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as consequências de uma construção simbólica das favelas e periferias como espaço de exceções,

seguindo uma lógica colonial.

Capítulo 3

O aparelho policial: entre assassinatos de grande repercussão e

desaparecimentos despercebidos

Introdução

“Você acha que estamos desaparecendo? Isso não é uma ditadura.


Podemos matar, por que faríamos alguém desaparecer?” (Entrevistado RJSO2)

Durante meu trabalho de campo, mencionar a palavra “desaparecimento” gerava desconforto. Em muitos casos,

a reação foi um olhar de medo. Quando o entrevistado era policial, alguém relacionado a

atividades policiais ou especialistas em segurança pública o desconforto era palpável. O desconforto foi

seguido do comentário “desaparecimento é coisa de milícia”. É interessante destacar que em

muitos casos, a milícia é a polícia – trabalhando fora do expediente. Acho intrigante que um policial

é capaz de mudar para um papel diferente e atuar como milícia. Embora se possa argumentar que quando o

oficial está executando tais tarefas, ele ou ela está de folga, eles operam tendo sido treinados pelo

estado e usando o know-how que aprenderam no trabalho policial.

A violência policial no Brasil costuma ser associada à ditadura que vigorava no país

de 1964 a 1985. Durante o regime militar, o Auto de Resistência foi criado pelos

forças como forma de proteger os policiais que, em confronto, mataram alguém. Mais tarde, o

dispositivo foi usado, e mal utilizado, pela polícia no contexto da “guerra às drogas”. Como será

discutido mais adiante neste capítulo, a forma como a vítima foi morta, em muitos casos, indicava que, em vez

de um confronto, o que aconteceu foi a execução. Outra correlação feita atualmente entre

a violência policial e a ditadura é a ação de milícias e grupos de extermínio. Novamente, durante o

ditadura militar, em São Paulo, policiais da Secretaria de Assuntos Sociais e Políticos

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Ordem, o DOPS, liderou um grupo de extermínio para rastrear bandidos. Depois da ditadura,

milícias, grupos de extermínio e esquadrões da morte continuaram a operar, muitas vezes sobrepondo essas funções

com suas atividades policiais regulares.

Para investigar por que os assassinatos e desaparecimentos permanecem sem problematizar, é importante tomar

um olhar sobre o dispositivo que conduz à morte. Este capítulo examina o aparato policial no Brasil,

combinando uma perspectiva histórica e teórica, e como ela se desenvolveu ao longo do tempo. no histórico

termos, o capítulo começa focando no surgimento do aparato de segurança no Brasil e sua

relação a um estado de exceção. Inicia-se com a constituição da força policial no Brasil durante

o período colonial e imperial quando a polícia ajudava a construir cidades, controlar vagabundos e

para manter a realeza segura. O primeiro ponto de inflexão em relação ao papel da polícia foi durante

Governo de Getúlio Vargas (1930-1945) quando a polícia passava por um processo de burocratização

e reorganização interna para enfrentar a ameaça comunista - supostamente a razão do golpe de Vargas

em 1937. Então, durante a ditadura, o aparato construído pela e para a polícia foi redesenhado

e passou para as mãos das Forças Armadas brasileiras. A seção sobre a ditadura se concentrará

sobre o uso de desaparecimentos contra guerrilheiros de esquerda.

Com o fim da Ditadura Militar no Brasil em 1985, a “guerra às drogas” assumiu uma condição

de exceção que antes estava associado à luta contra o comunismo. Conforme discutido no capítulo

2 “Entre a construção nacional e um país moderno”, no contexto da “guerra às drogas”,

excepcionalidade segue a ideia de uma guerra que precisa de todas as medidas para combater um bem armado

inimigo perigoso. Um dispositivo particular que ganhou relevância nesse contexto foi o Autos de

Resistência. O capítulo termina discutindo a ação de homicídios policiais, esquadrões da morte e

desaparecimentos no Brasil contemporâneo. No Brasil, desaparecimento político contabiliza apenas aqueles

que estiveram envolvidos na luta pela democracia no contexto específico da ditadura (1964-

1985). Como consequência, argumento, há um apagamento do enquadramento epistemológico que

permitiram a visibilidade do desaparecimento em um contexto e escopo diferentes.

Em termos teóricos, este capítulo se envolve com o debate sobre biopolítica e com a política de

morte. Conforme discutido no capítulo 2, o poder disciplinar, seguindo Michel Foucault (1979), não

conta para fazer morrer. Ao contrário, o poder disciplinar existe para otimizar a vida, e a violência

ocorre na ausência de relações de poder. Giorgio Agamben (2005) discute o estado de exceção

como parte inerente do poder soberano que ainda se mantém, apesar da modernidade – especialmente

na decisão sobre quais vidas podem ser desnudadas. Achille Mbembe (2003) vai um pouco mais longe ao

afirmam que “exercer a soberania é exercer controle sobre a mortalidade e definir a vida como o

desdobramento e manifestação de poder” (Mbembe 2003: 12). Para as tecnologias de Mbembe (2003)

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de controle subjugam a vida ao poder da morte. Nesse sentido, o poder soberano instrumentalizou

a vida e o risco de morte como seu projeto central.

Em “Necropolítica”, Mbembe discutiu a relação entre o poder soberano e a morte

ligando as noções de modernidade e terror, especialmente no contexto das formas modernas tardias de colonialismo.

ocupação onde o terror é usado para justificar a “concatenação de múltiplos poderes: disciplinar,

biopolítico e necropolítico” (2003: 29). Para vincular esses múltiplos poderes, presença militar e

a guerra regularizada leva a formas totalizantes de controle sobre a vida e a morte dentro de um determinado espaço.

Ao olhar para a ação policial nas áreas urbanas do Brasil, não é difícil traçar um paralelo com

as ideias de Mbembe. Lá, uma lógica colonial baseada na escravidão confinou as comunidades negras

principalmente no que hoje são favelas. Mais tarde, no processo histórico de desenvolvimento urbano e

neoliberalismo, as favelas tornaram-se o lugar da criminalidade criando um espaço de exceção dentro do

norma. Nesse contexto, a vida dos corpos negros é desnudada a ponto de a decisão de tomar

a morte deles não é problematizada, nem o desaparecimento de alguém.

Este é o primeiro de três capítulos onde conversarei com Achille Mbembe e Giorgio

Agamben vai analisar casos de desaparecimentos e homicídios cometidos por policiais em favelas em áreas urbanas

do Brasil. O capítulo seguinte se baseará nas noções racializadas incorporadas pela polícia. Isso é

importante notar que as narrativas dominantes sobre o desenvolvimento da polícia não levam

“raça” em consideração. Embora este capítulo apresente narrativas históricas dominantes sobre o desenvolvimento

da polícia no Brasil, o capítulo seguinte acrescenta relatos racializados ao desenvolvimento da polícia

ação como a personificação da decisão soberana.

Raízes de uma Polícia institucionalizada

Da Colônia ao Império (1500 – 1888)

Há controvérsias sobre quando o aparato de segurança foi introduzido na nova colônia.

Raymundo Faoro (1958) afirma que aconteceu durante o processo de colonização, tendo suas raízes na

a conquista do território. De acordo com o site da Secretaria Regional de

Segurança de São Paulo, a ideia de polícia surgiu em 1500 quando Dom João III adotou o sistema

de capitania hereditária, dando aos dignitários (os donos das terras) autoridade para “estabelecer

a administração, promover a justiça e organizar a ordem pública como bem entendesse” (Secretaria Regional

de Segurança Pública de São Paulo 2016). As capitanias do Brasil eram um território administrativo

divisão criada por Portugal. Cada um foi atribuído a um nobre português que se tornou o

Capitão General. As capitanias eram possessão hereditária, e os dignitários tinham direitos civis e

jurisdição penal sobre todos os habitantes da sua capitania de acordo com o código de leis português.

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Considerando que na visão de Faoro o aparato de segurança surgiu no país com o objetivo de

conquista do território, é importante destacar que esse processo não ocorreu em um vazio

espaço. Pelo contrário, como observado por Enrique Dussel (1995) e Tzvetan Todorov (2003) o

a dominação dos territórios colonizados ocorreu pela primeira vez através de uma intervenção militar que logo começou

permear o cotidiano dos povos indígenas transformando-os em escravos e confiscando suas

terra e recursos. Em muitos casos, a intervenção na terra deu origem a episódios de resistência

organizada por grupos indígenas. Um exemplo é o Massacre do Rio Salitre em 1676 (Silva

Pessoa 2006) uma força-tarefa organizada pelo dignitário para punir um grupo de rebeldes indígenas, que

resultou na morte de 400 nativos. No exemplo da Resistência Cariris (Moraes, 2001) uma

confederação de tribos indígenas foi organizada contra a ocupação e exploração de seus

terras. No entanto, em 1713, as forças militares mataram a maioria dos nativos pondo fim ao movimento.

Thomas Holloway (1997) se opõe ao argumento de Raymundo Faoro (1958) de que a polícia tem seu

raízes no processo de colonização. Holloway afirmou que a expedição e as forças militares presentes

na colônia não podia ser reconhecida como força policial visto que, não faziam o que era

consideradas atividades policiais básicas, como reprimir e prevenir o crime para proteger as pessoas
os portugueses tinham
e propriedade e combatendo ameaças internas ou externas. Holloway (1997) argumenta que as atividadespreferência
policiais aos
brasileiros, que eram
começou quando a Corte Real portuguesa foi transferida para sua primeira e maior colônia, em 1808.
subalternos, aplicando
Com a instalação do Tribunal, principalmente no Rio de Janeiro, as instituições burocráticas portuguesas castas e hierarquias?
quem foram os
também foram reproduzidos no novo Império. O cargo de Superintendente de Polícia foi criado em 1808 escolhidos para gerir?
como se deu a escolha?
e a Real Guarda Policial Militar em 1809. quais os critérios? era
diferente de Portugal?
O Superintendente de Polícia, responsável pelas zonas semi-urbanas, fiscalizava os pequenos delitos, assegurou ao

conformidade ideológica dos intelectuais, deu segurança ao séquito real, construiu estradas e

sistema hidráulico, e assim por diante (Silva 1986, Schultz 2005, Cabral 2011). A Real Guarda Policial Militar

foi criado recrutando homens livres empobrecidos nascidos de relações ilícitas entre homens brancos

e mulheres negras (Algranti, 1988). Em muitos casos, sem ter muitas opções de trabalho, foram

forçados a cumprir o cargo de policiais. Com a crescente preocupação com a necessidade de uma

força de segurança, treinamento militar foi oferecido para aqueles que trabalhavam em tempo parcial.

