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THEREZA BAUMANN
YLLAN DE MATTOS
(Orgs.)
Heresias em perspectiva
EMT UD/ RE
8 ANT, É
ENE LA É
1 “7 0"
Lisboa e 2022
Capítulo 9
O zumbi e o bode diabólico: disputas em torno de
uma cerimônia religiosa africana em Benguela no
século XVIII
Alexandre A. Marcussi
Universidade Federal de Minas Gerais
"O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pes-
soal de Nível Superior — Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001 e faz parta da dis-
sertação intitulada Cativeiro e cura: experiências religiosas da escravidão atlântica nos calundus
de Luzia Pinta, século XVII e XVIII (PPGH-UFMG, 2015).
*A documentação referente ao caso de Antônio de Freitas Galvão encontra-se em duas fon-
tes inguisitoriais distintas, embora haja repetição entre elas. Uma delas é o sumário de cul-
Pas registrado em um dos Cadernos do Promotor, enquanto a outra é tipificada como “pro-
€esso” (embora não se trate de processo completo) na documentação dispersa do Tribunal
do Santo Ofício. Seguem-se as referências completas para ambas: Arquivo Nacional da
Torre do Tombo (doravante ANTT), Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, cx.
1616, proc. 15874 (Documentação dispersa — Autuação de um auto de denúncia contra
António de Freitas Galvão); e ANTT, Inquisição de Lisboa, liv. 285, f1.250-283. (Cadernos do
Promotor, n. 92).
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3 FERREIRA, Roquinaldo. Cross-cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Bra
during the Era of the Slave Trade. Nova Iorque: Cambridge University Press, 2014. Nes
obra, Ferreira também menciona brevemente o caso de Antônio de Freitas Galvão!
nas páginas I7I e 172. :
s Idem. “Ilhas crioulas”: o significado plural da mestiçagem cultural na África Atlântica. R
vista de História, n. 155, São Paulo, p. 17-41, ago-dez, 2006; HEYWOOD, Linda
THORNTON, John K. Central Africans, Atlantic Creoles, and the Foundation of the Americas,
1585-1660. Nova York: Cambridge University Press, 2007. O conceito de “crioulização”, que,
adentrou o campo dos estudos culturais de populações africanas a partir da historiografia”
da escravidão do Caribe e dos EUA, tem múltiplas leituras e não cabe, aqui, uma discussão
pormenorizada a respeito. De maneira geral — e a despeito das acirradas polêmicas —, O
tendimento majoritário do conceito na historiografia norte-americana, a partir da déca
de 1980, privilegiou a ideia da criação de sínteses culturais advindas dos contatos entre
turas africanas e europeias. Para uma discussão mais verticalizada a respeito,
MARCUSSI, Alexandre A. Diagonais do afeto: teorias do intercâmbio cultural nos estudos da
diáspora africana. São Paulo: Intermeios, 2016, especialmente o capítulo 3. i
[150]
o zuMBI E O BODE DIABÓLICO: DISPUTAS EM TORNO DE UMA CERIMÔNIA RELIGIOSA AFRICANA
ALEXANDRE A. MARCUSSI
“Esta análise converge, em termos metodológicos, com a importância que Wyatt MacGaffey
e à possibilidade de que as mesmas práticas religiosas, no reino do Congo a partir do
E do século XV, pudessem ser lidas alternativamente a partir de categorias culturais
por-
Ea e bacongas, em consonância com interesses políticos específicos. Veja-se
S ie EY, Wyatt. Dialogues of the deaf: Europeans on the Atlantic coast of Africa. In:
E rthe E TZ, Stuart B. (ed.). Implicit Understandings: Observing, Reporting and Reflecting
io o Between Europeans and Other Peoples in the Early Modern Era. Cam-
os ambridge University Press, 1995, P. 249-267. Para uma reflexão merodologicamente
ido ante, a respeito da catequese dos indígenas na América Portuguesa, veja-se POMPA,
EDUS = Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil colonial. Bauru, SP:
E, SC, 2003,
co mPortância quantitativa de Benguela no volume do comércio escravista ainda viria a
Cer significativamente ao longo do século XVIII, atingindo o auge no início do século
a E dp pad o porto respondia por um quarto de todos os escravizados embarcados da
sa T entro-Ocidental. Para dados quantitativos, veja-se VOYAGES: The Trans-Atlantic
E Tade Database. In: EMORY UNIVERSITY. Disponível em: <http://www-.slavevoya-
"OrB/>, Acesso em: OI ago. 2019.
