anti-soviéticas na Si-
béria. Sua atitude suscitou muita hostilidade entre os chefes
brancos, franceses e japonôses.
Morris, o embaixador americano no Japão, que visitava
a Sibéria, comunicou ao General Graves que o Departamento
de Estado lhe cabografara dizendo que a política americana
na Sibéria necessitava do apoio de Koltchak. "Agora, general",
disse Morris, "vocô tem de apoiar Koltchak."
Graves replicou que não recebera nenhuma palavra di-
reta do Departamento de Guerra para apoiar Koltchak.
"É o Departamento de Estado que está orientando isto,
e não o Departamento de Guerra", disse Morris.
"Não estou sob as ordens do Departamento de Estado",
retrucou Graves.
Os agentes de Koltchak lançaram uma campanha de pro-
paganda para destruir a reputação de Graves e levar a cabo
sua revocação da Sibéria. Mentiras e boatos foram postos
em circulação descrevendo como o general se fizera "bolche-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 69

vique" e como as suas tropas estavam ajudando os comunis-


tas. Grande parte da propaganda era anti-semítica.
Um trecho típico dizia:
"Os soldados dos E.U.A. estão contaminados pe-
lo bolchevismo. Muitos dêles são judeus do East Side
de Nova Iorque, cofistantomente envolvidos em motins."

O Coronel John Ward, da polícia militar britânica, que


atuava como conselheiro político de Koltchak, declarou publi-
camente que quando visitara o quartel-general da fôrça expe-
dicionária americana, viu que "de 60 oficiais de ligação e
tradutores, mais de 50 eram judeus russos!"
Alguns dos próprios compatriotas do General Graves aju-
davam a ampliar essa propaganda. "O cônsul americano em
Vladivostoque", revelou o General Graves, "transmitia diària-
monte ao Departamento de Estado, sem comentário, os artigos
panfletários, falsos e obscenos que apareciam na imprensa de
Vladivostoque acôrca das tropas americanas. Esses artigos e a
crítica das tropas americanas nos E.U.A. giravam em tôrno
da acusação de serem estas bolcheviques... Essa acusação
jião poderia basear-se em ato algum das tropas americanas...
"mas a acusação ora a mesma quo se forjava contra qualquer
indivíduo que na Sibéria se recusasse a apoiar Koltchak. For-
jaram-na os aliados de Koltchak, entre ôles o Cônsul-geral
Harris."
Quando a campanha de difamação estava no auge, che-
gou ao quartel-general do General Graves um mensageiro es-
pecial do General Ivanoff-Rinoff, comandante de tôdas as
fôrças de Koltchak na Sibéria Oriental. O mensageiro comu-
nicou ao General Graves que se ôle contribuísse com 20.000
dólares mensais para o exercito do Koltchak, o General Iva-
noff-Rinoff poria térmo à propaganda contra Graves e suas
tropas...
Êsse General Ivanoff-Rinoff era um dos mais selvagens
e sádicos comandantes de Koltchak* Seus soldados na Sibéria
Oriental matavam populações inteiras de homens das aldeias
suspeitas de terem homiziado "bolcheviques." Praticavam ha-
70 MlfcHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

bitualmente o rapto de mulheres e espancavam-nas a coro-


nhadas. Assassinavam velhos, mulheres e crianças.
Um jovem oficial americano, enviado para investigar as
atrocidades cometidas por Ivanoff-Rinoff, ficou tão apavorado
com o que viu que depois de terminar o seu relatório a
Graves, exclamou: "General, por amor de Deus, nunca mais
me envie a outra expedição como essa! Eu acabaria tirando
o meu uniforme para me juntar a essa pobre gente e aju-
dá-la como pudesse!"
Quando o General Ivanoff-Rinoff se viu ameaçado por
um levante popular, o Senhor Charles Eliot, alto comissário
britânico, procurou induzir o General Graves a tomar a defesa
do comandante de Koltchak. •
"Pelo <jue me toca", comunicou irritado o General Graves
ao Senhor Charles, "pode o povo trazer Ivanoff-Rinoff em
frente ao meu quartel-general e dependurá-lo naquele poste
telefônico! — Nenhum "soldado americano levantará a mão
para defendê-lo."
Enquanto a guerra civil ganhava terreno, a intervenção
se alargava na Sibéria e por tôda a Rússia Soviética, acon-
tecimentos aterradores estavam se operando na Europa. No
dia 9 de novembro de 1918, marinheiros alemães se amoti-
naram em Kiel, mataram seus oficiais e hastearam a bandeira
vermelha. Demonstrações populares de paz se alastravam
pela Alemanha. Na frente ocidental soldados aliados e ale-
mães fraternizavam ,na terra de ninguém. O alto comando
alemão pedira um armistício. O Kaiser Guilherme II fugira
para a Holanda, entregando a sua espada real a um atônito
jovem guarda na fronteira. Aos 11 de novembro foi assi-
nado o armistício.
Terminara a I Guerra Mundial.
CAPITULO V

PAZ E GUERRA

1. Paz no Ocidente
*

A I Guerra Mundial terminara ex-abrupto. Como disse


o oficial alemão Capitão' Ernst Roehm: "Estourou a paz."
Instalaram-se sovietes em Berlim, Hamburgo e na Bavária.
Operários fizeram demonstrações de paz e de democracia nas
ruas de Paris, Londres e Moscou. A Revolução tomava a
Hungria. Os Balcãs ferviam com o descontentamento dos
camponeses. Após os terríveis quatro anos de guerra, havia
anelos apaixonados nos lábios ae todos: Chega de guerra!
Nie wieder Krieg! Jamais plus de guerre! Nunca mais!
"A Europa está tôda cheia do espírito da Revolução!",
devia comunicar David Lloyd George à Conferência da Paz
em Paris no seu memorando confidencial de março Se 1919.
"Há um sentimento profundo não só de descontentamento,
mas de ódio e revolta entre os operários contra as condições
de anteguerra. Tôda a ordem existente em seus aspectos
político, social, econômico é discutida pelas massas populares
de ponta a ponta da Europa."
Dois nomes resumiam as aspirações das massas e os
temores de alguns: Lénin e Wilson. A leste, a revolução
de Lénin varrera o czarismo e abrira uma nova era para os
milhões de oprimidos do antigo domínio imperial russo. No
ocidente, os 14 Pontos lacônicamente redigidos de Woodrow
Wilson sublevaram um fermento de esperança e expectativa
democrática. Quando o presidente dos E.U.A. pisou o solo
ensangüentado da Europa em dezembro de 1918, multi-
dões felizes se acotovelaram para beijar-lhe as mãos e es-
parzir flores a seus pés. O presidente do Novo Mundo
72 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

era aclamado pelo povo do Velho Mundo como "Rei da


Humanidade'", "Salvador", "Príncipe da Paz." Acreditavam
que o pequeno e frágil professor de Princetown fôsse o
Messias destinado a anunciar uma nova e grande Idade.
Dez milhões de homens tinham sucumbido na batalha;
20 milhões estavam estropiados e mutilados; outros milhões
erravam destituídos de tudo e desabrigados entre as ruínas
fumegantes da Europa» Mas agora, finalmente, a guerra aca-
bara e o mundo ouvia falar novamente de paz:
"Meu conceito sôbre Liga das Nações é exatamen-
te este — ela atuará como fôrça moral organizada
dos homens de todo o mundo", disse Woodrow Wil-
son (14.)

Em janeiro de 1919 os Quatro Grandes — Woodrow


Wilson, David Lloyd George, George Clemenceau ,e Vittorio
Orlando — sentaram-se a uma mesa de conferência em Quai
d'Orsay, em Paris, para deliberarem acêrca da paz mundial.
Mas um sexto do mundo não estava representado na
Conferência da Paz. No momento mesmo em que falavam
os pacificadores, dezenas de milhares de soldados aliados mo-
viam uma guerra sangrenta e não-declarada contra a Rússia
Soviética. Ombreando com os exércitos brancos contra-revo-
lucionários de Koltchak e Denikin, as tropas aliadas comba-
tiam o jovem Exército Vermelho numa vasta linha de luta
que se estendia das regiões glaciais árticas até ao Mar Negro,
dos campos da Ucrânia até às montanhas e estepes da Sibéria.
Uma violenta é fantástica campanha de propaganda an-
ti-soviética soprava pela Europa e América na primavera de
1919. O London Daily Telegraph noticiava um "reino de
terror" em Odessa acompanhado de "uma semana de amor
livre." O Neto York Surt exibia em negrito: "Feridos dos
E.U.A. são mutilados pelos vermelhos a machado." O New
York Times informava: "A Rússia Vermelha um gigantes-
co manicômio. Vítimas foragidas dizem que maníacos pas-

(14) Em seu discurso de abertura da Conferência de Faz em Pa-


ris, Wilson disse ainda: "Há, além do mais, uma voz que clama
por estas definições de princípios e de intuitos, que é, parece-me, mais
penetrante e mais insistente do que muitas outras vozes agitadas que
enchem o ar. £ a voz do povo russo."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 73

selam delirando pelas ruas de Moscou... Cães brigam por


causa de carniça." A imprensa do mundo inteiro, tanto alia-
da como alemã, publicava "documentos autênticos", frau-
dulentos, contando que na Rússia "meninas e moças das clas-
ses burguesas" eram "enviadas e entregues aos acampamentos
para as necessidades dos regimentos de artilharia!"
Os relatos reais das verdadeiras condições na Rússia, em-
bora de jornalistas, agentes secretos, diplomatas e mesmo de
generais como Judson e Graves, eram suprimidos ou ignora-
dos. Quem quer que ousasse se opor à campanha anti-so-
viética era automàticamente denunciado como "bolchevique."
Dois meses apenas depois do armistício, os chefes alia-
dos já pareciam ter-se esquecido da finalidade do grande
conflito que se travara. A "'ameaça do bolchevismo" preva-
lecia a qualquer outra consideração. Dominava a Conferência
da Paz em Paris.
O Marechal Foch, comandante-chefe das forças aliadas
apareceu antes de uma sessão secreta da Conferência da Paz
para pedir um rápido tratado com a Alemanha, de sorte que
os aliados pudessem arremessar os seus recursos conjugados
contra a Rússia Soviética. O marechal francês pleiteava a
causa do inimigo mortal da França, a Alemanha.
"A atual e difícil situação do govêrno alemão é muito
conhecida", disse Foch. "Em Mannheim, Carlsruhe, Baden
e Duesseldorf, o movimento soviético está se estendendo ràpi-
damente. No presente momento a Alemanha aceitará por
conseguinte quaisquer têrmos que os aliados venham a im-
por. O govêrno alemão pede ünicamente paz. É a única
coisa que satisfará ao povo e habilitará o govêrno a dominar
a situação."
Para abater a revolução alemã, o alto comando alemão
devia ser autorizado a conservar um exército de 100.000 ofi-
ciais e homens, assim como a chamada "Guarda Negra do
Reich", composta dos mais altamente treinados e doutrinados
soldados' da Alemanha. Além do que, o alto comando ale-
mão era autorizado a subsidiar as ligas nacionais subterrâneas
e as sociedades terroristas para matar, torturar, intimidar os
74 *
MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

democratas alemães insurretos. Tudo isso a título de "salvar


a Alemanha do bolchevismo." (15.)
O General Max Hoffmann, ex-comandante dos exércitos
alemães na fronteira oriental e o "herói" de Brest-Litovsk,
aproximou-se de seu recente inimigo, o Marechal Foch, com
um projeto pelo qual o exército germânico deveria marchar
sôbre Moscou e aniquilar o bolchevismo "em sua fonte." Foch
aprovou o plano, mas propôs que o exército francês, em vez
do alemão, constituísse a ponta de lança do ataque. Foch
desejava mobilizar tôda a Europa Oriental contra a Rússia
Soviética.
"Presentemente reina na Rússia o bolchevismo e a mais
completa anarquia", comunicou Foch à Conferência de Paz
em Paris. "Meu plano consistiria em fixar tôdas as questões
importantes por resolver no Ocidente, a fim de habilitar os
aliados a usarem os recursos mais eficazes para a solução
da questão oriental... As tropas polonesas poderiam en-
frentar os russos, uma vez que fôssem fortalecidas com o
suprimento de material e maquinaria moderna de guerra.

(15) A razão da desistência dos exércitos aliados de marcharem


sôbre Berlim em 1918 e desarmarem permanentemente o militarismo ger-
mânico foi o mêdo do bolchevismo, hàbilmente explorado pelos .políticos
alemães. O comandante-chefe aliado, Marechal Foch, revelou em suas
-memórias de após-gucrra que desde o comêço das negociações de paz
os intérpretes alemães invocam repetidamente "a temida invasão bolche-
vista da Alemanha" como meio de assegurar têrmos favoráveis de paz
para a Alemanha. O General Wilson do estado-maior britânico recordava
em seu Diário de Guerra de 9 de novembro de 1918, dois dias antes
da assinatura,do armistício: "Reunião do gabinete esta noite, das 6,30
às 8. Lloyd George leu dois telegramas d o "Tigre" (Clemenceau) em
que êle descrevia a entrevista de Foch com os alemães: O "Tigre"
temia que a Alemanha fraqueasse e que o bolchevismo pudesse do-
íninar. Lloyd George perguntou se eu desejava que isso sucedesse ou
se eu preferia o armistício. Sem hesitação repliquei: "Armistício." Todo o
gabinete concordou comigo. Para nós o perigo real não são os alemães,
mas o bolchevismo." Num momento de lucidez o próprio Clemenceau
admoestou a Conferência de Paz em Paris que êsse ' antibolchevismo"
era um ardil utilizado pelo estado-maior alemão para confundir os alia-
dos e salvar o militarismo alemão. "Os alemães se utilizam do bolche-
vismo", disse Clemenceau em 1919, "como de um espantalho para ame-
drontar os aliados," Apesar de tudo, sob a influência de Focn, Pétain,
Weygand e outros, o Tigre" esqueceu sua própria admoestação e su-
cumbiu à história antibolchevique que já paralisara tôda iniciativa clara
e tôda atuação democrática dos" pacificadores.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 75

Seria preciso iam grande número de homens, que se pode-


riam obter com a mobilização dos finlandeses, poloneses, tche-
cos, rumenos e gregos, assim como de elementos russos pró-
-aliados ainda úteis.. t Se se fizer isso, 1919 ainda verá o
fim do bolchevismo!"
Woodrow Wilson desejava um entendimento cordial com
^ a Rússia. O presidente" aos E.U.A. reconhecia o absurdo
de falar-se numa paz mundial quando um sexto do mundo
estava excluído das conversações. Wilson urgiu a Conferência
de Paz a convidar os delegados soviéticos para virem sen-
tar-se com os aliados no empenho de atingir um entendi-
mento. Mais de uma vez Wilson voltou a essa idéia, pro-
curando banir o espectro do bolchevismo das cabeças dos
pacificadores.
"Há pelo mundo inteiro um sentimento de revolta con-
tra os amplos interesses que influenciam o mundo quer na
esfera econômica como política", advertiu Wilson no Con-
selho dos Dez em uma das reuniões secretas de paz em
Paris. "O caminho para sanar essa dominação é, segundo
me parece, a discussão constante e um lento processo de re-
forma: mas o mundo em geral impacientou-se com a de-
mora. Há nos E.U.A. homens da mais fina têmpera, se não
do mais fino bom-senso, que simpatizam com o bolchevismo,
* porque êste se lhes apresenta como um regime de oportuni-
dade para o indivíduo que êles tentam realçar."
Mas Woodrow Wilson estava cercado de homens deter-
minados a preservar a todo custo o status qua. Ligados
por seus tratados secretos imperialistas e pactos comerciais,
esses homens planejavam astutamente sabotar e frustrar tôdas
as oportunidades de Wilson. Houve momento em que Wilson
se rebelou e ameaçou levar a sua causa ao povo, passando
por cima dos políticos e militaristas.
Em Roma, planejava fazer um discurso sensacional, do
balcão do Palácio de Veneza, que domina a grande praça
onde, apenas dois anos depois, Benito Mussolini deveria dis-
cursar aos seus Camisas Pretas. Os monarquistas italianos, te-
mendo os efeitos da palavra de Wilson ao povo de Roma,
impediram a multidão de se reunir e frustraram a demons-
tração com o pretexto de que era inspirada por bolcheviques.
O mesmo aconteceu em Paris, onde Wilson esperou ,à janela
de seu hotel, durante tôda a manhã, para falar, como pro-
76 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

metera, aos trabalhadores. Êle não soube que a polícia e


soldados franceses tinham sido mobilizados para impedir os
trabalhadores de se aproximarem do hotel...
Durante sua estada na Europa, em qualquer lugar que
fôsse, Wilson era cercado de agentes secretos e propagan-
distas; às suas costas, campeava a intriga.
Cada uma das potências aliadas organizara a sua própria
espionagem para se utilizar dela na Conferência da Paz. Na
Praça da Concórdia, 4, em Paris, o serviço de informações
militares dos E.U.A. estabelecera uma sala especial de có-
digo, onde oficiais grandemente treinados e secretários cuida-
dosamente selecionados, trabalhavam noite e dia interceptando
e decifrando mensagens secretas das demais potências. Essa
sala de código estava sob a direção do Major Herbert O.
Yardley, que revelou depois em seu livro A Câmara Escura
Americana, com informes de testemunhas oculares de agen-
tes americanos na Europa, descrevendo o verdadeiro estado
das coisas, que eram deliberadamente desviadas do Presidente
Wilson, a cujos ouvidos, entretanto, martelavam incessante-
mente a sórdida e fantástica propaganda antibolchevique.
Freqüentemente o Major Yardley interceptava e decifrava
mensagens secretas concernentes aos planos de sabotagem da
política de Wilson. Certa vez decifrou uma mensagem de
caráter assustador e sinistro. O Major Yardley revelou:

. . o leitor poderá fàcilmente compreender o cho-


que que tomei quando decifrei um telegrama que
denunciava uma conspiração da Entente para assas-
sinar o Presidente Wilson, quer administrando-lhe um
veneno sutil, quer administrando-lhe influenza em gêlo.
Nosso informante, no qual eu depositava a maior con-
fiança, suplicava às autoridades, por amor de Deus,
que avisassem o Presidente. Não tenho elementos pa-
ra afirmar que êsse plano tenha sido pôsto em exe-
cução, e tendo-o sido, se foi eficaz. Mas êstes fatos
são inegáveis: Os primeiros sintomas da enfermidade
do Presidente Wilson ocorreram em Paris, e êle iria
morrer logo depois, *vitimado por uma morte lenta."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 77

2. Na Conferência de Paz
Nas primeiras sessões da Conferência da Paz em Paris,
o Presidente Wilson acRou um aliado inesperado em seu
empenho de obter um tratamento cordial com a Rússia. O
^primeiro-ministro da Grã-Rretanha, David Lloyd George veio
em apoio de Wilson com uma série de pungentes ataques
aos planos anti-soviéticos de Foch e do premier francês
Clemenceau.
"Os alemães", declarou Lloyd George, "no tempo em
t? que precisaram de todo homem válido para reforçar o seu
ataque no front ocidental, foram forçados a conservar cêrca
de um milhão de homens para guarnecerem algumas poucas
províncias da Rússia, que constituíam apenas uma orla de
todo o país. E, ainda mais, nesse tempo o bolchevismo era
débil e desorganizado. Agora é forte e tem um exército
formidável. Está algum dos países aliados em condições de
remeter um milhão de homens à Rússia? Se eu propusesse
enviar mil soldados britânicos adicionais à Rússia para esse
fim, o exército se amotinaria! O mesmo se aplica às tropas
dos E.U.A. na Sibéria; idem para as tropas canadenses e
francesas. A simples idéia de esmagar o Dolchevismo pela
.fôrça militar é uma loucura. Admitindo-a como fato consu-
mado, quem ocuparia a Rússia?"
Diferentemente de Wilson, o primeiro-ministro britânico
não era levado por considerações idealistas. Êle temia a re-
volução na Europa e na Ásia; e, como velho político, a "Ra-
pôsa" de Gales era finalmente sensível ao temperamento po-
pular da Inglaterra que era densamente contrário à conti-
nuação da intervenção na Rússia. Havia ainda uma razão
mais premente para a oposição aos planos do Marechal Foch.
Henry Wilson, chefe do estado-maior britânico, num recente
relatório secreto ao Ministério da Guerra estabelecera que a
única ! — anha era a de "recolher as
nossas Rússia e concentrar tôda a
fôrça em nossos centros de rebelião: Inglaterra, Irlanda, Egito,
Índia."-
Lloyd George temia que Foch e Clemenceau tentassem
estabelecer a hegemonia francesa na Rússia enquanto a In-
glaterra estivesse preocupada em outra parte. E , assim o
78 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

astuto premier britânico, acreditando que poderia eventual-


mente conseguir o que queria, apenas deixando a Rússia sò-
zinha por enquanto, apoiou o presidente dos E.U.A. no
pedido de um bom entendimento com os bolcheviques. Nas ses-
sões secretas da Conferência de Paz em Paris, Lloyd George
não mediu palavras.
"Os camponeses aceitaram o bolchevismo pela mesma
razão por que o aceitaram na Revolução Francesa, a saber,
porque lhes deu terra" declarou Lloyd George. "Os bolchevi-
ques são o govêrno de fato. Nós reconhecemos formalmente
o govêrno do Czar, mesmo no tempo em que sabíamos que
êle estava absolutamente podre. Nossa razão era a de ser
êle um govêrno de fato... Mas recusamos reconhecer os
bolcheviques! Dizer que nós mesmos é que deveríamos es-
colher os representantes de um grande povo é contrário ao
principio pelo qual lutamos." ,
O Presidente Wilson disse que não podia ver como al-
guém pudesse controverter Lloyd George. Propôs a convo-
cação ae uma conferência especial na Sha de Prinkipo, ou
em algum outro lugar "de fácil acesso", a fim de se explo-
rarem as possibilidades da paz na Rússia. No interêsse da
imparcialidade, os delegados tanto do grupo soviético como
do grupo branco anti-soviético, seriam convidados a compa-
recer . . .
O "Tigre" francês, George Clemenceau, intérprete dos
detentores franceses das ações de companhias do tempo do
Czar e do estado-maior, levantou-se para replicar em auxílio
dos advogados da intervenção. Clemenceau sabia que a po-
lítica sutil de Lloyd George não seria apoiada nos círculos
dirigentes britânicos, onde os militaristas e o serviço de infor-
mações já se tinham consagrado à guerra anti-soviética. Áo
mesmo tempo, Clemenceau sentiu a necessidade, para pro-
veito de Wilson, de abater os argumentos de Lloyd George
com uma forte caracterização da ameaça bolchevique.
"Em principio", começou Clemenceau, "eu não favoreço
o entendimento com os bolcheviques, não porque êles sejam
criminosos, mas porque os estaríamos levantando ao nosso
nível, dizendo que êles são dignos de entrar em entendimento
conosco." O primeiro-ministro britânico e o presidente dos
E.U.A. se assim fôsse permitido falar ao premier francês,
vêm adotando uma atitude muito acadêmica e doutrinária
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 79

na questão do bolchevismo. "O perigo bolchevique é muito


grande e está muito próximo de nós', declarou Clemenceau.
O bolchevismo está se alastrando. Êle invadiu as províncias
bálticas e a Polônia, e .ainda esta manhã recebemos muito
más notícias com respeito à sua expansão até Budapeste e
Viena. A Itália também está em perigo. O perigo é pro-
-^àvelmente maior lá do que na França. Se o bolchevismo,
depois de estender-se na Alemanha, conseguisse atravessar a
Áustria e a Hungria, e atingir a Itália, a Europa teria de
enfrentar um imenso perigo. Por tudo isso, alguma coisa
precisa ser feita contra o bolchevismo 1..."
Clemenceau não se fiou apenas em sua própria eloqüência.
Pediu permissão para apresentar "testemunhas experientes''
sôbre o bolchevismo. A primeira foi o embaixador Noulens, o
velho amigo do Embaixador Francis em Petrogrado e líder
número um dos intrigantes anti-soviéticos no corpo diplomá-
tico. Noulens foi apresentado a Wilson e Lloyd George.
"Limitar-me-ei à narrativa de fatos", disse Noulens, que
barafustou imediatamente numa narração estupefaciente das
"atrocidades bolchevistas."
"Não só homens, mas também mulheres foram fuzilados",
disse Noulens. "Houve atrocidades, enforcamentos, narizes e
^ línguas cortados, mutilações, enterros de gente viva, fuzila-
mentos, roubo e pilhagem por tôda parte."
Noulens repetiu a intriga febricitante do corpo diplomá-
tico anti-soviético dos emigrados czaristas: "Há uma compa-
nhia de torturadores profissionais mantidos na Fortaleza de
Pedro e Paulo... O exército bolchevique é mais uma ralé
do que um exército I"
"Está aí o caso do Capitão Cromie, o adido naval bri-
tânico", continuou Noulens, "que foi assassinado em defêsa
da embaixada britânica, cujo corpo foi exposto por três dias
na janela da embaixada!" Terror, matanças em massa, de-
generescência, corrupção, desprêzo completo dos aliados —
essas as atitudes características do regime soviético...
"Finalmente", disse Noulens, "quero assinalar que o go-
vêrno bolchevique é definitivamente imperialista. Ele aspira
à conquista do mundo e não quer a paz com govêrno algum!"
Mas com todos os esforços de Noulens, o presidente dos
E.U.A. não ficou grandemente impressionado. Apenas al-
80 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Íjuns dias antes, um agente especial americano, W. H. Buck-


er, a pedido de Wilson, mantivera uma palestra com Maxim
Litvinov, do govêrno soviético. Em um relatório datado de
18 de janeiro de 1919, Buckler informou o Presidente Wilson:
"Litvinov assegurou que o govêrno soviético estava
ansioso por uma paz definitiva. Êle detesta os pre-
parativos militares e as custosas campanhas que ainda
agora ó obrigado a fazer na Rússia depois de quatro
anos de guerra exaustiva, e deseja certificar-se se os
E.U.A. e os aliados desejam a paz.
Se é êste o caso, a paz pode ser fàcilmente ne-
gociada, para o que, segundo Litvinov, o govêrno so-
viético está disposto a comprometer-se a tudo, inclusive
permissão de novas concessões na Rússia, e o reconhe-
cimento do débito estrangeiro russo... A atitude con-
ciliatória do govêrno soviético è indiscutível.
. . . Até onde a Liga das Nações puder prevenir a
guerra sem encorajar a reação, pode contar com o
apoio do govêrno soviético."

Buckler acrescentou que havia certos elementos dentro


das fileiras soviéticas que se opunham fortemente à política
de paz do govêrno. Êsses elementos de oposição, "informava
Buckler, "esperam uma intervenção aliada mais ativa" e, ad-
moestava, "a continuação de tal intervenção favorece a êsses
extremistas."
O projeto de paz de Woodrow Wilson, sustentado por
Lloyd George, parecia vingar a despeito de Clemenceau e
Foch, Wilson redigiu uma nota sublinhando os têrmos de
sua proposta e enviou-a ao govêrno soviético e aos vários
grupos de russos brancos. O govêrno soviético imediata-
mente aceitou o plano de Wilson, e dispôs-se a enviar dele-
gados a Prinkipo. Mas, como depois assinalou Winston Chur-
chill, "o momento não era propício" para a paz na Rússia.
Na maioria os chefes aliados estavam convictos de que o
regime soviético seria brevemente derribado. Por sugestão
secreta de seus protetores aliados, os grupos brancos se recu-
saram a reunir-se em Prinkipo com os delegados soviéticos.
A atmosfera na Conferência de Paz mudou. Lloyd Geor-
ge, vendo que não se chegava a conclusão alguma, voltou
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 81

sübitamente para Londres. Em seu lugar. Winston Churchill,


o jovem secretário britânico de Guerra e Aviação, dirigiu-se
apressadamente a Paris para sustentar a causa dos extremistas
antibolcheviques (16.)
Era o dia 14 de fevereiro de 1919, um dia antes da
volta de Wilson para a América a fim do enfrentar o bloco iso-
^tacionista do Congresso, encabeçado pelo Senador Lodge, que
solapara os esforços destinados a criar um sistema de segu-
rança c cooperação mundial. Wilson reconhecia que falhara
na Europa o temia falhar nos E.U.A. Êlo estava desiludido,
cansado o profundamente desanimado.
Winston Churchill foi apresentado ao Presidente Wilson
polo secretário do Exterior Dritânico, A. J. Balfour, o qual
anunciou que o secretário da Guerra britânico viera a Paris
para expor os pontos de vista do ministério britânico na
questão da Rússia. Churchill imediatamente iniciou um ata-
que ao plano de paz de Wilson em Prinkipo.
"Ontem o gabinete reuniu-se em Londres", disse, "e aí
manifestou-se grande ansiedade a respeito da situação russa,
particularmente com relação à reunião de Prinkipo... Se só
os bolcheviques tiverem de comparecer à conferência, é claro

« (10) Por Ôsso tempo e por muitos anos depois, Winston Chur-
chill foi o principal intérprete do anti-sovietismo dos conservadores bri-
tânicos. Churchill tomia a expansão das idéias revolucionárias russas pe-
los regiões orientais do Império Britânico. Renó Kraus, cm sua bio-
grafia de Winston Churchill cscrovo: "Os cinco Grandes em Paris deci-
diram apoiar a contra-revolução dos russos brancos. Winston Churchill
contava com a execução de uma ação por que não era responsável.
Mas não há negar quo uma vez tomada a decisão ôle se apres-
sou cm executá-la. Associado com o chefe do estado-maior, Henry
Wilson, éle elaborou um programa para equipar e armar diversos exér-
citos brancos com material bélico sobressalente, e para ajudá-los com
oficiais hábeis e instrutores."
Depois que Adolfo Hitler subiu ao poder na Alemanha. Churchill
reconheceu que o nazismo constituía a ameaça real aos interêsses bri-
tânicos na Europa e no mundo. Sem hesitar, Churchill mudou de
posição com a Rússia Soviética, e passou a propor uma aliança entre
a Grã-Bretanha, França e União Soviética para deter a marcha da
agressão nazi. Em 1941, quando a Alemanha Nazista invadiu a Rússia
Soviética, a voz de Churchill foi a primefra a dirigir ao mundo a
declaração de que a luta da Rússia era a luta de todos os países
livres e receberia o apoio da Grã-Bretanha. Concluída a 11 Guerra Mun-
dial, Churchill suscitou novamente a "ameaça do bolchevismo."
82 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

ue pouco resultado derivará da reunião. O aspecto militar


o caso deve ser considerado. A Grã-Bretanha tem soldados
na Rússia, que estão sendo mortos em combate."
Wilson respondeu: "Já que Mr. Churchill veio de Londres
especialmente para antecipar minha partida, sinto que devo
expressar minhas idéias pessoais sôbre o assunto. Entre as
muitas incertezas referentes à Rússia, eu tinha uma opinião
muito clara acêrca de dois pontos. O primeiro é que as
tropas dos aliados não estão prestando serviço algum na Rússia.
Elas não sabem por quem nem por que estão lutando. Não
estão fazendo nenhum esfôrço promissor para restabelecer a
ordem. Estão ajudando movimentos locais, como, por exem-
plo, os dos cossacos, que não podem se locomover fora de
sua própria esfera. Minha opinião, por conseguinte, é que
os aliados deveriam retirar as suas tropas de todos os pontos
do território russo I"
"O segundo ponto", prosseguiu Wilson com enfado, "pren-
de-se a Prinkipo... O que estamos procurando não é uma
aproximação com os bolcheviques, mas- uma informação clara.
Os informes recebidos da Rússia, de várias fontes oficiais e
oficiosas, são tão contraditórios que é impossível formar-se um
quadro coerente do estado do país. Alguma luz sôbre a
situação poderia se fazer numa reunião de representantes
russos."
Após ter falado o presidente americano, Churchill re-
plicou:
"A retirada, completa de tôdas as tropas aliadas ó uma
política clara e lógica, mas a conseqüência disso seria a des-
truição de todos os exércitos não-bolcheviques na Rússia. Êstes
montam atualmente a cêrca de 500.000 homens, e embora
não sejam dos de melhor qualidade, seu número está em
constante aumento. Essa política equivaleria a desmontar a
máquina inteira. Não haveria mais resistência armada aos
bolcheviques e tudo quanto restaria da Rússia seria uma in-
terminável paisagem de violência e miséria."
"Mas em algumas áreas essas fôrças e suprimentos es-
tariam certamente apoiando reacionários", objetou Wilson.
"Conseqüentemente, se se perguntar aos aliados o que estão
apoiando na Rússia, êles são obrigados a responder que não
sabeml" *
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 83

Churchill ouviu atentamente, "Eu gostaria de saber", disse


êle, "no caso de fracassar a Conferência de Prinkipo o Con-
selho aprovaria o armamento das fôrças antibolcheviques na
Rússia?
Desalentado, doente,'abandonado por Lloyd George, Wil-
son concluiu que estava isolado no meio de homens resol-
vidos a seguir o seu próprio caminho.
"Expus ao Conselho como eu agiria se devesse resolver
S o r mim sòzinlio", disse o presidente dos Estados Unidos.
)evo entretanto submeter-me à maioria."
Wilson regressou aos E.U.A. para lutar na sua trágica
p batalha perdida contra a reação americana (17.)
O Secretário de Estado Lansing assumiu o lugar dêle na
Conferência de Paz e o tom das discussões sofreu uma con-
siderável mudança. Os representantes aliados não sentiram
mais a necessidade de esconder os seus propósitos.
Clemenceau recomendou sêcamente que a Conferência de
Paz "procurasse resolver suas dificuldades do modo mais dis-

(17) Woodrow Wilson fêz um derradeiro esfôrço para conseguir


um entendimento cordial com a Rússia. Por sua própria iniciativa enviou
a Moscou, William C. Bullit, ontão o mais jovem funcionário do De-
partamento do Estado adido à delegação americana & Conferência de
Paz em Paris, para entrar em contacto com Lónin e indagar do líder
soviético se realmente desejava a paz. Bullit foi acompanhado em sua
missão pelo grande jornalista americano Lincoln Steffens, que voltou
com a sua síntese de 8 palavras à Rússia Soviética: I have seen
the future and it works! — ou seja, vi o futuro e êle se move!
O próprio Bullit trouxe de volta os térmos de paz de Lénin para
os aliados o para os grupos brancos. Lénin estava mais do que
desejando a paz, mas suas propostas, como Winston Churchill iria
finalmente revelar em sou trabalho A Crise do Mundo: a segunda
colheita, eram "tratadas com desdém" e "o próprio Bullit via-se, não
sem dificuldade desautorizado por aquéles que o tinham enviado." A
exposição de Bullit, como êle a apresentou à Comissão do Senado
para as Relações Exteriores em setembro de 1919, explicava porque
foram desprezados os térmos de paz de Lénin: Koltchak fêz um avanço
de cem milhas e imediatamente a imprensa tôda de Paris se pôs a fazer
estardalhaço sôbre o caso, anunciando que êle estaria em Moscou den-
tro de duas sçmanas: e daí tôda gente de Paris, inclusive, sinto
dizer, membros da Comissão Americana, começou a esfriar com respeito
à Paz na Rússia, na certeza de que Koltchak chegaria em Moscou
e varreria o govêmo soviético."
Quanto à carreira posterior de Bullit como antagonista da União
Soviética, ver-se-á adiante. '
84 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

creto e simples possível." A questão Prinkipo precisava ser


completamente eliminada. Não se devia nem sequer men-
cioná-la mais. "Os aliados caíram nesse negócio de Prinkipo",
disse Clemenceau, "e agora é preciso sair aêle."
O secretário do Exterior britânico Balfour ampliou os
comentários de Clemenceau. "Ê necessário", declarou êle,
"que os bolcheviques nunca tenham razão, e isto não só diante
da opinião pública, mas perante os que sustentam a opinião
de que o bolchevismo é democracia embora desencaminhada
contendo muitos elementos bons."
Em vista disso a Conferência embarafustou numa pro-
longada discussão acêrca do modo mais eficiente de ajudar
os exércitos russos brancos contra o govôrno soviético.
Churchill, que substituíra Lloyd George à mesa da Con-
ferência, propôs o estabelecimento imediato de um Supremo
Conselho Aliado para Negócios Russos, com secção econômica,
política e militar. A secção militar "entraria a trabdhar ime-
diatamente", elaborando os pormenores de um minucioso pro-
grama de intervenção armada.

3. Missão de Golovin
Com Churchill como comandante-chefe reconhecido, em-
bota oficioso, dos exércitos anti-soviéticos aliados, a cena mu-
dou para Londres, onde durante êsse inverno e verão, envia-
dos russos brancos especiais brotaram nas secretarias do go-
vêrno britânico em Whitehall. Vinham êles representando o
Almirante Koltchak, o General Denikin e outros chefes russos
brancos para a preparação da arremetida total contra os so-
vietes. Suas negociações altamente secretas eram encaminha-
das na maior parte com Winston Churchill e Samuel Hoare.
Churchill, como secretário da Guerra, 1smpenhou-se em equi-
par os exércitos russo-brancos, com material dos suprimen-
tos bélicos excedentes da Grã-Bretanha. Hoare supervisionava
a complexa intriga diplomática.
Entre os russos brancos havia "democratas", como o fa-
moso terrorista social-revolucionário, Bóris Savinkov; o Príncipe
czarista Lvov; e Sergei Sazonov, ex-ministro czarista dos Ne-
gócios Exteriores, que atuara como representante de Denikin
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 85

e Koltchak em Paris. Em 27 de maio de 1919, o Times de


Londres noticiou:
"M. Sazonov encontrou-se com membros do Par-
lamento na Câmara dos Comuns, na noite passada.
Presidiu Samuel Hoare... M. Sazonov expôs sua opi-
^ nião sôbre perspectivas favoráveis de uma próxima
queda do regime bolchevique, e disse que o reconhe-
cimento do govêrno do Almirante Kolchak faria muito
para apressar êste acontecimento. Êle exprimiu a pro-
funda gratidão dos russos não só pelo apoio material
que lhes tinha sido prestado pela Grã-Bretanha, mas
também pelos ser ' ~ Ira britânica, salvando
grande número

"O representante oficial dos exércitos russo-brancos" no


gabinete britânico de Guerra era o Tenente-general Golovin.
Ele chegara antes da primavera trazendo uma carta pessoal
de apresentação a Winston Churchill. Logo depois de ter
chegado a Londres, conferenciou com Samuel Hoare. Entre
os assuntos discutidos figurou a questão do Cáucaso, e par-
ticularmente, seus grandes depósitos de petróleo de Grosni
e Bacu.
Aos 5 de maio, acompanhado por Hoare, Golovin fêz a
sua primeira visita ao Ministério da Guerra. A conselho de
Hoare, o oficial russo foi em uniforme de gala. Os oficiais
britânicos receberam-no com grande cordialidade e ouviram
absortos a sua exposição do progresso realizado nas várias
campanhas dos russos brancos.
Nesse mesmo dia, às 17,30 horas, Golovin entrevistou-se
com Churchill. O secretário da Guerra falou agastado acêrca
da oposição dos liberais e operários britânicos à ajuda mi-
litar aos exércitos brancos anti-soviéticos. Churchill exprimiu
a esperança de, a despeito dêsse obstáculo, poder enviar mais
10.000 "voluntários" para a campanha do Norte. Êle reconhe-
ceu que ésse esfôrço era necessário naquela área devido a
séria desmoralização nas tropas americanas e britânicas.
Churchill acentuou a sua disposição de ajudar o General
Denikin tanto quanto possível. Deniícin poderia esperar para
breve 2.500 "voluntários" para o serviço de instrutores mili-
tares e peritos técnicos. De qualquer maneira seriam abo-
86 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

nados aos vários fronts anti-soviéticos a importância de 24


milhões de libras (aproximadamente 100 milhões de dólares)
juntamente com equipamentos e armas adequadas para pro-
ver os 100.000 soldados de Yudenitch em sua marcha sobre
Petrogrado, que seriam fornecidas com urgência. Seriam enta-
buladas negociações para transferir para Arcângel, a expen-
sas britânicas, 500 oficiais czaristas prisioneiros de guerra na
Alemanha.
"O resultado da entrevista excedeu-se a todas as minhas
expectativas" declarou Golovin no relatório submetido aos seus
Superiores quando retornou à Rússia. "Churchill não é apenas
um simpatizante, mas um amigo enérgico e ativo. Assegu-
rou-nos o maior apoio possível. Agora temos de mostrar aos
\ ingleses que estamos dispostos a transformar as palavras em fa-
tos." (180 „

(18) Êsse relato, capturado mais tarde pelo Exército Vermelho


nos arquivos secretos do govêmo branco em Munnansk, foi publicado
pelo Daily Herald em Londres pouco tempo depois, causando conside-
rável embaraço aos círculos anti-soviéticos na Inglaterra.
A GUERRA DE INTERVENÇÃO
1. Prelúdio — 2. A campanha do norte — 3. A campanha
do noroeste — 4. A campanha "do sul — 5. A campanha
de oeste — 6. Os poloneses e Wrangel — 7. O último
sobrevivente •
CAPÍTULO VI

A GUERRA DE INTERVENÇÃO

1. Prelúdio

Pelo verão de 1919, sèm declaração de guerra, as forças


armadas de 14 Estados invadiram o território da Rússia So-
viética. Os países invasores eram:
Grã-Bretanha Sérvia
França China
Japão Finlândia
Alemanha Grécia
Itália Polônia
Estados Unidos Rumania
Tcheco-Eslováquia Turquia

Lutando ombro a ombro com os invasores anti-soviéticos


marchavam os exércitos brancos, (19) comandados por antigos
generais czaristas empenhados em restaurar a aristocracia feu-
dal que o povo russo demolira.

(19) Os "brancos", assim chamados por causa de sua oposição


aos revolucionários cujo símbolo era a Bandeira Vermelha incluíram,
segundo o relatório autorizado de George Stewart na obra intitulada
Os Exércitos Brancos da Rússia, — todos aqueles para os quais "o Cza-
rismo representava a segurança de seu estado social, sua subsistência,
honrarias, a Santa Rússia, — uma ordem social construída sobre privilégios
e força, agradável e compensadora para os afortunados, confortável aos
grupos parasitários que achavam seu meio de vida em servi-la, um
sistema arcaico que tinha a sua sanção nos longos séculos em que a
Rússia viera construindo." O têrmo "Russo Branco" é usado neste livro
para descrever aquêles que lutaram para conservar ou restaurar essa
velha ordem na Rússia. Não deve ser confundido com o nome dado
88 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

A estratégia dos atacantes era ambiciosa. Os exércitos


dos generais brancos, movendo-se em conjunto com as tropas
intervencionistas, deviam convergir sôbre Moscou vindo do
norte, sul, leste e oeste.
Ao norte e noroeste, em Arcângel, Murmansk e nos
Estados Bálticos, as fôrças do contingente britânico equilibra-
vam as tropas russo-brancas do General Nicolai Yuaenitch.
No sul, nas bases do Cáucaso e ao longo do Mar Negro,
«stavam os exércitos brancos do General Anton Denikin am-
plamente supridos e reforçados pelos franceses.
A leste, as fôrças do Almirante Koltchak, operando sob
as ordens de peritos militares britânicos, acamparam ao longo
dos Urais.
A oeste, sob o comando de oficiais franceses, os exér-
citos poloneses recóm-estruturados do General Pilsudski.
Os estadistas aliados alegavam várias razões para a pre-
sença de suas tropas na Rússia. Quando os seus soldados
acamparam pela primeira vez em "Murmansk e Arcângel,
na primavera e verão de 1918, declararam que as tropas
tinham chegado para impedir os suprimentos de caírem em
mãos dos alemães. Mais tarde alegaram que suas tropas es-
tavam na Sibéria para ajudar as fôrças tcheco-eslovacas se
retirarem da Rússia. Outra razão dada para a presença de
destacamentos aliados era o estarem êles auxiliando os russos
a "restaurar a ordem" no seu país agitado.
Reiteradamente os estadistas aliados negavam qualquer
intuito de intervenção armada contra os sovietes, ou de in-
terferência nos negócios internos da Rússia. "Não pretende;
mos interferir nos casos internos da Rússia'", declarava Artur
Balfour, o secretário do Exterior, em agôsto de 1918. "A
Rússia deve dirigir os seus próprios negócios"
O irônico e invariàvelmente áspero Winston Churchill,
que supervisionava pessoalmente a campanha aliada contra
a Rússia, escreveu mais tarde em seu livro A Crise Mundial:
a segunda colheita:

aos habitantes da República da Bielo-Rússia também chamados russos


brancos por causa de seu traje nativo e original: Camisola branca,
sapatos de filaça com polainas brancas e cota branca grosseira.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 89

"Estavam os aliados em guerra com a Rússia?


Não, por certo; mas êles matavam os russos soviéti-
cos. Acampavam como invasores no solo russo. Ar-
mavam os inimigos dos sovietes. Bloqueavam os por-
tos e afundavam»os seus barcos de guerra. Êles dese-
javam sinceramente e projetavam a sua queda. Mas,
guerra? Isso nãol Interferência? Seria vergonhosol Pa-
ra êles era indiferente, repetiam, o modo por que os
russos conduzissem os seus próprios negócios. Eram
imparciais — e acabou-sel"

O jovem govêrno soviético lutava pela própria vida di-


ante da desigualdade desesperadora. O país ficara assolado
e exausto com a guerra mundial. Havia milhões de famintos
e moribundos. As fábricas estavam vazias, o campo sem
arar, os transportes parados. Parecia impossível que um país
assim pudesse sobreviver ao ataque feroz de um inimigo com
exércitos grandes, bem equipados, com vastas reservas finan-
ceiras, alimentados fartamente, bem supridos, enfim.
.Sitiado de todos os lados por invasores estrangeiros, amea-
çado por intérminas conspirações interiores, o Exército Ver-
melho batia em retirada em todo o país, lutando palmo a
palmo, O território controlado por Moscou reduzia-se à dé-
cima sexta parto da área total da Rússia. Era uma ilha so-
viética num oceano anti-soviético.

2. A campanha do Norte
Polo início do verão de 1918 agentes especiais do ser-
viço secreto britânico chegaram a Arcângel. Levavam ordens
de preparar um levante armado contra o Soviete local nesse
pôrto altamente estratégico. Trabalhando sob a supervisão
do Capitão George Ermolaevitich Tchaplin, ex-oficial czarista
que obtivera uma comissão no exército britânico, e ajudados
por conspiradores contra-revolucionários, os agentes do serviço
secreto britânico faziam os preparativos para a rebelião.
A revolta estourou no dia 8 de agôsto. No dia seguinte
o Major-general Frederick C. Poole, comandante-chefe das
fôrças aliadas no norte da Rússia, ocupou Arcângel com
90 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

uma fôrça de terra apoiada por navios de guerra britânicos


e franceses. Simultâneamente, tropas sérvias e russo-brancas
comandadas pelo Coronel Thornhill do serviço secreto britâ-
nico começaram uma marcha por terra de Onega para cortar
a linha Arcângel-Vologda e atacar pela retaguarda os bol-
cheviques em retirada.
Derrubado o Soviete de Arcângel, o General Poole or-
ganizou um govêrno títere chamado Govêrno Supremo do
Norte, tendo I testa o velho político Nikolai Tchaikovsky.
Não durou muito, porém, e até mesmo êsse govêrno an-
ti-soviético pareceu demasiado liberal para o paladar do Ge-
neral Poole e seus aliados czaristas. Decidiram dispensar
tôda formalidade de govêrno e estabelecer uma ditadura
militar.
Aos 6 de setembro o General Poole e seus aliados russos
brancos tinham executado o seu plano. Nesse dia o Embai-
xador Davis R. Francis, que estava de visita em Arcângel,
foi convidado a passar em revista uirç batalhão de tropas ame-
ricanas. Quando marchava a última fileira de soldados, o Ge-
neral Poole voltou-se para o embaixador americano e observou
casualmente: — Houve uma revolução aqui a noite passada.
— Diabo! — exclamou o Embaixador Francis. — Quem a
provocou? —
— Tchaplin — disse o General Poole, apontando o oficial
"naval czarista que orientava o golpe original contra o Soviete
de Arcângel.
Francis acenou ao Capitão Tchaplin para que se aproxi-
masse.
Tchaplin, quem promoveu a revolução da noite passada?
— perguntou o embaixador americano.
— Eu — respondeu Tchaplin lacônicamente.
O golpe de estado realizara-se na tarde anterior. O Ca-
pitão Tchaplin e alguns oficiais britânicos, ao cair da tarde
raptaram o Presidente Tchaikovsky e os demais membros do
Govêrno Supremo do Norte e levaram-nos de lancha a um
mosteiro deserto numa ilha próxima. Aí o Capitão Tchaplin
deixara os políticos russos sob custódia.
Tais medidas extremas eram um tanto cruas mesmo para
Francis que, além disso, fôra mantido na ignorância do com-
plot. Francis informou ao General Poole que o govêrno ame-
ricano não apoiaria o golpe de Estado.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 91

Dentro de 24 horas os ministros títeres foram recondu-


zidos a Arcângel e seu "Govêrno Supremo" foi restabele-
cido. Francis cabografou ao Departamento de Estado dos
E.U.A. informando que/ graças aos seus esforços, restabele-
cera-se a democracia,
No comêço de 1919 .as fôrças britânicas em Arcângel
e Murmansk montavam a 18.400 homens. Lutando ombro
a ombro com êstes havia 5.100 americanos, 1.800 franceses,
1.200 italianos, 1.000 sérvios e aproximadamente 20.000 russos
brancos.
Descrevendo Arcângel durante esse período, o Capitão
John Cudahy (20) da fôrça expedicionária americana es-
creveu posteriormente em seu livro Arcângel: a guerra ame-
ricana com a Rússia, que "todo mundo era oficial." Havia,
recorda Cudahy, inúmeros oficiais czaristas "carregados de me-
dalhas cintilantes e pesadas"; oficiais cossacos com seus altos
chapéus cinzentos, túnicas enfeitadas e sabres espalhafatosos;
oficiais inglêses de Eton e Harrow; soldados franceses com
magníficos quepes em ponta e botas luzentes; oficiais sérvios,
italianos e franceses . . .
" E naturalmente", observava Cudahy, "havia grande nú-
mero de bagageiros para lustrar as botas e brunir as es-
• porás e conservar tudo em perfeita ordem e outras ordenan-
ças para providenciar os suprimentos do clube de oficiais,
servir uísque e soda."
A maneira fidalga como viviam êsses oficiais contrastava
àsperamente com o seu modo de vida. "Usavam bombas de
gás contra os bolcheviques", escreveu Ralph Albertson, fun-
cionário da A. C. M. que estêve no norte da Rússia em
1919, no seu livro Lutando sem guerra. "Montávamos tôdas
as armadilhas imagináveis quando evacuávamos as aldeias.
Uma vez matamos mais de 30 prisioneiros. E, quando apa-
nhamos o comissário de Borok, um sargento me contou que

(20) Em 1937 o último John Cudahy, membro da rica famílià


de exportadores de came de Chicago, foi indicado para ministro ame-
ricano do Eire e mais tarde embaixador na Bélgica. Inimigo declarado
da Rússia Soviética, êle veio a ser depois disso um membro líder
da organização isolacionista "América First" que em 1940-41 se opôs
à ajuda de Empréstimos e Arrendamentos às nações em luta contra o
Eixo.
92 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

o corpo dêle ficou na rua, despojado, com dezesseis golpes


de baioneta. Surpreendemos Borok e o comissário, um civil,
não teve tempo para se armar... Eu ouvi um oficial dizer
repetidamente aos seus homens que não fizessem prisioneiros,
matassem-nos mesmo que se aproximassem desarmados... Eu
vi um prisioneiro bolchevique desarmado, que não estivera
promovendo distúrbio de espécie alguma, ser friamente as-
sassinado . . . Noite após noite o esquadrão de fuzilamento
amontoava as suas fornadas de vítimas."
Os soldados abados não tinham vontade de combater
na campanha anti-soviética. Êles espantavam-se de ter de
continuar combatendo na Rússia depois de ter acabado a
guerra. Para os comandos aliados era difícil dar uma ex-
plicação. "Primeiro, não se cogitou disso", recordava Cudahy.
'Depois o alto comando, lembrando-se da importância do
aspecto moral... promulgou proclamações que embaraçavam
e confundiam o soldado ainda mais do que um longo silêncio."
Uma das proclamações do Q. G. britânico no norte da
Rússia, lida para as tropas britânicàs e americanas, come-
çava com estas palavras:
"Parece haver entre os soldados uma idéia muito
confusa dos motivos por que estamos lutando aqui no
norte da Rússia. Isso pode explicar-se em poucas
palavras. Lutamos contra o bolchevismo, que significa
pura e simplesmente a anarquia. Vejam a Rússia
atualmente. O poder está em mãos de uns poucos
homens, na maioria judeus..."

A disposição dos soldados tornava-se progressivamente


mais tensa. As rixas entre soldados britânicos, franceses e
russo-brancos eram cada vez mais freqüentes. Começaram a
manifestar-se os motins. Quando o regimento 339 da infan-
taria americana se recusou a obedecer às ordens, o Coronel
Stewart, no comando, reuniu os seus homens e leu-lhes os
artigos de guerra especificando pena de morte para os amo-
tinados. Depois de um momento de impressionante silêncio,
o coronel perguntou se havia perguntas a fazer. Uma voz
das fileiras perguntou:
"Coronel, por que estamos aqui? E quais as intenções
do govêrno dos E.U.A.?"
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 93

O coronel não pôde responder...


O chefe do estado-maior britânico, Henry Wilson, fêz
êsse relato no Livro Azul Oficial Britânico, considerando a
situação no norte da Rússia no verão de 1919:
"No dia 7 de julho estourou um motim na 3 a
Companhia do 1° .Batalhão da Legião Eslavo-Britâ-
nica e na Companhia de Artilharia do 4° Regimento
de Fuzileiros do Norte, que estavam de reserva sôbre
a margem direita do Dvina. Três oficiais britânicos
e quatro russos foram mortos, dois oficiais britânicos
e dois russos feridos.
Aos 22 de julho recebemos notícias de que o
regimento russo no distrito de Onega se amotinara,
e entregaria todo o front de Onega aos bolcheviques."

Nos E.U.A. havia um clamor popular que pedia que


os soldados americanos evacuassem a Rússia. A torrente in-
cessante da propaganda antibolchevique não foi capaz de
silenciar as vozes das espôsas e pais que não podiam com-
f reender, por que, acabada a guerra, seus maridos e filhos
aviam de continuar arrostando uma campanha solitária, inde-
cisa e misteriosa nas regiões inóspitas aa Sibéria ou no in-
verno áspero e cruel de Murmansk e Arcângel. No verão
e outono de 1919 delegações de todos os recantos dos E.U.A.
viajaram • a Washington para entrevistar-se com os represen-
tantes e pedir que os soldados americanos regressassem da Rús-
sia. O pedido ecoou no Congresso.
Em 5 de setembro de 1919 o Senador Borah levantou-se
no Senado para declarar:
"Senhor presidente, nós não estamos em guerra
com a Rússia; o Congresso não declarou guerra contra
o govêrno russo nem contra o povo da Rússia. O
povo dos Estados Unidos não quer guerrear com a
Rússia... Todavia, embora não estejamos em guerra
com a Rússia, embora o Congresso não tenha decla-
rado guerra, estamos fazendo guerra ao povo russo.
Temos. um exército na Rússia. Estamos fornecendo
munições e suprimentos a outras fôrças armadas nesse
país, e estamos tão profundamente envolvidos 110 con-
94 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

flito como se a autoridade constitucional fôsse invo-


cada, como se uma declaração de guerra tivesse sido
feita e a nação convocada às armas para tal f i m . . .
Não há justificativa legal nem moral para sacrificar
essas vidas. É uma violação dos princípios fundamentais
de um govêrno livre."

O povo da Inglaterra e da França partilhava da desapro-


vação do povo americano à guerra contra a Rússia Soviética.
Apesar disso, a guerra não-declarada contra a Rússia pros-
seguia.

3. A campanha do noroeste

O armistício de novembro de 1918 entre os aliados e


as potências centrais continha no artigo 12, pouco divulgado,
uma cláusula estipulando que as tropas alemãs permanece-
riam no território russo por elas ocupado durante todo o
tempo que os aliados considerassem conveniente. Estava en-
tendido que essas tropas seriam usadas contra os bolchevi-
ques. Nas províncias do Báltico, todavia, o exército do Kaiser
desintegrou-se ràpidamente. Os soldados alemães, cansados
da guerra e amotinados, desertaram em massa.
Tendo pela frente um movimento soviético ràpidamente
crescente em Latvia, Lituânia e Estônia, o alto comando
britânico decidiu concentrar o seu apoio junto aos bandos
da Guarda Branca que operavam na área do Báltico. O ho-
mem escolhido para chefiar êsses bandos e soldá-los num só
bloco militar foi o General Conde Ruediger von der Goltz,
do alto comando alemão.
O General von der Goltz comandara um corpo expedi-
cionário alemão contra a República Finlandesa na primavera
de 1918, logo depois de êsse país ter adquirido a sua inde-
pendência como resultado da Revolução Russa. Von der
Goltz empreendera a campanha finlandesa por solicitação
expressa do Barão Karl Gustav von Mannerheim, aristocrata
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 95

sueco e ex-oficial da Guarda da Cavalaria Imperial do Czar,


que comandava as fôrças brancas na Finlândia (21.)
Como comandante da Guarda Branca na área do Bál-
tico, von der Goltz desencadeou então uma campanha de
terror para abafar o movimento soviético na Lituânia e Lat-
via. Suas tropas pilhavam, vastas secções do país, e_ come-
tiam execuções em massa de civis. O povo latviano e lituano
tinha pouco equipamento militar e estava desorganizado para
resistir a êsse assalto selvagem. Dentro de algum tempo von
der Goltz era o ditador virtual das duas nações.
O Departamento Americano de Abastecimento sob a di-
reção de Herbert Hoover colocou grande cópia de víveres à
disposição das regiões ocupadas pelo exército do general ale-
mão von der Goltz. Êsses suprimentos foram recusados aos
povos famintos do Báltico enquanto o seu território não foi
ocupado pelas tropas brancas do General von der Goltz.
Os aliados enfrentaram logo um dilema. Com o auxílio
dêles von der Goltz dominava a área báltica. Mas este era
um general alemão e, conseqüentemente, havia o perigo de,
pela sua influência, a Alemanha controlar os Estados Bálticos.
Em junho de 1919 os britânicos substituíram von der
Goltz por um general mais diretamente sujeito ao seu con-
trôle.
Foi indicado como comandante-chefe das fôrças brancas
reorganizadas o amigo de Sidney Reilly, o ex-general czarista
de 58 anos, Nicolai Yudenitch. Os britânicos concordaram
com o fornecimento de suprimentos militares necessários ao
General Yudenitch para uma marcha sôbre Petrogrado. A
primeira batelada de suprimentos prometidos foi o equipa-

(21) Com o auxílio das tropas bem armadas de von der Goltz,
o Barão de Mannerheim derrubou o govêrno finlandês e convidou o
Príncipe Frederico von Hessen genro do Kaiser Guilherme, para ocupar
o trono finlandês. Para suprimir a oposição do povo finlandês, von
der Goltz e Mannerheim instituíram um reino de terror. Dentro de
poucas semanas os Guardas Brancos de Mannerheim executaram uns
20.000 homens, mulheres e crianças. Dezenas de milhares mais foram
arremessados aos campos de concentração, e às prisões, morrendo muitos
Mies torturados, famintos e expostos. '
96 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

mento completo para 100.000 homens, 15 milhões de cartuchos,


três mil fuzis automáticos e numerosos tanques e aviões (22.)
Os representantes do Departamento Americano de Abas-
tecimento de Herbert Hoover prometeram víveres suficientes
às áreas ocupadas pelas tropas do General Yudenitch. O Major
R. R. Powers, chefe da secção estoniana da Missão Báltica
do Departamento Americano de Abastecimento começou a
fazer um cálculo cuidadoso do fornecimento de víveres ne-
cessários para assegurar a tomada de Petrogrado pelo Exército
Branco do General Yudenitch. Os navios carregados de su-
primentos do Departamento Americano de Abastecimento pa-
ra distribuição no território ocupado pelas tropas de Yudenitch
começaram a chegar a Reval.

Sob. o comando de Yudenitch foi lançada uipa ofensiva


total contra Petrogrado. Pela terceira semana de outubro
de 1919 a cavalaria de Yudenitch estava nos subúrbios da
cidade. Os governos aliados estavam convictos de que a que-
da de Petrogrado era apenas questão de dias, talvez de
horas. Os cabeçalhos do New York Times davam a vitória
como assegurada:

(22) Um dos mais ativos agentes do serviço secreto britânico na


campanha do Norte foi Paul Dukes, intimo colega do Capitão Sidney
Reilly. Dukes conseguiu obter uma comissão no Exército Vermelho e
servia como espião anti-soviético e sabotador dentro das fôrças ver-
melhas que se opunham a Yudenitch. Quando o exército branco ata-
cou Petrogrado, Dukes providenciou a demolição de pontes vitais para
a retirada do Exército Vermelho e contrariou ordens para destruição
das comunicações, procurando assim facilitar o avanço de Yudenitch.
Dukes manteve Yudenitch informado de todo movimento das forças
vermelhas. Êle estava ainda em ligação estreita com os terroristas ar-
mados remanescentes da organização de Reilly, dentro de Petrogrado,
e que esperavam, para ajudar os Brancos, o momento em que êles en-
trassem na cidade. De volta a Londres, Dukes foi condecorado pelas
suas façanhas. Posteriormente êle escreveu um livro Crepúsculo Ver-
melho e Amanhecer descrevendo as suas aventuras como espião na
Rússia. Em colaboração com Sidney Reilly êle traduziu com o fito de
propaganda The Tale Horse de Savinkov e variada bibliografia russo-
Dranca ou anti-soviética.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 97

"18 DEOUTUBRO — ANUNCIA-SE DE ESTOCOLMO


QUE AS FÔRÇAS ANTIVERMELHAS ESTÃO
AGORA EM PETROGRADO.
20 DE OUTUBRO — NOVAMENTE ANUNCIADA A QUE-
DA DE PETROGRADO, CORTADA A LINHA
DE SlOSCOU.
21 DE OUTUBRO — FÔRÇAS ANTIVERMELHAS PRÓ-
XIMAS DE PETROGRADO. LONDRES ESPERA
ANSIOSAMENTE NOTICIAS DA QUEDA DE
PETROGRADO."

Mas às portas de Petrogrado, Yudenitch foi detido.


Í untando suas fôrças, a cidade revolucionária arremeteu. As
ôrças reacionárias vacilaram diante da impetuosa sortida.
Aos 29 de fevereiro de 1920 o New York Times noticiou:
"Yudenitch abandona o Exército. Segue para Paris com a sua
fortuna de 100 milhões de marcos."
Escapando em direção ao sul pela Estônia num carro
protegido pela bandeira inglôsa, Yudenitch deixa atrás de si,
a ruína total de seu outrora orgulhoso exército. Bandos dis-
persos de soldados seus cruzavam o país recoberto de neve,
morrendo aos milhares, famintos, doentes, desalojados...

4. A campanha do sul
Enquanto as fôrças de Yudenitch atacavam Petrogrado
pelo norte, o ataque pelo sul era comandado pelo General
Anton Denikin, ex-oficial czarista bem apessoado, com 45
anos de idade, barba cinzenta e bigodes grisalhos. Denikin
descreveu posteriormente o seu exército branco como possuidor
de um "sagrado pensamento íntimo, uma vívida esperança
e o desejo... de salvar a Rússia." Mas entre a população
russa o exército de Denikin do sul da Rússia era mais conhe-
cido pelos métodos sádicos que empregava.
Desde o comêço da Revolução Russa, a Ucrânia com
ricos campos de trigo e a região do Don com seus imensos
depósitos de carvão e ferro foram o cenário de bárbaro con-
flito. Após o estabelecimento da República Soviética Ucra-
niana em dezembro de 1917, o líder anti-soviético ucraniano,
General Simon Petlura constrangera o alto comando alemão
a enviar tropas à Ucrânia para ajudá-lo a derrubar.o regime
98 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

soviético. Os alemães, com seus olhos famintos voltados para


os vastos recursos de abastecimento da Ucrânia, não espera-
ram segundo convite.
Sob o comando do Marechal-de-campo Hermann von
Eichhorn, as tropas alemãs penetraram na Ucrânia. Von Eich-
horn tinha considerável interêsse pessoal na campanha. Sua
esposa era a Condêssa Durnovo, uma nobre russa afortunada
que fôra uma das maiores latifundiárias da Ucrânia. As
forças soviéticas foram expulsas de Kiev e Kharkov, e cons-
tituiu-se uma "Ucrânia Independente", títere, controlada pelo
exército germânico de ocupação, tendo à testa o Generál
Petlura. Declarando o seu desejo de um "socialismo na-
cional", Petlura instigou uma série de sanguinolentos pogroms
anti-soviéticos por toda a Ucrânia. Medidas punitivas desa-
piedadas foram empregadas para suprimir os trabalhadores e
camponeses revolucionários ucranianos. »
O movimento revolucionário, todavia, continuava cres-
cendo. Von Eichhorn, concluindo que Petlura era incapaz
de dominar a situação, substituiu o seu govêrno por uma dita-
dura militar. O novo regime títere era chefiado pelo cunhado
de Eichhorn, o General Pavel Petrovitch Skoropadski, até então
obscuro cavaleiro russo, que não seria capaz de dizer uma
palavra em ucraniano. Skoropadski tomou o título de Hetman
(chefe) da Ucrânia.
Hetman Skoropadski não se saiu melhor que Petlura.
Antes do fim de 1918, disfarçado de soldado raso alemão,
fugiu da Ucrânia com o exército alemão de ocupação, que
fôra dizimado pelo Exército Vermelho e pelos guerrilheiros
ucranianos.
A partida dos alemães de modo algum finalizou os pro-
blemas dos bolcheviques na Ucrânia. Os aliados sustentavam
também os movimentos anti-soviéticos dos russos brancos no
sul da Rússia. Receberam auxílio aliado sobretudo as fôrças
contra-revolucionárias do Don sob o comando de Kaledin,
Kornilov, Denikin e outros ex-generais czaristas que haviam
escapulido para o sul depois da revolução bolchevique.
Inicialmente a campanha do Exército de Voluntários co-
nheceu sérios reveses. O General Kaledin, seu primitivo co-
mandante-chefe, suicidou-se. Seu sucessor, o General Kornilov,
foi expulso da região do Don pelas fôrças soviéticas e final-
mente morto- em campanha aos 13 de abril de 1918. Assumiu
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 99

o comando do já desmoralizado e batido "Exército de Vo-


luntários" o General Denikin.
Exatamente nesse momento, quando a sorte dos russos
brancos estava no mais baixo ponto, acamparam em Mur-
mansk e Arcângel as primeiras tropas britânicas e francesas
e grandes suprimentos aliados começaram a atravessar as fron-
teiras russas para auxiliár os exércitos brancos. O exército
de Denikin foi assim salvo da destruição. Reestruturado
e reforçado, estava pronto, no verão de 1918, para tomar a
ofensiva contra os sovietes...
Aos 22 de novembro de 1918, exatamente onze dias
após o armistício que pusera têrmo à I Guerra Mundial, che-
gou um radiograma ao Q. G. Sul do General Denikin com
a mensagem de que uma frota aliada navegava para Novo-
rossisk. No dia seguinte os navios aliados ancoraram no
pôrto do Mar Negro e emissários franceses e britânicos sal-
taram a terra para informar Denikin de que amplo supri-
mento de guerra da França e Grã-Bretanha viria muito em
breve sustentá-lo.
Durante as últimas semanas de 1918 as tropas francesas
ocuparam Odessa e Sebastopol. Uma flotilha inglêsa entrou
no Mar Negro e deixou destacamentos em Batum. Um co-
mandante britânico foi nomeado governador geral da re-
* gião (23.)
Sob a supervisão do alto comando francês e abastecido
pelos britânicos com grande cópia de equipamento militar,
Denikin lançou uma ofensiva geral contra Moscou. O prin-
cipal auxiliar de Denikin nessa ofensiva foi o General Barão
de Wrangel, militar magro e pequeno, de cabelos ralos e frios
olhos azuis, notório pela sua crueldade selvagem. Periòdica-
mente Wrangel executava grupos de prisioneiros desarmados
na presença de seus camaradas e ameaçava todos da mesma

(23) As tropas britânicas estiveram em atividade na parte mais


meridional da Rússia desde julho de 1918 quando o alto comando bri-
tânico enviara soldados da Pérsia para o Turquestão a fim de auxiliar
um levante ánti-soviético dirigido por mencheviques e social-revolucio-
nários. "O "Comitê Executivo Transcáspio" chefiado pelo contra-revolu-
cionário Noi Jordania estabelecera um govêrno títere dominado pelos
britânicos. Fêz-se um acôrdo pelo qual os britânicos obtiveram direitos
especiais na exportação de algodão e petróleo dessa área, epi troca de
sua ajuda às forças contra-revolucionárias.
100 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

sorte se não se alistassem no seu exército. Quando as tropas


de Denikin e Wrangel entraram na cidade capturada de Sta-
vropol, um de seus primeiros atos foi invadir um hospital
e massacrar 60 soldados feridos do Exército Vermelho. A pi-
lhagem era uma prática oficial do exército de Denikin. O
próprio Wrangel baixava ordens aos seus soldados para "re-
partirem igualmente entre si as prêsas de guerra."
Avançando para o norte as fôrças de Denikin e Wrangel
ocuparam Tsaritsyn (hoje Stalingrado) em junho de 1919
e em outubro aproximaram-se de Tula, a 120 milhas de
Moscou. "Tôda a estrutura bolchevique na Rússia parece es-
talar", informava o New York Times. "Começou a evacuação
de Moscou, o centro e capital do bolchevismo." O Times
descrevia Denikin "levando tudo de vencida à sua frente"
e o Exército Vermelho retirando-se num "pânico selvagem."
Mas, usando um plano de ataque traçado por Stálin
como membro do Comitê Militar Revolucionário, o Exército
Vermelho iniciou uma súbita contra-ofensiva.
As fôrças de Denikin foram apanhadas totalmente de
surprêsa. Dentro de poucas semanas o exército branco do
Sul batia em franca retirada para o Mar Negro. De ânimo
abatido, as tropas de Denikin escaparam em pânico e de-
sordem. Doentes e moribundos congestionavam as estradas.
Os trens-hospitais geralmente não tinham medicamentos, mé-
dicos nem enfermeiros. O exército desintegrava-se em bandos
de salteadores que inundavam o Sul.
Aos 9 de dezembro de 1919 o General Wrangel mandou
ao General Denikin um apavorado telegrama que declarava:
"ESTA Ê A AMARGA VERDADE. O EXÉRCITO DEI-
XOU DE EXISTIR COMO FÔRÇA COMBATIVA."

Nas primeiras semanas de 1920 os remanescentes do


exército de Denikin atingiram o pôrto de Novorossisk no
Mar Negro. Soldados brancos, desertores e refugiados civis
precipitaram-se na cidade.
Aos 27 de março de 1920, enquanto o navio de guerra
britânico Emperor of índia e o cruzador francês Waldeck
Rousseau sustentavam a luta e atiravam granadas em terra para
deter o avanço das colunas vermelhas, Denikin fugia de
Novorossisk" em um vaso de guerra francês. Dezenas ae mi-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 101

Ihares de soldados de Denikin acotovelavam-se nos cais de-


samparadamente enquanto os oficiais e comandantes se punham
ao largo, deixando-os abandonados.

5. A campanha de leste
Conforme o plano dos intervencionistas, enquanto De-
nikin atacava Moscou pelo sul, o Almirante Koltchak tinha
de sitiar a cidade de leste. Os acontecimentos não se desen-
rolaram todavia segundo o plano...
Durante a primavera e no comêço do verão de 1919 os
jornais do Paris, Londres e Nova Iorque traziam freqüentes e
minuciosos relatos das devastadoras derrotas infligidas ao Exér-
cito Vermelho pelo Almirante Koltchak. Eis algumas das man-
chetes do New York Times:
26 DE MARÇO — KOLTCHAK PERSEGUE O EXÉRCITO
VERMELHO DESMANTELADO.
20 DE ABRIL — COLAPSO DOS VERMELHOS A LESTE.
22 DE ABRIL — O GOVÊRNO SOVIÉTICO CAMBA-
LEIA ENQUANTO KOLTCHAK TRIUNFA.
15 DE MAIO — KOLTCHAK PLANETA A MARCHA SÖ-
HRE MOSCOU."

Mas no dia 11 de agôsto o Times trazia um despacho


de Washington afirmando:
"CHEGOU O TEMPO, AFIRMOU ESTA NOITE, UM AL-
TO FUNCIONÁRIO DO GOVÊRNO, DE PREPARAR O PO-
VO DO MUNDO ANTIBOLCHEVIQUE PARA O POSSÍVEL
DESASTRE DO REGIME DE KOLTCHAK NA SIBÉRIA OCI-
DENTAL."

Pelo meados do verão Koltchak fugia desesperadamente


ante os ataques esmagadores do Exército Vermelho. Simul-
tâneamente suas tropas iam sendo incessantemente arrasadas
atrás de suas linhas por um movimento largo e ràpidamente
crescente de guerrilheiros. Em novembro Koltchak evacuava
a sua capital em Omsk. Uniformes esfarrapados e botas surra-
das, os soldados de Koltchak arrastavam-se ao longo das es-
tradas que vinham de Omsk. Milhares deles exauMam-se na
102 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

caminhada intérmina e morriam sôbre a neve ao longo das


estradas. As linhas ferroviárias de Omsk estavam entulhadas
de locomotivas quebradas. "Os mortos", relatava um obser-
vador, "eram atirados juntos aos vagões e aí apodreciam."
Koltchak atingiu Irkutsk num trem em que tremulavam
as bandeiras britânica, americana, francesa, italiana e japo-
nêsa.
O povo de Irkutsk revoltou-se aos 24 de dezembro de
1919, estabelecendo um Soviete e prendeu Koltchak. Foi de-
tido com êle um vasto tesouro transportado em trem especial;
5.143 caixas e 1.680 malas de lâminas de ouro, barras, títulos
e valores, tudo estimado num total de 1.150.500.000 rublos.
O Almirante Koltchak foi julgado pelo regime soviético
e condenado por traição. "Quando um barco afunda, afunda
tudo com êle", disse ao tribunal, lamentando não ter pere-
cido no' mar. Amargurado, confessou que fôra traído por
"elementos estrangeiros" que o abandonaram na crise...
O tribunal sentenciou Koltchak-ao fuzilamento. Êle foi
executado aos 7 do fevereiro de 1920. Bom número de au-
xiliares de Koltchak escaparam para o Japão. Um dêles, o
General Bakich, mandou ao cônsul russo-branco em Urga,
Mongólia, a sua mensagem final: "Perseguido pelos judeus
e comunistas, transpus a fronteira."

6. Os poloneses e Wrangel
A despeito dos catastróficos reveses sofridos, os inter-
vencionistas anglo-franceses lançaram mais duas ofensivas con-
tra a Rússia Soviética Ocidental.
Em abril de 1920, em demanda de todo o território da
Ucrânia Ocidental e da cidade russa de Smolensk, os polo-
neses atacaram o Oeste. Fartamente equipados pelos fran-
ceses e britânicos com material de guerra e com um em-
préstimo de 50 milhões de dólares dos E.U.A. (24) os polo-

(24) Hoover colocou à disposição do exército dos poloneses mi-


lhões de dólares do faepartamento Americano de Abastecimento. Mui-
to dinheiro coletado nos E.U.A. a pretexto de auxílio à Europa foi
utilizado para" sustentar a intervenção contra os Sovietes. O próprio
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 103

neses invadiram a Ucrânia e ocuparam Kiev. Aí foram detidos


c rechaçados pelo Exército Vermelho.
Com as tropas russas sôbre os seus calcanhares, os po-
loneses retiraram-se desordenadamente. Em agôsto o Exér-
cito Vermelho estava às portas de Varsóvia e Lvov.
Os aliados encaminharam depressa empréstimos e supri-
mentos aos poloneses. O 'Marechal Foch remeteu-lhes urgen-
temente o seu chefe de estado-maior, o General Maxim
Weigand, para dirigir as operações polonesas. Tanques e
aviões britânicos foram enviados às pressas a Varsóvia. As
tropas vermelhas comandadas pelo General Tukhachevsky e
pelo comissário de Guerra, Leon Trotsky, haviam estendido
perigosamente as suas linhas e comunicações. Tiveram de so-
frer as conseqüências disso, quando a contra-ofensiva polonesa
os fêz recuar em tôda a extensão da fronteira. O govêrno
soviético, pela paz de Riga, foi forçado a ceder aos poloneses
os territórios ooidentais & Bielo-Rússia e da Ucrânia...
A paz com a Polônia deixou o Exército Vermelho livre
para se haver com o Barão de Wrangel, que substituindo o
General Denikin como comandante-chefe no Sul, e apoiado
pelos franceses, avançara rumo ao norto da Criméia para
a Ucrânia. Pelo fim do outono de 1920 Wrangel foi repe-
lido para a Criméia o envolvido pelas fôrças vermelhas. Em
« novembro o Exército Vermelho assaltou Perekop e avançou
pela Criméia, empurrando o exército de Wrangel para o mar.

7. O último sobrevivente

Com o esmagamento do exército de Wrangel e o fim da


intervenção no Oeste, o único exército estrangeiro que per-
manecia em solo russo era o do Japão Imperial. Parecia
que a Sibéria com tôdas as suas riquezas estava destinada a
cair completamente nas mãos dos japonêses. O General ba-

Hoover o esclareceu no seu relatório ao Congresso em janeiro de 1921.


O Congresso votara um crédito de 100 milhões de dólares para o
abastecimento. O relatório de Hoover mostrava que, quase tôda a soma
de 94.938.417 dólares efetivamente despendida fôra gasta em território
imediatamente anexo à Rússia ou seja nas secções da Rússia controladas
pelos exércitos russo-brancos e intervencionistas aliados. '
104 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

rão Tanaka, ministro da Guerra japonês e chefe do serviço


de informações militares, exultou: "O patriotismo russo extin-
guiu-se com a Revolução. Tanto melhor para nósl Dora-
vante só conquistarão o Soviete as tropas estrangeiras com
suficiente fôrça."
O Japão ainda tinha mais de 70.000 homens na Sibéria,
e centenas de agentes secretos, espiões, sabotadores e terro-
ristas. Os bandos da Guarda Branca no Extremo Oriente
da Rússia continuavam a operar supervisionados pelo alto
comando alemão. Um dos principais era o bando chefiado
pelo Ataman Semyonov, a serviço do Japão.
A pressão americana forçou o Japão a mover-se cau-
telosamente, mas aos 8 de junho de 1921 os japonêses assi-
naram um tratado secreto em Vladivostoque oom o Ataman
Semyonov, para uma nova e total ofensiva contra os sovietes.
O tratado estipulava que, depois de liquidados êstes, Semyo-
nov assumiria o poder. Êsse acôrdo secreto acrescentava:
"Quando se estabelecer fto Extremo Oriente auto-
ridade governamental estável, os súditos japonêses te-
rão direitos preferenciais para o que se relaciona com
concessões de caça, pesca e desflorestamento... e
para o desenvolvimento da mineração e extração do
ouro."

Um dos principais auxiliares de Semyonov, o Barão Un-


gern-Sternberg, desempenharia o maior papel na projetada
campanha militar. Seria essa a última campanha branca da
guerra de intervenção.
O Tenente-general Barão Roman von Ungern-Sternberg,
um pálido aristocrata báltico, figura afeminada, de cabelo
louro e longo bigode ruivo, entrara moço no exército do czar,
lutou contra os japonêses em 1905 e em seguida enfileirou-se
num regimento da polícia cossaca na Sibéria. Durante a I
Guerra, Mundial, serviu sob as ordens do Barão Wrangel e
foi condecorado com a Cruz de S. Jorge por mérito de com-
bate no front sul. Entre os seus camaradas era conhecido
por sua coragem feroz, crueldade selvagem e acessos incon-
troláveis de fúria.
Depois da revolução, o Barão Ungern regressara para
a Sibéria e- assumira o comando do regimento cossaco que
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 105

pilhava a região e promovia guerras esporádicas aos sovietes


locais. Finalmente foi encontrado pelos agentes japoneses que
o persuadiram a entrar na Mongólia. Êstes puseram a sua
disposição um exército íhesclado de oficiais russos brancos,
tropas chinesas anti-soviéticas, bandidos mongólicos e agentes
do serviço secreto japonês.
Vivendo numa atmosfera de banditismo e absolutismo feu-
dal, em seu Q. G. em Urga, Ungem começou a considerar-se
um predestinado. Casou com uma princesa mongólica, aban-
donou o traje ocidental por uma túnica de sêaa, e anun-
ciou-se como o Gengis Khan reencarnado. Incitado pelos agentes
japoneses, que constantemente o rodeavam, sonhava com a
possibilidade de ser o imperador de uma nova ordem mundial
emanada do Oriente, descendo para a Rússia e para a Europa,
destruindo a fogo, espada e metralha os últimos traços da
"democracia decadente e do comunismo judeu." Sádico e
semidoido, entregou-se a inúmeros atos de selvageria bárbara.
Certa vez viu uma linda judia numa pequena cidade sibe-
riana e ofereceu mil rublos ao homem que lhe trouxesse a
sua cabeça. Trouxeram-na êle pagou o que tinha prometido.
"Farei uma avenida de fôrcas que se estenderá da Ásia
à Europa", declarava Ungem.
Ao rebentar a campanha de 1921, o barão baixou uma
proclamação aos seus homens, do seu Q. G., estabelecendo:
"A Mongólia tornou-se o ponto de partida natu-
ral para uma campanha contra o Exército Vermelho
na Sibéria Soviética...
"Os comissários, comunistas e judeus, juntamente
com suas famílias, devem ser exterminados. Suas pro-
priedades devem ser confiscadas... As sentenças con-
tra as partes culpadas podem ser disciplinares ou to-
marem as formas mais variadas de pena capital.
"Probidade e compaixão" são coisas inadmissíveis
daqui em diante. Doravante haverá únicamente "ver-
dade e crueldade sem mercê." A desgraça que desa-
bou sôbre o país com o intuito de destruir o prin-
cípio divino na alma humana, tem de ser extirpada
da raiz aos galhos."
106 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Na fronteira bravia e desolada da Rússia, o sistema de


guerra de Ungern se desenvolvia com uma série de arreme-
tidas de banditismo, deixando à sua passagem aldeias incen-
diadas e corpos mutilados de homens, mulheres e crianças.
As cidades tomadas pelas tropas de Ungern eram entregues
ao roubo e à pilhagem. Judeus, comunistas e mesmo os
suspeitos das mais moderadas simpatias democráticas eram
fuzilados, torturados até à morte ou queimados vivos.
Em julho de 1921 o Exército Vermelho lançou uma ofen-
siva para exterminar o exército de Ungern. Depois de uma
série de combates ferozes, indecisos, o Exército Vermelho e
os guerrilheiros soviéticos alcançaram a vitória definitiva. As
hordas de Ungern escaparam abandonando a maior parte de
seus armamentos, de seus trens de suprimentos e seus feridos.
Em agôsto, Ungern foi cercado. Seu próprio corpo de
guardas mongólicos se amotinou, entregancío-o As tropas so-
viéticas. O barão foi levado em sua túnica mongólica de
sêda para Novo-Nikolayovsk (hoje Novo-Sibirsk) e conduzido
a julgamento público perante a Suprema Côrte do Soviete
Siberiano, como inimigo do povo...
Foi um júri extraordinário...
Centenas de operários, camponeses, soldados — russos,
sibérianos, mongóis e chineses — comprimiram-se na sala do
tribunal. Outros milhares esperavam fora, na rua. Muitos dês-
ses homens do povo tinham vivido no regime de terror de
Ungern. Seus irmãos, filhos, espôsas e maridos tinham sido
fuzuados, torturados, atirados dentro das caldeiras das loco-
motivas.
O barão tomou o seu lugar e leram a acusação:
"De acôrdo com a decisão do Comitê Revolucio-
nário da Sibéria, datada *de 2 de setembro de 1921,
o Tenente-general Barão Ungern von Sternberg, ex-
comandante da Divisão de Cavalaria Asiática, é acu-
sado perante a Côrte Revolucionária Siberiana dos se-
guintes crimes:
1. Ter-se prestado aos intuitos de anexação do Ja-
pão com o seu empenho de criar um Estado Asiático
e derribar o govêrno da Transbaikalia.
2. Ter planejado derribar a autoridade soviéti-
ca com o intuito de restaurar a monarquia na Sibéria
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 107

e com a intenção de colocar no trono Michael Ro-


manov.
3. Ter assassinado brutalmente grande número
de camponeses .e operários russos e revolucionários
chineses."

• Ungem não procuroü negar as suas atrocidades. Exe-


cuções, torturas e massacres — sim, tudo era verdade. A
explicação era uma só e muito simples: "Era a guerra! Mais
um títere do Japão? Minha idéia", explicou o Barão Ungern,
"era utilizar-me do Japão." Ungern negou ter mantido rela-
ções íntimas ou pérfidas com os japonêses.
—- O acusado mente — disse o promotor soviético Yarosla-
vsky — quando afirma que nunca teve relações com o Japão.
Trazemos provas em contrário!
— Eu mo entendi com os japonêses — admitiu o barão —
exatamente como fiz com Chang Tso-lin (25.) Também Gengis
Khan cortejou Van-Khan antes de conquistar o seu reino!
, — Não estamos no século XII — disse o procurador sovié-
tico — e não estamos aqui para julgar Gengis Khan!
— Há mil anos — exclamou o barão —'os Ungerns dão
ordens 1 E nunca receberam ordens de ninguém!
Fitou arrogante os rostos erguidos dos soldados e carn-
* poneses que estavam na sala.
— Recuso-mo a admitir a autoridade da classe dos traba-
lhadores! Como pode falar do govêrno um homem que não
tem ao menos um criado? É incompetente para dar ordens!
O promotor Yaroslavsky enumerou uma longa lista dos
crimes de Ungem — as expedições punitivas contra os judeus
e camponeses pró-sovietes, as mutilações de braços e pernas,
as corridas noturnas pelas estepes com cadáveres em chamas
transformados cm tochas, o aniquilamento de aldeias, massa-
cres desapiedados de crianças...
— Eram vermelhos demais para o meu gôsto... explicou
friamente Ungern.

(25) O entendimento de Ungem com Chang Tso-lin, o conhecido


magnata de guerra chinês, incluía uma cláusula pela qual o barão,
para simular uma "retirada" ante as fôrças de Cnang, devia receber
10$ de 10 milhões de dólares extorquidos por Chang ao govêrno de
Pequim. '
108 , MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

— Por que deixaste Urga? — perguntou o promotor.


— Eu decidi invadir a Transbaikalia e persuadir os cam-
poneses a se revoltarem. Mas fui aprisionado.
— Por quem?
— Alguns mongóis me traíram.
— Já indagaste alguma vez de ti mesmo por que êsses
homens agiram assim?
— Fui traído.
— Admites que o fim de tua campanha foi o mesmo de
tôdas as tentativas feitas recentemente contra a autoridade
dos trabalhadores? Admites que de tôdas as tentativas para
atingir os objetivos que tinhas em vista, a tua foi a última?
— Sim — disse Ungern. — A minha foi a última tentativa.
Suponho que sou eu o último sobrevivente.
Em setembro de 1921 'foi promulgado o veredito da
Côrte Soviética. O Barão Roman von Ungern-Sternberg, "o
último sobrevivente", dos lordes brancos da guerra, foi fuzilado
por um pelotão do Exército Vermelho.
O Ataman Semyonov e os remanescentes do exército tí-
tere japonês fugiram pela fronteira soviética entrando na
Mongólia e na China.
Mais um ano e o solo soviético estaria finalmente de-
sembaraçado dos japonêses. Em 19 de outubro de 1922, o
Exército Vermelho envolveu Vladivostoque. Os japonêses que
ocupavam a cidade renderam-se e entregaram todos os seus
suprimentos militares. Transportes japonêses, levando os últi-
mos soldados do Japão, deixaram Vladivostoque no dia seguinte.
A bandeira vermelha tremulou na cidade.
"A decisão de evacuar", anunciou o Ministério do Exte-
rior japonês, "destina-se a colocar o Japão entre as nações
não agressoras, esforçando-se para manter a paz no mundo!"
C A P I T U L O v n

UM BALANÇO

Os dois anos e meio de intervenção sangrenta e de


guerra civil causaram a morte de sete milhões de russos
entre os que tombaram nos campos de batalhas e os que su-
cumbiram de fome e de doença, mulheres e crianças, inclusive.
As perdas materiais para o país foram estimadas mais tarde
pelo govêrno soviético em 60 bilhões de dólares, uma soma
incomparavelmente maior do que o débito czarista com os
aliados. Nenhuma reparação foi paga pelos invasores.
Poucos dados oficiais foram fornecidos acêrca do custo
da guerra para os aliados, contra a Rússia. Conforme um
memorando publicado por Winston Chmchill aos 15 de se-
tembro de 1919, a Grã-Bretanha despendera até essa data
cem milhões de libras esterlinas aproximadamente e a França
entre 30 e 40 milhões só com Denikin. A campanha britâ-
nica no Norte custou 18 milhões de libras. Os japonêses admi-
tiram o gasto de 900 milhões de ienes para a manutenção
de suas tropas na Sibéria.
Quais os motivos dessa fútil guerra não-declarada?
Os generais brancos combatiam francamente para a res-
tauração de sua Grande Rússia, pelas suas propriedades terri-
toriais, seus proveitos, seus privilégios de classe e seus galões.
Havia alguns poucos nacionalistas sinceros entre eles, mas os
exércitos brancos eram esmagadoramente dominados por rea-
cionários, protótipos dos oficiais fascistas e aventureiros que
depois emergiram na Europa Central.
Os intuitos de guerra dos aliados na Rússia eram menos
claros.
A intervenção foi finalmente apresentada ao mundo pelos
intérpretes aliados, na medida em que seus motivos foram
110 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

sendo pouco a pouco divulgados, como uma cruzada política


contra o bolchevismo.
Na realidade, o "antibolchevismo" ocupava um papel se-
cundário. Fatôres como a madeira do norte da Rússia, o
carvão do Donetz, o ouro da Sibéria e o óleo do Cáucaso
influíram mais. O plano britânico de uma Federação Trans-
caucásica que separaria a Índia da Rússia, possibilitando a
exclusiva dominação britânica dos campos petrolíferos do Ori-
ente próximo; o plano japonês de conquista e colonização da
Sibéria; o plano francês do contrôle das áreas do Donetz
e do Mar Negro; e o ambicioso e vasto plano alemão de
se apoderar dos Estados Bálticos e da Ucrânia eram o pro-
duto de interesses imperialistas.
Um dos atos iniciais do govêrno soviético em sua as-
censão ao poder fôra o de nacionalizar os grandes trastes
econômicos do Império Czarista. As minas russas, moinhos,
fábricas, ferrovias, poços petrolíferos e outras empresas indus-
triais de grande alcance foram declaradas propriedades do
povo. O govôrno soviético repudioü também as dívidas ex-
ternas contraídas pelo regime czarista, em parte porque os
empréstimos tinham sido obtidos como meios deliberados de
auxiliar o czarismo a suprimir a revolução popular (26.)
O Império Czarista, com tôda a sua aparência de rique-
za e poder, não havia sido na realidade mais do que uma
semicolônia de interêsses financeiros anglo-franceses e germâ-
nicos. O investimento financeiro francos do czarismo subia
a 17.591.000.000 de francos. Os interêsses anglo-franceses con-
trolavam nada menos do que 723> do carvão, ferro e aço

(26) Após os tciTÍvcis pogroms nnti-semíticos perpetrados em 1906


pelos Cem Negros cm conivência com a polícia secreta czarista. Ana-
tole France denunciou veementemente ésses financistas franceses que
continuavam a fazer empréstimos ao regime do czar. "Tenham os nossos
concidadãos, afinal, ouvidos para ouvir', declarou o famoso escritor fran-
cês. "Êles estão avisados de que poderá sobrevir-lhes um dia extre-
mamente desgraçado, se êles continuarem a mandar dinheiro ao govêr-
no russo para que este possa fuzilar, enforcar, massacrar, pilhar à
vontade e matar tôda liberdade e civilização pelas extensões de seu
imenso e infeliz império. Cidadãos da França, chega de dar dinheiro
para novas crueldades e loucuras; chega de remeter milhões para o
martírio de inumeráveis pessoas." Mas os financistas franceses não aten-
deram ao apêlo apaixonado de Anatole France. Continuaram a investir
milhões no czarismo.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 123

russo, e 50% do petróleo russo. Anualmente, muitas cente-


nas de milhões de francos e libras em dividendos, proventos
e lucros eram arrancados do trabalho dos operários e campo-
neses russos para os estrangeiros associados do czar.
Depois da Revolução Bolchevique o Stock Exchange Year
Book de 1919, em Londres, registrava sob o título "Balanço
Russo": juros vencidos em, 1918 e em mora desde então.
Um membro britânico do Parlamento, Tenente-coronel Ce-
cil L'Estrange Malone, comunicou à Câmara dos Comuns duran-
te um dobate um tanto acalorado sôbre a política aliada na
Rússia em 1920:
"Há neste país grupos de indivíduos que têm di-
nheiro e ações na Rússia, o são êsses que estão tra-
balhando, projetando as intrigas para derribar o
govôrno soviético . . . Sob o ve.lho regime, era pos-
sível lucrar dez ou vinte por cento explorando os
trabalhadores e camponeses russos, mas sob o socia-
lismo provàvelmente. nüo será possível lucrar coisa
alguma, e vemos que todo o grande capital dêste
país está de um modo ou de outro ligado à sorte
da Rússia Soviética."

