Você está na página 1de 264

f: n í k \

. \i O r Í* N •
MARIA REGINA M E N D O N Ç A F U R T A D O M A T T O S ' N> /

V I L A DO P R Í N C I P E - 1 8 5 0 / 1 8 9 0

S E R T Ã O DO S E R I D Ó - U M E S T U D O DE C A S O DA P O B R E Z A

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
i

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE


INSTITUTO DE CIÊNCIAS E. FILOSOFIA
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
CURSO DE MESTRADO EM HISTÓRIA

NITERÓI

RIO DE J A N E I R O , B R A S I L

1985

Dept°. História - NEH


ACERVO B;3 IOGRÁFICO
RIO GRANQü DO NORTE
DEDICATÓRIA

Aos meus pais, Newton e Martha,


por tudo que sou
Aos meus filhos, André e Mar-
eia, pelo que poderão vir a ser
'•Especialmente, ao Pingo, compa-
nheiro de todos os momentos.
MARIA REGINA MENDONÇA FURTADO MATTOS

Vila do Príncipe - 1850/1890


Sertão do Seridó - Um Estudo de Caso da Pobreza

Dissertação apresentada ao Curso de


Mestrado em História da Universidade
Federal Fluminense como parte dos
requisitos para obtenção do título de
Mestre em História.

Orientador: Maria Yedda Leite Linhares

INSTITUTO DE CIÊNCIAS E FILOSOFIA


CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

NITERÓI
19 8 5
AGRADECIMENTOS

À Prof a Maria Yedda Leite Linhares, orientadora que desde o


início emprestou total apoio e acreditou no nosso trabalho.
Ao Prof. Clóvis Gonçalves da UFRN de quem partiu -a primei-
ra sugestão para o curso de mestrado.

Ao Prof. e amigo, Veríssimo de Mello, diretor do Museu "Câ-


mara Cascudo" da UFRN por todas as portas que abriu, permitindo o
contato com pesquisadores locais assim como a concessão da bolsa
do PICD'.
X Profa do Campus Avançado de Caicó - UFRN, Maria das. Dores
Medeiros, de quem recebemos incentivo desde o curso de especiali-
zação. Companheira das diversas fases do curso de mestrado, in-
cluindo as etapas de pesquisa e levantamento de dados, quando com
sua família, na pessoa de D. Rosa (sua mãe) e de Selma (sua ir-
mã), nos acolheram em sua residência por diversas vezes, naquela
cidade. A colega e antes de tudo amiga, o nosso reconhecimento e

c a rinho muito sinceros.


Ao pesquisador Olavo Medeiros Filho que com seu profundo
t •

conhecimento empírico sobre a região muito nos auxiliou no enten-


dimento de hábitos peculiares da sociedade sertaneja que só mes-
mo um filho da terra é capaz de sentir e captar.
Nossa gratidão ao Padre Antenor Salviano de Araújo, pároco
da matriz de Santana do Seridó - .Caicó, que muito gentilmente nos
facilitou o acesso a toda a documentação existente nos arquivos
daquela matriz.
Ao jiftitular do 12 Cartório Municipal de Caicó, o Sr.josé Di-

as de Medeiros Filho, que permitiu a consulta em seus livros de


notas. Mas, o nosso preito de reconhecimento, fica para o secre-
tário do Cartório do 12 Ofício, localizado no Fórum Municipal A-

maro Cavalcanti, o Sr. José Neto de Araújo que não só localizou o

livro cartorial do registro de terras (no depósito daquela casa)

como facilitou a difícil consulta aos já muito deteriorados pro-

cessos de inventários.

X funcionária do I.H.G.R.G.N., SrS Oswaldina Lemos por per-

mitir o acesso e a consulta nos diversos catálogos e documentos

daquela instituição.

À amiga Rosemary Lins Barreto, que juntament e com sua mae,

D. Dora, nos acolheu várias vezes quando das nossa s idas para Na-

tal.

Aos Profs. do Departamento de Antropologia da UFPR, na pes-

soa da sua chefe a Prof^ Veraluz Zicarelli Cravo, que concederam

parte do horário de expediente, para a concretização e término

deste trabalho.

Ao meu irmão, José de M. Furtado Neto, pela pesquisa e le-

vantamento.'.de Paulo.
i vários trabalhos publicados em Sao
ela participação
A minha cunhada, Sônia Maria Gomes Mattos p
e ajuda na etapa de análise dos dados.
A nossa prima, Célia Regina Bauer pelos trabalhos de dati-
lografia da 12 versão. '
te incentivo du-
Aos meus pais, Newton e Martha pelo constan
lusive as lon-
rante todas as etapas do trabalho propiciando inc
ram totalmente
gas viagens de pesquisa ao nordeste quando assumi,
os meus filhos.
companheiro e
O preito maior para o meu Pingo, incansável
a conclusão da
incentivador de todas as horas tornando possível
pesquisa e, sendo também o responsável por todos os cálculos ma-

temáticos dos gráficos e tabelas deste trabalho.


WtWHBCTWffw

RESUMO

1
Este estudo sobre o Serido durante a segunda meta-
de do séc. XIX procura abotdar .;os fatores que freiaram o
desenvolvimento sõcio-econõmico da Vila do Príncipe, le-
vando, o atual município de Caicõ, localizado no sertão do
Rio Grande do Norte, a se caracterizar pela extrema pobre-
za em que vive sua população.
O monopólio da terra nas mãos de grandes latifundi-
ários . pecuaristas teve origem na distribuição e nas for-
mas de ocupação das propriedades. Por outro lado, essa es-
trutura fundiária e a lei de Terras que a consolidou impe-
diram a formação de uma "economia camponesa" independente
em todo o nordeste.
Na econcmia da segunda metade do século passado,
que foi norteada pelo sistema escravista de produção, onde
a pecuária foi prioridade e a agricultura esteve voltada
exclusivamente para o auto-sustento, a presença da mão-
de-obra negra escrava, nas relações de produção, moldou
formas de trabalho livre específicas, que ate hoje são
muito comuns na região.
Essa estrutura sócio-econômica do nordeste e a po-
lítica protecionista para com as regiões do sul do país,
adotada pelo governo federal, propiciaram um desenvolvi-
mento regional dependente, alem de agravarem os efeitos
dos rigores da seca, que atinge o sertão periodicamente, a-
centuanclo assim o quadro de extrema pobreza, que persiste
até os dias de hoje.
As transformações econômicas e sociais que ocorre-
ram no Império, a partir de 185 0, principalmente nas re-
giões Cc-ifeeiras do sudeste do país, não deixaram de afe-
tar o sertão nordestino. No entanto, nessa região, as mu-
danças ocorreram mais lentamente, fazendo com que a tran-
sição do sistema escravista colonial de produção para o
capitalismo dependente assumisse características muito es-
pecíf icas.
ABSTRACT

This study of "Seridó" (1) throughout the second half


of the nineteenth century attemts to deal with the factors
which acted as a rein to the socio-economic development of
the town of "Vila do Príncipe". These factors, in turn , led
to the nature of life in the muniçipality of Caicó, situated
in the "sertão" (i.e.a semi-arid backlands common in the
North-East of Brazil) of the State of " Rio Grande do Norte",
j.ii Brazil, where the present-day population lives in extreme
poverty.
The monopolisation of estates controlled by large-
scale, cattle-raising landowners originated in the distribu
ti.on of the types of use to which the properties were put
On the other hand, this large-scale land-holding structure
and the laws, affecti.ng tenure of land, which Consolidated
this type of ownership, prevented the shaping of an indepen-
i
dent peasnt-based economy throughout the North-East of Brazil.
The economy of the second half of the J nineteenth
century, was fuelled by a system of production based on slave
ry. In addition, cattle-raising was a priority while agricul-
ture was bui.lt exclusively around self. Sufficiency and the
presence of black, slave labour, in terras of production ,
fashioned the forms of specific, free work,v/hich are still
vèry common in the region today.
This socio-economic structure of the north-east ,
together with the protectionist policies which the federal go
vernmcnt have adopted for the southern regions of Brazil,have
favoured a dependent regional develox^ment. These structures
and policies have further aggravated the severity of the
droughts, which periodically attack the " sertões ",( or are
endemic to the semi-arid North-East of Brazil ) , thus
accentuating the picture of extreme poverty which persists
!i
unt.il the present day.
The economic and social transformations which occureà
during the Imperial Period of Brasilian history (1822 / 1889 )
starting in 1850 , werw felt ir-iinly in the coffee-growing re-
gions of the south-east of Brazil, but also affected the semi-
arid " sertão " regions of the Brazilian North-East. However ,
these changes occurred at a much slower pace in the .North-
East region, ensuring that transition from the colonial slave
system of production to dependent capitalism assumed very
special regional characteristics.

(1) - The "Seridó", cotton-growing area of the North-East o:


Brazil.

III
ERRATA '" - "

PAG LINHA ONDE SE L£ LEIA-SE

20 9a. mapa VI mapa V


26 6a. da tradições das tradições
28 30a. apurada completa
33 7a. - remeter também para pags 121/122
38 10a. grandes curtos epidêmicos grande aumento da mortalidade
39 '21a. autrora autora
54 9a. agravada agravava
" 20a. o 0
56* 11a. 1877/78' 1877/79
60 10a. ' curras curral
62 5a. despossuidos de moradia inventariados sem moradia •
02 ti Lu lo Quadro I-undiário 0 Quadro Fundiário
013 la. Ao mercado ao mçrcatlo
C6 16a. . regiatro o registro
" 31a. Flumaron Flamarion
87 8a. àquelas àqueles
H
17a. mediação medição
90 6a. 16 15
93 26a. +20 (1) + 20
93 quadro - Fonte: inventários põs-inortem 10!.i0/90
96 15a. Fianlmcnte Finalmente
102 17a. 0. Medeiros Olavo Medeiros
1.05 quadro - Fonte: Fórum Municipal de Caicõ 1? Li-
vro de Ueg de Terras li' Cart. de Notas
livros 29 a 5 3

1.16 14 n. despossuJ dos não proprietários de terras


117 4a. (51,4) (51,41)
121 última 00/07/1047 08/07/1057
127 2Ga. e despouííuidoy de terras não proprietários de terras
i
120 14 a. entre 1070 a 1.K80 eliminar
130 quadro Caicõ Vila do Príncipe
- 9a. em Campina Grande lia Vila ilo Príncipe
131 Foiito "post-inortciu" "post-mortem"
»i
133. . 1 «a.
134 Fonte Cartório de Ofícios Cartório de Notas
14 3 2a. do nosso município íoram do nosso município, 17 foram
146 11a. e despossuidos de terras e os não proprietários de terras
140 20a. trabalhadores pobres despossuidos trabalhadores pobres sem terras
157 13a. de s pos« ui do r- trabalhadores
« 23a. os despossuidos os sem terras
16 8 11a.—• " despossuidos sem terras
' 173 18a. despossuidos de terras os não proprietários de terras
174 19 a. nubesiste subsiste
176 14 a. despossuidos os sem terras
100 5a. os despossuidos " " "

193 quadro Despossuidos Sem Terras


« 11a. despossuidos sem terras
205 32a. despossuidos os nao proprietários de terras
211 22a./23a./27a. despossuidos sem terras

capitalismo dependente assumisse características muito es-


pecíf icas.
L I S T A DE M A P A S

Mapa I - Levantamento Exploratório e Reconhecimento


de solos do Rio Grande do Norte 11
Mapa II - -0 sertão do Seridó no séc. XVIII 12
Mapa III - Comarcas existentes até 1872 na Província
do Rio Grande do Norte 14

Mapa IV - Área de Atuação da Matriz de Santana do Se-


ridó - séc. XX 15

Mapa V - Bacia Hidrográfica do Rio Piranhas-Açu 19

LISTA DE G R Á F I C O S

Grafico I - População livre e escrava da Vila do Prín-


cipe - 1872 40
* -

Gráfico II - População livre e escrava da Vila do Prín-


cipe - 1872 (segundo a cor) 40
Gráfico III - Estado civil da população (%) 43

Gráfico IV - Estado civil da população livre (%) 43


Gráfico V - Estado civil da população escrava (%) 43
Gráfico VI - % da P.E.A sobre a população 45
Gráfico VII - % da condição da P.E.A 45
Gráfico VIII - % da P.E.A. por setor de atividade 46

Gráfico IX - % da população economicamente ativa (P.E.A.)

total segundo a área de trabalho rural e ur -


bano 47

IV
Gráfico X - Distribuição da população escrava se-
gundo a ocupação por sexo (%) . . . 49

Gráfico XI - População do município de Caicó se-

gundo a faixa etária - 1872 52


Gráfico XII - Classificação dos proprietários de

terras inventariadas (%) segundo o

valor de suas terras - 1850/1890 109


Gráfico XIII - Valor médio do escravo entre 15 e 45
anos, segundo os inventários e as es-
crituras de compra e venda no perío-
do 1850/1888 na Vila do Príncipe ....' 131

Gráfico XIV - Classificação dos inventariados se-


gundo suas dívidas - Vila do Príncipe
-<1850/1890 215
i
Gráfico X\f - Classificação dos inventariados sen
gundo suas dívidas ativas - 'Mila do
Príncipe - 1850/1890 ' 217

i
• QUADROS

Quadro I - A população livre e escrava existente


na Província do Rio Grande do Norte em
1855 30
Quadro II - População livre e escrava existente na
Província e no Seridó segundo os dados
do Censo de 1872 33
Quadro III - Dados censitários de 1890 para a Pro -
víncia do Rio Grande do Norte e para
o sertão do Seridó 34

V
Quadro XV População da Província do Rio Grande
do Norte e do Seridó para os anos de
1855/1870/1872/1890/1900/1920 35

Quadro V Variação absoluta e relativa da popu-

lação do Nordeste, do Rio Grande do

Norte e Sergipe e do Sertão do Seridó

e São'Francisco (1872/1920) 36

Quadro VI Densidade demográfica do Sertão de

São Francisco (SE) nos anos 1854/1872/

1900 é do Sertão do Seridó (RN) nos

anos 1855/1872/1890 38

Quadro VII Distribuição da população por sexo -


Vila do 'Príncipe : 1872 (em n 2 abso-
lutos e percentagem) 42
Quadro VIII - Estado Civil da população em números
absolutos 44
Quadro IX - Estrutura da população escrava segundo
o sexo e a cor 48
Quadro X - Ocupação dos escravos homens e mulhe-
' res separadamente 49
Quadro XI 1 - Valor da terra no monte dos inventa -
/
n a d o s em porcentagem por décadas se-
paradamente - Município do Príncipe -
1850/1890 54
Quadro XII - Inventários com benfeitorias (casa ,
currais, açude e roçado) - Vila do
Príncipe - 1850/1890 62
Quadro XIII - Óbitos no Seridó segundo pesquisa de
D. Adelino Dantas - 1789/1838 64

VI
Quadro XIW - Dados retirados do livro de registro
de óbitos da paróquia de Sant'Ana

Vila do Príncipe - 1857/1889

Quadro XV - Numero de óbitos da população livre


e escrava segundo os registros paro-
Ji;
quiais - Vila do Príncipe - 1857/1889
Quadro XVI ' - Relação dos socorros remetidos para
a Vila do Príncipe e Acari durante a
epidemia de cólera - Morbus

Quadro XVII - Divisão por sexo dos inventários no

Município de Vila do Príncipe - 1850/


1890
i

Quadro XVIII - Divisão segundo o Estado Civil dos


i inventariados no Município de Vila
do Príncipe - 1850/1890
Quadro XIX - Numero de herdeiros deixados por in-
ventariados da Vila do Príncipe
1850/1890
Quadro XX - Local de residência dos inventaria -
dos possuidores de terras e dos pro-
prietários - vendedores de terras da
Vila do Príncipe - 1850/1890
Quadro XXI - Numero de propriedades por inventa -
rio
Quadro XXII - Localização das propriedades inven -

tariadas

Quadro XXIII - Formas de aquisição das propriedades

que foram registradas em 1896 e das

que forem negociadas de 1850/1890...

VII
Quadro XXIV - Posse da terra nas escrituras de compra •••

e venda de terras - 1850/1890.....


Quadro XXV - Medida das terras registradas no ano de

1896 e das terras compradas durante

1850/1890

Quadro XXVI - Área das terras negociadas em 1850/1890

e das terras registradas no livro car-

torial de 1896 no Seridó

Quadro XXVII - Preço médio das terras negociadas entre

1850/1890, em hectares

Quadro XXVIII - Numero e percentagem dos possuidores de

escravos sobre os inventariados no mu-

nicípio da Vila do Príncipe - 1850/1890..

Quadro XXIX - Quantidade de escravos por inventário


i
com terra e sem terra e total

Quadro XXX - Distribuição da população escrava na Vi-

la do Príncipe segundo sua faixa etária

1850/1890 . :

Quadro XXXI - Tipo Físico dos escravos nos inventários.

Quadro XXXII - Doenças mais comuns dos escravos •rela-

cionados nos inventários - 1850/1888 ....

Quadro XXXIII - Profissões rurais dos escravos no ser-

tão do Seridó - 1872

Quadro XXXIV - Peso do valor da terra, do gado e do


escravo na formação da fortuna nos in-
ventários dos proprietários e não pro-
prietários de terras da Vila do Príncipe
•' i
1850/1890

Quadro XXXV - Preço do escravo entre 18 e 25 anos na


Vila do Príncipe

VIII
Quadro XXXVI - Preços comparativos em mil réis dos

escravos na Vila do Príncipe, Cam-

pina Grande r Recife e Rio Claro (SP)-

1854/1888 130

Quadro XXXtylI - Destino dos escravos negociados na

Vila do Príncipe - 1850/1888 134

Quadro XXXWIII - Proporção de escravos por inventário


no Seridó - 1850/1888 135
Quadro XXXIX - População escrava existente na Pro-
víncia e no Sertão do Seridó - 1855/ '
1888 137

Quadro XL - Distribuição no Rio Grande do Norte

das quotas do fundo de emancipação


!ocorridas nos anos de 1878, 1882 e
1883 138

Quadro XLI - Cartas de alforrias arroladas no


Seridó durante os anos 1850/1888 140
&
Quadro XLII - Cartas de alforrias condicionais as-

sinadas na Província da Paraíba e no


Sertão do Seridó (RN) - 1850/1888 142
Quadro XLIII - Cartas de liberdade compradas na Pro-
víncia da Paraíba e Vila do Príncipe
(RN) - 1850/1888 143

Quadro XLIV - Idade discriminada dos libertos gra-

tuitamente nas cartas de alforrias do

Seridó - 1850/1888 144


..4
Quadro XLV - Numero de inventários por década em

que há indícios da presença de tra-

balhadores livres - 1850/1890 149


« ti

IX
£
*
Quadro XLVI Valor do montante (em mil-réis) dos

I inventários que apresentaram a uti-

lização de mão-de-obra livre e per-

centagem destes inventários sobre o

número total de processos na res-


1
pectiva faixa de valor - 1850/1890 151

Quadro XLMII - Tamanho das propriedades arren-


i dadas na Vila do Príncipe - 1881 160

Quadro XLVIII - Tempo de arrendamento nas escritu-

ras existentes para o ano 1881 - Vi-

la do Príncipe 161
£
Quadro XLX.X Tipos de propriedades com ou sem

benfeitorias arrendadas na Vila do


í
Príncipe - 1881 161
Quadro L Escrituras de locação registradas
k
na Vila do Príncipe - 1881 163

Quadro LI Valor total do monte dos inventa-


riados na Vila do Príncipe - 1850/

i- 1890 167

Quadro LII Porcentagem dos inventariados pro-


prietários de terras segundo o mon-
i-
tante de seus bens - Caicó - 1850/
1890 168
Quadro LIII Produção e dívida de algodão nos
inventários da Vila do Príncipe
1850/1890 179
Quadro LIV A presença dos engenhos de benefi-
ciamento da produção algodoeira na
Vila do Príncipe através dos inven-
l
tários - 1850/1890 181

X
Quadro LV - Utensílios para o beneficiamento do
algodão e sua percentagem sobre os

25 inventários consultados para a

década de 1890/1900 181

Quadro L.VI - Fazendas de - gado existentes na Pro-

víncia e suas produções para os

anos de 1859/1862 186

Quadro LVII - Numero e percentagem de proprietá -

rios de gado com e sem terras, se-


gundo o número de cabeças de gado
declaradas nos inventários da Vila
do Príncipe - 1850/1890 188
Quadro LVIII - Rebanho nos inventários da Vila do
Príncipe - 1850/1890 ' 191
Quadro LIX - Percentagem das espécies de gado
existentes nos rebanhos dos pro-
prietários de terras e nos dos não

proprietários - 1850/1890 .. ... 193


Quadro LX - Percentagem (por espécie) do reba-
nho dos 5 grandes criadores sobre
o total do gado contido nos inven-
tários da Vila do Príncipe 194
Quadro LXI - Número de cabeças por espécies nos
anos de 1916 e 1920 no Município de
Caicó e de 1850/1890 na Vila do

Príncipe 195
Quadro LXII - Volume médio (em arrobas).da expor-
tação da Província do Rio Grande so
Norte - 1850/1890 204

XI
IIi

Estimativa do destino da produção


do município Vila do Príncipe

1850/1890 206
i
Numero de inventariados que dei-
xaram dinheiro em espécie e per-
centagem sobre o total - 1850/1890 213
Ocupação dos credores das dívidas
acima de 2.000 $ 000 RS ou mais

- 1850/1890 216
Hipotecas registradas na Vila do

Príncipe - 1850/1890 218


Apontamentos de letras passadas
entre 1850/1890 na Vila do Prín-
cipe 219
i

L I S T A DE A B R E V I A T U R A S

Arquivo Nacional
Arquivo Estadual (RN)
Biblioteca Nacional
Fórum Municipal de Caicó
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do
Norte
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
População Economicamente Ativa
Relatório de Presidente de Província
Vila do Príncipe

XII
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
I A TERRA E OS u r w . N S
1 O MUNICÍPIO NO SERTÃO
1.1 Limites Geográficos da Área Estudada
1.2 Relevo e Geomorfologia
1.3 Solo e Vegetação
1.4 Hidrografia
1.5 O Clima.
' 2 CONDIÇÕES HISTÓRICAS DE OCUPAÇÃO DA TERRA
2.1 A Conquista Territorial
2.2 Os Homens .
3 A DEMOGRPiFIA: A PROVÍNCIA E. O SERTÃO
3.1 Características Gerais
3.2 O Censo de 1872
3.3 O Flagelo das Secas e suas
Conseqüências SÓcio-Econômicas
II QUADRO F U N D I Á R I O : A P R O P R I A Ç Ã O E D I S T R I B U I Ç Ã O
DA T E R R A
1 AS SESMARIAS E A LEI DE TERRAS
2 DftDOS GERAIS
2.1 Formas de Apropriação da Terra
2.2 A Dimensão das Propriedades
' ' 2. 3 O \falor das Propriedades

III 0 T R A B A L H O E A E C O N O M I A DA P O B R E Z A
1 OS TRABALHADORES DA TERRA
1.1 A Mão de Obra Escrava
1.2 Os Trabalhadores Livres
1.3 Nível de vida
2 A ECONOMIA DA FOME
2.1 A Produção Agro-pecuária
2.2 Vinculações Comerciais e Aspectos
Financeiros

CONCLUSÃO
4

INTRODUÇÃO

A maior parte dos estudos que se têm realizado até


o presente momento sobre a região do Seridó está voltada
para uma análise da economia local.

Segundo esses trabalhos, a atual condição precá-


ria de vida do sertanejo está intimamente associada à fra-
gilidade da sua agropecuária, que, por sua vez, tem nos
fatores climáticos (a seca) e geográficos (a adversidade
do quadro-natural) as bases da sua extrema pobreza.
Estudar o sertão nordestino e não abordcir o fenô-
meno das secas é deixar de levar em conta um dos elementos
que contribuem para a pobreza da região. No entanto, esse
fenômeno climático, que para muitos autores é responsável
pelo estágio de marasmo em que vive a economia e a socie-
dade sertaneja, é sim, ao contrário, agravado pelos fato-
res _econômicos, sociais e políticos que até hoje influen-
ciam e promovem o desenvolvimento dependente da região ,
mantendo-a em uma condição de extrema pobreza e de atraso
em relação ao centro-sul do país .

Outro enfoque muito comum na historiografia local


diz respeito ã formação das elites sociais, sua origem e a
biografia dos grandes vultos que despontaram no cenário
político do Império e até mesmo da República.
A exceção do escritor Olavo Medeiros, não encon-
tramos outros autores específicos sobre o Seridó, que uti-
lizassem, em suas pesquisas, uma documentação como fonte
de consulta que propiciasse uma nova abordagem dessa aná-
5

lise econômica, o que resulta em obras de cunho eminente-


1
mente narrativo.
Diante dessa lacuna sobre os reais fatores que fa-
voreceram o atual estágio de pobreza sõcio-econômica da
região, é que este estudo se propõe a retomar o tema, pro-
curando revelar o la^lo desprezado desta sociedade funda-
mentalmente agrária, ou seja, o ,trabalho do homem pobre e
livre nas lavouras de subsistência e suas vinculações com
o mercado interno.

Com o propósito de ampliar a visão de conjunto da


complexa e diversificada realidade agrária do pais, foi
que escolhemos o nosso tema e, para isto, a Vila do Prín-
cipe, atual município de Caicó, nos pareceu bem represen-
tativa, face as suas peculiaridades regionais.
Vale ressaltar que as áreas de subsistência,quer- as
de regiões de plantagem, quer as do interior do país, onde este
t.ipo de agricultura é associada à pecuária, têm sido dei-
xadas à margem pela historiografia brasileira, preocupada
sobretudo com a evolução histórica daquelas áreas economi-
camente ativas atreladas ao sistema econômico mercantilis-
ta .
Esta análise local, de uma economia de subsistên-
cia, tem então como objetivo:

" r e v e l a r a face o c u l t a do B r a s i l , s e m p r e e s c o n d i d a por d e t r á s


da c a s a - g r a n d e (por v e z e s , da s e n z a l a ) do o u r o das g e r a i s , do
c a f é ou o u t r o p r o d u t o - r e i , dos c o r o n é i s do s e r t ã o que é r e v e -
l a d o , q u a n d o o é, p a r a r e s s a l t a r a m i n o r i a do que é dominan-
te, com o e n f o q u e s o b r e o seu a t r a s o " . ^

Um outro aspecto que despertou a atenção para este


trabalho foi a necessidade de um estudo a respeito do ele-
mento escravo enquanto agenpe ativo no processo econômico-
-social do sertão nordestino. A participação do negro-ca-
tivo em fazendas criatõrias ainda é, em nossa historiogra-
fia, vista como incompatível e insustentável. Já na histo-
riografia local, a presença do escravo é apenas citada em
termos quantitativos, a atuação da mão-de-obra cativa.
6

Se nem ao menos é mencionada, tão pouco são as influências


que este trabalho compulsório exerceu nas formas de traba-
lho livre e na própria formação social que ali se J.esen-
volveram .

O quadro de extrema pobreza, que ora se apresenta


no Seridõ, nos remeteu a uma reflexão sobre subdesenvolvi-
mento e desigualdades regionais. O sertão, aparentemente
isolado, se apresentou, em nossa pesquisa, intimamente as-
sociaclo às transformações que ocorreram no restante do pa-
is e, em especial, no sudeste cafeeiro. Não se tratando de
uma economia de enclave, os reflexos das mudanças sócio-e-
conômicas que ocorreram nas lavouras cafeeiras do sul do
país, principalmente a partir da segunda metade do séc.
XIX, se farão sentir mais tardiamente e de maneira mais
j<\
lenta no nordeste, caracterizando assim o desenvolvimento
3
de um "capitalismo dependente".

A delimitação cronológica deveu-se a ser exatamen-


te a segunda metade do_„século passado um período de tran-
sição e de transformações sócio-económicas, quando todo o
Império passou de uma economia colonial_escravista para o
capitalismo ãepenâen_te.
Quanto às fontes utilizadas, lançamos mão dos ar-
quivos cartoriais, cuja importância como fonte documental
foi muito 'pouco explorada, em termos de Seridó.
Para a análise da estrutura fundiária, contamos
com os registros_de terras. Em algumas regiões brasilei-
ras, como o Rio de Janeiro, estes registros paroquiais são
uma fonte muito completa, com dados scbre a extensão e os
limites das propriedades. Com a regulamentação em 1854 da
lei de 1850, ficou estabelecido que as terras seriam regis
tradas nas paróquias locais. No entanto, em nossa região ,
os registros de terras foram iniciados somente em 1896 e
realizados no 19 Cartório do já então município de Caicó.
Este 19 livro encontra-se hoje nos arquivos do Fórum Mu-
nicipal de Caicó, e nele constam 560 propriedades registra
das, sendo que nem todas têm suas extensões e limites de-
clarados .
Os inventários post-mortem constituiram-se em do-
cumentos de suma importância para este trabalho. Neles são
raros os dados precisos sobre o tamanho das propriedades,
mas encontramos sua localização, seu valor, a forma de a-
propriação do solo e suas relações jurídicas. Da relação
dos bens do inventariado, pode-se obter uma quantidade e-
norme de informaçoes, através das quais foi possível uma
análise sobre o valor dos escravos, perceber o predomínio
da agropecuária como base econômica e o baixo poder aqui-
sitivo da população na V. do Príncipe. Através das contas
de tutoria, anexo que nem todos os inventários possuem, a-
pesar do grande número de órfãos deixados, pudemos acompa-
nhar os efeitos da seca na reprodução do rebanho e no em-
pobrecimento do sertanejo. Os dados sobre os escravos, ter-
ras e lavouras são muito irregulares, havendo, ao contrá-
rio,- uma preocupação constante para com o vestuário e gas-
tos com a saúde do tutelado.* No entanto, é uma fonte pre-
cária pela irregularidade das informações.
i

Ainda sobre a documentação cartorial pequisada, os


livros de notas se mostraram uma fonte muito rica. Neles,
encontramos escrituras de compra e venda, arrendamento,
locação e hipoteca de terras; escrituras de compra.e venda
de escravos e cartas de alforrias. Estes documentos repre-
sentaram parei o nosso trabalho uma fonte riquíssima de in-
formações sobre a vida sõcio-econõmica da época.
Utilizamos também relatórios governamentais, co-
mo os do Ministério da Agricultura, para o período de in-
teresse, os do Presidente de Província, de 1850/1889, e os
existentes dia Presidência do Estado, até 1 890, além das
posturas municipais existentes no Instituto Histórico e
Geográfico do Rio Grande do Norte.

Como fonte de apoio, utilizamos os trabalhos rela-


tivos à escravidão do Brasil, ás relações de produção não-
-capitalistas e obras relacionadas especificamente com o
Seridó, para o período estudado.

No Cap5.tulo I, achamos pertinente analisar a re-


gião e os homens que a ocuparam. Começamos então pela lo-
8

calização da V. do Príncipe no sertão e as condições his-


tóricas da ocupação. Em seguida, dedicamos parte do capi-
tulo ao estudo dos homens, da população ali existente, de
acordo com os dados demográficos disponíveis, e à nivel
local, com base no censo de 1872. Na terceira parte, abor-
damos o fator climático da seca e seus efeitos na pcpula-
r
ção, de maneira geral, e na sua economia.
No Capítulo II, analisamos a estrutura fundiária,
buscando identificar o processo de distribuição de terras
na região. Para tal, iniciamos com o estudo da instituição
das sesmarias e da lei de Terras de 1850, fatores básicos
para compreendermos a estrutura fundiária local. Depoi-s,
consideramos as formas de apropriação das terras, o valor
das propriedades, seu tamanho e localização.
No Capítulo III, trataremos do trabalho no campo e
da economia agrária. As relações de trabalho escravo e as
formas de trabalho livre, a desagregação do sistema escra-
i
vista colonial e suas implicações sociais no município se-
rão abordadas inicialmente. Na segunda parte, nos ocupare-
mos dos elementos da economia agrária; na esfera da produ-
ção a cultura da mandioca, a emergente cultura algodoeira
e a pecuária. Em seguida, as técnicas agrícolas empregadas
nesta incipiente agricultura de subsistência. No final,
tratciremos das vinculações comerciais da V. do Príncipe
com a região e o estado- financeiro-econômico da sua socie-
dade .
NOTAS

MEDEIROS, Clavo - Velhas famílias do Seridó. Brasília,


Sed. Federal, 1981; Velhos inventários do Seridó.
Brasília, Sed. Bederal, 1983; índios do Açu e do Se-
ridó. Brasília, Sed. Federal, 1984.

LINHARES, M. Y. & SILVA, F. C. T. da - História da a-


gricultura brasileira: combates e controvérsias. São
Paulo, Brasiliense, 1981. p. 119.
CARDOSO, Ciro Flamarion S. - Agricultura, escravidão e
' capitalismo. Petrópolis , Vozes,1979 P. 155-204.
10

CAPÍTULO I

A TERRA E OS HOMENS
4jm

1 O MUNICÍPIO E O SERTÃO

1.1 LIMITES GEOGRÁFICOS DA AREA ESTUDADA

De acordo com o IBGE, a Região Nordeste ocupa uma


2
area de 1.548.67 2 Km , correspondente a 18% de todo o ter-
ritório nacional. Geograficamente podem-se identificar 4 ã-
reas espaciais nordestinas, a saber: a zona da mata ou li-
toral, o agreste, o sertão e o meio-norte. Por esta divi-
são, o Estado do Rio Grande do Norte, com área de 53.015
2
Km ou 3,4 % da região nordestina, possui a maior parte dos
seus limites dentro da área sertaneja ou cio chamado "poli. -
gono das secas". Esta localização influi signif icamen te no
seu quadro natural e, conseqüentemente, na economia agraria
desse Estado.
De acordo com o Mapeamento de Solos da Sudene/DRN,
o Rio Grande do Norte esta dividido em zonas fisi.ográfi-
c a s a saber:
1) zona da mata:
2) zona do agreste;
3) zona do centro-nor te;
4) zona sal insira;
5) chapada do Apodi;
6) zona serrana;
7) zona do Seridó (ver mapa I).
A nossa região de interesse situa-se exatamente
2
nesta ultima zona, area com 8. 933 Km , localizada no alto
sertão nordestino e na parte meridional do Estado.
Através da Carta Regia de 11 de Janeiro de 17 01, a
Capitania do Rio Grande do Norte, assim como a da Paraíba,
11

i MAPA I
LEVANTAMENTO EXPLORATÓRIO E RECONHECIMENTO DE SOLOS DO
RIO GRANDE DO NORTE

I
I
IM

tf
I
h

Fonte: B o l e t i m T é c n i c o N 9 22 - SUDENIí/DRN - R i o de J a n e i r o - 1973 p. 12

LEGENDA:
1 - Zona Litorânea
2 - Zona Agreste
3 - Zona Centro Norte
4 •- Zona Saiineira
5 - Chapada Apodi
6 - Zona Serrana

I
v |í
13

passaram a ter sua administração política vinculada à Ca-


pitania de Pernambuco.
Em 31/07/1788, foram criados os municípios de Vila
Nova da Rainha (atual Campina Grande, na Paraíba) , Vila
Nova do Príncipe e Vila Nova da Princesa (atuais Caicó e
Açu, no Rio Grande do Norte). Estas duas últimas viriam a
*tm
formar o então Sertão do Seridó. Nesta época, os limites
geográficos dos autais Estados do R^-O Grande do Norte e da
Paraíba ainda não eram bem definidos (ver mapa II).
Somente com a criação da Comarca de Natal, em 18
de março de 1818, foi que a Capitania do Rio Grande do
Norte se desmembrou da comarca paraibana.
Em 25 de outubro de 1831, o então deputado Brito
Guerra conseguiu aprovação da Assembléia Geral Legislati-
va, do decreto que demarcava os limites da Vila Nova do
Príncipe. Por este decreto, a Freguesia de Patos, em sua
totalidade, e parte da Freguesia do Cuité passaram a per-
, 3
tencer a Província da Paraíba , criando os limites da re-
gião sertaneja do Seridó entre os dois Estados e que até
hoje são mantidos (ver mapa III).
A partir de então, o Seridó teve como limites na-
turais o maciço da Borborema a leste, com a formação das
serras do Doutor e Verde; as águas do Rio Piranhas a oes-
te, que quase fazem divisa com este lado do Estado da Pa-
raíba; ao norte com as serras do Tapuio e de Santana e ao
sul com o Estado da Paraíba.
0 nosso município de interesse, a Vila do Prínci-
pe, com 2.842 km 2 , está compreendido dentro desses limites
do Seridó, sendo que a sua área de atuação político-econô-
mica no séc. XIX estendia-se por quase todo o território
sertanejo, dividindo esta influencia apenas com a comarca
de Acari, criada em 24/09/1835. No entanto, quando nos re-
ferirmos ã V. do Príncipe, estaremos considerando esta á-
rea de atuação do município, na época estudada.

Hoje, a matriz de Santana do Seridó possui uma re-


gião de atuação bem mais reduzida (ver mapa IV), face ãs
sucessivas criações de municípios.
14

MAPA III

COMARCAS EXISTENTES ATÉ 1872 NA PROVÍNCIA DO


RIO GRANDE DO NORTE

Fonte: R.P.P. Bandeira de M . F i l h o - 187A p. 32


ÁREA DE A T U A Ç Ã O DA M A T R I Z
DE SANTANA DO S E R I D Ó -
SÉC. XX

UO
,\3 VC'0
Jwcotil
o
jatno OL uno
;. e \
( O/Ç/tv*,

O Pi'<To
\j

/•/'K- ru
K Ot 'J C J
O'* í.^Ot^Cfl. X/C.
j>. oac.t*j/io

"puro*'» A/Cf"
flloufiu •<
LEGENDA
Limites Municioais
16

1.2 RELEVO E GEOMORFOLOGIA

De maneira geral, para uma análise mais detalhada,


o maciço da Borborema é classificado em: a escarpa da Bor-
borema; as superfícies elevadas e as superfícies baixas
pediplanadas. Desta classificação, interessa-nos direta-
•u*
mente a parte específica das superfícies pediplanadas, na
qual nossa região está incluída.
Por toda a área do sertão do Seridó, encontra-se
um relevo desgastado, fruto de um processo erosivo que ge-
rou um quadro geomorfológico constituído de baixas eleva-,
ções, e uma estrutura topográfica levemente ondulada. 0
terreno pedregoso, por sua vez, condiciona a drenagem do
espaço geográfico,' onde • se observa claramente a presença
dos rios e riachos.
Por outro lado, a chapada da Borborema,

" q u a n d o p e n e t r a no R i o G r a n d e do N o r t e íionna u m g r a n d e c í r c u -
lo, c e r c a n d o o S e r i d ó p e l o o c i d e n t e com u m c i n t u r ã o de e l e v a -
ções r e p r e s e n t a d a s por s e r r a s que r e c e b e m d e n o m i n a ç õ e s r e g i o -
n a i s d e : S e r r a do T a p u i o , S e r r a da S a l a m a n d r a , Serra Negra,
S e r r a da M e l a n c i a , Serra S a n t a n a do S e r i d ó , Serra dos Quin-
tos, da Q u e i m a d a , da C a r r e i r a , do M a r i m b o n d o , do C h a p é u e
V e r m e l h a . F e c h a n d o e s t e c i n t u r ã o p e l o lado o r i e n t a l c o m as
s e r r a s do D o u t o r , V e r d e , e s e r r a de S a n t a n a . 0 S e r i d ó , forma
a s s i m u m a p l a n í c i e c e n t r a l com a l t i t u d e s v a r i á v e i s e n t r e 150
a 300 m e t r o s " . 4

1.3 SOLO E VEGETAÇÃO

O solo do sertão do Seridó, em sua maioria, é ra-


so, pedregoso e muito sujeito ã erosão, o que dificulta a
absorção da água e o trato agrícola. A vegetação é de mé-
i,.
dio e baixo porte, formada por pastos nativos, entremeados
por arbustos, pequenas árvores e cactáceas, o que é uma
característica das caatingas secas que ocupam a maior par-
te da superfície do sertão nordestino.
Assim como o clima, o solo é um dos fatores que
17

mais exerce influência na economia agrária, determinando


as lavouras a serem cultivadas, bem como o seu maior ou
menor rendimento, e, até ce::to ponto, influindo na utili-
zação de técnicas agrícolas.

A fertilidade do solo do Seridõ está condicionada,


em grande parte, ao elemento clima e, secundariamente, à
vegetação. Durante longo período de estiagem, os solos
desprovidos de cobertura vegetal são excessivamente aque-
cidos, o que ocasiona a calcinação do húmus. Na época de
"inverno" ou chuvas, esse solo é então submetido a uma in-
tensa lavagem, que determina uma perda da camada hurnosa.
Como conseqüência, podemos dizer que se trata de solo fra-
co, que necessita de adubação e trato para manter o seu 'e~
qu.ilíbrio, a fim de que a lavoura possa apresentar melhor
rendimento.

Por outro lado,' a vegetação existente na região é


a caatinga, que caracteriza todo o Nordeste semi-árido. E-
la é constituída essencialmente de árvores e arbustos es-
pinhentos (que perdem suas folhas na estação seca) e de
plantas suculentas espinhosas.
Essas características da flora local irão influir
não só nas vestimentas do vaqueiro, como no uso muito di-
fundido, até os nossos dias, de roupas de couro, que os
protege desses espinhos, como também, no período de seca,
as.cactáceas, como o xique-xique, por exemplo, armazenam
substâncias nutritivas e hídricas em seus caules e raízes,
sendo largamente utilizadas pelo sertanejo como reserva de
água, nesses períodos de grandes estiagens.
O botânico Foury considera
•i
"a v e g e t a ç ã o da c a a t i n g a a m a i s r i c a era e s p é c i e s . A s mesmas
e s p é c i e s são e n c o n t r a d a s em todas as f o r m a ç õ e s , mas a r i q u e z a
b o t â n i c a d i m i n u i ã m e d i d a que a u m e n t a o g r a u de a r i d e z , isto
é q u a n d o se p a s s a s u c e s s i v a m e n t e p e l o s e r t ã o , p e l o carrasco
c, d e p o i s p e l o S e r i d ó " .

Para o mesmo autor, o Seridó é a região mais árida


do semi-árido e com o menor número.de variedades de espé-
18

cies botânicas, o que irá determinar um pasto de baixa


qualidade para o gado ali existente.
A forma cano a terra é explorada, sem grande uti-
lização de técnicas agrícolas mais avançadas, e de manei-
ra quase depredatória, vem concorrendo para a erosão gra-
dativa, agravada com o violento escoamente das águas, que
contribui para o desnudamento do solo, tornando-o cada vez
mais pedregoso, coberto de seixos rolados e árido.
<áe
0 aspecto geral desta vegetação no Seridó é consi
tituído por dois tipos de caatinga: a seca e agrupada, ca-
racterizada por arvores e arbustos de porte médio, profu-
samente ramificada, e, geralmente, as plantas se agrupam
em "pequenas ilhas", deixando entre si espaços sem qual-
quer vegetação. Estas pequenas ilhas são formadas por um
amontoado de cactáceas, ou grupo de macambira e xique-xi-
que. Ja a caatinga seca e esparsa caracteriza-se por ar-
bustos e algumas árvores com altura média de 2 metros; em
lugar de formarem ilhotas, são bem isolados e distancia-
dos uns dos outros. Falta inteiramente a cobertura herbá-
i
cea, o solo desnudo 6 pedregoso e lavado, sem o menor ves-
tj.gio de humo. A única vegetaçao é a presença do capim pa-
nasco.
Já na vegetação encontrada próxima ás serras e nas
várzeas, aparecem maior número de árvores, entre elas a
aroeira e o angico, com altura acima de 4. metros e copas
amplas. O solo destas áreas é quase todo recoberto por um
manto vegetal, sendo a umidade em grau muito mais elevado.
Nestas reduzidas áreas, se desenvolviam, no séc. XIX, as
maiores lavouras de produção de alimentos de todo o Seridó.

1.4 HIDROGRAFIA

O Sertão do Seridó é banhado pela bacia hi-


drográfica do rio Piranhas ou Açu e seus afluentes (ver mapaV)
-,\.rm V

19

MAPA V

BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO PIRANHAS - AÇU


..... -Q

f
o t s e ricio
duu i d 1 ó i Phossoro,
- è t o ^ o r ?col.
* ^ " mossoroense
' AspeêtSivol.
Naturais
XCV - da Região
ESAM "
~197 8 ppl35 p. 67
20

Todos os rios são intermitentes por natureza, com


exceção do Piranhas, que é alimentado atualmente pelo açu-
de de Coremas, no Estado da Paraíba. Esses rios têm a sua
direção determinada pelas pequenas elevações rochosas do
relevo, que atuam como divisores e escoadores das suas á-
guas. 4*
Entre os mais significativos, estão o rio Sabugi,
o rio Barra-Nova, o rio Piancõ, o rio Seridó e o rio Aca-
uã (ver mapa VJÇ) . Estes rios são freqüentemente citados na
documentação levantada, estando a maior parte das proprie-
dades da região em suas margens ou tendo-as como marco di-
visório.
A irregularidade do regime pluvial é ainda agrava-
da por um escoamento extremamente rápido. A vegetação tí-
pica da região, as caatingas, não constitui um manto pro-
tetor dos solos, e, por outro lado, a natureza dos terre-
nos, via de regra, rasos e pouco permeáveis, não permitem
boa capacidade de armazenamento de água no subsolo. A chu-
va, ao precipitar-se, perde-se, na maior parte, por evapo-
ração, em virtude das altas temperaturas, além da perda o-
casionada pelo rápido escoamento.
Tal característica leva alguns rios a apresenta-
rem leitos totalmente secos após o período de inverno e
outros a se caracterizarem por enchentes torrenciais, logo
após as chuvas na sua bacia, e, depois do escoamento rápi-
do, secam em algumas horas.

A relativa umidade existente principalmente nos


sopés das serras e em certas áreas da região é mantida por
lençóis subterrâneos que, alimentados nos períodos chuvo-
sos, conservam a umidade necessária do solo. A presença
desses rios subterrâneos deu origem a uma forma de agri-
cultura muito peculiar da região, conhecida como "agricul-
tura de vasante".
2.1

1.5 O CLIMA

Como já afirmamos, o clima é, sem dúvida, a jondi-.


cionante que mais participa na caracterização da hidrogra-
fia nordestina.
O clima da região corresponde ao tipo BS hw' da
classificação de Koppen: semi-árido quente. As precipita-
ções pluviométricas encontram-se em curvas que variam de
500mm a 750mm. A temperatura varia de 209 C a 369 C, sendo
o mês de julho o mais frio e os de setembro a janeiro os
mais quentes, o que faz com que a região seja a mais quen-
• 6
te do Estado.
Para o nordestino, o "inverno", a época das chu-
vas, que vão de janeiro a julho, e o verão, o resto do a-
no, são os dois parâmetros da sua concepção de clima. Se
não chove, não há "inverno".
Assim, o,período de chuvas exerce grande influên-
cia na vida regi'onal, estando o calendário agrícola a ele
subordinado. Na região, o plantio é realizado nos meses de
março-abril, quando se inicia regularmente o período das
chuvas.
Dada a sua irregularidade e curta duração, é no
período de "inverno" que se concentra a maior parte dos
trabalhos nas propriedades, constituindo-se na época em
que a mão-de-obra rural é mais ocupada.

Sem dúvida, com urn quadro natural tão adverso a u-


ma economia agrária dinâmica, o Seridó tem nos recursos
naturais mais um elemento que favorece a sua incipiente a-
gricultura. Como este meio-físico foi trabalhado, que tipo
de mão-de-obra foi empregada, e que técnicas êxgrícolas eram
adotadas no séc. XIX, é o tema do nosso Capítulo III.

Dept 0 . História - NEH


ACERVO BIBLIOGRÁFICO
RIO GRANDE DO NORTE
22

2 CONDIÇÕES HISTÓRICAS DE O C U P A Ç Ã O DA TERRA

2.1 A CONQUISTA TERRITORIAL

A pecuária, no séc. XVII, representava para o Im-


pério e províncias "nordestinas um setor da economia colo-
nial, de caráter subsidiário em relação à economia açuca-
reira que era desenvolvida no litoral. A pecuária torna-se
a atividade econômica de suporte, aquela que irá abastecer
a área litorânea produtora da cana-de-açúcar para o merca-
do exterior.

A ocupação do sertão nordestino teve como fator de-


terminante a procura de pastagens naturais favoráveis ã
criação extensiva do gado guiados pelos cursos dos rios,
que os levavam província adentro. Os vaqueiros conduziam
seus animais com o intuito de levantar os "currais" em ri-
beiras férteis c ali se fixarem,
i
Nossa área de estudo, o atual município de Caicõ,
antiga Vila do Príncipe, não fugiu a esta regra geral.
Mas a ocupação do sertão do Seridó não se deu de
maneira tão pacífica, pois a região já era habitada. Os
cariris, que ali viviam, resistiram a sua expulsão, o que
obrigou ao governo geral da Bahia, ao qual, nesta época
(1687), a Capitania do Rio Grande do Norte era vinculada
administrativamente, a entregar a missão de pacificar os
índios a Bernardo Vieira de Melo. Essa missão teve seus
momentos mais decisivos e difíceis na região de Acauã, lo-
calizada no atual município de Currais Novos e passou para
a história como "a guerra dos bárbaros".

Mesmo contando com atuação de "sertanistas de ccA-


trato", como Domingos Jorge Velho, o interior da capitania
só veio a ter a sua ocupação efetiva pelo elemento branco
colonizador por volta de 1696, quando foi fundado o arrai-
al de Nossa Senhora dos Prazeres do Açu.
O processo de povoamento dó sertão foi lento; o
povoado de Caicó teve a sua instalação em 07/07/1735 a-
23

pós missa rezada na fazenda Penedo, distante 1 km da atual


igreja-matriz da cidade de Caicó. Mas a freguesia da Glo-
riosa Senhora Santana do Seridó só foi criada no ano de
1748, após o desmembramento da matriz de Nossa Senhora de
Bom Jesus do Piancó (Pombal - PB). Em 31/07/1788, a fre-
guesia passou à V^, do Príncipe, criada pelo Ouvidor da Pa-
raíba, D. Antonio Felipe Soares de Andrade Brededoares. Em
15/12/1868, a vila tornou-se município do Príncipe, por de-
creto assinado pelo Pr;esidente de província, Marinho da
Cunha. O município do Príncipe foi elevado a cidade em 07/
07/1890, por decreto do Governador Joaquim Xavier da Sil-
T 7
veira Jr.
Depois de instalado, um "arraial" ou um "sitio" e-
xicjia mão-de-obra barata e sem muita especialização. Além
do mais, a pecuária não necessitava de investimentos vul-
tosos, apenas de animais, de- bons pastos e de um "sítio
de terras", onde o criador.e seus trabalhadores pudessem
ali morar e imanter uma lavoura para sua subsistência.
Esta mão-de-obra livre e pobre, qujp acompanhava o
pequeno pecuarista em sua busca de boas terras, exercia
suas atividades ao lado de alguns escravos, compondo assim
a "força de trabalho que ali, no sertão, iria se desenvol-
ver nos moldes do sistema escravista de produção, tanto no
trato com os animais, como na produção agrícola de subsis-
tência. Coube então ã pecuária e ã agricultura de subsis-
tência, que lhe era implícita,

" e m b o r a e n c a r a d a s corno a t i v i d a d e s m e n o r e s , o p a p e l de ocupar


a L e r r a , d e s b r a v a n d o - a e p o v o a n d o - a de m o d o a c u m p r i r as ta-
refas que lhe foram sendo g r a d o t i v a m e n t e e x i g i d a s . A á r e a q u e
e l a s o c u p a r o m c c o n t i n u a r ã o o c u p a n d o é a q u e l a não o c u p a d a p e -
la a g r i c u l t u r a c o m e r c i a l e s p e c u l a t i v a (no i n t e r i o r da p l a n t a -
/ t i o n ) c n ã o a m b i c i o n a d a pbr i n t e r e s s e s m a i s p o d e r o s o s (a
'fronteira a b e r t a ) , d a í o c.nrater p r e c á r i o e t r a n s i t ó r i o d o u -
so c da posse da t e r r a por p e q u e n o s p r o p r i e t á r i o s e lavrado-
res s i t i a n t e s c o m o se f o s s e m o c u p a n t e s o c a s i o n a i s de glebas
provisórias".°

A fronteira aberta do sertão nordestino permitiu a


livre expansão da pecuária que, com a sua mobilidade, a-
vançou província adentro e se fixava nas terras disponí-
24

veis e "vazias". Essa posse "mansa e pacífica" da terra


constitui a base das pequenas propriedades rurais, dando
assim continuidade à estrutura colonial de ocupação da
terra.
Por outro lado, a ocupação de imensas extensões
das melhores terras distribuídas entre poucos grandes pro-
prietários já se fazia presente, através da concessão de
datas de sesmarias. Em 3*67 0, o Cap. Francisco de Abreu Li-
ma e seus companheiros obtiveram

"uma vasta sesmaria medindo cinqüenta léguas de comprimento


por- 12 d e l a r g u r a , seis p a r a c a d a b a n d a d o rio E s p i n h a r as,
c o m e ç a n d o d a s f r o n t e i r a s d a serra d a B o r b o r e m a p e l o r i o a b a i -
xo". J

Essa acentuada distorção_.£undiãria_que caracter.ir


zou todo o sistema colonial de ocupação do solo, onde coe-
xistiram latifúndios improdutivos com minifúndios que não são
capazes de rrover o mínimo de subsistência, levou as famí-
lias que os det.ém, a recorrer a ocupações " aceasórias" pa-
ra garanti, r a sobrevivência. Tal quadro sôcio-econõmico pro-
piciou que as estruturas produtivas do sistema escravista
se mantivessem durcinte muito tempo.
C.om a proibição do trafico negreiro, imposto pelos
ingleses, em 1850, surge um problema para estas estruturas
produtivas a questão da mão-de-obra- No mesmo ano, ê im-
plantada, como solução, a Lei de Terras, inviabilizando
outro meio de se apossar da terra, a não ser pela compra.
,. Tal legislação exerceu profunda influência nas re-
lações de trabalho do sistema escravista que, neste momen-
to, entra em crise. Como tal medida, as formas de trabalho
livre parcialmente assalariadas jã existentes serão conso-
lidadas da mesma maneira que a lei reforçará a estrutura co
lonial de ocupação do solo, mudando apenas a noção de pro-
priedade, uma vez que, através dela,' a terra passou a ser
uma mercadoria. Esta nova concepção de propriedade somente
veio intensificar o monopólio da terra já existente.
/ No Nordeste, de maneira geral, a forma de ocupação
da terra e a lei de terras foram dois fatores ».• decisivos,
que freiaram a formação de uma economia camponesa indepen -
dente, pois, no momento em que iniciava o mercado de bens
imóveis rurais na Vila do Príncipe, por exemplo, a posse ex-
clusiva das melhores terras já pertencia aos grandes lati-
fundiários que as obtiveram através das concessões reais.
Sendo assim, a lei consagrou o monopólio, mantendo os peque-
nos proprietários de glebas "apossadas" (neste período ir-
regularmente) na condição de permanente dependência para com
a burguesia pecuarista que cada vez mais se firmava no cena-
rio político-social, de onde ditavam as diretrizes da econo-
mia local.
Nosso município, apesar de sertanejo e de ter uma
economia considerada subsidiária àquela desenvolvida nas
áreas agro-expor tadoras , não se manteve â margem das trans-
formações sõcio-econômicas que atingiram todo o Império da
segunda metade do século passado. Muito ao contrário, ' ela,
inclusive, participou dessas mudanças , apenas, ali as modi-
ficações tiveram características peculiares que a ocupação
a posse e a distribuição das terras ajudaram a criar, assim
como as relações de trabalho ali adotadas. y

2.2 OS HOMENS

Não podemos deixar de abordar, nesta parte, os ele-


mentos humanos que participaram da ocupaçáo do território
sertanejo.
Inegavelmente, foi o elemento branco, na pessoa do
colonizador português, quem se apossou da terra.' Mas o na-
it
tivo pacificado e c elemento negro escravo, do qual o por-
tuguês explorava a força de trabalho, também se fizeram
presentes no povoamento da região.

" A A n é r i c a L a t i n a é um l e g a d o d a d o m i n a ç a o c o l o n i a l . Nossa
fisionomia particular provem d e um cadinho d e culturas e ci-
v i l i z a ç õ e s q u e se a m a l g a m a r a m a t r a v é s d o c a o s d e u m a d e s t r u i -
ç ã o g i g a n t e s c a , na A m é r i c a I n d í g e n a , e n a Á f r i c a N e g r a , sob
o domínio político, economico e ideológico d a Europa Ociden-
tal". 1 0
26

O elemento branco, ò colonizador português, ao se


apossar da terra, com ou sem concessão real, trazia, para
o sertão, todas as suas experiências e tradições culturais
adquiridas no Velho Mundo. Mas o meio-físico se apresenta-
va bem diverso daquele conhecido, o europeu, o que tornou
necessário a adaptação e a assimilação da tradições indí-
genas e negras para sua*prõpria sobrevivência.

Olavo Medeiros afirma que:

"Os f u n d a d o r e s d a e s t i r p e , q u e v e i o a se c o n s t i t u i r n a eli-
social, eccnomica e política d a região, eram elementos ád-
v i n d o s d o n o r t e d e P o r t u g a l e dos A ç o r e s " .