[151]
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Freitas Galvão, portanto, era um sujeito que transitava entre diferentes
universos culturais e sociais, e é esse trânsito que permite que sua traje-
tória possa ter múltiplas leituras.
Convencido pelo sacerdote do Dombe com quem se tratava de que
sua enfermidade era zumbi, ou seja, uma aflição corporal causada pelo
espírito de um parente falecido, mandou fazer no dia 6 de novembro de
1720, em sua casa no presídio de Benguela, uma grande festa em homena-
gem ao espírito causador da moléstia, com o intuito de apaziguá-lo e cu-
rar-se. Mandou sacrificar um novilho para o espírito e ofertou a carne
num banquete ritual frequentado por grande quantidade de negros do
presídio, o qual contou ainda com música de atabaques e violas e mulhe-
res negras aparamentadas ritualmente (“enfeitadas intempestiva-
mente”), entre as quais se incluía sua filha Natária. A grande cerimônia,
que causou rebuliço no presídio, motivou Manoel Pereira Serra a denun-
ciar Antônio para o vigário da vara, culminando na abertura do auto de
denúncia apenas dois dias depois da festa. Manoel Serra também era,
como Antônio de Freitas Galvão, capitão de uma companhia do exército
de Benguela; diferentemente dele, porém, era português de nascimento".
Tudo indica que Antônio já devia ser persona non grata aos olhos
das autoridades eclesiásticas mesmo antes da grande festa de 1720. A pri-
meira diligência de recolha de testemunhas, constante do auto de denún-
cia produzido em novembro de 1720 em Benguela, foi feita por requeri-
mento do promotor do Santo Ofício, o que significa, certamente, que uma
denúncia prévia contra o capitão já havia sido remetida a Lisboa por um
Comissário inquisitorial — cargo responsável pelo encaminhamento de
denúncias e recolha de testemunhos para apreciação do tribunal, sediado
em Lisboa. À época, o comissário inquisitorial que atuava na região era o
Padre José Barros da Cunha, que também ocupava o cargo de vigário-ge-
Tal do tribunal episcopal do bispado de Congo e Angola, em Luanda. Acu-
mulava, portanto, atribuições jurídicas em dois tribunais distintos: a jus-
tiça episcopal e o tribunal do Santo Ofício da Inquisição, evidenciando a
Colaboração das instituições jurídicas episcopais para o bom funciona-
mento da justiça inquisitorial em Angola, à semelhança do que ocorria
to
E, Inquisição de Lisboa, cx. 1616, proc. 15874, fl.3 (Documentação dispersa — Autuação
k am auto de denúncia contra Antônio de Freitas Galvão.
NTT, Inquisição de Lisboa, liv. 285, f1.271-272 (Cadernos do Promotor, n. 92).
[153]
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que a de E
também nos territórios luso-americanos”. É provável, porém,
remetida ao comissário em
núncia original tenha partido de Benguela,
e
Luanda para depois ser encaminhada ao promotor inquisitorial
portanto, atritos entre Antônio e eclesiásticos d, :
Lisboa. Já havia,
Se:
Benguela ou de Luanda. Também pudera: segundo Manoel Pereira
Antônio e seus
o capitão que foi o denunciante original da cerimônia,
para si a
lhos “sempre usaram e usam de ritos gentílicos”2, atraindo
provação das autoridades eclesiásticas.
A prática comum do Santo Ofício nos territórios ultramari
era o
onde o tribunal tinha maior penetração e enraizamento (como
de Luanda e de muitas regiões da América Portuguesa, mas não |
direta:
Benguela) era que a inquirição das testemunhas fosse realizada
como
mente pelos comissários, versados no “estilo do Santo Ofício”,
das denúncias inquisitoriais. Er
denominavam as convenções formais
um vigário da vara (cargo
Benguela, porém, quem assumiu a função foi
Silva,
da justiça eclesiástica episcopal), o padre Cristóvão Moreira da
da j
Conforme pontuado por Aldair Rodrigues, a cooptação do ápice
facilita
tiça episcopal (os vigários-gerais) no interior do comissariado
(como os vigários da
mobilização das instâncias inferiores da hierarquia
vara) para as diligências inquisitoriais.