O Anuário Russo de 1918, continuou o orador, estimara


OS investimentos conjuntos britânicos e franceses na Rússia
om 1.600.000.000 de esterlinos aproximadamente, ou 8 bilhões
de dólares.
— Quando falamos do Marechal Foch e do povo francês
opondo-se à paz com a Rússia — disse o Coronel Malone,
— não queremos significar a democracia francesa, nem preten-
demos falar dos operários e camponeses franceses, mas dos
financistas franceses. Fique isto bem claro. Falamos dessa gente
cujas economias mal adquiridas constituem 1.600.000.000 de
esterlinos encerrados na Rússia.
Havia a Royai Dutch Shell Oil Company, cujos interês-
ses incluíam a Ural Caspian Oil Company, a North Cauca-
sian Oilfield, a New Scnibareff Petroleum Company e mui-
tas outras emprêsas petrolíferas. Havia o grande traste bri-
tânico de armamentos da Metro-Vickers que juntamente com
a Schneider-Creousot francesa e a Krupp alemã, controlava
virtualmente a indústria czarista de munições. Havi^ as gran-
112 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

des casas bancárias da Grã-Bretanha e França: os Hoares,


os Baring Brothers, Hambros, o Crédit Lyonnais, Société Gé-
nérale, os Rothschilds e o Comptoir National d'Escompte de
Paris, das quais tôdas tinham investimentos de enormes somas
no regime czarista . . .
"Todos êsses interôsses", informou o Coronel Malone à
Câmara dos Comuns, "interpenetravam-se. Todos estavam
empenhados na continuação da guerra contra a Rússia...
Atrás dêsses interesses e atrás dos financistas sentados no
outro lado da Câmara estão os jornalistas o outras influências
que formam a opinião pública dêste país."
Alguns intérpretes aliados foram Dastante francos quanto
aos seus motivos de apoio aos exércitos brancos na Rússia.
Francis Backer, gerente da Vickers e presidente do Co-
mitê Executivo da Câmara de Comércio Russo-Britânica, em
1919, num banquete do Clube Anglo-Russo, com a presença
de chefes industriais e políticos, dirigiu as seguintes palavras:
Desejamos o triunfo do Almirante Koltchak e do
General Dcnikin, e penso que não posso fazer coisa
melhor do que levantar a minha taça e convidar-vos
a todos para bebermos à saúde do Almirante Koltchak,
do General Denikin e do General Yudenitch!
A Rússia é um grande país. Todos vós conhe-
ceis, porque estais todos intimamente ligados a ela
em vossos negócios, quais as potencialidades da Rús-
sia, quer do ponto de vista da manufatura, como do
ponto de vista da riqueza mineral ou de qualquer ou-
tra coisa, porque a Rússia tem de tudo.. "

Quando as tropas e munições anglo-francesas entraram


na Sibéria, o Boletim da Federação Britânica das Indústrias,
a mais poderosa associação de indústrias britânicas, exclamou
espalhafatosamente:
"A Sibéria é a mais gigantesca prêsa oferecida ao mun-
do civilizado desde a descoberta das Américas!"
Quando as tropas aliadas tomaram o Cáucaso e ocuparam
Bacu, o jornal comercial britânico O Oriente Próximo decla-
rou:,
"Bacu é incomparável em petróleo... Bacu é
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 113

maior do que qualquer outra cidade petrolífera do


mundo. Se o óleo é Rei, Bacu é o seu tronol"

Quando o exército branco do General Denikin apoiado


pelos aliados apareceu nâ bacia carbonífera do Don, R. Mar-
tens & Cia Ltaa., grande consórcio britânico de carvão, anun-
ciou em sua publicação comercial Rússia:
"A Rússia possui reservas investigadas de carvão
inferiores apenas aos E.U.A. Conforme o cálculo
publicado pelo Congresso Geológico Internacional, ela
Êossui na bacia do Donetz (onde opera o General
icnikin) três vezes mais do que as reservas de an-
tracite da Grã-Bretanha e aproximadamente duas vêzes
a reserva de que dispõem os Estados Unidos."
E finalmente o Japan Salesman acrescentava:
"A Rússia, com seus 180 milhões de habitantes,
com seu solo fértil estendendo-se da Europa Central
pela Ásia até às praias do Pacífico e do Ártico ao
Gôlfo Pérsico e Mar Negro... possibilidades comer-
ciais com as quais não sonham nem mesmo os mais
privilegiadamente dotados... a Rússia é potencial-
mente e na realidade — o celeiro, o aquário, o de-
pósito de madeira, a grande mina de carvão, de ouro,
prata e platina do mundol"

Os invasores anglo-franceses e japonêses eram atraídos


pelas ricas prêsas à espera do conquistador da Rússia. Os
motivos americanos, entretanto, eram mesclados. A política
externa tradicional da América, expressa por Woodrow Wil-
son e pelo Departamento de Guerra, requeria a amizade
com a Rússia como um aliado potencial para contrapesar o
imperialismo alemão e japonês. Os investimentos americanos
no czarismo foram pequenos: mas por conselho do Depar-
tamento de Estado várias centenas de milhões de dólares
americanos foram posteriormente despejados na Rússia para
fortalécer o regime cambaleante de Kerensley. O Departa-
mento de Estado continuou a apoiar Kerensky e mesmo
a subvencionar a sua "embaixada russa" em Washington du-
rante vários anos depois da Revolução Bolchevique. Certos
114 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

oficiais do Departamento de Estado cooperavam com os gene-


rais brancos e com os intervencionistas anglo-franceses e ja-
ponêses.
O americano mais notável, que se identificou com a
guerra anti-soviética foi Herbert Hoover, futuro presidente dos
É.U.A., e que nessa ocasião era Administrador Americano
de Abastecimento.
Antigo engenheiro de minas empregado nos negócios bri-
tânicos antes da I Guerra Mundial, Herbert Hoover tinha
investimentos nos poços e minas petrolíferas da Rússia. O
corrupto regime czarista enxameava de altos funcionários e
aristocratas latifundiários prontos para entregarem a riqueza
e a fôrça de trabalho do seu país em troca do subôrno
estrangeiro ou de uma partilha dos espólios. Hoover se in-
teressava no petróleo russo desde 1909, quando foram perfu-
rados pela primeira vez os poços de Maikop. Dentro de um
ano assegurara proventos em não menos de 11 coínpanhias
de petróleo russo:
Maikop Neftyanoi Syndicate
Maikop Shirvansky Oil Company
Maikop Apsheron Oil Company
Maikop and General Petroleum Trust
Maikop Oil and Petroleum Products
Maikop Areas Oil Company
Maikop Valley Oil Company
Maikop Mutual Oil Company

Em 1912 o ex-engenheiro de minas era sócio do famoso


multimilionário britânico Leslie Urquhart, em três novas com-
panhias estabelecidas para explorar madeira e concessões mi-
nerais nos Urais e na Sibéria. Urquhart encaminhou pois a
Corporação Russo-Asiática e conseguiu um entendimento com
dois bancos czaristas pelo qual essa corporação exploraria
tôdas as atividades de mineração nessas áreas. As ações rus-
so-asiáticas subiram de $16,25 em 1913 a 147,50, em 1914.
Nesse mesmo ano a Corporação obteve três novas proveitosas
concessões do regime czarista que compreendiam:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 115

2.500.000 acres de terra, inclusive vastas extensões de


madeira e potência hidráulica; as reservas
de ouro, cobre, prata e zinco estimavam-se
em 7.262.000 toneladas;
12 minas em atividade;
2 fundições de cobre;
20 serrarias;'
250 milhas de estradas de ferro;
2 vapôres e 29 barcos;
altos fornos, laminações, fábricas de ácido
sulfúrico, refinarias de ouro;
enormes reservas de carvão.

O total dessas propriedades montava a 1 bilhão de dó-


lares.
Em 1912 Hoover tinha-sc retirado da Corporação Russo-
-Asiática. Depois da Revolução Bolchevique tôdas as conces-
sões com as quais Hoover estivera formalmente associado fo-
ram ab-rogadas e as minas confiscadas pelo governo soviético.
A Russo-Asiática Consolidada, novo cartel que o ex-sócio de
Hoover, Leslie Urquhart formara, encaminhou junto ao go-
vêrno britânico no ano seguinte uma reivindicação de $ . . . .
282.000.000 pelos danos de propriedade e perda de prováveis
'proventos anuais.
"O bolchevismo", dizia Herbert Hoover na Conferência
da Paz em Paris, "é pior do que a guerra!"
Êle continuaria sendo um dos mais ferrenhos adversários
do govêrno soviético no mundo, durante o resto de sua vida.
O que é um fato, qualquer que tenha sido seu motivo pes-
soal, é que os víveres americanos sustentaram os exércitos
brancos na Rússia e alimentaram as tropas de assalto dos
regimes mais reacionários da Europa, empenhados na supres-
são do surto democrático posterior à I Guerra Mundial.
Assim, o abastecimento americano tornou-se uma arma contra
os movimentos populares europeus (27.)

(27) - As atividades de Herbert Hoover como Diretor do Serviço


Americano de Abastecimento durante o período da guerra civil na
Rússia consistiam em auxiliar os exércitos brancos, enquanto que todo
e qualquer suprimento era recusado aos sovietes. Centenas de milhares
de criaturas morriam à míngua no território soviético. Quando, final-
116 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

"Toda a política americana durante a liquidação do Ar-


mistício foi a de contribuir na medida do possível para impe-
dir a Europa de se tornar bolchevista", declarou Hoover mais
tarde numa carta a Osvaldo Garrison Willard, aos 17 de
agôsto de 1921. Sua definição de "bolchevismo" coincidia com
a de Foch, Pétain, Knox, Reilly e Tanaka. Como secretário
de Comércio, como presidente dos E.U.A. e posteriormente
como líder da ala isolacionista do Partido Republicano, êle
lutou incansàvelmente para impedir o restabelecimento de re-
lações amistosas, comerciais e diplomáticas entre a América
e o mais poderoso aliado da América contra o fascismo, a
União Soviética.
A intervenção armada falhou na Rússia não só por causa
da solidariedade sem precedentes e do heroísmo dos povos
soviéticos quo tiveram de defender a sua liberdade recém-
conquistada, mas também por causa do forte apoio dado à
jovem República Soviética pelos povos democráticos do mun-
do. Na França, Inglaterra e E.U.Â., uma opinião pública
desperta opuscra-se vigorosamente à remessa de homens, armas,
alimentos e dinheiro aos exércitos anti-soviéticos na Rússia.
Formaram-se comités denominados "Retirem-se da Rússia!"
Trabalhadores entraram em greve e soldados se amotinavam
contra a política intervencionista do estado-maior. Estadistas,,
democratas, jornalistas, educadores e homens de negócios pro-
testavam contra o ataque não declarado e não provocado con-
tra a Rússia Soviética.

mente, Hoover foi compelido a curvar-se à pressão pública americana,


e enviar algum suprimento aos Sovietes, êle continuou — conforme
o relatório do Serviço de Abastecimento no Oriente Próximo, publicado-
no New York World de abril de 1922 — a "interferir na coleta de
fundos destinados à Rússia faminta." Em fevereiro dc 1922, quando
Hoover era secretário do Comércio, o New York Globe fêz êste co-
mentário editorial: "A burocracia acastelada no Departamento de Justiça,
no Departamento de Estado e no Departamento de Comércio com intui-
tos de publicidade está arrastando o pais a uma guerra privada
contra o governo bolchevique... A propaganda de Washington cresceu-
em proporções ameaçadoras... Hughes, Hoover e Dougherty fariam
bem em cuidar de suas casas antes que a irritação pública atinja
o ponto culminante. O povo americano não suportará por muito tem-
po uma burocracia presunçosa que pelos seus próprios miseráveis in-
terêsses quer levar à morte milnões de criaturas inocentes."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 117

Henry Wilson, chefe do estado-maior britânico, reconhe-


ceu francamente a ausência de apoio público à política inter-
vencionista aliada. A 1 de dezembro de 1919, no Livro Azul
Britânico, escreveu:
"As dificuldades da Entente para formular uma
política russa sãô de fato provadamente insuperáveis,
desde que em nenhum pais aliado houve peso sufi-
ciente da opinião pública para justificar vima inter-
venção armada contra os bolcheviques em escala deci-
siva, com o resultado inevitável ae terem faltado às
operações militares coesão e finalidade."

As vitórias do Exército Vermelho sôbre os seus inimigos


representaram pois, ao mesmo tempo, uma vitória interna-
cional dos povos democráticos de todos os países.
Uma razão final do fracasso da intervenção foi a falta
de unidade entre os invasores. Os instigadores da interven-
ção representavam a coalizão da reação mundial, mas era
uma coalizão sem cooperação genuína. As rivalidades impe-
rialistas tornaram imperialista a coalizão. Os britânicos te-
miam as ambições francesas no Mar Negro e as ambições
germânicas na área do Báltico. Os americanos achavam ne-
* cessário frustrar as intenções japonêsas na Sibéria. Os gene-
rais brancos brigavam entre si por causa dos espólios.
A guerra de intervenção começou secreta e desonesta-
mente para acabar num vergonhoso fiasco.
O seu alegado ódio e desconfiança deveria envenenar
a atmosfera da Europa no próximo quarto de século.
MICHAEL SAYERS e ALBERT E. KAHN

A GRANDE
CONSPIRAÇÃO
A G U E R R A SECRETA*
CONTRA
A RÚSSIA SOVIÉTICA

6.° E D I Ç A O

EDITÔRA BRASILIENSE
SÃO PAULO
1959
Nenhum incidente ou diálogo dêste
livro foi inventado pelos autores. O
material foi colhido de várias fontes de
documentação que vêm indicadas no
texto ou mencionadas no fim, entre as
Notas Bibliográficas.
LIVRO II

SEGREDOS DO CORDÃO SANITÁRIO


VIII — A CRUZADA BRANCA 121
1. O fermento da segunda guerra — 2. Êxodo dos rus-
sos brancos — 3. Um cavaleiro de Reval — 4. O Plano
Hoffmann.. >
448 ÍNDICE

IX — A ESTRANHA CARREIRA DE UM TERRORISTA . . . . 133


1. O retomo de Sidney Reilly — 2. Um negócio como
nalquer outro — 3. Dominga em Chequers — 4. O tri-
f
unal de Moscou, 1924.
X — RUMO À FRONTEIRA FINLANDESA 153
1. Antibolchevísmo na Broadway — 2. Agente BI — 3.
Cem negros em Detroit — 4. O fim de Sidney Reilly.
XI — OUVERTURE COM TAMBORES DE GUERRA ... 167
XH — MILIONÁRIOS E SABOTADORES 173
1. Uma reunião em Paris — 2. Flano de ataque — 3.
* Uma vista dolhos atrás dos bastidores — 4. Fim do mundo.
x n i — TRÊS JULGAMENTOS 185
1. O julgamento do Partido Industrial — 2. O julgamento
dos menciheviques — 3. O julgamento dos engenheiros da
Vickeis.
XIV — O FIM DE UMA ÉPOCA 195
LIVRO II

S E G R E D O S DO
CORDÃO SANITÁRIO
CAPITULO VIII

A CRUZADA BRANCA

1. O fermento da segunda guerra


Terminara o primeiro round da guerra contra a Rússia
Soviética com algo de muito parecido com um empate. O
govêrno soviético estava na posse indisputada da maior parte
ae seus territórios. Mas estava hostilizado pelas demais na-
ções, isolado por meio de um cordão sanitario de estadistas
títeres inimigos, e desligado do intercâmbio normal político
e comercial com o resto do mundo. Oficialmente, o Soviete,
a sexta parte do mundo, não existia — era "não reconhecida."
Internamente, o gòvêrno soviético enfrentava uma devas-
tação econômica de fabricas destruídas, minas inundadas, agri-
cultura arruinada, transportes arrebentados, miséria, fome, e
analfabetismo quase universal. À herança de bancarrota do
regime feudal czarista somavam-se os destroços de sete anos
de guerra incessante, revolução, contra-revolução e invasão es-
trangeira.
O mundo exterior às fronteiras soviéticas ainda estava
à procura da paz, que não achara. O estadista inglês Bonar
Law, relatando as condições do mundo quatro anos após a
assinatura da paz de Versalhes, comunicou à Câmara dos Co-
muns que não menos de 23 guerras estavam ainda soprando
em diferentes regiões do mundo. O Japão ocupara regiões
da China e suprimira brutalmente o movimento de indepen-
dência da Coreia; as tropas britânicas estavam esmagando as
rebeliões populares na Irlânda, Afeganistão, Egito e índia; os
franceses estavam empenhados numa guerra aberta às tribos
drusas na Síria, que, para pesar da França, eram armadas
com metralhadoras das fábricas britânicas de Metro Viçkers;
122 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

o estado-maior alemão, operando por detrás da fachada da


República de Weimar, conspirava para varrer os elementos
democráticos alemães e ressuscitar a Alemanha imperialista.
Cada país da Europa fervilhava em conspirações febris
e contraconspirações de fascistas, nacionalistas, militaristas e
monarquistas, todos promovendo sua atividade sob a más-
cara geral de "antibolchevismo."
Um memorial secreto, redigido nesses primeiros anos de
após-guerra pelo Ministério do Exterior britânico, descrevia
o estado da Europa nos seguintes têrmos:
"A Europa está hoje dividida em três grupos prin-
cipais, a saber: vencedores, vencidos e a Rússia. O
sentimento de incerteza que está minando a saúde
da Europa Ocidental é causado em não pequena me-
dida pelo desaparecimento da Rússia como poder que
se conto no concôrto europeu. A mais aiheaçadora
de nossas incertezas.
Todos os nossos recentes inimigos continuam cheios
de ressentimentos do que perderam; todos os nossos
aliados de há pouco estão temerosos de perder o que
ganharam. Metade da Europa está perigosamente ma-
goada, outra metade perigosamente medrosa. O mêdo
gera provocações, armamentos, alianças secretas, maus
tratos das minorias. Tudo isto por sua vez, gera
maior ódio, desejo secreto de vingança, pelo qual o
mêdo se intensifica e suas conseqüências aumentam.
Estabelece-se então o círculo vicioso.
Embora a Alemanha seja no presente totalmen-
te incapaz de retomar a agressão, é certo que com
grandes possibilidades químico-militares ela voltará ce-
do ou tarde a ser um fator militar poderoso. Há to-
davia poucos alemães que esperam sèriamente empre-
gar essa fôrça, quando readiquirida, contra o Império
Britânico."

Enquanto o Ministério do Exterior britânico contemplava


complacentemente o rearmamento da Alemanha e voltava a ^
sua atenção para a Rússia como para "a mais ameaçadora
de nossas incertezas", além do Atlântico, entre a histeria e
confusão da era post-wilsoniana, os E.U.A. sonhavam com i
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 123

o "glorioso isolamento." A grande ilusão americana do tempo


resumia-se na frase "volta a normalidade." De acôrdo com
Walter Lippmann, que escrevia então para o Neto York
World, a 'normalidade" CQnsistia nas seguintes crenças:
"Que o destino da América está apenas remota-
mente ligado com o da Europa.
Que a Europa deveria cozinhar-se no seu próprio
môlho...
Que nás podemos vender à Europa sem dela
comprar... e que se a Europa não gostasse, poderia
vender barato em outros mercados, mas seria impru-
dente fazê-lo."

Walter Lippmann concluía:


"Desses temores e no meio dessa desordem gerou-
se uma espécie de histeria. Convocações militares, ta-
rifas malucas, diplomacia feroz e toda variedade de
nacionalismos mórbidos, fascistas e Ku-Kluxes..."

A despeito do cansaço, do desgaste da guerra e da anar-


quia economica que prevaleciam na Europa, esboçavam-se
npvos planos de invasão militar da Rússia Soviética, assidua-
mente estudados pelos estados-maiores da Polônia, Finlândia,
Rumânia, Iugoslávia, França, Inglaterra e Alemanha.
A frenética propaganda anti-soviética continuava.
Quatro anos após a grande guerra que deveria acabar
com tôdas as guerras, existiam todos os elementos para fa-
zer-se a II Guerra Mundial que seria dirigida contra o mun-
do democrático sob o slogan de "antibolchevismo."

2. Êxodo dos russos brancos


Com a débâcle dos exércitos brancos de Koltchak, Yude-
nitch, Denikin, Wrangel e Semyonov, a imensa e arcaica es-
trutura do czarismo sofrera o seu colapso final, arrremessando
ao longo os múltiplos e torvos elementos de selvageria, bar-
bárie e reação que protegera durante tão longo tempo. 'Aven-
124 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

tureiros desapiedados, aristocratas decadentes, terroristas pro-


fissionais, militarismo, a temível política secreta e tôdas as
demais fôrças feudais e antidemocráticas que constituíam a
contra-revolução branca foram então arremessadas fora da
Rússia como uma torrente suja e turbulenta. Rumo a oeste,
leste, sul, pela Europa e Extremo Oriente, para a América
do Norte e do Sul, ela precipitou-se levando consigo o sa-
dismo dos generais da Guarda Branca, as doutrinas pogro-
mistas dos Cem Negros, o desprêzo feroz do czarismo contra
a democracia, os ódios negros, os preconceitos e neuroses da
velha Rússia Imperial.
Os Protocolos dos Sábios de Sião, invencionices com as
quais a Ochrana incitara massacres de judeus é a Bíblia pela
qual os Cem Negros explicavam todos os males do mundo
em termos de uma "conspiração judaica internacional", circu-
lavam então pùblicamente em Londres e Nova Iorque, Paris
e Buenos Aires, Xangai e Madri.
Onde chegavam, os "emigrados" brancos fertilizavam o
solo para a contra-revolução universal — o fascismo.
Em 1923 havia meio milhão de russos brancos vivendo
na Alemanha. Mais de 400.000 emigraram para a França,
90.000 para a Polônia. Outras dezenas de milhares estabe-
leceram-se nos Estados Bálticos e Balcânicos, na China e
{apão, no Canadá, E.U.A. e América do Sul. Só em Nova
orque fixaram-se 3 mil oficiais com suas famílias.
O número total de "emigrados" russos era calculado em
um milhão ê meio a dois milhões, aproximadamente (28.)
Supervisionadas por uma União Militar Russa, com seu
Q. G. em Paris, instalaram-se unidades armadas de russos
brancos na Europa, Oriente Próximo e América. Êles anun-
ciavam abertamente que estavam preparando uma nova inva-
são da Rússia Soviética.

(28) Nem todos os refugiados eram contra-revolucionários. Mi-


lhares de pessoas confusas e desorientadas, aterrorizadas por uma su-
blevação elementar que não podiam compreender, aiuntaram-se à massa
em êxodo. Locomovendo-se de um país a outro êles procuravam de-
sesperadamente conseguir um meio de vida num mundo novo e estra-
nho. Alguns acabaram motoristas de táxis, porteiros, camareiros, can-
tores de cabarés, cozinheiros, guias. Muitos, enfrentando a fome nas
cidades da Europa ocidental, tornaram-se mendigos. Os bordéis de
Harbin, Xangai e Pequim encheram-se de refugiadas russas.
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 125

O governo francês formou uma escola de treinamento


naval para russos brancos no pôrto norte-africano de Bizerta,
para onde foram enviados 30 navios da frota czarista com
a tripulação de 6.000 oficiais e marinheiros. O govêrno iu-
goslavo estabeleceu academias especiais para treinamento de
ex-oficiais do exército do czar e seus filhos. Grandes destaca-
mentos do exército do Barão Wrangel foram transferidos intac-
tos para os Balcãs. Quatorze mil cossacos e soldados de cava-
laria foram enviados para a Iugoslávia. Dezessete mil soldados
brancos foram à Bulgária. Milhares de soldados estacionaram na
Grécia e Hungria. Russos da Guarda Branca apoderaram-se
de secções inteiras do aparelhamento da polícia no Báltico
anti-soviético e nos Estados Bálticos, assumiram postos-chave
no govêrno e tomaram o contrôle de várias agências de es-
pionagem.
Com a assistência do Marechal Pilsudski, o terrorista russo
Bóris Savinkov organizou um exército branco de 30.000 ho-
mens na Polônia.
O Ataman Scmyonov, depois de expulso da Sibéria, fu-
giu com os remanescentes de seu exército para o território
japonês. Suas tropas foram providas com novos uniformes
e equipamentos por Tóquio, e reorganizadas num exército
russo-branco especial sob a supervisão do alto comando
•japonês.
O Barão Wrangel, o General Denikin e o pogromista,
Simão Petlura fixaram-se em Paris, onde se envolveram ime-
diatamente em diversos complots anti-soviéticos. O General
Krasnov e o Hetman Skoropadsky, que colaboraram com o exér-
cito do Kaiser na Ucrânia, foram viver em Berlim, e fo-
ram acolhidos sob as asas do serviço secreto militar ale-
mão (29.)

(29) A carreira posterior de muitos dos generais que comanda-


ram os exércitos estrangeiros de intervenção contra a Rússia Soviética
é bem interessante. Os generais tchecos, Sirovy e Gayda, voltaram
a Praga, onde o primeiro se tornou comandante do exército tcheco e
o segundo, chefe do estado-maior. Em 1926, o General Gayda par-
ticipou de um "golpe de estado fascista abortivo e posteriormente es-
teve envolvido em outras conspiratas fascistas. O General Sirovy desem-
penhou o papel de quisling militar tcheco em 1938. O general bri-
tânico Knox voltou à Inglaterra para tornar-se membro tory do Par-
lamento, violento agitador anti-soviético e fundador dos Aipigos da
Espanha Nacionalista, agência que divulgava propaganda fascista espa-
126 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Em 1920 um pequeno grupo de "emigrados" russos imen-


samente ricos, os quais mantinham enormes investimentos
na França e em outros países estrangeiros, chegaram jun-
tos a Paris e fundaram uma organização destinada a de-
sempenhar o mais importante papel nas futuras conspirações
contra a Rússia Soviética. A organização denominada Torg-
prom, ou Comitê Industrial Financeiro e Comercial Russo,
era constituída de antigos banqueiros, industriais e homens de
negócio czaristas. Entre os seus membros figuravam G. N.
Nobel, que detivera um interêsse preponderante nos campos
petrolíferos de Bacu, na Rússia; Stepan Lianozov, o "Rock-
feller Russo", Vladimir Riabuchinsky, membro de famosa fa-
mília de negociantes czaristas; N. C. Denisov, cuja imensa
fortuna fôra ajuntada na indústria do aço; e outros magnatas
cujos nomes eram famosos nos círculos industriais e finan-
ceiros do mundo.
Associados a êsses homens havia na Torgprom interêsses
britânicos, franceses e alemães que não tinham abandonado
ainda a esperança de recuperar os seus capitais perdidos na
Rússia ou de ganhar novas concessões como resultado da que-
da do regime soviético.
"A Torgprom", declarou Desinov, o diretor da organiza-
ção, "tem por objetivo combater os bolcheviques na fronteira
econômica de todo modo possível." Os membros da Torg-
prom estavam interessados, como dizia Nobel, "na breve res-
surreição de seu país e na possibilidade de logo poderem
trabalhar na pátria."
As operações anti-soviéticas da Torgprom não se limita-
vam ao campo econômico. Uma declaração oficial publicada
pela Torgprom anunciava:
"O Comitê Industrial e Comercial continuará sua
luta. sem tréguas contra o govêrno soviético, conti-
nuará a esclarecer a opinião pública dos países cultos
acêrca da verdadeira significação dos acontecimentos
que se desenrolam na Rússia e a preparar a futura
revolta em nome da liberdade e da verdade."

nhola na Inglaterra em apoio ao Genèralísmo Francisco Franco. Foch,


Pétain, Weygand, Mannerheim, Tanaka, Hoffmann e outros generais
intervencionistas, tornaram-se líderes de movimentos anti-soviéticos e fas-
cistas durante o período de após-guerra.
.A GRANDE CONSPIRAÇÃO 127

3. Um cavaleiro de Reval
Em junho de 1921 um grupo de ex-oficiais czaristas,
industriais e aristocratas convocaram uma conferência anti-
soviética internacional em Reichenhalle, na Baviera. A con-
ferência, constituída por representantes de organizações anti-
soviéticas da Europa, trocou planos para uma campanha mun-
dial de agitação contra a Rússia Soviética.
Foi eleito um "" "" " Monarquista." Sua
função era trabalhar monarquia, enca-
beçada pelo soberano 0 ov, de acôrdo com
as leis fundamentais do Império Russo."
O infante Partido Nacional Socialista da Alemanha man-
dou um delegado à conferência. Seu nome era Alfredo Ro-
senberg . . .
Jovem, pálido, de lábios delgados, cabelos pretos e ex-
pressão cansada c pensativa, Alfredo Rosenberg começara fre-
qüentando as cervejarias de Munique no verão de 1919. En-
contravam-no habitualmente na Augustinerbrau ou na Fran-
ziskanerbrau, onde se sentava sozinho durante horas a fio numa
das mesas ao canto. Uma vez ou outra apareciam compa-
nheiros e então, embora êle os saudasse com pouco calor,
suas maneiras se poliam, seus olhos escuros revivesciam, bri-
lhando em sua face gizada quando êle começava a falar em
voz sumida e apaixonante. Falava de modo igualmente flu-
ente o russo e o alemão.
Rosenberg era filho de um latifundiário báltico que pos-
suíra uma grande propriedade perto do pôrto czarista de
Reval. Seu pai reivindicava a linhagem dos Cavaleiros Teu-
tônicos que tinham invadido os Estados Bálticos na Idade
Média; e o jovem Rosenberg considerava-se altivamente como
um germânico. Antes da Revolução na Rússia êle estudara
arquitetura no Polytechnikum em Moscou. Fugira do terri-
tório soviético quando os bolchevistas tomaram o poder e
ingressara nas fileiras dos terroristas da Guarda Branca lu-
tando sob o comando do General-Conde Ruediger von der
Goltz na área báltica. Em 1919 Rosenberg regressara a Mu-
nique com a cabeça cheia das doutrinas antidemocráticas e
anti-soviéticas dos Cem Negros. '
128 *
MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Um pequeno grupo de "emigrados" da Guarda Branca


e de barões destituídos do Báltico começou a reunir-se re-
gularmente em Munique, para ouvir as tiradas intensas e vene-
nosas de Rosenberg contra os comunistas e judeus. Essas
reuniões usualmente incluíam o Príncipe Avalov-Bermondt,
amigo de Rasputin, que fôra o mais brutal comandante da
Guarda Branca do General von der Goltz na área báltica;
os Barões Schneuber-Richter e Arno von Schickedanz, dois
aristocratas bálticos decadentes e insensíveis e Ivan-Poltavetz
Ostranitza, um pogromista. ucraniano, que fôra ministro das
Comunicações no govêrno ucraniano títere do czar e o Hetman
Paul Skoropadsky. Êsses homens partilhavam das opiniões
dos Cem Negros de Rosenberg acôrca da decadência da de-
mocracia e da conspiração internacional dos judeus.
"No fundo todo judeu é um bolchevique" era o tema
constante das tiradas de Rosenberg.
Da cabeça negramente torturada de Alfredo Rosenberg,
de seu ódio patológico aos judeus e de sua frenética inimi-
zade contra os sovietes ia-se desenvolvendo gradualmente
uma filosofia mundial de contra-revolução, composta de pre-
conceitos fanáticos da Rússia czarista e de ambições impe-
rialistas da Alemanha. A salvação do mundo ameaçado pela
"democracia judaica decadente e pelo bolchevismo", escreveu
Rosenberg no Mito do século XX, devia começar na Alemanha,
•com a criação de um novo Estado Germânico. "É dever
do fundador do novo Estado", acrescentava, "formar uma as-
sociação de homens nos moldes da Ordem Teutônica."
Competia a uma raça de super-homens germânicos levar
avante a tarefa da conquista do mundo: "O sentido da
história mundial irradiou do Norte, fruto de uma raça loura
de olhos azuis que através de várias ondulações determinou
a face espiritual do mundo."
A ideia de uma santa cruzada contra a Rússia Soviética
dominava tôda a literatura de Rosenberg. Ele suspirava pelo
dia apocalíptico em que os exércitos poderosos da nova
"Ordem Teutônica" arremetessem jaelas fronteiras russas es-
magando os bolchevistas odiosos. 'O rumo é do oeste para
leste", declarava êle, "do Reno para o Weichsel, devendo
ressoar do oeste para leste, de Moscou a Tomsk."
A Alemanha estava passando o seu período de crise
amarga de após-guerra, desemprêgo de massas, inflação sem
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 129

precedentes e fome disseminada. Atrás da fachada demo-


crática da República de Weimar, estabelecida em conluio com
o alto comando alemão depois da supressão sangrenta dos
sovietes germânicos de trabalhadores e soldados, uma cabala
de militaristas prussianos, junkers e magnatas da indústria
planejavam furtivamente o renascimento e expansão da Ale-
manha Imperial.
Desconhecido do resto do mundo o programa do futuro
rearmamento da Alemanha ia sendo cuidadosamente esboçado
E o r centenas de engenheiros, desenhistas e técnicos especia-
stas, trabalhando sob as vistas do alto comando alemão,
num laboratório secreto de pesquisas e planejamento cons-
truído pela firma de Borsig numa floresta fora de Berlim.
Supunha-se que o serviço secreto militar alemão, Secção
III, B, tinha sido dissolvido ao terminar a guerra. Nessa
época, entretanto, êle estava reorganizado com pródigos fun-
dos, supridos por Krupp, Hugenberg e Thyssen, e funcionava
diligentemente sob as vistas de seu antigo chefe, o anti-se-
mita Coronel Walther Nicolai.
Os planos para a nova guerra da Alemanha estavam
sendo elaborados com paciência e minúcia...
Entre os principais contribuintes financeiros para a cam-
Íianha secreta de rejuvenescimento do imperialismo germânico
igurava um industrial suave e enérgico de nome Arnold
Rechberg. Antigo ajudante pessoal do príncipe herdeiro e
amigo íntimo dos membros do antigo Comando Imperial, Rech-
berg associara-se ao grande truste germânico de potassa. Era
êle um dos principais promotores das ligas secretas alemãs,
nacionalistas e anti-semíticas. Foi no desempenho dessas fun-
ções que conheceu Alfredo Rosenberg. Tomado de imediata
simpatia pelo fanático contra-revolucionário de Reval, Rech-
berg apresentou-o a outro de seus protegidos, um agitador
austríaco do 30 anos, espião da Guarda ao Reich de nome
Adolfo Hitler,
Rechberg já estava providenciando fundos para comprar
uniformes e enfrentar várias outras despesas do Partido Nazi
de Adolfo Hitler. Êle e seus amigos endinheirados tinham
comprado um obscuro jornal, o Voelkischer Beobachter, e
transferiram-no para o movimento nazi. A publicação tor-
nou-se o órgão oficial do Partido Nazista. Como seu editor,
Hitler apontou Alfredo Rosenberg...
16 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

No dia do Ano Novo de 1921, dez dias depois de o


Voelkischer Beobachter se ter transformado em propriedade
dos nazis, o jornal esboçou a política exterior fundamental
do partido de Hitler:
"E quando vier o tempo e a tormenta desabar
sôbre as fronteiras orientais da Alemanha, será a oca-
sião de reunir centenas de milhares de homens dis-
postos a sacrificar suas vidas a l i . . . Os que estive-
rem determinados a se arriscar a tudo devem estar
preparados ante a atitude dos judeus ocidentais...
que levantarão suas vozes aflitas quando os judeus
orientais forem atacados... O que é certo é que o
exército russo será repelido para além de suas fron-
teiras depois de uma segunda Tannenberg. Isto é
uma questão puramente germânica e marcará o ver-
dadeiro comêço de nossa reconstrução." '

O editorial fôra escrito por Alfredo Rosenberg.


Do abismo do czarismo feudal e do imperialismo alemão
renascido no século XX ia tomando forma o Nazismo...

4. O Plano Hoffmann
Alfredo Rosenberg tinha a função de elaborar a ideo-
logia política do partido nazi alemão. Outro amigo de Ro-
senberg, o General Max Hoffmann, fôra encarregado da es-
tratégia militar.
Hoffmann passara grande parte de sua mocidade na
Rússia como adido à côrte do czar. Chegara a falar russo
mais fluentemente do que o alemão. Em 1905, com 35 anos
era capitão e fôra indicado ao estado-maior do General von
Schillieffen. Antes servira como oficial de ligação com o
I Exército japonês na guerra russo-japonêsa de 1904-1905.
Hoffmann nunca se esqueceu de que vira nas planícies da
Manchúria — um front que parecia sem fim e uma fôrça
atacante compacta, perfeitamente treinada, cortando como
"faca na manteiga", um exército de defesa muito mais nume-
roso, possuidor de enormes reservas, porém mal conduzido.
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 131

No começo da I Guerra Mundial, Hoffmann foi apon-


tado como chefe das operações do 8.° Exército alemão esta-
cionado na Prússia Oriental para enfrentar o esperado ata-
que russo. A estratégia teve como resultado a débacle cza-
rista em Tannenberg e foi creditada mais tarde pelas auto-
ridades militares não a Hindenbure ou Ludendorff, mas a
Hoffmann. Depois de Tannenberg, Hoffmann tornou-se o co-
mandante das fôrças germânicas na fronteira oriental. Êle
presenciou o colapso do exército imperial russo. Em Brest-
Litovsk, ditou os têrmos de paz à delegação soviética.
Em duas guerras, Hoffmann vira o exército russo em
ação e de ambas as vezes presenciara sua esmagadora der-
rota. O Exército Vermelho, na opinião de Hoffmann, era
apenas o velho exército russo "decomposto numa populaça."
No começo da primavera de 1919, o General Max Hoff-
mann apresentara-se pessoalmente à Conferência de Paz em
Paris com um plano recém-acabado de uma marcha sobre Mos-
cou encabeçada pelo exército alemão. Do ponto de vista de
Hoffmann o seu plano tinha dupla vantagem: não só "sal-
varia a Europa do Dolchevismo"; mas salvaria também o exér-
cito imperial alemão impedindo a sua dissolução. Uma forma
modificada dôsto plano fôra endossada pelo Marechal Foch.
Aos 22 do novembro do 1919, o General Hoffmann de-
clarou numa entrevista com o London Daily Telegraph: "Du-
rante os dois anos passados ou cheguei pessoalmente à con-
clusão do que o bolchevismo é o maior perigo que já amea-
çou a Europa desde há séculos..." As memórias de Hoff-
mann, A Guerra das Oportunidades Perdidas, deploram a não
realização da marcha sôbre Moscou conforme a concepção
original de seu plano.
Em seguida à visita ao General Hoffmann em Berlim
em 1923, o embaixador britânico Lord d'Abemon recordava
em seu diário diplomático:
"Tôdas as suas opiniões são orientadas pela sua
concepção geral de que nada irá direito no mundo
enquanto as potências civilizadas ocidentais não se
reunirem e decapitarem o govêrno soviético... In-
terrogado sôbre a possibilidade de uma união entre
a França, Alemanha e Inglaterra para atacar a Rússia,
êle replicou: "Isso é uma necessidade! Isso terá,de vir!"
132 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Nos anos de após-guerra, depois do fiasco da interven-


ção armada contra a Rússia Soviética, Hoffmann apresentou
uma nova versão do seu plano, e começou a divulgá-lo em
forma de um memorando confidencial aos estados-maiores
europeus. O memorando imediatamente despertou vivo in-
teresse nos crescentes círculos pró-fascistas da Europa. O Ma-
rechal Foch e o seu chefe de estado-maior, Pétain, que eram
ambos íntimos e pessoais amigos de Hoffmann, expressaram
sua calorosa aprovação ao plano revisto. Entre as outras per-
sonalidades que endossaram o plano figuravam Franz von
Papen, o General Barão Karl von Mannerheim, o Almirante
Horthy e o diretor do serviço secreto naval inglês, Almirante
Sir Barry Domvile.
O plano em suas versões posteriores, conquistou o apoio
de grande e poderosa porção do alto comando alemão, em-
bora apresentasse um afastamento radical da escola tradicional
bismarckiana da estratégia política e. militar alemã (30.)
Projetava uma aliança alemã com a França, Itália, In-
glaterra e Polônia, baseada numa causa comum contra a Rús-
sia Soviética. Estratègicamente, no dizer de um previdente
comentador europeu, Ernest Henri, no seu livro Hitler contra
a Rússia, o plano apelava para a concentração de novos exér-
citos sôbre o Vístula e o Dvina, conforme o estilo de Napoleão;
marcha ligeira, sob o comando alemão, perseguição das hordas
bolcheviques; ocupação de Leningrado e Moscou no curso
de poucas semanas; limpeza final do país até os Urais — e
assim, a salvação da velha civilização com a conquista de
meio continente.

A Europa inteira, sob o comando alemão, deveria mo-


bilizar-se e atirar-se contra a União Soviética.

(30) A princípio o General Hans von Seeckt, comandante da


Guarda do Reich Alemão opôs-se. Seeckt sonhava com uma guerra
de revanche contra o Ocidente, na qual êle tinha esperança de po-
der se utilizar das matérias-primas e aa mão-de-obra da Rússia. Acre-
ditava poder chegar a termos com os elementos de posição no Exército
Vermelho e no govêrno soviético. Mais tarde, Seeckt deu o seu apoio
ao plano e fêz-se nazista.
CAPÍTULO IX

A ESTRANHA CARREIRA DE UM
TERRORISTA

1. O retorno de Sidney Reilly


Berlim, dezembro de 1922. Um oficial naval alemão
e um funcionário do serviço britânico palestravam na bur-
burinhante sala-de-estar do famoso Hotel Adlon com uma
jovem, bonita e elegante mulher. Era uma estrela da comédia
musical de Londres, Pepita Bobbadilla, conhecida por Mrs.
Chambers, viúva do famoso dramaturgo britânico, Haddon
Chambers. Veio à tona o assunto da espionagem. O inglês
começou a falar das extraordinárias façanhas de um agente
do serviço secreto britânico na Rússia Soviética ao qual ele
se referiu como a um Mr. C. O alemão conhecia a reputação
de Mr. C. E regalaram-se mutuamente com a narrativa das
suas fabulosas aventuras. Finalmente incapaz de conter sua
curiosidade, Mrs. Chambers perguntou; "Quem é esse
Mr. C . r
— Eu lhe conto, Mrs. Chambers, esse Mr. C. é um ho-
mem misterioso. O mais misterioso da Europa. E de pas-
sagem poderia dizer que sua cabeça vale mais do que a de
qualquer outro homem v i v o . . . Os bolcheviques dariam uma
província para tê-lo vivo ou morto . . . Vive constantemente
em perigo. Representava nossos olhos e nossos ouvidos na
Rússia e, entre nós, êle sozinho é o responsável por não ter
sido o bolchevismo um perigo maior para a civilização oci-
dental do que até agora foi.
Mrs. Chambers estava impaciente para ouvir mais coisas
sobre o misterioso Mr. C. Seu companheiro sorria. — Eu o
134 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

vi esta tarde — disse o inglês. — Está hospedado aqui no


Hotel Adlon...
Nessa mesma tarde Mrs. Chambers teve o seu primeiro
deslumbramento ao ver Mr. C. Êle era, escreveu depois,
"uma figura bem posta e bem trajada", com "a face magra
um tanto sombria" e "uma expressão que poderia quase pa-
recer sardónica, a expressão de um homem que rira na cara
da morte, não uma vez, mas muitas." Mrs. Chambers apai-
xonou-se por êle à primeira vista.
Foram apresentados. Mr. C. falou a Mrs. Chambers,
nessa noite, do estado da Europa, da Rússia, da Tcheka.
sobretudo da "ameaça do bolchevismo." Fêz-lhe a confidência
do seu nome real: Capitão Sidney George Reilly...
Após o fiasco de sua conspirata em 1918 contra os so-
vietes, Sidney Reilly fôra enviado a Rússia novamente pelo
secretário britânico de Guerra, Winston Churchill, para aju-
dar a organizar o serviço de espionagem do General Deni-
kin. Reilly também atuou como ligação entre Denikin e seus
vários aliados anti-soviéticos europeus. > Durante 1919 e 1920,
o espião britânico trabalhara diligentemente em Paris, Var-
sóvia e Praga, organizando exércitos anti-soviéticos e agências
de espionagem o sabotagem. Posteriormente serviu como
agente somi-oficial para alguns milionários ezaristas "emigra-
dos", inclusive seu velho amigo e amo, o Conde Tchubersky.
Um dos mais ambiciosos projetos que Reilly ajudara a efe-
tivar durante êsso período foi o Torgprom, cartel dos indus-
triais ezaristas "emigrados" e de seus parceiros anglo-franceses
e alemães.
Como resultado do suas operações financeiras, Reilly reu-
nira considerável fortuna pessoal e exercia a direção de nu-
merosas firmas outrora associadas com os grandes negócios
russos. Êle desenvolvera importantes contactos internacionais,
e contava entre os seus amigos pessoais Winston Churchill,
o General Max Hoffmann e o chefe do estado-maior finlan-
dês, Wallenius.
O ódio fanático do espião britânico contra a Rússia
Soviética, não diminuíra. A destruição do bolchevismo era
então o motivo determinante de sua vida. Seu interêsse
apaixonado por Napoleão, pela possível conquista da Rússia,
levara-o a tornar-se um dos mais entusiásticos colecionadores
de literatura sôbre o corso. O valor de sua coleção mon-
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 135

tava a dezenas de milhares de dólares. A personalidade do


petit-caporal fascinava-o.
"Um tenente de artilharia calcou aos pés as cinzas da
Revolução Francesa," dizia Sidney Reilly. "E não poderia um
agente britânico do espionagem, com tantos fatôres a seu fa-
vor, assenhorear-se de Moscou?"
Aos 8 de maio de 1923 Mrs. Chambers desposava o
Capitão Sidney Reilly no cartório de Registro da Rua Hen-
rietta, Convent Garden, em Londres. O Capitão George Hill,
antigo cúmplice de Reilly nos dias de Moscou, serviu de
testemunha.
Mrs. Chambers começou logo a participar das intrigas
fantásticas da vida de seu marido. Mais tarde escreveu:
"Gradualmente eu me fui iniciando nesses estra-
nhos processos por detrás dos bastidores da política
europeia. Aprendi como debaixo da superfície de tôda
capital européia fervilhava a conspiração dos exilados
contra os tiranos atuais do seu país. Em Berlim,
em Praga, em Paris, em Londres mesmo, pequenos
grupos de exilados reuniam-se, planejavam, conspi-
ravam. Em Helsingfors (Helsinque) estava fervendo a
contra-revolução, financiada e urdida por vários go-
t vemos da Europa. Nesse movimento Sidney estava
intensamente interessado, dedicando muito tempo e
dinheiro à causa."

Um dia uma visita misteriosa se apresentou ao aparta-


mento de Sidney Reilly em Londres. A princípio apresen-
tou-se como "Mr. Warner." Tinha uma grande Darba preta
que lhe encobria quase todo o rosto, maxilar proeminente,
olhos frios de um azul de aço. Era um homem enorme, e
seus longos braços soltos caíam quase até aos joelhos. En-
tregou suas credenciais. Estas incluíam um passaporte bri-
tânico, um documento escrito e assinado em Paris pelo líder
social-revolucionário, Bóris Savinkov, e uma carta de apre-
sentação de um destacado estadista britânico.
— Ficarei em Londres cêrca de uma semana — disse a
Reilly o visitante — conferenciando com o Ministro do Ex-
terior.
136 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

"Mr. Warner" revelou então a sua identidade. Seu nome


real era Drebkov e fôra êle o líder de um dos grupos dos
"Cinco" no movimento conspiratório anti-soviético de Reilly
na Rússia em 1918. Atualmente êle era o cabeça de uma
organização subterrânea russo-branca em Moscou.
— Era uma bela organização que tinhas na Rússia, Capi-
tão Reilly — disse Drebkov. — Nós a reestruturamos! Estamos
novamente na luta! Todos os antigos agentes lá estão. Lem-
bras-te de Balkov? Está conosco. Mais dia, menos dia, nós
derribaremos os peles-vermelhas e o bom tempo há de vol-
tar. Mas sabes como somos nós os russos. Nós planejamos,
planejamos, construímos uma bela conspiração após outra,
discutimos entre nós mesmos acêrca de pormenores insig-
nificantes, e uma linda oportunidade escorrega após outra, e
nada feito! Bolas! Drebkov chegou ao assunto de sua vi-
sita. — Nós precisamos de um homem na Rússia, Capitão Reil-
ly — disse ele, um homem capaz de ordenar e realizar, cujas
ordens não se discutam, um homem que seja c&efe, um
ditador, se quiseres, como Mussolini o e na Itália, um ho-
mem que recomponha as rixas que desunem nossos amigos
e o faça com mão de ferro, solaando-nos sob a arma que
fira no coração os atuais tiranos da Rússia!
— Que me conta de Savinkov? — perguntou Reilly. — Êle
está em Paris, é um legítimo homem na tua acepção, um
homem realmente grande, um organizador e líder nato!
Mrs. Reilly, recordando a entrevista em suas memórias
escreveu:
"Eu pude ler no tom de voz de Reilly quão
grande era o sacrifício que êle fazia em confiar esse
assunto a Savinkov, o líder russo que êle admirava
tão profundamente."

2. Um negócio como qualquer outro


Bóris Savinkov, que em 1924 era sèriamente conside-
rado nos círculos políticos mais íntimos do Down Street e
Quai d'Orsai como o futuro ditador da Rússia, era sob mui-
tos aspectos um dos homens mais notáveis que haviam emer-
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 137

gido do caos que se seguiu ao colapso da velha Rússia.


Um homem franzino, pálido, calvo, de fala mansa, habitual-
mente trajado de modo impecável, de sobrecasaca o botas do
melhor couro, Savinkov parecia mais o "gerente do um ban-
co", como Somorset Maugham disse uma voz, do que o fa-
moso terrorista e impiedoso contra-revolucionário que na rea-
lidade era. Seus talentos eram múltiplos o variados. Winston
Churchill, a quem Savinkov foi apresentado pela primeira voz
por Sidney Reilly, descreveu mais tardo o terrorista russo
em seu livro Grandes Contemporâneos como o homem que
ostenta "a sabedoria de um estadista, as qualidades do iim
comandante, a coragem do um herói o a obstinação do um
mártir." "A vida do Savinkov", acrescentava Churchill, "ÍAra
despendida em conspirar."
Quando jovem, na Rússia czarista, Savinkov fôra mem-
bro influente do Partido Social-Revolucionário. Juntamente
com quatro outros líderes encabeçava a organização de luta
do Partido, um Comitê terrorista especialmente encarregado
do assassínio de oficiais czaristas. O Grão-duque Sergei, tio
do czar, e o ministro do Interior, V. K. Plolivo, figuraram
entre os oficiais czaristas mortos pela Organização do Luta
no comêço de 1900 (31.)
Após o fracasso da primeira tentativa para derribar o
czarismo em 1905, Bóris Savinkov ficou um tanto desilu-
dido com a vida de revolucionário. Começou a se entregar
à literatura. Escreveu uma sensacional novela autobiográfi-
ca, The Fale Horse, na qual descreveu o seu papel nos as-
sassínios de Plehve e do Grão-duque Sergei. Relatou como,

(31) O verdadeiro líder da Organização de Luta era Ievno Asoff


um dos mais extraordinários agentes provocadores da história. Espiilo a
serviço da polícia secreta czarista, Aseff — traindo alternadamente re-
volucionários e terroristas — ocupava-se então dos planos do assassinio
do Grão-duque Sergei Plehve, e outros oficiais czaristas. Seu único
interêsse era o dinheiro; e êle auxiliava nessas matanças porque sabia
que essas tarefas o habilitariam a solicitar grandes somas do Partido
Social-Revolucionário. Naturalmente êle mantinha a polícia secreta cza-
rista na ignorância da parte que tomava em tais mortes.
Outro líder social-revolucionário que trabalhava unido a Savinkov
o Aseff era Vitor Chernov. Como Savinkov. Chernov tornou-se mais
(arde muito ativo no trabalho anti-soviético. Chegou aos E.U.A. em
1040 e, na época em que escrevemos ainda se conserva neste país,
tmtlo forma especialistas de propaganda anti-soviética.
138 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
j
disfarçado num agente britânico, com um passaporte forjado
e "três quilos de dinamite sob a mesa," se instalou numa
pequena casa de uma travessa russa, esperando dia após dia
que a carruagem do grão-duque descesse pela rua.
Anos depois, durante a I Guerra Mundial, quando o
novelista britânico, Somerset Maugham, foi enviado à Rússia
pelo serviço secreto britânico para estabelecer contacto com
Savinkov (32), ele perguntou ao terrorista russo se não pre-
cisara de muita coragem para efetuar essas mortes. Savin-
kov replicou: "Nem tanta, creia-me. Ê um negócio como
qualquer outro. A gente se acostuma com isso."
Em junho de 1917, Bóris Savinkov, assassino profissio-
nal e novelista, foi apontado por Kerensky, por sugestão de
seus conselheiros aliados, para o cargo de comissário político
do 7.° Exército na fronteira da Galícia. As tropas dêsse
grupo do exército vinham-se amotinando contara o govêrno
Êrovisório e acreditava-se que seriam necessários métoaos vio-
®tos como os de Savinkov para- solucionar a situação. Sa-
vinkov dominou o motim. Certa ocasião, informou-se que
êle matara com suas próprias mãos os delegados de um con-
selho de soldados bolcheviques...
A instâncias de Savinkov, Kerensky fêz o General Kor-
nilov comandante-chefe dos Exércitos Russos. O próprio
Savinkov foi indicado còmo ministro-assistente da Guerra.
Êle já estava atuando como agente secreto do govêrno fran-
cês e conspirava para derribar o regime de Kerensky e esta-
belecer uma ditadura militar sob o poder de Korniíov.
Depois da Revolução Bolchevique, Savinkov chefiou um
levante anti-soviético em Iaroslav financiado secretamente
pelos franceses e aprazado para coincidir com o golpe de
estado de Sidney Reilly em Moscou. As fôrças de Savinkov
foram derrotadas pelo Exército Vermelho e êle mal escapou
vivo. Fugindo do país, tornou-se um dos representantes di-
plomáticos dos russos brancos na Europa. Como escreveu
Winston Churchill em Grandes Contemporâneos: "Responsável

(32) No prefácio do seu livro O Agente Britânico, Somerset


Maugham descreve sua principal tarefa na Rússia como segue: "Em
1917 eu cheguei à Rússia. Fui enviado para impedir a Revolução Bol-
chevique e manter a Rússia na guerra." Maugham acrescenta: "O
leitor verá que meus esforços não surtiram efeito."
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 139

por tôdas as relações com os aliados e com os não menos


importantes Estados Bálticos e fronteiriços que formavam
nessa época o Cordão Sanitário do oeste, o ex-niilista desen-
volvia tôda a sua capacidade, quer dando ordens, quer intri-
gando."
Em 1920 Savinkov dirigiu-se para a Polônia. Com o au-
xílio de seu bom amigo Marechal Pilsudski, reuniu uns 30
mil oficiais e homens, armou-os e começou a treiná-los, pre-
parando-os para outro assalto contra a Rússia Soviética.
Subseqüentemente, Savinkov levou o seu Q. G. para
Praga. Ali, trabalhando ativamente com o fascista tcheco Ge-
neral Gayda, Savinkov criou uma organização conhecida como
Guardas Verdes, composta em grande parte de ex-oficiais cza-
ristas e terroristas contra-revolucionários. Os Guardas Verdes
lançaram uma série de investidas através das fronteiras so-
viéticas, roubando, pilhando, queimando granjas, massacrando
trabalhadores e camponeses e assassinando os funcionários so-
viéticos locais. Nessa atividade Savinkov teve a estreita coope-
ração de várias agências do serviço secreto europeu.
Um dos auxiliares de Savinkov, um terrorista social-revo-
lucionário chamado Fomitchov, estabeleceu uma filial do apa-
relho conspiratório e terrorista de Savinkov em Vilna, a an-
tiga capital da Lituânia, que fóra tomada pelos poloneses em
1920. O grupo de Fomitchov, com o auxilio do serviço se-
creto polonês, começou formando células secretas no territó-
rio soviético para desenvolver o trabalho de espionagem e
ajudar os grupos terroristas enviados da Polônia, e equipa-
dos com armas, dinheiro e documentos falsos das autoridades
polonesas.
Mais tarde, numa carta ao Izvestia. aos 7 de setembro
de 1924, Fomitchov deu a seguinte descrição das operações
efetuadas por seu grupo:

"Quando esses espiões e destacamentos voltavam,


depois dos crimes que tinham sido incumbidos de
perpetrar, era eu o intermediário entre êles e as auto-
ridades polonesas, era eu que entregava a estas os
• documentos roubados e o material de espionagem.
Assim é que os destacamentos de Sergei Pavlovsky,
Trubnikov, Monitch, Daniel, Ivanov e outros destaca-
mentos menores como ainda espiões e terroristas indi-
140 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

viduais, foram enviados à Rússia Soviética. Entre ou-


tras coisas, lembro-me de que o Coronel Svejevsky foi
enviado à Rússia em 1922 com a incumbência de j
matar L é n i n . . . " ^

Os métodos impiedosos de Savinkov, sua personalidade


magnética e raro talento de organização asseguraram um apoio
tremendo aos "emigrados" russo-brancos e estadistas europeus
que ainda sonhavam com a derrocada do govêrno soviético.
As vêzes, entretanto, essas pessoas sentiam um ligeiro emba-
raço ao se recordarem de Savinkov. Em Paris, em 1925,
quando Churchill negociava com o cx-primeiro-ministro cza-
rista Sazonov, veio à tona a questão de Savinkov. Churchill
descreveu mais tarde o incidente em Grandes Contemporâ-
neos:
"Como vos entendeis com Savinkov?" perguntou Chur-
chill. O ex-primeiro-ministro czarista fêz com as mãos um
gesto de súplica. "Êle é um assassinol Chego mesmo a es-
E a n t a r - m e de trabalhar com êlel Mias que fazer? Êle é um
ornem competente, cheio de recursos e resolução. Ninguém
tão bom!"

3. Domingo em Chequers
Em 1922 a fome grassava nas regiões desoladas da Rús-
sia, e parecia inevitável o colapso iminente do govêrno so-
viético. Estadistas europeus, russos brancos emigrados e opo-
sicionistas políticos exilados esboçavam diligentemente pactos
secretos e organizavam gabinetes russos prontos para assumir
o encargo no momento oportuno. Intensas discussões se rea-
lizavam acêrca do possível ditador russo. O Capitão Sidney
Reilly trouxe Savinkov a Winston Churchill.
Churchill andava intrigado desde há tempos com a per-
sonalidade desse "assassino literário", como o chamava. Con-
cordando com Reilly em que Savinkov era um homem "para
se incumbir do comando de grandes façanhas", decidiu-se a
apresentá-lo ao primeiro-ministro britânico, Lloyd George.
Conseguiu-se uma conferência confidencial que se efetuaria
em Chequers, na casa de campo do primeiro-ministro.
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 141

Churchill e Savinkov dirigiram-se juntos para Chequers.


"Era um domingo" relata Churchill em Grandes Contempo-
râneos, "o primeiro-ministro estava atendendo vários chefes
religiosos da Igreja Livro e cercado de um grupo de can-
tores de Gales que tinham viajado de seu principado para
prestar-lhe homenagens corais. Durante várias horas canta-
ram hinos de Gales do modo mais encantador. Em seguida
tivemos o nosso encontro."
Mas Lloyd George não estava inclinado a ficar mal visto
com ter Bóris Savinkov sob a proteção do govêrno britâ-
nico. Na sua opinião "as coisas iam mal" na Rússia. A ex-
periência bolehoviquo — contrôle socialista das indústrias do
país —- falhara por corto. Os líderes bolcheviques "em face
das responsabilidades do atual govêrno", ou desistiriam do
suas teorias comunistas ou, "como Robospierrc e S. Just (sic),
desentonder-se-iam uns com os outros o cairiam do poder."
Quanto à "amoaça mundial de bolchevismo", com a qual
Churchill o o sorviço secreto britânico pareciam andar preo-
cupados, tal coisa simplesmente níio existia, declarou Lloyd
George...
'Senhor primeiro-ministro", observou Bóris Savinkov com
sua maneira gravo o formal, quando Lloyd Gcorgo acabou:
"V. Exa. me permitirá a honra do obsorvar quo depois da
queda do Império Romano começou a Idade Média!"

4. O tribunal dc Moscou, 1924


A morto do Lénin aos 21 do janeiro do 1924, suscitou
fervorosas esperanças na mente de Reilly, Seus agentes na
Rússia relataram que os elementos de oposição dentro do
país estavam intensificando grandemente os seus esforços
para atingir o poder. Dentro do próprio Partido Bolchevi-
que agudas divergências vinham se manifestando e parecia
haver possibilidades de aproveitar uma brecha real. Do ponto
de vista de JRcilly, era um momento altamente estratégico
para a luta.
Reilly convencera-se de que os seus velhos planos de
restauração do czarismo estavam superados. A Rússia aban-
donara o czarismo. Reilly acreditava que se deveria resta-
142 *
MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

belecer uma ditadura baseada nos camponeses ricos (kulaks)


e várias fôrças militares e políticas hostis ao govêrno soviético.
Êle estava convicto de que Bóris Savinkov era o homem
ideal para introduzir na Rússia a espécie de regime que
Mussolini encabeçava na Itália. O espião britânico viajava
de uma capital européia para outra, procurando persuadir
os serviços secretos e os cstados-maiores a apoiarem a causa
de Savinkov.
Um dos personagens mais importantes para ser aprovei-
tado na campanha anti-soviética nosso tempo era Henri Wil-
helm August Detording, holandês do nascimento e cavaleiro
do Império Britânico, chefe do grande traste internacional
britânico, Royai Dutch Shell. Detording estava destinado a
tornar-se o mais famoso sustontáeulo financeiro do mundo e
o intérprete da causa anti-soviética nos grandes negócios...
Através dos esforços de Reilly, o rei britânico 3o petró-
leo .interessou-se pela Torgprom, a organizaçíío aos milioná-
rios ozaristas emigrados. Do Lianovoz o Montaehev em Paris
e outro membro da Torgprom na Etoopa, Detording adquiriu
os direitos sôbro alguns dos mais importantes campos petro-
líferos na Rússia Soviética. Em comôço do 1924, som ter
podido conseguir o contrôlo do petróleo soviético por pres-
são diplomática, o rei britânico do petróleo, declarou-se pessoal-
mente o "proprietário" do petróleo russo o denunciou d regime
soviético como ilegal o fòra do âmbito da civilização. Com
os imensos recursos de sua riqueza, influência e inúmeros
agentes secretos, Henri Detording declarou guerra à Rússia
Soviética com intenção clara do se apoderar dos ricos poços
de petróleo do Cáucaso.
A intervenção do Detording deu novo impulso à cam-
panha de Sidney Reilly. O espião britânico traçou pronta-
mente um plano concreto de ataque à Rússia Soviética e o
entregou aos membros interessados dos estados-maiores euro-
peus. O plano, uma variante do Plano Hoffmann, incluia
a ação tanto militar quanto política.
Politicamente, o Plano Reilly encarava uma contra-revo-
lução na Rússia, desencadeada por elementos secretos de opo-
sição, em conjunto, com os terroristas de Savinkov. Logo que
a contra-revolução estivesse em andamento, iniciar-se-ia a fase
militar. Londres e Paris denunciariam formalmente o govêr-
no soviético e reconheceriam Bóris Savinkov como ditador
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 143

da Rússia. Os exércitos brancos estacionados na Iugoslávia


e Rumânia cruzariam a fronteira soviética. A Polônia mar-
charia sôbre Kiev. A Finlândia bloquearia Leningrado. Si-
multâneamente haveria uma revolta armada no Cáucaso lide-
rada pelos companheiras do menchevique gcorgiano, Noi Jor-
dania (33.)
O Cáucaso seria separado do resto da Rússia, cstabele-
cendo-se uma Federação Transeaueásica "independente", sob
auspícios anglo-franeeses, o os poços petrolíferos e oleodutos
voltariam aos seus ex-donos estrangeiros.
O Plano Reilly conseguiu a aprovação o endôsso dos
líderes antibolchevfques, aos estados-maiores francês, polonês
e rumono. O ministro do Exterior britânico estava aefiniti-
vamente interessado no projeto do separar o Cáucaso da
Rússia. O ditador fascista italiano, Benito Mussolini, con-
vocou Bóris Savinkov a Boma para uma eonforôncia especial.
Mussolini queria encontrar-se com o "ditador russo." filo pron-
tificou-se a prover os agentes do Savinkov com passaportes
italianos para facilitar sua viagem à Rússia enqua&to so pre-
parava o ataque. Além do quo o Duce prontificou-se a dar
instruções a suas delegações fascistas o a polícia secreto, a
OVRA, a fim do prestarem a Savinkov tôda assistência pos-
sível . . .
Conformo as palavras de Reilly, "uma grando conspira-
ção contra-revolucionária estava em vias do acabamento."
Em agôsto do 1924, depois de uma longa discussão fínal
com Reilly, Bóris Savinkov, munido de um passaporte ita-
liano, partiu para a Rússia. Foi acompanhado de alguns
auxiliares de confiança o tenentes dos seus Guardas Verdes.
Uma vez atravessada a fronteira soviética, êle tinha de fazer
uns preparativos de última hora para o levante geral. Tôda
precaução tinha de ser tomada para que a identidade de
Savinkov não fôsse descoberta, caso contrário a sua vida es-
taria em perigo. No momento em que êle alcançasse os
territórios soviéticos, teria de encontrar-se com representantes

(33) Em 1918 Noi Jordania chefiara üm govêrno títere alemão


no Cáucaso. Em 1919 os inglêses expulsaram os alemães e Jordania
tornou-se o cabeça de uma federação transcaucásica em Paris. O
covêmo francês pusera à sua disposição um subsídio de 4 milhões
do francos. ,
144 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
»

do movimento subterrâneo branco que obtivera adesões entre


os oficias soviéticos nas cidades da fronteira. Savinkov devia
mandar uma mensagem a Reilly, por correio secreto, logo
que chegasse.
Dias passaram-se e nem uma palavra de Savinkov. Em
Paris, Reilly esperava com crescente impaciência e ansiedade,
impossibilitado de fazer o menor movimento enquanto o cor-
reio não chegasse. Passou-se uma semana. Duas semanas.
No dia 28 de agôsto estourou o levante planejado no
Cáucaso. Ao amanhecer, um destacamento armado dos ho-
mens de Noi Jordania atacou a cidade ainda adormecida de
Tschiatury, na Geórgia, assassinou os oficiais do Soviete local
e se apoderou da cidade. Terrorismo, morte e bombar-
deio percorreram todo o Cáucaso. Houve tentativas para to-
mar os campos petrolíferos...
No dia seguinte, Reilly descobriu o que acontecera a
Bóris Savinkov. A 29 de agôsto de 1924 o jornal soviético,
Izvestüt, anunciou que "o ex-terrorista e contra-revolucioná-
rio Bóris Savinkov" fôra prêso pelas autoridades soviéticas
"depois de uma tentativa de entrada secreta pela fronteira
soviética".
Savinkov e seus auxiliares cruzaram a fronteira vindos
da Polônia. No solo soviético encontraram-se com um'grupo
de homens que tomaram por cúmplices, sendo conduzidos
á uma casa em Minsk. Logo depois de sua chegada um
oficial soviético apareceu para comunicar que a casa estava
cercada. Savinkov e seus companheiros tinham caído numa
armadilha.
O levante no Cáucaso teve destino igualmente desas-
trado. Os montanheses, que os contra-revolucionários conta-
vam como aliados, ergueram-se em defesa do regime soviético.
Juntamente com os operários das minas, êles defenderam as
ferrovias, oleodutos e campos petrolíferos até chegarem as
tropas soviéticas regulares. Houve combates esporádicos du-
rante algumas poucas semanas. Mas estava patente desde o
início que as autoridades soviéticas detinham a situação nas
imãos. O New York Times relatou em 13 de setembro de
1924 que o levante caucásico "vinha sendo financiado e diri-
gido ae Paris" por "magnatas poderosos" e "ex-proprietários
dos poços petrolíferos de Bacu." Poucos dias depois os re-
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 145

manescentes do exército contra-revolucionário de Jordania fo-


ram cercados e capturados pelas tropas soviéticas.
A prisão de Savinkov e o colapso do levante caucásico
constituíram um desapontamento amargo para Sidney Reilly
e seus amigos. Mas o julgamento público de Savinkov, rea-
lizado logo após em Moscou, foi o maior golpe de todos.
Para horror e estupefação de muitos personagens implicados
em sua conspirata, Boris Savinkov pos-so a relatar os por-
menores do toda a conspiração. Informou calmamente ao tri-
bunal soviético que êle previa tudo ao encaminhar-se para
a armadilha quando cruzou a fronteira soviética. — Fizestes
um bom serviço ao me apanhardes em vossa rêde, disse
Savinkov ao oficial soviético que o prendera. — Com efeito,
eu suspeitava da armadilha. Mas decidi-me a vir à Rússia,
fôsse como fôsse. Dir-vos-ei porque... Decidira-me a aban-
donar a minha luta contra v ó s . . .
Savinkov disse que os seus olhos finalmente se abriram
^ = p a r a a inutilidade o perversidade do movimento anti-soviético.
Apresentou-se perante o tribunal como um patriota russo ho-
nesto, mas desorientado, gradualmente desiludido do carátor
e dos intuitos de seus companheiros.
— Com horror — declarou êle — convenci-me cada vez
_ mais de que éles não pensavam na pátria, no povo, mas
únicamente em seus intorêsscs de classe I
Já em 1918, comunicou Savinkov ao tribunal, o embai-
xador francês Noulens, financiara a sua organização terrorista
secreta na Rússia. Noulens ordenara a Savinkov que iniciasse
a revolta em laroslav no comêço de julho de 1918, prome-
tendo apoio efetivo com desembarque do tropas francesas. A
revolta fizera-se como fôra planejada, mas o apoio não chegou.
— De onde obtiveste dinheiro nesse tempo e quanto? —
perguntou o presidente do tribunal.
— Lembro-me de que na época estava inteiramente deses-
n . d o , disse Savinkov, e não sabendo de quem pudesse obter
eiro, sem que o solicitasse, fui abordado por alguns
tchecos que'me deram a importância de 200.000 rublos de
Kerensky. Êsse dinheiro assegurou a nossa organização na
ocasião... Êles declararam o seguinte: desejavam que o
dinheiro fôsse aplicado em façanhas terroristas. Êle; sabiam
— não ocultei o fato — que eu reconhecia o terror como
146 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

meio de luta, sabiam e deram dinheiro sublinhando que de-


veria ser empregado principalmente em atividades terroristas.
Anos depois, continuou Savinkov, tornou-se claro para
êle como patriota russo que os elementos anti-soviéticos por
tôda parte não se interessavam em apoiar o seu movimento
pelos objetivos do próprio movimento, mas unicamente com
o intuito de obter poços de petróleo russo e outras riquezas
minerais. Êles falavam freqüentemente e muito persistente-
mente — disse Savinkov de seus consultores britânicos — que
seu desejo seria estabelecer uma Federação independente de
sudeste, abrangendo o norte do Cáucaso e a Transcaucásia.
Diziam que essa Federação seria apenas o comêço, e o Azer-
bajã e a Geórgia ser-lhe-iam anexados posteriormente. Sen-
tia-se em tudo isso o cheiro do petróleo.
Savinkov descreveu os seus encontros com Churchill.
— Churchill mostrou uma vez o mapa da Rússia Meri-
dional, no qual as posições de Denikin e do vosso exército
estavam assinaladas com bandeirinhas. Ainda me lembro do
choque recebido quando apontando para as bandeirinhas de
Denikin, êle disse súbitamente: Êste é o meu exórcitol Não
repliquei, mas fiquei como petrificado no lugar. Estava para
abandonar o quarto, quando pensei que se fizesse um escân-
dalo ali e fechasse a porta sôbre mim mesmo, nossos sol-
dados na Rússia ficariam sem botas.
— Por que razão supriam-te os franceses e inglêses com
essas botas, granadas, metralhadoras e outras coisas mais? —
perguntou o presidente do tribunal.
— Oficialmente, tinham êles intuitos nobilíssimos — repli-
cou Savinkov. — Éramos aliados fiéis, vós éreis traidores, e t c . . .
Por trás do pano era o seguinte: No mínimo, o petróleo,
que é algo de muito cobiçado. No máximo: fazer os russos
brigar entre si, quanto menos sobreviverem, melhor. A Rússia
será cada vez mais fraca.
O depoimento sensacional de Savinkov durou dois dias.
Êle relatou tôda a sua carreira de conspirador. Denunciou
os conhecidíssimos estadistas e magnatas das finanças na
Inglaterra, França e outros países europeus que lhe deram
assistência. Disse que se tornara o seu instrumento involun-
tário. — Eu vivia como se fôsse numa redoma de vidro. Não
via coisa alguma a não ser a minha própria conspiração...
Não conhecia o povo. Amava-o. Estava disposto a entregar
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 147

a minha vida por cie. Mas seus interôsscs — suas reais


aspirações — poderia eu ter alguma idéia disso?
Em 1923, ôle começara a pressentir "a importância mun-
dial" da Revolução Bolchevique. Começou a ter nostalgia o
desejou voltar à Rússia "para ver com meus próprios olhos
e ouvir com os meus ouvidos."
— Pensei que talvez tudo quanto eu lia na imprensa es-
trangeira fôsse mentira — disse Savinkov. — Tulguoí impossívol
não terem feito nada polo povo russo aquáles quo ninguém
conseguira vencer.
O tribunal soviético condenou Bóris Savinkov à morto
como traidor de sua pátria, mas por causa da inteireza do
seu depoimento a sentença foi comutada para ã w anos do
prisão (34.)
Logo que chegaram a Paris as notícias da prisão do
Savinkov e da bomba ainda maior do sua rotrataçflo, Sidnoy
Reilly regressou às pressas para Londres a fim do so entre-
vistar com os seus superiores. Aos 8 de setembro de 1924,
urgp,;-alentada e extraordinária declaração do Reilly apareceu
no Morníng Post, órgão do antibolchovismo tory britânico.
Reilly declarava que o julgamento público de Savinkov em
Moscou não fôra jamais realizado. Afirmava categòricamonto
,que Savinkov fôra realmente fuzilado ao cruzar a fronteira
soviética, e que o julgamento era uma fraude colossal;
"Savinkov foi morto ao tentar atravessar a fron-
teira russa, e a Tcheka encenou em Moscou um jul-
gamento simulado, a portas fechadas, com um dos
agentes de Savinkov como protagonista." (35.)

(34) Savinkov foi tratado com especial consideração pelas auto-


ridades soviéticas na prisão. Concederam-lhe privilégios especiais, doram-
-Ihe os livros que desejava e facilidade para escrever. Mas êle sus-
pirava péla liberdade. Aos 7 de maio de 1925 êle escreveu um longo
apêlo a Felix Dzerzhinsky, chefe da Tcheka: "Fuzile-me ou dê-mo
oportunidade de trabalhar', disse Savinkov. "Fui contra vós, agora sou
a vosso favor. <Não posso aturar a existência mutilada dc não ser nem
a favor de vós nem contra vós, como simples hóspede de uma prisão."
Suplicou perdão e ofereceu-se para fazer algo que o Soviete exigisse
dêle. Sua súplica foi rejeitada. Logo depois Savinkov se suicidou ati-
rando-se de uma janela do 4.° andar aa prisão.
(35) Essa era a primeira das muitas extravagantes "explicações"
dadas pelos inimigos da União Soviética durante os anos seguintes â
148 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Reilly defendia vigorosamente a firmeza de Savinkov co-


mo conspirador anti-soviético:
"Reivindico para mim o privilégio de ter sido um
de seus mais íntimos amigos e dedicados companhei-
ros, c cabe-me a sagrada incumbência de vingar a
sua honra... Era eu um dos pouquíssimos que co-
nheciam qual a intenção dêle ao penetrar na Rússia
Soviética . . . Entrevistava-me diàriamente com Savin-
kov às vésperas de sua partida para a fronteira so-
viética. Fui dos seus mais íntimos confidentes e seus
planos foram elaborados conjuntamente comigo."

A declaração de Reilly concluía com um apêlo ao editor


do Morning Post:
"Senhor, apelo para vós, cujo órgão tem fido sem-
pre o campeão confesso do antibolchevismo e anti-
comunismo, ajudai-me a reabilitar o nome e a honra
de Bóris Savinkov!"

Ao mesmo tempo Reilly encaminhou a Winston Chur-


chill uma carta privada cuidadosamente redigida:
"Caro Mr. Churchill
O desastre que vitimou Bóris Savinkov indubità-
velmente produziu a mais penosa impressão em vós.
Nem eu nem nenhum de seus mais íntimos amigos e
colaboradores puderam, de há muito, obter notícias
fidedignas acêrca de seu fim. Nossa convicção é de
que êle tombou vítima da mais vil e audaz intriga
que a Tcheka perpetrou. Nossa opinião vem expressa
na carta que eu estou mandando hoje ao Morning
Post. Conhecedor de vosso invariàvelmente gentil in-
terêsse, tomo a liberdade de remeter-vos uma cópia
da mesma, para vosso govêrno.
Sou, caro Mr. Churchill, muito fielmente, vosso
Sidney Reilly."

Revolução, com intuito de desacreditar as declarações feitas por cons-


piradores estrangeiros e traidores russos nas côrtes soviéticas de Jus-
tiça. Essas "explicações" atingem o seu clímax durante os chamados
Julgamentos de Moscou (1936-38.) Ver livro III.
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 149

A indiscutível autenticidade do julgamento foi, todavia,


logo estabelecida, e Reilly foi obrigado a enviar outra carta
ao Morning Post. Esta dizia:
"As informações minuciosas e em muitos casos
estenografadas da imprensa sôbre o julgamento de
Savinkov, apoiadas, pelo testemunho de observadores
fidedignos e presenciais, provaram fora de tôda pos-
sibilidade de dúvidas a traição de Savinkov. Êle
traiu não só os seus amigos, sua organização e sua
causa, mas entregou-se deliberada e totalmente aos
seus amigos. Mancomimou-se com êles para ma-
nejar o golpe mais duro possível ao movimento
antibolchevique, armando-os com um trunfo político
extraordinário tanto para uso interno como externo.
Por seu ato Savinkov arrancou para sempre o seu
nome da galeria de honra do movimento anticomu-
nista.
Seus amigos e companheiros de outrora entris-
tecem-se oom a sua terrível e inglória defecção, mas
aquôles que em circunstância alguma pactuarão com os
inimigos da humanidade, continuam impassíveis.
O suicídio moral de seu ex-líder é antes um incen-
tivo a mais para cerrarem suas fileiras e "prossegui-
rem."
Vosso, etc.
SIDNEY REILLY."

Pouco depois Reilly recebeu uma nota discreta de Wins-


ton Churchill:

"CHARTWELL MANOIR
Westerham, Kent.
15 de setembro de 1924
Caro Mr. Reilly:
Interessei-me muito pela sua carta. O aconteci-
mento teve rumo diverso que o esperado inicialmente
por mim. •
150 MICHAEL
*
SAYERS E ALBERT E. KAHN

Acho que não se devia julgar Savinkov tão àspe-


ramente. Êle foi colocado numa situação terrível, e
sòmente aquêles que já enfrentaram vantajosamente
um julgamento dêsses têm direito de censurar. Em
qualquer hipótese, esperarei até ao fim da história,
para mudar de parecer quanto a Savinkov. Muito
cordialmente,
W. S. Churchill."

A publicação da confissão e testemunho de Savinkov era


profundamente embaraçosa para aquêles que na Inglaterra
tinham apoiado a sua causa. No meio do escândalo, Reilly
despachou-se apressadamente para os Estados Unidos. Chur-
chill retirou-se temporàriamente para a sua residência de
campo em Kent. O Ministério do Exterior manteve-se em
discreto silêncio.
Um epílogo sensacional estava, entretanto, para sobrevir.
Pelo íim de outubro de 1924," poucos dias antes das
eleições gerais, manchetes embandeiradas do Daily Mail de
Lord Rothermere anunciaram abruptamente que a Scotland
Yard descobrira uma sinistra conspiração soviética contra a
Grã-Bretanha. Como prova documental da conspiração, o
Daily Mail publicou a conhecida "Carta de ZinovieV" con-
tendo instruções enviadas por Grigori Zinoviev, líder do Co-
mintern Russo, aos comunistas britânicos sôbre o modo de
combater os tories nas próximas eleições.
Era a résposta tory à denúncia de Savinkov; e surtiu
efeito. Os tories ganharam as eleições com um programa vio-
lentamente antibolchevista.
Alguns anos depois, Wyndham Childs da Scotland Yard
afirmou que nunca houvera realmente carta alguma escrita
por Zinoviev. O documento era forjado e vários agentes es-
trangeiros foram envolvidos em sua preparação. Ele se ori-
ginara em Berlim, no gabinete do Coronel Walther Nicolai,
' ex-chefe do serviço secreto militar imperial germânico, e que
atualmente trabalhava Intimamente com o partido nazi. Sob
a supervisão de Nicolai, um guarda branco báltico chamado
Barão Uexkuell, que mais tarde dirigiria um serviço de im-
prensa nazista, estabelecera na capital germânica um secre-
tariado especial para forjar documentos anti-soviéticos, e con-
CAPITULO X

RUMO A FRONTEIRA FINLANDESA

1. Antibolchevismo na Broadway
Uma delegação de russos brancos estava no cais para
saudar o New Âmsterdam, o navio que trazia o Capitão Sidney
Reilly e sua esposa para a América, no verão de 1924. Havia
flôres, champanha e discursos inflamados, saudando o "herói
da cruzada antibolchevique."
Reilly sentiu-se logo à vontade nos E.U.A. Discutia-se
amplamente um empréstimo americano à Rússia Soviética.
Poderosos homens de negócio eram pelo empréstimo; e o go-
vêmo soviético, ansioso por conquistar a amizade da América,
e necessitando desesperadamente de capital e maquinaria pa-
ra reorganizar a sua economia desmantelada, vinha fazendo
concessões para obtô-lo.
"Havia belas perspectivas para o Soviete obter o em-
préstimo", recordava Mrs. Reilly mais tarde. "Sidney estava
decidido a impedi-lo. Grande parte de seus trabalhos na
América era feito no intuito de frustrar êsse empréstimo."
Reilly imediatamente entrou em luta contra o emprés-
timo proposto. Montou um escritório na Broadway, o qual
se transformou ràpidamente em Q. G. dos conspiradores an-
ti-soviéticos e russos brancos residentes nos Estados Unidos.
Grande quantidade de propaganda anti-soviética saía do gabi-
nete de Reilly endereçada aos editôres influentes, publicistas,
educadores, políticos e homens de negócio dos Estados Uni-
dos. Reilly empreendeu uma tournée de conferências pelo
país, pára informar o público acerca do "perigo do bolche-
vismo e sua ameaça à civilização e ao comércio mundial."
Promoveu uma série de "palestras confidenciais" com pequenos
154 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

grupos seletos de homens da Wall Street e industriais abas-


tados em várias cidades da América.
"Quer por meio de conferências públicas como por ati-
vidades na imprensa", escreveu a Senhora Reilly, "Sidney lu-
tava contra o empréstimo bolchevique. E é desnecessário
afirmar que do revelação em revelação, de descoberta em
descoberta, obtovo uma vitória completa, e o empréstimo so-
viético nunca so materializou." (38.)
Sabotar o empréstimo à Rússia núo foi a atividade anti-
soviética principal do Reilly nos Estados Unidos. Seu empreen-
dimento principal era criai no solo americano um ramo da
Liga lntèrnaciónal Aatibolchevíque, quo prestasse poderoso
apoio às diversas conspirações anti-soviéticas que êle vinha
promovendo na Europa o na Rússia. Havia ramificações da
liga do Reilly operando cm Berlim, Londres, Paris e Roma,
bom como através do cordão sanitário dos Esta'dos Bálticos
o Balcânicos. No Oriento remoto íôra fundado um ramo da
liga em Harbin, Manchúria, flnanfclada pelo japfio o sob a
direção do notório terrorista cossaco Ataraan Semyonov. Nos
E.U.A. nfio existia nenhum aparelho organizado dessa natu-
reza. Havia, entretanto, material excelente com o qual criá-lo.
Os amigos russos brancos do Reilly apresentaram-no logo
às rodas americanas influentes e abastadas, quo poderiam des-
pender largas somas para financiai: a campanha anti-soviética.
"No quo concerne ao dinheiro", escrevia Reilly nesse ano,
em carta confidencial, a um do seus agentes na Europa,
"é aqui o melhor mercado para tal omprôsa, e só aqui. Mas
para obter dinheiro a gente tom do vir aqui com um plano
bem definido e plausível, o com argumentos bastante subs-
tanciais quo provem ser uma minoria capaz de, dentro de um
tempo razoável, empreender o levar a cabo uma reorganização
do negócio."

(36) Não sc pode creditar sòmente a Sidney Reilly tal vitória con-
tra a Rússia Soviética. Outros houve nos E.U.A. não menos ferre-
nhos e que lutaram não menos enòrgicamente para impedir o emprésti-
mo. Entre êles figura Herbert Hoover, então secretário do Comércio,
cuja animosidade contra os bolcheviques era incansável. "A questão
de comércio com a Rússia", informava Hoover a Maxim Litvinov eta
31 de março de 1921, "é mais política do que econômica, enquanto a
Rússia se mantiver sob o contrôle dos bolcheviques." „
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 155

"O interesse de uma minoria", a quo Reilly se referia


em sua linguagem cifrada, era o movimento anti-soviético
na Rússia, A ' reorganização do negócio" 6 a derrocada do
governo soviético. Rellly acrescentava:
"Com tais premissas, seria possível a gente apro-
ximar-se aqui, na* primeira vez, do maior industrial <lo
automóveis, o qual poderia interessar-se polas conces-
sões, uma voz quo se lho desse prova (ntío simples-
mente uma promessa) de que as concessões rende-
riam. Uma vex conquistado o interôsse, a queslílo
do dinheiro poderia considerar-se resolvida."

Conformo as memórias da Senhora Reilly, o sou marido


se referia a Henry Ford,

2, Agente BI

O líder do movimento emigrado branco antí-soviótico nos


E.U.A. era um ex-oficial czarista, o Tenente Bóris Brasol, ex-
agente da Ochrana mie ]Vi atuara como advogado de acu-
saçüo da Suprema Gôrte do S. 1'etersburgo. Ele viera aos
E.U.A. em 1918, como representante russo à conferência in-
teraliada em Nova Iorque, e dopois disso permanecera na
América como agente especial czarista.
Homem pequeno, pálido, nervoso, efeminado, testa oblí-
qua, nariz saliente, olhos escuros e meditativos, Brasol era
afamado como violento e incansável propagandista anti-semi-
ta. E m 1913, êle desempenhava papel preponderante no fa-
moso caso Beilis, em que a polícia secreta czarista tentara
provar quo os judeus praticavam assassínio ritual e tinham
matado um jovem cristão em Kiev, por instinto de sangue (37.)

(37) "Fui eu o segundo e maior investigador preliminar na Rús-


sia", relatou Brasol a um fornalista que o entrevistou após a sua che-
gada aos Estados Unidos. "Eu investiguei crimes por tôda a Europa por
ordem do govêrno. Na Suíça, Alemanha, França e Inglaterra fiz-me
perito em investigação crimina].'' O jornalista americano perguntou a
Brasol se acreditava que os judeus cometessem assassínio ritual. "Como
não?" respondeu Brasol. Mais tarde o jornalista descreveu sua impres-
156 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Depois da revolução, Brasol formara a primeira organi-


zação conspirativa russo-branca nos E.U.A. Chamava-se a
União dos Oficiais do Exército e da Esquadra Czarista e era
largamente integrada por antigos membros dos Cem Negros
emigrados para a América. Em 1918 o grupo de Brasol es-
tava em estreito contacto com o Departamento de Estado,
munindo-o de dados espúrios e falsas informações em que
o Departamento de Estado baseou a sua opinião acêrca da
autenticidade dos fraudulentos "Documentos Sisson" (38.)
Alegando ser um perito de negócios russos, Brasol con-
seguiu lugar no serviço secreto dos E.U.A. Como agente
"B 1" dos E.U.A., um dos primeiros atos de Brasol foi
conseguir de Natalie De Bogory, filha de um ex-general
czarista, uma tradução inglêsa dos "Protocolos dos Sábios de
Sião", infame invencionice anti-semita que fôra usada na
Rússia Imperialista pela polícia secreta czarista 'para pro-
vocar enormes pogroms contra os judeus, e que o emigrado
czarista Alfredo Rosenberg fizera circular largamente em Muni-
que. Brasol introduziu a tradução dos "Protocolos" nos E.U.A.
como um documento autêntico capaz de "explicar a Revo-
lução Russa."
Para obter o apoio dos russos brancos e convencer os ame-
ricanos de que a Revolução Bolchevique era parte dé uma
"conspiração judaica internacional", Brasol começou divulgan-
do os "Protocolos" nos E.U.A. Êle ampliou a propaganda
czarista com literatura anti-semita de sua própria lavra. No
comêço de 1921, foi publicado em Boston um livro de Brasol
intitulado A Encruzilhada do Mundo. A obra afirmava que
a revolução russa fôra instigada, financiada e chefiada pelos

são pessoal da entrevista. "Eu me sentia mal — disse êle — ao ver-me


sentado com êsse discípulo dos Cem Negros Russos e ouvi-lo em pleno
século XX, narrar friamente a crueldade medieval dos escudeiros cza-
ristas."
(38) Os chamados "Documentos Sisson," pretendendo provar que
Lénin e outros líderes soviéticos eram pagos pelo alto comando alemão,
foram publicados e distribuídos nos E.U.A. pelo Departamento de
Estado após a Revolução Bolchevique. Os documentos, originàriamente
oferecidos à venda por russos brancos tinham sido rejeitados pelo ser-
viço secreto britânico como vergonhosamente forjados. Edgar Sisson,
oficial do Departamento de Estado, procujrou os documentos e os trouxe
a Washington. Posteriormente a falsidade dêsses documentos foi defi-
nitivamente estabelecida. -
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 157

judeus. A queda do ezar e suas conseqüências internacionais,


escrevia Brasol, foram parte de um sinistro movimento do
qual participaram todos os judeus do mundo e também Mr.
Wilson."
A 1 de julho de 1921, Brasol era capaz de vangloriar-se,
numa carta escrita a outro emigrado nos E.U.A., Major-general
Conde V. Tcherep-Spirodovitch:
"No último ano escrevi três livros que causaram
mais prejuízo aos judeus do que dez pogroms."

Tcherep-Spirodovitch era um propagandista anti-semita ex-


traordinàriamente consciente. Além do que, recebia recursos
financeiros de um famoso industrial americano. O nome désse
industrial era Henry Ford.
Boris Brasol vivia, pois, na intimidade dos agentes da
Ford Motor Company, e confiara ao magnata do automóvel
os originais dos ' Protocolos..

3. Cem Negros em Detroit


Realizara-se nos E.U.A. uma aliança sinistra entre os
emigrados czaristas de mentalidade semifcudal o os famosos
industriais americanos que tinham desenvolvido os métodos
mais modernos de produção na guerra...
O fim da guerra veio encontrar Henry Ford agastado
e desiludido. O projeto quixotesco do Navio da Paz, que
Ford enviara à Europa durante a guerra, transformara-se
num fiasco absurdo; e o fabricante de automóveis caíra no
ridículo conseqüentemente. Êle andava, além do mais, pro-
fundamente ressentido pelo fato de ter experimentado consi-
derável dificuldade em obter um empréstimo em Wall Street
para a planejada expansão de sua indústria. Homem tão
inculto quanto tècnicamente talentoso, Ford prestou ouvidos
atentos aos russos brancos quando vieram a êle para lhe con-
tar que os judeus eram os verdadeiros culpados de seus pro-
blemas. Como provas disso exibiram-lhe os "Protocolos dos
Sábios de Sião." Após cuidadoso exame dos "Protocolos", Ford
chegou à conclusão de que êles ofereciam a explicação a
158 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

tôdas as suas dúvidas. Decidiu-se a dar ampla divulgação


à invenção anti-semita reimprimindo-a em seu jornal Dear-
born Independent.
O resultado foi que os aristocratas russos anti-soviéticos,
terroristas da Guarda Branca, Cem Negros, pogromistas e
ex-agentes da polícia secreta czarista, emigrados nos E.U.A.
depois da Revolução, arribaram para as fábricas Ford em
Detroit. Êles convenceram Henry Ford de que o próprio go-
vêrno dos E.U.A. estava sob a ameaça de uma "conspira-
ção judaica" revolucionária, e de que os grupos e indivíduos
liberais americanos eram com efeito "frentes judaicas." Sob
essa experimentada supervisão, nutrida e respeitada pela po-
sição e riqueza de Ford, formou-se uma tremenda e com-
E l e t a organização secreta para espionagem dos elementos li-
erais americanos, a fim de promover projetos reacionários
e anti-soviéticos, coligir intrigas anti-semitas e divulgar a pro-
paganda antijudaica nos Estados Unidos.
O Q. G. dessa organização foi a Companhia Ford. Seus
membros eram conhecidos por números especiais de código
secreto. O secretário privado de Ford, E. G. Liebold, era
121 X. W. J. Cameron, editor do Dearborn Independent, era
122 X. Natalie de Bogory, que como assistente de Brasol
traduzia os "Protocolos" para o inglês, era 29 H.
A organização de Ford penetrou em todos os recantos
da vida americana. Seus agentes atuavam nos jornais in-
fluentes, nas universidades famosas, em corporações conheci-
díssimas e até mesmo em agências do governo dos E.U.A.
O Dr. Harris Houghton, antigo membro ao serviço de infor-
mações militar dos E.U.A. chefiava o chamado Serviço de
Detetives de Ford, departamento especial do aparelho cons-
pirativo. O número de código do Dr. Houghton era 103 A.
A função principal do serviço de detetives era a de obter
dados acêrca de liberais americanos proeminentes para os
fins de propaganda anti-soviética e anti-semita. Entre os
nomes investigados que figuravam na lista negra do serviço
de detetives estavam os de Woodrow Wilson, Coronel Ray-
mond Robins, Reverendo John Haynes Holmes, Helen Keller,
os juizes Hughes e Brandeis. Segundo informações do ser-
viço de detetives êsses indivíduos e grupos afins vinham
sendo utilizados na "conspiração judaica" para subverter o
govêrno americano.
.A GRANDE CONSPIRAÇÃO 159

As descobertas do serviço de detetives foram publicadas


no Dearborn Independent de Ford, que ao mesmo tempo
estava publicando em série os "Protocolos dos Sábios de Sião."
Eis um comentário típico a respeito de Woodrow Wilson:
"Mr. Wilson, quando presidente, estava intimamen-
te ligado aos judeus. Seu ministério, como todos sa-
bem, era predominantemente judeu. Como antigo
presbiteriano, Mr. Wilson adotava ocasionalmente um
modo de pensar cristão durante as suas declarações
públicas, sendo então rigidamente repreendido por
seus censores judaicos."

Uma história acêrca de William Howard Taft no Dear-


born Independent concluía com êste parágrafo:
"É essa a história dos esforços de William Ho-
ward Taft para enfrentar os judeus e de como êles
o dominaram. É uma história provàvelmente digna
de se conhecer, dadò o fato de se ter tornado uma
daquelas "frentes gentílicas" de que os judeus se uti-
lizam para a sua própria defesa."

Agentes especiais da organização de Ford eram enviados


além-mar e viajavam milhares de milhas para coligir novas
calúnias e invencionices contra os judeus. Um dôsses agentes,
um russo branco chamado Rodioi
a fim de obter material especial
da colônia russo-branca domiciliad a A
E.U.A. Rodionoff cabografou a Charles W. Smith, membro
influente da organização de Ford:
"Minhas condições são as seguintes: Durante seis
meses eu lhe fornecerei com exclusividade material
contratado. Você adiantará mensalmente 1.500 dólares
americanos pagáveis no Banoo de Yokohama. Você
pagará o material já fornecido.
Rodionoff.1

Descrevendo a situação que se desenvolvera na Compa-


nhia Ford, Norman Hapgood, famoso jornalista americano,
mais tarde ministro na Dinamarca, escreveu: .
160 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

"Na atmosfera em que trabalhavam os detetives


de Ford, falava-se de verdadeiros pogroms que ha-
viam de sobrevir no país. Com efeito, no círculo
de Ford, manifestaram-se exatamente os mesmos sin-
tomas que existiam na Rússia nos dias dos Cem Ne-
gros . . . Politicamente, isso significava que a história
se estava repetindo. Como Brasol era neste país o
cabeça dos russos expatriados que tentavam repor os
Romanovs no trono, isso significava que a persegui-
ção de Ford, com a lógica dos acontecimentos, filia-
ra-se à cruzada multissecular que os déspotas da Eu-
ropa tinham instigado reiteradamente, com intuito de
inflamar, em favor dos seus propósitos, o fanatismo
religioso das massas ignorantes."