O então Superintendente de Polícia insistiu na criação de uma sentinela com formação militar

para controlar as populações de escravos, como será discutido no próximo capítulo. Polícia

deveres e papéis mudaram muito desde sua configuração inicial. De 1808 a 1827, o

funções judiciárias e policiais se sobrepõem, o que só mudou com a promulgação da Medida Provisória

Código Penal que descentraliza as atividades policiais. Apesar de ter funções administrativas, a polícia era

visado como parte dos esforços constitucionalistas para restringir a autoridade real em 1821 (Schultz 2005). Em

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Em 1841, o cargo de superintendente foi abolido e cada província passou a ter um chefe de polícia.

Em 1842, um regulamento definiu os deveres da aplicação da lei administrativa e do

polícia, ambos sob a chefia do Ministério da Justiça. Em 1871, o setor judicial foi

separado da Polícia e foi criado o “Departamento de Inquérito Policial” estabelecendo um conjunto de

ações investigativas a serem realizadas pela Polícia Judiciária para apuração da existência e autoria

de um fato criminoso, e para possibilitar a ação judicial. É definido como procedimento administrativo persecutório.

Misse (2010) discutiu em profundidade a implicação do inquérito policial no Brasil, bem como

como a experiência de outros países como Argentina, Espanha e França.

Em 1873, a Guarda Nacional brasileira iniciou um processo de desmilitarização na tentativa de

retirar o poder do setor privado e concentrá-lo nas mãos do Estado. Também, após o

Guerra do Paraguai, muitos soldados que participaram do conflito foram recrutados em todo o país. O

últimas décadas do Império foram marcadas por um crescente interesse das províncias no uso de instrumentos policiais

forças.

O aparato de segurança no Brasil foi desenvolvido com a perspectiva de defender a nobreza e

com o objetivo de expandir as terras agrícolas pertencentes às oligarquias. Holloway (1997) explicou que quando

a colônia se transformou em Império e o Rio de Janeiro tornou-se sua capital urbana, a segurança

aparato estava mais preocupado com o bem-estar da nobreza do que com as populações. Lemos (2012)

destacou como o novo papel oficial estava preocupado com a organização da burocracia no

Secretaria de Segurança Pública e garantia da segurança pública. Nesse sentido, a polícia jogou

dois papéis diferentes: proteção contra a violência privada – o monopólio clássico da violência, e um

forma de governamentalidade burocrática. Porque foi através da polícia que o senso de hierarquia

foi instituído, com a introdução de salários, ordens e medidas de vigilância, Marcos Luis

Bretas e André Rosemberg (2013) argumentaram que as atividades policiais promoveram a implementação de

burocracia no Brasil, dando corpo a um processo de construção do Estado no país.

A Primeira República (1889 – 1936): Ação policial em áreas semiurbanas

A Proclamação da República (1889) também marcou o fim do tráfico atlântico de escravos no Brasil. O

fim do Império foi causado pela falta de apoio político. A Primeira República brasileira foi principalmente

articulado pelos militares no país. No entanto, da Costa (1998) afirmou que a Primeira

A República não foi resultado de uma tensão entre os valores modernos, liberais e democráticos representados

pela nova classe média urbana versus as oligarquias rurais com suas políticas totalitárias. Em vez disso,

foi causada por uma tensão entre as oligarquias tradicionais do Nordeste, economicamente

falidas mas politicamente fortes e novas oligarquias em São Paulo, que apesar de ricas

tinha pouco poder político. A República trouxe um novo alinhamento político marcado pela descentralização

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federalismo e pela ideia de ordem pública. O federalismo descentralizado e a feição agrária

do país ajudam a explicar a lógica que sustentaria as operações policiais no Brasil.

Esta seção fornece uma visão geral dos processos que levaram à institucionalização de uma polícia

vigor no país. A perspectiva adotada, no entanto, é a que a vê como uma resposta à

questões socioeconômicas e políticas informadas pela necessidade de controlar uma nova e recentemente livre

população de ex-escravos que fugiam para áreas urbanas do Brasil em busca de trabalho, e pela

fato de que a escravidão foi o principal modo de produção até bem recentemente. Na zona rural de

do país, que era a maioria, uma máquina política conhecida como coronelismo centralizava

domínio nas mãos de oligarcas locais personificados como coronéis.

Neste mesmo período histórico, a polícia passa a investigar e fiscalizar os movimentos sociais,

anarquistas e “estrangeiros perigosos”. A primeira mudança importante na polícia como instituição

foi a criação da Polícia Política em 1907. À época, foi criado o Órgão de Investigação da Segurança Pública22

com o objetivo de prevenir, investigar e instaurar mecanismos de


vigilância23 . O regulamento que o criou também reformulou a Polícia Civil24 . Em 1920 foi

substituída pela Inspecção de Segurança Pública e Investigação25 , que se transformou na 4ª º

Delegacia de Polícia Política em 1922, 26 alguns meses depois de uma rebelião militar contra o governo.

os 4 º A Delegacia de Polícia, a primeira do país dedicada a crimes contra o Estado, tinha um

unidade especial de ordem política e social, que incluía a repressão aos movimentos sociais.

Esta unidade vocacionada para “a segurança interna da república, para aplicar medidas preventivas ao

manutenção da ordem, assegurar o exercício dos direitos individuais e desenvolver a vigilância para

as manifestações ou desejos anárquicos e agir preventivamente para expulsar estrangeiros perigosos”

(Bretas 1997:30).

A criação dos 4 º A Delegacia de Polícia Política também ajudou a trazer à tona o conceito de

polícia, que se dividiu em três áreas distintas: a Câmara de Identificação e Estatística,

Serviços Forenses (que era na realidade uma morgue), e a Unidade de Investigações e Detenções; todos três

subordinado ao Ministério da Justiça. Estas iniciativas viram também a promulgação de um plano de carreira

para policiais e uma Escola de Polícia. As mudanças promovidas em 1922 modificaram uma

determinação presidencial de que só quem fosse formado em Direito poderia assumir a chefia do

22 Decreto n 3.610, de 14 de abril de 1900.

23 Decreto 6.440 de 30 de março de 1907.


24 A Polícia Civil no Brasil representa a Polícia Judiciária cuja principal função é investigar crimes. é subordinado

aos governadores dos estados e está sob o guarda-chuva da Segurança Pública.


25 Decreto Legislativo n 4003 de 7 º janeiro de 1920, depois regulamentado pelo decreto n 14079, em 25 de fevereiro de 1920.

26 Decreto 5.848.

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Papel da polícia. Em consequência, o Marechal Manoel Lopes Carneiro Fontoura – integrante do

militares, assumiu o cargo ganhando fama de ser o maior perseguidor de militares rebeldes

na década de 1920.

No processo de consolidação de uma força policial, é importante reconhecer seu papel histórico

na opressão racial numa época em que as áreas urbanas recebiam grande fluxo de ex-escravos

que estavam em busca de trabalho. Nesse momento, a polícia reinterpretou seu papel de gestora

desigualdade, um aspecto crucial do controle social. O Código Penal, reformulado em 1890, legitimou a

novo papel da polícia ao regular as práticas 'perigosas', como a vagabundagem, a prostituição,

embriaguez e capoeira. Holloway (1997) concluiu que o novo Código Penal permitiu melhor

controle sobre o que era considerado grupos perigosos ao criminalizar seu modo de vida. Da Costa

(1998) defendeu que um aparato repressivo foi usado contra um movimento proletário florescente,

revelando a preocupação de que tal comportamento civil possa ganhar dimensões europeias e tornar-se um

movimento organizado de classe social.

Ao interpretar o tratamento da polícia para com as populações criminalizadas, Maria Helena Souza

Patto (1999) em seu artigo sobre a articulação entre Estado, ciência e política durante a Primeira

A República contestou o que chamou de uma adaptação acrítica do poder disciplinar de Foucault

para analisar o contexto da Primeira República no Brasil. Ela argumentou que práticas como

violência repressiva sutil ou a predominância de uma pena não corporal moldada como

forma disciplinar de poder, identificada por Foucault nos países europeus na virada dos dezoito

século, não se correlacionava com o Brasil. Pelo contrário, uma forma disciplinar de poder não tinha lugar

quando a violência física impingiu contra aqueles que eram considerados perigosos para a nova política

estabelecimento. Patto (1999: 172) observou que instituições como hospitais psiquiátricos, escolas,

ou as prisões usaram o aparato repressivo com brutalidade.

Um exemplo é o uso de instituições psiquiátricas na pesquisa detalhada de Patto (1999) sobre a

articulação entre os hospitais psiquiátricos e a polícia. Ela mostrou que o Centro Psiquiátrico do Juquery

O hospital localizado em São Paulo fazia parte do aparato policial, uma vez que os pacientes

muitas vezes eram encarcerados sem receber tratamento de saúde mental, como argumenta Maria Clementina

Pereira Cunha (1988 em Patto 1999) em sua pesquisa em arquivos hospitalares. Mortalidade entre pacientes

era enorme. A maioria deles eram crianças, idosos e de comunidades negras. De acordo com

Patto, o que as pessoas viviam lá era um terror, “naquela época, como agora, as pessoas empobrecidas vivem

não precisa se enquadrar no Código Penal para ser alvo da polícia” (1999: 190). O hospital fez

não cumpre qualquer dever disciplinar. Pelo contrário, uma vez lá dentro - a maioria dos pacientes nunca

retornar à sociedade. Patto (1999: 190) argumentou que o que costumava quebrar sua resistência não era o

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poder disciplinar orientado pelo saber médico, mas a repressão policial, que resultou

em reclusão e autoimagem arruinada por meio de uma representação social negativa.

