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CONSELHO EDITORIAL ' ~x.•
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Diego Moreau . :-t.
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Douglas Phillips Freitas "-"'
Johnny C . Vargas ' .
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EDITOR •
~-} Douglas P. Freitas

CAPA E LAYOUT
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G. Pawlick
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~ ORGANIZAÇ ÃO
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Douglas P. Freitas
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' ij TRADUÇÃO DE
"A HISTÓRIA DO NECRONOM ICON"
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Mariana Costa
ADAPTAÇÃO
r~~ Nathalia Sorgon Scotuzzi
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REVISÃO E LAYOUT
Trata-se de um trabalho autoral, tudo realizado
.::.., 1 . , pelos artistas convidados.

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DIAGRAMAÇÃO
~~~ Johnny C. Vargas
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Douglas Freitas

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AI azif: o necronomicon / Howard Phillips Lovecraft·
tradução ~e.Mariana Costa. - São José : Skript, 2020. '
110 p.: d.
ISBN: 978-65-86284-11-9
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2. Horror. I. Costa, Maria
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CDD: 82-344
CDU: 813

André Queiroz - CRB-4/2242


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AL AZIF
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ABDUL ALHAZR ED
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VERSÃO
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1
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PREFÁCI O
F elippe Barbosa.............................................................011

A HISTÓRIA DO NECRON OMICON


H.P. Lovecraf t ...............................................................019

APRESEN TAÇÃO
Larissa Prado (com arte de Daniella Salamão) ..........• 023

REVELA ÇÕES DE ABDUL ALHAZR ED


Abdul Alhazred ..............................................................03 t

AL

AZIF................................................................... 03 7

Intérpre tes do descon hecido................. 121


I
I

' ..

••
FELI PPE BARB OSA

som do insistent e gotejar já se tornou complet amente in-


suportável.
Aqui, no interior de meu pequeno escritóri o, observa do
pelas dezenas de livros que guardo na estante e pelas paredes pá-
lidas decorada s com alguns pôsteres ilustrado s com seres bestiais
e personag ens de séries de tevê, tento ao máximo me concent rar
no trabalho em frente ao computa dor e ignorar as corrente s de ar
gélido ocasionais que me causam arrepios - mesmo que as janelas

11
estejam comple tament e fechadas.
A cada gota que cai... minha mente lateja.
O gotejar insiste... e nunca termina .
Há semana s que não mais conheç o o significado de descanso, já que ao
deitar, nunca consigo pregar os olhos. Na verdade , após o ocorrid o da semana
passada, no qual tive a horrend a visão na cama em meu quarto, 'n ão tentei mais
dormir naquele cômodo . Os raros cochilos, os quais me permito tirar, têm sido
aqui mesmo , na cadeira do escritório, às vezes com os braços debruç ados sobre
a escriva ninha, mas com a tela do monito r sempre acesa, com este documento
aberto - com a função de me lembra r perman enteme nte que devo concluí-lo.
Não que eu precisasse que algo a mais me lembrasse de tal tarefa. Já que
o gotejar aqui perman ece... insiste ... e nunca termina .
Faz semana s que aceitei redigir o prefácio desta edição do famigerado "AI
Azif,,. Sempre trabalh ei com literatu ra e coment ar sobre obras relacionadas ao
Horror Cósmic o na interne t faz parte de meu cotidiano. Por isso, não hesitei em
aceitar o convite para fazer parte de um projeto que buscava unir artistas em prol
de reunir as peças deste eterno enigma que sempre foi e ainda será o Necrono-
micon.
O famoso "Livro dos Mortos,, - que reúne relatos, instruções, rituais e
conhec imento s que envolvem meios para tornar o Oculto visível e o Desconheci-
do alcançável - ganhou minha atenção pela primeir a vez há mais de treze anos,
na época em que eu auxiliava meu avô na manute nção de sua antiga biblioteca.
Um dos poucos dentre os irmãos em sua época que podia encher a boca com
orgulho e dizer que se formou na Universidade, meu avô foi sempre um ávido
leitor, não apenas de literatura clássica e enciclopédias extensas, mas também de
pulp fiction. Foi num de seus exemplares que li "O Horror de Dunwich" pela pri-
meira vez. Lembro -me bem da confusão da minha mente adolescente ao primei-
ro contato com os escritos de Lovecraft. Perguntei ao meu avô quem era "aquele
tal de Howard,, e por que ele escrevia sobre esses seres abissais e hediondos de
forma tão verídica ... como se ele realmente acreditasse ... como se realmente os
conhecesse.
Lembro -me bem das risadin has de meu avô ao receber tais questiona-
mentos . Ele sempre gostou que eu lhe fizesse pergun tas, mas nunca entregou
as respostas facilmente. Naquela tarde, ele grifou uma das páginas da coletânea
mais extensa de contos e ensaios de Lovecraft que possuía e me fez ler em voz alta
por diversas vezes a seguinte frase: "Vivemos em uma plácida ilha de ignorância
em meio a mares negros de infinitude, e não fomos feitos para ir longe».
E toda vez que eu limpava suas prateleiras e folheava os variados livros,
ele pedia que eu repetisse o trecho, para se certificar de que eu ainda me lembra-
va.
12
Após ter lido "Os Sonhos na Casa da Bruxa" e 'íl Coisa na Soleira da
Porta", questionei meu avô pela primeira vez sobre o tão falado "Necronomicon".
Convencido na época de que era apenas mais um dos artefatos fictícios que H.P.