Como Henri Deterding na Inglaterra e Fritz Thyssen na


Alemanha, o rei americano do automóvel, Henry Ford, iden-
tificara-se com o antibolchevismo mundial e com o fenômeno
ràpidamente crescente do fascismo. Segundo o que afirmou
publicamente Auer, vice-presidente da Dieta Bávara, em &
de fevereiro de 1932, na edição do New York Times:
"A Dieta Bávara foi de há muito tempo infor-
mada de que o movimento de Hitler é parcialmente
financiado por um líder anti-semita americano, Henry
Ford. O interêsse de Mr. Ford no movimento anti-
judaico bávaro começou há um ano, quando um dos
agentes de Mr. Ford entrou em contacto com Dietrich
Lichart, nacionalista exaltado. O agente regressou à
América e imediatamente o dinheiro de Mr. Ford co-
meçou a chegar a Munique... Herr Hitler gaba-se
abertamente do apoio de Mr. Ford e enaltece-o, não
como um grande indivíduo, mas como um grand©
anti-semita.' ,

Numa repartição acanhada, inexpressiva, à Rua Corné-


lius, em Munique, que era o Q. G. de Adolfo Hitler, uma
fotografia singelamente emoldurada pendia da parede. Era
o retrato de Henry Ford. .
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 161

4. O fim de Sidney Reilly


Logo após a sua chegada aos E.U.A., Sidney Reilly
começara a trabalhar em* íntima colaboração com os agentes
da organização anti-semita e anti-soviótica de Ford. Com
a assistência dêstes êle compilou "uma lista completa de todos
quantos vinham trabalhando secretamente pela causa bolche-
vique na América." (39.)
Com os esforços de Reilly, estabeleceu-se o contacto en-
tre o movimento anti-semitico e antidemocrático nos E.U.A.
e os ramos da Liga Antibolchevique Internacional na Europa
e na Ásia. Na primavera de 1925 estava finalmente criada
a estrutura básica para uma propaganda fascista internacio-
nal e para um centro de espionagem operando sob a más-
cara de "antibolchevismo."
Enquanto isso, Reilly mantinha estreito contacto com seus
agentes na Europa. De Reval, Helsinque, Roma, Berlim e ou-
tros centros de intriga anti-soviética chegava-lhe regularmente a
correspondência. Grande parte dessa correspondência, endere-
çada para a Broadway, ou era cifrada, ou escrita em tinta invi-
sível no dorso de cartas comerciais aparentemente inócuas.
As comunicações continham minuciosas informações acêrca
de cada novo desenvolvimento do movimento anti-soviético
europeu. A debacle do Savinkov desmoralizara temporària-
mente grandes secções do movimento. Os Guardas Verdes
tinham-se dispersado em pequenos grupos soltos de bandidos
e terroristas profissionais. Ciúmes e mutuas suspeitas vinham
contribuindo com sua parte para a desorganização de outros
grupos anti-soviéticos. Parecia que a grande contra-revolução
iria esmorecer por algum tempo.
"Sidney via perfeitamente", recorda a Senhora Reilly, "que
a contra-revoluçao tinha de partir da Rússia, e que todo

(39) Essa lista, que incluía os nomes de todo americano destacado


que dissera alguma coisa em favor da Rússia Soviética, deveria ser utilís-
sima para os agentes fascistas e nazistas americanos nos anos posteriores.
A propagandista anti-semita, Elizabeth Dilling, baseou-se mais tarde nessa
e em outras listas semelhantes, para compilar sua famosa Rêde Vermelha.
George Sylvester Viereck o Coronel Emerson, Oscar Pfaus e outros agen-
tes nazistas e quinta-colunistas nos Estados Unidos fizeram uso idêntico
dêsses dados em seus trabalhos de propaganda. '
162 MICHAEL
*
SAYERS E ALBERT E. KAHN

èsse trabalho de fora poderia quando muito criar uma hos-


tilidade exterior e passiva contra os Sovietes. Freqüentemen-
te êle era procurado para auxiliar as organizações em Moscou,
como fôra aconselhado por Drebkov em Londres, mas pro-
cedia cautelosamente..
No comêço dessa primavera, Reilly recebeu uma carta
de Reval, Estônia, que o entusiasmou enormemente. A carta,
cifrada, era de um velho amigo, o comandante E., que ser-
vira com êle no Serviço Britânico de Informações durante
a Guerra Mundial, e que estava agora adido ao serviço con-
sular britânico em um dos países bálticos. A carta, datada
de 24 de janeiro de 1925, começava assim:
"Caro Sidney:
Você deverá ser procurado em Paris por duas
pessoas. Krachnochtanov marido e mulher. Êles di-
rão que possuem notícias da Califórnia e lhe entre-
garão uma nota que consiste em um verso do Omar
M ' ' ' ' 1 1 * scordará. Se lhe in-
convidará a ficar.
Se não interessar, você dirá apenas "muitíssimo obri-
gado, bom dia."

. No código usado pelo comandante E. e Reilly, "Krach-


nochtanov" significava um agente anti-soviético chamado
Schultz e sua mulher; "Califórnia" era a União Soviética; o
"verso de Omar Khayyam" era uma mensagem especial em
código secreto. O comandante E. continuava:
"Agora, quanto ao negócio. Êles são representan-
tes de uma firma que possui tôda probabilidade de
enorme influência futura nos mercados europeus e
americanos. Êles não afirmam que o seu negocio se
desenvolverá plenamente nestes aois anos, mas podem
surgir circunstâncias que lhe dêem o ímpeto desejado
em futuro próximo. É um negócio muito importante
acêrca do qual é bom não falar,.."

O comandante E. prosseguiu dizendo que "um grupo


alemão" estava muito interessado em participar do negócio
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 163

e que "um grupo francês" e um "grupo inglês", estavam


ativamente envolvidos nêle.
Referindo-se mais uma vez à "firma", que êle indicava
como operando na Rússia» o comandante E. escrevia:
"Êles recusam-se a revelar no momento o nome do
homem que está por detrás dessa cmprèsa, O má-
ximo que lhe posso comunicar é que algumas das
principais pessoas são membros dos grupos de opo-
sição. Você pode, diante disso, compreender a neces-
sidade de sigilo... Estou apresentando ôste projeto
a você, pensando que êle possa talvez substituir o
outro grande plano que você elaborou, mas que fa-
lhou de maneira tão desastrosa."

Sidney Reilly e sua mulher deixaram Nova Iorque aos


6 de agôsto de 1925. Chegaram a Paris no mês seguinte e
Reilly procurou logo entrar em contacto com os Sohultzs, acêr-
ca dos quais o comandante E. tinha escrito. Êles descre-
veram a situação dentro da Rússia, onde, desde a morte de
Lénin, o movimento de oposição associado com Leon Trotsky
fôra transformado numa organização subtorrânea destinada a
derribar o regime de Stálin.
Reilly conveneou-so logo da grande importância dêsses
novos desenvolvimentos. Ficou ansioso por conseguir contacto
pessoal, o mais breve possível, com os líderes do facção
anti-stalinista na Rússia. Foram trocadas mensagens entre os
agentes secretos. Assentou-se finalmente que Reilly deveria
encontrar-se com um importante representante do movimento
na fronteira soviética. Reilly partiu para Helsinque a fim de
ver o chefe do estado-maior do exército finlandês, um dos
seus íntimos amigos pessoais e membro de sua Liga Anti-
bolchevique, que deveria dar as providências necessárias para
conduzi-lo através da fronteira soviética.
Logo depois, Reilly escreveu à sua espôsa, que perma-
necera em Paris: "Há algo de real e inteiramente novo, em-
polgante- e digno de levar a gente à Rússia."
Uma semana depois, aos 25 de setembro de 1925, Reilly
despachou uma nota apressada à sua espôsa, de Viborg, na
Finlândia, dizendo:
164 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

"É absolutamente necessário que eu vá por três


dias a Petrogrado e Moscou. Parto hoje a noite
e voltarei terça-feira de manhã. Quero que você
saiba que eu não empreenderia essa viagem se não
fôsse absolutamente essencial, e se eu não estivesse
convicto de que pràticamente não há nenhum risco
a correr. Estou escrevendo esta carta unicamente pa-
ra o caso improbabilíssimo de que me sobrevenha um
infortúnio. Se isto acontecesse, você não deveria to-
mar providência alguma; esta me valeria pouco, e
poderia alarmar os Dolcheviques e levá-los a desco-
brir a minha identidade. Se por acaso eu fôsse
prêso na Rússia, seria apenas por alguma acusação
sem importância e meus novos amigos são bastante
poderosos para conseguirem a minha libertação."
*

Era essa a última carta que escreveria o Capitão Sidney


Reilly, do serviço secreto britânico.
Decorridas várias semanas, como a Senhora Reilly ainda
não recebesse uma palavra do seu marido, dirigiu-se a Marie
Schultz, aliada de Reilly em Paris. A Senhora Reilly lembrou
essa entrevista mais tarde, em suas memórias.
"Quando o seu marido chegou aqui, disse a Senhora
Schultz à Senhora Reilly, eu lhe comuniquei o estado exato
dos acontecimentos, como interessavam à nossa organização.
Temos a nosso favor alguns dos principais funcionários bol-
cheviques em Moscou, ansiosos para darem cabo do atual re-
gime, contanto que possam sair disso sãos e salvos."
"O Capitão Reilly", continuou a Senhora Schultz, "no comê-
ço permanecera cético. Êle disse que o auxílio estrangeiro para
uma nova aventura contra a Rússia Soviética, só se conse-
guiria se o grupo conspirativo dentro do país tivesse alguma
pujança real."
— Eu lhe asseguro — disse a Senhora Schultz, "que a nossa
organização na Rússia é poderosa, influente e coesa.
A Senhora Schultz continuou relatando como se combina-
ra um encontro entre Reilly e representantes do movimento
conspirativo russo em Viborg, Finlândia. "O Capitão Reilly
impressionou-se muito com eles", disse a Senhora Schultz, "par-
ticularmente com o seu chefe, um funcionário bolchevique
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 165

altamente colocado, que, disfarçadamente, é um dos mais


ardorosos inimigos do atual regime."
No dia seguinte, acompanhado por guardas de uma pa-
trulha finlandesa especialmente designados para essa tarefa,
Reilly e os conspiradores russos encaminharam-so para a fron-
teira. "De minha parte," relatou a Sonhora Schultz, "fui até
à fronteira para lhes desejar boa sorte." Éles permanece-
ram num forte finlandês à margem de um rio até ao cair
da noite. "Esperamos por um longo tempo enquanto os fin-
landeses espreitavam ansiosamente a patrulha vermelha, mas
tudo estava quieto. Finalmente um dos finlandesos desceu
cautelosamente na água, nadou metade e andou outra me-
tade do rio. Seu marido acompanhou..
Foi essa a última vez que a Senhora Schultz viu o Ca-
pitão Reilly.
Ao acabar a sua narrativa, Madame Schultz entregou à
Senhora Reilly um recorto do jornal russo, Izvestia. Estava
escrito:
"Na noite do 28-29 do setembro, quatro contra-
bandistas tentaram atravessar a fronteira finlandesa,
Íielo que dois dôles foram mortos, um soldado fin-
andôs foi prêso o o quarto veio a morrer gravemente
ferido."

Os fatos, como se soube depois, foram os seguintes:


Reilly atravessara com êxito a fronteira soviética o entre-
vistara alguns membros da oposição anti-stalinista russa. De
volta, ao atingir a fronteira finlandesa, filo o seus guarda-
costas foram subitamente detidos por uma unidade dos guar-
da-fronteiras soviéticos. Reilly o os outros tentaram escapar.
Os guarda-fronteiras abriram fogo. Uma bala feriu Reilly
na testa, matando-o instantâncamcnte.
Poucos dias depois, as autoridades soviéticas identificaram
o "contrabandista" morto. Quando o fizeram, anunciaram nor-
malmente a morte do Capitão Sidney George Reilly, do ser-
viço secreto britânico.
O Times de Londres redigiu seu obituário em duas li-
nhas: Sidney George Reilly, morto aos 28 de setembro pela
G.P.U. na aldeia de Allékul, na Rússia.
CAPÍTULO XI

"OUVERTURE" COM TAMBORES


DE GUERRA

Uma violenta tempestade está-se formando debaixo da


calma aparente na metade do ano de 1920. Enormes áreas
coloniais e semicoloniais do globo, agitadas com as novas
esperanças de liberdade, pelo exemplo da Revolução estavam
despertando para o nacionalismo e ameaçando subverter a
pesada estrutura do imperialismo colonial...
A tempestade irrompeu na primavera de 1926. A Re-
volução cintilou na China, onde uma frente única do Cuo-
mintangue e fôrças comunistas derribaram a ditadura corrupta
de Pequim, o regime títere do imperialismo ocidental, esta-
belecendo uma China livre.
O acontecimento foi anunciado por uma explosão de hor-
rífica e desesperada propaganda anti-soviética por tôda a
Ásia e no mundo ocidental A Revolução Chinesa, repre-
sentando o surto de, centenas de milhões de pessoas opri-
midas contra a opressão externa e doméstica, foi violenta-
mente atacada como sendo a manifestação direta de uma
"conspiração moscovita."
O imperador do Japão exprimiu prontamente o seu con-
sentimento em servir como um "baluarte contra o bolchevis-
mo" na Ásia. Encorajado pelas potências ocidentais, o Japão
preparava-se para intervir na China e derribar a Revolu-
ção. O primeiro-ministro japonês, General Tanaka, confiou
ao imperador o seu famoso memorando (40) secreto deli-
neando os últimos anseios do imperialismo japonês:

(40) O memorial de Tanaka, conhecido mais tarde como o Mein


Kampf do Japão, foi escrito em 1927 e publicado pela primeira vez
cm 1929, apos ter sido comprado de um agente japonês por* Chang
168 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

"A fim de conquistar o mundo, devemos primeiro


conquistar a China. Depois disso todos os países asiá-
ticos dos mares do Suf se apavorarão e capitularão
diante de nós. Então o mundo .compreenderá que a
Asia Oriental é nossa... Com todos os recursos da
China à nossa disposição, passaremos adiante com a
conquista da índia, do Arquipélago, da Asia Menor,
Asia Central e até mesmo aa Europa. Mas o primeiro
)asso tem de ser o contrôle da Manchúria e da Mongó-
Íi a . . . Cedo ou tarde, teremos de lutar contra a
Rússia Soviética... Se quisermos no futuro conseguir
controlar a China, teremos de dominar os Estados
Unidos."

Em março de 1927, o magnata chinês da guerra e no-


tório títere japonês Chang Tso-lin, encenou uma -batida na
embaixada soviética em Pequim e anunciou que descobrira
a prova de uma conspiração bolchevique contra a China.
Era a senha da contra-revolução chinesa. Encorajadas pelos
oferecimentos japonêses e anglo-franceses de subsídios, armas
e reconhecimento, as fôrças do Cuomintangue comandadas poi
Chiang Kai-shek subitamente romperam a frente única e ata-
caram os seus aliados revolucionários. Seguiu-se um massa-
cre. Milhares de trabalhadores, estudantes e camponeses chi-
neses suspeitos de simpatias liberais ou comunistas foram apa-
nhados em Xangai, Pequim e outros lugares e fuzilados ou
aprisionados em campos de concentração e torturados até à
morte. A guerra civil soprou na China.
Mas a Revolução Chinesa desprendera os movimentos
libertadores latentes da Asia. A Indonésia, Indo-China, Bur-
ma e índia fervilhavam. Sèriamente alarmados, os. imperia-
listas apelaram para o Japão para que os protegesse do "bol-
chevismo." Ao mesmo tempo, na Europa, os estados-maiores
arrancaram novamente de seus arquivos os velhos planos de
cruzada antibolchevique e de assalto geral sôbre Moscou.
Na conferência diplomática internacional em Locarno,
entre 1925-1926, os diplomatas anglo-franceses negociaram fè-

Hsueh-Iiang, o jovem marechal da Manchúria. O Conselho da China


do Instituto das Relações Pacíficas publicou o documento nos Estados
Unidos e o exibiu ao mundo.
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 169

brilmente com a Alemanha uma ação conjunta contra a Rússia


Soviética.
O intérprete tory britânico, honorabilíssimo W.C.A. Orms-
by-Gore, falando em Manchester aos 23 de outubro de 1924,
colocara o entendimento de Locarno em têrmos claros e in-
confundíveis:
"A solidariedade da civilização cristã é necessária
para deter a fôrça mais sinistra que já se desenca-
deou em nosso tempo comò em toda a história an-
terior da Europa.
A luta em Locarno, como eu a vejo, é a seguiòte:
Considerará a Alemanha o seu futuro ligado ao des-
tino das grandes potências ocidentais, ou irá cooperar
com a Rússia na destruição da civilização ocidental?
A significação de Locarno é tremenda. Significa que,
cjuanto ao que respeita ao atual govêrno da Alemanha,
ele está desligado da Rússia, jogando a sua partida
com o mundo ocidental."

Na França, Raymond Poincaré, premier francês, advo-


gava publicamente uma ofensiva militar combinada das po-
tências européias, inclusive a Alemanha, contra a Rússia So-
viética.
Em Berlim, a imprensa imperialista e antidemocrática
alemã anunciava que chegara a hora de esmagar o bolche-
vismo. Após uma série ae entendimentos com generais da
guardá do Reich e industriais ligados ao Partido Nazista, o
General Hoffmann correu a Londres para submeter o seu fa-
moso plano ao Ministério do Exterior britânico e a um grupo
seleto de membros do Parlamento e militares.
Na manhã de 5 de janeiro de 1926, o London Morning
Post publicou uma carta extraordinária assinada por Henri
Deterding. Nessa carta, Deterding proclamava que estavam
prontos os planos para iniciar uma nova guerra de inter-
venção contra a Rússia Soviética. Declarava:
" . . . Dentro de alguns meses a Rússia retornará à
civilização, porém sob um govêrno melhor do» que o
czarista.
170 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

. . . O bolchevismo na Rússia será extirpado antes


do fim dêste ano; e o mais cedo possível a Rússia
atrairá o crédito do mundo todo, abrindo as suas fron-
teiras a todos quantos queiram trabalhar. Dinheiro e
crédito afluirão para a Rússia, e o que é melhor
ainda, trabalho."

Um conhecidíssimo jornalista francês da direita, Jacques


Bainville, comentou em Paris: "Se o presidente da Royai
Dutch fixou uma data para o fim do regime bolchevique, é
porque tem razões para fazê-lo . .
Aos 3 de março de 1927 o Visconde Grey comunicou
à Câmara dos Lordes: "O govêrno soviético não é um go-
vêrno absolutamente nacional no sentido que damos a essa
palavra. Não é um govêrno russo no sentido em que o
govêrno francês é francês ou o govêrno germânico é alemão."
Aos 27 de maio de 1927, a poleia inglesa e agentes
do serviço secreto deram uma batida nos escritórios da Arcos,
organização comercial soviética em Londres. Prenderam os
empregados e investigaram as dependências, arrebentando ar-
quivos e caixas-fortes e até mesmo abrindo buracos no as-
soalho, fôrro e paredes, à procura de "arquivos secretos."
Nenhum documento de .natureza comprometedora foi encon-
trado; mas o Morning. Post, o Daily Mail e outras publi-
cações anti-soviéticas publicaram histórias estranhas acêrca das
"provas" de conspiratas soviéticas contra a Grã-Bretanha pre-
sumivelmente descobertas na batida da Arcos.
O govêrno britânico rompeu relações diplomáticas e co-
merciais com a União Soviética.
No mesmo verão outras batidas foram efetuadas contra
os consulados soviéticos e outras agências oficiais em Berlim
e Paris. Em junho, o embaixador soviético na Polônia, V. I.
Voikov, foi assassinado em Varsóvia. Atiraram bombas num
comício do Partido Bolchevique em Leningrado . . . (41.)

(41) Simultâneamente, o movimento de oposição de Trotsky den-


tro da Rússia Soviética vinha preparando a derrocada do govêrno,
Em 7 de novembro de 1927 fracassou um projetado Putsch trotskista.
Numerosos conspiradores foram presos e Trotsky, exilado.
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 171

O Marechal Foch, numa entrevista com o London Sun-


day Referee aos 21 de agôsto de 1927, indicou claramente
a direção de tôda essa violência:
"Em fevereiro de 1919, nos primórdios do Leninismo",
afirmou Foch, "eu declarei à assembléia da Conferência de
Embaixadores em Paris que2 se os Estados limítrofes da Rús-
sia fôssem supridos com munições e homens, eu mo compro-
meteria a eliminar a ameaça bolchevista de uma vez para
sempre. Objetaram-me com o cansaço da guerra, mas os
fatos se incumbiram de demonstrar que eu tinha razão."
O Marechal Foch remeteu uma carta a Arnold Rech-
berg, um dos influentes promotores do movimento nazista
na Alemanha,
* dizendo:
"Eu não sou louco a ponto de acreditar que se
possa deixar um punhado de tiranos criminosos go-
vernar mais de metade de um continente e vastos
territórios asiáticos. Mas, nada se poderá fazer en-
quanto a França e a Alemanha não se unirem. Pe-
ço-lhe que apresente minhas felicitações ao General
Hoffmann, o grande protagonista da aliança militar
antibolchevique."

Estava montado o palco para a guerra.


CAPITULO XII

MILIONÁRIOS E SABOTADORES

1. Uma reunião em Paris


Uma* tarde, no fim do verão de 1928, alguns emigrados
russos imensamente ricos reuniram-se com grande segrêdo
num refeitório privado de um restàurante no Grand Boule-
vard em Paris. Tomaram-se precauções para impedir que
estranhos soubessem do fato. A reunião foi convocada pelos
líderes da Torgprom, cartel internacional de antigos milio-
nários czaristas. Os nomes dos homens reunidos tinham sido
legendários na velha Rússia. G. N. Nobel; N. C. Denisov;
Vladimir Riabuchinsky e outras figuras de igual renome.
Êsses milionários emigrados tinham-se reunido para con-
ferenciar com dois distintos visitantes da Rússia Soviética.
O Professor Leonid. Ramzin, um dos visitantes, era um des-
tacado cientista russo, diretor do Instituto Têrmo-Técnico de
Moscou e membro do Supremo Conselho Econômico Soviético.
O outro visitante, Victor Laritchev, era chefe da Secção de Com-
bustíveis da Comissão Estadual de Planejamento da URSS.
O Professor Ramzin e Victor Laritchev aparentemente
estavam em Paris em missão oficial soviética. O intuito real
de sua visita à capital francesa era, todavia, infonnar os
agentes da Torgprom acerca das atividades de uma organi-
zação secreta de espionagem e sabotagem que êles dirigiam
na União Soviética.
A organização chefiada por Ramzin e Laritchev deno-
minava-se Partido Industrial. Abrangendo muitos dos ele-
mentos da antiga InteUigentsia Técnica da Rússia, constituída
de uma pequena classe privilegiada no regime do Czar, o
Partido Industrial congregava aproximadamente dois mil mem-
174 MIÇHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

bros secretos. A maior parte dêles ocupavam importantes


postos técnicos soviéticos. Financiados e dirigidos pela Torg-
prom, êsses membros do Partido Industrial empreendiam ati-
vidades de espionagem desastrosas para a industria soviética.
O Professor Ramzin foi o primeiro a falar na reunião e
informou que se fazia o possível para prejudicar o vasto e
ambicioso Plano Qüinqüenal que Stálin acabara de lançar,
num esfôrço intensivo de industrialização da Rússia Sovié-
tica, ou seja, da sexta parte do mundo. Os membros do
Partido Industrial, disse Ramzin, atuavam em todos os ramos
da indústria soviética e vinham pondo em prática técnicas
científicas e cuidadosamente sistematizadas de sabotagem.
"Um de nossos métodos", explicou o professor aos seus
ouvintes, "é o método da produção mínima, isto é, o maior
retardamento possível do desenvolvimento econômico do país
e o retrocesso do ritmo de industrialização. Em .segundo
lugar, o método que consiste em criar desproporção entre os
ramos individuais da economia nacional, bem como entre as
secções de um e mesmo ramo. E finàlmente, o método de
"congelamento de capital", isto é, o investimento de capital
quer em empreendimento absolutamente desnecessário, quer
naquilo que poderia ser adiado, visto não se tratar de em-
preendimento essencial no momento."
O Professor Ramzin exprimiu particular satisfação 'com
os resultados obtidos com o 'congelamento de capital." "Êsse
método conseguiu baixar o grau de industrialização", disse
êle. "Reduziu mdubitàvelmente o nível geral da vida econô-
mica do país, criando conseqüentemente o • descontentamento
de grandes massas da população."
"De outro lado," assinalou o Professor Ramzin, "tem ha-
vido desenvolvimentos menos promissores. Alguns membros
do Partido Industrial que vinham trabalhando nas minas de
Chakhty foram presos recentemente pela OGPU. Vários outros
que operavam nas indústrias de transporte e petróleo também
foram detidos. Além do que, desde que foi exilado Leon
Trotsky e desarticulado o seu movimento de oposição, grande
parte da antiga luta política interna desapareceu, o que tor-
nou mais difíceis as operações do Partido Industrial."
"Precisamos de -mais apoio", disse o Professor Ramzin
concluindo. "Mais do que tudo, precisamos de uma inter-
venção armada se é que se deseja derribar os bolcheviques".
A GRANDE CONSPIRAÇAO 175

N. C. Denisov, chefe da Torgprom, levantou-se. Um res-


peitoso silêncio se fez no pequeno grupo quando êle co-
meçou a falar. -
"Como vocês sabem",^ disse Denisov, "estivemos confe-
renciando com Poincaró e com Briand. Há algum tempo
Poincaré manifestou sua inteira simpatia pela idéia de orga-
nizar a intervenção armada contra a URSS o em uma de
nossas recentes entrevistas com êle, como vocês sabem, Poin-
caré assegurou que o caso já tinha sido confiado ao estado-
maior francês para ser encaminhado. É com prazer que lhes
dou agora uma informação adicional de extrema importância.
Denisov pausou dramaticamente, enquanto o seu audi-
tório ficou aguardando numa tensa expectativa.
"Trago-lhes a notícia do que o estado-maior francês for-
mou uma comissão especial, chefiada polo Coronel Joinville,
para organizar o ataque contra a União Soviética!" (42.)
Houvo uma súbita algazarra de comentários inflamados.
Na sala enfumaçada todos começaram a falar ao mesmo tem*
po. Só depois do alguns minutos Donisov pôdo continuar
o seu relato acôrca das atividade^ da Torgprom...

2. Plano de ataque
A dat * ' itra a União
Soviética máximo, o
verão de 1930.

(42) Esse mesmo Coronel Joinville comandara outrora o exército


francês de intervenção na Sibéria, em 1918. Por ocasião da reunião
da Torgprom em Paris, o estado-maior francês incluía os seguintes mem.
bros: Marechal Foçh, que advogava a intervenção armada contra
a Rússia desde 1919; o Marechal Pétain, cujos sentimentos anti-soviéticos
eram igualados ùnicamente pelo seu mêdo e desprezo da democracia;
o General Weygand, que conduzira as forças polonesas contra o Exército
Vermelho em 1920 e permanecera daí em diante um incansável par-
ticipante de complots anti-soviéticos e antidemocráticos. Foch morreu em
1929; seu ajudante pessoal René L'Hôpital, veio a ser depois o pre-
sidente do célebre Comitê Franco-Alemão fundado no fim de 1935
pelo agente nazista Otto Abetz para ampliar a propaganda nazista e
anti-soviética na França.
176 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

As principais fôrças militares seriam fornecidas pela Po-


lónia, Rumânia e Finlândia. O estado-maior francês forne-
ceria instrutores militares e possivelmentp o emprêgo da Fôrça
Aérea Francesa. A Alemanha daria técnicos e regimentos de
voluntários. A Inglaterra emprestaria a sua esquadra. O
plano de ataque era uma adaptação do Plano Hoffmann.
O primeiro movimento seria feito pela Rumânia, após
a provocação de algum incidente de fronteira. Em seguida
entraria a Polônia, juntamente com os estados bálticos fron-
teiriços. O exército branco de Wrangel, que segundo se
dizia contava com 100.000 homens, mover-se-ia através da
Rumânia para encontrar-se com o exército meridional de in-
tervenção. A frota britânica apoiaria as operações no Mar
Negro e no Golfo da Finlândia. Uma fôrça de cossacos de
Krasnov, aquartelados nos Balcãs desde 1921, acampariam no
litoral do Mar Negro na região de Novorossisk; êles mover-
se-iam sobre o Don, fomentando levantes entre os 'cossacos
do Don e lutando na Ucrânia. O objetivo dêste golpe seria
cortar as comunicações entre os campos carboníferos do Do-
netz e Moscou, provocando com isso uma crise no supri-
mento soviético efe metal e combustíveis. Moscou e Lenin-
grado deveriam ser atacadas simultâneamente, enquanto o
exército meridional deveria locomover-se através dos distritos
ocidentais da Ucrânia, com o seu flanco à margem direita
do Dnieper.
Todos os ataques seriam empreendidos sem declaração
de guerra, iniciados súbitamente. Debaixo dessa pressão, acre-
ditava-se que o Exército Vermelho se desintegraria ràpida-
mente e a queda do regime soviético seria, coisa de alguns
dias.
Numa entrevista obtida pelos líderes da Torgprom, o
Coronel Joinville, em nome do estado-maior francês, pergun-
tou ao Professor Ramzin quais as possibilidades de obter
assistência militar ativa dos elementos de oposição dentro
da União Soviética, por ocasião do ataque exterior. Ramzin
replicou que os elementos de oposição, embora dispersos e
escondidos desde a expulsão de Leon Trotsky, eram suficien-
temente numerosos para desempenharem o seu papel.
O Coronel Joinville recomendou ao Partido Industrial e
seus aliados que estabelecessem uma "secção militar" especial.
Deu a Ramzin os nomes de vários agentes secretos franceses
A GRANDE CONSPIRAÇAO 177

em Moscou, que poderiam ajudar a estruturar essa organi-


zação . . .
De Paris, apresentando-se ainda como encarregado de
missão oficial soviética, o Professor Ramzin viajou para Lon-
dres a fim de encontrar-se com os representantes da Royai
Dutch de Henri Deterding e da Metro-Vickers, o gigantes-
co truste britânico de munições, dominado pelo sinistro Basil
Zarahoff, que já controlara grandes interesses na Rússia Cza-
rista. O professor russo estava informado de que, enquanto
a França desempenhasse o papel principal nesse plano de
intervenção contra a Rússia Soviética, a Inglaterra estaria
pronta para entrar com a sua parte. Os interêsses britâ-
nicos dariam apoio financeiro, continuariam a exercer pressão
diplomática para isolar os sovietcs c garantiriam o uso da
esquadra inglêsa na ocasião do ataque.
De volta a Moscou, o Professor Ilamzin narrou aos seus
sócios de conspiração os resultados de sua viagem. Concor-
daram em que o Partido Industrial se dedicasse a cumprir
diretamente duas tarefas: Provocar a mais crítica situação pos-
sível na indústria e agricultura, suscitando dêsse modo o des-
contentamento das massas e enfraquecendo o regime sovié-
tico; desenvolver um organismo destinado a dar apoio direto
aos exércitos atacantes por meio de atos de sabotagem e
terrorismo atrás das linhas soviéticas.
Correu dinheiro da Torgprom, fornecido pelos agentes
franceses em Moseou,'para financia: as atividades de sabo-

tagem nas várias fases da indústria. À indústria de metal


foram destinados 500.000 rublos; à de combustíveis, petróleo
e carvão, 300.000 rublos; à têxtil 200.000; à indústria elé-
trica, 100.000. Periòdicamente, por solicitação de agentes fran-
ceses, britânicos ou germânicos, membros do Partido In-
dustrial e seus aliados preparavam informes especiais de es-
pionagem no campo da produção soviética de aviação, cons-
trução de aeródromos, desenvolvimento das indústrias quími-
cas e de munições, melhoramentos ferroviários.
Ao se aproximar a época da invasão, cresceu a expec-
tativa entre ós milionários czaristas emigrados. Um dos lí-
deres da Torgprom, Vladimir Riabuchinsky, publicou aos 7 de
julho de 1930 um artigo espantoso intitulado "A Guerra
Necessária", no jornal russo-branco de Paris, Vzoroshdenie.
178 MTCHÀEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

"A próxima guerra contra a III Internacional, para as-


segurar a libertação da Rússia, incluir-se-á sem dúvida entre
as mais justas e proveitosas guerras história", declarou
Riabuchinsky. Tentativas anteriores de intervenção na Rússia,
acrescentava êle, tinham falhado ou foram abandonadas em
condições custosíssimas de prosseguir: "Em 1920 e até 1925,
prepararam-se especialistas para levar a cabo essa operação
no espaço de seis meses, com um exército de 1.000.000
de homens. As despesas foram calculadas em 100,000.000
de libras (ínglêsas.")
Mas agora, dizia o milionário czarista emigrado, o in-
vestimento empenhado no esmagamento do regime soviético
seria consideràvelmente menor, dadas as dificuldades internas
econômicas e políticas da Rússia Soviética:
"Provàvelmente 500.000 homens de três a quatro
meses bastariam para terminar essa tarefa em grosso.
O esmagamento iinal dos bandos comunistas levaria
por certo um pouco mais de tfempo, mas isso é ta-
refa de natureza mais policial do que militar."

Riabuchinsky passou então a enumerar os múltiplos bene-


fícios "comerciais" que resultariam da invasão da Rússia. Uma
próspera economia russa controlada por homens como êle
próprio, dizia, daria como resultado "um afluxo anual de
tal riqueza no sistema econômico europeu, em forma de pro-
cura de vários tipos de bens", que o resultado poderia ser
perfeitamente "o desaparecimento do. poderoso exército de
cinco milhões de desempregados da Áustria, Alemanha e
Grã-Bretanha."
A cruzada anti-soviética era, com efeito, "uma grande e
sagrada empresa e uma dívida moral da humanidade." Mas
esquecendo tudo isso para olhá-la únicamente do "ponto de
vista chão, descolorido, desalmado e puramente comercial."
Riabuchinsky sublinhava:

to de vista comercial, nem mais proveitoso, do que


a emancipação da Rússia.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 179

Despendendo um bilhão de rublos, a humani-


dade receberá em troca não menos de cinco bilhões,
isto é, 500 % ao ano, com perspectivas de um in-
cremento posterior na taxa anual de lucros na razão
de 100 ou 200 t .
Onde fariam vocês melhor negócio?"

3. Uma vista dolhos atrás dos bastidores


Um aspecto de uma das mais fantásticas conspirações
antidemocráticas e anti-soviéticas que foram urdidas nesses
anos no„ subsolo dos grandes negócios e da diplomacia eu-
ropéia foi acidentalmente revelado na Alemanha no fim de
1920...
Os detetives da polícia alemã, no decurso de uma in-
vestigação de rotina na cidade de Krancforte, toparam casual-
mente com uma quantidade de nolas soviéticas (tchervonetz)
falsificadas, empacotadas c amontoadas num armazém, à es-
pera de serem embaladas para a Rússia Soviética.
Processou-se o julgamento, conhecido como Julgamento
de Tchervonetz, que constituiu uma sensação internacional.
Antes de terminar o julgamento foram mencionados no pro-
cesso perante o tribunal os nomes de numerosos personagens
proeminentes na Europa. Entre esses personagens figuravam
Henri Deterding e seu misterioso agente, Georg Bell; o mag-
nata czarista do petróleo, Nobel; o industrial bavaro pro-nazi,
Willi Schmidt; e o célebre General Max Hoffmann, que mor-
reu pouco antes de terminar o julgamento.
Os réus, acusados perante o tribunal por terem falsifi-
cado as notas do banco soviéticas, eram Bell, Schmidt e
dois conspiradores anti-soviéticos georgianos outrora ligados a
Noi Jordania: Karumidze e Sadathierasvih. Com o decorrer
do julgamento, viu-se que o propósito dos réus era inundar
o Cáucaso com dinheiro falso e assim criar tensão política
e desordem na União Soviética.
"Os fatôres econômicos", observou o juiz a julgar a ques-
tão, "tais como poços petrolíferos e perfurações ae minera-
ção, parece terem desempenhado papel preponderante no
projeto." •
180 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Ijogo ficou claro que a conspiração de falsários era ape-


nas uma fase insignificante de uma gigantesca conspiração».
O industrial nazista, Willi Schmidt, testemunhou que estivera
a princípio interessado "na supressão do comunismo na Ale-
manha, mas julgava necessário derribar primeiro o regime
soviético na Rússia." Êle admitiu que pagara as despesas
do General Hoffmann quando este rôra a Londres em 1926
a fim de submeter ao Ministério do Exterior britânico seu
plano de aliança franco-germânico-britânica contra a Rússia.
Schmidt informou o tribunal de que êle tinha "a maior con-
fiança no General Hoffmann, por causa de sua presumida
ligação com os grandes interêsses petrolíferos na Inglaterra."
O conspirador georgiano, Karumidze, identificou os gran-
des interêsses petrolíferos" com os de Henri Deterding, como
o prinoipal apoio financeiro do complot.
O depoimento seguinte assegurou que grupos financeiros
e políticos poderosos na Alemanha, França e Inglaterra cola-
boraram no plano destinado a separar o Cáucaso da União
Soviética, como primeiro passo para precipitar uma guerra
geral contra a Rússia. Formaram-se sindicatos para "a explo-
ração econômica dos territórios libertados." A Alemanha daria
tropas, técnicos e armamentos. Os grupos anglo-franceses exer-
ceriam pressão diplomática e financeira sôbre a Rumânia e
Polônia a fim de assegurar a sua participação na cruzada'...
Um documento "que poderia comprometer a segurança
do Estado Germânico, se fôsse publicado", foi lido no tri-
bunal a portas fechadas. Dizia-se que envolvia o alto co-
mando alemão.
O julgamento se foi tornando perigoso. "Embora o Mi-
nistério do Exterior alemão e a embaixada britânica decla-
rem que nada será subtraído à publicidade", relatava o New
York Times de 23 de novembro de 1.927 "é um segrêdo
de Polichinelo que a polícia tem ordens para abafar o caso
todo."
O Julgamento de Tchervonetz teve uma conclusão ines-
erada e extraordinária. O tribunal alemão decidiu que des-
S e que as notas de banco não tinham circulado, tendo sido
apreendidas pela polícia antes de serem distribuídas, não hou-
vera falsificação no sentido estrito da palavra. Embora "esti-
vesse claramente provada a falsificação", os falsificadores e
seus cúmplices "foram movidos por motivos políticos desin-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 181

teressados", e à vista disso foram impronunciados. Os cons-


piradores deixaram a sala do tribunal como homens livres,
Desapareceram dos jornais as referências ao caso sen-
sacional, após uma declaração pública de Henri Deterding:
»
"É verdade que eu conheci o General Hoffmann.
Admirei-o como soldado e condutor de homens. Infe-
lizmente agora éle êstá morto e não pode defender-se
pessoalmente. Mas eu o defenderei... O General
Hoffmann era um implacável inimigo do bolchevismo.
Trabalhou anos a fio num plano destinado a unir as
grandes potências para lutarem contra a ameaça rus-
s a . . . Que êle tinha sêde de uma guerra com Mos-
cou é coisa conhecida de todo estudioso da política
de após-guerra. É uma grande pena o ter êle mor-
rido. Sc assim não fôra, teria dado uma resposta ca-
bal aos seus difamadores..

4. Fim do mundo
O ataque projetado contra a União Soviética foi adiado
de 1929 para o verão de 1930. A razão dada nos círcu-
los russo-brancos para o adiamento foi "a falta de prepa-
ração da França", mas era geralmente sabido que tinham
surgido desentendimentos entre os vários grupos acêrca das
"esferas de influência nos territórios libertados." Os grupos
britânico e francês disputavam o contrôle do Cáucaso e dos
campos carboníferos do Donetz. Ambos se opunham aos
propósitos alemães na Ucrânia. Entretanto, Henri Deterding,
o líder real do movimento, permanecia otimista na certeza
de que essas diferenças seriam resolvidas e predizia confi-
dencialmente o começo da guerra para o verão de 1930.
Em 15 de junho de 1930, respondendo a uma carta que
recebera de um russo-branco, que agradecia uma quantia re-
cebida, Deterding escrevia:
"Se você deseja realmente exprimir a sua grati-
dão, eu lhe diria para fazer o seguinte: Procure ser,
na nova Rússia que ressurgirá dentro de poucos me-
ses, o melhor dos filhos dessa terra." ,
182 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

No mês seguinte Henri Deterding foi o orador principal


numa assembléia destinada a celebrar o décimo aniversario
da fundação da Escola Normal Bussa em Paris, uma aca-
demia militar para os filhos de aristocratas e oficiais rus-
so-brancos. Estavam presentes ao ato, príncipes e princesas
czaristas emigrados, bispos, generais, almirantes, além de ofi-
ciais subalternos. Ombreando com êles estavam altos mem-
bros do exército francês em uniformes de gala.
Deterding começou sua alocução comunicando à assem-
bléia que não devia agradecer-lhe a ajuda que vinha dando
a seus trabalhos, visto que estava apenas se desincumbíndo
de uma dívida para com a civilização ocidental. Dirigindo-se
pessoalmente a um grupo de jovens russo-brancos unifor-
mizados na assembléia, êle disse:
"Vós deveis confiar em vós mesmos. Lembrai-vos
de que todo o vosso trabalho e atividades se desen-
volverão no solo natal russo. A esperança da pró-
xima libertação da Rússia — vítima atualmente de
uma calamidade — cresce e se robustece dia a dia.
A hora da emancipação de vossa grande pátria está
próxima,"

A assembléia em pêso, os oficiais franceses não menos


entusiàsticamente do que os russos brancos, aplaudiu a se-
guinte afirmação de Henri:
"A libertação da Rússia far-se-á muito mais cedo
do que pensamos. É mesmo coisa de poucos meses!"

• No meio desses preparativos de guerra houve uma inter-


rupção catastrófica e inesperada: a crise mundial.
Aos 18 de dezembro de 1930, Benito Mussolini resumia
os efeitos desse acontecimento sem precedentes na Europa:
"A situação na Itália era satisfatória até o verão
de 1929, quando a queda do mercado americano ex-
lodiu subitamente como uma bomba. Para nós po-
Çres provincianos europeus foi uma grande surpresa.
Ficamos atônitos, como ficou o munao à notícia da
morte de Napoleão-.. Subitamente desapareceu o
belo cenário e tivemos uma série de maus dias. Os
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 183

estoques perderam 30, 40, 50 % do seu valor. A crise


cavou cada vez mais fundo... Desde êsse dia nós
fomos também impelidos para o alto mar, e a con-
dução do nosso harco tornou-se extremamente difícil."

Desemprego, fome, abatimento popular, desalojamento,


tudo isso foi o séquito inevitável da derrocada econômica
que, começando em Wall Street, varreu imediatamente as
nações que deviam se conjugar na Santa Aliança contra o
bolchevismo.
Grandes bancos e firmas industriais faliam quase diàría-
mente; pequenos capitalistas ficaram arruinados; trabalhadores
eram despedidos. Enquanto morriam à fome milhões de pes-
soas, o trigo apodrecia nos silos abarrotados; cereais exce-
dentes eram enterrados; o café era usado como combustí-
vel; os peixes eram atirados novamente ao mar. O mundo
não podia mais comprar as utilidades que produzira em su-
perabundância. Quebrara-se um sistema inteiro de distribui-
ção econômica.
No comêço de 1931, Montagu Norman, governador do
Banco da Inglaterra escreveu a Moret, governador do Banco
da França: "A não ser que drásticas medidas sejam tomadas
para impedi-lo, o sistema capitalista naufragará dentro de um
ano."
J

Um mundo afundara em ruínas e, no meio do naufrágio


espantoso, nações inteiras de seres humanos desenganados
desfilavam como almas perdidas...
No Extremo Oriente o Japão viu que era chegada a sua
oportunidade. Operou-se a primeira fase do Memorial de
Tanaka.
Na noite de 18 de setembro de 1931, fôrças militares
japonêsas invadiram a Manchúria. Os exércitos chineses do
Cuomintangue, ocupados até então numa guerra civil contra os
comunistas chineses, foram tomados de surprêsa e não ofere-
ceram grande resistência. O Japão invadiu a Manchúria "para
salvar a China do bolchevismo..."
Começara a II Guerra Mundial — embora não exata-
mente como fôra projetada.
CAPITULO xni

TRÊS JULGAMENTOS

1. O julgamento do Partido Industrial


O único país não afetado pela crise mundial foi a sexta
parte do mundo, a URSS, deliberadamente excluída dos ne-
gócios mundiais desde 1917.
Enquanto o resto da humanidade se debatia nas garras
da crise, a União Soviética embarcava na mais grandiosa
expansão econômica e industrial de tôda a história. O pri-
meiro Plano Qüinqüenal de Stálin galvanizara a Velha Rússia
em façanhas sem precedentes de atividades criadoras. Ci-
dades inteiras brotavam das estepes infecundas; novas minas,
moinhos e fábricas surgiam. Milhões de camponeses trans-
formavam-se da noite para o dia em operários treinados,
engenheiros, cientistas, doutores, arquitetos e educadores. Ope-
rou-se em poucos anos o progresso de um século, e muji-
ques cujos ancestrais, desde tempos imemoriais, tinham curvado
as costas andrajosas sôbre segadeiras primitivas, sôbre alviões
e arados de madeira, agora ceifavam os seus campos férteis
com tratores e máquinas, combatiam a peste das colheitas
por meio de produtos químicos pulverizados de avião. No
meio dêsse gigantesco esfôrço nacional e revolucionário, uma
geração soviética que não conhecera nunca a degradação da
tirania czarista, crescia para a maioridade...
Ao mesmo tempo, o govêmo soviético lutava tenazmen-
te contra os Seus inimigos internos. Uma série de três jul-
gamentos expuseram e esmagaram a intriga da Torgprom,
que representava o maior esfôrço do imperialismo anglo-
francês e da contra-revolução czarista na Rússia.
186 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Aos 28 de outubro de 1930, o Professor Ramzin junta-


mente com vários outros líderes e membros do Partido In-
dustrial, foram detidos e presos. A OGPU deu três batidas
simultâneas na União Soviética, e membros subterrâneos dos
movimentos Social-Revolucionário, Menchevique e da Guarda
Branca foram postos sob custódia junto com numerosos agen-
tes do serviço secreto polonês, francês e rumeno.
O julgamento dos líderes do Partido Industrial reali-
zou-se perante a Suprema Côrte Soviética em Moscou e du-
rou de 25 de novembro a 7 de dezembro de 1930. Os oito
réus, inclusive o Professor Ramzin e Victor Laritchev, foram
acusados de auxiliar conspirações estrangeiras contra a União
Soviética; de empreenderem atividades de espionagem e sabo-
tagem; de conspirarem para derrubar o govêmo soviético.
Em face das provas que os agentes do serviço secreto so-
viético reuniram contra eles, os acusados, um a um, curva-
ram-se e confessaram a sua culpa. O seu depoimento não
só trouxe detalhes acerca de suas operações de espionagem
e sabotagem, mas implicaram ainda ^Henri Deterding, o Co-
ronel Joinville, Leslie Urquhart, Raymond Poincaré e outros
eminentes soldados, estadistas e homens de negócio europeus,
que tinham sustentado o Partido Industrial e a Torgprom.
Cinco dos réus, inclusive o Professor Ramzin e Victor
Laritchev, foram sentenciados à pena máxima — a serem
fuzilados como traidores do seu país. Os outros três réus,
técnicos que tinham operado sob as suas ordens, foram con-
denados a dez anos de prisão (43.)

(43) Dois dias após o julgamento, o Professor Ramzin e os outros


quatro réus condenados à morte pediram à Suprema Côrte Soviética a
suspensão de sua pena. A Côrte atendeu ao pedido e comutou a sen-
tença para dez anos de prisão, alegando que Ramzin e seus colegas
tinham sido instrumentos de conspiradores reais fora da Rússia. Nos
anos que se seguiram ao julgamento o Professor Ramzin, a quem
as autoridades soviéticas deram tôda oportunidade de novos trabalhos
científicos, empolgou-se completamente pelo teor de vida soviético e
começou a fazer valiosas contribuições ao programa industrial da URSS.
Aos 7 de julho de 1943, o Professor Ramzin foi agraciado com a
Ordem de Lénin e com o Prêmio Stálin de 30.000 dólares por ter
inventado um turbo-gerador simplificado que se diz ser melhor do que
outro qualquer no mundo. Por decreto do Kremlin o turho-gerador
leva o nome do seu inventor.
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 187

2. O julgamento dos mencheviques


Logo após a débaçle do Partido Industrial, as autori-
dades soviéticas se movimentaram de novo. A 1.° de março
de 1931, quatorze líderes de uma extensa rêde de sabotagem
organizada por antigos mfencheviques, foram julgados perante
a Suprema Côrte Soviética em Moscou (44.)
Os róus no julgamento dos mencheviques incluíam nume-
rosos funcionários altamente colocados em vitais repartições
técnicas e administrativas russas. Nos primeiros dias do re-
gime soviético êsses mencheviques simularam renunciar à sua
hostilidade contra os bolcheviques. Cooperando com o Par-
tido Industrial e outros elementos secretos anti-soviéticos, êles
se insinuaram em postos-chave do governo. Um dos cons-
piradores mencheviques, Groman, obtivera uma alta posição
na Secretaria de Planificação Industrial Soviética (Gosplan),
e tentara sabotar fases do primeiro Plano Qüinqüenal orga-
nizando cálculos incorretos e baixando os índices de produ-
ção nas indústrias vitais.
Entre 1928 e 1930 o "Bure.au de Unificação", que era o
Comité Central da organização secreta menchevique, recebeu
uma importância total aproximada de 500.000 rublos de fon-
tes estrangeiras. O maior contribuinte era a Torgprom, mas
outros grupos anti-soviéticos também fizeram donativos consi-
deráveis aos conspiradores e mantinham íntimo contacto com
êles. Os mencheviques foram poderosamente apoiados pela

(44) Os mencheviques eram uma facção dentro do Partido So-


ei al-D em ocrático Russo, e fôra a organização marxista original da Rússia.
No segundo Congresso do P. S. D. R.,* realizado em Londres em
1903, a organizaçao dividiu-se em dois grupos rivais. Em conseqüên-
cia disso, esses dois grupos formaram partidos diferentes. O grupo do
Lénin foi chamado dos Bolcheviques (de bolshinstvo, que significa
maioria); os adversários de Lénin foram denominados Mencheviques
(de menshinstvo, ou seja minoria.) Os Bolcheviques, por sugestão do
Lénin. tomaram mais tarde o nome de Comunistas e o nome oficial
do Partido Bolchevista veio a ser Partido Comunista da Rússia (bolche-
viques.) Os mencheviques correspondiam aos social-democratas e socia-
listas europeus com os quais mantinham ligação de ordem pessoal e
associativa. '
188 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Segunda Internacional — organização trabalhista controlada


pelos social-democratas e socialistas anti-soviéticos.
Segundo a confissão dos réus, seu principal elemento de
ligação com os círculos anti-soviéticos estrangeiros tinha sido
o antigo menchevique russo Raphael Abramóvitch, que fugira
para a Alemanha depois da Revolução. Um dos anéis prin-
cipais da conspiração, Vassili Cher, testemunhou:
"No ano de 1928, Abramóvitch chegou do estran-
geiro. Nós, membros do "Bureau de Unificação" está-
vamos prèviamente informados de sua viagem.
Abramóvitch acentuou a necessidade de concen-
trar o pêso principal do trabalho nos grupos de fun-
cionários de responsabilidade soviéticos. Êle sublinhou
também que tais grupos deveriam estar unidos e ini-
ciar um compasso mais decisivo de atividade sabo-
tadora."

Outro conspirador menchevique, Lazar Salkind, informou


à Côrte:
"Abramóvitch chegou à conclusão de que era ne-
cessário iniciar métodos de sabotagem mais ativa nos
vários ramos do sistema econômico soviético, desor-
ganizar a política econômica aos olhos da classe tra-
balhadora e das massas camponesas. A segunda base
da luta contra o poder soviético era a intervenção
militar, declarou Abramóvitch (45.)

Aos 9 de março de 1931, a Suprema Côrte Soviética


promulgou sua decisão. Os réus mencneviques foram conde-
nados à prisão de cinco a dez anos.

(45) A II Internacional denunciou o julgamento dos mencheviques


como "perseguição política" da "ditadura burocrática" de Stálin. Abra-
móvitch publicou uma declaração negando que tivesse viajado para
a União Soviética e participado de conferências secretas ali. Admitiu,
todavia, que l á funcionara uma organização ilegal de nosso Partido,
cujos membros individuais ou cujos representantes estão em comunica-
ção por carta, e do ponto de vista de organização, com nossa dele-
gação exterior era Berlim".
Abramóvitch veio mais tarde para os Estados Unidos.
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 189

3. O julgamento dos engenheiros da Vickers

Por volta das 21,30 li. da noite de 11 de março de 1933,


o govêrno soviético desferiu o golpe final nos remanescentes
da conspiração da Torgprom. Agentes da OGPU prenderam
seis engenheiros britânicos e dez russos, todos empregados
da agência moscovita da Metropolitan-Vickers, firma britâ-
nica eletro-técnica. Os súditos britânicos e seus sócios russos
eram acusados de espionagem e sabotagem na União Sovié-
tica, auxiliados pelo serviço secreto britânico.
O principal representante da Vickers em Moscou fôra
um certo Capitão C. S. Richards que partira às pressas para
a Inglaterra, pouco antes das prisões. Êle fôra agente bri-
tânico na Rússia desde 1917, quando, como capitão de uma
divisão do serviço secreto, participou nas intrigas anti-sovié-
ticas que precederam a ocupação aliada de Arcângel. Sob
a sua direção, a agência da Metro-Vickers em Moscou tor-
nara-se posteriormente o centro das operações do serviço se-
creto britânico na Rússia.
Entre os "técnicos" britânicos detidos pelas autoridades
soviéticas em Moscou figurava um dos antigos sócios do Ca-
pitão Richards na expedição de Arcângel, Allan Monkhouse,
que servia como seu imediato.
Monkhonse, embora não se confessasse culpado das impu-
tações que lhe faziam, admitiu que êle outrora se associara
a Richards. Êle depôs:
"Encontrei Mr. Richards em 1917 em Moscou e
depois em Arcângel, onde êle, confirmo, ocupava o
pôsto de capitão do serviço secreto. Mr. Richards
esteve em Moscou em 1918, em abril ou maio. Igno-
ro o motivo de sua vinda, mas sei, pelo que êle
mesmo me disse, que transpôs secretamente a fron-
teira da Finlândia nessa ocasião. Em 1923 êle foi
indicado como diretor da Metropolitan-Vickers Electri-
cal Export Company e no mesmo ano veio a (Moscou
para negociações acerca de suprimento e equipamento.
190 MICHAEL
*
SAYERS E ALBERT E. KAHN

Monkhouse tinha sido enviado de volta à Rússia em 1924


para trabalhar sob a direção de Richards na agência da
Vickers em Moscou.
Leslie Charles Thornton, outro dos empregados presos
da Vickers, que fora enviado a Moscou como engenheiro-
chefe de instalação da Vickers, era filho de um rico indus-
trial têxtil czarista, e súdito russo de nascimento.
Êle se tomou súdito britânioo depois da Revolução e
veio a ser agente do serviço secreto britânico. Dois dias
depois da sua prisão, Thornton escreveu e assinou um de-
poimento em que declarava:
"Tôdas as nossas operações de espionagem no ter-
ritório da URSS são dirigidas pelo serviço secreto bri-
tânico, através de seu agente C. S. Richards, que
ocupa o pôsto de gerente-diretor da Metiopolitan-
Vickers Electrical Export Company.
As operações de espionagenj no território da URSS
eram dirigidas por mim mesmo e Monkhouse, repre-
sentantes da mencionada firma britânica, contratada,
por acôrdo oficial com o governo soviético, para for-
necimento de turbinas, equipamento elétrico e auxílio
técnico. De acôrdo com as instruções que me -dera
C. S. Richards, o pessoal britânico deveria ser intro-
duzido na organização de espionagem logo ao chegar
no teiritório da URSS, devendo, para isso, receber
instruções adequadas."

O "engenheiro" William MacDonald da Vickers também


admitiu as acusações que lhe foram feitas e declarou:
"O líder do trabalho de reconhecimento na URSS,
disfarçado sob o escudo da Metropolitan-Vickers era
Mr. "rhornton, que trabalhava em Moscou como en-
genheiro principal. O cabeça da representação era
Mr. Monldiouse, que também tomou parte nesse tra-
balho ilegal de Mr. Thornton. O assistente de Mr.
Thornton pajra objetivos de viagem e seu sócio no
trabalho de espionagem era o engenheiro Cushny, ofi-
cial do exército britânico agora engenheiro da firma
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 191

Metropolitan-Vickers. Ê êste o principal grupo de


trabalhadores de reconhecimento que organizaram o
serviço de espionagem na URSS."

A prisão dos "engenheiros" da Vickers foi motivo de
uma imediata tempestade anti-soviética e de protestos da Grã-
Bretanha. O primeiro-ministro Stanley Baldwin, sem procu-
rar ouvir as acusações e as provas do processo, declarou ca-
tegòricamente que os súditos britânicos aprisionados eram
absolutamente inocentes. Os membros tories do Parlamento
pediram mais runa vez a ruptura das relações comerciais e
diplomáticas com Moscou. O embaixador britânico na Rússia
Soviética, Esmond Ovey, amigo de Henri Deterding, irrompeu
no Ministério do Exterior soviético em Moscou e comunicou
a Maxim Litvinov que os prisioneiros deveriam ser libertados
sem julgamento e imediatamente, se se quisessem impedir
"conseqüências graves para as relações mútuas."
Quando se iniciou o julgamento aos 12 de abril, na Sala
Azul do antigo Clube dos Nobres em Moscou, o Times de
Londres dêsse dia se referiu a "um tribunal subornado, sub-
serviente aos seus perseguidores." O Observer de 16 de abril
descreveu o julgamento como "uma prova conduzida em nome
da justiça, mas que não tinha semelhança alguma com ne-
nhum processo judiciál que a civilização conhece." O Daily
Express, aos 18 de abril descrevia o promotor soviético Vi-
chinsky: "O russo de cabelos ruivos e rosto vermelho insul-
tava e batia na mesa." O Evening Standard dessa mesma
semana descrevia o advogado de defesa Braude como "uma
espécie de judeu dêsses que se podem encontrar tôda noite
na Avenida Shaftesbury."
Ao público inglês foi dado a entender que não se tra-
tava de nenhum julgamento de acusados, mas que os enge-
nheiros britânicos vinham sendo submetidos às mais terríveis
torturas para confessarem a sua culpa. O Daily Express
de 20 de março exclamava: "Nossos concidadãos estão expe-
rimentando os horrores de uma prisão russal" O Times de
17 de abril declarava: "Há grande ansiedade por saber o
que está acontecendo a Mr. MacDonald na prisão, entre as
192 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

sessões do tribunal. Os que conhecem de há muito os mé-


todos da Tcheka julgam que a sua vida está perigando."
O Daily Mail de Lord Rothermere, que dentro de poucos
meses viria a ser o órgão semi-oficial do Partido Fascista-
Britânico de Osvald Mosley, comunicou aos seus leitores que
a OGPU estava utilizando-se de uma "droga do Tibé" para
minar a fôrça de vontade de suas "vítimas."
Todos os presos, entretanto, revelaram depois que foram
tratados com grande polidez e consideração pelas autoridades
soviéticas. Nenhum deles fôra sujeito a nenhuma modalidade
de coerção, nem a métodos de fôrça. Allan Monkhouse, que
mesmo diante de uma montanha de provas continuava ne-
gando que tivesse conhecimento do que os seus colegas vi-
nham fazendo, declarou:
"Êles foram extraordinàriamente gentis comigo e
perfeitamente razoáveis no seu inquérito. Os funcio-
nários que me interrogaram pareciam homens excelen-
tes que conheciam a sua tarefa. ' A prisão da OGPU
é a última palavra em limpeza, ordem e organiza-
ção. Foi a primeira vez que fui preso, mas visitei
prisões inglêsas e posso testemunhar que as câmaras
da OGPU são muito superiores... Os funcionários
da OGPU . . . demonstraram todo interêsse pelo meu
confôrto."

Entretanto, o governo britânico, sob pressão tory, impu-


nha embargo a tôaas as importações da Rússia Soviética.
Cessara o comércio entre os dois países...
Aos 15 de abril, depois de uma entrevista privada com
os representantes britânicos em Moscou, Leslie Thornton abrup-
tamente negou a sua confissão de culpa, assinada. No tribu-
nal confessou que os fatos que subscrevera eram substancial-
mente verdadeiros; mas a palavra "espião", declarou êle, não
era adequada. Procurando explanar porque usara a palavra
na primeira vez, Thornton disse que na ocasião estivera "ex-
citado." No interrogatório público ante' o tribunal, perante o
promotor soviético Vichinsky, êle admitiu que fizera a sua
confissão "de livre e espontânea vontade", "sem pressão nem
coerção alguma", e segundo as suas próprias palavras:
. A GRANDE CONSPIRAÇÃO 193

"VICHINSKY. N a d a foi alterado?


TIIOBNTON. Não. O senhor não alterou coisa
alguma.
VICIUSNKY. M a s p o d e ser que (o promotor ad-
junto) Roginsky o tenha foito.
TIIOBNTON. Não..
VICIUSNKY, Talvez a OGPU tenha alterado al-
guma coisa?
TIÍOBNTON. Não. E u o assinei c o m minha pró-
pria mão.
VicmsNKY. E com a sua cabeça também? Ao
cscrovor vocfi considerou e pensou?
" THOBNTON. (Não responde.)
VICIUSNKY. E qual a cabeça que está pensando
por vocô atualmente?
THOBNTON. Atualmente eu penso de modo di-
verso."

William MacDonald, depois de um entendimento pri-


vado com representantes em Moscou, também negou súbita-
mente as suas declarações originais. Depois, diante do mon-
tão de provas acumuladas pelas autoridades soviéticas, Mac-
Donald mudou novamente do parecer e voltou à confissão
original de sua culpabilidade. Suas derradeiras palavras no
tribunal foram: "Eu confessei minha culpa e não tenho
nada mais a acrescentar."
Aos 8 de abril, a Suprema Corte Soviética promulgou o
seu veredito. Com uma única exceção todos os cúmplices
russos foram julgados culpados e sentenciados à prisão de
3 a 10 anos. O súdito britânico Albert Gregory, foi absol-
vido visto que não havia provas suficientes contra êle. Os
outros quatro engenheiros britânicos foram declarados culpa-
dos. Monkhouse, Nordwall e Cushny deviam ser deporta-
dos da União Soviética, Leslie Thornton e William MacDo-
nald foram sentenciados respectivamente a dois e três anos
de prisão.
As sentenças foram leves e a causa concluída expedita-
mente. O governo soviético realizara o seu intento de es-
magar os remanescentes da conspiração da Torgprom e 6 cen-
194 ' MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

tro das operações do serviço secreto britânico na Rússia.


Efetuou-se um compromisso mútuo entre os governos sovié-
tico e britânico. Reatou-se o comércio e os réus, inclusive
Thornton e MacDonald, foram recambiados para a Inglaterra.
No horizonte político internacional surgira um fenômeno
muito mais perigoso do que a hostilidade tory contra a Rússia
Soviética.
Adolfo Hitler assumira o poder supremo da Alemanha.
CAPITULO XIV
9

O FIM DE UMA ÉPOCA

O mito-propaganda da "ameaça do bolchevismo", levara


o nazismo ao poder. Sob o pretexto de salvar a Alemanha
do comunismo, Adolfo Hitler subira de obscuro cabo de es-
uadra austríaco e espião da guarda do Reich a chanceler
3 o Reich germânico. Na noite de 27 de fevereiro de 1933,
Hitler se projetou ainda mais por meio de um ato de su-
prema provocação: o incêndio do Reichstag alemão. O fogo,
ateado pelos próprios nazistas, foi proclamado por Hitler como
sendo a senha de uma insurreição comunista contra o go-
verno da Alemanha. Com essa escusa, os na/.istas declara-
ram o estado de emergência, aprisionaram e assassinaram
lideres antifascistas c. esmagaram os sindicatos. Das ruínas
fumegantes do Reichstag, Hitler emergiu como o Fuehrer
do III Reich.
O III Reich apresentou a contra-revolução branca do
nazismo como baluarte mundial da ronção e da antidemo-
cracia. O nazismo foi a apoteose dft contra-revolução, equi-
pada com os tremendos recursos industriais e militares do
imperialismo alemão que ressurgia. Seu credo político era a
ressurreição dos preconceitos odiosos e fanáticos do czarismo.
Suas tropas de choque eram os velhos' Cem Negros redi-
vivos e transformados em organismo militar regular. Pogroms
em massa e extermínio de populações inteiras faziam parte
do programa oficial do govêrno do III Reich. Os Protocolos
de Sião providenciaram a nova ideologia nazista. Os líderes
nazistas continuavam a linhagem espiritual dos barões Wrangel
e Ungem do terror branco na Rússia,
Os quinze anos de falsa paz e guerra secreta contra a
democracia mundial e contra o progresso, sob a bandeira do
"antibolchevismo" vinham dando o seu fruto inevitável. As
196 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

chamas que queimaram o Reichstag teriam de espalhar-se


e multiplicar-se até ameaçarem o globo t o d o . . .
"Nós recomeçamos exatamente de onde termináramos há
seis séculos atrás" escreveu Hitler no seu Mein Kampf. "Fa-
remos uma reversão na eterna peregrinação germânica para
o sul e oeste da Europa e nos voltaremos para o leste.
Para isso abandonamos a política econômica e colonial dos
tempos de anteguerra e passamos à política territorial do
futuro. Ao falarmos de novas terras, porém, temos de pen-
sar primeiramente na Rússia e nos seus estados satélites
fronteiriços."
O engôdo do "antibolchevismo" congregou como um ímã
poderoso as fôrças mundiais da reação e do imperialismo para
apoiar Adolfo Hitler.
Os mesmos estadistas e militaristas que outrora tinham
apoiado tôdas as intrigas brancas e a conspiração contra a
Rússia Soviética, emergiam agora como os principais apolo-
gistas e promotores do nazismo. Na França, o círculo anti-
bolchevista que cercava o Marechal Foch e seus antigos auxi-
liares, Pétain e Weigand, fechava os olhos à ameaça do
nazismo para o seu próprio país, na ânsia de se aliar com
todos os mais recentes e poderosos movimentos antibolche-
viques. ' Mannerheim na Finlândia, Horthy na Hungria, Si-
rovy na Tcheco-Eslováquia e todos os demais títeres europeus
anti-soviéticos converteram-se da noite para o dia em van-
guardeiros da agressão nazista contra Leste.
Em maio de 1933, alguns meses apenas depois de Hitler
ter tomado o poder na Alemanha, Alfredo Rosenberg foi à
Inglaterra, para conferenciar com Henri Deterding. O "filó-
sofo" nazista hospedou-se na propriedade .rural do magnata
do petróleo em Buckhurst Park, perto de Windsor Castle.
Logo se formou um poderoso e crescente grupo pró-nazi
entre os advogados fortes britânicos da cruzada antibolche-
vique.
Aos 28 de novembro de 1933, o Daily Mail de Lord
Rothermere publicou pela primeira vez o estribilho que iria
orientar a política externa britânica:
"Os resolutos jovens nazistas da Alemanha são os
guardiões da Europa contra o perigo comunista...
/
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 197

A Alemanha precisa de espaço vital... O des-


locamento de reservas de energias e da habilidade de
organização da Alemanha contra a Rússia Bolchevique
ajudará a restaurar o povo russo numa existência civi-
lizada, e talvez consiga dirigir o comércio mundial para
a almejada prosperidade."

Sob a liderança nazi, todos os blocos dispersos do anti-


bolchcvismo mundial, da antidemocracia e da contra-revolu-
ção branca deveriam ser mobilizados numa fôrça internacio-
nal única para esmagar a democracia européia, invadir a
Rússia Soviética e, eventualmente, tentar a dominação do
mundo.
Maso houve estadistas clarividentes nas democracias oci-
dentais que se recusaram a reconhecer o antibolchevismo
de Hitler como escusa para todos os crimes e conspirações
nazistas. Na Grã-Bretanna e nos E.U.A., líderes destacados
viram desde o comêço que com vitória do nazismo na
Alemanha chegava ao fim uma era da história mundial.
A guerra secreta de 15 anos contra a Rússia Soviética eri-
gira um Frankenstein no coração da Europa, um monstro
militarizado que ameaçava a paz e a segurança de todas
as nações.
Quando as tropas de choque de Hitler marchavam pelas
ruas da Alemanha, agitando seus estandartes e cantando
"Hoje a Alemanha é -nossa, Amanhã o mundo todo! uma
eloqüente voz inglêsa proferiu uma nota de alarmante ad-
moestação profética. Inesperadamente, era a voz de Winston
Churchill, antigo líder do antibolchevismo tory.
Em dezembro .de 1933, Churchill rompeu dramàticamen-
te com os seus colegas tories e denunciou o nazismo como
ameaça ao Império Britânico. Em réplica direta a Lord Ro-
thermere, para quem "os resolutos jovens nazistas eram os
guardiões da Europa contra o perigo comunista", Churchill
declarou:
"Todos êsses bandos de audazes jovens teutos mar-
chando pelas ruas e estradas da Alemanha... estão
à espera de armas, e quando tiverem armas, acredi-
tem-me, exigirão a restituição de suas colônias e ter-
ritórios perdidos, e quando essa exigência fôr feita
198 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

êles não deixarão de abalar e possivelmente revolver


até os alicerces, uma por uma, todas as nações."

Churchill apelava para um entendimento com a França


e até mesmo com a União Soviética contra a Alemanha na-
zista. Ele passou a ser denunciado como traidor e trafi-
cante de guerra por aquêles mesmos homens que antes o
tinham saudado como herói da causa antibolchevique...
Além do Atlântico, outro homem percebeu que termi-
nara uma era da história mundial. O presidente recém-eleíto
dos E.U.A., Franklin Delano Rooseveft, abruptamente repu-
diou a política anti-soviética . instaurada pelo seu antecessor,
Herbert Hoover. Aos 16 de novembro de 1933, foram esta-
belecidas integralmente as relações diplomáticas com a União
Soviética. No mesmo dia o Presidente Roosevelt enviou uma
carta a Maxim Litvinov em que afirmava:
"Espero que as relações agora estabelecidas entre
os nossos povos permaneçam sempre normais e ami-
gáveis, e que as nossas nações possam desde já co-
operar para seu mútuo benefício e para preservação
cfa paz no mundo."

Dentro de um ano a Alemanha nazista retirava-se da


Liga das Nações. O seu lugar no conselho coletivo das na-
ções foi preenchido pela União das ' Repúblicas Socialistas
Soviéticas.
Começara a nova era. Seria uma época das mais fan-
tásticas e enormes traições da História; uma era de diplo-
macia secreta conduzida pelo terror, assassínio, conspiração,
golpe de estado, fraude e dolo sem paralelo no passado.
E iria culminar na II Guerra Mundial.
Comunidade Josef Stalin
Em defesa do Marxismo-Leninismo
www.comunidadestalin.
LIVRO III
A QUEVTA-COLUNA NA RÜSSIA
XV — O ATALHO DA TRAIÇÃO 201
1. Rebelião entre os revolncioaáiios — 2. A oposição de
esquerda — 3. O atalho da traição — 4. A luta pelo
podei — 5. Alma Aia.
XVI — GÊNESE DE UMA QUIXTA-COLUXA 229
1. Trotsky em Elba — 2. Msrtdsz^tous cm Berlim — 3.
As três camadas.
x v n — TRAIÇÃO E TERROR ." 253
1. A diplomada da traição — 2. A diplomacia do tenor.
x v m — CRIME XO KREMLIN 275
1. Yagoda — 2. O assassínio de Menjinsky — 3. Crime
com garantia — 4, "Necessidade histórica".
XIX — DIAS DE DECISÃO .. 291
1. A guerra se aproxima do Ocidente — % Uma carta
de Trotsky — 3. Um vôoo a Oslo — 4. Hora Zero.
XX — O FIM DO ATALHO 313
1. Takhachevsky — 2, O julgamento do Centro Paralelo
Trotskista — 3. AçãofiTPTriafp — 4, Final,
XXI — ASSASSÍNIO NO MÉXICO 337
Do original norte-americano
THE GREAT CONSPIRACY

T t o (1 W 9 (l o do
CARLOS ORTIZ

M C M LIS
Direitos reservados
EDITORA BRASILIENSE
Rua Barão de Itapetininga, 93 - São Paulo

Impresso nos ESTADOS UNIDOS DO BRASIL


MICHAEL S A Y E R S e ALBERT E. KAHN
i

A GRANDE
CONSPIRAÇÃO
A GUERRA S E C R E T A
CONTRA
A RÚSSIA S O V I É T I C A

6.« EDIÇÃO

EDITÔRA B R A S I L I E N S E
SÃO PAULO
1959
Nenhum inc-Ulentc ou diálogo dâste
livro foi inventado paios autores. O
material foi colhido do várias fontes de
documentação que vfim indicadas no
texto ou mencionadas no fim, cnlre us
Notas Bibliográficas,

o
LIVBO m

A QUINTA-COLÜXA
MA R Ü S S I A
CAPITULO XV
9

O ATALHO DA TRAIÇÃO

1. Rebelião entre os revolucionários


Desde o momento em que Hitler tomou o poder na
Alemanha, a contra-revolução internacional passou a constituir
parte integrante do plano nazista de conquista mundial. Em
todos os países, Hitler mobilizou as forças contra-revolucio-
náriãs que durante os quinze anos anteriores vinham sendo
organizadas pelo mundo. Essas fôrças converteram-se então
em quinta-colunas nazistas da Alemanha, organizações de trai-
ção, espionagem e terror. Essas quinta-colunas constituíram
as vanguardas secretas da Wehrmacht alemã.
Uma das mais poderosas e importantes dessas organiza-
ções operava na Rússia Soviética. Era encabeçada por um
homem talvez dos mais notáveis renegados políticos da
história.
Seu nome era Leon Trotsky.
Quando nasceu o III Reich, Trotsky já era o líder de
uma conspiração anti-soviética internacional com poderosas
fôrças da União Soviética. Exilado, Trotsky estava conspi-
rando para a derrubada do govêrno soviético, para seu re-

f resso a Rússia e recuperação do poder pessoal que outrora


etivera.
"Houve um tempo", escreveu Winston Churchill em Gran-
des Contemporâneos, "em que Trotsky estêve intimamente li-
gado com o trono dos Romanovs."
Em 1919-1920, a imprensa mundial apelidou Trotsky de
"Napoleão Vermelho" Trotsky era comissário de Guerra. Tra-
'ado num longo sobretudo espalhafatosamente militar; de altas
1ratas luzentes, pistola automática à cintura, percorria as tren-
202 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

tes de batalha fazendo inflamadas alocuções aos soldados do


Exército Vermelho. Converteu um trem blindado em seu
Q. G. privado e protegeu-se pessoalmente com uma guarda
armada especialmente uniformizada. Êle possuía a sua própria
facção no comando do Exército, no Partido Bolchevique e
no govêrno soviético. O trem de Trotsky, a guarda de Trotsky,
os discursos de Trotsky, as atitudes de Trotsky — seu vasto
cabelo prêto e sua barbicha em ponta, seus olhos pene-
trantes atrás do pince-nez fulgurante — ficaram mundialmente
famosos. Na Europa e nos E.U.A. as vitórias do Exército
Vermelho eram tôdas creditadas ao "comando de Trotsky."
Eis como Isaac F. Marcosson, correspondente americano
no exterior, descrevia o comissário de Guerra Trotsky, diri-
gindo-se a uma de suas espetaculares assembléias de massas
em Moscou:
"Trotsky íèz o que os artistas costumam chamar
uma bela entrada... após uma demora, e no mo-
mento exatamente psicológico, emergiu dos bastido-
res e caminhou a passos rápidos,, para o púlpito qu©
se coloca para os oradoros cm tôdas as assembleias
russas.
Mesmo antes de êle se dirigir para o estrado- hou-
ve um tremor antecipado em todo o auditório. Po-
der-se-ia ouvir um sussurros "Trotsky vom chegando..
No estrado, sua voz ora rica, profunda o elo-
qüente. Êle atraía e repelia; dominava e tiranizava.
Êle era elementar, quaso primitivo em sou fervor —
uma máquina humana poderosíssima. Inundava os
seus ouvintes com um Niágara de eloqüência, como
eu Jamais ouvi. Transbordavam dêle a vaidade e
a arrogância."

Após a sua dramática deportação da Rússia Soviética


em 1929, os elementos anti-soviéticos do mundo forjaram um
mito em tôrno de seu nome e da sua personalidade. D©
acôrdo com êsse mito, Trotsky era "o excepcional líder da
revolução russa" e "inspirador de Lénin, seu mais íntimo ca-
marada e lógico sucessor."
Mas em fevereiro de 1917, um mês antes do colapso do
czarismo, o próprio Lénin escreveu:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 203

"O nome de Trotsky significava: Fraseologia de


esquerda e bloco com a direita contra as aspirações
da esquerda."

Lénin chamou Trotsky o "Judas" da revolução russa (46.)


Os traidores fazem-se," não nascem. Como Benito Mus-
solini, Pierre Lavai, Paul Joseph Goebbels, Jacques Doriot,
Wang Ching-wei e outros notórios aventureiros dos tempos
modernos, Leon Trotsky começou a sua carreira como ele-
mento dissidente da extrema esquerda dentro do movimento
revolucionário de sua terra natal.
Trotsky era pseudônimo. Lev Davidóvitch Bronstein, fi-
lho de pais prósperos da classe média, nasceu em Yanovka,
pequena aldeia rural perto de Kherson na Rússia meridional,
em 1879. Sua primeira ambição foi ser ator.
O jovem Trotsky começou trabalhando numa peça e
surgiu nos salões literários de Odessa com suas botas de
tacão alto, vestido de blusão azul de artista, uma palheta
redonda na cabeça e trazendo uma bengala preta. Ainda
«quando estudante, associou-se a um grupo de radicais boê-
mios. Aos 18 anos, foi prêso pela polícia czarista por estar
'distribuindo literatura subversiva e foi exilado para a Sibéria
juntamente com ccntcpas do outros estudantes revolucioná-
rios. Escapou da Sibéria no verão de 1902 o foi viver no
estrangeiro, onde levaria a maior parte de sua vida como

(46) Eis alguns dos comentários periódicos feitos por Lónin com
respeito a Trotsky o às suas atividades no movimento revolucionário
russo: 1911. "Em 1903, Trotsky era menehoviquo; deixou-os em 1904;
voltou ao ninho antigo em 1905, enchendo o tempo com frases ul-
tra-revolucionárias; e novamente deu as costas aos mencheviques em
1 9 0 8 . . . Trotsky plagia hoje as idóias de uma facção, amanhã as de
outra, e depois olha ambas do cima, com ar superior... Tenho a
declarar qito file representa unicamente a sua própria facção."
1911. "Pessoas como Trotsky, com suas frases empoladas... são
hoje muito comuns... Quem apoia o grupo de Trotsky apoia a política
de mentira e decepção dos trabalhadores... é a principal tarefa de
Trotsky jogar areia nos olhos dos trabalhadores... não é possível dis-
cutir coisas verdadeiramente essenciais com Trotsky pois que êle não
tem visão... pós o consideramos apenas como um diplomata da mais
modesta condição."
204 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

agitador e conspirador entre os emigrados russos e socialistas


cosmopolitas nas capitais européias.
Durante os primeiros meses de 1903 Trotsky foi mem-
bro da redação de Iskra, órgão marxista que Lenin editava
no exílio em Londres. Em seguida à divisão bolchevique-
menchevique que foi efetuada no movimento marxista russo
nesse verão, Trotsky filiou-se aos adversários políticos de Lé-
nin, os mencheviques. O talento literário de Trotsky, sua
oratória inflamada, sua personalidade dominadora e seu ta-
lento dramático granjearam-lhe a reputação de ser o mais
brilhante e jovem agitador menchevique. Ele percorreu as co-
lônias de estudantes radicais russos de Bruxelas, Paris, Liège,
Suíça e Alemanha, atacando Lénin e os demais bolchevi-
ques, que apelavam para um partido revolucionário disci-
plinado e altamente organizado para a luta contra o cza-
rismo. Num panfleto intitulado 'Nossas Tarefas Políticas"
publicado em 1904, Trotsky acusou Lénin de tentar impor
um "regime de caserna" aos radicais, russos. Numa lingua-
gem surpreendentemente semelhante à que êlo usaria mais
tardo em seus ataques contra Stálin, o jovem Trotsky de-
nunciou Lénin como "'líder da ala reacionária de nosso par-
tido."
Em 1905, após a derrota czarista na guerra russo-japo-
nêsa, os trabalhadores e camponeses insurgiram-se na primei-
ra e fracassada revolução russa. Trotsky correu para a Rús-
sia e tornou-se membro influente do Soviete de S. Peters-
burgo controlado pelos mencheviques. Na atmosfera febril

1912. "Êsso bloco 6 composto do falta do princípios, hipocrisia e


frases vazias... Trotsky acoberta tudo isso com a fraseologia revolu-
cionária que nada custa e nada o comprometo."
1913. "Os velhos participantes do movimento marxista na Rússia
conhecem muito bem a personalidade de Trotsky e nem é agora a oca-
sião adequada para falarmos disso. Mas a nova geração ae trabalha-
dores precisa conhecé-lo e precisamos falar dêle... Tipos como êsse
são característicos como fragmentos da formação histórica de ontem,
quando ainda dormia o movimento laborista de massas na Rússia."
1914. "O camarada Trotsky nunca possuiu uma opinião definitiva
sôbre uma única e séria questão marxista; sempre se insinuou nesta
ou naquela brecha entre uma divergência ou outra, oscilando sempre
de um para outro lado."
1915. "Trotsky... como sempre; discorda em princípio dos social-
chauvinistas, mas concorda com êles em tudo na prática.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 205

de intriga, de intenso conflito político e de sensação do po-


der iminente, Trotsky achou o seu elemento. Aos 26 anos,
êle saiu da experiência convencido de que estava destinado
a ser o líder da revolução russa. Já falava de seu "destino"
e de sua "intuição revolucionária. Anos depois, em Minha
Vida, escreveu:
"Vim à Rússia em fevereiro de 1905; os outros
líderes emigrados não chegaram antes de outubro e
novembro. Entro os camaradas russos, não havia um
de quem cu pudesse aprender alguma coisa. Ao
contrário, cu tivo de assumir o pôsto do meu pró-
prio mestre.,. Em outubro, prccipitoi=mo na gigan-
tesca voragem quo, pessoalmente falando, era o maior
teste para a minha capacidade. Tivo de tomar de-
cisões sob o fogo. Não ó necessário observar que as
decisões mo ocorriam do modo totalmente óbvio...
Senti orgftnicamcnto quo tinham passado os meus anos
de aprendizado... nos anos seguintes eu iria apren-
dendo como um mestre aprende, não como aprende
um discípulo... Nenhum grande trabalho ó possível
som intuição... Os acontecimentos de 1905 revela-
ram em mim, creio eu, ossa intuição revolucionária
> e habilitaram-mo a confiar nela durante a minha vida
posterior... Conscientcmonte não posso, na aprecia-
ção da situação política, como um todo c em suas
perspectivas revolucionárias, acusar-me de graves erros
do julgamento."

De novo no estrangeiro, após a derrota da revolução


do 1905, Trotsky montou o seu Q. G. político em Viena e,
atacando Lónin como "candidato ao pôsto de ditador", lançou
uma campanha de propaganda para edificar o seu próprio
movimento e promover-se a si mesmo como "internacionalista
revolucionário." De Viena, Trotsky locomoveu-se incansàvel-
mente para a Rumânia, Suíça, França, Turquia, recrutando
companheiros e formando ligações valiosas com socialistas e
radicais esquerdistas europeus. Gradual e persistentemente,
entre os mencheviques emigrados russos, social-revolucionários
e intelectuais boêmios, Trotsky construiu uma reputação de
principal rival de Lénin no movimento revolucionário russo.
206 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

"Tôda a construção do Leninismo", escreveu Trotsky numa


carta confidencial ao líder menchevique russo Tscheiaze, aos
23 de fevereiro de 1913, "está atualmente edificada sôbre
mentiras e contém os germes peçonhentos de sua própria
desintegração." Trotsky continuava dizendo ao seu compa-
nheiro menchevique que, na sua opinião, Lénin não passava
de "um explorador profissional de todo o atraso do movi-
mento do trabalhador russo."
O colapso do regime do czar cm março de 1917 en-
controu Trotsky em Nova Iorque, editando um jornal radical
russo, Novy Mir (Novo Mundo) em colaboração com seu
amigo o adversário de Lénin, Nicolai Bukharin, um político
ultra-esquerdista, emigrado russo que um observador descreveu
como "um louro Machiavelli em Jaqueta do couro." (47.) De-
pressa Trotsky obteve passagem para a Rússia. Sua viagem
foi interrompida quando as autoridades canadenses o detiveram
em Ilalifax. Detido sob custódia por um môs, foi sôlto por
solicitação do govôrno provisório russo o embarcou para Pe-
trogrado.
O govôrno britânico decidira mo deixar Trotsky voltar
à Rússia. Conforme as memórias do agente britânico Bruce
Lockhart, o serviço secreto britânico acreditava que seria pos-
sível utilizar-se das "dissensões entro Trotsky e Lónin.. (48.)
Trotsky chegou a Petrogrado em maio. A princípio tentou

(47) Trotsky chegara aos E.U.A. apenas dois meses antes da


queda do Czar, depois do ser expulso da França no fim do outono de
1910. Bukharin preccdera-o nos E.U.A., vindo da Áustria.
(48) Nas suas memórias Agente Britânico, Bruoo Lockhart acre-
dita que o govôrno britftnico a princípio cometeu um grave êrro no
modo do tratar Trotsky. Lockhart eserove: "Não tratamos Trotsky de-
vidamente. No tempo da primeira rovoluçâo Cie estóve exilado na Amé-
rica. Êle não era então nem menchovique nem bolchevique. Era aquilo
que Lénin chamou: um trotskista — o quo quer dizer, um individua-
lista e um oportunista. Um revolucionário com temperamento de artista
e indubitável coragem fisica c, como tal nunca fôra, nem seria,
um bom homem de partido. Sua conduta anterior à primeira revolução
incorrera na mais severa condenação de Lénin... Na primavera de 1917
Kerensky solicitou do governo britânico que facilitasse o regresso de
Trotsky à Rússia... Como de costume em nossa atitude com a Rússia
nós adotamos desastrosas meias-medidas. Trotsky foi tratado como cri-
minoso. Em Halifax... foi internado num campo de concentração . . .
Então, tendo despertado o seu ódio amargo, nós o autorizamos a re-
gressar à Rússia."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 207

criar um partido revolucionário seu — um bloco composto


de antigos emigrados e elementos da extrema esquerda de
vários partidos radicais. Mas logo se viu claramente que
não havia futuro algum para o movimento de Trotsky. O
Partido Bolchevique tinha* o apoio das massas revolucionarias.

Em agôsto de 1917, Trotsky deu uma sensacional revi-


ravolta política. Depois deo 14 anos de oposição a Lénin e
aos bolcheviques, solicitou sou ingresso como membro do Par-
tido Bolchevique.
Lénin prevenira-se reiteradamente contra Trotsky o suas
ambições pessoais; mas agora, na luta crucial para estabele-
cer o governo soviético, a política do Lénin apelava para
uma fronte única do tôd&s as facções revolucionárias de to-
dos os grupos e partidos. Trotsky era o intérprete de um
n o considerável. Fora da Rússia o seu nome era mais
ecido do quo o do nenhum outro revolucionário russo,
exceto Lénin. Além do quo, os raros talentos de Trotsky
como orador, agitador e organizador poderiam ser utilizados
com grande proveito poios bolcheviques. A inscrição de Tro-
tsky tomo membro do Partido Bolchevique foi concedida.
Caracteristicamente, Trotsky fôz uma entrada espetacular
no Partido Bolchevique. Trouxe consigo para o Partido todo
o seu séquito colorido de esquerdistas dissidentes. Como Lénin
humoristicamente observou, "ora como so chogassem a tórmos
com uma grande potência."
Trotsky tornou-se dirigente do Soviete de Petrogrado, no
qual fizera a sua estréia revolucionária cm 1905. Manteve-se
nesse pôsto durante os dias decisivos quo se seguiram. Quan-
do o governo soviético so formou como uma coalizão de
bolcheviques, social-revolucionários do esquerda e antigos men-
cheviquos, Trotsky veio a sor o comissário do Exterior. Seu
íntimo conhecimento de línguas estrangeiras e sua familia-
ridade com países estrangeiros indicaram-no para êsse cargo.

2. A oposição de esquerda
A princípio como comissário do Exterior e depois como
comissário de Guerra, Trotsky foi o principal interprete da
208 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

chamada oposição de esquerda no Partido Bolchevique (49.)


Embora pouco numerosos, os adversários eram oradores e or-
ganizadores talentosos. Tinham grandes relações fora do país,
e entre os mencheviques e social-revolucionários na Rússia.
Nos primeiros dias depois da Revolução êles detiveram im-
portantes postos no exercito, no corpo diplomático e nas ins-
tituições estatais executivas.
Trotsky dividiu a liderança da oposição com dois outros
dissidentes radicais: Nícolai Bukharin, esbelto, "ideologista
marxista", louro, aprumado, quo encabeçou o chamado grupo
de "comunistas da esquerda", e Grigori Zinoviev, turbulento,
eloqüente agitador esquerdista, que liderou a sua própria
seita, chamada "Zinovievista." Trotsky, Bukharin e Zinoviev
freqüentemente disputavam entro si a propósito do questões
de tática e por causa de rivalidades pessoais o ambições
políticas em conflito, mas nos momentos cruciais agrupavam
as suas fôrças em tentativas reiteradas para obter o contrôle
do governo soviético.

(40) Quanto às atividades oposicionistas do Trotsky como comissá-


rio do Exterior durante a crlso da Pais do Brost-Lttovsk, voja-so o quo
foi dito anteriormente.
Após a sua remoção do pôsto do comissário do Exlorlor, Trotsky
admitiu publicamente o ôrro do sua oposição a Lónln om Brost-Litovsk,
o prontificou-se a cooperar som restrições daí por diante. Foi-lho dado
um-novo encargo quo parecia adequado aos seus talontos do organi-
zador e orador. Fizeram-no comissário do Guerra. A estratégia militar
o o comando prático do Exórcito Vormolho oslavam principalmente nas
mãos do homens como Stálin, Frunzo, Vorochllov, Kirov, Cliors e Budv-
enny. Confiando no paroeor do alguns antigos "especialistas" czaristas
que o oercavam, o comissário do Guerra Trotsky reiteradamente se
opôs às decisões militares do Comitô Contrai Bolchevique e exorbitou
flagrantemente de suas atribuições. Em vários casos, ànicamente a in-
tervenção direta do Comitô Central impediu Trotsky de executar re-
presentantes o líderes militares bolchovlques no front pelo fato de
terem objetado à sua conduta.
No verão do 1919 Trotsky assegurando quo Koltchak não era mais
uma ameaça a leste, propôs que so transportassem as fôrças do Exército
Vermelho para a campanha contra Denikin no sul. Isso, acentuou Stálin,
teria dado a Koltchak o tão almejado intervalo para respirar e a opor-
tunidade de reorganizar e reequipar o seu exército, para lançar nova
ofensiva. "Os Urais com suas instalações", declarou Stálin como re-
presentante militar do Comitô Central, "com a sua rêde de ferrovias,
não poderiam ser entregues nas mãos de Koltchak, pois êle poderia fà-
cilmente congregar os grandes fazendeiros dos arredores em tôrno dêle
e avançar sobre o Volga." O plano de Trotsky foi rejeitado pelo
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 209

Os companheiros de Trotsky pessoalmente eram: Yuri


Pyatakov, filho radical de uma rica família ucraniana, que
caíra sob a influência do Trotsky, na Europa; Karl Radek,
brilhante jornalista polonOs esquerdista e agitador que se as-
sociara com Trotsky na oposição a Lénin na Suíça; Nicolai
Krestinsky, antigo advogado o ambicioso representante na
Duma; Grigorí Sokolnikov, jovem radical cosmopolita que in-
gressara no Ministério do Exterior Soviético sob os auspícios
do Trotsky; o Cristiano Rakovsky, antigo o rico apoio finan-
ceiro dos socialistas rumenos, búlgaro do nascimento, quo vive-
ra na maior parto dos países ouropeus, doutorara-se om
medicina na França a tornara-se um dos líderes do levante
soviético ucraniano do 1918.
Além disso, como comissário do Guerra, Trotsky corca-
va-se do uma clique de homens brutais e violentos que cons-
tituíam uma guarda especial, fanàticamonto dedicada ao seu
"líder." Um membro proeminente da faeçuo militar de Trots-
ky foi Nicola! Murav, um homenzinho baixote o perverso,

Comítô Central, e (fio inflo tomou mais parto na campanha do lesto,


quo 'ovou à derrota final a» fôrças do Koltchak.
No outono do 1010 Trotsky esboçou um plano para uma cam-
panha contra Donlkln. Sc« plano requeria uma niarelm através das
estepes do Doti, região qunso ínvia o infestada do bandos de contra-
•«ovolueionários cossacos. St Al In, quo fôra enviado ao lfront Sul pelo
Comltô Central, rejeitou o plano do Trotsky o propôs om lugar dOIe
quo o Exército Vermelho wvançasso através da Sacia do Donetz com
a sua densa rôdo ferroviária, suprimentoB do carvão o população sim-
pática do trabalhadores. O plano do Sláliu foi aceito pelo Comitô
Contrai. Trotsky foi removido do Front Sul, intimado a nflo inter-
ferir mais nas operações meridionais o "aconselhado" a mio cruzar mais
a linha do demarcação do Front Sul. Dcnikin foi derrotado do acôrdo
com o plano do Stálin.
Entro os mais Íntimos sócios do comissário do Guorra Trotsky,
estava o ox-oficial czarista Coronel Vatzotis, quo servia como comnn-
dantc-cliofo com Trotsky no Front Oriental contra Koltchak. As auto-
ridades soviéticas descobriram que Vatzetis estava envolvido em intrigas
contra o alto comando do Exército Vermelho. Vatzetis foi removido do
seu pâsto. Em Minha Vida, Trotsky ofereceu esta curiosa apologia de
seu antigo sócio: " . . . Vatzetis em seus momentos de inspiração pro-
mulgaria ordens como se não existisse o Sovieto de Comissários e o
Comitê Central Executivo... êle foi acusado de planos o ligações duvi-
dosas e estava para ser demitido mas realmente não havia nada de
sério em tais acusações. Talvez o rapaz, antes de dormir, se metesse a
ler a biografia de Napoleão e confiasse depois os seus sonhos a dois ou
três jovens oficiais."
210 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

comandante da guarnição militar de Moscou. A guarda pes-


soal de Trotsky incluía Ivan Smirnov, Sergei Mrachkovsky e
Ephraim Dreitzer. O antigo terrorista social-revolucionário,
Blumkin, assassino do Conde Mirbach, tornou-se chefe da guar-
da pessoal de Trotsky (50.)
Trotsky aliou-se também a numerosos ex-oficiais czaristas
que estimava e a despeito das freqüentes admoestações do
Partido Bolchevique colocou-os em postos militares importan-
tes. Um ex-oficial czarista com quem Trotsky se relacio-
nara intimamente em 1920, duranto a campanha polonesa,
foi Mikhail Nicolayoviteh Tukhatchovsky, líder militar com as-
pirações napoleónicas.
O intuito da oposição do esquorda ora suplantar Lénin
e tomar o poder na Rússia Soviética.
O grande problema quo se antepôs aos revolucionários
russos depois cia derrota dos exércitos brancos o da inter-
venção foi o seguinte: o quo fazor com o poder soviético?
Trotsky, Bukharin e Zinoviov sustentaram quo ora impos-
sível construir o socialismo na "Rússia" atrasada." A oposi-
ção do esquerda desejava converter a revolução russa num
reservatório do "revolução invimlial", um centro mundial do
qual se irradiaria a revolução nos demais países. Despida
de sua "parolico ultra-rovolucionária", como Lénin o Stálin
freqüentemente indicaram, a oposição de esquerda o que real-
mente pretendia era tuna luta violenta pelo poder, b "anar-
quismo boêmio" e, dentro da Rússia, uma ditadura militar
sob o comissário, do Guerra Trotsky o seus sócios.
O problema agravou-se no Congresso dos Sovietes em
dezembro de 1920. Era o mais frio, o mais faminto e cru-
cial ano da Revolução. O Congresso rouniu-se na Sala das
Colunas em Moscou. A cidade estava recoberta de neve,
enregelada, faminta o doente. Na grande sala, sem aque-

(50) Em abril do 1937, Trotsky disso o seguinte acêrca de sua


ligação com o assassino Blumkin: "Êlo foi membro de meu secretariado
militar durante a guerra, e pessoalmente ligado a m i m . . . Quanto ao
seu passado — tinha éle um passado extraordinário. Foi membro da
oposição social-revolucionária de esquerda e participou na insurreição
contra os bolcheviques. Foi ôle o homem que matou o embaixador
alemão Mirbach... Eu o empreguei em meu secretariado militar e por
tôda parte, quando eu precisava de um homem corajoso, Blumkin es-
tava a minha disposição.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 211

cimento porque faltava combustível, os delegados soviéticos


se reuniram embrulhados em peles, cobertores e arminhos, ti-
ritando com d intonso frio de dezembro.
Lénin, ainda pálido e.abatido com as conseqüências das
balas envenenadas do Fanya Kaplan que por pouco não li-
quidaram com a sua vida em 1918, subiu ao estrado para
dar a sua réplica à. oposiçSo do osquerda. Descrovou as
terríveis condições da Rússia. Apoiou pura a união nacional
para enfrentar as "incríveis dificuldades do reorganização da
vida social o ocouômicn. Anunciou a Nova Política ííconA-
raica abolindo o rígido "comunismo do guerra" o restauran-
do em eerta medida o capitalismo o o comércio privado na
Rússia, abrindo o caminho para o começo da reconstrução,
"Damos tim passo atrás", disso Lénin, "para depois darmos
dois à fronlo r
Quando Lénin anunciou ft "retirada temporária" repre-
sentada pela Nova Política Econômica, Trotsky exclamou:
"O cuco acaba do anunciar o fim do govârno soviéticoI"
Mas Lénin acreditava qno o trabalho do govàroo sovié-
tico apenas começava. E efisso ao Congresso:
"Só quando o país estívor eletrificado, quando a
indústria, a agricultura e os transportes forem estru-
turados cm bases técnicas para a produçfio modorna
em grande escala — sòmonte aí nossa vitória será
completa." t

Havia um enorme mapa da Rússia no estrado. A um


sinal do Lénin, acionou-se um interruptor o o mapa iluminou-se
súbítamente, mostrando ao Congresso como é que Lônin en-
carava o futuro do sou país. Luzes elétricas cintilavam no
mapa om todos os sentidos, indicando aos dologados sovié-
ticos, onrogolados o famintos as futuras usinas, diques hidre-
létricos e outros projetos dos quais torrentes de energia
teriam do rolar para transformar a Velha Rússia numa nação
socialista, moderna e industrializada. Houve um murmúrio
de excitação, de aplausos e de incredulidade, que perpassou
pela sala repleta e fria.
O amigo de Trotsky, Karl Radelc, espreitou o espetáculo
profético através de seus óculos grossos, sacudiu os ombros
e cochichou: "Electro-ficção!" A graçola de Radek tornou-se
212 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

um slogan trotskista. Bukharin disse que Lénin estava ten-


tando enganar os camponeses e trabalhadores com a sua
"tagarelice utópica sobre a eletricidade."
Fora da Rússia, os amigos e sustentáculos internacionais
de Trotsky nos círculos comunistas de esquerda e socialistas
acreditavam que o regime de Lénin estava condenado. Vá-
rios outros observadores também acreditavam que Trotsky
e a oposição de esquerda estavam à beira do poder. O cor-
respondente americano do exterior, Isaac F. Marcosson, re-
latou que Trotsky tinha "atrás do si os jovens comunistas,
a maior parto dos oficiais o OS soldados do Exército Verme-
lho." Mas o mundo exterior, como o próprio Trotsky, su-
perestimava a sua fôrça o popularidade.
Num csfôrço para conseguir apoio da massa, Trotsky, per-
corria o país, .surgindo dramàticamonto nas assembléias pú-
blicas, dirigindo discursos apaixonados, acusando os "velhos
bolcheviques" do terem "degenerado" o apelando para a "mo-
cidado" para que apoiasse o sou movimento. Mas os solda-
dos, trabalhadores o camponeses russos, recém-chegados de
uma guerra vitoriosa contra os possíveis Napoleõos brancos,
não podiam de modo algum tolerar um "Napoleão Vermelho"
surgiclo de suas próprias fileiras. Como escreveu Bernard
Pares na sua História da Rússia, a respeito do Trotsky nessa
época:
"Um agudo crítico quo o conheceu na intimidade
disse fielmente que Trotsky pela sua natureza e pelos
seus métodos portencia aos tempos pré-revolucionarios.
Os demagogos estavam ficando fora do moda..."