Esta estirpe - (intimamente associada ao grande pe-


cuarista latifundiário) fora moldada, no exato momento da
ocupação do território, face ao regime escravista de pro-
dução vigente na colônia, através da concessão das ses-
rnarias, que auferiam aos seus possuidores grandes exten-
sões de terras. A necessidade de ocupar o interior, assim
corno a abundância de terras livres, e ali procurar desen-
volver a pecuária extensiva, favoreceram a implantação da
Lurguesia local.
Por outro lado, as pequenas e médias propriedades
surgiram pela posse "mansa e pacífica", pela compra e até
mesmo através da herança. Seus proprietários eram coloni-
zadores também portugueses, porém mais pobres, que, vindos
de regiões vizinhas, como Paraíba, Pernambuco e até mesmo
Bahia, ali se instalaram e, com os seus descendentes, aju-
daram a povoar o restante da região.
Este elemento colonizador trouxe, como força de
trabalho, o negro africano, que trabalhava em suas la-
vouras e o auxiliava no trato dos animais. A participação
do negro na economia sertaneja do Seridó serã analisa-
da no Capítulo III.
A presença dos indígenas nas terras livres foi um
grande obstáculo para o povoamento do território sertane-
jo. O litoral do Rio Grande do Norte era ocupcido por poti-
guares do grupo Tupi-Guarani. Jã no sertão, dominavam os
\ /
\ /

índios Cariris, que foram pacificados pelo colonizador,


sendo pouco estudados e seus hábitos e costumes pouco co-
nhecidos .
No Seridó, quatro grupos foram identificados: os
•curemas, os icós, os pecas e os caicós.
Além dos cron-ü-stas seiscentistas que procuraram
descrever os nativos do litoral e do interior das capita-
nias nordestinas,no nível regional encontramos alguns au-
tores que se preocuparam em estudar os índios que habita-
vam o nordeste brasileiro durante o período do descobri-
12
mento e da colonização.
No Seridó, a presença dos indígenas é mencionada
nas concessões de sesmarias do séc. XVII, onde se faz re-
ferência ao

" s e r t ã o dos T a p u i a s ou dos í n d i o s c a n i n d é s pela parte onde


e l e s h a b i t a v a m que são a c i n q U e n t a ou s e s s e n t a l é g u a s desta
d i t a c i d a d e e c a p i t a n i a p o u c o m a i s ou m e n o s " .
l
Muito pouco ainda se sabe sobre os cariris, e os
dados demográficos existentes são pouco confiáveis. O seu
contato com o colonizador foi breve e muito violento, o
que impediu que a sua cultura e língua fossem bem estuda-
dos; no entanto, a sua presença na região é constatada a-
través: 1) da toponímia local que recebeu forte influência
irjdígena , dando nome às serras, rios, riachos, plantas,
peixes, aves e até mesmo de propriedades; 2) dos hábitos
do quotidiano do sertanejo, como o uso corrente da rede,
por exemplo; 3) da sua dieta alimentar, onde não falta a
farinha de mandioca, a carne assada, o milho, o jerimum e
a batata doce, resquícios de uma tradição nativa e fruto
de uma agricultura rudimentar, onde o solo era preparado
através da coivara.
Entre os utensílios domésticos mais citados nos in-
ventários, destacamos os pilões de madeira, as cestas, as
cuias de cabaças e, em algumas vezes, as urupemas. Estas
influências que o europeu assimilou da cultura indígena
correspondem ao único legado que o verdadeiro dono da ter-
28

ra conseguiu deixar.
Assim, podemos dizer que a mão-de-obra que trabalhou ,
a terra do sertão do Seridó foi a escrava, na pessoa dos ne-
gros, e, principalmente, do homem livre pobre, representados, ;
pelos vaqueiros, pelos pequenos criadores, pelos feitores e
pelos próprios posseiros de pequenas glebas de terras dispo- 1
níveis. Mas o dono das melhores e das maiores extensões de;
terras, após a sua ocupação, passou a ser o colonizador por-
tuguês e seus descendentes.

3 A D E M O G RAF I A ~ A P R O V Í N C I A E 0 SERTÃO

3.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS

Um dos primeiros trabalhos estatísticos realizados no


séc. XIX, na província, data de 183 9 e foi encomendado pelo
Presidente da Província, D. Manuel de Assis Mascarenhas. Ape-
nas 3 4 dos 40 distritos que compunham a província enviaram
1
seus mapas. Neles ., foram registrados 80.530 indivíduos, sendo
70. 341 livres (87,4%) e 10.189 escravos (12,6%). 1 4
Em 184 5, a população registrada pelo chefe de polí-
cia, João Paulo de Miranda, foi de 149. 072 habitantes, dos
quais 130.919 eram livres (87,9%) e 18.153 escravos (12,1%).15
Do levantamento de dados demográficos e estatísticos
realizados nos arquivos locais, constatou-se a precariedade
de informações sobre o movimento da população livre e escra-
va, da segunda metade do séc. XIX, na Província do Rio Grande
do Norte. Alem disso, estes dados são incompletos e, as ve-
zes, imprecisos. Nosso objetivo aqui não e elaborar um estudo
da demografia histórica nor te-r iogr andense, mas, sim •: expor
alguns dados que possibilitem a melhor compreensão da ra-
refeita população livre espalhada no sertão do Seri-
dó e da presença da significativa população escrava.
Nos ar rolamentos realizados no período, muitas lacu-
nas são registradas, o que prejudica uma análise apurada. Di-
versos distritos policiais não remetiam seus mapas, como re-
conhecia o Presidente de Província, em 18 66:
" . . . tentei a p r e s e n t a r o a r r o l a m e n t o d a p o p u l a ç a o d a P r o v í n -
c i a , e a c u s t a d e m u i t o t r a b a l h o e d e c o n t í n u o s e s f o r ç o s con_
s e g u i a p e n a s a i u m e r a r p a r t e d o s h a b i t a n t e s , pois d e 56 dis-
t r i t o s a r r o l a r a m - s e s o m e n t e 26 f a l t a r ã o 3 0 d o s - q u a i s os s u b -
d e l e g a d o s n a o r e m e t e r a m as l i s t a s " .

Por outro lado, os vigários das freguesias se .fa-


ziam surdos aos apelos das autoridades, não enviando os
mapas ou, ao f azê-1 o, ""preenchiam incorretamente, o que/ al-
gumas vezes, acarretava um resultado falso, como ocorreu no
mapa de batismo e óbitos para o ano de 1853 :

" . . . os v i g á r i o s d a s f r e g u e s i a s d e S a o B e n t o e I m p e r a t r i z n a o
r e m e t e r a m os m a p a s e, p o r terem os v i g á r i o s d e A r e z , Assu e
Angicos, nos m a p a s que r e m e t e r a m , feito d i s t i n ç ã o d a s cores
d o s i n d i v í d u o s l i v r e s , f o i o n ú m e r o d e s t e s i n s c r i t o s no t o t a l
das respectivas freguesias". ^

O trabalho de arro lamento do chefe de polícia do


Governo de Leão Velloso permite-nos fazer uma comparação ,
entre a popul ação livre e a escrava, no Rio Grande do Norte,
no ano de 18 55 .(ver Quadro I).
30

Quadro I - POPULAÇÃO LIVRE E ESCRAVA EXISTENTE NA PROVÍN-


CIA DO RIO GRANDE DO NORTE EM 1855

LIVRES ESCRAVOS

NATAL 5.934 520 jJ

SAO GONÇALO 7.705 775 L

EXTREMOZ 15.724 1.12 6 H

TOUROS 3.810 362 U.

GOIANINHA 19.539 1 .600 ^

ANGICOS 3.235 1.100 ^

MACAU 5.164 564 >D


. MOSSOR0 2 .493 15 3 \
PRÍNCIPE * 1 3.742, 2.179
IMPERATRIZ 5. d96 746 -1
PORTO ALEGRE 6.921 714
APODI 4.481 589 '>
SAO JOSÉ 18.118 9.816 v
ASSO 16.004 -

TOTAL 127.966 20 .244


Fonte: AN.R.P.P. - Leão Velloso - 1866, p.32

Neste ano, a população norte-riograndense chegou a


148.210 habitantes, sendo 127.966 livres (86,3%) e 20.244
escravos (13,7%), estando concentrada a sua maioria na Zo-
na da Mata, ou seja, nos distritos de Natal, Extremoz, Tou-
ros, Goianinha, Macau e São José. Essa região litorânea,
que se destacou pela produção de cana-de-açúcar, possuia
13.988 escravos ou 69% da população cativa de toda a pro-
víncia. A região do Seridó, no ano de 1855, registrava
uma população escrava de 2.179 ou 10,7% do registro geral
da província.: se considerarmos que, na Zona da Mata, foram
computados os registros de 6 distritos e, no sertão, ape-
nas o registro do distrito de Príncipe, a percentagem de
cativos passa a ter uma expressão maior.
Quando comparamos esta percentagem com a da po-
pulação livre das duas regiões, temos 68.28 S habitantes
na zona da Mata ou 53,3% e 13 .742 habitantes no Seridó ou
10,7% do total da província, observando-se que no Seridó
a população livre é 6 vezes superior a população escrava,
e a rarefeita densidade demográfica nesta área da pro-
2
víncia, que tem 9.33 2 km .
Para o ano de 1866, foi realizado um arrolamento
da população dos distritos da província, que demonstrou
ser o seu total de 4 2.4 60 habitantes, entré homens e mu-
lheres, sem fazer distinção se escravos ou livres.
Apesar de, neste espaço de 10 anos, desde o úl-
timo arrolamento em condições de analise, terem havido 3
epidemias (ver Anexo III) e, no ano de 1860, uma seca que
tenha provocado o êxodo da população sertaneja rumo ao
litoral ã procura de' alimentos, o decréscimo de 71,4 % ou
105.7 55 habitantes na população nos parece muito eleva-
, 18
do.
!
Na pior seca de nosso período de estudo, a de
1877/79, o registro Oficioso mais pessimista sobre a con-
tagem de óbitos foi o do contemporâneo Luiz Gonzaga de
Brito Guerra, que calculou um "orbituãrio diário em Mos-
soró de 30 a 40 pessoas ( j . * ) em dezembro havia cerca de
25.000 pessoas cuja a ocupação era terem fome e morrerem
na miséria. Ora, mesmo se somarmos estes números, ain-
da estaremos longe d a queda de 71,4% de habitantes, que
teria ocorrido na Província, em meados da década de 60.
Somos, .então, obrigados a descartar esta listagem, que não
deve ter incluído muitos distritos ou, então, trata-se a-
penas de parte da população.
Em resposta ao Aviso-Circular de 18/09/187 0, o
chefe de polícia do Governo de Carneiro da Cunha registra,
em seu relatório, uma população para a Província de
262.307 habitantes, sendo 237.981 livres e 24.326 escra-
32

vos. Infelizmente, este arrolamento não foi especificado


por distrito, o que impede uma análise mais detalhada para
a nossa área de interesse, wo entanto, não impede que
constatemos um aumento de 43,5% na população de maneira
geral. Entre os livres, este aumento ficou em 46,2% e foi
•m. 20
de 16,8% entre os escravos. Vale ressaltar que, no " ano
de 1869, inicia-se um período de seca que se estende
até meados de 1873 , no ano de 1875, houve
inundações e enchentes nas cidades sertanejas, que foram
registradas, inclusive, nos inventários e depoimentos de
21
época , como sera desenvolvido adiante.
Com isto, é admissível que, no recenseamento de
1872, a população total da província tenha sido apenas de
233.979 habitantes, ou seja, um decréscimo de 10,8% ou
28.328 pessoas. A análise de tais dados torna-se mais sig-
nificativa se compararmos o ,decréscimo na população livre
de 17.022 habitantes ou 7,2% com o que ocorreu na popula-
i
ção escrava, que foi de 11.306 habitantes ou 46,5%.
33

Quadro II - POPULAÇÃO LIVRE E ESCRAVA EXISTENTE NA PROVlN-


'CIA E NO SERIDÕ SEGUNDO OS DADOS DO CENSO DE 1872
LIVRES ESCRAVOS
TOTAL
HOMENS MULHERES HOMENS MULHERES

BRANCOS 52.835 49.630 102.465


<'
H PARDOS 42.213 41.887 3.183 3.171 90.545
U
_ PRETOS 12.202 11.163 3.388 3.278 30.031

^•>CABOCLOS 5.471 5.558 11.029

° TOTAL 112.721 108.238 6.571 6.449


Pi
Cu TOTAL 220.959 13.020 233.979
GERAL

LIVRES ESCRAVOS
TOTAL
TOTAL.. TOTAL
HOMENS MULHERES LIVRES HOMENS MULHERES ESCRAVOS

O PRÍNCIPE 5.317 4.781 10.098 559 626 1 .185 11.283


Q
HACARY 5.720 5.657 11.377 505 541 1 .046 12.423
05
JARDIM 4.047 3.808 7.855 171 222 393 8.248
fJ
10
TOTAL, 15.084 14.246 29.330 1.235 1.389 2.624 31.954
Fonte: I11GE - C e n s o Demográfico 1872

No sertão, o tráfico intcrprovincialrip-fisrravns, o


grande número de mortes ocorridas entre os cativos, devido
às precárias condições de vida e a frugal dieta alimentar
a que estavam sujeitos, aliados.aos "grandes negócios" em
que estavam envolvidos nos períodos críticos de crise, fo-
ram fatores determinantes para esta queda na população es-
crava sertaneja. (.. Ver Anexo II Pg 222)..
Com isto, a população do Seridó que, em 1872, era
de 31.954 habitantes, sendo 29.330 livres, teve o seu con-
tingente de escravos reduzidos para 2.624 ou 8,2% em rela-
ção ao seu total. (Vex- Quadro II)
Como ocorreu em todas as províncias constata-se • uma
diferença entre o número de escravos registrados no censo ofi-
cial de 1872 e o número de escravos matriculados nas estações
fiscais. Para a Província do Rio Grande do Norte, tal diferen-
ça foi de 4 56 escravos, ou seja, foram matriculados 2.7 20 ca-
tivos, o que pouco altera a porcentagem de escravos para a re-
.— -u.
giao.

Quadro III -- DADOS CENSITÁRIOS DE 18S0 PARA A PROVÍNCIA DO RIO


GRANDE DO NORTE E DARA O SERTÃO DO SERIDÕ

PROVÍNCIA S ERIDO*

HOMENS 130. 713 19.847


MULHERES 137.561 2 0. 6 67

TOTAL 2 68. 273 40.514


li i-
* C o n t a r a m o s r e g i s t r o s cios m u n i c í p i o s d e J a r d i m , Acary, Flo-
res, C u r r a i s N o v o s , S e r r a N e g r a e Sao M i g u e l d e J u c u r u tu .

Fonte: Diretoria Geral de Estatística - 1890 - Francisco Men-

des da Rocha - p. 2/3 e 102 - IBGE

Jã para o ano de 18 90, localizamos o recenseamento or-


ganizado por Franci.sco Mendes da Rocha. Neste ano, a população
da Província era de 268.273 habitantes, sendo 137.561 mulheres
e 13 0.713 homens. No sertão do Seridõ, zi população representa-
va 3.5,1% do restante da província, ou seja, 40.514 habitantes,
sendo 20.667 mulheres e 19.847 homens de 7 municípios, (ver Qua
dro III).
No ano de 1900, o recensecimento oficial acusou,
para o Estado do Rio Grande do Norte, um total de 274.317
habitantes e, para o Seridõ, 47 . 488 . Jã no censo de 192 0,
no Estado nor te-r iog randen se, a população atingiu 537.13 5
22
pessoas e, no Ser ido / os habitantes somavam 9 4.295.
Recapitulando, teremos então, de 18 55 a 1920, a po-
pulação da Província e do sertão, assim distribuída:
Quadro IV - POPULAÇÃO DA PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE
E DO SERIDÓ PARA OS ANOS DE 1855/1870/1872/1890/1900/1920

PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE SERIDÕ

. 1855 14 8.210 2.179

1870 ^ 262.307 15.921

1872 233.979 31.954


1 890 268.273 40.514
1 900 274.317 47.488
1 920 537.135 94.295

Fonte: D a d o s dos Q u a d r o s I, II e III

Francisco Carlos Teixeira da Silva, ao analisar o


sertão do São Francisco (Sergipe - 1820-1920), constata a
"fragilidade;demográfica" daquela região, através da va-
riação absolúta c relativa da população do sertão do São
Francisco, do Sergipe e do nordeste. Partindo do mesmo ra-
ciocínio, encontraremos, para a nossa área, uma situação
bem semelhante, ou seja, um aumento 'bem mais regular da
população sertaneja e da Província-Estado norte-rio-gran-
dense do que o arrítmico crescimento da Região Nordeste.
( Ver Quadro V )
>

Quadro V - VARIAÇÃO ABSOLUTA E RELATIVA DA POPULAÇÃO DO NORDESTE, DO RIO GRANDE DO NORTE E


SERGIPE E DO SERTÃO DO SERIDÕ E SÃO FRANCISCO (1872-1920)

SERTÃO S.FRANCISCO SERGIPE NORDESTE RIO G. NORTE SERTÃO SERIDÓ


ANOS
VAR. ABSOLUTO % VAR. ABSOLUTO % VAR. ABSOLUTO % VAR. ABSOLUTO % VAR. ABSOLUTO %

1872-1890 2.825 33,2 134.683 76,4 1.363.487 29,4 34.294 14,6 8.560 26,7
è
1890-1900 4.102 36,2 45.338 14,6 747.460 12,4 6.044 2,3
6.947 17,2
1900-1920 6.171 40,0 120.800 33,9 4.496.414 66,6 262.818 95,8
46.807 98,5
Fonte: IBGE. Censos 1870,-1890, 1920 - Diretoria Geral de Estatística; Teixeira da Silva, Francisco Carlos -
Camponeses e Criadores na Formação Social da Miséria Posto da Folha no Sertão do São Francisco (1820-
1920) - tese miraeog. UFF 1981 Niterói, p. 120
37

Mas no período intercensitário (1872/18 90), se com-


pararmos os dados regionais acima, notamos como o grande fla-
gelo das secas periódicas (ver anexo III) influia no quadro
demográfico da província norte-riograndense tendo sido : •• esta
região a que mais se ressentiu, dal as variações mais baixas
do período, ou seja, 14,6%, a qual já nos fornece ura forte in-
dicio da fr agilidade-««Ia sua estrutura só cio-econômica, . como
veremos adiante.
No sertão seridoense, a situação e mais específ i ca, em
virtude das graves secas e das epidemias que assolaram a re-
gião, entre os anos de 1872 e 1890 (ver Anexo III). Verifica -
se que, após o flagelo, a população retorna das cidades - refú-
gios. Além disso, a taxa de nascimento é elevada, como se pode
constatar pela relação dos herdeiros dos inventários pesquisa-
dos, nos quais observamos a média de S,6 herdeiros por inven-
tariado, com idade até 15 anos.
Como afirma o autor acima citado, no sertão do S.
Francisco, "a crise econômica não estã debelada, tendo o seu
23
agravamento noi peinodo seguinte (18 90-1900)". No > entanto,
para a Provincia-Estado do Rio Grande do Norte, observou-se a
.variação mais baixa de acordo com o Quadro V, ou seja, 2,3%.
Nesse período in ter cens itãrio (1890-1900) , o Seridó
encontrava uma nova base para o seu desenvolvimento, a cultura
do algodão. Cpçao agrícola, jã conhecida e praticada no ser-
tão seriodoense, mas que não chegava a ocupar um lugar de des-
,-taque nas rendas locais.
Nas pesquisas dos inventários sertanejos do perío-
do estudado, não encontramos subsídios que comprovem uma pro-
dução voltada para atender a demanda do comércio exterior.
Supomos que, em nossa província, ocorreu o mesmo processo de-
tectado pelas pesquisadoras Diana Galiza e Marly Vianna ,
ao estudarem a economia paraibana, durante a segunda me-
tade do século passado, estando a produção algodoeira da-
quela província localizada na região agrestina. Mais
tarde é que o algodão irã desenvolver-se nas terras do
24
sertão paraibano. Ao consultarmos alguns inventa-
38

rios, aleatoriamente, pertencentes ao segundo período in-


tercensitário, notamos uma freqüência maior de presença de
descaroçadores e produção de algodão. Esta resposta tardia
à demanda Inglesa de matéria-prima para suas fábricas face
ã guerra de Secessão merece ser, oportunamente, objeto de
uma pesquisa mais aprofundada. (Ver Quadro LX Pg 181 )

O aumento espetacular da população seridoense no


período de 1900-1920 estaria assim apoiado em uma economia
agro-pecuária tipicamente de subsistência que, a despeito
dos grandes surtos epidêmicos advindos das rigorosas se-
cas, consegue se manter estável, graças ao incentivo da
produção algodoeira que toma conta das lavouras da parte
setentrional da região nordestina, no final do séc. XIX e
25
alvorecer do XX.
Retornando ao Quadro V, o crescimento populacio-
nal do sertão seridoense apresenta-se visivelmente mais
harmônico do que o ocorrido na Província-Estado, face a
especificidadés econõmicas-sociais locais.
Outro paralelo interessante com o sertão sergipano
é o da densidade demográfica. Sendo a área do sertão seri-
doense de 9.332 km 2 , temos como resultado os seguintes ín-
dices de densidade populacional: em 1855 - 1,7 hab/km 2 ; em
1872, teriamos 3,4 hab/km 2 , e, finalmente, em 1900, chega-
ríamos a 4,3 hab/km 2 .

Quadro VI - DENSIDADE DEMOGRÁFICA DO SERTÃO DE SÃO FRAN-


CISCO (SE) NOS ANOS 1854/1872/1900 E DO SERTÃO DO SERIDÓ
(RN) NOS ANOS 185 5/1872/1890
SÃO FRANCISCO Mv HAB P/ SERIDÓ (2) HAB P/
(SE) U j
KM2 (RN) KM2
i
1 854 5.910 1,2 1 855 1 5. 921 1 ,7
1872 8.486 1,8 1 872 31 . 954 3/ 4
1 900 11.311 3,2 1 890 4 0.514 4/3
Fonte: (1) T e i x e i r a da S i l v a , F r a n c i s c o Carlos o p . p. 121/122; Qua-
dros
(2) Q u a d r o s I e V
Os cálculos obtidos para o sertão sergipano foram
2
realizados sobre uma area de 4 .837 cm . Esta area co ser-
tão sergipano é 48,1% menor que a área ocupada pelo sertão
seridorense. Acreditamos ser razoável a diferença de den-
sidade demográfica, face ã diferenç£\ de área ocupada,o que
torna as duas regiões muito semelhantes, ou seja, com uma
população rarefeita em relação ã sua extensão terr itorial.
A ausência de um dos grandes fatores de desenvolvimento a-
gricola - a pressão demográfica - torna tais áreas carac-
terizadas por uma sociedade com baixo nível técnico de
produção, sem incentivos para a intensificação do uso do
solo, fato este que se refletia na incipiente economia a-
grãria de baixo nível técnico de exploração agrícola e es-
tanque quadro das relações sociais.
Segundo .Ester Boserup, a pressão demográfica é o
principal fator nas transformagoes agrícolas: sistemas de.
uso do solo e das técnicas empregadas. Para esta mesma au-
tora, todo avanço técnico em sociedades pré-capitalistas ,
o que implica numa maior produtividade agrícola, envolve a
incorporação de mais trabalho humano e uma utilização mais
intensiva do solo. Para a aiitrora,
2 g cabe ao peso dlademogra-
fia forçar o caminho da mudança.
Nas duas regiões sertanejas, o mesmo tipo de ocu-
pação extensiva de terras, em busca de novas pastagens e
solos mais férteis para a agricultura, constitui um fator
que permite acentuar as semelhanças.
No Seridó, a expansão geográfica foi dirigida, i-
27
nicialmente, para o leste, com a criaçao de novos povoa-
dos que, mais tarde, se transformaram em vilas e cidades ,
como Acary (desmembramento da Vila Príncipe), Currais No-
vos (desmembramento de Acary), Jardim do Seridó (que per-
tenceu ã Vila do Príncipe e Acary, para só no séc. XX tor-
nar-se cidade). Ja no sentido norte, destacamos Florânia
que também chegou a cidade ja em nosso século. ^
40
GRAFICO I GRÁFICO II

POPULAÇÃO LIVRE E ESCRAVA POPULAÇÃO LIVRE E ESCRAVA


DA VILA DO PRÍNCIPE - 1872 DA VILA DO PRÍNCIPE - 1872
(SEGUNDO A COR)

BRANCOS
54 ,4 Ç ^ j BR/
92,5 LIVRES
14,5 CABOCLOS

7,5 ESCRAVOS
10,1 PRETOS LIVRES
^ lO
Fonte: R e c e n s e a m e n t o G e r a l do 4 ,5 V - P R E T O S ESCRAVOS
I m p é r i o do Brasil 1872

13,5 PARDOS LIVRES

3,0 PARDOS ESCRAVOS

F o n t e : RecenseameriLo G e r a l do
3.2 O CENSO DE 187 2 I m p é r i o do B r a s i l 1072

A população do município do Príncipe, em 1872, era


de 9.847 pessoas, sendo que 92,5-6 delas já eram livres (ver
Gráfico I).

ORIGEM E CONDIÇÃO

Os brancos de origem européia eram pouco mais da


metade da população total (54,4%); os mestiços de brancos
e índios (caboclos) eram 14,5%, sendo brancos e caboclos
41

todos livres. Os pardos eram 16,5% da população, e os pre-


tos, 14,6% do total. Só entre estes dois últimos grupos
encontramos escravos (ver Gráfico II).
Os estrangeiros que viviam na Vila do Príncipe (4
ao todo) são uma percentagem muito pequena, 0,04 0% da po-
pulação total e 0", 04 3% da população livre branca, e, por
isso, desprezamos o dado.
Estes números, dos gráficos acima, denotam uma cer-
ta convivência e miscegenação entre índios-e brancos., na
região, pois uma percentagem significativa de caboclos
(14,5%) foi, naquele ano, recenseada, o que significa que
o extermínio, no sertão, não foi tão violento como em ou-
tras regiões, apesar de nem um só índio ter sido contado
neste censo.

A miscegenação também foi muito comum entre negros


e brancos, sendo que os pardos e os pretos livres somam
23,6% da população, que, em sua grande parte, provavelmen-
te, deveria ser de libertos, e os escravos somam 7,5%, o
que representa 31,1% do total da população, significando,
até certo ponto, a relativa importância que a escravidão
teve para o município.

COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO POR SEXO

Era bastante homogênea a distribuição da população


quanto ao sexo, tanto em relação ã população geral, como
em relação aos diferentes grupos de cor e condição, haven-
do assim um equilíbrio entre homens e mulheres recenseados
(ver Quadro VII).
Quadro VII - DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO POR SEXO - VILA DO
PRÍNCIPE - 1872 (EM NÜMEROS ABSOLUTOS E PORCENTAGEM)
HOMENS MULHERES

LIVRES TOTAL LIVRES ESCRAVAS TOTAL

BRANCOS 2690 27,3 - - 2690 27,3 2663 27,1 2663 27,1


CABOCLOS 825 8,4 825 8,4 604 6,1 604 6,1
TARDOS 596 6,1 195 1,9 791 8,0 734 7,5 838 8,5
PRETOS 603 6,1 182 1,9 785 8,0 390 4,0 651 6,6

TOTAL 4714 47,9 5091 51,7 4391 44,7 4756 48,3


Fonte: R e c e n s e a m e n t o G e r a l do I m p é r i o do B r a s i l - 1872
ff***

GRÁFICO V
ESTADO CIVIL DA
POPULAÇÃO ESCRAVA (%)

VI Ovos

!
frete: Recenseamento Geral Fonte: Recenseamento Geral Fonte: Recenseamento Geral
do Império do Bra- do I m p é r i o do Bra- do I m p é r i o do Bra-
sil 1872 sil 1872 sil 1872

ESTADO CIVIL DA POPULAÇÃO

A grande maioria da população era solteira (G6%) .


Desses, 25% eram menores de 15 anos. Apenas 34% da popula-
ção geral estava ou esteve casada (ver Gráfico III).
Se compararmos o estado civil da população livre
com a população escrava, Gráficos IV e V, a proporção mu-
da , ou seja, entre os livres a situação pratica-
mente se mantém, 63,2% solteiros e 36,8% entre casados e
viúvos, mas, para a população escrava, a sua totalidade
constituia-se de solteiros. Sendo praticamente o mesmo nú-
mero de homens e mulheres escravos (ver Quadro V.III) , a
totalidade de solteiros (100%) entre os cativos indica que,
mesmo cm um período de escassez de mão-de-obra, não houve
44

preocupação em incentivar o casamento entre escravos. Mes-


mo levando em conta a ausência do casamento oficializado,
isto não significa a existência de famílias escrava:- de
forma informal, o que lhe conferia uma estabilidade muito
,precária.

•Ata
Quadro VIII - ESTADO CIVIL DA POPULAÇÃO EM NÚMEROS ABSOLU-
TOS

CONDIÇÃO ESTADO CIVIL HOMENS MULHERES TOTAL

SOLTEIROS 2957 2795 5752

LIVRES CASADOS 982 927 1 909


VIÜVOS 775 669 1444

SOLTEIROS 377 365 742

ESCRAVOS CASADOS - -

VIÜVOS - -

Fonte: R e c e n s e a m e n t o Geral do I m p é r i o do B r a s i l - 1872

É maior a percentagem de homens livres solteiros


(51,4%) e de homens escravos (50,8%), mas as diferenças
sáo muito pequenas. Entre os homens livres, a viuvez foi
maior (53,6%) que a feminina (4 6,3%).
i|
li

45
GRAFICO VII

% DA P.E.A. SOBRE A P0PUIAÇ&0 % DA CONDIÇÃO DA P.E.A.

88,4 P.E.A. LIVRE

11,6 P.E.A. ESCRAVA

& Fonte: R c c e n s e a m c n t o G e r a l do Fonte: R e c e n s e a m e n L o G e r a l do


Império do B r a s i l 1872 I m p é r i o do B r a s i l 1872

A POPULAÇÃO ECONOMICAMENTE ATIVA (PEA)

Se considerarmos a população total, 54,6% dela es-


tava desempregada (Gráfico VI). Da PEA, 88,4% eram livres
, e apenas 11,6% escravos (Gráfico VII).
Estes dados indicam a perda da importância econô-
mica da mão-de-obra escrava, já no início dos anos 70.
Quando verificamos que, dos 11,6% que compunham a mão-de-
-obra escrava, apenas 6,'4% (289) estavam no trabalho urba-
no ou doméstico, e 5,1% (230) estavam no trabalho rural
• produtivo; o peso da mão-de-obra escrava cai ainda mais,
se analisarmos o Gráfico VIII.
46
%
GRÁFICO V I I I

t tA PEA POR S E T O R D E ATIVIDADE AGRICULTURA LIVRE 20,9

(+1+Í) AGRICULTURA ESCRAVA 3.5


V T v

PECUÁRIA LIVRE 31,3

' SERVIÇO DOMÉSTICO LIVRE 21,9

[5/iV ,j) SERVIÇO DOMÉSTICO ESCRAVO 6,0

TRABALHO URBANO LIVRE 10,7

TRABALHO URBANO ESCRAVO 0,4


v*' '<' <y

CAPITALISTA LIVRE 1,1


CRIADORES E JORNALEIROS
LIVRES 2.6

CRIADORES E JORNALEIROS
7 ESCRAVOS 1/6

Fonte: R e c e n s e a m e n t o Geral do I m p é r i o do B r a s i l 1872

' *
'47
GRAFICO IX

% D A P O P U L A Ç Ã O E C O N O M I C A M E O T E A T I V A (PEA) T O T A L S E G U N D O A
AREA DE TRABALHO RURAL E URBANO

( ^ y PE INATIVA

PEA RURAL

PEA URBANA

Fonte: R e c e n s e a m c n t o Geral do I m p é r i o do B r a s i l 1872

Se considerarmos a população economicamente ativa,


do ponto de vista do trabalho urbano-e rural, fica notório
que o município ,vivia, basicamente, do trabalho do campo
(27,2%). Já a sua PEA encontrada na zona urbana representa
apenas 18,2% (ver Gráfico IX), onde trabalhavam manufatu-
reiros, comerciantes, caixeiros, guarda-livros, profissio-
nais liberais, funcionários públicos, etc. Mas isso não
significa isolamento entre cidade e campo, havendo um re-
lativo comércio entre ambos, além da ligação comercial
entre os grandes fazendeiros e outros centros urbanos.
.1
48

ESTRUTURA DA POPULAÇÃO ESCRAVA

Considerando apenas 1 população escrava do municí-


pio, a divisão em seu interior não é tão equilibrada quan-
to ao sexo e à cor (Quadro IX). Entre os escravos de cor
parda, os homens eram 195 (51,7%), e, jã as mulheres, so-
mavam 1 04 (28,9%) mas, efitre os escravos de cor preta, o-
corria o contrário, as mulheres eram em número bem supe-
rior, 261(71,5%) / e os homens somavam 182(48,3%) .

Quadro IX - ESTRUTURA DA POPULAÇÃO ESCRAVA SEGUNDO O SEXO


E A COR

HOMENS MULHERES TOTAL


COR
N9 % N9 % N9 %

PARDOS 1 95 51, 7 104 28 / 5 299 40, 3

PRETOS 1 82 48, 3 261 71 ,9 443 59,7

Fonte: R e c e n s e a m e n t o Geral do I m p é r i o do B r a s i l - 1872


49

GRÁFICO X

DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇÃO ESCRAVA SEGUNDO A OCUPAÇ&p POR SEXO (%)


%

29,! AGRICULTURA HOMENS

29,3 SERVIÇO DOMÉSTICO HOMENS

3
/7 TRABALHO URBANO HOMENS

CRIADORES E JORNALEIROS HOMENS

V j S E R V I Ç O D O M É S T I C O MUIJIERES

Fonte: R e c e n s e a m e n t o Geral do I m p é r i o do B r a s i l - 1872

No Gráfico X, a distribuição da população escrava,


segundo a sua ocupação por sexo, fica patente a utilização
total da mão-de-obra escrava no trabalho, ou seja, 742 ca-
tivos (100%) estavam vinculados ativamente na economia lo-
cal .
Esta participação ativa do escravo pode ser melhor
analisada no Quadro X, quando registra que 118 escravas e-
ram ligadas ao trabalho doméstico (como costureiras e te-
celãs, principalmente) e 155 escravos trabalhavam nas la-
vouras \ ou 38,7%. No trabalho urbano, ''.penas 19 escravos
eram utilizados, representando 4,7% do total. É interes-
sante notar que 18,7% dos cativos (75) foram registrados
como criadores e jornaleiros.
50

Quadro X - OCUPAÇÃO DOS ESCRAVOS HOMENS E MULHERES SEPARA-


DAMENTE

SEXO OCUPAÇÃO N9 ABSOLUTO %

AGRICULTURA 155 38,7

ESCRAVOS SERVIÇÜ DOMÉSTICO 152 • 37,9

HOMENS TRABALHO URBANO 19 4,7

CRIADORES E JORNALEIROS • 75 18,7

ESCRAVAS
MULHERES SERVIÇO DOMÉSTICO 118 100%

Fonte: R e c e n s e a m e n t o Geral do I m p é r i o do B r a s i l - 1872

Infelizmente- não obtemos nenhum dado ou informa-


ção, na documentação pesquisada, que pudéssemos comparar
com o censo de 1872.

Pelo crescimento geral da população e também pelo


número de herdeiros nos inventários, a taxa de natalidade
da população livre era bem alta. Trabalharemos com dados
de mortalidade na última parte deste capítulo.

Sobre os migrantes das secas, não foi possível de-


tectar o número exato. Temos notícias de migrações para
"regiões refúgios", nestes períodos de grandes estiagens,
mas sem estimar o número exato de pessoas.
O censo de 1872 contou ainda 67 deficientes físi-
cos, 0,7% da população total. Entre eles, os aleijados e-
ram os mais numerosos: 50,7%. Do total dos deficientes, 4 4
(65,6%) eram livres e 23 (34,4%) escravos. Nos inventá-
rios, aparecem algumas notícias de escravos doentes ou a-
leijados. Na verdade, entre os cativos, os aleijados eram
em maior número: 18; e, já entre os livres, somavam 16.

No que diz respeito ao nível de educação escolar e


alfabetização, apenas 23,4% (2.304) da população sabia ler
51

'e escrever, sendo 7 6,6% (7. 543 ) completamente analfabetos


(incluindo todos os escravos). Se tomarmos apenas a popu-
lação livre, a porcentagem dos que sabiam ler e escrever
sobe um pouco, para 25,3%. Encontramos muitos, e ate nos
registros de terras (de 1896), pedidos de assinatura a
rogo. Raríssimas mulheres sabiam ler e escrever.
Ainda p:or ocasião do censo, a população livre em
idade escolar - de 6 a 15 ano ü - era du 1.S90 pessoas C
apenas 233 (14 , 6%) freqüentavam a escola. Desses 14,6% ,
8,6% (137) eram homens e 6% (96) eram mulheres.
Os dados oferecidos por este censo não permiti- *
ram fazer uma análise sobre a qualificação da mão-de-obra,
apesar de demonstrarem ausência de atividades com prepa-
ração_té.finica_especial.
Quanto ã religião, toda a população, livre ou
escrava foi registrada como católica.

COMPOSIÇÃO DA POPULAÇÃO POR IDADE

A grande parte da população do município da Vi-


la do Príncipe estava compreendida entre 21 a 3 0 .. anos,
25,8% do seu total (ver Gráfico XI). Se somarmos a popu-
lação com até 2 0 anos, esta percentagem sobe para 6 5,6%.
No entanto, ê baixo o numero de crianças com ate 1^0 anos,
apenas 18,2% do total da população em todo o município. Se
compararmos estes dados com os do município de ". - Campina
Grande, durante o mesmo período, por exemplo, constatare-
mos caie lã as crianças com até 5 anos de idade represen -
29
tavam 31,4% da populaçao total. Esta alta taxa de mor-
talidade infantil, tendo em vista o elevado grau de fer-
tilidade das mulheres da Vila do Príncipe, face ao gran-
de numero de herdeiros relacionados nos inventários, será
adiante desenvolvida.
A participação das crianças como mão-de-obra era
muito pequena. A população inativa do município era de 54,6%.
— ' "' " m M
"" -' ' 1
- ••• '•• • •. . i l . V n ^ U . r i- :: .iuwt,,. i m , . m . ^ ^ ^ ^ t w * ^

GRAFICO XI
POPULAÇÃO DO MUNICÍPIO DE CAICO SEGUNDO A FAIXA ETÁRIA - 1872

81 0,6%
ui
NJ
71a80 1,6

61 a 70 2%

51 a 60 anos 7,4'

41 a 50 anos 10,2%

31 a 40 anos 12,6

21 a 30 anos 25,8%

11 a 20 anos 21,6!

0 a 10 anos 18,2%

Fonte: Recenseamento Geral do Império do Brasil - 1872


53

.Descontando- se os 8,2% menores deiQ anos e os 4,2% maio-


res de 60 anos, atingimos os 32,2% Como a faixa etária en-
tre 6 e 10 anos correspondia a 10% da população, podemos
constatar que a participação infantil foi pouco utilizada
nos pequenos trabalhos de agricultura e no Jiratqcom o ga r
do. ... ^
Com relação ãs mulheres, apenas as costureiras e
aquelas que exerciam o trabalho doméstico compunham a PEA
feminina do município, de acordo com o censo de 1872. As
mulheres eram 48,3% da população total e 22,3% da PEA.
11,6% do total da população feminina estava empregada con-
tra 77,2% da masculina. Naquele momento, a_mulher da V.. do
Príncipe não era muito ativa economicamente, Sua atuação,
segundo essa fonte, se limitava aos serviços domésticos;
não há registros de força de trabalho feminina no trato
com a lavoura e gado-. No entanto, isto não significa que
no trabalho familiar as mulheres se mantivessem alheias
aos demais serviços, apenas que a irregularidade de seu
trabalho não permitia que ele fosse considerado oficial-
mente como tal. 0 mesmo podemos dizer com relação ao tra-
balho executado pelas crianças.

O censo de 1872 registrou todos os trabalhadores


livres na agropecuária, desde os moradores aos grandes
proprietários.

O número de pequenos proprietários com terras no


valor de até 100$ mil réis reduziu-se muito durante o nos-
so período (ver Quadro XI); de 15 inventariados na déca-
da de 50, passou para 8 na década de 80.
54

Quadro XI - VALOR DA TERRA NO MONTE DOS INVENTARIADOS EM POR-


CENTAGEM POR DÉCADAS SEPARADAMENTE - MUNICÍPIO DO PRÍNCIPE -
1850/1890

18 50/18 60 1860/187 0 187 0/188 0 1880/1890


VALOR DA TERRA N9 % N9 % N9 % N9 %

/\TÊ 100$ 000 15 25% 13 22% 15 19% 8 11%

101$000 ATÉ 500$000 .26 43% 21 36% 29 38 % 26 36%

ACIMA de 500$ 000 19 32% 24 42 % 33 43% 38 53%

Fonte: Inventários po s t - m o r t em - 18 5 0 / 1 8 9 0

Esta redução crescente no numero de pequenos pro-


prietários, alidda ã abolição gradual da escravidão, criaram
um grande contingente de mão-de-obra livre. A vinculação da
mão-de-obra livre com a terra, principalmente como moradores
das grandes e médias propriedades, permitia o baixo nível de
suas rendas, assim como a sua sobrevivência. Por outro lado,
a forma de remuneração parcialmente assalariada e a permissão
para morar e cultivar uma parte da terra alheia, tôrnando-os
responsáveis pela própria subsistência, agravada a condição
de dependência desse segmento da população e o seu empobreci-
mento.
O baixo nível técnico da produção, a forma de remu-
i
neraçao e a abundância de mão-de-obra permitiam e, pratica- ,
mente, forçavam a manutenção da agricultura de subsistência, e j
de modo geral, tenderam a aumentar a parte destinada â comer-
cialização para o mercado interno.
A elevõda percentagem da PE inativa, 5 . 378 pessoas
ou 54,6% do total da população, nos leva a crer que a men- '
dj.cãncia no município foi mjuito , o que teria contri-
buido para frear o desenvolvimento econômico local, o baixo
nível de desenvolvimento cria setores marginais, assim corno-
estes setores passam a interessar as classes que comandam o
processo econômico:
"Se a produção marginal do trabalhador e menor do que a dife-
r e n ç a e n t r e o c o n s u m o do t r a b a l h a d o r a t i v o e o c o n s u m o do
t r a b a l h a d o r i n a t i v o , há i n t e r e s s e d o s p r o p r i e t á r i o s em manter
p a r t e da p o p u l a ç ã o i n a t i v a , e da p r ó p r i a p e s s o a era não tra-
balhar".30

De maneira geral, a população era essencialmente-,


rural, havendo um reativo comércio entre grandes proprie—'
tários, como também entre eles e outras regiões, o que'
mantinha esta população rural em contato com a cidade e_
centros urbanos vizinhos.

3.3 O FLAGELO DAS SECAS E SUAS CONSEQÜÊNCIAS SÓCIO-E-


CONÔMICAS

0 fenômeno climático da seca, suas influências na


economia regional, as providências oficiais em relação ao
seu controle e sugestões que visam minorar seus efeitos.
i
fazem parte de toda a historiografia existente sobre o Rio
Grande do Norte e o Nordeste em geral. 31
Nossa região de interesse localiza-se exatamente
no chamado " polígono da seca", estando a região semi-á-
rida correspondente a cerca de 92% do atual Estado do Rio
32
Grande do Norte.
'. A nível oficial, vários estudos foram realizados
sobre as causas da seca assim como sobre o solo, o relevo ,
a bacia hidrográfica e os fenômenos climáticos , (tempera -
tura , ventos, pressão e regime pluviométrico). Inúmeras
campanhas no sul do país pró-flagelados nordestinos foram
instituídas, assim como foram compostas várias comissões
especiais para analisar e discutir o problema, sem que a-
parecessem soluções. Por trás de tudo isso, os interesses
políticos e as conseqüências sociais que até hoje subsis-
tem .

A nível popular, "crendices e profecias" toma-


ram conta da vida do sertanejo, como forma de se preparar
para o "flagelo da seca" ou aguardar um ano de "bom inver-
56

no". Entre elas, as "experiências de Santa Luzia" e a "ex-


pectativa de chuva no dia de São José" são as mais tradi-
cionais e refletem, mesmo nos nossos dias, a preocupação
33
constante do sertanejo para com este fenomeno.

A seca é constantemente citada nos inventários e,


muitas vezes, nas coutas de tutoria lê-se que a "situação
econômica ficou crítica por causa da seca" (ver anexo I)
ou "a recontagem dos gados devido a seca", e, ainda, "deve
3$000rs por gado emprestado durante a grande seca".
A Vila do Príncipe'atravessa nosso período de estu- '
do sob os efeitos nefastos das secas de 1844/46 , de 1877/78
e 1888/89 .

Fora o fenômeno climático, as conseqüências pa-


ra a economia local advindas da sua periodicidade são mui-
to intensas. Não é nossa intenção fazer um estudo sobre a
seca como fator climático, e* sim tecer algumas considera-
ções sobre o quadro sõcio-econômico que se apresentava na
1
_ ,
região quando do desencadeamento deste fator climático, a-
gravando sensivelmente seus efeitos.
Ainda hoje, o Rio Grande do Norte é, no Nordeste,
uin dos Estados mais pobres, e o sertão do Seridó está lo-
calizado, na sua totalidade, no semi-árido, uma região se-
ca. A pobreza dessa região é inegável e constantemente a-
tribuída às condições físicas adversas, sendo a seca usa-
da como o argumento para encobrir situações econômicas, so-
ciais e políticas mais adversas ainda.
Naturalmente, as dificuldades que o meio físico
traz às atividades humanas são inegáveis: como solos po-
bres, uma rede hidrográfica precária e a seca. Mas, a des-
peito destes fatores, foram detectadas áreas agricultá-
veis, mesmo que em pequeno número, mas elas existiram. Por
outro lado, o homem não encontrou obstáculos no relevo pa-
ra a penetração e ocupação do território, o que denota, de
certa forma, uma área até certo ponto economicamente viá-
vel .
Na segunda metade do séc. XIX, a falta de mão-de-
57

-obra e de capitais aliada às dificuld.ades de desenvolvimento


do mercado interno e à dependência do mercado externo, foram
fatores negativos ao desenvolvimento r egional. C posiciona-
mento político do Governo Federal em relação ao nordeste, pri-
vilegiando outras regiões, como o sudeste, que recebeu não só
isenção fiscal como grande contingente de mão-de-obra para
as suas lavouras cafeeiras, foi outro elemento que freiou o
desenvolvimento econômico local.
Todos estes fatores em conjunto são suficientes pa-
ra explicar a pobreza da região. Tal quadro sõcio-econômico ,
atingindo por uma seca, evidentemente só pode ser agravado. No
entanto, o fator climático da seca torna-se rigoroso e, mui-
tas vezes, devastador para a região, face ã presença dos fa-
tores sociais, econômicos e ate mesmo políticos, que ali se
estabeleceram, moldando uma sociedade extremamente pobre, vi-
vendo de uma economia precária e incipiente, em relação ao
restante da província c o Império.
Nesta parte do nosso trabalho, utilizaremos dos da-
dos contidos nos inventários, das informações de cronistas
da época e dos registros paroquiais de óbitos, encontrados nos
arquivos da Paróquia de S a n f A n a de Caicó.

0 FLAGELO DAS SECAS E SUAS CONSEQUÊNCIAS SÓCIO-ECONÔMICAS

A baixa densidade demográfica do Seridó, como jã


afirmamos, deve ser relacionada com o fenômeno das secas e
das epidemias que assolavam, periodicamente, a região, atin-
gindo pastos e pequenas lavouras de subsistência, obrigan-
do o deslocamento de criadores e lavradores, em busca de me-
lhores campos, e recaindo indiscriminadamente sobre a popu-
lação livre e escrava.
Observando atentamente o Anexo III nota-se a re-
corrência do fenômeno: os raros anos "bons" são precedidos
58

.de períodos secos entre 1845 a 1895, sendo que os segundos


predominam sobre os primeiros, traduzindo um- quadro sócio-
-econômico de grande pobreza.
Parece inegável que o sertão do Seridõ fosse mais
vulnerável do que o sertão do S. Francisco, pela própria
fragilidade da sua ecottomia agro-pecuária ãs alternativas
climáticas, ora secas prolongadas, ora enchentes devasta-
doras. O período de chuvas encerra-se, normalmente, em ju-
lho, e novas chuvas só ocorrerão em fevereiro do ano se-
guinte. Caso "este ano for seco", é preciso esperar mais
12 meses. Da mesma forma,"o fenômeno extraordinário das
enchentes", ocorrido em fins de 1858 e durante 1875 e 1881
ocasionou graves prejuísos ã jã precária economia local.
Um cronista assim se refere à seca de 1845:

"... os g a d o s r e t i r a d o s d o S e r i d õ p a r a as r i b e i r a s do A s s ú e
U p a n e m a , a c a b a r a m m a i s d e p r e s s a todo e s t e p a s t o de s o r t e que,
p e l o m ê s de o u t u b r o c o m e ç o u a m o r r i n h a d a s c r i a ç õ e s de toda
a espécie,! em n o v e m b r o e d e z e m b r o era já u m a c a l a m i d a d e , uma
d e s o l a ç ã o geral q u a s e c o m p l e t a (...) a p o p u l a ç ã o p o b r e reti-
r o u - s e pela fome e, era l a m e n t á v e l m o r r e r e m p e s s o a s nas via-
gens, f a l t a de t u d o : há n u d e z , há fome, há s e d e ; os m a i s a-
b a s t a d o s v i r a m - s e em g r a n d e s a p u r o s e p a s s a r a m p e l o s d i s s a b o -
res da i n d i g e n c i a , m u i t o s d e l e s " .

Desde essa época, ás vilas de Assú e Mossoró se


destacaram como o refúgio dos retirantes, em busca de so-
brevivência. Os portos de Areia Branca e Macau eram os
terminais de um comércio marítimo intenso, entre a Provín-
cia norte-rio-grandense e suas vizinhas do norte e do sul,
Ceará e Pernambuco, respectivamente. Através desses por-
tos , a população sertaneja se via provida de gêneros e re-
cursos para o seu consumo e comercializava sua parca pro-
dução. Diz o mesmo cronista:

" A s s i m , em M o s s o r õ e A s s ú não h o u v e f o m e , e sim a b u n d â n c i a de


g ê n e r o s , a u m e n t o do c o m é r c i o , do n u m e r á r i o e de r e c u r s o s ; v i a -
- s e p o r é m ali o q u a d r o l a m e n t á v e l das p e s s o a s q u e de fora
c h e g a v a m de r e t i r a d a , m a g r a s , d e r r o t a d a s , e s f a r r a p a d a s , ha-
v i a m a l g u m a s a l m a s g e n e r o s a s e c o m p a s s i v a s que agasalhavatn
as f a m í l i a s m a s , ã p a r d i s s o p o r é m a e s p e c u l a ç ã o e a uzura,
d e s e n v o l v e r a m - s e (...) e s p e c u l a d o r e s h o u v e , t r a f i c a n t e s de o -
c a s i ã o , a p a r e c e r a m que se l o c u p l e t a r a m c o m p r a n d o p o r d i m i n u t o
59

preço e c o m l e s ã o e n o r m e , e s c r a v o s , o u r o - p r a t a em o b r a s ; h o u -
ve b a r r i l de m e l de j u n h o que a d q u i r i u e s c r a v o em p a r a ; saca
de f a r i n h a que o b t e v e r i s c o s t r a s t e s de o u r o e p r a t a ; houve
m i g a l h a s de a l i m e n t o s que m e r c a d e j o u a v i r g i n d a d e c a hon-

Em 1848, o quadro pouco melhorara:

"um ano de ' i n v e r n o ' bem e s c a s s o , p o r é m s u f i c i e n t e p a r a e s t a r


o s e r t ã o a i n d a v a g o de c r i a ç õ e s p e l a seca de 4 5 , que deixou
q u a s e d e s p o v o a d o e l i m p o de a n i m a i s ; h o u v e a l g u m a f o m e e o
gado a i n d a m u i t o m a g r o " . ^

Em determinados anos, como, por exemplo, em 1855 e


1864, algumas partes do sertão não eram tão castigadas pe-
la seca, como os brejos paraibanos e as regiões serranas,
onde as terras eram propícias a lavoura. Estas áreas sus-
tentavam de legumes e frutas a vizinha população das fa-
zendas criatòrias, as mais atingidas nos períodos de se-
ca .
Quando^ tais regiões também eram atingidas por se-
cas mais fortes, a carestia se generalizava, não só pela
dependência dos portos marítimos de Assú e Mossorõ, muito
distantes, mas também pelo alto custo do frete. O carrega-
mento, na sua maior parte feito por pessoas, muitas vezes
estava arriscado a não chegar ao seu destino, não só pelas
condições climáticas, como também pelos assaltos de reti-
rantes esfomeados que atacavam nas estradas.
t
Na seca de 1870, em Mossorõ,

"a c a r e s t i a c h e g o u ao e x t r e m o , d a n d o a f a r i n h a de mandioca
i m p o r t a d a q u a s e que e x c l u s i v a m e n t e do C e a r á e R e c i f e , de 20 a
30$000rs o s a c o que d e i t a v a de 48 a 80 l i t r o s " . 3 7

Já em 1878, os preços da farinha de mandioca atin-


giram 102$00 0rs a arroba de 160 litros; o milho 128$000rs
a arroba; as rapaduras grandes 64$000rs o cento; o feijão
192$000rs a arroba e o arroz em casca 7$000rs por 15 qui-
los .

"Esses gêneros conservaram sempre esses preços e eram condu-


z i d o s p a r a os s e r t õ e s c o m o C a t o l é (TB), em c a b e ç a de gente,
r e c e b e n d o cada i n d i v í d u o p a r a t r a n s p o r t a r até a l i , o p e s o de
60

30 k g s , d i s t â n c i a c e r c a de 190 k m s , c e r c a de 32 l é g u a s , a
q u a n t i a de 4 $ 0 0 0 r s " . 3 8

A dramática situação de uma família, bem posicio-


nada economicamente, ficou visivelmente retratada no in-
.ventário de Jerônimo Emiliano Freitas, aberto em 03/04/
1070. Este senhor foi^jpossuidor de uma parte de terras no
Sítio Novo Mundo, com casa de morada, um roçado grande com
açude, no valor de 300$ OOOrs, além de outro açude no ria-
cho, com plantações de pinheiros, limas, laranjas, 15 pês
de coqueiros e um curras. junto ã casa. Era aindci proprie-
tário de outro açude, roçado, curral e uma casa de taipa,
no Sítio Sabueiro, além de 30 casas de madeiras (para mo-
radores) e uma casa na cidade. Jerônimo Freitas deixou
ainda para sua viúva e 13 filhos, 43 cabeças de gado (en-
tre vaccum cavalar, caprino e ovino); 18$800rs em ferra-
mentas; 94$990rs em peças de ouro e prata; alguns móveis e
2 escravos (sendo um com 18 anos de idade, valendo
1 .200$OOOrs. Mas, 8 anos depois, em 1 8/06/1 878, o Curador
Geral dos órfãos da Vila do Príncipe recebeu de Dona Maria
Madalena de Jesus, viúva de Jerônimo, o pedido de autori-
zação para retirar da Coletoria do Município a quantia de
230$000rs, recolhida àquele órgão público, para o sustento
dos seus 5 filhos ainda menores, por lhe-faltar meios de
mantê-los (anexo I).

, Na grande seca de 1877, que atingiu as províncias


do Piauí, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, o conse-
lheiro Brito Guerra registra que:

"Sem r e c u r s o s para i n i c i a r o t r a b a l h o d e s o r g a n i z a d o d u r a n t e 2
a n o s , é i m p o s s í v e l e s p e r a r g r a n d e a b u n d â n c i a de s a f r a . A po-
p u l a ç ã o foi m u i t o d e s f a l c a d a , q u e r p e l a s c i f r a s da m o r t a l i d a -
de, q u e r p e l a e m i g r a ç ã o , que p r i n c i p i o u no a n o d e 1877".

A ação do governo diante desta desalentadora si-


tuação limitou-se ao envio de recursos para Mossorõ que
"ao contrário vieram para aumentar a calamidade, porque os
famintos retirantes sabendo que ali distribuiam-se gêne-
ros, aglomeravam-se de tal forma que não tardaram as epi-
demias" .
61

Na seca de 1888/89, o governo encontrou como solu-


ção afastar os retirantes de suas terras, incentivando a
emigração para o norte, como registrou o cronista:

"a m i s é r i a do p o v o c o n t i n u a g r a n d e e há f o r t e c o r r e n t e .emi-
g r a t ó r i a p a r a as p r o v í n c i a s do n o r t e com p a s s a g e n s p a g a s p e l o
governo". ^

Para Brito Guerra, antes de tudo cronista do Seri-


dó, pelos relatos e depoimentos do dia-a-dia.do sertanejo
comum, a solução mais viável para enfrentar as secas era a
construção de açudes no sertão- Estes não só representa-
riam

"um f o m e n t o a a t i v i d a d e do p e q u e n o c o m é r c i o que f o r n e c e m e i o s
de s u b s i s t ê n c i a a n u m e r o s o p e s s o a l , c o m o u m a m p a r o à indús-
tria p a s t o r i l , e v i t a n d o o a n i q u i l a m e n t o da f o r t u n a sertane-
ja".41

Mas a solução não estaria na fonna como os órgãos


•do governo encaminhavam suas obras, sem fiscalização, o
i
que propiciava um desvio muito grande de verbas, tornando
os empreendimentos inacabados.