Lovecraft teria criado em seu universo literário, citando-o sempre com sua ca-
racterística verossimilhança, indaguei se o autor nunca chegara a publicar de fato
o "Livro dos Mórtos". .
A resposta de meu avô foi grosseira, como se minha pergunta havia
sido ofensiva. Ele explicou que não haveria como o falecido autor ter publicado
algo que não era realmente dele. Nem mesmo o conhecido Árabe Louco, Abdul
Alhazred, era de fato "possuidor" das páginas que redigiu. Afinal, o conhecimento
jamais foi uma espécie de posse. E, assim, o "Necronomicon" jamais poderia ser
possuído, apenas compartilhado.
Dizia também meu querido velho que ninguém, nem mesmo Lovecraft,
jamais teve acesso ao conteúdo integral do "Necronomicon". Tentou ao máximo
me convencer de que o livro realmente existira, e de que resquícios dele jazem
guardados há tempos pelas mais diferentes instituições... e que Lovecraft tinha
sido, nas palavras dele, "um tremendo filho da puta que teve acesso a mais do
que podia, e divulgara mais do que devia, sob a falsa premissa de que aquilo que
escrevia era nada além de ficção':
Meu avô contou ainda que, na sua época da faculdade, fez umã excur-
são de algumas semanas pela Argentina junto a alguns colegas, e que por conta
própria investigou os rumores de que havia uma cópia do "AI Azif" original aos
cuidados da Universidade de Buenos Aires.
"Era ainda mais completo do que aquele guardado em Harvard, o ori-
ginal ao qual Lovecraft teve acesso. Eu tive a chance de folheá-lo, mas recusei".
Foram suas exatas palavras para mim.
Não entendi a razão pela qual ele dizia ter saído do país e investigado a
localização do livro misterioso, que alegava ser real, para depois desistir da chan-
ce única de ler o conteúdo presente nas páginas. E foi então que meu avô pôs a
mão em um de meus ombros e passou a mim o ensinamento do qual eu jamais
me esqueceria.
"Meu garoto, entenda... Se algo tão imponente e colossal quanto a vasti-
dão do Universo se esconde da humanidade há eras, a única certeza que temos é
que há uma razão pela qual se mantém oculto. Agora, me responda ... Há algum
motivo plau, vel.·em sua mente que justifique por que você buscaria enxergar
uma imensidão que não quer ser vista?"
Não tive resposta na época. E ainda não tenho.
E minha falta de resposta foi a responsável pelo sorriso esperto exposto
entre os lábios de meu avô. Ele me disse que, enquanto eu não tivesse uma res-
posta pronta e coesa, eu jamais deveria ir atrás dos conteúdos que jaziam regis-
13
trad os no "Livro dos Mortos". E se algum dia, e som
ente se, eu viesse a ter uma
resposta, que eu a repetisse incontáveis vezes em
min ha mente, e incontáveis
vezes em voz alta. Se após incontáveis repetições ela
aind a fizesse sentido, apenas
entã o eu pod eria me arriscar a ler o que há con tido
no "AI Azi f ".
Os ano s se passaram e a casa de meu avô foi vendida
, assim como sua
extensa biblioteca. Meu pai ven deu a maioria dos
livros antigos para um sebo,
por preços miseráveis. Eu consegui salvar apenas algu
ns exemplares e guardá-los
entr e meu s pertences, man tend o o volume surr ado de
"O Horror de Dunwich" até
hoje em min ha prateleira, com o lembrança afetiva.
Nas últimas semanas, desde que comecei a ouv ir o
gotejar vindo de trás
dest a cadeira de escritório, tenh o levantado por dive
rsas vezes, ido até a estante
e folheado a obra de Lovecraft, pen sand o em qua ntos
segredos arcanos o autor
investigou antes de tran sfor mar suas próprias inda
gações em histórias. Quais
relatos em seus escritos eram reflexos de sua men
te insa na - e muitas vezes
fechada - e quais tinh am, realmente, alguma insp
iração em pesquisas reais e
descobertas que precisavam ser man tida s em sigilo.
E parece exagero que eu tenh a entr ado em tal bloq
ueio de escrita para
redigir um prefácio de tão poucas páginas. Escrever
um breve texto esboçan-
do min has considerações acerca do "Livro do Mor 1
tol não pensei que levaria
...

mais do que uma hora para fazê-lo. Mas aqui estou,


há semanas, com a tela do
com puta dor ligada, e o doc ume nto incompleto dian
te de meus olhos. A grande
maioria dos artistas envolvidos neste projeto já fina
lizou a tradução, produção
e a diagramação dos feitiços encontrados, dos rela
tos transcritos e das ilustra-
ções que tent am trazer uma rasa noção da magnitu
de de Seres Antigos e rituais
proibidos. A nova edição do "Necronomicon" se enc
ontr a a cada segundo mais
pert o de ser finalizada, aguardando que meu prefácio
abra suas páginas iniciais.
E min ha men te aqui, travada... constantemente inco
mod ada pelo gotejar.
E o gotejar insiste... e nun ca termina.
A vontade incessante de abrir os arquivos que rece
bi da edit ora, e ler o
con teúd o repleto de escrituras atraentíssimas que pree
ncherá esta edição do "AI
Azif" me ator men ta dia e noite. Mas não posso fazê-lo. Não
devo. Fui bem claro
e dire to no e-mail que redigi ao aceitar fazer part e
do projeto. Eu escreveria o
prefácio da obra, exp ond o meus pensamentos acer
ca do gran de 1nistério que
envolve tal livro dito como verídico, baseado em min
has pesquisas e leitura sobre
o tem a, mas não leria as páginas traduzidas do "AI Azif
".