No X Congresso do Partido Bolchevique, em março de


1921, o Comité Central assistido por Lénin aprovou uma re-
solução proscrevendo tôdas as "facções" no Partido como uma
ameaça à unidade do movimento revolucionário. Daí em
diante todos os líderes partidários teriam de submeter-se às
decisões da maioria e à sua direção sob pena de serem ex-
pulsos do Partido. O Comitê Central especificamente admo-
estou o "camarada Trotsky" contra as suas "atividades fac-
ciosas" e declarou que "inimigos do Estado" aproveitando-se
da confusão causada por essas atividades divisionistas, esta-
vam penetrando no Partido e se denominando trotskistas. Nu-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 213

merosos trotskistas importantes e outros oposicionistas de es-


querda foram destituídos. O principal apoio militar de Trots-
ky, Nicolai Muralov, foi removido do comando da estratégica
guarnição militar do Moscou o substituído polo antigo Bol-
chevique, Klomenti Vorocmlov.
No ano seguinte, em março do 1022, José Stálin foi elei-
to secretário-geral do Partido o responsabilizado pelo prosse-
guimento dos planos do Lénin.
Depois da dura admoestação do Partido o da destituição
do seus companheiros, o séquito do Trotsky começou a se
dissolver. Sou prestígio começou a declinar. A eleição de
Stálin foi ui» golpo esmagador contra a ação de Trotsky no
movimento do Partido.
O poder ia escorregando do suas mãos.

3. O atalho da traição
Desde o comôço, a oposição de esquerda vinha operando
om dois sentidos. Abortamento, om programas públicos, em
seus jornais o salas do leitura, os oposicionistas levavam a
sua propaganda ao povo. Atrás dos bastidores, eram peque-
nas conferências sccrotas de facção, com Trotsky, Bukharin,
Zinoviev, Radek, Pyatakov e outros, quo delineavam a estra-
tégia gorai o planejavam as táticas da oposição.
Com o seu movimento do oposição na base, Trotsky edi-
ficou uma organização conspirativa secreta na Rússia fun-
dada no sistema dos "Cinco que Reilly desenvolvera e que
os social-revolucionários o outros conspiradores anti-soviéticos
tinham adotado.
Em 1923, o movimento subterrâneo já era uma organi-
zação extensa e poderosa. Trotsky e seus companheiros fa-
bricavam códigos, cifras e senhas para as suas comunicações
ilegais. Montaram tipografias através de todo o país. Funda-
ram-se células trotskistas no exército, no corpo diplomático,
nas instituições do Partido e do Estado.
Anos depois, Trotsky revelou que seu próprio filho, Leon
Sedov, estivera envolvido na conspiração trotskista, que já
vinha deixando de ser mera oposição política dentro do Par-
214 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

tido Bolchevique para emergir como uma guerra secreta con-


tra o regime soviético.
"Em 1923", escreveu Trotsky em 1938 em seu panfleto,
Leon Sedov: Filho — Amigo — Lutador, 'Xeon entregou-so
ao trabalho de oposição... Então, aos 17 anos, começou a
vida de um revolucionário inteiramente consciente. Apoderou-
se depressa da arto do trabalho conspirativo, das reuniões ile-
gais, da publicação o distribuição secreta (lo documentos da
oposição. O Komsomol (Organização da Juventude Comunis-
ta) desenvolveu rànidumonto os seus próprios quadros de lí-
deres da oposição."
Mas Trotsky fôra além do trabalho conspirativo dentro
da Rússia Soviética...
No inverno de 1921-1922, o líder trotskista, ex-advogado,
de olhos furtivos o escuros, Nieolai Krostinsky, tornou-se o
embaixador soviético na Alemanha. No decorrer de suas ati-
vidades em Berlim, Krostinsky visitou o General Hans von
Seeckt, comandante da guarda do Reich. Seeckt sabia pelo
seu serviço do informações, quo Krostinsky era trotskista. O
general alemão dou a entender a Krcstinsky que a guarda
do Reich simpatizara com as aspirações da oposição russa
dirigida pelo comissário do Guerra Trotsky.
Em Moscou, poucos meses depois, Krostinsky relatou a
Trotsky o que lhe dissera o General Seeckt. Irotsky pre-
cisava desesperadamente de fundos para financiar a sua cres-
cente organização subterrânea. Comunicou a Krostinsky que
a oposição na Rússia precisava de aliados estrangeiros e devia
estar preparada para unir-se com as potôncias amigas. A Ale-
manha, acrescentou Trotsky, não era inimiga da Rússia, e
não havia probabilidade de um próximo embate entre ambas.
Os alemães estavam fitando o ocidente, num ardente desejo
de révancho contra a França o a Inglaterra. Os políticos de
oposição na Rússia Soviética deviam preparar-se para tirar
proveito dessa situação..
Quando Krestinsky regressou a Berlim em 1922 tinha ins-
truções de Trotsky para 'tirar vantagens de uma entrevista
com Seeckt durante as negociações oficiais a fim de propor
a este que concedesse a Trotsky um subsídio regular para
o desenvolvimento ilegal das atividades trotskistas.
Eis aqui, segundo as próprias palavras de Krestinsky, o
que aconteceu:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 215

"Eu propus a questão a Seeckt e mencionei a im-


portância do 250.000 marcos-ouro. O General Seeckt,
depois do consultar o seu assistente, o chefe do pes-
soal (Haaso) conpordou cm principio o fôz a contra-
proposta pretendendo obter cortas informações impor-
tantes o confidenciais de caráter militar que lhe se-
riam transmitidas, embora não regularmente, por Trots-
ky, cm Moscou, ou por sou intermédio. Acrescentou
quo necessitava de ajuda para obter vistos destinados
à personagens que seriam enviados h União Soviética
como espiões, Lsta contra-proposta do General Seeckt
foi aceita o em 1923 efetuou-se o aeôrdo (51,)

Aos 21 de janeiro de 1924, o criador o líder do Partido


Bolchevique, Vladimir lliteh Lénin, morreu...
Trotsky estava no Cáucaso convalescendo de um vio-
lento ataque do influenza. Não foi a Moscou para os funerais
de Lénin, permanecendo na estação balneária do Sukhura.
"Em Stikhum eu passei longos dias deitado no terraço,
om fronte ao mar", cscrovou Trotsky om Minha Vida. "Em-
bora fôsso janeiro, o sol estava (monto o límpido... Enquan-
to eu me embebia do ar marítimo, assimilava em todo o
mou ser a certeza do minha retidão histórica..."

4. A luta pelo poder


Imediatamente depois da morte de Lénin, Trotsky de-
clarou públicamente o seu desejo do poder. No Congresso
do Partido em maio de 1924, Trotsky pediu que êle, e não
Stálin, fôsse reconhecido como sucessor de Lénin. Contra
o parecer de seus próprios aliados, êle forçou eleitoralmente

(51) As referências e diálogos do livro III, a não ser que se de-


clare o contrário no texto, com referência às atividades secretas dos tro-
tskistas na Rússia, são extraídas do depoimento nos julgamentos realiza-
dos diarite do Colleeium Militar da Suprema Corte da URSS em
Moscou, em agôsto de 1936, janeiro de 1937 e março de 1938. Os
diálogos e incidentes que envolvem diretamente Trotsky e seu filho
Sedov, a não ser que designe o contrário, são extraídos do depoimento
dos acusados nesses julgamentos. Ver as Notas Bibliográficas.
216 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

a questão. Os 748 delegados bolcheviques no Congresso vo-


taram unânimemente pela continuação de Stálin no Secre-
tariado Geral, e a condenação da luta de Trotsky pelo po-
der pessoal. Era tão óbvio o repúdio popular de Trotsky
que até mesmo Bukharin, Zinoviev e Kamenev foram com-
pelidos a cerrar publicamente com a maioria e votar contra
êle. Trotsky acusou-os furiosamente de o estarem "traindo."
Mas poucos meses depois Trotsky e Zinoviev congregaram
novamente as suas fôrças e formaram a "Nova Oposição."
A Nova Oposição foi além de qualquer outra facção
de sua espécie. Apelou públicamente por uma "nova lide-
rança" na Rússia Soviética e reuniu tôda sorte de elementos
descontentes e subversivos em uma campanha de âmbito
nacional e numa luta política contra o govêrno soviético.
Como escreveu o próprio Trotsky: "Na esteira dessa van-
guarda, vinha a cauda de todos os carreiristas insatisfeitos,
mal-aquinhoados e ressentidos." Espiões, sabotadores da Torg-
prom, contra-revolucionários, terroristas, .afluíram todos para as
células da Nova Oposição. As células começaram a arma-
zenar armas. Estava-se estruturando um exército trotskista
secreto no solo soviético.
"Temos que visar muito longe", comunicou Trotsky a
Zinoviev e Kamenev, como êle recorda em Minha \(ida:
"Precisamos preparar-nos para uma luta séria e longa."
' De fora da Rússia, o Capitão Sidney George Reilly, do
serviço secreto britânico, decidiu que era chegado o momen-
to de lutar. O futuro ditador russo e títere britânico, Bóris
Savinkov, foi enviado para a Rússia nesse verão para prepa-
rar o esperado levante contra-revolucionário. Conforme Wins-
ton Churchill, que ajudou pessoalmente essa conspiração to-
mando parte nela, Savinkov estava em comunicação secreta
com Trotsky. Nos Grandes Contemporâneos, Churchill escre-
veu: "Em junho de 1924, Kamenev e Trotsky convidaram
definitivamente Savinkov para voltar."
Nesse mesmo ano, o lugar-tenente de Trotsky, Christian
Rakovsky, veio a ser embaixador soviético na Inglaterra. Ra-
kovsky, que em 1937 Trotsky descrevia como 'meu amigo,
meu velho e genuíno amigo', logo após a sua chegada loi
visitado em Londres por dois oficiais do serviço britânico,
Capitão Armstrong e Capitão Lockhart. O govêrno britânico
a princípio recusara-se a aceitar representante soviético em
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 217

Londres. Segundo Rakovsky, os oficiais britânicos intorma-


ram-no:
"Sabe por que recebeu o seu agrément na Ingla-
terra? Soubemos dè Mr. Eastman que o senhor per-
tence à facção de Trotsky, e que e muito ligado a
êle. E ünicamente ejn consideração a isso o serviço
secreto consentiu em que o senhor fôsse acreditado
embaixador neste país (52.)

Rakovsky regressou a Moscou poucos meses depois. Co-


municou a Trotsky o que acontecera em Londres. O ser-
viço secreto britânico, como o alemão, desejava estabelecer
relações com a oposição.

(52) Essa declaração foi feita por Rokovsky durante seu depoi-
mento perante o Collogium Militar da Suprema Côrte da URSS, em
março de 1938. No período a que se referia Rakovsky no ano de
1920, o autor e jornalista americano Max Eastman era o tradutor oficial
dos trabalhos de Trotsky o dissominador influente da propaganda trotskis-
ta nos E.U.A. Foi Max Eastman quem primeiro publicou o chamado
"Testamento do Lénin" ou "Vontade de Lónin", que sustentou ser um
documento autOntieo escrito por Lénin om 1Ô23 o quo fôra segundo
Eastman, "engavetado" por Stálln. O mencionado "Testamento" declarava
quo Trotsky era mais indicado para secretário gorai do Partido Bolche-
viqtto do quo Stálin. Em 1928, Eastman traduziu um trabalho de pro-
paganda do Trotsky intitulado A situação real na Rússia. No suple-
mento t\ edição traduzida disse livro, Eastman incluiu o toxto do cha-
mado Testamento o escreveu aeôrca do seu papel pessoal na oposição
trotskista: " . . . para auxiliar o esfôrço militante da Oposição... eu
publiquei a seguinte tradução do texto completo do Testamento no
N. Y. Times, utilizando-mo do dinheiro recebido para propaganda
do idéias bolcheviques (i. 6. trotskista),"
O próprio Trotsky admitiu a princípio quo Lónin não deixara ne-
nhum testamento. Em carta ao New York Daily Worker aos 8 de
agôsto de 1925, Trotsky escreveu:
"Quanto ao testamento, Lónin não deixou nada disso, o a verda-
deira natureza do suas relações com o Partido assim como a natureza do
próprio Partido tornavam somelhanto testamento impossível por completo.
"A guisa de testamento, a imprensa menchevique e burguesa emi-
grada vem há muito citando uma das cartas de Lenin (completamente
mutilada) quo contém numerosos pareceres sôbre questões de orga-
nização.
"Tôda referência acêrca dêsse testamento é por conseguinte uma
perversa invenção dirigida contra a vontade real de Lénin e dos inte-
resses do partido que êle fundou."
218 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

"É algo em que pensar" disse Trotsky.


Poucos dias depois, Trotsky comunicou a Rakovsky que
"seriam estabelecidas as relações com o serviço secreto bri-
tânico." (53.)
O Capitão Reilly, preparando o seu derradeiro golpe
contra a Rússia, escrevia a sua espôsa: "Existe al^o de in-
teressante, novo e empolgante acontecendo na Rússia.' O agen-
te de Reilly, o comandante E., oficial consular britânico, re-
latou que tinham sido estabelecidos contactos com o movi-
mento de oposição na Rússia Soviética...
Mas nesse outono, depois do ter ido à Rússia Soviética
para encontrar-se secretamente com os líderes da oposição,
Reilly foi baleado por um guarda-fronteiras soviético.

Mas até hojo os propagandistas trotskistas mencionam o testamento


de Lónin como um documonto autêntico oslnbolecondo Trotsky como
sou sucessor.
(53) Em 1920, Rakovsky íoi tronsforldp do sou pôsto om Londres
para Paris. Êle viu Trotsky em Moscou antes do sua partida para a
França. Trotsky lho disso quo a situação na Rússia so encaminhava
para uma criso o quo ora necessário aproveitar todo recurso possfvol no
estrangeiro. "Eu cheguei a uma conclusão", comunicou Trotsky a Ra-
kovsky, "e é que devemos dar instruções aos nossos aliados no estran-
geiro, aos embaixadores o representantes comerciais, para sondarem os
círculos conservadores nos países capitalistas junto aos quais estão acre-
ditados e verem até onde os trotskistas podem contar com o seu
apoio."
Chegando à França, Rakovsky começou a sondar os círculos rea-
cionários franceses em auxílio da oposição trotskista. A Fronçft era en-
tão o centro da conspiração da Torgprom e o ostado-malor francês
chefiado por Foch o Pótain já ostava considerando projetos de ataque
contra a União Soviética. Posteriormente Rakovsky declarou acêrca das
"negociações que Trotsky mo incumbiu do encaminhar": "Eu me en-
contrei com o Deputado Nicolo cm Roye, Nlcolo é um grande pro-
prietário de fábricas de tecidos do linho no norte, e pertence aos
círculos republicanos de diroita. Eu o interroguei sòbre as oportunidades
e perspectivas que havia para a oposição — se era possível negociar
apoio no meio dos círculos capitalistas franceses agressivamente incli-
nados contra a URSS. Êle replicou: "Ê claro que sim, e isso em
muito mais larga escala do aue você pensa." Mas isso, disse êle,
dependeria principalmente do auas condições. A primeira seria que a
oposição se tornasse com efeito uma fôrça real, e a segunda, saber-se
até onde a oposição faria concessões ao capital francês. A segunda
conversação que tive em Paris foi em 1927, em setembro, com o De-
putado Luís Dreyfus, grande cerealista. Devo dizer que tanto a con-
versação como as conclusões foram análogas às de Nicole."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 219

Poucos meses depois da morte de Reilly, Trotsky ativou


o que êle mais tarde referiu em Minha Vida, a saber: "uma
temperatura misteriosa" que os "módicos de Moscou" eram
"incapazes" do explicar. Trotsky decidiu que era necessário
ir à Alemanha, lim sua* autobiografia óle recorda:
"O assunto de minha vinda ao exterior foi trata-
do no Secretariado* Político, quo declarou considerar
minha viagem como extremamente perigosa, cm vista
da informação que possuía sôbro a situação política
geral, mas deixou a mim a decisão final. A declara-
ção vinha acompanhada do uma nota da OGPU indi-
cando a Jnadmissibilidado do minha viagem, ffi pos-
sível quo o Secretariado Político estivesse também
apreensivo pela minha atuação no exterior para con-
solidar a oposição interior. Apesar de tudo, depois
do consultar meus amigos, docitu ir."

Na Alemanha, conformo a sua própria narração, Trotsky


permaneceu "numa clínica privada cm Berlim", onde foi visi-
tado por Nieoki Kmstósky, elomeato do ligação de Trotsky
com o serviço do informações militar alemão. Enquanto Trotsky
o Krostinsky conferenciavam juntos no disponsario, um "ins-
petor do polícia" alemão, conformo Trotsky, apareceu subita-
mente e anunciou quo a polícia secreta alemã ostava to-
mando medidas extraordinárias para salvaguardar a vida de
Trotsky, visto ter descoberto um compht para assassiná-lo,
Como conseqüência dôsso hábil estratagema do serviço
secreto, Trotsky o Krestinsky fceharam-se com a polícia se-
creta alemã duranto várias horas . . .
Novo aeôrdo foi efetuado nesse verão ontre Trotsky e
o serviço secreto militar alemão. Krostinsky definiu mais tar-
de os tôrmos dôsse aeôrdo:
"Nessa época nós já nos acostumáramos a receber
somas regulares, em moeda corrente... Êsse dinheiro
era encaminhado para o trabalho trotskista que se
desenvolvia no exterior em vários países, para publi-
cidade e outras coisas mais... Em 1928, quando a
luta dos trotskistas estrangeiros contra a liderança do
Partido estava no seu ponto mais alto, tanto em Moscou
220 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

como em tôda parte... Seeckt... apresentou a pro-


posta pela qual a informação de espionagem que lhe
vinha sendo transmitida, não regularmente, mas de
tempos a tempos, deveria assumir agora um caráter
mais regular e, além disso, a organização trotskista
deveria assegurar que no caso de assumir o poder
durante uma possível nova guerra mundial levaria em
conta as justas reivindicações da burguesia alemã, a
saber, múltiplas concessões e a conclusão de vários
tratados.
Depois de ter consultado Trotsky... eu respon-
di ao General Seeckt afirmativamente o nossa infor-
mação passou a ter um caráter mais sistemático, não
apenas esporádico, como vinha tendo antes, Verbal-
mente, fizeram-se promossas com respeito a um futu-
ro pacto do após-guorra.
. . . Continuamos a receber dinheiro. A partir de
1923 a 1930 recebemos anualmento 250.000 mareos-
ouro alemães... ou seja, aproximadamente, um total
de 2.000.000 de marcos-ouro."

De volta a Moscou, após a sua viagem à Alemanha,


Trotsky lançou uma campanha total contra o govêrno sovié-
tico. "Durante 1926, escreve Trotsky em Minha Vida, "a luta
partidária se desenvolveu com incessante intensidade. No ou-
tono a oposição íôz mesmo uma investida aberta nos locais
de comícios partidários." Essas táticas falharam e desperta-
ram grando ressentimento entre os trabalhadores que denun-
ciaram as atividades divisionistas dos trotskistas. "A oposição",
escreveu Trotsky, "foi obrigada a bater cm retirada..."
Com a ameaça da guerra iminente à Rússia, no verão
de 1927, Trotsky renovou seus ataques contra o govêrno so-
viético. Em Moscou, Trotsky declarou públicamente.
"Precisamos restaurar a tática de Clemenceau que,
como é sabido, insurgiu-se contra o govêrno francês
na ocasião em que os alemães estavam a 80 quilô-
metros de Parisi'
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 221

Stálin denunciou a declaração de Trotsky como uma trai-


ção. "Está-se formando algo semelhante a uma frente única
de Chamberlain (54) e Trotsky", disse Stálin.
Mais de uma vez deííberou-se aeêrca da oposição e de
Trotsky. Num referendum geral do todos os membros do
Partido Bolchevique, uma esmagadora maioria de 740.000 vo-
tos contra 4.000 repudiou a oposição trotskista o declarou-se
a favor do govârno de Stálin (55.)
Em Minha "Vida, Trotsky descreve a frenética atividade
que se seguiu i\ sua esmagadora derrota por ocasião do re-
ferendum geral: Organizaram-se comícios secretos em vários
locais do Moscou o Lentogrado, com a assistência do ope-
rários o estudantes do ambos os sexos, rounidôs em grupos
do 20, 100 o 200 para ouvir os representantes da oposição.
No mesmo dia ou tinha quo estar presente a dois, trôs o
ató quatro dôstes comícios... A oposição preparou habilmen-
te um comício monstro na sala da Escola Técnica Suportar,
quo foi litoralmente ocupada. As tentativas do govôrno para
impedir o comício foram ineficazes. Kamenev o ou falamos
côrca de duas horas."
Trotsky vinha preparando-so febrilmente para a próxi-
ma luta decisiva. Polo fim do outubro, seus planos esta-
vam feitos. Efetuar se-ia um levanto aos 7 do novombro do
1Ô27, décimo aniversário da Revolução Bolchoviquo. Os mais
resolutos companheiros do Trotsky, antigos membros da guar-

(54) Austin Chamberlain, Secretário do líxtcrior brílAnlco, violen-


tamente onti-soviétleo, então cm exercício.
(55) 4.000 votos foi a maior íôrça obtida pela oposição cm todo
o curso do sua agitação. A despeito da proscrição das "facções" o
da insistência oficial pela unidado do partido, era assegurada polo
govôrno soviético uma surpreendento liberdade do debato, crítica o
reunião aos oposicionistas trotskistas. Espccialmonto dopois da morto
de Lénin, quando o país entrou num período do criso exterior o do-
méstica, Trotsky podia tirar proveito de sua situação para tentar cons-
truir um movimento de massa na Rússia Soviética cm apoio de sua
facção. A propaganda pública da oposição explorava tôda espécie de
argumento possível contra o regime soviético. A política social e eco-
nômica do .govêrno de Stálin era submetida à crítica constante com
slogans tais como "incompetência administrativa", "burocracia descon-
trolada", "ditadura de um homem e de um partido", "degenerescência
do velho govêrno" e outras coisas assim. Nenhuma tentativa se fêz para
suprimir a agitação de Trotsky enquanto ela não se manifestou aber-
tamente de maneira anti-soviética e ligada a fôrças reacionárias.
222 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

da do Exército Vermelho, deviam encabeçar a insurreição.


Postaram-se destacamentos destinados a tomar os pontos es-
tratégicos do país. A senha para o levante seria uma de-
monstração política contra o govêrno soviético durante a pa-
rada operária em Moscou na manhã de 7 de novembro. Em
Minha Vida, Trotsky afirmou mais tarde:
"O grupo dirigente da oposição enfrentou esse fi-
nal com os olhos bem abertos. Convencemo-nos de
que para transformar nossas idéias em patrimônio co-
mum da nova geração, não o faríamos com diploma-
cia e evasão, mas únicamente por meio de uma luta
aberta que não se esquivasse de nenhuma das con-
seqüências práticas. Defrontamo-nos com a derrota,
confiantes, todavia, em que pavimentávamos o cami-
nho para o triunfo de nossas idéias num futuro mais
distante."

A insurreição de Trotsky morreu quase no nascedouro.


Na manhã de 7 de novembro, quando os trabalhadores mar-
chavam pelas ruas de Moscou, foram atirados folhetos de
propaganda trotskista do alto dos edifícios, anunciando o ad-
vento de um "novo govêrno." Pequenos bandos de trotskistas
irromperam subitamente nas ruas, agitando estandartes e car-
tazés. Escorraçaram-nos os trabalhadores irritados.

De 1924 a 1927, segundo as palavras de Sidney e Beatrice Webb, em


Comunismo Soviético — uma Nova Civilização?, "seguiu-se 0 que pode
mrecer surpreendente para aquôlcs que acreditam que a URSS jaz em
Íamúrias debaixo de uma ditadura peremptória, a saber, três anos de
incessante controvérsia pública. Esta tomou várias formas. Houve re-
petidos debates nos principais órgãos legislativos, tais como o Comitê
Central Executivo (TSIK) do Congresso Geral dos Sovietes e o Comitê
Central do Partido Comunista. Houve discussões acaloradas em muitos
sovietes locais, assim como nos órgãos partidários locais. Houve uma
vasta literatura (oposicionista) de livros e panfletos, não impedida pela
censura e publicada até mesmo nas editôras do Estado, e que atingiu,
segundo alguém bem informado do assunto, a milhares de páginas
impressas." Os Webb acrescentaram que essa publicidade "foi finalmente
autorizada pelo Plenum do Comitê Central do Partido em abril de
1925; outra decisão a ratificou, depois de grande discussão, na XIV
e na XV Conferências do Partido em outubro de 1926 e dezembro de
1927" e "depois de tais decisões Trotsky persistiu em sua agitação pro-
curando suscitar resistência; essa conduta tornou-se abertamente facciosa."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 223

As autoridades soviéticas agiram prontamente. Muralov,


Smirnov, Mrachkovsky, Dreitzer e outros antigos membros da
guarda militar de Trotsky foram imediatamente apanhados.
Kamenev e Pyatakov foram presos em Moscou. Os agentes
do govêrno deram busca nas tipografias secretas dos trots-
kistas e nos depósitos de armas. Zinoviev e Radek foram
presos em Leningrado, para onde tinham ido organizar um
Putsch que deveria estalar no mesmo dia. Um dos compa-
nheiros de Trotsky, o diplomata Joffe, que fôra embaixador
no Japão, suicidou-se. Em muitos lugares os trotskistas fo-
ram presos em companhia de antigos oficiais brancos, terro-
ristas social-revolucionários e agentes estrangeiros...
Trotsky foi expulso do Partido Bolchevique e exilado.

5. Alma Ata
Trotsky foi exilado para Alma Ata, capital da República
Soviética de Kazakh, na Sibéria, perto da fronteira da China.
Foi-lhe concedida uma casa para êle, sua espôsa e seu filho,
Sedov. Trotsky foi tratado benignamente pelo govêrno sovié-
tico, que ignorava o escopo real e a significação de sua cons-
{ffrata. Foi-lhe permitido reter alguns de seus guardas pessoais,
inclusive o antigo oficial do Exército Vermelho, Ephraim
Dreitzer. Foi autorizado a receber e enviar correspondência
pessoal, a ter a sua própria biblioteca e "arquivos" confiden-
ciais e a receber visitas de tempos a tempos de seus ami-
gos e admiradores.
Mas o exílio de Trotsky de modo algum pôs têrmo às
suas atividades conspirativas...
Aos 27 de novembro de 1927, o mais sutil de todos
os estrategistas trotskistas, o agente alemão e diplomata Ni-
colai Krestinsky, escreve uma carta confidencial a Trotsky,
na qual estabelecia a estratégia a ser seguida pelos conspi-
radores comunistas nos próximos anos. Era absurdo, escre-
via Krestinsky, para a oposição trotskista, continuar sua agi-
tação aberta contra o govêrno soviético. Ao invés disso, os
trotskistas deviam retornar ao Partido, assegurar posições-cha-
ve no govêrno soviético e continuar lutando pelo poder de
224 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

dentro do próprio govêrno. Os trotskistas, escreveu Krestinsky,


devem procurar "lentamente, gradualmente, e com trabalho
persistente dentro do Partido restaurar e reaver a confiança
perdida no meio das massas e a influência sôbre elas."
A sutil estratégia de Krestinsky agradou a Trotsky. De-
pressa baixou instruções, como revelou depois Krestinsky, aos
companheiros presos e exilados para que "voltassem ao Par-
tido , "continuassem suas atividades em segrêdo" e "ocupas-
sem os postos de responsabilidade mais ou menos indepen-
dentes." Pyatakov, Radek, Zinoviev, Kamenev e outros opo-
sicionistas exilados passaram a acusar Trotsky, proclamando
o "êrro trágico" de sua oposição passada o pleitearam sua
readmissão no Partido Bolchevique.
A casa de Trotsky em Alma Ata passou a ser o centro
de intensa intriga anti-soviética. "A vida ideológica da opo-
sição fervia como um caldeirão", escreveu Trotsky mais tarde
no panfleto Leon Sedov: Fílho-Amigo-Luiadar. Do Alma Ata,
Trotsky dirigia uma propaganda clandestina do âmbito na-
cional e a campanha subversiva contra o regime sovié-
tico (56.)
(56) Na ausência do Trotsky, a responsabilidade do direção das
fôrças remanescentes da oposição passaram temporariamente para as
mãos de Nicolai Bulcharin que, discordando da direção de Trotsky,
astutamento so recusara a tomar parto no desastrado putsch. Bukha-
rin chegara a considerar-se a si mesmo, o não a Trotsky, como o líder
fiel e o teórico da oposição. Na "Escola Marxista" especializada que
dirigia em Moscou, Bulcharin coreora-se de um grupo do "quadros",
como êle os chamava, recrutados entre jovens estudontcs. Bukharin trei-
nou numerosos dêsses estudantes na técnica da conspiração. Ele estava
ainda em estreita ligação com membros da intclÜgontsia técnica que
se aliara ao Partido Industrial. Prèviamente, Bukharin se denominara
a si mesmo "comunista da esquerda"; agora, depois da queda de
Trotsky, começara a formular princípios do que seria mais tarde de-
nominado públicamente a oposição de direita.
Buhkarin acreditava que Trotsky agira precipitadamente e que seu
fracasso fôra devido, sobretudo, ao fato de êle não atuar em unís-
sono com as outras fôrças anti-soviéticas que operavam no país. A
isso Bukharin propunha-se remediar com a sua oposição de direita.
Em seguida à proscrição dos trotskistas, o primeiro Plano Qüinqüenal
estava para se efetuar em larga escala. O país enfrentava dificuldades
e tensões extremas. Juntamente com o funcionário público Alexei Rykov,
e o líder sindical M. Tomsky, Bukharin organizou a oposição da direita
dentro do Partido Bolchevique em cooperação secreta com os agentes,
da Torgprom e os mencheviques. A oposição de direita era baseada
na franca oposição ao Plano Qüinqüenal. Por detrás dos bastidores
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 225

O filho de Trotsky, Leon Sedov, assumiu a direção do


sistema de comunicação secreta pelo qual Trotsky se man-
tinha em contacto com seus próprios companheiros e outros
oposicionistas do país. Çom pouco mais de 20 anos, pos-
suidor de grande energia nervosa, experimentado e hábil cons-
pirador, Sedov combinava um feroz apôgo às aspirações da
oposição com um contínuo"© amargo ressentimento contra a
atitude egoísta e ditatorial de seu pai. Em Leon Sedov:
Filho-Amígo-Lutador, Trotsky revelou o papel importante de-
sempenhado por seu filho na supervisão do sistema de comu-
nicação secreta do Alma Ata:
"No inverno de 1927... Leon completara seus
22 anos... Seu trabalho em Alma Ata, durante êsse
ano, foi realmente incomparável. Nós o chamávamos
o nosso ministro de Negócios Exteriores, ministro de
Polícia e ministro de Comunicações. E para desem-
penhar tôdas essas funções êle tinha de confiar numa
organização ilegal."

Bukharin formulava o seu programa real em oncontros conspirativos com


os representantes do Trotsky, o com agentes do outras organizações
subterrâneas.
• "Se o meu programa devesse ser formulado", declarou Bukharin
mais tardo "seria na esfera econômica, capitalismo do Estado, prospe-
ridade individual do mujiqtío, reunião das granjas coletivas, concessões
aos estrangeiros, abolição do monopólio do comércio exterior, o como
resultado a — restauração do capitalismo no país... Dentro do pois, nosso
programa seria o bloco com os moneheviques, social-revolucionários e
outros quo tais... Uma cscorrcgadura... no sentido político para onde
indubitàvolmente figuravam elementos do czarismo... elementos do
fascismo."
A nova linha política" do Bukharin para a oposição atraiu um
séquito do oficiais carreiristas altamonto colocados na Rússia Soviética,
que não tinham fé no sucesso do Plano Qüinqüenal. Os lídores das or-
ganizações de kulaks, quo resistiam ferozmente ll eoletivização do campo,
forneceram à oposição do direita de Bukharin os elementos de massa
fundamentais que Trotsky tinha procurado em vão. Trotsky a prin-
cípio ressentiu-se com a liderança do movimento iniciada por Bukharin;
mas depois de "um breve período de rivalidades e de rixas mesmo,
reconciliarám-se. A fase pública e 'legal" da oposição de direita per-
durou até novembro de 1929, quando um pleno do Comitê Central do
Partido Bolchevique declarou que a propaganda das doutrinas das di-
reitas era incompatível com a condição de membro do Partido. Bukha-
rin. Pyatakov e Tomsky foram destituídos de suas posições oficiais.
226 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Sedov servia de elemento de ligação com os estafêtas


secretos que traziam mensagens a Alma Ata e levavam de
volta as "diretrizes" de Trotsky:
"Às vezes chegavam de Moscou portadores espe-
ciais. Não era coisa simples o entendimento com
eles. As ligações exteriores eram inteiramente con-
fiadas a Leon. Êle tinha de sair de casa em noite
chuvosa ou quando a neve caía pesadamente, iludindo
a vigilância dos espiões. Tinha de ocultar-se duran-
te o dia para encontrar um cstafêta numa casa de
banhos ou no meio da espessura das searas nos limi-
tes da cidade, ou no mercado oriental, lugar onde
os Kirghiss burburinhavam com sous cavalos, Durros e
mercadorias. E do cada vez regressava contente, com
um brilho de conquista nos olhos o uma carga pre-
ciosa debaixo da roupa."

Quase "100 itens por somana" de caráter secreto passa-


vam pelas mãos do Sedov. Alóm disso, grandes quantida-
des de material de propaganda e correspondência pessoal
eram enviados por Trotsky do Alma Ata. Muitas das cartas
continham "diretrizes" para seus companheiros, assim como
propaganda anti-soviética, "Entro abril e outubro (1928)"," ga-
bava-se Trotsky, "nós recebemos aproximadamente 1.000 car-
tas políticas, documentos o cêrca do 700 telegramas. No
mesmo período .nós expedimos 300 telegramas e não menos
de 800 cartas políticas..."
Em dezembro do 1928, um representante do governo
soviético chegou em visita a Trotsky em Alma Ata, e comu-
nicou-lhe segundo êste refere em Minha Vida: "O trabalho
de vossos simpatizantes no país assumiu últimamente um ca-
ráter claramente contra-revolucionário. As condições em que
estais em Alma Ata dão-vos inteira oportunidade de diri-
gir esses trabalhos..." O govêrno soviético desejava obter de
Trotsky uma promessa de não prosseguir a sua atividade
sediciosa. Sem o que, seria constrangido a tomar medidas
severas contra êle como traidor. Trotsky recusou-se a ouvir
a admoestação. Seu caso foi discutido e decidido em Moscou
pela OGPU em 18 de janeiro de 1929, da forma seguinte:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 227

"Considerado: o caso do cidadão Trotsky, Lev Da-


vidovitch, sob o artigo 5810 do Código Criminal, acu-
sado de atividade contra-revolucionária expressa na or-
ganização de um, partido ilegal anti-soviético, ativi-
dade essa dirigida posteriormente em atos de provo-
cação contra os Sovietes e na preparação de um le-
vante armado contra o poder soviético.
Resolvido-. deportar o cidadão Trotsky, Lev Davi-
dovitch, do território da URSS."

Na manhã de 22 de janeiro de 1920, Trotsky foi for-


malmente deportado da União Soviética.
Era o comfiço da fase mais extraordinária da carreira
de Leon Trotsky.
"Exílio geralmente significa eclipse. Foi uma exceção o
caso de Trotsky", devia escrever mais tarde Isaac F. Mar-
cosson em Anás Turbulentos: "Besouro humano quando ainda
dentro dos confins soviéticos, sua ferroada deveria tornar-se
muito menos eficaz a milhares de milhas de distância. Mas
na stxa atividade remota tornou-se Êle o inimigo número um
da Rússia. Napoleão teve uma Santa Helena, onde acabou
a sua carreira do perturbador europeu. Trotsky teve cinco
Santas Helenas. Ciada uma delas foi um ninho de intriga.
Mestre da propaganda, Êle passou a viver numa atmosfera
fantástica de conspiração nacional e internacional, como numa
trama misteriosa de E. Phillips Opponhcim."
CAPITULO XVI

GÊNESE DE UMA QUINTA-COLUNA

1. Trotsky em Elba
Aos 13 de fevereiro de 1929, Leon Trotsky chegou a
Constantinopla. Não chegou como um exilado político de-
sacreditado. Chegou como um potentado em visita. Man-
chetes na imprensa mundial relutaram o acontecimento. Cor-
respondentes ostrongolros esporaram paru saudar a lancha es-
pecial que o levou ao caís. Passando por Aios, Trotsky diri-
giu-se a um automóvel quo o esporava guiado por um de
seus guardas pessoais e foi conduzido dali para os seus apar-
tamentos na cidade preparados do antemão.
Houve uma tempestade política na Turqxiia. Intérpretes
pró-soviéticos pediram a expulsão do Trotsky; intérpretes anti-
soviéticos saudaram-no como inimigo do regime soviético. O
govêrno turco parecia indeciso. Houve rumores de pressão
diplomática para conservar Trotsky na Turquia próximo às
fronteiras soviéticas. Finalmente ehegou-sc a um compromis-
so: Trotsky permaneceria na Turquia mas não na Turquia.
O "Napoleão Vermelho" obteve um asilo na ilha turca de
Prinkipo. Trotsky, sua espôsa e filho e alguns de seus guar-
da-costas partiram poucas semanas depois...
Em Prinkipo a ilha pitoresca do Mar Negro com que
Woodrow Wilson sonhara para reunir uma conferência de
paz aliado-soviética, o exilado Trotsky estabeleceu seu novo
Q. G. político com seu filho Leon Sedov, seu principal aju-
dante e vice-comandante. "Em Prinkipo, entretanto, forma-
ra-se um novo grupo de jovens cooperadores de diferentes
países em íntima colaboração com meu filho" escreveu Trots-
ky mais tarde. Uma estranha e frenética atmosfera de mis-
230 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

tério e de intriga circundava a pequena casa em que vivia


Trotsky. A casa era exteriormente guardada por cães e
guardas armados. Dentro a casa enxameava de aventureiros
radicais da Rússia, Alemanha, Espanha e outros países que
vinham encontrar-se com Trotsky em Prinkipo. file os cha-
mava seus "secretários." Formavam uma como nova guarda
de Trotsky. Era uma caudal constante de visitantes na casa:
propagandistas anti-soviéticos, políticos, jornalistas e admira-
dores do heróico exilado e futuros "revolucionários mundiais."
Os guarda-costas permaneciam fora da porta da biblioteca
de Trotsky enquanto êle mantinha conferências privadas com
renegados dos movimentos internacionais comunistas ou socia-
listas. De tempo a tempo suas visitas segredavam coisas. Agen-
tes dos serviços secretos e outras pessoas misteriosas vinham
para entendimento com Trotsky.
A princípio o chefe da guarda armada de Trotsky em
Prinkipo foi Blumkin, o assassino social-revolucionário que se-
guira Trotsky com devoção canina até ao comêço de 1920.
Posteriormente em 1930, Trotsky mandou-o de volta à Rússia
Soviética em missão especial. Blumkin foi apanhado pela
polícia soviética e julgado culpado de contrabandear armas
e propaganda anti-soviética na URSS e foi fuzilado. Depois
a guarda de Trotsky foi comandada por um francês Ray-
mond Molinier e por um americano Sheldon Harte.
Cuidadosamente Trotsky procurou manter a sua reputa-
ção de "grande revolucionário no exílio temporário. Êle ti-
nha então 50 anos. Seu busto rechonchudo e ligeiramente
recurvo ia tornando-se volumoso e flácido. Sua famosa cabe-
leira preta e sua barbicha em ponta tornaram-se grisalhas.
Mas os seus movimentos ainda eram rápidos e impacientes.
Seus olhos escuros atrás do inveterado pince-nez que brilhava
em seu nariz afilado davam à sua feição sombria e móvel
uma expressão de peculiar malevolência. Vários observadores
sentiram repulsa ante a sua fisionomia mefistofélica. Outros
encontravam na sua voz e nos seus olhos uma fascinação
quase hipnótica.
Trotsky não perdeu ensejo de firmar a sua reputação
fora da Rússia Soviética. Êle gostava de citar as palavras
do anarquista francês, Proudhon: "Destino.;— rio-me de ti;
e quanto aos homens são demasiado ignorantes, demasiado
escravos para me aborrecer com êles." Mas antes de entre-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 231

vistar-se com personagens importantes, Trotsky ensaiava


cuidadosamente o seu papel e estudava até atitudes ade-
quadas em frente ao espelho do seu quarto. Jornalistas que
visitavam Prinkipo tinham de submeter os seus artigos à apre-
ciação de Trotsky antes do serem publicados. Em conver-
sação, Trotsky porejava a sua intérmina efusão de asserções
dogmáticas o invectivas anjti-soviéticas, marcando cada sen-
tença e atitude com a intensidade teatral de um orador de
massas.
O escritor liberal alcmílo, Emil Ludwig, entrovistou-o logo
após a sua instalação em Prinkipo. Trotsky estava otimista.
Á Rússia estava diante de uma crise, disso êle: O Plano Qüin-
qüenal fôra um fracasso; haveria closemprêgo débaolo 'eco-
nômica o Industrial; o programa do coletivização na agricul-
tura tinha falhado; Stálin estava conduzindo o país para
uma catástrofe; a oposiçfto crescia...
— Quantos sito os vossos companheiros na Rússia? — per-
guntou Ludwig,
Trotsky tornou-se síibitament© cauteloso. Agitou a inflo
gorducha, branca o polida. "É difícil calcular. Siui gento
estava "dispersa", disse 61o a Ludwig, trabalhando ilegal e
"subtorrâneamente"
— Quando esperais voltar novamente à açíio?
Ao que Trotsky depois de alguma consideração repli-
cou: — Quando se apresentar alguma oportunidade do exte-
rior. Talvez uma guerra ou uma nova Intervenção européia
— quando a debilidade do govôrno atuar como um ostímuloi —
Winston Ghurchill ainda apaixonadamente interessado em
tôda fase da campanha anti-soviética mundial, fôz um estudo
especial do exilado de Prinkipo. "Jamais gostei do Trotsky"
declarou Churchill em 1944. Mas sua audácia conspirativa,
seus talentos oratórios e energia demoníaca agradavam ao
temperamento aventureiro de Churchill. Resumindo os intui-
tos gerais da conspiração internacional de Trotsky desde que
deixara o solo soviético, Churchill escreveu em Grandes Con-
temporâneos:
"Trotsky empenha-se em congregar o mundo sub-
terrâneo europeu para derribar o Exército Russo."
232 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Por essa época ainda o correspondente americano, John


Gunther visitou o Q. G. de Trotsky em Prinkipo. Falou
com Trotsky e numerosos dos seus correligionários russos e
europeus. Para surprêsa de Gunther, Trotsky não se com-
portava como um exilado derrotado. Comportava-se mais
como um monarca ou um ditador no govôrno. Gunther pen-
sou em Napoleão em Elba — pouco antes do dramático
regresso e dos Cem Dias. E escreveu:
"O movimento de Trotsky cresceu na maior parte
da Europa. Em cada país existe um núcleo de agi-
tadores trotskistas. Êles recebem ordens diretas de
Prinkipo. Há uma espécie de comunicação entre os
vários grupos por intermédio de suas publicações e
manifestos mas muito especialmente por meio de car-
tas particulares. Os vários comitês centrais estão ligados
a um Q. G. internacional em Berlim."

Gunther tentou levar Trotsky a falar de sua IV Inter-


nacional, sôbre o que êle pretendia e que fizera a êsse respeito.
Trotsky foi reservado nesse assunto. Num momento expan-
sivo mostrou a Gunther numerosos "livros ocos" nos quais
costumava esconder e transportar documentos secretos. Depois
louvou as atividades de Ádreas Nin na Espanha (57.)
Êle tinha ainda companheiros e simpatizantes influentes
nos E.UA. Falou de células trotskistas que vinham sendo
fundadas na França, Noruega e Tcheco-Eslováquia. Suas ativi-
dades, comunicou Gunther, eram "semi-secretas."
Gunther escreveu que Trotsky "perdera a Rússia ao me- •
nos por algum tempo. Ninguém sabe se a reconquistará em •
dez ou vinte anos. O principal anelo de Trotsky era "man-
ter sua organização e esperar a queda de Stálin na Rússia
e enquanto isso empregar tôda energia possível para aper-
feiçoa-la no estrangeiro.
Só "uma coisa", concluía Gunther, poderia permitir a
volta de Trotsky à Rússia. Essa coisa era a morte de Stálin.
De Prinkipo, durante 1930-1931, Trotsky lançou uma
extraordinária campanha de propaganda anti^soviética que pe-

(57) Ver adiante as ligações posteriores de Nin com a quinta-


-coluna fascista na Espanha.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 233

netrou em todos os países. Era uma propaganda de tipo


inteiramente novo, infinitamente mais sutil e desconcertante
do que outra qualquer antes dirigida pelos cruzados anti-
bolcheviques.
Os tempos tinham mudado. Depois da grande guerra,
o mundo inteiro se tomara revolucionário, visto que não de-
sejava a volta aos atalhos do passado que tinham acarre-
tado tanta miséria e sofrimento. A contra-revolução incipi-
ente do fascismo na Itália, fora efetivamente promovida por
seu fundador ex-socialista, Benito Mussolini, como a "Revo-
lução Italiana." Na Alemanha, os nazistas conquistavam o
apoio das massas, não só pela sua bandeira antíb olchevique,
mas também apresentando-se aos trabalhadores e campone-
ses alemães como nacional-socialistas. Já em 1930, Trotsky
assenhoreara-se do processo de propaganda que Lênin deno-
minara slogans ultra-revolucionários que nada lhe custam."
Agora, em escala mundial, Trotsky passou a desenvol-
ver a técnica de propaganda que êle empregara originariamente
contra Lênin e o Partido Bolchevique. Em inúmeros arti-
gos, livros, panfletos e alocuções ultra-esquerdistas e de tona-
lidade radical, Trotsky começou a atacai o regime soviético
e fazer apelos para a sua violenta derrocada* — não por ser
revolucionário êsse regime, mas por ser, como êle acentua-
va, "contra-revolucionário" e "reacionário."
Da noite para o dia, muitos dos antigos cruzados anti-
bolcheviques abandonaram sua antiga linha de propaganda
pró-czarista e abertamente contra-revolucionáiia, adotando a
nova bandeira, marcadamente trotskista, de ataque à revo-
lução russa "pela esquerda." Xos anos seguintes, até mesmo
Lord Rothermere ou William Randolph Hearst passaram a
acusar José Stalin de "traidor da Revolução."
O primeiro e maior trabalho da propaganda de Trotsky
para introduzir essa nova 1 infra anti-soviética de contra-revo-
lução internacional foi a sua autobiografia melodramática e
semifictícia intitulada Minha Vida. Publicada a princípio
numa série de artigos anti-soviéticos de Trotsky em jornais
europeus e americanos, seu intuito como livro era vilipendiar
Stálin e a União Soviética, aumentar o prestígio do movi-
mento trotskista e arvorar o mito de Trotsky como "revo-
lucionário universal." Trotsky pintou-se a si próprio em Minha.
234 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Vida como o real inspirador e organizador da revolução russa,


eliminado de seu devido lugar de líder russo por adversários
"dolosos", "medíocres" e "asiáticos."
Agentes e publicistas anti-sovióticos imediatamente alça-
ram às nuvens o livro de Trotsky, apresentando-o como best-
seller mundial em que se relatava a "história íntima" da
revoluçtío russa.
Adolfo Hitler leu a autobiografia de Trotsky logo de-
pois de publicada. O biógrafo de Hitler, Konrad Heiden,
relata em Der Fuehrer como o líder nazista surpreendeu um
círculo de amigos seus em 1930, inflamando-se em louvores
extáticos ao livro de Trotsky. "Brilhante!" exclamou Hitler,
mostrando aos seus companheiros a Minha Vida de Trotsky.
"Aprendi muita coisa neste livro, e vocês podem fazer o
mesmo I"
O livro de Trotsky tornou-se ràpidamente um livro de
consulta dos serviços secretos anti-soviéticos. Foi aceito como
guia básico de propaganda contra o regime. A polícia se-
creta japonêsa fêz dêíe a leitura compulsória dos comunistas
japonêses e chineses presos, num esforço para abatê-los mo-
ralmente e convencê-los de que a Rússia Soviética traíra a
revolução chinesa e a causa pela qual êles vinham lutando.
A Gestapo fêz uso idêntico do livro...
Minha Vida foi apenas o tiro inicial da prodigiosa cam-
panha de propaganda anti-soviética de Trotsky. Seguiram-se
A 'Revolução Traída, A Economia Soviética em Perigo, O
Fracasso do Plano Qüinqüenal, Stálin e a Revolução Chinesa,
A Escola de Falsificação de Stálin, e inúmeros outros pan-
fletos e artigos, muitos dos quais apareceram a princípio
sob espalhafatosas manchetes nos jornais reacionários na Eu-
ropa e na América. O bureau de Trotsky supriu a imprensa
anti-soviética mundial com uma torrente ininterrupta de "re-
velações", "exposições" e "Estórias íntimas" acêrca da Rússia.
Para consumo interno da União Soviética, Trotsky publi-
cou seu Boletim oficial da Oposição. Impresso no estrangei-
ro, a princípio na Turquia, depois na Alemanha, França, No-
ruega e outros países, o Boletim não se destinava a atingir
as massas soviéticas. Destinava-se aos diplomatas, funcioná-
rios de Estado, militares e intelectuais que tinham antes
acompanhado Trotsky ou pareciam ter sido influenciados por
êle. O Boletim continha também diretrizes para o trabalho
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 235

de propaganda dos trotskistas tanto dentro da Rússia como


no exterior. Incessantemente, o Boletim carregava o quadro
do futuro desastre do regime soviético, predizendo crises
industriais, guerra civil reiniciada, e o colapso do Exército
Vermelho ante o primeiro ataque de fora. O Boletim se
utilizava hàbilmente das dúvidas e ansiedades que desper-
tavam nos elementos instáveis, confusos e insatisfeitos, as ex-
tremas tensões e dificuldades do período de construção. O
Boletim apelava abertamente para tais elementos para que
se insurgissem e praticassem atos de violência contra o go-
vêrno soviético.
Eis alguns exemplos típicos da propaganda anti-soviética
e apelos à derrocada violenta do regime soviético que Trotsky
divulgou à larga pelo mundo nos anos que se seguiram a
sua expulsão da URSS;
"A poli (leu do uhiul governo, o pequeno grupo de
Stíilln» está dirigindo o puto a tôdn velocidade, it peri-
gosas (tInom e colapso,'j. Cíirla aos membros do
Partido CoitHihfNtu da Utiíuo Soviética, março do 1930.
A crise iminente da economia soviética, a lenda açu-
carada (de quo lie pode edificar o socialismo em um
só país) e, niío tenho ray.iío pura duvidar, disseminará
muita morto... As ftmçocs da economia (soviética)
sem reservas materiais e sem cálculo... a burocracia
descontrolada ligaram o seu prestígio ao subseqüente
acúmulo de erros... uma crlso está iminente (na União
Soviética) com uma comitiva do conseqüências tais
como o fechamento forçado do emprêsas e o desem-
prego. — Economia soviética em perigo, 1932.
O primeiro embato social, externo ou interno, ar-
remessará numa guerra civil a sociedade soviética es-
tilhaçada. — A União Soviética e a IV Internacio-
nal, 1933.
Seria infantil pensar que a burocracia de Stálin
pode ser removida por meio de um congresso dos
sovietes ou do Partido. Não há meios normais, cons-
titucionais para renovação da clique que governa...
Êles só podem ser compelidos a entregar o poder
à vanguarda proletária pela FÔRÇA — Boletim da
Oposição, outubro de 1933.
236 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

As crises políticas convergem para a crise geral


que está avançando. O assassínio de Kirov, 1935.
Dentro do Partido, Stálin colocou-se acima de tô-
da crítica e do Estado. Ê impossível deslocá-lo, a
não sor pelo assassínio. Todo oposicionista torna-se,
ipso facto, um terrorista. — Declaração de uma en-
trevista com o New York Evening Journal de William
Randolph Hearst, 26 de janeiro de 1937.
Podemos esperar que a União Soviética saia da
próxima grande guerra sem derrota? A essa questão
colocada francamente, respondemos francamente: Se
a guerra fôr apenas uma guerra, a derrota da União
Soviética será inevitável. Num sentido técnico, eco-
nômico e militar, o imperialismo é incomparàvelmente
mais forte. Se não fôr paralisado pela revolução no
Ocidente, o imperialismo varrerá o presente regime.
— Artigo no American Mercury, março de 1937.
A derrota da União Soviética é inevitável no caso
da nova guerra não provocar uma nova revolução...
Se admitirmos teòricamente guerra sem revolução, en-
tão a derrota da União Soviética é inevitável. — De-
poimento em tribunal no México, abril de 1937."

2. "Rendez-vous" em Berlim
Desde o momento em que Trotsky deixou o solo sovié-
tico, os agentes dos serviços secretos estrangeiros movimenta-
ram-se ansiosos por tomarem contacto com ele e utilizarem-se
de sua organização anti-soviética internacional. A Defensiva
polonesa; a Ovra fascista italiana; o serviço secreto finlandês,
os emigrados russo-hmncos que dirigiam os serviços secretos
anti-soviéticos na RunDnia, Iugoslávia e Hungria, e elementos
reacionários como o serviço secreto britânico e o Deuxieme
Bureau francês prepararam-se para entendimentos com o
"Inimigo Público Número Um da Rússia." Havia fundos, as-
sistentes, uma rede de serviços de espionagem e de correio
à disposição de Trotsky para manter e estender suas ativi-
dades de propaganda anti-soviética internacional e para apoiar
a reorganização de seu aparelho conspirativo dentro da Rússia
Soviética.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 237

O mais importante de tudo isso eia a crescente intimi-


dade de Trotsky com o serviço secreto militar alemão (Sec-
ção 1 1 1 B) que, sob o amando do Coronel Walther Ni-
colai, já estava colaborando com a promissora Gestapo de
Heinrich Himmler.
Até 1930, o agente de Trotsky, Kxestmsky, recebera apro-
ximadamente 2.000.000 de marcos-ouro da Guarda do Reich
Alemão para financiar'atividades trotskistas na Rússia Sovié-
tica,. em troca de dados de espionagem entregues ao serviço
secreto müitar alemão pelos trotskistas. Krestinsky revelou
mais tarde:
De 1923 a 1930 recebemos anualmente 250.0000
marcos-ouro alemães, aproximadamente 2.000.000 de
marcos-ouro. Até ao fim de 1927 as condições dêsse
acordo foram encaminhadas' várias vêzes em Moscou.
Depois disso, do fim de 1927 ao fim de 1928, no
decurso de cêrca de dez meses, houve uma interrup-
ção na remessa dêsse dinheiro, pelo fato de o trotskismo
ter sido desmantelado, fitando eu isolado, sem saber
dos projetos de Trotsky e sem receber informações
ou instruções dèle... Isto continuou até outubro de
1928, quando recebi moa carta de Trotsky, que nessa
ocasião estava exilado em Alma A t a . . . Essa carta
continha instruções para que eu recebesse o dinheiro
dos alemães, que êle propunha fôsse entregue a Mas-
low ou aos seus amigos franceses, isto é, Roemer, Ma-
deline Paz e outros. Entrei em contacto com o Ge-
neral Seeckt Nessa ocasião êle resignara e ainda
não ocupava nenhum posto. Prontificou-se a falar
sôbre o caso com Hammerstein e obter o dinheiro!
Obteve-o. Hammerstein era nesse tempo o chefe do
estado-maior da guarda do Reich, e em 1930 foi pro-
movido a coma nrlan te-geraL"

F.m 1930 Krestínsky foi designado como comissário-assis-


tente do Ministério do Exterior e transferido de Berlim pa-
ra Moscou. Sua remoção da Alemanha, juntamente com a
crise interna que se ia operando dentro da guarda do Reich
como resultado do crescente poder do nazismo, detiveram
238 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

novamente a caudal de dinheiro alemão para Trotsky. Mas


êste já estava para entrar em novo e mais extenso acôrdo
com o serviço secreto alemão.
Em fevereiro do 1931, o filho de Trotsky, Leon Sedov,
alugou um apartamento em Berlim. Do conformidade com
o seu passaporte, Sedov era um "estudante" na Alemanha;
aparentemente tinha chegado a Berlim para freqüentar um
"instituto científico alemão." Mas havia razões mais urgen-
tes para a presença de Sedov na capital alemã naquele ano . . .
Poucos meses antes, Trotsky tinha escrito um folheto in-
titulado Alemanha: A Chave da Situação Internacional. Cento
e sete deputados nazistas tinham sido eleitos para o Reichstag.
O Partido Nazista recebera 6.400.000 votos. Quando Sedov
chegou a Berlim, havia um sentimento de expectativa e ten-
são febril na capital germânica. Milícias de camisas-pardas
cantando o "Horst Wessel", desfilavam pelas ruas de Berlim,
assaltavam lojas de judeus e davam oatidas nas casas e
clubes de liberais e trabalhadores. Os nazistas estavam con-
fiantes. "Nunca em minha vida estive tão bem disposto, des-
preocupado e contente como naqueles dias" escreveu Adolfo
Hitler nas páginas do Voelkischer Beobachter.
Oficialmente, a Alemanha ainda era uma democracia.
O comércio entre a Alemanha e a Rússia Soviética estava
no seu ponto alto. O governo soviético estava comprando
maquinaria de firmas alemãs. Técnicos alemães vinham de-
sempenhando tarefas importantes nos projetos soviéticos de
mineração e eletrificação. Engenheiros soviéticos visitavam a
Alemanha. Representantes comerciais soviéticos, negociantes
e agentes comerciais viajavam continuamente entre Moscou
e Berlim em tarefas ligadas com o Plano Qüinqüenal. Alguns
dêsses cidadãos soviéticos eram companheiros ou antigos dis-
cípulos de Trotsky.
Sedov estava em Berlim como representante do pai, em
missão conspirativa. V>
"Leon estava sempre à espreita", escreveu Trotsky mais
tarde em seu folheto Leon Sedov: Filho-Amigo-Lutaãor, "pro-
curando àvidamente fios de contacto com a Rússia, à caça
de turistas que regressavam, de estudantes comissionados no
exterior, ou de funcionários simpatizantes nas representações
estrangeiras." A principal tarefa de Sedov em Berlim era
entrar em contacto com os antigos membros da oposição, co-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 239

municar-lhes as instruções de Trotsky, ou coligir mensagens


importantes para seu pai "A fim de evitar comprometer
seus informantes" e "para evadir aos espiões da OGPU", es-
creveu Trotsky, "Sedov perdia horas a fio nas roas de Berlim."
Numerosos e importantes trotskistas tinham conseguido
obter postos na Comissão de Comércio Exterior Soviético.
Entre eles havia Ivan N. Smimov, outrora oficial do Exér-
cito Vermelho e antigo membro dirigente da guarda de
Trotsky. Depois de um curto período no exílio, Smimov
seguira a estratégia dos demais trotskistas, denunciando Trots-
ky e solicitando a sua readmissão no Partido Bolchevique.
Como engenheiro profissional, Smimov obteve logo um posto
subalterno na indústria de transporte. No começo de 1931
Smimov foi indicado como engeaheiro-consultor de uma mis-
são comercial que estava para seguir para Berlim.
Logo após a sua chegada em Berlim, Ivan Smimov to-
mou contacto com Leon Sedov. Em reuniões clandestinas
no apartamento de Sedov e nas cervejarias e cafés subur-
banos distantes da cidade, Smimov soube dos planos de
Trotsky para a reorganização da oposição secreta em cola-
boração com agentes do serviço secreto alemão.
Daí em diante, comunicou Sedov a Smimov, a luta
contra o regime soviético devia assumir o caráter de uma
ofensiva total. As antigas rivalidades e divergências políticas
entre os trotskistas, bukharinistas, zinovievistas, mencheviques,
social-revolucionários e outros grupos e facções anti-soviéticas
deveriam ser esquecidas. Era preciso formar-se uma oposição
única. Em segundo lugar, a luta assumiria Haí por diante
um caráter militante. Devia inieiar-se uma campanha na-
cional de terrorismo e sabotagem contra o regime soviético.
Essa campanha tinha de ser elaborada com todos os seus
pormenores. Por meio de golpes amplos e cuidadosamente
sincronizados a oposição se habilitaria a derribar o governo
soviético no meio de uma desesperadora confusão e desmo-
ralização. Então a oposição tomaria o poder.
A tarefa imediata de Smirnov era transmitir as instru-
ções de Trotsky para reorganização do trabalho subterrâneo,
preparativos para o terrorismo e sabotagem, aos membros mais
fiéis da oposição em Moscou. Competia também a êle en-
viar "dados regulares" a Berlim — que seriam entregues a
Sedov por intermédio de portadores trotskistas, dados que
240 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Sedov confiaria a seu pai. A senha de identificação dêsses


portadores seria: Eu trouxe saudações de Galya.
Sedov solicitou a Smirnov mais uma coisa enquanto es-
tava em Berlim. Êle devia encontrar-se com o chefe de
uma missão comercial soviética que chegara recentemente em
Berlim o informar a êsse personagem que Sedov estava na
cidade o desejava vô-lo para um assunto de extrema impor-
tância.
O chefe da missão comercial soviética que havia pouco
chegara em Berlim era o antigo companheiro de Trotsky e
seu mais devoto admirador, Yuri Leonodovitch Pyatakov.
Magro e alto, bem trajado, testa altamente chanfrada,
rosto pálido e barbicha ruiva e polida, Pyatakov parecia
mais um mestre-escola do que o veterano conspirador que
era. Em 1927, após o pretendido Putsch, Pyatakov fôra o
primeiro líder trotskista a romper com Trotsky e solicitar
readmissão no Partido Bolchevique. Homem de extraordiná-
ria habilidade em direção e organização comercial, Pyatakov
obteve várias tarefas nas indústrias soviéticas que se expan-
diam ràpidamente, e isso mesmo quando ainda exilado na
Sibéria. No fim de 1929, foi readmitido no Partido Bol-
chevique, para prova. Desempenhou uma série de cargos
de direção em projetos de planificação industrial de trans-
porte e produtos químicos. Em 1931, obteve um lugar no
Supremo Conselho Econômico, a principal instituição sovié-
tica de planejamento; e nesse mesmo ano foi enviado a Ber-
lim como chefe de uma missão especial para compra de equi-
pamento industrial alemão para o govêrno soviético.
Segundo as instruções de Sedov, Ivan Smirnov procurou
Pyatakov em seu escritório Berlim. Smirnov contou que
Leon Sedov estava em Berlim e tinha uma mensagem es-
pecial de Trotsky para êle. Poucos dias depois, Pyatakov
encontrou-se com Sedov. Eis como êle próprio narrou o
encontro:
"Há um café conhecido como "Am Zoo", a pe-
quena distância do Jardim Zoológico na praça. Fui
para lá e vi Leon Sedov sentado a uma mesinha. Nós
nos tínhamos conhecido perfeitamente no passado. Êle
me disse que não falava em seu próprio nome, mas
em nome de Trotsky, e que êste, sabendo que eu
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 241

estava em Berlim, dera-lhe ordens categóricas para


me procurar, encontrar-se pessoalmente comigo e fa-
lar-me. Sedov disse que seu pai não abandonara por
um momento sequer a idéia de retomar a luta con-
tra o govêmo soviético, que tinha havido uma pausa
temporária, devida em parte aos vaivéns de Trots-
ky de um país para outro, mas que essa luta estava
para ser retomada, e disso ele, Trotsky, queria me
informar... Depois Sedov pergunfcou-me a queima-
roupa: Trotsky pergunta a você Pyatakov, se ten-
ciona ajudá-lo nessa luta." Dei-lhe o meu consenti-
mento."

Então Sedov passou a informar Pyatakov acerca das li-


nhas segundo as quais Trotsky se propusera a reorganizar a
oposição:
• . . . Sedov continuou desenvolvendo a natureza e
os novos métodos de luta: não se tratava de desen-
volver uma simples hita de massas nem de organizar
um movimento de massas; se adotássemos essa moda-
lidade de trabalho fracassaríamos imediatamente; Tro-
tsky estava firme na idéia de uma derrocada violenta
do govêmo de Stalin por métodos terroristas e des-
trutivos. Sedov disse ainda que "Trotsky chamara a
atenção para o fato de ser um absurdo confinar essa
luta a um só país, não sendo possível fugir ao cará-
ter internacional da, questão. Nessa luta temos de
achar também a solução necessária para. o problema
internacional ou ao menos, para os problemas inter-
estatais.
Quem quer que tente pôr de lado essas questões,
disse Sedov, relatando palavras de Trotsky, assina o
seu próprio testimonium pauperatis

Seguiu-se logo uma segunda reunião entre Sedov e Pya-


takov. Nessa ocasião Sedov lhe disse: '"Você observa, Yuri
Leonodovitch, que cada vez que se retoma a luta, é preciso
dinheiro. Você pode providenciar os fundos necessários pa-
ra a luta." Sedov informou Pyatakov como poderia fazê-lo.
Na sua qualidade de representante comercial do govêmo so-
242 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

viético na Alemanha, Pyatakov podia comprar o que quisesse


nas duas firmas alemãs Borsig e Demas. Pyatakov não seria
"Muito exigente em matéria do preços' na realização dêsses
negócios. Trotsky tinha um acordo com Borsig e Demag.
"Você pagará preços mais altos", disse Sedov, "mas êsse di-
nheiro será encaminhado para os nossos trabalhos." (58.)
Houve dois outros oposicionistas secretos em Berlim em
1931, que Sedov pôs a trabalhar no novo aparelho trotskista.
Eram eles Alexei Chestov, engenheiro da missão comercial de
Pyatakov e Sergei Bessonov, membro da representação co-
mercial da URSS em Berlim.
Bessonov, antigo social-revolucionário, era um homem pos-
sante, de aparência meiga, rosto moreno, que ia pelos seus
quarenta. A representação comercial de Berlim, de que Bes-
sonov era membro, era a agência comercial soviética mais
central na Europa e dirigia negociações com dez países di-

(58) As firmas Borsig e Demag eram ligadas ao serviço secreto


militar alemão. Negociando com essas firmas, Pyatakov podia colocar
somas consideráveis à disposição de Trotsky. Uma testemunha inde-
pendente, o engenheiro americano John D. Littlepage, observou pes-
soalmente os negócios de Pyatakov com as firmas alemãs. Littlepage,
era empregado do govêrno soviético como perito em indústria de mi-
neração de ouro e cobre. Numa série de artigos referentes às suas
experiências na Rússia Soviética no Saturday Evening Post em janeiro
de. 1938, Littlepage escreveu: "Cheguei a Berlim no inverno de 1931
com uma grande comissão de compra chefiada por Pyatakov: minha ta-
refa era dar parecer técnico na compra de maquinaria de mineração...
"Entre outras coisas, a comissão em Berlim estava comprando al-

r as dúzias de guindastes de 100 a 1.000 cavalos... A comissão pe-


orçamentos na
cussão, as firmas
1 ' ' ~ 1 alguma dis-
seus preços
entre 5 e 6 pfenn „ t ... .. , ropostas des-
cobri que as firmas tinham substituído por ferro de várias toneladas o
ulço leve previsto nas especificações, o que reduziria o custo de produção
por quilo, mas aumentaria o peso, e conseqüentemente o custo de venda.
"Naturalmente, fiquei satisfeito com a descoberta, e relatei o fato
aos membros da comissão, com uma sensação de triunfo... O caso foi
arrumado de sorte que Pyatakov pôde voltar a Moscou e mostrar que
tinha sido muito feliz em conseguir a redução de preços tendo, porém
ao mesmo tempo, despendido dinheiro com uma batelada de ferro inútil,
o que habilitara os alemães a conceder-lhe pessoalmente rebates substan-
ciais . . . E êle prosseguiu com as mesmas artimanhas em várias outras
minas, apesar de eu o ter bloqueado daquela vez."
42
A GRANDE C O N S P I R A Ç Ã O 47

ferentes. Êle estava, pois, idealmente habilitado a servir co-


mo "ponto de ligação", entre os trotskistas russos e seu líder
exilado. Ficou combinado que as comunicações trotskistas se-
cretas da Rússia seriam enviadas a Bessonov em Berlim, e
êste as confiaria a Sedov ou a Trotsky.
Alexei Chestov era um personagem diferente, e sua ta-
refa devia corresponder ao seu temperamento. Êle tomar-
se-ia um dos principais organizadores das células de espio-
nagem e sabotagem aleinã-trotskista na Sibéria onde êle era
membro do quadro do Traste Oriental e Siberiano de Car-
vão. Chestov estava no comêço de seus trinta anos. Em
1923, quando ainda estudante em Moscou, no Instituto de
Mineração, Chestov ligara-se à oposição trotskista, e, em 1927

Posteriormente- LitíJepage observou várias outras tentativas de sa-


botagem industrial nos Urais, onde jpnr cansa da trabalho de um en-
genheiro trotskista rha-mttfo Kabûkcv. a produção às certas mhizs caíra
deliberadamente. Em 1937, cana. LSdepage, Kabaksv "foi pxèso sob
acusação de sabotagem industrial Qaando- ouvi £a!ar da sua prisão,
não me surpreendi." Ouïra vez, em 1937, Liítíepage encontrou rnris
provas de sabotagem na indóstria soviética dirigida pessoalmente por
Pyatakov. O engenheiro americano reorganizara valiosas niiaas no sul
de Kazakistan e deixara pormencnzadas Í3Simiçõe3 escritas para cs tra-
balhadores soviéticos seguirem a & a de - assegurar-se o ™ ™ i n ren-
dimento de produção. T'ois bem", sereve Littlepsge, "cm dos meus
derradeiros trabalhos .na Rúsãa. em 1937, foi ma ciamado vigente
para ir rever as mesmas minas... Milhares de toneladas de rico mi-
nério já HnViam sido perdidas e, em poucas semanas, se não se to-
massem providências urgentes, ter-se-ia perdido o depósito inteirinho. Des-
cobri q u e . . . chegara ali irmã comissão do Q. G. de Pvatafcav... Mi-
nhas instruções tinham sids atiradas ao fogo e fàxa introduzido um
sistema de mineração naquelas jazidas que certamente cansaria dentro
de poucos meses a perda de "ma grande parte daquela riqueza mine-
ral." Pouco antes de deixar a Rússia e após ter entregada às autori-
dades soviéticas um informe completo acêrca desses acontecimentos, vá-
rios membros da rede de sabotagem trotskista ferram prescs. Litfe-
page achou que os sabctadores se HnTiam ciflizado de suas instruções
exatamente às avessas, "com o propósito deliberado de arruinar o pla-
no" de produção. "Os sabotadores admitiram™, afinnoo Littlepaïe no
Saturday Ecening Post, "terem sido arrastados numa conspiração con-
tra o regime de Stalin, por oposicionistas comunistas que os tinham con-
vencido de que eram testante fortes para derribar Stalin e seus com-"
panheiros e assenhorear-se do poder."
244 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

chefiara uma das tipografias secretas em Moscou. Jovem es-


belto, olhos claros, possuidor de intensa e violenta disposição,
Chestov acompanhou Trotsky com fanática devoção. "Encon-
trei-me várias vôzes, pessoalmente, com Trotsky", gabava-se
êle com satisfação. Para Chestov, Trotsky era "o líder", e
era como quase invariàvelmente se referia a ôle.
Nosso papel não é espreitar e assobiar à espera de bom
tempo — disse Sedov a Chestov quando se encontraram em
Berlim. — Precisamos dar-nos com tôdas as nossas fôrças
e meios à nossa disposição a uma política ativa de descrédito
do govêrno de Stálin e da sua política." Trotsky sustentava
que "o único caminho certo, caminho difícil mas seguro era
o da destituição violenta de Stálin e dos chefes do govêr-
no por meios terroristas."
— Andamos às cegas — conoordou prontamente Chestov.
— É necessário traçar um novo plano de luta!
Sedov disse a Chestov que conhecia um industrial alemão
chamado Dehlmann que era diretor da firma Froelich-Klue-
pfel-Dehlmann. Muitos dos engenheiros dessa firma eram
empregados das minas siberianas do este, onde trabalhava
o próprio Chestov, que o conhecia de nome.
Sedov disse então a Chestov que êle tinha "de entrar em
contacto com Dehlmann" antes de regressar à Rússia Sovié-
tica. A firma Dehlmann, explicou, poderia ser muito útil
à organização trotskista para "solapar a economia soviética"
na Sibéria. Herr Dehlmann já estava ajudando a contraban-
dear propaganda e agentes trotskistas na União Soviética. Em
troca disso, Chestov poderia fornecer a Herr Dehlmann infor-
myjjões acêrca das novas minas e indústrias siberianas, nas
quais o diretor alemão estava particularmente interessado...
— Você está-me aconselhando a entrar em entendimento
com a firma? — perguntou Chestov.
— Que há de terrível nisso? — replicou o filho de Trotsky.
— Se êles nos estão prestando um favor, por que não lhes
prestaríamos o de fornecer algumas informações?
— Você está propondo simplesmente que eu me torne um
espião! — exclamou Chestov.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 245

Sedov encolheu os ombros. — "Ê absurdo usar palavras


como essa", disse êle. Numa luta não é razoável ser tão
melindroso assim. Se você aceita o terrorismo, se você aceita
a destruição e solapamento da indústria, francamente não
consigo entender como não possa concordar com o que lhe
proponho."
Poucos dias depois, Chestov viu Smirnov e contou-lhe o
que dissera o filho de Trotsky. — "Sedov mandou-me esta-
belecer ligação com a firma de Froelich-Kluepfel-Dehlmann",
disse Chestov. "Brutalmente, êle me disse que estabelecesse
ligação com uma firma empenhada em espionagem e sabo-
tagem em Kuzbas. Nesse caso eu seria um espião e sabo-
tador!"
— Deixe essas palavras bonitas espião e sabotador! excla-
mou Smirnov. — O tempo passa o 6 preciso agir... O que
há de surpreendente pam você quando se considera que é
possível derribar o govôruo tio Sl/üln mobilizando tôdas as
fôrças contra-rovolucionárfas em Kuzbas? O quo você acha
de tão terrível om alistar agentes germânicos nosso traba-
lho? . . . Não há outro caminho. Temos do aceitá-lo.
Chestov calou-se. Smirnov perguntou lhe: Qual a sua
opinião?
—• Não tenho opinião pessoal — disso Chestov. — Faço
como o nosso líder Trotsky nos ensinou — presto atenção e
aguardo ordens!
Antes de deixar Berlim, Chestov oncontrou-se com Herr
Dehlmann, diretor da firma alemfi que financiava Trotsky.
Chestov foi recrutado, sob o nomo em código de "Alyosha",
no serviço secreto militar alemão. Chestov declarou depois:
"Encontrei-me com o diretor dessa firma, Dehl-
mann, e o seu assistente Koch. A essência da pa-
lestra com os chefes da firma Froelich-Kluepfel-Dehl-
mann foi a seguinte: primeiro, suprimento de infor-
mações secretas, por meio de representantes dessa fir-
ma que trabalhavam na Bacia de Kuznetsk e orga-
nização de um trabalho de destruição e divisão jun-
tamente com os trotskistas. Foi dito que a firma,
em troca disso, ajudar-nos-ia e enviaria mais gente,
246 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

se nossa, organização o requisitasse... Eles ajudariam


de todo modo os trotskistas na escalada ao poder (59.)

De volta à Rússia Soviética, Chestov trouxe uma carta,


que Scdov lhe tinha entregado para Pyatakov, que regressa-
ra a Moscou. Chestov escondeu a carta na sola de um de
seus sapatos. Entregou-a a Pyatakov no Comissariado da
Indústria Pesada. A carta era do próprio Trotsky, escrita
em Prinkipo. Delineava as "tarefas imediatas" da oposição
na Rússia Soviética.
A primeira tarefa era "utilizar-se de todos os meios pos-
síveis para derribar Stálin e seus sócios." Isto significava ter-
rorismo.
A segunda tarefa era "unir tôdas as fôrças anti-stalinis-
tas." Isso significava colaboração com o serviço secreto ale-
mão e com qualquer outra fôrça anti-soviética que quisesse
trabalhar juntamente com a oposição.
A terceira tarefa era "torpedear tôdas as medidas do go-
verno soviético e do Partido, particularmente no campo eco-
nômico." Isso significava sabotagem.
Pyatakov devia ser o principal lugar-tenente de Trotsky
responsável pelo trabalho conspirativo dentro da Rússia So-
viética.

3. As três camadas
^No decurso de 1932, a quinta-coluna futura da Rússia
começou a tomar forma no subsolo da oposição. Em pe-
quenas reuniões e conferências secretas, os membros da cons-
piração estavam informando-se da nova linha e instruíam-se

(59) Os alemães interessavam-se particularmente pela nova base


industrial que Stálin vinha construindo na Sibéria ocidental mais re-
mota e nos Urais. Essa base estava fora do alcance dos aviões e. no
caso de uma guerra, poderia oferecer vantagem maior para o Soviete.
Os alemães desejavam penetrar nessa base por intermédio de espiões
sabotadores. Borsig, Demag e Froelich-Kluepfel-Dehlmann, que tinham
contratos com o govêrno soviético e o estavam suprindo com maqui-
naria e assistência técnica para o Plano Qüinqüenal foram utilizados
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 247

acêrca de suas novas tarefas. Uma rêde de células terro-


ristas, células de sabotagem e sistemas postais estava-se es-
tendendo na Rússia Soviética. Em Moscou e Leningrado, no
Cáucaso e na Sibéria, nos Donbas e nos Urais, os organiza-
dores trotskistas dirigiam reuniões secretas mescladas de ini-
migos mortais do regime soviético — social-revolucionários,
mencheviques, esquerdistas, direitistas, nacionalistas, anarquis-
tas, fascistas e monarquistas russo-brancos. A mensagem de
Trotsky divulgara-se por todo o subsolo aceso de oposicio-
nistas, de espiões e agentes secretos; estava em andamento
tima nova ofensiva contra o regime soviético.
O apêlo enfático do Trotsky para a preparação de atos
de terrorismo a principio alarmou alguns dos antigos inte-
lectuais trotskistas. O jornalista Karl Hadck deu mostras de
pânico quando Pyatakov lho comunicou a nova linha. Em
fevereiro do 1032, Jtadck ICCCIHMI tuna carta pessoal do Trots-
ky, transmitida como tftdafj nu eointtnioaçoes do caráter con-
fidencial dos trotskista.1;, por correio secreto.

como ligações pelo serviço sendo milhai aleináo. Iísj>iões e sabotadores


alemães foram enviados i\ Rússia leitos "engenheiros' e "especialistas."
O serviço secreto militar aleumo recrutou também agentes entre
os engenheiros soviéticos na Alemanha, susceptíveis à ameaça ou ao
suborno. Um engenheiro soviético Mlkhall Strollov, recrutado como es-
pião alemão em Berlim em dezembro de 11X10 c depois aproveitado
na organização trotskista na Sibéria, comunicou & CArto Soviética apés
sua prisão em 1937:
"O caso começou gradualmente com meu encontro com (o espião
alemão) von Berg Ele falava russo excelentemente, pois vivera na
Rússia, em Petersburgo, 15 ou 20 anos antes da revolução. Êsse
homem visitou o bureau técnico por várias vôzos c falou comigo sobre
assuntos de negócios, particularmente sôbre ligas pesadas manufatura-
das pela firma de Walram... Berg aconselhou-me a ler a Minha Vida
de Trotsky Em Novosibirsk, especialistas alemães começaram a se
aproximar de mim com a senha combinada. Até ao fim de 1934 seis
homens vieram ver-me: Sommeregger, Wurm, Baumgarten, Maas Hauer
e tlessa ("engenheiros" empregados pela firma alemã Froelich-Kluepfel-
-Dehlmann)... Meu primeiro relatório, feito em janeiro de 1932, por
intermédio do engenheiro Flessa, e relatando o vasto plano de desen-
volvimento da Bacia de Kuznetsk, era com efeito espionagem. Recebi
instruções para passar a atos destrutivos e sabotagem decisiva...
o plano dessas atividades fôra esboçado pela organização trotskista oeste-
-siberiana."
248 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

"Você deve ter em mente", escreveu Trotsky ao seu


companheiro hesitante, "a experiência do período precedente
e ver que para vocês não pode haver possibilidade de re-
tôrno ao passado, que a luta entrou om uma nova fase e
que a nossa posição nessa fase consiste ou em sermos des-
truídos juntamente com a União Soviética, ou levarmos a cabo
a questão da destituição do governo."
A carta de Trotsky, juntamente com a insistência de
Pyatakov, finalmente convenceram Radek. Êle concordou e
aceitou a nova linha — terrorismo, sabotagem e colaboração
com "potências estrangeiras."
Entre os mais ativos organizadores de células terroristas
que vinham sendo edificadas na União Soviética, figurava
Ivan Smirnov e seus velhos camaradas da guarda de Trotsky:
Sergei Mrachkovsky e Ephraim Dreitzer.
Sob a direção de Smirnov, Mrachkovsky e Dreitzer co-
meçaram a formar pequenos grupos de pistoleiros profissionais
e antigos trotskistas aa guerra civil, prontos para métodos
violentos.
"As esperanças que depositamos no colapso da política
do Partido', disse Mrachkovsky a um desses grupos terro-
ristas em Moscou em 1932, "devem ser consideradas como
ultrapassadas. Os métodos de luta usados até aqui não pro-
dtóiram resultados positivos. Resta apenas um caminho de
luta, e é a remoção do govêrno do Partido pela violência.
Stálin e os demais líderes precisam ser destituídos. Essa, a
tarefa principal!"
Enquanto isso, Pyatakov empenhava-se em procurar cons-
piradores nas indústrias-chave, especialmente nas de guerra
e transportes, recrutando-os para a campanha de sabotagem
total que Trotsky desejava lançar contra a economia soviética.
Pelo verão de 1932, discutiu-se entre Pyatakov, como lu-
gar-tenente de Trotsky na Ruí ' ~
sição de direita, um acôrdo
e diferenças passadas, e realizar trabalho conjunto sob o co-
mando supremo de Trotsky. O grupo menor chefiado pelos
oposicionistas veteranos, Zinoviev e Kamenev, concordou com
subordinar as suas atividades à autoridade de Trotsky. Des-
crevendo as agitadas negociações que se vinham efetuando
entre os conspiradores nessa época, Bukharin disse mais tarde:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 249

"Tive encontros com Pyatakov, Tomsky e Rykov.


Rykov teve encontros com Kamenev, Zinoviev e Pya-
takov. Mo verão de 1932 tive outra conversação com
Pyatakov no Comissariado do Povo da Indústria Pe-
sada. Nessa ocasião isso era coisa simples para mm^
visto que eu estava trabalhando sob a direção de
Pyatakov. Nese tempo ele eia meu chefe. Eu tinha
de ir ao seu escritório em exercício da profissão, e
podia fazê-lo sem suscitar suspeitas
Neste segundo encontro, no verão de 1932, Pya-
takov falou-me de sua entrevista com Sedov a res-
peito da política de terrorismo de Trotsky decidi-
mos que devíamos ter uma linguagem comum e que
nossas divergências na luta contra o poder soviético
tinham de ser sobrepujadas."

Ás negociações finais foram concluídas no outono em uma


reunião secreta realizada numa casa de campo, deserta, nos
arredores de Moscou. Os conspiradores puseram sentinelas
em redor da casa e ao longo dos caminhos, paia se asse-
gurarem contra qualquer surpresa e garantir absoluto sigilo.
Nessa reunião estruturou-se algo parecido com um alto co-
mando das forças combinadas de oposição, paia dirigir as
próximas campanhas de terror e sabotagem na União Sovié-
tica. Êsse alto comando da oposição foi chamado ''Bloco
das Direitas e Trotskistas.'' Foi constituído de três níveis ou
camadas diferentes. Se um» das camadas falhasse, as ou-
tras prosseguiriam.
A primeira camada, o Centro Terrorista Trotskista-Zino-
vievista, chefiado por Zinoviev, =era responsável pela organi-
zação e direção do terrorismo.
A segunda camada, o Centro Paralelo Trotskista, chefia-
do por Pyatakov, era responsável pela organização e direção
da sabotagem.
A terceira ramada, mais importante das três, o Bloco das
Direitas e Trotskistas, chefiado por Bukharin e Krestinsky,
compreendia a maior parte dos lideres e membros altamente
colocados das forças conjugadas de oposição.
O efetivo da organização não ia além de poucos milhares
de membros e uns vinte ou trinta líderes que detinham postos'
250 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

de autoridade no Exército, Ministério do Exterior, serviço


secreto, indústria, sindicatos, cargos do Partido e do govêrno.
Desde o comêço, o Bloco das Direitas e Trotskistas (oi
penetrado por agentes pagos dos serviços secretos exteriores
e dirigidos por êles, especialmente por agentes do serviço
secreto alemão. Eis alguns dos agentes estrangeiros que fo-
ram membros influentes no novo DIOCO conspirativo:
Nikolai Rrestmsky, trotskista e comissário assistente dos
Negócios Exteriores, foi agente do S.S.M. alemão desde 1923,
3uando, pela primeira vez empreendeu tarefas de espionagem
o General Hans von Seeclct.
Arkadu Rosenpoltz, trotskista e comissário do Comércio
Exterior, desempenhou tarefas de espionagem para o alto co-
mando alemão desde 1923. "Minhas atividades de espiona-
gem começaram já em 1923", relatou mais tarde o próprio
Rosengoltz, "quando, por instruções de Trotsky, confiei vá-
rias informações secretas ao comandante-chefe aa Guarda do
Reich, Seeckt. e ao chefe do estado-maior alemão, Hasse."
Em 1926, Rosengoltz começou a trabalhar para a S.S. bri-
tânico. mantendo, embora as suas ligações com a Alemanha.
Christian Rakovsky, trotskista e antigo embaixador na
Grã-Bretanha e França, agente do S. S. britânico desde 1924.
Nas palavras do próprio Rakovsky: "Eu estabeleci ligações
criminosas com o S.S.B. em 1924." Em 1934, Rakovsky tor-
nou-se também^agente do S.S. japonês.
S tanislav ítítíaichak, trotskista e chefe da administra-
ção central da Indústria Química, agente do S.S.M. alemão. Êle
fôra enviado à Rússia pelos alemães imediatamente depois da
Revolução. Desincumbiu-se de atividades de espionagem e sa-
botagem nas indústrias que o govêrno soviético vinha edi-
ficando nos Urais.
Ivan Hrasche, trotskista, gerente na indústria química so-
viética,' entrou na Rússia como espião do S. S. tcheco em
1919, disfarçado em prisioneiro de guerra russo que regressa-
va à pátria. Hrasche tornou-se agente do S.S. alemão.
Alexei Chestovy trotskista, membro do quadro do Truste
Oriental e Siberiano de Carvão, tornou-se agente do S.S. ale-
mão em 1931, trabalhando para êle na firma alemã de
Froelich-Kluepfel-Dehlmann e desempenhando tarefas de es-
pionagem e sabotagem na Sibéria.
Gavrill Puchin, trotskista, diretor dos Serviços Químicos
de Gorlovka, tornou-se agente do S.S.M. alemão em 1935.
Segundo a sua própria confissão posterior às autoridades so-
viéticas, êle forneceu aos alemães: (1) plantas de tôdas as
emprêsas químicas soviéticas durante 1934; (2) o programa
de trabalho de tôdas as emprêsas químicas soviéticas durante
1935; (3) o projeto de construção das fábricas de nitrogênio com-
preendendo trabalhos de construção até 1938."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 251

Ykoc Litíchitz, trotskista e fnncionáiio da Comissão Fer-


roviária do Extremo Oriente Soviético, foi agente do S.S.M.
japonês e transmitia regularmente ao Japão informações se-
cretas referentes às estradas de feno soviéticas.
Ican Kntfazec, trotskista, diretor do sistema ferroviário
nos Urais; agente do S.S. japonês. Sob a supervisão deste
desincumbiu-se de atividades de sabotagem nos Urais e in-
formou o alto comando japonês acerca do sistema soviético
de transporte.
Yosif Turok, trotskista e diretor-gereíite do Departamento
do Tráfego na E. F . de Perm e dos Urais; agente do SJS.
japonês. Em 1935 Turok recebeu 3-5.000 rublos dos japone-
ses em paga de tarefes de espionagem e sabotagem realiza-
das nos Urais.
ilikhaÜ Chemov, membro das direitas. Comissário do
Povo de Agricultura na URSS, agente do S.S.M. alemão
desde 1928. Sob a supervisão dos alemães, Chemov desem-
penhou extensas atividades de sabotagem e espionagem na
Ucrânia.
Vasily Charangotítch, membro das diretas, secretário do
Comitê -Central do Partido Comunista da Bielo-Rússia, fora
enviado à Rússia Soviética como espião polonês em 1921.
Durante os anos seguintes continuou a trabalhar supervisio-
nado pelo S.S. polonês, fornecendo dados de espionagem e
desenvolvendo atividades de sabotagem na Bielo-Rússia.
Grigori Grinfaj, membro das direitas e funcionário do
Comissariado do Povo das Finanças; agente do S. S. alemão
e do polonês desde 1933. Era líder do movimento nacionalista
fascista ucraniano, auxiliou o contrabando de armas e mu-
nições na União Soviética e desempenhou serviços de espiona-
gem e sabotagem para os alemães e poloneses.

O aparelho conspirativo dos trotskistas, das direitas e zino-


vievistas era, com efeito, a quinta-coluna do Eixo na Rússia
Soviética.
CAPITULO xvn

TRAIÇÃO E TERROR

1. A diplomacia da traição
Nos anos de 1933-1934, um misterioso mal-estar parecia
apoderar-se das nações da Europa. Uns após outros, os paí-
ses eram todos sacudidos por golpes de estado. Putschs mili-
tares, sabotagem, assassínios, revelações inesperadas de caba-
las e conspiratas. Dificilmente passava um mês sem algum
novo ato de atrocidade e violência. Uma epidemia de traição
e terror grassava na Europa.
A Alemanha nazista era o centro de infecção. Aos 11
de janeiro de 1931, um despacho da United Press comuni-
cou de Londres: "Com a Alemanha nazista como centro dos
novos movimentos fascistas, os que acreditavam que a velha
forma de govêmo está superada difundiram a agitação e a
violência por todo o continente.3*
O têrmo quinta-coluna era até então desconhecido. Mas
as vanguardas secretas do alto comando alemão já tinham
lançado a sua ofensiva contra as nações da Europa. Os Ca-
go ulards e Croix de Feu franceses: cs Fascistas da União
britânicos; os Rexistas belgas; os Poio poloneses; "os Hertlei-
nistas e Guarda Hlinka tchecos; os Quislinguistas noruegueses;
os Guardas de Ferro rumenos; os IMRO búlgaros; os Lappo
finlandeses; os Lobos de Aço lituanos; os Cruz de Fogo lat-
vianos, e muitas outras sociedades secretas nazistas recém-
criadas ou ligas contra-revoluclonárias reorganizadas já esta-
vam em ação, pavimentando o caminho para a conquista da
254 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN i

Wehrmacht alemã e para a escravização do Continente e


preparação do ataque contra a União Soviética.
Eis uma lista parcial dos atos mais importantes de ter-
rorismo nazí-fascista que se seguiram imediatamente à as-
censão de Hitler ao poder:
Outubro de 1933: Assassínio de Alex Mailov, secretário da
embaixada soviética em Lvov, Polônia, por agentes da
OUN, organização de nacionalistas ucranianos e finan-
ciada pelos nazistas.
Dezembro de 1933: Assassínio do premier Ion Duca da
Rumânia pelos Guardas de Ferro, terroristas nazi-rumenos.
Fevereiro de 1934: Levante em Paris, França, da Croix de
Feu, organização fascista francesa de inspiração nazista.
Março de 1934: Tentativa de golpe de estado na Estónia,
pelos lutadores da liberdade, organização fascista finan-
ciada pelo nazismo.
Maio de 1934: Golpe de estado fascista na Bulgária.
Maio de 1934: Tentativa de Putsch na Latvia pela Frater-
nidade Báltica controlada por nazistas.
Junho de I934^ssassínio do General Bronislav Pieradd, mi-
nistro polonês do Interior, por agentes da OUN, orga-
nização dos nacionalistas ucranianos financiada pelo na-
zismo.
Junho de 1934: Assassínio de Ivan Babiy, chefe da organiza-
ção de Ação Católica na Polônia, por agentes da OUN.
Junho de 1934: Tentativa de levante popular na Lituânia
pela -organização nazista dos Lôbos de Aço.
junho de 1934: Putsch nazista abortivo, na Áustria e assas-
sínio do chanceler Engelbert Dollfuss por terroristas na-
zistas.
Outubro de 1934: Assassínio do Rei Alexandre da Iugoslávia
e do ministro francês do Exterior Barthou por agen-
tes da Ustachi, organização fascista da Croácia contro-
lada por nazistas.

Dois homens eram especialmente responsáveis pela or-


ganização e supervisão dessas atividades de quinta-cofuna na-
zista que já se tinham estendido além da Europa, penetran-
do nos Estados Unidos, América Latina, África e, em ligação
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 255

com o S. S. japonês, em toda a área do Oriente remoto.