" 0 a ç u d a m e n t o , por c o n t a do p o d e r p u b l i c o , q u e a t í t u l o de
.socorros p ú b l i c o s em t e m p o de c r i s e , c o n f i a d o s ãs comissões
l o c a i s , q u e r a t í t u l o de obra p ú b l i c a c o n f i a d a a e m p r e i t e i r o s
tem s i d o s e m p r e em n o s s o E s t a d o , um d e s a s t r e . M u i t o s destes
a ç u d e s n ã o foram c o n c l u í d o s s e n d o e s g o t a d a a v e r b a d e s t i n a d a ,
a l i a s s u f i c i e n t e p a r a o seu c o m p l e t o a c a b a m e n t o , se f o s s e o-
bra particular"

Os açudes, no entanto, já faziam parte da vida dos


Seridoenses, como podemos constatar no Quadro XII, onde nos
inventários levantados para o período de 1850/1890 na Vila
do Príncipe registraram um total de 196 inventariados com
posse de moradia e terras com benfeitorias (currais, roça-
do e açude), o que representa 78,4% do total. Já para os
inventariados sem a posse de moradia, mas com terras com
benfeitorias, esta porcentagem cai para 8,6% ou apenas 5
dos 58 processos pesquisados.
62

Quadro XII -INVENTÁRIOS COM BENFEITORIAS (CASA, CURRAIS,


AÇUDES E ROÇADO) - VILA DO PRÍNCIPE - 1850/1890
SEM POSSE DE MORADIA COM POSSE DE MORADIA
ANO COM SEM TERRAS C/ COM SEM TERRAS C/
TOTAL TERRAS TERRAS BENFEIT. TOTAL
TERRAS TERRAS BENFEIT.
-ti*

1850/55 6 8 - 14 4 1 17 22

1856/60 4 6 - 10 13 - 22 35
1861/65 2 - 2 4 10 1 19 30
1866/70 4 6 1 11 4 1 24 29
1871/75 7 6 1 14 10 - 36 46
1876/80 2 2 - 4 2 - 18 20
1881/90 - - 1- 1 8 - 56 64

TOTAL 25 '28 5 58 51 3 196 250

Fonte: F ó r u m Municipal, de C a i c ó - I n v e n t á r i o s post-mortem 1850/1890

Estes dados nos mostram claramente que: a despeito


do significativo numero de açudes particulares, se bem que
de pequeno porte, eles continuavam a ser impotentes peran-
te o rigor das secas, face o seu uso de maneira não racio-
nal. E, entre a camada dos despossuidos de moradia, a dos
moradores de condição este recurso era bem mais raro, au-
mentando assim a dificuldade desse morador em se estabele-
cer economicamente, assim como a sua dependência perante
o locador, como podemos sentir pelo teor da escritura de
arrendamento lavrada em 02/09/1866, entre o locador Manuel
Severiano Brito e o rendeiro José Salviano Brito. O imóvel
em questão era uma casa com açude no Sítio Pedra de Cima,
arrendado por tempo indeterminado a um valor de 200$000rs
em moeda corrente durante os quatro primeiros meses de
contrato e, após esta data, ao término de cada ano, a
quantia de 500$000rs cm moeda corrente. As condições para
o arrendamento eram:

"ele r e n d e i r o será obrigado a começar as c e r c a s , reedificá-


- I a s q u a n d o n e c e s s á r i o for e l e v a n t a r o s a n g r a d o u r o do açude
no c o r r e n t e a n o , d a n d o ele o l o c a d o r , p a r a e s t e s e r v i ç o , 12
a r r o b a s d e c a l , 1 p e d r e i r o e um t r a b a l h a d o r p a r a o dito ser-
v i ç o . N ã o o f a z e n d o d u r a n t e o t e m p o do a r r e n d a m e n t o , p u g a r a
m u l t a de 1 0 0 $ 0 0 0 r s . No a n o que for de f a l t a de c h u v a s e o a-
çude n ã o tomar á g u a , o r e n d e i r o f i c a r á isento do pagamento
s a l v o se h o u v e r a c o r d o e n t r e as p a r t e s " . ^

Se os efeitos das secas periódicas refletiam as es-


truturas sócio-econõmicas locais e, ao mesmo tempo, as re-
forçavam, o mesmo se pode dizer com relação â morbidez.
Nos períodos "de abundância", a alimentação do
sertanejo consistia nas carnes de caça (o tatu, o mocó, o
preá) ; nas carnes de aves (a perdiz, o jacú, a galinha) e
aves de arribação (como as pombas-rola); nos peixes dos a-
çudes (traira e curitamã); nos derivados do leite, como a
manteiga, queijos; no mel silvestre; no milho e feijão; na
mandioca e nas frutas como melões, melancias, cocos e fru-
44
tos dos maxixes.'i No entanto, a aliinentaçao do sertanejo,
por ser escassa e descontínua, não lhe oferecia reservas
suficientes para resistir durante algum tempo âs grandes
cstiagens. Nestes períodos secos, os alimentos passam a
ser os frutos silvestres, as raízes, o xique-xique e, nos
anos mais críticos, o "couro do gado crú, torrado ao fogo"
e melancias com sementes. Com dieta tão precária, o seri-
doense vinha enfrentando os revezes do clima do sertão
' - 45
desde o sec. XVIII.
D. Adelino Dantas, em pesquisa realizada sobre "de
que morriam os sertanejos do Seridó Antigo entre os anos
de 1 7 8 9 / 1 8 3 8 ,,Z|6
, revela-nos que, naquele período, a malig-
na foi "a matadora campeã", seguida de hidropisia, do es-
tupor e espasmo, além das mordiduras de cascavéis e jara-
racas. Não escapou ao pesquisador a significativa mortali-
dade infantil. Observando o Quadro XIII, notamos a altíssi-
ma porcentagem de óbitos registrados entre as crianças com
idade inferior a 7 anos, 42,7% ou 945 crianças.
64

Ouadro XIII - ÓBITOS NO SERIDÓ SEGUNDO PESQUISA DE D. ADE-


LINO DANTAS - 1789/1838
• I
ANO HOMENS MULHERES CRIANÇAS ESCRAVOS ÍNDIOS PADRES TOTAL
(D (2)

'1789/99 93 67 229 40 2 1 432


it.
1800/10 89 70 311 37 6 1 514

1011/19 115 94 171 38 7 1 426

1820/29 126 141 210 59 3 1 540

1830/38 126 151 24 - - - 301

TOTAL 549 523 945 174 18 4 2213

% 24,8 23,6 42,7 7,8 0/9 0,2 100,0


fonte: De q u e m o r r i a m os s e r t a n e j o s do S e r i d ó Antigo' in T e m p o Univer-
s i t ã r i o , N a t a l , U F R N , . 1 9 7 6 n 9 1, v o l 1 p . 132"/135
(1) E s t e s d a d o s i n c l u e m c r i a n ç a s de a m b o s o s s e x o s com m a i s de
7 anos.
(2) C r i a n ç a s ou p ã r v u l o s de 7 a n o s a b a i x o ,

Para o nosso período, de 1850 a 1890, o único li-


vro de registro de óbitos que encontramos na paróquia de
Nossa Senhora de Sant'Ana em Caicõ, existe um vazio de 20
anos, ou seja, de 1850 a 1857 e de 1859 á 1871, inclusive,
sem.que se note a falta de folhas correspondentes. Esta la-
cuna de duas décadas para um período de estudo de quarenta
anos representa 50% do universo real de análise. Além dis-
so, não podemos deixar de levar em consideração as mortes
ocorridas nas fugas da seca para o litoral, até mesmo a-
quelas que ocorreram em Mossoró ou em outros lugares de
refúgio.
Como ressaltou, com tanta propriedade, o cronista:

"0 o b i t u â r i o acusa um aumento assustador; e esse n ú m e r o v e r i -


f i c a d o e s t á m u i t o l o n g e d e i n d i c a r o d e c r é s c i m o da p o p u l a ç ã o :
o parto prematuro, o nascido m o r t o , o que pouco sobrevive ao
n a s c i m e n t o , r e p r e s e n t a m v a l i o s o e l e m e n t o n u m é r i c o , q u e na d e -
s o r g a n i z a ç ã o e na a n g ú s t i a d a s c r i s e s n ã o é l e v a d o era conta.
Seria curioso v e r i f i c a r , v i n t e anos depois de uma seca, q u a n -
tos i n d i v í d u o s n a s c i d o s sob a c r i s e v i v e r i a m . 0 d e c r é s c i m o da
p o p u l a ç ã o o c a s i o n a d o pela r e t i r a d a , pela e m i g r a ç ã o q u e se e s -
t a b e l e c e , p r i n c i p a l m e n t e para o n o r t e t a m b é m n ã o ê inferior
ao p r o d u z i d o p e l o s que m o r r e m v i t i m a d o s p e l o f l a g e l o (...)
2 5 % d e s s a p o p u l a ç ã o que e m i g r a p a r a o n o r t e d e s a p a r e c e ao
c h e g a r , v i t i m a d a p e l a s c o n d i ç õ e s m o r t í f e r a s do c l i m a do nor-
te, a u x i l i a d a s p e l o a b a n d o n o a que é a t i r a d a " . ^ ^

Nestas ocasiões, os mais fragilizados, sem dúvida,


eram as crianças, já^nfraquec.idas pela precária alimenta-
ção que lhes era oferecida e pela má formação congênita.
Ao fazermos tais considerações, queremos afirmar que a
mortalidade infantil no Seridó, para o nosso período de es-
tudo, está precariamente representada na documentação dis-
ponível. Dados mais bem alicerçados nos levariam a números
possivelmente mais assustadores.
No Quadro XIV, se somarmos as porcentagens das
crianças de 0 a 7 anos, teremos 40,9% do total, ou 475
crianças, para um.período na verdade de 20 anos. Se do-
brarmos estes dados, teremos 9 50 registros infantis de ó~
•bitos, ou seja, a mesma incidência verificada no período
i
anterior*, o què deve ter sido uma constante nesta socieda-
de desfalcada pelos flagelos das epidemias e das secas.
Quadro XIV - DADOS RETIRADOS DO LIVRO DE REGISTRO DE 03ITOS DA PAROQUIA DE SANT * ANA - VILA
DO PRÍNCIPE - 1357/1 899
ATÉ 1 MES 1 A 3 A 8 A 21 A 41 A 61 . A MAIS DE NAO
ANO 1 MSS 1 ANO 2 ANOS 7 ANOS 20 A N O S 30 ANOS 60 ANOS 80 A N O S 81 A N O S ES?. TOTAL %

2 - 2 6 15 o 5 1 - 40 3,4
1857 -

*i 2 3 - - 7 0,6
1858 - - - - 1

1872 - 2 4 1 i 1 1 18 1,5
8 - -

16 7 5 2
A1 74 6,4
1873 11 15 1 6 10

1874 15 13 1 6 8 14 10 9 - 5 81 7,0

1875 6 4 1 - 1 16 9 3 3 - è 43 3,7

1876 6 2 - 1 4 13 4 7 2 1 40 3,4

1877 - 1 • - - 1 7 10 8 4 1 32 2,8

1878 2 12 3 27 20 15 17 14 6 4 120 10,3

1879 2 2 1 2 14 14 11 1 2 1 50 4,3

1830 - 4 1 4 2 14 5 8 3 2 43 3,7

1881 1 1 2 4 10 8 3 1 1 31 2,7

1832 7 20 3 2 7 10 10 11 1 - 71 6,1

1883 3 9 "i
J 3 10 12 10 2 5 1 58 5,0

1884 6 18 2 1 6 9 9 3 1 55 4,7

1885 12 17 1 - 3 19 9 14 3 - 78 6,7

1886 33 32 4 4 10 10 6 9 3 1 112 9,6

1887 19 23 4 7
«•»
z 9 16 2 2 - 84 7,2

1888 18 40 5 4 5 14 10 12 • 3 1 112 3,6

1889 3 6 1 - 3 1 1- - - 15 1,3
-

TOTAL 152 221 71 116 225 164 121 42 21 1164


3 1 !
% 13,1 19 2,7 | 6,1 10 19,3 n j 10,4 ' 3,6 1,8

Fonte: Livro de registro de óbitos da Paróquia de Sant'An£ co Seridó - Caicó 1857/1889


67

Já em 1858, o Presidente Nunes Gonçalves assom-


brou-se com a mortalidade .infantil registrada na capital.
Dos 160 óbitos, 89 pertenciam às crianças. Após o inquéri-
to realizado, o médico do partido público concluiu "tra-
tar-se de uma epidemia de lombr.igas, provocada pela ali-
mentação quase exclusivarífente de vegetais". E, nenhuma
providência foi tomada/' 8

Prosseguindo na observação do Quadro XIV, é inte-


ressante ressaltar o elevado número de mortes nos anos
pós-seca (1878/1886/1888), assim como o registro de 225 ó-
bitos dentro da faixa etária de 21 a 40 anos, justamente
aguçla considerada mais apta ao trabalho. Mas, se exami-
narmos o quadro referente à causa-mortis, segundo os re-
gistros paroquiais de óbitos da população Seridoense, no-
tamos que as epidemias nao poderiam ser estudadas unica-
mente por esta fonte.

Através do anexo II/ em que constam 73 modalida-


des de enfermidades e "causa-mortis", destacamos as que
mais vitimavam no sertão do Seridó. Quanto aos homens, en-
tre escravos e livres, a que mais vitimas fez foi o espas-
mo, com 121 registros para o período, havendo, inclusive,
urna constância durante os 20 anos. Logo após, vinha a fe-
bre, corn 7 7 registros, com iguéil constância durante o pe-
nodo. Estci designaçao torna-se muito vaga, quando podia
ser: febre pa.l.ustre, catarral ou mesmo malária. A moléstia
desconhecida matou 30 pessoas e, em seguida / vem a mordi-
dura de cobra, com 29 vítimas, número inclusive bem supe-
rior do que o da população feminina para a mesma- "causa-
-mortis". A diarréia fez, no período, 28 vítimas entre a
população masculina que foi registrada no livro paroquial
da V. do Príncipe.

Já para a população feminina, o espasmo continua


sendo o que mais vitimou, atingindo 7 9 mulheres; em segui-
da, a febre que causou 6 8 mortes. Nestes casos, no entan-
to, apesar dei não constar a especificação no registro, a-
creditamos que grande número destas mulheres tenham sido
vítimas da febre puerperal, proveniente de complicações no
parto, que causou 60 mortes entre as mulheres que foram
registradas no livro de óbitos. Outra moléstia muito comum
entre as mulheres era a tuberculose ou tísica, que fez, no \
período estudado, 42 vitimas.
As doenças acima mencionadas, geralmente, se alo-
jam em organismos fracos, conseqüentemente pre-dispostos a
infecções, e em áreas onde é baixo o índice da prática de
hábitos higiênicos, com exceção a mordidura de cobra, o
que confirma nossas afirmações anteriores, quanto ã frugal
alimentação do sertanejo.
69

0 Quadro XV nos revela uma baixa porcentagem de


registro de óbitos entre os escravos: 1,1% em comparação
aos livres (47,2%). Da mesma forma, entre as escravas 1,4%
e as mulheres livres 48,7%.
No inventário de Joana Batista dos Santos, aberto
em 28/03/1859, encontramos o caso único de despesa com en-
terro de escravo. Trata-se da "dívida ao reverendo de
1$300rs, pelo enterro de uma escravinha". Este valor era
perfeitamente equivalente a um enterro de pessoa livre da
época. A escravinha deveria ser filha de uma das três es-
cravas que a inventariada possuia, em idade fértil, do to-
tal de 6 escravos declarcidos

Mas não podemos esquecer que nem todos os escravos


tinham o privilégio de ter um enterro realizado pelo pa-
dre, o que torna esta fonte inviável para um estudo do de-
créscimo da população escrava. Para este fim, utilizaremos
as quotas do fundo de emancipação, as cartas de alforrias
e as escrituras de compra e venda de escravos, fonte para
análise do movimento do tráfico interprovincial de escra-
vos no séc. XIX.

Como já afirmamos, os surtos epidêmicos não. podem


ser detectados por este tipo de fonte, talvez pelo grande
número de vítimas, o que impede um registro normal, fican-
do a contagem por conta das autoridades locais.
A ação do governo provincial não passou da conta-
gem das vítimas. Precárias eram as condições de atendimen-
to médico a população da Província de maneira geral.
- 51
A função do medico do partido publico era limi-
tada não só pelas dificuldades de atingir as áreas caren-
tes em curto espaço de tempo,, mas também pelos parcos re-
cursos terapêuticos que o conhecimento científico da épo-
ca oferecia-
1
Referindo-se ã epidemia de cólera morbus de 1856,
o presidente provincial, Bernardo Passos, revela-nos uma
assombrosa situação.
1 05

Quadro XV - N Ú M E R O D E Õ B I T O S DA POPULAÇÃO LIVRE E ESCRAVA


SEGUNDO OS REGISTROS PAROQUIAIS - VILA DO PRÍNCIPE - 1857/
1889

MASCULINO FEMININO TOTAL


ANO DE
ESCRAVOS LIBERTOS LIVRES ESCRAVAS LIBERTAS LIVRES ÓBITOS

-u.
1857 2 - 16 3 - 19 40

1858 - - 3 - - 4 7

1872 - - 11 - - 7 18

1873 4 - 35 2 - 33 74

1874 2 - 36 3 1 39 81

1875 - - 10 - 1 32 43

1876 - - 22 3 1 14 40

1877 1 - 17 1 1 12 32

. 1878 - 57 - 1 62 120
I
1879 1 28 1 - 20 50'

1880 - - 16 - - 27 43

1881 - - 13 1 2 15 31

1882 - - 38 1 - 32 71

1883 - - 31 - - 27 58

1884 1 1 32 1 20
- 55

1885 1 1 35 - 41
- 78

1886 1 2 55 2 52
- 112
,Í!;
i
1887 ' ) 1 34 1 48
- 84

1888 - 2 54 - 1 55 112

1889 - - 7 - - 8 15

TOTAL 13 7 550 16 11 567 1164

% 1,1 0,7 47,2 1,4 0,9 48,7 100

Fonte: P a r ó q u i a de S a n t ' A n a - Caicó - registro de ó b i t o s 1857/1889


71

"a e p i d e m i a a m e a ç a v a a P r o v í n c i a e ela e s c a v a m a l preparada


p o r q u a n t o só tinha 1 m é d i c o do p a r t i d o d a s c o m a r c a s no ser-
tão, que lhe f a l t o u , q u a n d o m a i s d e l e p r e c i s a v a , n ã o possuía
um so a s i l o de c a r i d a d e s a l v o a e n f e r m a r i a m i l i t a r e, apenas
h a v i a uma b o t i c a sendo de c r e r que a A s s e m b l e i a G e r a l Legis-
lativa n a o se r e c u s a r á de c e d e r e s t e e d i f í c i o , com os seuS'
p e r t e n c e s ã P r o v í n c i a p a r a ser a p l i c a d a a um h o s p i t a l , pare-
c e - m e c o n v e n i e n t e e m p r e g a r os m e i o s n e c e s s á r i o s , a fim de
c r i a r o p r i m e i r o e s t a b e l e c i m e n t o d e s t e g ê n e r o na P r o v í n c i a " ^ ?

Além disso, o empirismo e as limitações de recur-


sos nos tratamentos eram constantes, se observarmos a re-
lação dos socorros remetidos para os diversos pontos da
Província durante esta mesma epidemia, que o mesmo recei-
tuário foi utilizado para combater a varíola em 1874,
quando a epidemia também foi tratada, com "carteiras, homeo-
páticas".

Quadro XVI - RELAÇÃO DOS SOCORROS REMETIDOS PARA A VILA DO


PRÍNCIPE E ACARI DURANTE A EPIDEMIA DE CÓLERA-MORBUS

„!
16 barricas de bolachas

8 sacos de arroz
12 peças de baeta
18 carteiras homeopáticas
10 vidros de espírito de cânfora
8 folhetos sobre tratamento da cólera
Fonte: R e i . P r e s . Prov. Bernardo Passos - 11/07/1856 p. 13 - A.N.

Estaríamos aqui, novamente, em outro ponto em co-


mum com o sertão do São Francisco, onde Francisco Carlos
definiu tão precisamente o papel do Estado diante das ca-
lamidades epidêmicas:

" a s s i m n ã o h á uma p r o f i l a x i a , ou a n t e s , e s t a c e d e lugar ã p o -


l í t i c a , o n d e se d i s c u t e a s a l u b r i d a d e ou n ã o (...) m a s , o E s -
tado n ã o d e v e r i a , n e c e s s a r i a m e n t e se o c u p a r da c u r a . Deve-se
isto sim, f a l a r da p e s t e , m e d í - l a , d e s c r e v e - l a , localiza-la
e s q u a d r i n h a n d o o e s p a ç o " . 53

Nos relatórios presidenciais, detectamos o "meca-


nismo meramente quantitativo que identifica uma doença
como benigna ou maligna" a que se refere Francisco Carlos.
Este mecanismo, no entanto, na Província do Rio Grande do
Norte, estendeu-se a população que já aceitava' esta clas-
sificação com resignação e naturalidade, não só referindo-
-se às epidemias, mas também ao gado (uma de suas mais al-
tas fontes de renda), como a empregou Luiz Gonzaga de Bri-
to Guerra no seu depoimento sobre o ano de 1873, quando a
da
"produção do gado foi pouco atrasada, pois o 'mal-triste'
54
foi benigno ou seja, provocou poucas baixas no rebanho".
Na exposição sobre o fira da epidemia de cõlera-
-morbus na comarca do Seridó no ano de 1862, o presidente
de província afirma que:

" g r a ç a s ao p r o d í g i o da D i v i n a P r o v i d ê n c i a e s t a p e s t e chegou
ao fim p a r a a t r a n q ü i l i d a d e e o r d e m p u b l i c a . V o l t a a s s i m a
Prov. ã normalidade"

Este hábito de atribuir ao plano místico a respon-


sabilidade das causas das calamidades ou graças a que eram
•atingidos tornou-se um costume entre os sertanejos. Talvez
as crenças populares tenham fundamentos na ausência de a-
tuação efetiva do Estado desde aquela época. Então, "a de-
saparição das causas da morte ou a erradicação de uma epi-
demia" não era obra dos homens, estava sirn reservada à
condescendência e aos poderes de uma autoridade maior, o
Deus Divino ou aos Santos benevolentes.
Seria interessante se tivéssemos conseguido loca-
lizar os relatórios das comissões de socorro ãs vítimas
das secas e das epidemias. Estas comissões eram organiza-
das sempre que o flagelo era considerado mais intenso. Es-
tes relatórios nos permitiriam identificar com mais preci-
são a real preocupação e atuação do Estado frente as cons-
tantes situações de emergência sanitárias que a Província
atravessou.

Como se vê, a baixa densidade demográfica, aliada


às condições do meio físico, contribuíram para reforçar o
sistema sócio-econômico que traduzia as condições de vida
miseráveis da população sertaneja da Vila do Príncipe e do
Seridó em geral, na segunda metade do século passado.
73

Esta área tornou-se um alvo extremamente vulnerá-


vel aos efeitos dos rigores das secas que, periodicamente,
atingiram a região, face a fragilidade da sua economia
(baseada na força de trabalho escravo) e as relações so-
ciais que ali se cristalizaram (nos moldes do sistema es-
«M
cravista colonial). Toda esta estrutura sõcio-econômica e-
ra controlada pela oligarquia local, que monopolizava o
poder sobre as terras, mantendo um quadro fundiário carac-
terizado pela concentração de posse de terras em mãos des-
ses poucos proprietários. É o que analisaremos a seguir.
ANEXO I

"Sr. Curador Geral de Orfao.

Diz Maria Madalena d£r Jesus, presente no termo de Jardim,


tutora de seus filhos órfãos, Francisco, Maria, José, Ma-
noel e Izabel, os dois primeiros maiores de 14 anos e os
últimos menores de 12, que não podendo ela suprir por si
só mais manter os ditos órfãos por terem sido consumidos,
pela seca todos os seus bens, e só restar aos ditos órfãos
um pequeno sítio de terras e a quantia de 230$000rs, reco-
lhida a Coletoria d'este Município sendo dos dois primei-
ros 40$000rs de cada um e dos 3 últimos 50$000rs também a
cada um, e porque os ditos órfãos se acham presentemente
sem o menor recurso para a sua subsistência, em vista do
quadro aflito, que por todos vai p£issando, principalmente
para aqueles a,quem faltam recursos como os supra requeri-
dos; vista do alegado confiada na equidade e justiça com
que são coroados os atos deste juízo, vem a suplente re-
querer a V.S? se digne mandar levantar toda a quantia re-
colhida para a manutenção dos ditos órfãos".

VILA DO PRÍNCIPE , 18 85
AM1XO 11
"CAUSA MORTIS" Segundo os Registros Paroquiais de Óbito-18S7/1888

J
j -o CTN cr» CR* cr^ c» o <7* t_n \n u» \J% u» \J> vn ty* J- A. J. x. *• -
j. VJNÍ-Oveu Hi o »U»I wi.w^wW -wO vo
w^ ^ K^/ Ofio U'
U) iv i<ro
- w fk^j haokí
WJ*s
Cjü kSjj o« U^I Uí W ^ ^O «fl Co
O o Òo» o o v>U Ioo
vu".

l l l ^ l l > l l l l l l l l l l l l l l > l > l l l l l l l l l l l l ^ l l l l - l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l l < l l


I I IV —* I

l l l l l ^ l >
Il l l l l l l ^
W< Il l l l l l l ^ l
PJl l l l l l l l l l l l l > l l
Il l < l l
I^ l l
—*> l l
Il l l
,> l . l
—• l l l l l l l l I I I 1 < I I

-J-». I KIl —II I Kl I I I I I— I WKl


Ul I - Kl -t» ON —*
Ul W II>>IIIIIIIIIIIIIIIIIIIII
v, | I I I cr> — II
/
i i —i —^ i
I -v
I. •K
>)I^I-^I
I i i iI i
Kl Ji Ki
N->MW
l
U . . ~—.•I •Kli • >
| iii ~ • Ul 1 —
| , | , , , , | | , |<|<|C_
I I _
o . -» II — —
UJ Kl
J

K> cr> >1


I
» > S' 1 ' 1111
>
I
1
• I—- Kl I—• l-J I —«I
i < i >I i i > I I I —•I I I I I I -L I

• oC•
V. I I I I I ^ IKIl KII
l II I I -> -II .
IWu—|I
* I I— I I —• L*J |
I O
I
Co -.
KlN-• I |> I I 1^1 I > I I I I I I -I I. —VU.
l I- II IIII ^ I I I
1 —

'^ ^1 I —» »Kl1 11 1
• —I•I>—"""-'I —• I I I• II > I I
—" >
1 I
NJ I I I ^ >K;
O CO Kl
l ' —I I• >KlIUJ I si •—I —— KIl — I >>II I —I
* — 1^,1 l^r-
t OJ jl I I I Ul O
U3 —

— I u>
Ul Kl - I I I I I IUlI I -I I II
I I <I I I | I IKlII I I > I I I I I I I I I I I I I I
— Kl1 | 1
111
üti 1 1 1 1
• 1 1 1 1
' —W I ^II^ i i i —».i i U1
J
i «"^i1 i | —
i s |i i |^ ^ i—â ^ ^ i ^» '7"' L
'I 1I1 1> SI 1I I I

I I IU"l I—I•>—I•vlI >> I| I— I II > I


00 I
I —— |
IN
—^I I l l >1l
1
>:I 1. — . . I I I 1—^•1 UN \
rvj >I ' I M —CT\ | | | |N"
J S » |—*| « ^ | —
|»| < . | | |—|» | < | | | | | | |

a^s i i i roi KiI — lI I I I l~v.l I iI


UO I O —•
n —
I « I -— .
Ul
I _- »| I ^ KIJ 1 l^-Jl»
1 1 1 1
—• Kl
1 > ' 1 1 1 > 1 1 ' 1 ' ' 1 ' 1 1 1 1 1 1

I I I i l^l-^l l-v.>l I 1^1 l > l



Kl I
I —
M->
II
-» Ii i U
I — >Il iI— i i ^ i i i i^^S^1 11 1
• • 1 111
S 1 'i1 ' 1 1

I • I IKuil I ^ I I
—* 1 I Kl I
i I Im I 1KI^VI || |KlI K"lKlI-
l Ul
-I, < I I I d I «L | —N \I
— — Kl-» — — Kl II -«CD II I I I I I I I I I
. j . -»j• — I. ^—i I I "> N I > I u
^i | UuIi|—•i —l* uui I CN | KI —•
• . . r* . — I . . i -
•» ^ ^
Kl Ul I I Ul I I - : - <» • I - I I I I - I I -Ni. i| -"V.-V.
: u
>i i-i*>, i^ .i .i Jn.-^ il ii i —iiKl—"i
x. i |i -> i i KKlli —II | Kl
• —I Ui
^
l—. I•1 1 iIC ,—• V
^ ILI I I I I *> I I I I I I I _É I»
O\

r*. S • i ^i i ^i i i i I -» 1 K> Kl | -»K> Ul —• VO ül Kl — I I


Kl Ul
I
>
UL
' ' 1 ~JV I • — I -•
V NKlI —' I III I

I 111I -• Ul
í5» ' 1 ' 1 • Ú;1 > 1 1 ' 11 1 1 1 1 1
' ' '1' 11
' ' 1 • fj ' ' 1 ' ' -> •I i:
1 1
—I I I I *N. | | | | | I | | | | | | | | | | | I | |

Kl Kl —' Ul —* —A —- V J jw Kl —*
-*Os S S N S ^ S S V S X N S S S X N S N N N S wU I ^ ^ ^ | vIMJi W U N) | IJI — CO-«—•-•-'Ul — I I Kll —• —IffiLJ O M I l/l I

|
O» Ul
2.' S — r. I « 1 - J — Ul — i |
W N
1 . 0 l 00 — — U I U I - -
, O O U J K L W KJ
— Ul — K L ^ L O
— KLÍITI^^^xIaí^ii^iT"
U ^ O O O V O O
— ^TiTuí^ — OI — — RO — ÍOKI —

OBS: * HOMENS ** MULHERES


FONTE: Registros Paroquiais de Õbitos - Matriz de Sant'Ana do Seridó íi
1857/1888

i m
o \>. .M V'" : .,
Ê
?lM > ^ ra(;fv ; v..
l.. ' « • • ,.vi .• v....t>
•ii-,
i>. -i•
70

"anexo • III

<4 SI (,»'., AS IMIfilA', l A f tWiC.M» CO " (llkliu U>'a f.AM " - IH4I./1CVÍ
MO Al IMI hlUS '(MIS CM:; HIAI r.Mic . i •IVCMIKJ («111 IWJ>rO|'j
1111 if(iiu, (une. aliirlt j«r•ce«|ir. kralllt lú 105 sobreviveu >i •nh*. cliuvas: na 1 wiijuanen iKal e«li|r.içao para Pll t F[
tia lgoro*>a fuae só (Jirui ifscassu urlo esc«ndalu'.o ; f a tendas dr*.l-rl.i; e ilesprovula.
1147 r Los c.\ro pela escatsel e .guiar -

luta 19 I/M Iw t:
iiras • cinda caro |lscasvo - •

IM? artura de lc/jmes - - - cjuUr -

W0 - - • egu Ur -

mi - • - scasso
iew • - <«•010 onarcli • ul trlite • IM - '

1»J Uritllt, foi* - • prudu(io Vl acnlerado mirtandade cai tndjs as espec les de g..Uo
ias< alguaa Abundância - boa produç.io xiuco -

UbS prtço*. regularei - - nnuco pasto •ouço Icijiaues nas serrai


IIU - • rt',\rré alguns luga1res egular no Seridó morreram ICZ pessoas
nrre morüus
WS7 - • • ^Ignronu
lt'.« - «niScrado cnihcntcl ei» SeteMiru
l»'.1 (raco rigoroso iiuclrfa CM a>nriund.ide no <iudo
ICW carlitta. (une opressiva - >t ititir* de pastagensraro Mivlauntação do povo a pro'.ura de alimentos
1061 - - iluradouri chuvas preludlclatt de tá» fnrto
IM? cólera 1 «ortandade ro fim ilo a 'n•i
Igoroso vllUli nu Scrtdú • &16 ou 37,It d<v. 1 .443 d.i Província 1
IM] - cõU.-a .Ivltre - •04 •
IttC atuiid.nc la • -.> rtnha • produção de alliwntu*. r.as strras
WS cartstla - • K>I t ^id)de reqular -

1316 (on*,carlsll i • - •orrit.lia >*egu1ar gado aaulto caro, ilguaai enchentes

1») colheita do ano .ugurw - sca nur tandade bem crlsc (Inancelra CCM a guerra do Paraguai
UM C 0 - V L T U parda dt LEGUME • decaiu nulto raro crise geral por falta de dinheiro a viverei
l&M - - - aiorUndade escasso
1110 ttcillts para a populata aiorrlnha abastecimento du vlveres cm Açu t Mussoró
i«n viverei bari' _ 1
,Mrl«la « regular na vinda do frlnclpe febro aiUKajtlca (venalnu-.e) 3
lílí a**'«ca devido a
eatcir.aodalnvern sarna no cavalar continuo
11» coneca aparecer produto1 s •- I
da lavoura do*, tocador doenças populaçâ * aval trtsl* * regular M produção do gado
ies*
UM - varíola S • Ml trHU ' regular tratada coo * carteiras homeopáticas "
HÍS - - - Intenso ' tnchentei en Calco e Menorô
IIH Clrtttl»', (ora - l atorrlnha escasso ' gado Que lobrevlvcu sendo alimento de dunos e UdrueS *
U77 pobreia. nlsrrla e (oae anj>arca.berl<bi inapleta eatlnvão de escasso ! icca vai drvorando gado e gente,fuga para Kossorô
rl. beilga sruovcntes
taraifoinrelil<li,alipirrelgios (abulvr.
.i
! " be>lga alguits soòrcvlvcnus |escasso falta recursos e scMutci para plantar
l»h (alta de recursos pará1a
lavoura
i nudclentu população desfalcada por mortes c pela emigração

.
-

lane - - - - ctiuvas
r
its (trtura noi roçado! e la
• oura - ; - - bon multa chuva prejudicial a lavoura

(vcrialnose) 1
IM1 r^cwsos nos roçados 1 * regular água nova nos rios Seridó, Flrartiias
IM
| ' 1 - - chuvas 1 preJuWo na crlaçáv
locais 1
1US ifiiasc r.*Hiu»o lavoura segu 1
rou, (une 1 * pouco pasto fraco j cs terei 1 dado dmlna tudo
1U>i - regular

!
1 -

IM1 i . 1avuráve1
*
ii 1

icsapopulação oprtmuda surtortcberl-be


rl tbul]i mansa
1109 depredação do gado. nio conso maltrapilhos esa*olando pelas pnrtjs do MuSSOró. P*'.sa«j':ns
Carbúnculo nogagdaodo gUCgue finwr para o iiurlt pagas pelo Governo
l©0 morrlnha no gado
CHI»

IWI nio tcgurou lavoura nenhu


11, V tverti tu altos pre"
aaorrlnha
to»
nio hi livourit seguras, nio hi panos seguros escasso continue ação
pr ...t elevadíssimos
16 )Jverdes v pastagens crescidas regular aguadas por todos os ladoi
tm fartura Imensa notável Inundações e enchentes
\tr<> abundante -
depoimentos época do Conselheiro lui: Coniaga de Brito Guerra e Lvl I Manoel Fernandes,
pUillcadus In. Gtvrrrj, Phellpe t Teõphllo - Seccas conira a Seca - J? «d. Coleção llosso
roense vul. U|X. pag. 2S i 47.
1- A,II. - Rei. Prrsld. Prov, - Bernardo Panos - 1/07/lfcSb pag. 12
2- A.M. - Rcl. Prcsld. Prov. p/ «In. Ia?. • Pcdctroí Kurta - SII67/G3 - IJJ* 205 - ref t.A
vol. 11 .
J- A.*. . Rrl. Pmlld. Prov. - t
Vik
-tr
oí Murla - 14/OS/ll<i) pag. 4
«• A.M. - Corrtsp. Prcsld. Prov. Prcrelra lucina p/ Hln. I«<). • 1071/71 - IJJ* Z10 vol.
U rcl I A
A.N. - Mel. Prcsld. Pruv. IlamMra .li Helo íllho - 1II7S pag. 6
t- A.M. - Rei. Pre» Id. Prov. Cunha Karreto • 1P01 • pag. 17
)• A.H. - Corrisp. Prnld. Pruv. Pais lar>tio p/ Min. - IMlO/ttJ IJJ* 401. 10
77

NOTAS

LEVANTAMENTO exploratório e reconhecimento de solos do


Rio Grande do Norte. Boletim Técnico. Rio de Janeirof
21;9, 1973.

IBIDEM, p. 16.
AUGUSTO, José - O Seridó. Rio de Janeiro, Borsoi, 1954.
p. 89-112.
FELIPE, José Lacerda A. - Aspectos naturais da região
do Seridó. Mossoró, Col. Mossoroense, 1978. v. XCV,
p. 52.
APTIDÃO agrícola dos solos do Estado do Rio Grande do
Norte. Boletim N9 22, Sudene/DRN, Rio de janeiro,
1973. p. 29. ti.
FELIPE, José Lacerda A. - Op. cit. p. 40.

MEDEIROS, Olavo - índios do Açu e Seridó. Op. cit. p.


141-50; e CASCUDO, L. Câmara - História do Rio Grande
t
do Norte. Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 19 55. p.
331.
LINHARES, M. Y. & SILVA, F.C.F. da - Historia da agri-
cultura brasileira: combates e controvérsias. São
Paulo, Brasiliense, 1981. p. 119.
''MEDEIROS, Olavo - Velhas famílias do Seridó. Brasília,
Sen. Federal, 19 81. p. 3.
CARDOSO & PÉREZ BRIGNOLI - História econômica da América
Latina. Rio de Janeiro, Graal, 1983. p. 9.
MEDEIROS, Olavo - Op. cit. p. 4.
Entre eles: SANTOS LIMA, Nestor dos - Açu, o Município.
In: Rev. do Inst. Ilist. Gcog. do Rio Grande do Norte.
25-1928, 26-1929; CARRILHO DE ANDADRE, Pedro - Memó-
rias sobre cs índios no Brasil. In: Rev. do Inst. Hist
Geog. do Rio Grande do Norte. Natal, 7-19 09;
DANTAS, Manoel - Homens de outrora. Rio de Janeiro,
Pongetti, 1941; STUDART, Carlos - As tribos indígenas
do Ceará. Rev. do Inst. do Ceará, 40, 1926; LIRA TA-
VARES , João de - Apontamentos para a história terri-
torial da Paraíba. Pb. Imp. Of. 1 909 ; MEDEIROS, Ola-
vo - Índios do Açu e Seridó. Brasília, Imp. Of.
13. MEDEIROS, Olavo ** índios do Açu e Seridó. Op. cit. p.
25.
14. R.^P.P. Manoel de Assis Mascarenhas. 1 840 , p. 22. A.N.
15. R.p.p. Casimiro José de Morais Sarmento. 07/09/1846, p.

13. A.N.

16. R.p.p. Luiz Barbosa da Silva. 01/10/1866, p. 32. A.N.

17. R.P.P. José Joaquim da Cunha. 17/02/1853, mapa n9 6,


A.E.N.
t
18. R.P.P. Luiz Barbosa da Silva. 20/09/1866, v. VI, p. 10.
A.E.N.

19. BRITO GUERRA - Secas contra a seca. 3? ed. Senado Fede-


ral, Col. Mossoroense, 1890. v. XXIX, p. 38-9.
20. R.p.p. Carneiro da Cunha. 05/10/1870, p. 35. A.N.
21. INVENTÁRIO de Rita Maria do Espírito Santo.
Ver anexo III
22. Para estes dois ú] t.Vmos censos divulgados pela Direto-
ria Geral de Estatísticas do IBGE, foram levantados
os municípios de:' Acary, Caicó, Currais Novos, Jardim
do Seridó, Flores, São Miguel e Serra Negra, que com-
põem a região do Seridó.
23. teixeira da silva, Francisco Carlos - Camponeses e cri-
adores na formação social da miséria, Porto da Folha
no sertão do São Francisco (1 820-1 920). Niterói, UFF,
p. 121. (Tese mimeog.) 1981.

2^. GALIZA, Diana Soares - O declínio da escravidão na Pa-


raíba 1850/1888. José Pessoa, U. Federal Paraíba, Col.
Paraibana, n<? 19, p. 320 s p. 24-6; e VIANNA, Marly.
A estrutura de distribuição de terras no município de
Campina Grande,1840/1905 - Campina Grande - 1985(tese
mimeografada) - Cap II
79

25. Para este ponto, ler SILVA, Alcir Veras - 0 algodão e


a indústria têxtil no nordeste. Rio Grande do Norte,
Universitária, Col. Estudos Universitários, n9 JL,
1980, 296 p.

26. BOSERUP, Ester - Evolution agraire et pression demographique


Paris, Flíimariom,** 1970 .
27. TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos - Op. cit. p. 123.
28. R.P.P. Fausto Carlos Barreto. 20/09/1889, Mapa da Divi-
são Administrativa da Prov., p. 38. A.N.
29. VIANNA, Marly - Op. cit. p. 195.
30. VILAR, Pierre - Crescimlento y desarrollo. p. 64.
31. Ver notas 3, 4, 5 e 7. Ver também:
DANTAS, Cristovam - A lavoura seca no Rio Grande do
Norte - Col. mossoroense, vol CXII. ESAM, 1980.
PEREIRA LIMA, José Octãvio Pereira - Terra nordestina.
Problemas, i Ilomens e Fatos - 2a. ed. Col. mossoroense
Vol. I - ESAM, 1981. a
POMPEU SOBRINHO, Thomaz - História das secas.Col. mos-
soroense - vol. C.CXXVI. ESAM , 19 82 .
m
ROSADO, Vingt - un - Memorial da seca - col. mossoroense
Vol. CLXIII - ESAM, 19 81.
32. ANDRADE, Manoel Correia - O planejamento regional e o
t
problema agrário no Brasil. São Paulo, Hucitec. Col.
Estudos Brasileiros, 4, 1976. p. 62.
33. GUERRA, Phelippe
34. IBIDEM, P- 26-7.
35. IBIDEM, P. 27-8.
36. IBIDEM, P. 30.
37. IBIDEM, P- 35.
38. IBIDEM, P- 39 .

39. IBIDEM, P- 39/40.


40. IBIDEM, p. 43.
mi

80

41. GUERRA, Felipe - Nordeste semi-árido. Velhos problemas


sempre atuais. Natal, Col. Mossoroense, v. CXXXV,
1980, 66 p., p. 5.
42. GUERRA - Op. cit. p. 122.
43. 19 Cartório de Notas - Caicó - Livro n? 36, p. 25.
*Jm
44. MEDEIROS, Olavo - Op. cit. p. 67-9. - A carne bovina e
caprina era resguardada pelo patrimônio que represen-
tavam. Só eram consumidas quando para aproveitar o
que já não valia nada comercialmente. - GUERRA, Phe-
lipe - Op. cit. p. 43.
45. GUERRA, Phelipe - Op. cit. p. 17.
46. DANTAS, D. Adleino - "De que morriam os sertanejos do
Seridõ Antigo?". In: Tempo universitário. Natal, UFRN,
1976. n9 1, v. I, p. 132-5.
47. GUERRA, Phelipe - Op. cit. p. 292.
48. R.P.P. Nunes Gonçalves. 1858, p. 15. A.N.
49. HOUAISS, Antonio - Peq. dicionário enciclopédico Koogam
Larousse. Rio de Janeiro, Larousse do Brasil, 1979.
1634 p.
1 - Anasarca - edema generalizado por todo o corpo.
p. 50 .
2 - Apoplexia - afecção dos centros nervosos que se
' manifesta pela perda súbita das sensações e dos
movimentos, p. 62.
3 - Bexiga - o mesmo que varíola, p. 118.
4 - Espasmo - contração involuntária e convulsiva dos
músculos - menigite. p. 334.
5 - Estupor - entorpecimento da inteligência e da
sensibilidade. Paralisia súbita, p. 351.
6 - Garrotilho - angina aguda acompanhada de sufoca-
ção; crupe. p. 405.
7 - llidropisia - acumulação mórbida de serosidade em
qualquer parte do corpo, principalmente o abdome,
peritonite. p. 437-643.
8 - Maligna - febre perniciosa de caráter mau; tifo,
81

febre tifóide. p. 528.


50. INVENTARIO post-mortein de Joana Batista dos Santos. 28/.
03/1859.

51. "A lei n9 25 de 14/10/1839, autoriza ao Presidente a


enganjar no Partido Público ura médico. O Contrato du-
*M
raria 9 anos. Competir-lhe-ão a privatividade do tra-
tamento e assistência aos pobres da Capital. Receita-
ria os pobres de toda a Província â vista dos atesta-
dos dos juízes de Paz e Párocos, firmando a raiserabi-
lidade dos consulentes. Ganharia 800$000rs". In: CAS-
CUDO - Op. cit. p. 285.
52. R.P.P. Bernardo Passos. 01/07/1857, p. 11-2. A.N.
53. TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos - Op. cit. p. 136.
54. GUERRA, Phelipe & THEOPHILO - Op. cit. p. 37.
55. CORRESPONDÊNCIA do P.P. ao Ministério do Império. n9
119, v. 11, p. 137 - IJJ9 205. A. N.

7
H,

/ /
/
CAPÍTULO II

QUADRO FUNDIÁRIO: A P R O P R I A Ç A O E D I S T R I B U I Ç Ã O DA TERRA

No presente capítulo, pretende-se analisar um dos


elementos básicos da economia local: a terra e suas formas
de apropriação e distribuição, na Vila do Príncipe, duran-
te a segunda metade do séc. XIX.
Para isso, os dados utilizados foram obtidos atra-
vés da análise de 308 inventários, que representam 7 5% do
total existente no fórum municipal de Caicó para o perío-
i
do; de 560 registros de terras realizados em 1896; de 384
escrituras de compra e venda de terras.
Inicialmente, pensamos em poder contar com as in-
formações contidas nas datas de sesmarias existentes no
I.H.G.R.G.N. Mas o seu precário estado dé conservação, as-
sim como o seu número muito reduzido, não nos permitiram
zar os dados nelas oferecidos, uma vez que não espe-
am a realidade.

1 AS SESMARIAS E A LEI DE TERRAS

O sistema de distribuição de terras que foi im-


plantado em nosso pais no período colonial, a concessão de
sesmarias, torna-se ponto de partida obrigatório para uma
análise mais aprofundada sobre a questão fundiária no Bra-
sil. Apesar de nesses documentos as demarcações serem .im-
precisas, o que dificulta a análise, a questão sobre o uso
83

e a ocupação da terra, no entanto, passa a ter um sentido


histórico mais preciso.
Em nossas pesquisas nos arquivos do I. K.G. R.G. N. ,
encontramos alguns pedidos de datas de sesmarias e conces-
sões de terras na cap4J:ania e na atual região do Seridó.
A lei das sesmarias, em Portugal, é conhecida des-
de 1375 , quando foi decretada por D. Fernando. Naquele ê-
poca, a lei visava principalmente garantir a produção agrí-
cola para o abastecimento da população, através dos seguin-
tes pontos principais: a cultura do solo passou a ser obri-
gatória; caso o senhorio, não pudesse explorar toda sua pro-
priedade, deveria dar em arrendamento as terras que não pu-
dessem ser cultivadas, e a terra não cultivada seria tomada
do senhor.
A lei das sesmarias foi incorporada as Ordenações
Afonsivas, ãs Ordencições Manuelinas de 1521, ãs Ordenações
Filipinas de 1603 , e mantida, mais tarde, por D. João IV.
Assiin, quando, em 153 4, o sistema de capitanias
foi implantado no Brasil, a concessão das sesmarias jã era
uma pratica muito difundida na Metrópole. Na colônia bra-
sileira, ela vigorou ate julho de 1822 , com o objetivo es-
pecífico de garantir a ocupação produtiva da terra. Por-
tanto, para ser contemplado com uma data de terra, bastava
ser
>
católico
<
e capaz de tornã-la produtiva.
Ko receber as terras, o donatário não podia doã-
-las, nem mesmo deixá-las em herança. Além disso, havia uma
série de condições para a conservação das datas de^sesmaria.
As propriedades deveriam ser aproveitadas, registradas e
confirmadas; seu donatário deveria pagar o dízimo e, mais
tarde, o foro ã Coroa, além de serem medidas e demarcadas.
Caso alguma destas cláusulas não fossem cumpridas, as ter--
ras poderiam reverter à Coroa, como devolutas.
Abusos existiram, havendo especulações com as ter-
ras recebidas por pedido ou por herança, alem de, em ou-
tros casos, as terras não serem nem mesmo visitadas por
seus donos.
84

A princípio, a legislação não limitava o tamanho


das sesmarias. Mencionava-se o local e o número de léguas
ped-'.das, sem, no entanto, haver uma precisão dos limites,
o que tornava quase impossível avaliar a verdadeira exten-
são da datas, como ocorreu em 1670, no Seridó, quando o
Cap. Francisco Abreu de Lima e seus companheiros de peti-
ção obtiveram uma vasta sesmaria .(ver nota 9 ) .
i
" E s t a c o n c e s s ã o p r o c e d i d a da B a h i a , n ã o c h e g o u a o b t e r a c o n -
f i r m a ç ã o r e g i a . T a m b é m n ã o foi r e a l i z a d a a d e m a r c a ç ã o das r e -
feridas t e r r a s " J

Mas, através da Carta Régia de 20 de janeiro de


1699, ficou estabelecido que a distribuição das sesmarias
obedeceria a critérios como: o limite da sua área
seria de, no máximo, três léguas de comprimento por uma de
largura ou légua e meia em quadro; quem denunciasse o a-
bandono de terras concedidas, poderia requerê-las para si;
exigia-se a confirmação real no prazo de um ano e um dia
e o pagamento de um foro â Coroa, além do dízimo. Antes
desta carta régia, pagava-se apenas o dízimo à ordem de
Cristo, recebido pela própria Coroa. Por esta carta, ficou
decidido que:

" . . . as t e r r a s que se d e r e m de s e s m a r i a s se p r i n c i p i a r á a
p a g a r o foro d e l a s , do d i a em que f o r p a s s a d a a c a r t a de s e s -
m a r i a em d i a n t e , ã r a z ã o de 4 m i l r é i s p o r l é g u a n a s d a t a s de
s e r t ã o e 6 m i l r é i s por l é g u a n a s que são c h e g a d a s ã Mari-
nha".2

O sistema de sesmaria foi abolido somente em 1822/


o que o torna responsável pela formação básica de toda a
nossa estrutura fundiária. Dessa data até a lei de Terras,
em 1850 , vigorou o pricípio da ocupação efetiva do solo. '
Com o exposto acima, fica claro que a legislação
de terras no Brasil permitiu, desde o seu início, a forma-
ção de grandes latifúndios.\Por outro lado, a sua valori-
zação enquanto mercadoria estava estritamente ligada (se
não fosse cultivada) à expansãô^das culturas de exporta-
ção. A monocultura da cana-de-açúcar que se desenvolveu no
litoral brasileiro, produção voltada para o fornecimento
85

Ao mercado europeu, necessitava de grandes exten-


sões de terras e de um tipo especial de mão-de-obra para
que se tornasse rentável.
Essa opção, a monocultura para a exportação, para
compensar economicamente, precisaria produzir muito e,
desta forma, necessitada de grandes espaços, e somente a
mão-de-obra negra escrava responderia satisfatoriamente a
este tipo de exploração agrícola.
A empresa colonial, ao implantar como tipo de pro-
dução a monocultura para exportação, estava, automatica-
mente, determinando a utilização do trabalho escravo e a
• _ 3

grande concentração de terras em rnaos de latifundiários. (

A LEI DE TERRAS

A Lei n9 601 de 18/09/1850 estabelecia no seu ar--


tigo primeiro: >
" F i c a m p r o i b i d a s as a q u i s i ç õ e s dc t e r r a s devolutas por outro
t í t u l o que n ã o seja o de compra".''
i
Para os já possuidores ficou estabelecido que:
1) os sesmeiros que cumprissem as exigências da
lei, seriam considerados legítimos; 2) aqueles que não re-
gistrassem suas terras seriam considerados ilegítimos; 3)
e os que tivessem se apossado de terras, em solos ocupados
por uma situação dc fato, seriam considerados simples pos-
seiros .
Os sesmeiros que haviam recebido sesinarias,
sem, no entanto, terem cumprido as exigências legais, eram
amparados pelo art. 4 9 da mesma lei:

" S e r ã o r e v a l i d a d a s as s e s m a r i a s e o u t r a s c o n c e s s õ e s (...) que


se a c h a r e m c u l t i v a d a s ou c o m p r i n c í p i o de c u l t u r a e morada
h a b i t u a l do r e s p e c t i v o s e s m e i r o " .

A situação dos posseiros, em número bastante con-


siderável, ficou estabelecida pela lei, como oficializada,
86

desde que:

"as p o s s e s m a n s a s e p a c í f i c a s , a d q u i r i d a s p o r o c u p a ç ã o p r i m á -
ria ou h a v i d a s do p r i m e i r o o c u p a n t e , que se a c h a r e m cultiva-
das ou c o m p r i n c í p i o de c u l t u r a e m o r a d a h a b i t u a l " .

Mas, para que o proprietário recebesse o título da


posse, era necessário«^que as terras fossem demarcadas e
medidas. Sem o título, ele perderia o direito de hipotecá-
-las ou receber qualquer crédito por elas, futuramente.

" . . . ser m e d i d a s as t e r r a s a d q u i r i d a s por p o s s e ou por ses-


m a r i a s ou o u t r a s c o n c e s s õ e s (...) A q u e l e s que d e i x a r e m de
p r o c e d e r à m e d i ç ã o nos p r a z o s m a r c a d o s s e r ã o r e p u t a d o s c a í d o s
cm c o m i s s o e p e r d e r ã o , por i s s o , o d i r e i t o que t e n h a m (...)
c o n s e r v a n d o - o s o m e n t e p a r a s e r e m m a n t i d o s na p o s s e da terça
que o c u p a r e m com e f e t i v a c u l t u r a , h a v e n d o - s e p o r d e v o l u t o o
que se a c h a r i n c u l t o " .

De maneira geral, teve início, no Império, regis-


tro de terras com a regulamentação da lei, em 30/01/54,
sendo realizado nas respectivas paróquias.
i
No entanto, o primeiro livro de registro de terras
do Município de Caicó data de 5 de fevereiro de 1896, com
a sua abertura assinada pelo Juiz Ignácio Gonçalves Valle
É interessante notar que todos os registros foram feitos
durante o ano de 1896, entre os meses de-fevereiro a a -
gosto . Das 560 propriedades declaradas, apenas 35 (6,2%)
proprietários não residiam no município, mas todos no Es-
tado do Rio Grande do Norte.
Muitos autores têm levantado a importância da Lei
de Terras para as transformações econômicas brasileiras o-
corridas na segunda metade do século passado. Os estudos
mais completos enfocam a questão da terra com a resolução
do problema da mão-de-obra. Entre eles, Ciro Flamaron Car-
doso aprofunda a análise,

" m o s t r a n d o a e s t r e i t a l i g a ç ã o d a s q u e s t õ e s da m ã o - d e - o b r a , a -
cesso à t e r r a , n ã o só em 1850, m a s por toda a s e g u n d a metade
do s é c u l o . 0 e s t a b e l e c i m e n t o do n o v o s i s t e m a , p e l o q u a l a
terra t o r n o u - s e m e r c a d o r i a ' c o r r e n t e 1 , c o i n c i d i u q u a s e que e -
x a t a m e n t e , com a c r i s e da e s c r a v i d ã o n o B r a s i l , já que a lei,
d e f i n i n d o o a c e s s o h t e r r a , é de 1850, o m e s m o ano era q u e foi
a b o l i d o o t r á f i c o de e s c r a v o s . T a m b é m a lei que tornou mais
87

fácil e efetivo o confisco d a s propriedades d o s senhores d e terra


J a l i d o s f o i r e g u l a m e n t a d a em 1 8 8 6 , d o i s anos antes da l e i que, em
1 8 8 8 , a c a b a r a com a e s c r a v i d a o " . ^

0 que se visava, <üti 1850, com a Lei de Terras, não é o i


acesso ã terra, mas sim o controle dos' efeitos da fronteira a- l
bcrta, de modo a garantir a coerção sobre a força de trabalho a- |
través do acesso ã terra.
A Lei de Terras impediu o acesso ã terra ãquelas •. que
não possuissem meios para adquirí-lci por compra, possibilitando
assim não sõ a continuidade dos latifúndios existentes, corno
permitindo que o quadro fundiário em vigor se ampliasse. A fal-
ta de demarcação dos limites, das antigas sesmarias criou tam-
bém condições para que o latifúndio avançasse sobre terras vi-
zinhas, aumentando consideravelmente sua área. A organização
fundiária implícita na Lei de Terras beneficiava, deste modo, os
grandes proprietários, consolindo a oligarquia territorial.
A mediação e demarcação das terras, no Município de
Caicõ, transcorreu de maneira muito lenta, uma vez que rnesmo
un 1896 somente 198 registre de terras têm os li-
mites e áreas das propriedades especificados. Em regiões vi-
zinhas, como Campina Grande, por exemplo, as medições começam
a ser feitas com maior precisão ã partir de 1870 , mesmo assim,
nos registros de hipotecas e em quantidade muito pequena.
A lei visava, principalmente, garantir o monopólio da
terra nas áreas onde este ainda não estava assegurado, como era
o caso da região cafecira paulista. Ali, a partir de 1860, com
o credito agrícola que objetivava beneficiar os fazendeiros de
café, tornou-se obrigatória a demarcação e o registro de terras
para a obtenção dos benefícios.
No Nordeste, onde o monopólio já era efetivo, não ha-
~ 6
via necessidcide de controlar a aplicação da lei. Nessa re-
gião, ganhava e possuia a terra aquele que tivesse maiores
recursos para ocupã-lay def endê-1 a e, em alguns casos, ex-
plorã-la economicamente. As condições sócio-econômicas
te
M

88
3;

áa população permitiam inclusive, o avanço e a posse de terras


Fr. . __

vizinhas, onde moravam pequenos proprietários e posseiros. Es-


i£s não tinham muita segurança quaiito â posse de suas terras,
aaa vez que a justiça e as autoridades locais eram constituí-
das pelos próprios invasores, ou seja, os grandes latifundiá
rios.
Desta forma distorcida e desigual se estabeleceu o sis-
tcna de uso e posse da terra no Brasil, que sô veio a ser con-
firmado através da legislação que o oficializou no séc. XIX,
visando principalmente organizar a questão de terras em bene-
ficio dos grandes proprietãri.os.
Os registros cartoriais de terras de Caicõ são. muito
Imprecisos qucinto ã demarcação dos limites da propriedade, tor-r
jj nando-se impossível uma reprodução precisa do quadro fundiário
•tf,
local, naquele momento. No entanto, permitiram que avanças-
semos um pouco mais sobre o estudo da distribuição de terras
;
c das implicações sõcio-econômicas que o sertão do Seridó atra-
vessou durante a segunda metade do século passado.

"2 DADOS GERAIS

Sobre os inventários pesquisados, dos 308 processos, 267


ou 86.,7% do total possuíam terras.
Quanto ã composição por sexo, estado -civil e número de
herdeiros deixados, pelos inventários, era a seguinte:
89

Quadro XVII - DIVISÃO POR SEXO DOS INVENTÁRIOS NO MUNICÍ-


PIO DE VILA DO PRÍNCIPE - 1850/1890

jij N9 %'•
HOMENS 160 52 %

MULHERES ^ 147 47,7%

SEM ESPECIFICAÇÃO 1 0,3%

TOTAL 308 100 %

Fonte: I n v e n t á r i o s da V . P r í n c i p e 1850/1890

Foram pesquisados 160 processos de inventariados


(52%) e 147 (47,7%) inventariadas (ver Quadro xvii). a
despeito de que, nos registros paroquiais de óbitos, o nú-
mero de registros femininos foi pouco superior ao dos ho-
mens.