Pod e parecer estranho: um escritor que se recusa a ler
a obra da qual re-
dige o prefácio. Mas sei que o preço a se pagar para
ter acesso ao conhecimento
ali descrito é alto demais para alguns, den tre os quai
s sou forçado a me incluir.
Pois sei que aind a não tenho pron ta em min ha men
te a resposta coesa da per-
gun ta de meu avô. Por que eu buscaria enxergar uma
imensidão que não quer ser
14
vista?
Ainda não tenho uma justificativa plausível. E enquanto não tiver, não
0 lerei. Mesmo sabendo o que isso significa. Mesmo sabendo que a tentação de
devorar tais páginas repletas de conhecimento e mistérios a serem investigados
me corrói desde o primeiro dia.
E mesrrio sabendo que o gotejar insiste... e nunca termina.
Como bem me avisara meu avô.
Aquela última conversa que tive com ele foi num local nada convencio-
nal. Mas fora o único lugar no qual conseguimos fazer contato um com o outro
após a venda da antiga casa.
Eu já era adulto quando olhei nos olhos de meu querido velho uma últi-
ma vez e lhe perguntei se ele realmente acreditava que o «AI Azif" era real. Se tais
cópias, traduções e registros escondidos e publicados por tantas instituições ao
redor do mundo - assim como esta que você, leitor, provavelmente carrega em
suas mãos - eram mesmo verídicas.
Eu não esperava que ele me desse uma resposta. Tantos anos de conversas
intermináveis já tinham me preparado para uma resposta que viria em formato
de pergunta.
'J\.inda se lembra do trecho que eu pedi que decorasse?" ele indagou com
um sorriso, pois sabia que a resposta era sim.
«Vivemos em uma plácida ilha de ignorância em meio a mares negros
de infinitude, e não fomos feitos para ir longe': Eu declamei com afinco e sem
gagueJar.
Vovô me disse que a literatura é repleta de dúvidas. A Arte, enquanto
forma de registro da humanidade, é sempre parcial, passional e nada confiável.
E que a mais plena das magnitudes existentes no prazer da leitura estava em de-
cifrar por si só as reais verdades - tal qual as reais mentiras - por trás de algo
registrado em papel.
Mas em meio a densidade de nosso diálogo cheio de alegorias e men-
sagens simbólicas por parte dele, eu o questionei. Perguntei se ele não se arre-
pendia. Ele alegava já ter colocado as mãos numa das verdadeiras cópias do «AI
Azif ", mas insistia que não lera uma só página de seu conteúdo. - E, na época,
eu não fazia ideia de que me veria na mesma situação, com a dita obra salva
numa das pastas de meu computador - como podia ele não se arrepender de ter
recusado tal conhecimento?
Vovô disse que Arrependimento e Curiosidade não eram seres seme-
lhantes. Enquanto o primeiro era um agente humanoide amargurado, com forte
poder de frustação da consciência, a segunda era uma criatura amorfa, capaz de
instigar a mente a um estado de perturbação e loucura. A Curiosidade em rela-
ção ao que meu avô escolhera não conhecer, a Curiosidade em relação ao que
15
havia nas páginas daquele exemplar de Buenos Aires, o perseguiu dia após dia,
pelo resto de sua vida. Era uma massa amorfa de presas, olhos e tentáculos, que
emitia uma cor estranh a e produzia uma gosma lustrosa que gotejava no chão
constantemente.
E por mais que meu avô sempre insistisse em manter os olhos para o ca-
minho à sua frente, evitando olhar para trás, para que não se lembrasse do quão
curioso era para enxergar a imensidão que não queria ser vista, essa criatura
abissal chamad a Curiosidade se fazia sempre presente em sua mente. Pois não
in1portava para onde ele fosse, não importa va em qual cômodo ele se trancasse,
a gosma de seus tentáculos ainda escorria e gotejava... e o som do gotejar soava
sempre detrás dele...
E insistia... e nunca terminava.
Queria ter perguntado a ele se tal monstr o deixou de persegui-lo após a
sua morte. Mas ele sumiu naquela tarde antes que eu fizesse tal pergunta. Talvez
porque o cemitério não fosse um local tão propício para que ele me encontrasse,
tal qual era sua antiga casa. Me despedi da foto ao lado de seu epitáfio, e recusei-
-me a deixar qualquer tipo de flor, já que vovô detestava flores.
Quando falei com meu pai naquele dia por telefone - foi no ano em que
passei a morar sozinho, se me recordo bem - disse a ele que tinha visitado o tú-
J mulo dê vovô. Papai não me pergun tou o motivo, já que nunca foi de questionar.
Apenas me disse a mesma frase que sempre repetia. De que eu teria adorado meu
avô se tivesse chegado a conhecê-lo em vida.
1 E de tanto tê-lo conhecido em nossas conversas secretas, acredito que, de
fato, eu teria adorado.
1 Não sei ao certo se a visão que tive na última semana foi real ou apenas
ilusão de minha mente. O velho pendur ado de ponta cabeça no teto de meu
quarto, envolto por tentáculos brancos, aos poucos sendo sufocado, tentando
me gritar algum aviso relacionado a um dito projeto que eu aceitara participar,
parecia-se muito com vovô. Mas desde aquela noite repito a mim mesmo que foi
apenas um pesadelo. Mesmo que eu tenha me recusado a dormir naquele quarto
desde então. Repito a mim mesmo todos os dias que meu avô, onde quer que
esteja, encontra-se em paz.
Ou, pelo menos, torço para que a paz o tenha encontr ado e que a Curio-
sidade tenha lhe concedido liberdade, desde que começou a me perseguir.