Êsses dois homens eram Alfredo Rosenberg e Rudolph Hess.
Rosenberg chefiava a Aussenpolüisches Amt der NSDAP (Mi-
nistério Político do Exterior do Partido Nazista), cuja tarefa
era dirigir milhares de agências de espionagem e sabotagem
no mundo, com pontos especiais de concentração na Europa
oriental e Rússia Soviética. Como representante de Hitler,
Rudolph Hess era incumbido de todas as negociações exte-
riores do govêrno nazista.
Foi Alfredo Rosenberg, outrora emigrado czarista de Re-
val, quem primeiro estabeleceu relações secretas oficiais na-
zistas com Leon Trotsky. Foi o representante de Hitler,
Rudolph Hess, quem as cimentou...
Em setembro de 1933, oito meses depois de Adolfo Hi-
tler ter-se tomado ditador da Alemanha, o diplomata trots-
kista e agente alemão Xicolai Krestmsky deteve-se em Ber-
lim por poucos dias, a caminho de sua estância anual de
cura num sanatório em Kissíngen. Krestinsky ocupava então
o posto de comissário-assistente no Ministério soviético do
Exterior.
Em Berlim, Krestmsky viu Sergei Bessonov, agente de
ligação trotskista na embaixada soviética. Com grande exci-
tação, Krestinsky informou Bessonov que "Alfredo Rosenberg,
o líder do Departamento dos Negócios Exteriores do Partido
Nacional-Socialista da Alemanha" tinha estado "em sondagem
em nossos círculos sobre *a questão de uma possível aliança
secreta entre os nacional-socialistas na Alemanha e os trots-
kistas russos."
Krestmsky disse a Bessonov que precisava ver Trotsky.
Era preciso arranjar um encontro a todo custo. Krestinsky
estaria no sanatório até o fon de setembro^ e depois iria a
Merano no Tirol italiano. Trotsky poderia entrar em con-
tacto com êle, com as devidas precauções, em qualquer dos
dois lugares.
O encontro foi providenciado. Na segunda semana de
outubro de 1933, Leon Trotsky, acompanhado por seu filho
256 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Sedov, cruzou a fronteira franco-italiana com um passaporte


falso e encontrou Krestinsky no Hotel Bavária em Me-
rano (60.)
A conferência seguinte ocupou-se quase tôda das deci-
sões referentes ao futuro desenvolvimento da conspiração den-
tro da Rússia Soviética. Trotsky começou afirmando cate-
gòricamente que "a tomada do poder na Rússia poderia con-
sumar-se únicamente pela fôrça." Mas o organismo conspi-
rativo sòzinho não era bastante forte para levar a cabo um
golpe proveitoso e para manter-se no poder sem auxílio exte-
rior. Por isso era essencial chegar a um acôrdo concreto com
os estados estrangeiros interessados em auxiliar os trotskistas
contra o govêrno soviético.
"O embrião dêsse acôrdo", disse Trotsky a Krestinsky,
"foi nosso acôrdo com a Guarda do Reich; mas êsse acôrdo
de modo algum satisfez nem aos trotskistas nem aos alemães
por duas razões: primeiro, üma parte nesse acôrdo era íini-
camente a Guarda do Reich e não o govêrno alemão como
um todo... Segundo, qual era a substancia de nosso acôrdo*
com a Guarda do Reich? Nós recebíamos uma pequena soma
de dinheiro e êles recebiam informações de espionagem de
que necessitariam no^càso de um ataque armado. Mas o
govêrno alemão, Hitler particularmente, deseja colônias, ter-
ritórios, e não apenas informações de espionagem. E está
disposto a contentar-se com território soviético em vez das

(60) Trotsky estava residindo então em S. Palais, aldeiazinha ao


pé dos Pireneus no- sul da França. (Em julho, deixara Prinkipo trans-
ferindo-se logo com a sua comitiva de guarda-costas e secretários, para
uma vila próxima de Paris.)
Na época em que Trotsky veio à França, os reacionários e fascis-
tas lutavam desesperadamente para impedir a aliança de segurança co-
letiva franco-soviética que tinha sido proposta.
O govêrno francês, que deu - a Trotsky permissão para entrar na
França e estabelecer o seu Q. G. anti-soviético no pais, era chefiado
nessa ocasião por Eduardo Daladier, cuja política de apaziguamento*
consumada em Munique, deveria desempenhar um papel tão importante
na~ entrega da França e de outras nações antifascistas da Europa às
mãos dos nazistas. O deputado radical Henri Guernot advogou pes-
soalmente a solicitação de Trotsky para ser admitido na França. Os
passos necessários foram dados pelo ministro do Interior, Camille Chau-
temps, duvidoso político francês que ajudou a abafar a investigação da
conspiração fascista Cagoulard e posteriormente tornou-se "vice-premier"'
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 257

colônias pelas quais teria de lutar com a Inglaterra, a Amé-


rica e a França. Quanto a nós, imo precisamos de 250.000
marcos-ouro. Precisamos das forças armadas alemãs, para ir-
mos ao poder com a ajuda delas. E é nesse sentido que
tem de ser encaminhado o nosso trabalho."
A primeira coisa, disse Trotsky eia conseguir um acordo
com o governo alemão. "Mas os japoneses também são uma
força com a qual é preciso nos entendermos", acrescentou Trots-
ky. Seria necessário para os trotskistas russos iniciar "son-
dagens" com os representantes japoneses em Moscou. "Para
essa ligação", disse Trotsky instruindo Krestinsky, utilizem-se
de Sokolnikov, que está trabalhando no Comissariado do Povo
dos Negócios Estrangeiros, encarregado dos assuntos orien-
tais . . . "
Trotsky continuou dando instruções a Krestinsky acerca
k da organização inferna do organismo «inspirativo russo.
"Mesmo que a União Soviética seja atacada, digamos,
pela Alemanha , disse Trotsky, "isso ainda não possibilita to-
mar posse da máquina do poder, sem que haja fôrças in-
ternas preparadas... _É necessário ter Baluartes poderosos
nas cidades e no campo, entre a pequena burguesia e os
kulaks, e aí são as direitas que têm as ligações. Finalmente,
é necessário ter uma organização no Exército Vermelho, entre
os comandantes, destinada a tomar os postos mais vitais no
momento oportuno e a chegar ao .poder, substituir o govêr-

do primeiro Gabinete de Pêtaio. "Vós tivestes a gsit&eza de me cha-


mar a atenção para o Sr. Leon Trotsky,CTfla?ír>de origem russa, que
solicitou, por motives de «saúde, autorização para viver na Departamento
do s u l . . . escreveu o ministro da Intericr, Cfaacteinps ao Deputado
GuernoL "Tenho a honra de infcnaar-vos q u e — a parte interessada
obterá sem dificuldade, quando requerer, o visto ca seu passaporte
para a França."
Entre os numerosos e Tnftirgnftps amigos e simpatizastes de Trotsky
na França contavam-se: Jaeqaes Doricrt, o renegado ccmaaista francês
e agente nazista; e Mareei Déat, ontroia professor socialista, agente
nazista e, depois da queda da Fiança, líder calabcraciszHsta.
A presença de Trotsky na Fiança foi também aprovada por ele-
mentos anti-soviéticos do S.S. francês e polícia secreta. Km abril de
1937, nas audiências do México, Trotsky declarou: " Mr. Thome
e Mr. Cado o secretário geral da polícia e prefeitura do Departamento
de Charente Inferior — tidos os altosffamãonárinsda polícia estavam
perfeitamente cientes de situação. O agente secreto da polícia
estava informado de tedos os meus passos."
258 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

no atual, que deve ser prêso, por um govêrno nosso, ante-


cipadamente preparado."
De volta à Rússia, Krestinsky devia entrar em contacto
com o General Tukhachevsky, assistente do estado-maior do
Exército Vermelho "homem", como disse Trotsky a Krestinsky,
"de estilo bonapartista, um aventureiro, ambicioso, que se bate
não sòmente por um cargo militar, mas também político, e
que inquestionàvelmente fará causa comum conosco."
Os companheiros de Trotsky na Rússia deveriam dar tôda
ajuda ao General Tukhachevsky, tendo cuidado, simultânea-
mente, de colocar os seus próprios homens em posições es-
tratégicas, de modo que, quando se efetuasse o golpe de
estado, o ambicioso Tukhachevsky não pudesse controlar o
novo govêríio sem o auxílio de Trotsky.
Antes de encerrar-se a conferência, Trotsky transmitiu a
Krestinsky ordens especiais para continuar as campanhas ter-
roristas de sabotagem na Rússia Soviética. Falando disso,
Trotsky declarou que "os atos de divisionismo e de terro-
rismo" devem ser considerados de dois pontos de vista. Pri-
meiro, "do seu emprêgo em tempo de guerra com o fito de
desorganizar a capacidade defensiva do Exército Vermelho,
desorganizar o govêrno no momento do golpe de estado."
Mas, em segundo fcar, disse Trotsky, é preciso conseguir
que êsses atos tornem a posição dêle, Trotsky, "mais forte",
dando-lhe "mais confiança em suas negociações com os go-
vernos estrangeiros", para que êle "pudesse referir-se aò fato
de seus companheiros da União Soviética serem suficiente-
mente fortes "e ativos."
Em Moscou, Krestinsky apresentou um relato pormeno-
rizado sôbre o seu encontro com Trotsky numa reunião se-
creta de trotskistas russos. Alguns dos conspiradores, parti-
cularmente Karl Radek, que passava por ser o "Ministro do
Exterior" de Trotsky, irritaram-se com o fato de Trotsky ter
entrado em negociações de tal monta sem os ter consultado
antes.
Depois de ouvir o informe de Krestinsky, Radek man-
dou uma mensagem especial a Trotsky pedindo "novos escla-
recimentos sôbre a questão da política externa."
A resposta de Trotsky, escrita da França, foi entregue
a Radek poucas semanas depois por Vladimir Romm, jovem
correspondente estrangeiro aa agência soviética de notícias
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 259

Tass, que vinha servindo como portador trotskista. Romm


recebera a carta de Trotsky em Paris e contrabandeara-a
para a Rússia escondida na capa da novela popular soviética,
Tsusíma (61.) Radek descreveu depois o conteúdo da carta
como segue:
"Trotsky colocou a questão nestes termos: a as-
censão do fascismo ao poder na Alemanha mudou
fundamentalmente a situação toda. Tomou a guerra
inevitável e próxima tanto mais quanto a situação vi-
nha tornando-se simoltâneamente aguda no Extremo
Oriente. Trotsky não duvidava que dessa guerra re-
sultaria a derrota da União Soviética. Essa derrota,
escreveu êle, criará condições favoráveis para o bloco
assumir o poder...
Trotsky afirmou que tinha estabelecido contacto
com um estado* do Extremo Oriente e um estado cen-
. tro-europeu, e que êle informara claramente aos cír-
culos semi-oficiaís dêsses estados que o bloco se pron-
tificaria a fazer concessões consideráveis tanto de ca-
ráter econômico como de caráter territorial"

Xa mesma carta, Trotsky informou Radek de que os tro-


tskistas russos que trabalhavam nos postos diplomáticos seriam
procurados em breve por certos representantes estrangeiros e
que, quando isso se desse, os diplomatas trotskistas deveriam
confirmar a sua lealdade a Trotsky e assegurar aos repre-

(61) Vladimir Rcmm fora cnnrespoadente da Tass eai Tóquio, Ge-


nebra e Paris. Êle encontrou-se com. Trotsky ena Paris em 1933, num
«ncontro marcado num café do Bois de Bonlcgne. Após comunicar a
Romm que unicamente "medidas estremas" poderiam habilitar os cons-
piradores a obter seus fins, Trostky cüau cm provérbio latino: "O que
a medicina não pode corar o ferro corará, e o que não puder o ferro,
pode-lo-á o fogo." Em 1934 Rosna foi indicado anã» corresponden-
te da Tass nos E.U.A. Antes de partir mia a América, Romm via
Sedov em Paris. Posteriormente Rosam afennoa: Se&jv disse-me que
com respeito à Tninhq ida à América, Trotsky quis saber se no caso
não havia algo de interessante na esfera das reações americano-sovié-
ticas. Quando perguntei o que é que podia haver de interessante, Sedov
me disse: Isso aeduz-se da linha de Trotsky acerca da derrota da
URSS. Desde que a data da guerra da Alemanha e do Japão dependç
do estado das relações soviético-americanas, o caso não pode deixar
de interessar Trotsky."
260 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

sentantes estrangeiros que estariam com êle em qualquer


circunstância...
Grigori Sokolnikov, comissário-assistente trotskista para os
negócios orientais, irrompeu no escritório de Radek no Isvez-
tia pouco tempo depois, imagine", explodiu Sokolnikov nervo-
samente logo que a porta se fechou, "estou conduzindo ne-
gociações no Comissariado do Povo para Negócios Estrangei-
ros. A conversação chega ao fim. Os intérpretes deixaram
a sala. O enviado japonês súbitamente volta-se para mim
e pergunta se estou informado das propostas que Trotsky
fêz ao seu governo."
Sokolnikov estava perturbadíssimo com o incidente. — Co-
mo é que Trotsky encara isso? — perguntou êle a Radek.
— Como posso eu, assistente do comissário do Povo, conduzir
semelhantes negociações? Ê uma situação absolutamente impos-
sível!
Radek procurou acalmar o amigo agitado. — Não se ex-
cite — disse ele — Trotsky evidentemente não compreende a
situação aqui. — Radek continuou assegurando a Sokolnikov
que isso não mais aconteceria. Êle já escrevera a Trotsky
dizendo-lhe que era impossível aos trotskistas russos levar
a cabo negociações com agentes alemães e japonêses — "de-
baixo dos olhos da OSÍU." Os trotskistas russos, disse Ra-
dek, teriam de "deixar que Trotsky" prosseguisse nas nego-
ciações por sua própria conta, apenas lhes comunicando os
resultados...
Logo depois, o próprio Radek foi assistir a tuna função
" * " * " 1 nata se sentou ao
Nosáos líderes sa-
A . , aproximação com
a Alemanha. Nossos líderes desejam saber o que significa essa
idéia de Trotsky. Será talvez uma idéia de emigrado mal-
dormido? O que há atrás dessas idéias?"
Descrevendo a sua reação ante a interpelação inespe-
rada do nazista, Radek disse mais tarde:
"Por certo, essa conversação durou apenas uns dois
minutos; a atmosfera de uma recepção diplomática
não se prestava a longas perorações. Tive de deci-
dir-me literalmente em um segundo e responder-lhes...
Disse-lhe que os políticos realistas da ÜRSS compre-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 261

endem a significação de uma aproximação germano-


soviétíca e estão dispostos a lazer todas as conces-
sões para consegui-la."

Na noite de 30 de junto de 1934, o tenor nazista ir-


rompeu dentro de suas próprias fileiras na Alemanha, quando
Hitler liquidou os elementos dissidentes do movimento. Den-
tro de 24 horas, o Capitão Ernst Roehm, chefe do estado-
maior das tropas de choque de Hitler; Edmundo Heines, su-
premo líder de grupo na Alemanha Oriental; Karl Ernst, líder
principal das tropas de choque de Berlim; e numerosos de
seus amigos e sócios caíram ante as balas dos fuzileiros de
Hitler, em Munique e Berlim. Uma intensa ansiedade inva-
diu todo o movimento nazista.
De Paris, Trotsky despachou imediatamente um dos seus
mais fiéis "secretários", espião intemacinal Karl Reich, aliás
Johanson, para entrar ém contacto com Sergei Bessonov, li-
gação' trotskista em Berlim. Bessonov foi chamado a Paris
para fazer um relato minucioso da situação dentro da Ale-
manha.
Bessonov não pôde ir a Paris imediatamente inas no
fim de julho conseguiu deixar Berlim. Depois de encon-
trar-se com Trotsky num hotel em Paris e fazer o seu in-
forme sobre a situação alemã, voltou a Berlim na mesma
tarde. Trotsky estava num estado de grande excitação ner-
vosa quando Bessonov o viu. Os acontecimentos na Ale-
manha, a eliminação dos "nazistas radicais" encabeçados por
Roehm, poderiam estorvar os seus planos. Bessonov assegu-
rou a Trotsky que Hitler, Himmler, Hess, Rosenberg, Goe-
ring e Goebbels ainda detinham firmemente o poder em
suas mãos.
"Êles ainda virão a nós!" exclamou Trotsky. E continuou
a relatar a Bessonov que haveria importantes tarefas para
êle em Berlim, num futuro próximo. "Xão devemos ser
melindrosos nesse assunto, disse Trotsky. Tara obter apoio
real e importante de Hess e Rosenberg consintamos em gran-
des concessões de território. Consentiremos na concessão da
Ucrânia. Tenham isso em mente nos seus trabalhos e em
suas negociações com os alemães, e eu escreverei também
sobre isso a Pyatakov e Krestinsky."
262 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Uma rêde de traição já estava sendo urdida nos vários


gabinetes do corpo diplomático soviético. Embaixadores, se-
cretários, adidos e agentes consulares subalternos estavam en-
volvidos na trama conspirativa, não só na Europa, mas tam-
bém no Extremo Oriente...
O embaixador soviético no Japão estava tomando parte
na conspiração. Seu nome era Yurenev. Fôra secretamente
trotskista desde 1926. Por instruções de Trotsky, estabele-
cera ligações com o S. S. japonês. Ajudando a Yurenev em
seus entendimentos com o Japão estava o velho amigo de
Trotsky, Christian Rakovsky, antes embaixador na Inglaterra
e na França Rakovsky não ocupava mais nenhum cargo
importante no Ministério do Exterior soviético; trabalhava
como funcionário em várias comissões de saúde pública. Mas
ainda era personagem importante na conspiração subterrânea.
Em setembro de 1934, foi ao Japão com uma delegação
soviética para assistir à conferência internacional das socie-
dades da Cruz Vermelha, que deveria realizar-se em Tóquio,
em outubro. Antes de partir para o Japão, Rakovsky re-
cebeu um envelope do Comissariado da Indústria Pesada em
Moscou. Era de Pyatakov e continha uma carta que Ra-
kovsky devia entregarão Embaixador Yurenev em Tóquio.
Aparentemente, a carta exprimia um pedido rotineiro de in-
formação comercial oficial. No dorso da carta, escrita .em
tinta invisível, havia uma mensagem para Yurenev informan-
do-o" que Rakovsky devia ser "utilizado" nas negociações com
os japonêses.
No dia seguinte à chegada de Rakovsky em Tóquio êle
foi procurado por um agente japonês. O encontro deu-se
num corredor do edifício da Cruz Vermelha Japonesa. Ra-
kovsky foi informado de que as aspirações do movimento
trotskista russo "coincidiam perfeitamente" com as do go-
vêrno japonês. O agente japonês acrescentou que estava se-
guro de que Rakovsky seria capaz de fornecer a Tóquio in-
formações valiosas acêrca da situação dentro da Rússia So-
viética.
Nessa mesma tarde Rakovsky comunicou a Yurenev o
teor de sua conversa com o agente japonês: — a idéia é de
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 263

me alistarem como espião, como informante do governo ja-


ponês.
— Não há por que hesitar — replicou o embaixador
trotskista. — O dado está lançado.
Poucos dias depois, Rakovsky foi convidado para jantar
com um alto funcionário do S. S. japonês. O nipônico co-
meçou cinicamente a conversar. "Sabemos que é amigo ín-
timo e correligionário de Trotsky", disse. "Devo pedir que
lhe escreva dizendo que o nosso governo não está satisfeito
com os seus artigos sobre a questão chinesa, assim como so-
bre a atitude dos trotskistas chineses. Temos direito de es-
perar uma linha de conduta diferente da parte de Mr. Tro-
tsky. Êle deve compreender o que é necessário. Não é
preciso ir a pormenores, mas é claro que um incidente pro-
vocado na China seria um pretexto desejável para podermos
intervir lá."
Q japonês prosseguiu contando que espécie de informa-
ção confidencial o govêmo japonês estaria interessado em
receber dos trotskistas russos: dados concernentes às condi-
ções das granjas coletivas, ferrovias, minas e indústria, espe-
cialmente nas secções orientais da URSS. Entregou a Rako-
vsky vários códigos e nomes de espiões para seu uso na en-
trega dessas informações. Ficou combinado que o Dr. Naida,
secretário da delegação da Cruz Vermelha, atuaria como ele-
mento de ligação entre Rakovsky e o S. S. japonês...
Antes de deixar # Tóquio, Rakovsky teve uma palestra
final com Yurenev. O embaixador trotskista estava depri-
mido. "Nós nos metemos numa-embrulhada tal, que às vêzes
não sabemos como nos arrumar!", disse agastado. "Cada qual
teme que, satisfazendo um dos seus parceiros, venha a ofen-
der outro. Por exemplo, aqui atualmente .surge o antagonis-
mo entre a Grã-Bretanha e o Japão ligado à questão chine-
sa, enquanto que nós temos de manter contacto tanto com
o S. S. inglês como com o japonês... E eu tenho de me
arranjar em tudo isso!"
Rakovsky replicou. "Nós trotskistas temos de jogar três
cartadas atualmente: a alemã, a japonêsa e a britânica...->
264 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Estamos fazendo a política de jogar o que temos, arriscando


tudo por tudo; mas se houver um golpe de sorte os aven-
tureiros serão chamados grandes estadistas." (62.)

2. A diplomacia do terror
Enquanto os conspiradores russos iam cimentando suas
urdiduras com os representantes da Alemanha e do Japão,
outra fase da ofensiva secreta contra o govêrno soviético es-
tava em andamento. A traição estava sendo completada pelo
terror...
Em abril de 1934, o engenheiro soviético Boyarchinov
dirigiu-se ao escritório do chefe de construção nas minas
vitais de carvão em Kuznetsk, para relatar que algo de er-
rado havia no seu departamento. Houvera muitos acidentes,
explosões subterrâneas, quebra de maquinaria. Boyarchinov
suspeitava que houvesse sabotagem.
O chefe de construção agradeceu a informação. "Comu-
nicarei a quem de^ireito" disse. "Enquanto isso, não diga
nada a ninguém sôbre o fato."
O chefe-de construção er£ ^
nico e organizador principal
béria.
Poucos dias depois Boyarchinov foi encontrado morto em
uma vala. Um caminhão, correndo a tôda, matara-o na es-
trada em que êle voltava do trabalho para casa. O condu-
tor do caminhão era o terrorista profissional Tcherepukhin.

(62) Aos 20 de fevereiro de 1937, o jornal Miyako de Tóquio


trouxe uma reportagem acerca de uma sessão secreta da "Comissão de
Orçamento e Planificação" do govêrno japonês. Nessa reunião, o Depu-
tado Yoshida perguntou ao General Sugiyama, ministro da Guerra, se
o exército tinha alguma informação concernente à capacidade de trans-
porte da E. F. Siberiana. O ministro da Guerra respondeu afirma-
tivamente, dizendo que a capacidade de transporte aa ferrovia es-
tratégica soviética era conhecida do alto comando japonês com todos
os pormenores. O General Sugiyama continuou dizendo, "Na Rússia
há elementos de oposição ao atual govêrno e é exatamente dêles que
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 265

Chestov confiara-lhe a tarefa de matar Boyarchinov e para


isso lhe pagara 15.000 rublos (63.)
Em setembro de 1934, V. M. Molotov, chefe do Con-
selho dos Comissários do Povo da URSS, chegou à Sibéria
muna viagem de inspeção às áreas de mineração e indústrias.
Molotov vinha de volta de uma visita a uma das minas da
bacia carbonífera em Kuznetsk, quando o carro em que via-
java subitamente saltou da estrada, rolou numa rampa e pa-
rou exatamente à beira de um precipício. Gravemente ferido
e abatido, Molotov e seus companheiros desembaraçaram-se
do carro tombado. Tinham escapado à morte por pouco.
O condutor do carro era Valentine Arnold, gerente da
garagem local. Arnold era membro do organismo terrorista
trotskista. Chestov instruíra-o para assassinar Molotov; e Ar-
nold deliberadamente conduzira o carro para fora do cami-
nho, tencionando matar-se juntamente com Molotov. A ten-
tativa falhou únicamente porque no derradeiro instante, Arnold
perdeu a coragem e deteve-se ao aproximar-se do abismo
onde devia 'ocorrer o "acidente,.
Pelo outono de 1934, grupos terroristas trotskistas e das
direitas estavam funcionando na União Soviética. Êsses gru-
pos incluíram entre seus membros antigos social-revolucionários,
mencheviques de outrora, assassinos profissionais e ex-agente
da Ochrana czarista. Na Ucrânia e Bielo-Bússia, na Geórgia
e na Armênia, em Uzbequistã, Azerbajã. e na região marí-
tima do Extremo Oriente, nacionalistas e fascistas anti-sovié-
ticos vinham recrutando pessoal para o seu organismo terro-
rista. Em muitos lugares, agentes nazistas e japoneses ori-
entavam diretamente as operações desses grupos.
Organizara-se uma lista dos líderes soviéticos que de-
viam ser assassinados. A testa da lista figurava o nome de

soubemos isso." A publicação dessa declaração no jornal Miyako oca-


sionou uma enorme reviravolta nos círculos da imprensa de Tóquio,
O jornal foi pesadamente multado pelo governo por ter comunicado
informações confidenciais e seu diretor Yagcchi Giiei, foi constrangido
a resignar por solicitação do Departamento de Guerra.
(63) O dinheiro pago por Chestov ao assassino de Boyarchinov
era parte de um fundo secreto de 164.000 rublos que terroristas trots-
kistas, operando sob as ordens de Chestov, HnKam roubado do Banco
do Estado de Anjerka. O fundo fora reservado para financiamento de
atividades de sabotagem e terrorismo na Sibéria.
266 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

José Stálin. Entre os outros nomes estavam os de Klementi


Vorochilov, V. M. Molotov, Sergei Kirov, Lazar Kaganovitch,
Andrei Tdanov, Viacheslav Menjinsky, Maxim Górki e Vale-
rian Kuibichev.
Os terroristas recebiam periòdicamente mensagens de Leon
Trotsky encarecendo a urgência de eliminar os lideres sovié-
ticos. Uma dessas mensagens alcançou Ephraim Dreitzer, an-
tigo guarda-costas de Trotsky, em outubro de 1934. Trotsky
escrevera com tinta invisível às margens de uma revista alemã
de cinema.«Foi entregue a Dreitzer, pela sua irmã, que
recebera a revista de um portador trotskista em Varsóvia.
A mensagem dizia:
"Caro amigo. Transmita que temos diante de nós
as seguintes e principais tarefas:
1. Remover Stálin e Vorochilov.
2. Desenvolver o trabalho de organização de nú-
cleos no exército.
3. No caso de uma guerra, tirar proveito de tô-
da indecisão onfusão para capturar o governo."

A mensagem vinha assinada por Starik ("o velho") que


era a assinatura em código de Trotsky.
Certa vez, os conspiradores, depois de prolongada ob-
servação, estabeleceram o caminho pelo qual o Comissário
de Defesa, Vorochilov se dirigia habitualmente a Moscou. Três -
terroristas armados de revólveres, estacionaram durante dias
na Rua Franze, uma das travessas pela qual devia passar
o carro de Vorochilov. Mas o carro passava sempre a tôda,
e os terroristas decidiram, como um deles relatou depois, que
"era inútil atirar contra um carro correndo a tôda."
Vários complots para matar Stálin também falharam. Um
terrorista trotskista, designado para assassinar Stálin numa im-
portante reunião do Partido em Moscou, conseguiu insinuar-se
na assembléia mas foi incapaz de aproximar-se bastante do
líder soviético para descarregar a sua arma. Outra vez, ter-
roristas atiraram com fuzis de longo alcance contra Stálin
que vinha passando numa lancha a motor ao longo de uma
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 267

praia do Mar Negro, mas erraram o alvo. "Foi pena", disse


Leo Kamenev, quando o terrorista Ivan Bakavev relatou o
fracasso do complot. "Esperemos que da próxima vez sejamos
mais felizes." (64.)
Trotsky tornava-se cada vez mais impaciente. O tom de
suas comunicações aos seus companheiros na Rússia sofrera
marcada mudança. Êle os censurava amargamente por virem
"se empenhando em preparativos e conversações de organi-
zação", sem terem realizado "nada de concreto." Trotsky co-
meçou a enviar agentes especiais de sua própria confiança
à União Soviética para organizar e acelerar atividades terro-
ristas. Êsses agentes, que eram os emigrados russos ou trots-
kistas alemães, viajavam com passaporte falso providencia-
do pelos conspiradores do serviço diplomático soviético ou
pelo S. S. militar alemão ou pela Gestapo.
O primeiro desses agentes especiais foi um trotskista ale-
mão chamado Nathan Lurye. Foi seguido por mais dois ho-
mens dç Trotsky: Konon Berman-Yurin e Fritz David, aliás,
Ilya-David Kruglyansky. Em março de 1933, Trotsky enviou

(64) A atmosfera interna do Centro Terrorista era nma reminis-


cência de New York Morder, Ino, e outras eamorras semelhantes.
Bakavev, antigo assistente político de Zinoviev no Soviete de Pe-
trogrado, era o responsável pela tinha política dos ativistas do Centro.
Era tarefa dele, dada por Zinoviev, silenciar todo indivíduo que pudesse
trair a organização. Pelo meado de 1934, 'quando fracassou um aten-
tado para matar Stalin por causa do assassino Bogdan, que perdeu
a calma no momento decisivo, Bakavev tratou de wtenraar Bogdan. Visi-
tou-o no seu apartamento e passou a norte com êle. Dt manhã à saída
de Bakavev, o corpo de Bsgdan jazia no aso-lho do quarto de estar,
com uma bala na cabeça e a arma ao lado. Uma carta que Bakavev
o forçara a escrever, foi encontrada rio, quarto. Declarava que Bogdan
se suicidara por causa da "perseguição" à oposição trotskista-zinovie-
vista pelo governo soviético.
Um membro do Centro Terrorista Trotskista-7rn ovievista, Isak Rein-
gold, testemunhou mais tarde que Zinoviev e Kamenevfronha™deci-
dido que quando tomassem o pods colocariam Bakavev asm pôsto-
chave da OGPU. "Utilizando-se da da OGPU", testemunhou
Reingold "êle teria de ajudar no trabalho de investigar, eliminar, matar,
não só os empregados da Comissariado do Povo para Negócios Internos,
a OGPU, que podia estar de posse de muitos fcís da «inspiração, como
também os perpetradores diretos de atos terroristas contra Stalin e seus
auxiliares imediatos. Pela mão de Bakavev, a organização trotskista-
zinovievista pretendia destruir sens próprios terroristas, envolvidos na
conspiração.
268 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

um quarto e um quinto agente: Valentine Olberg e Moissei


Lurye, aliás Alexandre Emel (Moissei Lurye não era parente
de Nathan Lurye.)
Antes do Nathan Lurye deixar Berlim, foi informado
de que em Moscou devia operar sob a direção de um enge-
nheiro e arquiteto alemão chamado Franz Weitz, que esta-
va então empregado na União Soviética. Franz Weitz não
era dos companheiros de Trotsky. Weitz era membro do
Partido Nacional-Socialista da Alemanha. Êle fôra enviado à
União Soviética como emissário secreto de Heinrich Himmler,
diretor da Gestapo nazista. Himmler confiara a Weitz a ta-
refa de organizar operações terroristas e de espionagem na
União Soviética, em colaboração com o Centro Terrorista Trots-
kista-Zinovievista,
Quando um dos companheiros de Zinoviev objetou con-
tra essa ligação direta com um agente nazista, Zinoviev re-
plicou: "O que há nisso que o preocupe? Você é um his-
toriador. Você conhece o caso de Lassalle e Bismarck, quan-
do Lassalle quis utilizar-se de Bismarck para os interêsses da
Revolução. Por que não podemos hoje utilizar-nos de Himm-
ler?"
Pouco depois (J^-1 partirem para a Rússia, os emissários
Konon Berman-Yurin e Fritz David, foram convocados para
conferências especiais com o próprio Trotsky. As reuniões rea-
lizaram-se em Copenhague, pelo fim de novembro de 1932.
Konon Berman-Yurin confessou mais tarde:
"Tive dois encontros com Trotsky. Antes de tudo
êle começou sondando o meu trabalho no passado.
Depois passou a assuntos soviéticos. E disse: A prin-
cipal questão é Stálin. Stálin precisa ser fisicamente
destruído." Alegou que outros métodos de luta eram
agora ineficazes. Disse que para êsse fim era preciso
gente que arrostasse tudo, que aceitasse mesmo o pró-
prio sacrifício para essa tarefa histórica...
De noite continuamos a nossa conversa. Per-
guntei-lhe se o terrorismo individual poderia recon-
ciliar-se com o marxismo. Ao que Trotsky respondeu:
"Os problemas não podem ser tratados de modo dog-
mático. Disse que surgira uma situação na União
Soviética que Marx não previra. Trotsky disse ainda
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 269

que além de Stálin era necessário assassinar Kagano-


vitch e Vorochílov...
Durante a conversa Me passeava nervosamente pe-
lo quarto, e falava de Stálin com ódio excepcional...
Disse que a atividade terrorista devia ser pro-
jetada, se possível, paia atingir ao máximo no Congres-
so do Comin tem, de sorte que o tiro em Stálin ecoasse
numa grande assembléia. Isso teria uma tremenda
repercussão, além mesmo das fronteiras da União So-
viética . . . Seria um acontecimento hístórico-político
de alcance mundial/'

A Fritz David, outro emissário seu, Trotsky disse: Terror


contra Stálin — eis a tarefa revolucionária. Quem quer que
seja revolucionário — 'não pode titubear." Trotsky falou do
"descontentamento crescente" na Rússia Soviética. David per-
guntou-lhe; "Pensa você que esse descontentamento desapa-
recerá no caso de rona guerra entre a União Soviética e
os japoneses?" Trotsky replicou: "Não, ao contrário, em tais
condições as forças hostis ao regime tentarão unir e dirigir
essas massas descontentes, aimá-Ias e conduzi-las contra os
burocratas que governam."
O Centro Terrorista Trotski5ta"-Zmovievista devia desem-
penhar-se do primeiro e maior golpe da conspiração contra
o govêmo soviético. O primeiro golpe era o assassínio de
Sergei Kirov, secretário do Partido em Leningrado, um dos
mais íntimos colaboradores de Stálin no govêmo soviético...
No começo de novembro de 1932, Zinoviev, que estava
em Moscou, enviou seu companheiro, Bakayev, paia dar uma
demão à organização das células terroristas de Leningrado.
Os terroristas de Leningrado, que tinham feito reiteradas
tentativas para se aproximar de Kirov, não ficaram muito
satisfeitos ae receber o emissário de Zinoviev. "Então Grigori
Eveseyevitch (Zinoviev) não acredita em nós", disse a Ba-
kayev um dos terroristas. H e manda gente aqui para con-
trolar nossa organização e nosso trabalho. Ora, somos gente
capaz!"
Uma conferência das células terroristas de Leningrado,
assistida por sete terroristas« pôs Bakayev a par dos últimos
acontecimentos. Bakayev foi informado de que tinha sido
270 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

estabelecida uma guarda regular ao longo da estrada que


Kirov percorria de sua casa ao gabinete no Instituto Smolny.
Bakayev foi apresentado ao homem que tinha sido escolhido
para levar a cabo ôsse assassínio: Leonid Nikolayev, pálido,
ex-guarda-livros de 30 anos que fôra demitido de seu cargo
por irregularidades em suas contas e expulso da Komsomol
(organização da juventude comunista) por desconfiança geral.
Nikolayev contou a Bakayev que planejava atirar em Kirov
perto de sua casa ou no Instituto Smolny. Acrescentou que
já tentara 'um encontro com Kirov, mas falhara.
Bakayev repetiu as instruções que Zinoviev lhe dera em
Moscou:
"A principal tarefa é organizar o serviço terrorista
do modo mais secreto possível, para impedir que nos
comprometamos... Quando submetidos a interrogató-
rio, a coisa principal é negar tôda ligação com a or-
ganização. Quando acusados de atividades terroristas,
é preciso negar enfàticamente e argüir que o terror
é incompatível]com a doutrina dos marxistas bolche-
viques. . . " ^

Zinoviev ficou satisfeito com os desenvolvimentos em Le-


ningrado. Tanto êle como Kamenev confiavam que o assas-
sínio de Kirov se efetuasse logo. Êles acreditavam que êsse
ato acarretaria o pânico no govêrno soviético e seria a senha
para outros atos semelhantes contra líderes soviéticos em todo
o país. "As cabeças têm isto de peculiar'', observava Kame-
nev, "não podem crescer outra v e z . . . "
No dia 1 de dezembro de 1934, às 16,27, Sergei Kirov
deixou o seu gabinete no Instituto Smolny. Descia o com-
prido corredor guarnecido de mármore que leva à sala onde
ia apresentar um relatório à decisão do Comitê Central para
abolir o sistema de racionamento de pão, quando um homem
saltou, sacou um revólver e atirou pelas costas visando a
sua cabeça.
Às 16,30 Sergei Kirov estava morto.
O assassino foi Leonid Nikolayev. Êle tentou suicidar-se
ou fugir, mas foi apanhado antes de poder fazer uma coisa
ou outra.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 271

Aos 28 de dezembro de 1934, Leonid Nikolayev foi


conduzido a julgamento perante o Collegium Militar da Su-
prema Corte da URSS. "Quando atirei em Kirov", testemunhou
Nikolayev, "eu raciocinei do seguinte modo: Nosso tiro pode
ser a senha para. uma explosão, uma revolta dentro do país
contra o Partido Comunista e contra o governo soviético."
O CoIIegium Militar sentenciou Nikolayev ao fuzilamen-
to (65.)
Nikolayev não divulgou que Zinoviev, Kamenev e outros
líderes do Centro Terrorista Trotsldsta-Zinovievista estavam di-
retamente envolvidos no complot para assassinar Kirov.
Mas era claro para. o governo soviético que a planifi-
cação e cuidadosa preparação do assassínio envolvia uma or-
ganização altamente estruturada e perigosa, mais do que o
grupo terrorista de Nikolayev. O Partido Bolchevique indi-
cou um investigador especial para sondar o caso de Lenin-
rado. Seu nome era N. I. Yejov, membro do Comitê Central
o partido .e chefe da Comissão de Controle.
Duas semanas depois de Nikolayev ter sido julgado, Gri-
gori Zinoviev, Leo Kamenev e vários de seus conhecidos
companheiros, inclusive Bakayev, enfrentaram a Corte de Lê-
nin grado, acusados de cumplicidade no assassínio de Kirov.
Durante o julgamento, Zinoviev e Kamenev conduziram-se
da maneira planejada anteriormente. Sem admitir coisa al-
guma cpie o govêrno soviético não tivesse estabelecido pela
sua própria investigação, fingiram profundo remorso e "con-
fessaram que as atividades políticas oposicionistas em que
tinham sido envolvidos "criaram uma atmosfera" favorável
às "atividades anti-soviéticas." Disseram que eram líderes de
um "Centro Moscovita" de oposição política e aceitaram a
"responsabilidade moral" do assassínio de Kirov, visto que che-

(65) O assassínio de Kirov foi entusiasticamente saudado tanto pelos


fascistas russos, como pelas direitas e pelos trotskistas. O Conde Anas-
tase Vonsiatsky, antigo oficial czarista e agente japonês nos E . ü A
declarou no número março de 1935 de sua pisMiíação o Fascista, que
se publicava em Thompson, Ccnnecíicut, E. U. A,: "Kirov desapareceu!
O próximo tiro deve ser o de Stalin, a senha da insurreição... O
tiro de nosso irmão Nikolayev não foi estrondoso, mas ressoou pelo
mundo inteiro... Tire o chapéu, povo russo, »Vanta do túmulo de
Nikolayev. Viva o imortal herói Nikolavev!" Para mais informações
acerca de Vonsiatsky e do fascismo roso-ímaco» ver adiante.
272 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

fiavam o movimento político sedicioso do qual partira o cri-


me. Mas negaram fervorosamente que tivessem tido conhe-
cimento anterior da conspiração para assassinar Kirov.
"Estou acostumado à idéia de que sou um líder", de-
clarou Zinoviev, "e não preciso dizer que eu teria conhecido tu-
d o , . . Êsso crime ultrajante acarretou tal descrédito sôbre
tôda a nossa luta que reconheço estar o Partido no absoluto
direito de falar na responsabilidade política do antigo grupo
de Zinoviev no caso do crime cometido."
Kamehev desempenhou papel idêntico. "Devo dizer que
não sou covarde, mas nunca lutei a mão armada", disse ele.
"Sempre esperei que surgisse uma situação na qual o Comitê
Central fôsse compelido a negociar conosco, a tomar a ini-
ciativa e nos cortejar..."
A astúcia foi de bom efeito. O júri não conseguiu es-
tabelecer que Zinoviev e Kamenev tivessem participado dire-
tamente da conspiração para matar Kirov. Em vez disso,
estabeleceu-se apenas a sua culpabilidade no desenvolvimento
de atividades sediciosas anti-soviéticas. O veredito do tribunal
declarava: ^
"O júri não pôde apresentar fatos que fornecessem
base para qualificar os membros do centro de Mos-
cou como ligados com o assassínio do camarada S.
M. Kirov no dia 1 de dezembro de 1934, nem para
afirmar que tenham incitado diretamente tão abomi-
nável crime; entretanto, o júri confirmou completamen-
te que os membros do centro contra-revolucionário de
Moscou sabiam dos sentimentos terroristas do grupo
de Leningrado e inflamaram esses sentimentos...

Zinoviev foi sentenciado a dez anos de prisão, e Kame-


nev a cinco, pela sua atividade conspirativa.
O júri conseguira apenas arranhar a superfície da cons-
piração. Entre os muitos fatos que o tribunal de Leningrado
não conseguira esclarecer, talvez os mais estranhos tenham
sido éstes:
Quando Zinoviev e Kamenev foram presos, quatro agen-
tes da polícia secreta soviética os trouxeram para o Q. G.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 273

do NKVD (66.) Os agentes eram Molchanov, chefe do De-


artamento Político Secreto do NKVD; Pauker, chefe do
Ê lepartamento de Operações; Volovitch, primeiro assistente do
Departamento de Operações; e Bulanov, assistente do diretor
do NKVD.
Ao prenderem Zinoviev e Kamenev, os quatro agentes
do NKVD agiram do modo mais extraordinário. Não só não
investigaram os apartamentos dos suspeitos, mas permitiram-
lhes que destruíssem numerosos documentos comprometedo-
res . . .
Ainda mais notáveis foram as declarações dêsses quatro
agentes do NKVD.
Molchanov e Bulanov oram membros do organismo cons-
pirativo trotskista o das direitas, 1'anker c Volovitch eram
agentes alemães.
Êsses homens tinham sido especialmente designados para
efetuar as prisões, por Henry (}. Yuf^oda, diretor do NKVD.

(66) No fim de 1934, o NKVD (Departamento de Segurança


Pública) substituiu a OGPU como agência responsável pelos assuntos
de segurança interna na URSS.
CAPITULO xvm

CRIME NO KREMLIN

1. Yagoda

Em maio de 1934, seis meses antes do assassínio de


Sergei Kirov, um ataque cardíaco causou a morte de Vya-
cheslav R. Menjinsky, Diretor da OGPU, M longo tempo
enfermo. Seu posto foi preenchido pelo vice-diretor & OGPU,
um homem de-33 anos, pequeno, tranqüilo, de bela aparên-
cia, barba e bigode elegantes, chamado Henry G. Yagoda.
Henry Yagoda era membro secreto do bloco das direi-
tas e dos trotskistas. Êle aliara-se à conspiração em 1929,
como membro da oposição da direita, não porque acreditas-
se no programa de Bukharin, mas porque poisava que os
oposicionistas se destinavam a assumir o poder na Rússia. Ya-
goda queria estar do lado do vencedor. Segando as suas
próprias palavras:
"Eu seguia o curso da luta com grande atenção,
tendo-me decidido antecipadamente a tomar o par-
tido de quem saísse vitorioso — Quando começaram a
tomar medidas de repressão contra os trotskistas, ainda
não tinha sido colocada a questão sobre quem seria
o vencedor — os trotskistas ou o Comitê Central
do Partido Comunista da União Soviética. A cada ins-
tante pensava nisso. Por esse motivo eu, como assis-
tente ao diretor da OGPU, desincumbindo-me da po-
lícia punitiva, fazia-o de maneira a não suscitar res-
sentimentos entre os trotskistas contra mim. Ao enviar
trotskistas ao exílio, eu criava para êles condições que
os habilitassem a desempenhar as suas atividades nos
lugares de exílio."
276 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

O papel de Yagoda na conspiração a princípio era co-


nhecido unicamente dos três líderes máximos das direitas:
Bukharin, Rikov e Tomslcy. Em 1932, quando o bloco das
direitas e trotskistas se formou, Yagoda conheceu também a
Pyatakov o Krestinsky.
Como vice-diretor da O GPU, Yagoda podia proteger os
conspiradores e impedir que fôssem descobertos e presos.
"Eu tomei tôdas as medidas, no decurso de numerosos anos",
declarou êle mais tarde, "a fim de proteger a organização,
particularmente o seu Centro, para que não fosse descoberta."
Yagoda nomeava membros do bloco das direitas e trotskistas
para agentes especiais da OGPU. Dêsse modo, numerosos
agentes dos S. S. estrangeiros puderam penetrar na polícia
secreta soviética e, sob a proteção de Yagoda, desempenhar
atividades de espionagem para os seus respectivos governos.
Os agentes germânicos, Pauker e Volovitch, que efetuaram a
prisão de Zinoviev e Kamenev, foram indicados à OGPU pelo
píóprio Yagoda. "Eu os considerava", disse mais tarde, refe-
rindo-se aos espiões estrangeiros, "como uma fòrça valiosa pá-
ra a realização dos planos conspirativos, particularmente parâ
manterem ligações com os S. S. estrangeiros."
Em 1934, antes do assassínio de Kirov, o terrorista Leo-
nid Nikolayev foi apanhado pelos agentes da OGPU em Le-
ningrado. Em seu poder encontraram um fuzil e um mapa
com o caminho que Kirov percorria diàriamente. Quando
Yagoda foi notificado da pris" 1 1 ' "
rojetz, assistente da OGPU
tasse o terrorista sem interrogatório. Zaporojetz era um dos
homens de Yagoda. Fêz o que lhe tinha sido indicado.
Poucas semanas depois, Nikolayev assassinou Kirov.
Mas o assassínio de Kirov era apenas um dos numero-
sos assassínios realizados pelo bloco das direitas e trotskistas
com o apoio direto de Henry Yagoda...
Atrás de seu exterior calmo e bom, Yagoda escondia uma
ambição irrefreável, ferocidade e astúcia. Com as operações
secretas do bloco das direitas e trotskistas que dependia cada
vez mais de proteção, o vice-diretor da OGPU começou a
considerar-se pessoalmente como a figura central e o perso-
nagem dominante de tôda a conspiração. Yagoda tinha sonhos
de tornar-se o Hitler da Rússia. Lera o Mein Kampf. "É
um livro utilíssimo" contou ao seu dedicado secretário Pavel
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 277

Bulanov. Êle impressionara-se particularmente, segundo disse,


pelo fato de Hitler "ter-se elevado da condição de sargento
à do homem que era então." O próprio Yagoda começara a
sua carreira como sargento do exército russo.
Yagoda tinha as suas idéias pessoais acerca da modali-
dade de governo que devia ser instaurado depois da queda
de Stalin. Êsse govêmo deveria ser modelado pelo da Ale-
manha nazista, comunicou a Bulanov. Yagoda seria o chefe;
Rikov substituiria Stálin como secretário do Partido reorgani-
zado; Tomsky seria o chefe dos sindicatos, que seriam sub-
metidos a estrito controle militar, como os batalhões de tra-
balhadores nazistas; o "filósofo" Bukharin, como pretendia Ya-
goda, haveria de ser o "Dr. Goebbels."
Quanto a Trotsky, Yagoda não estava certo se permi-
tiria o seu retomo à Rússia. Dependeria das circunstâncias.
Enquanto isso, entretanto, estava disposto a se utilizar de
Trotsky em negociações com a Alemanha e o Japão. O
golpe de éstado, disse Yagoda, deve coincidir com o rompi-
mento da guerra contra a União Soviética.
"Todos os meios serão aproveitados para consumação des-
se golpe — ação armada, provocação e mesmo prisões. Há
ocasiões em que é preciso agir devagar e muito cautelosa-
mente, e há ocasiões em que é preciso agir rápida e subi-
tamente."
A decisão do bloco das direitas e trotskistas de adota-
rem o terrorismo como arma política contra o regime sovié-
tico tinha o endosso de Yagoda. A decisão foi-lhe comuni-
cada pelo antigo soldado e funcionário do secretariado do
Kremlin, Y. S. Yenukidze, que era o organizador do terro-
rismo das direitas. Yagoda tinha só uma objeção. Os méto-
dos terroristas empregados pelos conspiradores pareciam-lhe
extremamente primitivos e perigosos. Por isto passou a pro-
curar meios mais sutis de assassínio político do que as bom-
bas, punhais e balas dos assassinos tradicionais.
A princípio, experimentou o veneno. Montou um labora-
tório secreto e pôs vários químicos em ação. Seu desejo era
descobrir um método de matar que não deixasse vestígio.
"Assassínio com garantia, era o que Yagoda desejava.
Mas os próprios venenos eram muito imperfeitos. Sem
perda de tempo, Yagoda desenvolveu sua técnica própria e
278 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

especial de assassínio. Recomendou-a como uma arma per-


feita para o líderes do bloco das direitas e trotskistas. "É
simplíssimo", disse. "Uma pessoa cai doente naturalmente,
ou fica doente por algum tempo. Os que o cercam acostú-
mam-se com a idéia, que acham natural, de que o paciente
ou morrerá ou se restabelecerá. O médico que trata do pa-
ciente quer facilitar ao mesmo os meios de recuperar a saú-
d e . . . Então? O resto é questão de técnica."
O que faltava era achar os médicos adequados. o

2. O assassínio de Menjinsky
O primeiro médico que Yagoda envolveu no seu pro-
jeto original de assassínio foi o Dr. Leo Levin, homem cor-
ulento, de meia-idade, obsequioso, que gostava de gabar-se
S e desinterêsse por coisas políticas. O Dr. Levin era o mé-
dico de Yagoda. O mais importante para Yagoda era o fato
de ser o Dr. Levin um membro proeminente do corpo mé-
dico do Kremlin. Entre os seus pacientes regulares havia
numerosos líderes soviéticos destacados, inclusive o superior
de Yagoda, Viacheslav Menjinsky, diretor da OGPU.
Yagoda começou dispensando atenções especiais ao Dr.
Levin. Mandava-lhe vinhos importados, flôres para a sua se-
nhora e vários outros presentes. Pôs uma casa de campo, de-
simpedida, à disposição do doutor. Quando o Dr. Levin via-
java para o exterior, Yagoda permitia-lhes que trouxesse com-
pras feitas fora do pais sem pagar os impostos regulares.
O médico sentia-se envaidecido e um tanto embaraçado com
essas atenções desusadas de seu cliente.
Devido a essas maquinações o insuspeitoso Dr. Levin acei-
tara o que equivalia a subôrno e cometera pequenas infrações
das leis soviéticas. Então Yagoda chegou claramente ao ponto.
Contou ao Dr. Levin que um movimento de oposição secreta,
do qual era um dos líderes, estava às portas do poder na Uniãó
Soviética. Os conspiradores, disse Yagoda, precisavam dos
seus serviços. Certos líderes soviéticos, entre os quais alguns
clientes do Dr. Levin, tinham de ser eliminados.
"Convença-se", disse Yagoda ao médico aterrorizado, "que
não pode deixar de me obedecer, não pode desvencilhar-se
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 279

de mim. Já que eu confiei em você paia essa tarefa, você


terá de executá-la. Não diga nada a ninguém acerca dêsse as-
sunto. Ninguém lhe dará crédito. Não acreditarão em você,
mas em mim." Yagoda acrescentou: "Vamos interromper por
hoje esta conversa: pense nisto em sua casa, e espere que eu
o chamarei dentro de poucos dias."
O Dr. Levin descreveu posteriormente a sua reação às
palavras de Yagoda e afirmou:
"Eu não podia exprimir a minha reação psicoló-
gica. Como era terrível para mim ouvir uma coisa
dessas!... Creio que isso está claramente entendido.
E depois, a incessante angústia mental.. ele acres-
centara: "Você sabe quem é que lhe está falando,
de que instituição sou chefe." Repetiu que a minha
recusa significaria a ruína para mim e para minha
família Concluí que não havia outro meio senão o
de submeter-me."

O Dr. Levin ajudou Yagoda a arrolar os serviços de ou-


tro médico que também tratava freqüentemente de Men-
jinsky. Êsse médico era o Dr. Ignatv N. Kazakov, cujos mé-
todos terapêuticos pouco ortodoxos foram motivos de acesa
controvérsia nos círculos médicos soviéticos durante o comêco
de 1930.
O Dr. Kazakov proclamou que descobrira um remédio
quase infalível para uma grande lista de enfermidades por
meio de uma técnica especial que ele denominava "lisatote-
rapia." O diretor da OGPU, Menjinsky, que sofria de angina
pectoris e asma brônquica tinha grande fé nos tratamen-
tos de Kazakov e submeteu-se a êles regularmente (67.)

(67) Aos 23 de dezembro de 1943, o Dr. Henry E. Sigerrist,


professor de História da Mediram na Universidade de Joitns Hopldns
e extraordinária autoridade americana em História da Medicina, escreveu
aos autores deste livro acerca do Dr. Ignatv N. Kazakov: "Passei um
dia inteiro com o Professor Ignaty N. Kazakov em sua clinica em 1933.
Era um homem enorme com uma jnba selvagem, parecendo mais um
artista do que um cientista e dando a impressão de um cantor de ópera.
Falando, dava a sensação de um gênio ou de um louco. Dizia ter
descoberto «ra novo método de iti-ti«mp»ir» a que êle chamava Iisato-
terapia, mas recusava revelar como eram preparados esses lisatos com '
os quais tratava grande variedade de paciente. £le motivava a sua
280 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Segundo instruções de Yagoda, o Dr. Levin foi ver o


Dr. Kazakov e lhe disse: Menjinsky é um cadáver ambulante.
Você está é perdendo o seu tempo.
Kazakov olhou o seu colega com espanto.
— Tenho que falar com você em particular — disse Levin.
"Sôbre a saúde de Menjinsky..
Depois Levin chegou ao ponto. — Pensei que você fôsse
mais sagaz. Você ainda não me compreendeu — disse — estou
surprêso de você ter empreendido o tratamento de Men-
jinsky com tanto zelo e de lhe ter melhorado a saúde.
Você nunca devia ter-lhe possibilitado o regresso à ativi-
dade.
Em seguida, ante o pasmo e horror de Kazakov, Levin
continuou:
— Você deve observar que Menjinsky atualmente é um
"cadáver", e, restaurando a sua saúde, dando-lhe possibilidade
de voltar a trabalhar, você está-se opondo a Yagoda, Men-
jinsky está no caminho de Yagoda que está interessado em
eliminá-lo o mais cedo possível. Yagoda é um homem que
não se detém diante de coisa alguma. -
Levin acrescentou:
— Nem uma palavra sôbre isto a Menjinsky! Estou avi-
sando-lhe, porque se transpirar alguma coisa, Yagoda acabará
com você. Você não escapará, esconda-se onde se esconder.
Mesmo que se enterrasse, Yagoda o apanharia.
Na tarde de 6 de novembro de 1933, Kazakov recebeu
um* chamado urgente da casa de Menjinsky. Quando che-
gou à casa do diretor da OGPU, deu com um cheiro pe-
sado e sufocante de terebentina e tinta. Dentro de alguns
minutos começou a sentir falta de ar. Um dos secretários

recusa com o argumento de que o método poderia ser desacreditado


caso fôsse usado sem cautela e indiscriminadamente por outros, antes
do ser inteiramente comprovado. As autoridades sanilárias soviéticas
tiveram no caso uma atitude muito liberal e deram tôdas as facilidades
clínicas o laboratórios para êle experimentar e desenvolver o seu método.
"O Professor Kazakov esperava a minha visita e no dia em que
cheguei estava rodeado de grande número de clientes para fazer-me
demonstrações. Foi um espetáculo que me causou multo má im-
pressão. Eu vira curas miraculosas operadas por charlatães em outros
países... Poucos anos depois evidenciou-se que o seu método não
servia e que êle não era apenas doido, mas criminoso."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 281

de Menjinsky informou de que a casa tinha sido pintada


de fresco e que tinha sido adicionado à tinta "una subs-
tância especial" para que "a pintura secasse mais depressa."
Era aquela "substância especial" que causava o cheiro pun-
gente e destruidor.
Kazakov subiu. Encontrou Menjinsky em grande afli-
ção. Sua condição brônquica tinha sido terrivelmente agra-
vada pelos vapores. Estava em completo desalinho, com o
rosto e o corpo inchados, mal podendo murmurar. Kazakov
auscultou-o. Sua respiração era difícil e arrancada, com exa-
lação grandemente prolongada, característica de um sério ata-
que de bronquite asmática. Kazakov imediatamente lhe apli-
cou uma injeção para reabilitá-lo. Depois escancarou tóaas
as janelas do quarto e mandou o secretário abrir todas as
portas e janelas da casa. Gradualmente o cheiro desapareceu.
Kazakov permaneceu com Menjinsky até o mesmo sentir-se
melhor. Quando passou o ataque, voltou para casa.
Apenas entrara em sua casa o telefone tilintou. Era um
chamado do Q. G. da OGPU. Kazakov foi informado de
que Henry Yagoda desejava vê-lo imediatamente. Um carro
já estava a caminho para levá-lo ao escritório de Yagoda...
— Bem, como acha que vai a saúde de Menjinsky? — foi
a primeira coisa que Yagoda lhe perguntou quando se encon-
traram a sós no gabinete. O pequeno^ ^elegante e moreno
vice-diretor da OGPU estava sentado atrás de sua escriva-
ninha, analisando friamente a expressão de Kazakov.
Kazakov replicou que com a renovação dos ataques as-
máticos, o estado de Menjinsky era grave. Yagoda calou-se
por um instante.
— Você falou com Levin?
— Sim, falei replicou Kazakov.
Yagoda levantou-se abruptamente de sua cadeira e co-
meçou a andar em frente da escrivaninha. Subitamente, vol-
tou-se, exclamando furiosamente: — Por que hesita? Por que
não age? Quem mandou você se intrometer nos negócios
dos outros?
— O que pretende de mim? — perguntou Kazakov.
— Quem pediu a você que desse auxílio médico a Men-
jinsky? disse Yagoda. — Você está perdendo tempo à toa.
A sua vida não tem utilidade. Êle atrapalha tôda gente.
282 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Ordeno-lhe que colabore com Levin para descobrir um método


de tratamento pelo qual seja possível dar um fim, o mais
rápido possível, à vida de Menjinsky! Depois de uma pausa,
acrescentou: — Advirto que se tentar desobedecer-me, terei
meios para liquidá-lo. Você não me escapará . . .
Para Kazakov, os dias que seguiram foram cheios de
terror. Voltou para o seu trabalho como que alucinado. De-
veria ou não relatar o que sabia às autoridades soviéticas?
A quem poderia falar? Como poderia assegurar-se de não
estar falando com um dos espiões de Yagoda?
Levin, que o viu freqüentemente durante êsse período,
narrou a Kazakov a existência de uma vasta conspiração surda
contra o govêrno soviético. Famosos e poderosos funcioná-
rios como Rykov e Pyatakov estavam metidos na conspira-
ção; brilhantes escritores e filósofos como Karl Radek e Buk-
harin também se tinham aliado a ela; atrás havia elementos
do exército. Se Kazakov prestasse algum serviço valioso
Yagoda se lembraria disso quando estivesse no poder. Havia
uma guerra secreta que se processava, dentro da União So-
viética, e os médicos tanto como outras pessoas, tinham de
tomar partido...
Kazakov sucumbiu. Comunicou a Levin que executaria
as ordens de Yagoda. Eis, segundo as próprias palavras de
Kazakov, qual a técnica que êle e o Dr. Levin usaram para
o assassínio do Diretor da OGPU, Viacheslav Menjinsky:
"Encontrei-me com Levin e juntos elaboramos o
programa que consistia no seguinte. Primeiro: os pro-
dutos da decomposição hidrolítica de albumina pos-
suem a propriedade de estimular o efeito dos medi-
camentos. Segundo: os lisatos aumentam a sensibili-
dade. Aproveitamo-nos dessas duas pronriedades. Ter-
ceiro, tiramos proveito das peculiaridades do organis-
mo de Menjinsky, da combinação da bronquite as-
mática e angina péctoris. É fato muito conhecido
que no caso ae uma bronquite asmática a chamada
secção parassimpática do sistema nervoso vegetativo
se excita. Daí, nos casos de bronquite asmática, pres-
crevem-se substâncias que excitam a secção correspon-
dente, isto é, o simpático, a glândula tireóide. Esse
preparado é o extrato da glandula supra-renal, um
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 283

preparado do stratum, medular. Xo caso da angina


éctoris é exatamente a secção simpática que parte
o plexo subjugular do gânglio simpático que é ex-
citado. Era êsse o ponto principal de que nos apro-
veitamos . . .
Gradualmente, introduzimos uma série de prepa-
rados. enquanto deixamos outra de reserva... Foi ne-
cessário introduzir numerosos estimulantes cardíacos —
digitalis, adónis, atrofanto — que estimulavam a ati-
vidade do coração. Êsses medicamentos eram minis-
trados na seguinte ordem: primeiro, lisatos; depois*
um intervalo no tratamento de lisatos; finalmente, es-
timulantes cardíacos. Como resultado dêsse tratamen-
to, um debilitamento geral..

Na noite de 10 de maio de 1934, Menijnsky morreu.


O homem que tomou o seu lugar como chefe da OGPU
foi Henry Yagoda.
"Nego que causando a morte de Menjinsky eu tenha
sido guiado por motivos de ordem pessoal", confessou Ya-
goda depois. "Eu almejava o pôsto de chefe da OGPU, não
por consideração pessoal, mas no interesse de nossa organi-
zação conspirativa"

3. Crime com garantia


A lista de assassínios do bloco das direitas e trotskistas
incluía os seguintes altos líderes soviéticos: Stalin, Voróchilov,
Kirov, Menjinsky, Molotov, Kuibyêhev, Kaganovitch, Gorki e
Jdanov. Êsses homens viviam todos vigiados. O govêmo
soviético tinha longa e dura experiência de trato com os ter-
roristas e por isto não facilitava. Yagoda sabia disso perfei-
tamente. Quando o organizador terrorista da direita, Yenu-
kidze, lhe comunicou a decisão do Centro Terrorista Trots-
kista-Zinovievista de cometer o assassínio de Sergei Kirov,
Yagoda a princípio observou, segundo suas palavras:
"Exprimi a minha apreensão de que um ato di-
reto de terrorismo poderia expor não só a mim mesmo, '
mas a organização inteira. Mostra a Yenukidze eximo
284 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

a morte de Menjinsky tinha sido levada a cabo


com o auxílio dos médicos. Yenukidze replicou que
o assassínio de Kirov devia ser realizado como tinha
sido planejado, que os trotskistas e zinovievistas ti-
nham tomado a incumbência dêsse crime, e que era
tarefa nossa não lhe opor obstáculos. Quanto ao mé-
todo seguro de matar com o auxílio dos médicos Yenu-
kidze disse que brevemente o Centro discutiria a ques-
tão, para saber exatamente quais dos membros do
Partido e do govêrno poderiam, em primeiro lugar,
ser liquidados por êsse método."

Um dia, pelo fim de agôsto de 1934, um jovem membro


secreto da oposição de direita foi convocado ao gabinete de
Yenukidze no Kremlin. Seu nome era Venyamin A. Maxi-
mov. .Em 1928, quando estudante, Maximov freqüentara a
"Escola Marxista Especial" que Buldiarin dirigia em Moscou.
Bukharin o tinha recrutado para a conspiração. Jovem sagaz
e inescrupuloso, Maximov fôra cuidadosamente treinado pelos
líderes de direita e, depois de formado, estivera em vários
postos de secretaria. Na ocasião em que foi chamado ao
gabinete de Yenukidze, Maximov era o secretário pessoal de
Valerian V. Kuibychev, diretor do Supremo Conselho de Eco-
nomia Nacional, membro do Bureau Político do Partido Co-
munista, e íntimo amigo e colaborador de Stálin.
Yenukidze informou Maximov que "enquanto outrora as
direitas pensavam que o govêrno soviético poderia ser derri-
bado com a organização de certas camadas anti-soviéticas mais
esclarecidas da população, e particularmente os kulaks, agora
a situação mudara... e era necessário çroceder a métodos
mais ativos para apoderar-se do govêrno.' Yenukidze descre-
veu as novas táticas da conspiração. De acôrdo com os trots-
kistas, disse êle, as direitas tinham adotado a decisão de eli-
minar numerosos de seus adversários políticos por meios ter-
roristas. Isso deveria fazer-se "arruinando a saúde dos líde-
res." Êsse método, disse Yenukidze, era "o mais conveniente
porque a morte pareceria o infeliz resultado de uma enfer-
midade grave e dêste modo possibilitaria a camuflagem da
atividade terrorista das direitas."
Yenukidze acrescentou que já estavam sendo feitos pre-
parativos para isso. Contou a Maximov que Yagoda estava
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 285

atrás de tudo isso, protegendo os conspiradores. Maximov,


como secretário de Kuibychev, devia ser utilizado no assas-
sínio do diretor do Supremo Conselho de Economia Nacio-
nal. Kuibychev sofria de grave condição cardíaca, e os cons-
piradores projetaram tirar partido disso.
Maximov, diante dessa tarefe, demonstrou hesitação.
Poucos dias depois, Maximov foi chamado novamente ao
gabinete de Yenukidze. Dessa vez, enquanto o assassínio de
Kuibychev foi discutido com mais pormenores, havia outro
homem sentado num canto da sala.° Não proferiu palavra
durante a conversação toda; mas o simples rate de sua pre-
sença chamou a atenção de Maximov. O homem era Henry
Yagoda...
— O que esperamos de você — disse Yenukidze a Maxi-
mov, "é, primeiro, que dê aos médicos de Yagoda a opor-
tunidade de ficarem à vontade para atender freqüentemente
ao paciente, de sorte que não haja empecilhos nas suas visitas;
e, em segundo lugar, no caso de recaída grave ou ataques
não sejam chamados outros médicos."
Pelo outono de 1934, a saúde de Kuibychev subitamen-
te piorou. Êle sofria enormemente, sem poder fazer quase
nada.
Levin descreveu mais tarde a técnica que, sob instrução
de Yagoda, empregou durante a enfermidade de Kuibychev:
"O ponto vulnerável do seu organismo era o co-
ração, e foi aí que trabalhamos. Sabíamos que o
seu coração estivera em condição lastimável durante
tempo considerável. Êle sofria de uma afecção dos
vasos cardíacos, miocardite, e Hnha leves ataques de
angina péctoris. Em tais casos, é preciso poupar o
coração, evitar estimulantes poderosos, que acelerariam
excessivamente a atividade do coração e o levariam
gradualmente ao debilitamento... No caso de Kui-
bychev, administramos estimulantes para o coração, sem
intervalos, por um período prolongado, até o tempo
de sua viagem à As ia CentraL De agôsto até setem-
bro ou outubro de 1934, demos-lhe injeções ininter-
ruptamente, de extratos especiais de glândula endó-
crina e outros estimulantes cardíacos. Isso intensificou
e amiudou os ataques de angina péctoris."
286 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Âs duas da tarde de 25 de janeiro de 1935, Kuibychev


teve um violento ataque no seu gabinete no Conselho dos
Comissários do Povo cm Moscou. Maximov, que nessa oca-
sião estava com Kuibychev, tinha sido prevenido pelo Dr.
Levin do que num caso como aquôle, o correto seria fazer
Kuibychev doitar-se e permanecer em absoluto repouso. Ma-
ximov fôra prevenido de que a sua incumbência seria fazer
que Kuibychev fizesse exatamente o contrário. E persuadia
o doente a que andasse em demanda de sua casa.
Pálido como um cadáver e movendo-se com extrema di-
ficuldade, Kuibychev deixou o seu gabinete. Maximov chamou
rontamente Yenukidze e contou-lhe o que acontecera. O lí-
er da direita instruiu Maximov para que permanecesse calmo
e não chamasse médico.
Kuibychev fez penosamente a caminhada do edifício do
Conselho dos Comissários do Povo até a sua casa. Devagar
e com crescente mal-estar, subiu a escada para o seu apar-
tamento no terceiro andar. Sua criada veio encontrá-lo à
porta, e ao vê-lo, telefonou imediatamente para o gabinete,
avisando que êle necessitava de cuidados médicos urgentes.
Mas na ocasião em que os médicos chegaram, Valerian
Kuibychev tinha morrido.

.4. "Necessidade histórica"


O mais -brutal de todos os assassínios realizados sob a
supervisão de Yagoda foi o de Máximo Gorki e seu filho
Pechkov.
Górki tinha 68 anos no tempo de sua morte. Era co-
nhecido e venerado em todo o mundo, não apenas na Rússia,
como o maior escritor vivo e um dos mais extraordinários
humanistas. Êle sofria de tuberculose e de má condição car-
díaca. Seu filho herdara uma extrema susceptibilidade a in-
fecções respiratórias. Tanto Górki como seu filho eram clientes
do Dr. Lovin.
O assassínio de Górki e seu filho foi decido pelos líde-
res do bloco das direitas e trotskistas. Em 1934, Yagoda
comunicou esta decisão ao Dr. Levin ordenando que a exe-
cutasse.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 287

"Gorki é um homem muito ligado ao governo", disse


Yagoda ao Dr. Levin, "um homem muito dedicado à polí-
tica realizada no país, muito dedicado pessoalmente a Stalin,
um homem que nunca andará por onde andamos. Além disso,
você sabe qual a autoridade das palavras de Gorki tanto
no pais como além de nossas fronteiras. Você conhece a
influência que êle exerce e quanto prejuízo causa ao nosso movi-
mento pelas suas palavras. Você precisa concordar com isso
e colherá os frutos mais tarde, quando o novo govêmo assu-
mir o poder."
Como Levin demonstrasse alguma perturbação ante essas
instruções, Yagoda continuou: '"Não há necessidade de sobres-
saitar-se. Você deve compreender que isso é inevitável, que
é uma necessidade histórica, um estágio por que tem de pas-
sar a revolução, e você passará por êle junto conosco. Você
há de ser uma testemunha disso e nos há de ajudar com
todos os meios que estiverem à sua disposição." (68.)

(68) A despeito da idade, G á ü eia odiado e temido pelos tro-


tskistas. Sergei Bessoaov, mensageiro trotskista, relatam que já em julho
de 1934. Trotskv lhe dissera: *"G-5rki ê muito ir timo de Stalin. Êle
desempenha um papel excepcional conquistando a simpatia para a URSS
entre a opinião democrática do mondo e especialmente na Europa Oci-
dental . . . Nossos antigos esteios na InteUigentsia estão desatando em
massa sob a influência de GcrkL Daí a .necessidade de GóiM ser eli-
minado. Transmita essa instrução a ^-afakov na fmmta mais categórica:
Górki precisa ser fisicamente exteimiaadfl, custe o qae custar."
Os emigrados russos fascistas e terroristas^ que trabalhavam com
os nazistas, Hrámm famhém colocado Górki na lista dos líderes sovié-
ticos que planejavam sáatar. A 1 de novembro de 1934, o número
de Za Rossiyu, órgão da Liga Nacional Russa da Nova Regeneração,
publicado em B e i j a d o , lugosavia, declarou: =Kirov em Leningrado pre-
cisa ser liquidado. Também precisamos <»lrimre3T Kossior e Postychev
no sul da Rússia. Irmãos fascistas, se "5r> conseguem apanhar Stalin,
matem Górki matem o poeta Desnyaa Bieni, matem Êagannvitch
O motivo que Yagoda tinha para gyasigngT o MJio ds Górki, Pechkov,
não era apenas politico. Anteriormente ao crime, Yagoda comunicou
aos conspiradores que a morte de Pechkov seria um "golpe pesado"
para Górki, o que o reduziria a uni "ve3m desesperado.' Mas no seu
julgamento em 1933, Yagoda pedia permissão à Corte paia não reve-
lar, publicamente as soas razões por ter assassinado Pechkov. Yagoda
solicitou que lhe fosse permitido dar o sen depoimento em uma das
sessões in comera. O tribunal atendeu ao pedido. O Embaixador Davies,
no seu livro Missão em Moscou dá uma possível explicação para o
crime contra Pechkov: "Em tfeao disso corre a lenda de qne Yago-
da . . . se apaixonara pela jovem e linda nruJJs® de G ó r k i . . .
288 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Pechkov foi morto antes de seu pai. Levin disse mais


tarde:
"Havia três sistemas no sou organismo que podía-
mos aproveitar muito fàcilmente. Eram: o sistema ex-
cepcionalmente excitável cárdio-vascular, seus órgãos
respiratórios, herdados de seu pai, não que sofressem
do tuberculose, mas porque muito fracos, o finalmente
o sistema nervoso vegetativo. Mesmo uma peque-
nina quantidade de vinho afetava o !>eu organismo,
e apesar disso êle bebia grande quantidade . . .

Levin trabalhou metòdicamente no debilitamento do or-


ganismo de Pechkov que em meados de abril de 1934, apa-
nhou sério-resfriado. Atacou-o a pneumonia.
Quando parecia que Pechkov ia recobrar a saúde, Yagoda
ficou furioso. "Diabo", exclamou êle, "êles são capazes de
matar gente sã e não sabem liquidar um homem doente!"
Mas finalmente, graças aos esforços de Levin, chegou-se
ao resultado almejado. Como êle mesmo confessou:
"O paciente se debilitara extremamente. Seu cora-
ção estava em condições abomináveis; o sistema ner-
voso, como sabemos, desempenha um papel tremendo
durante distúrbios infecciosos. Êle estava totalmente
enfraquecido e a enfermidade se agravava.
O progresso da doença acentuou-se porque foram
eliminados os medicamentos capazes de proporcionar
benefício ao coração, enquanto que, ao contrário, eram
aplicados os que enfraqueciam. E finalmente... aos
11 de maio êle morreu de pneumonia."

Máximo Górki foi assassinado por métodos semelhantes.


Durante 1935, as viagens freqüentes de Górki fora do Mos-
cou subtraíram-no às mãos do Dr. Levin, salvando-o tempo-
ràriamento. Depois, no comêço de 1936, chegou a oportu-
nidade esperada. Górki contraiu uma gripe séria om Moscou.
Levin deliberadamente agravou a condição de Górki e, como
no caso de Pechkov, sobreveio a pneumonia. Pela segunda vez,
o Dr. Levin matou um seu paciente:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 289

"Com respeito a Alexei Maximóvitch Gorki, a con-


duta foi a seguinte: usar medicamentos normalmente
indicados, contra cujo uso não podia levantar-se sus-
peita, e que podiam ser usados para estimular a ati-
vidade cardíaca. Entre esses medicamentos havia cân-
fora, cafeína, cardiasoL digaleno. Podemos aplicar es-
ses medicamentos num certo grupo de distúrbios car-
díacos. Mas no caso nós os' ministramos em doses
tremendas. Assim, por exemplo, ele tomou pelo me-
nos umas 40 injeções de cânfora... em 24 horas. Era
uma dose muito forte para ê l e — Mais duas injeções
de digaleno . . . Mais quatro injeções de cafeína...
Mais duas injeções de estric-nina."

Aos 18 de junho de 1936 morria o grande escritor so-


viético.
CAPITULO XIX

DIAS DE DECISÃO

1. f f guerra se aproxima do Ocidente


Pelo ano de 1935 os planos para o ataque conjugado
teuto-japonês contra a União Soviética estavam muito adian-
tados. Os japonêses com os seus exércitos na Manchúria
estavam empreendendo reiterados reides e incursões de "ex-
periência" através das fronteiras orientais soviéticas. O alto
comando alemão prosseguia nas suas negociações com os cír-
culos militares poloneses-fascistas para obter uma aliança mi-
litar anti-soviética. As quinta-colunas nazistas estavam prepa-
rando-se nos países balcânicos e bálticos,* na Áustria e Tche-
co-Eslováquia. Diplomatas reacionários britânicos e franceses
estimulavam entusiàsticamente a prometida Drang nach Osten
de Hitler...
Aos 3 de fevereiro, depois de discussões entre Pieire La-
vai e Sir John Simon, os governos francês e britânico anun-
ciaram seu acôrdo para libertar a Alemanha nazista de certas
cláusulas de desarmamento do Tratado de Versalhes.
Aos 17 de fevereiro o London Observer comentava:
"Por que a diplomacia de Tóquio está tão ativa
no momento em Varsóvia e Berlim?... Moscou dá a
resposta... As relações entre a Alemanha, Polônia
e Japão tomam-se dia a dia mais estreitas. Em qual-
quer emergência eles chegariam a uma aliança anti-
soviética."

Na expectativa de que as suas armas seriam usadas con-


tra a Rússia Soviética, o programa de rearmamento da Ale-
292 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

manha nazista era auxiliado quanto possível pelos estadistas


anti-soviéticos na Grã-Bretanha e França.
A 1.° de março, depois de um plebiscito precedido de
intenso terror e propaganda nazista entre os habitantes do
distrito, o Sarre com suas minas carboníferas vitais foi en-
tregue pela França à Alemanha nazista.
Aos 16 de março, o governo do Terceiro Reich repu-
diou formalmente o Tratado de Versalhes e comunicou aos
embaixadores francês, britânico, polonês e italiano em Berlim
um decreto nazista proclamando o "serviço militar obrigató-
rio" na Alemanha.
Aos 13 de abril, Berlim anunciou sua intenção de criar
uma frota aérea de bombardeiros pesados.
Aos 18 de junho, onze dias depois de assumir o pôsto
de primeiro-ministro o tory Stanley Baldwin, foi anunciado
um acôrdo naval anglo-germânico. Foi concedido à Alema-
nha nazista o direito de construir uma nova esquadra e "pos-
suir uma tonelagem de submarinos igual à tonelagem subma-
rina total dos membros da Comunidade Britânica de Nações."
O acôrdo foi concluído depois de uma troca de cartas en-
tre o ministro do Exterior nazi Joachim von Ribbentrop e o
inovo secretário britânico do Exterior, Samuel Hoare.
Aos 3 de novembro UEcho de Paris relatou uma .con-
ferência que se realizava entre o banqueiro nazista, Dr. IIjalmar
Schacht, o governador do Banco da Inglaterra, Sir Montagu
Norman, e o governador do Banco de França, M. Tannery.
Segundo o jornal francês, Schacht declarou na conferência:
"Não temos intenção de modificar nossas fron-
teiras ocidentais. Cedo ou tarde a Alemanha e a
Polônia partilharão a Ucrânia, mas no momento nós
nos satisraremos com estender o nosso domínio nas
províncias bálticas."
8
Aos 11 de novembro, o New York Herald Tribune ob-
servou:
"O premier Lavai, que é também ministro do
Exterior, é forte partidário de um acôrdo entre a III
República Francesa e o III Reich Alemão, e diz-se
que êle pretende rasgar o pacto franco-soviético, que
' foi assinado mas não ratificado pelo parlamento fran-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 293

cês, em vista de um pacto pelo qual o regime de ^


Hitler garantiria a fronteira oriental francesa em
troca de completa liberdade de ação na região de
Memel e na Ucrânia."
»

Em face da crescente ameaça de guerra, o govêrno so-


viético reiteradamente ' " i conjunta de todos
os países ameaçados Por várias vêzes,
ante a liga das Nações e nas capitais da Europa, o comis-
sário do Exterior soviético Maxim Litvinov frisou a necessidade
da segurança e alianças coletivas entre as nações não-agres-
soras. Aos 2 de maio de 1935, o govêrno soviético assinou
um tratado de mútua assistência com o govêrno da França
e aos 16 de maio assinou tratado idêntico com o govêrno
da Tcheco-Eslováquia.
"A guerra deve parecer a todos o mais ameaçador pe-
rigo de amanhã", disse Litvinov na Liga das Nações. "A or-
ganização da paz, pela qual pouquíssimo se tem feito, é o
que se impõe contra a organização extremamente ativa da
guerra."
Em outubro de 1935, com a anuência diplomática de
Pierro Lavai e Sir Samuel Hoare, os exércitos fascistas ita-
lianos de Mussolini invadiram a Etiópia...
A II Guerra Mundial, que se iniciara com o ataque do
Japão na Manchúria cm 1931, vinha aproximando-se do Oci-
dente (69.)

(09) Trotsky instruiu seus companheiros dentro da Rússia para


3 uo fizessem todo esfôrço possívol no sentido de solapar as tentativas
o govârno soviético com relação ao pacto de segurança coletiva. No
comôço do 1935, Christian Rakovsky, o agente trotskista japonês que
fôra antos o embaixador soviético em Londres e em Paris, recebeu em
Moscou uma carta de Trotsky assinalando a necessidade "de isolar in-
ternacionalmente a União Soviética." Nos entendimentos com países es-
trangeiros, escreveu Trotsky, os conspiradores russos devem ter em conta
os vários elementos políticos. No caso dos "elementos de esquerda es-
trangeiros" era necessário "contar com os seus sentimentos pacifistas."
Com os "elementos de direita estrangeiros" o problema era mais sim-
ples: "Seus sentimentos contra a União Soviética são claros e defini-
dos", declarava Trotsky. "Com êles nós podemos falar francamente."
Em maio de 1935, uma delegação francesa visitou Moscou para
discutir o Pacto Franco-Soviético. Acompanhando a missão estava Emil
Buré, editor do influente órgão parisiense da direita D'Ordre, com quem
294 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

No solo soviético a vanguarda fascista-secreta já lançara


uma ofensiva maior contra o potencial de guerra do Exér-
cito Vermelho. Aliado com os agentes alemães e japonêses,
o bloco das direitas e trotskistas começara sua campanha
cuidadosamente planejada e sistemática, contra a industria,
transportes e agricultura soviéticos. O objetivo era solapar o sis-
tema de defesa soviético que se preparava para a guerra
próxima. A campanha de sabotagem total vinha sendo exe-
cutada sob a supervisão experiente de Pyatakov.
"O terror é um método drástico", disse Pyatakov numa
reunião secreta das direitas e trotskistas em Moscou, "mas
está longe de bastar. Ê necessário solapar as conquistas do
poder soviético, solapar o prestígio do govêrno de Stálin e
desorganizar a vida econômica... Ê preciso desenvolver de
modo mais enérgico tôdas as nossas atividades. Temos de
agir com a mais enérgica determinação. Temos de agir enér-
gica e persistentemente, sem nos determos diante de nada.
Todos os meios são úteis e bons — é a diretiva de Tro-
tsky, que o Contro Trotskista subscrevei"
No outono de 1935, a operação das unidades de sabo-
tagem nas localidades estratégicas da União Soviética gal-
vanizara-se num esfôrço total. Nas novas indústrias pesadas
nos Urais, nas minas de carvão de Donbas e Kuzbas, nas
estradas de ferro, nas usinas de projetos de construção*, os
sabotadores trotskistas sob a direção de Pyatakov vinham de-
sencadeando golpes simultâneos e poderosos contra os ramos
mais vitais da produção soviética. Semelhantes atividades des-

Rakovsky so acamoradara quando embaixador na França. Rakovsky foi


ver Buro no Ilotol Metrópole em Moscou. Êle comunicou a Buré que
o Pacto Franco-Soviético virtha carregado do perigo e podia conduzir
facilmente a "tuna guerra preventiva por parte dia Alemanha." Acres-
centou que essa era não aponas a sua opinião mas a de grande nú-
mero de diplomatas e demais oficiais altamente colocados na União
Soviética. 3
Para pesar do Rakovsky, Buré comunicou-lhe que se opunha ina-
balàvelmente a tôda tentativa de apaziguamento com a Alemanha na-
zista. "A França — disse Buré a Rakovsky — não pode permanecer
isolada em face da crescente militarização da Alemanha. O agressor
tem de ser submetido a camisa-de-fôrça; é o único meio de julgar
a guerra."
Mas desgraçadamente os Burés não tinham o contrôle total da po-
lítica externa da França. O cabeça da missão francesa em Moscou
era Pierre L a v a i . . .
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 295

trutivas, supervisionadas por Bukharin e outros líderes das


direitas, efetuavam-se nas granjas coletivas, nas cooperativas,
nas agências de exportação, finanças e comércio. Os agentes
dos S. S. alemão e japonês estavam dirigindo muitas das
fases da campanha de sabotagem.
Houve muitas operações de sabotagem efetuadas por agen-
tes alemães e japonôses, das direitas e trotskistas, como mais
tarde descreveram os próprios sabotadores:

Ivan Knyaxev, trotskista e agente japonês, gerente do sis-


tema ferroviário dos Urais:
"Com relação às atividades destrutivas que se desenvolvem nas es-
tradas do ferro, e quanto íi organização da destruição de trens, eu exe-
cutei integralmente as instruções, visto que nesse assunto as instruções
do S. S. militar japonês coincidem plenamente com as instruções que
eu recebera algum tompo antes d» organização trotskista... Aos 27
do outubro... ocorreu um dosastro do trem om Ghumika... um trem de
tropas... o foi trabalho do nossa organização. O trem, viajando a
grando velocidade, cârea do 40 a 50 quilômetros por hora, descarrilou
do um' trilho no qual estava parado um trom do carga com minérios.
Vinte o nove soldados do Exército Vormolho mortos e vinte e nove
feridos... 30 a 50 desastres foram organizados diretamente por n ó s . . .
O S. S. japonês insistia sôbro o uso do meios bacteriológicos em tempo
do guerra oom o objetivo do contaminar trons do tropas, cantinas o
- centros sanitários do exército com bacilos altamente virulentos..."

Leonid Serebryàkov, trotskista, diretor assistente da ad-


ministração das Estradas de ferro:
"Propusemo-nos a uma tarefa bastante concreta o definida: desarti-
cular o tráfego do carga, reduzir a lotação diária com o aumento de
carros vazios, Impedir a autorização para os trens e máquinas correrem
mais do quo na sua baixíssima velocidade, impedir a utilização total
do poder e capacidade de tração das locomotivas, e assim por diante.
. . . Por proposta de Pyatakov, Livchitz (agente japonês o trots-
kista) veio ver-me na Administração Central de Transportes Rodoviários.
Êle era o chefe da E. F. Meridional... Informou-me que na E. F.
Meridional havia um assistente, Zorin, que poderia desenvolver essa
atividade... Livichitz e eu discutimos o assunto e chegamos à con-
clusão de que além das atividades das organizações no centro e nas
províncias cujo efeito seria ocasionar confusão e caos nas ferrovias, era
ainda necessário assegurar a possibilidade de bloquear as junções fer-
roviárias mais importantes nos primeiros dias de mobilização, criando
nelas tal congestionamento que acarretasse o deslocamento do sistema
de transporte e reduzisse a capacidade das junções ferroviárias.
296 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Alexei Chestov, trotskista e agente nazista, membro da


diretoria do Truste de Carvão Oriental e Siberiano:
"Nas minas de Prokopyevek empregou-se o sistema de câmaras e
pilares, sem enchimento das cavidades feitas. Como resultado dêsse sis-
tema tivemos mais de 50% de perda de carvão em vez dos 15 a
20% habituais. Em segundo lugar, como resultado disso, houve cerca de
60 explosões subterrâneas nas minas de Prokopyevek até o fim de
1935.
. . . Começamos aprofundar as escavações em tempo inadequado,
particularmente na Perfuração Molotov; a Perfuração de Koksovaya
de cem metros de profundidade foi deliberadamente deixada inacabada
de 1938 cm diante, e o aprofundamento da Perfuração Meneika não
tinha começado no tempo devido... Na instalação do equipamento e
da usina do energia subterrânea o do outra maquinaria, houve trabalho
de obstrução em larga escala...

Stanislav Rataíchak, trotskista e agente nazista, chefe da


Administração Central da Indústria Química:
"De acôrdo com as minhas instruções, foram promovidas várias inter-
rupções o uma atividade obstrutiva nas Obras do Garlovka o duas outras
interrupções — uma nas Obras do Nevsky o outra nas Obras Químicas
Combinadas do Voskressenski..."

Yakov Drobnís, trotskista, díretor-assístente das Obras de


Kemerav:
."Desde o fim do julho do 1934, ou fôra incumbido do tôdas as
atividades de destruição o obstrução no conjunto do Kuzbas... Eu
morei na Asia Contrai em 1933 o parti do lá em maio de 1934 por-
quo o Centro Trotskista decidiu transferir-se para a Sibéria Ocidental.
Como Pyatakov estava no pôsto em que podia transferir-se de um
cargo para outro na indústria, êsse probloma pôdo resolver-se fàcil-
monte...
Uma das tarefas destrutivas do plano era a de distribuir fundos
para medidas de importância secundária. Outra era a de protelar o
trabalho de construção do modo a impedir o lançamento de departa-
mentos importantes nas datas marcadas pelo govôrno . . .
A reprôsa do distrito fôra localizada de tal maneira que, se ne-
cessário fôsse, o quando ordens fôssem dadas, poderia alagar a mina
tôda. Além do que, o carvão fornecido era imprestável para o con-
sumo, o que ocasionava explosões. Estas foram deliberadamente pro-
vocadas . . . e numerosos trabalhadores foram sèriamente feridos."

Mikhail Chernov, membro das direitas, agente do S. S.


militar alemão, comissário da Agricultura na URSS:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 297

"O S. S. alemão interessava-se especialmente pela organização de


atividades destrutivas na esfera da criação de cavalos... para impedir
o fornecimento de cavalos ao Exército Vermelho. Quanto a sementes,
incluímos no programa a mistura de sementes. Misturávamos semen-
tes de qualidade com outras inferiores, baixando conseqüentemente o
rendimonto das colheitas no campo...
Quanto à pecuária, o plano era matar o gado de raça e conseguir
uma alta mortalidade do rebanho g para isso, impedir o desenvolvimento
das provisOes de forragens, infeccionar artificialmente o gado com várias
modalidades do bactérias...
Para conseguir grande mortalidade nos rebanhos da Sibéria Orien-
tal, ou instruí Ginsburg, ebofo do Departamento de Veterinária, que
pertencia à organização das direitas... Êle não devia fornecer serum
antl-nnthrnx à Sibéria Oriental.., Quando houvo uma manifestação de
anthrax em 1930, verificou-so que nonhum sorum era mais eficiente,
o o resultado disso foi a perda de 25.000 cavalos, seguramente."

Vasily Charangovitch, membro das direitas, agente secreto


polonês, secretário do Comitê Central do Partido Comunista
da Bielo-Rússia:

"Empenhei-me em atividades destrutivas principalmente no âmbito
da agricultura. Em 1932 nós, o ou pessoalmente, dosenvolvemos extenso
trabalho do destruição nessa esfera. Primeiramente, reduzindo o ritmo
do colctivização...
Além do quo, conseguimos prejudicar os celeiros... tomamos me-
didos para disseminar a praga entro os porcos, de onde resultou uma
grande mortalidade de suínos; nós o conseguimos por meio de inocula-
ções desastrosas nos porcos.
Em 1936 ocasionamos um surto de anemia entre os cavalos na
Bielo-Rússia. Fizomo-lo intencionalmente, porque na Bielo-Rússia os ca-
valos são extremamente importantes para fins de defesa. Trabalhamos
para destruir essa poderosa base quo poderia ser utilizada no caso de
uma guerra. Do que me recordo, 30.000 cavalos pereceram em conse-
qüência dú&sa medida."

2. Uma carta de Trotsky


Pelo fim de 1935, com o clarão da guerra cada vez
mais próximo, uma carta de Trotsky de há muito esperada
foi entregue a Karl Radek em Moscou, por intermédio de
298 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

um portador especial. Vinha da Noruega (70.) Precipitada-


mente, Radek desdobrou-a e começou a ler. Trotsky deli-
neava os pormenores do acôrdo secreto que estava em vés-
peras de concluir com os governos da Alemanha e do Japão.
Depois de um preâmbulo insistindo sôbre a "vitória do
fascismo alemão" e sôbre a iminência da "guerra mundial",
a carta atingia o seu tópico principal:
"Há duas variantes possíveis para a nossa ascen-
são ao poder. A primeira é a possibilidade de nossa
subida ao poder antes da guerra, a segunda, durante
a guerra...
Devo admitir que a questão do poder só se tor-
nará uma saída prática para o Bloco como resultado
da derrota da URSS na guerra. Para isso o Bloco
despenderá tôda a sua energia..."

Daí por diante, escrevia Trotsky, "as atividades obstru-


tivas dos trotskistas nas indústrias de guerra" deveriam ser
efetuadas sob a direta "supervisão dos altos comandos alemão
e japonês." Os trotskistas não empreenderão nenhuma "ati-
vidade prática" sem primeiro obter o consentimento dos alia-
dos alemão e japonês.
Para assegurar o pleno apoio da Alemanha e do Japão,
sem o que seria "absurdo pensar em chegarmos ao poder"

(70) Em junho de 1935 o govêrno da Frente Popular da França


expulsou Trotsky dó solo francês. Trotsky foi à Noruega, onde instalou
o seu terceiro quartel-general no exílio em uma vila remota e protegida
nos arredores de Oslo. O Partido Trabalhista Norueguês — um grupo
secessionista do Comintern — era um fator político poderoso na Noruega
nessa ocasião e facilitou a entrada de Trotsky. Os companheiros de-
Trotsky na Noruega estavam empenhados em uma intensa campanha
anti-soviética. Na extrema direita da política norueguesa nessa época
figurava o anticomunista Nasjonal Samllng, ou Partido de Unidade
Nacional, chefiado pelo ex-ministro da guerra Major Vidkun Quisling,
empenhado em idêntica e. violenta agitação anti-soviética.
O Major Vidkun Quisling servira como adido militar norueguês em
Leningrado. Em 19Í2-1923, foi enviado para tarefas "diplomáticas" na
Ucrânia e na Criméia. Casou-se com uma mulher russo-branca. Em
1927, quando o govêrno britânico rompeu relações com a Rússia So-
viética, ro Major Quisling, então secretário da legação norueguesa en»
Moscou, ficou encarregado dos interêsses britânicos na Rússia. Pelos
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 299

o bloco das direitas e trotskistas deve estar disposto a fazer


consideráveis concessões. Trotsky nomeava essas concessões:
"A Alemanha precisa de matérias-primas, víveres
e mercadorias. Permitír-lhe-cmos que participe da ex-
ploração do minério, manganês, ouro, petróleo, apati-
tas, e procuraremos ahastecê-la por algum tempo de
víveres e gorduras, por preço melhor do que os preços
mundiais.
Cederemos ao Japão o petróleo das Sakalinas e
garantiremos o seu abastecimento no caso de uma guer-
ra com a América. Permitir-lhe-emos ainda a explo-
ração de veios auríferos.
Atenderemos à solicitação da Alemanha, sem nos
opormos a que ela se apodere dos países do Danúbio
e dos Balcãs, nem impediremos que o Japão tome
a China... Teremos db fazer, inevitàvelmente, con-
cessões territoriais. Cederemos a Província Marítima
§ a região de Amur ao Japão, o a Ucrânia à Alemanha."

A seguir a carta de Trotsky delineava a modalidade de


regime que seria estabelecido na Rússia depois da derrocada
jdo govêmo soviético:
"Ê preciso compreeonder quo sem conduzir a es-
trutura social da URSS, até corto ponto, dentro da

seus trabalhos nessa época, Quisling foi nomeado posteriormente Co-


mandante Honorário do Império Britânico.
Em 1930 o govêmo soviético recusou permitir que Quisling regres-
sasse à Rússia alegando que ôle exercera atividades subversivas no solo
soviético.
Terminadas as suas atividades "diplomáticas" na União Soviética,
Quisling começou a organizar um grupo pseudo-radical na Noruega, que
se tornou logo abertamente fascista. Má muito tempo, o próprio Quisling,
era agente secreto do S. S. alemão, e líder da quinta-coluna da Noruega,
que incluía grande número de importantes elementos trotskistas.
Na Noruega, como em todo país em que havia células trotskistas
organizadas, muitos' dos membros trotskistas não sabiam das ligações
secretas entre' os líderes trotskistas e os S. S. do Eixo. No fim, Tro-
tsky conseguiu atrair numerosos "revolucionários mundiais" que acredi-
tavam na sua integridade. Êsses indivíduos foram muito úteis a Tro-
tsky quer como propagandistas anti-soviéticos, quer como organizadores
e apologistas da sua - causa.
300 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

linha dos estados capitalistas, o governo do bloco será


incapaz de manter-se no poder...
A admissão do capital alemão e japonês nas ex-
plorações da URSS criará importantes interesses capi-
talistas no território soviético. As camadas das aldeias
âue não renunciaram à psicologia capitalista e estão
escontentes com as granjas coletivas, gravitarão em
tôrno dêsses capitais. Os alemães e japonêses pedirão
que aliviemos a atmosfera nos distritos rurais; então te-
remos que fazer-lhes concessões e autorizar a disso-
lução ou remoção das granjas coletivas."