Entre 11 e 14 de novembro de 1720, o padre Cristóvão mandou
zer cinco testemunhas para depor contra Antônio, incluindo nada meno
quatro cap
que quatro outros capitães militares. Significativamente, dos
deles haviam n
tães que depuseram contra Antônio nessa ocasião, três
(o citadi
cido fora de Angola: dois eram portugueses de nascimento
nascido na Bahi
Manoel Pereira Serra e Manoel Simões) e um havia
Francisco Vieira de Lima, era
(Pedro de Araújo Passos). Apenas um,
sugere à À
origem angolana como o acusado. À origem dos acusadores
pótese de que houvesse uma tensão entre grupos de origem angolana
e a justiça
estrangeira no interior do exército português em Benguela,
eclesiástica pode ter servido de instrumento para punir ou eliminar
[154]
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ALEXANDRE À. MARCUSSI
“Ibid, 8 2.
“Tbid, fl. 1v.
14 Vei
Maça
eja-s esse respeito,
i O despacho que o tribunal
i deu no processo de Afonso Antônio e
iam Pc çã dois meninos menores de idade, habitantes do presídio de Golungo, que
ido irregularmente mantidos encarcerados por vários anos: “Em Angola e no Rio
f e Janeir O se a chavam
V i
as cadeias gemendo com o peso dos presos aà ordem do Santo Ofício,
que o tribunal ti É E So
da ii n EEE mandado fazer estes procedimentos”. ANTT, Inquisição de Lis-
bo
[155]
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de 10 dias /
remetido ao vigário-geral de Luanda, tendo decorrido menos
iados. À
entre a realização da cerimônia religiosa e a prisão dos denunc
Começou então uma queda-de-braço entre o vigário da vara eo.
capitão Antô- 4
capitão-mor de Benguela em torno da prisão dos filhos do
na primeira em-
nio. O intuito do vigário era enviar os presos a Luanda
e à prisão, ou-
barcação que saísse de Benguela. Contudo, no mês seguint
o cabo de.
tros militares requisitaram sua soltura. O primeiro deles foi
companhia Manoel Dias Soares, a quem o vigário respon deu negativa:
mente, alegando que “já tinha dado parte a seu prelado da dita prisão”,
José de
No dia de natal, interveio no caso o capitão-mor do presídio
conquanto.
Morais. A citação de um trecho do testemunho do vigário,
longo, nos permitirá entender melhor os conflito s subjace ntes ao caso: |
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3 Ibid,, fl.264v.
EP arau =
reflexão Ed
metodológica nesse sentido a respeito da documentação in-
istória eja-se GINZBURG, Carlo. O Inquisidor como Antropólogo. Revista Brasileira de
»V. HI, n. 21, São Paulo, p. 9-20, set. 90-fev. 91.
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2 FERREIRA, Roquinaldo. Cross-cultural Exchange in the Atlantic World: Angola and Bra
during the Era of the Slave Trade. NI: Cambridge University Press, 2014, p. 169-I72.
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AFRICANA
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achado inadequada a publicidade que o caso teve em Benguela, sacrifi-
cando o princípio do sigilo que devia cercar as investigações inquisitoriais
e acarretando falhas formais ao processo. Ou, mais provavelmente, os in-
quisidores podem ter avaliado que o principal acusado, Antônio de
Freitas Galvão, já havia morrido e não valia a pena continuar com o pro-
cesso envolvendo apenas outros membros de sua família. Na ausência de
abertura do processo, é provável que os três presos tenham sido soltos em
Luanda algum tempo depois.
u
Eu Inquisição
=.
de Lisboa, cx. 1616, proc. 15874, fl.2v. (Documentação dispersa — Autua-
É um pri de denúncia contra António de Freitas Galvão).
- “ta uma descrição das categorias de espíritos na cosmologia baconga, relativ
Ó-
ni ambundos, Veja-se MACGAFF EY, Wyatt. Religion and ty Genre
rm pa of Lower Zaire. Chicago/London: University of Chicago Press, 1986, p.
42-62.
Saca ejuisicão de Lisboa, liv. 285, f1.267-269v. (Cadernos do Promotor, n.
92).
A E nd ocorre em um relato do missionário Manuel Ribeiro, em missão na região
In: MONO a di (Carta do padre Manuel Ribeiro sobre a missão de 1672-1673, 15/01/1674.
