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ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO

Anticapacitismo, Interseccionalidade e Ética do Cuidado


Solange Cristina da Silva
Rose Clér Estivalete Beche
Laureane Marília de Lima Costa
(Organizadoras)
ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO
Anticapacitismo, Interseccionalidade e Ética do Cuidado

Solange Cristina da Silva


Rose Clér Estivalete Beche
Laureane Marília de Lima Costa
(Organizadoras)
UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA – UDESC
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ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO
Anticapacitismo, Interseccionalidade e Ética do Cuidado

Solange Cristina da Silva


Rose Clér Estivalete Beche
Laureane Marília de Lima Costa
(Organizadoras)
REVISORA
Esther Arnold

PROJETO GRÁFICO/DIAGRAMAÇÃO
Fernanda Gonçalves

ILUSTRAÇÃO DA CAPA
Paloma Santos

FICHA CATALOGRÁFICA

E82 Estudos da deficiência na educação: anticapacitismo, interseccionalidade e ética


do cuidado / Organizadoras: Solange Cristina da Silva, Rose Clér Estivalete Beche
e Laureane Marília de Lima Costa. – Florianópolis: UDESC, 2022.
346 p. : il.

Inclui referências.
ISBN-e: 978-65-88565-51-3
ISBN: 978-65-88565-52-0

1. Educação inclusiva. 2. Deficientes – Brasil. 3. Deficientes – Ensino Superior. 4.


Deficientes – Trabalho I. Silva, Solange Cristina da. II. Beche, Rose Clér Estivalete. III. Costa,
Laureane Marília de Lima.

DOI: 10.5965/ 9786588565513 CDD: 371.9 - 20. ed.

Ficha catalográfica elaborada pela Bibliotecária Mariana O. S. Pfleger CRB 14/1243


Biblioteca Central da UDESC
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 9
Laureane Marília de Lima Costa
Solange Cristina da Silva
Rose Clér Estivalete Beche

PARTE 1
ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO:
UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
1 – EDUCAÇÃO INCLUSIVA: UM DIREITO 21
FUNDAMENTAL, DIFUSO E INDISPONÍVEL
Thais Becker Henriques Silveira
Carla Ramos Gonçalves

2 – A ESCOLARIZAÇÃO DAS PESSOAS COM 49


DEFICIÊNCIA NO BRASIL: EDUCAÇÃO
INCLUSIVA E PRODUÇÃO DE SENTIDOS
Rosângela Machado
Geisa Letícia Kempfer Böck
Anahí Guedes de Mello

3 – EDUCAÇÃO INCLUSIVA E FORMAÇÃO 78


CONTINUADA: INTERLIGAÇÕES
ESTRATÉGICAS NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE FLORIANÓPOLIS
Ana Luiza Moura Mafra
Ana Paula Felipe
Lenize Silva Arrojo
Valquíria Hillesheim Lamb
PARTE 2
CAPACITISMO NA EDUCAÇÃO
E NO TRABALHO
4 – SEXISMO, CAPACITISMO E RACISMO: 97
PERSPECTIVAS INTERSECCIONAIS
Adenize Queiroz de Farias
Andreza Vidal Bezerra
Lívia Laenny Vieira Pereira de Medeiros
Mayanne Júlia Tomaz Freitas

5 – O ESTUDANTE COM DEFICIÊNCIA 116


INTELECTUAL NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Cristiane Lazzarotto-Volcão
Rose Clér Estivalete Beche

6 – O CAPACITISMO VIVENCIADO PELA 146


PESSOA COM DEFICIÊNCIA NO CONTEXTO
ESCOLAR: UM ENSAIO TEÓRICO
Sabrina Mangrich de Assunção
Fabiane Araujo Chaves

7 – ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA: 170


IMPLICAÇÕES DO CAPACITISMO
NO ÂMBITO DO ENSINO SUPERIOR
Adenize Queiroz de Farias
Andreza Vidal Bezerra
Lívia Laenny Vieira Pereira de Medeiros
Jackeline Susann Souza da Silva

8 – O SERVIÇO PÚBLICO COMO 187


ESPAÇO DE TRABALHO DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA: PRESSUPOSTOS
PARA O DEBATE SOBRE O CAPACITISMO
Cláudia Iara Vetter
Daniele Marla Soares Dias
Geisa Letícia Kempfer Böck
Vera Lucia Batista dos Santos
PARTE 3
ÉTICA DO CUIDADO E O ENFRENTAMENTO
DO CAPACITISMO NA EDUCAÇÃO
E NO TRABALHO
9 – GÊNERO E CUIDADO: UM OLHAR 215
EMANCIPATÓRIO PARA O CAMPO
DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Paula Helena Lopes
Simone De Mamann Ferreira
Marivete Gesser

10 – A INCLUSÃO DE AUTISTAS NA ESCOLA 234


REGULAR: A CONTRIBUIÇÃO DA ÉTICA
DO CUIDADO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Solange Cristina da Silva
Rita Louzeiro

11 – AÇÕES PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS 260


NA FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA
DOS PARTICIPANTES DO PROJETO DUA/
COAMAR/UFSC E A PRODUÇÃO
DE MATERIAIS E RECURSOS ACESSÍVEIS
Eloisa Barcellos de Lima
Simone De Mamann Ferreira
Lucas Yuri Ferraz
Mayara Amanda Pereira

12 – PESSOAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: 284


RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA E ÉTICA
DO CUIDADO NO SERVIÇO PÚBLICO
Daiani Domingos
Débora Marques Gomes
Gilmar Silva Amaral
Inês Berlanda Seidler
Viviane Oliveira de Araújo da Silva

SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES) 310


APRESENTAÇÃO
Este livro é fruto de uma ação de extensão, que articula
pesquisa e ensino, vinculada ao Laboratório de Educação
Inclusiva da Universidade do Estado de Santa Catarina (LEdI/
Udesc) e foi construído coletivamente durante a pandemia
do coronavírus e os ataques contra a Educação Inclusiva. Tais
ataques foram compilados do Decreto nº 10.502, assinado
em 30 de setembro de 2020 pelo presidente Jair Bolsonaro
(BRASIL, 2020), cuja eficácia foi suspensa, por medida cau-
telar, pelo Supremo Tribunal Federal em 1º de dezembro de
2020 (STF, 2020), após apresentação, pelo Partido Socialista
Brasileiro, da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.590
seguindo as diversas manifestações contrárias ao Decreto,
vindas de pesquisadores/as e ativistas com e sem deficiência
(CONJUR, 2020; VIVAS; FALCÃO, 2020).
A construção coletiva foi nosso modo de lidar com o luto
de milhares de mortes evitáveis, transformar dor em luta e
esperançar resistência, finalizando essa escrita no centená-
rio de Paulo Freire, enjeitado por aqueles que desvalorizam a
democracia e flertam com o autoritarismo.
Durante o ano de 2020, as discussões virtuais do LEdI,
ancoradas no campo dos Estudos da Deficiência, com foco
nos Estudos Feministas da Deficiência e nos Estudos da Defi-
ciência na Educação, subsidiaram a escrita dos capítulos a
seguir e, também, foram amálgama de pesquisadores/as
com e sem deficiência, mantendo viva a ousadia de desejar e
tentar construir um mundo mais justo e igualitário.
9
Ao longo de 2021, os/as pesquisadores/as se concentra-
ram em escrever seus capítulos, em fazer contribuições nos
textos dos/as colegas e em dialogar em prol da defesa da
Educação Inclusiva dentro e fora de suas instituições, sempre
atentos/as ao compromisso característico dos Estudos da
Deficiência, que é o de produzir conhecimento que contri-
bua com a luta das pessoas com deficiência por igualdade de
condições de participação social, o que requer assumir que
todo trabalho intelectual tem implicações políticas e, por
isso, precisa se posicionar contra a opressão (BARNES; THO-
MAS, 2008; DINIZ, 2007; GARLAND-THOMSON, 2002, MELLO;
NUERNBERG, 2012; THOMAS, 2004).
O campo dos Estudos da Deficiência emergem no
Reino Unido e nos Estados Unidos, nas décadas de 1970 e
1980, a partir da entrada acadêmica de ativistas com defi-
ciência que questionaram a compreensão hegemônica da
deficiência, enquanto desvio da normalidade, propondo
uma compreensão social relacional da deficiência como
restrição de participação, fruto de uma sociedade pouco
respeitosa à diversidade corporal humana (BARNES, 2012;
BARNES; THOMAS, 2008; DINIZ, 2007).
No Brasil, os Estudos da Deficiência chegam no início
dos anos 2000, com publicações da antropóloga Débora
Diniz e notável influência dos Estudos Feministas da Defi-
ciência dos Estados Unidos, os quais ampliam o campo, ao
indicar a necessidade de analisar a deficiência em uma pers-
pectiva interseccional e propor a substituição do valor de
independência, por interdependência para a conquista de
igualdade e justiça entre pessoas com e sem deficiência,
reconhecendo o cuidado como necessidade e direito huma-
nos (DINIZ, 2003, 2007; MELLO; NUERNBERG, 2012; MELLO;
NUERNBERG; BLOCK, 2014).
Anahí Guedes de Mello, Adriano Henrique Nuernberg e
Pamela Block (2014), ao descreverem o estabelecimento do
campo dos Estudos da Deficiência no Brasil e no mundo,
esclarecem que há maior participação de pesquisadores/as
10
sem deficiência do que com deficiência e, apesar da influên-
cia da perspectiva feminista, ainda há prevalência do Modelo
Biomédico nas pesquisas brasileiras. Pensamos que alterar
esse cenário, assim como reduzir a desigualdade que atinge
as pessoas com deficiência (IBGE, 2010; OMS, 2012), perpassa
pela defesa intransigente da Educação Inclusiva, laica, pública,
gratuita e de qualidade, em todos os níveis de ensino.
Estamos cientes de que a construção dessa obra, a par-
tir do encontro de pessoas com e sem deficiência, como
supramencionado, assim como a recente publicação do livro
“Estudos da Deficiência: anticapacitismo e emancipação
social”, que também reúne autores/as com e sem deficiên-
cia, organizado por Marivete Gesser, Geisa Letícia Kempfer
Böck e Paula Helena Lopes (2020), resultam do avanço das
políticas educacionais inclusivas dos últimos 30 anos, aproxi-
madamente, as quais admitiram as pessoas com deficiência
como cidadãs, ao invés de meros objetos de caridade e/ou
intervenção biomédica (LANNA JÚNIOR, 2010, MAIOR, 2017).
Por isso, apresentamos este livro como um ato de resis-
tência às tentativas de desmonte da Educação Inclusiva no
Brasil, demonstrando a urgência de “mudar a escola, não
mudar de escola”, fazendo coro à ativista Mariana Rosa ao
se posicionar contra o Decreto nº 10.502, frase que se tornou
lema nas manifestações contra esse retrocesso educacional
e que nos inspira neste processo.
O livro é dividido em três partes que se articulam e se
complementam. A primeira parte intitulada “ESTUDOS DA
DEFICIÊNCIA NA EDUCAÇÃO: UMA PERSPECTIVA INTERDIS-
CIPLINAR” tem a educação como enfoque; a segunda parte
“CAPACITISMO NA EDUCAÇÃO E NO TRABALHO”, tem, como
premissa principal, discutir o capacitismo; e a terceira e
última parte, denominada “ÉTICA DO CUIDADO E O ENFREN-
TAMENTO DO CAPACITISMO NA EDUCAÇÃO E NO TRABALHO”,
traz a Ética do Cuidado como foco principal.
A primeira parte do livro é composta por três capítulos.
O capítulo de abertura, de Thais Becker Henriques Silveira
11
e Carla Ramos Gonçalves, “Educação inclusiva: um direito
fundamental, difuso e indisponível”, apresenta a educação
inclusiva como um direito transindividual, cujas titulares são
todas as pessoas e não somente as pessoas com deficiência
e seus/suas familiares, assim, não há possibilidade de ges-
tão arbitrária desse direito, não cabendo a elaboração de
políticas contrárias à educação inclusiva, nem mesmo sob
a alegação de uma suposta liberdade de escolha individual.
Nesse capítulo, as autoras apresentam os marcos das legis-
lações brasileiras que tutelam o direito à educação inclusiva,
mostrando o porquê e as consequências de compreendê-lo
como um direito fundamental, difuso e indisponível. A leitura
desse capítulo é essencial para entender a dimensão da gra-
vidade e retrocesso do Decreto nº 10.502.
O capítulo subsequente, de Rosângela Machado, Geisa
Letícia Kempfer Böck e Anahí Guedes de Mello, intitulado “A
escolarização das pessoas com deficiência no Brasil: edu-
cação inclusiva e produção de sentidos”, também explora
o direito à educação, mas agora com enfoque no ciclo de
políticas, concebido pelo contexto da influência, permeados
pelos fundamentos e princípios da educação inclusiva, pelas
concepções de deficiência e pelas mudanças de perspectiva,
junto ao contexto de elaboração de documentos legais que
materializam as novas perspectivas em políticas e o contexto
das práticas escolares. As autoras apresentam a história de
escolarização das pessoas com deficiência no Brasil, indicando
o contexto empírico mobilizador do estabelecimento de legis-
lações, os quais, por sua vez, transformam a prática em outros
contextos, refletindo sobre o lugar da educação especial na
mobilização de transformação da escola e ilustrando a discus-
são, por meio de uma narrativa autobiográfica da experiência
de estudar na escola especial e na escola inclusiva.
O terceiro e último capítulo dessa parte, de Ana Luiza
Moura Mafra, Ana Paula Felipe, Lenize Silva Arrojo e Valquíria
Hillesheim Lamb, “Educação inclusiva e formação continuada:
interligações estratégicas na Rede Municipal de Ensino de
12
Florianópolis”, aborda os processos de formação continuada
dos/as professores/as da Rede Municipal de Ensino de Flo-
rianópolis, principalmente, dos/as professores/as auxiliares
e dos/as professores/as que atuam nas Salas Multimeios. Ao
longo do capítulo, as autoras apresentam como a articulação
entre os relatos dos/as professores/as, a oferta de formações
pela gestão de educação especial e a consolidação da parceria
entre educação básica e extensão universitária têm contribu-
ído para uma mudança da perspectiva do Modelo Médico da
deficiência para o Modelo Social da deficiência, bem como
suas influências sobre os saberes e práticas pedagógicas.
A segunda parte do livro é composta por cinco capítulos.
O primeiro deles, de Adenize Queiroz de Farias, Andreza Vidal
Bezerra, Lívia Laenny Vieira Pereira de Medeiros e Mayanne
Júlia Tomaz Freitas, “Sexismo, capacitismo e racismo: pers-
pectivas interseccionais”, discute o conceito de capacitismo
em intersecção com outros sistemas opressivos e produto-
res de vulnerabilidade e desigualdade, como o racismo e o
patriarcado. Para tanto, as autoras apresentam sua pesquisa
bibliográfica em periódicos brasileiros que são referências
nas temáticas de deficiência, raça e gênero, se concentrando
nas publicações do período entre 2016 e 2020, a fim de iden-
tificar o interesse dos/as pesquisadores/as em produções
interseccionais no tocante a esses marcadores sociais.
O segundo capítulo “O estudante com deficiência inte-
lectual na educação superior”, de Cristiane Lazzarotto-Volcão
e Rose Clér Estivalete Beche, aborda o acesso e a permanên-
cia de estudantes com deficiência intelectual na educação
superior. As autoras apresentam sua pesquisa bibliográfica,
a partir do levantamento de dissertações e teses brasileiras
sobre a temática, revelando um baixo número de produ-
ções a esse respeito, além das barreiras enfrentadas pelos/
as estudantes com deficiência no ensino superior, as quais
vão da falta de formação de professores/as ao baixo envolvi-
mento dos núcleos de acessibilidade das instituições com as
pessoas com deficiência intelectual.
13
O terceiro capítulo “O capacitismo vivenciado pela
pessoa com deficiência no contexto escolar: um ensaio
teórico”, de Sabrina Mangrich de Assunção e Fabiane
Araujo Chaves, discorre de forma reflexiva sobre situações
permeadas de capacitismo no dia a dia de pessoas com
deficiência no contexto escolar. As autoras partem de suas
experiências, enquanto estudante com deficiência e moni-
tora de estudantes com deficiência, respectivamente, para
ilustrar conceitos teóricos e conduzir à discussão.
O quarto capítulo “Estudos da deficiência: implicações do
capacitismo no âmbito do ensino superior”, de Adenize Quei-
roz de Farias, Andreza Vidal Bezerra, Lívia Laenny Vieira Pereira
de Medeiros e Jackeline Susann Souza da Silva, também
aborda expressões de capacitismo na educação, com foco no
ensino superior. As autoras apresentam uma pesquisa reali-
zada com mulheres com deficiência, estudantes e servidoras
de universidades nordestinas, revelando discursos e práticas
que, implícita ou explicitamente, fortalecem o capacitismo
no contexto acadêmico.
O quinto e último capítulo dessa parte, intitulado “O
serviço público como espaço de trabalho da pessoa com
deficiência: pressupostos para o debate sobre o capacitismo”
de Cláudia Iara Vetter, Daniele Marla Soares Dias, Geisa Letícia
Kempfer Böck e Vera Lucia Batista dos Santos, discorre sobre
vivências de capacitismo por trabalhadores/as com deficiên-
cia no serviço público, ilustrando o capacitismo estrutural com
narrativas de servidores/as públicos/as com deficiência e indi-
cando proposições para uma sociedade anticapacitista e justa
com as pessoas com deficiência e suas trajetórias profissionais.
A última parte do livro tem quatro capítulos que abordam
a importância da Ética do Cuidado nos diferentes espaços e
níveis de ensino e trabalho. O capítulo que abre essa parte
do livro, de Paula Helena Lopes, Simone De Mamann Ferreira
e Marivete Gesser, intitula-se “Gênero e cuidado: um olhar
emancipatório para o campo da Educação Inclusiva”, indica
as contribuições da discussão feminista sobre cuidado para
14
a educação inclusiva. Para tanto, as autoras apresentam os
pressupostos teóricos da Ética do Cuidado, a partir de Joan
Tronto e Eva Kittay, mostrando que a articulação entre os
campos dos estudos feministas e dos estudos feministas
da deficiência tem o potencial de produzir fissuras nos ide-
ais neoliberais de independência e oferecer elementos para
compreender o cuidado como um trabalho e uma atitude
comprometida em contribuir com a agência dos sujeitos,
considerando os atravessamentos de gênero, raça, classe,
geração, dentre outros marcadores, bem como suas implica-
ções nas relações de cuidado.
Na sequência, o capítulo “A inclusão de autistas na escola
regular: a contribuição da Ética do Cuidado na prática peda-
gógica”, de Solange Cristina da Silva e Rita Louzeiro, também
discute as contribuições da Ética do Cuidado para a educa-
ção, desta vez, focando na inclusão de estudantes na escola
regular. As autoras partem da segunda geração do Modelo
Social da deficiência e dos estudos da deficiência na educa-
ção, para discutir as relações de cuidado e interdependência
como fundamentais à condição humana, problematizando
atitudes, aparentemente, inclusivas, que acabam sendo
capacitistas e excludentes, e a discussão reafirma a escola
comum como um espaço para todos/as.
O terceiro capítulo “Ações pedagógicas inclusivas na
formação inicial e continuada dos participantes do projeto
DUA/Coamar/UFSC e a produção de materiais e recursos
acessíveis”, de Eloisa Barcellos de Lima, Simone De Mamann
Ferreira, Lucas Yuri Ferraz e Mayara Amanda Pereira, aborda
o desenvolvimento de ações pedagógicas na produção de
materiais e recursos acessíveis para estudantes com e sem
deficiência do Colégio de Aplicação da Universidade Fede-
ral de Santa Catarina, apresentando a aplicabilidade dos
princípios e diretrizes do Desenho Universal para a Aprendi-
zagem na rotina de trabalho das autoras e autor, mostrando
suas relações de colaboração intra e interinstitucional, e
indicando a interinfluência do aprofundamento teórico e da
15
prática. A leitura desse capítulo é fundamental para visua-
lizar as relações de interdependência da equipe escolar, a
incorporação da Ética do Cuidado nas práticas pedagógicas
e seu potencial para fomentar práticas inclusivas.
Finalizando esta parte e o livro, o capítulo “Pessoas com
deficiência visual: relações de interdependência e Ética do
Cuidado no mercado de trabalho”, de Daiani Domingos,
Débora Marques Gomes, Gilmar Silva Amaral, Inês Berlanda
Seidler e Viviane Oliveira de Araújo da Silva, reflete sobre
acessibilidade, interdependência e Ética do Cuidado no
ambiente de trabalho, a partir da experiência das autoras
e autor, cinco profissionais com deficiência visual. As auto-
ras e o autor problematizam que, apesar dos avanços legais
na garantia do direito ao trabalho pelas pessoas com defi-
ciência, ainda existem barreiras atitudinais, arquitetônicas,
instrumentais e programáticas que podem obstruir a parti-
cipação de trabalhadores/as com deficiência, indicando as
relações de interdependência, pautadas na Ética do Cuidado
como um caminho possível para a eliminação das barreiras
no mercado de trabalho.
Entendendo que este livro, construído coletivamente, é
uma potência viva porque reflete experiências, sonhos e pers-
pectivas de pesquisadores e pesquisadoras do campo dos
Estudos da Deficiência, convidamos a você leitor/a resistir, jun-
tamente conosco, e a se desafiar, comprometendo-se com a
emancipação de todas as pessoas e com o enfrentamento de
todas as formas de opressão que aprisionam e condicionam
pelos padrões de corponormatividade. Afinal, a deficiência
enquanto categoria identitária é afeta a todos/as nós!

Boa Leitura!

Laureane Marília de Lima Costa


Solange Cristina da Silva
Rose Clér Estivalete Beche

16
REFERÊNCIAS
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N.; ROULSTONE, A.; THOMAS, C. The routledge handbook of disability
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Ediciones Morata, 2008. p. 15-18.
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17
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-mec-com-nova-politica-de-educacao-para-alunos-com-deficiencia.
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18
PARTE 1
ESTUDOS DA
DEFICIÊNCIA
NA EDUCAÇÃO:
UMA PERSPECTIVA
INTERDISCIPLINAR
CAPÍTULO 1

EDUCAÇÃO INCLUSIVA:
UM DIREITO FUNDAMENTAL,
DIFUSO E INDISPONÍVEL
Thais Becker Henriques Silveira
Carla Ramos Gonçalves

1. INTRODUÇÃO

Preliminarmente, antes de adentrarmos na temática


deste capítulo, entendemos importante e necessário nos
apresentarmos a você que nos lê. Somos duas mulheres bran-
cas, graduadas em Direito. Thais tem 26 anos, é mestranda
em Direito e mulher com deficiência física. Carla tem 51 anos,
é advogada, mulher sem deficiência e mãe do José Henrique,
adolescente autista, com 16 anos. Ao nos apresentarmos
dessa forma, fazemos oposição ao ideal da neutralidade do
conhecimento científico, em que a pretensão de “ver sem ser
visto”, como nos ensina Santos (2018, p. 63), simboliza “um
certo desprezo pelo que é visível. Um desprezo do corpo e
da corporificação. Um desprezo pelo fato de corpos serem,
inelutavelmente, entidades situadas e contextualizadas”.
Acreditamos, assim, que nossas histórias de vida imbri-
cadas, cada uma com suas peculiaridades, com a experiência
da deficiência, oportunizam-nos observar a temática da edu-
cação inclusiva de um lugar diferenciado, radical e potente. É
o que nos lembra Campbell (2008), ao citar Bell Hooks (1990,
p. 149), nos seguintes termos:
21
Por muito tempo os teóricos críticos têm imaginado
lugares de marginalidade e liminaridade como lugares
de exílio – onde os marginalizados devem ser ‘trazi-
dos do frio’ e integrados para que também possam
sentar-se ao lado dos ‘fogos quentes’ do liberalismo
(e todos irão ficar bem). Porém, como nos lembra Bell
Hooks, a margem pode ser ‘[...] mais do que um local
de privação [...] é também um local de possibilidade
radical, um espaço de resistência1 (HOOKS, 1990 apud
CAMPBELL, 2008, p. 160, tradução nossa).

Partindo desse lugar, objetivamos com este capítulo


propor o enquadramento jurídico da educação inclusiva,
enquanto um direito fundamental, difuso e indisponível.
Para alcançar tal pretensão, inicialmente abordamos as dis-
posições e normativas presentes na legislação brasileira que
tutelam o direito à educação inclusiva e delineiam a atual
política educacional. Na sequência, apresentamos o arca-
bouço constitucional que ampara a educação enquanto
direito fundamental e, por fim, adentramos nos conceitos
de direito difuso e indisponível, bem como nos motivos e
consequências de atribuir tais características ao direito à
educação inclusiva.
No que concerne ao marco teórico, adotamos o Modelo
Social da deficiência, sobretudo sua segunda geração – os
feminist disability studies (GARLAND-THOMSON, 2005) –,
de tal forma que a deficiência é aqui compreendida, em
contraposição ao Modelo Médico da deficiência, enquanto

1 Início da nota de rodapé. Texto original: “For too long critical theo-
rist’s have figured places of marginality and liminality as places of
exile – where the emarginated are to be ‘brought in from the cold’
and integrated so that they too can sit beside the ‘warm fires’ of
liberalism (and all will be well). However, as bell hooks reminds us,
the margin can be ‘[...] more than a site of deprivation [...] it is also
the site of radical possibility, of resistance’". Fim da nota de rodapé.

