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Carta de S. Tomás ao Fr. João, sobre a maneira de estudar.

1
“Uma vez que me perguntaste, em Cristo caríssimo Irmão João, como deverias estudar, para adquirir
o tesouro da ciência, seja-te dado por mim este conselho:
1. Que prefiras entrar através dos riachos, e não imediatamente no mar, porque deve-se ir através do
mais fácil até o mais difícil.2
2. Isto é a minha admoestação e a tua instrução. Eu te digo: sê lento no falar e tardio em ir ao parlatório.3
3. Cuida de ter a pureza de consciência.4
4. Não cesses de rezar.5
5. Ama tua cela se queres ser introduzido na adega da sabedoria.6
6. Mostra-te amável para com todos.7
7. Não te preocupes com a vida dos outros.
8. Não te comportes com ninguém confidencialmente demais, porque confidencialidade exagerada
produz desprezo e também é uma causa do desvio do estudo.8
9. Não te intrometas no falar e agir dos homens do mundo.
10. Foge de discussões sobre todas as coisas.9
11. Não deixes de imitar os exemplos dos santos e dos homens justos.

1
S. THOMAE AQ. “Epistola exhortatoria de modo studendi ad fratrem Ioannem”. In: Opuscula Theologica, vol.
I, 2. ed. Taurini-Romae: Marietti, 1975, p. 451; querem explicar estes 16 teses SERTILLANGES, A vida
intelectual; V. WHITE. How to study. The Letter of St. Thomas Aquinas to Brother John - De Modo Studendi. 8.
ed. London: Aquin Press, 1960.
2
Este conselho se dirige aos zelosos ou curiosos que devem-se moderar pela prudência e paciência, aceitando
todas as suas condições humanas. S. Tomás tem in mente, que aprender significa pelo homem assimilar e crescer
com o que se conhece! “Não procures o que é mais alto do que tu nem investigues o que é mais forte; pensa
sempre no que Deus te ordenou e não sejas curioso acerca de suas muitas obras.” (Jesus Sirac 3,21); cf. S. JOÃO
DA CRUZ, Noite Escura I, 3.
3
Para escutar, aprender, procurar no profundo ou as causas e os fins ... precisa tempo (cf. S. THOMAE AQ., In
decem libros Ethicorum Aristotelis ad Nicomachum expositio, I, 11), controlar a curiosidade e afastar as
“novidades”, silenciar e dispor-se para a contemplação.
4
Se deve ser aberto, accessível pela graça (cf. S. THOMAE AQ., De Ver 11,1) que se alcança removendo
obstáculos e alcançando a paz de coração pelo sacramento da Confissão.
5
É o contato positivo com Deus, que é um “Tu” pessoal; contra o orgulho e como submissão da mente (cf. S.
THOMAE AQ., Summa Theologiae (= ST), p. I, q. 13; p. II-II, q. 83, 1 e 4; q. 162, 3 ad1um, 6um e 7um). Cf. B.
Jacinta de Fátima: “Os médicos não receberão a luz para curar os doentes, porque não tem amor a Deus” (L. G.
FONSECA, Maria spricht zur Welt, Innsbruck 151963, 177). Edith Stein confessou: “A minha ânsia pela verdade
era uma única oração.”
6
Cf. THOMAS VON KEMPEN, Imitação de Cristo, I, 20; ST p. I-II, q. 2 ad 4um.
7
Significa a caridade fraterna moderada, não procurando nem fugindo, e sempre dentro da ordem estabelecida.
8
Emoções fazem a mente cega (cf. os problemas na adolescência, por causa do namoro).
9
Se alguém insiste nas suas ideias, endurece sua vontade, a flexibilidade intelectual e a docilidade. Disse nós
Sertillanges: “Deveríamos lidar com o mundo externo como os anjos, que tocam sem ser tocados, que dão sem
perderem nada do que possuem, porque pertencem a outro mundo” (SERTILLANGES, III, 4; 78). Guardar
recolhimento significa expressar o seu pensamento e depois de novo silenciar (cf. Ibid., 75-79). Ficar reservado
também significa “ser ocupado”, quer dizer, pela “presença de Deus”!
12. Não olhes a pessoa que fala, mas a todo o bem que te foi dito,10 e retém-no na memória.11
13. Procura entender o que lês e ouves.12
14. Sobre dúvidas, procura a certeza.
15. Tudo o que podes guardar no cofre da mente, coloca-o como se quisesses encher um vaso.
16. Não procures o que é alto demais para ti.13
Se seguires este exemplo, reflorescerás e darás frutos úteis na vinha do Senhor Deus”. 14

10
Depois dos primeiros conselhos começam aqui orientações concretas para o estudo: Enquanto no acolhimento
das verdades reveladas que não entendemos precisa-se escutar a autoridade (Magistérium), importa nos estudos
da verdade pela razão não a autoridade ou quem afirma algo, mas sim a verdade em si! Santo Tomás escuta a
todos, também aos pagãos, Aristóteles, Judeus, Maometanos (cf. ScG, I, 2), pois o erro não torna-se verdade
por ser dito por um padre, católico ou amigo, como a verdade não torna-se falsa por ser dita por um pagão. Se
a Igreja recomenda o estudo de Santo Tomás, então é por ele recomendar procurar a verdade e ajuda de encontrá-
la.
11
Tudo deve-se reter primeiro na memória (conselhos 12 e 15), para poder ponderar, pensar, “mastigar” e
refletir.
12
S. Tomás insiste no entender. Não importa ouvir ou ler muito ou o que é “alto demais” (conselho 16), mas
sim de entender claramente, mesmo se for pouco (conselhos 13 e 14). Demorar no que não se entende, até
enxergar, é isto que leva ao verdadeiro crescimento e introduz mais profundamente à verdade.
13
De novo, Santo Tomás lembra dos limites; isto é sabedoria, honestidade intelectual, reconhecer o que
sabemos, o que só suspeitamos ou acreditamos por autoridade humana, o que acreditamos por autoridade
divina, o que não sabemos, por que não sabemos e se podemos saber e como.
14
A. Luciani, depois João Paulo I, apresenta – num jornal simples para o povo! –
“‘Sete regras’= válidas” (ou passos) para o estudo segundo São Bernardino de Sena:
Estima [querer],
separação [= silêncio exterior],
quietação [= silêncio interior],
ordenação [= método],
continuidade [= perseverança],
discrição [= solidão] e deleite [= alegria] (cf. A. LUCIANI, Ilustríssimos Senhores, Ed. Loyola, São Paulo, 1979,
86-91);
cf. também as “anotações” 1 a 3 dos Exercícios espirituais de Santo Inácio, válido para todas as “atividades
espirituais”, no apêndice 2, mais adiante (p. 44).

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