O mesmo tipo de sobreposição entre as instituições psiquiátricas e o Estado também pode ser visto no

caso do Hospital de Saúde Mental de Barbacena, nas décadas de 1960 e 1970 –

ditadura. Nesse hospital, foram internadas sessenta mil pessoas sem diagnóstico médico ou

doenças mentais para depois serem torturadas e mortas. Daniela Arbex (2013) que pesquisou o

hospital afirmou que sua população era de alcoólatras, prostitutas, mulheres grávidas e outras pessoas

que eram considerados excluídos.

O surgimento da polícia no Brasil é marcado por algumas características diferentes das relações sociais

presentes naquela época, como a escravidão, o colonialismo e o controle de uma nova classe trabalhadora industrial.

Daryle Williams (2001) argumentou que uma apropriação seletiva dos valores burgueses europeus

reforçou a autopercepção dos oligarcas de governar uma sociedade amplamente pobre e mestiça.

Nesse contexto, o radicalismo trabalhista, a premente “questão social”, a delinquência rural, a inquietação entre

oficiais militares subalternos e a classe média emergente continuaram a testar a noção de “Ordem e

Progresso". Alex S. Vitale (2017), refletindo sobre a criação e desenvolvimento de atividades policiais em

nos Estados Unidos, e também observou que esses elementos estão impactando fortemente as atividades policiais

e mentalidade nos Estados Unidos. Segundo ele, a polícia deve ser uma ferramenta para

administrar a desigualdade e manter o status quo. Essa ferramenta, como ele chama, é implementada suprimindo

movimentos sociais e controlando rigidamente os comportamentos de pessoas pobres e não-brancas: aqueles em

o lado perdedor dos arranjos econômicos e políticos. Vitale (2017) afirmou que uma sociedade policiada

teve suas raízes no século XVIII, quando um ponto de contato entre o aparato coercitivo do

o Estado e a vida dos cidadãos foram forjados para dar conta das demandas por justiça social. Para Vitale

(2017), quando a ordem social está em risco, seja por revoltas de escravos, greves gerais ou crimes e motins

nas ruas, as elites contam com a polícia para controlar essas revoltas. “Portanto, enquanto o

formas de policiamento mudaram à medida que a natureza da desigualdade e as formas de resistência a ela mudaram

mudou ao longo do tempo, a função básica de gerir os pobres, estrangeiros e não-brancos em nome de um

sistema de desigualdade econômica e política permanece” (Vitale 2017: 34). Na seção seguinte, eu

abordará a politização da polícia. Neste período, a polícia assume novas funções relacionadas com

dissidentes políticos e a repressão aos movimentos sociais, principalmente os ligados ao movimento sindical

direitos.

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A Era Vargas e o “Estado Novo”: Organizando um Estado-nação através

governo autoritário

Os desaparecimentos na ditadura militar têm suas raízes na narrativa nacional geral.

O aparato de segurança do Estado, existente na última ditadura, foi criado em outra

regime autoritário no Brasil – O Estado Novo. Getúlio Vargas assumiu pela primeira vez o cargo de Chefe do

Governo Provisório (1930-1934), depois como Presidente (1934-1937) e como Ditador (1937-1945)

inaugurando “O Estado Novo”, e novamente como Presidente democraticamente eleito (1951-1954).

Getúlio Vargas deu nome a esse período histórico – a Era Vargas.

A historiografia da Era Vargas (1930-1945) concentrou-se em seus avanços quando Vargas

direitos trabalhistas consolidados e sindicatos regulamentados. Boris Fausto, autor do livro de Getúlio Vargas

biografia, definiu o Estado Novo como “autoritário e modernizador” (2006: 91). Em termos econômicos,

Vargas protegeu o mercado cafeeiro e acredita-se que tenha liderado o industrialismo do país.

Dado que se tratava de um regime autoritário, não é de se estranhar que o Brasil começasse a construir sua

aparato de segurança da época, com características que permanecem até hoje.

A transformação do Brasil em estado-nação está amplamente associada, em termos historiográficos, ao momento de sua

independência e a primeira Constituição de 1824 (Derani, 2002). De acordo com esta interpretação,

a Independência cristaliza a ideia do povo brasileiro – e seu desejo de uma

país. Na época, a maior parte da população era formada por nobres, geralmente senhores de escravos, os escravos

eles próprios e alguns pequenos empresários. A independência também marcou o início da

burocratização no país e a Constituição de 1824 foi o marco jurídico da

novo estado-nação (Derani 2002: 90). Outras leituras destacam diferentes marcos para o brasileiro

estado-nação, como impostos (Costa 2003); lei e regra (Lopes 2003), ou o surgimento de elites locais

(Dolhnikoff 2003). No entanto, defendo que foi na Era Vargas que noções importantes,

como o nacionalismo e a homogeneização dentro das fronteiras, bem como a reivindicação da identidade do país

“modernização” ganhou força. Vargas concentrou-se na burocracia, homogeneização e

securitização, espelhando o processo europeu de consolidação do estado-nação (Carneiro, 1994).

Em relação ao papel e desenvolvimento da polícia, há carência de pesquisas, principalmente no que diz respeito

década de 1930, conforme aponta a revisão de literatura elaborada por Marcos Luiz Bretas e André

Rosemberg (2013) sobre este mesmo tema. Foi somente após a Comissão Nacional da Verdade (2012-

1014) permitiu a investigação de arquivos que possibilitaram pesquisas sobre o tema. Consciente

das raízes do aparelho de Estado, as investigações de violações de direitos humanos pelo

A Comissão da Verdade teve 1937 como ponto de partida. Esta seção apresenta inicialmente o surgimento do

aparato estatal “moderno” no Brasil. Eu uso o termo moderno aqui porque vou argumentar que, usando

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sob a ótica do aparelho de Estado, é na Era Vargas que o Brasil se consolida como
Estado-nação.

O rompimento do acordo político entre as duas oligarquias mais poderosas do Brasil

marcou a transição de um país predominantemente rural para sua nova fase urbana, levando a um golpe de Estado

convencionalmente chamado de “A Revolução dos anos 1930”. Como ditador, Vargas inaugurou o que chamou de

“Estado Novo” no Brasil, marcado pela crença geral de que a via autoritária era a única forma de

colocar o Brasil na direção certa; ou seja, no caminho da industrialização. Vargas defendeu

que um governo técnico, não envolvido com “jogos políticos” dos partidos políticos era o

solução para desenvolver o país (Romani, 2011).

O lema “ordem e progresso” inspirado nas ideias positivistas27 durante a Primeira República ainda era uma

inspiração. O desejo de um país desenvolvido atrelado à ideia de “modernização” legitimou

maioria das políticas de Vargas. Enquanto o positivismo afetou todos os países latino-americanos do

XIX, em nenhum lugar sua influência foi tão profunda e difundida quanto no Brasil. ganhou

apoiar criticando a monarquia, a escravidão e a Igreja retratando-os como os constrangimentos

do progresso natural da nação. Positivismo marca a história doutrinária do Exército Nacional

desde o período imperial, inclusive no período da proclamação da república e durante

a Primeira República quando a formação militar começa a ser profissionalizada (Bellintani, 2009). A maioria

versão heterodoxa do positivismo defende que a ordem é o estado policial e o progresso é uma sociedade

desenvolvido tecnicamente através do industrialismo (Bellintani 2009). O movimento deixou sua marca na

bandeira nacional onde se lê “Ordem e Progresso”. O lema evoca a necessidade de

seguir as regras do governo, e as manifestações sociais foram consideradas contra o nacional

progresso, uma ideia muito popular durante o governo Vargas. A importância do lema na

bandeira nacional seria renovada durante a Ditadura no país (1964-1985) quando o estado

manteve a ordem interna a qualquer preço, incluindo a repressão violenta de dissidentes políticos.

Williams (2001:5) destacou que o regime Vargas inicialmente se justificava como uma medida necessária

administrar a crise econômica e reformar as instituições políticas, inaugurando uma cultura política

no país que girava em torno do intervencionismo. Carneiro (2015) destacou que o estado

processo de construção da Era Vargas seguiu duas prescrições: a proteção do patrimônio

cidadão e o progresso material e moral do país. A segunda resultou na

aprofundamento da restrição à imigração. Como exemplo, havia uma proibição de judeus

cidadãos a entrar no país (Carneiro 2015). Alinhada ideologicamente com a Gestapo, a perseguição

27
O positivismo é um sistema filosófico baseado na visão de que nas ciências sociais e naturais, as experiências
sensoriais e seu tratamento lógico e matemático são a fonte exclusiva de todas as informações valiosas (Bellintani
2009).

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das Comunidades Judaicas no Brasil teve seu ápice alguns anos depois, quando Olga Benario, casada com o

líder do Partido Comunista no Brasil, foi extraditado para a Alemanha, após ser entregue a

Gestapo em 1936 (Carneiro 2012 e 2015; Gaspari 2003).

Com toda a atenção dada à ditadura militar no Brasil (1964 - 1985), menos atenção é

geralmente dada ao dispositivo estabelecido durante a era autoritária de Vargas. Embora Vargas

contou com o apoio das forças armadas durante seu governo, a polícia foi a instituição que

assumiu um papel de destaque no governo Vargas. Marcos Tarcision Florindo que pesquisou políticas

arquivo policial, (DEOPS/SP em português) pôde demonstrar as mudanças que o 4 º

Passou pela Delegacia de Polícia Política durante a Era Vargas.

Getúlio Vargas assumiu o poder, pela primeira vez, após uma ruptura no sistema eleitoral. O

sistema eleitoral foi organizado através de oligarquias regionais personificadas pelas elites paulistas

Paulo e produtores de café, e produtores de leite de Minas Gerais compartilharam o poder político usando um

arranjo político conhecido como pax republicana. Segundo ele, os presidentes do país devem

suplente, favorecendo uma das duas oligarquias políticas a cada eleição. O acordo foi colocado em

verificar quando o presidente Washington Luiz, de São Paulo, apoiou um candidato do mesmo

região. Getúlio Vargas, o candidato da oposição que não foi apoiado pelo

presidente, perdeu as eleições, mas organizou um golpe com a ajuda de uma junta militar em 1930.

coligação exilou Washington Luiz, suspendeu a constituição federalista de 1981 e colocou

medidas extraconstitucionais como forma de resolver a crise política entre as elites.