Quadro XVIIl' - DIVISÃO SEGUNDO O ESTADO CIVIL DOS INVENTÁ-


RIOS NO MUNICÍPIO DE VILA DO PRÍNCIPE - 1850/1890

ESTADO CIVIL N9 %

CASADOS 2.37 77 %
VIÜVOS 66 21 ,4%

SOLTEIROS 3 1 %
SEM ESPECIFICAÇÃO 2 0,6%

TOTAL 308 100 %


Fonte: I n v e n t á r i o s da V . P r í n c i p e 1850/1890

O casamento (ver Quadro XVIII)


ocorria muito cedo. Dos 308 inventários, encontramos ape-
nas 8 (2,6%) que indicavam segundas núpcias, fato que in-
fluia muito no fracionamento das propriedades, pelo grande
número de herdeiros que envolvia. Os três inventariados
solteiros eram padres da paróquia local, o que não impediu
que eles deixassem herdeiros, no caso, legatários.
90

Quadro XIX - NÜMERO DE HERDEIROS DEIXADOS POR INVENTARIA-


DOS DA VILA DO PRÍNCIPE - 1850/1890

N9 DE HERDEIROS N9 %

DE 1 A 2 HERDEIROS 23 7,6%

DE 3 A 5 HERDEIROS. 70 22,7%

DE 6 A 9 HERDEIROS 127 41 ,2%

DE 10 A 1 4 HERDEIROS 70 2 2,7%

MAIS DE 15 HERDEIROS 16 5,2.%

SEM ESPECIFICAÇÃO 2 0 ,6%

TOTAL 308 100 %

Fonte: I n v e n t á r i o s da V . P r í n c i p e 1850/1890

Para a montagem do Quadro XIX, só forcim considera-


dos os herdeiros diretos (meeiro ou meeira, filhos, irmãs,
i
etc.). Através deste Quadro, nota-se que a grande maioria
dos inventariados, 127 ou 41,2% do total, deixaram de 6 a
9 herdeiros. Mas é interessante ressaltar a significativa
percentaqem de 5,2% de processos com mais de 16 herdeiros.
Nestes casos, geralmente, tratava-se de que algum herdeiro
direto, jã falecido, dava direito a seus filhos , no caso,
netos do inventariado, a receber o seu quinhão na partilha
dos bens, o que contribuía também muito para o fraciona
mento das terras.
O loca], de residência desses proprietários de ter-
ras era, em geral, na sua própria propriedade ou no pró-
prio município. Entre os inventariados, a grande maioria
(89,5%) morava no próprio sítio ou fazenda. Entre os muni-
cípios vizinhos, onde os inventariados residiam, constam
Jardim, Acari e Serra Negra (ver Quadro XX).
91

Quadro XX - LOCAL DE RESIDÊNCIA DOS INVENTARIADOS POSSUI-


DORES DE TERRAS E DOS PROPRIETARIOS-VENDEDORES DE TERRAS
DA VILA DO PRÍNCIPE - 1850/1890
PROPRIETÁRIOS
LOCAL DE RESIDÊNCIA INVENTARIADOS %
DE TERRAS

NO PRÓPRIO SÍTIO 239 89,5 79 20,6

NO PRÓPRIO MUNICÍPIO - - 185 48,2

EM OUTRO MUNICÍPIO DO SERIDÓ 11 4,1 11 2,8


NA VILA DO PRÍNCIPE 14 5,2 22 5,7
NA PARAÍBA 3 1,2 13 3,3
NO CEARÁ - - 2 0,6
NO MARANHÃO - - 1 0,3
EM PERNAMBUCO - - 4 1/1
SEM ESPECIFICAR - - 67 17,4

TOTAL 267 100 384 100


Fonte: I n v e n t á r i o s post:-mortem da V. do P r í n c i p e 1850/1890 c Livro de
n o t a s do 1? C a r t ó r i o de C a i c ó - 1 8 5 0 / 1 8 9 0 - E s c r i t u r a s de com-
pra e v e n d a de t e r r a s

Os três inventariados falecidos no Município do


Príncipe e residentes na Paraíba (todos de Souza) tinham
familiares no Seridó, pareceram-nos pais idosos, sendo a-
locados em casa de filhos seus .
Já entre os possuidores de terras que as negocia-'
vam em cartório, 185 moravam em outra propriedade, o * que
representava 4 8,2% do total, estes foram considerados mo-
radores no próprio município. Já aqueles que fracionavam
suas propriedades, vendendo parte das terras onde moravam,
somavam 7 9 ou 2 0,6%.
Entre os locais de residência daqueles que moravam
em outro município do Seridó, destacamos Açu, Acari e Jar-
dim. Através desta fonte, é interessante notar o signifi-
cativo número de possuidores de terras no Seridó residen-
tes fora da Província, totalizando 20 proprietários ou
92

5,3% do total.

• 2.1 FORMAS DE APROPRIAÇÃO DA TERRA

Como já mencionamos, nos seus primórdios, a ocupa-


ção das terras do sertão do Seridó deu-se desde as lutas
pela pacificação dos índios (séc. XVII ). Com as tropas
reais, chegavam também vaqueiros com seus animais, não só
em busca de novas pastagens, mas como suporte alimentar pa-
ra os combatentes. Como afirma Capistrano de Abreu:

"os p r i m e i r o s o c u p a n t e s do s e r t ã o p a s s a r a m v i d a b e m apertada,
não e r a m os d o n o s das s e s m a r i a s , m a s e s c r a v o s ou prepos-
tos".7

A proximidade de um poço, de um braço de rio, ou


mesmo o próprio rio, já era motivo desse vaqueiro levantar
o seu "sítio".
Naquele momento, nos primeiros tempos de ocupação,
levantar "o seu sítio" significava, segundo Olavo Medei-
ros, além de descobri-lo, "introduzir os seus gados, le-
vantando um rancho e uma caiçara, primeiros estágios do u-
so da terra". Uma vez plantado o sitio, passava a ter a
denominação de fazenda, como se pode verificar, por exem-
plo, pelo teor da doação de 6 de março de 1749, em que o
requerente informava ser "senhor e possuidor de uns sítios
de terras no sertão das Piranhas, com fazendas situa-
das ..." ou ainda, "... uma fazenda de gado no sertão das
Piranhas, sítio chamado os Sacos do Jucurutu".^
As terras "vazias" de melhores pastos, relevo e
"aguadas" foram as primeiras a serem ocupadas, inclusive,
para a formação de pequeno roçado destinado a suprir a
subsistência da família e agregados (trabalhadores e es-
cravos ) .
Nesta parte do texto r trabalharemos com prati-
camente todos os dados. São 308 inventariados possuidores
93

de 1.354 propriedades; são 560 propriedades registradas em


cartórios e 384 escrituras de compra e venda de terras.

Quadro XXI - NÚMERO DE PROPRIEDADES POR INVENTÁRIO

N9 DE PROPRIEDADES/INVENTÁRIO QUANTIDADE %

0 41 13,3
1 , 19 6,2
2 53 17,2
3 49 15,9
i,' 4 33 10,7
5 28 9,1
6 • 16
7 19 6,2
i
8 14 4,5
9 , 10 3/2 .
10 5 1 ,6
11 5 1,6
! 12 4 1,3 •
13 * 2 0,7
14 2 0,7
15 2 0,7
16 - -

17 1 0,3
18 - -

19 - -

20 1 0,3
+ 20 (1 ) 4 1 ,3

TOTAL 308 100 •

Sobre os inventários (ver Quadro XXT.) , ê mais


elevado o número de inventariados (53) com duas proprieda-
des (17,2% do total) . Ressaltamos , neste quadro , a
grande concentração fundiária , quando quatro inventariados
94

detinham mais de 20 propriedades cada um deles (ver pg. 107)


A localização dessas propriedades inventariadas . foi
discriminada no Quadro XXII.

Quadro XXII - LOCALIZAÇÃO DAS PROPRIEDADES INVENTARIADAS

*te
LOCALIZAÇÃO N9 DE PROPRIEDADES %

NO MUNICÍPIO DE CAICÕ 87 6,4%


FCRA DO MUNICÍPIO DE CAICÕ PCRÍM NO ESTA-
DO 1.251 92,4%
FORA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE (1) 16 1,2%

TOTAL 1.354

(1) P a r a í b a e Ceará
Fonte: I n v e n t á r i o s p o s t - m o r t e m 1 8 50/1.8 9 0

I
Consideramos, para' efeito de localização, município
de Caicõ, referências como: "nestas terras" ou "próximo:. ã
vila".
Tendo em vista que as informações colbidéis . nesta
fonte não apresentam detalhes precisos quanto aos limites das
propriedades, admitidos ser possível certa margem de erro na
classificação por nós adotada.

Mas, a grande incidência de propriedades localiza -


das fora do município (1.2 51) não significa pertencerem a
outro termo ou mesmo a municípios vizinhos. Como jã afir-
mamos, a ãrea de abrangência da Vila do Príncipe foi muito
grande no Seridó. Essas propriedades, que representavam 92,4%
do total, estavam situadas dentro da região do sertão do
Seridó e seus proprietários eram residentes no nosso muni-
cípio de estudo, segundo as declarações nas fontes pesquisa-
das.
É comum encontrarmos, nos inventários do Seridó ,
"terras de reserva", assim como áreas "abandonadas", dentro
da mesma propriedade ou em "sítios" diferentes, porem per-
tencente ao mesmo dono. Esta "terra de reserva" e outro for-
te indicador da concentração de terras em mãos da minoria
que formava a elite social. Como exemplo , podemos ci-
tar "a terra do S. Tuyupí inclusive a casinha, todos ar-
ruinados, de propriedade de Tereza Francelina de Jesus
(18/1)", ou então, "uma parte de terra nova no S. Sobradi-
nho sem benfeitoria", na relação de bens de raiz de Germa-
9
no de Gomes Brito (1869).
Além da posse*"mansa e pacifica", como forma de a- '
propriação da terra, no sertão, como em outras regiões do
Império, foram concedidas sesmarias, como uma primeira for-
ma legal de apropriação de terra. Os sesmeiros que ali
chegaram viriam a formar a classe dos possuidores das ,
grandes extensões de terras, privilegiadamente localiza-
das, constituindo-se na elite social local.

Como as datas de sesmarias, mais tarde, surgiram


outras formas legais de aquisição da terra: a compra, a
herança e outras menos comuns, como a permuta e a doação.
A herança era adquirida não só com a morte do che-
fe da família, ou antecipadamente, mas também, entre as
j
mulheres, por meio do dote ou meio dote, por ocasiao do
seu casamento.
Em alguns casos, a gleba concedida em dote locali-
zava-se próxima ã casa-sede da propriedade, onde o genro
passava a morar. Foi o que ocorreu com Manuel Thomaz de A-
raujo, que possuia apenas "uma parte de terras no S. São
yicente, dote de sua mulher com um pequeno cercado, além
10
de algumas cabeças de gado".
Jái o meio-dote representava
,
um adiantamento de par-
te da herança, também concedida por ocasião do casamento,
como uma maneira de garantir e parcelar o espólio.
Assim, coube aos 12 herdeiros da viúva Luiza Fran-
cisca de Jesus, 622$347rs a cada um como herança, sendo,
no entanto, debitado do quinhão das 5 herdeiras casadas a ií

"quantia de 125$000rs correspondente aos seus meio-do-


11
tes".
De maneira geral, a partilha dos bens obedecia ã
divisão exata do seu valor total com o número de herdei-
ros. Mas, muitas vezes, ocorriam situações especiais. A
terra e alguns bens semoventes, como gado e escravos, após
serei avaliados, na partilha, eram divididos pelo número de
herdeiros na razão exata do seu valor e não das suas medidas
ou número de peças. Esta pratica é mais comumente encon-
trada nos inventários em que o espolio e muito reduzido em
relação ao número de herdeiros, e visava facilitar a pra-
tica da partilha equitativa.
O caso do processo aberto em junho de 1850, cujo
inventa ri ante foi o meeiro José Gonçalves de Castro e cujo
nome da falecida não foi possível ler, face ao mal estado de
conservação do documento, e um excelente exemplo. Além do'
inventariante, havia 12 herdeiros, a quem cabia um espólio
composto de 248$200rs em terras; 2 escravos; 165$200rs em
animais, entre vacum e cavalar; alguns móveis e poucas fer-
ramentas. Fianlmente, coube a cada herdeiro 42$836rs, as-
sim distribuídos: ái parte de uma casa no valor de 3 5$ 0 00
rs; parte das terras do Sitio.Espírito Santo no valor .d e
7?87 0rs; quatro herdeiros ficaram com a mesma escrava, Lu-
crêcia; um dos genros, Antonio Carvalho de Souza, repôs a
cada um dos herdeiros a quantia de 33$300rs por ter ficado
com a escrava Joaquina, de 14 anos e ter sido avaliada em
12
400$ OOOr s.

, . No entanto, partilhas como estas nem sempre eram


realizadas em clima de cordialidade, ocorrendo, muitas ve-
zes, conflitos entre as partes interessadas. Por exemplo,
como sucedeu na família de Joaquim José de Lu cena, que
deixou 13 herdeiros, sendo o mais velho o inventariante
Joaquim José.Mar ia de Lucena, com o qual o inventariado mo-
rava ao falecer. Na pagina 35, em 26/09/1874 , o inventa-
riante anexa "o rol das despesas que fiz com a doença do
meu finado pai e umas pequenas dividas que paguei e di-
nheiro que emprestei". Requeria, desta forma, o inventa-
riante herdeiro, 248$480rs do monte. Mas, a situação que
seu pai deixou foi uma das piores de todos os inventários
levantados, ou seja, ele possuia 13 herdeiros e, ao mor-
rer, seus bens foram avaliados em 1. 597$ 900rs, enquanto
suas dividas passivas somavam 5.510$780rs (todas na praça
97

do Recife). O finado Joaquim José não possuía terras, nem


mesmo casa, o que nos sugere ter sido um pequeno mascate.
Habilmente, esta herança foi dividida entre os trezv her-
deiros, ficando alguns, como os menores José e Joaquim com
uma vaca nova avaliada em 30$000rs, cabendo a cada um
15$000rs do animal. No entanto, os irmãos maiores do in-
ventariante se opuseram a esta partilha, alegando "prejuí-
zo para os demais herdeiros", uma vez que "a ele coube a
escrava Maria de 37 anos avaliada ern 300$000rs, possuindo
o ofício de costureira e, o pagamento do saldo das despe-
sas efetuadas com o seu pai". Interessante é que o proces-
so foi encerrado, após a ida do escrivão âs terras de pro-
priedade do inventariante e ter constatado que o litígio
já havia sido apaziguado para sossego e harmonia de tão
1
distinta família". ""*

A partilha de bens no Serjdó, como em outras re-


giões brasileiras, levou a um fracionamento das proprieda-
des e ao uso corrente da expressão "em comum com mais her-
j
deiros", muito encontrada nas declarações de posse de bens
de raiz, em vários tipos de documentos.
Francisco C. T. da Silva, após analisar detalhada-
mente esta mesma questão no sertão sergipano, concluiu que
as formas comunais de apropriação das terras no sertão es-
tariam apoiadas
' n . .— ,.
... o u n a i n t e n s a v i v ê n c i a c o m u m e n t r e n e g r o s , í n d i o s e
b r a n c o s p o b r e s cjue t e r i a c o n s o l i d a d o u m m o d o c o m u n a l d e v i v e r
ou na t r a d i ç ã o (do M o r g a d i o ) q u e se m a n t e v e , s o l i d i f i c a n d o u -
ma' c o m u n i d a d e de p o s s e i r o s q u e t r a b a l h a v a m t e r r a s em comum,
d e s c o n h e c e n d o a a p r o p r i a ç ã o p r i v a d a da t e r r a " .

Mas, o próprio autor considera estas afirmações


muito simplórias para uma questão que, na região, é tão
complexa.

No Seridõ, acreditamos que um dos fortes fatores


que levava a esta prática comunal de posse de terra, tão
corrente em todo o nosso período, residia na extrema po-
breza dos herdeiros e no seu elevado número. Quando algum
herdeiro possuia condições de comprar a parte de terras
98

dos demais, ele o fazia.

Entre muitos casos, nos inventários, podemos citar


o do filho de Catarina Vitória do Nascimento, Antonio dos
Santos, que repôs aos seus 8 irmãos a quantia de 28$571rs
pela compra de uma parte de terras no S. Seridozinho, ao
norte do Rio Seridó^avaliado em 257$000rs. Ou, ainda, do
herdeiro Vitorino Marques, do espólio de Leonor Maria de
Jesus, que "repôs aos demais herdeiros (eram 14) a quantia
de 12$142rs pela posse do Sítio Japina, no R. Trahiry, a-
valiado em 170$000rs". Jã, nos assentamentos de terras,
encontramos, no registro de Gorgônio Paz de Bulhões, "a
compra dos demais herdeiros de 8 partes no Sítio Salga-
, „• 15
do" .
Por outro lado, a situação contrária também ocor-
reu muito freqüentemente, ou seja, a compra "em comum" de
vários herdeiros de uma mesma parte de terras, como um
"mutirão familiar" que tentava sobreviver em meio às pre-
cárias condições em que vivia. Na escritura dc venda de u-
ma parte de terras no S."Piatozinho, no valor de 400$000rs,
consta como compradores: Sebastião Garcia d'Araújo, Isido-
ro Garcia d'Araújo, Eduardo Garcia de Medeiros, Antonio Pe-
reira dc Medeiros, Francisco Braz de Medeiros, Joaquim
Manoel de Medeiros e Joaquim Delfino de Medeiros. Assim
como, no registro de terras de Jòsé Pedro de Morais, "a
'compra em comum com mais herdeiros de uma parte de terras
com 208 braças e 6 palmos, no S. Reforma, no Riacho Pia-
1t)
tó". Assentamentos com igual teor, poderíamos citar
mais 17. .

Em nosso período de estudo, indiscutivelmente, no


Seridõ, a forma de aquisição de terras mais freqüente foi
a herança. Através de duas fontes documentais, os regis-
tros cartoriais de 1896 e as escrituras de venda realiza-
das entre 1850/1890, também podemos comprovar a mesma for-
ma de aquisição como a mais comum (ver Quadro XXIII). En-
tre os assentamentos de terras, a herança representou 44,5%
do total das propriedades declaradas ou 24 9 registros. En-
tre as terras negociadas, 114 foram adquiridas através da
99

herança, o que representava 29,7% do total. Em seguida, a


compra foi a forma de aquisição mais usual durante o nosso
período de interesse.

.Quadro XXIII - FORMAS DE AQUISIÇÃO DAS PROPRIEDADES QUE


FORAM REGISTRADAS EM 1 896 E DAS QUE FORAM NEGOCIADAS DE
1850/1890

FORMAS DE AQUISIÇÃO TERRAS REGISTRADAS % TERRAS NEGOCIADAS %

HERANÇA 249 44,5 114 29,7

COMPRA 205 36,6 20 5,2

DOAÇÃO 6 1,0 1 0,3

PER4UTA 6 1,0 -

COMPRA/HERANÇA 65 11 ,6 -

•*
COMPRA/PERMUTA 5 0,9 -

. OUTRAS 13 (1) 2,4 1 (2) 0,3

NÃO ESPECIFICADAS 11 2,0 284 64)5

TOTAL 560 100 384 100

(1) líerança/Doação; C o m p r a / D o a ç ã o ; C o m p r a / D o a ç ã o / D o t e ; Compra/Herança/


Permuta; PcrmuLa/Herança
(2) D í v i d a
Fonte: 19 L i v r o de R e g i s t r o de T e r r a s - F M C
19 C a r t . N o t a s - L i v r o s 29 a 53

Dos 560 registros das propriedades rurais, 205 fo-


ram adquiridos através da compra, ou 36,6% do total de
posses declaradas. Notamos ainda, através dessa fonte do-
cumental, que a combinação de compra/herança como aquisi-
ção da propriedade rural foi forma também muito utiliza-
da por alguns proprietários, a fim de aumentar o seu pa-
trimônio .

Outras combinações de formas de aquisição foram


empregadas, configurando o interesse permanente de senho-
res de terras que procuravam manter a área que lhes chegou
através da herança ou do dote. O sentimento de apego â
terra, no sertão nordestino, é muito arraigado. Mas o
1 00

privilégio de manter o verdadeiro patrimônio familiar cou-


be apenas aos mais abastados, como "Joaquim Batista de A-
raujo que por herança, compra, doação e permuta, ' possuía
29 partes de terras no S. Timbauba" , ou então como "João
Damasceno Pereira Araújo que declarou possuir o sítio Saco
do Martins com todas^as águas que lhe chegou por herança,
permuta e compra". 17

Outra forma de aquisição da terra foi a doação.


"José Fernandes do Rego era possuidor de 148 braças de
terras que lhe foram doadas pelo Senador José Bernardes de
18 -r

Medeiros". Este é um exemplo típico da faceta política


da região dos coronéis, onde os "favores" e a dependência
sócio-econômica se entrelaçam e perpassam todas as décadas
do nosso período de interesse.
Na documentação, escrituras de compra e venda de
terras, o número de propriedades cuja posse foi obtida
através da compra é muito reduzido, somando apenas 20 das
384 escrituras existentes, o que representa 5,2% do total.
Encontramos, nestas fontes, várias propriedades sem indi-
cação de origem, mas é fácil identificar quando não foram
adquiridas por compra, pois neste caso a nomeação do anti-
go dono era obrigatória e usual. No entanto, a elevada
percentagem de 6 4,5% de escrituras de compra de terras,
cuja forma de aquisição não foi declarada, nos remete ao
Quadro XXIV, onde esta documentação foi estudada por déca-
das, permitindo delinear, claramente, a evolução da posse
juridicamente legalizada da terra na região.
101
Ji.
Quadro XXIV - POSSE DE TERRA NAS ESCRITURAS DE COMPRA E
VENDA DE TERRAS -1850/1890

TIPO DE POSSE/ANOS 1850/59 1860/69 1870/79 1880/89 TOTAL


% % % %

HERANÇA 34 ao,8 17 19,3 40 45,5 23 51 ,2 114

COMPRA - 4 4,5 9 10,2 7 15,5 20

OUTRAS - 1,2 1** 1,2 - 2

NÃO ESPECIFICADAS 129 79,2 66 75,0 38 43,1 15 33,3 248

TOTAL 163 100 88 100 88 100 45 100 384

* Doação
** D í v i d a
Fonte: E s c r i t u r a s de c o m p r a e venda de terras - 19 C a r t ó r i o de Caic.6 ~
L i v r o s n 9 29 a 5 3

Consideramos, como hipótese, a omissão da declara-


ção díi origem da aquisição da terra nos documentos públi-
cos, como unia maneira das partes (escrivão e posseiro) a-
cobertarem uma situação ilegal existente. Daí ser reforça-
da a nossa suposição de que a posse ilegal da terra, no
Seridó, foi a semente da apropriação da propriedade rural.
Na primeira década do nosso período, quando a lei de ter-
ras já havia sido promulgada, 79,2% das escrituras de com-
pra e venda, da V. do Príncipe, têm a sua forma de aquisi-
ção não especificada. Esta percentagem, na década seguin-
te, ainda se manteve elevada, 75%. A propriedade jurídica
da terra funcionava, nessa época, como instrumento de po-
der e diferenciador da hierarquia social local. O apadri-
nhamento foi a relação que mascarou esta hierarquia, assim
como a própria coerção sobre a força de trabalho e a apro-
priação do excedente produzido.

Até hoje, nas regiões de fronteira aberta no Bra-


sil, há uma forte tendência em se desenvolver um campesi-
nato ligado ã idéia do direito ã terra através do traba-
lho. Tais áreas caracterizam-se por serem regiões de cons-
tantes e intensos conflitos entre proprietários e possei-
1 02

ros, principalmente quando a fronteira econômica tende a


avançar. 19
Alguns fatores foram responsáveis pela preservação
deste quadro fundiário que se mantém em suas grandes li-
nhas até os nossos dias: a pequena densidade demográfica e
a baixa valorização da terra, e o predomínio da concepção
de que a propriedade da terra é garantia do status social
e político dos grupos dominantes.

2.2 A DIMENSÃO DAS PROPRIEDADES

Nesta parte do estudo, trabalhamos apenas com os


dados oferecidos pelos registros de terras e pelas escri-
turas de compra e venda, uma vez que as declarações sobre
dimensões das propriedades, contidas nos inventários, não
nos permitem avaliar a quantidade exata de terras possuí-
das por uni mesmo proprietário.
Com relação à dimensão das propriedades no Seridó,
0. Medeiros cita a carta Regia de 7 de dezembro de 1697,
que estipulava como dimensões máximas das sesmarias doa-
das, ã partir daquela data, "três léguas de extensão, por
uma de largura", com a finalidade de melhor coibir "os ex-
cessos cometidos, doando-se áreas desproporcionalmente gran-
des a certos favorecidos" .20

Com o passar do tempo, tal medida padrão se- foi


alterando, com base na posse ilegal da terra, no fraciona-
mento das propriedades herdadas e vendidas e nas negocia-
ções efetuadas visando interesse especifico das partes en-
volvidas. Daí, as inúmeras denominações existentes nos do-
cumentos pesquisados (ver Quadro XXV).
Encontramos a expressão "uma parte de terra"ampla-
mente empregada para denominar uma gleba utilizada no tra-
to do gado e eventual terreno agricultável. Em 77 assenta-
mentos ou 46% do total, de 167 registros, onde consta esse
tipo de expressão, tiveram como forma de aquisição a he-
1.

Quadro XXV - MEDIDA DAS TERRAS REGISTRADAS NO ANO DE 1896


E DAS TERRAS COMPRADAS DURANTE 1850/1890

TIPOS DE TERRAS REGISTRADAS NEGOCIADAS

TERRAS COM MEDIDAS EXATAS

TERRAS SEM MEDIDAS

TERRAS COM VALOR

TERRAS COM MEDIDAS LINEARES

SÍTIO DE TERRA

1 PARTE DE TERRA

2 PARTES DE TERRA

3 PARTES DE TERRA

4 PARTES DE TERRA

5 PARTES DE TERRA
6 PARTES DE TERRA

7 PARTES DE TERRA

0 PARTES DE TERRA
9 PARTES DE TERRA
1 1 PARTES DE TERRA
14 PARTES DE TERRA

15 PARTES DE TERRA
2 9 PARTES DE TERRA
DhTh DE SESMARIA
NAO ESPECIFICADA
SÍTIO
FAZENDA

TOTAL
F o n t e : F ó r u m M u n i c i p a l de C a i c õ
19 L i v r o de R e g i s t r o de T e r r a s
19 C a r t ó r i o de N o t a s - L i v r o s 29 a 53
rança e, neste caso, são "em comum com mais herdeiros".

No Seridó, na medida em que as "partes de terras"


vão aumentando, para definir o tamanho da propriedade, as
formas de aquisição se diversificam, o que passa a confi-
gurar a formação de um latifúndio local, nas mãos de um
próspero proprietário.

Já a expressão de "sítio", naquela época, presume


duplo significado. Quando empregado como "sítio de terras"
sugere uma localização geográfica, como jã nos referimos
anteriormente. Dos 35 registros existentes, 12 referem-se
à localização do sítio de terras nas datas de sesmarias e
todos havidos por compra: "um sítio de terras na data da
Timbaúba que houve por compra" ou "um sítio de terras na
data do Sobrado ao poente do R. Piranhas que houve por
compra". Esta observação empresta à propriedade a idéia de
uma extensão maior de terras do que as que nos registros
.falam de "uma parte de terras".

A outra conotação do termo sítio é aplicada no


sentido de pequena propriedade, fazendola. Antonio Aladim
declarou possuir "o sítio Varzea Alegre que houve por he-
rança de seu pai" ou então Jaria Dativa de Azevedo Araújo
declarou possuir "a metade do S. Joazei.ro que houve por
21
meio de herança".
Em todos estes tipos de propriedades, a "terra de
criar" sempre era em área superior, ficando a parte agri-
cultãvel, como um tipo de benfeitoria existente, em redu-
zidas proporções e, na maioria das vezes, nas margens dos
açudes.

Das 384 escrituras de compra e venda de terras, 111


ou 28,9% do total eram terras de criar, enquanto 8 ou 2,1%
eram "terras próprias para plantar e criar", ficando 69%
ou 265 escrituras sem especificar a qualidade da proprie-
dade em questão.

Baseados nas fontes de informação dos registros


cartor.iais de terras e das escri turas de compra e venda de
i,
propriedades, podemos sintetizar o quadro da estrutura
1 05

fundiária local em: (ver Quadro XXVI)

Quadro XXVI - ÁREA DAS TERRAS NEGOCIADAS EM 1850/1890 E


DAS TERRAS REGISTRADAS NO LIVRO CARTORIAL DE 1896 NO SERI-

ÁREAS EM Ha NEGOCIADAS % REGISTRADAS %

MENOS DE 100 32 2 3,0 79 39,9

101 A 200 33 23,7 41 20,7

201 A 300 26 18,7 21 10,6

301 A 400 20 14,4 17 8,6

401 A 500 10 7,2 14 7,1


501 A 1000 14 10,0 15 7,6

1001 A 1500 2 1 ,4 5 2,5

1501 A 2000 1 0,8 2 1,0

2001 A 25 00 - - -

2501 A 3000 - 2 1,0

3001 A 3500 - • - 2 1,0

3501 A 4000 1 0,8 -

. TOTAL 1 39 1 98

Observações :
1 - Os 198 r e g i s t r o s d e t e r r a r e p r e s e n t a m 3 5 , 4 % do t o t a l pesquisado
que foi de 5 6 0
2 - Os 139 n e g ó c i o s de t e r r a s r e p r e s e n t a m 3 6 , 2 % d o t o t a l pesquisado
que f o i de 384
3 - 0 total de t e r r a s r e g i s t r a d a s m o n t a em 6 0 . 6 1 4 h a

TIPO DE PROPRIEDADE QUANTIDADE ÁREA OCUPADA %


PEQUENA • 141 16.440 ha 27,1

MÉDIA 46 22.611 ha 37,3

GRANDE 1 1 21 .563 ha 35,5

TOTAL 198 60.614 ha 100


1 06

Nas áreas onde havia o predomínio de pastos para a


pecuária, as propriedades eram, em geral, de grande porte.
As serras limítrofes da região do Seridó (Serras do Cuité
e do Teixeira e as terras próximas às margens do rio Seri-
dó e Piranhas, e os sopés de algumas serras, como da For-
miga e dos Quintos,foram áreas onde, na documentação le-
vantada (inventários, escrituras de compra e venda de ter-
ras, registros cartoriais de terras e escrituras de loca-
ção) , se desenvolveu uma economia baseada na agro-pecuã-
ria. Ali, algumas roças foram favorecidas pela qua-
lidade da terra e sua localização.
Dos 560 registros cartoriais de terras, apenas em
198 ou 35,4% foram declaradas suas medidas (exatas ou li-
neares), que foram convertidas para hectares, com base
nos dados oferecidos pelo cronista Manuel Dantas Correia.

" Q u a s e t o d a s as t e r r a s p ò s s u i d a s compradas e vendidas no


s e r t ã o , são d e t e r m i n a d a s por um n ú m e r o q u a l q u e r de b r a ç a s l i -
n e a r e s de f r e n t e , c o m o f u n d o c o r r e s p o n d e n t e a 1 l é g u a de
2 . 4 0 0 b r a ç a s . A s s i m q u a n d o são c o m p r a d a s 6 0 0 b r a ç a s entende-
- s e u m a e x t e n s ã o l i n e a r d e 6 0 0 b r a ç a s de f r e n t e , s o b r e 2.400
b r a ç a s de f u n d o , o q u e dã u m a á r e a d e 1 . 4 4 0 . 0 0 0 b r a ç a s qua-
dradas".22

Estes cálculos tornaram possível avaliar as áreas


das propriedades declaradas e comercializadas na região
durante o período em questão.
Consideramos, .aqui, propriedades de pequeno porte
aquelas com áreas inferiores a 300 hectares e de médio por-
te de 301 a 1000 hectares, tendo em vista serem estes os
tamanhos mais freqüentes das propriedades transacionadas
e/ou registradas na região.

Com a análise do Quadro XXVI, nota-se que as pro-


priedades registradas corn áreas inferiores a 100 ha atin-
gem 39,9% do total, enquanto que, na nossa fiiixa de peque-
na propriedade, há uma concentração de 141 unidades, o que
perfaz um total de 71,2%.
Se somarmos as propriedades de pequeno e médio por-
te, teremos um total de 46 unidades, ou seja, 23,2% das
propriedades declaradas no Livro de Registro de Terras.

Entre as propriedades que podem ser consideradas


como latifúndio, há uma concentração maior naquelas cujas
áreas variam entre 1.001 a 1.500 ha, 3,5%, enquanto que,
com área superior a 2.500 ha, tem-se apenas 4 proprieda-
* - **
des.
A área total coberta pelas 198 propriedades regis-
tradas foi de 60.614 ha. As 141 pequenas propriedades re-
gistradas cobriam 27,1% deste total ou 16.440 ha; as 46
propriedades consideradas por nós como de médio porte o-
cupavam 22.611 ha ou 37,3% do total e, finalmente, apenas
11 propriedades somavam 21.563 ha ou 35,5% da área total
ocupada e declarada.
Com estes dados, nota-se a forte tendência ã con-
centração de terras na região caracterizando sua estrutura
fundiária.
}

Tal quadro, nos dias de hoje, não se apresenta de


forma muito diferente. Em recente pesquisa local, foi
constatado que:

- "na r e g i ã o s e m i - á r i d a do n o r d e s t e , o n d e e x i s t e a predominân-
cia de p e q u e n a s e m é d i a s p r o p r i e d a d e s , a n e c e s s i d a d e de sis-
t e m a s g l o b a i s de e x p l o r a ç ã o é a i n d a m a i s e v i d e n t e p o r ser o
objetivo principal desses pequenos produtores -.a sobrevivên-
cia".23
/

A concentração fundiária, independente de ser des-


tinada à agricultura comercial, baseada ou não no trabalho
escravo, já é o suficiente para o surgimento do elemento
despossuldo.

2.3 O VALOR DAS PROPRIEDADES

Para avaliarmos, em média, o preço das proprieda-


des, utilizamos de duas fontes, dos inventários (267) de
proprietários de terras e das 139 escrituras de compra e
108

renda de terras que declararam s ias dimensões. •'. ' ••


Fazendo um levantamento que dividisse os inventariados
icgundo o va.lor das terras que cada um possuia, ressultou dessa
cpcração o Gráfico XII, relativo aos 267 proprietários de terras
processados. Do total de stes possuidores de terras, 54 (20 , 2% )
tinham propriedades avaliadas em até 100$000rs, o que represen -
lava a massa dos pequenos proprietários. Cento e dois inventaria
dos, (38,2% do total) tinham suas propriedades avaliadas em
101$000rs a 500$000 rs, o que corresponde a maioria dos possuído
:es de terras. Os grandes latifundiários, aqueles que detinham
wior número e as melhores terras, eram 10 e representavam 3,7$
io total. -
,Se levarmos em conta os limites temporais da nossa pes
qulsa (1850/1890) , a desvalorização do mil réis e o aumento do
preço da terra por hectare, podemos dizer que este bem imóvel te
7c uma variação de preço significativa no mercado local, como po
demos observar no Quadro XXVII. Através dele, na década de 50,
preço médio por hectare das terras com benfeitorias era 10,3 ve
:cs mais caro do que as sem benfeitorias. Na década de 90, com
sua valorização, os preços médios das terras com ou sem benfeito
rias praticamente são os mesmos.
CLASSIFICAÇÃO DOS PROPRIETÁRIOS D E TERRAS INVENTARIADOS (%)

SEGUNDO O VALOR D E SUAS TERRAS - 1850/1890


50%

45%
40%

35%
84
30%
o
o
25%

20%

15%

10%
17
10
5%
3,7%

De 5015000 De 2001$000 Mais de


00$000 De 101$000
a 5000$000 5000$000
VALOR DA a 500S000
TERRA

Fonte: Inventários p o s t - m o r t e n - C a r t ó r i o de Caico


11 o

Quadro XXVII - PREÇO MÉDIO DAS TERRAS NEGOCIADAS ENTRE


1 850/1 890 , EM HECTARES
TOTAL DE ESCRI-
TOTAL TOTAL PREÇO MÉDIO TURAS DE COMPRA
DÉCADAS TIPO DE TERRA EM HA EM $RS POR HA E VENDA

COM BENFEITORIAS 349 1715$ 4$91 4


50 53
SEM BENFEITORIAS 20569 9816$ $477

COM BENFEITORIAS 2956 7520$ 2$544


60 69
SEM BENFEITORIAS 8683 10602$ 1 $221

COM BENFEITORIAS 1324 6899$ 5 $210


70 1 $909 41
SEM BENFEITORIAS 9315 17785$
COM BENFEITORIAS 1332 2123$ 1 $594
80 SEM BENFEITORIAS 1424 1618$ 9
1 $136

Fonte: E s c r i t u r a s de c o m p r a e v e n d a de t e r r a s (que d e c l a r a r a m suas


medidas), negqciadas n o 1? C a r t ó r i o de C a i c ó de 1850 a 1890

O valor da terra parece ter sido, em todo o


i ,
nosso período de interesse, considerado no conjunto terra/
benfeitoria/produção agrícola. Quando, por exemplo, nos
inventários, as benfeitorias são numerosas, seu preço apa-
rece separado do valor da terra, da mesma maneira que as
culturas mais importantes.

Com relação i oc?.1 ? zação das terras e sua valori-


zação, aquelas que se situavam próximo aos rios ou riachos
/

ou mesmo que possuiam açudes eram as mais caras. Não per-


cebemos, no município, uma"área geográfica mais valoriza-
da" .
111

NOTAS

* RAU, Virgínia - Sesmarias medievais portuguesas. APUD:


VIANNA, Marly - A estrutura da distribuição de terras
no município de Campina Grande 1840-1905. UFPB, 1985.
P- 33.
1. MEDEIROS, Olavo - Op. cit. p. 3.

2. PORTO, Costa - Documentos históricos: O sistema sesma-


rial no Brasil. UB. p. 110-3.
3. Neste sentido ver: CARDOSO, C. F. & PÊREZ Brignoli, Ilector .
História econômica da América Latina. Rio de Janeiro,
Graal, 19 83; MARTINS, José de Souza - O cativeiro da ter-
ra. São Paulo, Lech, 19 79; COSTA, Emília Viotti - Da Mo-
narquia ã República: momentos decisivos. São Paulo, Gri-
galbo, 1977.
4. COLEÇÕES das leis do Império do Brasil. Biblioteca do
I.H.G.B/R.J.:, 1850. t. 11, parte la., seção 44a.

5. CARDOSO, C..F.S. - "The problem of land in the transition


to capitalism in Latin America and the Caribbea.n

(nineteenth century)". APUD: VIANNA, Marly - Op. cit.


p. 40.
6. VIANNA, Marly - Op. cit. p. 41-2.
7.-ABREU, Capistrano de - Capítulos de História Colonial
(1500-1800). Rio de Janeiro, Livraria Buguet, 5a. ed.
1969. p. 161.
8. MEDEIROS, Olavo - Op. Cit. p. 10. Data de sesmaria 372
de 06/03/1749.
9. INVENTÁRIO post-morten de Tereza Francelina de Jesus.
04/09/1871; Germano Gomes de Brito. 04/09/1869.

10. INVENTÁRIO post-mortem de Manuel Thomaz de Araújo. 14/


12/1880.
11. INVENTÁRIO post-mortem de Luiza Francisca de Jesus. 14/
03/1861.
• < - *

I
112

12. INVENTÁRIO post-mortem de José Gonçalves de Castro. 06/


1850 .
13. INVENTÁRIO post-mortem de Joaquim José de Lucena. 0 2/
09/187 4. Rol das despesas que o inventariante fez com
a doença de seu pai:
"1/2 alqueire de fiarinha 4$500rs; 2 e 1/2 lib. de a-
çúcar 1$000rs; 1 arroba de carne 7$500rs; 1 arroba de
café 14$000rs; 50 bolachas 2$000rs; 100 rapaduras
10$000rs. Paguei ã escrava Maria 7$000rs; ao escravo
Cezãrio 5$000rs; à irmandade de Santana 1$000rs; em
remédios 10$000rs; por 3 xales pretos 9$000rs; em re-
médios à Braz Severino 50$000rs; ao Tesouro da Irman-
dade das almas 18$000rs. Emprestei em dinheiro'
1 0 9$840rs".

IA TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos Op. cit. p 4 9-


52.

15, INVENTÁRIO post-mortem de Catarina Vitória do Nascimen-


to. 16/02/1864; Lconor Maria de Jesus. 20/03/ 1867;
Gorgõnio Paes de Bulhões. 05/05/1896.
16 LIVRO de Registro de Terras - reg. n? 298, 19/06/1896.
1? Cartório de Notas, L. 35, p. 26 , 07/01 /1 862'.

17 , LIVRO de Registro - n9 42 e 307.


I
4 , LIVRO de Registro - reg. n9 24.

19 . Neste sentido: MARTINS, J. S. - Expropriação e violên-

I
m
cia (a questão política no campo). São Paulo, Huei-
tec, 1 9 80; e Capitalismo e tradicionalismo. São Pau-
-'S lo, Pioneira, 1975. ,

20 . MEDEIROS, Olavo - Op. cit. p. 10.

21 . F.M.C. reg. 161; F.M.C. reg. 19 5.

22 . GUERRA, Felipe & TEÓFILO - Op. cit. p. 179.

1 23 . ERNESTO SOBRINHO, Francisco et alii - Op. cit. p. 68.

1it
1
i
I
t

•I
1113

CAPÍTULO III

0 TRABALHO í A ECONOMIA DA POBREZA

Neste capítulo, trataremos das relações de traba-


lho e da economia agrária do Município da Vila do Prínci-
pe, na segunda metade do séc. XIX.

Como a bibliografia local se ressente de estudos


sobre a presença e a participação do trabalhador negro es-
cravo nas propriedades sertanejas do Seridó, achamos per-
tinente procedermos a uma análise mais aprofundada, atra-
vés dos dados oferecidos pelos inventários, pelas cartas
de alforria e pelas escrituras de compra e venda de escra-
vos contidas nos livros de notas do 19 Cartório de Caicó.

As diferentes formas de trabalho livre, que coe-


xistiram com o trabalho realizado pelo escravo nas pro-
priedades rurais da V. do Príncipe, aumentaram e se diver-
sificaram no decorrer da segunda metade do século passado,
não só com o crescimento da população livre, como pela
própria desagregação do sistema escravista colonial. Tais
formas de trabalho parcialmente assalariadas (que até hoje
podem ser encontradas) retardaram o surgimento do assala-
riado típico, freando o desenvolvimento econômico e social
da região.
Um estudo sobre a economia agrária e os demais fa-
tores que dificultaram a acumulação serão considerados na
última parte do capítulo, quando será ressaltado o nível
técnico da economia, alguns aspectos sobre a comercializa-
ção da produção local, a circulação monetária e a situação
financeira dos inventariados.
114

1 OS T R A B A L H A D O R E S DA TERRA

1.1 A MÃO DE OBRA ESCRAVA

De maneira geral, os historiadores que analisaram


a economia nordestina desprezaram o papel desempenhado pe-
la força-de-trabalho escravo, ao lado da mão-de-obra li-
1
vre, nas propriedades rurais do sertão.' ' Por existir em
pequeno número, o escravo teve a sua presença no sertão
assinalada mais como "sobra do que como um elemento enga-
2
jcrio no processo de trabalho". Por outro lado, autores,
como Jacob Gorender, comprovaram que "ê improcedente a i-
déia de que a pecuária não se coadunava com a escravidão
por dificultar uma vigilância estrita sobre os escravos"
e, concluem, com dados, que, "de norte a sul, coexistiam
3
na pecuaria o trabalho escravo e o trabalho livre".
i
Na historiografia local, existem autores que, ao
descrever o povoamento e o desenvolvimento econômico do
Seridó, citam o escravo apenas como um elemento que, em u-
4
ma época determinada, pertenceu aquela sociedade. Outra
oorrente e a dos autores que, ao dedicar um parágrafo ou
mesmo um capítulo aos negros no Seridó, não » trabalham
cientificamente os dados que possuem. Mesmo assim, somen-
te estes autores, até agora, se preocuparam em utilizar
uma fonte primária, como são os processos de inventários ,
para o estudo da presença do escravo na Província e no ser^
- 5
tao.
Pretendemos aqui estudar a presença e a vincula -
ção do escravo na economia rural sertaneja, como força-, de
trabalho, ao lado de outras formas de relações de produ-
ção, envolvendo trabalhadores pobres livres, em uma região
de economia de subsistência apoiada na pecuária. Depois ,
nosso objetivo será apontar alguns dados que permitam uma
maior compreensão a respeito do gradativo declínio desta
mão-de-obra cativa, durante a segunda metade do séc. XIX,
no Seridó.
1115

DADOS GERAIS

Trabalharemos, nesta parte do trabalho, com os da-


dos oferecidos pelos 308 inventários, onde foram arrolados
650 cativos; pelas 264 cartas de alforrias, que deram li-
berdade a 274 escravos; e pelas 252 escrituras de compra
e venda de escravos, através das quais foram negociados
277 cativos. Também utilizaremos as informações e dados
contidos nos relatórios de Presidentes de Província, no ma-
pa de matrícula de escravos nas estações fiscais e no cen-
so de 1872.
A população escrava da Vila do Príncipe, através
dos inventários, fica melhor retratada se separarmos os pro-
prietários de terras e os não proprietários. A partir da aná
lise do Quadro XXVIII, a posse do escravo entre os inventa -
riados no município foi registrada em 152 processos ou 49,4%.
Entre estes, 138 (4 4,8%) eram proprietários de terras e 14
(4,6%) não proprietários. Dos 156 (5o,6%) inventariados que
não utilizavam da força de trabalho escravo, 129 (41,$)%)
eram proprietários de terras e 27 (8,7%) trabalhavam terra
alheia.

Quadro XXVIII-N9 E PERCENTAGEM DOS POSSUIDORES DE ESCRAVOS


SOBRE OS INVENTARIADOS NO MUNICÍPIO DA VILA DO PRÍNCIPE
1850/1890

PROPRIETÁRIOS COM ESCRAVO SEM ESCRAVO TOTAL

N9 % N9 % N9 %

COM TERRA 138 44,8% 129 41,9% 267 86,7%

SEM TERRA 14 4,6% 27 8,7% 41 13,3%

TOTAL 152 49,4% 156 50,6% 308 100%

Fonte: Inventários po st--mor tem - 1850/1890


116

Os inventariados que não possuiam terras, mas eram


donos de escravos somaram 14 com 43 escravos entre eles,
havia 7 moradores em propriedades rurais, com pequeno re-
banho (bovino e eqüino), possuindo também poucos instru-
mentos agrícolas. Um era negociante, deixando uma grande
soma entre as suas passivas. Três deviam ser meeiros, pois
tinham a posse da casa, mas não da terra, onde trabalhavam
lavouras e tratavam o gado; além disso, todos possuiam te-
ar de fiar algodão. O outro grupo é formado pelos três mo-
radores da vila que possuiam gado, mas nenhum utensílio
para o trabalho na roça. Este último grupo, ao todo, tinha
10 escravos, divididos entre o trabalho no criatõrio é os
serviços domésticos.

Sobre os inventariados despossuldos e sem escra-


vos, desenvolveremos adiante.
Se observarmos o Quadro XXIX, notaremos que muito
poucos proprietários de terras possuiam muitos escravos.
Apenas 5 com mais de 15 escravos cada um, ou seja, 3 5% do
total. O maior plantei de escravos por proprietário, na
Vila do Príncipe, pertence a Izabel Maria da Conceição (1B60),
ccm 31 escravos. A grande maioria dos proprietários de ter-
ras (26,1%) possuiam apenas um escravo. Já a maioria dos
inventariados sem terra (35,7%) possuiam 2 escravos para
auxiliá-los em seus serviços.
11 7

Quadro XXIX - QUANTIDADE DE ESCRAVOS POR INVENTARIO COM


TERRA E SEM TERRA E TOTAL

QUANTIDADE DE ESCRAVOS COM TERRA % SEM TERRA %


POR INVENTARIO

1 36 26,1 3 21 ,5
2 22 16 5 35,7
3 25 18,2 3 21 ,5
4 11 8 -

5 10 7,2 1 7,1
6 7 5,1 -

7 3 2,2 1 7,1
8 1 0,7 -

9 5 3,6 1 7,1
10 3 2,2 -

11 3 2,2 -

12 3 2,2 -

13 4 2,8 -

15 ! 1 0,7 -

16 2 1 ,4 -

21 1 0,7 -

23 1 0,7 -

TOTAL 138 100* 14 1 00

Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890

Os escravos contidos nos inventários, a partir do


levantamento de sua faixa etária, demonstraram estar aptos
para o trabalho, estando incluídos 146 homens (43,3%) e
161 escravas (51,4) para todo o período de 1 850/1 888. ( Ver
Quadro XXX )
118

QUADRO XXX - DISTRIBUIÇÃO DA POPULAÇAO ESCRAVA NA VILA DO PRÍN-


CIPE SEGUNDO SUA FAIXA ETÁRIA - 1850/1888.

HOMENS . 1 MULHERES
TOTAL
PERÍODOS
0/14 15/45 +/45 N/ESP TOTAL' 0/14 15/45 + /45 N/ESP TOTAL GERAL

1850/55 32 25 5 3 65 24 37 3 2 66 131

1856/60 32 22 5 10 69 20 21 5 12 58 127

1861/65 34 2 5 2 8 69 25 26 6 3 60 129
1866/70 23 23 - - 46 17 22 3- - 42 88

1871/75 18 23 2 - 43 12 20 1 - 33 76

1876/80 10 19 1 - 30 10 14 1 - 25 55
1881/88 2 9 4 - 15 2 21 6 - 29 44

1850/88 151 146 19 21 337 110 161 25 17 313 650

% 44,8 43,3 5,7 6,2 51,8 35,1 51,4 8 5,5 48,2 100

Fonte: I n v e n t á r i o s post-mort:cm - 1850/1890

Nota-se que era superior o número de mulheres (51,4%) cati-


vas em idade produtiva, o que denota a sua significativa partici-
pação nas lavouras, no trabalho doméstico e em outras atividades.
Observa-se ainda que a população cativa na Vila do Príncipe era
uma população jovem e capaz para o serviço. Se também considerar-
nos as crianças com idade acima de 5 anos aptas para o trabalho,
entre os escravos sadios existentes nesta fonte, encontraremos
248 cativos ou 73,6% do seu total. Jã entre as mulheres, essa
percentagem eleva-se para 77,4% do seu total, ou seja, 242 cati-
vas em condições de trabalho. Jã os escravos mais velhos (o que
não invalida de todo a sua aptidão para o trabalho) somam 13,6%
do total dos cativos constantes nos inventários,
119

Os escravos doentes somam 2 4 homens, o que representa ape-


nas 7,1% do total de homens, com uma média de idade de 29,6
anos. As escravas doentes são 15, o que corresponde a 4,8%
do total de mulheres cativas constantes nos inventários,
com uma média de idade de 27,2 anos. As doenças nos escra-
vos dos inventários, como podemos observar no Quadro XXXII,
U)
eram, na maioria das vezes, males -que possibilitavam-nos a
trabalhar, como: ser coxo, ser vesga e até mesmo aleijado
da mão e ter dedos. Outros males os impossibilitavam tempo-
rariamente. como: ter algum membro quebrado, ser asmático,
ter hérnia e achaques (que, na linguagem local, signi-
fica um mal em pequeno grau de intensidade ou passageiro,
como uma dor de cabeça ou nevralgia).• Os mais incapacitados
mesmo seriam aqueles afetados pela cegueira e os incluídos
como doentes, pois não podemos'precisar a extensão desta
doença. Esta relação nos até parece pequena face ãs precá-
rias condições de alimentação' e vida a que esta população
éstava submetida.
j •
Entre os escravos relacionados nos inventários,
predominam os crioulos (negros nascidos no Brasil) entre os
homens e mulheres, com uma porcentagem de 34,4% ou 116 cri-
oulos e 24,6% ou 77 crioulas.( Ver Quadro XXXI )

Quadro XXXI - TIPO FÍSICO DOS ESCRAVOS NOS INVENTÁRIOS

HOMENS % MULHERES % TOTAL

MULATOS 29 8,7 47 15,1 76


CRIOULOS 116 34 ,4 77 24,6 1 93
PARDOS 20 • 5,9 21 6,7 41
PRETOS 2 0,6 2 0,6 4
CABRAS 20 5,9 31 9,9 51
D'ANGOLA 6 1,8 6 1,9 12
NÃO ESPECIFICADOS 144 42,7 129 41,2 273

TOTAL 337 - 31 3 - 650

Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890


120

Quadro XXXII - DOENÇAS MAIS COMUNS DOS ESCRAVOS RELACIONADOS


' NOS INVENTÁRIOS - 1850/1888

DOENÇAS HOMENS/IDADE % MULHERES/IDADE %

• HÉRNEA 1/-
1/35 13,1
1 /39
CEGUEIRA. 1/24
1/10 13,1
1/34
ACHACADOS 1/25 1/44
1/47 13,1 1/30
1/45 1/2 8
1/22
DOENTES 1/14 1/28
1/48 1/17
1/44 1/-
1/32 1/35 46,7
1/29 1/08
1/26
1/48
COXC) 1/38
1/40
1/60
COM ASMA 1/05 1/35

1/50 20

1/38

DOENTE DOS
NERVOS 1/35
VESGA

PERNA QUEBRADA 1/29 4 ,3


BRAÇO QUEBRADO 1/13 4, 3
MUITO QUEBRADO 1/10 4,3
SEM DEDO 1 /O 5
TOTAL

Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890

IL
121

É interessante notar que os escravos mais velhos


'são arrolados como escravos "gentio d'Angola',' representando
12 cativos, entre homens e mulheres,, ou 1,8% e 1,9%, res-
pectivamente .
Diana Soares Galiza, em seu estudo sobre o declí-
nio da mão-de-obra escrava na Paraíba, durante o período de
1850 a 1890, analisou ^iversos municípios daquela Provín-
cia. Entre eles, Piancõ e Pombal, localizados no sertão pa-
raibano vizinho ao Seridó. Ali, ao contrário da V. do Prín-
cipe, predominaram os escravos de cor parda, que atingiram
30,8% do total estudado, seguido dos cabras, que represen-
tavam 24,9% dos escravos constantes nos inventários anali-
sados no município de Pombal (Pb), para os anos de 1850/
1888.
Segundo a classificação de procedência étnica de
Manuel Diegues, na nossa área de estudo houve um predomínio
maior do escravo africano negro, ao contrário da província
vizinha, onde o elemento pardo foi o que prevaleceu, o que
denota um elevado índice de miscigenação entre os escravos
ali encontrados. 6 A este respeito, o Professor José Crispin
da UFRN está estudando uma comunidade de "pretos retintos"
residentes na Colônia Boa-Vista, situada no município de
Paraíbas no sertão do Seridó. Em seu trabalho, ainda em an-
damento, o professor constatou que esta colônia não tem a
sua origem em uma formação quilomba, mas sim na "concentra-
ção de negros libertos em terras livres e disponíveis". É
interessante notar que ainda hoje a cor é preservada, como
se ela fosse um sinal de sua cultura. 7

Como também ocorreu no sertão do S. Francisco, não1


encontramos, na nossa pesquisa, qualquer indício de uma es-
cravidão insurrente ou mesmo elementos cativos agressivos
no Seridó. Os relatórios dos chefes de polícia, inclusive,
são omissos com referência à presença do escravo norte-rio-
grandense, a não ser nos esporádicos censos populacionais.
A única referência ã "rebeldia" de escravos foi
encontrada em um anexo do inventário de Manuel Batista Pe-
reira, processado em 08/07/1847. No pedido do alvará de li-
1122

cença para vender o escravo João pertencente ao seu sobri-


nho tutelado, o órfão José Eustáquio de Araújo Gama, o Co-
ronel Antonio Aladim de Araújo declara que este escravo e o
escravo Lourenço pertencente a ele próprio são acusados de
roubo. No entanto, o fato de serem levados para serem "a-
mansados" no açoite e terem confessado, não significa que
foram realmente os autoras do roubo. A acusação torna-se
ainda mais fragilizada se considerarmos a idade dos escra-
vos (abaixo de 20 anos) e o alto preço em que foram avalia-
dos (1 200$000 e 1 400$000) em um período de franca campa-
nha abolicionista, quando o valor médio do escravo na re-
gião era de 630$ para os inventários e nas escrituras de
g
compra e venda não alcançava 700$ (ver Gráfico XIII )

Quanto ãs atividades desenvolvidas pelo escravo,


utilizamos basicamente o quadro de matrícula dos escravos
nas estações fiscais e o censo de 1872. Os inventariantes
não são constantes em suas especificações sobre as aptidões
dos escravos, o que nos leva a supor que a mão-de-obra es-
i
crava, na V. do Príncipe, era ocupada indiscriminadamente,
onde fosse necessária.
Infelizmente, nem nos inventários (dos 650 escra-
vos declarados, apenas 13 tiveram suas profissões declara-
das) , nem nas escrituras de compra e venda e nem nas cartas
de alforrias, a especificação do cativo para o trabalho foi
registrada.

Pelo Quad-XXXIII, observa-se uma distribuição do


trabalho escravo nas diferentes atividades da vida econômi-
ca da região.
As escravas se destacavam nos serviços domésticos,
como cozinheiras e costureiras. Domar cavalos, construir
cercas para proteger as plantações, abrir cacimbas para a-
bastecimento de água para o rebanho, preparar o solo para o
plantio, serviços de pedreiro, eram alguns dos ofícios en-
tregues ao negro escravo.

Além dos lavradores, criadores e artistas, encon-


tramos, entre as profissões ou ocupações mais comuns, os
123

escravos de ganho, conhecidos também como jornaleiros. Os


jornaleiros eram aqueles escravos que trocavam a sua força
de trabalho por alimentos ou por pequenas pagas - os pecú-
lios. N o Quadro XXXIII eles representavam 24,1% dos matricu-
lados e 2,9% dos escravos recenseados na região.