Por mais que eu sinta a cada segundo sua presença amorfa bem atrás de
minha nuca, não ouso em nenhum momen to virar a cabeça. Tampei os espelhos,
comprei algumas latas de energéticos, e me empenh o agora nas últimas horas da
madrug ada a escrever os últimos parágrafos deste texto.
Pode ser que você, caro leitor, ainda esteja flutuante no que diz respeito a
acredita r ou não que o universo de seres anciãos, entidades malignas, rituais das
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trevas e dimensões assombrosas proposto por H. P. Lovecraft seja de fato uma
amostra de forças reais que se escondem por trás do Oculto aos nossos olhos.
Pode ser que você ainda acredite que Abdul Alhazred, o suposto autor do "Necro-
nomicon", foi nada além de um personagem fictício, e que a obra que você agora
segura em mãos é somente a junção de mentes criativas que deram forma a um
livro que já faz parte do coletivo imaginário popular. •
Caso você acredite nisso, alegro-me pelo que lhe aguarda. Pois a plácida
ilha de ignorância é bem mais segura do que os mares sombrios de infinitude.
Agora ... se você, de fato, acredita na essência do conteúdo contido nas
páginas seguintes, peço que não se esqueça de responder em voz alta a pergunta
ensinada por meu avô. Por que você buscaria enxergar uma imensidão que não
quer ser vista?
Caso tenha uma justificativa coesa e plausível, seja bem-vindo. Mas tenha
extremo cuidado em sua jornada.
Caso acredite que sua resposta ainda não esteja pronta, sugiro sincera-
mente que faça o mesmo que eu fiz. Não leia este livro. Guarde-o. Tranque-o se
for preciso. Não caia na tentação de averiguar o seu conteúdo.
E seja forte. Resista. Afinal, é importante que esteja ciente de que a en-
tidade presente aqui em meu escritório, sempre à espreita, observando-me com
fome pelas minhas costas, passará a persegui-lo também.
A Curiosidade levará sua massa amorfa de presas, olhos e tentáculos para
onde quer que você fuja. E por mais que tente ignorar... por mais que tente esque-
cê-la... a gosma dos tentáculos estará sempre gotejando e manchando o chão por
onde você passa.
E o gotejar insiste... e nunca termina.

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17
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H. P. LOV ECR AFT

ítulo original Al Azif- azif sendo a palavra usada pelos ára -


es para designar o som noturn o (feito por insetos) que se
supun ha ser o uivado de daemons.
Produ zido por Abdul Alhazred, um poeta louco de Sanaá,
no Iêmen, que dizem ter aparecido duran te o períod o do Califado
Omíad a, por volta de 700 d.C. Ele visitou as ruínas da Babilônia, os
segredos subterrâneos de Memphis e passou dez anos sozinh o no
grand e desert o austral da Arábia - o Roba el Khaliyeh ou "Espaço

19
Vazio" dos antigos - e no deserto "Dahna" ou "Carmesim" dos árabes moder-
1
nos, o qual é considerado habitado por espíritos malignos protetores e monstros
da morte.
Deste deserto muitas maravilhas estranhas e inacreditáveis são contadas
por aqueles que fingem tê-lo adentrado. Em seus últimos anos, Alhazred habi-
tou Damasco, onde o Necronomicon (AI Azif) foi escrito e, de sua morte derra-
deira ou desaparecimento (738 d.C.), muitas coisas conflitantes e horríveis são
contadas. Ebn Khallikan (biógrafo do séc. XII) afirma que ele foi capturado por
um monstro invisível em plena luz do dia e devorado horrivelmente diante de
um grande número de testemunhas paralisadas pelo medo. Sobre a sua loucura,
muitas coisas são ditas. Ele alegava ter visto a fabulosa Irem, cidade dos Pilares,
e descoberto, sob as ruínas de uma certa cidade deserta sem nome, os chocantes
anais e segredos de uma raça mais antiga que a humanidade. Alhazred era ape-
nas um muçulmano não praticante, venerava entidades desconhecidas, a quem
chamava de Yog-Sothoth e Cthulhu.
Em 9 50 d.C., o Azif, que havia obtido uma circulação considerável - ainda
que clandestina - entre os filósofos da época, foi secretamente traduzido para o
grego por Theodorus Philetas de Constantinopla sob o título de Necronomicon.
Por um século, impeliu certos experimentadores a terríveis tentativas, até que foi
suprimido e queimado pelo patriarca Miguel.
Depois disso, só se ouve falar sobre a obra de modo furtivo, porém, mais
tarde, Olaus Wormius (1228) fez uma tradução latina na Idade Média e o texto
foi impresso duas vezes - uma no século XV em letras góticas (evidentemente
na Alemanha) e outra no século XVII (provavelmente na Espanha); ambas as
edições estão sem marcas de identificação e datadas e localizadas apenas por
evidências tipográficas internas.
· A obra, tanto em latim quanto em grego, foi banida pelo Papa Gregório
IX em 1232, logo após sua tradução latina, que chamara a atenção para ela. O
original árabe foi perdido cedo, ainda na época de Wormius, como indicado em
sua nota prefatória, e nenhum vislumbre da cópia grega, que foi impressa na
Itália entre 1500 e 1550, foi relatado desde a queima da biblioteca de um certo
homem de Salem em 1692. Uma tradução em inglês feita pelo Dr. Dee nunca foi
impressa e existe apenas em fragmentos recuperados do manuscrito original.