Pouco depois, a coalizão de Vargas transformou o golpe de 1930 em Revolução ao considerá-lo uma

força purificadora (Florindo, 2011, 2015)

Uma vez no poder, Vargas fortaleceu os órgãos federais e ampliou seus poderes para estabelecer

medidas de controle da produção agrícola, com impacto no mercado cafeeiro. Ele também criou

novas agências para coordenar as políticas de educação, saúde, relações de trabalho, política industrial e

comércio e fundou várias empresas estatais. A maioria das políticas de Vargas ainda está ativa em

o país (Williams 2001: 4-5). Florindo (2011: 124) afirmou que as reformas de Vargas, especialmente

trabalhistas, fortaleceram o controle das relações sociais pelo Estado.

Getúlio Vargas foi celebrado como uma figura messiânica que protegeu o novo estado contra a

ameaça comunista, especialmente depois de uma tentativa frustrada dos comunistas de tomar o poder durante

a Revolta Comunista de 1935. O golpe de Estado de 1937, legitimado pela ameaça comunista, que foi

reforçada pela Revolta Comunista de 1935, fechou o Congresso Nacional, extinguiu

partidos e eleições, e criminalizou os dissidentes políticos. Uma nova Constituição foi escrita.

O autoritarismo era considerado a única forma de conter as “novas forças” representadas pelo novo

102
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população urbano-industrial e comunismo (Schawrcz e Starling 2015). O “Estado Novo” foi

inaugurado em 1937.

Embora Vargas tenha governado com o apoio de forças militares, seu regime autoritário não foi uma

militar. Esta variação é importante porque mais tarde, embora as forças armadas estivessem no poder durante

da ditadura, a polícia não teve um papel secundário, pelo contrário, tem atuado paralelamente

com as forças armadas, mesmo que suas ações não sejam percebidas como políticas. Durante a década de 1930,

Vargas reforçou o papel da Unidade Especial de Segurança Social e Política (DEOPS, em

portuguesa), criada em 1924 como a 4ª º Delegacia de Polícia Política para prever e coibir atos políticos

dissidência. Nesse ponto, a unidade começou a mudar seu papel institucional (Florindo 2011: 125).

Entre suas atribuições, tinha que analisar publicações nacionais e internacionais, e levantar todos os

organizações públicas e indivíduos suspeitos. Florindo (2011: 125) também destacou que o

forma truculenta como a unidade de polícia política controlava a classe trabalhadora caracterizaria a forma como

a polícia trabalhou no Brasil por muitos anos. Ele também enfatizou seu comportamento arbitrário

às normas jurídicas, modificando-as por sua própria vontade.

O DEOPS foi desmembrado para dar origem a dois órgãos, um voltado para a política e o

outro no social. Houve um foco especial na reconfiguração do que é social e político

desvio significaria. Os órgãos deram atenção à vigilância e repressão daqueles que

instigou a violência de classe incitando greves ou revolução social (Florindo 2011: 126). Foi também durante

década de 1930 que a polícia conseguiu recursos financeiros, contratou e treinou agentes, organizou seu

estrutura, assumiu novas funções e iniciou um processo de burocratização. As unidades de polícia política

ganharam recursos do estado federal para ampliar suas atribuições, e uma nova unidade foi criada

responsável pelo “inquérito policial”, tornando o processo de investigação policial mais normativo (Misse

2010).

Florindo (2011) argumentou que a nova divisão policial indicava uma mudança na forma como as questões sociais

foram percebidos durante o período Vargas, que passou de ser visto como um problema de polícia, para

sendo considerado um problema de polícia política e de Estado. A fim de resolver os problemas causados por “o

classes perigosas” sem provocar contestação ou resistência política, era preciso

distinguir crimes sociais e políticos de crimes comuns (Florindo 2011: 127). Como um político

mecanismo, isso é muito importante porque destaca a necessidade política de criar uma exceção,

segundo a qual certos crimes e punições relacionadas devem ser separados do comum

crimes. Essa lógica pode ser observada durante a “guerra às drogas”, como explicarei mais adiante neste capítulo.

A regulação social era tão central para Vargas que a polícia política gradualmente expandiu seu

funções de levantamento da classe trabalhadora e dissidentes políticos para incorporar outras atividades.

103
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A lista abrange a vigilância da circulação de estrangeiros dentro e fora do país,

o trânsito de pessoas em aeroportos e estações de trem, a repressão de crimes contra a população

economia, a fiscalização da produção e distribuição de armas e a vigilância de hotéis

e seus convidados (Florindo 2011: 129). A divisão dentro da polícia mudou muito ao longo da década de 1930

mostrando iniciativas de cooperação com a polícia do Uruguai e o Federal Bureau americano

de Investigação. Quanto à organização estrutural, seguiu o exemplo da União Soviética

Police, British Secret Service and Nazi Gestapo (Florindo 2011: 132). Com sede em São Paulo, o

O sistema começou a se expandir em 1936, primeiro para o Rio de Janeiro e depois para o resto do país.

No entanto, houve resistência no nível estadual à centralidade administrativa da polícia.

Mecanismos de gestão foram incorporados à estrutura das polícias de outros estados.

Florindo (2011: 134) argumentou que, embora a burocracia pudesse trazer legitimidade

intervenção, não deve condicionar a actividade da polícia ao nível da rua, onde o arbitrário

ação era um requisito para uma intervenção efetiva.

É também o mesmo aparato policial, criado durante a Era Vargas que mais tarde durante a ditadura militar

ditadura (1964-1985) voltaria a ganhar importância em seu papel de repressão política e social.

Getúlio Vargas nunca negou seu apreço pelo governo fascista da Itália e pela Gestapo

polícia na Alemanha. Foi também durante este período que os cidadãos judeus foram proibidos de entrar no

populações do país e migrantes nas regiões sul do Brasil não foram autorizados a falar sua língua

língua nativa (Carneiro, 2012).

A historiografia tradicional do Brasil estabelece a saída da Coroa portuguesa como o início

do Estado-nação, acontecimento que pôs fim ao Império e deu início à Primeira República. EU

argumentarão o contrário, que o processo de construção do Estado no Brasil só começou mais tarde. Ao discutir o

aparatos de segurança e polícia no Brasil, é fundamental discutir a Era Vargas porque é através dela que

medidas autoritárias, como destaca Heather Rae (2002) em relação ao processo europeu, que

O Brasil se consolida como Estado-nação. O que é importante observar, entretanto, é como a ideia

da modernidade desempenha um papel crucial no imaginário nacional, como necessidade de se afirmar como nação

Estado e ator no sistema internacional. Esta seção discutiu como a polícia, como um estado

aparato, evoluiu para fazer valer o regime autoritário, que é visto como benéfico para o país

restringem novas populações urbanas disruptivas. Como destacam Bretas e Rosemberg (2013: 172),

as pesquisas sobre a polícia a partir da década de 1930 ainda carecem de mais trabalho. O arquivo das unidades policiais foi

apenas recentemente aberto pela Comissão da Verdade (2014).

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A Ditadura Militar (1964-1985)

A onda de golpes de estado liderados pelo Exército que começou em 1964 no Paraguai se espalhou por toda a América Latina

América e foi marcado pelo autoritarismo, violência e presença de grupos militares no

domínio político. No Brasil, não havia, pelo menos no início, a intenção de que tal cenário

se tornaria permanente, nem que profundas reformas institucionais ocorreriam (Aquino, 1999;

Paixão, 2006). O Exército usou o legislativo para trazer legitimidade ao estado de exceção. De

1964 a 1969, 17 normas e decretos foram elaborados pelo Exército endossados pelo Presidente da República, que

era membro das Forças Armadas e aprovado pelo Conselho de Segurança Nacional. O primeiro

Ato Institucional, AI-1 – em português, alterou a Constituição Brasileira de 1946 no que diz respeito à

eleições presidenciais. A partir deste momento, as Forças Armadas tiveram o poder de cessar todas as

direitos políticos, inclusive legislativos. O AI-2 (1965) estabeleceu eleições indiretas e

reduziu o número de partidos políticos para apenas dois – a ARENA representando o governo,

e o MDB representando a oposição, mas também controlado pelo governo. Todos

Os Atos Institucionais prevaleceram sobre todas as outras leis e contribuíram para dar legitimidade ao

regime. O país ganhou uma nova constituição em 1967 imposta pelo quarto Ato Institucional,

AI-4. A nova constituição institucionalizou e legitimou o regime militar ao estabelecer

o poder do Executivo sobre o Legislativo e o Judiciário.

A ideia do inimigo interno, difundida pela Escola Superior de Guerra, responsável

para a formação de oficiais do Exército, foi a justificativa do golpe de estado, afirmando a necessidade de uma

transição da democracia para a ditadura. Assim como na Primeira República e na Era Vargas, o

as forças armadas ficaram encarregadas de “limpar” e “consertar” o país contra a corrupção, colocando o

país de volta na direção “certa” e derrotando a guerra comunista revolucionária (Leandro

de Araújo, 2011; Araújo, 2013). Como será discutido mais adiante, a ideia de um inimigo interno é

retomada no contexto da intervenção militar nas favelas (Carvalho, 2006; Martins, 2013).

A Polícia de Segurança Nacional, que definia as linhas orientadoras dos objectivos nacionais, englobava diferentes

esferas, como as esferas política, econômica e social, bem como as militares. O político

esfera foi marcada pelo afastamento de todos aqueles que pudessem ser contra o novo regime. O primeiro

medida tomada pelo Exército, expressa no AI-1, foi a suspensão dos direitos políticos de todos

cidadãos considerados contrários ao regime.