Nos inventários, estes escravos de ganho ou jorna-


leiros (atividade que também era exercida pelas mulheres)
identificam-se como trabalhadores que, ao prestar serviço a
uma outra pessoa, recebem, em troca, uma quantia chamada pe-
cúlio, qu<- irá possibilitar-lhes, possivelmente, a compra
de sua liberdade.
Kátia Mattoso afirma que:

... a e s p e c i a l i z a ç ã o d o e s c r a v o é d e t e r m i n a d a s e g u n d o as ne-
c e s s i d a d e s d o m e r c a d o ou a b o a v o n t a d e d o s e n h o r . 0 e s c r a v o ,é
às v e z e s , a l u g a d o ao d i a , ã s e m a n a , a o m e s , ao a n o o u p o r m a i s
tempo (...) Para prazos curtos o c o n t r a t o é v e r b a l ; para os
p e r í o d o s m a i s l o n g o s é f e i t o u m r e g i s t r o em c a r t ó r i o . O s es-
c r a v o s q u e t r a b a l h a m n a s c i d a d e s , p o d e m ser v e r d a d e i r o s assa-
lariados e perceber um ganho diário, que devem reverter por
c o m p l e t o ao s e u s e n h o r ( . . . ) a m e n o s q u e e s t e r e s o l v a lhe dar
uma gratificação.^

QUADRO XXXIII •
PROFISSÕES RURAIS DOS ESCRAVOS NO SERTÃO DO SERIDÓ - 187 2

MATRICULADOS % RECENSEADOS % LIVRES


AGRICULTORES 410 16,5 LAVRADORES/CRIADORES 491 18,7 9063
ARTISTAS 1058 42,5 CRIADORES/JORNALEIROS 77 2,9 579
JORNALEIROS 598 24,1 COSTUREIRA 135 5,1 1418
SERVI ÇD/DOMÉSTICO SERVIÇO DOMÉSTICO
- - 378 14,4 3553
SEM PROFISSÃO 419 16,9 OPERÁRIOS EM METAL 5 ' 0,2 83
OPERÁRIOS EM MADEIRA 9 0,4
245
OPERÁRIOS EM EDIFICA 8
0,3 129
SEM PROFISSÃO 438 16,7 9981
OUTRAS - 1517 -

NÃO ESPECIFICADOS 1083 41 ,3 2763


TOTAL 2485 TOTAL 2624 27813
Fonte: A.N. Quadro estatístico do n 9 d e escravos matriculados nas es-
tações fiscais
I B G E - C e n s o 1872 - D i r e t o r i a geral de e s t a t í s t i c a , vol II p.
49/60
A m b o s i n c l u i n d o os m u n i c í p i o s de Jardim, Acarí e Príncipe
124

Assim foi que ficou registrado no inventário de


"Domingos Teixeira da Fonseca em sua relação de dividas
passivas, a quantia de 40$000 a escrava Sebastiana; 60$000
a Gaudêncio e a Rosário 140$000/ todos escravos pertencen-
tes a José Joaquim. Devia ainda a Felícia 180$000/ escrava
de Manoel Batista de Aguiar".
***
"Guilhermina Senhoria de'Medeiros, devia ã escrava
do Cel Ezequiel de Araújo Fernandes, 10$000". Manuel Guedes
do Nascimento, inventariante e esposo de Francisca Guedes
do Nascimento, recebe da Josefa (22 anos) a quantia de
899$992 pelo valor de liberdade paga com o seu pecúlio (a
escrava havia sido avaliada, no inventário, por 400$000);
do escravo Elizeu (24 anos) a quantia de 599%991 pelo valor
da sua liberdade paga com o seu pecúlio (o escravo havia
sido avaliado para fins de inventário em 600$000); do es-
cravo Nicolau (34 anos) a quantia de 155$037 pelo valor da
sua liberdade paga com o seu pecúlio (o escravo, com pouca
vista, foi avaliado para fins do inventário em 400$000).10
É interessante ressaltar que o preço do escravo a-
valiado nos inventários, nem sempre correspondia ao seu va-
lor real. No momento da negociação (quer venda, quer manu-
missãõ) é que o valor era estipulado, segundo as necessida-
des do senhor.

Já no inventário de Josefa Maria da Conceição, en-


tre as suas dívidas passivas, encontramos a que se refere
ao escravo Vicente, "a quantia de 13$500, provenientes de
gêneros alimentícios". No inventário de Izabel Maria da
Conceição, consta a dívida da inventariada para com os es-
cravos "Joaquim de 14$000, Daniel Fonseca 14$000 (ambos com
idade entre 20 e 25 anos)" o que nos leva a crer terem sido
dívidas de alguma atividade ligada a lavoura ou a pecuária.
Ana Suzana devia "as suas escravas Felismina 2$000 e Clara
5$000 por serviços prestados". Já Manoel Felipe Franco "de-
via ao seu escravo Romualdo 200$000", sem especificar o
serviço realizado. 0 padre Gil Braz de Maria Santíssima de-
via "a escrava Brazilina por tres bois 120$000; ao escravo
negro Juvenal por tres bois 140$000, e ao escravo negro Jo-
125

aquim por um boi 4 0$000" . 11


Entro as cartas de alforrias contidas nos livros
de notas do 19 Cartório de Caicó , destacamos a dos "escra-
vos Antonio e Tereza (ambos com idade avançada, achacados e
com moléstias) que pertenciam ao Cap José Raimundo Vieira".
0 casal de escravos t^ve a sua liberdade, sob a condição de
acompanhar e servir ao seu senhor até á sua morte e, após
"pagarem 800$000 pelo seu valor com recursos que serão re-
tirados da sua terça"}^

O jurista Perdigão Malheiro, na segunda metade do


século XIX, declarava que "não é raro sobretudo no campo,
ver entre nós cultivarem escravos para si terras nas fazen-
das dos senhores, de consentimento destes; fazem seus todos
13
os frutos que sao seu pecúlio".

Os registros nas dívidas passivas dos inventaria-


dos e nas cartas de alforria nos levam a apurar que o es-
cravo do Seridó estava, no final do século XIX, engajado na
i ^
produção de alimentos e no trato cora a pecuaria de maneira
rnuito específica. Não podemos afirmar que a produção da sua
lavoura fosse capaz de abastecer um mercado do local, ou
mesmo que eles participassem deste comércio, pois faltam-
-nos dados que comprovem esta tese. Mas a.concessão de uma
parcela de terra para cultivar o seu próprio alimento e,
algumas vezes, poder comercializar o seu pequeno excedente,
fica patente nesta documentação. Por outro lado, o acesso à
posse de cabeças de gado (a maior riqueza da região) nos
sugere uma relação escravo/senhor muito flexível, em uma
região sertaneja escravista, contrariando mais uma vez a
historiografia tradicional.

A situação econômica da região, basicamente de


subsistência, o precário estado da agricultura pouco desen-
volvida e as periódicas secas, que ocasionavam uma queda
muito grande na taxa média dos lucros dos proprietários de
escravos no Seridó, dificultavam a manutenção de um grande
plantei. Muitas vezes o capital empatado na compra de es-
cravos era necessário para saldar alguma dívida ou mesmo
1126

melhorar o nível de vida da família. Como ocorreu em


09/02/1869, quando Trajano José de Oliveira e Manuela Maria
de Jesus permutaram "uma escrava de 10 anos (crioula) por 1
parte de terra de criar ao nascente do rio Barra Nova com
200 braças de terras, com casa de taipa, açude e benfeito-
rias no sitio Caiçara, incluindo porção de madeira e tijo-
los".1A **

O inventário da liberta Mariana (anexo II) nos per-


mite avançar um pouco mais nesta discussão, surgindo como
um dado novo desta sociedade escravista do sertão do Seri-
dó. A posse legal do bem (no caso, 11 cabeças de gado) com
direito a legar nos reporta a uma firme posição de direito
adquirido, por uma ex-escrava, nesta sociedade estruturada
pelo escravismo colonial, onde o próprio escravo já repre -
sentava um bem possuido por alguém de direito. Ora, a posse
de cabeças de gado requer terra,pasto para a sua manutenção
e é justamente nesta concessão, neste acesso ã parcela de
terra para cultivar ou mesmo para soltar o gado, que nós
consideramos que o trabalho realizado pelo escravo no ser-
tão do Seridó não fugia aos padrões das demais regiões bra-
sileiras. TAmbém no sertão da Província do Rio Grande do
Norte se fazia presente uma forma de "brecha camponesa".

Tadeusz Lepkowiski considerou a "expressão" "bre-


cha camponesa" para exprimir a existência de atividades que,
nas colônias escravistas, escapavam ao sistema de "planta-
tion" entendido em sentido estrito. Este autor percebia du-
as modalidades de "brecha camponesa": 1) a economia de sub-
sistência independente que os negros fugidos organizavam
nos quilombos; 2) os pequenos lotes de terra concedidos em
usufruto nas fazendas, aos escravos não domésticos, criando
uma espécie de "mosaico camponês-escravo"J^
Para Sidney Mintz, citado por Ciro Cardoso, as mo-
dalidades de atividades camponesas possíveis sob o sistema
escravista do tipo colonial são: camponeses não proprietá-
rios, onde estão englobados os posseiros, arrendatários,
moradores e parceiros; camponeses proprietários, atividades
camponesas nos quilombos e o protocampesinato escravo.1
127

É justamente este protocampesinato escravo que va-


mos considerar no Seridó. Esta modalidade de "brecha campo-
nesa" de forma alguma coloca em dúvida o sistema escravis-
ta, uma vez que o escravo continua a depender do sustento
do senhor. Aquela produção do seu lote de terra, mesmo em
quantidade que permitisse negociá-la, correspondia a um
complemento de suas necessidades. Por outro lado, esta prá-
tica foi usada pelos senhores estritamente para minimizar
seus gastos para com o escravo e também, como mecanismo de
controle, para impedir a fuga, no momento em que o escravo
passa a ter apego a sua parcela de terra cultivada. Assim,
se o protocampesinato foi uma conquista do escravo dentro
do sistema escravista colonial, esta conquista representou
para o senhor uma maneira de reforçá-lo, barateando os cus-
tos de produção e a manutenção da mão-de-obra, numa região
caracterizada pela agricultura de subsistência, como foi o
sertão do Seridó no final do século XIX.

É inegável que a "brecha camponesa" representou um


papel importante na transição da mão-de-obra escrava para a
mão-de-obra livre, com a crescente conscientização do ne-
gro da importância do seu trabalho para a economia local, a-
lém de lhe permitir um início de acumulação de capital.

A porcentagem do valor dos escravos sobre o patri-


mônio total nos dá uma noção mais precisa do peso do escra-
vo na economia local. Para esta análise, consideramos todos
os inventariados (possuidores e despossuidos de terras) e
calculamos a percentagem do número total de inventários,
xde bem
para cada década e em cada tipo*-" (gado e escravos e 'ter-
ras para os senhores de propriedades rurais, e gado e es-
cravos para os trabalhadores de terra alheia).
Quadro XXXIV - PESO DO VALOR DA TERRA, DO GADO E DO ESCRAVO
NA FORMAÇÃO DA FORTUNA NOS INVENTÁRIOS DOS PROPRIETÁRIOS E
NÃO PROPRIETÁRIOS DE TERRAS DA VILA DO PRÍNCIPE - 18 50/1890

com terras* total de . sem teeras total


década
inventários gado escravos •: de
inven -
% % %
tãrios

1850/60 20 33,3 60 12 29,3 5 12,2 17


1860/7 0 13 •39,6 58 7 17,1 3 7-/3 10
187 0/80 19 24,6 77 11 26,9 1 2.4 12
1880/90 1 • 1,4 72 2 4,8 ~ 2

total 63 '23,6 267 32 78,1 9 21,9 41

Fonte: *Dados retirados do Quadro XXVII e inventários p o s t-


raòrtem - 18 5 0 / 1 8 9 0

. J-jntão, vemos, através do Quadro XXXIV, que, dos 60


inventariados proprietários de terras da década de 50, em 20
processos, a mão-de-obra escrava '.representava 33,3% da fortuna
deixada a seus herdeiros. Na década de 60, foram 58 inventaria-
dos levantados, e esta per contagem subiu um pouco mais, foi pa-
ia 23 inventários, o que correpondia a 3 9,6% do monte • desses
processos. Nos anos 7 0, 'hã uma queda vertiginosa na populaçao es_
crava, não só pela evasão do trafico in terprovinc ial , como pe-
las alforrias concedidas e/ou compradas. Z^ssim, nesta ''década,
apenas 9 proprietários de terras possuíam escravos, que repre -
sentavam 24,6% -do valor total de suas fortunas. Vale ressaltar
que, também nesta época, o preço médio do escravo caiu muito,
J
fator que muito contribuiu para esta baixa percentagem do va-
lor do escravo no monte final do inventário, entre 187 0 e 1880.
Finalmente, na década d e 80, apenas um senhor de terras inven-
tariado mantinha escravos em suas propriedades, correspondendo o
seu valor a 1,4% do monte final. Neste período, urna outra mer-
cadoria valiosa despontava na formação de fortunas, a terra.
Entre os não proprietários de terras, a posse e uti-
lização da mão-de-obra escrava foi mais representativa na década de
$0, quando, em 5 inventários, o valor dessa força de trabalho re-
presentava 12,2% do monte total. Na década de 7 0, apenas um nao
proprietário de terra tinha escravo.

O PREÇO DA MÃO -pE-OBRA

Para o cálculo da variação do preço do escravo nos


inventários, tomamos como base o preço de um escravo homem, en-
tre 18 e 25 anos. O preço máximo alcançado pelo escravo, nesta
fonte, foi de 1.600$ 000 , no período 1855/18 59. O preço mínimo
foi registrado no último período dos limites temporais da nossa
1
pesquisa, 188 5/18 90, quando chegou a 2 00$ 000, tendo perdido todo
o seu valor de mercado. Esta baixa do valor mínimo do escravo co-
meçou a se acentuar ã partir do período 1870/74, quando caiu de
800$000 para 600$ 000rs. Já para o valor máximo, houve uma queda
de 1. 500$ 000 para 1. 000$000 do período 1860/64 para 1865/69. No
período seguinte (187:0/74 ), houve uma recuperação, chegando o
preço máximo aos 1.500$ 000 novamente. Mas, apôs este último pe-
ríodo, o preço máximo do escravo foi sofrendo uma baixa gradati-
va (ver Quadro XXXV).

Quadro XXXV - PREÇO DO ESCRAVO ENTRE 18 e 25 ANOS NA VILA DO


vy PRÍNCIPE

3 ANOS PREÇO MÍNIMO PREÇO MÁXIMO

1 18 50/1854 2 50$ 000 1000$000


1
I 1855/1859
1860/1864
3 0 0$ 0 00
7 0 0$ 0 0 0
1600$ 000
1500$ 000
I 1865/1869 8 00$ 0Ò0 1000$ 000
187 0/1874 600$ 000 1500$ 000
187 5/187 9 3 00$ 000 9 00$ 00 0
188 0/188 4 3 00$ 000 800$ 000
188 5/18 88 2 00$ 000 900$ 000

Fonte: Inventários p o s t - m o r t em - 18 5 0 / 1 8 8 8
130

O preço do escravo na V. do Príncipe mostrou-se,


através desta 'fonte, mais elevado do que em outras regiões
do Nordeste. Foi. pequena a diferença do preço do escravo em
Campina Grande e Recife, mas no Município da V. do Príncipe
ele se mostrou mais valioso em determinado período. Já, em
relação aos preços alcançados pelos escravos do Sudeste,
esta diferença é muito significativa. ( Ver Quadro XXXVI )

Quadro XXXVI - PREÇOS COMPARATIVOS EM MIL RÉIS DOS ESCRAVOS


NA VILA DO PRÍNCIPE, CAMPINA GRANDE, RECIFE E RIO CLARO(SP)
1854/1888 )

ANOS CAICÓ CAMPINA GRANDE RECIFE RIO CLARO

1854/1857 300$ - 1000$ 500$ 450$ - 500$ 550$ - 650$

1858/1871 650$ - 1600$ 1000$ - 1500$ 700$ - 1400$ 1177$

1872/1884 300$ - 1000$ 800$ - 1000$ 400$ - 886$ 1800$ - 2000$

1885/1888 200$ - 900$ 100$ - 600$ 283$ 900$


Fonte: P a r a V. d o P r í n c i p e - I n v e n t á r i o s p o s t - m o r t e m 1850/1888
Para as d e m a i s r e g i õ e s : V i a n a , M a r l y - o p . c i t . p . 63 Q u a d r o VIII

O maior valor alcançado pelo escravo sertanejo foi


1 .600 $000 entre 1 858/1871 , em Campina Grande; durante o
mesmo período, também foi quando o escravo agrestino teve o
melhor preço, valendo 1.500$000. Para a capital da provín-
cia pernambucana, o maior valor que o escravo ali atingiu
foi 1.400$000. Mas, em Rio Claro, zona cafeeira do sudeste,
ro período de 1872/1884, esta força de trabalho chegou a va-
ler 2.000$000.

O preço deste escravo sertanejo é melhor analisado


com o cálculo do seu valor médio, através dos inventários
(preço de avaliação) e das escrituras de compra e venda de
escravos (preço de mercado). Para essas considerações, tra-
balharemos com preço médio de escravos e escravas (ver Gráfico XII

O valor médio nas escrituras de compra e venda te-


ve o seu período mais elevado em fins da década de 50,
quando atingiu 1.160$000rs , que correspondeu à mais alta
GRÁFICO XIII

VALOR MÉDIO DO ESCRAVO ENTRE 15.E 45 ANOS, SEGUNDO


OS INVENTÁRIOS E AS ESCRITURAS DE COMPRA E VENDA
NO PERÍODO 1850/1888 NA VILA DO PRÍNCIPE .

LEGENDA

INVENTÁRIOS
Mulheres

ESCRITURAS Homens -•
Mulheres

" 1850/55 1856/60 1861/65 1866/70 1871/75 1876/80 1881/08 (PERÍODOS)

tinte: Inventários post-mortem e escrituras de compra e venda - 1850/1888


1132

avaliação média entre as escravas negociadas. Já os homens,


neste mesmo documento, tiveram o seu preço médio mais alto,
em torno de 1 .060$000' . •
Nos inventários, o preço médio dos escravos seri-
doenses foi mais regular. Para os homens, atingiu 875$000
e para as mulheres, 850$000rs .
•Mi

A primeira queda do preço do escravo na região o-


correu no mesmo período em ambas as fontes, ou seja, de
1861 a 1865.
Se consultarmos o Quadro das moléstias que afeta-
vam a população ( Anexo III Capl),constataremos, neste pe-
ríodo, duas grandes crises demográficas que atingiram tam-
bém o rebanho, caracterizando assim uma economia constante-
mente vulnerável, daí a queda desses preços.

No período seguinte (1866/70), há um franco aumen-


to do preço médio dos escravos nos inventários, apesar de
uma ligeira queda na valorização média do escravo negociado
i
através das escrituras de compra e venda de 1.060$000rs pa-
ra 9 75$000rs.
Entre os anos de 1871 a 187*5, o escravo negociado
é o único que sofre uma ligeira alta no seu preço médio, de
975$000rs para 980$000rs. No entanto, registrou-se, neste
período, uma baixa vertiginosa nos valores médios das es-
cravas negociadas (de 980$000 para 620$000rs), das cativas
avaliadas nos inventários (de 880$000rs para 650$000rs, e
de 790$000rs para 530$000rs, respectivamente). Este período
pré-seca (77/79) foi muito crítico para a economia local a-
lém de ter sido o período de maior incidência de negocia-
ções realizadas com escravos (ver Quadro XXXVIII ).

À partir deste período, registrou-se uma queda


pronunciada nos valores médios do escravo negociado (de
650$000rs para 320$000rs), tendo as demais categorias uma
baixa mais moderada. Interessante foi que as mulheres che-
garam a ter seu valor médio, tanto nos inventários como nas
escrituras, em torno de 350$000rs, durante o último perío-
do, de 1881 a 1888. Já entre os escravos, este é o único
133

momento em que a sua valorização nos inventários é superior


á das escrituras, ou seja, 4 00$000rs naqueles e 37 0$000rs
nestas fontes. Neste período, minado pela campanha aboli-
cionista, o valor médio do escravo seridoense é muito bai-
xo, assim como o nümejro de escrituras assinadas, quatro pa-
ra um período de 7 anos, sendo que apenas um escravo é ven-
dido para fora da província.
Nota-se ainda, no Gráfico XIII, a grande diferen-
ça entre o valor médio do escravo nos inventários e o valor
real de mercado. O preço médio dos escravos negociados é
mais regular que das cativas.

O DECLÍNIO DA MÃO-DE-OBRA ESCRAVA

Para ; melhor entendermos o gradativo declínio da


utilização da mão-de-obra., escrava em nosso município, uti-
lizaremos dos dados ciferecidos pelos inventários, pelas es-
crituras de compra e venda de escravos, pelas quotas de
distribuição do fundo de emancipação, pelos relatórios de-
Presidentes de Província.
O estudo dos processos "post-mortem" acusa uma
diferença para mais 2 0,8%, no período de 187 0/1888, dos
inventariados sem escravos a declarar, em relação ao pri-
meiro período (1850/1869) (ver Quadro XXXVII). No segundo
período, este plantei ficou reduzido a três inventariados ,
com, no máximo, 15 escravos.
• A crise que se abateu sobre a região, na década
de 70, antes mesmo da grande seca, também pode ser sentida
nestes dados. A grande maioria dos proprietários do Seridõ
empregavam até 5 escravos em suas terras como força-de-tra-
balho cativa em suas terras, durante o período de 187 0/1888.
QuadroXXXVIII-DESTINO DOS ESCRAVOS NEGOCIADOS NA VILA DO PRÍNCIPE - 1850/1888

\DSSTINO DO FORA DA PROVÍNCIA


DENTRO DA PROVÍNCIA

\ESCRAVO SÍTIO SÍTIO VILA VHA NAO


PARA PARA PAPA PARA PARAÍBA • CEARÁ PERNAMBUCO OUTRAS TOTAL
ESPECIFICADO
SÍTIO VILA SÍTIO VILA
PERÍODO

1850 A 1855 12 4 2 6 1 2 - - 2 29

1856 A 1860 5 2 3 - 1 - - -
_ F 11

1861 A 1865 11 6 1 6 5 - - 1* 1 31

1866 A 1870 21 12 10 4 6 6 - - 59

1871 A 1875 40 19 2 14 11 - 5 1 ** 2 94

1876 A 1830 22 14 2 5 - - 2 1 *** 3 49

1881 A 1888 - 2 - 1 1 I - - - - 4

I
TOTAL 111 59 20 36 25 2 13 3 8 277

* I m p é r i o da França Fonte: Escrituras de c o m p r a e v e n d a de escravos - 1850/1888 - 19 C a r t ó r i o de


** Piauí ' Ofícios de Caicó
*** Bahia
135

Quadro XXXVII-PROPORÇÃO DE ESCRAVOS POR INVENTÁRIO NO SERIDÕ


1850/1880

QUANTIDADE 1850/1869 1870/1888


DE ESCRAVOS N9 DE INVENTÁRIOS % N9 DE INVENTÁRIOS % DIFERENÇA

0 58 . 39,7 98 60,5 +20,8


1 a 5 61 41,8 55 33,9 - 7,9
6 a 10 14 9,6 6 3,7 - 5,9
11 a 15 9 6,1 3 1,9 - 4,2
16 a 20 2 1,4 - - - 1,4
ACIMA DE 21 2 1,4 - - - 1,4
«
TOTAL 146 100 162 100
Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1888

Já nas 252 escrituras de compra e venda de escra-


vos, existentes nos livros de notas do 19 Cartório de Cai-
có, constam 277 escravos negociados. Destes, 43 foram reme-
tidos para fora da província de forma oficializada, o que é
um número bastante reduzido. ( Ver Quadro XXXVIII )

Mas, o quadro geral da movimentação da população


escrava incluída no relatório do presidente Passos de Mi-
randa, em 08/10/1876, registra, para a província norte-rio-
grandense, um total de 15.818 escravos saídos da província
até o ano 1 875-. Dentre as províncias que mais cativos rece-
beram da do Rio Grande do Norte, sobressaíram: a do Paraí-
ba, com 6.4 35 escravos, seguida pela de Pernambuco, com
5.928, a de São Paulo, com 1.554, e a do Ceará, que recebeu
1.277 escravos.17

Pela precariedade de fontes existentes nos arqui-


vos públicos sobre a província do Rio Grande do Norte, não
nos será possível aprofundar a discussão. A relação dos es-
cravos despachados para fora da província ou,o seu imposto
de exportação seria um documento que nos ajudaria a enten-
der melhor o verdadeiro desempenho do sertão seridoense ou
mesmo da província, no fornecimento de mão-de-obra para as
136

lavouras do sul. Mas os dados acima jã nos dão uma idéia do


que representou, em termos de declínio de mão-de-obra es
crava, o tráfico interprovincial de cativos para a provín -
cia do Rio Grande do Norte.
Por outro lado, ao observar -se o Quadro XXXIX, no
ta-se que o declínio da'população escrava na província em
relação ao sertão do Seridó foi mais brusco. Em 1888, o Se-
ridó possuía 27,3% de toda a população cativa da Província
que somava apenas 4 82 escravos, o que significava um total
ínfimo mas, a percentagem do sertão representava, possivel-
mente, uma certa resistência no sertão ã abolição do regime
escravista,seja pela necessidade da mão-de-obra mais econô-
roica, seja pela manutenção das relações sociais que se cris
talizaram na região. Ressalta-se o fato de que, a despeito
das crises por que passaram os proprietários sertanejos nor
te-riograndenses, tenham encontrado condições de manter . a
mão-de-obra escrava, até a promulgação da Lei Áurea.
1137

Quadro XXXIX - POPULAÇÃO ESCRAVA EXISTENTE NA PROVÍNCIA E NO


SERTÃO DO SERIDÕ - 1855/1888

PROVÍNCIA RIO GRANDE DO NORTE SERID0 %

(1) 1855 20.244 2.179 10,7

(2) 1872 -. .13.484 2.624* 19,4 •

(3) 1873 10.282 1 .969 19,1 -

(3) 1 881 9.367 1 .905 20,3

(4) 1882 9.109 1 .298 14,2

(5) 1 883 8.807 1 .160 13,1

(5) 1884 7.627 885 11 ,é

(6) 1 887 - 2.161 -

(6) 1888 482 (732) 27,3 .

Fonte: (1) Ar r o l a m e n t o do c h e f e d e p o l í c i a - R . P . P . L e ã o V e l l o s o
1 6 / 0 2 / 1 8 6 2 - p. 6 - A . N .
(2) C e n s o cie 1872 - I B G E
* ã p a r t i r d e s t e a n o , c o n s t a m as m a t r í c u l a s das a g ê n c i a s do
Príncipe, Acary e Jardim
(3) R . P . P . S á t i r o d e O l i v e i r a - 1 6 / 0 3 / 1 8 8 2 v o l . 13 - A . E . N .
(4) R . P . P . C u n h a B a r r e t o - 0 9 / 0 2 / 1 8 8 3 p. 15 - A . N .
(5) R . P . P . C o r r ê a de A r a ú j o - 0 8 / 0 6 / 1 8 8 5 p . 23 - A . N .
(6) R . P . P . A m i n t a s de C o s t a B a r r o s - 1 3 / 0 9 / 1 8 8 8 p . 10 - B.N.

A historia da economia da Província do Rio Grande


do Norte esteve dividida, como vimos, entre a pecuária no
sertão e a cultura da cana-de-açúcar no litoral. Em decor- //
rência da conjuntura externa desfavorável, a produção de
cana-de-açúcar da Província e do Império, na segunda metade
do século XIX, esteve em profunda crise, devido aos bons
preços que o açúcar da beterraba conquistou nos mercados
internacionais, diminuindo consideravelmente as exportações
do açúcar brasileiro. Por outro lado, o desenvolvimento da
cultura do café nas Províncias do sul (vale do Paraíba e
oeste paulista) fez com que a vendei de escravos para esta
região se tornasse um atrativo para os escravagistas lo-
138
cais .

£ verdade que esta participação se torna cada vez


menor ao final do nosso período, como podemos constatar pe-
los dados que nos são fornecidos através do fundo de eman-
cipação. Verifica-se, pelos mesmos, que a quota federal,
nos anos de 1 878, 1082 e 1083, é sempre mais elevadc- para a
região sertaneja (Quadros XXXIX e XL ).

Quadro XL
Distribuição no Kio Grandé* do Norte das quotas do fundo cie
emancipação ocorridas nos anos de 1878, 180?. e 1883 .
«tnicípios Ano de 1878 • Ano de 1002 Ano de 18 8 3
1K> do Er.cr Despc.su W<? de F.scr Despesa N9 do Escr Desoesa
«atai 22 A 8*900 11 33505000 | 13 623G $92 8
-A
I. Joiié do MipibC 2987 580 13 7 512 $ 7 4 2 19 9 4 27$757
"jípTry 3 4 4 5 $ 416 11 <) 4 11$ 9 6 7
(jr.qo.iret aip.a ] 3*/'.)?000 30 4 825$]82 1'. 6 5 4 8$ 4 2 9 '
Crará iíirim 2300ç.000 10 7 310 $ 0 0 0 14 ~8 29 9 $1*71 \
Touro 3 >00 5.000 14005000 14 0Õ$ÕÔ"cTT"~1
Rjcau 519^225 1449$225 17 9 9$223 \
Angico;: T2T4T9ÍÕ 10 2 4 4 G $ 8 0 5 12 3061$403 'I
Jàidjin 1578$043 ~iõ~ 3888$]13 12 4 G 8 8 $ 1. ]. 3
,/xary 1735$700 10 3537$200 13 4744$700
C.u.inbfis G 6 5 $ l i 0 0 3 653*000 5 2'0 2'5$ 50 0
TÕTÕíOOÕ 2005$000 15 4 04.1 $26 4
íj.-.t'Ana do Mattos ] 0 5 (i >000 3 050$000 2900$000
Píiu dos Perros 2270$000 3870$00 0 20 54 30 $ ú 0 0
Irpcriitri ü 2000$500 3 G 31 $ 4 2 8 14 6 4 31 $ 4 2.6
Príncipe 3336.>847 20 8 5 5 5 $ 3 4 7 2G XI334$847
Triurr.pho " W G o o õ 1700$000 2 00 0 $0 0 0
GoiarviiVan 11 5550$7Í0Õ~ 13 654 7.} 420 !
Kosucro 1757$52 0 2107$32 0
Apody 2000$000 2000ÍC00
Pnr Lc' Al c^rc 94QÇOOO HTüfríT I
Kcv.i Cruz 9TÕ$oT)TT í
Kiciiiba 114 0$ 9 9 G i
/.rcr. 22 5$ i r\ 0
r-, 0 0\

80 0'$ü0 0
Serra Negra
50 2 5.6 9 2 $ 2 0 161 75317$478 253 99Ü71$133
T0T.nl,

Fonte- 3 ncF.
Kcl. Min. A<j - »1oão Lins Vieira Sinir.ibú •• 1878
- Henrique Francisco d'Ávila - 1B62
v Afonso Augusto Moreira Pena - 1883

l
higiene) até a introdução gradativa de r^oãaliãades diferen-
ciadas de trabalho livre, embora ainda não traduzindo rela-
çõos de produção verdadeiramente capitalistas.

A 2\LFORRIA

^'Após a lei do Ventre Livre, de 28/09/1871, o es-


cravo passou a ter o direito de requerer a sua alforria,•ãs
custas de suas próprias economias , corno vimos anteriormen-
te.
A participação do escravo em atividades criativas
possibilitou-lho formar uni pecúlio em dinheiro, gado ou
bens imóveis, para a aquisição de sua liberdade. Este pecú-
lio, fruto de muitos anos.,de trabalho, muitas vezes, quando
o senhor se negava a conceder a alforria, o escravo o en-
tregava ao juiz local, que determinava seu valor e outorga-
va
va siia manumissao, caso o depósito fosse suficiente - sao
as conhecidas alforrias judiciais. Na V. do Príncipe, en-
contramos o caso da escrava Maria, de 35 anos, que requereu
sua liberdade, judicialmente, após o falecimento do senhor,
Cap. Manoel Pereira Monteiro, pagando em moeda corrente o
valor de 800$000rs "fruto do seu pecúlio em posse do Ex™°
Juiz da Comarca".
Ou então, o próprio administrador da propriedade
se incumbia desta parte, como ocorreu com a escrava Fran—
cisca, de 38 anos, pertencente a José Simões Santos, que
"pagou 500$000rs por sua liberdade com a condição de fide-
lidade e obediência de escrava até a morte de cada ura de
nós", com dinheiro e bens administrados por José Morais do
Nascimento.19
Entre as cartas de alforria arroladas no 19 Cartó-
rio (ver Quadro XLI ), 42% ou 111 manumissões foram pa-
140

gas. A titulo de exemplo, destacamos as cartas de liberdade


dos forros Anselmo (35 anos) que pagou 600$000rs pela sua
liberdade em moeda e bens; Gonçalo (27 anos) pagou
1.000$000rs da mesma forma; Inácia (50 anos) pagou 400$000
rs em "bens imóveis e algum dinheiro"; Clementina (25 anos)
pagou 300$000rs em moeda e bens; Josefa (40 anos) pagou
500$000rs "em gado e moeda".

Quadro XLI - CARTAS DE ALFORRIAS ARROLADAS NO SERIDÓ DURAN-

TE OS ANOS 1850/1808

TIPOS DE ALFORRIAS N9 ALFORRIAS N9 ALFORRIADOS %


GRATUITAS* 106 113 40,2

COMPRADAS OU PAGAS 111 11 1 42

CONDICIONAIS PAGAS 14 15 5,3

CONDICIONAIS GRATUITAS 31 33 11,7

POR TESTAMENTO 1 1 0,4


à
POR ATO JUDICIAL 1 1 0,4

TOTAL 264 274 1 00

* sem c o n d i ç ã o
Fonte: L i v r o de Notas n ? 25 a 38 - 1? C a r t ó r i o dc Caicó

Já em alguns .documentos, pode-se precisar melhor o


tipo de pecúlio que os escravos conseguiram juntar, como na
alforria do escravo Antonio., cuja liberdade lhe custou
300$000rs e 1 besta parida; Vicencia (16 anos) resgatou a
sua liberdade em dinheiro e 150$000rs em gado; Antonio (59
li
anos) pagou 400$000rs em bens de criar.

Para alguns escravos, no entanto, o pecúlio era


insuficiente para adquirir a sua liberdade de imediato, mas
um acordo selado verbalmente com o senhor lhe permitia qui-
tar o saldo das formas mais variadas.

Domingos (32 anos) pagou 200$000rs no ato da assi-


natura da carta de liberdade e "deverá pagar os 100$000rs
141

r.estantes em 3 pagamentos no prazo de 3 anos" ; Tereza (27


anos) pagou 100$000rs ao ser assinada a alforria, os outros
pagamentos no mesmo valor em janeiro próximo e o terceiro
em julho de 1884 e o quarto em janeiro de 1885"; o forro
José pagou 650$000rs no ato da assinatura e os "250$000rs
restantes pagará livre em serviços"; Jovina, cuja liberdade
custou 500$000rs "pagou 350$000rs e no fim de 2 anos pagará
a diferença".

Mas as reservas para alguns cativos eram bem va-


liosas, considerando a sua condição de escravo em área de
pecuária. É o caso da forra Angélica (4 0 anos) que pagou
com 4 vacas com crias a sua liberdade, que custou 140$000
rs; Gabriel (13 anos) teve a sua liberdade avaliada em 13
cabeças de gado; Rosár.ia conquistou a condição de liberta,
pagando em gado 80 0$000rs; Felina (15 anos) pagou com 12
cabeças de gado; Rosa conquistou a liberdade por 380$000rs
em moeda e 3 bois avaliados ern 52$000rs e 4 vacas avaliadas
em 332$0 00rs, totalizando 764$000rs; João (30 anos) con-
quistou a sua liberdade, assumindo uma dívida do seu senhor
de 40$G00rs> a Domingos Alves de Figuoredo por letra assina-
da mais uma égua e uma poldra; Rita (40 anos) pagou em gado
20
500$000rs pela sua liberdade.

As cartas de alforrias condicionais somam 4 5 no


Seridó, entre elas destacamos a da escrava Maria, de 30 a-
nos, que pagou 100$000rs pela sua liberdade, em 25/11/1853,
e teve como condição ter filhos escravos até a morte do seu
senhor. No entanto, a mais interessante é a carta de alfor-
ria da escrava Ana, de 55 anos, assinada em 06/03/1856. A
cláusula condicional reza 'que "pelos bons serviços c por a-
chaques de moléstias que ela padece, recebendo em paga uns
humildes bens que ela possui, perdoando-lhe pelo amor de
Deus o resto que poderia valer, ficando ela obrigada a ser-
vir-me enquanto eu for viva".? 1
142

Quadro XLII - CARTAS DE ALFORRIAS CONDICIONAIS ASSINADAS NAS


PROVÍNCIA DA PARAÍBA E NO SERTÃO DO SERIDÓ - RN - 1850/1888

ALFORRIAS ALFORRIAS
CLÁUSULAS % %
NA PARAÍBA NO SERIDO

TRAB. PARA 0 SENHOR ATÉ ABORTE 31 68,8 138 69,4

TRAB. PARA FILHOS OU PARENTES 7 15,6 13 6,5

CLÁUSULAS OUTRAS*
i;. 7 15,6 48 24,1

TOTAL 45 100 199 100


* "pelo tempo que me convier; acompanhar por 7 anos; servir ao filho
do p a d r e T a r g i n o enquanto convier; viver em m i n h a compania até os
25 a n o s ; ter filhos escravos até o dia de m i n h a morte".
Fonte: C a r t a s de a l f o r r i a s contidas nos Livros de N o t a s do 19 Cartório
de C a i c ó 1850/1888 e Galliza, Diana - op.cit. p. 156 Q u a d r o 38

Observando o Quadro XLII, fica patente que no Mu-


nicípio do Príncipe e na Província da Paraíba a cláusula
mais comum nas cartas de liberdade foi a de "acompanhar o
senhor até a sua morte".

Kátia Mattoso afirma que ao fazer

um e x a m e a t e n t o d o s m o t i v o s e d a s c o n d i ç õ e s p e l o s q u a i s era
d a d a a l i b e r d a d e , p e r m i t e v e r i f i c a r q u e t o d a s as c a r t a s que
p o s s u e m c l á u s u l a s de t e m p o e c o n d i ç õ e s s u s p c n s i v a s poderiam
ser i n c l u í d a s no rol d a s a l f o r r i a s p a g a s . P o d e m o s c o n s i d e r a r a
c o n d i ç ã o i m p o s t a a l i b e r d a d e do e s c r a v o c o m o u m a e s p é c i e de
p a g a m e n t o . A c o n d i ç ã o d e 'ser l i v r e a p ó s o f a l e c i m e n t o d o se-
n h o r ' , c r i a l o g o a i m a g e m de e s c r a v o s que s ã o l i b e r a d o s n o f i m
de sua ví.da, q u a n d o s u a s f a c u l d a d e s f í s i c a s e m e n t a i s eram
b a s t a n t e diininuídas.

Vale ressaltar que não encontramos, entre as 264


manumissões da V. do Príncipe, nenhuma com cláusulas sus-
pensivas.
As alforrias compradas foram pagas com recursos e-
conômicos do próprio escravo ou de seus parentes.

O Quadro XLIII nos revela que, no sertão do Seri-


dó, como na Província da Paraíba, o maior percentual coube
143

às manumissões pagas pelo próprio escravo, chegando, em


nossa região a 53,6% ou 67 cartas de liberdade.

Quadro XLIII - CARTAS DE LIBERDADE. COMPRADAS NA PROVÍNCIA DA


PARAÍBA E VILA DO PRÍNCIPE (RN) - 1850/1888

PARAÍBA(1) % SERIDÕ %

PELO ESCRAVO 199 73,7 67 53,6

POR PARENTES 22 8,2 11* 8,8

POR TERCEIROS 13 4,8 -

POR SOCIEDADES EMANCIPADORAS 7- 2, 6 -

SEM ESPECIFICAÇÃO •29 10,7 47 37,6

TOTAL 270 100 125 100


(1) A p r o f . D i a n a G a l l i z a p e s q u i s o u 8 m u n i c í p i o s na P r o v í n c i a parai-
bana
* 2 alforrias pagas pelo marido; 1 pelos filhos e 8 pela m ã e
Fonte: Dados c o n t i d o s í n o Quadro ( a l f o r r i a s c o m p r a d a s ou p a g a s e
alforrias condicionais pagas)
G a l l i z a , D i a n a - o p . c i t . - p. 147 Q u a d r o 36

De acordo com o quadro XLIV, das 137 cartas de li-


berdade do nosso município, foram concedidas a escravos com
idade acima de 45 anos, o que contraria a afirmativa de que
as alforrias eram concedidas com o intuito de se desfazer
de up.incapaz ou mesmo inútil. Ao contrário, a grande inci-
dência de alforrias nas faixas etárias mais aptas para o
trabalho (de 6 a 13 anos e, principalmente, de 14^a 4 5 anos)
só vem a confirmar a afirmativa das freqüentes necessidades
econômicas do senhor e o uso deste recurso para recuperar par
te do dinheiro investido em sua compra, ainda mais se levar-
mos em conta as constantes crises por que passou a região.

Essa tese torna-se incontestável quando observamos


que, das 264 cartas de alforrias registradas, 94 (35,6%)
foram na década de 60, quando o valor do escravo na V. do
Príncipe alcançou o seu preço máximo - 1.500$000rs (ver
Quadro XXXVI )
144

Nos anos 50, foram concedidas e/ou compradas 80


(30,3%) cartas de liberdade; já nos anos 70, foram regis-
tradas 81 (30,6%) alforrias, e, de 1880 a 1888, apenas 9
(3,5%) cartas de alforrias foram arroladas.

Quadro XLIV - IDADE DISCRIMINADA DOS LIBERTOS GRATUITAMENTE-


NAS CARTAS DE ALFORRIAS DO SERIDÓ - 1850/1888

N9 DE ALFORRIADOS
FAIXA ETÁRIA MASCULINO % FEMININO % TOTAL %

0 a 5 2 6,5 9 8,5 11 8

6 a 13 4 13 9 8,5 13 9,6

14 a 45 8 • 25,8 26 24,5 34 24 ,8

+ de 4 5 6 19,3 11 10,3 17 12,4.

NÃO ESPECIFICADO 11 35,4 51 48,2 62 45,2

TOTAL ! 31 100 106 100 137 100-

Fonte: D a d o s c o n t i d o s no Quadro X L I (cartas concedidas graciosamen-


te e a l f o r r i a s condicionais gratuitas)

A maioria de manumissões concedidas gratuitamente


ãs mulheres (77,3%) na V. do Príncipe está ligada, segundo
Kátia Mattoso, "ao fato de que elas têm, sobre o mercado de'
trabalho, um valor um pouco inferior ao valor do escravo
23
homem".
Admitimos que os dados oferecidos por esta fonte
não representam o universo, total para análise da extinção
da escravidão no Seridó, no entanto, muito contribuíram pa-
ra a redução da população escrava na região, além de ofere-
cer condições de um novo enfoque ao estudo da mentalidade
do senhor proprietário e da conflitante interdependência das
relações senhor/escravo, na sociedade escravista colonial
do sêc. XIX.

Com o exposto acima, a presença do escravo no ser-


tão da Província do Rio Grande do Norte, na segunda metade
145

do século passado, torna-se inquestionável.

Mesmo que a força de trabalho escravo no Municí-


pio do Príncipe não tenha sido, em números absolutos, mui-
to significativa em comparação a outras regiões brasilei-
ras, ela foi suficiente para podermos constatar o engaja-
mento dessa mão-de-okra na produção de alimentos. Por ou-,
tro lado, essa presença e participação atuante do escravo
na economia local reforçava o sistema colonial escravista
ali existente. A crise que esse sistema começou a atraves-
sar, em todo o Império, nos anos 50 (com a supressão do
tráfico de escravos) com a escassez e encarecimento dUeóta
mão-de-obra, na região nordestina, na década de 70, ela
alcançou o seu ponto máximo com o fornecimento de braços
escravos para as lavouras cafeeiras do Sudeste. Os culti-
vadores do Sul necessitavam e podiam pagar, por esta força
de trabalho, altos preços, enquanto que, no Nordeste, era
cada vez mais difícil mantê-la ou mesmo pagar por ela. Es-
ta desagregação paulatina transformou as relações de pro-
dução, ali assentadas, e propiciou o surgimento de formas
de trabalhadores livres muito próprias (ainda não total-
mente capitalistas), que subsistem até hoje no Seridó.

I
1.2 OS TRABALHADORES LIVRES

O sertão do Seridó teve o seu povoamento ligado ao


alargamento espontâneo da fronteira demográfica, fato que
também propiciou o surgimento de um campesinato que teve,
como tônica, o caráter precário e transitório do uso e
posse da terra.
As ativi.dades de subsistência e pastoril, que ca-
racterizaram a economia sertaneja da Província do Rio
Grande do Norte, da segunda metade do séc. XIX, muito con-
tribuíram para a não manutenção da força de trabalho es-
crava. Esta afirmação não implica, no entanto, em negar a
presença ativa do elemento escravo na pecuária seridoense,
162

como já comprovamos anteriormente.

De maneira geral, os escravos eram empregados na


agricultura, em serviços domésticos, como escravos de ga-
nho, apesar de muitos não possuírem uma ocupação específi-
ca. No censo de 1872, para a região do sertão, dos 2.624
escravos recenseados, 1.083, ou seja, 41,3%, não tinham
UU

profissão especificada, enquanto que 491, ou 18,7%. esta-


vam empregados como lavradores e criadores.
A esta mão-de-obra cativa era associado, nas pro-
priedades rurais do sertão, o trabalho executado pelo ele-
mento branco livre e despossuído de terras, que, juntos,
formavam um grupo de trabalhadores q.ue firmavam, com o
proprietário, acordos de trabalho, na maioria das vezes,
verbais.
Em 1848, havia, na região do Rio Piranhas, cerça
de 87 fazendas de gado com um reduzido rebanho anual de
920 cabeças de gado vacum e 200 de cavalar,"ocupando nos
seus afazeres iuns 71 escravos além dos vaqueiros e assala -
riados"; enquanto que, no litoral, "muitos senhores de en -
genhos que não têm senão 4 ou 5 escravos, entretanto têm 20,
0 A
25 e até 45 trabalhadores livres".

No sertão do Seridó, como em outras regiões do Im-


pério, as relações de produção escravistas foram cedendo
lugar às novas relações de produção não capitalistas, de
maneira gradual.

Esta passagem deu-se de maneira bem lenta, de for-


ma, inclusive, a coexistirem, na mesma unidade produtiva,
dois ou mais tipos de relações de produção.
No processo de inventário de Ernestina Leite de
Souza Araújo, encontramos, na relação de bens, o registro
de "diversas casinhas ocupadas por rendeiros e moradores"
em seu Sítio Pedra Branca. Ernestina Araújo possuía também
seis escravos com idades entre 16 e 35 anos.25

Tais indícios não nos levam a supor que se tenha


introduzido, de forma definitiva e geral, o trabalho as-
147

salariado, como afirmou Sérgio Silva, ao estudar as lavou-


ras cafeeiras de São Paulo, onde "com a imigração massiva,
o tiabalho escravo cedeu lugar ao trabalho assalariado nas
26
plantações de café".

De acordo com José de Souza Martins, após a crise


do escravismo, impôs-se o regime de colonato, que predomi-,
a.

nou, tanto na cultura da cana-de-àçúcar, quanto na do ca-


fé, na fase de transição:

n ã o p o d e ser d e f i n i d o (o c o l o n a t o ) , c o m o u m r e g i m e d e traba-
l h o a s s a l a r i a d o , já q u e o s a l á r i o e m d i n h e i r o e , n o processo
c a p i t a l i s t a de p r o d u ç ã o , a ú n i c a f o r m a de r e m u n e r a ç ã o d a f o r -
ça de t r a b a l h o , i s s o p o r q u e o c o l o n a t o se c a r a c t e r i z o u pela
c o m b i n a ç ã o d e t r ê s e l e m e n t o s : u m p a g a m e n t o f i x o p e l o t r a t o do
c a f e z a l , u m p a g a m e n t o p e l a q u a n t i d a d e de c a f é c o l h i d o e pro-
d u ç ã o d i r e t a de a l i m e n t o s , c o m o m e i o s de v i d a e c o m o e x c e d e n -
t e s c o m e r c i a l i z á v e i s p e l o p r ó p r i o t r a b a l h a d o r . A l é m do q u e , o
c o l o n o n ã o e r a um t r a b a l h a d o r i n d i v i d u a l , m a s s i m um traba-
l h a d o r f a m i l i a r . É, p o r é m , a p r o d u ç ã o d i r e t a d o s m e i o s de v i -
da com base no trabalho familiar, que i m p o s s i b i l i t a definir
e s s a s r e l a ç õ e s c o m o r e l a ç õ e s c a p i t a l i s t a s de p r o d u ç ã o . 2 7

As relações que existiram no sertão nordestino è,-


especificamente, no Seridó não podem, em nenhum momento, ser
consideradas do tipo capitalista. O trabalho familiar e o
direito a cultivar uma pequena parcela de terra para asse-
gurar sua subsistência descaracterizam este tipo de rela-
ção. Também não vamos encontrar, no Seridó, o colonato des-
crito para a região cafeeira do Sudeste.

Segundo Marx, citado por José de Souza Martins,

se o t r a b a l h a d o r p r o d u z , d i r e t a m e n t e , ao m e n o s u m a p a r t e dos
s e u s m e i o s d e v i d a , d e s t r ó i o c a r á t e r da s u a r e m u n e r a ç ã o , p o r -
q u e e n t r e g a ao c a p i t a l i s t a d i r e t a m e n t e , em f o r m a m a t e r i a l di-
v e r s a , o seu t r a b a l h o e x c e d e n t e . N e s t e c a s o , o t r a b a l h a d o r p o -
d e ser l i v r e , m a s n ã o f o r m a l m e n t e i g u a l , o q u e i m p e d e a clas-
sificação dessa relação como capitalista

Este quadro, no meio rural nordestino, ainda hoje


sub-siste em certas regiões e pode ser explicado:

... p e l a n e c e s s i d a d e de s e r e m m a n t i d o s b a i x o s os s a l á r i o s dos
t r a b a l h a d o r e s u r b a n o s , a fim de p e r m i t i r a a c u m u l a ç ã o na in-
d ú s t r i a ; a l é m d i s s o , é p r e c i s o q u e se m a n t e n h a m b a i x o s os p r e -
ç o s d o s p r o d u t o s a l i m e n t í c i o s , o q u e faz d e s v i a r a produção
164

destes bens dos e m p r e e n d i m e n t o s capitalistas para aqueles b a -


s e a d o s em r e l a ç õ e s n ã o c a p i t a l i s t a s ( . . . ) o n d e u m a v a s t a g a m a
de f a m í l i a s , sem n e n h u m a p r o p r i e d a d e o u p o s s u i n d o pequenas
e x t e n s õ e s , são o b r i g a d a s 1 u t i l i z á - l a s e x a u s t i v a m e n t e para
garantir o mínimo necessário à sobrevivência.29

A presença da mão-de-obra escrava no sertão forja-


va as relações de ^rabalho e mantinha as diferenças so-
ciais existentes entre o proprietário de escravos, o homem
livre pobre e o não possuidor de escravos e o próprio es-
cravo .

Com a redução da população escrava na região e a


crise que o sistema escravista atravessou a partir dos a-
nos 70, principalmente para as províncias nordestinas, com
o fornecimento de mão-de-obra para as lavouras cafeeiras
do sul, um novo ordenamento social tornou-se necessário
para que o controle econômico pudesse ser mantido pela
burguesia já estabelecida.

Nesta fase mais aguda da transição de relações de


trabalho escravo para o trabalho livre, cresceu muito o
número de trabalhadores pobres despossuídos. Com a lei de
1850, quando a terra foi transformada em mercadoria, a
posse de novas pequenas propriedades, como alternativa de
trabalho, por estes homens pobres, tornoq-se impossível.
Restava-lhes então colocar-se na dependência dos grandes
proprietários que permitiam, sem segurança alguma, traba-
lhar suas terras.

As formas de trabalhadores parcialmente assalaria-


dos já existentes se consolidaram e foram tomando conta do
mercado de trabalho, criando os mais diferentes tipos de
subordinação de mão-de-obra.
Dessa modalidades de trabalho livre do tra-
balhador familiar, do meeiro, do locatário, do rendeiro, do
agregado e do jornaleiro, na V. do Príncipe, entre 1850/
1890 é que trataremos nesta parte do trabalho. Para isso,
utilizamos dos dados oferecidos pelos inventários, pelas
escrituras de locação e relatórios presidenciais.
Inicialmente, vamos fazer algumas considerações
1 49

sobre a totalidade desta mão-de-obra livre.

Quadro XLV - NÚMERO DE INVENTÁRIOS POR DÉCADA EM QUE HÁ


INDÍCIOS DA PRESENÇA DE TRABALHADORES LIVRES - 1850/1890

FORMAS DE 1870/80 1880/90 TOTAL .• %


1850/60 1860/70
TRABALHO LIVRE

MORADOR 3 7 4 4 18 12,3

MEEIRO 2 3 5 5 15 10,3

LOCATÁRIO 7 9 6 1 23 15,7

R1SNDEIRO 3 7 8 3 21 14,3
AGREGADO 15 5 4 17 41 28,2

JORNALEIRO' 3 4 11 2 9 6,2

MORADOR/JORNALEIRO - 2 - 3 5 3,4

JORNALEIRO/IOCATÁRIO 2 1 - 2 5 3,4

RENDEI 130/AGI PEGADO 3 2 4 9 6,2

TOTAL GlüRAL - - - - 146 100

Fonte.: I n v e n t á r i o s post-mortem 1850/1890

Após uma análise detalhada sobre a mão-de-obra li-


vre nos inventários, conseguimos racionalizar os dados o-
ferecidos, no Quadro XLV . Consideramos os indícios da
utilização da mão-de-obra livre como suficiente parei que o
T

inventário fosse incluído, neste Quadro. Assim, por exem-


plo, o pagamento a um jornaleiro, ou mesmo a existência de
casas para moradores ou rendeiros, foram, por nós, consi-
derados como indícios. O critério para a seleção dos agre-,
"•9 gados foi a menção, em alguns inventários, de pagamento 'a
alforriados por gêneros alimentícios, principalmente. Já
para os locatários, encontramos algumas cobranças de paga-
mentos atrasados. Mesmo reconhecendo que estes números es-
tão longe de expressar a totalidade' de trabalhadores li-
vres existentes na região, consideramos, no entanto, que
150

eles nos permitem avaliar melhor a presença e utilização


desta não-de-obra nas quatro décadas do nosso período,
mesio que precariamente.

Dos 308 inventariados, 146 (47,4%) apresentaram in-


dícios de utilização de mão-de-obra livre, com especifica -
ções de suas modalidades. Entre as formas de trabalhador li
vre, a mais comum nos inventários'foram os agregados, que a
pareceram em 41 processos (28,2%) e em maior numero na déca
da de 80 (17 inventar iados).
Por esta fonte, o arrendamento tornou-se mais pre-
sente do que nos livros de notas. Entre os acordos de tra-
balho firmados entre rendeiro e arrendatário, totalizaram
21 (14,3%), sendo que, na década de 70, esta modalidade de
trabalho livre aparece em 8 inventários.
Em 15 desses 146 inventários, detectamos dois ti-
pos de trabalhador livre em um só processo. Dessas duplas
•formas de trabalho livre, as mais constantes foram a do
rendeiro e/ou agregado, somando 9 inventários em todo 'o
nosso período.
151

Quadro XLVI - VALOR DO MONTANTE (EM MIL RÉIS) DOS INVENTÁ-


RIOS QUE APRESENTARAM A UTILIZAÇÃO DE MÃO-DE-OBRA LIVRE E
PERCENTAGEM DESTES INVENTÁRIOS SOBRE O NÜMERO TOTAL DE
PROCESSOS NA RESPECTIVA FAIXA DE VALOR* - 1850/1890
VALOR DO MONTE
N9 DE INVENTÁRIOS % SOBRE 0 TOTAL
. EM MIL REIS
0 - 500 37 67,2

501 - 1 .000 , 36 72

. 1 .501 - 2 .000 19 86,3

2.501 - 3.000 9 75

3.501 - 4.000 14 70

4.001 - 4.500 • 5 55,5

7.001 - 7.500 ' 2 66,6

8.001 - 8.500 . 1 25

10.001 - 10.500 1 ' 100


10.501 - 11 .000 2 66 , 6

12.001 - 12.500 > 3 75

13.501 14.000 1 1 00

14.001 - 14 . 500 3 75
20.001 - 30.000 8 72 ,7
30.001 - 40 . 000 3 100
ACIMA DE 40.000 2 1 00

* Cálculo realizado a partir dos dados do Quadro H 16 7


Fonte: Inventários post-inortem 1850/1890

É interessante notar que os inventariado^ que de-


monstraram, em seus processos, seja na relação dos bens,
seja nas passivas ou ativas, ou até mesmo nas contas de
tutoria, algum vinculo com trabalhador li vre pobre perten-
ciam aos mais diferentes níveis de fortuna da região (qua-
dro XLVI).

O acesso ã mão-de-obra livre estava ao alcance in-


152

clusive dos mais pobres, cujo monte final somou, no má-


ximo, 500$000rs. Entre estes inventariados, arrolamos 37
processos, ou 67,2% do total existente. A faixa melhor a-
quinhoada, de 501$000rs à 1000$000rs, foram 36 inventários
levantados, ou 72%. Estes dados nos revelam o baixo salá-
rio em espécie que esta mão-de-obra provavelmente recebia,
aumentando o grau^de sua dependência para com o empregador
e refletindo a ausência de um mercado de trabalho.
Infelizmente os dados esparsos e esporádicos sobre
o jornal de um trabalhador não nos permitiram fazer uma a-
nálise ou apreciação detalhada, que expressasse o salário
de uma determinada tarefa na época.

A UNIDADE FAMILIAR COMO FORÇA DE TRABALHO

Com a carência de mão-de-obra e a ausência de um


mercado de trabalho, os pequenos proprietários de terras
i
do sertão do Seridó utilizavam o trabalho familiar como
forma de produzir algum bem para o seu próprio sustento e
da sua família.
Muitos desses pequenos proprietários, com a perda
da mão-de-obra escrava e com a quantidade reduzida de ter-
ras, tinha menos possibilidades de acolher moradores -em
suas propriedades, ressentindo-se da falta de mão-de-obra
livre, pela qual não podiam pagar.

A falta de um excedente considerável em sua pro-


dução agrícola limitava a sua vinculação com o mercado
interno, freando uma possível acumulação que este comér-
cio lhe proporcionaria.

O grande número de pequenos proprietários que e-


xistia encontrava-se, na hierarquia social, corno interme-
diário entre os trabalhadores sem terra e os maiores pro-
prietários. Seu número aumentou constantemente no perío-
do, não só com o fracionamento das propriedades, como pe-
lo empobrecimento natural ocasionado pela venda de parte
)

da propriedade por necessidade econômica, ou por permane-


cerem numa economia de subsistência, como fornecedores de
alimentos para os grandes proprietários.
Ofracionamento da propriedade, quando da aber-
tura do processo de inventário, propicia o surgimento de
novos pequenos proprietários e até mesmo de moradores e/ou
agregados, na pessoa dos herdeiros, como, por exemplo, foi
o caso de Joaquim Pedro Silva, um dos doze filhos de Anto-
nio Souto Silva. Joaquim Pedro foi morador na sede da pro-
priedade e recebeu, como herança, 50$000rs de terras, no
Sítio Esperança, e algumas cabeças de gado. Em 1872, ao
morrer, sua esposa, Francisca Maria da Conceição, declarou
ser moradora do Sítio Esperança, "propriedade de seu so-
gro", e possuir apenas como patrimônio "alguns gados (ca-
valar e ovelhum), um machado, uma foice e pequenas peças
de ouro "fruto do dote de. seu sogro". Declarou ainda a in-
ventariante dever o monte ao comerciante Joaquim Januário
Bezerra "10$000rs proveniente de fazendas que lhe com-
prou". Sua fortuna somou 574$375rs, deixando a finada 8
30
herdeiros e nenhum registro de terra ou moradia. Es-
te caso particular transparece a situação insegura do pe-
queno trabalhador do Sertão que, sem conseguir acumular
qualquer capital se vê relegado, muitas vezes, ã condição
de morador e, em alguns casos, até mesmo de agregado em
terras de parentes.
T -

Muitas vezes, o chefe da família se emprega como


jornaleiro em terras vizinhas, ou mesmo como meeiro, mas a
renda obtida destes "ajustes" é logo transformada em renda
monetária para suprir as necessidades básicas.
"Sõ se apura algum dinheiro em gado e em algodão
(...) no fim do ano vende um garrotinho e compra-se umas
31
roupinhas".
No trabalho familiar, nem mesmo as crianças eram
poupadas quando a necessidade do serviço se impunha. Desta
forma, era freqüente o emprego de crianças nos trabalhos
de limpeza de terrenos, trato com os pequenos animais, co-
lheita e até mesmo em serviços que requeriam maior espe-
154

cialização, como a colheita do algodão, por exemplo. O em-


prego desta mão-de-obra não implicava em pagamento ou mes-
mo em acréscimo no "ajuste" , previamente realizado cc-n os
seus pais, o que favorecia consideravelmente a sua utili-
zação.