Politicamente, assim como territorial o econômicamente


haverá mudanças drásticas na nova Rússia:
"Não será possível falar cm democracia. A classe
trabalhadora viveu durante 18 anos na Revolução e
tem grandes ambições; terá de ser recambiada, em
parte, às indústrias particulares e às do Estado que
terão de competir com o capital estrangeiro em con-
dições muito difíceis. Isso significa que o sou padrão
de vida baixará dràsticamente. No campo renovar-se-á
a luta dos camponeses pobres contra o kulak. E fi-
nalmente, para deter o poder, teremos necessidade de
um govêrno forte, sem levar em conta qual seja a
forma empregada para mascará-lo."

A carta de Trotsky concluía:


Aceitaremos tudo, mas continuaremos vivos e no
poder, isso devido à vitória dôsses dois países (Ale-
manha e Japão) e como resultado da pilhagem e do
lucro, surgirá um conflito entre êsses países e os de-
mais, o que levará a um novo desenvolvimento, a nos-
sa revanche."

Radek leu a carta de Trotsky entre sentimentos mes-


clados. "Depois de ter lido essas diretivas", disse êle mais
tarde, "pensei nelas a noite tôda... era claro para mim que
embora as diretivas contivessem todos os elementos anterio-
res, embora êsses elementos tivessem amadurecido de tal mo-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 301

do... era ilimitado o que Trotsky propunha agora... Nós


deixávamos de ser, de algum modo, senhores de nossos pró-
prios atos."
Na manha seguinte Radek mostrou a carta do Trotsky
a Pyatakov. "É necessário encontrar-me com Trotsky de qual-
quer modo que seja", disse Pyatakov. Êle estava para dei-
xar a União Soviética em missão oficial, e estaria em Ber-
lim dentro do poucos dias." Radek enviaria uma mensagem
urgente informando acêrea da viagem do Pyatakov o pedindo
a Trotsky quo o procurasse em Berlim o mais eodo possível.

3. Um vôo a Oslo
Pyatakov chegou a Berlim aos 10 do dezembro de 1935.
A mensagem do Radek a Trotsky pvocedera-a, e um portador
estava esporando para entrar em contacto com Pyatakov logo
após a sua chegada á capital nazista.
O portador ora Dmitri Bukhartsev, trotskista o correspon-
dente do Izvestia em Berlim. Bukhartsev, disso a Pyatakov
que um homem chamado Stirner trazia comunicações do Trots-
ky. Stirnor, como explicou o portador, ora o "homem de
Trotsky" cm Borlim (71.)
Pyatakov seguiu com Bukhartsev até uma das travessas em
Ticrgarten. Um homem estava esperando por ôlos. Era "Stir-
ner", quo entregou a Pyatakov uma nota ae Trotsky. A nota
dizia: "Y. L. (iniciais de Pyatakov) o portador merece tôda
a confiança."
Desembaraçadamente, Stirner declarou que Trotsky es-
tava ansioso por ver Pyatakov e o instruíra para que isso se
realizasse. Estava disposto a viajar de avião ate Oslo, na
Noruega?
Pyatakov compreendeu perfeitamente, o risco de ser des-
coberto envolvendo-se nessa viagem. Todavia, êle propuse-
ra-se a ver Trotsky custasse o que custasse. Por isso respon-
deu afirmativamente. Stirner disse a Pyatakov que estivesse
no aeroporto Tempelhof na manhã seguinte. ^

(71) Stirner era apenas outro pseudônimo do secretário trotskista


e espião internacional Karl Reich, aliás Johanson.
302 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Quando Pyatakov perguntou pelo passaporte, Stirner re-


plicou. "Não se afobe. Arranjarei tudo. Tenho conhecidos
em Berlim."
À hora marcada na manhã seguinte, Pyatakov foi ao
aeroporto Tempelhof. Stirner o estava esperando à entrada.
Fêz sinal a Pyatakov para que o seguisse. Quando se enca-
minhavam para o campo, Stirner mostrou o passaporte que
arranjara. Fôra concedido pelo govêrno nazista.
Na pista, um avião estava a espera, pronto para partir...
Nessa tarde o avião aterrou num campo próximo a cidade
de Oslo. Um automóvel estava à espera de Pyatakov e Stir-
ner. Andaram de auto por uma meia hora até atingirem
um subúrbio rural nos arredores de Oslo. O carro parou
diante de uma casa pequena. Na casa, Trotsky estava espe-
rando para receber o seu velho amigo.
Os anos amargurados de exílio tinham transformado o
homem que Pyatakov considerava o seu líder. Trotsky pa-
recia mais velho do que os seus 50 e poucos anos. Seu ca-
belo e barba estavam grisalhos. Estava recurvo. Atrás do
pínce-nez os seus olhos brilhavam com intensidade quase ma-
níaca.
Perderam poucas palavras com saudações. Por ordem
de Trotsky, êle e Pyatakov ficaram sòzinhos na casa. A con-
versação durou duas horas. Pyatakov começou fazendo um
informe do estado dos negócios na Rússia. Trotsky o inter-
rompia continuamente com seus comentários ferinos e sarcás-
ticos.
"Vocês não podem desligar-se do cordão umbilical de
StálinI" exclamou êle. "Vocês tomam a construção de Stálin
pela construção socialista." Trotsky censurou Pyatakov e os
demais companheiros russos por falarem demais> e realizarem
muito pouco. "Com efeito", disse Trotsky àsperamente, "vocês
estão perdendo muito tempo com discussões de problemas in-
ternacionais; vocês fariam melhor em se dedicarem aos seus
próprios problemas que vão indo muito mal! Quanto aos proble-
mas internacionais, sei muito melhor do que vocês o que
importa!"
Trotsky reiterou a sua convicção de que o colapso do
Estado Stalinista era inevitável. O fascismo não toleraria por
muito tempo mais o desenvolvimento do poder soviético.
Os trotskistas na Rússia enfrentavam esta alternativa: ou
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 303

"perecer sob as ruínas do Estado de Stálin" ou galvanizar


tôdas as suas energias num esfôrço total para esmagar o re-
gime de Stálin. Não deve haver hesitação em aceitar a di-
reção e ajuda dos altoj? comandos alemão e japonês nessa
luta crucial.
Um embate militar entre a União Soviética e as potên-
cias fascistas era inevitável, acrescentou Trotsky, e não para
um futuro remoto, mas logo — muito logo. "A data da
declaração d© guerra já foi fixada", disse Trotsky. "Será no
ano de 1937."
Era claro para Pyatakov que Trotsky não inventara essas
informações. Trotsky revelou então a Pyatakov que há pouco
êle "encaminhara negociações um tanto longas com o vice-
diretor do Partido Nacional-SociaMsta Alemão — Hess."
Como resultado dessas negociações com o representante
de Adolfo Hitler, Trotsky entrara 'em acôrdo absolutamente
definitivo" com o govôrno do III Reich. Os nazistas esta-
vam prontos para ajudar os trotskistas a assumirem o poder
na União Soviética.
""Não é preciso dizer", comunicou Trotsky a Pyatakov,
"que essa atitude favorável não ó devido a nenhum amor
particular aos trotskistas. Ela provém simplesmente dos in-
terêsses reais dos fascistas e do que prometemos fazer por
êles caso cheguemos ao poder."
Concretamente, o acôrdo que Trotsky concluíra com os
nazistas consistia em cinco pontos. Em troca da ajuda da
Alemanha para que os trotskistas tomassem o poder na Rús-
sia, Trotsky concordava:
1. cm garantir uma política geralmente favorável
em relação ao govôrno alemão e a colaboração neces-
sária com êle nas questões mais importantes de ca-
ráter internacional;
2. em concessões territoriais (à Ucrânia);
3. em permitir aos industriais alemães, sob a for-
ma de concessões (ou outras formas quaisquer) a'ex-
ploração de emprêsas na URSS que fossem essenciais
como complementos da economia alemã (ferro, man-
ganês, petróleo, ouro, madeira, etc.);
4. em criar na URSS condições favoráveis è» ati-
vidades'das emprêsas privadas alemãs;
304 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

5. em desenvolver durante a guerra extensas ati-


vidades obstrutivas nas empresas de indústria bélica
e na frente de batalha-
Essas atividades obstrutivas seriam efetuadas por
instrução de Trotsky, com o consentimento do estado-
maior alemão."

Pyatakov, como principal lugar-tenente de Trotsky na


Rússia, julgou que êsse entendimento franco com o nazismo
seria difícil de explicar aos membros do Bloco das Direitas
e Trotskistas.
"Coisas de programa não precisam ser apresentadas aos
membros do Bloco em todos os seus pormenores", declarou
Trotsky impacientemente. Isso serviria apenas para assustá-los."
O conjunto da organização não precisava saber nada
acêrca do entendimento pormenorizado que se efetuara com
as potências fascistas. "Não ó necessário nem é interessante
divulgar isso", disse Trotsky, "nem mesmo comunicá-lo a um
número considerável de trotskistas. Apenas um pequenino
número poderá ser informado em ocasião propícia.'
Trotsky continuou salientando a urgência ao fator tempo.
"Ê coisa para um tempo relativamente curto", insistiu
êle. "Sc perdemos esta oportunidade, surgirá o perigo, -de
um lado, da completa liquidação dos trotskistas no país, e
de outro lado, da existência dessa monstruosidade, que é o
Estado de Stálin, e isso durante décadas, sustentado em cer-
tas bases econômicas, e particularmente pelos novos e jovens
quadros que cresceram e se foram habituando a considerar
êsse Estado como legítimo, como um Estado socialista, como
um Estado soviético — visto que não sabem como seja pos-
sível conceber-se outra forma de Estado I Nossa tarefa é
destruí-lo.
"Olhe", concluiu Trotsky ao aproximar-se a hora da par-
tida de Pyatakov, "houve um tempo em que os sóciaI-de-
mocratas todos olhavam o desenvolvimento do capitalismo co-
mo um fenômeno progressivo, positivo... Mas nós tínhamos
tarefas diferentes, a saber, organizar a luta contra o capita-
lismo, exaltar os seus coveiros. E assim é que nos poremos
ao lado de Stálin não para ajudá-lo mas para destruir o seu
Estado."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 305

Ao fim de duas horas, Pyatakov deixou Trotsky na pe-


quena casa nos arredores de Oslo e voltou a Berlim como
Ç O viera — num avião particular, munido do um passaporte
nazista.

4. Hora Zero
A II Guerra Mundial, que Trotsky predisse romperia na
Rússia Soviética em 1937, já alcançara a Europa, Após a in-
vasão da Etiópia por Mussolini, os acontecimentos so preci-
pitaram. Em junho de 1930, Hitler raniliturizou a Renânia.
Em julho os fascistas organizaram na Espanha um Putsch
de oficiais espanhóis contra o govârao republicano. Sob o
pretexto do combato ao bolchevismo" o do "supressão da
revolução comunista", tropas alemãs o italianas desembarca-
ram na Espanha para ajudar a revolta dos oficiais. O líder
fascista espanhol, Francisco Franco marchou sôbre Madri. Qua-
tro colunas marcham sôbre Madri", gabava-se o bêbado gene-
ral fascista Queipo de Llano. "A quinta-coluna está espe-
rando para saudar-nos dentro da ciaadel" Era a primeira
vez que o mundo ouvia a palavra fatídica — "quinta-colu-
na." (72.)
Adolfo Hitler, dirigindo-se a milhares de soldados no
Congresso do Partido Nazista em Nuremberga, aos 12 de se-

(72) No tempo do levanto do Franco na Espanha, sustentado pelo


Eixo, (1938-1938,) Androas Nin chefiava uma organização espanhola pró-
Trotsky, ultra-esquerdista, denominada Partido Operário de Unificação
Marxista, ou P. O. U. M. Oficialmente, não era filiada à IV Internacio-
nal de Trotsky. Suas fileiras, entretanto, estavam cheias de trotskistas.
E não poucas vôzes, como na atitude com relação à União Soviética
e à Frente Popular, o POUM aderia estritamente à politica de Leon
Trotsky.
No campo da revolta de Franco, o amigo de Trotsky, Nin, era
ministro da Justiça na Catalunha. Declarando-se a serviço da causa
antifascista o POUM, exercia uma ilimitada propaganda e agitação con-
tra o govêrnd republicano espanhol durante as hostilidades na Espanha.
À princípio acreditou-se que as atividades oposicionistas de Nin eram
de caráter puramente "político", visto que membros do POUM davam
explicações "revolucionárias" à sua oposição ao govêrno espanhol. Mas
quando o POUM se empenhou numa revolta abortiva em Barcelona
306 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

tembro, proclamou públicamente a sua intenção de invadir


a União Soviética:
"Estamos prontos para qualquer momento!" exclamou Hi-
tler. "Eu não posso permitir estados arruinados à soleira de
minha porta! . . . Se eu tivesse os Montes Urais com seu
incalculável reservatório de tesouros e matéria-prima, a Sibéria
com as suas florestas e a Ucrânia com os seus tremendos
campos de trigo, a Alemanha e o govêrno nacional-socialista
nadariam na prosperidade I"
Aos 25 de novembro de 1936, o ministro nazista das
Relações Exteriores, Ribbentropp, e o embaixador japonês na
Alemanha, M. Mushakoji, assinaram o Pacto Anti-Comintern
em Berlim, comprometendo-se a unir suas fôrças para um ata-
que contra o "bolchevismo mundial."
Ciente do perigo iminente, o govêrno soviético iniciou
uma súbita contra-orensiva ao inimigo interno. Durante a pri-
mavera e verão de 1936, numa série de batidas violen-
tas em todo o país, as autoridades soviéticas caíram em
cima dos espiões nazistas, organizadores trotskistas e das di-
reitas, terroristas e sabotadores. Na Sibéria um agente na-
zista chamado Emil Stichling foi prêso, e descobriram que
êle vinha dirigindo atividades de sabotagem nas minas de
Kemerov em colaboração com Alexei Chestov e outros trots-
kistas. Em Leningrado, outro agente nazista, Valentine Ol-
berg, foi apanhado. Olberg não era só agente nazista, mas
também um dos emissários especiais de Trotsky. Êle tinha

atrás das linhas legalistas, no verão crucial de 1037, e apelou para


"uma ação resoluta para derribar o Govêrno", ficou claro que Nin e
Os demais líderes do POUM eram agentes fascistas que trabalhavam
com Franco e exerciam sistemática campanha de sabotagem, espionagem
e terrorismo contra o govêrno espanhol.
Aos 23 de outubro de 1937, o chefe de Polícia de Barcelona Te-
nente-coronel Burillo, publicou pormenores da conspiração do POUM,
descoberta na Catalunha. Documentos secretos descobertos pela po-
lícia de Barcelona provavam que membros do POUM estavam envolvi-
dos em vasta espionagem em favor dos fascistas; que êles interferiam
nos transportes ae suprimento ao exército republicano e que sabotavam
as operações militares na fronteira. "Os atentados contra as vidas de
importantes figuras do exército popular ainda estavam sendo investiga-
dos", continuou dizendo o Tenente-coronel Burillo em seu relatório.
"Além do que, a organização continuava planejando um atentado contra
a vida de um ministro da República..."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 307

contacto com Fritz David, Nathan Lurye, Konon, Berman-


Yurin e outros terroristas. Um após outrO, os líderes da pri-
meii.j "camada" da conspiração iam sendo detidos.
Uma mensagem em código que Ivan Smirnov contra-
bandeara da prisão para os seus co-conspiradores foi inter-
ceptada pelas autoridades soviéticas. Os terroristas trotskistas
Ephraim Dreitzer e Sergei Mrâchkovsky foram presos.
Uma ansiedade febril atacou os conspiradores russos. Ago-
ra tudo dependia do ataque externo. Os esforços de Yagoda
para deter as investigações oficiais iam tornando-se dia a dia
mais ineficientes. "Parece que Yejov está chegando ao fun-
do do caso de Leningrado!" comunicou Yagoda nervosamen-
te ao seu secretário, Bulanov.
Um dos homens de Yagoda, um agente da NKVD cha-
mado Borisov, foi abruptamente chamado ao Q.G. de inves-
tigação especial no Instituto Smolny em Leningrado para in-
terrogatório. Borisov desempenhara papel preponderante nos
preparativos do assassínio de Kirov. Yagocfa desesperou. En-
quanto era conduzido ao Instituto Smolny, Borisov foi morto
num "acidente de automóvel..."
Mas a eliminação de uma só testemunha não era o su-
ficiente, a investigação oficial prosseguiu. Diàriamente, novas
.prisões eram anunciadas. Peça por peça, as autoridades so-
viéticas iam desmontando a intricada máquina de conspira-
ção, traição e assassínio. Em agôsto, quase todos os mem-
bros líderes do Centro Terrorista Trotskista-Zinovicvista tinham
sido presos. O govêrno soviético anunciou que novas pro-
vas sensacionais tinham vindo à luz como resultado da in-
vestigação especial do crime de Kirov. Kamoncv e Zinoviev
foram levados a novo julgamento.
O julgamento começou aos 19 de agôsto de 1930, na
Sala de Outubro da Casa dos Sindicatos em Moscou, peran-
te o CoUegúim Militar da Suprema Côrte Soviética da URSS.
Zinoviev e Kamenev, trazidos da prisão onde cumpriam pena
de seu processo anterior, enfrentaram o tribunal juntamente
com 14 de seus antigos sócios em tarefas de traição. Os de-
mais acusados eram os outrora líderes da guarda de Trotsky,
Ivan Smirnov, Sergei Mrâchkovsky e Ephraim Dreitzer; o se-
cretário de Zinoviev, Grigori Evdokimov e seu auxiliar, Ivan
Bakayev; e cinco emissários terroristas especiais de,Trotsky,
308 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Fritz David, Nathan Lurye, Moissey Lurye, Konon Berman-


Yurin e Valentine Olberg.
O julgamento — o primeiro dos chamados "Julgamentos
de Moscou" — revelou e desarticulou o Centro Terrorista,
primeira camada do aparelho conspirativo. Ao mesmo tempo
demonstrou que o complot contra o regime soviético ia muito
além e envolvia forças muito mais importantes do que os
terroristas trotskistas-zinovievistas em julgamento.
Prosseguindo o julgamento, o povo vislumbrou pela pri-
meira vez a íntima relação que se desenvolveu entre Leon
Trotsky e os líderes da Alemanha nazista, O interrogatório
feito pelo promotor A. Y. Vichinsky a Valentine Olberg,
trotskista alemão que tinha sido enviado à União Soviética,
pelo próprio Trotslcy, trouxe à luz do dia alguns fatos es-
pantosos:
— VICIUNSKY. O quo sabe acôrca de Fricdmann?
— OUHERC, Frledmann foi membro da organização trots-
kista em Berlim, e foi também onvjado à União Soviética,
— VICHINSKY. Está ciento da ligação do Fricdmann com
a polícia secreta alemã?
— OLBEBG. Ouvira falar nisso.
— VICIUNSKY. A ligação entre os trotskistas alemães e a
polícia alemã — era coisa sistemática?
— OuiiiiiG. Sim, era sistemática o fazia-se com o consen-
timento de Trotsky.
— VICHINSKY. Como sabo quo so fazia com o conheci-
mento e consentimento do Trotsky?
— .OLBERG. Uma das linhas do ligação era eu quem man-
tinha. Minha ligação fôra estabelocida com a sanção de Trotsky.
— VICIUNSKY. Sua ligação pessoal com quem?
— Ou«®«. Com a polícia secreta fascista.
—- ViemtísKY. Assim pode dizer-so que o acusado admi-
te ligações pessoais suas com a Gestapo?
— OIJBKRG. Não posso negá-lo. Em 1933 começou-se a
organizar ligação sistemática entre os trotskistas alemães e a
polícia fascista alemã."

Olberg descreveu ao tribunal como obteve o passaporte


forjado na América do Sul com o qual entrou na União
Soviética. Êle o obtivera, disse, por intermédio de Tuka-
levsky (73), agente da polícia secreta alemã em Praga. 01-

(73) Não confundir com o General Tukhachevsky.


A GRANDE CONSPIRAÇÃO 309

berg acrescentou que para obter êsse passaporte recebera ajuda


do seu irmão, Paul Olberg.
_ — Tinha o seu irmão alguma ligação com a Gestapo?
i - — Êle era agente de T^ukalevsky.
— Agente da polícia fascista?
— Sim, replicou Olberg.
O emissário de Trotsky, Nathan Lurye, contou ao tri-
bunal como recebera instruções antes de deixar a Alemanha
para que, chegando à União Soviética, trabalhasse com o
engenheiro-arquiteto alemão, Franz Weitz.
— Quem é Franz Weitz? — perguntou Vichinsky.
— Franz Weitz é membro do Partido Nazista da Alemanha,
disse Lurye. — Êle fôra à URSS com instruções de Himmler
que na ocasião era chefe do S. S. e posteriormente veio a
ser chefe da Gestapo.
— Franz Weitz era seu representante?
-— Franz Weitz chegou à URSS com instruções de Himm-
ler para exercer atividade terrorista.
Mas foi depois do depoimento de Kamenev que os lí-
deres "do Bloco das Direitas e Trotskistas viram que a sua
situação ora desesperadora. Kamenev denunciou a existência
de outras "camadas" do aparelho conspirativo.
"Sabendo que podíamos ser descobertos", disse Kamenev
- ao tribunal, "nos designamos um pequeno grupo para con-
tinuar nossas atividades terroristas. Para isío foi designado
Sokolnikov. Pareceu-nos que da parte dos trotskistas êsse
papel seria desempenhado vantajosamente por Serebryakov e
Radek... Em 1932, 1933 e 1934 eu mantive pessoalmente
relações com Tomsky e Bukharin e sondei seus sentimentos
políticos. Êles simpatizavam conosco. Quando eu interroguei
Tomsky acêrca da opinião de Rykov, êle replicou: Rykov
Sensa como você. Em resposta à minha pergunta sôbre como
ukharin pensava, êle disse: Bukharin pensa como eu, mas
está empregando táticas um tanto diferentes. Êle não con-
corda com a linha do Partido, mas está empregando a tá-
tica de se enraizar persistentemente no Partido e conquistar
assim a confiança pessoal do govêrno."
Vários dos acusados pediram mercê. Outros pareciam re-
signados com a sua sorte. "A importância politica e o pas-
sado de cada um de nós não são os mesmos", disse Eph-
' raim Dreitzer, antigo líder da guarda de Trotsky. Mas tendo
310 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

sido assassinos, tornamo-nos todos iguais aqui. Eu, seja como


fôr, sou um dos que não tem direito algum de pedir nem
de esperar mercê."
A estas últimas palavras o terrorista Fritz David excla-
mou: "Amaldiçôo Trotsky! Maldigo êsse homem que arrui-
nou a minha vida e impeliu-me a crimes hediondos!"
Na tarde de 23 de agôsto o Collegium Militar da Su-
prema Corte Soviética promulgou o seu veredito, Zinoviev,
Kamenev, Smirnov, e os outros 13 membros do Bloco Ter-
rorista Trotskista-Zinovievista foram sentenciados ao fuzilamen-
to por suas atividades de traição e terrorismo.
Uma semana depois, Pyatakov, Radek, Sokolnikov e Se-
rebryakov foram presos. Aos 27 de setembro, Henry Yagoda
foi destituído 1 A " * • ] a NKVD. Seu lugar
foi ocupado comitê especial de
investigação da Comissão Central de Contrôle do Partido Bol-
chevique. No dia anterior ao de sua destituição, Yagoda fêz
uma ultima e desesperada tentativa para envenenar o seu
sucessor, Yejov. O atentado falhou.
Era a hora zero para os conspiradores russos. Os líde-
res da direita, Bukharin, Rykov e Tomsky, esperavam diària-
mente a sua prisão. Pediram ação imediata, sem esperar
pela guerra. O chefe sindical da direita, Tomsky, tomado
ae pânico, propôs um ataque armado imediato contra o Krem-
lin. • Era loucura arriscar tanto. As fôrças ainda não esta-
vam preparadas para tamanha aventura.
Uma reunião final dos líderes do Bloco das Direitas e
Trotskistas, pouco antes da prisão de Pyatakov e Radek, de-
cidiu a preparação de um golpe armado. A organização
dêsse golpe e a direção de todo o aparelho conspirativo
foram colocadas em mãos de Nicolai Krestinsky, assistente
do comissário dos Negócios Exteriores. Krestinsky não se ex-
pusera como os outros, era provàvelmente insuspeito e man-
tivera íntima ligação com Trotsky e os alemães. Ele estaria
capacitado a prosseguir no caso de Bukharin, Rikov e Tomsky
serem presos.
Como seu representante e imediato, Krestinsky escolheu
Arkady Rosengoltz, que recentemente voltara de Berlim a
Moscou, tendo chefiado em Berlim a Comissão de Comércio
Exterior Soviético durante vários anos. Homem alto, esbelto,
compleição atlética, tendo detido vários postos importantes
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 311

na administração soviética, Rosengoltz mantivera a sua filia-


o trotskista em cauteloso sigilo. Únicamente Trotsky e
Krestinsky sabiam do papel de Rosengoltz como trotskista e
como agente do S. S. militar, alemão até 1923... (74.)
Desse tempo em diante, o contrôle direto do Bloco das
Direitas e Trotskistas estêve nas mãos de dois trotskistas que
tinham sido agentes germânicos: Krestinsky e Rosengoltz. Após
uma longa discussão, ambos decidiram que tinha chegado o
tempo de a quinta-coluna russa jogar a sua derradeira cartada.
A última cartada seria o Putsch militar. O homem esco-
lhido para dirigir o levante armado foi o Marechal Tukhacho-
vsky, comissário-assistente de Defesa da URSS.

(74) Rosengoltz servira como comandante do Exército Vermelho


durante a guerra de intervenção. Depois da guerra, foi enviado a
Berlim como agente comercial da embaixada soviética. Em 1923, Tro-
tsky o pôs em contacto com o S. S. M. alemão. Em troca do dinheiro
concedido para financiar o trabalho trotskista ilegal, Rosengoltz forne-
ceu aos alemães dados concernentes à fôrça aérea soviética junto à qual
Trotsky, como comissário de Guerra, tinha acesso. Rosengoltz não
teve papel saliente na oposição trotskista. Em 1934, Bessonov trouxe-lhe
uma mensagem de Trotsky aconselhando-o e dizendo que chegara o
tempo de agir menos cautelosamente e iniciar "trabalho ativo no âm-
bito do comércio exterior." Rosengoltz foi comissário do Comércio Ex-
terior na Comissão Soviética de Comércio em Berlim, Por um curto
tempo, êle pôde dirigir o comércio soviético através de canais bené-
ficos à Alemanha nazista e, mais tarde, ao Japão. No comêço de 1936,
Rosengoltz fôra chamado novamente para táoscou.
CAPITULO XX

O FIM DO ATALHO

1. Tukhachevsky
Novamente, o fantasma do C Q T S O vinha apavorando a
Rússia. O novo candidato para o papel era o corpulento e
taciturno Marechal Mikhail Tukhachevsky, antigo oficial cza-
rista e filho de nobres latifundiários, que se tornara um dos
líderes do Exército Vermelho.
Quando ainda jovem, apenas formado pela Academia Mi-
litar de Alexandrovsky, Tukhachevsky predizia: "Ou serei ge-
neral aos trinta anos ou suicidar-me-ei." Êle lutou como ofi-
cial no exército do czar na I Guerra Mundial. Em 1915
foi aprisionado pelos alemães. Um oficial francês, o Tenente
FefVaque, que roi companheiro de prisão de Tukhachevsky,
descreveu mais tarde o oficial russo como um negligente e
ambicioso. Sua cabeça estava forrada de filosofia nietzschiana.
"Odeio Vladimir, o Santo que introduziu o Cristianismo na
Rússia, entregando assim a Rússia à civilização ocidental!" ex-
clamava Tukhachevsky. "Deveríamos ter permanecido em nos-
sa barbárie cruel, em nosso paganismo. Mas tudo isso vol-
tará, tenho certeza!" Falando da revolução na Rússia, Tukha-
chevsky dizia: "Muitos desejam-na. Somos um povo frouxo,
mas profundamente destrutivo. Houvesse uma revolução, sabe
Deus onde iríamos parar. Penso que um regime constitu-
cional significaria o fim da Rússia. Necessitamos de um
déspota!
Nas vésperas da Revolução Bolchevique, Tukhachevsky
escapou do cativeiro alemão e voltou à Rússia. Uniu-se aos
seus companheiros de oficialato do exército do czar que es-
tavam organizando os exércitos brancos contra os bolcheviques.
314 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Inesperadamente, mudou de partido. A um de seus amigos,


o capitão-branco Dmitri Golum-Bek, Tukhachevsky confiou a
sua decisão de abandonar a causa branca. "Perguntei-lhe o*
que ia fazer", recordou mais tarde Golum-Bek. "Êle disse:
Vou passar para os bolcheviques. O exército branco não pode
fazer nada. Nós não temos chefe. Êlo andou durante alguns
minutos e exclamou: So não quiser, não me siga, mas eu
penso que estou certo. A Bússift vai mudar!"
Em 1918, Tukhachevsky ingressou no Partido Bolchevique.
Êle achou logo o seu lugar entro os aventureiros que cerca-
vam o comissário de Guerra, Trotsky; mas tevo o cuidado
de não so comprometer muito profundamente ms intrigas po-
líticas de Trotsky. Militar treinado o experimentado, Tukha-
chevsky subiu depressa nas fileiras do iuoxporicnto Exército
Vermelho. Comandou o I o o V Exército no front do Wran-
gel, participou da ofensiva telte contra Denikín o, juntamente
com Trotsky, comandou a ofensiva inMfe contra os poloneses
invasores. Em 1922, tornou-so chefe da Academia Militar do
Exército Vermelho.
Foi um dos militares influentes que tomaram parte nas
negociações militares com a República do Weimar após o
Tratado de Rapallo clôs.sc ano.
Nos anos seguintes, Tukhaehovsky chofiou um pequeno
grupo de militaristas profissionais e oficiais cx-czanstas no
estado-maior do Exército Vermelho, ressentido com o coman-
do dos antigos guerrilheiros bolcheviques, Marechal Budyenny
o Marechal Voróchilov. O grupo de'Tukhaehovsky incluía os
generais do Exército Vcrmeluo, Yakir, Kork, Uborcvitch e Fel-
dman, que tinham uma admiração quase ilimitada pelo mili-
tarismo alemão. Os mais íntimos sócios do Tukhachevsky fo-
ram o oficial trotskista, V. I. Putna, adido militar em Berlim,
Londres o Tóquio, o o General Jan B. Gamarnik, amigo pes-
soal dos generais da guarda do Reich, Seeckt e Hammerstein.
Juntamente com Putna e Gamarnik, Tukhachevsky logo
formou uma pequena e influente clique pró-Alemanha dentro
do estado-maior do Exército Vermelho. Tukhachevsky e seus
sócios sabiam do entendimento de Trotsky com a Guarda
do Reich, mas consideravam isso mero conchavo político. E
êste seria contrabalançado por uma aliança militar entre o
grupo de Tukhachevsky e o alto comando alemão. A ascen-
são de Hitler ao poder de nenhum modo alterou o entendi-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 315

mento secreto entre Tukhachevsky e os chefes militares ale-


mães. Hitler, como Tukhachevsky, era um político. Os mi-
litares tinham suas idéias próprias...
Já desde a organização do Bloco das Direitas e Trotskis-
tas, Trotsky olhava Tukhachevsky como para o trunfo de to-
da a conspiração» destinado a ser lançado no ultimo momen-
to, o momento estratégico. Trotsky mantinha suas relações
com Tukhachevsky especialmente por intermédio de Krestins-
ky e o adido militar trotskista, Putna. Mais tarde, Buk-
harin indicou Tomsky como elemento pessoal de ligação com
o grupo militar. Tanto Trotsky como Bukharin sabiam per-
feitamente do desprezo de Tukhachevsky aos "políticos" e
"ideólogos", e temiam as suas ambições militares. Discutindo
com Tomsky a possibilidade de chamar o grupo militar à obra,
Bukharin disse:
"Será um golpe militar. Pela lógica das coisas, o grupo
* militar dos conspiradores terá tona influência extraordinária...
e mesmo pode surgir um perigo de bortapartismo. E os bo-
napartistas — penso particularmente em Takhachevsky — co-
meçarão por fazer pouco caso de seus aliados e chamados
inspiradores, no bom estilo napoleónico — e você sabe como
Napoleão tratava os chamados ideólogos."
Bukharin perguntou a Tomsky: "Como é que Tukhache-
vsky encara o mecanismo do golpe?" "Isso é assunto de or-
ganização militar", respondeu Tomsky. Acrescentou que no
momento em que os nazistas atacassem a Rússia, o grupo mili-
tar planejara "abrir as fronteiras aos alemães" — isto é, ren-
í der-se ao alto comando alemão. £sse plano fôra elaborado
com pormenores e aprovado por Tukhachevsky, Putna, Ga-
marnik e os alemães.
"Nesse caso", disse Bukharin sàbiamente, "estamos em con-
dições de eliminar o perigo bonapartista que me alarma."
Tomsky não compreendeu. Bukharin passou a explicar:
"Tukhachevsky tentaria estabelecer uma ditadura militar; ele
poderia mesmo tentar conseguir o apoio popular transforman-
do os líderes políticos da conspiração em bodes expiatórios.
Mas uma vez no poder, os políticos poderiam virar as mesas
sobre o grupo militar." Bukharin disse a Tomsky: "Bastaria
acusá-los como culpados da derrota na frente. Isso nos habi-
litaria a conquistar as massas utilizando-nos de slogans pa-
trióticos..."
316 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

No comêço de 1936, Tukhachevsky foi a Londres como


xepresentante militar soviético nos funerais oficiais do Rei Jor-
ge V da Inglaterra. Antes de partir, recebeu o título co-
biçado de marechal da União Soviética. Êle já se conven-
cera de que se aproximava a hora em que o regime so-
viético deveria ser derribado, e uma nova Rússia, em aliança
militar com a Alemanha e o Japão, lutaria pelo domínio do
mundo.
A caminho de Londres, Tukhachevsky parou por pouco
tempo em Varsóvia e Berlim, onde conversou com "coronéis"
poloneses e generais alemães. Estava tão confiante que quase
não procurou esconder a sua admiração pelos militaristas
alemães.
Em Paris, num jantar solene na embaixada soviética de-
pois de sua volta de Londres, Tukhachevsky surpreendeu os
diplomatas europeus com o sou ataque aberto às tentativas
do govêrno soviético para chegar à segurança coletiva com
as democracias ocidentais. Tukhachevsky, que se sentou à me-
sa com Nicholas Titulcscu, ministro das -Relações Exteriores
da Rumânia, disse ao diplomata rumeno: "Senhor ministro,
v. exa. faz mal em ligar a sua carreira e o destino de seu
país a países velhos e acabados como a Grã-Bretanha e a França
E para a nova Alemanha que deveríamos voltar-nos. For algum
tempo, ao menos, a Alemanha será o país que liderará o con-
tinente europeu. Estou certo de que Hitler ajudará a salvar
todos nós."
As observações de Tukhachevsky foram rememoradas pelo
diplomata rumeno' e chefe do serviço de imprensa na embai-
xada rumena em Paris, E. Schachanan Esseze, que também
estêve presente ao banquete da embaixada soviética. Outro
dos convivas, a famosa jornalista francesa Geneviève Ta-
bouis, posteriormente relatou no seu livro, Chamaram-me de
Cassandra:
"Encontrei-me com Tuchachevsky à última hora, no
dia seguinte aos funerais de Jorge V. Em um jantar
na embaixada soviética, o marechal russo estava muito
íntimo com Politis, Titíilescu, Herriot, Boncour... Êle
acabava de voltar de uma viagem à Alemanha e cumu-
lava os nazistas de fervorosos louvores. Sentado à mi-
nha direita, êle dizia e repetia, ao discutir um pacto
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 317

secreto entre as grandes potências e o país de Hitler:


"Êles já são invencíveis, Madama Tabouisl"
Por que falava êle tão confiantemente? Era por
que se deslumbrara com a cordial recepção que en- f
contrara entre os diplomatas alemães, para os quais
fôra fácil falar com êsse homem da velha escola russa?
Seja como fôr; os hóspedes se alarmaram nessa noite
com essa efusão de entusiasmo. Um dos convivas —
um diplomata importante — murmurou aos meus ou-
vidos quando saíamos da embaixada: "Bem, eu espero
que nem todos os russos pensem assim."

As revelações sensacionais no julgamento do Bloco Terro-


rista Trotskista-Zinovievista em agôsto de 1936, e as prisões
Êosteriores de Pyatakov e Radek, alarmaram gravemente Tu-
hachevsky. Êle entrou em contacto com Krestinsky e co-
municou-lhe que os planos dos conspiradores tinham de ser
dràsticamente mudados. Originàriamentc, o grupo militar não
entraria em ação enquanto a União Soviética não fôsse ata-
cada exteriormente. Mas os desenvolvimentos internacionais
— o Pacto Franco-Soviético, a inesperada defesa do Madri
— estavam urgindo outro plano. Os conspiradores do dentro
da Rússia, disse Tukhachevsky, devem apressar os fatos colo-
cando o golpe de estado à testa do seu programa. Os ale-
mães viriam imediatamente depois em auxílio de seus alia-
dos russos.
Krestinsky disse que iria encaminhar uma mensagem a
Trotsky imediatamente, informando-o sôbre a necessidade de
precipitar a ação. A mensagem de Krestinsky a Trotsky, en-
viada em outubro, dizia:
"Pensamos que já um grande número de trotskistas fo-
ram presos, mas apesar disso as fôrças principais do Bloco
ainda não foram atingidas. É preciso entrar em ação. Mas
para isso é essencial que se apresse a ação estrangeira." Por
ação estrangeira" Krestinsky queria significar o ataque na-
zista contra a Rússia Soviética...
Logo depois de remetida essa mensagem, Tukhachevsky
abordou Krestinsky no VIII Congresso Extraordinário dos So-
vietes em novembro de 1936. As prisões continuavam, disse
Tuckhachevsky excitado e parecia não haver razão para acre-
318 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

ditar que elas parassem nas primeiras camadas da conspira-


ção. O elemento de ligação militar trotskista, Putna, já tinha
sido detido. Stálin suspeitava claramente da existência de uma
extensa conspiração e estava disposto a tomar medidas drás-
ticas. Êle já tinha provas suficientes para denunciar Pyatakov
e os outros. A prisão de Putna e a destituição de Yagoda
da direção da NKVD significavam que as autoridades sovié-
ticas iam chegando às raízes da conspiração. Ninguém po-
deria dizer onde o atalho ia dar. .'Incortoza geral.
Tukhachevsky era pela açuo imediata. O Bloco devia
tomar uma decisão no caso, som dilações, o preparar tôdas
as fôrças para apoiar o golpe militar...
Krestinsky discutiu o assunto com Bosengoltz. Os dois
agentes trotkistas alomues concordaram quo Tukhachevsky ti-
nha razão. Outra mensagem foi despachada a Trotsky. Nela,
além de relatar a determinação do Tukhaehovsky de pros-
seguir sem esperar pola guerra, Krcstinsky levantava algumas
questões importantes do estratégia política. Escreveu êle:
"Tomos do esconder os verdadeiros intuitos do
golpe. Faremos uma declaração à população, ao exér-
cito o aos Estados ostrangoiros... Primeiramente, em
nossas declarações ao povo soria acortado não men-
cionar quo o nosso golpe se destinará a derribar a
ordem socialista existente.,. Pôr-nos-íamos na posição
de rebeldes «soviéticos. Destruiríamos um mau govêrno
soviético para restabelecermos um bom govôrno sovié-
tico . . . Em qualquer hipótese, não nos abriríamos de-
mais nosso assunto."

A resposta de Trotsky chegou a Krestinsky no fim de


dezembro. O líder exilado concordava inteiramente com Kres-
tinsky. Era uma questão de fato. Depois da prisão de Pya-
takov, Trotsky também chegara, independentemente, à con-
clusão de que o grupo militar deveria ser pôsto em ação
sem mais delongas. Enquanto a carta de Krestinsky ainda
estava em caminho, Trotsky escrevera a Rosengoltz advogando
a imediata ação militar...
"Depois dessa resposta", declarou Krestinsky mais tarde,
"começamos a fazer preparativos mais diretos para o golpe.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 319

Tukhachevsky teve tôda a liberdade e carta branca para en-


trar em ação diretamente I"

2. O julgamento do Centro Paralelo Trotskista^


O govêrno soviético também entrava em ação. As reve-
lações no julgamento de Zinoviev-Kamenev estabeleceram sem
dúvida que a conspiração no pais ia além de uma simples
oposição secreta de esquerda. Os centros reais da conspiração
não estavam na Rússia. Estavam em Berlim e Tóquio. Con-
tinuando a investigação, tornou-se mais claro ao govêrno so-
viético a verdadeira fisionomia e caráter da quinta-coluna do
Eixo.
Aos 23 de janeiro de 1937, Pyatakov, Radek, Sokolnikov,
Chestov, Muralov e doze dos seus companheiros de conspi-
ração, inclusive flgontes-chavo dos S. §. alemão © japonês,
foram levados a julgamento por traição em Moscou diante
do Collegium Militar da Suprema Côrte da URSS.
Durante meses os principais membros do Centro Trots-
kista negaram as acusações feitas contra ôles. Mas as provas
foram completas e esmagadoras. Um após outro, files admi-
tiram que tinham dirigido atividades cio sabotagem o terro-
rismo, mantido comunicações por instruções de Trotsky, com
os governos alemão e japonôs. Mas, no interrogatório preli-
minar, como no julgamento, êles não divulgaram o quadro
todo. Nada disseram acêrea da existência do grupo militar.
Não mencionaram Krestinsky nem Rosongoltz. Silenciaram acêr-
ca do Bloco das Direitas e Trotskistas, a camada final e mais
poderosa da conspiração, que, enquanto êles eram julgados,
vinha preparando fèbrilmente o assalto ao poder.
Preso, Sokolnikov, antigo assistente de Comissário no car-
go dos Negócios Orientais, revelou os aspectos políticos da
conspiração. O entendimento com Hess, o desmembramento
da URSS, o plano de estabelecer uma ditadura fascista após
a derrota do regime soviético. No tribunal, Sokolnikov tes-
temunhou:
"Nós considerávamos que o fascismo era a forma
mais organizada de capitalismo, que êle triunfaria e
320 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

dominaria a Europa e nos sufocaria. Então era melhor


entrar em entendimento com ê l e . . . Tudo isso era
explicado com o seguinte argumento: Antes fazer al-
gum sacrifício, mesmo difícil, do que perder t u d o . . .
Raciocinávamos como políticos . . . Achávamos que de-
víamos tomar umas tantas precauções."

Pyatakov admitiu quo fôra o líder do Centro Trotskista.


Falando numa voz calma o deliberada, escolhendo cuidadosa-
mente as palavras, o antigo membro do Supremo Conselho
Econômico Nacional depôs aeôrca dos fatos comprovados de
atividades de sabotagem o terrorismo quo 61o dirigira até o
momento de sua misíío. Do pó no estrado, rosto rino, com-
prido, pálido, absolutamente impassível, ôlo parecia, segundo
o embaixador americano Joseph E. Davies, 'um professor fa-
zendo uma proloção."
Viehinsky procurou lovar Pyatakov a confessar como os
agentes trotskistas aiernSes o japonôses tinham travado rela-
ções mútuas. Pyatakov fugiu às perguntas^
— VieniNSKY, O quo dou motivo ao agente alemão
Rataiehak para se abrir a você?
— PYATAKOV. Duas pessoas tinham-mo falado..
— VioiitNsKY. Abriu-se ôlo a vocô ou foi vocô qúe
• so abriu a ôlo?
— PYATAKOV, As confidônoias foram mútuas.
— VicEtmsKY. Abriu-se vocô em primeiro lugar?
— PYATAKOV. Quem so abriu primeiro, ôle ou eu —
a galinha ou o ôvo — eu não sei.

Como relatou John Gunther mais tarde no livro Inside


Europe:
"A impressão largamente divulgada no exterior foi
a de que os acusados falaram contando todos a mes-
ma história, de que foram abjetos e servis e s'e com-
portaram como carneiros no matadouro. Isso não é exa-
to. Êles discutiam vivamente com o promotor; em geral
relataram unicamente o que foram constrangidos a re-
latar."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 321

Prosseguindo o julgamento, à medida em que se suce-


diam os depoimentos expondo abertamente Pyatakov como
um assassino o traidor politico calculista o do sangue-frio, uma
nota de dúvida, de depressão começou a se manifestar em
sua voz até então calma e límpida. Alguns dos fatos em mãos
das autoridades foram para êle um choque indisfarçável. A
atitude de Pyatakov mudou. Êle declarou que, mesmo antes
de sua prisão, começara a objetar contra a direção do Trotsfcy.
Disso que não aprovara o entendimento com Hess. "Tínha-
mos nos metido na escuridão", declarou Pyatakov ao tribunal.
"Eu procurava sair..." Numa derradeira alegação ao tribu-
nal, 1'yatakov exclamou:
"Sim, eu fui trotskista por alguns anos! Trabalhei
de mãos dadas com os trotskistas . . . Não penseis, Cida-
dãos Juizes... que durante êsscs anos passados no su-
focante subsolo do trotskismo, eu não via o que estava
acontecendo no país! Não penseis que eu não com-
preendia o que so passava na indústria. Digo franca-
mente: Por VÒZQS, emergindo do subsolo trotskista o
entregando-me aos trabalhos do meu cargo sentia uma
espécie de alívio, e essa dualidado não era apenas
exterior, mas existia dentro do mim mesmo.., Dentro
de poucas horas ouvirei minha sentença,.. Não mo
priveis do uma coisa, Cidadãos Juiaes. Não me pri-
veis do direito de 'sentir quo aos vossos olhos tam-
bém, eu encontrei "em mim, embora muito tardo, fôr-
ça para quebrar o meu passado de crimes 1"

Mas, além disso, nem uma palavra acêrca da existência


da camada restanto da conspiração passou pelos lábios do
Pyatakov...
Nicolai Muralov, antes comandanto da guarnição militar
de Moscou e mcmbro-líder da antiga guarda de Trotsky, que
desde 1932 dirigia as células trotskistas nos Urais juntamonto
com Chestov e técnicos" alemães, solicitou indulgência do tri-
bunal, dizendo que o seu "franco depoimento" devia ser
levado em consideração. Homem alto, barbado e de cabelos
risalhos, Muralov permaneceu como em posição de sentido
urante o depoimento. Declarou que depois de sua prisão e
após uma prolongada luta íntima, êle decidira "pôr as cartas
322 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

na mesa." Suas palavras, segundo Walter Duranty e outros


observadores, tinham um cunho de real honestidade, quando
êle declarou do estrado dos réus:
"Recusei advogado e renunciei falar em minha pró-
pria defesa, porque estou acostumado a defender-me
com armas boas e atacar com armas boas. E eu não
tenho armas boas com quo me defender... Seria in-
digno do mim acusar quem quer que seja por ter-me
arrastado à organização trotskista... Não me atrevo
a oowsurar ninguém por isso. Consuro-me a mim mes-
mo. Ê culpa minha. Ê minha desventura... Por mais
do uma década fui ©u um soldado fiel de Trotsky."

Karl Radek, olhando através de seus óculos grossos para


a sala repleta do tribunal, mantovo-so sucessivamente humilde,
insinuantes, importteonto o arrogante durante o interrogatório
do promotor Viehinsky. Como Pyatakov, porém mais aborta-
mento, ôlo admitiu as suas atividades traiçoeiras. Radek tam-
bém alegou quo, antes do sua prisão, logo quo roeobou carta
de Trotsky delineando o acôrdo oom os governos nazista e
japonês, so resolvera a repudiar Trotsky e denunciar a cons-
piração. Durante semanas, debateu-se & procura do que de-
via fazer.
— VieniNSKY. O quo docidiuP
— RADIÇK. O primeiro passo a dar seria dirigir-me ao
Gomitô Contrai do Partido, fazer uma declaração, de-
nunciar todos os implicados. Isso ou não fiz. Não era
eu quem iria b ÔGPU, mas a OGPU que viria a mim.
— ViciiiNSKY. Uma eloqüente resposta!
— RADEK. Uma triste resposta.

Na sua alegação final, Radek apresentou-se como um ho-


mem torturado de dúvidas, vacilando perpètuamente entre
a lealdade ao regime soviético e a Oposição de esquerda, da
qual fôra membro desde os primeiros dias da Revolução. Êle
estava convencido, disse, de que o regime soviético nunca
poderia resistir à pressão hostil de fora. "Eu discordava acêr-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 323

ca da questão principal", disse êle ao tribunal, "acêrca de


continuar a luta pelo Plano Qüinqüenal." Trotsky "apoderou-se
de minhas profundas perturbações." Passo a passo, segundo a
sua própria narrativa, Raijek foi sendo arrastado para os cír-
culos íntimos da conspiração. Depois vieram as ligações com
os S. S. exteriores e, finalmente, as negociações do Trotsky
com Alfredo Rosenberg e Rudolph Hess. "Trotsky", disso Ra-
dek, "colocou-nos diante do fato consumado do seu acôrdo . . . "
Explicando como chegara finalmente a confessar-so cul-
pado o admitir os fatos que conhecia acêrca da conspiração,
lladek disse:
"Quando me encontrei no Comissariado do Povo
dos Negócios Internos, o oficial principal da inquiri-
ção. .. me disse: "Voeô não è criança. Aqui estão 15
pessoas depondo contra você. Você não pode escapar
disso, e como indivíduo sensato não podo sequer pen-
sar em fazô-lo..
Por dois meses o meio ou atormentei o oficial
de inquérito. Perguntaram aqui so ou fui atormentado
durante a investigação. Devo dizer que «Cio fui ou o
atormentado, mas ou que atormentei os oficiais do in-
quérito o os obriguei a uma tarefa inútil.
Durante dois meses o meio obriguei os oficiais do
inquérito, ao mo interrogarem o me confrontarem com
o depoimento das outros acusados, a me revelarem tô-
das as eartas, de modo que eu pude ver quem tinha
confessado o quem não tinha confessado e o que cada
qual confessara...
Um dia o oficial do inquérito chegou a mim o
mo disse: "Você agora é o ultimo. Por que está es-
porando e contemporizando? Por que não diz tudo
o que tem a dizer?" e eu respondi: 'Sim, amanhã co-
meçarei o meu depoimento.'"

O veredito foi promulgado no dia 30 de janeiro de


1937. Os acusados foram julgados criminosos de traição, de
constituírem uma "agência de fôrças fascistas alemãs e japo-
nêsas de espionagem, de atividades obstrutivas e destrutivas"
de conspirarem para prestar ajuda "aos agressores estrangei-
ros que tencionavam apoderar-se do território da URSS."'
324 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

O Collegium Militar da Suprema Côrte Soviética senten-


ciou Pyatakov, Muralov, Chestov e outros dez a serem fuzi-
lados. Radek, Sokoinikov e dois outros agentes menores foram
sentenciados à prisão por longo tempo.
No seu discurso de recapitulação aos 28 de janeiro de
1937, o promotor de Estado, Viehinsky, declarou:
"Pelo seu trabalho de espionagem, os homens que
sob a direção de Trotsky e Pyatakov estabeleceram
ligações com os S. S. alemão e japonês, tentaram che-
gar a resultados que teriam atingido gravemente os
nossos interésses, não só de nosso Estado, mas também
os intêresses de numerosos Estados que, conosco, dese-
jam a paz e que, conosco, lutam pela p a z . . . Esta-
mos vivamente interessados em que os governos de
todos os países que desejam a paz e lutam por ela,
tomem as mais enérgicas medidas para deter todo
atentado criminoso de espionagem, pbstruçfio, e do ati-
vidades terroristas organizado pelos inimigos da paz,
pelos inimigos da democracia, pelas fôrças obscuran-
tistas do fascismo que estão preparando a guerra, que
estão preparando o naufrágio da paz e, conseqüente-
mente, de tôda a humanidade adiantada e progressista "

As palavras de Viehinsky receberam pequena publicidade


fora da Rússia Soviética; mas foram ouvidas o relembradas
por alguns diplomátas e jornalistas.
O embaixador americano em Moscou, Joseph E. Davies,
ficou profundamente impressionado com o julgamento. Êle as-
sistiu a tudo diàriamente, e auxiliado por um intérprete, se-
guiu cuidadosamente o processo. Antigo advogado de grandes
emprêsas, Davies declarou que Viehinsky, que vinha sendo
constantemente descrito pelos propagandistas anti-soviéticos co-
mo um "inquisidor brutal", impressionara-o, dando-lhe a im-
pressão de um homer Commings, calmo, desapaixonado in-
telectual, habilidoso e sábio. Êle conduziu o julgamento de
modo a ganhar o meu respeito e admiração como advogado.
Aos 17 de fevereiro de 1937, Davies enviou um despa-
cho confidencial ao secretário de Estado, Cordell Hull rela-
tando que quase todos os diplomatas estrangeiros em Moscou
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 325

partilhavam a sua opinião acerca da justiça do veredito. O


embaixador escreveu:
'Talei com muitos, se não com todos os membros
do corpo diplomático, e com exceção possivelmente de
um, todos são de parecer que o processo estabeleceu
claramente a existência de uma luta e conspiração
política para derribar o governo."

Mas êsses fatos não foram publicados. Forças poderosas


conspiravam para abafar a verdade acêrca da quinta-cohina
na Rússia Soviética. Aos 11 de março de 1937, Davies reme-
morou no seu diário de Moscou:
"Outro diplomata, um ministro — fêz-me uma de-
claração extremamente esclarecedora ontem. Discutiu
o julgamento, disse ele que os acusados eram indubità-
velmente culpados; que todos nós que tínhamos assis-
tido ao julgamento, praticamente concordávamos com
isso; que o mundo exterior, nos seus relatos de im-
prensa, entretanto, parecia pensar que o julgamento
fora tuna escamoteação (fachada, como lhe chamavam);
que conquanto êle soubesse que não fora assim, pro-
vàvelmente havia motivos para pensarem no exterior
que tinha sido assim." (75.)

(75) Os companheiros e admiradores de Trotsky na Europa e na


América desencadearam uma torrente interminável de declarações, pan-
fletos, folhetos e artigos descrevendo os julgamentos de Moscou como
"vingança de Stalin contra Trotskv" e produto de "vindita oriental de
Stalin." Os trotskistas e seus aÜaáos Hriham livre «aceso a publicações
importantes. Nos E.U.A. suas declarações e artigos apareciam no
Foreing Affairs Quartely, Rccders Digest, Saturday Éveaing Past, pe-
riódicos de grande circulação. Entre êsses amigos, companheiros e ad-
miradores de Leon Trotsky cujas interpretações dos julgamentos eram
estampadas com destaque na imprensa americana e transmitidas no
rádio, figuravam: Mas Eastman, antigo representante de Trotsky na
América e seu tradutor oficial; AIssaa&r Barmine. ma renegado sovié-
tico que estivera por algum tempo no Ministério do Exterior soviético;
Albert Goldman, advogado de Trotsky, acusado por um tribunal federal
em 1941 por ter tomado parte símia conspiração sediciosa contra as
forças armadas dos E.U.A.; o "General Krivitsky, aventureiro russo
e testemunha do Comitê Dies que passava por antiga figura central da
OGPU e que se suicidou mais tarde deixando uma noto explicativa do
seu ato como uma reparação pelos seus "grandes pecadas"; Isac Don
Levine, veterano propagandista anti-soviético e colaborador da Hearst; e
326 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

3. Ação em maio
A conspiração ainda estava longe de ser esmagada. Como
Pyatakov, Radek também omitira informações importantes às
autoridades soviéticas, a despeito de seu depoimento aparen-
temente completo. Mas no segundo dia do julgamento, Radek
se contradisse perigosamente. Sua língua traiu-o. Fugindo a
uma pergunta cio interrogatório de Viehinsky, êle mencionou o
nome de Tukhachevsky. "Vitaly Putna" disse Radek, "veio
ver-mc com uma petição do Tukhachevsky." Êle caiu em si
imediatamente e nílo repetiu mais o nomo de Tukhachevsky.
No dia seguinte, Viehinsky, leu oro voz alta o depoimen-
to de Radek da sessão anterior: "Eu desejo saber, a que
propósito você mencionou o nome de Tukhachevsky?" per-
guntou a Radek.
Houve uma breve pausa. Depois Radek respondeu cal-
mamente, sem hesitação. "Tukhachevsky", explicou êle, "pe-
dia alguns dados sôbro assuntos do governo" que Radek pos-
suía na redação do Izvestía. O comandante militar mandou
Putna buscá-los. Foi tudo. "Com efeito", acrescentou Radek,
"Tukhachevsky não tinha idéia alguma do meu papol... Eu
conheço a atitudo do Tukhachevsky ante o Partido e o go-

Williaru Ilcnry Clmmberlin, também colaborador do Ilearst, cujos pon-


tos do vista aoôrca dos julgamentos apareceram sob o titulo "O Expurgo
Sangrento da Rússia" no orgto do propaganda do Tóquio, Contempo-
rary Japtin.
O destacado trotskista americano, James Burnham, posteriormente
autor do amplamento divulgado The Munugcrhil licwlution, apresentou
os julgamentos do Moscou como um alentado insidioso da parte de
Stálin para conseguir o auxilio da França, Grã-Bretanha e dos E.U.A.
numa guerra santa" contra o Eixo, o para submeter à perseguição in-
ternacional "todos os que sustentam a política do derrotismo revolucio-
nário (isto é, os trotskistas.)" Aos 15 do abril de 1937 numa introdu-
ção a um panfleto trotskista sôbro o julgamento de Pyatakov-Radek,
Burnham escreveu: "Sim. os julgamentos foram uma parte integrante
e importante dos preparativos de Stálin para a próxima guerra. O sta-
linismo deseja recrutar as massas da França, Grã-Bretanha e dos E.U.A.
nos exércitos de seus governos imperialistas, numa guerra santa con-
tra o ataque que Stálin espera que será lançado contra a União
Soviética pela Alemanha e Japão. Com os julgamentos, operando em
escala mundial, o stalinismo tenta eliminar todos os centros possíveis
de resistência a essa traição social-patriótica,"
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 327

vêrno e sei que se trata de um homem absolutamente dedi-


cado!"
Nada mais Se disse acôrca de Tukhachevsky no julga-
mento. Mas os conspiradores restantes estavam convencidos
que uma dilação maior do golpe final significaria o suicídio.
Krestinsky, Rosengoltz, Tukhachevsky e Gamarnik fizeram
uma série de reuniões secretas precipitadas. Tukhachevsky co-
meçou a designar oficiais no grupo militar para "comandos"
especiais, cada um dos quais teria tarefas específicas a exe-
cutar no momento do ataque. Pelo fim de março do 1937,
os preparativos para o golpe estavam em sua fase final. Em
uma reunião com Krestinsky e Rosengoltz, no apartamento
dôste, Tukhachevsky anunciou que o grupo militar estaria pre-
parado para a ação dentro d© seis semanas. A data para o
ataque seria fixada na primeira parto de maio, de qualquer
modo antes de 15 de maio. Havia uma forma de governo em
discussão no grupo militar, disse ólo.
Um dêsses planos, disso mais tarde Tukhachevsky, com
o qual "contava mais Rosongote", consistiria em "reunirem-se
uns militares e seus companheiros, sob um pretexto qualquer,
no seu apartamento, o uai caminharem para o Kremlin, to-
marem o sou pôsto tolofônico, matarem és líderes do Partido
e do govôrno. Simultânoamento, do aeôrdo com ôsto plano,
Gamarnik e suas unidades "tomariam o edifício do Comissa-
riado do Povo para os Negócios Internos,"
Outras "variantes"' foram discutidas; mas quanto àquele
plano, Krestinsky e Rosengoltz estavam de aeôrdo, parecendo
ser o mais audaz o, por conseguinte, provàvelmonte o mais
ofícaz...
A reunião no apartamento do Rosengoltz. concluiu com
uma nota otimista. O plano do golpe, como delineara Tu-
khachevsky, tinha grandes probabilidades de ôxito. A despeito
da perda de Pyatákov e outros, parecia que o dia por que
tanto tinham almejado os conspiradores, e para o qual tanto
se prepararam, agora se aproximava.
Abril passou depressa, com os últimos e febris prepara-
tivos para o golpe.
Krestinsky começou a organizar umas longas listas "de
gente de Moscou qu© devia ser prêsa e removida de seus
postos ao declarar-se o movimento, e lista de outras pessoas
indicadas para essas vagas." Pistoleiros sob o cornando de Ga-
328 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

marnik foram destacados para assassinar Molotov e Voróchilov."


Rosengoltz, na sua qualidade de comissário do Comércio do
Exterior, falava em encontrar-se com Stálin na véspera do
golpe e assassinar o líder soviético no seu Q. G. no Kremlin...
Era a segunda semana de maio de 1937.
Aí, súbita e devastadoramente, o govêrno soviético arre-
meteu, no dia 11 de maio. O Marechal Tukhachevsky foi des-
tituído do seu pôsto de assistente do comissário de Guerra
e designado para um comando inferior no distrito do Volga.
O General Gamarnik foi destituído do seu pôsto de assistente
do comissário do Guerra. Os generais Uborevitch e Yakir,
associados à conspiração com Tukhachevsky e Gamarnik, tam-
bém foram destituídos. Dois outros generais, Kork e Eide-
man, foram presos e acusados de manterem relações secretas
com a Alemanha Nazista.
"Eu comecei a aguardar minha prisão" disse Krestinsky
mais tarde. "Conversei sôbro o assunto com Rosengoltz, que
não esperava ser descoberto o continuava mantendo relações
com Trotsky... Poucos dias depois fui pirôso."
Um comunicado oficial revelou quo Bukharin, Rykov e
Tomsky, que tinham estado sob vigilância estrita e sob in-
vestigação eram agora acusados do traição. Bukharin e Rykov
tinham sido postos sob custódia. Tomsky, fugindo à prisão,
suicidara-se. Aos 31 de maio, o General Gamarnik seguiu o
exemplo de Tomsky. Foi comunicado que Tukhachevsky e ou-
tros numerosos oficiais do exército, altamente colocados, tinham
sido presos pela NKVD. Pouco tempo depois, Rosengoltz foi
prêso. Continuava a perseguição nacional contra os suspeitos
de quinta-colunismo.
As 11 horas da manhã de 11 de junho de 1937, o Ma-
rechal M. N. Tukhachevsky o sete outros generais do Exér-
cito Vermelho enfrentaram um Tribunal Militar especial da
Suprema Côrte Soviética. Por causa do caráter confidencial
do depoimento que ia ser ouvido, o tribunal se reuniu a
portas fechadas. Era uma côrte marcial militar. Os réus foram
acusados de conspirarem contra a União Soviética, manco-
munados com potencias inimigas. De pé na sala do tribunal,
juntamente com Tukhachevsky — enfrentando os marechais
Voróchilov, Budyenny, Chopochnikov e outros líderes do Exér-
cito Vermelho — estavam os sete generais seguintes:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 329

General V. I. Putna, antigo adido militar em Lon-


dres, Tóquio e Berlim.
General I. E. Yakir antigo comandante da Guarni-
ção Militar de Lenipgrado.
General I. P. Uborevitch, antigo comandante do
Exército Vermelho na Bielo-Rússia.
General R. P. Eídeman, antigo chefe do Osoavia-
khim (organização voluntária de defesa militar.)
General A. I. Kork, antigo chefe da Academia
Militar Frunze.
General B. M. Feldman, antigo chefe da Sessão
de Pessoal do Estado-Maior.
General V. M. Primakov, antigo comandante da
Guarnição Militar de Karkov.

Um comunicado oficial declarava o seguinte:


"As investigações feitas estabeleceram a participa-
, ção dos réus, assim como do General Jan Gamarnik,
em ligações antiestatais com círculos militares dirigen-
tes de um dos países estrangeiros empenhados em po-
lítica inamistosa contra a URSS.
Os réus estavam a serviço do S. S. militar dôsso
país.
Sistemàticampnte, os réus forneciam informações
secretas acêrca da situação do Exército Vermelho aos
círculos militares dêsse país.
Êles empenharam-se em atividades de destruição
e debilitamento do Exército Vermelho, com o intuito
de preparar a sua derrota no caso de um ataque con-
tra a União Soviética..."

Aos 12 de junho, o Tribunal Militar anunciou o seu vere-


dito. Os réus foram julgados culpados e sentenciados, como
traidores, a serem fuzilados por um pelotão do Exército Ver-
melho. Dentro .de 24 horas, a sentença foi executada.
De novo, violentos rumores de propaganda anti-soviética
agitaram o resto do mundo. O Exército Vermelho inteirinho,
segundo foi apresentado no exterior, estava fervilhando de
revolta contra o govêrno soviético; Vorochilov estava "mar-
330 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

chando sôbre Moscou", à testa do exército antistalinista; fuzi-


lamentos em massa tinham lugar na Rússia Soviética; daí por
diante, o Exército Vermelho, tendo perdido seus "melhores
generais", não era mais um fator sério na situação internacional.
Muitos observadores honestos ficaram profundamente ator-
doados com os acontecimentos na Rússia Soviética. O caráter
e a técnica da quinta-coluna ainda eram geralmente desco-
nhecidos. Aos 4 ae julho de 1937, Joseph E. Davies, embai-
xador americano em Moscou, teve uma entrevista com o co-
missário do Exterior soviético Maxim Litvinov. Ele comunicou
a Litvinov, francamente, que a reação nos E.U.A. e na Europa
ante a execução dos generais e ante os julgamentos dos trots-
kistas, fôra má.
"Na minha opinião", informou o embaixador ao elmissário
do Exterior soviético, "isso enfraqueceu a confiança da França
e da Inglaterra na pujança da URSS om face de Hitler."
Litvinov também foi franco. Comunicou quo o govêrno
soviético teve de assegurar por meio dêsses julgamentos e
execuções a liquidação do traidores que cooperassem com Ber-
lim e Tóquio no caso de uma guerra inevitável.
"Algum dia", disso Litvinov, "o mundo compreenderá o
que fizemos para proteger o nosso govôrno da traição que
o ameaçava... Estamos prestando um serviço a todo o mundo,
protegendo-nos a nós mesmos contra a ameaça do Hitler e
da dominação mundial nazista, o conseqüentemente estamos
mantendo a fôrça da União Soviética como baluarte contra
a ameaça nazista."
Aos 28 de julho de 1937, tendo conduzido investigações
pessoais sôbre a verdadeira situação dentro da Rússia Sovié-
tica, Davies enviou o "Despacho Número 547, estritamente
confidencial", ao secretário cie Estado Cordell Hull. O embai-
xador recordou os recentes acontecimentos e desfez os malé-
volos rumores de descontentamento popular e iminente colapso
do govêrno soviético. "Não houve indicações (como constou
nas histórias dos jornais) de cossacos acampados perto do
Kremlin ou encaminhando-se para a Praça Vermelha", escre-
veu êle. Davies recapitulou a sua análise do caso de Tukha-
chevsky do seguinte modo:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 331

"Salvo assassínio ou guerra exterior, a posição dês-


te govêrno e do atual regime parece inabalável agora,
e provavelmente por muito tempo, no porvir. O perigo
do Corso dissipou-.se atualmente."

4. Final
O último dos trôs famosos Julgamentos do Moscou ini-
ciou-se aos 2 do março de 1038, na Casa dos Sindicatos,
perante o Collegium Militar da Suprema Côrto da URSS. Os
processos, inclusive as sessões da manhíí, da tarde o da noite
e a» sessões in Gamara, em que foram ouvidas testemunhas
cujos depoimentos envolviam segredos militares, duraram sete
dias.
Os réus oram em número do 21. Incluíram o antigo che-
fe da O GPU, Henry Yagoda, e seu secretário, Pavel Bulanov;
os líderes das direitas, Nicolau Bukharín e Alexei Rykov; os
líderes trotskistas o agentes alemães, Nieolai Krestinsky o Arka-
dy RosongoHz; o agente trotskista o japonâs, Christian Rako-
vsky; os líderes das direitas e agentes alemães, Mikhail Cher-
nov h Grigori Grinko; o agente polonôs, Vasily Charangovitch;
o outros onze conspiradores, membros do Bloco, sabotadores,
terroristas e agentes estrangeiros inclusive o elemento de li-
gação trotskista, Sergei Bessonov, e os médicos assassinos, dou-
tores Levin, Pletney e Kazakov.
O correspondente americano, Walter Durantv, que assis-
tiu ao julgamento, escreveu no seu livro, O Kremlin e o povo:
"Era com efeito o "Julgamento para acabar com
todos os julgamentos", porque nessa época as coisas
estavam claras, o promotor organizara os fatos e con-
seguira reconhecer os inimigos, tanto dentro como fora
do país. As dúvidas e hesitações iniciais tinham agora
desaparecido, porque um caso após outro, especialmen-
te, creio eu, o caso dos "generais", completaram o qua-
dro obscuro e inacabado no tempo do assassínio de
Kirov..."
332 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

O govôrno soviético preparara cuidadosamente a causa.


Meses de investigação preliminar, coleção de provas e depoi-
mentos dos julgamentos prévios, acareação de testemunhas e
réus, interrogatório dos conspiradores detidos, tudo isso levara
à construção do libelo. O govôrno soviético acusava:
"1. Em 1932-33, por instruções dos S. S. de esta-
tados estrangeiros hostis à URSS, formara-se um grupo
conspirativo denominado o "Bloco das Direitas Trots-
kistas", acusado no presente processo de objetivos de
espionagem com auxílio de estados estrangeiros, de ati-
vidades destrutivas, obstrutivas o terroristas, procurando
solapar o poder militar da URSS, provocando um ata-
que militar dôsses estados contra a URSS, trabalhando
para a sua derrota o para o seu desmembramento...
2. O "Bloco das Direitas e Trotskistas" entrara
em comunicação com certos estados estrangeiros com
intenção de receber ajuda armada dos mesmos para
realizar os seus desígnios criminosos.
3. "O Bloco das Direitas o Trotskistas", empenha-
ra-se sistemàlicamonto em atividades de espionagem
com auxílio dôsses estados, fornecendo aos seus S. S.
informações oficiais secretas de extrema importância.
4 O "Bloco das Direitas e Trotskistas" sistemà-
ticamento executara atividades destrutivas o obstrutivas
nos vários ramos da construção socialista (indústria,
agricultura, ferrovias, na esfera das finanças, do desen-
volvimento municipal, etc.
5. O "Bloco das Direitas e Trotskistas" organizara
numerosos atos terroristas contra líderes do Partido Co-
munista Russo e do govôrno soviético e perpetrara atos
terroristas contra S. M. Kirov, V. R. Menjinsky, V. V.
Kuibychev e A. M. Górki."

O julgamento do Bloco das Direitas e Trotskistas divul-


gou pormenorizadamente pela primeira vez na história as ati-
vidades da quinta-coluna do Eixo. Tôdas as técnicas do mé-
todo de conquista secreta do Eixo — propaganda, espiona-
gem, terror e traição nos altos postos, a maquinação dos Quis-
lings, a tática do Exército secreto lutando dentro do país —
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 333

a história tôda da estratégia da quinta-coluna pela qual os


nazistas já vinham solapanao a Espanha, a Áustria, a Tcheco-
-Eslováquia, a Noruega, a Bélgica, a França e outras nações da
Europa o América, tudo isso foi claramente exposto. "Os Bu-
kharins, os llvkovs, os Yagodas e Bulanovs, os Krestinskys e
Rosengoltzes', declarou o promotor soviético, Vichinsky, na sua
alocução final aos IX de março de 1938, "são todos membros
dessa quinta-coluna."
O Embaixador Joseph E. Davies, que assistiu aos proces-
sos, achou o julgamento 'terrífico", como drama legal, humano
o político. Aos 8 do março escreveu à sua filha:
"Tôdas as fraquezas o vícios fundamentais da natu-
reza humana — ambições pessoais .das piores — fo-
ram manifestadas nos processos, lílos revelaram os li-
neamentos do uma conspiração que ostôvo próxima cio
êxito, tentando derribar êste govêrno."

Alguns dos acusados, lutando por suas vidas, procuraram


furtar-se à responsabilidade total do sous crimes, atirando a
culpa sôbro outros, apresontando-se como políticos sinceros, mas
transviados. Outros, sem aparente emoção ou esporança do
escapar da sentença de morte, relataram os negros pormeno-
res aos assassínios "políticos" que tinham cometido, as ope-
rações de espionagem tf sabotagem que tinham executado
sob a direção dos S. S. militares alomíío o japonês.
Na sua alegação final perante o tribunal, Bukharin, quo
se apresentara como o "ideólogo" da conspiração, traçou um
quadro vivo das tensões íntimas e das duvidas quo, após a
sua prisão, começaram a afligir muitos dos radicais de ou-
trora que se tinham transformado em traidores e, juntamente
com Trotsky, tinham conspirado com a Alemanha nazista o
com o Japão contra a União Soviética. Bukharin disse:
"Eu já disse, ao dar meu depoimento neste tribu-
nal, que não foi a simples lógica da luta que nos
impeliu, a nós conspiradores contra-revolucionários, à
fétida vida do subsolo, que foi exposta neste tribunal
com tôda a sua fôrça. A simples lógica da luta foi
acompanhada por uma degenerescência de idéias, uma
degenerescência psicológica, uma degenerescência de
334 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

nós mesmos, tuna degenerescência do povo. Houve e-


xemplos históricos muito conhecidos de semelhante de-
generescência. Basta mencionar Briand, Mussolini e ou-
tros. Nós também degeneramos...
Falarei agora do mim mesmo, de minhas razões
para arrepenoer-me. Com efeito, eu devo admitir que
a prova processual desempenha um importantíssimo pa-
pel. Durante três meses ou recusei-me a dizer coisa
alguma. Depois eomceoi a dopôr. Por que? Porque du-
rante a prisão eu fiz a rocapitulaçâo de meu passado
todo. Quando a gente pergunta: "Por que morre vo-
cê?" — subitamente emerge dianto da gente um vazio
negro perfeitamente evidente. NSo haveria nada por
que mórror, so so morresse impenitente,.. E quando
a gente pergunta a si mesmo: "Muito bom, suponha
que voou nlio morre; suponha que por um milagre
você deva permanecer vivo. Ainda uma voz, por que?
Isolado do todos, feito inimigo do povo, numa situação
inumana completamente separado do tudo o quo cons-
titui a essência da vida..." B novamente, a mesma
resposta quo surge. l m tais momentos, Cidadãos Juí-
zos, tudo o que M de pessoal, tôda a incrustação pes-
soal, todo rancor, todo orgulho o numerosas outras
coisas dissipam-se, desaparecem...
Estou faiando talvez pela última vez na minha
vida... Posso inferir a priori quo Trotsky o os ou-
tros meus aliados no crime, assim corno a Segunda
Internacional... empenhar-se-ão para nos defender, e
particularmente a mim. Rejeito essa defêsa.,. Espero
o veredilo."

O veredito foi anunciado na manhã de 13 de março de


1938. Todos os réus foram julgados culpados. Três deles, Plet-
nev, Bessonov e Rakovsky, foram sentenciados à prisão. Os
demais foram sentenciados ao fuzilamento.
Três anos depois, no verão de 1941, depois da invasão
nazista da URSS, Joseph E. Davies, antes embaixador ame-
ricano na União Soviética, escreveu:
"Não houve a esperada "agressão interna" na Rús-
sia cooperando com o alto comando alemão. A mar-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 335

cha de Hitler sôbre Praga foi acompanhada do apoio


militar ativo das organizações de Henlein na Tcheco-
-Eslováquia. A mesma coisa sucedeu na invasão da No-
ruega. Não houve Henleins sudetos, nem Titos eslove-
nos, nem De Grelles belgas, nem Quislings noruegue-
ses no solo da Rússia...
A história tinha sido contada nos chamados jul-
gamentos do traição e no expurgo de 1937 e 1938,
a que eu assisti. Rememorando èsscs processos e o que
escrevi nesta época... achei quo pràticamonto todo
processo de atividade quinta-cohmista alemão, como
agora se conhece, foi revelado o desnudado nas con-
fissões de depoimentos feitos nesses julgamentos poios
"Quislings" confessos da Rússia...
Todos êsses julgamentos, expurgos e liquidações,
que pareciam violentos na ocasião e quo abalaram o
mundo, vô=so agora do modo porfeitamonto claro quo
faziam parte de um esfôrço vigoroso o decidido do go-
vôrno do Stálin para protegor-so não só contra a re-
volução interna mas também contra o ataque do fora.
Êles conseguiram limpar inteiramente o liquidar todos
os traidores ao interior do país. Tôdas as duvidas foram
resolvidas em favor do govêrno.
Nao houve qyinta-colunistas na Rússia em 1941
— tinham sido fuzilados. O expurgo limpou o país o
varreu a traição."

A quinta-coluna do Eixo na Rússia Soviética já tinha sido


esmagada.
CAPITULO XXI

ASSASSÍNIO NO MÉXICO

O principal réu do todos os trôs julgamentos de Moscou


era um homem que estava a 5.000 milhas de distância.
Em dezembro do 1936, depois do julgamento de Zino-
viov-Kamcmev © da prisão do Pyatakov, Raaek e outros mem-
bros dirigentes do Centro Trotskista, Trotsky foi forçado a
deixar a Noruega. Êle cruzou o Atlântico o atingiu o México
aos 13 do janeiro de 1937. Aí, após uma breve estada na
casa do um rico artista mexicano, Diego Rivera, Trotsky mon-
tou o seu Q. G. numa vila om Coyoaean, subúrbio da Cidade
do México. De Coyoaean, durante os meses seguintes, Trotsky
viu osboroar-so irremodiàvclracnto, peça por peça, sob as mar-
teladas do govôrno soviético, a intrincada e poderosa quin-
ta-coluna russa...
0
Aos 26 do janeiro de 1Ô37, Trotsky fèz uma declaração
assinada à imprensa de Hearst nos E. U. A., acôrca do jul-
amento de Pyatakov o Radek. "Dentro do Partido", disse
lo, "Stálin colocou-se acima de tôda crítica e acima do pró-
prio Estado. Ê impossível deslocá-lo a não ser pelo assassínio."
Um comitê americano para a defesa de Leon Trotsky,
arquitetado por companheiros de Trotsky nos E. U. A., mas
nominalmente chefiado por socialistas anti-soviéticos, jornalistas
e educadores, estabeleceu-se na cidade de Nova Iorque. O co-
mitê incluía a princípio numerosos liberais destacados. Um
dêles, Mauritz'Hallgren, autor e sócio-editor do Baltímor Sun,
retirou-se" do comité logo que viu claramente os intuitos de
propaganda anti-soviética do mesmo. Aos 27 de janeiro de
1937, Hallgren publicou uma declaração desligando-se do co-
mitê que dizia em parte o seguinte:
338 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

"Estou convicto, como devo estar no caso, de


que o Comitê Americano para Defesa de Leon Trotsky
tornou-se, talvez não intencionalmente, um instrumento
dos trotskistas para a sua política de intervenção con-
tra a União Soviética. Diante disso, V. S. retirará
o meu nome da lista de membros do comitê."

O Comitê para a Defesa de Leon Trotsky empreendeu


uma campanha de propaganda intensa para apresentar Tro-
tsky como "o mártir e herói da Revolução Russa" e os jul-
gamentos de Moscou como farsas do Stálin." Um dos primei-
ros atos do comitê foi estabelecer uma "Comissão Preliminar
de Inquérito" para "investigar acôrca das acusações feitas con-
tra Leon Trotsky nos julgamentos do Moscou de agôsto de
1936 e janeiro do 1937.' Os membros do comitê eram o idoso
filósofo e educador Tohn Dewoy; o autor, Carleton Beals; o
antigo membro socialista do Reichstag alemão, Otto Reuhle; o
antigo radical americano © jornalista anti-soviético, Benjamin
Stolberg; e a fervorosa trotskista, jornalista Susano La Follette.
Com muita fanfarra e publicidade a Comissão de Inqué-
rito começou promovendo audiências em Coyoaean, México,
aos 10 de abril. As únicas testemunhas foram Leon Trotsky
e um de seus secretários, Jan Frankel, que fôra a princípio
membro da guarda pessoal de Trotsky em Prinkipo, em 1930.
Atuando como consultor legal em favor de Trotsky, havia o
advogado americano, Albert Goldman (76.)
As audiências duraram sete dias. O "depoimento" de Trots-
ky, largamente divulgado na imprensa americana e européia,
consistiu principalmente em violentas acusações contra Stálin
e o govôrno soviético, em extravagante autolouvor do seu pa-
pel na Revolução Russa. As provas detalhadas apresentadas
contra Trotsky nos julgamentos de Moscou, na sua maior par-
te, foram completamente ignoradas pela Comissão de Inqué-
rito. Aos 17 de abril, Carleton Beals demitiu-se da Comissão,
Beals publicou uma declaração em que dizia:

(76) Em 1 de dezembro de 1941, Albert Goldman foi acusado


numa Corte Federal em Minneapolis, Minnesota, de ter conspirado num
trabalho de desmoralização do Exército e da Marinha aos E.U.A.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 339

"A silenciosa adoração dos demais membros do


comitê perante Mr. Trotsky durante as audiências aca-
bou destruindo todo espírito de investigação hones-
ta . . . Logo no primeiro dia fui informado de que as
minhas perguntas oram impróprias. O interrogatório fi-
nal foi organizado de maneira a impedir tôda pes-
quisa do verdade. Eu tinha como tarefa interrogar
Irotsky acerca dos seus arquivos... O interrogatório
consistiu cm acusações do propaganda que TrotSKy de-
clamou coro eloqüência, cm acusações violentas, com
esforços multo raros para provar as suas asserções. A
comissão podo entregar ao público a sua poça, se qui-
ser, mas cu nfio emprestarei o meu nomo a essa in-
fantilidade, no caso 'do ser cometida."

Sob os auspícios do Gomilô Americano pura Defesa de


Leon Trotsky, iniciou-se uma campanha para trazer Trotsky
aos E.U.A. Livros, artigos © declarações do Trotsky circula-
ram largamente nos KU.A., enquanto que a verdade sô-'
bre os'julgamentos de Moscou permanecia engavetada nos ar-
quivos do Departamento do listado ou nas mentos dos cor-
respondentes ao Moscou que acreditavam, como Walter Du-
ranty escreveu mais tarde, na "extrema relutância dos leitores
americanos para ouvirem algo de honesto sôbre a Rússia." (77.)
No México, assim como na Turquia, na França e No-
ruega como em tôda parte em que estivo, Trotsky reuniu

(77) Trotsky ofereceu várias explicações, para as confissões feitas


nos julgamentos pelos seus antigos e Íntimos amigos, lugar-tenentes o
aliados. A princípio, êle explicou o julgamento do Ztnoviov o Kamencv
declarando que o governo soviético prometera poupar as vidas dos réus
com a condição destes fazerem acusações falsas contra filo, Trotsky.
"Ê isso um mínimo a que a OGPU não podoria renunciar", escrevera
Trotsky — ela dará às suas vítimas uma enave para recuperar as suns
vidas com as condições de obter esse mínimo." Depois do fuzilamento
de Zinoviev e Kamenev e seus cúmplices do Centro Terrorista Trots-
kista-Zinovlevista, Trotsky declarou que êles tinham sido enganados. Mas
essa explicação tornou-se desesperadamente inadequada quando Pyatakov,
Radek e outros acusados no segundo Julgamento de Moscou, também
confessaram-se culpados e fizeram declarações ainda mais desconcer-
tantes. Então Trotsky afirmou que o depoimento dos acusados era o
produto de misteriosas e requintadas torturas, de drogas poderosas,
Ele escreveu: "Os julgamentos da OGPU têm um caráter inteiramente
340 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

ràpidamente em tôrno de si uma roda de discípulos, aven-


tureiros e guardas armados. E novamente, começou a viver
numa atmosfera fantástica de intriga.
A vila de Coyoaean em que estava o quartel-general de
Trotsky fôra transformada numa verdadeira fortaleza. Cerca-
va-a um muro de 20 pés de altura. Nos torreões, aos quatro
cantos havia sentinelas armadas de fuzis embalados, vigiando
noite e dia. Além do que, havia uma unidade da polícia
mexicana especialmente destacada para a proteção do exte-
rior da vila, e guarda-costas armados de Trotsky que patru-
lhavam incessantemente o seu quartel-general. Tôdas as visitas
tinham do apresentar a sua identidade, eram submetidas a
investigações mais rigorosas do que nos postos de fronteira.
Seus passes eram assinados e contra-assinados. Admitido atra-
vés dos portões do muro alto, oram revistados antes de en-
trarem na vila pròpriamonte dita.
Dentro, a atmosfera era de tensa atividade. Havia um
pessoal considerável que trabalhava dando instruções ou exe-
cutando tarefas recebidas do chefe. Secretários especiais pre-
paravam propaganda anti-soviética, proclamações de Trotsky,
artigos, livros o comunicações secretas em russo, alemão e
francês, espanhol e inglês. Como em Frinkipo, Paris e .Oslo,
muitos dos "secretários" de Trotsky levavam pistolas à cin-
tura — era o mesmo ambiente de iatriga @ mistério cercando
o conspirador anti-soviético.

inquJsitorinl: 6 ôsso o segrMo das confissões!... Talvez haja no mundo


pessoas capazes de suportai tôdas as modalidades de torturas, físicas
o morais, infligidas contra si mesmas, contra suas espôsas e filhos.
Eu não as conheço..."
Num artigo Trotsky descrevia os réus nos julgamentos como ho-
mens de "caráter nobre', ardentes, sinceros "velhos bolcheviques" que
tinham tomado o atalho da oposição por causa de Stálin ter "traído a
revolução", e, conseqüentemente, foram liquidados por Stálin. Em ou-
tro artigo, Trotsky denunciaria violentamente Pyatakov, Radek, Bukharin
e outros como 'caracteres desprezíveis", homens de "vontade fraca",
é "títeres de Stálin."
Finalmente, em resposta à pergunta, por que, se não eram culpa-
dos, os revolucionários veteranos teriam feito tais declarações, sem se
terem aproveitado do julgamento público para se proclamarem inocen-
tes, Trotsky declarou nas audiências do México em 1937: "Pela natu-
reza da causa, não sou obrigado a responder a essas perguntas!"
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 341

A correspondência era volumosa, e chegava ao Q. G. me-


xicano de tôdas as partes do mundo. Não poucas vêzes exigia
tratamento químico, porque as cartas vinham escritas em tinta
invisível entre inócuas linhas visíveis. Havia copiosa corres-
pondência telegráfica e cabográfica com a Europa, Ásia e os
Estados Unidos. Uma onda interminável de jornalistas, celebri-
dades, políticos, misterioso? visitantes incógnitos, vinham entre-
vistar-so com o líder "revolucionário" do movimento anti-so-
viético. Havia delegações freqüentes d© trotskistas estrangei-
ros — trotskistas franceses, trotskistas americanos, trotskistas
hindus, trotskistas chineses, agentes do I'OUM espanhol.
Trotsky recebia os seus visitantes com o ar de um dés-
pota no poder. A jornalista americana Betty Kirk, que entre-
vistou Trotsky no México e o fotografou para a revista Life,
descreveu a sua manoira hislria e ditatorial:
"Trotsky olhou para o seu relógio e disse autocrà-
ticamonte que nos daria exatamente oito minutos. Ao dar
ordens ao seu secretário russo, gritou contra a lerdeza
dôle. Mandou também a Bernard Wolfe, seu secretá-
rio norte-americano, quo se sentasse, o enquanto Wolfe
atravessava a sala, Trotsky bateu com o lápis no canto
da mesa, exclamando: "Depressa, não perca tempo!"

Da vüa fortificada do Coyoaean, Trotsky dirigia a sua


organização anti-soviética mundial, a IV Internacional. Na
Europa, Asia, América do Norte e do Sul existiam íntimas
ligações entre a IV Internacional o a rêde da quinta-coluna
do Eixo:
"Na Tcheco-Eslováquia: Os trotskistas trabalhavam
cm colaboração com o agente nazista Konrad Henlein e
seu partido de sudetos alemães. Sergei Bessonov, por-
tador trotskista que fôra conselheiro na embaixada so-
viética em Berlim, testemunhou quando em julgamento
em 1938 que, no verão de 1935, estabelecera ligações
em Praga com Konrad Henlein. Bessonov afirmou que
êle pessoalmente atuara como intermediário entre o
grupo de Henlein e Leon Trotsky."
141 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

Na França: Jacques Doriot, agente nazista e fun-


dador do Partido Popular Fascista, foi um renegado
comunista e trotskista. Doriot trabalhou intimamente,
como fizeram outros agentes nazistas e fascistas france-
ses, com a secção francesa da IV Internacional Trots-
kista.
Na Espanha: Os trotskistas insinuaram-se nas fi-
leiras do POUM, organização quinta-colunista que vi-
nha ajudando o levante fascista de Franco. O chefe
do POUM era Andreas Nin, antigo amigo e aliado de
Trotsky.
Na China: Os trotskistas vinham operando sob a
supervisão direta do S. S. militar japonês. Seu traba-
lho era muito bem visto pelos oficiais dirigentes do
S. S. japonês. O chefe do serviço japonês de espio-
nagem em Peipim declarou em 1937: "Apoiaremos o
grupo dos trotskistas e promoveremos o seu êxito, do
sorte que a sua atividade em todos os recantos da
China possa trazer proveito e benefício ao império, con-
tra aquêles chineses que são perniciosos à unidade do
país. Eles trabalham com extraordinária habilidade."
No Japão: Os trotskistas eram denominados "o cé-
rebro do serviço secreto." Êles instruíram agentes se-
cretos japonêses em escolas especiais acêrca da técnica
de penetração no Partido Comunista na Rússia Sovié-
tica e de combate às atividades antifascistas na China
e no Japão.
Na Suécia: Nils Hyg, um dos dirigentes trotskis-
tas, recebera subsídio financeiro de um financista e
tratante pró-nazi, Ivar Kreuger. As provas dos subsí-
dios de Kreuger ao movimento trotskista foram publi-
cadas depois do suicídio de Kreuger, quando os audi-
tores encontraram entre os seus documentos, recibos
de tôda sorte de aventureiros políticos, inclusive Adol-
fo Hitler.
"Em todo o mundo, os trotskistas tinham-se trans-
formado em instrumentos pelos quais os S. S. do Eixo
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 343

conseguiram penetrar nos movimentos liberais, radicais


e laboristas, aesvirtuando-os em seu favor." (78.)

A débacle final da quinta-coluna russa no julgamento do


Bloco das Direitas e Trotskistas em Moscou foi um tremendo
golpe em Trotsky. Uma nota de desespôro e histeria começou
a dominar em todos os seus escritos. Sua propaganda con-
tra a União Soviética tornava-se cada vez mais atrevida, con-
traditória e extravagante. Êle falava incessantemente de sua
"retidão histórica." Seus ataques contra Stálin perderam tôda
aparência de razão. Escrevia artigos assegurando que o líder
soviético achava um prazer sádico em "atirar fumaça" no rosto
de crianças. Cada vez mais sou ódio pessoal contra Stálin
foi tornando-se a fôrça dominadora da vida de Trotsky. Pôs

(78) Mesmo depois da morto do Trotsky, a IV Internacional con-


tinuou desenvolvendo as suas atividades do quinta-coluna, Na Grã-Bre-
tanha om abril do 1044, a Seotlimd Ynrd e ofleiois do polícia de-
ram buscas nos quartóls-gonorals trotskistas cm Londres, Glasgow, Wall-
sond ©« Nottlngham, depois de descobrirem que os trotskistas vinham
fomentando greves om todo o país, tentando quobrar o osfôrço de
guerra brltftnieo.
No» E.U.A., a 1 do dezembro do 1041, dezoito trotskistas ame-
ricanos influentes foram Julgados innn Tribunal Distrital Federal cm
Minneapolis, por conspirarem contra a lealdudo o disciplina dos solda-
dc® e marinheiros americanos.
Acusados juntamonte com o advogado do Trotsky, Albert Goldman,
foram James P. Connon, secretário nacional do Partido Socialista do
Trabalhadores (nome sob o qual oporava o movimento do Trotsky nos
E.U.A.); Felix Marrow, editor do jornal trotskista, o Militante; Jako
Cooper, um dos antigos guarda-costas do Trotsky no México; mais qua-
torze membros dirigentes do movimento trotskista amoricano. Foram sen-
tenciados à prisão de um ano o um dia ató dezesseis meses.
Grant Dunne, um dos principais trotskistas no movimento laborista
americano, nomeado no julgamento federal, suicidou-se trás semanas
antes do comêço do julgamento.
Em março de 1943 o órgão trotskista, o Militante, foi privado do
correio nos E.U.A. sob a alegação de que a publicação vinha tentando
"embaraçar e derrotar o govêrno no seu esfôrço para levar a guerra a
bom têrmo." Depois de uma investigação no Militante, o Departamento
de Justiça publicou uma declaração que dizia: "Desde 7 de dezembro
de 1941, essa publicação desencorajou abertamente a participação das
massas populares na guerra... As colunas do jornal incluem irrisão
da democracia . . . e outras matérias . . . que parecem calculadas para
engendrar oposição ao esfôrço de guerra, assim como para abater o
ânimo das fôrças armadas.
344 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

seus secretários trabalhando em uma Vida de Stálin, um


vitupério maciço de 1.000 páginas (79.)
Em 1939, Trotsky estêve em contacto com o Comitê do
Congresso chefiado pelo representante Martin Dies do Texas.
O comitê, fundado para investigar sôbre atividades antiame-
ricanas, tornara-se um fórum de propaganda anti-soviética.
Trotsky foi abordado por agentes do Comitê Dies e convi-
dado a depôr como "testemunha idônea" sôbre a ameaça de
Moscou. Foi citada uma declaração de Trotsky no New York
Times do 8 do dezembro de 1939, em que ôle considerava
seu dever político depôr perante o Comitê Dies. Discutiram-se
projetos para a vinda do Trotsky aos E.U.A. O projeto, en-
tretanto, fracassou.

O eoitosponilonío americano no estrangeiro, Paul Cíhnll tio Chicano


Daily News, relatou da Suiça aos 28 do sotombro do 1044, quo Hom-
rteh' Himlcr, cheio da Gestapo, so estava utilizando dos trotskistas
owopeus como parto do irmu' intrica o sabotagem nazista subtorrAnoa
do ctpóf).gtu»m (ühall »lutou quo a juventudo fascista estava sendo
treinada no "moiídsmo" trotskista, suprida com documentos falsos o
armas o colocadas atrás das linhas aliadas com a ordem de infiltrar-so
nos Partidos Comunistas nas áreas libertadas. Na França, revelou Ghalt,
membros da milícia fascista do Joseph Darmand estavam sendo arma-
dos pelos nazistas para atividades do terrorismo o qulnta-eolunismo no
após-guerra. "Essa escumalha da população francesa", acrescentava o
relato" do Ghall, "está sendo treinada para a ativldado bolchevique
na tradição da Internacional de Trotsky sob as ordons pessoais de
Heinrich Himmler. Seu trabalho 6 sabotar linhas do comunicação aliadas
o assassinar políticos franceses degaullistas. Mos estilo sendo instruídos
para dizer aos seus concidadfios que o Sovloto atual representa apenas
uma deformação burguesa dos princípios originais do Lônin e que che-
gou o tempo do voltar a proclamar a ideologia bolchovique. Essa for-
mação do grupos do terroristas vermelhos é a mais recente política de
Himmlcr, disposta a criar uma quarta internacional amplamente conta-
minada do germes nazistas. Destina-se contra os britânicos, america-
nos e russos, particularmcnto contra ístes."
(79) Os amigos do Trotsky nos E.U.A. empenharam-se para con-
seguir que uma editôra do Nova Iorque, com reputação de conserva-
dora e íntegra, publicasse Csso livro. Embora o livro já estivesse no
prelo, os editôres de Nova Iorquo decidiram-se no último momento a não
distribuir a obra. Os poucos oxemplares já espalhados foram retirados
da circulação. Trechos do livro já tinham sido prèviamente publicados
em artigos de Trotsky. O último artigo para ser publicado antes de
sua morte, apareceu em agôsto de 1940, na revista Liberty. O artigo
intitulava-se Teria Stálin envenenado Léninl"
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 345

Em setembro de 1939, um agente trotskista europeu, via-


jando sob o nome de Frank Jaeson, chegou aos E.U.A. no
vapor francês lie de France (80.) Jaeson fôra recrutado pa-
Siara o movimento por uma trotskista americana, Sílvia Age-
off, quando ainda estudante* na Sorbona em Paris. Em 1939
êle foi procurado em Paris por um representante do bureau
secreto aa IV Internacional, que lhe comunicou que tinha de
seguir para o México, para trabalhar como um dos "secretá-
rios" de Trotsky. Foi-lhe dado um passaporte que originària-
mente pertencera a um cidadão canadense, Tony Babich, mem-
bro do exército republicano espanhol, morto pelos fascistas
na Espanha. Os trotskistas tinham conseguido o passaporte
de Babich, tiraram a sua fotografia e inseriram a de Jaeson
no seu lugar.
À sua chegada em Nova Iorque, Jaeson encontrou Sílvia
Ageloff e outros trotskistas, os qtíaís o tomaram e o levaram
para Coyoacan, onde êle trabalharia com Trotsky. Posterior-
mente Jaeson informou a polícia mexicana:
"Trotsky estava para mo enviar à Rússia com o
objetivo de organizar um novo estado de coisas na
UBSS. Disse-me que eu tinha do ir a Xangai, en-
contrar-me com outros agentes o juntamente com êles
eu teria de cruzar o Manchueuo o chegar à Rússia.
Nossa tarefa seria semear dcsAnimo no Exército Ver-
melho, cometer atos do sabotagem em fábricas e in-
dústrias de armamento."