22
uma construção social, experiência que não é inerente ao
corpo tão somente, mas sim, decorrente da relação entre
uma pessoa e uma sociedade que, por meio da adoção de
um padrão corponormativo, a estigmatiza e lhe atribui um
“menor valor” social.
A esse respeito, Débora Diniz (2007, p. 23) elucida que:
Se para o modelo médico o problema estava na lesão,
para o modelo social, a deficiência era o resultado
do ordenamento político e econômico capitalista,
que pressupunha um tipo ideal de sujeito produtivo.
Houve, portanto, uma inversão na lógica da cau-
salidade da deficiência entre o modelo médico e o
modelo social: para o primeiro, na deficiência era
resultado da lesão, ao passo que, para o segundo, ela
decorria dos arranjos sociais opressivos às pessoas
com lesão. Para o modelo médico, a lesão levava à
deficiência; para o modelo social, sistemas sociais
opressivos levavam pessoas com lesões a experi-
mentarem a deficiência.

Nesse ponto, destacamos que o feminist disability studies


propõe o tensionamento da premissa ética da autonomia
pela remoção de barreiras, ou seja, entende que somos
interdependentes e que relações de cuidado são inerentes
à humanidade e à vida em sociedade. Além disso, os estu-
dos feministas sugerem que a deficiência é uma experiência
singular, subjetiva e que, por isso, deve ser compreendida,
considerando-se a intersecção com outros marcadores
sociais, à exemplo do gênero, raça, classe, orientação sexual
e outros. Ademais, dessa intersecção decorre que as formas
de opressão também são distintas e únicas, de tal modo que
precisam ser dimensionadas, considerando esses atravessa-
mentos, sob pena de ações de enfrentamento tornarem-se,
tão somente, continuidade de atos de violência, como bem
pontua Diniz (2007, p. 59-60):

23
Durante quase duas décadas, a premissa da inde-
pendência como um valor ético para o modelo social
manteve-se livre de críticas. Os primeiros teóricos do
modelo social eram homens, em sua maioria porta-
dores de lesão medular, que rejeitavam não apenas
o modelo médico curativo da deficiência, como tam-
bém toda e qualquer perspectiva caritativa perante a
deficiência. Princípios como o cuidado ou os benefí-
cios compensatórios para o deficiente não estavam
na agenda de discussões, pois se pressupunha que
o deficiente seria uma pessoa tão potencialmente
produtiva como o não deficiente, sendo apenas
necessária a retirada das barreiras para o desenvol-
vimento de suas capacidades. As teóricas feministas
foram as primeiras a apontar o paradoxo que acom-
panhava as premissas do modelo social. Por um lado,
criticava-se o capitalismo e a tipificação do sujeito
produtivo como não deficiente; mas, por outro, a luta
política era por retirar as barreiras e permitir a parti-
cipação dos deficientes no mercado de trabalho. Ou
seja, a aposta era na inclusão e não na crítica pro-
funda a alguns pressupostos morais da organização
social em torno do trabalho e da independência.

A respeito desse assunto, cabe demarcar, também, que o


Modelo Social da deficiência foi incorporado ao ordenamento
jurídico brasileiro pela Convenção da Organização das Nações
Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto
Federal nº 6.949/2009)2 (BRASIL, 2009) e retomado pela Lei
Brasileira de Inclusão (LBI), Lei Federal nº 13.146/2015 (BRASIL,
2015), visto que ambas definiram, em seus artigos primeiros, a
pessoa com deficiência como aquela que “têm impedimentos

2 Início da nota de rodapé. A Convenção da ONU sobre os Direitos das


Pessoas com Deficiência foi ratificada pelo Brasil nos termos do § 3º
do art. 5º da Constituição Federal e, portanto, com status de norma
constitucional. Fim da nota de rodapé.

24
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sen-
sorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdades de condições com as demais pessoas”.
Observamos, assim, que, os dispositivos jurídicos acima
referidos, ao conceituarem a deficiência, a partir da intera-
ção da pessoa com barreiras advindas do contexto, filiam-se a
compreensão inaugurada pelo Modelo Social. Sobre o assunto,
escreve Maia (2017, p. 3-4):

Nota-se que a Convenção não apresenta um conceito


unicamente médico de pessoa com deficiência, como
era a prática até então, adotando um conceito que
prioriza a dimensão social. [...] De fato, o núcleo da
definição é a interação dos impedimentos que as pes-
soas têm com as diversas barreiras sociais, tendo como
resultado a obstrução da sua participação plena e efe-
tiva na sociedade, em condição de igualdade com as
demais pessoas. A deficiência não é mais, assim, vista
como algo intrínseco à pessoa, como pregavam as
definições puramente médicas; a deficiência está na
sociedade, não na pessoa. Os impedimentos físicos,
mentais, intelectuais e sensoriais passaram a ser con-
siderados como características das pessoas, inerentes
à diversidade humana; a deficiência é provocada pela
interação dos impedimentos com as barreiras sociais,
ou seja, com os diversos fatores culturais, econômi-
cos, tecnológicos, arquitetônicos, dentre outros, de
forma a gerar uma impossibilidade de plena e efetiva
participação dessas pessoas na sociedade.

Por fim, firmado o marco teórico adotado neste capí-


tulo, bem como sua incorporação na legislação brasileira,
constitucional e infraconstitucional em vigor, explicitamos
a pertinência e contemporaneidade da presente discussão,
na medida em que a Política Nacional de Educação Espe-
cial, na Perspectiva da Educação Inclusiva, responsável por
25
implementar na prática o direito à educação inclusiva, tem
sofrido, sobretudo por parte do Governo Federal, nos últimos
três anos, severos ataques e violações, que culminaram na
edição do Decreto Federal nº 10.502/2020 (BRASIL, 2020), o
qual, ao retomar as classes e escolas especiais, institui que
crianças e jovens com deficiência devem estudar em espaços
segregados daqueles sem deficiência.
Atualmente, em razão da grande pressão popular,
decorrente da articulação do movimento político de pessoas
com deficiência, aliadas e aliados na luta anticapacitista e
profissionais da área da educação inclusiva, a eficácia do
referido Decreto encontra-se suspensa por decisão do
Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucio-
nalidade nº 65093, sem todavia, até o presente momento,
decisão definitiva quanto à sua revogação.
Ações como a edição do referido Decreto pela Presidência
da República, somam-se às constantes negativas de matrícu-
las na Rede Regular de Ensino, vivenciadas, cotidianamente, por
pessoas com deficiência e seus familiares4, à falta de recursos, à
imposição de barreiras diversas, a exemplo das arquitetônicas,
informacionais, atitudinais e comunicacionais, demonstrando,
ao contrário do que se esperava com a ampliação das discus-
sões sobre Direitos Humanos e Justiça Social, o recrudescimento
de práticas segregatórias e discursos caritativos, que subjugam,
invisibilizam e violentam pessoas com deficiência, inclusive no
contexto educacional. Entendemos, portanto, urgente e neces-
sária a discussão que ora nos propomos a fazer.

3 Início da nota de rodapé. Para saber mais, consultar: http://portal.stf.jus.


br/processos/detalhe.asp?incidente=6036507. Fim da nota de rodapé.
4 Início da nota de rodapé. Sobre o assunto, sugerimos a leitura da
matéria “A negativa de matrícula em instituições privadas de ensino:
uma conduta ilegal conduz a uma reflexão necessária”, de autoria
de Rosangela Machado, que pode ser consultado em: https://www.
inclusive.org.br/arquivos/28502. Fim da nota de rodapé.

26
2. A EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO SISTEMA
JURÍDICO PÁTRIO

Ao encontro do mencionado na introdução, a reflexão


que ora propomos e que passaremos a explanar nos dois
tópicos subsequentes a esse, é a de que todo o arcabouço
jurídico-normativo nacional e internacional foi se estabele-
cendo de tal modo a delimitar a educação inclusiva como
princípio fundamental e direito indisponível e difuso (concei-
tos que serão aprofundados na sequência). Com vistas a este
objetivo, propomo-nos a, em um primeiro momento, recapi-
tular a trajetória jurídica e legislativa do direito à educação
de pessoas com deficiência, desde sua fase inicial, de discri-
minação e segregação, até ao momento contemporâneo que
tem – ou, ao menos, deveria ter – como fator imperativo e
princípio fundamental a educação escolar inclusiva, ou seja,
no ensino regular e para todas as pessoas.
A primeira tentativa do Governo brasileiro de regularizar o
formato da “educação especial” aconteceu em 1961, quando
da aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) –
Lei Federal nº 4.024/1961 – a qual dizia, em seu art. 88, que “a
educação de excepcionais, deve, no que for possível, enqua-
drar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na
comunidade” (BRASIL, 1961). Tal dispositivo apenas começou
a ser implementado a partir da década de 70, momento em
que, segundo Jannuzzi (2012), o Estado passou a reconhecer
a importância da educação para o desenvolvimento econô-
mico, social e político do país.
No entanto, ainda assim, para os estudantes com defici-
ência, era uma obrigação dentro do que “fosse possível”, sem
grandes esforços ou uma mudança na forma de compreender
a experiência da deficiência em si e/ou o direito à educação
dessa população. O que vemos, portanto, nesse momento, é
tão somente uma integração à comunidade escolar. Sobre o
assunto, Mendes (2006, p. 387) adverte:

27
De um modo geral, na perspectiva da integração,
apresentavam-se restrições quanto à ideia de que
todo e qualquer estudante com deficiência pudesse
inserir-se em classes comuns nas escolas regulares.
Desse modo, tendeu-se à colocação de pessoas com
deficiência em escolas comuns, mas não na mesma
classe, isto é, esses estudantes ficavam restritos às
classes especiais. Os serviços especiais permanece-
ram sendo oferecidos de forma complementar ou
para aqueles avaliados com um maior grau de com-
prometimento (Grifo nosso).

Tal abordagem, manteve-se central por um longo perí-


odo histórico, sendo, as pessoas com deficiência, renegadas
a nenhuma ou pouquíssima participação social, inclusive
no que tange ao contexto escolar. Nos anos seguintes, a
legislação pouco avançou. Um exemplo dessa morosidade, é
que, apenas em 1966, foi adotado, pela ONU, o Pacto Interna-
cional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, o qual
estabeleceu que a educação, em quaisquer de seus níveis,
deveria ser acessível a todos. Todavia, mesmo após a assina-
tura do Pacto pelo Brasil, o tema foi minimamente tratado
pela Constituição Federal de 1967, que deu continuidade à
perspectiva integracionista das pessoas com deficiência à
sociedade presente na LDB de 1961.
A Constituição Federal de 1988 – publicada após a de
1967 e em vigor até os dias atuais – por sua vez, ainda que
não tenha feito extensivas menções, especificamente às
pessoas com deficiência, delimitou o enquadramento da
educação enquanto um direito fundamental e de todas as
pessoas, conforme será aprofundado no tópico seguinte,
o que abriu espaço para discussão quanto à necessidade
urgente de reformulação do sistema educacional, visto o
caráter excludente e segregatório daquele à época vigente.
Em 1994, aconteceu, na cidade de Salamanca (Espa-
nha), a Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais,
que resultou na elaboração da Declaração de Salamanca
28
sobre Princípios, Política e Prática em Educação Especial5, a
qual, por sua vez, apresenta-se como um dos documentos
internacionais mais relevantes no que se refere à educação
inclusiva. Segundo seus princípios orientadores, as escolas
deveriam acomodar todas as crianças, independentemente
de suas características físicas, intelectuais, sociais, emocio-
nais, linguísticas etc.
Dois anos após a Declaração, foi publicada no Brasil, a
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei Federal nº
9.394/1996), que, diferente da anterior, possui contornos de
uma Política Nacional de Educação que começa a se desenhar
sem os termos capacitistas e pejorativos antes utilizados, tro-
cando, por exemplo, o termo “excepcionais”, por “educandos
portadores de necessidades especiais”6, como percebemos
nos seguintes dispositivos:
Art. 4º. O dever do Estado com educação escolar
pública será efetivado mediante a garantia de: [...]
III – atendimento educacional especializado gratuito
aos educandos com necessidades especiais, prefe-
rencialmente na rede regular de ensino;
[...]
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efei-
tos desta Lei, a modalidade de educação escolar, ofere-
cida preferencialmente na rede regular de ensino, para
educandos portadores de necessidades especiais. [...]

5 Início da nota de rodapé. Declaração de Salamanca que pode con-


sultada na íntegra em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/
salamanca.pdf. Fim da nota de rodapé.
6 Início da nota de rodapé. A respeito do assunto, é importante desta-
car que, em que pese à época a mudança do termo "excepcionais"
para "portadores de necessidades especiais" representasse um
avanço, atualmente, o termo adequado, considerando as reivindi-
cações do movimento político e social, é pessoa com deficiência.
Fim da nota de rodapé.

29
§ 2º O atendimento educacional será feito em clas-
ses, escolas ou serviços especializados, sempre que,
em função das condições específicas dos alunos,
não for possível a sua integração nas classes comuns
de ensino regular.

A partir desses dispositivos, observamos, além das citadas


mudanças de nomenclatura, a definição de que o Atendimento
Educacional Especializado (AEE) deve ser ofertado pelo Estado,
preferencialmente na rede regular de ensino. Nesse ponto,
destacamos que, apesar do “preferencialmente” fazer referên-
cia exclusivamente ao AEE, ou seja, aos serviços e estratégias
educacionais complementares, que perpassam todos os níveis
e etapas de ensino sem substituí-los, à época da promulgação
da referida Lei, interpretou-se o dispositivo de maneira distinta,
atribuindo ao AEE, em algumas situações ditas “excepcionais”,
o escopo substitutivo, permitindo, com que, naquele período,
estudantes com deficiência permanecessem em salas e esco-
las segregadas, excluídos do convívio social e da rede regular
de ensino.
Tal entendimento, todavia, foi duramente criticado, sendo
revisto posteriormente com base na Constituição Federal, que
estabelece ter o atendimento educacional especializado, cará-
ter complementar ao processo de escolarização, não podendo,
portanto, ser substitutivo ou ocorrer de forma isolada, conforme
observamos no art. 208 do referido diploma constitucional:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será
efetivado mediante a garantia de:
I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4
(quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegu-
rada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a
ela não tiveram acesso na idade própria;
[...]
III – atendimento educacional especializado aos por-
tadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino; [...].

30
Na sequência, em 2001, o Plano Nacional de Educação,
que tem por finalidade dar concretude à LDB, foi aprovado por
intermédio da Lei Federal nº 10.172. No que tange à educação
especial, o Plano identificou, naquele momento, poucas pes-
soas com deficiência matriculadas na rede regular de ensino.
A respeito do assunto, observa Valença (2017, p. 43) que:

Diante desse contexto, (o Plano Nacional de Edu-


cação) registrou que o grande progresso da década
deveria ser a construção de uma escola inclusiva,
com o acolhimento de todas as diversidades, esti-
pulando, para tanto, 28 metas, dentre as quais se
destacam a generalização, em cinco anos, do ofere-
cimento de cursos referentes ao atendimento básico
dos alunos com deficiência aos docentes atuantes
na educação infantil e fundamental; o fornecimento
do apoio necessário para permitir a integração dos
estudantes com deficiência em classes regulares; a
disponibilização, em cinco anos, de livros didáticos
falados, em braille e em caracteres ampliados para
os educandos cegos ou com baixa visão do ensino
fundamental; a implementação, em cinco anos, e a
generalização, em dez, do ensino de LIBRAS para os
estudantes surdos e, quando possível, para sua famí-
lia e para os profissionais da escola; a determinação
dos parâmetros mínimos de infraestrutura das ins-
tituições de ensino para o atendimento de alunos
com deficiência; e a inclusão, nos currículos de cursos
de formação de docentes, de conteúdos e disciplinas
próprias para a capacitação ao atendimento de edu-
candos com deficiência.

Nesse ponto, cabe ressaltar que, embora o referido Plano


Nacional de Educação tivesse o intuito de transformar a rede
de ensino regular em um sistema inclusivo, utilizou-se da
antiga expressão “integração dos estudantes com deficiência
em classes regulares”, remontando a um sistema que ainda
31
não vislumbrava o encontro e o convívio como a única e
melhor opção para todas as pessoas.
Naquele mesmo ano, foi publicada a Resolução nº 2
da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de
Educação7, que instituiu as Diretrizes Nacionais para a Edu-
cação Especial na Educação Básica. Tal documento foi de
notória importância, vez que, apenas a partir de sua publi-
cação, a educação especial passou a integrar o Sistema
Geral de Educação (CORRÊA, 2010). A respeito do assunto,
vale destacar a compreensão de Camargo (2017, p. 1) sobre
o sistema inclusivo:
A inclusão é um paradigma que se aplica aos mais
variados espaços físicos e simbólicos. Os grupos de
pessoas, nos contextos inclusivos, têm suas carac-
terísticas idiossincráticas reconhecidas e valorizadas.
Por isso, participam efetivamente. Segundo o refe-
rido paradigma, identidade, diferença e diversidade
representam vantagens sociais que favorecem o
surgimento e o estabelecimento de relações de soli-
dariedade e de colaboração. Nos contextos sociais
inclusivos, tais grupos não são passivos, respon-
dendo à sua mudança e agindo sobre ela. Assim, em
relação dialética com o objeto sócio-cultural [sic],
transformam-no e são transformados por ele.

Nesse cenário, apesar de alguns avanços legislativos, a


vivência educacional dos estudantes com deficiência ainda
era permeada por práticas excludentes e corponormativas,
as quais, todavia, passaram a ser, cada vez mais, questiona-
das, sobretudo diante do fortalecimento dos movimentos
político-sociais de pessoas com deficiência e aliados para a

7 Início da nota de rodapé. Para consultar a resolução na íntegra,


acesse: http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB0201.pdf. Fim
da nota de rodapé.

32
promoção de políticas públicas, inclusive educacionais, que
dispusessem de seus interesses e, principalmente, que o
fizessem a partir de suas próprias narrativas – como reivin-
dica o lema “nada sobre nós, sem nós”.
Foi, nesse contexto político e social, que a Conven-
ção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU
(CDPCD) foi publicada em 2006 e ratificada – com status de
emenda constitucional, conforme já mencionado na intro-
dução – pelo Governo brasileiro. A Convenção é um marco
histórico-conceitual8 e “divisor de águas” na conquista dos
direitos e busca plena pela inclusão das pessoas com defici-
ência na sociedade.
No que se refere à educação, a Convenção, disciplinou,
em seu art. 24, que o sistema educacional deve ser inclusivo
em todos os níveis, não cabendo a exclusão de uma pessoa,
sob alegação de deficiência, do sistema educacional geral.
Ainda, o dispositivo determina que as crianças com deficiência
não sejam excluídas do ensino primário gratuito e compulsório
ou do ensino secundário, sendo que as pessoas com deficiência
devem ter acesso ao ensino primário inclusivo, de qualidade e
gratuito, e ao ensino secundário, em igualdade de condições
com as demais pessoas na comunidade em que vivem.
Em continuidade, o diploma internacional estabeleceu
o dever de adaptação razoável9, conforme as necessidades
individuais de cada pessoa, assim como determinou, de modo
mais amplo, que os estados signatários tomassem medidas
que garantissem a efetiva educação das pessoas com defici-
ência, para maximização do seu desenvolvimento acadêmico
e social, a fim de concretização da meta de inclusão plena.

8 Início da nota de rodapé. Insta salientar, que o Brasil, ao ratificar a


Convenção, comprometeu-se nacional e internacionalmente a aval-
iar a deficiência, relacionando a mesma, com a interação entre os
impedimentos de longo prazo e as barreiras ambientais. Fim da nota
de rodapé.

33
Na sequência, em 2008, foi publicada a atual Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educa-
ção Inclusiva, por meio da qual, a Educação Especial, de
maneira articulada, passou a compor a proposta pedagógica
do ensino regular, norteando o atendimento aos estudantes
com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades e superdotação.
Já no ano de 2011, com o intuito de adequar a legislação
brasileira ao disposto na CDPCD, em especial, no seu supraci-
tado art. 24, foi editado o Decreto Federal nº 7.611/2011, que
dispõe sobre “a educação especial, o atendimento educacional
especializado e dá outras providências”. Esse, em seu artigo
primeiro, estabelece algumas diretrizes para a efetivação do
dever do Estado com a educação das pessoas com deficiên-
cia, dentre as quais, a “garantia de um sistema educacional
inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base
na igualdade de oportunidades” (inciso I), a “não exclusão
do sistema educacional geral sob alegação de deficiência”
(inciso III) e “a adoção de medidas de apoio individualizadas
e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento
acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena”
(inciso VI) (BRASIL, 2011).

9 Início da nota de rodapé. Conforme art. 3º, VI, da Lei Brasileira de


Inclusão, as adaptações razoáveis são as “adaptações, modificações
e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus despro-
porcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de
assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer,
em igualdade de condições e oportunidades com as demais pes-
soas, todos os direitos e liberdades fundamentais”. Dessa forma,
tais adaptações dizem respeito à situação em que uma pessoa com
deficiência precisa de um recurso de acessibilidade não previsto nas
normativas gerais sobre o tema ou já previsto, todavia em parâmet-
ros diferenciados, como, por exemplo, uma rampa com inclinação
inferior ao valor previsto na NBR9050, uma altura diferenciada de
vaso sanitário, um software específico para computador, entre out-
ros recursos. Fim da nota de rodapé.

34
Ainda, o referido Decreto, determina que “a educação
especial deve garantir os serviços de apoio especializado vol-
tado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo
de escolarização dos estudantes” (art. 2º, caput), devendo o
atendimento educacional especializado
[...] integrar a proposta pedagógica da escola, envolver
a participação da família para garantir pleno acesso
e participação dos estudantes, atender às necessida-
des específicas das pessoas público-alvo da educação
especial, e ser realizado em articulação com as demais
políticas públicas (art. 2º, § 2º) (BRASIL, 2011).

Mais tarde, no ano de 2014, a Lei Federal nº 13.005 apro-


vou o Plano Nacional de Educação (Meta 04), com vigência
até 2024 (BRASIL, 2014). A redação da meta, todavia, foi alvo
de duras críticas por fazer uso do termo “preferencialmente”
ao se referir ao acesso ao ensino regular dos estudantes com
deficiência (e não apenas ao AEE). Acolhendo às críticas, o
Ministério da Educação, por meio da Nota Técnica nº 108/2013,
esclareceu que houve um equívoco conceitual no texto e rei-
terou o caráter complementar e não substitutivo da Educação
Especial, afirmando que deve ser assegurado, às pessoas com
deficiência, o acesso pleno ao ensino regular e ao AEE de forma
complementar à escolarização (BRASIL, 2013).
Dois anos depois da elaboração da referida Nota Técnica,
foi promulgada a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), Lei Federal
nº 13.146, que, baseada na CDPCD, tem o escopo de garan-
tir o exercício dos direitos e liberdades fundamentais pelas
pessoas com deficiência, com igualdade de oportunidades
perante as demais pessoas, viabilizando a sua inclusão social
e cidadania. A referida legislação, no que se refere ao direito
à educação, estabelece, no art. 27:

Art. 27. A educação constitui direito da pessoa


com deficiência, assegurado sistema educacio-
nal inclusivo em todos os níveis e aprendizado

35
ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o
máximo desenvolvimento possível de seus talen-
tos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e
sociais, segundo suas características, interesses e
necessidades de aprendizagem.
Parágrafo único. É dever do Estado, da família,
da comunidade escolar e da sociedade assegurar
educação de qualidade à pessoa com deficiência,
colocando-a a salvo de toda forma de violência,
negligência e discriminação (BRASIL, 2015).