Dos textos latinos, agora existe apenas um (século XV) e é sabido que se encontra
no Museu Britânico protegido a sete chaves, enquanto outro (século XVII) está
na Biblioteca Nacional de Paris. ·
Uma edição do século XVII encontra-se na Biblioteca Widener em
Harvard e na biblioteca da Universidade do Miskatonic em Arkham, e também na
biblioteca da Universidade de Buenos Aires. Provavelmente, várias outras cópias
existem em segredo, sendo uma do século XV insistentemente mencionada em
20

,
rumores, a qual dizem fazer parte da coleção de um famoso milion ário americ ano.
Um rumor ainda mais vago cita a preservação de um texto grego do século
XVI na família de Salem de Pickman, mas se foi mesmo preservado, desapa receu
junto ao artista R. U. Pickma n no início de 1926. O livro é rigidam ente proibid o
pelas autorid ades na maiori a dos países e por todos os ramos do eclesiástico.
Sua leitura leva' a consequências terríveis. Dizem que, a partir de rumore s deste
livro (dos quais relativamente poucas pessoas do público em geral sabem) , R.W.
Chambers derivou a ideia de seu romanc e inicial "O Rei de Amarelo:'

Cronologia

Al Azif é escrito por volta de 730 d.C. em Damas co por Abdul Alhazred.
É traduzi do para o Grego em 950 d. C. como Necronomicon, por Theodo -
rus Philetas.
É queima do pelo Patriarca Miguel em 1050 (texto grego). Texto árabe se
perde.
Olaus traduz do grego para o Latim em 1228.
1232 - Edição em Latim (e grego) proibida pelo Papa Gregório IX.
Século XV - Edição impressa em caligrafia gótica (Alemanha).
Século XVI - Texto grego impresso na Itália.
Século XVII - Reimpressão espanhola do texto em Latim.

21
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LARIS SA PRADO
COM ILUSTRAÇÕES DE DANIELLA SALAMÃO

ã.0 se sabe ao certo como Abdul Alhazared desapare-


ceu e em que circunstâncias morreu. O corpo nunca
foi encontrado. A vida desse poeta e filósofo árabe foi
cercada por uma áurea de misticismo e mistérios sombrios.
Nascido no Yemen, quando jovem visitou as ruínas da
Babilônia e os subterrâneos de Memphis. Sabe-se que passou dez
anos perambulando pelo qeserto do sul da Arábia como parte da

' •
23
sua jornada em busca de sabedoria.
Dessa experiência voltou tocado por sensações estranhas e maravilhosas
que abalaram o seu psicológico. Abdul nunca mais foi o mesmo desde que em-
preendeu sua longa jornada no deserto.
Isolado em Damasco, na Síria, Abdul viveu os últimos anos de vida dedi-
cando-se em escrever os registros das suas experiências nas viagens que empre-
endeu pelo mundo. O autor do livro AI Azif, que ficou conhecido no ocidente por
Necronomicon, desapareceu sem deixar vestígios.
O que chegou até nós em tempos modernos foram seus escritos febris,
fragmentos de uma mente assombrada por terríveis vivências. Se Abdul caiu em
loucura ou apenas criou situações provenientes de uma mente, altamente, imagi-
nativa, não saberemos.
As notas que seguem foram encontradas entre seus pertences juntamen-
te com o original de AI Azif em 950 d.C. O material circulou entre os filósofos
gregos da época que ignoraram as anotações pessoais do árabe a despeito do
misterioso material que tinham em mãos: o Necronomicon.

1
Minhas noites no "espaço vazio':
O zunido era alto, estridente.
Como se uma nuvem de asas ecoasse dentro da minha cabeça, ela perma-
necia, constantemente, vazia. Essa sensação me perseguiria pelo resto da vida: o
zunido e o vazio.
Durante a noite a temperatura caía para onze graus negativos. A única
lembrança que ficou dos anos que vaguei pelo grande espaço vazio foi o cheiro
podre de mar decomposto.
Como se pisasse num descampado onde antes havia um mar e tivesse
secado. Quando o cheiro pútrido alcançava meu rosto, salivava água azeda de .
peixes podres.
A grande onda varreu meus pensamentos enquanto tentavam penetrar-
-me com seus tentáculos de ventosas pegajosas. Eis que escreverei o que ditaram
para mim em sonhos sob o idioma de civilizações mortas.
Civilizações vindas de estrelas obscuras, povoaram uma Terra primitiva
e reclamarão ao seu tempo o que de fato lhes pertence.
Em busca de grandes mistérios da existência, vaguei pelos confins dos
centros de cidades subterrâneas onde nenhum homem conseguiria escapar com
vida - ou alma.
25
O que restou de mim foi pouco. Fragme ntos de alma consubstanciam
apelos dos Antigos moradores de esferas celestes que aguard am o retorno à Ter-
ra.
A primei ra onda veio numa noite de lua descendente. O urro de mil asas
me jogou no chão de areia onde acredito ter sido enterra do.
Morto, mas não de todo, ouvi a língua estalada dos Antigos reis da cidade
erguida nas nuvens.
Kad-ath. Kad-ath.
Era o som que faziam. Como um mantra ou um chama do. Um hino, um
cântico. Tudo ao mesmo tempo. Soube a história da nova raça através da voz que
não era uma voz se não o zunir de asas.
E eles me incumb iram de ser o portad or dos segredos que escond em dos
homen s, porque eu próprio era um homem . Em busca de sabedoria, encont rei os
portões da cidade da antiga Throk.
Relembrarei como me veio a ideia de deixar escrito o livro dos nomes
mortos. Pois, a memór ia do homem é um sopro de poeira. Não dura nada se
compa rada à ancestralidade dos Antigos.
Estive lá, depois que a areia engoliu meu corpo material. Somos feitos de
vários tipos de existências. Não esqueça.