Jaeson não exerceu nunca a sua missão torrorista na União


Soviética. Até que numa tarde, do 20 de agôsto de 1940, na
vila fortemente protegida de Coyoacan, Jaeson assassinou o
seu líder, Leon Trotsky, esmagando-lhe a cabeça com uma
picareta.
Prêso pela polícia mexicana, Jaeson disse que desejava
casar-se com Sílvia Ageloff, e que Trotsky proibira o casa-
mento. Uma violenta disputa, envolvendo a moça, irrompeu

(80) O nome real de Frank Jaeson era Jacques Mornard van den
Dresche. Entre os outros pseudônimos dêle poder-se-iam citar os de
Léon Jacome e Léon Haikys.
346 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAIIN

entre os dois homens. "Por amor dela", disse Jacson, "eu me


decidira a sacrificar-me inteiramente."
Em declarações posteriores, Jacson disse:
" . . . em vez de achar diante de mim um chefe
político dirigindo a luta de libertação da classe ope-
rária, eu me encontrei diante de um homem que não
desejava outra coisa senão satisfazer as suas necessi-
dades e desejos de vingança e de ódio, e que não
se utilizava da luta dos trabalhadores a não ser para
ocultar a sua pequenez e seus cálculos inconfessáveis.
. . . quanto à sua casa, que 61o dizia muito bem
ter sido convertida numa fortaleza, cu perguntei várias
vôsses a mim mosmo do onde teria vindo o dinheiro
para aquelas obras... Talvez o cônsul do uma grande
nação estrangeira que o visitava freqüentemente pu-
desse dar»nos uma resposta a essa pergunta.
Foi Trotsky quem dostruiu a minha natureza, o
meu futuro e tôdas as minhas 'afeições, filo conver-
teu-me num homom som pomo, sem pátria, »um seu
instrumento, Fiquei às eogas... Trotsky amarrotou-me
em suas mãos como ft uma fôlha do papel."

A morto de Leon Trotsky deixava um só candidato vivo


parà o papel do Napoloão na Bússia: Adolfo Hitler.
híttp ://www.tom ürííd a d esta I i n.b I ogs põttom
E-Mail-comunidadejstalin@hotmail.com
MICHAEL SAYERS e ALBERT E. KAHN

A GRANDE
CONSPIRAÇÃO
A GUERRA SECRETA
CONTRA
A RÚSSIA S OVI É T I CA

6. a E D I Ç Ã O

EDITÔRA BRASILIENSE
SÃO PAULO
Nenhum incidente ou diálogo dêste
livro foi inventado pelos autores. O
material foi colhido de várias fontes de
documentação que vêm indicadas no
texto ou mencionadas no fim, entre as
Notas Bibliográficas.
X X III — ANTI-COMINTERN AMERICANO .................................. 371
1. Herança dos Cem Negros — 2. “Salvar a América do
comunismo” — 3. O caso de Paul Scheffer — 4. O Co­
mité Dies — 5. Águia solitária.
CAPITULO XXIII

ANTI-COMINTERN AMERICANO

1. Herança dos Cem Negros


A principal aspiração da diplomacia secreta do Eixo de­
pois de 22 de junho de 1941, era impedir a todo custo que
os E.U.A. se unissem à aliança anglo-soviética contra a Ale­
manha nazista. O isolamento da América era vitalmente es­
sencial ao plano fundamental dos altos comandos alemão e
japonês.
A América tornou-se um foco de propaganda e intriga
anti-soviética do Eixo. Já desde 1918, o povo americano vinha
sendo submetido a uma torrente contínua de falsa propaganda
acêrca da Rússia Soviética. A revolução russa era retratada
como trabalho de “uma gentalha feroz e desenfreada”, inci­
tada por “assassinos, criminosos e degenerados”; o Exército Ver­
melho era “uma patuléia indisciplinada”; a economia soviética
era “uma balbúrdia” e a indústria soviética e a agricultura
estavam num “estado de desesperadora anarquia”; o povo
soviético estava à espera da guerra para rebelar-se contra os
“seus senhores impiedosos em Moscou.”
No momento em que a Alemanha nazista atacou a Rússia
Soviética, um côro de vozes nos E.U.A. predisse o ime­
diato colapso da URSS. Eis alguns tópicos característicos de '
declarações feitas por americanos depois da invasão da Rússia
Soviética:
“Dentro de 30 dias Hitler controlará a Rússia. —
Parlamentar Martin Dies, 24 de junho de 1941.
Será preciso um milagre maior do que outro qual­
quer dos relatados na Bíblia para salvar os vermelhos
372 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

da derrota total dentro de pouquíssimo tempo. — Flet­


cher Pratt, New York Post, 27 de junho de 1941.
A Rússia está subjugada e a América e a Grã-
Bretanha são impotentes para impedir a sua rápida
destruição diante da blitz impiedosa do exército na­
zista. — New York Journal-American de Hearst, 27
de junho de 1941.
. . . em matéria de comando e direção, treinamen­
to e equipamento êles (os russos) não são adversá­
rios para os alemães; Timochenko, Budyenny e Stem
não são do mesmo calibre que Keitel e Brauchitch.
Os expurgos e a política dizimaram o Exército Ver­
melho. — Hanson W. Baldwin, New York Times, 29
de junho de 1941.
Não pode haver desculpas nem explicações a não
ser a incompetência, o despotismo, a falta de capa­
cidade dirigente, falta de iniciativa, govêmo de mêdo
e de expurgo, para o gigante solitário e incapacitado. A
Rússia Soviética blefou o mundo durante um quarto de
século e o blefe foi chamado à mesa... Preparemo-nos
para o choque da eliminação da Rússia Soviética da
guerra. — George E. Sokolsky, 26 de julho de 1941.”

Aos 20 de novembro de 1941, um editorial intitulado


“Ignorância Sôbre a Rússia” apareceu no Houston Post, abor­
dando a questão que preocupava extremamente a muitos ame­
ricanos. O editorial dizia:
“Algo que não está satisfatoriamente explicado é
o motivo por que o povo dos E.U.A. durante os
últimos vinte anos tem sido mantido numa vasta igno­
rância acêrca do progresso material da Rússia.
Quando Hitler atacou a Rússia, a opinião quase
unânime nesse país foi a de que Stálin não duraria
muito. Nossas “melhores cabeças não tinham esperança
alguma acêrca da Rússia. Esperava-se uma rápida con­
quista do país pelos nazistas. . . A maior parte dos
americanos esperava que a Rússia se dobrasse peran­
te to avanço nazista. . .
Como e porque o povo americano ficou por tanto
tempo privado dessas informações?”
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 373

Levantara-se uma barreira entre o povo americano e o


povo da Rússia Soviética desde 1918. Um ódio artificial
e o mêdo da Rússia Soviética foram estimulados na América
por políticos reacionários e homens de negócios, pelos emi­
grados russo-brancos e agentes contra-revolucionários e final­
mente, por representantes dos Ministérios de Propaganda e
S. S. do Eixo.
Imediatamente depois da revolução russa, os emigrados
brancos começaram a inundar a América com invencionices
anti-soviéticas e a acirrar suspeitas e hostilidades contra a
Rússia Soviética. Desde o começo, a campanha anti-soviética
dos emigrados czaristas nos E.U.A., mesclou-se com uma
guerra secreta fascista contra a própria América.
As primeiras células nazistas foram formadas nos E.U.A.
em 1924. Elas operavam sob a direção de Fritz Gissibl, chefe
da Sociedade Teutônica nazista de Chicago. No mesmo ano
o Capitão Sidney George Reilly e seus sócios russo-brancos
formaram uma filial de sua Liga Internacional contra o Bol-
chevismo nos E.U.A. Pelo ano de 1920, agentes nazistas co­
mo Fritz Gissibl e Heinz Spanknoebel, operando sob as or­
dens de Rudolph Hess e Alfredo Rosenberg empenharam-se
em atividades antidemocráticas e anti-soviéticas na América
em íntima colaboração com os russos brancos anti-soviéticos.
O russo branco Peter Afanassieff, também conhecido por
Príncipe Peter Kuchubue e Peter Armstrong, chegou a S.
Francisco em 1922, e ajudou na distribuição americana dos
Protocolos de Sião, e, em colaboração com o antigo oficial
czarista Capitão Vítor de Kayville, começou a publicar uma
fôlha de propaganda pró-nazi e anti-semita: O Gentio Ame­
ricano. Nesse trabalho, Afanassieff associara-se com os agentes
nazistas Fritz Gissibl e Oscar Pfaus.
Nicolai Rybakoff, antigo coronel no exército russo-branco
do Ataman Grigori Semyonov, controlado pelos japoneses, che­
gou aos E.U.A. no comêço de 1920 e empreendeu propa­
ganda anti-soviética e anti-semita. Em 1933, quando Hitler
chegou ao poder na Alemanha, Rybakoff fundou Róssiya, jor­
nal russo pró-nazi, em Nova Iorque. O agente japonês, Semyo­
nov e seu ajudante principal, Rodzaevsky, mantinham-se em
contacto com Rybakoff, de Manchucuo, onde chefiavam um
exército de russos brancos financiado pelos japonêses. A propa­
ganda japonesa de Manchucuo era habitualmente estampada no
374 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Rossyia, juntamente com propaganda nazista. Em 1941, depois


do ataque de Hitler à Rússia, o jornal de Rybakoff em Nova
Iorque descreveu a Wehrmacht nazista como “uma espada de
fogo da Providência justiceira, legiões cristãs patriòticamente
antibolcheviques, legiões brancas e vitoriosas de Hitler.” (85.)
O principal elemento de ligação entre os nazis e os rus­
sos brancos nos E.U.A. era James Wheeler-Hill, secretário
nacional da lig a Germano-Americana. Wheeler-Hill não era
alemão; era russo-branco, nascido em Bacu. Êle fôra à Ale­
manha depois da derrota dos exércitos brancos na Rússia, se­
guindo depois para os E.U.A. Em 1939, Wheeler-Hill foi
prêso como espião nazista pelo FBI.
O mais importante agente alemão e japonês entre os rus­
sos brancos nos E.U.A. foi o “Conde” Anastamase A. Von-
siatsky. Aos 25 de setembro de 1933, o agente nazista Paul A.
von Lilienfeld-Toal escreveu numa carta a William Dudley
Pelley, chefe dos Camisas Prateadas americanos pró-nazis:
“Isto para lhe dar alguma informação acêrca de
meus contactos com os russos brancos... Estou em li­
gação com o “estado-maior dos fascistas-russos.” (Caixa
631, Putman, Conn.) O líder dêles, A. A. Vonsiatsky,
está atualmente no estrangeiro, mas o seu assisten­
te, D. I. Kunle, escreveu-me uma carta afetuosa, reme-

(85) Associado com Rybakoff como contribuinte do Rossiya figu­


rava o ex-agente da Ochrana e propagandista anti-semita, Boris Brasol,
que fundara a primeira organização russo-branca anti-soviética nos E.U.A.
logo depois da revolução russa, e que conseguira larga divulgação
dos Protocolos d e Sião na América.
. Brasol nunca perdera a esperança na restauração do czarismo na
Rússia. Durante 1920 e 1930 êle lutou incansàvelmente nos E.U.A.
contra a União Soviética, organizando sociedades anti-soviéticas e russo-
brancas, escrevendo artigos e livros de ataques à Rússia Soviética e
fornecendo ao govêmo dos E.U.A., suas invencionices anti-soviéticas.
Aos 15 de novembro de 1935, numa pequena reunião secreta, em Nova
Iorque, de representantes influentes das organizações russo-brancas anti-
soviéticas, Brasol gastou mais de uma hora expondo sua “atividade anti-
soviética” desde a sua chegada aos E.U.A. em 1916. Nessa reunião
êle relatou com particular orgulho o seu “modesto trabalho” para im­
pedir o reconhecimento da União Soviética pelos E.U.A. antes de 1933.
Promovendo-se a si mesmo como autoridade em legislação russa,
Brasol tomou-se consultor legal da firma Coudert Brothers de Nova
Iorque. Foi aproveitado pelas agências do govêmo dos E.U.A. para
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 375

tendo-me pelo correio vários exemplares do seu jornal


Fascista

O “Conde” Vonsiastsky de Thompson, Connecticut, era um


oficial ex-czarista que lutara no exército branco de Denikin.
Depois da derrota de Denikin, Vonsiatsky chefiou um bando
terrorista na Criméia, o qual raptava cidadãos russos, reti-
nha-os para resgate e torturava-os até morrerem quando não
recebiam dinheiro. Vonsiatsky chegou aos E.U.A. no comêço
de 1920 e casou-se com Marion Buckingham Ream Stephen,
uma multimilionária americana 22 anos mais velha do que
êle. Vonsiatsky tornou-se cidadão americano e estabeleceu-se
na luxuosa estância de Ream cm Thompson.
Com a fortuna da mulher à sua disposição, Vonsiatsky
começou‘a aninhar grandiosas visões de criação de um exér­
cito anti-soviético que êle pessoalmcnto eonmnclnria sôbrc Mos­
cou. Começou a viajar grandes extensões da Kuropa, Ásia e
América do Sul, conferenciando com representantes da Torg-
prom, da Liga Internacional contra o liolelievísmo e outras
agências anti-soviéticas.
Em agôsto de 1933, Vonsiatsky fundou o Partido Revolucio­
nário Nacional Fascista-Russo nos K.IJ.A. Seu emblema ofi­
cial era a suástica. Seu Q. G. era nu estilneia de Ream em

dar “parecer autorizado” sôbre assuntos referentes à Rússia Soviética.


Lecionou literatura russa e assuntos a t i n s na Columbia University e
outros institutos educacionais americanos bem conhecidos. De um modo
ou de outro, Brasol aproveitou-so tie sens múlliplos e influentes con­
tactos para suscitar suspeitas o hostilidades eontra a Rússia Soviética.
Quando o comité isolacionistn e anlksoviY'lico America First se fun­
dou no outono de 1940, Brasol tornou-so imediatamente um dos seus
mais ativos protetores. Êle obtevo grnndo quantidade de literatura de
propaganda anti-soviética para sor distribuída pelo comité, e seus ar­
tigos roram estampados nas publicações do América First. Entre o ma­
terial de propaganda obtido por Brasol para o Comité America First,
e amplamente divulgado por essa organização, figurava o folheto publi­
cado depois da invasão nazista da URSS, em protesto contra a ajuda '
americana de Empréstimos e Arrendamentos à Rússia. O folheto estam­
pava uma “Declaração da Colónia do Russos Emigrados em Xangai”,
assinada por 21 organizações da Guarda Branca no Extremo Oriente,
os quais todos estavam operando sob a supervisão do govêrno japonês.
Entre as organizações signatárias figurava a União Fascista Russa, che­
fiada por Konstantin Rodzaevski, ajudante-chefe do Ataman Grigori
Semyonov.
376 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Thompson, onde Vonsiatsky montou um arsenal de fuzis, metra­


lhadoras e outros equipamentos militares e começou a exercitar
pelotões de jovens uniformizados com o emblema da suástica.
Em maio de 1934, Vonsiatsky visitou Tóquio, Harbin e
outros centros do Extremo Oriente, conferenciou com membros
do alto comando japonês e com russos brancos fascistas, inclu­
sive o Ataman Semyonov. Do Japão, Vonsiatsky foi à Alemanha,
onde se encontrou com Alfredo Rosenberg, com Goebbels, e
representantes do S. S. militar alemão. Vonsiatsky empenhou-se
em fornecer à Alemanha e ao Japão suprimentos regulares
de dados de espionagem nos E.U.A.
‘ Fundaram-se sucursais do partido de Vonsiatsky em Nova
Iorque, S. Francisco, Los Angeles, S. Paulo (Brasil), Harbin,
Manchucuo. Essas sucursais trabalhavam sob a supervisão dos
S. S. militares japonês e alemão.
Além de suas operações de espionagem nos E.U.A., a
organização financiada e dirigida por Vonsiatsky empenha­
va-se em campanhas de sabotagem e terrorismo contra a União
Soviética. O número de fevereiro de 1934 de O Fascista de
Vonsiatsky, publicado em Thompson, relatava:
“Aos 7 de outubro o Trio-Fascista n.° A-5 provo­
cou o desastre de um trem militar. Segundo infor­
mações recebidas aqui, foram feridas cêrca de 100
pessoas.
No distrito de Starobinsky, graças ao trabalho dos
“irmãos”, a campanha do plantio foi completamente
sabotada. Vários comunistas incumbidos da campanha
' do plantio desapareceram misteriosamente!
Aos 3 de setembro, no Distrito de Ozera Kmiaz,
o dirigente comunista de uma granja coletiva foi mor­
to pelos “irmãos” n.° 167 e 168! ’

Em abril de 1934, O Fascista declarou que na sua re-


dação haviá um recibo de 1.500 zlotys para serem entregues
a Boris Koverda quando saísse da prisão. O dinheiro era um
presente de Vonsiatsky. Nessa época, Boris Koverda estava
cumprindo pena de prisão na Polónia por ter assassinado o
embaixador soviético Voikov em Varsóvia.
O programa oficial do Partido Revolucionário Fascista Na-
cional-Russo declarava:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 377

“Providenciar o assassínio de instrutores militares


soviéticos, correspondentes militares, políticos, assim co­
mo dos comunistas mais em evidência... assassinar, an­
tes de tudo, os secretários do Partido... Sabotar tôdas
as ordens das autoridades vermelhas... Impedir as co­
municações do poder vermelho... Pôr abaixo postes te­
legráficos, cortar fios, interromper e destruir comunica­
ções telefónicas... Lembrem-se, irmãos fascistas: Temos
destruído, continuaremos a destruir e estamos destruin­
do! (86.)

Imediatamente depois do ataque japonas a Pearl Harbor, o


“Conde” Anastase Vonsiatsky foi prêso pelo FBI. Ele foi acusa­
do de violara Lei de Espionagem, foi julgado culpado por di­
vulgar informações militares dos E.U.A. para os governos
alemão e japonês, e sentenciado a cinco anos do cadeia (87.)

(86) Em junho de 1940, Vonsiatsky informou um repórter do ór­


gão de notícias, a Hora, que êle e Leon Trotsky lliilinm “interêsses
paralelos” na luta contra o regime soviético.
(87) Os russos brancos fascistas não foram os imloofi emigrados rus­
sos envolvidos na agitação anti-soviética nos K.U.A. Numerosos anti­
gos mencheviques russos, social-revolucionários o oitlros elementos políticos
anti-soviéticos tinham vindo à América Irnnslommmlo os K.U.A. em
quartel-general de suas atividades de contínua propiij'.mcla de intriga
contra a Rússia Soviética. Exemplos típicos tli'sses emif'rmlos foram Victor
Chernov, Raphael Abramovitch, Nikifor Ciigoiielf e Nutlian Chanin.
Na Rússia Czarista, Victor Chernov fôrn urn ilos Ifdcres do movi­
mento social-revolucionário. Como tal, estivera estreitamente ligado com
dois outros líderes social-revolueionários: o extraordinário agente pro­
vocador e assassino czarista. levno Aseff; o o conspirador e assassino
anti-soviético, Boris Savinkov. No sou livro M emórias d e um Terro­
rista, Savinkov descreve como foi a Cíenobra em 1903 para aconse­
lhar-se com Chemov acêrca dos planos do assassínio do ministro cza­
rista do Interior, von Flehvo. Savinkov rolatou também como êle e
Aseff se apresentaram ante o Cornitô Central da Brigada Terrorista
Social-Revolucionária em 1906, para so desligar de sua tarefa de assas­
sinar o prem ier Stolypin. “Ò Comité Central”, escreve Savinkov,
“recusou-se a atender ao nosso pedido e ordenou-nos a continuar o
trabalho contra Stolypin. . . Estavam presentes, além de Aseff e eu,
Tchernov (Chernov), Natanson, Sletov, Kraft e Pankratov”. Após o co­
lapso do czarismo. Chernov tornou-se ministro da Agricultura no pri­
meiro govêmo provisório. Êle empenhou-se numa luta acirrada con­
tra Lénin e os bolcheviques. Depois do estabelecimento do govêmo
soviético, êle ajudou a organizar as conspirações social-revolucionárias
378 •MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

2. "Salvar a América do comunismo”


Em 1931, uma organização denominada Federação Cívica
Nacional apadrinhou nos E.U.A. um “plano de um movimento
internacional de combate à ameaça vermelha.” O fundador e
chefe dessa organização, especializado em agitação antilabo-
rista e anticomunista, foi o antigo jornalista de Chicago, Ralph
M. Easley. Em 1927, Norman Hapgood escreveu uma denún­
cia do “patriotismo profissional” de Easley, em que declarava:
“A Rússia Soviética é, com efeito, a principal abo­
minação de Mr. Easley. Êle esposou livremente a cau­
sa dos czaristas, com Boris como principal conselheiro.”

contra o regime soviético. Deixando a Rússia no comêço de 1920, tor­


nou-se um dos mais ativos' propagandistas entre os emigrados russos e
líder da -atividade anti-soviética em Praga, Berlim, Paris e outras ca­
pitais européias. No comêço da II Guerra Mundial, seguiu da França
para os E.U.A. Na América, trabalhou estreitamente unido com ele­
mentos socialistas anti-soviéticos do movimento laborista americano. Aos
30 de março de 1945, David Dubinsky, presidente dos “Trabalha­
dores Internacionais em Artigos Femininos”, apresentou Chemov como
hóspede de honra em uma assembléia em Nova Iorque, destinada a
protestar contra a execução, pelas autoridades soviéticas, de Henry Er­
lich e Victor Alter, dois socialistas poloneses julgados culpados, perante
o Collegium Militar da Suprema Côrte Soviética, de divulgação de pro­
paganda obstrutiva no Exército Vermelho, incitando as tropas sovié­
ticas a fazerem as pazes com os alemães.
Associado com Victor Chemov na sua atividade anti-soviética nos
E.U.A. estava Raphael Abramovitch, antigo líder menchevique russo
que, conforme o seu depoimento no julgamento menchevique em março
de 1931, era membro influente da cadeia de espionagem e sabotagem
que conspirava para derribar o govêmo soviético. Depois de exercer
atividades anti-soviéticas em Berlim e Londres. Abramovitch chegou
aos E.U.A. e fixou-se em Nova Iorque, onde êle, como Victor Chemov,
se relacionou estreitamente com David Dubinsky e outros líderes la-
boristas socialistas anti-soviéticos. Seus violentos ataques contra a Rús­
sia Soviética apareciam no N ew L ead er, no Forw ard de Nova Iorque e
em outras publicações anti-soviéticas.
Nikifor Grigorieff, emigrado ucraniano anti-soviético e antigo mem­
bro dirigente do Partido Ucraniano Social-Revolucionário chegou aos
E.U.A. em 1939. Como destacado propagandista anti-soviético nos
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 379

O quadro da Federação Cívica Nacional de Easley in­


cluía o representante Hamilton Fish de Nova Iorque; Harry
Augustus Jung, antigo espião laborista e propagandista anti-
semita em Chicago; George Sylvester Viereclc, ex-agente do
Kaiser e futuro agente nazista; Mathew Wolt, vice-prefidente
reacionário da Federação Americana do Trabalho e ativo pre­
sidente da Federação Cívica Nacional, que se referia púbiica-
mente à Rússia Soviética denomínando-a “Monstro Vermelho”;
e outros numerosos americanos importantes interessados na cru­
zada antibolchevique.
No comêço de 1933, Easley tomou-se diretor de uma or­
ganização chamada Secção Americana do Comité Internacio­
nal de Combate à Ameaça Mundial do Comunismo. O Q. G.
internacional dessa organização ficava na Casa Europa, em
&
círculos emigrados na Europa, Grigorieff trabalhara Intimamente ligado
a Victor Chemov. Em Praga, Grigorieff foi editor de uma revista
denominada Suspilsivo (comunidade), que publicava propaganda em que
dizia que “a Rússia Soviética e a Ucrânia Soviética estavam em mãos
de judeus” e advogava uma grande luta antijudaiea. . . no territó­
rio da Ucrânia. Rússia Branca, Lituânia o Polónia.” Depois do chegar
aos E.U.A., Grigorieff prosseguiu nas suas atividados anti-soviéticas.
Após a invasão nazista da União Soviética, Grigorieff e Chemov aju­
daram a formação do um "eomitô para promover a democracia” na ci­
dade de Nova Iorquo, o qual apoiava para a "libertação” da Ucrânia
o das demais Repúblicas Soviéticas da URSS. Entre o material de
propaganda distribuído por Grigorieff nos E.U.A. figurava o livreto
intitulado Princípios Básicos d e A çâo Política U craniam In depen den te,
que continha “estatísticas” destinadas a demonstrar que os judeus “do­
minavam” a indústria, as finanças e a política na Ucrânia Soviética.
Nesse mesmo livreto Grigorieff advogava a deserção dos soldados do
Exército Vermelho, apelando para éles a fim de que “não arriscassem
as suas vidas pelos seus opressores."
Ainda como membro proeminente entro os emigrados* russos anti-
soviéticos da ala esquerda dos E.U.A. figurava Nathan Chanin, di­
retor educacional do Círculo dos Trabalhadores e contribuinte pontual
do anti-soviético Forw ard. No comfiço de 1930 Chanin publicou um
apêlo paia fundos destinados a financiar as “células social-democráti-
cas em atividade atualmente na Rússia" e “a luta difícil que os nos­
sos camaradas desempenham na Rússia contra os bolcheviques." Em ja­
neiro de 1942 Chanin escreveu: “O último tiro não foi dado ainda. . .
A última bala será disparada da América livre — e com êsse tiro,
cairá em pedaços o regime de Stálin." ’
380 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Berlim. Vários membros da Federação Cívica Nacional uni­


ram-se a Easley dentro da nova organização (88.)
A Secção Americana do Comité Internacional de Com­
bate à Ameaça Mundial do Comunismo tomou a peito o pri­
meiro documento de propaganda nazista que devia circular
nos E.U.A. Tomou a forma de um livro anti-soviético, im­
presso na Inglaterra e intitulado Comunismo na Alemanha.
O livro foi publicado na Alemanha pela firma de Eckhart-
-Verlag. Milhares de exemplares foram remetidos através do
Atlântico para distribuição na América.
Em ampla divulgação pelo correio e em assembléias “pa­
trióticas” em Nova Iorque, Los Angeles, Chicago e outras cida­
des, o livro circulou largamente, livre de despesas. Uma cam­
panha nacional de publicidade em artigos, revistas, comícios
e cartas, incumbiu-se de divulgar e glorificar o livro nos E.U.A.
O livro era prefaciado com a seguinte citação:
“No comêço dêste ano houve semanas em que pen­
demos por um fio sôbre o caos bolchevique!
Chanceler Adolfo Hitler, na sua proclamação de
1.° de setembro de 1933.”
Na página seguinte, o livro estampava a seguinte decla­
ração:

PORQUE OS AMERICANOS DEVERIAM


LER ESTE LIVRO

■ “A questão da propaganda comunista e de suas


atividades é de imediata importância para o povo ame-

(88) Em 1933 vima agência central para dirigir a agitação anti-


soviética internacional foi montada por Alfredo Rosenberg em Berlim
Denominou-se Comité Internacional de Combate à Ameaça do Bolche-
vismo — forma original do anti-Comintem. Figurava entre as insti­
tuições filiadas:
Liga Geral de Associações Anticomunistas Alemãs.
Bloco Anticomúnista da América do Sul.
União Anticomúnista da Província do Norte da China.
Liga Anticomúnista Europeia.
Secção Americana do Comité Internacional de Combate à Ameaça
Mundial do Comunismo.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 381

ricano, em vista da consideração que agora se dá à


questão do reconhecimento da URSS pelo govêmo
dos E.U.A.
Êste livro é um repto. Deveria ser lido por todo
cidadão americano sensato porque êle relata a história
da luta de vida ou de morte em que a Alemanha
está empenhada contra o comunismo. Êle revela que
os métodos subversivos e objetivos dos comunistas na
Alemanha são os mesmos empregados nos E.U.A.,
por êsses inimigos das nações civilizadas . . .
O valor dessa documentação alemã, como lição
objetiva para os demais países, levou o nosso comité
a colocá-la nas mãos dos líderes da opinião pública
dos Estados Unidos.”

Logo abaixo dessa apresentação seguia uma lista de no­


mes dos membros dirigentes da Secção Americana do Comité
Internacional de Combate à Ameaça Mundial do Comunismo:
Walter C. Cole (diretor do Conselho de Defesa
Nacional, Departamento do Comércio de Detroit.)
John Ross D elafield (comandante-chefe, Ordem
Militar da Guerra Mundial.)
Ralph M. Easley (diretor da Federação Cívica
Nacional.)
Hamilton Fish (do Congresso dos E.U.A.)
Elon Huntington H ooker (diretor da Sociedade de
Defesa Americana.)
F. O. Johnson (presidente da Federação da Amé­
rica Melhor.)
Orvel Johnson (tenente-coronel, da Associação R.
O. T. C. dos E.U.A.)
Harry Jung (chefe da Associação de Vigilância 1
Americana.)
Samuel MacRoberts (banqueiro.)
C. G. "Norman (diretor da Associação dos Empre­
gados em Estabelecimentos Comerciais.)
Ellis Searle (editor de United Mine Worker.)
W alter S. Steele (editor de National Republic.)
382 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

John B. Trevor (diretor da Coalizão Americana.)


Archibald E. Stevenson (antigo membro do S. S.
militar dos E.U.A.)
Pela Secção Americana do Comité Internacional
de Combate à Ameaça Mundial do Comunismo.”

Eis os dados de alguns patronos do livro de propaganda


nazista, Comunismo na Alemanha:
Harry Augustus Jung, antigo espião trabalhista, che-
e fiou a organização antidemocrática de Chicago deno­
minada Federação de Vigilância Americana. Seu órgão
o Vigilante figurava na lista de leitura recomendada
da agência de propaganda nazista, World Service. En­
tre os primeiros sócios de Jung nas atividades anti-
soviéticas figurou o russo branco Peter Afanassieff, que
forneceu a Jung uma versão dos Protocolos para ser
distribuída nos E.U.A. Jung foi posteriormente amigo
do Coronel Roberto R. McCormick, publicista da iso-
lacionista e violentamente anti-soviética Tribuna de
Chicago, e montou os seus escritórios na Tôrre da
Tribuna em Chicago.
Walter S. Steele, editor do National Republic, de­
sencadeou uma incessante campanha de propaganda
anti-soviética destinada a influenciar os homens de ne­
gócio americanos. Steele colaborou com Jung na dis­
tribuição dos Protocolos de Sião.
John B. Trevor foi chefe da Coalizão America­
na, organização que em 1942 foi denunciada pelo De-
partamento de Justiça como agência utilizada numa
conspiração destinada a solapar o ânimo das fôrças
armadas dos E.U.A. Trevor estava intimamente li­
gado com russos brancos anti-soviéticos, e sua organi­
zação divulgava constantemente propaganda anti-sovié­
tica.
Archibald E. Stevenson, outrora membro do De­
partamento do S. S. Militar dos E.U.A. foi um dos
instigadores principais da agitação anti-soviética nos
E.U.A., durante o período anterior à II Guerra Mun­
dial. intimamente associado a Ralph M. Easley, Ste-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 383

venson posteriormente tomou-se conselheiro de relações


públicas do Conselho Económico do Estado de Nova
Iorque, agência de propaganda antilaborista e antide­
mocrática cujo diretor foi Merwin K. Hart, notório pro­
pagandista do ditador fascista espanhol, o Generalíssi­
mo Franco.
Deputado Hamilton Fish, de Nova 'Iorque, visitou
a Rússia Soviética em 1923, quando chefe da firma
Hamilton Fish & Cia., Exportadores e Importadores.
Depois de sua volta aos E.U.A. êle encaminhou uma
resolução ao Congresso, pedindo o estabelecimento de
relações comerciais com a Rússia Soviética. Posterior­
mente, tornou-se um dos mais acirrados propagandistas
anti-soviéticos nos E.U.A. No comêço de 1930, como
diretor do Comité do Congresso para investigar acêrca
do “Comunismo Americano”, Fish foi o principal de­
fensor dos emigrados russo-brancos anti-soviéticos nos
E.U.A., e de outros inveterados inimigos da Rússia
Soviética. Entre os “peritos” que forneceram material
ao Comité de Fish figuravam o antigo agente da Ochra-
na, Boris Brasol, e o propagandista alemão, George
Sylvester Viereck. Depois de Hitler assumir o poder
na Alemanha, Fish saudou o líder nazista como o ho­
mem que salvara a Alemanha do comunismo. Como
expoente do isolacionismo e do apaziguamento, Fish
conjugou planos com notórios pró-nazistas americanos e
inseriu uma propaganda no Congressional Record. No
outono de 1939 Fish conferenciou na Alemanha com
Joachim von Ribbentrop, ministro nazista do Exterior;
com o Conde Galeazzo Ciano, ministro italiano do Ex­
terior; e com outros líderes do Eixo. Fish percorreu
a Europa num avião germânico, apelando para um
segundo Munique e proclamando que “as aspirações da
Alemanha” eram “justas.” Em fevereiro de 1942 foi
descoberto no julgamento do agente nazista Viereck
que o escritório de Fish em Washington tinha sido
usado como Q. G. de uma cadeia de propaganda na­
zista, e que o secretário de Fish, George Hill, era
um dos membros da rêde de propaganda alemã nos
E.U.A.”
384 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

No tempo em que a América entrou na II Guerra Mun­


dial, os bandos de rascistas americanos que se diziam “anti-
comunistas” estiveram ativos. Suas organizações tinham rece­
bido orientação e, muitas delas, apoio financeiro de Berlim
e Tóquio. Agentes pagos da Alemanha nazista fundaram nu­
merosas organizações. Algumas dessas organizações, como a
Liga Germânico-Americana e a Liga Kyfthauser, não fizeram
questão de esconder a sua filiação estrangeira; outras, como
os Camisas Prateadas, a Frente Cristã, os Guardas America­
nos, a Confederação Nacionalista Americana, e os Cruzados
do Americanismo mascararam-se de sociedades patrióticas, des­
tinadas a “salvar a América” da “ameaça do comunismo.”
Ali por 1939, nada menos de 750 organizações fascistas
estavam formadas nos E.U.A., inundando o país com bo­
letins, revistas, jornais eixistas, anti-semíticos e anti-soviéticos.
Para salvar a América do comunismo, essas organizações e
publicações apelavam para a derrocada do govêmo dos E.U.A.,
para o estabelecimento de um regime fascista americano e
uma aliança com o Eixo contra a Rússia Soviética.
Aos 18 de novembro de 1936, William Dudley Pelley,
chefe dos Camisas Prateadas de inspiração nazista, declarou:
“Compreendamos claramente que se uma segunda
guerra civil sobrevier ao país, não será uma guerra,
ara derribar o govêmo americano, mas para derri-
Ear os usurpadores judeu-comunistas que se apoderaram
do govêrno e pretendem transformá-lo numa sucursal
de Moscou.. .”

Depois da invasão nazista da Rússia Soviética, o Padre


Charles F. Goughlin, líder da Frente Cristã pró-nazi, decla­
rou aos 7 de julho de 1941, no seu órgão de propaganda
Justiça Social:
“A guerra da Alemanha contra a Rússia é uma
luta pela Cristandade. . . Lembremo-nos de que o co­
munismo ateu foi concebido e gerado na Rússia prin­
cipalmente por meio dos judeus sem-Deus.”

A mesma propaganda foi disseminada nos E.U.A. pelo


D efender de Geraldo B. Winrod, de Wichita, Kansas; pelo
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 385

Beacon Light de William Kullgren de Atascadero, Califórnia;


pelo X-Day de Court Asher em Munice, Indiana; pelo Publi­
city de E. J. Gamer de Wichita, Kansas; pelo America in
Danger, de Charles B. Hudson, de Omanha, Nebraska; e por
várias outras publicações anti-soviéticas semelhantes.
Depois de Pearl Harbor, numerosas dessas pessoas foram
denunciadas ao Departamento de Justiça por espalharem pro­
paganda sediciosa e conspirativa juntamente com agentes na­
zistas para derribar o govêrno dos E.U.A. Entretanto, du­
rante a guerra, êles continuavam a divulgar a propaganda
destinada a convencer que as jpotêneins do Eixo estavam em­
penhadas numa “guerra santa’ o quo os K.U.A. tinham sido
arrastados ao conflito por conivência do "conspiradores comu­
nistas em Washington, Londres e Moscou."

3. O caso de Paul Schcffer


Poucos dias depois do ataque japonês a Pearl Harbor,
agentes do FBI Federal Bureau of investigation dos E.U.A.,
prenderam um astuto jornalista alemão de meia-idade, que
morava num rico apartamento em Nova Iorque. Seu nome
era Paul Scheffer. Êle estava fichado nos arquivos do Depar­
tamento de Estado como correspondente alemão do Das Reich,
publicação oficial do Ministério de Propaganda Nazista.
A carreira de Paul Scheffer é uma excelente ilustração
de como os agentes nazistas puderam operar nos E.U.A.,
sob a máscara de anti-sovietismo... (89.)
Houve tempo em que Paul Scheffer fôra um jornalista
de renome internacional. Como correspondente em Moscou

(89) Os agentes japonêses também foram hábeis na divulgação


de propaganda anti-soviética nos E.U.A. Um caso típico foi o de
John C. Le Clair diretor-assistente de pessoal da Cia. Telefónica In­
ternacional e antigo professor de história no Colégio da cidade de Nova
Iorque e no Colégio de S. Francisco em Brooklin. Como autoridade re­
conhecida acérca do Extremo Oriente, Le Clair escreveu numerosos ar
tigos para conhecidos periódicos americanos, nos quais louvava o Japão
e declarava que a Rússia Soviética representava a ameaça real para os
386 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

para o Berliner Tageblatt de 1922 a 1929, Scheffer adquiriu


reputação de ser “o homem mais bem informado acêrca da
Rússia Soviética.” Seus despachos coloridamente redigidos da
União Soviética eram impressos numa dúzia de línguas. Seus
amigos e admiradores incluiam eminentes estadistas, figuras
literárias célebres e industriais e financistas influentes na Eu­
ropa e na América.
No outono de 1929 a carreira de Scheffer como corres­
pondente em Moscou chegou a uma conclusão abrupta e ines­
perada. Durante uma de suas visitas periódicas à Alemanha,
as autoridades soviéticas subitamente proibiram o seu retômo
à URSS. Houve um furor de protestos indignados entre os
muitos e famosos amigos de Scheffer. Êles queriam saber da
possível razão dessa atitude por parte do govêmo soviético.
A resposta à pergunta estava engavetada nos arquivos da po­
lícia secreta soviética.
Alguns dos fatos foram divulgados oito anos mais tarde,
aos 2 de márço de 1938, quando Mikhail Chernov, o cons­
pirador da direita e antigo comissário da Agricultura da União
Soviética, depôs perante o Collegium Militar da Suprema
Côrte Soviética da URSS.
Chernov confessou que recebera 4.000 rublos mensais do
S. S. m ilita r alemão para fornecer segredos comerciais e mili­
tares russos e para organizar sabotagem extensiva. Êle denun­
ciou o agente germânico sob cuja supervisão empreendera a
sua primeira tarefa de espionagem e sabotagem. O alemão,
disse Chernov, era “Paul Scheffer, correspondente do Berli­
ner Tageblatt

E.U.A. Êle editou, também uma coluna chamada “Comentários e


Previsões”, que continha idêntica propaganda e era distribuída a 200
jornais e periódicos do país. Característico dos artigos de Le Clair foi
o que apareceu no número de setembro de 1940 na revista América,
sob o título “Não há Amizade Desejável Entre E.U.A. e URSS.”
Prêso pelo F B I no outono de 1943, Le Clair confessou-se culpado pe­
rante um tribunal federal em Nova Iorque de ter servido como agente
pago de propaganda secreta para o govêmo japonês durante um pe­
ríodo de três anos, que terminaria poucos meses antes de Pearl Harbor.
V

A GRANDE CONSPIRAÇÃO 387

Aos 13 de março de 1938, um pelotão de fuzilamento


soviético executou Mikhail Chernov. Poucos dias antes da exe­
cução, Paul Scheffer chegara aos E.U.A. como correspondente
americano do Berliner T ageblatt. . .
Depois de barrado na União Soviética em 1929, Scheffer
tomou-se um dos propagandistas anti-soviéticos mais prolíficos
e mais bem pagos da Europa. Dificilmente se escoava uma
semana sem que um de seus artigos não aparecesse em al­
gum jornal importante da Europa ou da América, num ata­
que feroz ao governo soviético, ou predizendo o seu colapso
iminente.
Em 1931, Scheffer, que se casara com uma antiga con-
dêssa russa, visitou os E.U.A., para lutar contra o reconhe­
cimento americano do govêmo soviético. “So a América se
decidir ao reconhecimento”, advertiu severamonto num artigo
no Foreign Affairs, condensado no Readers Digest, “pode-se
dizer que ela fêz daí por diante a sua escolha deliberada
entre a Europa burguesa e os Sovietes... o reconhecimento
pela América poderia apenas provocar a Rússia comunista a
maior agressividade nos seus ataques contra os países bur­
gueses europeus.”
Quando Hitler chegou ao poder, Scheffer era o corres­
pondente do Berliner Tageblatt em Londres. Voltou imedia­
tamente para a Alemanha e foi indicado como redator-chefe
do jornal, que passara então à supervisão do Ministério de
Propaganda Nazista (90.)

(90) Aos seus amigos no estrangeiro quo ainda o consideravam


como um jornalista liberal e que ficaram profundamente surpresos com
o seu regresso à Alemanha, Scheffer explicou confidencialmente que
fôra empreender misteriosa missão antinazista no Terceiro Reich. Com
a vista voltada para o seu trabalho futuro, Scheffer queria manter as
rodas úteis de seus amigos no estrangeiro. Coisa estranha: muitos de
seus amigos acreditaram nessa história.
Entre os que Scheffer não conseguiu convencer de seus sentimen­
tos antinazistas figurava o embaixador americano antifascista na Ale­
manha, William E. Dodd. Aos IS de novembro de 1936, o Dr. Dodd
escreveu no seu diário a seguinte nota referente a Scheffer: “Acaute­
lei-me com êsse Scheffer que era social-democrata poucos anos atrás,
estêve vários anos nos E.U.A. como correspondente da imprensa ale­
mã e é agora um bom nazista.”
388 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

No invemo de 1937, foi enviado aos E.U.A. Logo pas­


sou a cabografar despachos de Nova Iorque para o Berliner
Tageblatt, despachos que eram uma mescla de propaganda
antiamericana e de informações que pudessem interessar às
autoridades militares alemãs. Dentro em breve, foi promovido
ao pôsto de correspondente do Das Reich, órgão oficial do
Ministério de Propaganda Nazista. Nessa função, passara a
ser representante especial do Dr. Goebbels nos E.U.A. Uma
das duas principais tarefas era acirrar os sentimentos anti-
soviéticos nos E.U.A. Os artigos anti-soviéticos do “perito
russo” Scheffer apareciam regularmente em conhecidíssimos
jornais e revistas americanas. Um dos seus assuntos favori­
tos eram os julgamentos de Moscou. Para os seus numerosos
leitores, Scheffer interpretava os julgamentos, nos quais êle
mesmo fôra indigitado como agente alemão, como “farsas gi­
gantescas.” Descrevia Bukharin, Pyatakov, Radek e outros
quinta-colunistas russos como “autênticos líderes bolcheviques.”
Seu louvor mais exaltado, todavia, era reservado a Trotsky.
Num artigo típico, “De Lénin a Stálin”, que apareceu
no número de abril de 1938 na conhecidíssima publicação
trimestral americana Foreign Affairs, Scheffer explicava que
Stálin era um “oriental astuto”, movido pela ambição, pela
inveja e pela sêde de poder, e que êle planejara a execução
dos trotskistas únicamente porque êstes barravam o caminho
para as suas ambições pessoais.
O trabalho de propaganda de Scheffer nos E.U.A., não
terminou com a sua prisão depois de Pearl Harbor. Aos 13
de setembro de 1943, a edição de domingo do New York
Times estampou na sua página de frente da secção ilustrada
um artigo em alemão assinado por “Conrad Long.” Uma nota
editorial descrevia o autor como “um estudioso familiari­
zado com "assuntos alemães na atual guerra.” O artigo con­
tinha a informação de que “as colheitas da Ucrânia” tinham
sido “provàvelmente duplicadas neste verão pelos métodos
alemães.”
Na realidade, quem escrevia não era nenhum “Conrad
Long.” Era pseudónimo. O autor do artigo do Times era
Paul Scheffer.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 389

Prêso Scheffer, alguns dos seus amigos influentes conse­


guiram libertá-lo. Conseguiram fazê-lo escrever para o Times
sob pseudónimo. Obtiveram mesmo um emprego para Scheffer
como consultor e perito* em assuntos alemães, nos serviços
estratégicos dos E.U.A.
No verão de 1944, Scheffer foi prêso novamente por agen­
tes do Departamento de Justiça. Era claro que, dessa vez,
o ex-representante especial do Dr. Goebbels ficaria na cadeia
até o fim da guerra.

4. O Comité Dies
Em agôsto de 1938, pouco antes da assinatura do Pacto
de Munique, formou-se nos E.U.A. um Comité Especial do
Congresso para investigar sôbre atividades antiamericanas. O
diretor dêsse comité era o representante Martin Dies, do Texas.
Quando se formou o Comité Dies, pensava-se que a sua
função seria combater as intrigas eixistas nos Estados Unidos.
Ao contrário desta expectativa, as investigações se con­
centraram em uma única coisa: provar ao povo americano
que o seu mortal inimigo era a Rússia Soviética.
O primeiro investigador-chefe nomeado pelo Comité Dies
foi um certo Edward Sullivan, espião patronal no movimento
laborista e propagandista anti-soviético. Antes dc vir para o
Comité Dies, Sullivan fôra membro do movimento naciona­
lista ucraniano formado na América, o qual recebia suas di-
retivas do Hetman Skoropadsky o outros emigrados ucranianos
em Berlim. Em Boston, onde tinha sido obscuro jornalista,
sempre necessitado de dinheiro, Sullivan fôra pago para aju­
dar numa campanha para espalhar oposição aos sovietes, en­
tre os americanos descendentes de ucranianos. Embora não
falasse uma única palavra de ucraniano, fêz grande esfôrço
propagandista em favor de uma “Ucrânia independente.”
O futuro investigador-chefe do Comité Dies, se tomou
logo uma figura proeminente no movimento fascista 'ucrania-
390 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

no-americano. Em consequência, estabeleceu íntimas relações


com agentes nazistas, colaborou com êles e identificou-se pu­
blicamente com a sua causa. Em 5 de junho de 1934, Sulli­
van usou da palavra num comício do Bund teuto-americano,
perante tropas de assalto uniformizadas, no Turnhall, na cidade
de Nova Iorque. Consta que terminou a sua arenga com esta
exclamação: “Joguem os imundos judeus no fundo do Oceano
Atlântico.”
Em agôsto de 1936 foi indicado como o orador principal
de uma conferência nacional dos anti-semitas e nazistas ame­
ricanos que teve lugar em Asheville, Estado da Carolina do
Norte. Entre os demais oradores figuravam William Dudley
Pelley, ’chefe dos Camisas Prateadas; James True que publi­
cava um boletim fascista em colaboração com Sullivan e Emest
F. Elmhurst, aliás E. F. Fleischkopf, membro do Bund e
agente nazista. Os oradores atacaram violentamente a Rússia
Soviética e acusaram a administração Roosevelt de estar li­
gada “a uma conspiração judaica.” A imprensa de Asheville
relatou que o discurso de Sullivan fôra “o discurso que Hitler
teria pronunciado se tivesse falado.” (91.)

(91) Os contribuintes americanos que pagaram os vencimentos de


Sullivan enquanto êle foi investigador-chefe das atividades antiame-
ricanas do Comité Dies, podem interessar-se por esta ficha policial de
Sullivan:
Infração Lugar Data Disposição
d a infração
Charlestown, Posto em liber­
Embriaguez Mass. 9/ 7/20 dade.
Guiar perigosamente . Roxbur 12/ 8/23 Multa de $25
Guiar sem licença . . . . Suffolk 2/11/24 Multa de $25
Guiar perigosamente . Suffolk 6/ 7/24 Anotado.
Furto ......................... Malden 2/ 4/32 Casa de Correção.
Apelação.
Furto ......................... Middlesex 4/12/32 Não procede.
Atuar com licença sus­
pensa ..................... Lowell 2/11/32 Arquivado.
Violação do artigo 690
do Código Penal . . Nova Iorque 12/ 2/33 Absolvido.
(sodomia)
Prisão por desacato a
um oficial do F B I . Pittsburgh 12/11/39 Denúncia anotada.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 391

Quando as organizações liberais da América descobriram


alguns dos fatos da fôlha corrida de Sullivan, o Deputado
Dies relutantemente demitiu o seu investigador-chefe, Sullivan.
“Saiu por motivo de economia”, explicou Dies. Então Sullivan
aliou-se ao movimento ucraniano-fascista e fundou o Instituto
Educacional Ucraniano-Americano em Pittsburg, Pennsylvania.
Essa organização, que se especializou em promover agitação
anti-soviética entre um milhão de americano-ucranianos, es-
têve cm contacto com a embaixada alemã em Washington.
Sullivan continuou a cooperar com os propagandistas anti-so­
viéticos e pró-nazis do país. “Quatro de julho será uma bela
data para o vosso partido”, telegrafou Coughlin referindo-se
a um assunto que êle e Sullivan vinham providenciando juntos.
A despeito de sua separação oficial do Comité Dies,
Sullivan permaneceu ligado com um de seus “peritos anti-
comunistas.” Aos 27 de julho de 1939, Sullivan recebeu uma
carta de seu amigo Harry Jung, propagandista anti-semita e
anti-soviético em Chicago. Jung escrevia:

“Um dos investigadores do comité estêve aqui por


algum tempo e despendeu algumas horas conosco e
nós o cumulamos de informações surpreendentes. Eu
espero realmente que a cooperação entre nossos res­
pectivos escritórios venha a ser completa, satisfatória
e recíproca ..

O lugar de Sullivan como principal ajudante e consultor


de Dies no comité de investigação de atividades antiameri­
canas foi ocupado por J. B. Matthews, um renegado do movi­
mento radical americano. A literatura de Matthews era lar-
ganjente publicada e distribuída pelos líderes fascistas ameri­
canos e agentes do Eixo. O Ministério de Propaganda nazista
recomendou a sua obra. Artigos de Matthews apareceram no
Contra-Ccrmintern, órgão do Aussenpolitisches Amt de Alfredo
Rosenberg.
Semana após semana, na sala de colunas de mármore do
velho House Office Building em Washington, desfilem uma
392 M ICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

procissão macabra de ex-sentenciados, espiões laboristas, agen­


tes e chantagistas estrangeiros. Todos iam depôr solenemente
perante o Comité Dies, como “testemunhas idóneas”, contra
os agentes de Moscou que estavam tramando a derrocada
do govêmo dos E.U.A. Eis algumas dessas testemunhas “anti-
comunistas”:
Alvin Halpern: no segundo dia do seu depoimen­
to, um Tribunal Distrital de Columbia o sentenciou a
dois anos de cadeia por crime de furto; seu depoi­
mento, entretanto, foi incluído nos autos do Comité
Dies.
Peter J. Innes: espião laborista que fôra expulso
da União Marítima Nacional por ter roubado 500 dó­
lares do tesouro da União; foi sentenciado posterior­
mente a oito anos de cadeia por tentativa de rapto
de uma menor.
William C. McCuinston: organizador de pelotões
fortemente -armados para atacar os sindicatos; depôs
perante o Comité Dies quando ainda acusado de assas­
sínio de Philip Carey, líder laborista que fôra baleado
e espancado até à morte em Nova Orleans; posterior­
mente foi impronunciado do crime de assassínio.
William Nowell: espião laborista que fôra conse-
lheiro-confidencial do líder fascista Gerald L. K. Smith,
ex-Camisa de Prata n.° 3223.
Richard Krebs, aliás Jan Valtin; antigo agente da
Gestapo, acusado e réu confesso (92.)

(92) Em janeiro de 1941, quando o alto comando alemão termi­


nava os seus preparativos para o ataque contra a União Soviética, foi
publicado nos E.U.A. um livro anti-soviético sensacional, intitulado
D o Fundo d a Noite. O autor era Jan Valtin.
Jan Valtin era um dos vários nomes de Richard Krebs, antigo
agente da Gestapo. Outros nomes dêle eram Richard Anderson, Ri­
chard Petersan, Richard William, Rudolf Heller e Otto Melchior.
O livro de Krebs, Do F undo d a N oite, pretendia ser a confissão
de um comunista “Jan Valtin” que viajara pelo mundo todo desincum-
bindo-se de tarefas sinistras de Moscou. O autor descrevia em porme­
nores torvos as tramas criminosas que teriam sido arquitetadas por
“agentes bolcheviques” contra o mundo democrático. O autor relatava
como depois de dez anos de trabalho criminoso “para o Comintern”,
inclusive um homicídio na Califórnia em 1926, começaram a surgir “dú-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 393

“General” Walter G. Krivitsky, aliás Samuel Gins­


berg, original “agente da OGPU” no tempo de Yagoda,

vidas no seu espírito acêrca da .honestidade dos intuitos do Partido Co­


munista.” Finalmente, e assim se desenrolou a sua história, êle deci­
diu-se a um rompimento completo com Moscou e a denunciar tudo. . .
Krebs chegou aos E.U.A. çm fevereiro de 1938. Trouxe con­
sigo da Europa os manuscritos de D o Fundo d a Noite, que tinham uma
surpreendente semelhança com um livro de propaganda anti-soviética
que vinha circulando largamente na Alemanha nazista. Preparando o
seu livro para ser publicado nos E.U.A., Krebs foi auxiliado pelo jor­
nalista americano Isaac Don Levin, veterano propagandista anti-sovié­
tico e colaborador regular da imprensa Hearst.
Levado por uma campanha sem precedentes de consagração lite­
rária. D o Fundo da N oite tomou-se um best-seller sensacional. O
Clube do Livro do Mês distribuiu-o aos seus leitores numa edição de
165.000 exemplares. O R ea d ers Digest publicou uma alentada con­
densação do mesmo com o comentário de que a autobiografia tinha
sido “cuidadosamente autenticada pelos editores.” Em dois números
consecutivos da revista L ife foram citados trechos extensos do livro.
Poucos livros na história da imprensa americana receberam uma consa­
gração tão pródiga e dispendiosa como a do livro D o Fundo da Noite.
Enquanto que alguns críticos literários manifestaram-se céticos quan­
to ao livro, outros conhecidos por sentimentos anti-soviéticos, ergue­
ram hosanas à obra de Krebs. Freda Utley, jornalista anti-soviõtica
escrevendo no Saturday R eview o f Literature, descreveu o livro com
estas palavras: “Nenhum outro livro revela melhor o auxílio que Stálin
deu a Hitler antes dêste assumir o poder e a ajuda que ainda continua
lhe dando.” Sidney Hook admirador de Trotslcy, declarou em o New
L eader, órgão da chamada, Federação Social-Democrátiea: “Como sim­
ples narrativa é tão impulsiva em suas sequências emocionais quo nunca
poderia ser tomada como ficção pois viola todos os cânones da cre­
dibilidade fictícia.” William Henry Chamberlin cuja interpretação an­
ti-soviética dos Julgamentos de Moscou aparecera no órgão de propa­
ganda de Tóquio, Contem porany ]apan insistia no New York Sunday
Tim es B ook Supplement, que ‘Valtin” tomara-se "um valioso aliado
ara tôdas as agências nos E.U.A. empenhadas no combate à sa-
E otagem, à espionagem e outras atividaacs ilegais de inspiração es­
trangeira.” Max Eastman, Eugenes Lyons o outros membros da clique
literária pró-Trotsky e anti-soviética na América saudaram excitados a
“exposição histórica” do antigo agonto da Gestapo.
“Jan Valtin” tornou-se uma figura nacional. Foi convidado para
testemunhar como perito anti-soviótico perante o Comité Dies.
Aos 28 de março de 1941, Krobs recebeu ordem de prisão como
estrangeiro indesejável e deportável. As audiências subsequentes do
Tribunal Federal estabeleceram que Krebs fôra julgado por homicídio
na Califórnia em 1926 tendo estado 39 meses em San Quentin. Os
autos do Tribunal de Los Angeles relatavam que êsse crime que Krebs
reproduzira em D o Fundo da Noite, como se fôra uma tarefa do Co-
394 MICHAEL SAYERS E A LBERT E. KAHN

que fugira para os E.U.A., onde publicou uma lamen­


tável autobiografia anti-soviética (93.)

Os arquivos de Martin Dies logo transbordaram de nomes


de supostos perigosos “bolcheviques.” Frequentemente o depu­
tado do Texas anunciava que tinha descoberto uma quinta-
-coluna nacional operando sob diretrizes de Moscou.
Em 1940, Dies publicou um livro para p o p u la riz a r as
“descobertas” do seu comitê. Intitulado: O Cavalo de Tróia
na América: Comunicado à Nação. O livro de Dies era prin­
cipalmente dedicado à propaganda anti-soviética. Enquanto
os Bundistas germano-americanos e a Frente Cristã vinham
realizando demonstrações populares pró-nazis nas cidades da
América como testas-de-ferro da quinta-coluna nazista, o Depu­
tado Dies pintava Stálin “à frente de 150 divisões de sol­
dados soviéticos uniformizados” invadindo os E.U.A. Dies

mintem resultara de um enrêdo em tômo de uma nota que Krebs


devia a um pequeao comerciante. Explicando no Tribunal porque ten­
tara matar o negociante, Krebs disse: “O judeu me enlouqueceu.”
As audiências federais revelaram ainda mais que Krebs tinha sido
deportado dos E.U.A. em dezembro de 1929, e que em 1938, assim
como em 1926, êle entrara ilegalmente nos E.U.A. Além do que as
audiências esclareceram que em 1934 Krebs atuara como testemunha
perante o govêmo nazi para comprovar uma denúncia de traição con­
tra um companheiro marítimo. Por causa de sua ligação com o Par­
tido Comunista Alemão, do qual tinha sido expulso, Krebs afirmava
que tinha “penetrado nessa organização.”
O Tribunal de Imigração dos E.U.A. declarou nas suas inves­
tigações: “Nos. cinco anos passados o indigitado tem sido um agente
da Alemanha nazista. Na ficha que temos diante de nós está claro
que se trata de um indivíduo completamente indigno e amoral.”
A revelação de Krebs como antigo agente nazista c criminoso teve
pouca publicidade. Mais tarde apoiado e estimulado por seus influen­
tes amigos americanos anti-soviéticos, Krebs obteve outra ficha das au­
toridades da Imigração nos E.U.A. como um indivíduo regenerado
e conseguiu carta de„ cidadania americana. Do Fundo da N oite conti­
nuou nas prateleiras das livrarias do país e prosseguiu divulgando entre
dezenas de milhares de americanos a sua mensagem anti-soviética.
(93) Conforme Louis Waldman, que foi o advogado americano
de Krivitsky, êste entrou nos E.U.A. “apadrinhado por William C.
Bullit, embaixador na França.” Quanto às atividades anti-soviéticas de
Bullit, ver adiante.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 395

declarava cjue, com efeito, “os agentes de Moscou” já tinham


começado a invasão dos E.U.A.” (94.)
Dois dias depois de os nazistas terem invadido a União So­
viética, Dies predisse: “Hjtler controlará a Rússia dentro de
trinta dias.” O deputado combateu a idéia de enviar auxílio ao
Exército Vermelho. “A América ajudar a Rússia é loucura”,
declarou êle, “porque em qualquer hipótese os alemães apre­
enderão o equipamento.” E admoestava que “o perigo real­
mente grande para o nosso govèrno, auxiliando a Rússia, con­
siste em abrir para Stálin uma nova Frente Ocidental exa-
tamente aqui, na capital da América.”

(94) -Os elementos pro-Eixo e anti-soviéticos nos E.U.A. apoia­


ram entusiàsticamente o trabalho do Deputado Murtlm Dies. Aos 8 de
dezembro de 1939, Merwin K. Hart, principal intérprete do regime fas­
cista espanhol do Generalíssimo Franco, clcu um bim(|iiet(' em Nova
Iorque no qual Dies foi hóspede de honra. Entro os convlvtis conta­
vam-se John B. Trevor, Archibald E. Stevenson o Fritz Kuhn, chefe
da Liga Germano-Americana. Quando os jornalistas porgimlnrnni u Kuhn
o que pensava do Comité Dies, êle respondeu: “Sou por Mo o faço
votos para que obtenha muito dinheiro.”
Eis alguns comentários mais de agitadores anti-sovlóticos ncôrca do
trabalho do Comité Dies:
Respeito imensamente o comité e simpatizo com o sou programa
— George Sylvester Viereck, agente nazista, sentenciado cm 21 de fe-
vreiro de 1942, à prisão de 8 meses a 2 anos.
Eu fundoi a Legião de Prata em 1 9 3 3 .. . pnrn propagar exata-
mente, os mesmos princípios pelos quais se batem ntunlrnonto Mr. Dies
e o seu comitê. — William Dudley Pelley, líder dos Camisas do Prata
pró-nazis, sentenciado aos 13 de agôsto de 1942 a 15 anos de prisão
por crime de sedição, novamente acusado em 1944 por tor participado
numa conspiração nazista contra a América.
“Na vossa apreciação do trabalho realizado por Dies, disponde de
algum momento ae folga para escrever-lhe uma carta dc encorajamento.
Com efeito, um milhão de cartas depositadas sôbre a sua escrivaninha
seria uma resposta àqueles que se empenham em destruí-lo, juntamente
com o corpo legislativo que êle representa." — Padre Charles E. Cou­
ghlin, propagandista pró-nazis, fundador da Frente Cristã e de Justiça
Social, que em 1942 foi banida das malas do correio dos E.U.A.
como sediciosa.
Até Berlim manifestou abertamente a sua aprovação entusiástica ao
trabalho anti-soviético de Dies nos E.U.A. O sistema de contrôle de
ondas curtas da Comissão Federal de Comunicação relatou no inverno
de 1941 que o Deputado Martim Dies era o americano “mais frequente­
mente e mais elogiosamente” citado nas estações de ondas curtas do
Eixo voltadas para o Hemisfério Ocidental. •
396 MICHAEL SAYERS E A LBER T E. KAHN

Numa carta ao Presidente Roosevelt, escrita aos 2 de


outubro de 1941, logo depois de o presidente ter proclamado
que a defesa da União Soviética era vital à defesa da Amé­
rica, Dies manifestou a sua intenção de prosseguir na sua
campanha de propaganda anti-soviética. “Eu tenciono, Sr. Pre­
sidente”, escreveu Dies, “aproveitar tôda oportunidade para
mostrar ao povo americano que as semelhanças entre Stálin
e Hitler são muito mais surpreendentes do que as suas des­
semelhanças.”
* Mesmo depois de os E.U.A. e a Rússia Soviética te­
rem-se tomado aliados, Martim Dies continuou na sua cam­
panha anti-soviética. Aos 29 de março de 1942, Henry Wallace,
vice-presidente dos E.U.A. declarou:
“Se estivéssemos em paz, essas táticas poderiam
ser consideradas como produto de imaginação doentia.
Nós não estamos em paz, entretanto. Estamos em
guerra, e as dúvidas e ressentimentos que essa e ou­
tras declarações de Mr. Dies tendem a suscitar na
opinião pública podem vir do próprio Goebbels, no
que concerne ao seu resultado prático. Como questão
de fato, o efeito dessas declarações em nosso ânimo
seria menos desastroso se Mr. Dies figurasse na lista
de pagamento de Hitler. . . Nós americanos temos de
enfrentar as injunções dessa temível verdade.”

5. Águia solitária
Em fins de 1940, quando Hitler consumava a escravi­
zação da Europa e preparava-se para o seu próximo embate
com o Exército Vermelho, apareceu um estranho fenómeno
no cenário político americano. Chamou-se o Comité América
First. Durante o ano seguinte, em escala nacional, por meio
da imprensa, do rádio, de assembléia de massa, de comícios re­
lâmpagos e de outros meios de publicidade, o Comité América
First divulgou incansàvelmente a sua propaganda anti-soviética,
antibritânica, e isolacionista no meio do povo americano.
Os condutores originais do Comité América First com­
preendiam o General Robert E. Wood; Henry Ford; o Coronel
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 397

Robert R. McCormick; os Senadores Burton K. Wheeler, (Je­


rald P. Nye e Robert Rice Reynolds; os Deputados Hamilton
Fish, Clare E. Hoffmann e Stephen Day; e Katherine Lewis,
filha de John L. Lewis. .
A principal intérprete feminina do comité foi a ex-avia-
dora e socialista Laura Ingall; posteriormente ela foi denun­
ciada como agente pago do govêmo nazista. Atrás dos basti­
dores, outro agente nazista, George Sylvester Viereck, vinha
escrevendo grande parte da propaganda que os publicistas
do América First vinham divulgando. Ralph Townsend, pos­
teriormente denunciado como agento japonês, chefiou uma
secção do Comité América First na Costa Ocidental, e foi
membro do quadro editorial dos órgãos do propaganda do
comité, Scribners Commentator, o o Herald (95.)
Wemer C. von Clemm, mais tardo acumulo de contra­
bandear diamantes para os E.U.A. em conluio com o alto
comando alemão, funcionou como estratcgistu incógnito e apoio
financeiro da filial do Comité América First cm Nova Iorque.
Frank B. Burch, posteriormente acusado do ter recebido 10.000
dólares do govêmo nazista para serviços do propaganda ile­
gal nos E.U.A., foi um dos fundadores da secção do co­
mité em Akron, Ohio.
Em julho de 1942 o Departamento do Justiça acusou
o Comité América First como agência utilizada numa cons­
piração de desmoralização das fôrças armadas dos E.U.A.
Dentre todos, o mais famoso líder o interpreto do Co­
mité América First, foi o aviador americano Charles E. Lind­
bergh, que já se distinguira como agitador pró-nnzí o anti-so-
viético na Europa e na América.
Lindbergh pagara a sua primeira visita à Alemanha no
verão de 1936. Êle viajou como hóspede do govêmo nazista.

(95) Os editôres do Ilcrald operavam com receptores em ondas


curtas dia e noite ligados com n Europa dominada por Hider e com o '
Japão. A propaganda oficial do Eixo, assim recebida, era incorporada
no Hercdd e no Scribner's Commentator.
O H erald e Scribner’s C om m entator oram distribuídos pelos E.U.A.
livres de despesas, entregues nas assembléias do Comité America First,
e remetidos em larga escala para endereços especialmente preparados
para o América First. Forneciam flsscs endereços Charles E . Lindbergh,
Hamilton Fish, Charles E . Coughlin, o Senador Burton K. Wheeler e
os agentes nazistas Frank Burcli, George Sylvester Viereck e outros.
398 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Os nazis promoveram cerimónias impressionantes em honra de


Lindbergh e fizeram-lhe especiais obséquios. Funcionários na­
zistas altamente colocados conduziram-no pessoalmente numa
"viagem de Inspeção” particular às construções bélicas e bases
aéreas alemãs. Lindbergh ficou profundamente impressionado
com a Alemanha nazista.
Nas pródigas festas oferecidas pelo Marechal de Campo
Hermann Goering e outros graúdos nazistas, Lindbergh expri­
miu a sua convicção de que a fôrça aérea alemã era inven­
cível. “A aviação alemã coloca-se acima de qualquer outra
de qualquer outro país do mundo”, disse êle a um ás da
Luftwaffe, o General Emst Udet. “Ela é invencível!”
“Maravilha, como é errado êsse americano!” observou o
comandante aéreo alemão, General Bruno Loerzer, ao jorna­
lista político Bella Fromm. Êle vai assustar as cabeças dos
ianques com essa conversa da invencível Luftwaffe. E é exa-
tamente o que os nossos rapazes querem que êle faça.”
“Foi a meihor campanha de consagração que já conse­
guimos fazer” — disse Axel von Blomberg, filho do ministro na­
zista da Guerra, depois de assistir a uma festa em homena­
gem a Lindbergh em 1936.
Dois anos depois, nos dias crucialmente decisivos que
precederam ao Pacto de Munique, Lindbergh visitou a União
Soviética. Êle ali estêve apenas alguns dias. De volta, ime­
diatamente começou a proclamar que o Exército Vermelho es­
tava desesperadamente mal equipado, mal treinado e pèssi-
mamente comandado. Afirmou que a Rússia Soviética seria
inútil em qualquer aliança militar contra a Alemanha nazista.
Na sua opinião, era necessário cooperar não contra, mas com os
nazis.
O avião jprêto e alaranjado de Lindbergh tornou-se fa­
miliar nos aerodromos das aflitas capitais européias, na época
em que êle Voava de um país a outro, advogando a for­
mação de alianças políticas e económicas com o III Reich.
Quando se processavam as negociações em Munique, pe­
quenos e seletos grupos de homens de negócios, aristocratas
e políticos anti-soviéticos reuniram-se na estância de Lady
Astor em Cliveden, para ouvir a opinião de Lindbergh so­
bre a situação europeia. Lindbergh falou do poder aéreo da
Alemanha, da rápida expansão de sua produção e do seu
brilhante comando militar. Os nazistas, repetia êle a todo
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 399

momento, eram invencíveis. Recomendou que a França e a


Grã-Bretanha chegassem a bons têrmos com Hitler e “per­
mitissem à Alemanha que se expandisse a leste, rumo à Rús­
sia, sem declaração de guerra...’ (96.)
Foi providenciada uma série de conferências íntimas de
Lindbergh com membros britânicos do Parlamento e várias
outras figuras políticas decisivas. Entre estas contava-se Lloyd
George, que posteriormente se manifestou acêrca do aviador
americano:
“Êle estêve na Rússia, penso eu, durante uma se­
mana. Êle não viu nenhum dos grandes líderes da
Rússia, não poderia ter visto grande coisa da fôrça
aérea, e já voltou dizendo-nos que o exército russo
não era nada bom, que as indústrias russas estavam
em situação desesperadora. E houve muita gente gran­
de que acreditou nêle — exceto Hitler.”

A conversa de Lloyd George com Lindbergh deixou ao


ex-primeiro-ministro a convicção, como êle manifestou, de
que o aviador americano era “o agente e instrumento de ho­
mens muito mais astutos e sinistros do que êle próprio.”
Da União Soviética proveio a mesma acusação em lin­
guagem mais específica. Um grupo de destacados aviadores
soviéticos publicou uma declaração em Moscou acusando Lind­
bergh de divulgar a “mentira colossal” que “a Alemanha
possui uma fôrça aérea tão poderosa que é capaz de derrotar
as frotas aéreas conjugadas da Inglaterra, França, Rússia e
Tcheco-Eslováquia.” E os aviadores soviéticos prosseguiam:
“Lindbergh desempenha o papel de um estúpido
mentiroso, lacaio e adulador dos fascistas alemães e de
seus protetores os aristocratas inglêses. Êle recebeu or-

(96) Descrevendo as suas atividades durante êsse período, Lind­


bergh disse numa assembléia do Comité America First nos E.U.A.,
aos 30 de outubro de 1941: “Em 1938 eu chegara à conclusão de que
se ocorresse uma guerra entre a Alemanha de um lado e a Inglaterra
e França de outro, daí resultaria ou uma vitória da Alemanha ou uma
Europa prostrada e devastada. Por isso eu advogava que a Inglaterra
e a França permitissem à Alemanha que se expandisse a leste, rumo
à Rússia, sem declaração de guerra.” ,
400 MICHAEL SAYERS E A LBERT E. KAHN

dens dos círculos reacionários ingleses para provar a


debilidade da aviação soviética e assim fornecer argu­
mento a Chamberlain, para a sua capitulação em Mu­
nique, com respeito à Tcheco-Eslováquia.”

Três semanas depois da assinatura do Pacto de Munique,


o govêmo do III Reich demonstrou a sua aprovação oficial
aos serviços prestados por Lindbergh à Alemanha nazista. Na
npite de 18 de outubro de 1938, num jantar oferecido em honra
de Lindbergh em Berlim, o Marechal de Campo Goering con­
feriu ao aviador americano uma das mais altas condecorações
da Alemanha, a Ordem da Águia Alemã...
Tendo vivido no estrangeiro durante três anos e meio,
Lindbergh regressou aos E.U.A. pouco antes da declaração
de guerrra de 1939. Assim que os nazistas invadiram a
Polónia, e* a Grã-Bretanha e a França declararam guerra
à Alemanha, Lindbergh correu aos jornais com um pronun­
ciamento urgente: a guerra contra a Alemanha era uma guer­
ra injusta; a verdadeira guerra devia ser a de leste. Num
artigo intitulado “Aviação, Geografia e Raça”, no número de
novembro do Reader’s Digest, em linguagem parecidíssima
com a de Alfredo Rosenberg, Lindberg declarou:
“Nós, herdeiros da cultura européia, estamos à bei­
ra de uma guerra desastrosa, uma guerra dentro de
nossa própria família de nações, uma guerra que re­
duzirá a fôrça e destruirá os tesouros da raça
branca... A Asia comprime-se contra nós, em direção às
fronteiras russas, e tôdas as raças estrangeiras movi­
mentam-se inexoràvelmente. . . Nós teremos paz uni­
camente quando nos unirmos e preservarmos a pre­
ciosíssima posse de nossa herança de sangue europeu e
enquanto salvaguardarmos a nós mesmos contra o ata­
que de exércitos inimigos e da diluição em raças es­
trangeiras.”

Durante 1940 Lindbergh identificou-se cada vez mais in­


timamente com o movimento isolacionista, anti-soviético e ei-
xista que proliferava como cogumelo no palco americano. Êle
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 401

tomou-se o intérprete principal do comité isolacionista no Fo­


reign Wars e o ídolo da quinta-coluna nos E.U.A. (97.) ■
No outono daquele ano, Lindbergh dirigiu-se a um pe­
queno grupo de estudantes da Universidade de Yale: “Precisa­
mos fazer a nossa paz fcom as novas potências da Europa”,
disse-lhes.
O comício na Universidade de Yale tinha sido conseguido
por um jovem e rico estudante chamado R. Douglas Stuart Jr.,
herdeiro da fortuna das Aveias Quaker. Logo depois, o grupo
de Stuart incorporou-se ao Comitô América First em Chi­
cago, Illinois.
Falando a assembléias imensas convocadas em todo o
país pelo Comité América First, e cm radioemissões de pon­
ta a ponta do país, Lindbergh disse ao povo americano que
era a Rússia Soviética, e não a Alemanha nazista o seu real
inimigo. A guerra “entre a Alemanha de um lado c a In­
glaterra e a França de outro”, advertia Lindbergh, “poderia
resultar únicamente ou numa vitória alemã, ou mima Europa
prostrada e devastada.” A guerra tinha dc ser transformada
numa ofensiva coesa contra a União Soviética (98.)
Todo o aparato de publicidade do América First foi pôsto
em ação numa campanha de âmbito nacional protestando con-

(97) Em 1937, John C. Metcalfe, repórter do Chicago Daily Tim es


e depois agente federal, rememorou a seguinto declaração que lhe fizera
Hermann Schwartzmann, líder da Liga Gormano-Americana de Astoria,
Long Island: “Sabe você quem podo vir a .sor o Fuehrer de nosso grande
partido político? Lindbergh! Sim, o isso i h i o ó tíío remoto como você
poderia imaginar. Você sabe como ôlo poderia ganhar o público muito
fàcilmente. Os americanos gostam dOlc . . . Sim, ná uma porção de coisas
que estão sendo planejadas c que o público ainda não conhece.”
(98) A invasão nazista da Rússia Soviética foi entusiàsticamente
saudada pelo Comité America First. O porta-voz do America First, o
H erald, trouxe o cabeçalho seguinte:
“Congrega-se a Europa para lutar contra os comunistas
russos. Dezessete nações unem-se ao Reicn Germânico na.
Cruzada Santa contra a URSS.
A derrota da Rússia Soviética pela Alemanha nazista foi apresen­
tada como sendo coisa interessante para os E.U.A. Em seu número
de 1 de agôsto de 1941 o Am erica First R esearch Bureau Bulletin
declarou:
“Sabe você que se a Alemanha nazista conquistasse a
Rússia comunista a economia alemã antes se debilitaria do
que se fortaleceria?” ,
402 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

tra a ajuda de empréstimos e arrendamentos à União Sovié­


tica. Charles E. Lindbergh, o Deputado Hamilton Fish, os
senadores Burton K. Wheeler e Gerald P. Nye, e outros in­
térpretes parlamentares do Comité América First denunciaram
o auxílio ao Exército Vermelho e declararam que o destino
da Rússia Soviética não tinha nada que ver com os E.U.A.
Herbert Hoover tomou parte na campanha. Aos 5 de
agôsto, juntamente com John L. Lewis, Hanford MacNider,
e outros 13 líderes isolacionistas, o antigo presidente fêz uma
, declaração pública protestando contra a “promessa de auxílio
não autorizado à Rússia e . .. outras providências beligerantes.”
A declaração dizia:
“Os acontecimentos recentes suscitam dúvidas
quanto às intenções de liberdade e democracia dessa
guerra. Não se trata simplesmente de um conflito mun­
dial entre a tirania e a liberdade. A aliança anglo-russa
dissipou essa ilusão (99.)

Quando os japonêses atacaram Pearl Harbor, o Comité


América First foi oficialmente dissolvido. O seu diretor, General

(99) Aos 30 de outubro de 1941, com os nazistas próximos de


Moscou, organizou-se um comício do America First em Madison Square
Garden, em Nova Iorque. O organizador foi John Cudahy, antigo capi­
tão no exército intervencionista americano em Arcângel que, posterior­
mente, como embaixador americano na Bélgica, adotou uma atitude
pró-Alemanha que forçou a sua demissão do pôsto. Cudahy insistia
para que o govêmo dos E.U.A. iniciasse uma “conferência de paz”
internacional que incluísse a Alemanha nazista. Cudahy declarou que
“as pessoas em postos de autoridade no govêmo nazista conheciam a
Brande ameaça do potencial de guerra americano. Von Ribbentrop
aissera-me isso quando o vi em Berlim cinco meses atrás.” Cudahy
acrescentava que isso seria um belo critério de troca nas “negociações
de paz” eom os nazistas. “Êles dizem que não pode haver paz com
Hitler. Mas Hitler é apenas uma f as e. . disse Cudahy. “Nós temos
neste país um grande perito europeu e um homem animado dos mais
puros intuitos patrióticos, Herbert Hoover. . . Ponhamos Mr. Hoover a
trabalhar num plano de paz permanente.”
Quem tinha dado essa sugestão a Cudahy, para o comício do Ame­
rica First, fôra o Reverendo George Albert Simons. Antes da revolu­
ção russa, êsse reverendo Mr. Simons fôra pastor numa igreja missio­
nária protestante em S. Petersburgo. Ali se tomara amigo intimo de
Boris Brasol, propagandista anti-semita que desempenharia o maior pa­
pel na distribuição dos Protocolos d e Sião na América. Em fevereiro
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 403

Wood, apelou para os sócios do América First, no sentido de


ajudarem o esforço de guerra dos E.U.A. contra a Alemanha e
o Japão. Lindbergh retirou-se do cenário público americano,
assumindo o cargo de consultor-tócnico na Companhia Ford.
Mas a propaganda anti-soviética do América First continua­
va. ..
Quando o Exército Vermelho começou a sua grande con-
tra-ofensiva, os antigos líderes do América First, que pouco
antes tinham anunciado que a Rússia seria esmagada, decla­
ravam agora que Moscou e seus “agentes comunistas” esta­
vam em vias de “comunizar” a Europa inteirinha (100.)
Quando o Exército Vermelho se aproximava das fron­
teiras ocidentais, os membros do America First predisseram
que as .tropas soviéticas não cruzariam a fronteira, mas fariam
uma “paz em separado” com a Alemanha nazista, deixando
a Grã-Bretanha e os E.U.A. a lutarem sòzinhos. Quando
o Exército Vermelho atravessou as suas fronteiras, o América
First ergueu novamente o brado de uma Europa “dominada
por Moscou...”
Três dos mais influentes publicistas nos E.U.A., que
tinham protegido formalmente o Comité América First conti-

de 1919 Mr. Simons depôs perante o Comitô do Senado que, investigava


sôbre “bolchevismo.” Eis um excerto do depoimento de Mr. Simons:
“Mais da metade dos agitadores do chamado movimento bolchevique
são judeus. Essa coisa (a revolução russa) é judaica e uma de suas
bases nós a vamos encontrar na zona leste de Nova Iorque.” Mr. Simons
recomendou os Protocolos de Síão como fonte valiosa de informação
acêrca da Revolução. Disse êle: “ . . . êles manifestam o que vem fa­
zendo essa sociedade secreta de judeus para conquistar o mundo. . .
e finalmente, se possível, prender o mundo todo em suas garras. Por
ora, êsse livro relata qual o seu programa e quais os seus métodos,
como se vêm evidenciando no regime bolchevique.”
(100) Aos 22- de maio de 1943, o Comintern Internacional Co­
munista, foi formalmente dissolvido. Num artigo especial para a im­
prensa dos E.U.A., o antigo embaixador americano na União Sovié-_
tica, Joseph E. Davies, recapitulou a dissolução do Comintern como’
segue: “Para as pessoas bem informadas nos Ministérios do Exterior
do mundo êsse ato não constitui surprêsa. Foi simplesmente a cúpula
posta no edifício, para completar e fechar um capítulo no desenvol­
vimento da política exterior soviética. Isto pode ser compreendido mais
fàcilmente com uma rápida recapitulação dos fatos históricos ligados
ao Comintern. . . Êste foi organizado em 1919, quando o jovem go­
vêmo revolucionário vinha sendo atacado de todos os lados. . . Sob
Stálin, entretanto, transformara-se num escritório do movimento da classe
404 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

nuaram a divulgar propaganda mentirosa anti-soviética mesmo


depois de os E.U.A. e a Rússia Soviética terem-se aliado
na guerra contra a Alemanha nazista. Êsses três publicistas
— William Randolph Hearst, Capitão Joseph M. Patterson e
o Coronel Robert R. McCormick — imprimiram para os seus
vários milhões de leitores uma série infinita de artigos e edi­
toriais destinados a suscitar suspeita e antagonismo contra o
aliado da América, a União Soviética.
Eis algumas passagens típicas de seus jornais durante a
guerra: •
'Sabemos que "
“Sabemos ’ nuita coisa
da Rússia. O urso nem sem-
pre pensa como homem. Há sempre nos processos
mentais russos a sugestão do egoísmo brutal e da to­
tal infidelidade dêsse feroz animal que é o seu sím­
bolo. — New York Journal-American, 30 de março de
1942, de Hearst.
Observando os vários fronts, as coisas parecem
progredirem muito favoràvelmente na Rússia — para
a RÚSSIA. Com efeito, a Rússia não é de modo al-

trabalhadora de outros países. Nos países democráticos êstes partidos


(comunistas) foram aconselhados a obter uma situação legal e a conduzir
as suas atividades por métodos pacíficos e constitucionais. Nesses países,
êles tomaram-se geralmente minoria vociferantes, mas não violentas.
Únicamente em países agressores ou hostis teria sido- provável que o
Comintern desse apoio ativo à luta e ação subversiva da classe traba­
lhadora contra os seus governos. . . O inimigo — os nazistas, fascistas
e japonêses — fizeram o possível para espantar-nos com o espectro
da ameaça comunista à nossa civilização ocidental. Isso foi feito sob
o disfarce do chamado Pacto Anti-Comintem que êles realizaram em
1936, 1937 e 1940, na sua trama para nos conquistar, como para con­
quistar todo o mundo. . . Num golpe, aos 22 de maio (de 1943), Stálin
e seus companheiros em Moscou frustraram o jôgo de H itler. . . Abo­
lindo o Comintern, êles estilhaçaram o canhão mais poderoso da pro­
paganda de Hitler. . . A abolição do Comintern, além do mais, foi
um ato definitivo, confirmando a sua intenção expressa de cooperar, e
não sobressaltar, os seus vizinhos, a quem tinham solicitado colabora­
ção para ganhar a guerra e a p a z . . . A abolição do Comintern con­
tribui para cimentar a confiança entre os aliados no seu esfôrço de
guerra. É ainda uma contribuição à construção de após-guerra, para
~a edificação de uma decente comunidade mundial de nações que, rea­
listicamente, procure construir êste mundo na base da cooperação e do
trabalho conjunto de bons vizinhos.”
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 405

gum parceira dos E.U.A. Ela é semiparceira do


Eixo — New York Journal-American, de Hearst, 30
de março de 1942.
O que Stálin está fazendo é o seguinte: Está pre­
parando o caminho para uma paz em separado com
a Alemanha no momento em que achar que isso seja
boa política. Êle assenta as bases para tanto, acusando
os aliados de não cumprirem suas promessas. Com isso
sente-se desobrigado de qualquer acôrdo que tenha
feito. Não precisa de escusas. Está no que quer. Êle
já preparou o pretexto. — Chicago Tribune de McCor­
mick, de 10 die agosto de 1943.
Se Stálin pudesse obter mais da Alemanha com
menos ruído do que os chamados aliados de última
hora, o que escolheria êsse homem supinamente ego-
centrista, para quem a perfídia é um hábito natural?
A carreira tôda dêsse arrendatário georgiano do Krem­
lin tem sido uma torrente turbulenta de interêsse
pessoal, brotando inescrupulosamente das fontes de
sua ambição natural. — Chicago Tribune de McCor­
mick, 24 de agôsto de 1943.
Quem rira melhor — a Europa russa ou a Eu­
ropa alemã? — Dailu News de Patterson, 27 de agôsto
de 1943.
É ridículo planejar preservar a paz com o au­
xílio da Rússia. A Rússia invadiu a pobre Finlândia
e a Polónia, e estêve pronta para assaltar a Ale­
manha com a sanção da Inglaterra, quando Hitler se
antecipou. — Carta de 2 ae novembro de 1943, de
uma série de cartas semelhantes publicadas regular­
mente em New York Daily News de Patterson.

O Presidente Roosevelt advertiu aos 28 de abril de 1942,


que o esfôrço de guerra “não conseguira impedir alguns pa­
triotas contrafeitos que se utilizavam da sagrada liberdade
de imprensa para ecoar os sentimentos dos propagandistas de
Tóquio e Berlim.”
Aos 8 de novembro de 1943, em Madison Square Gar­
den num comício de comemoração do décimo aniversário das
relações diplomáticas entre a União Soviética e os E.U.A.
o secretário do Interior Harold L. Ickes denunciou, veemen­
406 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

temente a campanha de propaganda anti-soviética que vinha


sendo promovida ininterruptamente por Hearst, Patterson e
McCormick. O destemido secretário do Interior declarou:
“Desgraçadamente existem fôrças poderosas e ati-
vas neste país que estão incentivando deliberadamente
a má vontade contra a Rússia. . . Menciono apenas,
como exemplo, a imprensa de Hearst e a rêae de
jornais de Patterson-McCormick, particularmente o úl­
timo. Se êsses publicistas odeiam a Rússia e a Grã-
Bretanha, o seu ódio ao próprio país é ainda mais
forte. . . É por isso que prosseguem no satânico tra­
balho de acirrar o ódio contra as duas nações de cujo
auxílio precisamos para derrotar Hitler...”

No outono de 1944, quando a Alemanha nazista — de­


frontava a derrota iminente, como resultado das ofensivas com­
binadas dos ‘exércitos dos E.U.A., Grã-Bretanha e União So­
viética, houve nova convocação às umas contra a União So­
viética nos E.U.A.
De Roma, recentemente libertada, William C. Bullit, an­
tigo embaixador em Moscou e Paris, apelou para uma nova
aliança anti-soviética a fim de salvar a civilização ocidental
da ameaça do “imperialismo soviético.”
A carreira de William C. Bullit fôra simples. . .
Em 1919 fôra um dós emissários de Woodrow Wilson à
Rússia Soviética. Quinze anos depois, em 1934, tomou-se o
primeiro embaixador americano na Rússia Soviética. Rico, am­
bicioso, com um faro para a intriga diplomática, Bullit for­
mara rodas amigas com numerosos trotskistas russos. Êle co­
meçou a falar da necessidade de a Rússia Soviética entregar
Vladivostoque ao Japão e de fazer concessões à Alemanha na­
zista no Ocidente. Em 1935, Bullit visitou Berlim. William
E. Dodd, então embaixador americano na Alemanha, recordou
no seu diário diplomático:
“Chegando a Berlim na primavera ou verão de
1935, êle (Bullit) relatou-me que estava certo de que
o Japão atacaria a Rússia oriental dentro de seis me­
ses e êle esperava que o Japão tomasse tôda a ponta
do Extremo Oriente da Rússia.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 407

Bullit disse que a Rússia não tinha nada que a


constrangesse a manter a península que se projeta no
mar japonês em Vladivostoque. Tudo vai ser logo
tomado pelo Japão. Eu disse: Veja que se os alemães
vencerem, nada menos de 160 milhões de habitantes
da Rússia não terão acesso ao Pacífico e serão excluí­
dos do Báltico. Êle disse: “Oh! isso não faz diferença
alguma” . . . Fiquei"es ' 1 A do de fa-
lar de um diplomata
Num lanche com , êle repe­
tiu a sua atitude hostil e discutiu com o francês sus­
tentando a derrota do pacto de paz franco-soviético
que vinha sendo negociado, o qual, segundo me in­
formara o embaixador inglês, era a melhor garantia
possível da paz européia. . . Mais tarde, ou aproxima­
damente pelo mesmo tempo, quando o novo embai­
xador italiano veio aqui diretamente de Moscou, fo­
mos informados de que Bullit tinha sido atraído pelo
fascismo antes de deixar Moscou.”

Aos 27 de janeiro de 1937, o Embaixador Dodd relatou:


“Têm-me vindo notícias recentes de que os bancos
americanos estão contemplando novos grandes créditos
e empréstimos à Itália e à Alemanha, cujas máquinas
de guerra já são suficientemente grandes para amea­
çar a paz no mundo. Eu ouvi mesmo dizer, mas pa­
rece incrível para mim, que Mr. Bullit está condu­
zindo e encorajando êsses planos.”

Em 1940, depois da queda da França, Bullit voltou para


os E.U.A. a fim de anunciar que o Marechal Pétain era um
“patriota” que, rendendo-se ao nazismo, salvara o seu país do
comunismo.
Quatro anos mais tarde, quando a II Guerra Mundial
ia-se encaminhando para o seu fecho, Bullit reapareceu no
continente europeu como “correspondente” de Life. De Roma
enviou um artigo sensacional que foi publicado no número
de 4 de setembro de 1944 dêsse periódico. Pretendendo dar
as opiniões de alguns “romanos” anónimos, Bullit repetia a
propaganda anti-soviética que há vinte anos vinha sendo uti-
408 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

lizada pelo fascismo internacional no seu esforço de conquista


mundial. Bullit escrevia:
“Os romanos esperam que a União Soviética do­
mine a Finlândia, a Estónia, a Latvia, a Lituânia, a
Polónia, a Rumânia, a Bulgária, a Hungria e a Tche-
co-Eslováquia . . . Esperam êles que, além da Polónia
oriental, os russos também anexarão a Prussia oriental,
inclusive Conigsberga. . . Uma piada maluca que per­
corre Roma mostra o espírito dêles (“romanos’) e da
esperança que têm: O que é um otimista? É um homem
que acredita que a III Guerra Mundial começará den­
tro de 15 .anos entre a União Soviética e a Europa
ocidental, a Grã-Bretanha e os E.U.A. O que é um
pessimista? Um homem que acredita que a Europa
ocidental, a Grã-Bretanha e os E.U.A. não se atreverão
a lutar.”

Bullit afirmava que a ameaça contra a qual a civiliza­


ção ocidental se devia unir era Moscou e seus “agentes co­
munistas.”
Era o mesmo brado com o qual, um quarto de século
atrás, no fecho da I Guerra Mundial, o Capitão Sidney George
Reilly procurara conjugar a contra-revolução no mundo (101.)

(101) O mesmo brado ecoou novamente, mesmo depois da der­


rota final da Alemanha nazista" pela coalizão anglo-americano-soviétíca,
quando a Deputada Clare Luce, espôsa do editor das revistas Tim e,
L ife e Fortune voltou de uma viagem à Europa no comêço de 1945,
a fim de informar aos americanos que o bolchevismo estava ameaçando
engolir a Europa tôda, dada a vitória do Exército Vermelho contra a
Alemanha nazista. Mas Luce apelava para que os E.U.A. dessem
o seu apoio a tôdas as fôrças anti-sovieticas na Europa. Essa, com
•efeito, fôra a principal esperança dos nazistas e o tema dominante do
ministro da Propaganda, Dr. Goebbels, durante as suas irradiações de
Berlim sitiada.
Ainda uma vez, o mesmo brado se levantou quando um grupo de
senadores americanos, visitando Roma, na primavera de 1945, pergun­
tou, segundo se disse, numa reunião de soldados americanos, se êles
não gostariam de prosseguir “e terminar a sua tarefa”, lutando contra
a Rússia Soviética. Conta-se que os soldados receberam os senadores e
cruzados antibolcheviques com franca desaprovação. Muitos dêles che­
garam a sair da sala.
Na mesma ocasião, a propaganda anti-soviética continuava a se
expandir nos E.U.A. através de numerosos livros semelhantes no estilo
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 409

Mas profundas transformações vinham-se operando no


mundo. Mesmo quando William C. Bullit apelava para uma
nova cruzada contra a Rússia Soviética, os exércitos da Grã-
-Bretanha e dos E.U.A. e da União Soviética, convergiam
de leste, oeste, norte e stil sôbre a cidadela da contra-revo-
lução — Berlim.
Em face da ameaça da escravidão fascista e contra a
maior fôrça reacionária que o mundo jamais viu, as demo-

e conteúdo ao D o Fundo d a N oite de Tan Valtin. Entre os mais di­


vulgados dêsses livros publicados cm 1945 figuravam Im pressões sôbre
os russos de William L. White e M emórias d e um Sobrevivente de
Alexander Barmine.
O jornalista americano William L. White escreveu as suas Im pres­
sões so b re*os russos depois de un ’ ' n de seis semanas
na União Soviética. Do comêço White que apa-
receu originàriamente condensado pelo R ea d ers Digest, era uma tirada
contra o povo soviético, contra seus líderes e até contra o seu es-
fôrço de guerra. Saudado como uma “rica reportagem” objetiva por
jornais anti-soviéticos como N ew L ea d er Social-Democrático e entusiàs-
ticamente citado pela imprensa Patterson-McCormick e Hearst, o livro
do White foi vigorosamente condenado pelas correntes da imprensa
americana empenhadas na manutenção de boas relações entre as Nações
Unidas. Um grupo de conhecidos correspondentes americanos que ti­
nham trabalhado na União Soviética durante a guerra, inclusive John
Hersey, Richard Lauterbach, Ralph Parker e Edgar Snow, fizeram uma
declaração pública denunciando veementemente o livro de W hite como
"reportagem unilateral e mal feita, calculada para reavivar os mais
velhos mitos e preconceitos contra um grande aliado, cujos sacrifícios nes­
ta guerra pouparam-nos muito sangue e incalculáveis sofrimentos.” A de­
claração dos correspondentes estrangeiros sublinhava que “White ignorava
não somente a língua, mas ainda a história e a cultura da Rússia”, que
a “desonestidade fundamental” do livro de White “jaz na total ausência
quer de pormenores de frente, quer de fundo”, e que “ligava-se sig­
nificativamente com os grupos daqui e da Europa, empenhados em agu­
çar a discórdia e suspeição entre os Aliados.” Apesar de tudo, Im pres­
sões sôbre os russos, consagrado por uma pródiga campanha de publici­
dade, continuou a atingir dezenas de milhares de leitores americanos.
O livro de Alexander Barmine, Memórias d e um Sobrevivente, foi
apresentado como a “história íntima" da política soviética e do seu
govêmo, escrita por um antigo “diplomata soviético” e “especialista"
em questões soviéticas. Como Im pressões sôbre os russos, o livro de
Barmine atacava virulentemente tudo quanto se ligasse com a União
Soviética, declarando que Stálin fôra o líder de “uma contra-revolução
triunfante”, que se tomara “uma ditaduraa reacionária.” Na época da
descoberta e liquidação da quinta-coluna russa, Alexander Barmine es­
tava servindo como encaiTegado dos negócios na Grécia. Barmine deixou
prontamente o seu pôsto e recusou-se a voltar à União Soviética. Em
410 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

cracias ocidentais tinham encontrado o seu mais poderoso alia­


do no Estado que nascera da revolução russa. A aliança não
era acidental. A lógica inexorável dos fatos, depois de um
quarto de século de trágico desentendimento, de hostilidade
artificialmente provocada, levara inevitàvelmente a se unirem
numa frente de luta todos os povos amantes da liberdade
no mundo. Da II Guerra Mundial, cuja sangueira e cujos
sofrimentos tinham sido sem paralelo, surgiam as Nações Unidas.