Nesse ponto, vale ressaltar que o parágrafo único do dis-


positivo supracitado reitera o art. 205 da Constituição Federal,
estabelecendo que incumbe ao Estado, à família, à comuni-
dade escolar e à sociedade garantir educação de qualidade à
pessoa com deficiência.
Em continuidade, define a LBI, em seu art. 28, que
“incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver,
implementar, incentivar, acompanhar e avaliar”, dentre
outros; “o aprimoramento dos sistemas educacionais, visando
a garantir condições de acesso, permanência, participação
e aprendizagem, por meio da oferta de serviços e de recur-
sos de acessibilidade que eliminem as barreiras e promovam
a inclusão plena” (inciso II); a “participação dos estudantes
com deficiência e de suas famílias nas diversas instâncias
de atuação da comunidade escolar” (inciso X); a “formação
e disponibilização de professores para o atendimento edu-
cacional especializado, de tradutores e intérpretes da Libras,
de guias intérpretes e de profissionais de apoio” (inciso XI); a
“oferta de profissionais de apoio escolar” (inciso XVII); bem
como a “articulação intersetorial na implementação de polí-
ticas públicas” (inciso XVIII) (BRASIL, 2015).
Após uma longa trajetória, apresentada de modo conciso
nas páginas antecedentes – que perpassou pela elaboração
de regulamentações, promulgação de leis federais, assinatura
e incorporação de tratados internacionais ao ordenamento
36
jurídico pátrio e tantos outros atos normativos – a educação
inclusiva ganhou contornos jurídicos sólidos, que a reconhe-
cem, por tudo que ela representa e possibilita, como a única
e melhor opção para o sistema educacional brasileiro.
Contudo, em setembro de 2020, como mencionado na
introdução, o Governo Federal lançou, por meio do Decreto
nº 10.502, “nova” Política Nacional de Educação Especial, que,
em sua essência, e contrariando todo o arcabouço jurídico-
-normativo acima apresentado, retoma as classes e escolas
especiais, o fazendo sob um falso argumento de liberdade
de escolha individual. Ainda que, atualmente, os efeitos do
Decreto se encontrem suspensos, a sua edição traz grande
preocupação, na medida em que representa retrocesso ina-
ceitável e, sobretudo, inconstitucional.
Por conseguinte, entendendo que situações como
essa não podem se repetir, defendemos e demarcamos,
nos tópicos subsequentes, a educação inclusiva enquanto
direito fundamental, indisponível e de natureza difusa, con-
forme se segue.

3. DIREITO QUE É COLETIVO

De início, antes de adentrarmos na delimitação dos


conceitos de direito difuso e indisponível, bem como nas
consequências de atribuir tal enquadramento ao direito à
educação inclusiva, necessário pontuar que a educação é
em si, e antes de tudo, um direito fundamental, este último
compreendido enquanto aquele que é basilar para toda
pessoa, direito comum, que independe de qualquer outra
característica e/ou identidade que se possa ter. O direito
fundamental, assim entendido, compõe um núcleo intangível
de direitos dos seres humanos submetidos a um determinado
sistema legal.
Tal sistema, no caso do ordenamento jurídico brasileiro,
tem por base e norma fundamental a Constituição Federal
(BRASIL, 1988), que, em seu artigo 6º, caput10, elenca o direito
37
à educação enquanto um direito fundamental e social11, e
ainda, vai além, determinando que esse é “direito de todos
e dever do Estado e da família”, devendo ser “promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exer-
cício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (art.
205) (BRASIL, 1988).
Em continuidade, a supracitada Constituição Federal,
no art. 206, impõe como alguns dos princípios que devem
orientar o modo que o ensino será ministrado, a igualdade
de condições para o acesso e permanência na escola, a
liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pen-
samento, a arte e o saber, bem como o pluralismo de ideias
e de concepções pedagógicas. Ademais, atribui ao Estado e
à sociedade a responsabilidade de assegurar, aos menores
e aos jovens, o direito à educação, com absoluta prioridade,
resguardando-os de todas as formas de negligência, discrimi-
nação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227)
(BRASIL, 1988).
Nesse mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Ado-
lescente (Lei Federal nº 8.069/1990) determina que “a
criança e o adolescente têm direito à educação, visando
ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o
exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, asse-
gurando-se-lhes”, dentre outras coisas, “a igualdade de

10 Início da nota de rodapé. Constituição Federal, Art. 6º. São direitos


sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia,
o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição. Fim da nota de rodapé.
11 Início da nota de rodapé. Os direitos sociais são considerados dire-
itos fundamentais, ou ainda direitos indisponíveis, visto que cabe ao
Poder Estatal o oferecimento de tais direitos, sob pena de sua nega-
tiva, humilhar a cidadania, descumprir o seu dever constitucional e
ostentar prática violenta de atentado à dignidade humana e à vida.
Fim da nota de rodapé.

38
condições para o acesso e permanência na escola” e “o
direito de ser respeitado por seus educadores” – respecti-
vamente, incisos I e II do art. 53 do ECA (BRASIL, 1990a).
Tais dispositivos demonstram, em nossa percepção, de
maneira muito nítida, a educação enquanto direito fundamen-
tal, na medida em que é instrumento de garantia de dignidade
humana, de promoção da cidadania, capaz de acolher, em um
espaço seguro e respeitoso, todas as pessoas.
O direito à educação, nesse sentido, constitui-se não ape-
nas como o direito de frequentar a escola, de ser alfabetizado,
estudar história, geografia, artes etc., mas propriamente, o
direito de o fazer coletivamente, em uma escola em que se
possa ser quem se é e, ao mesmo tempo, que se possa con-
viver com o outro e aprender com a diversidade. Em outras
palavras, o direito a uma educação que seja inclusiva. É,
justamente, dessa forma de compreensão do direito funda-
mental à educação e da finalidade desta última em si, que
decorre nossa proposta de enquadramento da educação
inclusiva, também, enquanto um direito difuso e indisponí-
vel, conforme se verá a seguir.

4. DIREITO QUE NÃO PODE SER


ARBITRARIAMENTE DISPOSTO,
AINDA QUE SOB ALEGAÇÃO DE
“LIBERDADE DE ESCOLHA INDIVIDUAL”

Juridicamente, direito indisponível é aquele que, por estar


vinculado à garantia da dignidade humana, não pode ser
arbitrariamente disposto pela pessoa, ele é irrenunciável, ou
seja, escapa ao alcance de seu titular, que não pode modifi-
car, criar ou extinguir as relações a ele inerentes, de modo a
sair do polo dominante da relação. Nesse sentido, entender
o direito à educação inclusiva, enquanto um direito indispo-
nível, tem como consequência a impossibilidade de escolha
individual de sistema diverso, não cabendo, assim, a cada
39
particular, optar se deseja ou não frequentar escola inclusiva
– como evidenciado no primeiro tópico deste capítulo.
Ademais, importante destacar, que essa indisponibili-
dade, decorrente de texto constitucional, também se aplica
ao Estado e seus três poderes – Executivo, Legislativo e Judi-
ciário. O Estado, nesse sentido, deve atuar para elaboração,
implementação e fiscalização de uma política educacional
sedimentada na perspectiva inclusiva, garantido, de modo
indiscriminado, o direito de acesso, às condições de perma-
nência, bem como o respeito às singularidades, entendendo,
estas últimas, enquanto valorosas e essenciais para o processo
educacional de todas as pessoas.
Ao encontro do exposto, o Ministro Edson Fachin, no jul-
gamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.35712,
proposta pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos
de Ensino (Confenen), na qual discutiu-se, em resumo, o direito
à matrícula e ao pagamento de mesmo valor de mensalidade
para estudantes com deficiência em instituições privadas de
ensino regular, ampliou o debate, delimitando, para além do
direito de acesso e permanência em igualdade de condições
para estudantes com e sem deficiência, a educação inclusiva
em si enquanto um direito indisponível e fundamental pre-
visto no ordenamento jurídico pátrio, a saber:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA
CAUTELAR. LEI 13.146/2015. ESTATUTO DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA. ENSINO INCLUSIVO. CONVENÇÃO
INTERNACIONAL SOBRE OS DIREITOS DA PESSOA
COM DEFICIÊNCIA. INDEFERIMENTO DA MEDIDA CAU-
TELAR. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.146/2015
(arts. 28, § 1º e 30, caput, da Lei nº 13.146/2015).
1. A Convenção Internacional sobre os Direitos da
Pessoa com Deficiência concretiza o princípio da

12 Início da nota de rodapé. A tramitação da ação direta pode ser


consultada em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?inci-
dente=4818214. Fim da nota de rodapé.

40
igualdade como fundamento de uma sociedade
democrática que respeita a dignidade humana.
2. À luz da Convenção e, por consequência, da pró-
pria Constituição da República, o ensino inclusivo
em todos os níveis de educação não é realidade
estranha ao ordenamento jurídico pátrio, mas sim
imperativo que se põe mediante regra explícita.
3. Nessa toada, a Constituição da República prevê
em diversos dispositivos a proteção da pessoa com
deficiência, conforme se verifica nos artigos 7º, XXXI,
23, II, 24, XIV, 37, VIII, 40, § 4º, I, 201, § 1º, 203, IV e V,
208, III, 227, § 1º, II, e § 2º, e 244.
4. Pluralidade e igualdade são duas faces da mesma
moeda. O respeito à pluralidade não prescinde do
respeito ao princípio da igualdade. E na atual quadra
histórica, uma leitura focada tão somente em seu
aspecto formal não satisfaz a completude que exige
o princípio. Assim, a igualdade não se esgota com
a previsão normativa de acesso igualitário a bens
jurídicos, mas engloba também a previsão norma-
tiva de medidas que efetivamente possibilitem tal
acesso e sua efetivação concreta.
5. O enclausuramento em face do diferente furta
o colorido da vivência cotidiana, privando-nos da
estupefação diante do que se coloca como novo,
como diferente.
6. É somente com o convívio com a diferença e com
o seu necessário acolhimento que pode haver a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária,
em que o bem de todos seja promovido sem precon-
ceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação (Art. 3º, I e IV, CRFB).
7. A Lei nº 13.146/2015 indica assumir o compromisso
ético de acolhimento e pluralidade democrática ado-
tados pela Constituição ao exigir que não apenas

41
as escolas públicas, mas também as particulares
deverão pautar sua atuação educacional a partir
de todas as facetas e potencialidades que o direito
fundamental à educação possui e que são densifica-
das em seu Capítulo IV.
8. Medida cautelar indeferida.
9. Conversão do julgamento do referendo do
indeferimento da cautelar, por unanimidade, em jul-
gamento definitivo de mérito, julgando, por maioria
e nos termos do Voto do Min. Relator Edson Fachin,
improcedente a presente ação direta de inconstitu-
cionalidade13 (STF, 2015, grifo nosso).

Concluímos, assim, ao encontro do Acórdão do Supremo


Tribunal Federal supracitado, que a educação inclusiva é
direito indisponível, de natureza fundamental e central para
a promoção de cidadania de todas as pessoas, inexistindo a
possibilidade de escusa de seu total cumprimento, seja por
parte do Estado, de Instituições de Ensino Privadas, familiares
e/ou pessoas com deficiência, ainda que sob uma alegada
possibilidade de “escolha”.

5. DIREITO DE NATUREZA DIFUSA

Quanto à dimensão difusa do direito à educação inclusiva,


necessário, preliminarmente, compreender o que são os direitos
coletivos em sentido amplo. Toda pessoa é titular de direitos,
todavia existem alguns direitos que ultrapassam o âmbito estri-
tamente individual e particular. Em sentido amplo, são esses
os direitos denominados de coletivos, os quais são conquistas

13 Início da nota de rodapé. Supremo Tribunal Federal – Acórdão Ação


Direta de Inconstitucionalidade n. 5357 /DF – Distrito Federal, Rela-
tor: Ministro Edson Fachin, data de julgamento: 09/06/2016, data de
publicação: 11/11/2016, Tribunal Pleno. Fim da nota de rodapé.

42
sociais reconhecidas em lei, sobretudo no texto constitucional,
a exemplo do direito à saúde, à moradia e à educação.
Tais direitos coletivos, subdividem-se, ainda, em direito
coletivo em sentido estrito, direito difuso e direito individual
homogêneo. A respeito do assunto, disciplina o art. 82 do
Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990):
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consu-
midores e das vítimas poderá ser exercida em juízo
individualmente, ou a título coletivo.
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida
quando se tratar de:
I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos,
para efeitos deste código, os transindividuais, de
natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas
indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II – interesses ou direitos coletivos, assim entendi-
dos, para efeitos deste código, os transindividuais, de
natureza indivisível de que seja titular grupo, cate-
goria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a
parte contrária por uma relação jurídica base;
III – interesses ou direitos individuais homogêneos,
assim entendidos os decorrentes de origem comum
(BRASIL, 1990b, grifo nosso).

Apesar de o referido dispositivo tratar especificamente


da capacidade processual14 em questões consumeristas, ou
seja, da tutela jurisdicional de um direito violado em uma
relação jurídica de consumo, os conceitos nele dispostos

14 Início da nota de rodapé. Entendemos por capacidade processual, a


capacidade de a pessoa ser parte (autora ou ré) e estar em juízo, ou
seja, estar em pleno gozo do exercício de seus próprios direitos na
relação jurídica processual. Fim da nota de rodapé.

43
compõem o microssistema de tutela coletiva, possibilitando
refletir, de modo mais amplo, sobre a dimensão dos direitos
coletivos lato sensu e suas subdivisões.
Assim, a partir dele, podemos definir como direitos coleti-
vos, em sentido estrito, aqueles cujos titulares são um grupo,
uma categoria ou uma classe de pessoas. Ainda que este
seja coletivo, é característica distintiva sua a possibilidade
de determinação de seus titulares, o que se dá em razão da
existência de uma relação jurídica entre as pessoas prejudica-
das por sua violação ou entre estas e aquele que violou seus
direitos, como, por exemplo, os direitos dos consumidores de
receber serviços de boa qualidade das prestadoras de servi-
ços públicos essenciais, como de abastecimento de água.
Os direitos individuais homogêneos, por sua vez, são indi-
viduais, em virtude de sua própria natureza e, tradicionalmente,
tratados apenas a título pessoal, todavia conduzidos coleti-
vamente perante o Poder Judiciário, visto terem uma origem
comum. Nesse sentido, tais direitos, ainda que intrinsecamente
individuais, recebem uma proteção coletiva com a finalidade
de otimizar o acesso à justiça de seus titulares, bem como pos-
sibilitar economia processual. Dentre as situações de violação
que se enquadram nessa categoria, podemos citar o reajuste
indevido de mensalidade para todos os estudantes em uma
escola. Isso porque, cada um tem um contrato particular
com a instituição de ensino, mas, se desejar, poderá pleitear
reparação em juízo de maneira coletiva.
Por fim, os direitos difusos são aqueles, cujos titulares
são indeterminados e indetermináveis, ou seja, representam
toda a população submetida à mesma lei da qual decorre
a violação do direito. Tal indeterminação, no entanto, não
significa que ninguém sofra particularmente ameaça ou vio-
lação de direitos difusos, mas sim, que esses são direitos que
merecem especial proteção, na medida em que atingem,
também, simultaneamente a todas as pessoas.
Dentre essas categorizações, entendemos que o direito
à educação inclusiva, a depender do contexto e da situação
44
fática, pode ensejar demandas judiciais que oscilam entre as
classificações acima referidas. Nesse momento, queremos, no
entanto, destacar seu enquadramento enquanto um direito
difuso, de tal modo que sua violação afeta, necessariamente
e de maneira indiscriminada, a todas as pessoas, sejam elas
com ou sem deficiência, brancas, negras, lésbicas, transsexu-
ais, heterossexuais, idosas etc.
Assim, compreender o direito à educação inclusiva,
enquanto um direito difuso, significa ultrapassar o conheci-
mento em sua dimensão individual, destinada, por exemplo,
a garantir o acesso de especificamente uma ou um estudante
com deficiência ao ensino regular. Não que tal dimensão par-
ticular não importe juridicamente, pois importa e muito, mas
reconhecer sua dimensão difusa simboliza compreender a
educação inclusiva enquanto parte indispensável de um pro-
jeto de sociedade. Uma sociedade que, nos termos do texto
constitucional, seja justa, acolhedora, fraterna e que respeite
cada pessoa em sua integralidade, sem excluir identidades
ou discriminar em razão delas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo deste capítulo, passamos pelas principais


normas e leis nacionais e internacionais que, após grande
mobilização por parte do movimento político de pessoas
com deficiência, educadores e educadoras, aliados e aliadas,
desenharam o direito à educação, em contraposição a um
sistema segregador e excludente, em uma perspectiva, de
fato, inclusiva, a qual reconhece como única e melhor opção,
a garantia de participação de toda criança e adolescente na
rede de ensino regular, considerando, sobretudo, o papel
político e central do sistema educacional, na construção de
uma nova sociedade menos violenta e mais acolhedora, justa
e cidadã.
Apesar da consolidação desse arcabouço jurídico, são
diversas as tentativas de desarticulação e revisão da Política
45
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação
Inclusiva nos termos ora propostos, inclusive por parte do
Governo Federal com o, já mencionado, Decreto da exclusão
(Decreto Federal nº 10.502/2020). A partir desse contexto de
flexibilização e violação de direito constitucional, demarca-
mos, neste capítulo, a educação inclusiva enquanto direito
fundamental, indisponível e de natureza difusa.
Entendemos que tal categorização importa, na medida em
que, primeiro, insere a educação, ou melhor, um determinado
projeto de educação, no rol de direitos sociais e fundamentais
e que, portanto, compõe núcleo intangível de direitos vincula-
dos à garantia de dignidade humana a todas as pessoas. Dessa
definição, decorre sua indisponibilidade, visto que esse direito,
por sua natureza fundamental, não pode ser arbitrariamente
gerido por seus titulares, ainda que – como alega o referido
Decreto – sob falso argumento de liberdade individual.
Ademais, o direito à educação inclusiva também deve ser
visto sob o prisma do direito difuso, ainda que, a depender
da situação fática e pretensão judicial, possa enquadrar-se
nas outras hipóteses de direitos coletivos em sentido amplo.
Entendemos que sua natureza difusa nos oportuniza dimen-
sioná-lo, não apenas como o direito das pessoas – ou de
uma pessoa – com deficiência, mas sim, ao encontro do que
já foi dito, enquanto direito que instrumentaliza um projeto
de sociedade e que, por esse motivo, quando violado fere a
própria coletividade.
Por fim, sabemos, também, a partir de nossas experiências
pessoais, que os desafios que se impõem à implementação
desse direito são muitos e de diversas naturezas, mas con-
cluímos com a certeza de que a educação inclusiva é o único
caminho possível – e juridicamente tutelado – para a garan-
tia de justiça social, cidadania e igualdade de condições, para
participação social de todas as pessoas com respeito às suas
singularidades e identidades.

46
REFERÊNCIAS
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Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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ao Longo da Vida. Diário Oficial da União, ed. 189, seção 1, p. 6, 1º out.
2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.
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47
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repositorio.ufsc.br/handle/123456789/182154. Acesso em: 26 out. 2021

48
CAPÍTULO 2

A ESCOLARIZAÇÃO DAS PESSOAS


COM DEFICIÊNCIA NO BRASIL:
EDUCAÇÃO INCLUSIVA
E PRODUÇÃO DE SENTIDOS
Rosângela Machado
Geisa Letícia Kempfer Böck
Anahí Guedes de Mello

1. INTRODUÇÃO

Neste capítulo trataremos da escolarização das pessoas


com deficiência, com base na abordagem do ciclo de políti-
cas, caracterizado por três contextos de análise: o contexto da
influência que envolve mudanças de perspectiva e trata do
sentido da educação inclusiva, a partir de seus fundamentos
e princípios e das concepções de deficiência; o contexto da
produção de texto que materializa, em documentos políticos
e legais, novas perspectivas; e o contexto da prática, que diz
respeito às mudanças nas escolas.
Para tanto, refletiremos sobre a história, política e legis-
lação no campo da educação, evidenciando a presença de
distintas concepções de deficiência que se tensionam e coe-
xistem entre si. Em um primeiro momento, apresentaremos
como o contexto da prática mobiliza a criação de documentos
legais e estes, por sua vez, mobilizam e transformam outros con-
textos de práticas. Após, indicaremos o percurso da educação
especial, desde as práticas de segregação até as políticas inclu-
sivas no Brasil. Na sequência, provocaremos a reflexão sobre
o que se compreende por deficiência e o lugar da educação
49
especial na transformação do espaço escolar e na justiça edu-
cacional às pessoas com deficiência. Por fim, traremos a práxis,
a partir de uma narrativa autobiográfica da experiência de ser
estudante na escola especial e na escola inclusiva, momento
em que também serão ilustrados os conceitos e referenciais
teóricos dos estudos da deficiência na educação (Disability Stu-
dies in Education), atrelados às práticas da educação inclusiva.

2. CICLO DE POLÍTICAS

A abordagem do ciclo de políticas, formulada por Stephen


Ball et al. (1992), é um referencial analítico que nos trará contri-
buições fundamentais para que possamos percorrer e analisar
como as políticas educacionais e as práticas pedagógicas foram
produzidas e quais mudanças elas provocaram na escolarização
de estudantes com deficiência. Os autores focalizam três con-
textos políticos da abordagem do ciclo de políticas: o contexto
da influência; o contexto da produção de texto; e o contexto
da prática. Esses contextos estão interrelacionados e enfatizam
os processos micropolíticos de uma rede de ensino, da escola
ou da atuação dos profissionais que lidam com as políticas em
nível local, bem como analisam os processos macropolíticos, a
partir das decisões e discussões em âmbito nacional.
O fato de compreendermos como as pessoas com defi-
ciência foram tratadas ao longo da história da humanidade,
e o quanto foram submetidas ao olhar do outro que as
define quem são e como são, faz-nos pensar que a reali-
dade é uma criação. Ela não existe por si só, sendo afetada
por nós, toda vez que mudamos nossa forma de pensar o
mundo, as pessoas e, especificamente, a escola. Por isso,
pensar a deficiência deve ser um fenômeno social, e não
individual, que provoque rupturas e fissuras nas estruturas
corponormativas da nossa sociedade.
A mudança no pensamento ocorre quando há um esgota-
mento de modelos teóricos que já não atendem ao conjunto
de seres humanos em suas variadas formas de ser e estar
50
no mundo. Inicia-se, assim, um contexto de novos debates e
novas maneiras de pensar, provenientes de estudiosos, pes-
quisadores, grupos de trabalhos organizados e de movimentos
sociais. Como afirma Maria Cândida Moraes (2003, p. 55):
Um repensar sobre o assunto passa a ser requerido.
Novos debates, novas ideias, novas articulações,
novas buscas e novas reconstruções, com base em
novos fundamentos. Em consequência, inicia-se um
processo de mudança conceitual, surge uma forma
de pensamento totalmente diferente, uma transição
com modelos predominantes de explicação. É o que
se chama de crise de paradigmas e que geralmente
leva a uma mudança de paradigma. A crise provoca
sempre um mal-estar na comunidade envolvida, sina-
lizando uma renovação e um novo modo de pensar.

É nesse contexto que surge o movimento de educação


inclusiva, legitimando a ruptura com um modelo anterior de
segregação, exclusão ou inserção parcial de estudantes com
deficiência no ensino regular, a partir de uma nova percepção
sobre a pessoa com deficiência, o ensino, a aprendizagem e a
educação especial.
Os debates sobre a perspectiva inclusiva inauguram a
primeira fase de políticas educacionais voltadas para o direito
à educação de todos e a redefinição dos serviços da educa-
ção especial, que se intenta atuar no contexto das escolas
regulares, superando o modelo anterior de institucionaliza-
ção ou inserção parcial de estudantes com deficiência no
ensino regular: a integração escolar.
Stephen Ball et al. (1992) denominam essa fase de “con-
texto de influência”, que se caracteriza pelas disputas de
discursos políticos que são construídos com base em funda-
mentos e princípios que orientaram o destino das políticas
públicas educacionais “em meio a lutas de poder nas quais
os atores são desde partidos políticos, esferas do governo a
grupos privados e agências multilaterais, como comunidades
51
disciplinares e institucionais oriundas de intercâmbios diver-
sos” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 257). Ainda, segundo Jefferson
Mainardes (2006, p. 51):
É também nesse contexto que os conceitos adqui-
rem legitimidade e formam um discurso de base
para a política. O discurso em formação algumas
vezes recebe apoio e outras vezes é desafiado por
princípios e argumentos mais amplos que estão
exercendo influência nas arenas públicas de ação,
particularmente pelos meios de comunicação social.

O contexto da influência se constitui como a base do


processo de mudança, que pode ter origem nas escolas ou
nas discussões de grupos que formulam os documentos
políticos e legais. Seu objetivo é provocar desequilíbrios no
pensamento para atingir novas formas de compreender a
educação escolar, caracterizado por um movimento híbrido,
em que a perspectiva inclusiva passa a ter força e legitimi-
dade, ao mesmo tempo que continua lutando e resistindo
às forças que se opõem, posto que os avanços também são
desafiados, à medida que
[...] cada um desses avanços não está dado, mas está
sujeito ao conservadorismo que foi desafiado no
processo democrático e age em nome dos saberes
técnicos, dos discursos corporativos e da leitura his-
tórica e política de pessoas sem deficiência sobre a
deficiência (BARBOSA, 2017, p. 8).