Em relação à sociedade, houve um debate ideológico, que deslegitimou reivindicações por justiça social

em relação aos trabalhadores, estudantes, camponeses ou soldados de baixa patente, associando-os a

comunistas ou anarquistas. A esfera militar estava no centro desse novo regime. Com enorme

investimentos, a esfera militar foi profundamente marcada pela criação do Serviço Nacional de Inteligência

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Serviço (SNI, em português). A agência, criada em 1964, era a espinha dorsal do regime

com foco na identificação e articulação com ações anticomunistas (Comissão de Familiares de

Mortos e Desaparecidos Políticos, 1995; Passetti, 2013). A Política de Defesa Nacional foi

permeado pela ideia de um inimigo dentro das fronteiras, movido por um objetivo ideológico de tornar o

população suspeita. Entendendo o conceito de defesa nacional como proteção do

fronteiras contra ataques estrangeiros, as forças de defesa concentraram sua atenção em inimigos dentro do

fronteiras nacionais. Informado pela bipolaridade internacional da Guerra Fria, com os Estados Unidos

representando a democracia versus a União Soviética representando o comunismo, o termo comunista

subversivo caracterizava aqueles que deveriam ser eliminados (Bueno, 1985; Bauer, 2011). Alves (2005)

concluiu que, ao criar esse tipo de inimigo, o governo desenvolveu dois tipos de defesa

estrutura baseada na criação de um aparato repressivo respaldado pelo controle armado para coagir

a população e em uma rede de informações para identificar o inimigo, principalmente com base na tortura.
desde o início do Br. cidadão tem
A presente seção examinará primeiramente a estrutura das forças armadas, que articulada com o conceitos diferentes daqueles
utilizados na Europa, talvez lá fosse
Polícia e empresas privadas na luta contra o comunismo. Esta análise destaca como o mais fácil entender todos como
iguais, visto não serem negros,
A ideia de cidadania, iniciada na Era Vargas, continua durante o regime militar. índigenas, mesmo os pobres são
europeus brancos…

De acordo com o trabalho recente da Comissão Nacional da Verdade (NTC 2014), assassinatos políticos

e desaparecimentos fizeram 434 vítimas no Brasil durante o Regime Militar (1964-1985). o NTC

examinou como o aparato de segurança do estado foi disseminado com as noções de 'fazer morrer' e

'fazer desaparecer', trabalhando em conluio com instituições públicas e privadas, como o necrotério,

cemitérios, cartórios e empresas privadas (2014:320). Enfocando as forças armadas como

principais perpetradores de tais violações, o CNT conseguiu rastrear a aliança entre as Forças Armadas

Forças e a polícia na época (2014:729). Entre as amplas técnicas de violência

implantados pelo Estado, sendo a tortura o mais difundido, os desaparecimentos forçados tornaram-se

o símbolo do regime. Em termos numéricos, o Brasil não foi o cenário mais dramático em relação

o desaparecimento de grupos de esquerda durante o regime autoritário (1964-1985) em comparação com

outros países do Cone Sul. O número oficial de desaparecimentos políticos no Brasil,

segundo o Relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014) no Brasil, foi de 243 casos, que

é responsável por mais da metade do total de 434 vítimas fatais. No entanto, mesmo que os números em

O Brasil não é muito dramático, os números merecem mais atenção. Por exemplo, os indígenas

populações e trabalhadores rurais não foram incluídos nos números do “desaparecimento político” pelo

Comissão Nacional da Verdade, ou por outras iniciativas semelhantes nesse sentido. Classificando alguns

vítimas como desaparecidas forçadas, o processo da comissão da verdade politizou os desaparecimentos forçados

fixando-o em determinado momento histórico, a ditadura, onde as vítimas são os esquerdistas

grupos e os perpetradores, o Exército. Tudo o mais fora desse quadro é despolitizado. Eu defendo

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isso é crucial para entender como os desaparecimentos e as mortes policiais são despolitizados em

Brasil contemporâneo.

As Forças Armadas e a Polícia: o aparato de segurança contra grupos de esquerda: tortura, assassinatos e

“desaparecimentos políticos”.

A cooperação entre a polícia e as forças armadas teve diferentes configurações ao longo do tempo.

O Departamento de Ordem Social e Política - DOPS, criado em 1924 durante o Estado Novo

(1937-1946), sofreu muitas mudanças em sua hierarquia e estrutura até atingir uma

exemplar durante a ditadura. Antes da ditadura, sob a administração da polícia, o

departamento era responsável por investigar movimentos sociais e greves, fiscalizar sindicatos e

produzindo reportagens sobre atividades políticas fora dos centros urbanos. Durante a década de 1960, também começou

investigar sindicatos estudantis e grupos guerrilheiros, censurar a mídia e fornecer documentos

para candidatos a emprego certificarem potenciais empregadores de que a pessoa nunca havia sido listada no

registros do departamento (Relatório NTC 2014 162 v1). Com o fim da ditadura, o DOPS foi

substituído pela Polícia Civil, cuja estrutura será explicada.

A cooperação entre as Forças Armadas e a Polícia foi concebida inicialmente com os Bandeirantes

Operação (Oban) criada em 1969. A ação conjunta reuniu diversos órgãos e

diferentes níveis do aparato de segurança. A ideia era centralizar o trabalho da inteligência

unidade contra grupos subversivos. A operação que tinha sede em São Paulo foi

coordenado pelo Departamento de Operações de Informação e pelo Centro de Defesa Interna

Operações, DOI-CODI. O Centro de Investigação e Inteligência foi criado pelo Exército

e financiados por empresários do setor de energia. O principal objetivo dessas organizações era

lutar contra o inimigo interno que ameaçava a segurança nacional. A sede da

OBAN e DOI-CODI em São Paulo foi o local onde o maior número de pessoas foi

torturados e desaparecidos (Relatório NTC – volume 1, 2014). Envolveu uma colaboração entre o

polícia e uma força-tarefa do Exército; um modelo replicado em muitas unidades do país28 (Relatório NTC

2014 112 v1). Posteriormente, o trabalho realizado pela Oban foi assumido pelo DOI-CODI (NTC

Relatório 2014 165 v1).

Quando o DOI-CODI assumiu as atribuições da Oban, o DOPS/SP deixou de ser

o principal ator do aparato policial repressivo. Em 1975, o Departamento de Assuntos Sociais e Políticos

Ordem de São Paulo, DOPS/SP, foi realojada na Secretaria Estadual de Assistência Social

28
O Exército dividiu o país em áreas como São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Porto Alegre,
Salvador e Curitiba; o Departamento de Informação e Operação seguiu a divisão proposta pelo Exército nacional
tendo centros operacionais em cada uma dessas cidades.

107
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e Ordem Política (DEOPS/SP), em funcionamento até 1983. As informações levantadas

pelo Grupo de Trabalho do NTC é que pelo menos oito pessoas desapareceram naquele local entre junho

1969 e outubro de 1973 (Relatório NTC 2014). De acordo com o Relatório do NTC (2014), o DOPS/SP

ainda era importante porque coordenava outras atividades que eram necessárias para cobrir a tortura e

desaparecimentos, como o Instituto de Criminalística, o Cartório e uma equipe exclusiva sob

delegado de polícia Sergio Paranhos Fleury (Relatório NTC 2014 165 v1). o comissário

conhecido como Fleury liderou um esquadrão da morte durante a ditadura responsável por matar “pessoas comuns

criminosos”, ou seja, criminosos não ligados à luta política (NTC Report 2014 166 v1).

O esquadrão da morte comandado pelo comissário Fleury mostra que a violência perpetrada por policiais

durante a ditadura não era apenas contra adversários políticos. A cooperação entre o

forças armadas e a Polícia nos termos acima descritos mostra que as forças armadas foram

dirigido para suprimir o inimigo interno, ou seja, grupos comunistas que queriam assumir

poder. A polícia estava encarregada não só do apoio institucional, mas também dos “esquadrões da morte”,

cuja preocupação eram os considerados “criminosos comuns”.

O regime militar brasileiro (1964-1985) seguiu uma lógica semelhante para a repressão de

grupos comunistas para isso durante a Era Vargas. Considerada uma ameaça, a ditadura militar

no Brasil utilizou como pano de fundo ideológico a ideia do inimigo interno, articulada pelo

Serviço de inteligência. As forças armadas gradualmente se fortaleceram aplicando métodos como

como tortura e desaparecimentos de seus opositores com o apoio de outras instituições, como

como necrotérios, hospitais e cemitérios, para apagar o ato de fazer desaparecer alguém. Isso é

importante estabelecer semelhanças e diferenças entre as práticas em vigor durante o

ditadura e casos contemporâneos (1985-2015), que servem para ilustrar como a sociedade e

instituições estão lidando com esse tipo de violência.

O Relatório da Comissão Nacional da Verdade – NTC (2014) apontou que os desaparecimentos forçados

foram uma prática sistemática aplicada pela ditadura civil-militar para intimidar seus

opositores e uma estratégia para cobrir violações do Estado, como tortura e assassinatos perpetrados por

agentes contra os comunistas. Robben (2005), que discutiu a ditadura argentina,

destacou que o desaparecimento foi uma estratégia para espalhar o medo na sociedade. Em 1973, os desaparecimentos

havia se tornado um fim para aqueles que foram sequestrados e torturados pelo Exército. Além de ser uma forma

de esconder pessoas “indesejadas” pelo regime, os desaparecimentos também foram implementados como um meio

esconder provas de atrocidades cometidas pelo regime (Robben 2005).

No Brasil, os desaparecimentos foram usados para cobrir casos de tortura seguida de assassinato perpetrados por

agentes estatais dentro de bases oficiais ou em acampamentos não oficiais. É difícil precisar quantos

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pessoas foram torturadas durante o regime militar no Brasil. Setenta e cinco mil pedidos foram

apresentado pela Comissão de Anistia, criada em 2002 pelo Ministério da Justiça. A tortura era

usado para obter informações de e sobre aqueles considerados comunistas ou subversivos. Outra maneira

identificar os torturados é por meio de depoimentos de sobreviventes (Fon, 1979; CV-SP, 2014).

O Relatório do NTC afirmou que 191 pessoas morreram como consequência da tortura de 1946 a 1988.

