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Casas – gentes

A tarde quente e úmida estava chegando ao fim. Uma brisa fresca e ligeira
começou a soprar do lado norte prenunciando a chuva esperada e dando um
alento vivificador em quem estava indolentemente deitada numa alegre rede
cuiabana. Levantei e debrucei-me no muro do meu jardinzinho. Meus olhos
pousaram lá longe numa fila de casas coloridas que muito juntas e abraçadas,
umas apertando às outras, esta se adiantando, aquela pequenina quase sumida,
pareciam um grupo de alegres comadres conversando e contando as últimas
novidades. A mais alta muito amarela e exibida, com as portas e janelas
escancaradas, devia ser a que mais tinha o que contar, pois as outras pareciam
estar muito atentas, algumas de olhos semicerrados outras de boca aberta,
enquanto que no fim da rua, duas estavam de fachada complemente amarrada.
Perto da Igreja da Boa Morte há uma grande casa que lembra uma boa avó,
gorda, plácida e acolhedora com seus compridos corredores e imensos quintais
próprios para multidões e netos. É baixa e suas grossas paredes atestam um
passado sólido e ter sido preparada para abrigar grande descendência. Como
uma avó muito querida e amada é sempre envolvida pelo alarido que fazem as
crianças correndo-lhe em volta. Mas nem todas têm esse aspecto tranquilo e
calmo. Uma há, muito magra e alta, num quintal cercado com um gradil de ferro,
que dá a impressão duma solteirona antipático e agressiva, cheia de manias e a
prova disso é estar sempre fechada e sozinha, enquanto que ervas daninhas
vicejam a sua volta. A gente passa por ela rapidamente e durante a noite imagina
coisas. Algumas casas exibem decotes envidraçados e mostram
despudorosamente os seus encantos íntimos, enquanto outras os guardam
ciosamente através de varões de ferro tramados e grossos toucados de pedras
e cal. E outras como são vaidosas... sempre seguindo a moda. Usa-se a testa
nua, quero dizer platibanda alta? Venha o pedreiro. Usa-se, agora, o telhado
colonial escondendo as janelas d’alma? Derruba-se a platibanda. E ora pintam-
se de cores vivas e quentes, ora mudam para tons suaves e frios. De tantas em
tantas quadras encontra-se uma aristocrática e altiva geralmente de dois
andares, isoladas das outras pela pose, um pouco passada, às vezes, mas muito
segura de si. Procura impor-se pelo estilo e classe e é sempre imitada por
alguma vizinha sem personalidade. Nos arrabaldes suburbanos estão as casas
anônimas, pequenas quase sempre, não raro mal alimentadas, cobertas com
restos de liquidações, alguma muito tristes e decaídas, outras que apesar da
pobreza, mostram-se corajosas e cheias de vigor. Casas há que são honestas,
maternais e familiares, outras enveredam pelo mau caminho e à noite dão
grandes gargalhadas. E assim, divagando casas-gentes ou gentes-casas,
verifico que a noite vai chegando, a chuva esperada também, a crônica vai
acabar e eu vou entrando na suave, amena e amada casa-minha.

Acadêmico Vera Iolanda Randazzo - Cadeira 19

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