Algumas redes de ensino podem ser tomadas como


exemplos do contexto da influência, como a Rede Munici-
pal de Ensino de Florianópolis. Essa rede é um exemplo de
política, em nível local, que foi influenciada pelo movimento
da educação inclusiva quando, a partir do ano de 2001, deu
início à discussão sobre os serviços de Educação Especial,
na perspectiva inclusiva, e à implementação de sua mais
importante ação nas escolas: o Atendimento Educacional
52
Especializado (AEE), bem como, também assegurou o direito
à educação de todos os estudantes. Instaurou-se, assim, um
rompimento com as práticas cristalizadas de inserção par-
cial de estudantes e com a naturalização da deficiência como
problema individual localizado na pessoa. Adiantando-se à
Política Nacional de Educação Especial de 2008, do Ministério
da Educação, aos poucos a educação especial foi redefinida e
reconstruída nessa rede.
De fato, o contexto da influência assumiu lugar de desta-
que, em 2001, na Rede Municipal de Ensino de Florianópolis
e, em 2003, no âmbito nacional quando o Ministério da Edu-
cação também iniciou um processo de discussão com base
na perspectiva inclusiva, organizando o “Seminário Educação
Inclusiva: direito à diversidade” em todas as redes de ensino
do Brasil, por meio de municípios-polos, os quais assumiram
o compromisso de fortalecer as redes inclusivas, atendendo
um número de municípios de abrangência, com a finalidade
de debater novas ideias e a estabelecer articulação entre
gestores e professores de todo Brasil.
O documento do Ministério da Educação intitulado “A
consolidação da inclusão escolar no Brasil de 2003 a 2016”
revela a origem do contexto de influência:
Com a intensificação dos movimentos sociais de
luta contra todas as formas de discriminação que
impedem o exercício da cidadania das pessoas com
deficiência, emerge, em nível mundial, a defesa de
uma sociedade inclusiva. No decorrer desse período
histórico, fortalece-se a crítica às práticas de catego-
rização e segregação de estudantes encaminhados
para ambientes especiais, que conduzem, também,
ao questionamento dos modelos homogeneizadores
de ensino e de aprendizagem, geradores de exclusão
nos espaços escolares (BRASIL, 2016, p. 6).

E continua:

53
Com o objetivo de apoiar a transformação dos
sistemas educacionais em sistemas educacionais
inclusivos, a partir de 2003, são implementadas
estratégias para a disseminação dos referenciais
da educação inclusiva no país. Para alcançar este
propósito, é instituído o Programa Educação Inclu-
siva: direito à diversidade, que desenvolve o amplo
processo de formação de gestores e de educadores,
por meio de parceria entre o Ministério da Educa-
ção, os estados, os municípios e o Distrito Federal
(BRASIL, 2016, p. 9).

Pautado nos fundamentos da educação inclusiva, um con-


junto de textos políticos e legais oficiais, nacionais e a partir de
acordos internacionais, foram elaborados e publicados, orien-
tando as redes de ensino de todo o país, públicas e privadas,
a se transformarem em redes de ensino inclusivas, aliando-se
ao movimento de ressignificação da própria deficiência, que
no embate entre os movimentos sociais e as autoridades da
biomedicina sobre a deficiência, atravessam os documen-
tos orientadores e legais e transparece a aproximação, sutil e
importante, com a perspectiva social da deficiência.
O contexto da produção de textos está diretamente
ligado ao primeiro contexto – da influência, ou seja, a par-
tir desses debates encaminham-se às definições políticas.
Nele, os conceitos e concepções de uma política são confe-
ridos aos documentos oficiais políticos, legislações vigentes,
pareceres, portarias e relatórios, a fim de se comunicar uma
nova proposta.
Vale ressaltar a não linearidade desses contextos, lem-
brando que o início do debate da perspectiva inclusiva no
Brasil já contava com os textos da Constituição Federal
Brasileira de 1988 e a “Convenção Interamericana para a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as
Pessoas Portadoras de Deficiência” que o Brasil é signatário
por meio do Decreto nº 3.956, de 8 de outubro de 2001
(BRASIL, 2001).
54
A formulação de textos escritos é marcada por um pro-
cesso de hibridização. Políticas internas e externas, bem como
discussões feitas por estudiosos da área e as manifestações
vindas da comunidade escolar, influenciam a redação de
um texto político, que é, por sua vez, marcado por inúmeras
negociações e diferenças de pensamento.
Por fim, é no contexto da prática que se analisa a
mudança instituinte, caracterizada pela micropolítica das
redes de ensino e da escola. A consonância entre os contex-
tos mostra que a “transferência de sentidos de um contexto
a outro é sujeita a deslizamentos interpretativos e proces-
sos de contestação” (BALL et al., 1992). De fato, “o contexto
da prática constitui a fase mais difícil da mudança, porque
envolve a cultura escolar e seus sistemas de crenças, valores,
modelos e atitudes que a organizam” (MACHADO, 2013, p. 41)
e nossos olhares e práticas são permeados de concepções, as
quais nos atravessam e definem o modo como agimos.
Entre os contextos, há um processo interativo entre
macro e microcontextos presentes nas políticas e práticas
educacionais. A experiência de educação especial, na pers-
pectiva da educação inclusiva da Rede Municipal de Ensino
de Florianópolis, novamente, demonstra que a formulação
de políticas educacionais nem sempre segue um percurso
linear e hierárquico, mesmo quando a experiência dessa rede
serviu de base para a Política Nacional de Educação Espe-
cial na Perspectiva da Educação Inclusiva, lançada em 2008
pelo Ministério da Educação. Isso porque a micropolítica do
cotidiano escolar não é espaço de submissão e execução de
políticas do poder central. Na verdade, a escola é permeada
de processos políticos, interligando-se às instituições centrais,
o que faz com que macro e microcontextos se relacionem na
formulação de propostas educacionais.
A Política Nacional de Educação Especial na Perspec-
tiva da Educação Inclusiva, os decretos e resoluções que
instituem o AEE, bem como as políticas educacionais volta-
das para a educação básica, estão imersas em processos de
55
negociação complexos e interativos, constituídos pela circu-
lação de ideias e teorias, pela produção de textos políticos
e legais e pelo trabalho das escolas. São processos associa-
dos, que definem o repensar e a reorganização das práticas
pedagógicas no interior das escolas, porquanto os contextos
possibilitam a articulação entre movimentos que enunciam
novas perspectivas, tempos de produção e implementação
de políticas e as mudanças nas práticas pedagógicas.

3. MARCOS HISTÓRICOS, LEGAIS,


POLÍTICOS E EDUCACIONAIS DA
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E DA EDUCAÇÃO
ESPECIAL NA PERSPECTIVA INCLUSIVA

A história das pessoas com deficiência coincide com a


história de muitos outros grupos que, marcados por uma
identidade que não se revela como a norma, são excluídos
ou abandonados do convívio social ou, simplesmente, ora
“tolerados” ora “respeitados”.
Não é o propósito deste tópico, detalhar a história da
deficiência; no entanto, é importante registrar, brevemente,
que a trajetória das pessoas com deficiência é marcada pela
eliminação ou exclusão delas desde a Antiguidade, passando
por determinados momentos do Período Medieval até os
dias atuais. O direito à vida, considerado natural e intrínseco
aos seres humanos, foi negado para muitas pessoas com
deficiência que nasceram nesses períodos históricos, perma-
necendo, até hoje, o risco desse direito ser violado.
De fato, o direito à vida passou a ser reconhecido a par-
tir da Idade Média e, posteriormente, na Idade Moderna. No
entanto, as pessoas com deficiência viviam em espaços à
parte, consideradas amaldiçoadas, impuras e associadas ao
castigo divino. É na modernidade que nascem as instituições
especializadas como espaços apartados para cuidar daque-
les que não tinham o direito à vida e passaram a ter:
56
A segregação e a institucionalização das pessoas
com deficiência nasceram com a Modernidade e se
perpetuam até hoje, embora agora mobilizadas por
novos ideários. Disto tudo nasce o modelo biomédico
da deficiência, indissociável do projeto civilizatório da
modernidade, de seu caráter normativo e de seus dis-
positivos institucionais, que resultaram nas práticas
voltadas a curar, corrigir ou cuidar de pessoas com
deficiência (NUERNBERG, 2020, p. 47).

Cada um desses momentos históricos revela processos


de exclusão e de segregação, solidificando uma concepção
de deficiência relacionada à inferioridade e à incapacidade,
que leva a atitudes de discriminação e preconceito daque-
les que não tiveram a oportunidade de conviver com as
pessoas com deficiência. No Brasil, até o Período Colonial,
as pessoas com deficiência não tinham acesso a serviços
clínicos ou educacionais. Eram confinadas pela família e,
se necessário, recolhidas às Santas Casas ou às prisões
(LANNA JÚNIOR, 2010).
Com muitas dificuldades e pouca aceitação, inicia-se, no
Brasil, um histórico de preocupação com a deficiência, a par-
tir do século XIX, durante o Período Imperial, quando pessoas
vindas da Europa e de países da América do Norte (como os
Estados Unidos e o Canadá) começaram ações isoladas para
atender pessoas com deficiências físicas, mentais e sensoriais.
A educação especial brasileira passa a ser, somente décadas
mais tarde dessas iniciativas, integrada às políticas públicas
de educação, tornando-se uma modalidade do ensino cha-
mada de “educação dos excepcionais”, sendo restrita, no
âmbito escolar, às instituições especializadas.
O atendimento a pessoas com deficiência começa com a
fundação de duas instituições, o Imperial Instituto de Meni-
nos Cegos em 1854, atual Instituto Benjamin Constant, e o
Instituto dos Surdos-Mudos em 1856, atual Instituto Nacional
da Educação dos Surdos (Ines). Ainda no final desse século,
temos a implantação de duas instituições para a educação
57
de pessoas com “retardo mental”, uma em Salvador e outra
no Rio de Janeiro.
Pode-se dizer que a educação especial passou por fases
bem distintas na sua organização em todos os aspectos, com
o primeiro período tendo, como característica marcante, o
atendimento clínico na educação, desvelando suas marcas
culturais e contradições na sociedade brasileira, posto que
até hoje sua presença se encontra impregnada em algumas
instituições brasileiras, as quais continuam a ter esse olhar
no próprio trabalho pedagógico, as premissas da “cura” da
deficiência. Apenas em 1957, a Educação Especial passa a ser
assumida pelo poder público, com campanhas específicas
para cada tipo de deficiência.
Outro passo importante se deu em 1972, quando foi
constituído pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC)
o Centro Nacional de Educação Especial (Cenesp), que se
tornou, no ano de 1992, a Secretaria de Educação Espe-
cial sob a sigla (Seesp), posteriormente, a partir de 2010,
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diver-
sidade e Inclusão (Secadi). A Secadi tinha como objetivo
geral assegurar o direito à educação, desenvolvendo ações
de inclusão social nos campos da Educação de Jovens e
Adultos, Educação Especial na perspectiva inclusiva, Edu-
cação Ambiental e em Direitos Humanos, Educação do
Campo, Indígena e Quilombola e Educação para as Rela-
ções Étnico-Raciais.
A educação especial, no Brasil, sempre teve um cará-
ter de gratuidade, por isso algumas vezes o ensino privado
foi confundido com ensino público. Essa diferença foi sutil-
mente dissolvida em um novo conceito, mostrado por Vieira
(1987), como sendo as instituições comunitárias, as quais
são consideradas entidades públicas não estatais. Identifi-
camos o Instituto Pestalozzi, criado em 1926 no Rio Grande
do Sul, como a primeira instituição particular especializada
no atendimento de crianças com deficiência mental. Como
as instituições de caráter filantrópico atuais, a primeira
58
Pestalozzi atendia parte de seu público por meio de convê-
nios com instituições públicas (KASSAR 1999, p. 22).
Como a educação às pessoas com deficiência estava
garantida, eram necessários mais espaços e pessoas traba-
lhando na e com a educação especial. Assim, surge em 1954,
no Rio de Janeiro, a primeira Associação de Pais e Amigos dos
Excepcionais (Apae), sendo posteriormente estendida aos
mais diversos estados e municípios. Segundo Adriane Silva
(1995), desde a criação da Apae, há uma preocupação em
seguir um modelo de associação que se desenvolva em rede
nacional, com a caracterização inicial de um “movimento”
em prol da “criança excepcional15”. Mônica Kassar (1999)
expõe que a Apae foi concebida tendo como parâmetro a
organização National Association for Retarded Children dos
Estados Unidos da América, que consistia em uma instituição
como a Apae gostaria de ser, prestando serviços aos “excep-
cionais”, notadamente pessoas sob a designação atual de
“pessoas com deficiência intelectual”.
Até a segunda metade do século XX, as instituições
especializadas eram encarregadas de oferecer a “escola-
rização” de pessoas com deficiência. Ao longo do século
XX, o movimento de pessoas com deficiência começou a
se intensificar, exigindo acesso a bens comuns de justiça,
como o direito à escola comum e a deflagrar o caráter assis-
tencialista e segregador das instituições especializadas.
Em meados dos anos de 1960, surge o movimento de
integração escolar. Esse movimento partia da perspectiva
de “integrar” estudantes com deficiência, desvelando, na
prática, uma inserção parcial desses estudantes no ensino
regular. Ou seja, dependeria da “natureza” das suas difi-
culdades, o que significava admiti-los em turmas comuns,

15 Início da nota de rodapé. Terminologia utilizada na época, mas que


foi sendo alterada e, atualmente, o termo mais condizente é pessoa
com deficiência. Fim da nota de rodapé.

59
apenas quando estivessem “prontos” para acompanhar os
demais colegas nas atividades escolares, ou enviá-los para
classes especiais dentro de escolas regulares, ou ainda, para
ter integração de tempo parcial nas classes comuns. Nesse
sentido, as pessoas com deficiência que não se qualificavam
para o ensino regular, permaneciam nas instituições espe-
cializadas ou escolas especiais.
Para enfrentar a injustiça de negar o pleno exercício dos
direitos fundamentais das pessoas com deficiência, assim
como de todos que fogem à norma, surge o movimento de
inclusão escolar, tendo como princípio, o reconhecimento da
diferença humana, não mais atrelado ou preso a um modelo
ideal de ser humano. O propósito do movimento inclusivo
é, portanto, de reconhecimento e valorização de diversas
formas de ser e estar no mundo, de promover o potencial
humano, independentemente dos benefícios econômicos
que gere ou eleve os índices de aproveitamento escolar.
Segundo Rosângela Machado (2015, p. 93),
O direito à educação se impôs assegurando a
inclusão de todas as crianças e adolescentes, sem
exceções, nas salas de aula do ensino comum e,
consequentemente, surgiu a necessidade de reor-
ganização dos serviços da Educação Especial, de
modo a assegurar para os estudantes com deficiên-
cia, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação o acesso, a permanência,
a participação e o sucesso escolar nas escolas da
rede regular de ensino (MACHADO, 2015, p. 93).

Alinhada aos fundamentos e princípios da educação


inclusiva, a Educação Especial deixa de ser substitutiva do
ensino comum e é redefinida como modalidade suplementar
ou complementar à formação de estudantes com deficiência,
autistas e com altas habilidades/superdotação. Suas atri-
buições passam a ser voltadas ao oferecimento de serviços,
recursos e estratégias de acessibilidade ao ambiente e aos
60
conhecimentos escolares. Sendo complementar, a educação
especial perpassa todos os níveis, etapas e demais modalida-
des de ensino, sem substituí-los e sem se constituir em um
sistema paralelo de ensino, com níveis e etapas próprias.
Nesse momento, a educação especial traz uma inovação:
o Atendimento Educacional Especializado (AEE), que é respal-
dado, tanto pela Constituição Federal de 1988, que prescreve,
em seu artigo 208, “o atendimento educacional especializado
aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede
regular de ensino”, quanto pela Política Nacional de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, publicada pelo
Ministério da Educação em 2008, ao definir o AEE como um
serviço da educação especial que “identifica, elabora e orga-
niza recursos pedagógicos e de acessibilidade, que eliminam
as barreiras para a plena participação dos estudantes, consi-
derando suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008, p. 16).
O AEE, como um novo serviço da educação especial,
contrapõe-se a uma prática muito consolidada, em que
a deficiência é vista como ponto de partida e de chegada
para o atendimento desse estudante, tampouco se baseia
em um modelo assistencialista ou clínico de atendimento.
Seu foco é educacional, sendo imprescindível conhe-
cer o estudante com deficiência em sua interação com o
ambiente escolar e na totalidade de suas experiências, em
suas relações humanas.
O direito à educação e a educação especial, na pers-
pectiva inclusiva, têm respaldo legal, provenientes dos
movimentos nacionais e internacionais, culminando na
materialização de textos políticos e legais que têm por base
o movimento de inclusão e não o de integração, dentre os
quais destacamos:

• a Constituição Federal (CF) de 1988 (BRASIL, 1988);


• a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Defi-
ciência (CDPD) promulgada pelo Decreto nº 6.949
(BRASIL, 2009);
61
• a Política Nacional de Educação Especial na Perspec-
tiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008);
• a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas
as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portado-
ras de Deficiência, celebrada na Guatemala e ratificada
no Brasil pelo Decreto nº 3.956 (BRASIL, 2001); e
• A Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(LBI), Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (BRASIL, 2015).

São as ideias obsoletas de deficiência, com foco no déficit


e na experiência da deficiência como tragédia pessoal e algo
a ser curado, alinhada à visão da educação especial, como
substitutiva do ensino regular, que impõem as maiores difi-
culdades, perpetuando a resistência à educação inclusiva e
as inúmeras tentativas de fazer voltar os dispositivos segrega-
cionistas. No entanto, tudo isso tende a aparecer em menor
escala, uma vez que muitos compreenderam o sentido da
educação inclusiva e modificaram sua forma de compreen-
der as pessoas com deficiência, contrapondo-se a práticas
capacitistas16 que se refletem nos valores atribuídos a deter-
minadas capacidades e habilidades, como produtividade e
competência, privilegiando aqueles que atendem aos ideais
da corponormatividade, diminuindo, por conseguinte, o valor
social daqueles que possuem algum impedimento de natu-
reza física, sensorial, mental ou intelectual.
É no movimento de educação inclusiva que, pela primeira
vez, a educação especial no Brasil deixa de ser vinculada à
segregação e vai para dentro do ensino regular, como um
apoio aos estudantes com deficiência, e não mais como uma

16 Início da nota de rodapé. Fiona K. Campbell (2001) define o capacitismo


como uma rede de crenças em que a pessoa com deficiência (ou todos
aqueles que fogem à norma) é considerada um estado diminuído
do ser humano. O mais importante, aqui, é compreendermos que
o capacitismo é estrutural e estruturante, porquanto todos nós de
alguma maneira o praticamos, em maior ou menor escala, sendo
importante reconhecê-lo e combatê-lo. Fim da Nota de Rodapé.

62
área substitutiva do ensino comum. Por que isso é tão criti-
cado? Por que o AEE é tão criticado por aqueles que defendem
a volta das classes e escolas especiais?
É no AEE, como uma ação da educação especial, que se
tem como prioridade a remoção das barreiras de acesso ao
currículo, garantindo o direito à acessibilidade, bem como
a eliminação do viés capacitista do currículo que se pauta
na valorização das capacidades comuns do estudante sem
deficiência. Não precisamos de um ensino individualizado/
segregado, como se propõe nas escolas e classes especiais,
mas um que leve em consideração os estilos individuais de
aprendizagem. Nada deve substituir o direito à convivência
com as diferenças em espaços comuns escolares, que possibi-
litam aos estudantes a se verem como seres humanos dignos
de respeito, valorização e reconhecimento. Do mesmo modo,
há um grande equívoco em dizer que um sistema inclusivo
pode ter classes e escolas especiais. Esses ambientes não
são alternativas de inclusão, pelo contrário, são alternativas
de segregação, porque pressupõem suplantar uma suposta
inclusão escolar, a partir de uma determinada caracterís-
tica corpórea, falsamente usada como “modelo identitário”.
Educação inclusiva é política de Estado, compromisso esse
consolidado com a ratificação da Convenção sobre os Direi-
tos da Pessoa com Deficiência.

4. MUDANÇA DE PERSPECTIVA
E A RESSIGNIFICAÇÃO DO LUGAR
DA DEFICIÊNCIA

Como apresentado ao longo deste texto, o significado


que as sociedades atribuem à deficiência muda ao longo do
tempo e da cultura, determinando, de certa maneira, o modo
como as pessoas compreendem e vivenciam, ou não, a defi-
ciência em suas vidas. Uma infância com e sem deficiência
são experiências distintas e a forma como ela é mediada no
63
espaço escolar, determina qual será a sua participação no
próprio processo de desenvolvimento, percurso acadêmico e
mesmo no seu envolvimento com os demais agentes sociais.
Em meados da década de 1990, o fortalecimento do movi-
mento de educação inclusiva representou um grande salto no
tocante à necessidade de uma mudança estrutural na edu-
cação, bem como situou o campo das diferenças de gênero,
classe, raça, território, religião etc., como inerentes à condição
humana, não cabendo hierarquias de opressão entre elas. No
entanto, no que se refere às pessoas com deficiência, ainda se
perpetuam formas de atendimento e abordagens educacionais
que mantêm o enfoque deficitário sobre seu desenvolvimento
e aprendizagem, a exemplo das práticas de educação especial
que não consideram a perspectiva inclusiva, as quais, conforme
sustentam Jan Valle e David Connor (2014), gravitam em torno
da polarização normal/anormal.
Para o anormal existir, necessariamente tem de haver
um conceito de normalidade. É sempre um comparativo em
que se delega a posição de subalternidade à pessoa com defi-
ciência, sem que haja a compreensão de que a deficiência
é mais que seguir um padrão binário, ela é uma experiência
relacional, situada e interseccional, parte constituinte do ciclo
de vida humano.
A ascensão do mito da normalidade nas escolas públicas,
apoiados em escalas de medidas (testes e avaliações externas,
por exemplo), recriam a segregação. Por mais que ocorram
mudanças estruturais obrigatórias, culturas de medição
e comparação, resistem e residem nos espaços escolares,
fortalecendo a ideia de segregação. A manutenção do capa-
citismo no ambiente escolar se dá, principalmente, por meio
de práticas de segregação e categorização de alunos e alu-
nas com base nas capacidades, posto que:

Ensina nossos futuros cidadãos que é ‘correto e


natural’ viver em uma sociedade feita para alguns,
mas não para outros [...] Deixar de contestar a

64
segregação baseada na capacidade que ocorre nas
escolas públicas garante um futuro no qual as pes-
soas com deficiência podem esperar um status de
segunda classe (VALLE; CONNOR, 2014, p. 78).