De relatos de confronto com a polícia à encenação de suicídios dentro das celas, muitos

foram as tentativas de esconder a violência ocorrida nas celas do Exército. Comissão Nacional da Verdade

organizou os relatórios de assassinatos e desaparecimentos políticos por ano. Os dados apresentados pelo

O Relatório do NTC informou que:

“O falso confronto envolvendo arma de fogo foi apresentado em 32% dos depoimentos

apresentado pelo Exército para justificar a morte de seus opositores, o que sugeria certa

preferência em encená-lo. Essa estratégia mudou a partir de 1971, quando havia 30 casos

de desaparecimentos forçados, um pico enorme em relação ao ano anterior, quando

14 pessoas desapareceram à força. Em 1972, o número de desaparecimentos, 44,

foi maior que o número de óbitos, 25. A tendência continuou nos próximos

anos. Em 1973 houve 15 mortes e 54 desaparecimentos políticos; em 1974 havia

duas mortes e 53 desaparecidos; em 1975, sete mortos e oito desaparecidos. Esses

os dados indicam uma mudança na forma como o aparato repressivo encobria seus crimes. Em 1976,

houve 11 mortes e 11 desaparecimentos. A partir de 1977, o número de

as vítimas começaram a diminuir. Neste ano, e no próximo, houve duas mortes e

dois desaparecimentos. Em 1979, foram seis óbitos e em 1980, cinco óbitos e

cinco desaparecimentos. Em 1981, ninguém foi registrado como vítima de violência política.

A partir de 1982, não há informações que indiquem casos de

desaparecimento. Até 1985, houve quatro mortes. Ainda há oito

ocorrências sem informação” (Relatório NTC, volume 1, 2014:443).

As narrativas usadas para cobrir assassinatos ocorridos como consequência de tortura também foram usadas para

cobrir desaparecimentos forçados. Até 1973, tortura e assassinato de opositores do regime eram frequentemente

seguido pela encenação de falsos suicídios ou relatos de confronto com a polícia. Enquanto o

regime foi considerado legítimo, houve um aumento no número de pessoas sendo torturadas e

mortos – principalmente após o 5º Ato (AI-5) de 1968. A partir daí, as Forças Armadas

desaparecimentos forçados institucionalizados como prática para encobrir suas violações.

A partir desse momento, os desaparecimentos forçados envolveram corpos sendo enterrados sob

nomes diferentes ou classificados como não identificados. O Exército não deu nenhuma informação à família

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sobre o destino daqueles que estavam desaparecidos. O Exército frequentemente enganava as famílias, direcionando-as para

diferentes quartéis militares em todo o Brasil. Segundo depoimentos de famílias e muitos

documentos encontrados pelo NTC Working Group (NTC Report, 2014) que o aparato repressivo conhecia

onde o desaparecido se deu porque a informação estava registrada em documentos produzidos pela

regime, no entanto, eles dariam deliberadamente informações imprecisas ou deixariam de informar a família.

A narrativa fornecida pelas forças armadas geralmente reforçava a culpabilidade da vítima por sua ou

o destino dela.

Foi principalmente de 1974 a 1976 que o regime militar investiu na eliminação do comunismo do

Brasil. Durante esse período, o regime encarcerou quase setecentos militantes de esquerda e

matou mais de vinte dirigentes de partidos e associações comunistas (Gaspari, 2003). De 1964

até 1985, o regime também matou e fez desaparecer 434 guerrilheiros. Seguindo um plano político

para organizar uma nova eleição no Brasil, a ditadura militar no Brasil terminou em 1985 com a primeira

eleições indiretas. As eleições diretas só aconteceriam em 1989.

A violência contra os comunistas por motivos ideológicos cessa com o fim da ditadura. O

aparato de segurança do Estado criado para trabalhar contra o inimigo interno – o suposto comunista,

que operava em regime oficial de exceção foi desarticulado. No entanto, outra segurança

aparato, existente antes mesmo da exceção colocada pela ameaça comunista, continua. Esse

outros aparatos de segurança visam principalmente comunidades racializadas em favelas e periferias urbanas

áreas no Brasil. Isso não quer dizer que durante a Era Vargas ou o Regime Militar, esse outro estado

aparelho não estava funcionando. No entanto, do ponto de vista da memória nacional, raras são as

ocasiões de assassinatos e desaparecimentos em comunidades não engajadas com o comunismo. O

segundo volume do Relatório da Comissão Nacional da Verdade (2014) foi dedicado à violação

de direitos humanos entre comunidades indígenas, homossexuais, trabalhadores, trabalhadoras rurais, etc.

relatório do Grupo Comissão da Verdade no Rio de Janeiro (2015) dedicou um capítulo à violência

nas favelas, violência contra homossexuais com viés racializado e grupos de extermínio. A Verdade do Recife

Relatório da Comissão (2017) apresenta alguns capítulos sobre a biografia de desaparecimentos “políticos”

dos membros da Liga Camponesa.

Embora o termo desaparecimento forçado seja utilizado pela Comissão da Verdade quando se refere a indígenas

comunidades, por exemplo, o termo não circula amplamente na mídia. intimamente relacionado, mas

Com um significado mais restrito, os “desaparecidos políticos” referem-se àqueles que, por causa de sua

engajamento político com a ideologia comunista, foram mortos e desaparecidos pelos militares

regime (1964-1985). As consequências de tal compreensão do termo são duplas, em primeiro lugar,

quanto à operacionalização do aparato de segurança, lança uma sombra sobre a violência

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perpetradas contra outros grupos, despolitizando também suas lutas. Em segundo lugar, tornando o termo

incontestável, o “desaparecimento político” torna-se tão fortemente associado à ditadura que

não é possível discutir esse tipo de violência em outros contextos. Um exemplo é como foi

retratado na mídia logo após a ditadura.

Redemocratização no Brasil: Novos atores e um dispositivo na

governamentalidade da morte

As décadas de 1960 e 1970 marcaram o surgimento de novos episódios de violência urbana, especialmente no Rio

de Janeiro e São Paulo. O surgimento de esquadrões da morte e chacinas perpetradas pela polícia

policiais contra crimes não relacionados à ameaça comunista foram transmitidos e amplamente divulgados

pela mídia (Da Costa, 1999). Nesse contexto, o aparato estatal envolvido na violência política

contra o comunismo também fazia parte da violenta luta urbana. Um ponto constante de debate é a

até que ponto a ditadura militar penetrou nas relações sociais e na vida cotidiana. Entre muitos

recomendações, a Comissão da Verdade do Rio de Janeiro, em seu relatório final (2015) apontou

a necessidade de responsabilização externa em casos de violência perpetrada pela polícia e seus


militarização.

Tradicionalmente organizada em torno do campo da Violência Urbana, a literatura sobre segurança pública no

O Brasil é fortemente marcado pelos conceitos de cidadania, pobreza e desenvolvimento. Alba Zaluar (1999)

que explorou como essa literatura abordou a questão da violência no Brasil nos últimos 25 anos

identificou duas grandes tendências. De um lado, seguindo uma tradição marxista, pesquisadores brasileiros

comumente usam uma perspectiva foucaultiana na tentativa de explicar a correlação entre

mecanismos de poder e disciplina evidenciados nos sistemas policial e prisional (ver Adorno 1990;

Carrara, 1991; Kant de Lima, 1989 e 1997; Misse e Motta, 1979). Por outro lado, há

são aqueles que focam no dispositivo democrático e como ele assume o controle da criminalidade (ver Bretas,

1997; Cavalcante, 1985; Fisher, 1985; Velho e Alvito, 1996). No final do regime militar,

os pesquisadores estavam mais preocupados em compreender o desafio da construção de um

sociedade marcada por intervenções militares (Zaluar 1999). Na década de 1980, o debate sobre as causalidades da

violência no Brasil foi politizada e dicotomizada (Zaluar, 1999) entre aqueles que entendiam

miséria, exploração capitalista ou falta de investimentos em educação como as razões do aumento

na violência urbana, e outros que decidiram investigar questões institucionais como práticas policiais de

violência com o objetivo de solucionar o problema por meio do aprimoramento de políticas públicas.

O aparato policial neste momento foi marcado pelo surgimento de grupos de milícias, pela ação de

esquadrões da morte – muitas vezes responsáveis por desaparecimentos, e pela continuidade de um dispositivo

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chamados Autos de Resistência, criados durante a ditadura. A presente seção se concentrará em

discutindo o impacto de grupos de milícias e esquadrões da morte, e o dispositivo de Autos de Resistência,

que eu defendo, é um aspecto importante da governamentalidade da morte. Esses tópicos serão

discutido à luz da “guerra às drogas”, que acaba por justificar, legitimar e despolitizar

mortes resultantes.

Automóveis de Resistência

Os homicídios cometidos por policiais de plantão, conhecidos como “autos de resistência” (Autos de

Resistência em português), higienizar os assassinatos cometidos em nome da aplicação da lei,

incluído no Código Penal como homicídio culposo. A norma foi assinada pela primeira vez pelo Conselho de Segurança

Secretário do Rio de Janeiro durante a ditadura no país e depois virou artigo no

Código Penal Nacional. Segundo ela, não há crime se o agente agiu por necessidade, auto

defesa, no estrito cumprimento de um dever estatutário, ou no exercício da lei (Misse et al. 2013).

Misse et al. (2013) destacou que a diferente categoria atribuída a esses crimes influencia como

processos judiciais relacionados são conduzidos no Sistema de Justiça Criminal e explica por que há

quase nunca há contestação das versões apresentadas pelos policiais. O problema é que

“assassinatos por resistência” foram distorcidos pela polícia, que pode fazer com que as cenas do crime pareçam

resultado de um confronto. Misse et al. (2013) comparam essa situação com o que ocorre no

Estados Unidos da América, onde as mortes cometidas por policiais em serviço não são classificadas como

uma categoria diferente, argumentando, no entanto, que embora essas investigações sigam o mesmo caminho de qualquer

outro homicídio, o resultado sugere que eles são tratados de forma diferente.

Os números da violência policial no Brasil são surpreendentes. O número médio de assassinatos cometidos pela polícia

no Brasil mais de seis dias é equivalente ao número médio na Grã-Bretanha ao longo de vinte e cinco anos (Anistia

Internacional, 2015). Só a polícia do Rio matou mais de dez mil pessoas de 2001 a

2011. Pesquisa realizada por Misse (et al. 2013) discutindo os critérios, discursos e relações

que se desenrolam no período entre o registro de um “assassinato de resistência” para o tribunal final

decisão, concluiu que execuções extrajudiciais estão sendo realizadas sob o pretexto de

“assassinatos de resistência”. Além disso, a conivência dos membros do tribunal sugere que a questão

pode ser mais profundo do que apenas o engano da polícia.