ço pia Africana: África Ocidental. Coligida e anotada pelo Padre
Dão Clero e Eca org. Migual Jasmins Rodrigues. Lisboa: Instituto de Investi-
BONS Lo a ropical/Centro de História de Além-Mar/Direcção Geral de Arquivos,
denúncia ia loc, a P- 259. DVD-ROM). Já a forma verbal “saquelar” se observa
em uma
re onda ai Massangano (ANTT, Inquisição de Lisboa, liv. 281, fl. 54
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E enc
ontrada em Idem. Utopias centro-africanas: ressignificações da ancestralidade nos ca-
E ndus da América portuguesa nos séculos XVII e XVIII. Revista Brasileira de História, v. 39 Ê
“79, São Paulo, p. 19-40, 2018.
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ermos aos quais as participantes (quase sempre representadas como
fe-
mininas) chegariam voando, metamorfoseadas ou montadas em animais.
Durante a reunião, cometeriam infanticídios, canibalismo e
participa-
riam de orgias sexuais com demônios. A assembleia seria presidida pelo
próprio Diabo, muitas vezes manifestado em forma de bode, ao qual as
bruxas renderiam adoração e jurariam fidelidade por meio de um beijo
em seu ânus. O sabá era uma difundida construção cultural que, em mui-
tos territórios, serviu para legitimar a perseguição à bruxaria. Sua lógica
simbólica era a da inversão. A assembleia de bruxas seria uma espécie de
“anti-Igreja”: haveria um livro diabólico análogo à Bíblia, a ser assinado
pelas bruxas, e o banquete canibal reproduzia, de forma invertida, o sa-
cramento da eucaristia, que consistia na ingestão simbólica da carne de
Cristo”. O mito do sabá era menos influente e disseminado em Portugal
do que em outras regiões da Europa setentrional”, embora
não estivesse
ausente da cultura lusitana.
Invocar a adoração do bode na descrição das práticas heréticas de
Antônio de Freitas Galvão não era uma simples adição de um novo fato,
a ser somado às acusações anteriores de saquelamento. Implicava
tam-
bém uma “tradução” dos crimes do capitão, vertendo-os de uma
lingua-
gem ritual centro-africana para uma tipicamente europeia, mais próxima
do universo cultural dos inquisidores portugueses. Tratava-se de
um re-
forço da acusação que não era meramente quantitativo (um novo
crime a
ser adicionado ao “rol” de desvios do acusado), mas qualitat
ivo: um delito
nã caracterizado dentro da linguagem demonológica que funda-
Enitigaa lisas das : ;
E E cr gu co re do Santo Qlinio, o qual poderia, sem
ta ; erado herético e diabólico. Apresentar
Antônio como praticante de saquelamentos era pouco mais do que
o in-
“a em um universo cotidiano de práticas africanas muito difundi
das e
Corriqueiras em Benguela; caracterizá-lo como adorador de um
bode era
* localizá “lo seguramente em um universo
demonológico.
Há remissões explícitas ao mito do sabá nos testemunhos contra
Antônio de Freitas. Segundo o sargento-mor Martinho de Oliveir
fer E go asi dá
a e o al-
es André Cristiano, Antônio adorava o mencionado bode nas
E)
Para Uma extensa análise
aj: do surgimento
:
e dos
elementos simbólicos do sabá, veja-se
“CinzBy RG, dE História noturna: Decifrando o sabá.
* 1991; COHN » N., op. cit. São Paulo: Companhia das Letras,
1 "PAIVA, Jo sé Pedro. Bruxaria e superstição num país sem
Otícias Edit “caça às bruxas”: 1600-1774. Lisboa:
orial, 1997.
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conjunções lunares, o que situava o ato num espaço noturno evocador do.
sabá. O cabo de esquadra Inácio Paulo da Silva foi ainda mais longe nas |
tintas sabáticas, afirmando que “tinha o dito Antônio de Freitas, como se |
dizia vulgarmente, um bode a quem ia por vezes adorar e oscular o tra-
seiro”%, em óbvia referência ao ósculo anal do sabá das bruxas. fim deta- |
lhe de seu testemunho chama a atenção: “como se dizia enigarmena - Este)
é, aliás, um elemento que se repete em várias menções ao bode diabóliga
do capitão Antônio: ninguém afirma ter visto o animal pessoalmente. Er
um rumor que circulava entre a população ar Benguela e que inflamou
imaginação dos acusadores de Antônio, muito mais do que um fato co-|
nhecido de primeira mão. E
Pareceria plausível argumentar que a menção ao bode de Antonia
tenha surgido no inquérito de 1722, mas não no de 1720, Simplesmenta de-
vido ao maior número de testemunhas. A análise comparativa das decl
rações das mesmas testemunhas nas duas aEperdas antuiio, não corta
bora essa percepção. Como se disse, o auto de denúncia de 1720 contoll
com 5 testemunhas, todas as quais voltaram a ser interrogadas dois anos
depois. Na primeira denúncia, nenhuma delas mencionou bode = ma
Em 1722, porém, quatro das cinco testemunhas originais fizeram referêns
[164]
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A AFRICANA
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senzalas"*. A denominação “Caçuto” pode ser observada em outras
fontes
coevas, como o relato do missionário capuchinho Giovanni Antonio Ca-
vazzi de Montecúccolo, que percorreu os territórios do Congo,
Angola e
Matamba em meados do século XVII. A respeito da mitologia das popula-
ções jagas que habitavam a região da Grande Ganguela, Cavazzi afirmou:
[165] |
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58 CAVAZZI DE MONTECÚCCOLO, Pe. ]., op. cit, v. 1, Livro Segundo, $60, p. 21.