No relatório da Missão Pearce, que esteve na re-


gião, de 19 a 26 de julho de 1921, inspecionando as cultu-
ras algodoeiras ali existentes, encontra-se o registro do
"excessivo número de mão-de-obra infantil não especializa-
da, empregada na colheita da lã o que prejudicava a sua
32

qualidade e rendimento na fase final do beneficiamento".

O MEEIRO

Em geral, as formas assumidas nas relações de tra-


balho livre (impostas pelo monopólio da terra a partir da
lei de terras),
i neste período de transição, tenderam a en-
fraquecer e, até certo ponto, diminuir o número de peque-
nos proprietários, que acabavam se agregando como morado-
res nas grandes fazendas, sem qualquer estabilidade. Estes
fatores bloquearam o espaço para o aparecimento de uma e-
conomia camponesa, nos moldes capitalistas, segundo Ciro
Cardoso:
p a r a d c f i n í - l a , do p o n t o de v i s t a e c o n ô m i c o , é p r e c i s o c o n s i -
derar :
1? - a c e s s o e s t á v e l ã t e r r a (cm p r o p r i e d a d e ou u s u f r u t o ) ;
2 9 - t r a b a l h o p r e d o m i n a n t e m e n t e f a m i l i a r (o que n ã o e x c l u i u -
ma força adicional extra);
39 - uma e c o n o m i a f u n d a m e n t a l m e n t e de s u b s i s t ê n c i a (sem ex-
c l u i r e v e n t u a i s l i g a ç õ e s com o m e r c a d o ) ;
49 - c e r t o g r a u de a u t o n o m i a n a g e s t ã o das a t i v i d a d e s a g r í c o -
las: o q u e p l a n t a r , de que m a n e i r a e c o m o d i s p o r do ex-
c e d e n t e . 33
E, ainda, levar em conta que:

tal a u t o n o m i a e s t r u t u r a l p r e s s u p õ e : s e g u r a n ç a no a c e s s o ã
p a r c e l a , um grau de r e l a ç ã o d i r e t a com o m e r c a d o v e r t i c a l e
grau de g e s t ã o do c a m p o n ê s sobre sua p a r c e l a .

Em nossa região, o ponto básico para se considerar


155

uma economia camponesa, o acesso estável à terra, não e-


xistiu para esta camada de trabalhador rural.
No sertão seridoense, os tipos de relação de pro-
dução que se estabeleceram foram os mais diversos e flexí-
veis, variando de acordo com as exigências da situação,
com as necessidades do empregado, e, na maioria das vezes,-
não se requeria do trabalhador especificidade nas tarefas
a cumprir.
Entre os acordos verbais mais comuns detectados na
documentação levantada, destacava-se o realizado entre o
meeiro e o proprietário da terra.
Com peculiaridades muito próprias, a

m e i a na g r a n d e m a i o r i a d a s f a z e n d a s do S e r i d ó , d i f e r e da p a r -
c e r i a pral:i.cada em o u t r a s r e g i õ e s d o p a í s . A l i o p r o p r i e t á r i o
fornece gratuitamente a moradia, a terra destocada e cercada
(e q u a n d o n ã o , e s t e s t r a b a l h o s s ã o e m p r e i t a d o s c o m o o p r ó p r i o
m o r a d o r ) , b o i s de c a p i n a d c i r a (e a l g u n s a p r ó p r i a capinadei-
r a ) a s e m e n t e do a l g o d ã o e o f i n a n c i a m e n t o , p a r c e l a d o e som
juros', da s a f r a . 0 m o r a d o r teia a i n d a o d i r e i t o d e c r i a r u m a -
nirnal de c a r g a ( j u m e n t o ) e uma v a c a . C a b e a e l e , p a r c e i r o a-
g r i c u l t o r , a m e i a do a l g o d ã o , e n t r e g u e ao p r o p r i e t á r i o pelo
p r e ç o de m e r c a d o e, a s a f r a i n t e g r a l d a s c u l t u r a s consorcia-
d a s ( f e i j ã o , m i l h o , f a v a , j e r i m u m , e t c . . . ) q u e são obrigados
a f a z e r c o m os c u i d a d o s de e s p a ç a m e n t o n e c e s s á r i o s a n ã o p r e -
judicar o algodoal.-^

A meia também ocorria nos negócios envolvendo o


gado. Nos autos de contas de Maria José da Conceição, em
1868, encontramos, como "fruto" do ajuste de meiação entre
a finada viúva, Maria José da Conceição, a posse de 2 no-
vilhotes em nome da fortuna dos seus 8 filhos órfãos por
mim apadrinhados e zelados". 3 6

Nas difíceis ocasiões de seca, os fazendeiros di-


vidiam seus gados em pequenas porções de 4, 6, 8, 10 e até
20 vezes, entregavam-nas a pessoas encarregadas de tratá-
-las "de meia", isto é, sob a condição de, passada a seca,
dividir o número de sobreviventes em duas partes iguais,
uma para o proprietário e a outra para o tratador".37

Ocorreu, no Seridó, o caso único, por nós detectado


em que o morador/meeiro conseguiu acumular alguns bens,
156

com este sistema de produção. Em seu inventário, constavam


como bens de raiz, "a meia da moradia em que ocupava, toda
a lavoura do pequeno roçado avaliada em 20$000rs", além de
um engenho de fiar, um ferro de carapina, uma espingarda,
1 poldro, 13 ovelhas e 8 cabras, três escravas (com idade
de 29, 11 e 5 anos), além de móveis e algumas peças em ou-
Ciè
ro". É interessante observar que, no caso deste meeiro, e-
le preferiu aplicar o seu capital na compra de escravos
que representavam no seu patrimônio 1.350$000rs ou 91,8%
da herança por ele deixada.
Na verdade, o sistema de "meia" foi usado, na re-
gião, em qualquer tipo de propriedade ou bem. Na declara-
ção de bens de Antonio Carlos da Costa Nogueira (18")0),
sua inventariante afirmou que lhe "pertencia 'em meia',
parte do gado, terra, açude, casa e escravos existentes a-
va]idados todos em 150$000rs; além de 165$000rs em terras
na Data do Piató; uma casa de Taipa com benfeitorias no S.
Alagoa do Meio, avaliada em 150$000rs e gado vacum e cava-
39
lar no valor de 1 . 495$000rs".

Outro tipo de acordo firmado entre o trabalhador


livre e o liberto com o proprietário ficou conhecido como
"terça". Através dele, a divisão final da produção era
feita de maneira que o dono da terra ou da produção rece-
bcsse um terço do bruto e o trabalhador ficasse com dois
.-terços. No auto de inventário de Thomaz Batista Araújo
(1881) encontramos, na relação das dividas passivas, a co-
brança a seu sogro "da quantia de 70$770rs correspondente
.arrobas
a 9V"" de queijo proveniente da terça a que tem direito" .
Já nos autos de Andiré Cursino da Silva consta a dívida de
"João Garcia do Amaral pela terça de uma libra de algodão
avaliada em 20$000rs". Anteriormente, já nos referimos ao
acordo de "terça" firmado entre o cap. José Raimundo Viei-
ra e o casal de escravos "achacados e com moléstias" que
foi por ele
800$000rs alforriado
que em 11/08/1868
seria retirado mediante
da sua "terça".40 pagamento de
Com o exposto acima, ficou evidente que o meeiro
instalava-se na propriedade com a sua família, utilizando-
157

-se do trabalho familiar. Estas formas de trabalho livre,


inclusive, se mesclavam, surgindo apenas alguns pontos
quape imperceptíveis que os distinguiam. Os exemplos aci-
ma, sugerem uma forma de relação de trabalho
com nuances do tipo agregado.

O AGREGADO

Este trabalhador livre e, algumas vezes, alforria-


do tinha, como única propriedade, a sua força de trabalho
(também auxiliado pelo trabalho familiar) e a sua moradia,
que era construída em terreno alheio', com o consentimento
prévio do proprietário.
i

A consolidação desta relação de produção está es-


tritamente ligada'ã lei de terras, pois, quando foi vedada
a ocupação de terras livres è disponíveis, os despossuídos
que ainda não haviam conseguido sua parte de terras se vi-
ram obrigados a buscar permissão de um senhor para se à-
gregar à sua propriedade. Por outro lado, no momento em
que a força produtiva escrava escasseava, ao proprietário
rural era interessante a figura do agregado, uma vez que a
posse de grande número de agregados substituia o status
social de possuir muitos escravos. Para os agregados e/ou
moradores, apesar das suas relações serem caracterizadas
por um alto grau de dependência (por ser a única opção de
trabalho para o despossuído), era diferente da relação es-
cravista, pela importância sõcio-econõmica que foram ad-
quirindo .
Stuart B. Shwartz, estudando o Recôncavo baiano,
considerou os agregados como "indivíduos associados a uma
propriedade rural, ou na verdade, a qualquer residência
vivendo como parte dela, mas que mantinham suas próprias
famílias. Na maioria das vezes, eram pensionistas, paren-
tes distantes ou, simplesmente, empregados que haviam sido
aceitos no interior da família". Al
158

Dos 27 inventariados (1850/1890) que hão possuiam


terras nem escravos, através da análise da relação de seus
bens, foi possível encontrar uma ex-escrava (o único in-
ventário de uma liberta encontrado - ver anexo IV ) • A li-
berta Mariana, que vivia na condição de agregada e/ou mo-
radora, lhe foi permitido manter 11 cabeças de gado em
CÍT

terra alheia.

Partindo deste parâmetro, consideramos os demais


não proprietários de terras, sem escravos, com um rebanho
com até 10 animais, ou mesmo 15, e com um monte total até
3000$000rs como moradores. Estes moradores foram seis, du-
rante todo o nosso período .
Os demais não proprietários, que somaram 20, pre-
sumivelmente filhos de proprietários que ali moravam na
condição de agregado, todos estavam vinculados ã agricultu
ra e pecuária, chegando um deles a ter deixado o monte fi-
nal de 2.564$000rs, o que pode ser considerado, para a re
gião, alto.

Em 7 desses processos foram incluídos os ferros de


marcar gado, muitas cabeças de gado e jóic\s (símbolos de
certa abastança). Quatro inventariados possuiam • apenas
parte de uma casa de taipa (sugerindo ter sido herdada),
pequenas jóias e taxo (para a fabricação de queijos).

Por estes dados, podemos concluir que vinte e seis


T

trabalhadores livres em terra alheia, vivendo na condição


de morador e/ou agregado, foram inventariados.
Assim, encontramos, entre outros: 1) José Simões
dos Santos (1 872) , agregado ao S. Sobradinho "possuidor de
uma casa velha no Sítio Sobradinho em terras alheias no va-
lor de 70$00 0rs; 2) Gonçalves José Vitoriano (1856), de-
clarou ser possuidor de uma casa de taipa e benefícios a-
valiada em 40$000rs em terras impróprias; 3) Rosa Maria do
Espírito Santo (1851) possuía uma casa avaliada cm 16$000
rs em terras alheias". 42
A liberta Mariana (ver anexo IV ) , assim como os
demais alforriados que permaneceram vinculados aos seus
159

ex-senhores, devido à cláusula de "me acompanhar e servir


até a hora da minha morte", em suas cartas de liberdade,
formam um outro grupo de trabalhadores livres agregados ao
proprietário que detinha a posse das melhores terras dis-
poníveis .

As mulheres"agregadas, geralmente escravas, e mes-


mo libertas, que trabalhavam como tecelãs e outros servi-
ços domésticos, eram comuns na época, estando, muitas de-
las, escondendo a sua real situação junto ao dono da pro-
priedade, a de concubina.

Também é grande o numero de crianças agregadas,


tanto nas famílias bem situadas, na condição de afilhados;
como entre as famílias menos favorecidas, absorvidas como
mão-de-obra.
Ser afilhado do senhor, ou mesmo da sua mulher,
representava um privilégio social e, na maioria das vezes,
o apadrinhcirnento nada mais era do que uma forma de manter
i
e assegurar a mão-de-obra barata, para qualquer tipo de
serviço, além de deixar transparecer a hierarquia social
local e a mentalidade escravista arraigada.
Encontramos, cm três processos de inventários,
fortes indícios da intensidade que esta relação alcançava
entre as partes interessadas: 1) no processo de D. Ana Ro-
drigues Souza (1075) , em anexo, no seu testamento, era le-
gado a seus quatro afilhados, sendo um sobrinho de sangue
e os "demais filhos do morador Joaquim de Souza residente
neste sítio, um bezerro novo para cada sendo a cabeça ava-
liada em 10.f>000rs; 2) em .1878, o Padre Gil Braz Maria San-
tíssima, uma das maiores fortunas da região (seu monte a-
valiado em 29.673$560rs) considerou "nove legatários que
foram aquinhoados com a quantia de 969$492rs cada um entre
terras, gado, ferramenta e até mesmo alfaias e imagens sa-
cras". O restante do monte foi doado a irmandades locais;
já o modesto padre Tarquino Souza Silva (1879) deixou para
seus 5 legatários algumas imagens sacras e para os "dois
moleques meus afilhados - Januário e Antonio - uma burra
160

ruça para cada um avaliadas em 80$000rs por cabeça". 43

O RENDEIRO E O LOCATÁRIO
i

Foram muito poucas as escrituras de arrendamento


registradas nos liví^os de notas para a segunda metade do
séc. XIX, apenas 11.

Quadro XLVII - TAMANHO DAS PROPRIEDADES ARRENDADAS NA VILA


DO PRÍNCIPE - 1881
'ífM
TAMANHO N9 DE ESCRITURAS

1 PARTE 2
MUITAS PARTES 1

SlTIO 6

200 BRAÇAS 1
l
50 0 BRAÇAS 1

TOTAL 11

Fonte: E s c r i t u r a s de A r r e n d a m e n t o c o n t i d a s n o s L i v r o s de Notas do 19
C a r t ó r i o d e C a i c ó , n 9 44 e 45 - 1881

Após a análise destas escrituras, conclui-se que:


o arrendamento recaia, em geral, em sítios inteiros ou em
grandes partes de terras, como se pode observar no Quadro
XLVII.
Quaaro — _ t T-V
TES PARA 0 AliO icci - VILA DO PRÍNCIPE

TEMPO N9 DE ESCRITURAS

1 ANO 6
•fj
.1
2 ANOS ^ 3

TEMPO INDETERMINADO 1

SEM ESPECIFICAÇÃO 1

TOTAL 11

Fonte: Escrituras de Arrendamento contidas nos Livros de N o t a s do 19


C a r t ó r i o d e Cai.có, n 9 4 4 e 45 - 1881

Em geral, estas escrituras tinham a validade de um


ano, sendo apenas uma com o acordo firmado por tempo inde-
terminado: "por quanto convier às partes" (ver Quadro XLVIII)

Quadro XLIX - TIPOS DE PROPRIEDADES COM OU SEM BENFEITO-


RIAS * ARRENDADAS NA VILA DO PRÍNCIPE - 1881

TERRA DE CRIAR TERRA DE PLANTAR E CRIAR


SEM
COM SEM COM SEM
ESPECIFICAÇÃO
BENFEITORIAS BENFEITORIAS BENFEITORIAS BENFEITORIAS

1 1 7 - 2

* Como benfeitorias consideramos: casa, açude, cercado e roçado


F o n t e : E s c r i t u r a s de A r r e n d a m e n t o c o n t i d a s n o s L i v r o s d e N o t a s d o 19
C a r t ó r i o de Caic.ó, n 9 44 e 45 - 1881

Já com referência ao tipo de terra arrendãvel, na


V. do Príncipe, entre as duas escrituras de terras de cri-
ar, uma era sem benfeitorias e outra com benefícios. Das
sete escrituras de terras de plantar e criar, todas possu-
iam benfeitorias, inclusive, em 4 delas, havia açude.
Dois pontos são importantes ressaltar, nestas con-
162

siderações. O primeiro diz respeito ã época em que estes


arrendamentos foram firmados; todas as escrituras datam de
1881. Em toda a documentação pesquisada, a década de 70 se
apresentou como um período negro para a economia local e a
seca de 77/79 deixou muitas seqüelas no âmbito rural. Por
essas razões, o número reduzido de escrituras de arrenda-

mento registradas', todas entre o dia 7 de agosto de 1881 e
o dia 22 do mesmo mês e ano, nos leva a supor que esta op-
ção de acordo de trabalho passou a ter um caráter jurídico
e não mais verbal, como existia, não só devido a fatores
adversos (principalmente de ordem climática) que impediam
o pagamento do ajuste, como também, por parte do rendeiro,
representava maior segurança no acesso ao trabalho.
O segundo ponto é quanto ã falta de uma cláusula
onde o teor do ajuste seria especificado, como os deveres
e direitos do rendeiro. Apenas consta em algumas escritu-
ras (3) as condições de pagamento parcelado, o que reforça
a nossa hipótese de que os acordos verbais começavam a ce-
der lugar a escrituras registradas, como forma de seguran-
ça para ambas as partes.
A única escritura de arrendamento, nos moldes co-
muns das demais regiões brasileiras, foi registrada em
1866. Nela, o arrendamento, no S. Pedra da Cima, de uma
casa e açude é bem detalhado, especificando os deveres e
direitos das partes (ver anexo iri) .

O trabalhador livre que recebia do proprietário da


fazenda apenas uma parte de terra, geralmente não benefi-
ciava, para "uso e habitação" mediante um pagamento pre-
viamente estipulcido na escritura registrada em livro de
nota, ficou conhecido como locatário, na V. do Príncipe.

Nestas escrituras ficavam assentados o prazo de


locação, o seu valor e forina de pagamento (sempre em di-
nheiro) . Esta gleba de terra seria cultivada pelo locatá-
rio e sua família para suprir sua subsistência. Eventual-
mente este locatário empregava-se como jornaleiro nas ter-
ras do seu locador ou para qualquer outro proprietário.
------ v-
BESBeSaiiiçaa
y
T i

1 64

Foram arroladas 115 escrituras de locação durante


1850/1890. Também, como ocorreu com as escrituras de ar-
rendamento, as de locação foram registradas no mês de- a-
gosto de 1881, em folhas seguidas, e, como já afirmamos,
os imóveis alocados nestes casos eram de pequena dimensão,
não passando de "1 parte de terras".( Ver Quadro L )
CM

A cláusula sobre o tempo mais comum nestas escri-


turas foi a de 2 anos, com 42 locações assinadas. A forma
de pagamento geralmente era anual, salvo acordos explici-
tados no teor do documento. As terras de criar e plantar
eram as mais alocadas.
Das 115 escrituras, 67 (58,2%) eram com casa e 61
(53%) com benfeitorias (açude, roçado.e curral).

É interessante ressaltar que a locação mais longa


foi de 4 anos, mas com um pagamento trimestral, o que ga-
rantia ao proprietário um rendimento a curto prazo.

Os exemplos, a seguir, comprovam que o locatário,


i
ao comercializar nas feiras o excedente da sua produção,
não conseguia suprir suas necessidades básicas, o que o
levava à prestação de serviços extras para o seu locador e
até mesmo para os proprietários vizinhos. Esta permanente
dependência tornava a sua situação muito vulnerável e ins-
tável.

/ Antonio de Souza Lima,


* "locatário de José Leandro
dos Santos, morador no S. Varzea", aparece na relação das
dívidas passivas do inventariado Joaquim de Azevedo Mello,
cabendo-lhe "a quantia de 50$000rs por serviços prestados
no pequeno açude arrombado". Vale ressaltar que, na escri-
tura de locação do mesmo, além da cláusula de tempo . inde-
terminado, reza, como modalidade de pagamento, prestações
trimestrais no valor anual de 200$000rs, o que eqüivale e-
xatamente a 50$000rs, quantia que lhe coube no citado pro-
cesso de inventário. Este fato nos leva a crer que o tra-
balho "acessório" deste camponês teria como objetivo sal-
44
dar sua divida e assim garantir a sua locaçao.

Encontramos, ainda, o caso de Felinto Pessoa Mon-


165
i

. 1

teiro, morador na Fazenda Patos, possuidor no monte de Jo-


sefa Maria de Paiva "a quantia de 80$000rs pelos trabalhos
efetuados na cerca de um cercado de pastagens". Felinto
Monteiro foi locatário de Antonio Casado e pagava, anual-
mente, pela sua locação, 200$000rs.

Já no inventário de Vicente Ferreira daFonseca Fi-


lho, o trabalhador Joaquim Basíliò devia ao monte 86$900rs
correspondente ã sua locação" J*^
i

O JORNALEIRO

Uma forma de trabalho muito comum na região, usada'


como complemento da renda e até mesmo como forma de empre-
go corrente, foi o jornal.

O jornaleiro, elemento livre ou alforriado, rece-


bia um salário, mediante prestação de serviços, previamen-
te combinado com ia pessoa interessada.
No censo de 1872, ele aparece como "pessoa assala-
riada", ao lado dos criadores, e, ambos, somam, em toda a
47
Província, 16.456 elementos.
Muitas vezes, ele aparece nas prestações de peque-
nos serviços e, outras, com jornais mais longos, como o
caso do "Antonio Luiz, pardo a quem o ajuste pelo jornal
/ -
dos serviços de reparo no açude arrombado do riacho Baixa-
-Verde, pela quantia de 1$200rs. '
O contrato entre o jornaleiro e o seu empregador
caracterizava-se também por um ajuste verbal entre as par-
tes, para qualquer tipo de serviço, seja na pecuária, seja
na lavoura, não implicando necessariamente no uso de mora-
dia ou outro trabalhador. 0 tempo era, em geral, estipula-
do pelo senhor, o que representava uma forma de coerção ã
mão-de-obra, na medida que limitava o prazo e o ganho pelo
serviço prestado. O jornaleiro caracterizava-se ainda por
ser um trabalhador solteiro ou um pobre camponês casado
que não utilizava da mão-de-obra familiar para o auxiliar.
166

O jornal, portanto, era uma tarefa individual.

Nos autos das prestações de contas prestadas por Ma-


nuel Medeiros, nas despesas realizadas no ano de 18 59, aparece,
durante os meses de agosto e setembro, "o jornal de $ 82 0rs ao
mês pagos a Pedro Silva, pelo ajuste do reparo no curral, tra-
D Ê

to no gado novo, incluindo sua ferra e castração dos bezer-


ros, ficando portanto a herança a me dever l$64 0rs" ou ainda,
Camila Simôa de Morais devia "ã Rafael Pereira 3$ 000rs pelo
49
jornal do conserto de uma sela" .

Em 1902, o cronista Manuel Antonio Dantas Corrêa


enfoca o aspecto social desta modalidade de prestação de ser-
viços, onde "cercas, plantas, limpas, colheitas, fabrico de
farinha, serviços de engenhos de canas, cuidados e tratos de
gado, tudo ê serviço que demanda pessoal e do qual, e portan-
to, se vão mantendo centenas de indivíduos que sem esses sa-
lários, sem esse emprego, prezariam sobre a caridade publica ou
particular, d esJ.cc ar-se-iam , ou viveriam do fruto, ou então,
como mais comumente sucede, morreriam à mingua, vitimados pela
fome e pela alimentação insuficiente e venenosa de vegetais sil-
vestres, se não fossem acabar de morrer nos pântanos da Amazô-
• „ 50
ma .

1.3 NÍVEL DE VIDA

Para fazer uma avaliação do nível de vida da popula-


ção da Vila do Príncipe, utilizamos dos dados referentes ao
montante dos bens inventariados, mesmo reconhecendo que esta
documentação nos darã uma visão do nível de vida de uma parce-
la da sociedade, a mais abastada. Os processos de inventários
existentes no Fórum Municipal de Caicó, para o nosso período,
it1
&
somam 411; desses, trabalhamos com 3 08 (7 5%). Acreditamos que
os desaparecidos ou mesmo os não disponíveis na época do. nosso
levantamento são todos de grandes proprietários. Mas apenas e£
tes dados jã são suficientes para constatarmos que se trata de
uma sociedade extremamente pobre, pois, para ser inventariado,
era necessário possuir bens que merecessem ser arrolados. Co-
mo, dos 55 inventários com montante até 500$ 000rs (o que jã
representava a maior parte dos inventariados - 17,9%), 23
167

.(41 ,8 %) não chegava a 50$000rs, podemos supor que a grande


maioria da população, não inventariada, praticamente não
possuia nada (ver Quadro LI ).

Quadro LI - VALOR TOTAL DO MONTE DOS INVENTARIADOS NA VI-


LA DO PRÍNCIPE - 1850/1890
OI*

MONTANTE EM MIL RÉIS SERIDÕ % MONTANTE EM MIL RÉIS SERIDÕ %

000/ 500 55 17,9 8501/9000 1 0,3

501/1000 50 16,2 9001/9500 3 1

1001/1500 26 8,4 9501/10000 3 1

1501/2000 22 7,1 10001/10500 1 0,3

2001/2500 27 8,7 10501/11000 3 1


2501/3000 12 3,9 11001/11500 6 1,9
3001/3500 11 3,6 11501/12000 - -

3501/4000 20 6,5 12001/12500 4 1,3

4001/4500 9 2,9 12501/13000 2 0,6

4501/5000 3 1 13001/13500 1 0,3

5001/5500 2 0,6 13501/14000 1 0,3


5501/6000 2 0,6 14001/14500 - -

6001/6500 8 2,6 14501/15000 4 1,3


6501/7000 4 1,3 15001/20000 2 0,6
7001/7500 3 1 20001/30000 11 3,6

7501/8000 3 1 30001/40000 3 1
8001/8500 4 1,3 acima 40001 2 0,6

TOTAL 261 84,9 TOTAL 47 15,1

TOTAL GERAL 308 100

Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890


1 68

Ao desdobrarmos o Quadro LI, em 4 décadas, ape-


nas para os proprietários de terras, podemos detectar a e-
volução destas fortunas. Observamos, então, que não só
cresceu bastante a parcela dos pequenos proprietários, de
10,4% para 18,1%, nas duas últimas décadas, que deixaram
um montante até 500$000rs, como também nas demais faixas
Í S *

de valor do monte final, apesar de que nessas o empobreci-


mento foi menos brusco, entre estes proprietários de ter-
ras melhor posicionados.

Quadro LII - PORCENTAGEM DOS INVENTARIADOS PROPRIETÁRIOS


DE TERRAS SEGUNDO O MONTANTE DE SEUS BENS - CAICÓ - 1850/
1 890

1850/1860 1860/1870 1870/1880 1880/1890 TOTAL EX)


VALOR DOS BENS PERÍODO
N9 % N9 % N9 % N9 % N9 %

ATÉ 500$000 8 13,3 0 13,8 8 10,4 13 18,1 37 13,9


DE 501$ a 1500$ 17 28,3 10 17,2 22 28,6 18 25 67 25,1
i
DE 1501$ a 3000$ 13 21 ,7 10 17,2 14 18,2 14 19,4 51 19,1
DE 3001$ a 5000$ 7 11 ,7 11 19 13 16,8 9 12,5 40 15
DE 5001$ a 10000$ 6 10 10 17,2 8 10,4 8 11,1 32 12 .

DE 10001$ a 30000$ 8 13,3 6 10,5 12 15,6 9 12,5 35 13,1


DE 30001$ a 50000$ 1 1,7 2 3/4 0 - 1 1,4 4 1,5
ÁCIMA DE 50000$ 0 I— 1 1,7 0 - 0 - 1 0,3

TOTAL, 60 100% 58 100% 77 100% 72 100% 267 100%

Fonte: Dados retirados do Quadro LI.

O empobrecimento dos pequenos proprietários deu lu-


gar ao aumento dos despossuídos, principalmente na pessoa
dos moradores e/ou agregados.
Mesmo entre aqueles que possuíam muitos bens, foi
raro encontrar móveis. As caixas de pregaria, os bancos,
tamboretes são os mais comuns. Apenas em um inventário en-
169

ii

contramos a descrição de uma " espreguiçadeira austríaca de


palhinha". O uso da rede foi, desde aquela época, muito de-
fundido; praticamente tem todos os processos elas são arro-
ladas.

Outro tipo.de^bem muito encontrado, entre os mó-


veis, foram os oratórios e as imagens sacras, sendo que
estas ultimas eram muito valiosas, por terem peças de ador-
nos como o esplendor em ouro, prata e, em algumas, foram
registradas pedras preciosas, como o rubi nos olhos de al-
gumas santas - as imagens de Santa Luzia, por exemplo. Es-
tas peças sacras tinham, nesta parte da fortuna, um. grande
peso, uma vez que muitas chegavam a ser avaliadas entre
15. 000$ OOOrs e 3 0. 000$ OOOr s.

Muito pouca roupa foi arrolada, mas ê comum en-


contrarmos despesas com tecidos. Nas contas de tutoria, as
despesas mais constantes nas prestações de contas .diziam
respeito ao gasto com roupas, chapéus, botas, etc.
Quanto ã louça, ela é praticamente ausente nas
relações de bens. Anotamos pequena quantidade de copos, ta-
lheres e conchas; por outro lado, o uso das canecas, gar-
rafas é botelhas (para o vinho) ê freqüente. Em apenas um
inventário, encontramos a posse de "louça de cerâmica ho-
landesa". No entanto, os tachos de cobre são constantes, em
diferentes tamanhos e valor.

As jóias em ouro, principalmente, aparecem com


freqüência, refletindo parte da mentalidade desta socie-
dade que procurava possuir bens que demonstrassem certo ní-
vel social. Entre as mais comuns ,. destacamos os trancelins,
os relicarios e a rosèta (espécie de. brinco). Interessante
que, entre os mais pobres, encontramos alguns brincos e
mesmo a indicação de "peças de ouir.o" , avaliadas com baixo
valor, indicando a tentativa desta camada da sociedade em
se igualar aos mais abastados.
A presença de livros sò ocorreu em dois inventá-
rios: no do padre G il Braz de Maria Santíssima (obras de
teologia e direito) e no processo de Izabel Maria da Con-
186

ceição, com a presença de dicionário.


Nos registros de óbitos, ê muito comum encontrar-
-se a descrição da mortalha em que, em geral, o falecido
era envolto. A mortalha mais empregada era o hábito de São
Francisco, de cor branca para as crianças e preta para os
homens. Entre as mulheres, o habito de Nossa Senhora do
Carmo foi o mais apreciado. Nem sempre este desejo era ex-
presso no testamento, como eram as esmolas para as irmanda -
des. Nos inventários, as despesas com irmandades, com as
alfaias e õbulos para a paróquia eram muito comuns entre os
mais abastados, assim como as capelas de missas e despesas
com o funeral (que incluia missas, velas e sepultamento) Só
a menção ao sepul tamento significava o enterro propriamente
dito, ao pagamento do pároco, pratica mais encontrada nos
inventariados mais pobres.
Assim como o número de escravos e a posse de casa
de pedra e tijolo na Vila, o registro de ferros de marcar
gado eram sinais de abastnnça. A classe dominante procura-
va o nível de vida que correspondia a seus valores; estes
eram evidenciados na prática de religiosidade (presença de
oratórios, imagens sacras, capelas de missas, filiação ã
irmandade) e na aparência (jóias, escravos e algumas rou-
pas ) .

È interessante notar a freqüente presença de armas


de fogo (espingarda, bacamartes e pistolas) e atê mesmo ar-
mas brancas (punhais e azagaias), o que denota a importân-
cia da caça na alimentação.

A presença do Regimento de Cavalaria das Ord^nan-


ças, desde 178 8, na Vila do Príncipe, ê constatada através
dos inventários, com a declaração não só de "espada apare-
lhada em prata lavrada", como pelo uso das titulações que
os oficiais encorporavam para sempre, uma vez conquistada
através do voto pessoal do Presidente de Província, o que
siqnificava pertencer a um grupo de elite e da confiança
do governo.
Encontramos, por exemplo, uma dívida ao alf eres
João de Medeiros e "terras vizinhas ao capitão Cosme Pe-
171

reira da Costa, entre outras. A referência a esta titula-


ção pode ser detectada também r.os registros de terras e
escrituras de compra e venda de terras e escravos e nas
cartas de alforrias. São poucos os inventários, no entan-
to, que as possuem.
CM

O nível de instrução da Vila do Príncipe, atra-


vés do censo de 1872, apresenta-se muito baixo: 24,5% da
população do município sabiam ler e escrever. Entre os 560
registros de terras de 1896, encontramos, em 172 (30,7%) a
expressão "e por não saber ler nem escrever eu escrivão...".
A primeira escola de alfabetização, na Vila do'
Príncipe, de que se tem noticias, foi criada em 1832 , para
meninos. No mesmo ano, ê criada a cadeira de língua latina
a nível secundário. Em 1925 , as freiras da Congregação de
Filhas do Amor Divino abriram o Colégio Santa Terezinha do
Menino Jesus, para as meninas. 1942, surge o Ginásio
Seridocnse, fundado pelo primeiro Bispo de Caicõ, D. José
de Medeiros Delgado.
Na capital da Província, o Liceu Ateneu e o Co-
légio de Educandos Artífices foram inaugurados em 1859. O
colégio de artífices foi o primeiro no ensino profissional,
"teve 2 0 matrículas, com ensino primário, curso de música
instrumental, alfaiataria, sapataria, carpintaria e pedre_i
ro. Foi extinto em 18 62".
Ta3. situação do ensino indica uma sociedade ain-
da bastante arraigada ã mentalidade escravocrata. Aprender
e saber era supérfluo, sendo dada maior importância aos
conhecimentos práticos adquiridos na prática do trabalho a
gricola ou pecuário.
A questão da melhoria técnica e de conhecimento
agrícolas, para os grandes proprietárias, quando faltou a
mão-de-obra escrava, não se colocou como prioritária, uma
vez que eles permaneceram com a abundância de tenras, de
172

mão-de-obra livre e barata e continuaram com os . mercados


para os seus produtos.
Portanto, não foi por acaso que a objetividade do
ensino foi tratada com tanta astucia, Filosofia, Latim, Re-
tórica, Direito e Matemática atendia apenas a uma casta da
sociedade. _

Outro ponto interessante a ser considerado, sobre


as marcas que os anos de escravidão deixaram nos costumes
da sociedade da época, foi a questão da quantidade de : ser-
vidores domésticos, que constituia sinal de status social. O
trabalho doméstico foi o que mais absorveu as ex-escravas
e os menores. Se o trabalho braçal passou a ser pouco dig-.
nificante, mesmo após a abolição da escravidão, a mão-de-
obra livre, conseqüentemente, tornou-se pouco considera-
da.

No entanto, as relações de trabalho que ocor-


reram nesta formei de emprego (vide item cartas de alfor-
i •
rias) põs-abolição não foram muito diferentes daquelas e-
xistentes durante o perj.odo da escravidão. A condição ju-
rídica do liberto não alterava muito a sua dependência para
com o senhor, nem as formas de trabalho por ele exercidas,o
que representou um freio no desenvolvimento c apit al i sta r e -
forçando o quadro social da pobreza.
Com o exposto acima, podemos concluir que, no to-
cante as relações de trabalho, heuve uma lenta evolução em
comparação ao período colonial escravista. Mas até hoje a
mentalidade do período escravista, de st a tu s social, vin-
culada ao numero de empregados domésticos e afilhados, ê
comumente encontrada entre as famílias de baixa renda, não
só na região, como em todo o Nordeste.
173

2 A ECONOMIA DA FOME

2.1 A PRODUÇÃO AGRO-PECUÁRIA

Para estudarmos a economia agrícola da região, u-


tilizaremos as informações contidas nos inventários post-
-mortem, nos relatórios de Presidentes de Província e nas
escrituras de compra e venda de terras.
Como, nas falas presidenciais, os dados sobre os
meios de produção agrícola e o uso do solo não são muito
uniformes, nem freqüentes, fizemos dos autos dos inventários
nossa fonte principal de pesquisa e,-eventualmente, con-
sultamos as escrituras de negociações de terras, princi-
palmente a fim de localizarmos as áreas agricultáveis da
região.

Vale ressaltar, ainda, que muito poucos eram os


proprietários de terras que não possuiam gado, ou seja, •
94,8% do total dos inventariados possuiam gado (apenas 16
não tinham animais em sua declaração de bens); enquanto
que todos os 41 despossuídos de terras tinham algumas ca-
beças de animais.

Portanto, torna-se mais apropriado falarmos em a-


gro-pecuária. A pecuária local será analisada posterior-,
mente, em separado.

TERRAS AGRICULTÁVEIS

A agricultura do Seridõ, no séc. XIX, estava inti-


mamente ligada ãs características do seu solo. A região é
rica em terrenos rasos, pedregosos e de relevo ondulado, o
que restringe muito a área agricultável.
O meio natural apresenta-se bastante adverso ã a-
gricultura, constituindo um elemento condicionador muito
forte para o predomínio da pecuária na região. Da leitura
dos inventários e escrituras de compra e venda de terras,
174

localizamos, no sopé das serras dos Quintos, do Cuité, do


Teixeira e da Formiga, as terras agricultáveis, "próprias
para o cultivo". •
Aqueles proprietários que possuíam suas terras
distantes de tais áreas, lançavam mão de um tipo de agri-
cultura muito comum na região, aquela praticada nas "ter-
ras de Vasante". Para o sertanejo, as terras localizadas
às margens dos lagos, rios e açudes recebiam a denominação
de Terra de Vasante. A concentração da umidade destes ter-
renos, permitia o desenvolvimento das plantações em épocas
castigadas pela seca, garantindo o alimento básico da po-
52
pulaçao local, por algum tempo.
Por ocupar pequenas áreas, a agricultura de Vasan-
te, apesar de caracterizar a maior parte da produção ser-
taneja, não conseguia torná-la dinâmica, nem diversifica-
da. A produção não era suficiente para abastecer o mercado
consumidor, sendo necessário complementar com os gêneros
produzidos nos brejos paraibanos e sertões do Cariri, no
Ceará (comércio que até hoje subesiste ) - Ainda assim, a
fome se abateu por diversas vezes sobre o sertão.

Dentro do nosso período de interesse, uma crise na


produção de alimentos tem inicio nos fins da década de 60.
O Ministério do Império recebeu, em 05/04/1870, um
oficio da Presidência da Província, comunicando que:

... t e n d o c h e g a d o ao m e u c o n h e c i m e n t o q u e em d i v e r s o s pontos
d e s t a p r o v í n c i a se h a v i a d e s e n v o l v i d o a f o m e , em conseqliencia
da falta a b s o l u t a de g ê n e r o s a l i m e n t í c i o s o c a s i o n a d a pela se-
ca e h a v e n d o u l t i m a m e n t e os j u i z e s d e d i s t r i t o d a s Comarcas
de A s s u e S e r i d ó s o l i c i t a d o p r o v i d e n c i a s no s e n t i d o de serem
m i n o r a d o s os s o f r i m e n t o s d a p o p u l a ç ã o i n d i g e n t e l o c a l devido
a pouca colheita dos m e s m o s gêneros, s u p l i c o - v o s que nos en-
vie recursos m e i o s p a r a m i n o r a r a dor do n o s s o p o v o .

No final dos anos 70, nova crise sõcio-econômica


se abateu sobre o Seridó, após a longa seca de 1877/79 que
se alastrou pelo sertão nordestino. A sua economia ficou
reduzida a quase nada. Em seu relatório, em 1876, o presi-
dente da província mencionou que o dízimo das lavouras
rendeu 80.385$915rs aos cofres provinciais, no entanto, no
175

exercício de 1877/78, o mesmo imposto rendeu apenas


1 . 8 2 0 $ 0 0 0 r s D o rebanho existente, poucas reses sobrevive
ram a esta calamidade; a província se desestruturou eco-
nômica e socialmente. A indigência proliferou no ser-
tão. No relatório do presidente Marcondes Machado (1879),
encontramos a relação 'da quota doada pela Tesouraria da
Fazenda para os indigentes da grande seca, cabendo, aos
Municípios de Príncipe e Acari 1.000$000rs, que foram
entregues a José Bernardo de Medeiros e a Silvino Bezerra
de Araújo Galvão, respectivamente. Não houve, no entanto,
nenhuma prestação de contas ao governo sobre a aplicação
55
desta verba.
! ,
A produção de alimentos, na V. do Príncipe, estava
sujeita a épocas de "abundância", durante os períodos de
chuva, ou de aguda escassez, nos períodos de seca, o que
levava os seus habitantes a procurar os gêneros produzidos
nas lavouras de regiões vizinhas.
i
A agricultura de subsistência (e aqui empregamos o
sentido absoluto da expressão) foi, no nosso período de
estudo, uma atividade subsidiária à atividade primeira da
região - a pecuária.
Em 1874, em seu relato, o presidente Bandeira de
Mello deixa transparecer o conflito sócio-econõmico entre
pecuaristas e agricultores:

0 p o b r e e o p e q u e n o a g r i c u l t o r q u e c u l t i v a os c e r e a i s na im-
p o s s i b i l i d a d e dos m e i o s de cercar sua l a v o u r a , a vê constan-
temente invadida pelo gado que a destrói e aniquila o traba-
lho de m u i t o s m e s e s . É g e r a l a q u e i x a da p o p u l a ç ã o p o b r e c o n -
tra a l g u n s c r i a d o r e s e c o n t r a m u i t o s p r o p r i e t á r i o s a g r í c o l a s ,
q u e d i s p o n d o de r e c u r s o s e p o r i s s o t e n d o c e r c a d o s u a s pro-
p r i e d a d e s , n ã o se i m p o r t a m c o m a r u i n a da p e q u e n a l a v o u r a e
o b s t i n a m - s e em l a n ç a r o g a d o ã d i s c r i ç ã o p e l o s c a m p o s para
r e f a z e r - s e às c u s t a s d a s p l a n t a ç õ e s do p o b r e , q u e f i c a assim
r e d u z i d o a c o n d i ç ã o de p a r í ã ^ e s e m g a r a n t i a s d o seu traba-
Thõ75"5

A produção agrária da região constava de culturas


de subsistência (mandioca, milho, feijão, abóbora e árvo-
res frutíferas), da plantação de cana-de-açúcar para o
fabrico da rapadura e do melaço, e do cultivo do algodão.
176

Entre estes produtos, a mandioca é o grande desta-


que da economia agrária local, sendo muito significativo o
uso da sua farinha, não só na dieta alimentar do sertane-
jo, mas também pela viabilidade da sua comercialização pa-
ra médios e pequenos proprietários. Lavoura de cultivo
simples, a mandioc^. (macacheira para o nordestino) neces-
sitava apenas de capina do terreno para o seu plantio, on-
de as raízes são enterradas em montículos. Como objetiva-
vam maior produção, era cultivada separada, na maioria das
propriedades. Durante o seu desenvolvimento, a mandioca
não requer muitos cuidados e a colheita se faz no fim. de
um ano. O reduzido espaço agrícola da região era mantido
pela sua produção, que ocupava o roçado dos pequenos pro-
prietários de terras, dos agregados ou despossuídos, assim
como as lavouras dos latifundiários.

A m a n d i o c a , e n t u l h a d a no m e i o da c a s a é, c o m u m c n t e raspada
por m u l h e r e s , s e n t a d a s ao c h ã o . R a s p a d a , r a l a m - n a n u m c a i t e t u
de l a t a , p r e s o a u m a e s p é c i e de m e s a c o m b o r d a s , o c e v a d o r , e
a c i o n a d o p e l a p o l i a de r e l h o d e u m a g r a n d e r o d a , t a n g i d a por
2 homens r o b u s t o s . Em a l g u m a s fazendas m o v e - a uma b o l a n d e i r a ,
g r a n d e r o d a p u x a d a p o r b o i s ou b u r r o s . A p a p a da m a n d i o c a r a -
l a d a vai p a r a uma p r e n s a . D e p o i s d e i m p r e n s a d a a m a s s a , e p e -
n e i r a d a n o c o c h o e t o r r a d a n u m g r a n d e f o r n o de a l v e n a r i a , c o m
ar. f e n d n s d e tijolos largos mal tapados do b a r r o .
S'7

A lavoura de milho, alimento para o homem e ani-


mais, era consorciada com o feijão, mesmo nas terras in-
compatíveis com suas exigências. Plantava-se o milho dei-
xando, entre uma cova e outra, uns 5 palmos, depois, no
mesmo terreno, plantava-se o feijão em diferentes espécies
(de arranca; fava; mulatinho; macássar).
A abóbora ou jeriirtum era plantada em qualquer tipo
de roçado, observando-se apencis o espaço que esta cultura
costuma ocupar ao se desenvolver. Pela simplicidade do seu
cultivo e garantia da sua colheita, o jerimum é presença
constante na refeição do nordestino, que costuma separar
as sementes mais enxutas para o próximo plantio em caba-
ças, geralmente misturadas com cinzas de lenha.

Nos inventários pesquisados, encontramos também,


com certa freqüência, a referência ao cultivo de frutas,
177

em especial cocos. O coqueiro se adapta muito ao terreno


rico em salitre, tão comum na região, sendo necessário,
para "adoçar" sua água, uma vez por ano, regá-lo com água
salgada. 0 coco-verde, pela excelente água que armazena
(empregada até no uso terapêutico de crianças recém-nasci-
das) , é uma das frutas nativas mais comuns e consumidas em
todo o Nordeste. Acreditamos que essa referência, nos in-
ventários, seja indicador de um restrito comércio do exce-
dente da produção daquele inventariado com seus vizinhos
e/ou amigos.
O plantio da cana-de-açúcar, no sertão do Seridó,
sempre foi muito modesto, face as condições adversas do
solo que impediam boas colheitas, apesar de representar
boa ração para o gado. No Nordeste, a região sertaneja que
mais se destacou por sua produção de cana foi a do Cariri
(sertão do Ceará), que abastecia todo o mercado nordestino
com suas rapíiduras. Encontramos, no inventário de Izabel
Sabina de Araújo, a dívida de "1.532$000rs por rapaduras
do Cariri" .

A cultura do algodão, no Nordeste, sempre esteve ,


desde o seu início, sujeita ã dependência do mercado exter
no e a falta de capitais, como acontecia cora a do açúcar .
O uso do espaço dessas atividades econômicas eminentemente
agrárias foi dividido em duas regiões: a zona da mata (fai
xa litorânea) dedicada ã cana-de-açucar, e o interior dedji
cado ao algodão. Assim, .os espaços regionais foram defini-
dos estendendo sua atuação até onde prevalecia a sua -ín -
fluência nas leis de reprodução do capital. Essas regiões
nordestinas passaram a caracterizar áreas de economia vol-
tada para a exportação ( a zona da mata no sêc. XVII e
XVIII, e o agreste no sêc. XIX) -. atreladas e subordinadas
aos ditames do mercado internacional.

Em meados do sêc. passado, a economia algodceira


era estabelecida sob uma base espacial dispersa no inte-
rior do Nordeste, em condições adversas ao sistema de cul-
tivos intensivos e, muito freqüentemente, consorciada com
outras culturas e com a pecuária. O algodão nordestino não
178

pode, dessa maneira, competir com os preços alcançados por


regiões especializadas, como, por exemplo, a Província de
São Paulo, onde, com recursos que o processo de acumulação
de capital que a atividade cafeeira começava a liberar,
permitia a expansão dessa cultura e elevados índices de
produtividade, com o uso de tecnologia moderna de plantio,
sementes de melhor qualidade e mão-de-obra especializada.

Nos roçados das propriedades da V. do Príncipe, já


se cultivava o algodão desde 1802, quando foi incluído no
mapa dos preços correntes dos gêneros de exportação e con-
sumo daquela paróquia, para o mês de janeiro, o algodão
60
em la e em caroço.
Como não localizamos dados sobre o volume de pro 7
dução no município atê mesmo nas falas dos presidentes de
província quase não encontramos referência sobre a produção
dos municípios. Na verdade, apenas uma única vez isto ocor-
reu com relação ao Município de Jardim, em 1882, quando o
presidente da Câmara, Joaquim Araripe Dantas, declarou que
1
"a produção do algodão descaroçado foi de 5.900 arrobas". 6

Nas duas primeiras décadas do nosso período, o al-


godão era conhecido e cultivado, mas a sua produção era
suficiente apenas para o uso do agricultor e da sua famí-
lia, sem que o seu volume permitisse um excedente comer-
cializãvel.

A princípio, o plantio do algodão no sertão foi


realizado a exemplo de técnicas empregadas em outras cul-
turas, o qual esteve, eventualmente, consorciado. Este con-
sórcio de culturas de subsistência e algodão garantia, no
séc. XIX, a existência de ambos, mesmo com baixa produti-
vidade .

Encontramos, nos processos de inventários levanta-


dos, dados que podem indicar uma produção capaz de atender
apenas ao acanhado mercado interno (Quadro LIII ) .

B * ITW.. im imi imiuumjm


-.<
anx
siaia
ar
tt
179

Quadro LIII - PRODUÇÃO E DÍVIDA DE ALGODÃO NOS INVENTÁRIOS


DA VILA DO PRÍNCIPE - 1850/1890

INVENTARIADO PRODUÇÃO ANO '

MANUEL BATISTA DE S. BRITO 1,377kg $960rs 1860


IZABEL MARIA DA CONCEIÇÃO 12,852kg 3$000rs 1865
COSME PEREIRA DA COSTA c* 22,032kg 4$500rs 1866
MANUEL THOMAS DE ARAÚJO 1 CARGA DE LÃ A 30$000rs 1886

INVENTARIADO DÍVIDA ANO

MANUEL CORDEIRO DE MORAIS 7,344kg 1$500rs 1877


JOAQUIM B. A. CAVALCANTE 425,952kg 33$200rs 1888
22,032kg 7$000rs •

5,967kg 2$000rs
ALADIM ARAÚJO SEM ESPECIFICAR 3$800rs
4 1/2 VARAS 1$800rs 1889
!' • 10 VARAS 3$80Crs
Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890
- p a r a a c o n v e r s ã o cias m e d i d a s : M e d e i r o s , Olavo - op.cit. p.
301

Apenas 4, dos 308 inventariados pesquisados, re-


gistraram sua produção algodoeira, sendo 3 na década de 60
e 1" em 1888". Todos os 3 inventariados dos anos 60 foram
grandes proprietários de terras, gado e escravos, ou seja,
faziam parte da minoria de latifundiários locais. 0 monte
final da viúva Izabel Maria da Conceição, falecida em 1860,
foi a maior fortuna legada em nosso período-64; 804$320rs.
Apesar de 1.377 kg. de aldodão declarado, em seu inventá-
rio, não houve o registro nem mesmo de um tear ou engenho
de fiar. Já no inventário de Manuel dos Santos Brito (1865)
foram declarados 12.852 kg. de algodão e um engenho velho
de tear.
Exatamente nesta década do século passado, os pre-
ços do algodão no mercado internacional sofreram uma gran-
de alta, devido ã ausência do seu maior fornecedor - os
E.E.U.U. (face a guerra de Secessão). Houve uma euforia
geral no Império, nas províncias produtoras e no próprio
180

sertão do Seridõ. Em 1866, o presidente Barbosa de Mello


comenta em sua fala oficial que:

... as secas que repetidamente flagelam o sertão, destruindo


a criação, deram causa (sic) a que pouco a pouco se fosse a-
bandonando esta indústria (sic) pelo plantio de algodão, cujo
elevadíssimo preço nos últimos anos pode despertar a atenção
da p o p u l a ç ã o e libertá-la da rotina."3

A pecuária sertaneja, no entanto, não oferecia na-


quele momento condições para uma acumulação. Os fenômenos
climáticos, a qualidade do pasto e a própria qualidade dos
animais, entre outros fatores, não permitiam que qualquer
proprietário de terras se lançasse em outros empreendimen-
tos agrícolas de grande porte. Esse privilégio encontrava-
-se apenas entre os latifundiários que possuiam condições
sócio-econõmicas favoráveis, ou seja, dispunham de terras
agricultáveis, de capital para empatar no plantio com a
compra da semente e de mão-de-obra para o trato e a co-
lheita. Tais determinantes reduziam muito o número de pro-
prietários que podiam responder com a sua produção ã de-
manda de um comércio interno.

A partir da década de 70, começam a aparecer, nos


inventários, dívidas ativas envolvendo o algodão, mas in-
felizmente não foi possível fazer um cálculo com os dados
oferecidos, do seu valor médio no emergente mercado algo-
doeiro local. Os devedores eram moradores na V. do Prínci-
pe, mas os credores eram da Paraíba, o que nos leva a su-
por que principalmente Joaquim Bezerra Cavalcante, que de-
via 33$200rs por 425,952 kg. de algodão devia ser um in-
termediário entre os agricultores locais e os proprietá-
rios de engenhos de beneficiamentos de algodão paraibanos.

Outro indício do aumento da produção desta cultura


foi a presença de prensas e descaroçadores e máquinas de
costura, na relação de bens dos inventariados (ver Quadro
LIV) .
181

Quadro LIV - A PRESENÇA DOS ENGENHOS DE BENEFICIAMENTO DA .


PRODUÇÃO ALGODOEIRA NA VILA DO PRÍNCIPE ATRAVÉS DOS INVEN-
TÁRIOS - 1850/1890

1851 1854 1861 1864 1866 1877 1881 1882 1884 1886 1887 1888

ENGENHO 12 2 1 2 2 . 1 1 1 1 1
•o
DESCA-
ROÇADOR 7 1 1 1 1 3

PRENSA 3 1 1 1

MÁQUINA
COSTURA 2 1 1

Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890

A cultura algodoeira no Seridó vai se firmando,


segundo os dados desta fonte cartorial, até merecer, em
1910, a inspecção da missão inglesa chefiada por Mr. Pear-
i
ce, pela excelência da sua fibra longa, própria para teci-
dos finos (ver Quadro LV ).

Quadro LV - UTENSÍLIOS PARA O BENEFICIAMENTO DO ALGODÃO E


SUA PERCENTAGEM SOBRE OS 2 5 INVENTÁRIOS CONSULTADOS PARA A
DÉCADA DE 1890/1900

TIPO DE UTENSÍLIO N9 DE INVENTÁRIOS %

ENGENHO 7 28

DESCAROÇADORES 13 52

PRENSA 3 12

MÁQUINAS DE COSTURA 2 8

TOTAL 25 100
Fonte: Inventários post-mortem - 1890/1900

A agricultura de subsistência da V. do Príncipe,


na segunda metade do século passado, foi pouco diversifi-
182

cada, com um baixo nível técnico de produção, chegando a


atingir pontos críticos de escassez (fins da década de 60
e 70), sem conseguir alcançar o desenvolvimento esperado
pelas autoridades locais, como afirma o presidente Joaquim
Silveira Júnior:

No sertão a lavqyra c a m i n h a a p a s s o s lentos sem b r a ç o s e ca-


p i t a i s q u e a j u d e m n o seu d e s e n v o l v i m e n t o . E s t a i n d ú s t r i a e s t á
reduzida a roçados que produzem alguns gêneros que não chegam
para suprir o c o n s u m o do p o v o . ^

O NÍVEL TÉCNICO

As técnicas rudimentares empregadas na agricultúra


da Província do Rio Grande do Norte não eram desconhecidas
por suas autoridades.

Em 1875, o presidentè Bandeira de Mello, em seu


relatório, declarava:
1

não há i n d ú s t r i a n e s t a p r o v í n c i a . 0 seu p e q u e n o e acanhado


c o m e r c i o r e t r a t a o a t r a s o e m q u e e l a se a c h a . A i n d o l ê n c i a e
a i n é r c i a j u n t a s ã f a l t a de i n s t r u ç ã o p r i n c i p a l m e n t e de ins-
trução p r o f i s s i o n a l , m u i t o tem c o n t r i b u í d o para este estado
l a m e n t á v e l da a g r i c u l t u r a e p o r q u e n ã o d i z e r da economia
provincial.

O sistema de preparo do solo não era diferente das


demais regiões brasileiras: empregava-se a coivara. Limpa-
va-se o terreno, caso necessário, procedia-se a queimada e
plantava-se. Esta prática destrutiva reduzia ainda mais a
qualidade do solo e as áreas agricultáveis.

Não conseguimos detectar se houve uma preocupação


para com o pousio da terra, mas acreditamos que as espe-
cificidades regionais não ° permitiam sendo realizado 0

cultivo intensivo.

Praticava-se o plantio consorciado (milho/ feijão;


mandioca/feijão), havendo apenas a preocupação em plantar
aquelas culturas mais expressivas em separado, como a man-
dioca, o algodão e, eventualmente, a cana. Mesmo assim, o
cultivo do algodão foi consorciado, durante quase todo , o
183

nosso período, merecendo terreno exclusivo nos anos 80.

Do total de inventariados, 16 ou 5,2%, de alguma


maneira, deram indícios, através da relação de seus bens,
praticaram o plantio da mandioca. Já a cana-de-açúcar, a-
penas 8 (2,6%) inventariados possuiam algum bem relaciona-
do com a sua produção.^

O sistema de adubação era o mais simples, sendo u-


sado o adubo natural do gado, que todos possuiam. A ausên-
cia do arado, nessa agricultura, está relacionada com o
seu terreno pedregoso, raso e ondulado, tornando impossí-
vel usá-lo. Além disso, com o sistema de coivara, a super-
fície fica coberta de tocos, entulhos e cinzas, e o arado
exige superfície limpa de obstáculos.
Para Ester Boserup, o uso da terra e de técnicas a-
grãrias não podem ser considerados separadamente. 66
O baixo nível técnico empregado na economia agro-
pecuária da V. do Príncipe, em nosso período de estudo,se-
rá melhor comprovado tomando por base a quantidade de pro-
priedades com benfeitorias, os instrumentos de trabalho e
os "engenhos" para o beneficiamento da produção agrícola e
existentes nos inventários.
Como benfeitorias, consideramos os açudes, cerca-
dos e currais. Dos 30 8 inventários, apenas 134 ou 4 3,5%
tinham benfeitorias em suas propriedades, todos em terras
próprias. Dos 41 não proprietários de terras, apenas 4
construíram açudes e/ou currais, em terras alheias , visan
do, evidentemente, o seu gado.

