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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO SERIDÓ – CERES

CAMILA FERNANDES ROCHA

RESENHA CRÍTICA

CAICÓ – RN
2023
PEREIRA, Ronaldo G. G. A presença fenícia no sudoeste ibérico: interações culturais,
“mediterranização” e reformulação de identidades nos séculos VIII-V a.C. Hélade, v. 5,
n. 2, p. 152-168, 2019. Dossiê Fenícios.

RESENHA CRÍTICA

Camila Fernandes Rocha¹

Mais de dois séculos após o início do estudo moderno dos fenícios, eles ainda
estão envoltos em um rumor de mistérios. Segundo o senso comum, eles são considerados
navegadores intrépidos, comerciantes habilidosos, criadores do alfabeto e estão
associados principalmente ao território moderno do Líbano, no Oriente Médio. Para a
comunidade acadêmica, eles ainda se configuram como uma questão historiográfica
complexa, sobre a qual há mais dúvidas do que certezas. Ronaldo Pereira, um dos grandes
historiadores de nosso tempo, tem contribuído de forma relevante para o estudo dos
fenícios, como verificado no artigo A presença fenícia no sudoeste ibérico: interações
culturais, “mediterranização” e reformulação de identidades nos séculos VIII-V a.C.,
publicado em 2019 pela revista Hélade no Dossíê Fenícios.
Ronaldo G. Gurgel Pereira é um historiador e arqueólogo brasileiro, Ph.D. em
Egiptologia pela University of Basel, Suíça. Atualmente é colaborador em atividades
docentes ministrando História da Grécia Antiga, História do Egito Antigo, e Introdução
ao Egípcio Hieroglífico, ele também lecciona disciplinas ligadas à expansão fenícia/grega
pelo Mediterrâneo e epigrafia fenícia/púnica/grega em regime extra-curricular. Em 2021,
foi premiado com o CAARI Scholar in Residence Fellowship. Como pesquisador ao
longo de sua carreira, tem se dedicado ao estudo da história antiga, em especial da história
do Mediterrâneo. Seus principais temas de pesquisa incluem a presença fenícia no
Mediterrâneo ocidental, a formação do mundo grego, a história das religiões antigas e a
teoria e metodologia da história.
De forma geral, o artigo além da introdução é dividido em quatro tópicos onde o
autor aborda a presença fenícia no sudoeste ibérico, destacando a intensa interação
cultural que ocorreu na região entre os séculos VIII-V a.C. Os fenícios estabeleceram
trocas comerciais e culturais com as comunidades autóctones, o que resultou numa
"mediterranização" e reformulação de identidades locais. O processo aqui referido como
“mediterranização” refere-se ao processo de integração comercial e cultural da Península
Ibérica com o resto do Mediterrânico.
O autor inicia explicando que o presente artigo surgiu no contexto do projeto de
investigação intitulado: “A Database for the Aegyptiaca from the Iberian SW: Colonial
Encounters and the Mediterranization of the Atlantic Iberian Societies (8th- 5th centuries
BC)”, sob sua direção no CHAM - FCSH da Universidade Nova de Lisboa, este contou
com o apoio do Departamento de Estudos Mediterrâneos da Universidade do Egeu
(Rodes), Fundação Onassis e de seus colegas do Departamento de Arqueologia da
Faculdade de Letras, Universidade de Lisboa.
Na introdução do artigo Ronaldo Perreira aponta que o contato entre os colonos
fenícios e as tribos nativas celtibéricas provocou mudanças drásticas no modo de vida