Embora tenhamos categorias que sejam definidoras de


quem é o sujeito com deficiência, a cada momento histórico
e em todos os lugares ocupados, percebemos um ressignificar
das compreensões e definições sobre a deficiência. Pessoas
com deficiência já foram e são, de um lado, desacreditadas,
eliminadas, castigadas e marginalizadas; e de outro, santifica-
das e idolatradas como “exemplos de superação”. Precisamos
reconhecer que a experiência da deficiência é singular, situada
e relacional e que as desvantagens no processo de aprendi-
zagem dos nossos estudantes com deficiência são resultantes
da interação de um corpo com impedimentos e os contextos
pedagógicos/escolares que não os acolhem em suas varia-
ções corpóreas, funcionais, intelectuais e emocionais.
Outra questão é pensar como a escola pode reverberar o
capacitismo institucional, que é a forma como as instituições
manifestam e reproduzem, seja por ação ou omissão, con-
dutas capacitistas. Desse modo, é urgente reconhecermos o
pouco investimento realizado para acolher e respeitar as inú-
meras diferenças dos sujeitos nos contextos de aprendizagem,
não para lhes negarmos acesso, mas sim, para qualificarmos
práticas de ensino que estejam atentas aos diferentes modos
de ser estudante.
Necessitamos, também, de mudanças de postura e um
olhar mais atento para essas questões, ponderando sobre a
urgência da qualificação das escolas públicas, a fim de que,
na contramão de políticas que desmerecem o lugar da escola
inclusiva, possamos mudar atitudes e enfrentar a produção
de categorizações dos que são considerados “diferentes” e,
por extensão, o capacitismo institucional tão presente nas
práticas escolares.
Mas como nossas atitudes e práticas, no âmbito da edu-
cação, podem apoiar as políticas inclusivas e resistir aos
65
ataques e retrocessos de uma perspectiva segregacionista?
Inicialmente, vale quebrar o silenciamento e a invisibilidade
sobre a experiência da deficiência em diferentes âmbitos,
tais como:

• no convívio com as diferenças, compartilhando os mes-


mos espaços – a presença de pessoas com deficiência
nos distintos espaços da sociedade provoca reflexões
que possibilitam mudanças de atitudes. Muitas pes-
soas precisam ter a sua normalidade confrontada, para
vislumbrar para além de si próprio e, assim, direciona-
rem-se para a construção de uma sociedade inclusiva e
acessível à pluralidade de características de cada pessoa;
• no currículo – desde a educação infantil, até os níveis
mais elevados de ensino, precisamos incluir, no currí-
culo, histórias de pessoas com deficiência, desvelando
suas contribuições nas diferentes áreas temáticas,
ressignificando o lugar da deficiência, no sentido de
revelar conquistas na política, nas ciências, na arte e
na educação, que partiram da experiência da deficiên-
cia, a exemplo de Anita Catarina Malfatti (1889-1964),
que foi uma mulher com deficiência física, importante
pintora, desenhista, gravadora, ilustradora e profes-
sora brasileira. Uma das precursoras do movimento
modernista no Brasil;
• no planejamento docente – pessoas com deficiência
se sentem representadas quando os espaços e práti-
cas são pensados a partir de uma Ética do Cuidado,
que considera de modo antecipado a presença de uma
variabilidade sensorial, cognitiva, funcional, emocional
e motora no espaço da sala de aula. Com isso, desde
o princípio, o professor deve prever em seu planeja-
mento distintas maneiras de proporcionar o acesso
às informações, de permitir aos estudantes demons-
trarem o que estão aprendendo e de envolver todos
com respeito e cuidado, ampliando os modos deles,
66
de acessarem e se relacionarem com o conhecimento;
• na gestão – realizar projetos e planejamento do
uso de recursos, considerando a participação das
pessoas com deficiência, as quais podem indicar
importantes ajustes ou aspectos a serem considerados
nas reformas, aquisições de recursos, realizações de
eventos, comemorações, formação continuada, entre
outras situações que ainda não consideram a varia-
ção humana e podem ser adequadas para considerar
todas as pessoas da comunidade escolar; e
• na formação docente – seja ela inicial, continuada ou
em serviço, é preciso considerar os distintos modos de
aprender, de participar, reconhecendo que a diferença
está em todos e que não existe uma capacidade espe-
cífica a ser alcançada. No ensino superior, há que se
desencerrar o conhecimento da educação especial em
disciplinas específicas e isoladas, a fim de transversali-
zar o currículo e provocar o padrão normativo existente
nas diferentes disciplinas acadêmicas, a exemplo das
disciplinas de metodologias do ensino, presentes nos
currículos das licenciaturas, as quais precisam conside-
rar um trabalho na perspectiva inclusiva.

Ressignificar a experiência da deficiência é uma questão


de justiça social, e para isso, precisamos reconhecer a nossa
fragilidade humana e as nossas relações de dependência
(KITTAY, 2011). O caminho para a sustentabilidade e reconhe-
cimento das diferenças, perpassa por visibilizar a experiência
da deficiência como algo ordinário e que toca a todos/as nós.
E o que se espera da educação especial na perspectiva
da educação inclusiva? Que ela seja capaz de provocar o
capacitismo estrutural que é endêmico na educação e, com
isso, transformar o espaço escolar para que ele esteja atento
às diferentes expressões do ser humano, considerando a
interseccionalidade17 das características de opressão que
ultrapassam os diagnósticos de deficiência.
67
5. ERRÂNCIAS FINAIS A PARTIR DE
UMA NARRATIVA AUTOBIOGRÁFICA

A trajetória de pessoas surdas nas universidades bra-


sileiras sempre esteve repleta de dificuldades, devido às
inúmeras barreiras na comunicação. Anteriormente à
publicação do Decreto nº 5.296/2004, não havia um reco-
nhecimento explícito à existência da diversidade entre
pessoas com uma mesma deficiência. O referido decreto
inovou ao assinalar o reconhecimento da existência de pes-
soas surdas que não se comunicam pela língua de sinais
brasileira (Libras) e ao relacionar os apoios humanos e dis-
tintas tecnologias que são usadas como facilitadores para o
acesso à informação. Como um desdobramento do decreto
supracitado, temos a promulgação do Decreto nº 5.626
(BRASIL, 2005), que regulamenta a Lei nº 10.436 (BRASIL,
2002), conhecida como “Lei da língua brasileira de sinais”, e
o artigo 18 da Lei nº 10.098 (BRASIL, 2000), ao dispor sobre
a formação dos profissionais de escrita em Braille, de língua
de sinais e de guias-intérpretes. Ou seja, apesar do Decreto
nº 5.626/2005 dar maior ênfase a questões que envolvem
a formação e a garantia do direito à educação das pessoas
surdas por meio da língua brasileira de sinais, não deixa de
destacar, por exemplo, no artigo 22, parágrafo terceiro, que
as mudanças decorrentes desse decreto “implicam a for-
malização, pelos pais e pelos próprios alunos surdos, de sua
opção ou preferência pela educação sem o uso de Libras”.
Isto é, mais uma vez há um reconhecimento da existência de
pessoas surdas que não se comunicam em língua de sinais.

17 Início da nota de rodapé: De acordo com a autora e pesquisadora


Carla Akotirene (2019, p. 59), “a interseccionalidade impede reducion-
ismos da política de identidade – elucida articulações das estruturas
modernas coloniais que tornam a identidade vulnerável, investigando
contextos de colisões e fluxos entre estruturas, frequências e tipos de
discriminações interseccionais”. Fim da nota de rodapé.

68
Ingressei na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) aos 20 anos, tendo sido aprovada em primeiro lugar
no vestibular para o curso de Química, vindo a abandoná-
-lo na fase final, devido aos muitos “acidentes de percurso”
que me fizeram migrar para o curso de Ciências Sociais na
mesma universidade. Posteriormente, entre os anos 2014
e 2019, finalizei, respectivamente, o mestrado e doutorado
em Antropologia Social na mesma instituição. Esse resultado
alcançado por mim, uma pessoa com surdez neurossensorial
bilateral profunda e usuária de implante coclear desde 2003,
pressupõe conhecer um pouco sobre como se deu minha
trajetória escolar, anteriormente à entrada na universidade.
Venho de uma família de classe média, meu pai era
empresário de uma fábrica de torrefação de café; minha mãe,
pedagoga formada pela UFSC, atuou como professora de Psi-
cologia Educacional. Com o diagnóstico da minha surdez aos
três anos, minha mãe abandonou seu emprego e desistiu de
um mestrado em Psicologia Educacional para se dedicar a
mim. Operei o ouvido esquerdo também aos três anos, em
uma tentativa de estacionar minha perda auditiva e corrigir
o grave problema de equilíbrio corporal. Depois da opera-
ção, passei a usar aparelho auditivo em “formato caixinha”,
fiz fonoterapia e, claro, fui para a escola.
Eu fui alfabetizada aos nove anos na Escola Dinâmica,
uma escola particular de linha construtivista, considerada
de vanguarda em Florianópolis nos anos 1980, e na época
um exemplo de escola de educação infantil e fundamental
em que me recordo de ter sido incluída em todas as ativida-
des, por todo o período em que permaneci nela, de 1981 a
1986. Tratava-se de uma escola que se antecipou ao próprio
MEC, em relação às políticas educacionais, na perspectiva da
educação inclusiva. Dito de outro modo, aqui o contexto da
prática se antecipou ao contexto da produção de documen-
tos políticos e legais. De fato, nessa escola, fui uma aluna
imersa em práticas de inclusão, na interação com os colegas,
fazendo exercícios juntos e exercitando a liderança, seja em
69
sala de aula, seja no pátio da escola, que no recreio, comia
e compartilhava meus lanches e depois ia jogar bola com os
meninos ou brincar de boneca com as meninas. Ali fiz todas
as atividades ordinárias que toda criança faz quando vai à
escola para aprender conteúdos, interagir e fazer amizades
com colegas.
Naquele momento não existia um AEE ou qualquer outro
serviço de suporte complementar, a inclusão se deu por uma
via de “mão dupla”, com a participação também da família,
porque “toda inclusão começa em casa”. Ou seja, ao mesmo
tempo que era alfabetizada na escola, também recebi da
minha mãe um apoio na escolarização, por meio do apren-
dizado e acompanhamento da leitura e escrita do português.
Assim, na escola aprendi a ler e escrever com o método do
pós-construtivismo e em casa com o método Maria Montes-
sori, pois minha mãe participava de ações pedagógicas, como
“rechear” a casa com cartolinas e outros papéis-cartão com a
escrita do nome das coisas, por exemplo, “geladeira”, “fogão”
e “televisão”. Minha mãe pegava uma cartolina e escrevia em
letras de forma enormes a palavra “televisão” e em seguida
colava ao lado ou sobre a televisão da sala. Foi dessa forma
que passei todo o meu processo de alfabetização, tendo a
casa toda enfeitada de cartolinas escritas com os nomes das
coisas, a fim de memorizar e aprender a ler, escrever e falar
o nome das coisas, em um aprendizado lúdico e constante,
que ativou a minha memória e o gosto pela leitura e escrita.
Em seguida, aos 11 anos entrei para o Colégio Coração
de Jesus, atual Colégio Bom Jesus, frequentando por dois anos
(1986 e 1987), o equivalente aos atuais 3º e 4º ano do ensino
fundamental I, mas em um contexto de classe especial, em
que havia mais dois alunos surdos além de mim. As demais
crianças, aparentemente, não possuíam nenhuma outra defi-
ciência, estavam ali por apresentarem alguma defasagem no
aprendizado ou “déficit de atenção”. Nesse período, o contexto
da prática foi o “modelo especial” de educação, fortemente
ancorado na premissa de que as pessoas com deficiência são
70
incapazes de aprender, muitas vezes, fazendo uma hierarqui-
zação da capacidade de aprender por tipo de deficiência.
Concebo esse período como ambíguo na minha trajetó-
ria escolar. Se, por um lado, vivenciei um ensino repetitivo,
quase infantilizado, com aulas não alinhadas à minha idade
escolar, praticamente com os mesmos conteúdos, o que me
trouxe a sensação de ter repetido de ano mais de uma vez;
por outro lado, percebi que essa experiência foi a responsá-
vel pelo meu amadurecimento escolar, no sentido de que,
ao ter frequentado uma classe segregada na perspectiva da
“educação especial”, pude sentir o peso da angústia do que
não foi bom para mim e, portanto, saber o que não queria
mais em uma escola. Parece que a escola especial é mais
para socialização, a criança ia para a escola especial ape-
nas para socializar, ou tentar socializar, e não aprender. Essa
“vivência segregada” me permitiu ser capaz de verbalizar à
minha mãe, o desejo de voltar ao ensino regular em uma
escola comum.
De fato, cansada do ensino repetitivo da classe especial e
vendo-me sem chances concretas de avançar em uma educa-
ção escolar de qualidade, supliquei à minha mãe para voltar
ao ensino regular. Assim, eu me mudei definitivamente para
o ensino regular, primeiro cursando, em 1988, a antiga quinta
série do primeiro grau no Colégio Barddal, onde permaneci
apenas um ano, experienciando práticas pedagógicas integra-
doras. Quer dizer, na perspectiva da integração, eu tinha que
me adaptar à escola. Em seguida, em 1989 retornei ao Colégio
Coração de Jesus, desta vez para frequentar classes comuns, e
lá concluí o antigo primeiro e segundo graus, respectivamente
em 1991 e 1994. Vivenciei, portanto, todo o meu processo
escolar em três vertentes na seguinte ordem, todas elas não
condizentes com as políticas de governo para a educação de
pessoas com deficiência em cada momento histórico: “edu-
cação inclusiva” (inclusão), “educação especial” (segregação)
e “educação integradora” (integração). Em todas elas, minha
trajetória estudantil sempre foi marcada por um excelente
71
desempenho escolar, mas, com exceção da experiência esco-
lar na Escola Dinâmica, sempre escamoteado pelas práticas de
integração, uma vez que, na maior parte do tempo, sempre
tive que me adaptar para ter acesso ao conhecimento, o que
não mudou, nem quando me tornei universitária.
Mais madura e com grande inserção militante na área da
deficiência, adquirida ao longo dos anos como estudante de
Química, principalmente em questões envolvendo as minhas
próprias reivindicações e demandas por serviços de acessibi-
lidade às comunicações para pessoas surdas oralizadas não
usuárias de língua brasileira de sinais, reconheço que uma
das razões que motivaram a minha escolha pelo primeiro
curso, foi para fugir da “maldição das Ciências Humanas” de
que fala Bourdieu, Chamboredon e Passeron (2002, p. 50),
ou seja, “o fato de abordarem um objeto que fala”. Assim,
como os compostos químicos não falam, supus que “só”
bastaria o sentido da visão para as minhas observações cien-
tíficas. Ledo engano. Mais que na Química e, principalmente,
por sua natureza eminentemente teórico-discursiva acerca
dos fenômenos sociais, as Ciências Sociais, especialmente a
Antropologia (MELLO, 2019), desafiaram-me à comunicação
com o outro, obrigando-me a desenvolver outros tipos de
estratégias compensatórias para poder me comunicar, inte-
ragir e participar dos debates em salas de aula, adivinhar,
antecipar, intervir e, sobretudo, pesquisar pessoas ou grupos
sociais, isto é, sujeitos que falam.
A Política Nacional de Educação Especial na perspec-
tiva da Educação Inclusiva, lançada em 2008, implicou o
envolvimento de educadoras especiais nas discussões sobre
inclusão, no âmbito da educação especial, revelando contra-
dições internas entre as duas perspectivas hegemônicas de
educação para pessoas com deficiência. Ao mesmo tempo, a
própria lógica da elaboração e execução de políticas públicas
sobre inclusão escolar dependeu, desde sempre, da partici-
pação e trabalho de educadores especiais, como também,
fomentou ampla e diversamente a formação de profissionais
72
da educação especial, a partir da discussão sobre educação
inclusiva para todos os profissionais de educação, procu-
rando, também, romper com a educação especial excludente
e com viés biomédico da deficiência. O que foi mais defen-
dido por essa política, foi a ideia de que a escolarização dos
estudantes com deficiência se dá na sala de aula comum (o
direito à educação, sem exceção), sendo a Educação Espe-
cial responsável em prover os recursos de acessibilidade para
que o estudante com deficiência acesse o conhecimento e
ambiente escolares – com foco educacional e não clínico –,
não estando mais desvinculado dos ideais da sociedade e de
suas condições materiais de existência. Para Debora Diniz e
Livia Barbosa (2010),

Um dos grandes desafios de sociabilidade à pes-


soa com deficiência é como garantir o direito de
ser uma pessoa ordinária, aqui entendido como o
direito de estar no mundo sem ser objeto de espe-
táculo, compaixão ou curiosidade. [...] Nem todas as
pessoas querem ser heroínas em sua comunidade,
assim como nem todas as pessoas com deficiên-
cia desejam a estética da superação como projeto
de felicidade. A possibilidade de uma existência
ordinária é o que move o ethos da inclusão: bus-
ca-se a participação em um projeto de sociedade,
o que, de um lado, é um movimento conservador
pela reafirmação do status quo e, de outro, é um ato
revolucionário, pois se ambiciona alargar o universo
dos indivíduos que podem ser comuns à vida social,
e não eternamente objetos de espetacularização ou
piedade (DINIZ; BARBOSA, 2010, p. 209-210).

Finalizando, gostaríamos de tecer algumas considera-


ções a respeito dos rumos que a ‘educação inclusiva’ vem
tomando, com os desmontes das políticas educacionais para
pessoas com deficiência. Educação não é só adaptação, mas
também transformação. Nessa perspectiva, os profissionais
73
da educação, de todas as áreas, disciplinas e níveis de ensino,
precisam se transformar, desvelar a verdade que as ideolo-
gias escondem, acolhendo o sujeito da educação, desde uma
perspectiva interseccional. No caso da educação de pessoas
com deficiência, o deslocamento da perspectiva biologicista
da educação especial para uma abordagem interseccional
comprometida com os princípios de justiça que considerem
as dimensões éticas, sociais e pedagógicas das práticas inclu-
sivas, incluídos os processos de escolarização desses sujeitos,
seria um grande avanço.
Ainda, é importante ressaltar que a educação é uma das
políticas públicas em processo acelerado de mercantilização,
o que a educação inclusiva também não está imune a esse
tipo de ataque, especialmente quando seus críticos confun-
dem a má gestão da perspectiva inclusiva com o insucesso
da inclusão. Não é a participação de uma pessoa com defi-
ciência nos contextos escolares que traz prejuízo (nem a ela,
nem à turma), mas a falta de investimentos na formação
docente, nas estruturas escolares, nos recursos para o uso
dos estudantes, porquanto criticam o direito das pessoas de
ocuparem os espaços, mas não a falta de estrutura para que
isso possa ocorrer. E coadunando com o movimento de resis-
tência ao Decreto nº 10.502 (BRASIL, 2020), em que ocorreu
um forte movimento de defesa da escola pública inclusiva no
Brasil, trazemos o lema que atravessou distintos momentos
do debate: “É preciso que se mude a escola para que a pes-
soa com deficiência não tenha que mudar de escola”.

74
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75
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76
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VIEIRA, S. L. O público, o privado e o comunitário na educação. Educação
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77
CAPÍTULO 3

EDUCAÇÃO INCLUSIVA E FORMAÇÃO


CONTINUADA: INTERLIGAÇÕES
ESTRATÉGICAS NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE FLORIANÓPOLIS
Ana Luiza Moura Mafra
Ana Paula Felipe
Lenize Silva Arrojo
Valquíria Hillesheim Lamb

1. INTRODUÇÃO

O capítulo proposto busca apresentar a trajetória de for-


mação continuada, ofertada aos professores e auxiliares da
Rede Municipal de Ensino de Florianópolis (RME), trazendo um
recorte para o serviço de Educação Especial, na perspectiva
da Educação Inclusiva, demarcando a formação oferecida aos
Professores de Educação Especial que realizam o Atendimento
Educacional Especializado (AEE), um serviço que “identifica,
elabora, e organiza recursos pedagógicos e de acessibilidade,
que eliminem as barreiras para a plena participação dos alunos,
considerando suas necessidades específicas” (BRASIL, 2008), os
quais atuam nas Salas de Recurso Multifuncional (Salas Multi-
meios) e aos Professores Auxiliares de Educação Especial.
Para tanto, se faz necessário destacar que a RME tem um
caminhar trilhado em direção à promoção de uma escola
inclusiva, que se adiantou à própria Política Nacional de Edu-
cação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Pneepei)
de 2008. Para compreender a inclusão em Florianópolis, situ-
amos que até o início do ano de 2001, imperava o modelo
de integração escolar, momento em que alguns estudantes
78
poderiam estar na rede regular de ensino e outros não, per-
manecendo em instituições especializadas. A RME começou,
então, a repensar seu modelo de educação especial, pautado
na educação inclusiva, partindo do pressuposto de todos
ocupando os mesmos espaços. Assim, a educação especial
passa a ocupar um outro status, estabelecendo novas rela-
ções com o ensino regular.
Nesse sentido, citamos Machado (2013), que destaca:
Esse modelo foi pautado em três princípios, no pri-
meiro princípio o apontamento ao direito de todos
a educação, nos mesmos espaços de ensino regu-
lar. No segundo princípio o destaque ao direito
à acessibilidade, ou seja, o direito a permanecer
neste espaço. E o terceiro princípio frisando o
direito à diferença, tirando a ênfase das dificulda-
des, mas passando para a ênfase na potencialidade
de cada sujeito.

Estruturar e consolidar as políticas de inclusão na rede


municipal de ensino foi e é um constante desafio, que vai
muito além da quebra de barreiras arquitetônicas presentes
nos espaços escolares. Como podemos contemplar no texto
apresentado por Machado (2013, p. 100):
Na Rede de Ensino de Florianópolis, a política de
Educação Especial e o AEE passaram, como era de
se esperar, por diversas reinterpretações e recontex-
tualizações e estão imersos em processos interativos
constituídos pela percepção dos professores; por
um conjunto de ideias que definem a concepção de
ensino e de aprendizagem; pelos textos políticos e
legais que são destinados ao ensino básico; pelo PPP
de cada escola e pela organização pedagógica das
salas de aula.

A partir do ano de 2001, com o início da nova estru-


tura e organização do público atendido pelo serviço de
79
educação especial na RME, se inicia a inclusão irrestrita
de todas as crianças e adolescentes na Rede Municipal de
ensino comum, abrindo-se um debate político e pedagó-
gico dentro do município: é um período em que se discute
veementemente o direito e valorização das diferenças,
redefinindo conceitos, práticas e formações de professores.
A partir desse debate, do embate de ideias, o conjunto da
sociedade discute e realoca os papéis da escola, dos sujeitos
e das instituições.
Concomitante a esse processo, adentram à escola, for-
malmente, pessoas que em razão de seu diagnóstico, que
eram, até então, excluídas do contexto da escola regular. Isso
trouxe, novamente, os discursos acerca do despreparo de
professores, agora também para a Educação Especial, dado
que, até então, as Salas de Recurso estavam destinadas ape-
nas aos atendimentos de pessoas com deficiência visual e
deficiência auditiva.
Associado a esse movimento, em 2008, o Ministério da
Educação lança a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, o que oficializa como
política, as Salas de Recurso Multifuncional e coloca a Edu-
cação Especial, definitivamente, em caráter complementar
e suplementar.
Nesse contexto histórico, temos um movimento intenso
de reorganização das instituições e do atendimento da Edu-
cação Especial no município e toda a formação passa a ser
ressignificada, devendo estar envolvida em alinhar esse
fazer pedagógico, em consonância com a nova Política:
professor de Educação Especial em articulação com a sala
de aula comum, com o trabalho baseado em um plano de
atendimento educacional especializado, o qual considera os
diagnósticos, mas foca nas potencialidades e nas barreiras
arquitetônicas e atitudinais que se apresentam como impe-
dimento de efetiva participação, a partir das relações do
sujeito com o ambiente e do ambiente com o sujeito.

80
2. UMA ANÁLISE DAS POLÍTICAS DE
FORMAÇÃO NA REDE MUNICIPAL
DE ENSINO DE FLORIANÓPOLIS
Objetivamos apresentar, em linhas gerais, um resgate e
uma análise acerca da formação continuada ofertada pela
Gerência de Educação Especial da Rede Municipal de Ensino
de Florianópolis, lócus deste capítulo. Para tanto, citamos o
que traz a nossa Proposta Curricular:

A Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, his-


toricamente, tem proposto ações, no sentido de
qualificar os seus profissionais, dentre elas a aprova-
ção do Estatuto do Magistério Público (Lei n.º 2.517),
ocorrida em 1986, e do Plano de Vencimento e de
Carreira do Magistério Público Municipal, em 1988
(Lei n.º 2.915). Para além dessas primeiras inicia-
tivas da década de 1980, é possível observar, nos
últimos anos, o investimento manifesto em políticas
públicas com foco na profissionalização docente.
Dentre elas, cabe destacar a formação continuada e
a carreira profissional que, nas Diretrizes Curriculares
para Educação Básica da Rede Municipal de Ensino
de Florianópolis (2015), são sinalizadas como fun-
dantes do processo educativo, além de outras ações
como a ampliação da hora/atividade para todos os/
as professores/ as de Anos Iniciais do Ensino Funda-
mental (incluindo a modalidade Educação de Jovens
e Adultos) e da Educação Infantil, a permanente
realização de concurso de ingresso, a concessão à
licença remunerada para aperfeiçoamento, entre
outras conquistas (FLORIANÓPOLIS, 2016, p. 48).

Trazemos, também, o Plano Municipal de Educação de


Florianópolis (FLORIANÓPOLIS, 2015, p. 120), formalizado
pela Lei Complementar n.º 546 de 12 de janeiro de 2016,
tendo como uma de suas metas a formação continuada.
81
5.16. META 16: Manter Formação continuada e pós–
graduação de professores e demais profissionais da
educação. Criar e manter políticas de incentivo e
apoio à Formação, visando atingir 90% (noventa por
cento) dos professores no município de Florianópo-
lis, em nível de pós graduação, até o último ano de
vigência deste PME, bem como, garantir a todos os
profissionais da educação do município, formação
continuada em serviço, considerando necessidades,
demanda e contextualização dos sistemas de ensino.

Entendemos os processos de formação continuada


como importante espaço de diálogo, reflexão-ação sobre as
práticas pedagógicas, assim como discorre Torres (2003, p.
44), pontuando que a formação continuada trata-se de um
processo de “aprendizagem permanente, entendendo que os
saberes e competências docentes são o resultado não só de
formação profissional, mas de aprendizagens realizadas ao
longo da vida, dentro e fora da escola e no exercício mesmo
da docência”.
Consideramos importante destacar que a Lei Fede-
ral n.º 11.738 (BRASIL, 2008, que estabelece o piso salarial
nacional para os/as profissionais do magistério público da
Educação Básica, demarca que, na composição da jornada
de trabalho, deve-se observar o limite máximo de dois ter-
ços da carga horária para o desempenho das atividades de
interação com os/as estudantes e que um terço da jornada
seja dedicado à preparação de aulas e demais atividades
fora da sala. O que é seguido pela RME sob a denominação
de hora/atividade, de acordo com a Proposta Curricular da
Rede Municipal de Florianópolis.