A decisão sobre Autos de Resistência não é tomada apenas por policiais, mas é apoiada por outros

esferas públicas – também incorporando a decisão soberana. Pesquisa conduzida por Ignacio Cano (1998) sobre a

procedimentos adotados pela Justiça Militar no inquérito dos Autos de Resistência mostraram que

no Rio de Janeiro, 295 processos foram arquivados, de um total de 301, a pedido do

Ministério Público (Cano 1998).

112
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Autos de Resistência tem sido problematizado em seus múltiplos aspectos, como a forma como é noticiado,

a forma como é investigado, e o modo como é usado para cobrir execuções sumárias, como discutirei

avançar. Michel Misse (2011) explicou que o primeiro passo após a morte de um policial durante

operação é registrar a ocorrência na delegacia. No entanto, uma vez classificado em

“Homicídio por Auto de Resistência” é escrito um relatório descrevendo os eventos que levaram a isso

homicídio. Conforme orientação do Secretário de Estado de Segurança Pública durante a ditadura, o

pessoa assassinada é descrita de duas formas contrastantes: como “vítima”, pois foi assassinada,

e como “autor” de algum crime que originou o confronto, como roubo, resistência à prisão,

ou tentativa de homicídio contra os policiais. Misse (2011: 10) afirmou que a formalização de

a culpa pela qual as pessoas são criminalizadas por meio de “uma narrativa que justifica sua morte” é quase

sistêmico. Todas as investigações de homicídio no Brasil, sejam elas voluntárias ou involuntárias, desencadearão uma

inquérito policial pela inegável materialidade representada pelo corpo.

A discussão sobre como os Autos de Resistência são noticiados e investigados reflete a preocupação que

este dispositivo está sendo usado para cobrir execuções sumárias. Um perseguidor público afirmou que quase todos

os casos que examinou que foram classificados como Autos de Resistência eram, na verdade, falsos (Direitos Humanos

Veja 2009: 30). Souza (2014: 171) apontou que em muitos casos as evidências indicam que o

o assassinato aconteceu após o confronto entre policiais e traficantes. Em outros casos,

evidências apontam que não houve confronto – como no exemplo de Juan, que será

discutido no capítulo 5. Policiais da Polícia Militar e da Polícia Civil costumam afirmar que

“bandido merece morrer” justificando a letalidade policial em situações em que o assassinado foi

envolvido com o crime em algum momento de sua vida (Misse 2011:40). Souza (2014:173), que

comparou as mortes causadas pela polícia em São Paulo com números de outros países, concluiu que em São Paulo,

a polícia matou 0,97 pessoas por 100.000 habitantes, em comparação com a África do Sul, 0,96/100.000,

e nos Estados Unidos, 0,12/100.000 (Human Rights Watch 2009: 35).

A necessidade de forças militarizadas e o uso de Autos de Resistência mudou ao longo de diferentes

governos. A ascensão das milícias no Rio de Janeiro seguiu implícita, e por vezes explícita,

apoio dos governos estaduais (Cano 2008, Gaffney 2012 e Souza 2010). durante o re

período de redemocratização (1987-1991), os policiais utilizaram a categoria de “pessoa desaparecida” para

homicídios cometidos pela polícia (Souza 2010: 158). Mais tarde, durante o governo de Marcelo Alencar (1995-1999), a polícia

os oficiais receberam um “Bônus de Bravura” pelo melhor desempenho. Uma série de denúncias acusadas

policiais de falsificar provas para fazer execuções sumárias parecerem Autos de Resistência.

Em outros casos, a polícia foi acusada de matar aqueles que tentavam fugir (Filho 2004). De acordo com

para Farias, os policiais foram instruídos a “atirar primeiro e perguntar depois” (Farias 2014: 34).

113
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Em 2012, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos recomendou o abandono dos Autos de

Resistência, e Rio de Janeiro e São Paulo pararam de usar a expressão. Em 2016, o Superior

Conselho de Polícia, Delegacia de Polícia Federal e Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civis

aboliu o termo. No entanto, o termo foi substituído por "lesão corporal decorrente de oposição

à intervenção policial" ou "homicídio decorrente de oposição à ação policial" - que, segundo

para Cano (in Nexo, 2017), ainda indica que houve resistência e, consequentemente, uma presunção

da culpa da vítima.

Analiticamente falando, ao registrar um óbito na delegacia e produzir um documento legal,

o policial permanece dentro da lei; mas ele também está fora da lei visto que seu ato é por

definição de “homicídio ilícito”. Além disso, o termo Auto de Resistência pode ser analisado dentro

um enquadramento semelhante ao usado por Agamben ao abordar uma lacuna na lei. Conforme discutido em

capítulo anterior, quando não há definição que esclareça a diferença entre consumidores de drogas

e traficantes, cria-se uma lacuna na lei que deixa espaço para o policial tomar uma decisão

– é a primeira decisão soberana de uma autoridade que será legitimada, ou não, por outra

atores em posição de autoridade, como é o caso de um advogado.

Ao discutir a interseção entre lei, lacuna, assassinatos e a narrativa da “guerra contra

drogas”, que atinge uma parcela específica da população, é importante trazer à tona

relação entre o direito e a decisão soberana. Para Agamben “o soberano, tendo o direito

poder de suspender a vigência da lei, coloca-se legalmente fora da lei” (1995: 17). De fato,

a condição de exceção ocorre uma vez que o soberano tem o poder de fazer cumprir a lei, de criar

novas leis, ou mesmo contorná-las. Agamben (1995) explica que uma relação de inclusão e

regime de exclusão/exceção se constituem quando o soberano cria uma exceção.

Grupos de milícias e esquadrões da morte: execuções sumárias, chacinas em massa e


desaparecimentos

Ao longo das últimas décadas, a imagem dos desaparecidos e suas famílias começa a aparecer na

cena pública, mas não enquadrada como tal. Durante a década de 1990, por exemplo, o tipo de violência que

mais visíveis eram as chamadas “chacinas” associadas a “esquadrões da morte”.

Posteriormente, o aumento do número de Autos de Resistência, que atingiu o pico em 2008 com 2.232 vítimas

no Rio de Janeiro (Misse 2011)29 , atraiu grande atenção do público em geral,

mídia e movimentos sociais, que focaram nos assassinatos perpetrados pela polícia. tão dramático

números aumentaram a tensão entre a polícia e os traficantes e muitas vezes fizeram moradores de favela

vítimas no confronto resultante. O fato é que assassinatos têm mais visibilidade do que

29
Em 2014, a polícia no Brasil matou mais de 2.500 pessoas (G1, 2015).

114
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desaparecimentos dado que este último é muito mais complexo tanto em termos de investigação como

responsabilidade.

Como há uma sensação geral de que os desaparecimentos são causados por grupos de milícias, vale ressaltar que

os membros da milícia geralmente são policiais de folga ou aposentados. Ao longo dos anos, esses grupos

assumiu o controle de mais da metade das favelas do Rio (Cano, 2008; Gaffney, 2012; Oosterbaan e van

Wijk, 2015). O principal objetivo desses grupos é “limpar a área” e “manter a paz” (Ribeiro

e Oliveira, 2010). Suas atividades geralmente estão relacionadas à luta contra o domínio das drogas

cartéis, e sua ação é legitimada pelo entendimento de que “quem mata bandido é

não fora da lei” (Monteiro 2007: 174). Mais recentemente, milicianos estão participando de

as eleições parciais. Enquanto os traficantes se concentram no comércio de drogas e armas, as milícias

oferecia todo tipo de serviço aos moradores da favela, como televisão a cabo, gás de cozinha e

segurança aos lojistas (Ribeiro e Oliveira, 2010; Gaffney, 2012). É importante notar que

as milícias estão mais presentes no Rio de Janeiro do que em São Paulo.

Na década de 1990 o aumento da violência esteve associado a um crescimento urbano sem precedentes - favelas

e áreas periféricas em particular, e com o surgimento de atividades de cartéis de drogas. Naquela hora,

as milícias estavam tomando alguns territórios e expulsando os cartéis de drogas da área. Foi apenas

depois de 2006 que esses grupos se expandiram - apoiados, tácita ou explicitamente, por unidades policiais naqueles

áreas, ocupando rapidamente territórios antes controlados por traficantes (Cano 2008). Em alguns

casos, seu controle sobre uma nova área foi por meio da morte de traficantes locais. As milícias também

supostamente sequestraram traficantes, intimidaram e executaram funcionários públicos, juízes e jornalistas

(Cano, 2008; Gaffney, 2012). Numa tendência mais recente, depois de ocupar favelas e outras periferias,

as milícias garantiram o voto para políticos específicos – por coerção, conluio ou corrupção.

Como consequência, esses grupos consolidaram seu poder assumindo cada vez mais

cargos na administração pública municipal e estadual (Zaluar e Conceição, 2007; Cano,

2008; Gafney, 2012).

Durante a década de 1990 houve um aumento de massacres e chacinas por “esquadrões da morte” associados

com a polícia e as milícias. Embora o foco aqui não seja casos de homicídios cometidos por policiais e

desaparecimentos relacionados a disputas agrárias, como Corumbiara (1995), Eldorado dos Carajás

(1996) e Felizburo (2004), o Eldorado do Carajás marcou uma mudança na investigação do

casos relacionados. Fernando Henrique Cardoso, então presidente do Brasil, decidiu transferir a

investigação de homicídios cometidos por policiais, nos casos em que houve clara intenção de matar, para os não militares

sistema judicial (Misse 2011:30). Nas áreas agrárias, massacre é visto como forma de resolver disputas

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entre camponeses e empresas ligadas à agricultura. Nesses casos, a polícia tem sistematicamente

abriram fogo contra os trabalhadores rurais.