As luzes eram de uma tonalidade púrpur a, mas não me sabia ·se as pál-
pebras estavam fechadas ou abertas. Formas espiraladas em lumine scência ver-
de-neo n me acariciavam sem tocar o rosto. Impregnavam a minha alma em um
toque imaterial.
Ali era a morada daqueles que tinham Azatho th como senhor. Os tam-
bores rugiam como se fossem os batime ntos dos Antigos enquan to as flautas
ressonavam como a antiga respiração de uma civilização esquecida.
Eles estiveram aqui antes de nós. Para cá, retornarão.
Vaguei por regiões inóspitas entre o não-espaço e o não-tem po. Sussur-
ravam em meus ouvidos os segredos para que os portais desse mundo fossem
abertos para a passagem daqueles que povoam o vazio.
Yog-Sothoth conhece os meand ros do tempo.
Devo me lembra r disso quando transcrever as palavras. Deveri a descul-
par-me com a human idade por registrar tais conhec imento s funesto s capazes
de destruí -la. Talvez devesse escrever uma nota de alerta aos curioso s que por
desven tura tocarem nas páginas do manuscrito:
Este livro pode levar à loucura ou à morte.
Ah! Talvez, se ainda me restar algum resquício de sanidad e nos próxim os
dias faça isso. Alertarei a human idade sobre o perigo iminen te que abriga no
subterr âneo do planeta.

26
2
"O tempo dos homens passará':
O zunido ainda me persegue, escuto frases soltas que depois de grande
esforço decifro para o grego ou latim. Na maioria das vezes, me vem em árabe ou
algum dialeto antigo que reconheço, embora nunca tenha estudado.
Fizeram de mim um instrumento, não tenho controle sobre meus atos ou
pensamentos.
Estive em outra cidadela esta noite. Perambulei por abóbadas de mármo -
re tão gastas pelo tempo que pareciam erguidas desde antes da construção das
pirâmides de Gize.
Construções labirínticas alcançavam o céu roxo mancha do por véus de
auroras boreais. Ali o tempo era apenas uma ideia.
R'lyeh era coberta pelo oceano. Afundei e mal me lembro de respirar.
Quando olhei ao redor, percebi que estava ajoelhado aos pés de um trono de
pedra encrustado de algas e corais. O cintilar de um olho amarelo me cegou. Ao
redor da pupila reptiliana estavam amontoados um punhad o de tentáculos.
Escutei a evocação em algum nível da minha mente que nunca mais a
dissipou. As palavras continuaram ecoando por trás dos meus pensamentos em
frequência baixa.
Ph'nglui mglw'najh Cthulhu R'lyeh wgah'nagl jhtagn.
A claridade me atingiu e dissipou minha visão. O mundo caiu na escuri-
dão da região abissal do oceano. Os pilares da cidadela subterrânea tombar am,
um por um. Os ruídos dos tambores martelavam minhas têmporas. Então, acor-
dei no meu escritório, encharcado de água salgada. O livro estava escrito, do
início ao fim. A letra não era minha, assim como eu não parecia mais comigo
mesmo.

3
Uma semana depois da última nota, acordei de um sonho vívido no qual
celebrava com irmãos encapuzados mais um ritual a Yog-Sothoth. Minhas,mãos
estavam cobertas de sangue seco. Não sei se era meu, já que minhas palmas esta-
vam cortadas.
Símbolos estranhos estavam por todas as paredes do escritório. Penta-
gramas de fogo. Cabeça do dragão e cauda do dragão. E o olho do oceano pisca e 27
pisca no centr.o da minha testa.
Mal consigo continuar escrevendo, meus dedos parecem pasta, sem arti-
culações ou ossos.
Eles estão aqui, posso sentir no silêncio agourento. Era melhor quando
havia o zunido da morte.
Quero dizer para os curiosos que encontrarem esses escritos... •
Não! Eles estão aqui. Mas não batem na porta, flutuam na janela. Capuzes
sem rostos. Tentáculos de polvo.
Quero alertar: queime... queime cada página.
Não façam isso comigo.

4
O Todo-Um habita as Trevas
No centro de Tudo reside aquele que é Trevas
E essas Trevas serão eternas quando tudo se inclinar
Diante do Trono de Ônix.
Para-se diante do terceiro ângulo e faz-se ainda uma vez o signo de Kish,
pronunciando as palavras que abrem as Portas e detém o curso do tempo:
ABYSSUS-DRACONISUS, ZEXOWE-AZATHOTH!
f NRRGO IAA! NYARLATHOTEP!

Queimem esse livro! Rasgar não basta. Ele pode levar à loucura ou à
morte. Nada do que encontrarem aqui saiu de mim. Não saíram de qualquer
mente humana. Escritos de outras eras, palavras de deuses mortos. Queimem!
Não maculem os próprios olhos arriscando-se a virar as próximas páginas.

29 .,
..

•f

.,.
ABDUL ALHAZRED
TRADUÇÃO DE DOUGLAS FREITAS

u não sou louco. O mundo que é.


Eles não sabem a verdade. Não lhes foi contada a histó-
ria secreta da humanidade. Ninguém fitou por de trás
da cortina da existência.
Somos frutos das mentiras que são contadas por nossos
pais, mães, sacerdotes e homens da lei.
Se todos soubessem o que eu sei, veriam que minhas pa-

31
lavras e atos são de um hom em sed ento pela
realidad e, não imp orta ndo onde
possa encontrá-la.
Out ros que vieram antes de mim tam bém tiveram
sua s reve laçõ es. Lem-
bro de ter lido os textos de João de Patmos, seg uid
or de um nazaren o cru cificado.