¹Graduanda do curso de Licenciatura em História do Centro de Ensino Superior do


Seridó-CERES da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, 2023.
nativo. Essas mudanças incluíram uma rápida transição tecnológica do Bronze Final para
a Idade do Ferro, por volta do final do século VIII a.C., e a assimilação de elementos
funerários-religiosos fenícios em graus variados ao longo do próximo século e meio. A
reestruturação dessas sociedades do Bronze Final tornou-as mais complexas socialmente,
de modo que adquiriram uma hierarquia social completamente reestruturada. Nesse
sentido, uma “mediterranização” do Sudoeste Ibérico não implica numa “agenda
civilizatória” fenícia, mas foi o resultado de um processo de negociação dinâmica e
renovação simbólica.
No primeiro tópico A Presença Fenícia no Sudoeste Ibérico o autor traz o
estabelecimento das primeiras populações fenícias no litoral Ibérico. A Península Ibérica
era então habitada por uma grande quantidade de comunidades nativas culturalmente
diversas, nesse contexto, a presença fenícia teve um efeito homogeneizador. Contudo, as
relações entre fenícios e nativos, ainda que assumam um caráter “colonizador” devem ser
entendidas como fenômenos dinâmicos e heterogêneos. A colonização fenícia do
Sudoeste não deve ser interpretada sob uma ótica maniqueísta, polarizando as partes como
meros dominantes versus dominados. Está suficientemente comprovado que a presença
fenícia era, a priori, negociada e, por fim, consentida. Por fim, mesmo tendo sido
conduzida sem o suporte maciço de intervenção militar, a colonização fenícia provocou
o colapso de estruturas sociais completas, que, posteriormente deram origem a algo novo.
No segundo tópico Assentamentos Fenícios e “Mediterranização” do Território
o autor volta sua atenção para os dados arqueológicos e históricos disponíveis que
evidenciam a atividade comercial fenícia que influenciou a cultura local promovendo um
“mediterranização” e a topografia dos assentamentos fenícios que sempre privilegiava as
posições costeiras, garantindo fácil acesso às regiões do interior do território.
No terceiro tópico Interações Culturais e a Ruptura de Identidades Étnicas
destaca as comunidades nativas, dado serem heterogêneas, institucionalizavam diferentes
comportamentos diante de novas oportunidades. Devemos lembrar que as colônias
fenícias desempenharam um papel crucial no processo de construção de novos modelos
sociais, criados pela dinâmica imprevisível das interações sociais. Contudo, houve um
esforço para evitar que as práticas orientalizantes criassem contradições graves na
estrutura social. Assim, apesar de longos períodos de mudança cultural, as sociedades
nativas ainda tinham a capacidade de continuar a criar histórias de identidade enquanto
continuidade linear dos seus ancestrais.
A última parte do artigo traz A Reformulação de Identidades Mediterranizadas,
onde o autor explana que não houve um controle ideológico por parte dos fenícios, mas
sim uma dominação de caráter colonial a partir de coerção econômica e dependência
tecnológica. Assim, as transformações sofridas pelas sociedades ibéricas não foram,
necessariamente, um produto de uma agenda deliberada de “fenicização” do nativo, mas
sim, de um fenômeno desencadeado naturalmente, pela dinâmica imprevisível das
relações sociais cotidianas. Por fim, Ronaldo Pereira, afirma que o presente estudo não
traz uma conclusão definitiva sobre a temática abordada, que este ainda se encontra em
pleno debate acadêmico, entre tanto, ele assegura que houve avanços recentes nos estudos
sobre os contatos entre fenícios e não-fenícios que são considerados muito promissores.

¹Graduanda do curso de Licenciatura em História do Centro de Ensino Superior do


Seridó-CERES da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, 2023.
Para terminar, o autor apresentou uma visão clara, detalhada e crítica dos dados
arqueológicos e históricos disponíveis sobre o assunto, no entanto, o artigo também
poderia ter se beneficiado de uma análise mais aprofundada do contexto histórico e
político em que as relações entre os fenícios e as populações locais se desenvolveram. O
autor poderia ter explorado mais a relação entre a presença fenícia e os impérios
adjacentes, como os fenícios da costa do Levante ou os cartagineses, bem como o impacto
das relações políticas e militares na dinâmica das interações culturais.
Concluindo, o artigo apresenta uma leitura interessante do impacto da presença
fenícia na região sudoeste ibérica, mostrando como essa presença levou a uma
transformação da cultura e da economia local, bem como da identidade das populações
locais. No entanto, alguns pontos poderiam ser mais desenvolvidos e explorados em
termos de contexto político e histórico.

REFERÊNCIAS

CHAM - Centro de Humanidades, 2023. Unidade de investigação inter-universitária.


Disponível em: https://cham.fcsh.unl.pt/investigador-perfil.php?p=634. Acesso em 03
jun. de 2023.
KORMIKIARI, Maria C. N. Os fenícios: para além de uma visão eurocêntrica do
mediterrâneo antigo. Hélade, v. 5, n. 2, p. 6-11, 2019. Dossiê Fenícios.
PEREIRA, Ronaldo G. G. A presença fenícia no sudoeste ibérico: interações culturais,
“mediterranização” e reformulação de identidades nos séculos VIII-V a.C. Hélade, v. 5,
n. 2, p. 152-168, 2019. Dossiê Fenícios.

¹Graduanda do curso de Licenciatura em História do Centro de Ensino Superior do


Seridó-CERES da Universidade Federal do Rio Grande do Norte-UFRN, 2023.

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