M emórias d e um Sobrevivente, Barmine relata que numerosos dos cons­


piradores soviéticos cjue foram executados tinham sido dos seus mais
íntimos “amigos” e “colegas.” Com respeito ao Marechal Tukhachevsky,
que fôra julgado culpado por conspirar com o estado-maior alemão, con­
tra a União Soviética, Barmine confessa: “Em Moscou eu trabalhei em
intimidade com êle”, e acrescenta que o marechal russo “fôra nos últimos
anos o meu amigo mais íntimo”, sob a direção de Arkady Rosengoltz,
que confessou em 1938 ter sido um agente pago do SS. militar alemão,
e que êle, Barmine, tinha sido visitado em Paris pelo “perspicaz” Leon
Sedov Trotsky. O livro M emórias d e um Sobrevivente continha uma
introdução elogiosa de Max Eastman e foi vigorosamente enaltecido por
outras personalidades anti-soviéticas nos E.U.A. Como o livro de W il­
liam L. White, M emórias d e um Sobrevivente foi consagrado e publi­
cado com especial entusiasmo pelo New L eader, cujos editores incluíam
Eugene Lyons, cujos artigos anti-soviéticos eram periodicamente citados por
agências oficiais do Ministério de Propaganda nazista; William Henry
Chamberlin, cujos artigos anti-soviéticos foram estampados na imprensa
Hearst e cuja interpretação dos julgamentos de Moscou apareceu no
órgão de propaganda japonesa, Contemporary Japan ; Sidney Hock, an­
tigo companheiro de Trotsky, John Dewey, diretor da “Comissão de
Inquérito nas audiências de Trotsky no México; e Max Eastman, antigo
o intimo colaborador de Trotsky, sen amigo e tradutor.
Na Europa, tanto a literatura de W . L. White como a de Alexan­
der Barmine era usada pelos nazistas em sua campanha de propaganda
contra a União Soviética. A publicação de White — Im pressões sôbre os
russos foi saudada com um artigo na página de frente do número de
30 de janeiro de 1945 de D er W estkaem pfer (O Lutador da Frente
Ocidental), órgão oficial da Reichswehr nazista; o artigo afirmava que
o livro de White provava a possibilidade da divisão das Nações Unidas
em dois grupos. Em março de 1945, soldados americanos na Itália
foram bombardeados pelos nazistas com granadas contendo trechos pan­
fletários de Barmine, prèviamente publicados no R eader’s D igest sob o
título de “Nova Conspiração Comunista.”
O fim da II Guerra Mundial vinha encontrar as vozes dos cruzados
antibolcheviques não menos estridentes do que depois de 1918, mas muito
menos poderosa a sua influência sôbre os povos americanos e outros que
tinham aprendido muito desde a morte de Woodrow Wilson.
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Editora Brasiliense Ltda.-Sào Paulo


MICHAEL S A Y E E S e ALBERT E. KAHN

A GRANDE
CONSPIRAÇÃO
A GUERRA SECRETA
CONTRA
A RUSSIA S O V I É T I C A

6. a EDIÇÃO

EDITÔRA BRASILIENSE
SÃO PAULO
1959
Nenhum incidente ou diálogo dêste
livro foi inventado pelos autores. O
material foi colhido de várias fontes de
documentação que vêm indicadas no
texto ou mencionadas no fim, entre as
Notas Bibliográficas.
ÍNDICE 449

LIVRO IV
DE MUNIQUE A SÃO FRANCISCO
XXII — A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL 349
I. Munique — 2. II Guerra Mundial
•1
s

L I V R O IV
î

DE MUNIQUE A
SÃO F R A N C I S C O
CAPITULO xxn

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

1. Munique
"A década fatídica de 1931-1941", declarou o Departa-
mento de Estado dos E.U.A. em sua publicação oficial Paz
e Guerra: Política Exterior dos E.U.A., "começou c acabou
com atos de violência pelo Japão. Foi assinalada pelo impie-
doso desenvolvimento de uma política calculada de domina-
ção mundial por parte do Japão, da Alemanha e da Itália."
A II Guerra Mundial começou em 1931 com a invasão
japonêsa da Manchúria, sob o pretexto de salvar a Ásia
do comunismo. Dois anos mais tarde, Hitler derribou a Re-
pública Alemã, sob o pretexto de salvar a Alemanha do co-
munismo. Em 1935 a Itália invadiu a Etiópia para salvá-la
do "bolchevismo e da barbárie." Em 1936 Hitler remilitarizou
a Renânia; a Alemanha e o Japão assinaram um pacto anti-
-Comintern; e tropas alemãs e italianas invadiram a Espanha
sob o pretexto de salvá-la do comunismo.
Em 1937 a Itália aliou-se à Alemanha e ao Japão no
seu pacto anti-Comintern; o Japão atacou novamente a China,
tomando Peipim, Tientsin e Xangai. No ano seguinte, a Ale-
manha tomou a Áustria. O Eixo Roma-Berlim-Tóquio se estru-
turou, disposto a "salvar o mundo do comunismo..."
Dirigindo-se à Assembléia da Liga das Nações em se-
tembro de 1937, o comissário do Exterior soviético, Maxim Lit-
vinov disse:
"Sabemos de três estados que nos últimos anos
atacaram outros estados. Com todas as diferenças de
regimes, ideologias, níveis cultural e material da^ víti-
mas do ataque, todos os três justificaram a sua agres-
350 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

são com um só e mesmo motivo — a luta contra o


comunismo. Os governos dêsses estados pensam ingê-
nuamente, ou pretendem pensar que é suficiente êles
arvorarem a palavra "anticomunismo", para que tôdas
as suas felonias e crimes internacionais sejam esque-
cidos!"

Sob a máscara do pacto anti-Comintern, a Alemanha, o


Japão e a Itália marchavam para a conquista e escravização
da Europa e da Ásia.
Duas alternativas possíveis se apresentavam ao mundo:
unidade de tôdas as nações opostas à agressão nazista, fas-
cista e japonêsa e suspensão da ameaça de guerra do Eixo
antes que fôsse muito tarde; ou desunião, rendição covarde
à agressão, e a inevitável vitória fascista. Os ministros de propa-
ganda do Eixo, os agentes de Leon Trotsky, os reacionários
franceses, britânicos e americanos, estacam todos combinados
na campanha fascista internacional contra a segurança coletiva.
A possibilidade de unidade contra a agressão foi atacada como
"propaganda comunista" ridicularizada como sonho utópico;
atacada como incitamento à guerra. No seu lugar, foi apresen-
tada a política de apaziguamento, o projeto de transformar
a guerra inevitável num assalto unido contra a Rússia Sovié-
tica. A Alemanha nazista bateu-se quanto pôde por essa po-
lítica.
O primeiro-ministro britânico, Neville Chamberlain, o he-
rói do apaziguamento, disse que a segurança coletiva divi-
diria a Europa em "dois campos armados." O jornal nazista
Nachtausgábe, declarou em fevereiro de 1938:
"Sabemos que o primeiro-ministro inglês, como nós,
considera a segurança coletiva como uma loucura."

Falando em Manchester, aos 10 de maio de 1938, Winston


Churchill replicou:
"Dizem-nos que dividiríamos a Europa em dois
campos armados. Então deverá haver um só campo ar-
mado? — o campo armado de um ditador e a cana-
lha dos povos vizinhos, errando em derredor dos seus
limites, ansiosos por saberem quem vai ser abocanhado
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 351

primeiro, quem vai ser subjugado ou meramente ex-


plorado?"
ChurcMll foi denominado "propagandista da guerra..."
Em setembro de 1938 a política de apaziguamento atingiu
o seu ápice. O govêrno da" Alemanha nazista, da Itália fas-
cista e da Grã-Bretanha e França assinaram o Pacto de Munique
— a Santa Aliança anti-soviética com que a reação vinha
sonhando desde 1918.
O Pacto deixou a Rússia Soviética sem aliados. O Tra-
tado. Franco-Soviético, pedra angular da segurança coletiva eu-
ropéia, estava sem efeito. Os suaetos tchecos passaram a fazer
parte da° Alemanha nazista. As portas de Leste estavam es-
cancaradas diante da Wehrmacht (81.)
"O Pacto de Munique", escreveu Walter Duranty no Krem-
lin e o Povo, "parecia assinalar a maior humilhação que a
União Soviética sofreia desde o Tratado de Brest-Litovsk."

(81) Aos 24 do setembro de 1938, com os nazistas locomoven-


do-se sôbre a Tcheco-Eslováquia, o artigo de fundo do Sociálist Appeal,
órgão trotskista de Nova Iorque, declarava: "A Tcheco-Eslováquia é um
dos mais monstruosos abortos produzidos pelos trabalhos da infame con-
ferência de Versalhes... A democracia da Tcheco-Eslováquia não tem
passado de um miserável disfarce da exploração dos capitalistas, mais
avançados... Essa perspectiva necessàriamente vincula a mais firme
oposição revolucionária ao estado burguês tcheco, em tôda e qualquer
circunstância."
Debaixo de semelhantes slogans pseudo-revolucionários. os trots-
kistas da Europa e da América empennaram-se numa incessante cam-
panha contra a defesa das nações pequenas ante a agressão nazista e
contra a segurança coletiva. Quando a Abissínia, a Espanha, a China do
Norte e Central, a Áustria e a Tcheco-Eslováquia foram invadidas uma
após outra pela Alemanha, Itália e Japão, os membros da IV Interna-
cional de Trotsky espalharam por todo o mundo que a segurança cole-
tiva era um "estímulo à guerra." Trotsky afirmava que a defesa do
Estado nacional" era realmente "uma tarefa reacionária." No seu pan-
fleto A Quarta Internacional e a Guerra, que foi utilizado como base
de propaganda pelos trotskistas em sua luta contra a segurança cole-
tiva, Trotsky escrevera: "A defesa do Estado nacional, antes de tudo
na Europa balcanizada — é no mais pleno sentido da palavra uma
tarefa reacionária. O Estado nacional com os seus limites, passaportes,
moedas, costumes e exército para proteção dos costumes, tornou-se um
temível empecilho ao desenvolvimento econômico e cultural da humani-
dade. Não é a defesa do Estado nacional a tarefa do proletariado,
mas a sua destruição final."
352 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

O mundo esperava a guerra nazi-soviética.


De volta à Inglaterra, agitando na mão um pedaço de
papel com a assinatura de Hitler, Neville Chamberlain ex-
clamou:
"Isto quer dizer paz para os nossos dias!"

Vinte anos antes o espião britânico Capitão Sidney Geor-


ge Reilly exclamara: "Custe o que custar, é preciso esmagar
essa imunda obscenidade que nasceu na Rússia. Paz com a
Alemanha! Sim, paz com todo o mundo! Paz, paz a qual-
quer custo — e depois, uma frente única contra os inimigos
da humanidade!"
Aos 11 de junho de 1938, Sir Arnold Wilson, defensor
de Chamberlain na Câmara dos Comuns, declarou:
"A unidade é essencial e o perigo real. para o
mundo de hoje não vem da Alemanha ou da Itália...
mas da Rússia."

Os companheiros e simpatizantes de Trotsky na Europa e na Amé-


rica conduziram uma luta cerrada contra a Frente Popular na França,
contra o governo republicano espanhol e outros movimentos populares
patrióticos e antifascistas que tentavam realizar a unidade nacional em
seus próprios países e chegar a tratados de segurança coletiva cofn a
União Soviética. A propaganda trotskista declarou que êsses movimen-
tos envolveriam os seus países na guerra. "A versão stalinista da
Frente Única — declarou C. L. James, líder trotskista britânico — não ê
unidade para a ação, mas unidade para conduzir todos os trabalhadores
numa guerra imperialista".
O próprio Trotsky incessantemente "admoestava" contra os "peri-
gos" envolvidos na derrota do Eixo para as nações não-agressoras.
Uma vitória da França, da Grã-Bretanha e da União Soviética...
contra a Alemanha e o Japão — declarou Trotsky nas audiências do
México em abril de 1937 — significaria, primeiramente, transformação
da União Soviética bum estado burguês e a transformação da França
num estado fascista, porque para uma vitória contra Hitler é necessá-
rio possuir uma monstruosa máquina militar... Uma vitória pode sig-
nificar a destruição do fascismo na Alemanha e o estabelecimento do
fascismo na França."
Nesse sentido Trotsky e seus co-propagandistas trabalhavam de
mãos dadas com os apazigualores e com os ministros de Propaganda
do Eixo para persuadir o povo da Europa de que a segurança coletiva
era pura traficância guerreira e de que as agências empenhadas nisso
eram instrumentos de "Stálin."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 353

Mas as primeiras vítimas do pacto anti-soviético de Mu-


nique não foram os povos soviéticos. As primeiras vítimas fo-
ram os povos democráticos da Europa. Ainda uma vez, a fa-
chada anti-soviética escondia uma traição à democracia.
Em fevereiro de 1939, os governos britânico e francês
reconheceram a ditadura fascista do Generalíssimo Franco co-
mo o govêrno legítimo da Espanha. Nos últimos dias de
março, depois de dois anos e meio de luta épica e agônica
contra as hordas esmagadoras, a Espanha Republicana tor-
nou-se uma província fascista.
Aos 15 de março, a Tcheco-Eslováquia deixou de ser um
estado independente. As divisões Panzer nazistas rolaram sô-
bre Praga. As fábricas de munições Skoda e vinte e três ou-
tras fábricas de armamentos, compreendendo uma indústria
bélica três vêzes maior do que a da Itália fascista, tornou-se pro-
priedade de Hitler. O General fascista Jan Sirovy, antes líder
dos exércitos intervencionistas tchecos contra a Sibéria Sovié-
tica, entregara ao alto comando alemão os arsenais, os depó-
sitos/ mil aviões e todo o equipamento militar de primeira
qualidade do exército da Tcheco-Eslováquia.
Aos 20 de março, a Lituânia entregou à Alemanha o
seu único pôrto, Memel. Numa sexta-feira santa, na manhã
de 7 de abril, Mussolini cruzou o Adriático e invadiu a Al-
bânia. Cinco dias depois, o Rei Vítor Emanuel recebia a
coroa da Albânia.
De Moscou, mesmo quando Hitler avançava sôbre a Tche-
co-Eslovaquia, Stálin advertia que os políticos do apaziguamen-
to da Inglaterra e da França levariam os seus países ao desas-
tre. Stálin falou em Moscou aos 10 de março de 1939, pe-
rante o XVIII Congresso do Partido Comunista da União So-
viética.
A guerra não declarada, disse Stálin, com que as po-
tências do Eixo já estavam devastando a Europa e a Ásia,
sob a máscara de pacto anti-Comintern, não se dirigia única-
mente contra a Rússia Soviética mas também, e de fato, pri-
màriamente, contra os interêsses da Inglaterra, França e Es-
tados Unidos.
"A guerra está sendo feita", disse Stálin, "por estados agres-
sores que ém qualquer hipótese contrariarão os interêssès dos
354 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

não-agressores, principalmente os da Inglaterra, França e Es-


tados Unidos, enquanto que êstes recuam e batem em reti-
rada, fazendo concessão sobre concessão aos agressores... sem
a menor tentativa de resistência e mesmo com certa ponta
de conivência. Inacreditável, mas é verdade."
Os políticos reacionários nas democracias ocidentais, par-
ticularmente na Inglaterra e França, disse Stálin, rejeitaram
a política de segurança coletiva. Ao invés de sonharem eles com
uma coalizão anti-soviética camuflada com frases diplomáticas
tais como "apaziguamento" e "não intervenção." Mas a sua
política, disse Stálin, já fôra superada. Stálin acrescentava:
" . . . certos políticos e jornalistas europeus e americanos, per-
dendo a paciência de esperar pela marcha contra a Ucrânia
Soviética, já começaram a descobrir o que havia realmente
por detrás da política da não-intervenção. Estão dizendo aber-
tamente, pondo o prêto no branco, que os alemães 'os desa-

S ontaram cruelmente, pois em vez de marcharem contra a


r
nião Soviética, voltaram-se contra o Oeste, pedindo colônias,
já se vê. Alguém podia pensar que os distritos da Tcheco-Eslo-
váquia foram concedidos à Alemanha como preço de uma
guerra contra a União Soviética, no entanto agora os alemães
se recusam a cumprir a sua palavra...
"Longe de mim", disse Stálin, "moralizar em matéria de
política de não-intervenção, falar de traição, crueldade e coi-
sas assim. Seria ingênuo pregar moral a povos que não reco-
nhecem nenhuma moralidade humana. Política e política, co-
mo dizem os velhos e obstinados diplomatas burgueses. É
preciso notar, entretanto, que a grande e perigosa partida
política iniciada pelos defensores da política de não-interven-
ção pode terminar num sério fiasco para êles."
A União Soviética ainda esperava a cooperação inter-
nacional contra os agressores e uma política realista de segu-
rança coletiva. Mas, esclareceu Stálin, essa cooperação tinha
de ser genuína e sincera. O Exército Vermelho não pre-
tendia ser a mão do gato para os políticos apaziguadores da
Inglaterra e da França. Finalmente, na pior das hipóteses,
o Exército Vermelho estava confiante na sua própria fôrça
e na lealdade e unidade do povo soviético. Como Stálin de-
clarou:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 355

" . . . no caso de uma guerra, a frente e a reta-


guarda de nosso exército... serão mais fortes do que
as de qualquer outro país, fato de que devem recor-
dar-se as pessoas que gostam de conflitos militares."

Mas a dura e significativa admoestação de Stálin foi


ignorada.
Em abril de 1939, 87% da opinião pública britânica mani-
festaram-se em favor de uma aliança anglo-soviética contra
a Alemanha nazista. Churchill encarava a aproximação anglo-
-soviética como "questão de vida ou de morte." Numa alo-
cução aos 27 de maio, Churchill declarou cruamente:
"Se o governo de Sua Majestade, tendo negligen-
ciado nossas defesas, tendo entregado a Tcheco-Eslová-
quia com tudo o que a Tcheco-Eslováquia significa de
potencial militar, tendo-nos confiado a defesa da Polô-
nia e Rumânia, agora rejeita o indispensável auxílio
da Rússia, conduzindo-nos assim pelo pior dos cami-
nhos à pior das guerras, êsse govêrno desserve à gene-
rosidade com que foi tratado pelos seus concidadãos."

Aos 29 de julho David Lloyd George apoiou os apelos


de Churchill com estas palavras:
"Mr. Chamberlain negociou diretamente com Hi-
tler. Foi à Alemanha para vô-lo. Êlo o Lorde Hali-
fax visitaram Roma. Foram a Roma, beberam à saúde
de Mussolini e disseram-lho pessoalmente quanto o ad-
miravam. Mas que enviaram à Rússia? Não mandaram
nem mesmo o último ministro do Gabinete... Man-
daram apenas um funcionário do Ministério do Exte-
rior. Isso é um insulto. Êles não têm o senso da pro-
porção nem da gravidade da situação geral, quando
o mundo se agita à boira de um grande precipício..."

As vozes do povo britânico e de estadistas britânicos como


Churchill e Lloyd George não foram ouvidas. "Umâ sólida
356 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

e rápida aliança com a Rússia", observou o Times de Londres,


"embaraçaria as nossas negociações..." (82.)
Pelo verão de 1939, quando as coisas se precipitaram e
a guerra na Europa chamejava mais perto, William Strang,
oficial subalterno do Ministério do Exterior que Chamberlain
enviara a Moscou, era o único representante britânico empe-
nhado em negociações diretas com o govêrno soviético. A pres-
são pública forçou Chamberlain a tomar outros rumos nas ne-
gociações com a Rússia. Aos 11 de agôsto, uma missão militar
britânica chegou a Moscou para entendimentos conjuntos dos
estados-maiores. A missão britânica viajara de Londres numa
embarcação de 13 nós, o meio mais lento possível de trans-
porte. Quando a missão chegou, os russos verificaram que ela
não tinha mais autoridade do que Strang para assinar qual-
quer acôrdo que fôsse com o govêrno soviético.
A Rússia Soviética tinha de ficar isolada e sõzinha em
face de uma Alemanha nazista, apoiada, se não ativa, passi-
vamente ao menos, pelos governos europeus de mentalidade
muniquista.
Joseph E. Davies descreveu posteriormente a escolha que
o govêrno soviético foi forçado a fazer. Escrevendo ao con-
sultor do Presidente Roosevelt, Harry Hopkins, antigo embai-
xador na União Soviética, êle declarou aos 18 de julho de'1941:

(82) No dia em que o exército nazista entrou em Praga, uma


delegação da Federação das Indústrias Britânicas estava em Duessel-
dorf elaborando 'os detalhes finais de um acôrdo compreensivo com
os grandes capitais alemães.
Em julho a imprensa britânica publicou a sensacional revelação
de que Robert S. Hudson, secretário parlamentar na Direção do Co-
mércio, estivera com o Dr. Helmuth Wohlthat, • consultor econômico de
Hitler, para discutir a possibilidade de um empréstimo britânico de
51 milhões de libras à Alemanha nazista.
Nem todos os grandes capitalistas britânicos simpatizavam com a
política de apaziguamento com os nazistas. Aos 8 de junho o banqueiro
e magnata do carvão Lorde Davies declarou na Câmara dos Lordes:
"O govêrno russo sabe perfeitamente que em certos círculos de nosso
ais se oculta a esperança de que as Águias Germânicas voem em
ireção a leste, e não a oeste, como parece que deveriam voar no
tempo em que Hitler escreveu o Mein Kampf..Com respeito às
negociações ae Chamberlain com o govêrno soviético, disse Lorde Da-
vies: "Às vezes eu fico pensando, como agora, se o Gabinete está
falando sério ou se essas negociações não são mais tuna escamoteação
da opinião pública."
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 357

"De minhas observações e contactos, desde- 1936,


eu acredito que exceto o presidente dos E.U.A.,
nenhum governo no mundo viu mais claramente a amea-
ça de Hitler à paz e a necessidade de alianças para
segurança coletiva entre as nações não-agressoras, do
que o govêrno soviético. Êle estêve disposto a lutar
pela Tcneco-Eslováquia. Cancelou o seu pacto de não- "
-agressão com a Polônia antes de Munique porque êle
queria limpar o caminho para a passagem de suas
tropas pela Polônia para ir cm auxílio da Tcheco-Eslo-
váquia, se necessário fôsse, para cumprir com as suas
obrigações contratuais. Mesmo depois de Munique e
mais tarde na primavera de. 1939 o govêrno soviético
" concordou em aliar-se com a Grã-Bretarilm e a França
se a Alemanha atacasse a Polônia ou a Rumânia, ur-

f indo, porém, uma conferência internacional dos esta-


os não-agressores para determinar objetiva e realisti-
camente o que cada um poderia fazer c assim infor-
mar sôbre a resistência conjugada contra Hitler...
Chamberlain recusou essa sugestão, em vista da obje-
ção da Polônia e da Rumânia contra a inclusão da
Rússia...
Durante tôda a primavera de 1939 os Sovietes
tentaram levar a cabo um acôrdo definitivo para uni-
dade de ação e coordenação de planos militares des-
tinados a deter Hitler.
A Grã-Bretanha recusou-se a dar à Rússia, com
referência aos estados bálticos, as mesmas garantias
de proteção que a Rússia dava à França e à Grã-
-Bretanha no caso de uma agressão contra a Bélgica
ou a Holanda. Os Sovietes convenceram-se, e com ra-
zão, de que nenhum acôrdo geral efetivo, direto e
prático, poderia ser feito com a França e a Grã-Bre-
tanha. Foram levados a um pacto de não-agressão
com Hitler."

Vinte anos depois de Brest-Litovsk, os políticos anti-so-


viéticos da Europa tinham forçado outra vez a Rússia a um
tratado não desejado de autodefesa com a Alemanha.
Aos 24 de agosto de 1939, a União Soviética assjnou um
pacto de não-agressão com a Alemanha nazista.
358 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN
*

2. II Guerra Mundial
No dia l.° de setembro de 1939, as divisões mecani-
zadas nazistas invadiram a Polônia em sete pontos. Dois dias
depois, a Grã-Bretanha e a França declararam guerra contra
a Alemanha. Dentro de duas semanas, o regime polonês, que
sob a influência da "clique dos coronéis" anti-soviéticos se
aliara com o nazismo, recusara o auxílio soviético e se opusera
à segurança coletiva, caiu em pedaços, e os nazistas estavam
limpando os remanescentes dispersos de seu aliado de há pouco.
Aos 17 de setembro, quando as colunas nazistas atraves-
saram a Polônia e o govêrno polonês fugiu em pânico, o
Exército Vermelho cruzou a fronteira oriental polonesa de
anteguerra e ocupou a Bielo-Rússia, a Ucrânia ocidental e a
Galícia antes de serem atingidás pelas Panzer alemãs. Mar-
chando ràpidamente rumo ao oeste, o Exército Vermelho ocupou
o território que a Polônia anexara da Rússia em 1920.
"Era evidentemente necessário què os exércitos russos es-
tacionassem nessa linha para assegurarem a defesa da Rússia
contra a ameaça nazista"... declarou Winston Churchill numa
rádioemissão de 1.° de outubro. 'Toi criado um front orien-
tal que a Alemanha nazista não se atreverá a assaltar. Quando
Herr von Ribbentrop foi convocado a Moscou na semana pas-
sada êle devia saber do fato, e aceitar a realidade que era
esta: os desígnios nazistas nos Estados Bálticos e na Ucrânia
tinham chegado a ponto-morto."
O avanço do Exército Vermelho para o oeste era o pri-
meiro de uma série de movimentos da União Soviética des-
tinados a contrabalançar a expansão nazista e fortalecer as
defesas soviéticas em preparativos para "o embate inevitável
contra o III Reich.
Durante a última semana de setembro e nos primeiros
dias de outubro, o govêrno soviético assinou pactos de as-
sistência mútua com a Estônia, Latvia e Lituânia. Êsses acôr-
dos especificavam que seriam estabelecidas guarnições do Exér-
cito Vermelho e bases navais e aeroportos soviéticos nos Es-
tados Bálticos.
Começou imediatamente uma deportação em massa de
quinta-coluna nazista na área báltica. Dentro de poucos dias
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 359

50.000 alemães foram deportados da Lituânia, 53.000 de Lat-


via e 12.000 da Estônia. Da noite para o dia, as quinta-
-colunas bálticas tão laboriosamente construídas por Alfredo
Rosenberg sofreram um golpe devastador, e o alto comando
alemão perdeu algumas* de suas bases mais estratégicas para
o planejado ataque contra a União Soviética.
Mas no norte, a Finjândia continuava sendo um aliado
militar potencial do III Reich. Existia a mais íntima afini-
dade entre os altos comandos alemão e finlandês. O líder
militar finlandês Barão Karl Gustav von Mannerheim, estava
em íntimas comunicações com o alto comando alemão. Havia
freqüentes conferências conjuntas dos ostados-maiores, e ofi-
ciais alemães periòdicarnente supervisionavam manobras mili-
tares finlandesas. O chefe do estado-maior finlandês, General
Karl Gesch, recebera o seu treino militar na Alemanha, como
também o seu principal ajudante, o General Hugo Oeslermann,
que servira no Exército alemão durante a 1 Guerra Mundial.
Em 1939, o govêrno do III Reich conferiu ao General Oesch
uma de suas mais altas condecorações...
• As relações políticas entre a Finlândia e a Alemanha na-
zista eram estreitas também. O primeiro-ministro socialista Risto
Ryti considerava Hitler como um "gênio"; Per Svinhufrud,
rico germanófilo que tinha sido agraciado com a Cruz de
Ferro alemã, foi a mais poderosa figura de fundo na polí-
tica finlandesa.
Com o auxílio de oficiais e engenheiros alemães, a Fin-
lândia convertera-se numa poderosa fortaleza para servir de
base para a invasão da União Soviética. Trinta e três aero-
portos militares tinham sido edificados no solo finlandês, ca-

E azes de acomodar dez vêzes mais aviões do que os que


avia na Fôrça Aérea Finlandesa. Os técnicos nazistas super-
visionavam a construção da Linha Mannerheim, uma série de
fortificações intrincadas, esplêndidamente equipadas, que per-
corriam milhas ao longo da fronteira soviética com artilharia
pesada num ponto a 21 milhas apenas de Leningrado. Di-
ferente da Linha Maginot, a Linha Mannerheim aestinara-se
não só a objetivos defensivos, mas também a guarnecer uma
fôrça ofensiva maior. Quando a Linha Mannerheim se apro-
ximava do seu têrmo no verão de 1939, o chefe do estado-
-maior de Hitler, General Halder, chegou da Alemanha e fêz
uma inspeção final nas fortificações maciças... .
360 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Durante a primeira semana de outubro de 1939, en-


quanto ainda negociava os seus novos tratados com os Esta-
dos Bálticos, o govêrno soviético propôs um pacto de assis-
tência mútua com a Finlândia. Moscou prontificou-se a ce-
der vários milhares de milhas quadradas do território soviético
na Karélia central em troca de algumas ilhas finlandesas es-
tratégicas perto de Leningrado, uma porção do Istmo da Ka-
rélia e um arrendamento por 30 anos do pôrto de Hango
para a construção de uma base naval soviética. Os líderes
soviéticos consideravam êsses territórios essenciais à defesa da
base naval vermelha de Kronstadt e da cidade de Leningrado.
As negociações entre a União Soviética e a Finlândia
arrastaram-se até meados de novembro sem resultado. A fim
de conseguir algum acôrdo, o govêrno soviético comprome-
teu-se consideràvelmente. "Stálin procurou convencer-me de
que tanto a sabedoria dos finlandeses como os interêsses so-
viéticos estavam em jôgo", declarou o negociador finlandês,
Juho Passikivi, de volta a Helsinque. Mas a clique pró-nazi
que dominava o govêrno finlandês se -recusou a fazer con-
cessões e rompeu as negociações.
Pelos fins de novembro, a União Soviética e a Finlândia
entraram em guerra. "A nação finlandesa", declarou o govêrno
finlandês, está lutando pela sua independência, liberdade e
honra... Como pôsto avançado da civilização ocidental, nos-
sa nação tem o direito de esperar auxílio de outras nações
civilizadas."
Os elementos anti-soviéticos na Inglaterra e na França
acreditavam que' chegara a guerra santa há tanto tempo es-
perada. A guerra estranhamente inativa no oeste contra a
Alemanha nazista era uma "guerra ilegítima." A guerra real
era a de leste. Na Inglaterra, França e Estados Unidos, co-
meçou uma intensa campanha anti-soviética sob a bandeira de
"Auxílio à Finlândia."
O primeiro-ministro Chamberlain, que havia pouco declara-
ra que o seu país não tinha armamento adequado para lutar
contra os nazistas, ràpidamente providenciou a remessa à Fin-
lândia de 144 aeroplanos britânicos, 114 metralhadoras pesa-
das, 185.000 bombas, 50.000 granadas, 15.700 bombas aéreas,
100.000 sobretudos e 48 ambulâncias. Numa época em que
a França necessitava desesperadamente de equipamento mili-
tar para o seu exército, a fim de deter a inevitável ofensiva
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 361

nazista, o governo francês remeteu ao Exército finlandês 179


aviões, 472 metralhadoras, 975.000 bombas, 5.100 fuzis e 200.000
granadas de mão.
Enquanto a calmaria ^ continuava no front Ocidental, o
alto comando britânico, ainda dominado por militaristas an-
ti-soviéticos como o General Ironside, planejava enviar 100.000
soldados através da Escandinávia, para a Finlândia, e o alto
comando francês fazia preparativos para um ataque simultâ-
neo contra o Cáucaso, sob o comando do General Weygand,
que declarou abertamente que bombardeiros franceses no Ori-
ente Próximo estavam prontos para atacar os campos petro-
líferos de Bacu.
Dia após dia os jornais britânicos, franceses e america-
nos estampavam ruidosas vitórias finlandesas e catastróficas
derrotas soviéticas. Mas depois de três meses de luta num
terreno extraordinàriamente difícil e sob condições atmosféri-
cas incrivelmente ásperas, numa temperatura que caía fre-
qüentemente a 60 e 70 graus abaixo de zero, o Exército Ver-
melho abatera a "inexpugnável" Linha Mannerheim e derro-
tara o Exército finlandês (83.)
As hostilidades entre a Finlândia e a União Soviética aca-
baram aos 13 de março de 1940. Conforme os têrmos de paz,
a Finlândia cedia à Rússia o Istmo Kareliano, o litoral oci-
dental e norte do Lago Ládoga, algumas ilhas estratégicas no
Gôlfo da Finlândia essenciais à defesa de Leningrado. O go-
vêrno soviético restaurou o pôrto de Petsamo, que tinha sido
ocupado pela Marinha Vermelha e arrendou por 30 anos a
península de Hango pagando a importância anual de 8.000.000
de marcos finlandeses. Dirigindo-se ao Supremo Soviete da
URSS aos 29 de março, Molotov declarou:
"A União Soviética, tendo derrotado o Exército fin-
landês e com oportunidade de ocupar tôda a Finlândia,
não o fêz e não pediu indenizações pelos seus gastos
de guerra, como qualquer outra potencia teria feito,
mas confinou ao mínimo os seus desejos... No tratado

(83) Em junho de 1940 o Instituto para Análise de Propaganda


em Nova Iorque relatou: "A imprensa americana disse menos verdade
e mais ridículas invencionices acêrca da guerra finlandesa do que sôbro
qualquer outro conflito recente." •
362 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

de paz não tivemos outros objetivos senão salvaguar-


dar a segurança de Leningrado, Murmansk e a ferro-
via de Murmansk..

A guerra não declarada da Alemanha nazista contra a


Rússia Soviética prosseguia . . .
No dia em que cessaram as hostilidades fino-soviéticas,
o General Mannerheim declarou em proclamação ao Exército
finlandês que "a missão sagrada do exército era a de cons-
tituir-se num pôsto avançado da civilização ocidental a leste."
Logo depois o govêrno finlandês começou a construir novas
fortificações ao longo das fronteiras revistas. Técnicos nazistas
vieram da Alemanha para supervisionar o trabalho. Grandes
pedidos de armamentos foram feitos à Suécia e à Alemanha.
Tropas alemãs começaram a chegar em número considerável
à Finlândia. Os comandos finlandês e alemão estabeleceram
quartéis-generais conjuntos e faziam manobras militares conju-
gadas. Bandos de agentes nazistas 'inundaram a embaixada
alemã em Helsinque e os onze consulados em todo o país.
A calmaria no oeste terminou súbitamente no inverno de
1940. Aos 9 de abril, soldados alemães invadiram a Dinamarca
e a Noruega. A Dinamarca foi ocupada num só dia, sem re-
sistência. Pelo fim do mês os nazistas tinham esmagado a
resistência norueguesa organizada e as tropas britânicas, envia-
das em socorro dos noruegueses, estavam abandonando as suas
poucas e precárias bases. Estabeleceu-se em Oslo um regime
títere nazista sob a direção do Major Vidkun Quisling.
Aos 10 de maio, Chamberlain apresentou a sua demissão
como primeiro-ministro, depois de ter conduzido o seu país
à situação talvez mais desesperadora de tôda a sua longa
história. No mesmo dia, quando o rei pediu a Winston Chur-
chill que formasse um novo gabinete, o Exército alemão in-
vadiu a Holanda, a Bélgica e o Luxemburgo. Aos 21 de
maio, os alemães tinham varrido do seu caminho tôda a tê-
nue oposição, alcançando o Canal da Mancha, isolando os-
aliados em Flandres.
O pânico percorreu a França tôda. Por tôda parte, a
quinta-coluna estava em ação. Tropas francesas eram aban-
donadas pelos seus oficiais. Divisões inteiras viram-se sem su-
primentos militares. Paul Reynaud comunicou ao Senado fran-
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 363

cês que os chefes do Exército francês tinham cometido "erros


incríveis." Denunciou os "traidores, derrotistas e os covardes."
Inúmeros oficiais franceses altamente colocados foram súbita-
mente presos. Mas as prisões vieram muito tarde. A quinta-
-coluna já estava controlando a França.
O antigo ministro francês da Aviação, Pierre Cot, escre-
veu mais tarde em Triunfo àa Traição;

" . , . Os fascistas dominavam largamente o país e


o Exército. A agitação anticomunista era uma cortina
de fumaça atrás da qual se preparava a grande cons-
piração política que paralisaria a França e facilitaria
o trabalho de Hitler... Os instrumentos mais eficien-
tes da quinta-coluna foram Weygand, Pétain e Lavai.
No Conselho de Ministros reunido em Cangé perto
de Tours, aos 12 de junho de 1940, o General Wey-
gand urgiu o govêrno a terminar a guerra. Seu prin-
cipal argumento era o de uma revolução comunista
que tinha irrompido em Paris. Ele afirmou que Mau-
rice Thorez, secretário-geral do Partido Comunista, já
se instalara no Palácio Presidencial. Georges Mandel,
ministro do Interior, telefonou imediatamente ao chefe
de polícia de Paris, que negou as afirmações de Wey-
gand; não havia distúrbios na cidade, a população es-
tava calma . . . Logo que tomaram o poder no meio da
confusão do colapso, Pétain e Weygand, com o au-
xílio de Lavai e Darlan, apressaram-se em suprimir
todas as liberdades políticas, taparam a bôca do povo
e estabeleceram um regime fascista."

A cada instante, a confusão aumentava e a áébacle se


aprofundava, enquanto os soldados franceses lutavam deses-
perados e desalentados. O mundo assistia à traição de uma
nação em escala jamais testemunhada...
De 29 de maio a 4 de junho, o Exército britânico eva-
cuou os seus soldados de Dunquerque, salvando heròicfimente
335.000 homens.
364 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Aos 10 de junho, a Itália fascista declarou guerra à França


e à Inglaterra.
Aos 14 de junho, Paris caiu, e Pétain, Weygand, Lavai
e o trotskista Doriot tornaram-se os chefes títeres nazistas da
França.
Aos 22 de junho, foi assinado um armistício entre a Ale-
manha e a França na Floresta de Compiègne, no mesmo va-
gão em que o Marechal Foch ditara os têrmos de rendição
aos alemães derrotados havia 22 anos.
Quando a França caiu, o Exército Vermelho movimen-
tou-se ràpidamente para fortalecer as defesas da União So-
viética. No meado de junho, antecipando um Putsch nazista
iminente nos Estados Bálticos, as divisões blindadas soviéticas
ocuparam a Estônia, Latvia e Lituânia. Aos 27 de junho, o
Exército Vermelho entrou na Bessarábia e Bukovina do Norte,
que a Rumânia tinha arrebatado dos russos antes da revolução.
Agora a União Soviética e a Alemanha nazista iam en-
frentar-se em suas futuras linhas de combate.
Pelos fins de julho, os nazistas lançaram reides aéreos em
massa sôbre Londres e outras cidades inglêsas, deitando tone-
ladas de explosivos sôbre a população civil. Os reides, que
cresceram em ferocidade no mês seguinte, destinavam-se a
aterrorizar a nação inteira, e levar a Inglaterra já debilitada
a humilhar-se ante os nazistas.
Mas com Churchill como primeiro-ministro, profundas mu-
danças estavam-se operando dentro da Grã-Bretanha. A con-
fusão e divisão que resultara do govêrno" de Chamberlain dera
ensejo à crescente disposição e unidade nacional. Para além
do estreito canal os inglêses viram os trabalhos da quinta-
-coluna. O govêrno de Churchill agiu rápida e resolutamente.
A Scotland Yard e o S. S. britânico abateram agentes na-
zistas, fascistas britânicos e líderes das intrigas secretas da
quinta-coluna. Numa súbita batida nos quartéis-generais da
União Britânica dos Fascistas em Londres, as autoridades se
apoderaram de importantes documentos e prenderam muitos
quinta-colunistas. O líder do Partido Fascista Britânico. Sir
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 365

Oswald Mosley, foi prêso no seu próprio apartamento. Segui-


ram-se mais prisões sensacionais. John Beckett, antigo mem-
bro do Parlamento e fundador do Partido Popular pró-nazi;
o Capitão A. H. Ramsay, membro tory do Parlamento; Ed-
ward Dudley Elan, oficial do Ministério de Saúde, sua es-
pôsa Dacre Fox e outros pró-nazis e fascistas proeminentes
foram presos. Foi decretada a Lei da Traição, prevendo pena
de morte para os traidores.
Mostrando que aprendera bem a lição da França e dos
julgamentos de Moscou, o governo britânico anunciou em
julho de 1940 a prisão do Almirante Barry Domvile, antigo
diretor do S. S. naval. Domvile, amigo de Alfredo Rosenberg
e do General Max Hoffmann, envolvera-se na maior parte das
conspirações anti-soviéticas desde 1918. Na época de sua pri-
são, Domvile era o chefe de uma sociedade secreta pró-nazi
na Inglaterra, denominada O Elo, que fôra organizada com
o auxílio de Heinrich Himmler, chefe da Gestapo...
Seguro contra a traição interna, o povo britânico enfren-
tou o teste da hlitz aérea alemã sem se abater, defenden-
do-se sòzinho. Num dia apenas, 17 de setembro de 1940, a
RAF abateu nada menos do que 185 aviões germânicos sôbre
a Inglaterra.
Ante tal e tão inesperada resistência, e lembrando-se do
Exército Vermelho nas fronteiras orientais, Hitler deteVe-se no
Canal da Mancha. Não invadiu as Ilhas Britânicas...
Era o ano de 1941. Um ar de tensa expectativa pairava
sôbre a Europa tôda enquanto a Rússia Soviética e a Alemanha
nazista, as duas maiores potências militares do mundo, pre-
paravam-se para entrar em luta.
No dia 1.° de março, os alemães entraram em Sófia, e
a Bulgária tornou-se uma base nazista.
Aos 6 de abril, depois de uma revolta popular que der-
ribou o regime do Príncipe Regente Paulo da Iugoslávia e
forçou os agentes nazistas a abandonarem o país, o govêrno
soviético assinou um pacto de não-agressão com o govêrno
iugoslavo. No mesmo dia, a Alemanha nazista declarou guerra
contra a Iugoslávia e invadiu-a.
366 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Aos 5 de maio, Stálin tornou-se o 'premier da URSS (84.)


* * •

Às 4 hs. da manhã do dia 22 de junho de 1941, sem


declaração de guerra, os tanques, a fôrça aérea, a artilharia
móvel, unidades motorizadas e infantaria de Hitler arremes-
saram-se através das fronteiras da União Soviética numa frente
estupenda que se estendia desde o Báltico até ao Mar Negro.
Mais tarde, nessa mesma manhã, Goebbels irradiou a pro-
clamação de guerra de Hitler, que declarava em parte o se-
guinte:
"Povo alemão! Neste momento opera-se uma mar-
cha que, considerada na sua extensão, compara-se com
as maiores que o mundo já tenha visto até aqui. Uni-
dos com os seus camaradas finlandeses, os vitoriosos
de Narvik estão a postos no Ártico Norte. Divisões
alemãs comandadas pelo conquistador da Noruega, em
cooperação com os heróis da liberdade finlandesa, sob
o comando do seu marechal, estão protegendo o solo
finlandês. Formações da frente oriental alemã esten-
dem-se desde a Prússia Oriental até aos Cárpatos. Há
soldados alemães e rumenos unidos sob o comando do
seu chefe de Estado, Antonescu, desde os bancos do
Pruth ao longo das margens inferiores do Danúbio até
o litoral do Mar Negro. A tarefa dessa frente, no en-
tanto, • não é apenas a proteção de cada um dêsses

(84) Às 10,30 da noite de sábado, aos 10 de maio de 1941,


um avião Messerschmidt alemão caiu sôbre .Lankshire, Escócia, ater-
rando num campo perto de Dungavel Castle, propriedade do jovem
Duque de Hamilton. Um antigo empregado do duque viu a luz do
avião que caía e depois viu descer um pára-quedas silencioso e branco
como uma pena. Armado de uma forquilha, correu e deu com um
homem que jazia no solo com o tornozelo quebrado. Era Rudolph
Hess, Iugar-tenente de Hitler.
"Leve-me ao Duque de Hamilton", disse Hess, falando em inglês.
"Vim para salvar a humanidade!"
Hess esperava, por intermédio de Hamilton e seus amigos, conquis-
tar o apoio dos tories britânicos para o ataque nazista contra a Rússia
Soviética. Sir Patrick Dollam. Lorde Provost de Glasgow, Escócia,
disse aos 11 de junho de 1941: "Hess veio a q u i . . . pensando que
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 367

países, mas a salvaguarda da Europa e por conseguin-


te a salvação de todos."

A Itália, a Rumânia, a Hungria e a Finlândia aliaram-se


à guerra nazista contra a Rússia Soviética. Contingentes fas-.
cistas especiais foram recrutados na França e na Espanha.
Os exércitos unidos da Europa contra-revoluciònária lançaram
a Guerra Santa contra os Sovietes. O plano do General Max
Hoffmann estava sendo pôsto à prova...
* * *

Aos 11 de novembro de 1941, o subsecretário de Estado


americano, Summer Wells, disse num discurso em Washington:
"Faz hoje 23 anos que Woodrow Wilson se diri-
giu ao Congresso dos E.U.A. para informar aos re-
presentantes do povo americano os têrmos do armis-
tício que assinalava a vitoriosa conclusão da I Guerra
Mundial... Menos dé cinco anos depois, envolto na
mortalha de uma aparente derrota, seu corpo cansado
foi colocado no túmulo ao lado do qual nos reuni-
mos agora...
A pergunta angustiosa que todo americano deve
fazer a si mesmo no dia desta comemoração é se,
voltando o mundo a êsse passado desesperador, os
E.U.A. estão dispostos a desempenhar depois de 1919
o seu pleno papel para realizar no mundo uma nova

permaneceria na Escócia dois dias, discutiria as suas propostas de paz


com um certo grupo, abastecer-se-ia de gasolina e de um mapa a fim
de voltar à Alemanha para anunciar os resultados de sua missão."
Referindo-se à missão de Hess, em sua alocução de 6 de novembro
de 1941, Stálin declarou: "Os alemães sabiam que a sua política de
jogar com as contradições entre as classes nos estados separados e
com as contradições entre êsses estados e a União Soviética, já produ-
zira resultados na França, cujos governantes deixaram-se intimidar pelo
espectro da revolução, recusaram-se a resistir e, aterrorizados, puseram
o seu país sob o tacão de Hitler. Os estrategistas germano-fascistas
pensaram que a mesma coisa ocorreria com a Grã-Bretanha e os E.U.A.
O conhecido Hess foi enviado à Grã-Bretanha pelos fascistas germânicos
para isso, a fim de persuadir os políticos britânicos a se aliarem à cam-
panha geral contra a URSS. Mas os alemães calcularam pèssimamente.
Rudolph Hess tornou-se prisioneiro do governo. *
368 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

ordem baseada na justiça e num "estável concerto de

5a z " . . . Está para acabar um ciclo de acontecimentos


umanos... O povo americano... entrou no Vale da
Decisão.

Aos 7 de dezembro de 1941, sem aviso, aviões bombar-


deiros japonêses e navios de guerra atacaram os E.U.A. A
Alemanha nazista e a Itália fascista declararam guerra aos
E.U.A...
Aos 9 de dezembro, dirigindo-se ao povo americano, o
Presidente Roosevelt disse:
"O curso que o Japão vem seguindo nos dez anos

fjassados na Ásia é paralelo ao curso de Hitler e Musso-


ini na Europa e na África. Hoje, tornou-se mais do que
paralelo. É uma colaboração calculada de sorte que
todos os continentes do mundo, todos os oceanos, são
agora considerados pelos estrategistas do Eixo como
uma gigantesca frente de batalha.
Em 1931, o Japão invaditf a Manchucuo — sem
aviso.
Em 1935, a Itália invadiu a Etiópia — sem aviso.
Em 1938, Hitler ocupou a Áustria — sem aviso.
Em 1939, Hitler invadiu a Tcheco-Eslováquia —
sem aviso.
Mais tarde em 1939, Hitler invadiu a Polônia —
sem aviso.
Em 1940, Hitler invadiu a Noruega, Dinamarca,
Holanda, Bélgica e Luxemburgo — sem aviso.
Em 1940, a Itália atacou a França e depois a
Grécia — sem aviso.
Em 1941, Hitler invadiu a Rússia — sem aviso.
E agora o Japão atacou a Malaya e a Thailân-
dia — sem aviso.
São todos da mesma laia."

Tinham-se desafivelado as máscaras. A guerra secreta do


anti-Comintern do Eixo contra a Rússia Soviética manifesta-
ra-se como tuna guerra mundial contra todos os povos livres.
Aos 15 de dezembro de 1941, numa mensagem ao Con-
gresso, o Presidente Roosevelt declarou:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 369

"Em 1936 o govêrno do Japão associou-se aberta-


mente com a Alemanha, aderindo ao pacto anti-Co-
mintern. Êsse pacto, como o sabemos perfeitamente,
era nominalmente dirigido contra a União Soviética;
mas o seu intuito real era constituir uma coligação fas-
cista contra o mundo livre, particularmente contra a
Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos."

A II Guerra Mundial entrara em sua fase final decisiva,


como um conflito global entre as fôrças do fascismo interna-
cional e os exércitos unidos da humanidade progressista.
Josef Státin

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MICHAEL SAYERS e ALBERT E. KAHN

A GR ANDE
CONSPIRAÇÃO
A GUERRA SECRETA
CONTRA
A RÚSSIA S O VI É T I C A

6. a E D I Ç Ã O

EDITÔRA BRASILIENSE
SÃO PAULO
X XIV — O CASO DOS D EZESSEIS
CAPITULO XXIV

O CASO DOS DEZESSEIS

Nos derradeiros meses da- segunda guerra mundial, o prin­


cipal tema de propaganda e agitação anti-soviética na Grã-
Bretanha e nos E.U.A. foi a questão da Polônia. Quando
o Exército Vermelho se arremessou para o oeste, cruzando
as fronteiras polonesas e libertando a maior parte da Polônia
dos invasores nazistas, os tories britânicos e os isolacionistas
americanos acusaram a União Soviética de estar pondo em
perigo a “liberdade polonesa.” Durante semanas, a imprensa
de Hearst e Patterson-McCormick nos Estados Unidos apelou
|)ara uma ação anti-soviética a fim de libertar a Polônia do
‘bolchevismo.” No Congresso dos E.U.A. e no Parlamento
britânico houve discursos que denunciaram reiteradamente “os
intuitos imperialistas vermelhos na Polônia”, e acusaram o go­
verno soviético de traição aos princípios das Nações Unidas.
Grande parte dessa propaganda anti-soviética baseava-se em
declarações e material oficial fornecido pelo govêrrfo polonês
exilado em Londres e por seus representantes em Washington.
O govêrno polonês no exílio compunha-se de militaristas, in­
térpretes dos latifundiários feudais da Polônia, alguns fascistas
poloneses e alguns poucos líderes camponeses e socialistas, que
tinham encontrado abrigo na Inglaterra depois do colapso da
Polônia em 1939 (102.)

(102) O govêrno polonês exilado em Londres considerava-se o


legítimo herdeiro do regime de Pilsudsld, cuja política tradicional ba-
seara-se na oposição à Rússia Soviética. Como escreveu Raymond Leslie
Buell no seu livro: Polônia: a chave da Europa: “Pilsudski acreditava
que a Polônia devia ter um território. Por motivos históricos era mais
fácil conseguir essa base com prejuízo da Rússia do que com prejuízo
da Alemanha.” A diplomacia polonesa de anteguerra, sob a direção
do antigo funcionário do S. S. anti-soviético, Coronel Josef Beck, foi
412 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Nessa ocasião, havia dois governos poloneses. Além do


govêmo emigrado, em Londres, existia na Polônia o govêmo
polonês provisório, chamado governo de Varsóvia. O govêmo de
Varsóvia, baseado em uma aliança dos partidos antifascistas
poloneses, repudiou a Constituição fascista de Pilsudski, de
1935, ainda sustentada pelo govêmo polonês de Londres. O go­
vêmo de Varsóvia empreendeu reformas políticas e econômi-

dirigida não contra a Alemanha nazista, mas contra a Rússia Soviética.


O exército polonês, com mais larga percentagem de cavalaria do que
qualquer outro exército do mundo, foi organizado para operar nas pla­
nícies ucranianas. As indústrias polonesas concentraram-se na fronteira
alemã; as fortificações militares polonesas concentraram-se na fronteira
soviética. Desde a sua formação, a Polônia dominada por militaristas
e proprietários feudais, foi a base do cordão sanitário anti-soviético, e
o rendez-vous dos agentes internacionais que conspiravam a derrocada
do govêmo soviético. Boris Savinhov montou o seu Q. G. tía Polônia
depois de ter fugido da Rússia e, com o auxílio direto de Pilsudski,
organizou um exército branco na Polônia, composto de 30.000 homens
para serem utilizados contra a Rússia Soviética. No fim de 1920, os
conspiradores da Torgprom foram entender-se com o alto comando
polonês, a fim de obterem que a Polônia fôsse uma das bases principais
da nova guerra de intervenção que êles vinham tramando contra a
Rússia Soviética. O S. S. polonês estabeleceu estreitas relações de tra­
balho com tôdas as fôrças anti-sovíótícas, inclusive a organização sub­
terrânea trotskisla-bukharínisln. Hin 1938, o Pncto dc Munique mani­
festou claramonto o caráter nntl-sovlótlco dos chefes poloneses. Quando
os nazistas apresentaram o sou iiltimnto i\ Tclieco-Eslováquia e os tchecos
se prepararam para resistir, o govêmo polonês mobilizou o seu exército
e colocou-o diretamente como empecilho a qualquer possível assistência
da União Soviética aos tchecos. Como recompensa, Hitler permitiu que
os poloneses se apoderassem do distrito de Teschen dos tchecos, por
ocasião da partilha da Tcheco-Eslováquia. Em 1939, na véspera do ataque
nazista à Polônia, os militaristas poloneses ainda se recusavam a re­
ver a sua suicida política anti-soviética; rejeitaram um acôrdo militar
com a Rússia Soviética; e não permitiram que o Exército Vermelho
cruzasse as fronteiras polonesas para se encontrar com a Wehrmacht
nazista. As conseqüências dessa política foram desastrosas para a Po­
lônia e quase imediatamente depois da invasão nazista o govêmo po­
lonês fugiu para o exterior, levando consigo as reservas de ouro polo­
nês. A princípio na França, e posteriormente na Inglaterra, os repre­
sentantes dêsse govêmo polonês, que se constituíram como govêmo
exilado, continuaram as suas intrigas anti-soviéticas e levaram a sua
nação à ruína. Nas suas intrigas, êles foram secundados por poderosos
elementos nos círculos econômicos, políticos e religiosos internacionais,
os quais olhavam a vitória da Rússia Soviética na guerra contra a
Alemanha nazista como uma ameaça aos seus próprios interêsses.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 413

cas, abolição dos estados feudais, relações amistosas e "es­


treitas com a União Soviética.
Na conferência de Ialta, em fevereiro de 1945, Roose-
velt, Churchill e Stálin discutiram amplamente a questão do
futuro da Polônia e concordaram que o govêmo de Varsóvia
deveria “reorganizar-se em bases democráticas mais amplas,
com a inclusão de líderes da Polônia e de poloneses no ex­
terior”, devendo assim ser reconhecido como o govêmo pro­
visório legítimo do país.
O acôrdo de Ialta encontrou grande oposição da parte
dos emigrados poloneses em Londres c de seus aliados bri­
tânicos e americanos. Foi denunciado como “traição à Polô­
nia.” Mobilizou-se a intriga diplomática para impedir a con­
sumação da decisão de Ialta.
A agitação anti-soviética e a intriga em tôrno do caso
polonês atingiram o seu ápice quando em mnio do 1945 o
ovêmo soviético anunciou que prendera dezesseis agentes po-
f rneses do govêmo exilado em Londres, acusados de cons­
piração anti-soviética. Êsse ato do govêrno soviético, declara­
ram os poloneses emigrados em Londres, era o mais ilustra­
tivo exemplo do programa de Moscou para sufocar a "demo­
cracia polonesa” e impor uma "ditadura vermelha” ao povo
polonês. . .
O nome mais conhecido dos 10 presos pelo govêmo so­
viético era o do General Leopold Bronislav Okulicki, antigo
chefe do estado-maior do exército polonês no exílio. Êsse exer­
cito desempenhara um papel decisivo na campanha anti-so­
viética dos emigrados poloneses . . .
O exército polonês foi originàriamente organizado no solo
soviético em 1941 por um acôrdo polonês-soviético, para lutar
ombro a ombro com o Exército Vermelho contra os alemães.
Foi comandado pelo General Vladislaw Anders, antigo mem­
bro da “camarilha de coronéis” que tinham dominado a Po­
lônia sob a ditadura de Pilsudski. Para treinar e equipar o
exército de Anders para a açâo militar contra a Alemanha,
o govêmo soviético assegurou-íhe um empréstimo sem juros de
300 milhões de rublos, e deu-lhe tôdas as facilidades militares
de recrutamento e acampamento. Entretanto, os generais An­
ders, Okulicki e outros militaristas poloneses opunham->se se­
cretamente à aliança com o Exército Vermelho. Acreditavam
414 ' m ic h a e l sayers e a lbert e . kahn

que a Rússia Soviética estava fadada a uma rápida derrota


pela Alemanha nazista, e agiam conseqüentemente.
Um informe do Tenente-coronel Berling, posteriormente lí­
der das fôrças armadas do govêmo de Varsóvia, revelou que
em 1941, logo depois da formação das primeiras unidades po­
lonesas no solo soviético, o General Anders tivera uma con­
ferência com os seus oficiais na qual declarou:
“Ao ocorrer o colapso do Exército Vermelho sob
o golpe dos alemães, o que sucederá dentro de pou­
cos meses, devemos estar em condições de irromper
pelo Irã, via Mar Cáspio. Enquanto formos o único
poder armado nesse território, estaremos na posição em
que nos será possível fazer o que quisermos/

Quando, ao contrário das expectativas do General Anders,


o Exército Vermelho mostrou que não se dobrava diante da
guerra-relâmpago nazista, o comandante polonês informou os
seus oficiais de que êles não deveriam levar em conta os têr-
mos do acôrdo militar polonês-soviético de lutarem juntos con­
tra a Alemanha. “Não há motivo para precipitação”, disse
Anders ao General Borucie-Spiechowiczow, comandante da V
Divisão da Infantaria Polonesa.
Anders e seus oficias, conforme o Tenente-coronel Ber­
ling, “fizeram todo o possível para retardar o treinamento e
equipamento das divisões”, a fim de não entrarem em ação
contra a Alemanha. O chefe polonês do estado-maior, Ge­
neral Okulicki, sabotou vivamente o equipamento das tropas
polonesas. Segundo as palavras de Berling:
“Okulicki sabotou a organização da base no Mar
Cáspio destinada a receber armas e provisões inglêsas
do Irã. As autoridades soviéticas construíram um ra­
mal ferroviário especial e armazéns no litoral do Mar
Cáspio, mas o comando do General Anders impediu
que íôsse transportado por ali um só fuzil, tanque ou
saco de suprimentos.”

Os oficiais e soldados poloneses que estavam ansiosos por


receberem auxílio e pegarem em armas contra os invasores
alemães de sua pátria, foram amedrontados pela camorra rea­
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 415

cionária chefiada pelos Generais Anders e Okulicki. Compi­


laram-se listas de ‘amigos dos Sovietes” que eram “traidores
da Polônia.” Um índice especial conhecido por Arquivo B
continha os nomes e fichas de todos os suspeitos de “simpa­
tizar com os Sovietes* Incentivou-se a propaganda anti-semita
e fascista sob o comando polonês. “Falou-se abertamente’”, re­
latou Berling, “da necessidade de ajustar as contas com os
judeus, e houve casos freqüentes de espancamento de judeus.”
O Dwojka, serviço de espionagem do exército de Anders, co­
meçou secretamente a acumular dados sôbre fábricas de mu­
nições soviéticas, granjas do Estado, depósitos de armamentos
e posições das tropas do Exército Vermelho.
Pela primavera de 1942, o Exército do Anders na Rússia
ainda não travara uma única batallui contra o inimigo ale­
mão. Ao invés disso, os oficiais c soldados poloneses vinham
sendo intensivamente doutrinados na ideologia anti-semítica e
anti-soviética dos seus generais. Finalmente o comando polo­
nês solicitou a evacuação do seu exército para o Iríi, sob
os auspícios dos britânicos. Em agosto de 1942, 75.491 ofi­
ciais e soldados poloneses e 37.776 membros de suas famílias
tinham deixado o território soviético, sem terem lutado nem
uma só vez pelo seu país natal.
Aos 13 de março de l ? " 1 ondente australiano
James Aldridge cabografou Times uma repor-
tagem não censurada sôbre a atitude fascista dos líderes do
exército polonês emigrado no Irã, Aldridge afirmava que cie
desejaria publicar os fatos acêrca dos emigrados poloneses ha­
via já um ano, mas a censura aliada não lhe permitira. Um
censor aliado disse a Aldridge: “Sei que tudo isso é ver­
dade, mas que posso fazer? Nós reconhecemos o govêmo po­
lonês, você sabe disso.”
Eis alguns fatos relatados por Aldridge:
“O acampamento polonês era dividido em classes.
Quanto mais baixa a situação de cada classe, pio­
res as condições do acampamento. Os judeus eram
separados num gueto. O acampamento era organiza­
do em moldes totalitários. . . Os grupos reacionários
moviam uma campanha contínua contra a Rússia. . .
Quando se estipulou que 300 crianças judias, deve­
riam ir para a Palestina, a elite polonesa,, sumamente
416 MICHAEL sayers e albert e . kahn

anti-semita fêz pressão sôbre as autoridades do Iraque


para que não deixassem passar as crianças judias. . .
Ouvi muitos americanos dizerem que gostariam de
saber da verdadeira história acêrca dos poloneses, mas
seria inútil, porque os poloneses têm uma camorra mui­
to poderosa em Washington..

Do Irã os emigrados poloneses locomoveram-se para a


Itália, onde, sob a direção do alto comando inglês e apoiado
pelo Vaticano, o exército emigrado estabeleceu o seu Q. G.
A ambição dos Generais Anders, Okulicki e seus apaniguados,
que êles não procuravam esconder, era converter o exército
emigrado polonês em um núcleo de um novo exército branco
para uma eventual ação contra a Rússia Soviética.
Quando o Exército Vermelho se aproximou da fronteira
olonesa na primavera de 1944, os emigrados poloneses de
E ondres intensificaram a sua campanha anti-soviética. “Uma
condição essencial quer para a nossa vitória como para a
nossa própria existência é pelo menos o debilitamento, se não
a derrota da Rússia”, declarou Penstwo Polski, um dos jor­
nais subterrâneos que circulavam na Polônia, divulgados por
agentes do governo exilado. Instruções secretas do governo
polonês de Londres aos seus agentes subterrâneos declaravam:
‘Custe o que custar, é preciso fazer-se um esforço para se
conservarem em bons têrmos as relações com as autoridades
civis alemãs.”
O govêmo polonês no exílio estava-se preparando para
a ação armada contra a União Soviética. A agência incumbida
dessa ação era a Armia Krajowa, ou AK, um aparelho mili­
tar subterrâneo dentro da Polônia, organizado e controlado
pelo govêmo emigrado em Londres. A Armia Krajowa ou AK
era chefiada pelo General Bor-Komorowski.
No comêço de março de 1944, o General Okulicki foi
convocado ao Q. G. do General Sosnkowski, representante mi­
litar do govêmo emigrado polonês em Londres. Mais tarde, o
General Okulicki descreveu como segue essa conferência se­
creta:
" . . . quando fui recebido pelo General Sosnkowski,
antes de voar para a Polônia, êle disse que pode­
ríamos esperar num futuro próximo uma ofensiva d&
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 417

Exército Vermelho que resultaria no desbarato dos ale­


mães na Polônia. Nesse caso, disse Sonskowski, o Exér­
cito Vermelho ocuparia a Polônia e não permitiria a
existência da Armia Kjajowa no território polonês co­
mo organização militar subordinada ao govêmo polo­
nês em Londres.”

Sosnkowski propunha que a Armia Krajowa executasse


uma dissolução simulada depois do Exército Vermelho expul­
sar os nazistas da Polônia, e que se estabelecesse um “quartel-
general de reserva” secreto, para operar na retaguarda do
Exército Vermelho:
“Sosnkowski declarou que êsse Q. G. de reserva
teria de dirigir a luta da AK contra o Exército Ver­
melho.
Sosnkowski pediu que essas instruções fôssem trans­
mitidas ao comandante da AK na Polônia, General
Bor-Komorowski..

Logo depois, o General Okulicki voou misteriosamente pa­


ra a Polônia ocupada pelos alemães, onde prontamente en­
trou em contacto com o General Bor-Komorowski, transmitin­
do-lhe as instruções de Sosnkowski. O comandante da AK
disse a Okulicki que iria montar um aparelho especial, in­
cumbido das seguintes tarefas:
“1. Esconder armas para atividades subterrâneas e
para o caso de um levante contra a UBSS.
2. Criar destacamentos de combate armados de 60
homens cada um.
3. Formar grupos terroristas e de "liquidação” pa­
ra assassinar os inimigos da AK e os de represen­
tantes do comando militar soviético.
4. Treinar sabotadores para operações atrás das li­
nhas soviéticas.
5. Desenvolver o S. S. militar e as atividades de
espionagem na retaguarda do Exército Vermelho.
6. Preservar as estações rádioemissoras já mon­
tada»- pela AK e manter comunicações com o comando
central da AK em Londres. '
418 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

7. Dirigir a propaganda oral ou impressa contra


a União Soviética.”

No outono de 1944 o Exército Vermelho atingiu as bar­


rancas do Vístula e deteve-se diante de Varsóvia para rea­
grupar as suas fôrças e prover-se de suprimentos novos de­
pois de sua prolongada ofensiva de verão. A estratégia do
alto comando soviético era não lançar um ataque frontal sô-
bre a capital polonesa, mas uma súbita operação envolvente,
preservando assim a cidade e a sua população. Mas, sem o
conhecimento do alto comando soviético e atuando sob as or­
dens de Londres, o General Bor-Komorowski iniciou um levante
geral dos patriotas poloneses em Varsóvia, declarando que o
Exército Vermelho estava marchando sôbre a cidade. Com o
Exército Vermelho completamente desprevenido na ocasião pa­
ra cruzar o Vístula, o alto comando nazista pôde bombardear
sistemàticamente tôdas as secções da cidade detidas pelos pa­
triotas poloneses insurretos. Eis a narrativa do próprio Gene­
ral Okulicki sôbre o papel de Bor-Komorowski na última ren­
dição das fôrças polonesas em Varsóvia:
“No fim de setembro de 1944, o comandante da
AK, General Bor-Komorowski, negociou a rendição com
o comandante das tropas alemãs em Varsóvia — SS.
Obergruppenfuehrer von Den-Bach. Bor-Komorowski
indicou o chefe-deputado do segundo departamento do
Q. G., o General Bogulawski, para as negociações como
representante do estado-maior da AK. Informando Bor-
-Komorowski em minha presença acêrca dos têrmos de
rendição adiantados pelos alemães, Bogulawski disse
que von Den-Bach pensava que fôsse necessário que
os poloneses cessassem a luta armada contra os ale­
mães, porque era a União Soviética o inimigo comum
da Alemanha e da Polônia. Encontrando-me com Bor-
-Komorowski no dia da rendição eu lhe disse que von
Den-Bach talvez tivesse razão e Bor-Komorowski con­
cordou comigo.”

Nos meses de outono e inverno de 1944 e na primavera


de 1945, com o Exército Vermelho operando gigantescas ofen­
sivas destinadas ao esmagamento final do poder militar ale­
A GRANDE .CONSPIRAÇÃO 419

mão na Frente Ocidental, a AK sob o comando do General


Okulicki executava uma larga campanha de terrorismo, sabo­
tagem, espionagem e batidas armadas na retaguarda dos exér­
citos soviéticos.
“As medidas do comando militar soviético na zona de
hostilidades foram sabotadas”, declarou mais tarde Stanislaw
Jasiukovicz, vice-primeiro-ministro da Polônia do govêmo exi­
lado em Londres e um dos aliados de Okulicki. Nossa im­
prensa e nossas estações de rádio iniciaram uma propaganda
difamatória. O povo polonês vinha sendo incitado contra os
russos.”
Destacamentos de Okulicki dinamitaram trens de tropas
do Exército Vermelho, destruíram depósitos de suprimentos
soviéticos, minaram estradas .por que tinham de passar as
tropas russas e obstruíram de todo modo possível as linhas
de transportes e comunicações soviéticas. Uma ordem baixada
aos 17 de setembro de 1944, por um dos auxiliares de Okulic­
ki, dizia o seguinte:
“As operações devem ser totais — destruição de
trens militares, caminhões, trilhos, pontes e populações.
Deve ser guardado o maior segrêdo.”

Um comandante de um destacamento da AK de nome


Lubikowski, que dirigia uma escola secreta especial de espio­
nagem e sabotadores, relatou mais tarde com respeito a al­
gumas tarefas realizadas pelos seus agentes:
“Recebi uma relação escrita da execução da minha,
ordem. . . de Ragner, que me informou que execu­
tara doze atos de sabotagem, descarrilara dois trens,
demolira duas pontes e danificara uma linha ferroviá­
ria em oito pontos.”

Grupos especialmente treinados de terroristas da AK es­


peravam de emboscada e assassinavam soldados do Exército
Vermelho e representantes do govêmo de Varsóvia. Segundo
os dados incompletos posteriormente publicados pelas auto­
ridades militares soviéticas, os terroristas da AK mataram 594
oficiais e soldados do Exército Vermelho num período de oito
meses e feriram mais 294 . . .
420 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Na mesma ocasião, atuando com instruções recebidas pelo


rádio do comando polonês em Londres os agentes do Gene­
ral Okulicki desempenharam operações de extenso serviço se­
creto atrás das linnas soviéticas. Uma diretiva do govêmo
polonês em Londres, dirigida ao General Okulicki e datada
ae 11 de novembro de 1944. n.° 7201 — 1 — 777, dizia
o seguinte:
“Desde que o conhecimento das intenções e pos­
sibilidades militares. . . dos sovietes a leste é de fun­
damental importância para a previsão e planejamento
de futuros desenvolvimentos na Polônia, essa lacuna
deve ser preenchida pela transmissão de informações
de acôrdo com as instruções do serviço de espionagem
do quartel-general.”

A diretiva continuava pedindo informações pormenoriza­


das acêrca das unidades militares soviéticas, trens de supri­
mentos, fortificações, aeródromos, armamentos e indústria de
guerra.
Durante semanas uma rêde de radioemissoras operando
ilegalmente na retaguarda do Exército Vermelho pôs-se a des­
pachar informações do serviço sccreto para os poloneses em
Londres. Um radiograma típico, n.° 621-2 enviado de Cracow
ao comandante-chefe em Londres, e interceptado pelo S. S.
militar soviético, dizia o seguinte:
“Na segunda metade de março uma média de 20
trens com tropas e munições (artilharia, tanques ame­
ricanos, infantaria, da qual um têrço era de mulheres)
passaram diàriamente em direção ao oeste... Em Cra­
cow foi afixada uma ordem de convocação das classes
de 1895-1925. Realizou-se em Cracow, com a participa­
ção do General Zymierski, a cerimônia de comissiona­
mento de 800 oficiais vindos de leste. . . ”

Aos 22 de março de 1945, o General Okulicki resumiu


as últimas esperanças de seus superiores em Londres, numa
discreta diretiva dirigida ao Coronel “Savbor”, comandante do
distrito ocidental da AK. A diretiva extraordinária de Okulicki
dizia o seguinte:
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 421

“A hipótese da vitória da URSS contra a Alema­


nha ameaçará não só os interêsses britânicos mas lan­
çará o pânico na Europa inteira. . . Considerando os
seus próprios interêsses, os britânicos terão de proce­
der à mobilização das fôrças da Europa contra a URSS.
É claro que tomaremos o nosso lugar nas posições de
vanguarda dêsse bloco anti-soviético europeu; é impos­
sível também encarar ôsse bloco sem a participação
da Alemanha, que será controlada pelos britânicos.”

Êsses planos e esperanças dos emigrados poloneses tive­


ram curta duração. No comêço de 1945, o S. S. militar so­
viético começou a prender os conspiradores poloneses atrás
das linhas soviéticas. No verão de 1945, os nós da cadeia
estavam nas mãos dos soviéticos. Dezesseis dôles, inclusive o
General Okulicki, defrontaram o Collegium Militar da Suprema
Côrte da URSS.
O julgamento começou aos 18 de junho na Casa dos
Sindicatos em Moscou. Durou três dias. O depoimento de­
monstrou que os emigrados poloneses e o seu aparelho sub­
terrâneo tinha sido movido pelo seu ódio à Rússia Soviética,
o que o levara a dar apoio substancial aos nazistas invaso­
res de seu país.
Durante o julgamento, travou-se o seguinte diálogo entre
o promotor soviético, Major-general Afanasiev, e o líder do
movimento polonês anti-soviético, General Okulicki:
“— Afanasiev. Sua ação interferiu nas operações do
Exército Vermelho contra os alemães . . . ?
— O kulicki. . . Interferiu.
— Afanasiev. Ajudando a quem?
— Okulicki. Naturalmente, ajudando os alemães.”

O Major-general Afanasiev comunicou à Côrte que êle


não pediria a sentença de morte para os réus, porque êles
tinham sido meros joguetes dos emigrados poloneses de Londres,
e porque “nós já estamos desfrutando agora dos dias Jubilosos
da vitória, e êles não nos oferecem maiores perigos.' O pro­
motor soviético continuou: ,
422 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

“Êste julgamento encerra as atividades dos reacio­


nários poloneses que durante anos lutaram contra a
União Soviética. Sua política acarretou a ocupação da
Polônia pelos alemães. O Exército Vermelho lutou pela
liberdade e pela independência contra a barbárie... A
União Soviética, com o auxílio dos aliados, desempe­
nhou papel decisivo na derrota da Alemanha. Mas
Okulicki e outros quiseram cortar o Exército Vermelho
na retaguarda. . . Êles preferem um cordão sanitário
em tomo da Rússia à amizade com ela...”

Aos 21 de junho, o Collegium Militar Siviético baixou o seu


veredito. Três dos acusados foram despronunciados. O General
Okulicki e onze dos seus companheiros foram julgados culpados
e sentenciados à prisão desde dez anos a 4 meses (103.)
Depois do julgamento, os E.U.A. e a Grã-Bretanha re­
cusaram o seu reconhecimento ao govêmo polonês exilado em
Londres (104.) O govêmo de Varsóvia reorganizado de acôrdo
com os termos do entendimento de lalta, foi formalmente
reconhecido como o govêmo provisório da Polônia.

(103) O julgamento do décimo sexto indivíduo acusado, Anton-


Paidak, foi adiado por causa de sua enfermidade. Quando êsses 16
poloneses foram originàriamente presos pelas autoridades soviéticas, o
secretário de Estado americano, Edwàrd R. Stettinius, e o ministro
do Exterior britânico, Anthony Eden, protestaram vigorosamente, de­
clarando que os homens aprisionados eram importantes “líderes demo­
cráticos" poloneses. Depois do julgamento, Stettinius e Eden mantive­
ram um discreto silêncio.
(104) O govêmo soviético tinha cortado relações diplomáticas com o
govêmo polonês exilado dois anos antes, em 25 de abril de 1943, por causa
das atividades conspirativas anti-soviéticas do govêmo polonês de Londres.
Desde o seu início, o govêmo polonês exilado tinha sido especial­
mente protegido e financiado pelo govêmo britânico. Depois ao re­
conhecimento do govêmo de Varsóvia, estava compreendido que alguns
dos emigrados poloneses receberiam cidadania britânica e talvez en­
cargos policiais nas colônias britânicas. Ao saberem da decisão aliada
de reconhecerem o govêmo de Varsóvia, o General Anders e seus auxi-
liares declararam publicamente que as tropas emigradas polonesas sob
o seu comando nunca aceitariam essa decisão dos aliados, permanece­
riam leais ao seu “govêmo” em Londres e só retomariam a sua terra
natal “de armas nas mãos.” No outono de 1945, entretanto, nume­
rosos soldados emigrados poloneses começaram a desertar da causa de
seus líderes reacionários e a convite do govêmo de Varsóvia, começa­
ram a voltar à Polônia para participar da tarefa de sua reconstrução.
MICHAEL SAYERS e ALBERT E. KAHN

A GRANDE ‘
CONSPIRAÇÃO
A GUERRA SECRETA
CONTRA
A BÚSSIA SOV I É T I C A

íi." K D I Ç Â O

EDITÔRA BRASILIENSE
SÃO PAULO
XXV — NAÇÕES UNIDAS ................................................................. 423
C A P IT U L O XXV

NAÇÕES UNIDAS
Na luta pela existência os povos aprendem a conhecer
os seus amigos e a reconhecer os seus inimigos. No curso
da II Guerra Mundial, muitas ilusões e mentiras se dissi­
param.
A guerra apresentou ao mundo muita surpresa. O mundo
espantou-se, a princípio quando a quinta-coluna emergiu do
subsolo da Europa e da Ásia para tomar o poder com o
auxílio dos nazistas e japoneses em vários países. A velocidade
das vitórias do Eixo apavorou aquêles que ainda não conhe­
ciam os seus longos anos de preparação secreta, de intriga,
de terror e conspiratas.
Mas a maior de tôdas as surprêsas da II Guerra Mun­
dial foi a Rússia Soviética. Da noite para o dia, parecia que
uma névoa se dissipava e, de detrás dela, emergia na sua
verdadeira estatura e significação, a nação soviética com seus
líderes, a sua economia, o seu exército, o seu povo e, segundo
as palavras de Cordell Hull, “a quantidade épica de seu fervor
patriótico.”
A primeira realidade ensinada pela II Guerra Mundial
foi a do Exército Vermelho que, sob o comando do Marechal
Stálin, comprovou-se como a mais poderosa e competente fôrça
beligerante ao lado do progresso do mundo e da democracia.
Aos 23 de fevereiro de 1942, o General Douglas Mac
Arthur do Exército dos E.U.A. informou aos seus concida­
dãos acêrca do Exército Vermelho:
“A situação mundial atual indica que as esperan­
ças da civilização descansam sob as bandeiras do cora­
joso Exército russo. Durante a minha vida eu parti­
cipei de numerosas guerras e testemunhei outras tan­
424 MfCHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

tas, assim como estudei pormenorizadamente as cam­


panhas dos principais cabos de guerra do passado.
Em nenhuma delas eu observei tão eficiente resis­
tência aos violentíssimos golpes de um agressor até
então invicto, seguida de um esmagador contra-ataque
que vai levando o inimigo de vencida e de volta ao
seu próprio país.
A escala e grandeza dêsse esforço assinala-o como
o maior feito militar em tôda a história.”

A segunda grande realidade foi a do sistema econômico


da União Soviética, admiràvelmente eficiente e capaz de sus­
tentar a produção em massa sob condições excepcionalmente
adversas.

De volta de sua missão oficial „a Moscou em 1942, o


vice-diretor do Departamento de Produção de Guerra dos
E.U.A., William Batt, relatou:
“Eu fui com um sentimento de incerteza acerca da
capacidade dos russos para sustentar a guerra. total;
convenci-me muito depressa, entretanto, de que a po­
pulação inteira estava em pé de guerra, até a última
mulher ou criança.
Fui com minhas dúvidas quanto à habilidade téc­
nica dos russos; achei-os extraordinàriamente obstina­
dos e hábeis, movimentando as suas indústrias e ma­
nejando as suas máquinas de guerra.
Fui extremamente perplexo e perturbado com os
boatos que circulavam aqui com respeito à desunião
e arbitrariedades do govêmq russo; encontrei o go­
verno russo, forte, competente e apoiado por um imenso
entusiasmo popular.
Em uma palavra, fui com esta pergunta para ser
respondida: É a Rússia um aliado capaz e compe­
tente? . . . E a minha pergunta foi respondida com uma
redonda afirmativa.”
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 42 5

A terceira grande realidade da guerra foi a unidade dos


povos multinacionais da União Soviética, coesos em tômo do
seu govêmo com um fervor patriótico* único em sua história.
Em Quebec, aos 31 de agôsto de 1943, o primeiro-mi­
nistro Winston Churchill 'declarou com respeito ao govêmo
soviético e seu chefe:
“Nenhum govêmo jamais formado entre os homens
foi capaz de sobreviver a danos tão graves e cruéis
como os que foram infligidos à Rússia por Hitler. . .
a Rússia não só sobreviveu e se refez dêsses tre­
mendos danos, mas ainda infligiu como nenhuma ou­
tra fôrça do mundo jamais o teria feito, danos mortais
na máquina de guerra alemã.”

A quarta grande realidade foi a da aliança das demo­


cracias ocidentais com a Rússia Soviética, que abriu perspec­
tivas realistas de uma nova ordem internacional de paz e
segurança para todos os povos.
Aos 11 de fevereiro de 1934, o N ew Y ork H erald Tri-
bune declarou em editorial:
“Há duas alternativas diante das democracias atual­
mente. Uma, que consiste em cooperar com a Rússia
na reconstrução do mundo — como há uma excelente
oportunidade para o fazermos, se acreditamos na fôrça
de nossos próprios princípios e quisermos comprová-los
na prática. Outra, que consiste em nos envolvermos
em intrigas com tôdas as fôrças reacionárias e anti-
-democráticas na Europa, cujo único resultado seria
alienar o Kremlin.”

Em Nova Iorque aos 8 de novembro de 1943, o diretor


do Departamento de Produção de Guerra dos E.U.A., Do-
nald Nelson, relatou sua visita à Rússia Soviética:
“Voltei de minha viagem com uma grande fé no
futuro da Rússia, e no benefício que êsse futuro trará
para o mundo inteiro, inclusive para nós mesmos. Tão
longe quanto me é dado ver, ganha a nossa vitória
e tendo tudo ficado atrás, nada teremos a temer senão
42 6 folCHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

a mútua suspeita. Já que estamos trabalhando em co­


laboração com as outras Nações Unidas para a con­
quista dapaz e para elevar o nível de vida de todos
os povos, caminharemos para novas etapas de pros­
peridade e de maiores satisfações do que as que co­
nhecemos até aqui.”

Em 1 de dezembro de 1943, na histórica Conferência de


Teerã, foi dada a resposta à conspiração antidemocrática,
e anti-soviética que durante 25 anos envolvera o mundo num
torvelinho de diplomacia secreta, de intriga contra-revolucio-
nária, de terror, mêdo e ódio, e que culminara inevitável*
mente na guerra do Eixo para escravizar a humanidade.
Os líderes das três nações mais poderosas do globo, o
Presidente Franklín Delano Roosevelt dos E.U.A., da Amé­
rica, o Primeiro-Ministro Winston Churchill da Grã-Bretanha
e o Marechal José Stálin da URSS* encontraram-se pela pri­
meira vez e, depois de uma série de conferências militares
e diplomáticas, promulgaram a Declaração das Três Potências.
A Declaração de Teerã garantia que o nazismo seria var­
rido pela ação conjunta dos três grandes aliados. Ainda mais,
a Declaração abria ao mundo acabrunhado pela guerra uma
perspectiva de paz duradoura e de uma nova era de ami­
zade entre as nações. A Declaração dizia:
“Nós, o presidente dos E.U.A. da América, o
primeiro-ministro da Grã-Bretanha e o primeiro-minis­
tro da União Soviética, reunimo-nos nestes quatro dias
nesta capital de nosso aliado, Teerã, e estruturamos
e confirmamos a nossa política comum.
Exprimimos a nossa determinação de que as nos­
sas nações trabalhem juntas na guerra e na paz que
há de seguir-se.
Quanto à guerra, nossos estados-maiores militares
reuniram-se em mesa-redonda e concertaram planos
de destruição das fôrças alemãs. Conseguimos completo
acôrdo no que concerne à época e escopo das ope­
rações que serão empreendidas de leste, oeste e sul.
O entendimento comum a que chegamos assegura-nos
a vitória.
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 427

Quanto à paz, estamos certos de que o nosso en­


tendimento há de torná-la duradoura. Reconhecemos
plenamente as responsabilidades que pesam sôbre nós
e sôbre tôdas as nações a fim de edificarmos uma
paz que determine a boa vontade das imensas massas
dos povos do mundo e consiga banir o pânico e o
terror da guerra durante muitas gerações.
Com os nossos consultores diplomáticos encaramos
o problema do futuro. Procuraremos a cooperação e
participação ativa de tôdas as nações, grandes e pe­
quenas, cujos povos almejam, com todo o coração e a
mente, como os nossos povos a eliminação da tira­
nia e da escravidão, da opressão e da intolerância.
Nenhum poder no mundo poderá impedir-nos de
destruir os exércitos alemães por terra, seus barcos, no
mar e suas fábricas bélicas pelo ar. Nossos ataques
serão incessantes e crescentes.
Saindo destas amistosas conferências, nós encara­
mos com confiança o dia em que os povos todos do
mundo possam levar as suas vidas livres da tirania
e de acôrdo com a variedade dos seus desejos e de
suas próprias consciências.
Aqui viemos com esperança e determinações. Saí­
mos daqui amigos de fato, no espírito e nos intuitos.
Assinado em Teerã, 1 de dezembro de 1943.
R o o s e v e l t , S t á l i n , C h u b c h i l l .”

O histórico acôrdo de Teerã, foi seguido pelas Deci­


sões da Criméía em fevereiro de 1945. Novamente encon-
traram-se os três estadistas, Roosevelt, Churchill e Stálin, dessa
vez em Ialta, na Criméia, onde chegaram a um acôrdo acêrca
da sua política conjunta para a derrota final da Alemanha
nazista e completa eliminação do Estado-Maior alemão. As
discussões de Ialta enfrentaram já o período de paz que es­
tava por vir, e lançaram os fundamentos para a Conferência
das Nações Unidas em São Francisco, na qual deveria ser
promulgada, em abril, a Carta de uma organização de segu­
rança mundial, fundada na aliança das três maiores potências.
Na véspera da Conferência de São Francisco, ao£ 12 de
abril de 1945, a Rússia Soviética perdeu um grande amigo
428 MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

e o mundo todo perdeu um grande líder democrático: o Pre­


sidente Franklin Delano Roosevelt morreu. Mas o trabalho
que êle iniciara prosseguiu. O Presidente Harry S. Truman,
imediatamente ao tomar posse, comprometeu-se a prosseguir
na guerra contra a agressão do Eixo até à sua conclusão vi­
toriosa em aliança com os outros membros das Nações Unidas
e a consumar o programa de após-guerra para uma paz dura­
doura em firme acôrdo com a Grã-Bretanha e a Rússia So­
viética.
Aos 8 de maio de 1945, os representantes do alto co­
mando alemão, em presença dos chefes generais americano,
britânico e soviético assinaram na Berlim arruinada, o ato
final da rendição incondicional das fôrças da Wehrmacht na­
zista. A guerra na Europa estava concluída. Winston Churchill,
numa mensagem ao Marechal Stálin, disse: “As gerações fu­
turas reconhecerão a sua dívida com o Exército Vermelho,
como o fazemos irrestritamente, nós que vivemos para teste­
munhar êste esplêndido desfecho.”
Nenhuma guerra na história foi tão feroz quanto a guer­
ra travada entre a Alemanha nazista e a Rússia Soviética.
Durante mil e quatrocentos e dezoito dias, quarenta e sete
meses, quatro anos, travaram-se batalhas sem precedentes pela
sua amplitude e violência, nos gigantescos campos da Frente
Oriental. O fim chegou no dia 2 de maio de 1945, quando
as tropas motorizadas do Exército Vermelho assaltaram e cap­
turaram o coração da cidadela nazista — Berlim. Um soldado
anônimo do Exército Vermelho hasteou a Bandeira Vermelha
no tôpo do Reichstag.
As bandeiras da liberdade flutuavam por tôda parte na
Europa (105.)

(105) A guerra anglo-americana no Extremo Oriente, contra o ter­


ceiro parceiro do Eixo, o Japão Imperial, continuou. Aqui, também,
a Rússia Soviética demonstrou a sua fôrça e identidade de interêsses
com a causa democrática.
O Japão foi um dos primeiros poderes a intervir na jovem Repú­
blica Soviética, em 1919. O Memorial de Tanaka de 1927 apelou para
a conquista do Extremo Oriente soviético como preliminar para a domi­
nação de tôda a região do Pacífico. Os governos japonêses repetida­
mente conspiraram contra o regime soviético. Em julho de 1938 fôr­
ças armadas iaponêsas invadiram o território russo para serem re­
chaçadas pelas tropas soviéticas. Os “incidentes” envolvendo muitas
A GRANDE CONSPIRAÇÃO 429

Quando êste livro foi para o prelo, os autores entrevis­


taram o homem com cuja história êste livro começa; o Co­
ronel Raymond Robins. Há poucos anos, o Coronel Robins
retirou-se dos negócios públicos para viver calmamente na sua
estância de 2.000 acrés em Chinesgut Hill, Flórida, que êle
cedera ao govêmo dos E.U.A., para refúgio campestre e
estação experimental de agricultura. O Coronel Robins con­
servara a sua “mentalidade aberta”, seu interêsse apaixonado
pelo bem-estar do homem do povo, sua impaciência contra
os preconceitos e a miséria, e seu vivo interêsse pela nação
cujo nascimento êle testemunhara no meio do torvelinho da
revolução.

vêzes ° fôrças consideráveis dc homens, tanques e aviões, foram fre­


qüentes ao longo da fronteira soviético-manchuriana em 1938. Em
1939, porém, a derrota do exército japonês, comprometendo grande
parte de divisões armadas, levou os lordes japonêses da guerra a re­
considerarem os seus planos para um ataque imediato em larga escala
contra a Rússia Soviética, de leste. Foi assinado um armistício em se­
tembro de 1939. em tèrmos desfavoráveis ao Japão, o qual constituiu
a base para o pacto de neutralidade de abril de 1941. O govêmo so­
viético nunca escondeu a sua oposição à camarilha feudal-fascista que
governava em Tóquio, e estava claro que chegaria o dia do ajuste
de contas entre a Rússia Soviética e o Japão Imperial.
Enquanto o Exército Vermelho estêve combatendo os nazistas, ao
oeste, o Exército Vermelho do Extremo Oriente teve de imobilizar con­
tinuamente um exército maciço de japonêses, que segundo se relata, ia
para mais de 500.000 homens excelentemente mecanizados, sob o co­
mando de Tóquio, na fronteira da Manchúria. Aos 6 de abril de
1945, depois da Conferência de Ialta, o govêmo soviético denunciou o
seu pacto de neutralidade com o Japão com os seguintes fundamentos,
como figuram na nota soviética dessa data: “A Alemanha atacou a
URSS, e o Japão — aliado da Alemanha — ajudou esta na guerra
contra a URSS. Além do que, o Japão está lutando contra os E.U.A
e a Grã-Bretanha, que são aliados aa União Soviética. Nessas condi­
ções o pacto de neutralidade entre o Japão e a URSS perdeu o seu
sentido e toma-se impossível mantê-lo.”
Aos 9 de agôsto de 1945, a União Soviética entrou formalmente
na guerra contra o Japão, cumprindo assim a promessa feita na Con­
ferência de Ialta em janeiro de 1945, de entrar na guerra do Extremo
Oriente dentro de 90 dias depois da derrota da Alemanha nazista.
Depois da declaração de guerra soviética e do bombardeio atômico de
dois centros industriais japonêses, o govêmo japonês capitulou e pediu
paz. Aos 2 de setembro, o Japão reconheceu a sua derrota e assinou o
ato de rendição incondicional. De leste a oeste, terminara a II Guerra
Mundial.
«MICHAEL SAYERS E ALBERT E. KAHN

Eis o que o Coronel Robins nos disse:


“A maior hora que eu já conheci foi aquela em
que vi luzir a esperança de libertação das velhas ti­
ranias e opressões nos olhos dos trabalhadores e cam­
poneses da Rússia, ao responderem aos apelos de Lénin
e outros líderes da Revolução Soviética.
A Rússia Soviética sempre desejou a paz. Lénin
sabia que o seu grande programa doméstico seria to­
lhido, se não destruído pela guerra. O povo russo sem­
pre quis a paz. A educação, produção, exploração de
um vasto e rico território envolvem todos os seus pen­
samentos, energias e esperanças. O maior ministro
cie Negócios Exteriores de nossa geração, o Comissário
Maxim Litvinov, trabalhou hábü e tenazmente pela
segurança coletiva até tornar-se impossível ,a segurança
coletiva diante da política anglo-francesa de apazigua­
mento com respeito a Mussolini e Hitler.
A Rússia Soviética não explora colônias nem pre­
tende explorar nenhuma. A Rússia Soviética não opera
em cartéis comerciais estrangeiros, nem pretende ex­
plorar nenhum. A política de Stálin liquidou os anta­
gonismos raciais, religiosos, nacionais e de classe nos
territórios soviéticos. Essa unidade e harmonia dos, po­
vos soviéticos estão apontando o caminho para a paz
internacional.”
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
Na feitura dêste livro, os autores documentaram-se lar­
gamente com os relatos oficiais do Departamento de Estado
dos E.U.A.; nas atas e relatos dos vários Comitês do Con­
gresso dos E.U.A.; nos documentos oficiais publicados pelo
govêmo da Grã-Bretanha; e nos relatórios publicados pelo go­
vêmo soviético contendo os processos dos julgamentos de es­
pionagem, sabotagem e traição realizados na Rússia Soviética
desde a Revolução.
Utilizamo-nos também largamente de memórias publiea-
dàs pelos principais personagens mencionados neste livro. To­
dos os diálogos dêste livro são tirados dessas memórias, dc rela­
tos oficiais ou de outras fontes documentárias.
O Índice do N ew York Times, T he R ea d ers Guide to
Periodical Literature e o International Index to Periodicals
foram fontes valiosíssimas de referência.
Queremos exprimir nossa particular gratidão a Ilarper e
Irmãos, por nos terem permitido citar largamente o Britains
Master Spy, Sidney R eillys Narrativo written hy H im self ed i­
tor and GC/tnpíled btj Iiis W ifc.
Desejamos manifestar igualmente a nossa gratidão a Ce-
dric Belfrage, pela assistência editorial e às pesquisas durante
as primeiras fases de nosso (utliallio «esto livro.
A lista que segue 6 a fonte das principais referências de
A G rande C on sp lm çao. , , Ntio se trata de uma bibliografia
exaustiva, mas ó apenas a reraemoração e consignação das
fontes que os autores julgavam particularmente úteis e, em
alguns casos, indispensáveis. ,

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