Sua seita cresce a cad a dia em terr as ocidentais,
em n1eio a per seg uiçõ es e mortes.
Neles, visões do por vir com plem enta m as min
has , e o des tino do profeta talvez
seja tam bém o meu, já que esta é a sina de que m
se pro põe a des ven dar os segre-
dos que nos cercam.
Neste livro, registrei verdades que me foram reve
ladas por visões, sonhos
e experiências, pois desde meu enc ont ro com
aquele hom em alto, esguio, com
olh ar frio e pesaroso, com o se tod o o tem po repo
usasse sob re ele, sint o que as
palavras e os pen sam ento s me escapam dia a dia.
Temo pelo fim. Não por mim , mas por não con
seg uir tran spo r nestas
páginas, a tem po, tud o o que Nyarlathotep me
con tou . Estas, são suas palavras :

Muito antes do verbo, já havia Azathoth.


Ele era circundado por uma hoste de deuses exteriores.
Mas aquele
que tudo criou, este grande pai cósmico, era louco.
Alheio a tudo isto, nosso mundo era uma bola de lodo
, vazia e sem
· forma, fervendo e vagando em torno de uma grande
estrela, menor que
muitas outras. 1
Bons se passaram e o lodo esfriou. A água separou-se
da terra em
porções distintas. A vida surgiu e uma Raça Anciã pas
sou a habitar o ex-
tremo e gélido sul do planeta.
Os filhos de Ubbo-Sathla foram criados e deles surgiram
os servos e,
ao mesmo tempo, alimentos para estes anciões celestia
is.
Outros seres, ao longo das eras, tentaram se consolidar
Anciões eram possessivos e ciumentos.
aqui. Mas os i
Entre peixes e animais da terra, existiam também
os shoggoths,
descendentes de Ubbo-Sathala. Assim como todo escr
avo, um dia eles se
rebelaram e a decadência de seus criadores se consoli
dou.
Quando os yithianos chegaram ao mundo, eles expulsa
ram os úl-
timos dos pólipos voadores que aqui se escondiam com
o outra das tantas
raças invasoras. Ao contrário do destino delas, aos yith
ianos lhes foi per-
mitido coexistir com o os Anciões. Entre novas cidades
fundadas, estava a
grande Pnakotus.
Surgiu, então, um Grande Continente, que depois se
dividiu e tor- l
~
1 Mantive o relato original, embo ra seja de ciênc
como sugere o Nyarlathotep. Lembro-m e dos texto
naçã o por impiedade, prom ovida por Cleanto, o
ia comu m que o Sol gira em torno de nosso plane
s gregos de Aristarco de Samos dizer o mesmo.
ta e não O contrário,
mas desde sua conde-
1
32 Estóico, este assunto deixou de ser objet o de discu
ssões.
nou-se as terras que hoje conhecemos. Mas, naquela época, muitas cida-
des anciãs foram destruídas ou submersas. Não se sabe se este cataclismo
formador do grande continente aconteceu devido à chegada dos seres de
2
Xoth, ou foi uma grande coincidência, fruto do caos que rege todos nós.
Foi naquele período que R'Lyeh tornou-se o marco zero desta nova
e calamitosa invasão. O Grande Cthulhu, o maior de todos xothianos,
acompanhado de sua prole, ali se estabeleceu, e os anciões se afastaram ...
este mundo possuía agora mais de um deus.
A guerra não era uma prerrogativa deste mundo. Muito longe da-
qui, outro combate cósmico, agora entre os Grandes Antigos, dizimava e
reverberava por todo firmamento.
Quando as ondas da destruição nos alcançaram, muito do que
existia simplesmente desapareceu.
R'Lyeh afundou, e nela o Grande Cthulhu passou a jazer. .. adorme-
cido... mas um dia, ele irá acordar, quando aquele que é a chave e o portal
surgir. .. quando Yog-Sothoth surgir para que todos os olhos o vejam. E ele
virá como um ladrão!3
Sem deuses caminhando pela Terra, outros seres puderam prospe-
rar. O povo serpente de Valúsia foi um deles. Uma Cidadela Sem Nome foi
o pináculo de sua civilização, fadada ao fracasso quando deram às costas
para seu deus Yig, transformando -o em seu carrasco. Os poucos sobrevi-
ventes do povo serpente passaram a adorar Tsathoggua, o deus-sapo das
profundezas de N'Kai.
Grandes monstros irracionais começaram a viver e dominar todo
o planeta, alheios aos seres que nele existiam. O seu destino foi a morte,
quando uma pedra maior que o maior de todos os monstros que já existiu
caiu dos céus. ·
Seres menores puderam reivindicar para si o que outrora fora de
tantos outros. Descendo das árvores, essas pequenas criaturas prolifera-
ram-se e se espalharam por todo o planeta.
Destes diminutos seres, nós, filhos de Alá, surgimos.
Por vezes aprendendo sozinhos, na maioria adestrados, tornamo-
-nos egoístas, mesquinhos e arrogantes. A Lemúria foi nosso primeiro
grande feito.
Nela, os filhos do povo serpente passaram a ser conhecidos como os

2 Nyarlathotep alega que neste período ainda não havia vindo para nosso mundo, motivo da imprecisão de seu relato.
3 Noto que as expressões "todo olho verá" e "virá como ladrão" também são atribuídas a outro deus. Nos textos de João,
o profeta anuncia sobre O nazareno: "Eis que ele vem com as nuvens, e todo olho o verá... e todos os povos da terra se
lamentarão por causa dele''. Apocalipse 1:7; "Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido, e guarda-o, e arrepende-te.