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A RELIGIOSA AFRICANA
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Considerações finais
O caso das acusações contra Antônio de Freitas Galvão e sua fa-
mília permite-nos observar de perto um complexo jogo de disputas
sociais, institucionais e culturais na Benguela do início do século XVIII.
Antônio era o patriarca de uma família negra angolana, natural da terra
que havia ganhado significativa inserção social em Benguela, tendo a
cançado postos consideráveis da hierarquia militar do presídio. Os
Freitas, ademais, comportavam-se de fato como uma linhagem no sen-
tido africano: veneravam os espiritos dos seus mortos e mantinham es-
treitos laços profissionais e de lealdade. Não é à toa que os filhos seguiram
com sucesso a carreira militar do pai e que este moveu grandes esforços
para libertá-los da prisão quando já estava em seu leito de morte. Mais
que isso, o “mais velho” Antônio gozava dos favores do próprio capitão-
mor do presídio, autoridade portuguesa máxima da região.
Tudo isso parece ter suscitado o desconforto e a ira de outros mi-
litares de Benguela, com destaque para os estrangeiros — reinóis e luso-
americanos — que, tendo vindo de fora para fazer carreira militar em
um
presídio distante dos centros de poder da monarquia portuguesa, talvez
esperassem privilégios mais acentuados do que os militares de pra lo-
cal. Não teriam tolerado, possivelmente, a situação de favorec
imento que
à linhagem Freitas” vivia devido a seus laços com o capitão-mor
de
Benguela. Os detalhes e motivações do conflito são de difícil determina-
ção a partir das fontes inquisitoriais, abrindo-se à conjectura. Mas as rus-
gas entre os denunciantes e o vigário da vara, por um lado,
e a família
Freitas e o capitão-mor, por outro, são indícios claros de tensões
que atra-
Vessavam as instituições lusitanas em Benguela.
terra a pci de Ereitas Galvão - e sobretudo as denúncias
aa nã e lidas luz desses conflitos. Cerimônias cla-
MA assa as ee e um aniveirss cipal centro-africano e am-
“Aria a com o Ge da investigação, a ser situadas no inte-
ret e ng Eliereur hos E asperisive ente europeia. In-
ad pp gpa Atena or africanas” ou como
A , fator de crucial importância nas disputas
Simbólilicas e concretas que se desenrolam entre os envolvidos
no caso
[167]
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O caso nos sugere uma lição valiosa para o estudo das dinâmica
no
culturais de territórios como a África Centro-Ocidental: não basta
questionarmos se as práticas culturais de determinada região ou popula
a,
ção são mais próximas desta ou daquela matriz cultural específic
de ce
Antônio de Freitas Galvão era mais “africano” (como praticante
po Us
mônias ambundas) ou mais “europeu” (como católico e militar
guês)? A resposta mais fácil talvez fosse dizê-lo “crioulo” — aurea
híbrido. Mas nisso talvez se perca justamente aquilo que a dinâmica
representação cultural apresenta de mais Areias a possibiidall
múltiplas leituras simultâneas e em concorrência. (o) caso de Antôni
tada!
mostra claramente que as mesmas práticas podem ser interpre
formas muito distintas, não apenas pelos historiadores, mas também
€ n
los próprios sujeitos históricos envolvidos, a depender des interesses
tação ul;
jogo. E talvez esses interesses e todos os “equívocos da interpre
rmo:
tural que dele emergem sejam um objeto relevante para entende
papel da cultura em situações de interaçã o entre diferent es grupos so
e códigos simbólicos.
[168]