A Portaria 06/2016 define que o/a professor/a usufrua


de metade do tempo da hora/atividade de acordo
com suas necessidades profissionais (estudo indivi-
dual, elaboração de materiais, pesquisa, participação
em grupos de estudo, visitas a espaços culturais e

82
afins) e que a outra metade da hora/ atividade seja
compartilhada com a unidade educativa (propostas
de planejamento, participação em reuniões coleti-
vas, conselho de escola, colegiado de classe, reuniões
com as famílias, entre outras), sempre respeitando o
parágrafo 6.º do artigo 1.º da referida Portaria: A orga-
nização das atividades pedagógicas inerentes ao
exercício do cargo e função deverá respeitar o limite
mensal de até 50% para atividades desenvolvidas
no próprio local de trabalho ou espaços definidos
pela Direção da Unidade Educativa ou atividades
planejadas pela Secretaria Municipal de Educação
(FLORIANÓPOLIS, 2016a, p. 50).

Trazemos a reflexão que a hora atividade por si só, ainda


que importante, não é suficiente, é preciso garantir, também,
outros modelos e programas de formação continuada, como
diz Nóvoa (1999b, p. 26):
Ao longo de sua história, a formação de professores
tem oscilado entre modelos acadêmicos, centrado
nas instituições e em conhecimentos ‘fundamen-
tais’, e modelos práticos, centrados nas escolas e em
modelos ‘aplicados’. É preciso ultrapassar esta dico-
tomia, adotando modelos profissionais, baseados em
soluções de partenariado entre instituições de ensino
superior e as escolas, com um reforço dos espaços de
tutoria e de alternância (NÓVOA, 1999b, p. 26).

Embora o autor reconheça a importância da formação


continuada centrada na escola, espaço onde se vive as com-
plexidades e contradições da prática docente, explica que essa
posição não pode representar o distanciamento ou ruptura
com as instituições acadêmicas formadoras de professores.
Nóvoa (1999) defende uma relação de aproximação e parceria
entre as instituições.
Ao longo das gestões da Gerência de Educação Especial
da Rede de Ensino de Florianópolis, em consonância com
83
a legislação vigente, a formação continuada tem ocupado
espaço importante, visando garantir reflexões necessárias
para implementação da política de inclusão, como um de
seus princípios. As duas últimas décadas foram ainda, nota-
damente, marcadas por formações baseadas nos diferentes
serviços do Atendimento Educacional Especializado (AEE),
como podemos citar: ensino de braille; português para sur-
dos; comunicação aumentativa e alternativa; e tecnologia
assistiva. De acordo com os pressupostos da Proposta Cur-
ricular da RME:

[...] implementar ações que promovam aprendizagem


significativa a todos(as) alunos(as) por meio de uma
ação e prática pedagógica que atenda os pressupos-
tos nos quais se pauta o projeto da escola. Propõe-se
a auxiliar na superação das limitações verificadas no
âmbito da formação inicial, atendendo as demandas
em relação à prática pedagógica da sala de aula e de
projetos educativos. [...] Tem, também, por objetivo a
valorização do profissional através do aperfeiçoamento
em serviço, onde o foco é instrumentalizá-lo com
técnicas, metodologias e conhecimentos de modo a
transformar os conceitos/conteúdos do ensino em ati-
vidades significativas de aprendizagem para todos(as)
(FLORIANÓPOLIS, 2008, p. 21).

Em um movimento vivo no interior da RME, a inserção e


inclusão de todas as pessoas, independente da deficiência ou
não, suscitou, entre os professores, a necessidade de forma-
ção específica, ainda como um critério para que a inclusão
possa ser realizada.
Ao mesmo tempo em que a Gerência de Educação Espe-
cial traz consultores para debater com os professores de
Educação Especial marcos jurídicos, pressupostos filosóficos,
didáticos, pedagógicos, trabalha a formação de professo-
res de sala de aula comum, em nível mais operacional, de
acordo com a própria demanda desses profissionais. Importa
84
destacar, por exemplo, concomitantemente em que se estuda
o sistema braille, o português para surdos, enriquecimento
curricular, entre outros, coloca-se de forma direta e indireta,
o conhecimento sobre as diferenças, sobre uma educação
com mais possibilidades e instiga-se uma mudança no for-
mato das salas de aula.
A formação se colocou em um movimento que trouxe a
Filosofia e a Psicologia, discutindo e discute fundamentos e
princípios dessa nova política, dos aspectos sociais que cir-
cundam a deficiência e como a vemos, mas ainda traz, com
muita força, o aspecto biológico, mesmo em formações dire-
cionadas pelo Ministério da Educação, por meio de fascículos
que ainda se dividem por deficiência, transtorno do espectro
autista ou altas habilidades.
A fim de trazer fundamentos para embasar a educação
inclusiva e compartilhar as experiências da gestão da Gerên-
cia de educação com apoio da Rede Municipal de Ensino de
Florianópolis e do Ministério da Educação, ocorreram vários
momentos de discussão, palestras e cursos com enfoque
no estudo de deficiências específicas. Já os “Seminários de
Educação Inclusiva” que aconteceram entre os anos de 2004
e 2014, começaram a trazer a discussão dos sujeitos como
um todo, para além do diagnóstico, trazendo para o diálogo,
fomentando discussões sobre as práticas pedagógicas em o
todo contexto educacional e para todos os estudantes; acen-
tuando a formação de professores como uma importante
virada, visando a transformação de práticas historicamente
homogeneizadoras para práticas alicerçadas na perspectiva
da educação inclusiva, que considerem as multiplicidades de
ser, estar e aprender.
Como todo processo educacional, as formações demo-
ram a trazer resultados específicos. No início, elas tinham
mais o caráter de informar, sensibilizar, convencer acerca da
importância da inclusão na educação, do direito à diferença.
Com o avanço desse entendimento na RME, esse objetivo foi
sendo alcançado por meio dos documentos oficiais, políticos
85
e legais, com base no direito à diferença e da educação espe-
cial complementar e suplementar e não substitutiva.
Agora, ainda que não se questione mais de forma con-
tundente a presença das pessoas com deficiência, o público
formado por professores de sala de aula comum, continua
a se sentir inseguro, no que tange a inclusão, a instrumen-
talização do seu fazer pedagógico e continua a procura de
indicação por formações específicas. Percebemos que há
uma certa avidez, em parte dos professores, por contemplar
a todos, mas que a formação inicial tornou-se muito frágil e
esperam, então, que a da formação continuada possa preen-
cher essas lacunas.
Como propositor de políticas públicas para o município, nos
últimos cinco anos, a Gerência opta por uma formação que atinja
todos os níveis educacionais possíveis: infantil; fundamental; e
EJA. Nas formações centralizadas, discute-se a Educação Inclu-
siva e seus pressupostos filosóficos, históricos e sociais, assim
como procura-se contemplar, de forma mais prática, as várias
deficiências, além do autismo e altas habilidades/superdotação.
Porém, independente do tema central, tais formações
remetem ao que a Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva coloca como a necessi-
dade de que a inclusão seja um ato contínuo e realizado em
articulação e colaboração entre pares nas Unidades Educati-
vas. Neste ínterim, surge, com cada vez mais força, estudos e
discussões em torno do Modelo Social da deficiência.
No processo de refletir sobre as possibilidades de implan-
tação de políticas de formação, que se pautasse no Modelo
Social da deficiência, abriram-se novos caminhos ao pensar e
fazer pedagógico, demandando a integração entre a univer-
sidade e a escola, em uma relação de parceria, para articular
os saberes práticos e teóricos dessas instituições formado-
ras, e tendo em vista possibilitar o fortalecimento da escola
enquanto lugar e contexto da formação continuada.
Salientamos, entretanto, que esses processos não são
lineares, e com as novas tentativas de retrocesso nas Políticas
86
Públicas, com o crescimento da Rede e a chegada de maior
número e diversidade de profissionais, nos traz a necessidade
de fortalecer as bases conceituais da educação inclusiva, ao
mesmo tempo em que necessitamos discutir as especificida-
des de cada deficiência.
Tendo presente e legitimando os avanços e conquistas da
RME, mas também reconhecemos o quanto é necessário avan-
çar ainda mais, direcionando um olhar horizontal aos desafios
e entraves no que tange a inclusão. Ainda encontramos e
enfrentamos o desafio de romper com a ideia da necessidade
de realização de práticas escolares que busquem a superação
da diferença. Visto que a diferença na escola ainda convive,
paradoxalmente, com práticas escolares homogeneizado-
ras, com práticas de diferenciação em que os estudantes são
identificados por meio de verdades biológicas expressas em
laudos, pareceres e diagnósticos. Percebemos, assim, que no
contexto educacional, muitas vezes, ainda impera o Modelo
Médico, no que envolve as práticas pedagógicas direcionadas
aos estudantes com deficiência.
Nesse fazer, nessas buscas, encontramos e realizamos
parcerias com Instituições e pares que nos ajudam a reali-
zar uma formação, cada vez mais pautada no Modelo Social.
Nessa perspectiva, a escola não fica isolada e fechada em si
mesma, tentando encontrar saída para resolver os comple-
xos problemas do trabalho pedagógico, e assumindo para si,
toda a responsabilidade pelos processos formativos do seu
coletivo, bem como dos resultados de suas práticas.
Diante disso, para além de entender as diversas
expressões da experiência da deficiência, as propostas de
formação continuada começaram a objetivar, tencionar,
provocar, questionar e desconstruir a ideia de modelo
único de ensino e de aprendizagem. Mesmo que pontu-
almente, ainda é necessário um trabalho específico sobre
o conhecimento das especificidades, diante os diagnósti-
cos das deficiências e trazer o modelo biopsicossocial se fez
muito necessário, embora desafiador.
87
Há alguns anos, face ao desafio de uma formação docente
que pudesse contribuir com a construção de práticas inclusi-
vas, buscamos ampliar as discussões no campo da inclusão
das pessoas com deficiência. Em 2019, com mediação da
Professora Rosângela Machado, foi proposto para o grupo de
professores de Educação Especial que atuam nas Salas Mul-
timeios, uma formação que dialogasse com os estudos com
base nos modelos de deficiência e as implicações nas práticas
individuais e coletivas da Rede de Ensino. Contudo, é preciso
ir além das deficiências, das categorizações e identidades fixas
dos sujeitos. Rosangela Machado como formadora da rede
municipal, também nos deixa registrado em 2015:
Celebrar as diferenças não é um princípio exclusivo
da Educação Especial. O ensino comum deve celebrar
as diferenças, entendendo que ela não é restrita a um
determinado grupo de pessoas. O ponto de partida dos
estudantes é a igualdade na capacidade de aprender e
o ponto de chegada é às diferenças no aprendizado.
Esses são os fundamentos e princípios inclusivos que
devem orientar a formação de professores do ensino
regular. Não é fácil rever velhas concepções e ques-
tionar os anos de práticas já consagradas pelo uso. A
nova perspectiva, fundamentada em um novo modo
de pensar, tira as pessoas de lugares seguros já con-
quistados (Machado, 2013, p. 99).

Na necessidade de ampliar esse olhar, e de uma


proposta de formação que buscasse a possibilidade de
repensar o processo de ensinar e aprender, de desconstruir
e reconstruir saberes e fazeres sobre as ações pedagógicas,
encontramos em 2020, junto ao Laboratório de Educação
Inclusiva (LEdI) do Centro de Educação a Distância da Uni-
versidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), uma potente
parceria. A aproximação da gestão da Educação Especial
com o Laboratório favoreceu uma ação conjunta para for-
mação de professores da rede municipal.
88
O LEdI nasceu e teve sua estruturação objetivando
fomentar e articular as políticas e ações inclusivas na Univer-
sidade, e para além dela.
Por reconhecer a importância deste espaço articulador
e promotor das ações na área da inclusão, a direção
do Cead encampou a proposta de torná-lo um Órgão
Setorial com o objetivo de garantir sua autonomia no
gerenciamento de seus projetos e ações, processo que
percorre os trâmites internos desse centro. O LEdI pro-
move, na sua essência, ações motivadoras da inclusão,
aproximando a temática da comunidade por meio de
projetos no âmbito do ensino, da pesquisa e da exten-
são, tornando-se um espaço de diálogo acerca da
Inclusão, instituindo parcerias com outros Centros da
Udesc, e como parceiros busca a superação das neces-
sidades observadas no atendimento aos discentes com
necessidades especiais (DA SILVA; BECHE, 2020, p. 8-9).

A proposta de formação nasce nesta parceria, com ações


coordenadas e mediadas pela Gerência de Educação Espe-
cial e o LEdI/Udesc e se subdivide em duas ações. Dentre as
atividades ofertadas pelo LEdI, duas tiveram impacto direto
na Rede de Ensino de Florianópolis: uma ofertada aos pro-
fessores de Educação Especial, que realizam o AEE e atuam
nas Sala Multimeios, por meio do grupo de estudo sobre
os Estudos da Deficiência, realizado via plataforma Moodle,
com encontros síncronos e assíncronos. A segunda ação é
uma parceria com o Projeto de Extensão “O LEdI vai à Escola”,
pelo qual foi organizado um ciclo de palestras com o tema
“Estudos da Deficiência”, destinado prioritariamente aos Pro-
fessores Auxiliares de Educação Especial da RME, com convite
estendido e ampliado aos demais professores e gestores das
redes de ensino, bem como para a comunidade em geral.
Destacamos o “Ciclo de Palestras sobre o Modelo Social
da Deficiência”, que teve início em 2020, em parceria com
o LEdI/Udesc que se configura a partir do compromisso da
89
Gerência de Educação Especial e da RME, legitimando uma
perspectiva de educação inclusiva, em qualificar a atua-
ção dos profissionais da educação, com vistas a romper
paradigmas sobre a deficiência e avançar na proposta de
educação inclusiva.

3. AS BASES CONCEITUAIS QUE PROVOCAM


MUDANÇAS DE PRÁTICAS
A conceitualização da deficiência, a partir do Modelo
Social, permite avançar em ações afirmativas sobre a mudança
na forma de pensar e realizar a inclusão educacional. Para
tanto, por meio de temas que perpassam pela história e
concepções de deficiência, por questões relacionadas a
interseccionalidades de gênero, classe, raça e deficiência
na escola, adentrando o diálogo sobre a Teoria Político
Feminista do Cuidado. As relações de interdependência e
acessibilidade em toda sua amplitude, objetivam:

• conhecer os modelos de deficiência que definem a


deficiência, e compreender quais delas estão alinha-
das à perspectiva inclusiva;
• refletir sobre quais os modelos de deficiência que
tem permeado a prática educacional, tanto individual
quanto coletiva;
• reconhecer no cotidiano escolar, as práticas educati-
vas, adotadas pelos professores;
• refletir sobre a Ética do Cuidado e como esta reflete na
prática educacional; e
• identificar e romper com práticas capacitistas.

A partir disso, delineando e visando a compreensão da


pessoa com deficiência na sua totalidade, como um sujeito
com diferentes características que não se limitam à questão
biológica. Nos últimos anos percebemos a necessidade de
aprofundar os estudos sobre os modelos de concepções de
90
deficiência, iniciando os estudos sobre os modelos caritativo
e médico.
O modelo caritativo, como o próprio nome se refere, nos
direciona a caridade, ou seja, a pessoa com deficiência é vista
como padecedora, necessitando de piedade. Há de se refletir
sobre a caridade tomando espaço de políticas públicas que
garantam direitos para a plena participação da pessoa com
deficiência na sociedade.
Sobre o Modelo Médico, Augustin (2012, p. 2) afirma que:
Esse modelo percebe a pessoa portadora de uma
patologia. Ou seja, primeiramente está a deficiência
da pessoa, e ela é relegada a um papel passivo de
paciente. É um modelo de deficiência que busca um
‘padrão de normalidade’, de funcionamento físico,
intelectual e sensorial (AUGUSTIN, 2012, p. 2).

Precisamos pensar que esse modelo ainda prevalece, em


alguma medida, em todos os setores da sociedade, conside-
rando a pessoa com deficiência apenas pela lesão, excluindo
todos os fatores que permeiam o indivíduo inserido em um
meio social, com identidade própria.
Pensando na necessidade de considerar o sujeito em
todas as suas multiplicidades, o Modelo Social da deficiência
vislumbra maior autonomia e participação na sociedade. O
Modelo Social da deficiência coloca a necessidade de consi-
derarmos os atravessamentos para entender e compreender
os sujeitos que são permeados por diferentes marcadores
(gênero, cultura, classe etc.). Isso nos leva a buscar práticas
não capacitistas, ou seja, práticas pedagógicas que consi-
derem as diferenças, e respeitem a diversidade. Para Diniz
(2003, p. 3): “Entre o Modelo Social e o Modelo Médico há
uma mudança na lógica da causalidade da deficiência: para
o Modelo Social, a causa da deficiência está na estrutura
social, para o Modelo Médico, no indivíduo”.
Trazemos à luz a reflexão e o papel da formação continu-
ada na constituição dos professores e quais os reflexos nos
91
contextos educacionais e, por consequência, na sociedade.
Buscando um modelo teórico que embase nossa prática
pedagógica, tencionando e levando a compreensão que o
reconhecimento do estudante vem antes da deficiência, e
que o processo é maior que o resultado.
No percurso até aqui, procuramos direcionar e promover
uma formação continuada que incentive o compartilhamento
de práticas e saberes, sob a égide da Educação Inclusiva que
perpassa por todos os contextos, em que possamos discutir
o ensino, a aprendizagem, a avaliação para todos, sob a pers-
pectiva da diferença e da diversidade.
Mudanças no pensar e fazer a formação geram, por sua
vez, novas mudanças de práticas pedagógicas e, com isso,
novas questões para investigação, planejamento e uma
sequência do trabalho começam a se delinear, como: qual
o impacto dessas perspectivas na mudança do processo de
formação continuada? De que modelo educacional estamos
falando? Defendendo? Em que medida, os modelos e padrões
sociais interferem na educação e de que forma podemos
atuar para modificá-los? Qual o limite e as possibilidades
da formação continuada em nível de gestão? Como pode-
mos nos relacionar e trabalhar com mais eficiência e integrar
uma formação fluida e consistente com os todas as áreas de
ensino da RME?
Posto esses desafios, reconhecemos o muito que já cami-
nhamos e também o quanto ainda há para caminhar, a fim de
avançarmos na perspectiva de uma Rede de Ensino tecida de
objetivos e ações coerentes e que impulse de fato, a consoli-
dação da escola/educação inclusiva que estamos construindo.
O processo de formação, no decorrer dos últimos
anos, nos trouxe mais questões reflexivas sobre nós e
nossa atuação no contexto educativo, ao contrário de
soluções e metodologias definidas e estáticas. Sabemos
que desconstruir o padrão da normalidade vigente, a con-
cepção de incapacidade de determinados corpos ainda é
processual e formativa. Assim, entendemos uma formação
92
continuada, pautada na perspectiva da Educação Inclusiva
e do Modelo Social da Deficiência como promotora da arti-
culação entre base teórica e avanço e transformação das
práticas pedagógicas.
A proposta e o caminhar de gestão da Educação Especial na
Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, interligada pelo pro-
cesso de formação continuada em parceria com o LEdI/Udesc
nos últimos tempos, traz à tona a importância de dialogar e
debater com os sujeitos com deficiência e trazer a contribui-
ção de diversas representatividades, inclusive epistemológicas,
indo além do discurso fundamentado e buscando, na prática de
formação continuada, referenciais para as demais relações que
construímos no campo da escola e da sociedade.

REFERÊNCIAS
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em: http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php/anpedsul/9anped-
sul/paper/viewFile/1427/65. Acesso em: 25 maio 2021.
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de Professores para o Atendimento Educacional Especializado – Aspectos
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DINIZ, D. Modelo social da deficiência: a crítica feminista. Série Anis, Bra-
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93
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cação Fundamental. Proposta Curricular. Florianópolis: PMF/SME/DEF, 2008.
FLORIANÓPOLIS. Secretaria Municipal de Educação. Departamento de Edu-
cação Fundamental. Proposta Curricular Florianópolis. PMF/SME/DEF, 2016.
FLORIANÓPOLIS. Secretaria Municipal de Educação. Diretrizes Curricula-
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Florianópolis: PMF/SME, 2015.
FLORIANÓPOLIS. Secretaria Municipal de Educação .Portaria SME nº
06/2016. Normatiza a Jornada de Trabalho dos Servidores do magistério
Público Municipal de Florianópolis, define Diretrizes para Organização
das Atividades Pedagógicas inerentes ao Exercício do cargo e função
(Hora Atividade) nas Unidades Educativas da Rede Municipal de Ensino
de Florianópolis, durante o ano de letivo de 2016, e estabelece outras
providências. Florianópolis, 2016.
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MACHADO, Rosângela. O Atendimento Educacional Especializado (AEE) e
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NÓVOA, A. O passado e o presente dos professores. In: NÓVOA, A. (org.).
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TORRES, R. M. Que (e como) é necessário aprender?: necessidades básicas de
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94
95
PARTE 2
CAPACITISMO
NA EDUCAÇÃO
E NO TRABALHO

96
CAPÍTULO 4

SEXISMO, CAPACITISMO E RACISMO:


PERSPECTIVAS INTERSECCIONAIS
Adenize Queiroz de Farias
Andreza Vidal Bezerra
Lívia Laenny Vieira Pereira de Medeiros
Mayanne Júlia Tomaz Freitas

1. INTRODUÇÃO

No decorrer da história, inúmeras e significativas são


as experiências de exclusão e discriminação vivenciadas
por pessoas com deficiência. É como se, por si só, essa
condição fosse determinante ao insucesso pessoal, acadê-
mico e profissional.
Desde o século passado, muito se tem escrito acerca
da desigualdade humana e, em particular, das desigualda-
des femininas e de seus drásticos efeitos no cotidiano das
mulheres (PERROT, 1995). Entretanto, ainda há um longo
caminho a ser percorrido no propósito de demonstrar que,
quando interseccionadas, tais dificuldades se potencializam
na vida de diversos grupos vulneráveis, como é o caso das
mulheres negras com deficiência.
Cientes de que tais discussões são negligenciadas, tanto
nos movimentos feministas, como nas comunidades de pes-
soas negras e com deficiência, neste texto argumentamos
que experiências de desigualdade cotidianamente vivencia-
das por pessoas com deficiência se potencializam, quando
somados a outros marcadores, a exemplo do sexismo e de
97
inúmeras formas de opressão como raça, pobreza, entre
outras. Nessa perspectiva, tais discussões serão iluminadas por
referenciais teóricos acerca do sexismo (CARVALHO; ANDRADE;
JUNQUEIRA; 2009), racismo (FERREIRA, 2004; KERGOAT, 2009)
alinhado ao conceito de capacitismo, recentemente empre-
gado no Brasil (ANDRADE, 2015; FARIAS, 2017; MELLO, 2014).
O objetivo desta investigação consiste em discutir o
conceito de capacitismo, identificando perspectivas inter-
seccionais entre diversos marcadores de desigualdade
humana, como deficiência, raça e sexo, no âmbito da pes-
quisa científica brasileira.
A realização do estudo se deu em importantes periódicos
brasileiros, nas áreas de sexismo, racismo e capacitismo, com
base no que foi publicado no período de 2016 a 2020, com a
finalidade de identificar o interesse destes estudiosos em pro-
duções interseccionais relacionadas às temáticas supracitadas.
Para iniciar o debate, trazemos apontamentos acerca do
racismo, sexismo e capacitismo, conceitos-chave na constru-
ção do presente estudo. A seguir, abordamos os efeitos destas
desigualdades no cotidiano das mulheres com deficiência,
multiplamente afetadas no caso daquelas que são pretas.
Posteriormente, discorremos sobre o caminho percorrido
para a realização da pesquisa, culminando com a análise dos
dados coletados e breves considerações das autoras.