E, se não vigiares, virei sobre ti como um ladrão, e não saberás a que hora sobre ti virei''. Apocalipse 3:3. Outro seguidor
do deus crucificado também traz esta expressão. Paulo em sua carta aos Tessalonicenses.
33
Reis Dragões, e um a nova cidade foi form ada : a
majestosa.A tlân tida .
Mesmo adormecido, o Grande Cth ulh u crescia
em pod er e adora-
ção, enq uan to todos os outros fora m esquecidos,
torn and o-se meras len-
das e histórias para assustar crianças e hom ens
supersticiosos. Cthulhu
tocava com seus dedos pro fanos as mentes destes
novos se~es que acredita-
vam dom ina r a terra.
Outros novos deuses, entretanto, pareceram mai
s aptos a este novo
mundo, como a Mãe Hidra e Dagon, assim com
o seres híbridos - misto de
hum ano s e abissais - tam bém pas sam a circular
pelo mun do. Nesta nova
era, criaturas como os Ghouls - que se alim ent am
de cadáveres e de seres
mais fracos - tornam-se fontes de dezenas de nov
os mit os e lendas.
No Segundo Império Atlante, em contato com os
deuses exteriores,
hom ens orgulhosos de seu ínfimo pod er mos trar
am as maravilhas des-
te mun do em busca de mai s poder. Encontraram
apenas a perdição. Foi
neste mom ento que o Caos Rastejante, Aqu ele
de Mu itas Formas, olhou
para estes hom ens sedentos e viu um mu ndo par
a mol dar a sua form a e
semelhança.
Nyarlathotep passou a viver entre nós. Sua pre
sença e intervenção
iniciaram um a nova casta de magos-cientistas,
e dela surgiu um a grande
· civilização elevando-se para um rum o jam ais
sonhado.
A portentosa Valúsia foi tom ada pelos hum ano s,
agora evoluídos, e
o Rei Kull, descendente dos atlantes, ass umi u o
trono.
Um novo cataclismo afu ndo u a joia da civiliza
ção, Atlâ ntid a. Foi
o fim do velho mundo. Mu ito daquele con hec
ime nto se perdeu. Alguns
seriam resgatados milênios depois, enq uan to outr
os jam ais seriam vistos
novamente.
Com o início de um a nov a era - que mai s tard
e seria conhecida
como A Era Hiboriana - a espada e a feitiçaria seri
am, na mai or par te das
vezes, oposições, ao contrario dos tempos idos.
Entre todos os povos, os Cimérios, ferozes bárbar
os, estabeleceram-
-se nas mon tan has centrais do Con tine nte Hiboria
no. Crom-Ya, seu líder.
seria mai s tarde endeusado, torn and o-se o pod
eroso Crom. De todos seus
adoradores, hou ve um que se destacou. Ele foi pira
ta, ladrão, mercenário,
guerreiro e até um just o Rei. Foi ele, ao lado de
um a guerreira ruiva, que
roubara a pedra de Nyarlathotep. 4
Naquele tempo, tribos mai s civilizadas se destaca
ram, tornando-se
grandes reinos, com o os da Aqu ilôn ia, Argos,
Ophir, entr e outros. Estas

4 A pedra citada é a mesm a que tenho hoje ao meu


lado. Ela chegou a mim e, por causa dela, receb
de ébano, que tudo me revelou. Ele diz que não i a visita daquele ser
pode tomá-la de volta , mas que ela voltará para
como isso ocorrerá se não prete ndo devolvê-la. ele um dia. Me pergunto
34
optaram por não viver sob as leis bárbaras e, portanto, evoluíram.
Mais um ciclo terminou e outro grande cataclismo mudou e mol-
dou o fim daquela era. Outras surgiriam. A que conhecemos, existe desde
então. Mas um dia, ela também findará.
Assim como antes, novos fins e começos surgirão. Um ciclo eterno
de vida e morte, destruição e renascimento.
O futuro é caótico e tenebroso.
Homens e mulheres massacrarão uns aos outros por motivos torpes
- diferenças insignificantes como a cor da pele ou o deus adorado - e estes
serão motivos para dor e sofrimento.
Homens guiarão seus pares para lutarem contra outros. Cidades
serão destruídas. O mundo se dividirá e a morte visitará a todos, muitas
e muitas vezes.
O horror continuará a dormir, até que aquele que é o guardião e
a chave do umbral surja no firmamento. Enquanto isto, a miséria e a se-
gregação continuará. Os ricos se tornarão mais ricos. Os pobres, cada dia
mais pobres.
Nos fim dos tempos, seres que não são visíveis aos olhos matarão
milhões, por várias vezes, de várias formas. E nestes dias, as pessoas cobri-
rão seus rostos e temerão se tocar.
Aquele que em R'Lyeh jaz não esquecido, tampouco morto, apenas
adormecido, acordará e andará sobre a Terra mais uma vez, com Yog-
Sothoth e seus incontáveis olhos, acima de todos, vislumbrando o fim de
um novo ciclo.

Deste ponto, não consigo ver o que há, tampouco foi-me revelado. Talvez
nada haja para se ver, apenas o fim e o horror! O horror! Deixo a João o porvir.'
Mas outras revelações hei de aqui registrar. Visões e segredos revelar.
Que seja este meu testamento .
Que o mundo rua sob a verdade do que trarei.
Que um novo começo venha e sobre estas palavras seja seu fundamen to.
Que não tenha um nome.
Que tenha todos.
Al Azif. Necronomicon. Livro dos Mortos.

Abdul Alhazred.
Sanaã, Iêmen.

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Libertar os três horrores de ... : .
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