Através das escrituras de arrendamento, constata-


mos que o período mais comum deste acordo era de 2 anos,
prazo muito curto e que não compensaria ao rendeiro, uma
vez que a melhoria ficaria pertencendo ao arrendatário.
Quanto aos instrumentos de trabalho (relacionados
como ferros), as pás, as picaretas, os ferros de covas e
as enxadas eram os mais freqüentes. 72,4% dos inventaria-
dos possuiam instrumentos de trabalho agrícola, mas, em 23
desses processos, foram registrados apenas uma pá.
As técnicas de cultivo, uso do solo e os instru-
mentos agrícolas utilizados por nossos índios foram pre-
servados na região, durante todo o nosso período, sendo
muito raros os utensílios de beneficiamento de produção.

Os aviamentos de fazer farinha e a roda de moer


mandioca apareceram em 16 inventários, e os engenhos de
purgar ou beneficiar a cana somaram apenas 8 (2,6% do to-
tal) e suas descrições demonstram serem bastante rústicos:

Eram, m a i s r e d u z i d o s e r u d i m e n t a r e s os i n s t r u m e n t o s de t r a b a -
lho do a n t i g o s e r t ã o q u e d e s c o n h e c i a as m á q u i n a s , m e s m o as d e
tração 3 n i m a l , e m p r e g a d a s n a m o d e r n a l a v o u r a ...

Declarava ainda Juvenal Lamartine:

Conheci, quando ainda m e n i n o , duas das p r i m e i r a s máquinas


( m o e n d a ) de d e s c a r o ç a r a l g o d ã o . E r a m m a n u a i s e a c i o n a d a s por
dois h o m e n s robustos (...) estas m á q u i n a s foram depois subs-
t i t u í d a s p o r bolandei.ras t r a c i o n a d a s p o r b o i s ( . . . ) e r a rara
a c a s a do f a z e n d e i r o q u e n ã o t i n h a u m t e a r m a n u a l p a r a tecer
a l g o d ã o f i a d o p e l a s e s c r a v a s , cm f u s o s de m ã o ou n o s p e q u e n i -
n o s e n g e n h o s f a b r i c a d o s de m a d e i r a c a c i o n a d o s c o m o p é . 6 7

Mas, com os dados oferecidos no Quadro LV, já po-


demos notar uma sensível melhoria no nível técnico da pro-
dução do cilgodão, o que já caracteriza um período de res-
surgimento da economia agrária local.

T '

A PECUÁRIA

A importância do gado para a economia nordestina é


inegável. A pecuária, inicialmente subsidiária da cultura
da cana-de-açúcar, foi responsável pela interiorização e
povoamento da região, graças .à abundância de terras e fa-
cilidades em ocupá-las e ás legislações que determinavam o
seu afastamento do litoral (área considerada estritamente
canavieira).

Desde o séc. XVII, quando das invasões holandesas


que a capitania do Rio Grande era conhecida como fornece-
dora de carnes verdes e secas, não só para o litoral cana-
185

vieiro, como para as capitanias limítrofes.

Autores nórte-riograndenses atribuem, inclusive, a


conquista, por tropas holandesas, da Capitania do Rio
Grande, com o objetivo de apenas controlar o fornecimento
de carne para as capitanias Vizinhas. Cascudo, por exem-
plo, cita o depoimento^ de Joan Nienhof, em janeiro de'
1646, quando este relatou que:

Se o i n i m i g o (no c a s o o p o r t u g u ê s ) d o m i n a s s e o i n t e r i o r e n o s
p r i v a s s e do f o r n e c i m e n t o d e g a d o e f a r i n h a d o R i o Grande,
j u s t a m e n t e n u m a o c a s i ã o em q u e I t a m a r a c ã e P e r n a m b u c o também
estavam bloqueadas, ser-nos-ia quase impossível manter a pos-
se d o B r a s i l H o l a n d ê s , e n q u a n t o n ã o c h e g a s s e d a m e t r ó p o l e os
socorros esperados (...) 0 Rio Grande era, portanto, a única
r e g i ã o d e o n d e se r e c e b i a m q u a n t i d a d e s p o n d e r á v e i s de f a r i n h a
e g a d o q u e m i n o r a v a m e m p a r t e a e s c a s s e z de g ê n e r o s reinante
no R e c i f e . 6 8

A relevância da pecuária no Rio Grande do Norte é


reforçada náo só por sua atuação no abastecimento do mer-
cado interno, como também pela constância com que seus
produtos contribuíram para as rendas provinciais, permane-
cendo sempre entre os mais lucrativos no Seridó.

Entre os gêneros básicos na dieta do sertanejo,


encontra-se a carne, o leite e o queijo. 0 couro também
foi muito usado não só para o vestuário, como na confecção
de utensílios para o uso diário (arreios, selas, urús (sa-
co para suprimentos de viagens) bancos e tamboretes). Além
T •

disso, o gado era muito.utilizado como animal de tração e


transporte.
O crescente número de fazendas de gado evidencia/
também, o desenvolvimento deste ramo da economia (ver Qua-
dro LVI ). Com um aumento de 819 fazendas, num período dç
3 anos, a província continuava, nesta época, a obter dos
derivados da pecuária seus lucros mais significativos. É
interessante notar como, na Comarca do Seridó, este número
de fazendas quase dobrou, enquanto que, na Comarca da Mai-
oridade, houve uma queda de 140 fazendas. Nesta comarca,
uma nova fonte de renda atraia os produtores - a cultura
do algodão.
186

Quadro LVI - FAZENDAS DE GADO EXISTENTES NA PROVÍNCIA E


SUAS PRODUÇÕES PARA OS ANOS DE 1859 E 1862

1859 (1) 1862 (2)


-

n9 de fazendas produção anual n9 de fazendas produção anual

natal 167 , 2.219 172 2.350

s. josé 255 8.461 263 8.720

assú 61 1.974 408 9.940

mossoró - - 305 11.800

seridó 328 13.072 622 16.500

maioridade 383 14.607 243 10.320-

total 1.194 40.333 2.013 59.630

Fonte: (1) R . P . P . - O l i v e i r a J u n q u ç i r a - 1 8 6 0 p . 32 - B.N.


(2) R . P . P . - L e ã o V e l l o s o - 1 6 / 0 2 / 1 8 6 2 p . 28 - A.N.

Os dados oferecidos nos relatórios de presidente


de província sobre a renda auferida com a cobrança dos dí-
zimos do gado não foram por nós utilizados, por não espe-
lharem a real contribuição que este imposto deu â receita
provincial; não só pela ineficácia dos métodos empregados,
como pelas constantes queixas de fraudes que se sucederam
na mesma documentação. A cobrança era feita por dois méto-
dos: por administração e por arrematação. No primeiro, ós
funcionários do governo recebiam uma porcentagem equiva-
lente a 18% do que arrecadaram. Além disso, as intempéries
climáticas, constantes na região, a tomada de contas, a
fraude e o apadrinhamento na escolha dos administradores,
sempre foram fatores que prejudicaram os rendimentos da
Fazenda, a favor dos contraventores. Na arrematação, além
da clareza e objetividade na escrituração com o prazo para
a cobrança previamente estipulada e assegurada por meio de
letras afiançadas, garantia a quantia arrecadada aos co-
fres públicos.

Estes dois sistemas se alternaram durante todo o

I.-W1H r-nniBPi- •amgTWMW 'P r^llKnHPBT,' HiTIÜWJ


187

nosso período, de acordo com as irregularidades das esta-


ções e das necessidades do tesouro provincial.

Em 17/02/1879, pela lei provincial n9 829, foi re-


alizada uma reforma na arrecadação do dízimo do gado, na
qual o sistema de coletas ficou implantado com o pagamento
do imposto a dinheiro, sendo $500rs por bezerro,
U E
1$000rs
por poldrinho e 2$000rs por mulo ou jumento. Mas o presi-
dente Marcondes Machado não acreditava muito na nova forma
de cobrança, achando que a província ficaria "prejudicada
nas rendas de que tem suprema necessidade, para levantar o
69
seu credito abatido perante o banco do Brasil".
Com a concretização destas suspeitas, em 17/10/
1882, foi estabelecido um regulamento para arrecadação do
imposto. Nele, os coletores são obrigados a proceder a co-
leta "percorrendo juntamente com o escrivão o interior de
todo o distrito da Coletoria,o que é de absoluta necessi-
70
dade para o bom resultado desse trabalho". Era uma ten-
tativa de se combater a fraude, uma vez que as grandes
pastagens permitiam que o gado fosse escondido para se fu-
gir ao pagamento dos impostos.

Raramente se encontrava, entre as passivas dos in-


ventariados, dívidas relativas ao imposto do gado.

Dos 308 inventários pesquisados, 287 (93,2%) acu-


saram posse do gado, ficando apenas 21 inventariados sem
possuir uma só cabeça .de gado, ou 6,8% do total. Desses 287
proprietários de gado, 246 eram proprietários de terras e
41 não proprietários (ver Quadro LVII).
188

Quadro LVII - NÚMERO E PERCENTAGEM DE PROPRIETÁRIOS DE GADO


COM E SEM TERRAS, SEGUNDO O NÜMERO DE CABEÇAS DE GADO DE-
CLARADAS NOS INVENTÁRIOS DA VILA DO PRÍNCIPE - 1850/1890

N9 DE INVENTARIADOS
N9 DE CABEÇAS
COM TERRAS % SEM TERRAS %

0 a 50 . 1-4 3 58,1 31 75,6

51 a 100 40 16,3 7 17,1

101 a 150 24 9,8 2 4,9

151 a 200 10 4,1 1 2,4

201 a 250 5 2 -

251 a 300 6 2,4 -

301 a 350 8 3,3 -

351 a 400 2 0,8 -

401 a 450 2 0,8

451 a 500 1 0,4 -

ACIMA DE 501 5 2 -

TOTAL 246 100 41 100

Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890

É bastante expressiva a concentração do gado; 58,1%


dos proprietários de terras possuiam até 50 cabeças de a-
nimais, enquanto que 2% eram donos dos maiores rebanhos
(mais de 501 cabeças).
Entre os despossuidos, 75,6% ou 31 inventariados
possuiam até 50 cabeças de animais e apenas um (2,4%) de-
tinha um rebanho de até 2 00 animais.
1 89

POSTURAS

Na Vila do Príncipe, a elite local era composta


pelos pecuaristas que detinham, inclusive, o poder políti-
co-econômico da região. Esta classe privilegiada manipula-
va a economia segundo seus próprios interesses, através do
aparato legal, que foram as posturas.
Este instrumento público legal delegava aos presi-
dentes das câmaras municipais poderes de sancionar impos-
tos e de taxar normas com peso de lei, que direcionavam
esta economia segundo os ditames da política centralizado-
ra da Metrópole.

G a r a n t i r a s u b s i s t ê n c i a de seus v a s s a l o s s e m p r e foi uma das


p r e o c u p a ç õ e s c e n t r a i s da c o r o a ( . . . ) t r a t a v a - s e p a r a o r e i d e
u m a q u e s t ã o de o r d e m s o c i a l ( . . . ) e r a e s s a u m a d a s atribui-
ções das câmaras m u n i c i p a i s assegurar através de m e d i d a s d i s -
c i p l i n a r e s , a c u l t u r a de s u b s i s t ê n c i a b á s i c a a alimentação
c o n t r a , na m a i o r i a d a s v e z e s , o i n t e r e s s e da g r a n d e lavoura
exportadox*a c o n c t i t u i a - s e c o m o um d e v e r s o c i a l d a c o r o a ( . . . )
t r a t a v a - s e p a r a ela d e p r o m o v e r o b e m g e r a l d o E s t a d o . 7 1

Em 30 de janeiro de 1863, foi assinada uma postura


por Bernardo Medeiros, presidente da Câmara Municipal do
Príncipe que demonstra claramente o conflito entre agri-
cultores e criadores na região. Segundo esta postura, os
agricultores eram

o b r i g a d o s a fazer f o r t e s c e r c a s em suas p l a n t a ç õ e s com oito


p a l m o s de a l t u r a ( . . . ) se m a l t r a t a r e m q u a l q u e r a n i m a l a l é m d e
p a g á - l o no d o n o , s o f r e r ã o m u l t a d e 8 $ 0 0 0 r s ou A d i a s de pri-
são .

Mas, na cláusula seguinte, a preservação do gado é


plena, assim como as prerrogativas dos criadores:

os a g r i c u l t o r e s q u e t i v e r e m c e r c a s n a f o r m a do a r t i g o a n t e c e -
d e n t e tem o d i r e i t o n a h o r a d c h a v e r d o s d o n o s d o s g a d o s a
indenização dos prejuízos causados que serão o b r i g a d o s ime-
diatamente a põ-los a caminhos, mas o ofendido não maltratara
os g a d o s se v a c c u m ou c a v a l l a r , o c o n t r a v e n t o r p a g a r á a m u l t a
de 8 $ 0 0 0 r s . Se os a n i m a i s r e c o n h e c i d o s d a n i n h o s f o r e m c a b r a s ,
serão avisadas deste modo até segunda vez; e pela terceira se-
rão m o r t o s a c h u m b o p e r a n t e d u a s t e s t e m u n h a s c l a n ç a d a s f o r a .
S e r á a v i s a d o ao s e u d o n o o u c h a m a d o p a r a a p r o v e i t á - l a q u e r e n -
do.
190

O último parágrafo dirige-se aos agricultores de


fazendas de gado que conseguiam mais de oito crias por a-
no:

ficam obrigados a abrir cacimbas, conservá-las; os contraven-


tores serão multados em 2$000rs ou 8 dias de prisão.'' 2

Fica evidente a preocupação do governo local de


preservar o rebanho existente, fonte de maior renda da re-
gião. O teor conciliatório e de caráter eminentemente de-
mocrático da legislação ficou apenas no papel. Apesar de
ter um certo amparo legal, o pequeno lavrador, na mai.oria
das vezes, não tinha como se ressarcir de seus prejuízos,
quando a sua lavoura era invadida pelo rebanho vizinho.
Sua situação econômica, muitas vezes, não permitia que ele
levantasse as cercas de proteção ã plantação, e esta fica-
va ã mercê dos animais.

Uma das posturas mais claras a este respeito foi a


outorgada em 1871, onde, pelo seu teor, fica patente a
i
preocupação das autoridades locais em resguardar as prer-
rogativas da classe dominante dos pecuaristas (ver anexo
I) .
Através deste documento, a prioridade econômica
local está na pecuária, "todo o território deste município
é destinado especialmente para a criação". O poder está.
nas mãos dos pecuaristas, e este instrumento legal, a pos-
tura, é manejada de acordo com as suas conveniências, for-
jando a política econômica e moldando, inclusive, as rela-
ções de produção "aquele, porém que não tiver terras pró-
prias (...) será obrigado a ajudar no trabalho do vizi-
nho" - e até mesmo as formas de organizar a produção lo-
ca]. .

Outro parágrafo específico e, muitas vezes, não


cumprido, refere-se ãs estradas:

Todos os p r o p r i e t á r i o s d e s t e m u n i c í p i o serão o b r i g a d o s a con-


s e r v a r l i m p a s c b e m a b e r t a s as e s t r a d a s q u e p a s s a r e m em suas
t e r r a s . Os i n f r a t o r e s s o f r e r ã o a m u l t a d e 1 5 $ 0 0 0 r s , p o r cada
v e z q u e o f i s c a l a b r i r a c o r r e ç ã o . As c o r r e ç õ e s p a r a as es-
tradas serão ór.uúcié.dé.5 por editais r.o -cs de abril dc cada
ano.73

Apesar do governo municipal impor os ditames da o-


rientação econômica do Estado, no Sertão do Seridó o poder
das elites, no entanto, permanecia soberano nas questões
de seus interesses. A classe privilegiada dos coronéis, a-
lém de deter o poder"nas mãos, se resguardava do direito
de acatar ou não o cumprimento das medidas, segundo suas
conveniências pessoais. Assim foi que o cronista
Dantas Corrêa registrou, em 1903, que:

n ã o s a b e m o s se e m t o d o s o s m u n i c í p i o s h á p o s t u r a s obrigando
aos particulares a roçagem das e s t r a d a s . M e s m o quando há essa
p o s t u r a , cuja e x e c u ç ã o fica ao cargo do fiscal d a Intendên-
c i a , é r a r a m e n t e o b s e r v a d a . E m g e r a l , é l e t r a m o r t a . Os re-
presentantes municipais não querem desgostar o Sr. Capitão
F., nem o Sr. Coronel B.; não podem m e s m o arcar c o n t r a esses,
e o p o b r e d i a b o d o f i s c a l q u e se m e t e r a d e n u n c i a r o estado
irregular de certos trechos de e s t r a d a , a r r i s c a - s e m u i t o a
levar uma c o ç a . ^

Das cinco espécies que compreendiam o rebanho de-


clarado, o gado vacum foi o mais numeroso, com 51,4% do
total das reses existentes no período de 1850/1890, na V.
do Príncipe (ver Quadro LVIII).

Quadro LVIII - REBANHO NOS INVENTÁRIOS DA VILA DO PRÍNCIPE -


1850/1890

MACHO FÊMEA TOTAL


ESPÉCIES
N9 ABSOLUTO % N9 ABSOLUTO % N9 ABSOLUTO %

VACUM 6610 54,8 5443 45,2 12053 51 ,4

CAVALAR ' 1492 51,3 1417 48,7 2909 12,4


MUAR 440 63,2 256 36,8 696 3,0
CAPRINO 427 14,7 2478 85,3 2905 12,4
LANIGERO 251 5,2 4620 94,8 4871 20,8

TOTAL 9220 39,3 14214 60,7 ' 23434 100%

Fonte: Inventários post-mortem 1850/1890


192

Desta espécie, os machos formavam a maioria, com


54,8%, e as fêmeas 45,2% do rebanho. Em seguida, vinha o
rebanho lanígero, com 20,8% de cabeças, sendo que 94,8% e--
ram ovelhas e apenas 5,2% de carneiros. Estes animais sem-
pre resistiram mais aos climas secos e às grandes estia-
gens, além de renderem muito no mercado exterior de peles
ia ,
e couros secos e de serem animais mais acessíveis aos cri-
adores mais pobres.
O rebanho cavalar ecaprino representava, nesta é-
poca, apenas 12,4% cada um do total existente nos inventá-
rios; sendo que as cabras, também conhecidas pela sua rus-
ticidade e pelo seu bom leite, somavam 2.478 cabeças ou
85,3% da espécie.
Os animais de carga, os muares representavam ape-
nas 3,0% do total do rebanho, sendo que os machos tiveram
maior expressão, ou seja, 44Q cabeças ou 63,2% do total.

Após a seca de 1877/1879, o interesse pela criação


de caprinos aumentou no sertão nordestino de maneira ge-
ral, tanto por resistir mais ã seca do que qualquer outra
espécie, como pela procura de sua pele - o courinho, como
era conhecido - nas feiras locais e no mercado externo.

A criação do bode passou a constituir um dos m a i o r e s recursos


do povo s e r t a n e j o , i n c l u s i v e das c a m a d a s m a i s p o b r e s que não
p o d e n d o ter r e b a n h o d e m a i o r p o r t e , o u ' g a d o g r o s s o ' , a c a b r a
t o r n o u - s e o seu m e i o de v i d a e a fonte de a l i m e n t a ç ã o , pois
n u t r i a - s e com a sua carne e leite e usava a sua p e l e . ' ^

Em 1891, lia-se no Estado da Paraíba:

nos s e r t õ e s o n d e r a r a m e n t e há l a v o u r a s , n o s s e r t õ e s que tem a


p r o p r i e d a d e e x c l u s i v a p a r a c r i a r r o ç a d o , q u e só p o d e dar
p r e j u í z o s , a c a b a i s c o m um r e b a n h o d e c a b r a s q u e só p o d e nos
d a r l u c r o , a i n d a q u e de u m a v e z p e r e c e s s e t o d o , p o r q u e b a s t a -
v a t i r a r - l h e as p e l e s . N ã o d e v e i s p r o c e d e r a s s i m . Procurai
aumentar essa espécie de c r i a ç ã o , até m e s m o p o r q u e é a que
m a i s r e s i s t e às s e c a s . 7 6

Falta-nos dados estatísticos sobre a exportação do


courinho, mas o incentivo à criação de caprinos e muares
se fazia sentir nos artigos e crônicas de 1903.
193

os b u r r o s e os b o d e s , n o s p e r í o d o s de g r a n d e s s e c a s s ã o os
maiores auxiliares dos sertanejos; o bode por fornecer ali-
m e n t a ç ã o c o m a c a r n e e c o m o d i n h e i r o da sua p e l e e o burro,
sóbrio, forte e resistente para o transporte.77

Estas espécies estavam assim distribuídas entre os


seus proprietários (ver Quadro LIX).
UT>

Quadro LIX - PERCENTAGEM DAS ESPÉCIES DE GADO EXISTENTES


NOS REBANHOS DOS PROPRIETÁRIOS DE TERRAS E NOS DOS DESPOS-
SUÍDOS

TOTAL PROPRIETÁRIOS DE TERRAS % DESPOSSUÍDOS ao

VACUM 12053 11359 94,2 694 5,8

CAVALAR 2909 2632 90,5 277 9,5


MUAR 696 658 94,5 38 5,5

CAPRINO 2905 2616 90,0 289 10,0

LANÍGERO 4871 4668 95,8 203 4,2

TOTAL 23434! 21933 93,6 1501 6,4

Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890

Entre os 246 proprietários de terras, percentual-


mente, o rebanho lanígero foi o mais expressivo, represen-
tando 95,8%, embora, em números absolutos, o rebanho vacum
T •

permaneça sendo o maior, somando 11.359 cabeças de gado


(ver Quadro LIX ). Já entre os 41 despossuídos de terras,
o rebanho caprino era o mais significativo, percentualmen-
te, representando 10% do total desta espécie, seguido do
cavalar, com 9,5% do total ou 277 animais. Mas, em números
absolutos, o gado vacum foi o maior, somando 694 reses.
No entanto, nem todos os grandes pecuaristas pos-
suiam muitas cabeças de gado vacum em seus rebanhos. A ti-
tulo de exemplo, desses cinco grandes criadores, ressalta-
mos o caso de Germano Gomes de Brito (1869) que possuía
1.531 cabeças de gado, no entanto, apenas 290 de gado va-
cum ou 18,9% do total do seu rebanho.
194

Maria José da Anunciação (1856) deixou um rebanho


mais equilibrado aos seus descendentes, uma vez que 55,7%
do +-otal de seus animais, 1 040 eram reses de gado vacum ou
579 cabeças.

Ao destacarmos o rebanho dos 5 grandes pecuaris-


tas, podemos constatar que eles possuiam 18,8% do total do
rebanho existente nos inventários^( Ver Quadro LX )

Quadro LX - PERCENTAGEM (POR ESPÉCIE) DO REBANHO DOS 5


GRANDES CRIADORES SOBRE O TOTAL DO GADO CONTIDO NOS INVEN-
TÁRIOS DA VILA DO PRÍNCIPE

TOTAL DO GADO N9 DE CABEÇAS


ESPÉCIES %
NOS INVENTÁRIOS DOS GRANDES CRIADORES

VACUM 12053 . 1809 15


CAVALAR .2909 136 4,7.

MUAR 696 50 7,2


CAPRINO I 2905 950 32,7

LANÍGERO 4871 1466 30

TOTAL 23434 4411 18,8


Fonte: Inventários post-mortem - 1850/1890

O rebanho caprino era maior entre estes criadores,


seguido do lanlgero; estes pecuaristas, envolvidos com o
comércio dos couros, carnes e leites, tinham nestes ani-
mais a segurança do seu mercado.

E, se analizarmos os dados contidos no recensea-


mento de 1916 e 1920, notamos que a espécie de muares e
lanígeros foram as que mais cresceram, ou seja, tiveram um
acréscimo por cabeça, só no Município de Caicó, de 207,9%
e 310,6%, respectivamente (ver Quadro LXI).
195

Quadro LXI - NÜMERO DE CABEÇAS POR ESPÉCIES NOS ANOS DE


1916 E 1920 NO MUNICÍPIO DE CAICO E DE 1850/1890 NA VILA
DO PRÍNCIPE

VACUM CAVAI .AR MUAR CAPRINO LANíGERO

'1850/1890 (1 ) 12053 2909 696 2905 4871

1916 (2) 25500 ~ 4000 2500 4000 5500

1920 (3) 33233 5048 7697 1 1 927 22585

% 30,3 26,2 207 ,9 198,2 310,6

Fonte: (1) I n v e n t á r i o s p o s t - m o r t e m 1 8 5 0 / 1 8 9 0
(2) R e c e n s e a m e n t o d e 1916 - R i o de J a n e i r o - IBGE 1917 p . 8 0
(3) R e c e n s e a m e n t o d e 1 9 2 0 - R i o d e J a n e i r o - IBGE p. 41A

NÍVEL TÉCNICO

A pecuária, de maneira geral, o gado vacum, res-


sentia-se com a ausência de renovação e cruzamento com uma
boa raça. Na verdade, os criadores não se preocupavam com
o aprimoramento da espécie, medida indispensável para a
melhoria desta fonte de renda provincial, o que contribuiu
para que o gado scridoense, e mesmo da província, se cons-
tituísse em um rebanho de baixa qualidade.

O presidente Adolfo Sá, em 1868, já incluía, entre


os fatores que contribuiam para o definharnento do rebanho
vacum e cavalar, "a falta de cruzamento com raças superio-
res o que aperfeiçoaria a indústria pecuária local e sa-
tisfaria as necessidades da economia rural". Mas, as con-
dições sõcio-econômicas dos criadores não permitiam este
tipo de aprimoramento.^

Além de estarem sujeitos às pragas (sarna, carbún-


culo e maltriste) e ã falta de trato veterinário apropria-
do, os animais eram criados soltos, sendo reunidos apenas
para serem marcados a ferro.
196

A dieta normal do rebanho consistia no ralo pasto


natural, na forragem de milho, mandioca e, algumas vezes,
cana. No caso da pastagem, mesmo em época de estação de
chuva "regular",

n ã o h á no s e r t ã o , em u m m e s m o a n o , r e n o v a ç ã o n e m a u m e n t o do
p a s t o ; se ele for c o n s u m i d o n o fim do i n v e r n o , em julho," só
será r e n o v a d o em Ffcvereiro do a n o s e g u i n t e , h a v e n d o ' c h u v a s ' ,
n o c a s o de s e c a , s e r á p r e c i s o e s p e r a r m a i s d o z e m e s e s .

Calcula, ainda, o mesmo cronista que:

para manter uma rcs, é preciso duas arrobas de capim diaria-


mente.''^

Essa dieta diária, na região periodicamente atin-


gida pelas secas, mantém a alimentação do gado local muito
abaixo da média necessária, o que fatalmente irá caracte-
rizar um rebanho de qualidade inferior. Além disso, a au-
sência do sal (indispensável para a formação do suco gás-
trico, necessário à digestão de forragens grosseiras), na
I
i
dieta desse gado, contribuía para o seu baixo peso, sua
demora em reproduzir e sua medíocre qualidade. O único ti-
po de sal que estes animais ingeriam era o encontrado nos
terrenos ricos em salitre dos pastos.
A alimentação do gado, na época da seca, muitas
vezes era complementada com:

c a r r o ç a s de a l g o d ã o c o m p r a d a s n o A s s ú , a 20 l é g u a s de d i s t a n -
c i a , para o trato do g a d o e r a ç ã o às v a c a s l e i t e i r a s e, com a
venda de queijo e manteiga ainda alcançavam saldos.

No entanto, a falta de dados oficiais nos impede


de confirmar estas afirmações, que consideramos muito oti-
mistas, uma vez que o próprio cronista, mais adiante, re-
conhece a pouca produção do gado local:

0 p e s o m é d i o d o s b o i s s e r t a n e j o s de 5 a n o s é de 120 k g s ou 8
a r r o b a s (...) p a r a as v a c a s l e i t e i r a s , r e c o l h i d a s n a m a i s f a -
vorável estação dos currais sertanejos, a m é d i a de 6 garrafas
de leite por dia já é, t a l v e z e x c e s s i v a .

Esta produção leiteira diária, "na mais favorável


1 97

estação" (o que era uma situação raramente vivida pelo


sertanejo do Seridó), é reconhecidamente insuficiente para
a dieta do criador e seus numerosos descendentes. . Caso
houvesse um excedente desta produção, jamais ele satisfa-
ria a uma produção de derivados do leite que fosse bastan-
te expressiva a ponto de entrar no mercado local.

Os carros de bois (ou as "juntas de bois") estão
presentes em 127 inventários ou 41,2% do total, em dife-
rentes estados de conservação.
As letras da ribeira, sinal ou ferro para marcar e
identificar o gado e o seu possuidor, foram relacionados
em 56 inventários (18,9%). Eram aplicados sobre a coxa es-
querda do animal. Usavam ainda entalhes feitos nas orelhas
dos animais para assinalá-los, reforçando a identificação.
Além de terem que ser registrados em repartições munici-
pais, que já limitava muito o número de seus possuidores,
estes ferros e letras auferiam ao herdeiro o direito de u-
- 82
sã-lo. As marcas de ferrar gado e sinal eram raros, ape-
nas em 31,5% dos inventariados.

2.2 VINCULAÇÕES COMERCIAIS E ASPECTOS FINANCEIROS

COMERCIALIZAÇÃO

As vias de escoamento e abastecimento de produtos


das regiões distantes do litoral, ou mesmo dos principais
portos, nunca deixaram de ser um dos significativos empe-
cilhos ao incremento do comércio interno, do séc. XIX, em
todo o Império.

Tal situação era reconhecida por parte das autori-


dades, merecendo constantes comentários em seus relató-
rios; o Ministério das Obras Públicas, por exemplo, chegou
a atribuir

a má aplicação em q u e se tem dado aos auxílios para aquele


19 8

f i m e, q u e t e m s i d o d e s v i a d o s d e l e , e m b o r a p a r a obras neces-
s á r i a s , m a s de n ã o t a n t a v a n t a g e m p a r a o p r o g r e s s o . ^

No Rio Grande do Norte, em 1 854 , o-presidente de


província, Bernardo de Passos, declarou que a província só
tem realmente "18 léguas de estradas, todas na região do
agreste (...) o mais ;gão caminhos propriamente ditos". Já
em 1859, é registrado, no relatório oficial da Província,
o contrato de serviços aprovado pela Assembléia provin-
cial, através da lei de 25/04/1859, entre aquele presiden-
te e o "Sr. Felix José de Souza pela quantia de 6.000$000
rs da qual já recebeu por conta 3.000$000rs, pela execução
do primeiro lanço da estrada que ligaria o litoral com o
sertão do Seridó". Esta estrada seria aberta em 3 etapas:
"a primeira era da capital à povoação de Santa Cruz; o se-
gundo lanço vai de Santa Cruz da Serra do Coité já com o
percurso traçado e o último trecho segue da Serra do Coité
.ã nova vila do Jardim na Comarca do Seridó.

No entanto, em 1861, encontramos, no relatório do


presidente Figueira Júnior, a seguinte nota:

Deve o tesouro provincial a quantia de 3.000$000rs c o r r e s p o n -


d e n t e a ú l t i m a p a r t e do a c o r d o d e 2 5 / 0 7 / 1 8 5 9 e n t r e o s e u go-
v e r n o e o c o n t r a c t a n t e F e l i x J o s é de S o u z a , p o r o b r a já con-
c l u í d a (no p r a z o de 11 m e s e s ) f i x a d o s n o c o n t r a t o . ® ^

Em nossa pesquisa, não encontramos mais nenhuma no-


R •

tic.ia sobre esta via de ligação sertão/capital. Apenas,


localizamos a referência no relatório de 1 5/06/1 872, de u-r
ma

c o m i s s ã o n o m e a d a a qual r e c e b e u um c o n t o de réis, para roça-


g e m de u m a e s t r a d a d o S e r i d ó , q u e se a c h o u em m a u e s t a d o e,
p o r o n d e d e s c e m os s e r t a n e j o s q u e t r a z e m g ê n e r o s do inte-
rior

Mas, não podemos afirmar tratar-se da mesma estra-


da ou se se refere a outra via de escoamento com traçado
não especificado.

No ano de 1862, o presidente Leão Veloso "contrata


serviços do engenheiro Dodt para melhorar as vias de comu-
199

86
nicações de Mossoró aos confins da província".

Entretanto, em 1874, o problema permanecia o mes-


mo, como atesta o relato do então presidente Bernardo de
Melo Filho, que afirmou:

Se n ã o f o s s e o c o m p r o m i s s o de o u t r o s m e l h o r a m e n t o s , t e r i a i-
niciado, ainda que com p a r c o s recursos, duas e s t r a d a s , para
q u e f u i a u t o r i z a d o p e l a s l e i s n 9 6 6 2 e 6 6 9 de 1 2 / 0 7 / 1 8 7 3 . A
p r i m e i r a d e v e l i g a r a c i d a d e d e M o s s o r ó ã S e r r a d e S. M i g u e l
com ramificação para Imperatriz, e a segunda a cidade do
Príncipe ao porto dos Armazéns da Comarca de Macau.®''

Apesar de ter uma topografia favorável à constru-


ção de estradas, a Província atravessa todo o nosso perío-
do de interesse com a maior parte de suas vias, abertas de
fazenda a fazenda, de povoado a povoado, que o casco dos
animais e o constante trânsito alargaram.

Com o regime fluvial de navegabilidade no sertão


muito instável, devido a problemas de ordem climática (se-
cas), as vias navegáveis da província limitavam-se aos
rios da região do agreste, assim mesmo em caráter precá-
rio, dependendo do movimento das marés.

Era muito reduzida a produção da província que es-


coava pelo porto cia sua capital. Esse precário movimento
deveu-se não só ao exíguo comércio que em Natal se desen-
volvia, com apenas uma casa estrangeira de grosso trato e
nenhuma brasileira, como também pelo isolamento em que se
encontrava dos centros produtores: "em 1057 este porto não
possuia mesas de rendas arrecadadoras fato que confirma
seu inexpressivo movimento comercial".^

Atracaram, no biênio 1854/1855, nove navios es-


trangeiros, já no ano financeiro de 1863/64 ali estiveram
16 navios, sendo apenas 2. nacionais, e no biênio seguinte
(1865/1866) atracaram no cais da capital 18 navios, sendo
i
16r -ingleses.
n

Ainda em 1874, a presidência da província comuni-


cava que:

0 transporte de gêneros se f a z , na sua m a i o r parte, pelo por-


200

to d e M o s s o r õ e n a p e q u e n a p o v o a ç ã o de M a c a i b a , f l u i n d o para
o p r i m e i r o os p r o d u t o s d o a l t o s e r t ã o e p a r a e s t a os da Co-
m a r c a de S. J o s é de M i p i b ú ( z o n a c a n a v i e i r a ) . E x i s t e m nestes
portos, casas exportadoras, a maior parte delas filiais de
P e r n a m b u c o , por conta das quais são c o m p r a d o s g ê n e r o s e ex-
p o r t a d o s em n a v i o s f r e t a d o s n a q u e l a p r o v í n c i a , q u e se dirige
p a r a e s t e p o r t o ou p a r a o d e M o s s o r õ , o n d e f u n c i o n a , d e s d e a -
g o s t o d o a n o p a s s a d o ( 1 8 7 3 ) , u m a m e s a de r e n d a s g e r a i s , h a b i -
l i t a d a p a r a d e s p a c h o s de e x p o r t a ç ã o . ^

O Município de Mossorõ, à despeito de ser interio-


rano e de hoje estar a 30 kms. do litoral, possuía um por-
to na localidade de Areia Branca (na embocadura do rio A-
podi ou Mossorõ) que, politicamente, lhe pertenceu de 1852
a 1892, e que lhe permitia um intenso desenvolvimento co-
mercial, que o tornou conhecido como: "empório do mercado
sertanejo". Assim como Mossoró, Assú também foi um centro
intermediário para o sertão, onde eram vendidos os gêneros
de exportação e eram comprados os de importação, através
de seu porto, Macau, na foz do rio Piranhas ou Assú. "Pou-
co se conhece no sertão Areia Branca ou Macau, fala-se a-
penas ern.Mossoro e Assu" .91

A posição geográfica, em que se encontravam os


produtores sertanejos norte-riograndenses e até mesmo os
do sertão paraibano, levou-os a depender mais do mercado
importador e exportador da cidade de Recife, e, mais tar-
de, dos portos de Mossorõ e Aracati, do que de suas capi-
tais. Ao estudar a economia paraibana no séc. XIX, a pro-
fessora Diana Galliza .constatou que também aquela provín-
cia, além de depender economicamente do grande centro re-
gional que foi Recife, tinha sua produção sertaneja

d a d a a p r e c a r i e d a d e d a s v i a s de comunicação, escoando por


M o s s o r ó , no Rio G r a n d e do N o r t e e por A r a c a t i , na fronteira
- q9 ' '
c o m o C e a r a . J/-

Da V. do Príncipe, três percursos eram utilizados


para se chegar ao litoral:

o p r i m e i r o p a s s a n d o p o r A s s ú e S. M i g u e l de J u c u r u t ú c o m um
t o t a l de 2 6 0 k m s ; o s e g u n d o p a s s a n d o p o r T r i u n p h o , Augusto
S e v e r o e S. M i g u e l de J u c u r u t ú c o m um t o t a l d e 2.40 k m s e .o
t e r c e i r o p a s s a n d o p o r A u g u s t o S e v e r o n u m t o t a l d e 185 k m s . 9 3
201

Apesar dos longos percursos descritos acima, as


"aguadas" garantidas com cacimbas e açudes existentes ao
longo destes trajetos tornavam viáveis a chegada dos com-
boios aos portos marítimos de Mossoró e Assú. Por ou-
tro lado, os impostos cobrados nas mesas arrecadadoras do
Ceará e Paraíba eram mais baixos, o que representava um
lucro maior ao pequeno produtor, animando-o a escoar sua
pequena produção por este trajeto.

OS FRETES E IMPOSTOS

A dependência para com as praças comerciais das


províncias limítrofes acarretava ao produtor uma margem,
menor de lucros face aos fretes advindos das longas dis-
tâncias e das péssimas condições das estradas, além de i-
números "impostos gerais, provinciais e até municipais que
tiram da populaçao quase 15% do seu rendimento".

Em 1908, por exemplo, afirmava Manuel Dantas Cor-


rêa que os fretes para qualquer porto do Estado são de
3$000rs a 5$000rs o saco, (...) o algodão chega ao porto
de embarque com uma despesa de 10$000rs entre fretes e im~
postos". J

Os impostos cobrados nas mesas arrecadadoras deis


províncias limítrofes sempre foram assunto dos relatórios
presidenciais. Os problemas que estas mesas arrecadadoras
criaram para os cofres públicos locais foram inúmeros. Di-
versos documentos, durante o nosso período de interesse,
apontam como solução para' o controle das rendas provin-
ciais, "a criação de agências fiscais nos centros exporta-
dores vizinhos de Mamanguape (PB), Aracaty (CE) e Recife
96
(PE)" .

O imposto cobrado nas agências da Província da Pa-


raíba e do Ceará era de 4%, já nas agências de Pernambuco,
ele subia para 5%, o que levava os produtores a procurar
as mesas daquelas duas primeiras províncias.
202

A sonegação de impostos de produtos de exportação


da província era prática constante. Além dos arranjos co-
muns para se driblar o pagamento das tarifas impostas, a
própria legislação controvertida e mal elaborada propicia-
va o contrabando e o desfalque aos cofres públicos.

Declara, em 1J}68, o presidente Carneiro da Cunha-


que "além de tão visível desfalque nas rendas da provín-
cia, a inconvenientíssima medida de elevar para 7% o im-
posto de exportação, trouxe o desenvolvimento do crime do
contrabando. Ern bem desta província, urge que se equipare
dito imposto com o das demais províncias para 5% procuran-
do se acabar com a diferença existente".
Por outro lado, a falta de um estabelecimento a-
propriado para armazenar esta produção que chegava ao li-
toral, levou o presidente Leão Veloso, a pedido da Assem-,
bléia Municipal de Mossorõ, a contratar com o

cidadão Manoel J-o s é M a r L i n s , a e d i f i c a ç ã o d e u m a r m a z é m ~ na


barra d e M o s s o r o , o b r a u r g e n t e , p o i s q u e de s u a c o n c l u s ã o de-
pende a realização da cláusula a que está obrigada a Cia.
P e r n a m b u c a n a , de f a z e r t o c a r n a q u e l e p o r t o os s e u s v a p o r e s . 9 7

Com este armazém, os produtos sertanejos poderiam


ser estocados e embarcados em terras da província, o que
aumentaria sensivelmente a receita, além de livrá-los das
taxações das mesas arrecadadoras da Província do Ceará.

De pouco resolveram estas medidas. A produção a


ser escoada por Mossoró não era tão significativa em ter-
mos de Império, e a Cia. Pernambucana de Navegação utili-
zava de todos os argumentos para justificar a não inclusão
no trajeto deste porto fluvial norte-riograndense. Por ou-
tro lado, não deixava de ser também uma manobra do governo
pernambucano em tentar que esta produção, em virtude do a-
traso, procurasse seus portos para escoar, conseguindo as-
sim um aumento na sua arrecadação.

Já o comércio de pequeno porte da V. do Príncipe


(produtos de subsistência) efetuava-se entre os produtores
dos brejos paraibanos (região vizinha situada na então Co-
203

marca do Catolé do Rocha - PB), transações que até hoje


subexistem. Para o sertanejo, o comércio com esta região
representava um escoadouro da sua parca produção (carne,
leite, queijo) e, para o seu consumo, os brejos lhes for-
neciam o feijão, a farinha, o milho, o fumo e a aguarden-
te. Tal comércio limitava-se ã circulação de produtos a-
grlcolas, aumentando*na medida que os períodos de seca e
escassez de produção local se acentuavam. A dependência à
produção paraibana sempre foi muito grande, por ser uma
região próxima, porém mais poupada pelas irregularidades
climáticas. No entanto, esse já insuficiente comércio fi-
cava prejudicado com os excessos de taxações e impostos: O
presidente Medeiros Murta preocupa-se, em 1863, com os o-
nerosos impostos que os gêneros da lavoura pagam na pro-
víncia .

A l é m do dízimo, pagam m a i s 80$000rs por cada carga que for


recolhida e exposta à venda nos mercados públicos das m u n i c i -
p a l i d a d e s e 6 0 $ 0 0 0 r s por cada uma que for v e n d i d a fora dos
m e r c a d o s ; e se s ã o d e s t i n a d a s ã e x p o r t a ç ã o p a g a m o r e s p e c t i v o
i m p o s t o p r o v i n c i a l , se f o r p a r a f o r a da p r o v í n c i a m a s dentro
d o I m p é r i o e, se f o r p a r a o e s t r a n g e i r o m a i s o g e r a l , isto
f o r a os i n d i r e t o s . É , s e m c o n t e s t a ç ã o , t i r a r m u i t o d e u m a p r o -
d u ç ã o que l u t a c o m a r o t i n a d a s s e c a s e d a s d i f i c u l d a d e s de
transporte

Mas não localizamos nenhuma medida legal que sua-


vizasse esta cobrança absurda e reconhecida pelo presiden-
te de província como insustentável para a agricultura lo-
T "

cal.

Em 1903, a situação não era tão diferente:

... n a s e s t r a d a s d o s b r e j o s p a r a i b a n o s s ã o o s p o b r e s cam-
boeiros a s s a l t a d o s (sic), por i n d i v í d u o s q u e e x i g e m q u a n t i a s
ã t í t u l o s d e i m p o s t o s , m u i t a s v e z e s t i p o s tão e s t ú p i d o s sob o
n o m e d e g u a r d a s , q u e são i n c a p a z e s d e l e r e m a g u i a o u d o c u m e n -
tos com que o m a t u t o tenta p r o v a r que a n t e s de p a r t i r para a
v i a g e m , já s o f r e r á i d ê n t i c o a s s a l t o (sic). E a s s i m , são pa-
g o s o s t a i s i m p o s t o s d u a s ou m a i s v e z e s , a i n d a m e s m o q u e a
m e r c a d o r i a vá a t í t u l o d e t r a n s i t o ( . . . ) m u i t a s v e z e s h á de
pagar impostos m u n i c i p a i s na partida, impostos estaduais na
s a í d a , i m p o s t o s e s t a d u a i s a o e n t r a r em o u t r o E s t a d o , imposto
de c o n s u m o e a i n d a i m p o s t o s m u n i c i p a i s ao e x p o r o p r o d u t o ã
v e n d a . Sob e s t e a s p e c t o , as e s t r a d a s p a r a o C e a r á são menos
perigosas, há menos e s c â n d a l o s .
204

EXPORTAÇÃO

Os principais produtos agro-pecuários de exporta-


ção da província foram os couros, o algodão e a cana. A-
través dos dados esparsos fornecidos pelos relatórios pre-
sidenciais, elaboramos o Quadro LXII, a partir da média de
volume exportado. Podemos dizer, então, que a década de 50
foi o grande período da exportação dos couros.

Quadro LXII - VOLUME MÉDIO (EM ARROBAS) DA EXPORTAÇÃO DA


PROVÍNCIA DO RIO GRANDE DO NORTE - 1850/1890

PRODUTOS 1850/60 1860/70 1870/80 1880/90

Arrobas^ Arrobas^ Arrobas^ .\rrobas ^

ALGODÃO 32 6 ,2 147 24,7 224 34,4 449 52,2


COUROS/SOLAS 239 46,2 194 32,6 177 27,2 197 22,9
AÇ0CAR 1 54 2 9,9 148 24,8 158 24,3 129 14,9
OUTROS 92 17,7 107 17,9 91 14,1 87 10,0

TOTAL 517 100 596 100 650 100 862 100

Fonte: R.P.P. B e r n a r d o P a s s o s - 1854 p . 32


R.P.P. M a n u e l J o s é M a r i n h o d a C u n h a - 1 8 6 9 p . 12
- R.P.P. A n t o n i o B a s í l i o R . D a n t a s - 1889 p . 21
IBGE - Q u a d r o d e m o n s t r a t i v o dos p r i n c i p a i s p r o d u t o s nacionais
1867/1888 - Sebastião Ferreira Soares

•F •

A década de 60 foi mais equilibrada, havendo uma


tendência maior para a exportação do açúcar. Já na década
de 70, o algodão foi o grande produto de exportação, se-
guido dos couros, permanecendo em evidência, nos anos 80,
correspondendo a 52,2% da exportação total da província.
Reconhecemos que estes números estão longe de ex-
pressar a realidade, mas, ao menos, nos auxiliam a detec-
tar a tendência que os principais produtos exportáveis da
província tiveram na segunda metade do século passado.
ij"
Foi considerado como algodão, o algodão em caroço
e em pluma; no item referente ao açúcar, computámos o açú-
205

car branco e o mascavo; jã em "outros", os produtos que


mais se destacaram foram o pescado, a cera de carnaúba, o
pau-brasil e a aguardente apareceu esporadicamente.

No entanto, na balança comercial, as importações


sempre foram mais elevadas. Importava-se, principalmente,
sal, vinho, bolachas, .£hãs, tecidos.
Relatórios de presidentes de províncias atestam
que a exportação de couros era muito expressiva no início
do nosso período, apesar de não espelhar a sua real produ-
ção, devido aos desvios que a carga sofria, sem passar pe-
las mesas arrecadadoras. Também os dados contidos nessa
fonte não especificam a quota de cada município.

Quanto aos derivados do leite, queijos e manteiga,


os indícios de sua fabricação caseira foram representados
através dos tachos de cobre e das tábuas de fazer queijo,
em 151 inventários ou 4 9,3%, mas estes números não atestam
uma produção significativa de volume tal que propiciasse
um excedente comercializávcl (ver nota 81).

COMÉRCIO INTERNO

Corno não encontramos dados sobre o volume de pro-


dução do município, tornou-se impossível precisá-los atra-
vés' das informações contidas nos relatórios de presidente
de província, que não especificam o volume correspondente
a cada região. Os dados sobre produção agrícola, existen-
tes nos inventários, não nos permitem aprofundar muito
essa análise.

No entanto, se levarmos em conta o número de in-


ventariados que possuiram bens relacionados com o benefi-
ciamento do algodão, mandioca, cana-de-açúcar e plantio de
árvores frutíferas, podemos trabalhar, ainda que precaria-
mente, com conceito de produção para mercado interno e au-
to/consumo. Como nenhum dos 41 despossuídos de terra de-
monstrou qualquer indício de produção, a não ser a posse
206

de alguns instrumentos agrícolas, desde já os consideramos


produtores exclusivos para o auto-consumo.

Mas, dos 267 possuidores de terras, encontramos 16


(5,9%) com alguma vinculação com o plantio e a produção da
mandioca; 8 (2,9%) com alguma ligação ao plantio e benefi-
ciamento da cana-de-açúcar e 24 (8,9%) cultivadores de al-
godão. Já os inventariados que possuíam plantações de ár-
vores frutíferas somam 32 (11,9%). Como nos utilizamos de
prováveis indicadores de produção, como: roda de moer man-
dioca, engenho de purgar, formas para rapadura, engenho de
fiar, etc., e prudente ressaltar que esta avaliação está
sujeita a erro, apesar de serem os dados disponíveis.

A partir da análise das declarações de bens e de


alguma produção, dos 80 inventariados acima, podemos fazer
uma estimativa sobre as suas vinculações com o mercado in-
terno e/ou produção de alimentos apenas para o auto-consu-
mo .

Quadro LXI.II - ESTIMATIVA DO DESTINO DA PRODUÇÃO DO MUNICÍ-


PIO VILA DO PRÍNCIPE - 1850/18 90
DESTINO DA PRODUÇÃO
TIPO DE PJRODUÇÃO INVENTARIADO %
MERCADO INTERNO % AUTO-CONSUMO %

MANDIOCA PARA
FARINHAT •
14 17,5 6 7,5 8 10

MANDIOCA/MILHO
AÇÚCAR /FEIJÃO 8 10 1 1,3 7 8,7

ALGODÃO 16 20 2 2,5 14 17,5

MANDIOCA/FRUTAS
ALGODÃO 7 8,7 3 3,7 4 5

CANA/MANDIOCA 8 10 1 1,3 7 8,7

FRUTAS 27 33,6 22 27,5 5 6,3

TOTAL 80 35 43,8 45 56,2


Fonte: Inventários post-mortem 1850/1890
207

Esta divisão de mercado interno e auto-consumo fi-


zemos baseados na relação geral dos bens dos inventaria-
dos. Quando o seu total era muito baixo, computámos como
produção para auto-consumo; quando era médio para alto,
assinalamos como produção para comercialização.

Como a produção e/ou indícios de instrumentos para


o beneficiamento do algodão foram muito pequenos (ver Qua-
dro LIV ), não consideramos este produto como para expor-
tação, neste período.

Na produção de alimentos, trabalhamos apenas com


os 53,8% que especificaram o tipo de produto, ou seja, 10%
plantadores de lavouras de mandioca, milho, açúcar e fei-
jão, os 33,8% que cultivavam apenas "fruteiras", e os 10%
que tinham cana e mandioca em suas roças. Em termos de gê-
neros alimentícios, o comércio de frutas (laranjas, cajus,
goiabas e cocos) foi o mais representativo através dos in-
ventários, ou seja, 27,5%. Com bases nestes cálculos esti-
mativos, temos segundo o quadro LXIII .
Produção para o mercado interno - 4 3,8%
Produção para o auto-consumo - 56,2%

A maior parte da produção para o auto-consumo es-


tava por conta de pequenos e médios proprietários, além
dos moradores e agregados.

A mandioca e o algodão eram produzidos apenas por


* '

grandes e médios proprietários; já as frutas e a cana e o


algodão consorciado com lavouras como feijão e milho, sua
produção estava ao alcance dos médios proprietários.
É interessante notar a valorização e o aumento do
cultivo de árvores frutíferas ã partir da década de 70,
representando 58,3% do total dos inventários.

O comércio de secos e molhados, entre os habitan-


tes mais ricos da V. do Príncipe, era feito na praça do
Recife. Entre as letras vencidas , na relação das passi-
vas, destacou-se a Comercial Souza e Irmãos, naquela cida-
de pernambucana, como a preferida entre os sertanejos do
208

Município, com um total de 5 letras vencidas na década de


70, todas no valor de 3.275$000rs, sem especificar o arti-
go adquirido.

Em termos de mercado local, encontramos, no inven-


tário de Manuel Gonçalves Vale (1 873) , indícios de um
grande comerciante na V. do Príncipe. A relação de estoque
existente em sua loja reflete os hábitos simples dos seri-
doenses. Nesta casa de comércio, o freguês encontrava des-
de a linha para a costura ligeira, corno tec.idos, aviamen-
tos, sapatos, roupas para homens, chapéus e acessórios,
como abotoaduras, vidros de água de cheiro. Vendia ainda
ferragens para atender a qualquer marceneiro ou mesmo la-
vrador. A título de curiosidade, destacamos os nove ócu-
los, ao preço de $800rs cada um e os 40 pentes para bi-
chos, ao preço de $240rs cada.

Manuel Gonçalves. Vale foi um próspero comerciante,


na época. Sua casa comercial lhe permitiu deixar, como pa-
trimônio ã sua família, 4 casas na cidcide, terras, 25 ca-
beças de gado, entre vaccum e cavallar, além de 26 ovelhas
e 18 cabras e um casal de escravos. O monte de sua fortuna
somou 20 .786$436rs, o que é muito considerável para. a épo-
ca .

Um mascate ativo na região foi o italiano Nicolau


Xifoni. Negociante, mercador de escravos e até mesmo loca-
dor de terras, o italiano Nicolau teve a sua primeira re-
ferência no inventário de José Maria de Jesus, em 1863,
quando, no rol das dívidas passivas, constava a quantia de
5$00 0rs, por compra de tecidos. Já em 1874, Felix Maria de
Oliveira faleceu devendo ao italiano Xifoni 8$000rs, por
loções de água e tecidos. Neste ano, o negociante Nicolau
começou a atuar no lucrativo tráfico de escravos. Até
1878, ou seja, um período de 4 anos, ele comprou 19 escra-
vos, sendo 7 mulheres e 12 homens, com idades variáveis
entre 3 e 39 anos, a faixa mais apta para o trabalho e
mais lucrativa na revenda.
Em 1080, Manuel Calixto Alves, ao morrer, deixou â
209

pagar ao italiano Nicolau a quantia de 85$000rs, por di-


versos. Ainda neste mesmo ano, o negociante Nicolau Xifoni
foi citado na petição do tutor de José Eustáquio de Araújo
Gama ao Juiz de Órfãos da região, como responsável pela
retirada de dois escravos acusados de roubo. Mais uma vez
a mercadoria era rendosa, tratava-se de escravos com menos
de 20 anos (ver anexo II).

No ano seguinte, em agosto de 1881, o italiano


Xifoni arrendava uma parte da casa e de terras de plantar
e criar no Sítio Serrote em Jardim de Piranhas, a João Ba-
tista Sales, no valor de 50$000rs, por 2 anos; para Felipe
Ferreira Dutra, no lugar denominado Cacimba de Baixo, um
sítio de terras com casa, cercado, roçado, pelo prazo de 2
anos, a 200$000rs, e, finalmente, para José Chagas Maria,
arrendou um sítio de terras com casa, açude, cercado e ro-
çado, no Sítio Sabueiro, por 400$000rs, em 2 vezes". 1 0 0

Pelo exposto acima, com relação ao destino da pro-


dução agro-pccuária do município, embora precariamente,'
notamos uma significativa parcela da produção pecuária
voltada para o mercado interno. Já a produção agrícola, em
menor percentagem, procurava abastecer o mercado local com
tentativas de penetrar no regional.

Esta produção da economia baseada no trabalho es-


cravo (que definia as relações de produção), utilizando
também mao-de-obra livre, era principalmente das médias e
grandes propriedades. As formas de trabalho livre que fo-
ram associadas e substituindo, paulatinamente, o trabalho
escravo, nas lavouras e no trato com o gado, são um forte
indicador do desenvolvimento lento deste mercado.

Quando a força de trabalho se torna uma mercado-


ria, poderá acontecer sensível e constante ampliação do
mercado interno. Mas a força de trabalho local era semi-
-assalariada, e o vagaroso ritmo do aumento da proporção
em dinheiro pago para o trabalhador freiava cada vez mais
a constituição do mercado interno nos moldes capitalistas.

A formação de urna pequena burguesia agrária e co-


locs.1 coir.ciiiu cc~ a í c m a ç ã o desse nercado In.-
n.eirr.c< r. í regiac, csr, a desagregação da econcz»ia escravista
e cozi a suborcinaçao de pequenos e médios produtores a e;;-
ta nova classe social.

Mas esta frágil


ta
classe emergente, com as dificul-
dades de acumulação, era obrigada a manter formas de tra~-
balho ern que os baixos salários monetários constituissem
pequena parcela do total. Por outro lado, a manutenção de
tais formas de trabalho impediam a ampliação do mercado
interno, limitava o desenvolvimento do capitalismo e, por-
tanto, a própria burguesia local.
O mesmo podemos dizer com respeito ao atrelamento
do capitalismo brasileiro ao exterior, uma vez que boa
parte da produção era voltada para o mercado exterior.

O mercado'interno enfrentava também outras difi-


culdades, que estavam ligadas à capacidade de se auto-a-
bastecer das fazendas, o maior mercado consumidor dos pro-
dutos locais, as dificuldades de transporte que impedia
que boa parte da produção pudesse ser comercializada em
outras regiões mais distantes e ao próprio volume de pro-
dução .agrícola, que era reduzido não só pelas restritas á-
reas agricultáveis, como pelo baixo nível técnico emprega-
do.

' • Essas situações eram agravadas com as periódicas


secas que atingiam a região.

O mercado interno da V. do Príncipe, além disso,


era muito diversificado: carnes, farinha, milho, feijão,
frutas e queijo atendiam à população mais pobre. O consumo
daqueles mais afortunados era produzido em suas próprias
fazendas ou adquirido nas pequenas casas de comércio que
vendiam produtos importados trazidos de Pernambuco, grande
centro importador. Entre eles, os mais admirados eram o
bacalhau, o azeite de oliva, vinagres, cervejas e bola-
chas, além de tecidos e peças do vestiário.

Da Paraíba chegavam gêneros alimentícios; rapadu-


ras, carne seca, sal vinham do Ceará, e peixes, doces, bo-
19 8

lachas de Pernambuco.