Os casos de desaparecimento no contexto urbano, que envolvem policiais e milícias, costumam ser classificados

na mídia como abate. Um exemplo é a Chacina de Acari (1990) no Rio de Janeiro quando o 11

jovens, incluindo sete menores, desapareceram. Alguns adolescentes da favela de Acari

estavam de folga em uma casa em Mage – outra periferia, quando um grupo que se identificou

eles mesmos quando os policiais entraram na casa pedindo dinheiro e joias. O velho de 71 anos

moradora e seu neto de 12 anos conseguiram escapar, mas nenhum dos outros foi visto

novamente, e seus corpos nunca foram encontrados. As mães dos adolescentes se organizaram como

as Mães Acari para lutar por justiça, mas em 1993, uma das mães foi assassinada enquanto

investigando o caso. Em 2010, o processo foi arquivado pela Delegacia de Homicídios por falta de

evidência. A investigação do caso reconheceu que um grupo de extermínio é conhecido como

Cavalos Corredores, ou Cavalos de Corrida, compostos por policiais prenderam o grupo de 11

jovens. Seu desaparecimento é visto como resultado da ação de esquadrões da morte. No entanto, o

a questão do desaparecimento como modalidade de extermínio não chamou a atenção. Para

agora, é importante destacar que a compreensão dos desaparecimentos no Brasil está diretamente

relacionados com a ditadura. No caso de desaparecimentos após o regime militar, encontramos o uso

do termo massacre, associado à ação de “esquadrões da morte”.

Outro caso de extermínio foram os Crimes de Maio em maio de 2006, uma sucessão de ataques liderados pelo

Primeiro Comando da Capital – PCC, considerada uma das principais organizações criminosas do Brasil,

com sede em São Paulo. O motivo da violência ainda é discutível. Para alguns, começou quando o

O secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro Abreu Filho, elevou uma das lideranças do PCC ao alto escalão

prisão de segurança (G1, 2016a). No entanto, também existem versões que apontam para o rapto de um

das lideranças do PCC por policiais (IHRC, 2011; Guerra, 2016). Como resposta, rebeliões foram

organizados em setenta e três presídios do estado, e integrantes do PCC atacaram correios, bancos e

a casa de um policial, incendiando também quarenta e três ônibus.

Para lidar com a onda de violência, o secretário de Segurança Pública convocou a força policial para o

ruas (Phillips 2006, BBC 2006). Na ocasião, o secretário declarou que a população não

não precisa se preocupar porque, segundo ele, a ação policial foi muito bem sucedida “a polícia tinha

já matou mais de 100 pessoas” (2006). Não há números oficiais que digam quantos

pessoas foram mortas. O relatório da Comissão Especial para “Crimes de Maio” – do Ministério da

A Human Rights estimou que, nos nove dias seguintes, a polícia de São Paulo matou quinhentos

e sessenta e quatro civis. Cento e dez ficaram feridos e três civis desapareceram. Cinquenta-

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nove policiais foram mortos no mesmo período. O relatório também destacou que mais de

noventa e seis por cento das vítimas eram homens, mais de oitenta por cento das vítimas eram menores de

35 anos, e mais da metade das vítimas eram negras. Também importante, noventa e quatro por cento

das vítimas não tinham antecedentes criminais (CPPDH 2010: 4).

Ainda era difícil rastrear quantas pessoas foram mortas no contexto dos crimes de maio, mesmo dez

anos depois. A Ouvidoria da Polícia reconheceu quatrocentas e noventa e três vítimas,

mas o caso não tem números oficiais. Entre as vítimas que foram responsabilizadas, mais de 96%

eram do sexo masculino, mais de 80% tinham menos de 35 anos e mais da metade eram não brancos

(CPPDH 2010: 3). Algumas pessoas estão desaparecidas.

O relatório elaborado pelo Comitê Especial do Bureau de Direitos Humanos sobre os crimes de maio

reconheceu pelo menos cento e vinte e quatro processos com indícios consistentes de execução,

como tiros sendo direcionados para as partes mais vulneráveis do corpo, disparados à queima-roupa

e direcionado verticalmente – de cima para a vítima abaixo (CPPDH 2010: 5). O relatório também mostra

que a narrativa oficial dos assassinatos era a mesma; policiais só atiraram em quem atacou

primeiro (como uma descrição de Autos de Resistência). Em contraste, a narrativa apresentada por alguns

testemunhas foi de fogo aberto pela polícia de dentro de seus veículos, e busca aleatória de pessoas em

na rua por policiais que então contataram o centro de informações para checar sua identidade criminal

ficha – 94% das vítimas não tinham antecedentes criminais (CPPDH 2010).

Casos de massacres ou chacinas decorrentes da ação de esquadrões da morte apresentam características importantes

sobre a política da morte e como eles regulam a maneira e as circunstâncias de algumas pessoas morrerem. Em ambos

exemplos, houve a participação de policiais, ora organizados como grupo de milícias, ora atuando

como membros de esquadrões da morte. No exemplo dos Crimes de Maio, a polícia usou a estrutura de

Autos de Resistência para justificar ou legitimar suas ações.

Conclusão: Governando a Morte

Este capítulo abordou o desenvolvimento do aparato policial no Brasil. A maneira como a polícia

entender seu papel é endossado e legitimado pela forma como a sociedade vê a polícia. Seu papel é fundamental

ao analisar assassinatos e desaparecimentos policiais no país. Como foi mostrado neste capítulo, o

característica desses assassinatos e desaparecimentos mudou muito seguindo diferentes contextos políticos.

Durante a redemocratização houve uma mudança completa em relação a quem eram as vítimas e

como assassinatos e desaparecimentos foram despolitizados no contexto da “guerra às drogas”.

Seguindo um relato histórico, este capítulo discutiu o surgimento e o desenvolvimento do

aparato de segurança no Brasil com foco em práticas e políticas, o que incentivou a atuação da polícia

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em nome da ordem pública. Pode-se argumentar que o aparato soberano não se restringe ao

polícia; no entanto, a polícia tem um papel central na implementação do que se entende como um direito soberano

decisão. A primeira e a segunda seções se concentraram no surgimento do aparato de segurança

no Brasil, especialmente no Rio de Janeiro para onde a Coroa Portuguesa fugiu após fugir do

Tropas napoleônicas. Na colônia, encontraram uma sociedade baseada na escravidão, tendo a plantação

estruturando não apenas relações econômicas, mas também sociais. A polícia naquela época estava encarregada de

segurança pública, que se traduzia na defesa da aristocracia e agregados, mas também

responsável pela gestão da cidade – construção de cursos d'água, estradas e controle de populações escravas.

A seção seguinte enfocou a Era Vargas (1930-1945) e sinalizou uma ruptura em relação

o papel da polícia. A ameaça comunista, manipulada politicamente por Getúlio Vargas para justificar

um golpe de estado que lhe permitiu permanecer no poder por 15 anos, também ampliado e profundamente alterado

o papel de polícia. Com Vargas, a polícia tornou-se política. Vargas deu poder de polícia para torturar

aqueles que eram considerados comunistas e interferir no cotidiano da população brasileira

população. A polícia reprimia anarquistas e comunistas ao mesmo tempo que Vargas regulava

atividades laborais e sindicatos.

No período entre os regimes autoritários no Brasil, os movimentos sociais pressionaram o

governo pela reforma agrária. Não durou. Uma nova ameaça comunista agora seguindo o frio

A guerra levou a um golpe militar no país. Naquela época, a polícia diminuiu sua influência no

aspecto político da repressão guerrilheira, e as Forças Armadas assumiram esse papel. Nesse ponto,

não só a polícia teve um papel expressivo na luta contra o comunismo, mas também instituições

como cemitérios, cartórios e hospitais, que também desempenhavam um papel “político

desaparecimentos”.

Após o fim do regime militar, ações de “esquadrões da morte” e milícias, e a

A institucionalização dos Autos de Resistência se apresentou como novas versões de um dispositivo. Na seção sobre

assassinatos e desaparecimentos policiais contemporâneos, discuti a violência urbana que se seguiu ao

“guerra às drogas” e sua lógica de enfrentamento. Essa seção também abordou o conluio entre

a polícia e milícias, o uso de Autos de Resistência para potencialmente cobrir execuções sumárias e

a forma como os desaparecimentos foram minimizados após um grande número de assassinatos cometidos pela polícia.

O foco nos assassinatos, no entanto, exige uma análise multifacetada. Uma delas é a identificação

os perpetradores. Em crimes como chacinas seguidas da ação de esquadrões da morte, é difícil

para provar se há policiais envolvidos e responsabilizá-los por esses atos.

No exemplo dos Crimes de Maio, quinhentas e cinco pessoas foram mortas, mas as quatro

desaparecimentos são pouco mencionados. Embora neste caso particular a explicação possa ser a

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escala das mortes em comparação com um número consideravelmente menor de desaparecimentos, no exemplo

da Chacina de Acari todas as onze vítimas envolvidas estavam desaparecidas. Nesse caso, a palavra “abate”

é usado em vez de “desaparecimento forçado” ou “desaparecimentos”.

Em suma, o presente capítulo abre caminho para a emergência do aparato de segurança no Brasil.

Examina como o aparato operou em diferentes contextos políticos. No entanto, se nós

examinar o aparato de segurança com foco na “guerra ao comunismo” e na “guerra às drogas”

um elemento importante se perde: o fato de que a maioria das vítimas do regime militar (1964-1985)

e durante o processo de redemocratização (1985-2015) eram de comunidades racializadas. No

capítulo seguinte, abordarei como as noções de raça informaram a ação policial desde o

passado escravocrata do país até os dias atuais.

Capítulo 4
~

Corpos negros: a carne de menor valor do mercado

Introdução

“Desde que ele [Mateus Alves dos Santos] desapareceu, nós o procurávamos por
toda parte. Registramos seu desaparecimento na delegacia; fomos a hospitais,
espalhamos a notícia em nossa comunidade e pedimos ajuda nas redes sociais.
Jamais imaginaríamos que encontraríamos o corpo dele em Sumaré” (Aline do
Nascimento, tia de Mateus – na Revista Fórum, edição online, 10 jul. 2014).

Era 11 de junho de 2014, um dia antes do início da Copa do Mundo. Nesse dia, dois militares

policiais do Rio de Janeiro prenderam três adolescentes no centro da cidade. O

os jovens eram suspeitos de praticarem pequenos furtos na região. Os dois policiais conduziram o

três rapazes parando em três delegacias de polícia diferentes. Uma das estações era uma força especial

unidade que lidava com jovens infratores. Mas os policiais resolveram levar o grupo para Sumaré

– um morro no centro da cidade. No caminho, a polícia libertou um deles. Em Sumaré, um

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