2. COMPREENDENDO O SEXISMO:
O QUE É E COMO SE MANIFESTA?
O debate sobre o sexismo vem ganhando destaque nos
meios sociais, políticos e econômicos, e impulsionado pelo
feminismo, o qual se caracteriza como um movimento social
que denuncia as diversas práticas opressivas, experienciadas
no cotidiano da mulher. De acordo com Botton et al. (2019),
sexismo se aproxima do gênero, uma vez que também é
cultural e tende a se estabelecer desde a infância, formas
distintas no tratamento de meninas e meninos.
98
Tal perspectiva é explicada pelo referido autor ao nos
revelar a forma binária, a partir da qual, a sociedade cultural-
mente compreende os indivíduos, ou seja, desde a notícia da
chegada de um bebê, carregada de expectativas a respeito
de ser menino ou menina, já se estabelecem diversos este-
reótipos que definirão os lugares que cada um/uma ocupará
na sociedade. Além disso, esses estudiosos mostram uma
relação indissociável entre as atitudes sexistas que estão,
intrinsecamente, relacionadas a postulados patriarcalistas.
Nesse sentido, Carvalho, Andrade e Junqueira (2009, p.
36) compreendem o patriarcado como um “sistema social
baseado na autoridade masculina”. Nessa forma de organi-
zação estabelecida por tal modelo de sociedade, as mulheres
em alguns casos, são diretamente atingidas ao serem excluí-
das de posições as quais exerceriam poder sobre os homens,
sendo assim, elas devem permanecer subordinadas a eles.
De acordo com Lips (1993 apud FERREIRA, 2004), o
sexismo é considerado como uma, dentre as inúmeras pos-
sibilidades de expressão do preconceito, atuando por meio
de avaliações negativas e atos discriminatórios que atingem
diretamente meninas e mulheres. Lott e Maluso (1995 apud
FERREIRA, 2004) afirmam que o sexismo pode se revelar, a
partir de duas maneiras: a institucional, que se dá pelas bar-
reiras no acesso à esfera pública/laboral; e a interpessoal, que
se verifica por meio de ações e comportamentos negativos
manifestos pelos homens para com as mulheres nas relações
interpessoais (FERREIRA, 2004).
Além disso, a cultura sexista acaba materializando a divi-
são sexual do trabalho, ou seja, a partir da hierarquização do
sexo masculino se estabelecem papéis sociais distintos para
homens e mulheres, estando as mesmas concentradas na
esfera reprodutiva, cabendo aos homens, funções de desta-
que na esfera produtiva.
Nessa ótica, um dos princípios que regulam essa forma
de divisão social do trabalho, diz respeito a separação que
determina postos de trabalhos específicos para mulheres e
99
homens, os quais, detém a hierarquia, seja do ponto de vista
do prestígio sociocultural, seja no tocante à remuneração
resultante de seus trabalhos (KERGOAT, 2009).
Diante de tais apontamentos, é perceptível que o
sexismo vai se desenhando na sociedade e influenciando sua
organização, atingindo particularmente meninas e mulheres,
que, desde a infância até a vida adulta, tem, por vezes, suas
vidas condicionadas à vontade de seus pais, namorados,
maridos, chefes, entre outros, opressão essa que se intensi-
fica para aquelas que experimentam outros marcadores de
desigualdade, a exemplo da raça, discussão que abordare-
mos a seguir.

3. O QUE É RACISMO? ALGUMAS ANOTAÇÕES


DE ESTUDIOSOS DA ÁREA NO BRASIL

As reflexões sobre o racismo nos remetem, diretamente,


a uma aproximação teórico-conceitual com o sexismo, temá-
tica abordada na seção anterior.
Segundo Kener e Tavolari (2012), enquanto o racismo
se manifesta por meio de ações de supremacia de uma raça
sobre a outra, o sexismo se revela a partir da sobreposição de
um sexo sobre o outro, nesse caso do homem sobre a mulher.
Nesse contexto, Almeida (2018) define o racismo como:
[...] uma forma sistemática de discriminação que
tem a raça como fundamento, e que se manifesta
por meio de práticas conscientes ou inconscien-
tes que culminam em desvantagens ou privilégios,
a depender ao grupo racial ao qual pertençam
(ALMEIDA, 2018, p. 25).

No tocante às discussões raciais, cabe ressaltar, ainda,


a supervalorização de elementos biológicos em detrimento
dos papéis culturais desempenhados por esses sujeitos que,
no geral, são historicamente condicionados a experiências
de subordinação econômica e social. Nas palavras de Lima
100
e Vala (2004, p. 402), o racismo se construiu “num processo
de hierarquização, exclusão e discriminação contra um indi-
víduo ou toda uma categoria social”, sendo determinada a
partir de alguma marca física externa e “re-significada em
termos de uma marca cultural interna” que tendem a definir
modelos de comportamento.
O racismo, portanto, pode ser compreendido como um
processo de minimização do cultural em detrimento do bio-
lógico, que, por sua vez, exerce forte influência na vida desses
sujeitos e na forma, a partir das quais, os mesmos convivem
na escola, no mercado de trabalho e na sociedade em geral
(LIMA; VALA, 2004).
Essa forma de opressão pode se manifestar nos níveis
individual, institucional e cultural (JONES, 1972 apud LIMA;
VALA, 2004), o que de acordo com os autores, pode se dar,
tanto em razão de experiências particularizadas de discrimi-
nação, como também, devido a contextos de exclusão social,
drasticamente vivenciados por esse coletivo.
Os mesmos autores evidenciam que, em diversos países,
surgem, a partir da década de 1970, novas manifestações do
racismo, a exemplo do racismo moderno, simbólico, aversivo
e ambivalente. Em nosso país, merecem destaque os deba-
tes relacionados a um denominado racismo cordial, o qual é
compreendido como:
[...] uma forma de discriminação contra os cidadãos
não brancos (negros e mulatos), que se caracteriza
por uma polidez superficial que reveste atitudes e
comportamentos discriminatórios, que se expressam
ao nível das relações interpessoais através de pia-
das, ditos populares e brincadeiras de cunho ‘racial’
(LIMA; VALA, 2004, p. 407).

Ainda que de forma velada, percebe-se que esse novo


desdobramento do racismo, ancorado em concepções
Eurocêntricas, atinge diretamente pessoas que fogem ao
“padrão branco”. Portanto, é importante assinalar que, em
101
uma sociedade racista, esse marcador identitário, também
imprime uma relação de poder que determina a estrutura,
assim como, a forma de organização sociocultural vigente, o
que, indubitavelmente, afeta, em particular, a mulher preta.
Ressaltamos, finalmente, que ao pensar as relações de
poder, torna-se necessário olhar para as múltiplas formas
de opressão que, para muitos grupos vulneráveis, como é
o caso da mulher preta com deficiência, resultam em expe-
riências de subordinação e inferiorização, a exemplo do
capacitismo e da corponormatividade, conceitos discutidos
na próxima seção.

4. CAPACITISMO E CORPONORMATIVIDADE
NO BRASIL: BREVES ANOTAÇÕES
A corponormatividade, termo escassamente empregado
nas pesquisas científicas desenvolvidas em nosso país, foi ide-
alizada com o intuito de explorar e, para além disso, denunciar
uma estrutura social enraizada em sucessivas experiências de
discriminação para com as pessoas que fogem dos padrões
corporais hegemônicos culturalmente estabelecidos, tendo
em vista o modelo de sociedade totalmente centrado na ideia
de incapacidade da pessoa com deficiência.
Segundo Mello e Nuernberg (2012, p. 636), podemos
compreender a corponormatividade
[...] como um processo que não se encerra no corpo,
mas na produção social e cultural que define determi-
nadas variações corporais como inferiores, incompletas
ou passíveis de reparação/reabilitação quando situadas
em relação à corponormatividade, isto é, aos padrões
hegemônicos funcionais/corporais.

Nessa perspectiva, observamos que, ancorada em tal con-


cepção, a conjuntura sociocultural, por vezes, desconsidera as
funcionalidades corporais das pessoas com deficiência, resu-
mindo-a à lesão. Além disso, “às pessoas com deficiência têm
102
desde sempre, convivido com a confusão entre o que real-
mente são, pessoas humanas, e o que se pensa que elas são:
deficientes” (SOUZA, 2008, p. 23), ou seja, temos a anulação
da pessoa humana e de seus aspectos identitários em razão
da deficiência.
Não se trata de mera retórica, posto que, no decorrer de
nossa atuação enquanto ativistas e profissionais da área, já
nos deparamos com uma série de situações, das mais varia-
das possíveis e imagináveis, nas quais se provê o sustento
familiar com uma renda que se destina à qualidade de vida
da pessoa com deficiência, que, por sua vez, é abruptamente
privada de se relacionar afetivamente ou de uma convivên-
cia social mais ampla.
A partir daí, emerge a infantilização de pessoas com
deficiência que, consequentemente, chegam à vida adulta
impossibilitadas de se expressarem ou de exercerem o direito
de ir e vir. Mais grave ainda, é o discurso culturalmente legi-
timado e disseminado nos ambientes escolares, nos espaços
laborais e na sociedade em geral, de acordo com o qual, seria
a deficiência a causa de tal impedimento.
Essa compreensão equivocada, somada à falta de
conhecimento acerca das potencialidades das pessoas com
deficiência, resulta, em muitos casos, em sentimentos de
estranhamento/admiração, quando as vemos desempenhar
com êxito ações cotidianas, das mais simples, a exemplo de
operar um celular ou computador, às mais complexas como:
namorar; estudar; trabalhar, entre outras.
Compreendemos, ainda, que o fato de qualquer indiví-
duo demonstrar surpresa diante de certos comportamentos
adotados por pessoas, em razão de habitarem um corpo em
condição de deficiência, se configura como um olhar capaci-
tista, pois pressupõe-se que tais pessoas não seriam capazes
de realizar as atividades por elas almejadas.
Sendo assim, podemos definir capacitismo como toda e
qualquer atitude preconceituosa para com uma pessoa com
deficiência. Porém, mais do que tão somente compreender
103
essa estrutura opressiva, faz-se necessário atuar como agen-
tes no combate a tais atitudes.
Compreender a opressão capacitista implica, por-
tanto, assumir um compromisso político perante as
pessoas com deficiência, de modo a permitir que a
sociedade reconheça que, mais que um corpo fisica-
mente impedido, é na mentalidade e no imaginário
social, disseminados por meio de uma série de arte-
fatos culturais discriminatórios, que se encontra a
raiz dessas manifestações tão perversas de exclusão
(FARIAS, 2017, p. 19).

Acreditamos que trabalhar com vistas a uma maior visi-


bilidade à causa da pessoa com deficiência, inserindo sua
pauta nas agendas de outros movimentos sociais, como tem
ocorrido nas lutas antissexistas e antirracistas, pode consti-
tuir um caminho viável no combate a tais práticas opressivas.
O impactante alcance da mídia e das diversas redes
sociais, significativamente alargado em consequência da pan-
demia da Covid-19, nos parece uma ferramenta eficaz neste
processo. Observe-se, a esse respeito que, diferentemente do
que se identifica no universo da pesquisa científica em nosso
país, há um crescente número de campanhas na web, obje-
tivando, não apenas disseminar o conceito de capacitismo,
mas sobretudo, explicitar as distintas formas de manifesta-
ção deste no cotidiano da pessoa com deficiência.

É importante ressaltar ainda que, na sociedade con-


temporânea, um número cada vez mais significativo
de pessoas com deficiência tem resistido a história
acumulada de opressão e incapacidade por defici-
ência. Elas enfrentam barreiras físicas e atitudinais e
estereótipos sobre sua capacidade de intimidade e
se configuram de maneira que desafiam séculos de
opressão, recusando-se a internalizar o capacitismo,
exigindo reconhecimento por quem são e o que

104
querem ser. A evidência sugere que muitas pessoas
estão preparadas para desafiar o capacitismo, ado-
tando a deficiência como uma identidade positiva
(LOJA et al., 2017, p. 198).

Diante do exposto, reconhecemos a urgência em inten-


sificar esse debate, ampliando o diálogo com outras áreas de
investigação científica, em particular a educação. Somente
assim será possível contribuir para a constituição de iden-
tidades que, ao invés de negar a condição da deficiência,
reconheçam suas potencialidades e possibilidades de uma
participação proativa nos mais diversos espaços sociais.

5. DISCUTINDO OPRESSÕES:
COMPREENDENDO VULNERABILIDADES
A opressão econômica constitui, notadamente, um dos
elementos mais visíveis que caracterizam a desigualdade
humana. Entretanto, há um conjunto de práticas opressivas,
explícitas ou veladas, bem presentes no cotidiano de certos
grupos que, quando intercruzadas, maximizam esta condição.
Nesta seção, apresentamos as contribuições advindas
do conceito de capacitismo e sexismo, compreendendo
como tais experiências marcam as trajetórias de mulheres
com deficiência, em particular daquelas cuja condição racial
reforça este contexto de exclusão e discriminação.
Inscrita numa cultura falocrática, impregna o ima-
ginário social e o prepara a um vasto conjunto
de representações socialmente partilhadas, de
opiniões e de tendência a práticas que despre-
zam, desqualificam, desautorizam e violentam as
mulheres, tomadas como seres de menor prestí-
gio social (VON SMIGAY, 2002, p. 34).

Intercruzadas, as opressões decorrentes do sexismo


e do capacitismo, produzem experiências ainda mais cor-
rosivas na vida da mulher com deficiência (FARIAS, 2011).
105
Segregadas, silenciadas e invisibilizadas, um número signi-
ficativo destas mulheres tem suas decisões condicionadas
à vontade de seus parceiros, cuidadores, professores, entre
outros, os quais exercem total controle sobre seu corpo e
sobre seu estado de ser e viver no mundo.
Para além das inúmeras restrições experienciadas em
decorrência de questões de gênero, observa-se que mulheres
com deficiência são, potencialmente, afetadas por uma série
de outros marcadores que ampliam o contexto de vulnerabi-
lidade e negação de direitos, a exemplo da pobreza, da região
geográfica e da raça, sobre a qual dedicamos particular aten-
ção no presente estudo.
A esse respeito, acreditamos que, em uma sociedade
regulada por paradigmas hétero e corponormativos, a qual
supervaloriza certos padrões de estética culturalmente dis-
seminados, a cor da pele torna-se um aspecto relevante que,
para ambos os grupos, ratifica sua condição desigual.
Nessa perspectiva, observa-se que:
O feminismo ainda luta por articular a teoria e a
prática, de forma a conseguir abordar adequada-
mente as diferenças culturais e corporais entre as
mulheres. No seu esforço para realçar o gênero,
o feminismo, algumas vezes, obscurece outras
identidades e categorias de análise cultural, como
raça, etnia, sexualidade, classe e capacidade física
(THOMSON, 2019, p. 51).

É certo que as últimas décadas do século XX constituíram


um divisor de águas para uma série de grupos, econômica,
cultural e socialmente oprimidos, que não apenas reconhe-
cem essa condição de assujeitamento, mas passam a criar
estratégias de combate e resistência diante de tais práticas.
A partir desse prisma e, ainda, impulsionados pela busca
de igualdade e garantia de direitos, é que emergem o movi-
mento feminista, o movimento negro e, posteriormente, o
movimento social das pessoas com deficiência.
106
É importante destacar, no entanto, que, se por um lado,
se observa uma forte incidência política desses movimentos,
modificando decisivamente a participação feminina nas mais
diversas esferas públicas, há, por outro lado, inclusive do
ponto de vista da pesquisa científica, o perigo recorrente de
preservar uma visão fragmentada desses indivíduos.
Em outras palavras, observa-se que, de modo geral, os
movimentos de mulheres tendem a desconsiderar as espe-
cificidades daquelas com algum tipo de deficiência, cujos
movimentos são igualmente omissos em relação às pautas
feministas, debate que, no caso da mulher negra com defici-
ência, é potencialmente negligenciado.
Embora historicamente silenciadas do ponto de vista da
luta, é possível identificar ao menos um elemento comum,
que nos permite compreender a raiz das opressões sexistas,
capacitistas e raciais. Referimo-nos ao corpo, estrutura fisioló-
gica que, ancorada por concepções hétero e corponormativas,
constrói atributos de fragilidade, incapacidade e menos valia,
os quais maximizam as desvantagens/vulnerabilidade para
pessoas e grupos nessa condição.
Neste ínterim, tal como se reconheceu nos estudos de
gênero e raça, “A premissa fundamental dos Estudos da Defi-
ciência é a de que a deficiência é uma narrativa culturalmente
fabricada do corpo, um sistema que produz sujeitos através da
diferenciação e marcação de corpos” (THOMSON, 2019, p. 47).
Partindo da premissa de que os corpos bioculturalmente
desviantes são identificados como indivíduos potencial-
mente desiguais, a segunda geração de estudiosas do Modelo
Social da deficiência, insere tais discussões em sua agenda,
ampliando os horizontes de pesquisa na área (DINIZ, 2017).
Agora, é possível visualizar múltiplas faces de opressão, posto
que diversos marcadores identitários, a exemplo do gênero,
raça, entre outros, são tomados como categoria investiga-
tiva, aspecto que pauta a construção do presente estudo,
como trabalharemos a seguir.

107
6. PERCURSO METODOLÓGICO

No Brasil, já é possível observar uma vasta produção


relacionada às questões de gênero, deficiência e raça, con-
ceitos que a partir da década de 1970, ressignificam o modo
de vida desses sujeitos, assim como seu papel na sociedade.
Entretanto, como discutimos anteriormente, faz-se neces-
sário alguns esforços no sentido de pensar tais temáticas em
uma perspectiva interseccional, contribuição proposta pelo
presente estudo.
Para tanto, entendemos como viável a realização de uma
pesquisa bibliográfica em importantes periódicos relaciona-
dos as três áreas de estudo em questão, no período de 2016
a 2020, buscando conhecer se havia, por parte dessas áreas,
interesse em interseccionar tais discussões.
[...] a pesquisa bibliográfica busca a resolução de um
problema (hipótese) por meio de referenciais teó-
ricos publicados, analisando e discutindo as várias
contribuições científicas. Esse tipo de pesquisa trará
subsídios para o conhecimento sobre o que foi pes-
quisado, como e sob que enfoque e/ou perspectivas
foi tratado o assunto apresentado na literatura cien-
tífica (BOCCATO, 2006, p. 266).

A fim de sistematizar nossa busca, elegemos como des-


critores: deficiência; mulher; negra; capacitismo; sexismo; e
racismo. Na área da deficiência, visitamos a Revista Brasileira
de Educação Especial e a Revista Educação Especial. Já no
tocante ao sexismo as revistas consultadas foram Revista
Estudos Feministas e Cadernos Pagu. Quanto aos estudos de
raça realizamos a consulta na Revista ABPN e Revista Diversi-
dade e Educação.
Os periódicos supracitados foram escolhidos em razão de
sua relevância e impacto na pesquisa científica em nosso país.
Com a realização deste estudo, esperamos contribuir, no
sentido de fomentar a expansão de debates interseccionais,
108
estimulando, não apenas os estudiosos da deficiência, mas
também, os que pesquisam sobre o sexismo e o racismo, a
ampliar seu olhar acerca de tais questões.

7. PERSPECTIVAS INTERSECCIONAIS DA
DEFICIÊNCIA: A PRODUÇÃO ACADÊMICO-
-CIENTÍFICA NO BRASIL

Nesta seção, apresentamos os achados acerca das pro-


duções brasileiras, a partir de uma perspectiva interseccional
envolvendo aspectos relacionados à raça, gênero e deficiência.
Com base nas buscas identificou-se uma lacuna neste
processo investigativo, posto que nos deparamos com a
impossibilidade de interseccionar os três eixos temáticos
propostos para essa investigação.
Na área da deficiência, o primeiro desafio sinalizado diz
respeito à inexistência de um periódico acerca dos estudos
da deficiência, o que nos levou a realizar a busca em revis-
tas cujo foco é a educação especial. No período demarcado,
identificaram-se apenas duas produções, ambas de caráter
bibliográfico, que apresentaram os descritores: mulher e defi-
ciência, sendo a primeira dedicada a acessibilidade destas no
ensino superior e a segunda relacionada à corporeidade das
mulheres com deficiência intelectual.
Os resultados dessa busca, indicam para a necessidade
de repensar práticas e modelos educacionais que, a nosso ver,
devem transcender aos elementos didático-pedagógicos,
tão bem explicitados nos periódicos investigados, contem-
plando também dimensões mais amplas que perpassam
a condição da deficiência, inclusive as múltiplas faces de
opressão experienciada nos espaços educacionais, a exem-
plo do sexismo e racismo.

[...] o termo ‘intersecções’ serve como símbolo


para todas as formas possíveis de combinações

109
e de entrelaçamentos de diversas formas de
poder expressas por categorias de diferença e de
diversidade, sobretudo as de ‘raça’, etnia, gênero,
sexualidade, classe/camada social, bem como,
eventualmente, as de religião, idade e deficiên-
cias (KERNER; TAVOLARI, 2012, p. 55).

Ao nosso ver, essa constatação emerge como uma luz


aos ativistas que atuam nos movimentos em defesa dos
grupos culturalmente oprimidos, no caso deste estudo, as
mulheres pretas com deficiência, auxiliando na identificação
e no enfrentamento das diversas formas de poder que ratifi-
cam sua opressão.
Ao buscar os periódicos relacionados aos estudos
feministas (Revista Estudos Feministas e Cadernos Pagu)
constatamos maior incidência de pesquisas que articu-
lam os conceitos-chave do presente estudo. É o caso, por
exemplo, dos descritores “mulher e deficiência”, para os quais
foram encontradas quatro publicações, sendo uma relacio-
nada à educação, uma sobre as experiências de maternidade
e deficiência, e duas com foco nas aproximações teóricas
entre estudos da deficiência e teorias feministas. Ainda em
relação à deficiência, encontramos apenas um único texto
em que aparecem os descritores “deficiência e racismo”.
Quando reunimos os descritores “mulher e negra”,
observamos um substancial avanço no tocante a pesquisas
articuladas em torno dessas questões, sendo identificadas
13 investigações, abordando, desde perspectivas locais, nas
quais estão contempladas as vozes dessas mulheres, até
pesquisas de caráter internacional, observando-se estreitas
relações entre o feminismo negro no Brasil e em outros paí-
ses, sobretudo a África do Sul.
Articulados, os descritores “mulher e racismo” nos per-
mitiram visualizar sete produções, nas quais as temáticas em
questão são discutidas a partir dos mais variados espaços
socioculturais, a exemplo do cinema, da política, das redes
sociais, entre outros.
110
Questões em torno da violência doméstica, além de
perspectivas interseccionais e de descolonização das mulhe-
res negras, são alguns dos elementos presentes em quatro
resultados identificados, quando utilizamos os descritores
“racismo e sexismo”.
Ao analisar as produções supracitadas, percebemos que
os periódicos que abordam as questões de gênero, são pro-
fundamente engajados nas lutas feministas, razão pela qual
são privilegiadas, em uma perspectiva interdisciplinar, as
vozes e as subjetividades das mulheres em atuação nos mais
diversos espaços públicos.
Acreditamos que este é um passo importante rumo ao
fortalecimento de uma cultura antissexista e, por conse-
guinte, anticapacitista e antirracista, pois, como afirma Hooks
(2019, p. 66):
A futura luta feminista precisa ser solidamente alicer-
çada no reconhecimento da necessidade de erradicar
os fundamentos e as causas culturais do sexismo e de
outras formas de opressão social. Sem desafiar e modi-
ficar essas estruturas filosóficas, nenhuma reforma
feminista terá um impacto duradouro.

Fica evidenciado que, o enfrentamento exitoso ao


sexismo, somente será possível, a partir de um olhar mais
amplo acerca das múltiplas formas de opressão experiencia-
das no cotidiano da mulher.
Ao consultar os periódicos relacionados aos estu-
dos de raça, identificamos cinco publicações contendo
uma aparente articulação com a deficiência, destas, uma
reporta-se à educação sexual. Apesar de fazer referência a
conceitos acerca das desigualdades étnico-raciais e da defi-
ciência no contexto do ensino superior, não se observa, na
segunda publicação, uma perspectiva interseccional entre
estes conceitos. Embora a busca tenha se dado a partir dos
descritores “raça e deficiência”, as demais publicações tam-
bém não fazem uma menção explícita à questão, já que suas
111
discussões estão ligadas a temáticas mais gerais, referindo-
-se apenas à educação e diversidade.
Ao buscarmos pelos descritores “mulher e racismo”,
apenas um trabalho foi identificado. Entretanto, quando
os descritores consultados foram “mulher e negra” encon-
tramos cinco publicações, algumas das quais evidenciam
plenas possibilidades de intersecção com as desiguais no
mercado de trabalho, além de elementos relacionados a
religião e as lutas trans.
Os dados acima revelam que, embora as pautas femi-
nistas comecem a ser contempladas nos estudos de raça,
discussões articuladas envolvendo a condição da deficiência
são totalmente negligenciadas, indicando a urgente necessi-
dade de fortalecer a interseccionalidade que, nas palavras de
Akotirene e Lopes (2020, p. 19):
[...] visa dar instrumentalidade teórico-metodológica
à inseparabilidade do racismo, capacitismo e cishe-
ropatriarcado – produtores de avenidas identitárias
em que mulheres negras são repetidas vezes atendi-
das pelo cruzamento e sobreposição de gênero, raça
e classe, modernos aparatos coloniais.

Estamos cientes de que, mais que conteúdos a serem


trabalhados nos componentes curriculares relacionados a
educação especial, inclusão e diversidade, a produção aca-
dêmico-científica supra apresentada emerge de interesses
particulares de estudiosos e pesquisadores das respectivas
áreas de conhecimento.
Assim sendo, chamamos a atenção desses, a fim de
que possam investir em produções interdisciplinares, posto
que, quanto mais dialogadas/compartilhadas forem as
investigações, mais se obterão elementos acerca das diver-
sas realidades pesquisadas.