O comércio interno ficava assim restrito:


1) aos roceiros, que permutavam suas produções,
procurando suprir sua dieta alimentar;
2) ãs próprias vilas, onde os agricultores dispu-
nham os seus parcos excedentes e
3) às pequenas feiras, realizadas em centros mais
distantes. Este comércio mais distante dava chance ao a-
travessador de exercer seu trabalho, o que mereceu a crí-
tica do presidente Figueira Júnior, quando considerou o
"monopólio dos atravessadores" que nada mais faziam que
contribuir para a carestia sempre crescente dos gêneros a-
,, , , . 101
limentícios.
Objetivando estudar a vinculação dos criadores com
o comércio do gado e/ou seus produtos derivados, conside-
ramos, como rebanho para úso restrito da subsistência, até
5 cabeças de gado; de 5 a 10 animais, o criador já teria
uma vinculação precária com o comercio local, através dos
produtos derivados do leite (queijo e manteiga), e acima de
10 cabeças de gado, uma forte vinculação e dependência pa-
ra com o mercado regional. Assim, teremos: 9,8%, dos 41
despossuidos de terras, ou 4 inventariados, com um rebanho
de até 5 animais; 7 despossuidos, ou 17,1%, tinham um to-
tal de até 10 cabeças de gado, e 73,1%, ou 3U, dos 41 des-
possuidos de terras, tinham um rebanho com mais de 10 ani-
mais.

Como todos os 4 1 despossuidos de terras tiveram um


rebanho declarado entre seus bens, cremos que a sua sobre-
vivência estava subordinada no trato e comercialização do
gado e/ou dos produtos derivados do leite e da carne.

Já entre os 246 proprietários de terras, 25 inven-


tariados, ou 10,2%, possuiam até 5 cabeças de gado; com um
rebanho entre 5 a 10 cabeças de gado encontramos 28 inven-
tariados, ou 11,4% do total. A grande maioria dos inventa-
riados, ou seja, 193 (78,4%) possuia acima de 10 cabeças
de gado, refletindo sua vinculação com o comércio local e/
212

ou regional.
DCEECE possuidores d^ terras e çado da V. do Prín-
cipe, 13, ou 5,3%, tiveraz. una ligação direta cozi o abate
e o comércio da carne. Deles, 8 inventariados possuiaia tá-
buas ou mesas para o retalho do gado, e os outros 5 tinham
entre as suas dívidas -ativas alguma menção "à carne verde
do açougue". É interessante notar que, dos 13 inventaria-
dos acima, 8 pertencem à camada daqueles que sua fortuna
foi avaliada entre 20.001$000rs a 30.000$000rs, que repre-
sentam 3,6% do total dos inventariados. Os demais se en-
contram dentro da faixa de 11.001$000rs a 11.500$000rs, ou
1,9% dos processos pesquisados (ver Quadro XLVI ). Est^
observação revela que o monopólio do comércio do gado, da
carne e de seus derivados, encontrava-se em mãos de uma
restrita faixa de pecuaristas bem situados na região.

Se consultarmos o último item da postura de 1871,


veremos que, para se manter um açougue particular em suas
terras, o interessado teria que obter "uma licença pela
qual pagaria anualmente 2$000rs para os cofres municipais"
(ver anexo I).
Ora, essa quantia restringia muito o número de cri-
adores que podiam, além de manter os seus animais, abatê-
—los. Essa dependência no abate diminuia para o criador a
margem de ganho com o seu gado. No entanto, para o pro-
prietário do açougue, neste momento o intermediário e o
comerciante, o corte do gado se apresentava como vantajo-
so. Destci maneira, restava ao simples criador duas opções:
ou entregar seu gado para o abate e o corte aos açougues
próximos da região (muitas vezes, pertencente ao proprie-
tário da terra que trabalhava) ou levá-lo para as feiras
de gado em vilas vizinhas, correndo os riscos da viagem,
do transporte e de alcançar baixas avaliações, tendo em
vista a baixa qualidade de seus animais.

Entre os inventariados, encontramos o de Camila


Simôa de Morais (1 874 ) , que possuia, entre as suas ati-
vas, a dívida de Felipe Santiago de Melo "de 11$500rs por
213

carnes do açougue". Vale ressaltar que, entre seus bens,


foram relacionados: 1 braço de balança e um facão de abrir
carne. Estes indícios nos levam a supor que esta inventa-
riada possuia instalações para fazer abate de animais.

O abate e a comercialização do gado na V. do Prín-


cipe, em mãos de poucos pecuaristas pertencentes ã elite
local, era um dos meios pelos quais esta burguesia manti-
nha a hierarquização social, satisfazendo os interesses
próprios, evitando que a outra parcela da sociedade esca-
passe do seu controle.

FINANÇAS

A circulação monetária era pequena no Município.


Através dos inventários, pode-se constatar que muito pou-
cos deixaram dinheiro vivo. Apenas 11,4% do total, ou 35
inventariados, e, mesmo assim, na maioria, uma quantidade
muito pequena (ver Quadro LXIV).

Quadro LXIV - NÚMERO DE INVENTARIADOS QUE DEIXARAM DINHEIRO


EM ESPÉCIE E PERCENTAGEM SOBRE O TOTAL - 1850/1890

QUANTIA N? DE INVENTÁRIOS % SOBRE 0 TOTAL DEIXADO

ATÉ 50$ 7 20
DE 51$ A 100$ 6 17,1
DE 101$ A 500$ 13 37,1
DE 501$ A 2000$ •7 20
DE 2000$ A 4500$ 1 2,9
ACIMA DE 11000$ 1 2,9

TOTAL 35 100

Fonte: Inventários post-inortcm 1850/1890


214

A maior quantia foi a de 11.238$060rs, seguida da


de 2.414$366rs.
Arrolamos 273 (88,6%) inventários sem registros de
moeda corrente como bem de herança.

Dos inventariados, 132, ou 42,8% do total, deixa-


ram dividas passivas, sendo que 8. desses (6,1%) dividas
muito altas, de mais de 2.000$000rs. Não consideramos, pa-
ra esta análise, as dividas para com o funeral, bens d'al-
ma e irmandades, apenas arrolamos aquelas que, de alguma
maneira, pareciam estar ligadas ao comércio, bens de ser-
viços e empréstimos (ver Gráfico XIV).

Desses 8 inventariados que legaram passivas acima


de 2.000$000rs, constatamos que 6 eram dívidas a negocian-
tes e que 4 delas referiam-se a negociantes da praça de
Pernambuco. Estes'grandes intermediários da região forma-
vam a classe dos comerciantes que viriam a ser a burguesia
local, no final' do nosso período.

Tais comerciantes abasteciam o acanhado mercado do


Seridó com produtos finos, adquiridos no grande centro im-
portador, que foi a cidade do Recife.
Isto nos revela a dependência da pequena produção
para com o mercado local, intermediário, direta e indire-
tamente, das grandes casas comerciais de Pernambuco.

Entre estes 4 inventariados, chamou-nos o processo


de Joaquim José de Lucena, um despossuído de terras, que
deixou a quantia de 5.510$780rs, referente, principalmen-
te, a casas comerciais na praça de Recife, cabendo aos
herdeiros apenas uma pequena parcela deste total. Por ou-
tro lado, o comerciante falido tinha a receber (somente de
um cliente) a quantia de 600$000rs. Detectamos, através
dos processos de inventários, vários mercadores ambulan-
tes, como o Joaquim Lucena, que deviam viver de pequenas
vendas realizadas nas andanças pelas propriedades do inte-
rior do sertão. 0 caso de Joaquim de Lucena é bem típico,
uma vez que seus filhos viviam no município, tendo ele fa-
lecido na casa do mais velho, seu inventariante.
GRÁFICO XIV
CLASSIFICAÇÃO DOS INVENTARIADOS SEGUNDO SUAS
50%- DÍVIDAS PASSIVAS - VILA DO PRÍNCIPE- 1850/1890
60
45%-

4 0%-

35%- 44

30%-

25%"

20%-
20
15%-

10%-

5%
3,8% 2,3%

ATÉ 1005000 DE 101$000 DE 501$000 DE 2001$000 ACIMA DE


A 500$000 A 2000S000 A 5000$000 5000$000

Fonte': I n v e n t á r i o s p o s t - m o r t e m - V. P r í n c i p e - 1850/1890
216

Os demais endividados (aqueles que suas dívidas


somavam até 2.000$000rs) representam a grande maioria de
devedores do município e são, de modo geral, pequenos e
médios criadores. Suas dívidas dizem respeito a compra de
animais, de gêneros alimentícios, a empréstimo de dinhei-
ro, compras nas peciuenas casas comerciais do município e
r 102

ate mesmo a pequenas prestações de serviços.

O numero de inventariados que deixaram dívidas a-


tivas foi menor, ou seja, 121 (39,2%), e aqueles que con-
tavam com dívidas ativas maiores de 2.000$000rs eram ape-
nas 9,1%, ou 11 credores (ver Gráfico XV).

Vale ressaltar o elevado número de inventariados,


56 (46,3%), que deixaram pequenas ativas a receber, suge-
rindo pequenas negociações ou prestações de serviços.

Quadro LXV - OCUPAÇÃO DOS CREDORES DAS DÍVIDAS ACIMA DE


2.000$000RS OU MAIS
1
N9 DE % SOBRE 0 TOTAL DOS
OCUPAÇÃO DOS CREDORES
CREDORES INVENTARIADOS

COMERCIANTES LOCAIS 2 0,7

PRODUTORES DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS


QUEIJO E CARNES 3 0,9

CRIAIXiRES '
< • 4 1,3

CRIADORES /PIANIADORES DE ALGODÃO 2 0,7


Fonte: Inventários po st:-mor tem 1850/1890

/vtravés do Quadro LXV, vemos que a maioria dos


credores estava ligada ao trato com o gado, em todas as
espécies, representando 1,3% do total; à seguir vêm os pos-
suidores de lavouras de gêneros alimentícios e criadores
(negociavam produtos derivados, como queijos e carnes); em
menor número estavam aqueles credores que eram comercian-
tes locais e os criadores e plantadores de algodão, cor-
respondendo apenas a 0,7% do total. A produção algodoeira,
GRAFICO XV

CLASSIFICAÇÃO DOS INVENTARIADOS SEGUNDO SUAS


DÍVIDAS *ATIVAS - VILA DO PRÍNCIPE - 1 850/1 890

56

34

20

2,5%

ATÉ 100*000 DE 101$000 DS 501$000 DE 2001$000 ACIMA DE


A 500$0C0 A 2000$000 A 5000$000 5000$000

Fonte: Inventários- post-morteia - 1850/1890


218

naquele momento, era muito reduzida; pelos dados forneci-


dos nesta'fonte, ela bastaria apenas para o comércio lo-
cal .

Em nossa região, o poder ainda emanava daqueles


que possuiam a terra e dela dependia Mas notamos visí-
veis indicadores de que, de forma muito lenta, emergia uma
parcela da sociedade local ligada ã produção do algodão e
ao comércio, que se firmava, refletindo uma mudança no
quadro político-econômico do município.
Dos 297 (96,4%) credores, suas cobranças eram re-
ferentes aos mesmos produtos, de maneira geral, sendo que
em menores proporções. Desta análise, destacamos o Padre
G i l B r a z de Maria Santíssima, que era credor de 2.322$16Ò
rs, mas o padre Gil não emprestava dinheiro de olhos fe-
chados, só em letras vencidas ele tinha 1.668$000rs. Os
seus demais devedores tinham pequenas quantias, em geral,
referentes ã compra de pequenos animais e madeiras para
currais.

Em todo o nosso período, encontramos, nos livros


de notas do 19 Cartório do Município de Caicó, 19 hipote-
cas- (ver Quadro LXVI).

Quadro LXVI - HIPOTECAS REGISTRADAS NA VILA DO PRÍNCIPE


1850/1890

/ • BEM HIPOTECADO N9 DE REGISTROS

TERRAS 13
ESCRAVOS 4
CASA, ESCRAVOS E GADO 1
GADO 1

TOTAL 19
Fonte: Livro de N o t a s - 19 C a r t ó r i o do M u n i c í p i o de Caicó - 1850/1890
219

Para a década de 50, foram registradas 4 hipote-r


cas, sendo uma tendo como bens hipotecados: parte de uma
casa, 3 escravos e gado miúdo; a outra, seu teor referia-
-se a 5 cabeças de vacum; as demais eram terras de criar.
Das 5 hipotecas da década de 60, 4 eram de escravos (80%),
mas para os anos 70, das 10 hipotecas existentes, apenas
uma (1871) envolvia cativo como bem em questão (10%).

É nítida a perda do valor do escravo como bem hi-


potecável, apesar da sua grande valorização. Por outro la-
do, chama-nos mais uma vez a atenção para a crise que a-
travessou o município, na década de 70, quando foram lan-
çadas 10 escrituras de hipotecas, representando 52,6% do
total do nosso período de estudo.

As notas promissórias ou apontamentos de letras,


no município, foi outro tipo de título encontrado nos li-
vros de notas. Dos 10 registros arrolados para o nosso pe-
ríodo, 9 ocorreram entre 1860 e 1866 e apenas 1 em 1859
(ver Quadro LXVII). O valor desses títulos são muito viá-
veis (de 37$700rs a 4.678$000rs), assim como seus prazos

Quadro LXVII- APONTAMENTOS DE LETRAS PASSADAS ENTRE 185 0/


1890 NA VILA DO PRÍNCIPE

FORMAS DE PAGAMENTO N9 DE REGISTROS

EM GADO 4
FAZENDAS SECAS 1
ODRAS DE OURO 1
TERRAS 1
EM MOEDA 3

TOTAL 10
Fonte: Livro de Notas - 1? Cartório do Município de Caicó - 1850/1890

de vencimentos (de 21 dias "até quando me convier e puder


esperar"). Jã as condições de cobrança de juros foi uma
220

constante em todos os títulos: 2%.

Mas nem todas as letras eram registradas oficial-


mente. Detectamos mais 6 letras vencidas nos inventários.
Dessas, duas estão incluídas nas passivas para as décadas
de 80 e 70, e as demais, nas dívidas ativas, sendo duas na
década de 70, uma nos anos 50 e a outra em 1882.

Com os dados acima, podemos falar na superação do


modo de produção escravista em seu aspecto econômico, na
V. do Príncipe, a partir da década de 80.

A economia local passa a ter, na cultura do algo- .


dão, o seu ponto de apoio. Esta cultura, que até então vi-
nha sendo um complemento dos grandes - latifundiários pecua-
ristas, passa, a partir dos anos 80, a constituir o novo
suporte econômico da região do Seridõ, até tornar-se, nas
primeiras décadas'do nosso século, o grande produtor dás
fibras longas, destinadas à exportação. A acumulação que o
comércio de carnes e produtos derivados do gado possibili-
i •
tou aos grandes pecuaristas levou-os à melhoria no benefi-
ciamento da mandioca e, posteriormente, do algodão (liber-
tando-os dos utensílios de beneficiamento existentes nas
províncias vizinhas), permitindo-lhes assim não só maior
domínio da produção, como vínculos mais fortes com o co-
mercio onde já expunham seus produtos. Foi um período . de
transição para um capitalismo atrasado e dependente, em
relação a outras regiõe.s brasileiras, principalmente o su-
deste. No entanto, não podemos deixar de ressaltar esta
peculiaridade tão própria do nordeste, onde a estrutura
social arraigada nos quatro séculos de escravidão, manten-
do até hoje formas de trabalho não capitalistas, entravam
permanentemente o desenvolvimento, mantendo um quadro de
extrema pobreza, principalmente em nosso município, Caicó.
221

ANEXO II

POSTURA MUNICIPAL DE 23/09/1871 ASSINADA


POR MANUEL BASlLIO DE ARAÚJO

nenhum fazendeiro, administrador ou vaqueiro,


poderá fazer apartação de gados em seus pastos sem que re-
queira prévia licença à Câmara Municipal. Os infratores
serão multados em 20$000rs e serão sujeitos a indenizar ps
prejuízos causados em cada apartação.

- todo o território deste município é destinado


especialmente para a criação e, portanto qualquer pessoa
que maltratar gados alheios, além de pagar o dano causado,
sofrerá a multa de 10$000rs ou na falta de moeda, prisão
por 9 dias.
i
- todos os criadores deste município serão obri-
gados a registrar na secretaria da Câmara, em livro para
este fim destinado, os ferros e sinais de que usam pelo
que pagarão ao respectivo secretário $500rs prõ-labore,
sob pena de 4$00 0rs de multa e o duplo na reincidência.
- qualquer pessoa que tocar fogo no pasto sob
qualquer pretexto, sofrerá a multa de 8$000rs ou 8 dias de
prisão.
- todo o cricidor que tiver mais de 2.3 cabeças de
gado, será obrigado a conservar uma cacimba aberta e bem
zelada, sob pena de 4 0$000rs de multa.

- aquele porém, que não tiver terras próprias pa-


ra abrir cacimbas será obrigado a ajudar no trabalho do
vizinho rnais próximo sob pena de incorrer na multa do ar-
tigo antecedente.

- toda e qualquer pessoa que quiser ter um açou-


gue particular, poderá requerer ã câmara uma licença pela
qual pagará anualmente 2$000rs para o cofre municipal".
222

ANEXO I I

limo. Sr. Juiz de Órfãos termo do Príncipe

O Coronel Antonio Aladim de Araújo residente nesta


cidade, Curador Geral de Órfão e tutor do Órfão José Eus-
tãquio de Araújo Gama, seu sobrinho e afilhado, vem peran-
te V.S? requerer que lhe mande passar alvará de licença
para efetuar a venda do escravo João, pertencente ao mesmo
seu sobrinho e tutelado pela quantia de 1.400$000rs, ao- i-•
taliano Nicolau Xiffoni, que promete retirá-lo para fora
da terra com urgência que o caso pede (...) Há 18 dias
mais ou menos, que o supra dito indo a sua fazenda Soleda-
de, próxima a esta cidade, sentiu que lhe haviam tirado 26
meios de sola, muitos couros miúdos de bodes, muitas rapa-
duras do cariri, sua nova espingarda de caçar e todo ou
quase todo peixe do seu açude que reservava para progredir
e mandando "amansar" o seu escravo Lourenço ameaçando-o le-
var ao açoite por José Fernandes do Rego, que o amarrou,
veio a declarar tudo isto, e que fora vendido quase tudo
ao negociante Meisa, como confessa, por José Pancada, mo-
rador nas proximidades desta cidade, menos a espingarda
que fora distraída pelo escravo João que ultimamente anda-
va com ela. Nada porém foi senão repreendê-los e declarar-
—lhes que não servirão se continuasse, assim a proceder.
E pensando que os ditos escravos mudassem de conduta foram
apanhados de novo matando um carneiro do rebanho do supra
dito em um quarto de sua própri.a casa, no sábado passado,
d'onde concluiu que eles e não outros foram os que mataram
outras muitas cabeças que lhe faltam, e que se acham tão
incorregíveis e incapazes de estar em sua companhia, e em
sua casa, que o supra dito intendeu de vendê-los sem perda
de tempo e principalmente o escravo João, que também deso-
bediente e que receia o supra dito alguma traição. Por is-
so contratou com o italiano Nicolau, o do supra de melhor
223

.figura, por 1.200$000rs e o do orfão de melhor cor por


1.400$000rs ambos de 20 anos abaixo.

Vila do Príncipe 18/02/1880

i
i
ANEXO I I I

Escritura assinada em 02/09/1866 entre Manuel Se-


verino Drito (outorgahte) e José Salviano de Brito (outor-
gado) .

Bem arrendado: uma casa e um açude no S. Pedra de


Cima. Este acordo, com validade de tempo indeterminado
"enquanto convier as partes" reza o pagamento de 200$000rs
para as plantações que colherem de 01/09 a 01/01/1866 e,
em todo o primeiro ano pagará ainda o outorgado, a quantia
de 500$000rs em moeda corrente. Ele rendeiro será obrigado
a começar as cercas e reedificá-las quando necessário for
e levcintar o sangradouro do dito açude neste corrente ano,
dando-lhe outorgante, para este serviço, 2 arrobas de cal,
'1 pedreiro e um trabalhador para o dito serviço, não fa-
zendo durante o tempo do arrendamento, pagar a quantia de
100$000rs. No ano que por falta de chuvas o açude não to-
mar água, o rendeiro ficará isento do pagamento, salvo se
houver acordo entre as partes".
225

ANEXO IV

INVENTARIO DA LIBERTA MARIANA 187 7

V,
limo. Sr.

Lavra-se o auto da residência, bens declarados e par-


tilhas pelos herdeiros de conformidade com o dispositivo no
artivo 60 do Reg de 13 de outubro de 1873, Principe, 4 de
maio de 1877.
Tendo falecido em minha casa a liberta Mariana, es-
crava que foi de meu pai, Ten Cel Manoel Vieira de Medeiros,
deixando 11 cabeças de gado vacum a saber: 3 vacas c/crias
deste ano, 2 solteiras, 2 bois de 4 eras, 1 novilhote, 2 gar-
rotes e uma garrota, e por que existem tres filhos da mesma
escrava a saber: Luiza de Pedro Antonio de Gusmão Cavalcanti-
Joana pertencente ao dito seu pai que residia no termo de Jar
dim e aquele Pedro Antonio no Joazeiro desde o principio e
Francisco que ignora-se onde esteja e a quem pertença. Vis-
to ter sido vendido a 10 anos para partes da Província de
Pernambuco e nenhuma noticia se tem dêle, e por que tais
bens deverão ter algum destino segundo a lei, faço a presen-
te declaração afim de que V. S-, seja cientificado da exis-
tência de tais bens e que lhes dê destino que for de lei.
Deus guarde V. S., Mulungunsinlio, 3 de maio de 1877.

Dr. Antonio Serrano Gonçalves de Andrade, Juiz Mu-


' ' nicipal.

d'orfãos deste Termo do Principe.

Assinado: José Vieira de Medeiros.


226

Auto da existência e partilha dos bens deixados pela


falecida Liberta Mariana.

Aos 5 dias do mês de maio de 1877, nesta cidade do


Príncipe e casa de residência do Dr. Juiz Municipal d'orfãos
Antonio Serrano Gonçalves de Andrade, onde, eu escrivão do
meu cargo vem ai pelo dito Juiz me foi apresentada uma de-
claração feita por José Vieira de Medeiros, morador no sí-
tio Mulungunsinho dêste Têrmo, pela qual declarava existir
onze reses pertencentes a Liberta Mariana a qual havia fale-
cido em sua casa e que igualmente existia 3 filhos da mesma,
escravos, como tudo se vê da mesma declaração acho que fica
fãcil fazer este auto; e me ordenava de fazer o auto da e-
xistência de tais bens e partilha pelos filhos da mesma fa- '
lecida ã saber: Luisa escrava de Pedro Antonio Gusmão; Joana
escrava do Ten Cel Manoel Vieira de Medeiros e Francisco au-
sente em lugar incerto pelo qual que passando a descrevê-los
o mesmo Juiz avaliou os ditos pela maneira seguinte:
Achou o Juiz valer tres vacas c/ crias 54$
Achou o Juiz valer duas vacas solteiras 32$
Achou o Juiz valer dois bois de 4 eras 28$
Achou o Juiz valer o novilhote " 7$
Achou o Juiz valer os dois garrotes 10$
Achou o Juiz valer a garrota 5$
Importatam os bens existentes acima descritos em 136$
<

Achou o Juiz que dividida a quantia supra declarada, pelos


tres filhos da falecida, toca a cada um a quantia de 45$333.
Concluída a avaliação e partilha supra, se deu aos
quinhões pela maneira seguinte:
Quinhão de Luiza 45$333.
Deu-se-lhe uma vaca c/ cria do valor de 18$
" " " solteira do valor de 16$
" dois garrotes do valor de 10$
Repondo-lhe o ausente Francisco 1$333
Quinhão de Joana 4 5$33 3
Deu-se-lhe uma vaca c/ cria do valor de 18$
" um boi no valor de 14$
227

Deu-se-lhe uma garrota no valor de 5$


Do ausente Francisco 1$333
Deu-se-lhe mais um novilhote no valor de 7$

Quinhão de Francisco ausente a quantia de 45$333


Deu-se-lhe uma vaca no valor de 18$ c/ cria mais uma vaca
solteira no valor de 16$;* mais um boi no valor del4$. Repõe
a cada um dos dois irmãos 1$333.
Assim houve o auto de existência dos bens deixados
pela liberta Mariana, avaliação e partilha tudo perfeito de
conformidade com a lei (art 60 do regimento de 13 de novem-
bro de 1872) que rege a matéria. Observando-se em tudo a
maior igualdade de direito. E para tudo constar lavrei o
presente auto que assinou o Juiz Inácio Gonçalvez Vale e eu
escrivão subscrevo.
Antonio Serrano Gonçalvez de Andrade.
Aos sete dias do Mas de maio do dito ano nesta cidade do
Principe faço estes autos concluidos do Dr. Juiz Municipal
d'Órfãos Antonio Serrano Gonçalves de Andrade do seu presen-
te termo. Eu Ignácio Gonçalves valle escrivão (assino).

Julgo por sentença a presente partilha e mando que


se guarde e cumpra por inteiro. Não há custos. Os bens ava-
liados, digo, os bens partilhados passarão em poder dos
senhores herdeiros, c/ exceção do ausente para o qual nomeio
curador ao cadete José Vieira de Medeiros.

Cidade do Principe 14/05/1877.


228

NOTAS

PETRONE, Teresa Schorer - "As áreas de criação de ga-


do". In: História Geral da Civilização Brasileira.
São Paulo, Difel, 1973. T I, v. 2, p. 218-9; BARROS
DE CASTRO, Antonio - 7 ensaios sobre a economia bra-
sileira . Rio de Janeiro, Forense Universitária r 1971.
v. II, p. 22; DIEGUES JÚNIOR, Manuel - Regiões cultu-
rais do Brasil. Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de
Pesquisas Educacionais, MEC, 19 60.p. 151; SODRÉ,
Nelson Werneck - Formação histórica do Brasil. São
Paulo, Brasiliense, 1962. p. 123-5.

MOURA, Clovis de - Rebeliões de senzala. Rio de Janeiro,


Conquista, 1972. p. 222. O autor, apesar de referir-se
especialmente ã Bahia, Alagoas e Sergipe, atribuiu a
interferência étnica e cultural (mapa) no sertão, pela
intensidade de quilombos existentes, fato que não ocor-
re me nossa área de estudos, como será visto.

GORENDER, Jacob - O escravismo colonial. 2a. ed. São


I

Paulo, Atica, 1978. p. 59 2, 4 20-2. Sobre a questão do


escravismo no sertão, ler ainda: ABREU, J. Capistrano
de - Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Rio de
Janeiro, Liv. Briguiet, 19 60. p. 261-2; IANNI, Octavio
As metamorfoses do escravo. São Paulo, Difel, 19 62.
p. 4 7.65.
AUGUSTO, José - Seridó. Rio de Janeiro, Borsoi, 1954.
V.I, 285 p., LMARTINE, Oswaldo - Sertões do Seridó.
Senado Federal, 1980. c. Gráfico - 231; SANTA ROSA,
Jayme Nobrega - Acari. Fund. Ilist.. e Desenvolvimento,
Pongetti, 1974;NOBRE, Manuel Ferreira - Breve notícia
sobre a Província do Rio Grande do Norte. 2a. ed. Rio
de Janeiro, Pongetti, 1971; DANTAS, D. José Adelino -
De que morriam os sertanejos do Seridó antigo?
In: Tempo Universitário. Natal, 1976. n9 1, v. I.
229

5-. MEDEIROS, Olavo de - Velhos inventários do Seridõ. Bra-


sília, Sed. Fed., 1 983. 312 p. ; CASCUDO, L. Câmara -
História do Rio Grande cio Norte. Rio de Janeiro, Im-
prensa Nacional, 1955.

6. GALIZA, Diana Soares - O declínio da escravidão na Pa-


;
raíba 1 850/1 888. *João Pessoa, Universidade Fed. Para-
íba, Col. Paraibanos. n9 19, p. 320, 101. Ver também,
DIEGUES, Manuel Jr. - Etnias e Culturas do Brasil.
Rio de Janeiro, Letras e Artes, 1963. p. 103.
7. ARTES - Rio de Janeiro, 1963. p. 104. Sobre a Colônia
Boa Vista, ler ainda PINTO, Otávio - In: CASCUDO, L.
Câmara - Viajando o sertão. Natal, Graf. Marimbu,
1975. p. 67-9.
8. TEIXEIRA SILVA, Francisco Carlos - Op. cit. p. 165.

9. MATTOSO, Kãtia M. de Queirós - Ser escravo no Brasil.


São Paulo, Brasiliense, 1982. p. 141.

10. INVENTÁRIOS de Domingos Teixeira da Fonseca. 09/03/


1958; Guilhermina Senhoria de Medeiros. 10/10/1885; e
Francisca Guedes do Nascimento. 28/05/1878.
11. INVENTÁRIOS de Josefa Maria da Conceição. 1879; Izabel
Maria da Conceição. 24/02/1860; Ana.Suzana. 05/02/
1872; Manuel Felipe Franco. 10/12/1867; e Padre Gil
Braz de Maria Santíssima. 1878.

12. 19 Cartório de Caicó - Livro n9 36, p. 87. 11/08/1868.

13. MALHEIRO, Perdigão - A escravidão no Brasil, ensaio,


histórico, jurídico-social. Petrópolis, Vozes, 1976.
v . I, p. 63.
14. 19 Cartório de Notas de Caicó - Livro n9 36, p. 86.

15. CARDOSO, Ciro - Agricultura, escravidão e Capitalismo.


Petrópolis, Vozes, 1979. p. 133.

16. IBIDEM, p. 13 3-5.

17. R.P.P. Passos de Miranda. 08/10/1876, p. 31. A.N.


18. LIVRO de Notas do 19 Cartório de Caicó - n9 35, p. 31.
04/04/1862.
230

19. 19 Cartório de Notas - Livro 36, p. 48. 22/06/1867.

20. LIVROS de Notas do 19 Cartório Municipal de Caicó - n9


31, 33, 34, 35, 37, 38, 39, 47.

21. LIVRO de Notas do 19 Cartório Municipal de Caicó - n9


30, p. 75 e n9 33, p. 17.

22. MATTOSO, Kátia - Op. cit. p. 46.

23. IBIDEM, p. 40.


24. R.P.P. Casimiro José de Morais Sarmento.. 01/09/1848,
p. 21-2. A.N.

25. INVENTÁRIO post-mortem de Ernestina Leite de Souza Ara-


•ujo. 01 /07/1 885..

26. SILVA, Sérgio - Expansão cafeeira e origens da indus-


trialização no Brasil. São Paulo, Alfa-omega, 1980.
p.;4 3-4.
R

27. MARTINS, José de Souza - O cativeiro da terra. São Pau-


lo, Ciências Humanas, 1981. p. 18-9.
28. MARX, Carl - El capital, p. 448 e seg.In: MARTINS, José
de Souza - O cativeiro da terra. 2$ ed. São Paulo,
Ciências Humanas, 1981. p. 19, nota 21.
29. RODRIGUES LIMA, João Policarpo - Ocupação e renda de
famílias rurais: um estudo de caso de pobreza, Caicó,
J »
RN. Recife, 1977, p. 13. (Tese mimeografada)

30. INVENTÁRIO post-mortem de Antonio Souto Silva. 04/07/


1866; e Francisca Maria da Conceição. 1879.

31. DEPOIMENTO concedido ã pesquisa realizada em 1982, pela


Empresa Brasileira de Extensão Rural - Embrater. In:
ERNESTO SOBRINHO, Francisco et alii - Sistema do pe-
queno agricultor do Seridó norte-rio-grandense: a
terra, o homem e o uso. Brasília, Senado Federal, 1983,
Col Mossoroense. v. CCLXXVI, p. 69.
32. CARVALHO FILHO, J. I. - O Rio Grande do Norte em visão
prospectiva. p. 115-28.
33. CARDOSO, Ciro F. S. - Agricultura e escravidão, p. 52.
231

34. IBIDEM.

35. LAMARTINE, Oswaldo - Sertões do Seridó. Brasília, Sena-


do Federal, 1980. p. 33, 74 e 116.

36. INVENTARIO de Maria José da Conceição. 01/08/1868.

37. GUERRA, Phellippe & THEÕPHILO - Op. Cit. p. 228-9.

38. INVENTÁRIO de José Matias da Silva. 24/04/1856.

39. INVENTÁRIO post-mortem de Antonio Carlos da Costa No-


gueira. 19/07/1870.

40. INVENTÁRIO post-mortem de Tornaz Batista de Araújo. 26/


09/1881; André Cursino da Silva. 10/09/1866; e Livro
de Notas e Escrituras - n9 36, p. 87.

41. SCIIWARTZ, Stuart B.- Padrões de propriedades de escra-


vos nas Américas: nova evidência para o Brasil. In:
Estudos econômicos. São rPaulo, Inst. de Pesquisas E-
conômicas, jan/abril 1983.
42. INVENTÁRIO1 post-mortem de Rosa Maria do Espírito Santo.
1851; Maria Joaquina da Conceição. 09/07/1856; José
Simões dos Santos. 1872.
43. INVENTÁRIO post-mortem de Ana Rodrigues de Souza: 0 4/
05/1875; Padre Tarquino Souza Silva. 08/02/1879; Pa-
dre Gil Braz Maria Santíssima. 1878.

M . INVENTÁRIO post-mortem de Joaquim de Azevedo Mello.


1884; 19 Cartório de Notas - Livre 45, p. 10. 19/08/
1 881 .
45. 19 Cartório de Notas - Livro 46, p. 26. 27/08/1881; In-
ventário post-mortem' de Josefa Maria de Paiva. 1890.
46. INVENTÁRIO post-mortem de Vicente Ferreira da Fonseca
Filho. 1890.

47. IBGE - Diretoria de Estatística - Quadro geral da popu-


lação livre e escrava considerada em relação às pro-
fissões. 1872. v. II, p. 49-60.
48. AUTO de contas prestadas pelo tutor dos órfãos Maria
Porfíria da Conceição, José do Nascimento. 03/07/1871.
232

49. AUTO de contas prestadas pelo.tutor dos órfãos de Ana


Izabel de Jesus. 15/12/1859; Inventário post-mortem
de Camila Simôa de Morais. 1874.
50. GUERRA, Phelipe & THEOPHILO - Cp. cit. p. 118.

51. AUGUSTO, José - Seridó. Rio de Janeiro, Borsoi. v. 1,


p. 267-9; e CASCUDO, L. da Câmara - Op. cit. p. 264-
71 .
52. GUERRA, Felippe & THEÓPHILO - Op. cit. p. 113-50.
9
53. CORRESP. com P.P. - Min. Imp. IJJ , ref. 1A vol. 15,
1867/70. 05/04/1870.

54. R.P.P. Antonio de Passos Miranda. 1876, p. 12.

55. R.P.P. Marcondes Machado. 1879. rei. 3A, p. 24.

56. R.P.P. Bandeira de Mello. 13/07/1874. p. 38. A.N.

57. LAMARTINE, Oswaldo - Sertões do Seridó. Brasília, Sen.


Fed., 1980. 83-4.

58. INVENTARIO post-mortem Izabel Sabina de Araújo. 09/


1870.

59. R.P.P. Antonio Bernardo de Passos. 1851, p. 28, A.N.

60. AUGUSTO, José - Seridó. Rio de Janeiro, Borsoi. v. I,

p. 26-7.

61. R.P.P. Sátiro de Oliveira Dias. 16/03/1882, p. 25.

62. INVENTÁRIO post-mortem de Izabela Maria da Conceição.


1860; e Maria dos Santos Brito. 1865.

63. R.P.P. Barbosa de Mello. 1866, p. 13. A.N.


64. R.P.P. Joaquim Silveira Jr. 10/07/1890, p. 22. A.N.
65. R.P.P. Bandeira de Mello. 13/07/1874, p. 9. A.N.
66. BOSERUP, Ester - Op. cit. p. 40-1.
67. GUERRA, Phelippe & THEÓPHILO - Op. cit. 43-4.
68. CASCUDO, L. da Câmara - Op. cit. p. 76-8.

69. R.P.P. Marcondes Machado. 1879, p. 17. A.N.


233

70. POSTURAS Municipais - Vila do Príncipe. 1871, pasta 208,


Manuel Basílio de Araújo. I.H.G.R.G.N.

71. LINHARES, Maria Yedda & TEIXEIRA DA SILVA, Francisco


Carlos. História da agricultura brasileira: combates
e controvérsias. São Paulo, Brasiliense, 1981. p.
1 20-1 . ;

72. POSTURAS Municipais - Vila do Príncipe. 1863, pasta


208, Bernardo Medeiros. I.H.G.R.G.N.

73. POSTURAS Municipais - Vila do Príncipe. 1871, p. 208,


Manuel Basílio de Araújo. I.H.G.R.G.N.

74. GUERRA, Phelippe & TIIEOPHILO - Op.. cit. p. 14 3-4.

75. GALLIZA, Diana i- Op. cit. p. 108, nt. 35.


76. JORNAL Estado da Paraíba. 16/10/1891. p*. 2. In: GALLIZA,
Diana - Op. crit. p. 94.

77. GUERRA, Felipe & THEÕPHILO - Op. cit. p. 137.

78. R.p.p. Adolfo Sã. 1868, p. 4. A.N.

79. GUERRA, Felipe & THEÕPHILO - Op. cit. p. 201-310.

80. IBIDEM, p. 202.

81 . IBIDEM, p. 289 .

82. MEDEIROS, Olavo - Op. cit. p. 27-8.

83. RELATÓRIO Min. Agricultura - Domiciano Leite Ribeiro,

1863/1864. IBGE. '

84. R.p.p. Figueira Júnior. 06/06/1861, p. 23. A.N.

85. R.P.P. Carvalho Albuquerque. 15/06/1872, p. 6. A.N.

86. R.p.p. Leão Veloso. 16/02/1862, p. 47. A.N.

87. R.p.p. Bernardo de Mello Filho. 1875, p. 24. A.N.

88. R.p.p. Bernardo de Mello Filho. 1874, p. 56. A.N.


89. R.p.p. Carlos Joaquim Pinheiro Vasconcellos. 1866, p.
48. A.N.

90. R.p.p. Bandeira de Mello. 1874, p. 82. A.N.

91. GUERRA, Felipe - Nordeste semi-árido: velhos problemas


sempre atuais. Natal, ESAM, Col. Mossoroense, 1980.
234

v. CXXXV, 62 p., p. 3; CASCUDO, L. Câmara - Op. cit.


p. 34 3; GUERRA, Felipe & THEÓPHILO - Secas contra a
seca. Col. Mossoroense, 1980. v. XXIX, 313 p., p.
136.
92. GALLIZA, Diana Soares - Op. cit. p. 33-50.

93. GUERRA, Felipe & THEÓPHILO - Op. cit. p. 235-6.

94. R.P.P. Bandeira de Mello Filho. 13/07/1874, p. 37. A.N..

95. GUERRA, Felipe & THEÓPHILO - Op. cit. p. 218.

96. R.P.P. Pereira Carvalho. 24/10/1853, p. 170. A.N.; R.P.


P. Olinto J. Meira. 26/10/1863, p. 15. A.N.

97. R.P.P. Carneiro da Cunha. 1 870, p.- 2, e Leão Veloso.


16/02/1862, p. 47. A.N.
98. R.P.P. Medeiros Murta. 14/05/1863, p. 38. A.N.
99. GUERRA, Felipe & THEÓPHILO' - Op. cit. p. 140.
100. 19 Cartório de Notas - Escrituras de Locação, 1881.

Livro 46, p. 8; Livro 45, p. 17; Livro 46, p. 9.

101. R.P.P. Figueira Júnior. 06/06/1861, p. 26. A.N.

102. Ver também as dividas referentes aos escravos neste ca-


pítulo, item 2.
235

CONCLUSÃO

As formas de distribuição e ocupação da terra na


região do Seridó propiciou o predomínio econômico dos
grandes proprietários, não só através do monopólio da ter
ra , da posse da mão-de-obra escrava, mas também pelo con
trole sobre o trabalho livre.

Os grandes proprietários latifundiários foram pe-


cuaristas, dedicando-se essencialmente à criação de gado
e utilizando pequenas glebas de suas terras para ali de-
senvolver uma agricultura voltada para o auto-sustento.
Durante a segunda metade do século passado, o
plantio do algodão foi complementar a pecuária, permane-
cendo nesta condição, principalmente nos grandes latifún-
dios, até a década de 90, quando então surgem indícios de
modernização no setor de beneficiamento da matéria-prima
como maior número de descaroçadores, por exemplo, que per-
mitem supor o início de uma fase de desenvolvimento para,
na década de 10 e 20 do nosso século, levar a região a uma
posição de destaque no cenário nordestino, com a grande
produção do valorizado algodão mocó.
De maneira geral, as pequenas e médias proprieda-
des estavam vinculadas aos grandes latifúndios, produzin-
do uma modesta economia de subsistência. Essa dependên-
cia era uma decorrência da apropriação dos lucros pelos
grandes proprietários que possuiam casas de farinha e a-
çougues, através dos quais controlavam a comercialização
desses produtos, principalmente nas feiras locais e no
mercado interno. Além disso, o domínio exercido sobre a
236

pequena produção era feito através de mecanismos, como co-


brança de impostos, dos quais eram os arrematadores, e na
compra de produtos que eram os únicos a ter condições de
beneficiar.
A mão-de-obra livre conviveu com o trabalho es-
cravo até 1888 e, a partir dai, formou, juntamente com os
libertos, o grande contingente de•trabalhadores sem terra
ou com posse de pequenas partes de terras. Com poucas op-
ções de trabalho, esses trabalhadores submeteram-se a for-
mas de trabalho parcialmente assalariadas e, em algumas ve-
zes, não assalariadas, que se firmaram na região. Essas
formas de trabalho não capitalista, fundamentadas na pre-
sença do agregado, do morador, da unidade familiar e, mais
tarde, juntamente.com o parceiro e os pequenos proprietá-
rios, vieram a constituir a base do campesinato sertanejo,
vivendo da agropecuária, que, até hoje, é o suporte econô-
mico do município.

Tais,formas de produção não-capitalistas, que man-


têm e reforçam a estrutura social local, caracterizam uma
contradição interna do atual sistema econômico do país, o
que detém o desenvolvimento regional.

A forma subordinada com que o Nordeste, em geral e


principalmente o nosso município, participou das mudanças
e transformações ocorridas no restante do país, a nível
^ sócio-econômico, no final do século passado, reafirma uma
das peculiaridades do desenvolvimento do capitalismo, que
reforça as diferenças regionais, tornando as áreas que se
mantêm atrasadas altamente dependentes, ocasionando um
lento desenvolvimento local.
237

ANEXOS

Capitulo I -

Anexo I - Auto da Tutoria - Inventário de Maria Madale-

na de Jesus - 1885.... 74
Anexo II - Causa Mortis - segundo os registros paroqui -
ais de óbitos - 1857/1088 75
Anexo III - As secas, as epidemias e a economia do "eter-
no começar" - 1845/1095 76

Capítulo III -

Anexo I - Postura Municipal de 23/09/1071 - assinada por


Manuel Basílio de Araújo 221
Anexo II - Auto da Tutoria anexo do inventário de Antonio
Aladim de Araújo - Vila Príncipe, 10/02/1080.... 222
Anexo III - Escritura de arrendamento assinada em 2/9/1066
entre Manuel Severino Brito e José Salviano
de Brito . . 224
Anexo IV - Inventário da Liberta Mariana e anexo do auto
da partilha - 1077 225
238

FONTES CONSULTADAS

Primárias consultadas

Cartório do 1- Ofício de Caicó


Livros de notas n 2 25 a 64; caixa n 2 1, 2 e 3.
Fórum municipal Amaro Cavalcanti
i

Inventários post-mortem 1850/1890


Auto das contas de Tutoria - anexos aos inventários
Livro de Registro de Terras n 2 1 - de 5 de fevereiro à 2 de ju-
lho de 1096 ;
Matriz de Sant1 Ana do Seridó
Livro de óbitos - 1858/1872
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
- Posturas Municipais da Vila do Príncipe, pasta n 2 208 - 1863/
1871

Primárias Impressas

Dibliotcca Nacional do Rio de Janeiro (DN) - Relatórios, Falas


Mensagens e Exposições de Presidente de Província do Rio Gran-
de do Norte:
Seção de rnicrofilmagem, rolos n 2 PR-SPR 118(3) - 1835/1859; PR-
SPR 118(1) 1874/1882 N/P.Biblioteca Nacional - Mappa das Dis-
tâncias e Itinerários entre a capital, cidades e vilas da Pro-
víncia do Rio Grande do Norte, 1876.
-

239

Biblioteca Nacional - Vasconcellos, J.M.P. de - Novíssimo Manu-

al "dos Tabeliães ou Coleção dos Atos, Atribuições e Deveres d'

estes Funcionários, R. J. Antorio Gonçalves Guimarães & Cia -

1864.
- IBGE/RJ - Relatórios Ministros da Agricultura 1860/1889 - rolos
pR-SPR 123 (1-33) N/P;.
- Arquivo Nacional/RJ (AN) - Relatórios, Falas, Mensagens e Ex-
posições do Presidente de Província do Rio Grande do Norte -Se-
ção de consulta - rolos de microfilme n2 0.39. (0 á 3).79
1835/1888.

Registro de correspondência com o Min. do Império - IJJ e 9 -520


caixa 420 - 1819/1888.
Registro de correspondência com as câmaras Municipais - IJJ« 9
575 - 1819/1880 - ref./vol. 34.

Mapoteca da Biblioteca do Itamarati - Carta Topográfica da Pro-


víncia do Rio de Janeiro - 1872.
- Arquivo Estadual do Rio Grande do Norte - Relatórios e Falas
dos Presidentes da Província de 1859/1885

Antonil, João André - Cultura e opulência do Brasil por suas


Drogas e Minas, prefácio de Orlando Valvede, ed. fac. simi-
lar da ed. original de 1711, Separata do Boletim Geográfico,
n 2 166 a 171 - Rio de Janeiro, IBGE - Conselho Regional de
Geografia - 1963.

Fontes Estatísticas

Rescenseamento geral do Império do Brasil, 1872 - vol. 6,


4 3 pt, R.J. Biblioteca Nacional, Seção de Livros Raros.

Fundação IBGE - Censo Geral de 1890 - RJ - IBGE - Serviço


240

de Recenseamento, parte sobre - Rio Grande do Norte.

Fundação IBGE - Censo Geral de 1900 - RJ - IBGE - Serviço

de Recenseamento, pente sobre o Rio Grande do Norte.

Fundação IBGE - Censo Geral de 1920 - RJ - IBGE - Serviço

de Recenseamento, parte sobre o Rio Grande do Norte e municípios

do Seridó.

Fundação IBGE - Enciclopédia dos Municípios Brasileiros -

vol. X/MII - RJ. 19G0


241

BIBLIOGRAFIA

Obras Específicas

Augusto, José. Seridó. Ed. Sen. Fed., Brasília, 1980.

Carvalho Filho, J.I. O Rio Grande do Norte em visão prospecti-


va, ed. Fund. J. Augusto, Natal, 1976.
Cascudo, Luiz da Câmara. História do Rio Grande do Norte, ' ed.
Imp. Fed., Natal, 1953; Nomes da Terra, ed.Broder, Rio de
Janeiro, 1968.

Dantas, D. Adelino. De que morriam os sertanejos do Seridó An-


tigo?, In. Tempo Universitário, Natal, UFRN, n- 1, vol. 1,
1976.
. O coronel de milícias Caetano Dantas Cor-
reia , s/ed., 1977.
Dantas, Cristovam. 7\ lavoura seca no Rio Grande do Norte, 2a
ed., Col. Mossoroense, vol. CXII, ESAM, 1980.
Dantas, Garibaldi J. Geografia e economia do Rio Grande do
Norte, Mossoró, ed. Esc. Sup. Agricultura, Col. Mossoroense
78, 1979.
Dantas, Manoel. Homens de Outrora, ed.Pongetti, Rio de Janei-
ro, 1941.
Ernesto Sobrinho,Francisco et allü. Sistema do pequeno Agri-
cultor do Seridó norte-rio-grandense: a terra, o homem e o
uso, Brasília, Senado Federal, Col. Mossoroense, ESAM,
vol. CCLXXMI, 1983.
19 8

10. Felipe, José Lacerda A. Aspectos naturais da região do Seri-

dó , Mossoró, Col. mossoroense, vol. XCV, ESAM, 1978.


11. Guerra, Felipe. Nordeste semi-árido - Velhos problemas sem-

pre atuais, Natal, Col. Mossoroense, vol. CXXXM, 1980.

12. Guerra, Phelipe e Theõphilo . Secas contra as secas, ed.

Send. Fed., Col. Mossoroense, vol. XXIX, ESAM, 1890.

13. Lamartine, O. Sertões do Seridó. ed. Sen. Fed., Brasília,1980.

14. Levantamento exploratório e reconhecimento de solos do Rio

Grande do Norte - Boletim Técnico - RJ, 1973, SUDENE/DRN -

Santos Lima, Nestor dos. Açu o Município in Rev. do Inst.

Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, n- 25 e 26,

1929.

15. Lyra, Tavares. Notas históricas sobre o Rio Grande do Norte ,


Rio de Janeiro, ed. Lenginger, 1918.
16. Medeiros, Tarcísio. Aspectos geo-políticos e Antropológicos
da História do Rio Grande do Norte, Natal, ed. Universitá-
ria, 1973.
17 . . Bernardo Vieira de Melo e a Guerra dos

Bárbaros — sep. Rev. Inst. I-Ilst. Geog. do Rio Grande do


Y •

Norte, vol. 59/60/61, 1974, (mimeog.).

10. Medeiros, Olavo, elhas Famílias do Seridó, Brasília, Sen. Fed

1981.

19. Naire, M.P., Breve Notícia sobre a Província do Rio Grande do

Norte, Rio de Janeiro, ed.' Pongetti, 1971.

20. Pereira Lima, José Octávio - Terra Nordestina: Problemas, Ho-

mens e Fatos. Col. Mossoroense, vol. I, ESAM, 1981.

21. Pinto, Otávio. "Colônia Boa Vista", in Cascudo, L. Câmara

• .M-iajando o Sertão, Natal, Gráf. Manimbu ., 1975.


243

22. Porapeu Sobrinho, Thomaz - História das Secas, 22 ed. , Col.


Mossoroense, vol. CCXXMI, ESAM, 1982.
23.Rosado, Vingt - um - (org.) - Memorial da Seca, Col. Mossoro -
ense, Brasília, Sed. Fed. , vol. CLXIII, 1981.
24. Rodrigues Lima, João Policarpo, Ocupação e renda de famílias
rurais: um estudo de caso de pobreza, Caicó, RN, Recife,
1977 (tese mimeografada).

25. Santa Rosa, Jayme Nobrega, Acari. Fund. Hist. e Desenvolvimen

to, ed. Pongetti, 1974.

OBRAS GERAIS

Abreu, Capistrano - Capítulos de História colonial (1500-1800)


RJ - Liv. Buquet, 1969.
. Caminhos antigos e povoamento do Brasil, RJ-
Liv. Briguiet, 1960.
Archelti, E. et alii - Agrar ian Struture and Pfiar^inl-. Anl-.onoray, OI -
so, Intre Peace Inst, s/d - (comun. mimeog.).
Barros de Castro, Antonio - 7 ensaios sobre a economia brasileira,
RJ, ed. Fararse universitária, 1971.
Bloch, Marc - Introduccion à la História, 2^ ed., México/Buenos
üii
Aires, Breviários dei Fondo de cultura Econômica, 1957.
Boserup, Ester - Las condiciones dei desarrollo en la agricultura
la economia dei cambio agrário bajo la presión demográfica
Madrid, Tecnos, 1967.

. Evolution Agrarie et Pression Démoqraphique, Pa-


ris, Flamimarion, 1970.
Canabrava, Alice, A grande propriedade rural, in Holanda, S. Buar
que de (org.) História Geral da Civilização Brasileira, são
Paulo, Difel, 1960, Torio I, livro 2.
244

. A grande lavoura in Holanda, S. Buarque

de (org.), História geral da civilização Brasileira, São

Paulo, Difel, 1974, Tomo II, livro 4.

• O desenvolvimento da cultura do algodão

na Província de S. Paulo (1861-1867). São Paulo, Liv. Si-

queira, 1951.

CARDOSO, Ciro F. S. - Agricultura, Escravidão e Capitalismo,

Petrópolis, ed. Vozes, 1979.

' . "Sobre os modos de produção coloniais


da América" e "O modo de Produção Escravista Colonial na

América" in Santiago, T.A. - América Colonial, RJ, ed.

Pallas, 1975.

CARDOSO, Ciro F. S. e PÊREZ Brignoli, Ilector - Los métodos

de Ia História - introducclon a los problemas, métodos y

técnicas de la história demográfica, econômica e social,

Barcelons, Grijalbo, 1976.

. História Econômica da América Latina,

RJ, ed. Graalf 1983.

CONRAD, Roberto - Os últimos anos de escravidão no Brasil

(1850-1888) , Rio de Janeiro, ed. C.iv. Brasileira, 1975.

COSTA, Emília Viotti - Da Senzala â colônia. S.P., Difel,

1966 .

. Da Monarquia ã República: Momentos

Decisivos, S.P., Livraria ed. Ciências Humanas, 1975.

DIEGNES Júnior, Manuel - Regiões Culturais do Brasil, RJ,


Centro Brasileiro de Pesqusas Educacionais, ME , 1960.

FRANCO, Maria Sílvia e - Homens Livres na ordem Escravocra-

ta, S.P., ed. Ática, 1974.


245

Furtado, Celso. Formação Econômica do Bras.il, Rio, ed. Fundação .

Cultural, 1959.

Galliza, Diana Soares. O declínio da Escravidão na Paraíba, 1850/

1888, ed. Universitária, UFPB,. 1979.

Graziano da Silva, J. F. A estrutura Agrária e Produção de Subsis-

tência na Agricultura Brasileira, S.P., ed. Hucitec, 1978.

Graziano da Silva, J.F. e Atoloke, V. (orq.). A questão Agrária ,

S.Paulo, ed. brasiliense, 1980.

Gorendcr, Jacob, Gênese e Desenvolvimento do Capitalismo no Campo

brasileiro,CEDEC Global, S.D.

. O escravismo colonial, S.Paulo, ed. Ática,


1978.
Koster, Henrv. ttiaqem ao nordeste do Brasil, Rio de Janeiro, ed.
Melhoramentos, 1965.

Kula, Witold. Problemas y Métodos de la História Econômica, Bar-

celona, ed. Peninsula/ 1971.

Linhares, Maria Yedda e Silva, F.C.T. da. História da Agricultura


brasileira (combates e controvérsias), S.Paulo, ed. brasili-
ense, • 1981.
Martins, J.S. Expropriacão e .Vliolência (a questão política no
campo), S. Paulo, ed. Hucitec, 1980.

. Sobre o modo capitalista de Pensar, .S.Paulo, ed.


Hucitec, 1978.

. Cativeiro da terra. São Paulo, ed. Ciências Hu -

manas, 1979.

• Capitalismo e Tradicionalismo T S.P., Livraria


Pioneira, ed. 1975.
Malheiro, Perdigão. A escravidão no Brasil. Ensaio Histórico, Ju-

rídico, Social - 3a ed. Petrópolis, ed. Vozes, vol. I, 1976.


246

Mattoso, Kátia M. de Queirós. Ser escravo no Brasil, S.Paulo, ed..

brasiliense, 1982.

. Testamentos de escravos libertos na

Bahia no séc. XIX. uma fonte para o estudo de mentalidades

Bahia, publ. UFBA, n* 85, 1979.

Melo, Evaldo Cabral de. 0 norte agrário e o Império 1871/1889

R.J., Nova Fronteira, ed. 1984.

Mello, Pedro C. de S Slenes, R.W. - Análise Econômica da Escravi-


dão no Brasil, in NEUHAUS, Paulo (coordenador), Economia Bra-
sileira: uma visão históri ca, Rio de Janeiro, ed. Campus, 1982.
Moura, Clóvis de. Rebeliões de Senzala. R.J., ed. Conquista, 1972
Pinheiro, Paulo Sérgio, (coord.). Trabalho, Escravo, Economia e
Sociedade, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984.
Silva, Sérgio. Expansão Cafeeira e Origem da Indústria no Brasil,
Alfa-omega, ed, 1976.
Stenes, Robert. The demoqraphy and economics studies of brazillan
slavany - 1050/1880 - University Microfilmes International,Mi-
chigan, USA,-, 1976.
Silva, José Grazianno da. Processo técnico e Relações de trabalho
na Agricultura brasileira, S. Paulo, ed. Hucitec, 1981.
Siqueira, Batista. Os cariris no nordeste, R.J., ed. Cátedra,1978
Sodré, Nelson We.rneck, Formação histórica do Brasil, S. Paulo, ed.
brasiliense, 1962.
Tcxeira Silva, F. Carlos. Lavradores e Criadores na formação so-
cial da miséria . Niterói, 1980 (tese mimeog.).
Topalov, C. Estruturas Agrárias Brasileiras. Francisco Alves,1978

Velho, Otávio J. Capitalismo Autoritário e Campesinato, S.P., ed.

• Difel, 1979.

Villar, Pierre. Crescimento y Dessarrollo. ed. Ariel, Barcelona ,


1976.
247

Vianna, Marly A. Gomes. A estrutura de distribuição de terras no


• município de Campina Grande: 1840-1905, Campina Grande, 1985 ,
(tese mimeog.).

Von Barth, S. História Agrária de Europa Ocidental 500-1500 -Bar-

celona, ed. Península, 1978.

Schwartz, Stuart B. Resistence and Accommodation in Eighteenth

Century Brazil: The slave 1 s View of slaveryn, in Hispanic Ame-

rican Historlcal Review, vol. 57, n 2 1, 1977.

Pa
• drÕes de propriedades de escravos nas Amé-
ricas: Nova evidência para o Brasil: in: Estudos econômicos.
'ii;
S. Paulo, Inst. de Pesq. Econômicas, jan/abril, 1983.
Silva, Joaquim Norberto de Souza -Investigações sobre os rescen-

seamentos da população geral do Império e de cada Província per

si - Rio de Janeiro, ed. Perseverança, 1870.


Dissertação apresentada ao Instituto de Ciências Humanas e Filo-
sofia da Universidade Federal Fluminense, fazendo parte da Banca
Examinadora os seguintes professores:

Prof 2 Maria Yedda Leite Linhares

(orientadora)

Curso de Mestrado em História

Prof. Ciro Flamarion Santana Cardoso

Curso de Mestrado em História

Prof. Nancy Naro


Curso de Mestrado em História

Visto e permitida a

impressão Prof. Francisco José Calazans Falcon


Niterói, 19/12/1985 Coordenador do Curso de .Mestrado em
História do I.C.H.F.

Dept°. História - NEH


A C E R V O B'BUIOGRÁFICO
RIO G R A N D E DO N O R T E

Você também pode gostar