112
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao observarmos os achados da presente pesquisa, reite-


ramos nossa expectativa a respeito de que, mais do que tão
somente uma produção científica, este trabalho possa con-
tribuir, no sentido de ampliar debates interseccionais dentro
e fora da academia.
Apontamos, inicialmente, a urgente necessidade de forta-
lecer esse debate junto aos estudiosos da área da deficiência,
considerando que, conforme evidenciado em nossas buscas,
é crescente a imersão de ativistas dessa área no campo dos
estudos feministas, o que registramos com satisfação. Entre-
tanto, aos demais pesquisadores da área, recomendamos a
realização de pesquisas que possam ir além de aspectos rela-
cionados à educação e saúde, evitando com isso, o perigo de
uma compreensão reducionista acerca da deficiência.
Aos ativistas antissexistas e antirracistas, sugerimos
inserir o tema da deficiência que, como explicitado neste
estudo, ainda se trata de uma discussão incipiente, como
uma categoria analítica a mais, o que, certamente, implicará
em publicações mais enriquecedoras e, consequentemente,
mais fidedignas, acerca do contexto sociocultural em que
vivem as mulheres pretas com deficiência no Brasil.
O presente estudo, portanto, contribui inicialmente, no
sentido de provocar os estudiosos e estudiosas da área da
deficiência, a fim de que possam ressignificar esse conceito,
analisando-o a partir de uma série de outros marcadores
identitários que caracterizam as opressões e as desigualda-
des humanas, a exemplo do sexo e da raça.
Observamos, ainda, possibilidades viáveis de confluên-
cia e ao mesmo tempo fluidez desses conceitos que passam
a contemplar, não apenas a ideia de corpos fora da norma,
mas sobretudo, as múltiplas formas de opressão e discrimi-
nação experienciados por estes sujeitos.
Semelhante caminho deverá ser igualmente percor-
rido pelos movimentos feministas e antirracistas que, ao
113
se debruçar acerca das demandas específicas decorrentes
da condição da deficiência, obterão uma série de novos
elementos que lhes auxiliarão, tanto na elaboração de um
construto teórico solidificado, como na luta pela formulação
de políticas públicas mais acolhedoras e inclusivas.

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MELLO, A. G.; NUERNBERG, A. H. Gênero e deficiência: interseções e pers-
pectivas. Revista Estudos Feministas, v. 20, n. 3, p. 635-655, 2012.
PERROT, M. Escrever uma história das mulheres: relato de uma experiên-
cia. Cadernos Pagu, n. 4, p. 9-28, 1995.
SOUZA, O. S. H. Itinerários da inclusão escolar: múltiplos olhares, saberes
e práticas. Porto Alegre: ULBRA. 2008.
THOMSON, R. G. Reconfigurar, repensar, redefinir: estudos feministas da
deficiência. In: SANTOS, A. C. et al. Mulheres, sexualidade e deficiência: o
interdito da cidadania íntima. Coimbra: Almeida, 2019.
VON SMIGAY, K. E. Sexismo, homofobia e outras expressões correlatas de
violência: desafios para a psicologia política. Psicologia em revista, v. 8,
n. 11, p. 32-46, 2002.

115
CAPÍTULO 5

O ESTUDANTE COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
NA EDUCAÇÃO SUPERIOR18
Cristiane Lazzarotto-Volcão
Rose Clér Estivalete Beche

1. INTRODUÇÃO

Para iniciar este capítulo, gostaríamos de nos apresen-


tar, explicando qual é o nosso lugar de fala. Somos mulheres
sem deficiência, professoras universitárias na área de huma-
nas, somos mães de filhos e filha que experenciam situações
singulares por vivenciarem deficiências. Temos trajetórias
diversas no âmbito acadêmico, mas a presença do cuidado
em nossas relações cotidianas nos aproximou pela pesquisa
e hoje a deficiência é tema comum em nossas vidas pessoais
e profissionais.
Assumimos, neste texto, que pessoa com deficiência é
aquela que tem “impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação

18 Início da nota de rodapé: Trabalho apresentado pela primeira autora


ao Curso de Especialização em Educação Inclusiva, como requisito
parcial para obtenção do título de Especialista em Educação Inclu-
siva pela Universidade do Estado de Santa Catarina, no ano de 2020,
sob orientação da segunda autora. Fim da nota de rodapé.

116
com diversas barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com
as demais pessoas” (BRASIL, 2009).
Essa definição está prevista na Convenção sobre os Direi-
tos das Pessoas com Deficiência da ONU, assinada em 13 de
dezembro de 2006, ratificada pelo Brasil e internalizada ao
ordenamento jurídico nacional com status de Emenda Cons-
titucional por força do § 3º art. 5º da Carta Constitucional de
1988. Esse marco legal é o primeiro a vincular, normativa-
mente, o Modelo Social da Deficiência19, outro pressuposto
assumido neste trabalho, para o qual a deficiência decorre
dos arranjos sociais opressivos às pessoas que têm um corpo
com lesão (DINIZ, 2007).
Segundo o Modelo Social, a deficiência é considerada
parte da diversidade humana e não deve ser vista como uma
falta, tragédia ou algo que precise ser consertado, conforme
visão do Modelo Biomédico ainda muito persistente na atu-
alidade (DINIZ, 2007). De forma resumida, essa visão propõe
um fim ao reducionismo do fenômeno às lesões e aos impe-
dimentos do corpo e incorpora questões sociais e políticas
em sua análise (GESSER; NUERNBERG; TONELI, 2012).
A deficiência é uma condição experienciada por cerca
de um bilhão de pessoas em todo o mundo (ONU, 2006).
De acordo com o último censo realizado no Brasil, 23,9% da
população brasileira declara ter algum tipo de deficiência
(IBGE, 2010)20, portanto, entender a deficiência pelo olhar do
Modelo Social, permite que se promova justiça social para

19 Início da nota de rodapé: Para mais informações sobre o tema, vide


o Capítulo 1 desta obra. Fim da nota de rodapé.
20 Início da nota de rodapé: Note-se que no instrumento utilizado,
não está contemplada a condição de neurodiversidade, como
os casos de pessoas que apresentam Transtorno no Espectro do
Autismo. A nota pode ser acessada em: https://ftp.ibge.gov.br/Cen-
sos/Censo_Demografico_2010/metodologia/notas_tecnicas/nota_
tecnica_2018_01_censo2010.pdf. Fim da nota de rodapé.

117
com essa população invisibilizada e que se traga a questão
da deficiência para a esfera pública, tirando-a da esfera pri-
vada/familiar. Como parte de um recorte necessário, o tema
deste capítulo é a pessoa com deficiência intelectual (dora-
vante, DI) na educação superior, a partir do olhar de estudos
realizados em Programas de Pós-Graduação brasileiros com
essa temática.
A escolha do tema deste trabalho está ancorada na pos-
sibilidade de, dentre todas as experiências de deficiência, a
DI ser aquela que mais pode encontrar barreiras atitudinais
e de acessibilidade no ensino superior, pela crença que há
de que apenas estudantes “inteligentes” e que “aprendem”
como os demais, podem chegar a esse nível de ensino.
Acreditamos, pela nossa prática profissional, que há muitas
barreiras, mesmo para pessoas que não têm um diagnóstico
de DI, mas que chegam à universidade com uma história de
aprendizagem que se distancia daquela idealizada pelo ima-
ginário acadêmico.
Pretende-se, com este trabalho, responder à seguinte
pergunta de pesquisa: o que tem sido pesquisado acerca das
experiências de ingresso e permanência de estudantes com
DI na educação superior?
Para responder a essa pergunta, este estudo tem como
objetivo geral investigar teses e dissertações desenvolvidas
no Brasil, disponibilizadas pela Biblioteca Digital Brasileira de
Teses e Dissertações (BDTD), que tenham realizado estudos
com/sobre estudantes com DI na educação superior. Para
atingir esse objetivo geral, os objetivos específicos da pes-
quisa são: identificar o percurso metodológico dos trabalhos
selecionados; indicar os pressupostos teóricos adotados pelos
autores das pesquisas; e discutir os principais achados e con-
clusões dos estudos.
Na seção seguinte, discutiremos a relação entre estudan-
tes com deficiência intelectual e os processos de escolarização
historicamente instituídos para eles.

118
2. ESTUDANTES COM DEFICIÊNCIA
INTELECTUAL E ESCOLARIZAÇÃO

A nomenclatura “deficiência intelectual” é relativamente


nova e veio para substituir o termo “deficiência mental”, que
passou a estar relacionado a quadros que afetam a saúde
mental e psíquica das pessoas. Foi em 2007, que houve essa
mudança de caráter oficial, com a alteração do nome da Asso-
ciação Americana de Retardo Mental (AAMR) para Associação
Americana de Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento
(AAIDD). Em 2010, foi lançado novo manual pela AAIDD que, em
consonância com o Modelo Social da Deficiência, define defici-
ência intelectual da seguinte forma: “Deficiência intelectual é
uma deficiência caracterizada por limitações significativas no
funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo,
o que envolve várias tarefas práticas e sociais cotidianas.
Essa deficiência tem surgimento antes dos 18” (AAIDD, 2010,
p. 1, tradução nossa21).
Ainda, segundo o manual (AAIDD, 2010), o funciona-
mento intelectual refere-se à capacidade mental geral,
como aprendizado, raciocínio, resolução de problemas, entre
outros. Já o comportamento adaptativo é o acervo de habi-
lidades conceituais, sociais e práticas que são aprendidas e
realizadas pelas pessoas em seu cotidiano.
Algumas premissas estão na base da definição oficial da
AAIDD, segundo Carvalho (2016, p. 8):

a) as limitações no funcionamento individual devem


ser consideradas nos contextos comunitários típicos
da faixa etária e da cultura da pessoa;

21 Início da nota de rodapé: Intellectual disability is a disability char-


acterized by significant limitations in both intellectual functioning
and in adaptive behavior, which covers many everyday social and
practical skills. This disability originates before the age of 18. Final da
nota de rodapé.

119
b) a avaliação da deficiência intelectual deve conside-
rar a diversidade linguística e cultural, além dos fatores
comunicativos, sensoriais e motores da pessoa;
c) limitações coexistem com capacidades;
d) as limitações são identificadas objetivando a
oferta de apoios necessários;
e) os apoios têm efeito positivo no funcionamento
da pessoa com deficiência intelectual, conside-
rando sua aplicação nos aspectos, intensidade e
duração necessários.

Anteriormente à publicação supracitada, Carneiro


(2007), baseada nos estudos de Vygotsky, já defendia que
a deficiência intelectual não poderia mais ser considerada
como biológica, inata ou produto de uma lesão orgânica,
mas sim, como um produto social.
Não se trata de negar a existência da deficiência
mental22 como condição apresentada por sujeitos
com algum comprometimento, orgânico ou não, e,
sim, de compreender que esta condição não está
dada inicialmente, mas que vai se construindo na
medida em que não se possibilita condições de
desenvolvimento de acordo com suas peculiaridades
(CARNEIRO, 2007, p. 49).

Da mesma forma que houve mudanças na forma de


perceber e caracterizar as pessoas com DI, também houve
importantes avanços nos processos educacionais dessas
pessoas. Enquanto a DI era confundida com doenças men-
tais e o diagnóstico médico representava uma sentença de
incapacidade posta a priori, as pessoas com DI eram normal-
mente institucionalizadas e viviam totalmente apartadas da
família e de outros grupos sociais.

22 Início da nota de rodapé. A autora utilizava a nomenclatura vigente


à época. Fim da nota de rodapé.

120
A partir da década de 60, essas crianças, quando não
afastadas do convívio familiar e social, passaram a ser aten-
didas em classes ou em escolas especiais23, mas ainda sob
uma perspectiva de normalização. O intuito dessas classes e
escolas era preparar o estudante com DI para que pudesse
“acompanhar” o ensino em escolas regulares. O ensino não
era centrado no indivíduo, mas o fracasso e o déficit, sim. Ou
seja, não se buscava construir planos de estudos individu-
ais, de modo que cada estudante pudesse evoluir, a partir de
suas especificidades e potencialidades.
Já nos anos 90, passa-se a considerar a possibilidade de
uma real inclusão de pessoas com deficiência em classes
regulares, tendo como marco a Conferência Mundial de Edu-
cação para Todos em 1990, na Tailândia, e a Declaração de
Salamanca, em 1994, na Espanha. No Brasil, em 2008, é lan-
çada a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva
da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008), que busca assegurar o
acesso, a participação e a aprendizagem dos estudantes com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação nas escolas regulares, garantindo,
entre outras coisas:
• Transversalidade da educação especial desde a
educação infantil até a educação superior;
• Atendimento educacional especializado;
• Continuidade da escolarização nos níveis mais
elevados do ensino; [...] (BRASIL, 2008, p. 10).

Ainda que o atendimento educacional a estudantes


público-alvo da educação especial encontre muitos desa-
fios na prática, os tratados e os marcos legais foram capazes
de garantir acesso a essa camada da população ao ensino
regular, conforme mostra o censo escolar (INEP, 2010, 2020).

23 Início da nota de rodapé: Foi nessa época que surgiram as primeiras


Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais. Fim da nota de rodapé.

121
Em uma década, houve um aumento de cerca de 200% no
número de matrículas desses estudantes, indo de 639.718
em 2009 para 1.250.967 em 2019.
O censo escolar (INEP, 2010, 2020) também revela o
número de estudantes público-alvo da educação especial,
matriculados em classe regular e em classe exclusiva: em 2009
havia 387.031 matriculados em classes regulares e 252.687,
em classes exclusivas. Já em 2019, havia 1.090.805 estudantes
em classes comuns e 160.162, em classes exclusivas.
Essa geração de estudantes com deficiência, tendo a pos-
sibilidade de obter formação na educação básica (ainda que
não se discuta a qualidade dessa formação e dos critérios de
certificação), começa a chegar aos bancos das universidades,
institutos e centros universitários. Observa-se que, somente
em 2011, o censo do INEP registra como uma de suas cate-
gorias de análise, os estudantes com necessidades especiais
(termo utilizado pelo documento à época) matriculados em
cursos superiores (anteriormente a essa data eram totalmente
ignorados enquanto uma categoria com especificidades).
Naquele ano, o número era de 23.250, aumentando para
43.633 em 2018, o que significa um aumento de 87% no
número de matrículas.
Como consequência da crescente mudança de para-
digma da educação básica para uma escola inclusiva, e de
outros marcos legais24, mais um fator que parece contribuir
para o aumento do número de estudantes com deficiência
na educação superior é o Programa de Acessibilidade na
Educação Superior (Incluir) do Ministério da Educação. Esse

24 Início da nota de rodapé: Apenas para citar alguns: o Decreto n°


6.949/2009, que ratifica, como Emenda Constitucional, a Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (ONU, 2006), que
assegura o acesso a um sistema educacional inclusivo em todos os
níveis; o Decreto n° 7.611/2011, que dispõe sobre o atendimento edu-
cacional especializado, que prevê, no § 2° do art. 5º: VII -estruturação
de núcleos de acessibilidade nas instituições federais de educação
superior. Fim da nota de rodapé.

122
programa atua desde 2005 para garantir o acesso pleno da
pessoa com deficiência nas Instituições Federais de Ensino
Superior (Ifes). Inicialmente, o objetivo do programa era fomen-
tar a criação de núcleos de acessibilidade nas Ifes, os quais
seriam responsáveis pela organização de ações institucionais
que garantissem a inclusão de pessoas com deficiência no
ambiente acadêmico, eliminando barreiras pedagógicas, com-
portamentais, arquitetônicas e de comunicação (BRASIL, 2013).
De 2005 a 2011, foram lançados editais para que as Ifes plei-
teassem apoio financeiro e, a partir de 2012, essa ação entrou
na matriz orçamentária de todas as instituições, induzindo,
assim, o desenvolvimento de uma política de acessibilidade
ampla e articulada.
Embora a maior parte das matrículas de estudantes com
deficiência na educação superior ainda seja em instituições
privadas – em 2018, as matrículas nessas instituições repre-
sentavam cerca de 60% do total – o que se verifica após a
implementação da universalização do programa Incluir, é um
aumento no número de matrículas em instituições públicas,
especialmente nas Ifes, tanto em termos absolutos, quanto
em comparação com instituições estaduais e municipais
(INEP, 2019). Outro fator que certamente também contribuiu
para esse cenário foram as ações afirmativas adotadas pelas
instituições públicas, reservando cotas para o ingresso de
pessoas com deficiência nos seus processos seletivos.
Analisando o perfil dos estudantes com deficiência, matri-
culados em cursos superiores em 2011, vê-se que a maior
parte desses estudantes tinha deficiência física, baixa visão ou
deficiência auditiva. Apenas 2% das matrículas eram de estu-
dantes com DI, ao passo que em 2018, os estudantes com DI
passaram a representar 6% das matrículas (INEP, 2019).
Nesse ponto, é importante destacar que, na maior parte
das instituições, o estudante deve autodeclarar-se pessoa
com deficiência. Em se tratando de pessoas com DI, é possí-
vel pensar que haja estudantes que não têm esse diagnóstico
formalizado e/ou que, também, haja aqueles que preferem
123
não se autodeclarar, considerando os diferentes processos
excludentes vivenciados, possivelmente, ao longo de sua
trajetória acadêmica nos outros níveis de escolaridade. Isso
apontaria para os processos de discriminação, possivelmente
vividos como estudantes até então.
Feitas essas considerações, de modo a atingir os objetivos
deste estudo e responder à pergunta de pesquisa apresentados
na introdução, na próxima seção, detalha-se a metodologia uti-
lizada no presente estudo.

3. METODOLOGIA

Ao buscar responder à pergunta de pesquisa – o que


tem sido publicado acerca de estudantes com DI na edu-
cação superior – optou-se por analisar teses e dissertações,
uma vez que uma busca prévia por artigos publicados em
periódicos brasileiros no Portal Periódicos Capes e no Google
Acadêmico revelou um baixíssimo número de publicações
(um artigo mais especificamente). Esse dado já poderia ser
um indicativo da baixa presença de pessoas com DI em cur-
sos superiores ou a falta de interesse de pesquisadores pelo
tema, o que parece contribuir com a invisibilização da pessoa
com DI no meio acadêmico.
Sendo assim, optou-se por fazer uma busca na Biblio-
teca Digital Nacional de Teses e Dissertações (BDTD), que é
um projeto do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência
e Tecnologia (vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia
e Inovações). A biblioteca apresenta em um só portal de bus-
cas, todas as teses e dissertações defendidas em programas
de pós-graduação brasileiros. Seu acesso é livre e gratuito, o
que contribui para divulgar a produção científica brasileira,
além de dar visibilidade ao investimento público em cursos
de pós-graduação.
A busca foi realizada em fevereiro de 2020, em três
etapas diferentes. Na primeira etapa, utilizaram-se os descri-
tores “deficiência intelectual” AND “educação superior”. Na
124
segunda, optou-se pelos descritores “deficiência intelectual”
AND “ensino superior”. Na terceira etapa, os termos utiliza-
dos foram “necessidades educativas espec” AND “educação
superior”. Em todas as etapas, esses termos de busca pode-
riam estar em qualquer campo, a saber: título, assunto ou
resumo. Da mesma forma, foi considerado como tempo de
publicação em todas as etapas os últimos 15 anos – período
de existência da biblioteca digital.
Foram lidos os títulos e os resumos dos trabalhos selecio-
nados pela busca e, quando restava alguma dúvida, também
se recorria à leitura de outras partes dos trabalhos. Foram
excluídas as monografias que selecionaram a mesma opção
metodológica deste trabalho: revisão de teses e dissertações
ou revisão bibliográfica de artigos publicados sobre o tema.
Também foram excluídos os trabalhos que não tratavam
especificamente sobre estudantes com DI, mas sobre discen-
tes com deficiência de modo geral, sem se deter às diferentes
experiências de deficiência em nenhuma parte do texto.
Na primeira etapa foram localizadas pela busca do sis-
tema 92 teses/dissertações. Após a análise desses trabalhos,
seis foram selecionados por atenderem aos critérios desta
pesquisa. A maior parte dos trabalhos excluídos tinham como
tema estudantes com DI na educação básica, ou estudantes
com outras deficiências, que não a DI (na maioria auditiva ou
visual), na educação superior. Mesma tendência já observada
relativamente aos artigos publicados em periódicos brasileiros.
Na segunda etapa, em que o termo educação foi substi-
tuído por ensino nos descritores, foram eleitos pelo sistema
68 trabalhos, dos quais quatro foram selecionados de acordo
com os critérios de inclusão e exclusão desta pesquisa. Esses
quatro trabalhos já haviam sido selecionados na primeira
etapa de busca.
Na terceira e última etapa, foram selecionados pelo sis-
tema 550 trabalhos, porém, nenhum deles satisfez aos critérios
propostos. A maioria dos trabalhos dizia respeito a políticas
públicas para a pessoa com deficiência na educação básica.
125
Sendo assim, constituíram o corpus desta pesquisa seis traba-
lhos: três teses e três dissertações, as quais serão analisadas
na próxima seção.

4. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Nesta seção será analisado o corpus desta pesquisa, que


ficou constituído por seis trabalhos, conforme pode ser visto
no Quadro 1.
Quadro 1 – Identificação das teses e dissertações selecionadas
para o corpus da pesquisa (continua)
Autora Orienta- Título Programa/ Ano de
dor/a Instituição defesa
D1 Vera Prof.ª Quando as exceções Programa de 2011
Creusa de Dr.ª desafiam as regras: Pós-Graduação
Gusmão do Windyz vozes de pessoas em Educação
Nascimento Brazão com deficiência / Universidade
Ferreira sobre o processo Federal da
de inclusão no paraíba (UFPB)
ensino superior

D2 Maria Isabel Prof.ª A inclusão Programa de 2016


Accorsi Dr.ª do estudante Pós-Graduação
Cláudia com deficiência em Educação
Alquati intelectual na / Universidade
Bisol educação superior de Caxias do Sul
do IFRS Bento (UCS)
Gonçalves: um olhar
sobre a mediação
docente

D3 Josenilde Prof.ª Políticas institucionais Programa de 2017


Oliveira Dr.ª de acessibilidade na Pós-Graduação
Pereira Thelma educação superior: em Educação
Helena percursos e desafios / Universidade
Costa para a inclusão Federal do
Chahini de estudantes Maranhão
com deficiência (UFMA)
na UFMA

D - Dissertação

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).


126
Quadro 1 – Identificação das teses e dissertações selecionadas
para o corpus da pesquisa (conclusão)
Autora Orienta- Título Programa/ Ano de
dor/a Instituição defesa
T1 Betania Prof.ª Programa Programa de 2016
Jacob Dr.ª de transição Pós-Graduação
Stange Maria para a vida em Educação
Lopes Amélia adulta de jovens Especial /
Almeida com deficiência Universidade
intelectual Federal de São
em ambiente Carlos (UFSCar)
universitário

T2 Maria do Prof. Dr. Avaliação Programa de 2017


Perpétuo Lincoln do processo de Pós-Graduação
Socorro Morais implementação em Ciências
Rocha de do Programa Incluir Sociais /
Sousa Souza na Universidade Universidade
Severino Federal do Rio Federal do Rio
Grande do Norte Grande do Norte
(2012-2014) (UFRN)

T3 Fabiane Prof.ª A aprendizagem Programa de 2018


Vanessa Dr.ª do estudante Pós-Graduação
Breitenbach Fabiane com deficiência em Educação /
Adela intelectual na Universidade
Tonetto educação superior: Federal de Santa
Costa obstáculos e Maria (UFSM)
possibilidades

T - Tese

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

Início da descrição do Quadro 1 – Identificação das teses e dissertações


selecionadas para o corpus da pesquisa.
Dissertação 1 – Autora: Vera Creusa de Gusmão do Nascimento. Orien-
tador: Prof.ª Dr.ª Windyz Brazão Ferreira. Título: Quando as exceções
desafiam as regras: vozes de pessoas com deficiência sobre o processo
de inclusão no ensino superior. Programa/Instituição: Programa de Pós-
-Graduação em Educação/Universidade Federal da paraíba (UFPB). Ano
de defesa: 2011.
Dissertação 2 – Autora: Maria Isabel Accorsi. Orientador: Prof.ª Dr.ª Cláudia
Alquati Bisol. Título: A inclusão do estudante com deficiência intelectual na
educação superior do IFRS Bento Gonçalves: um olhar sobre a mediação
127
docente. Programa/Instituição: Programa de Pós-Graduação em Educação
/Universidade de Caxias do Sul (UCS). Ano de defesa: 2016.
Dissertação 3 – Autora: Josenilde Oliveira Pereira. Orientador: Prof.ª Dr.ª
Thelma Helena Costa Chahini. Título: Políticas institucionais de acessi-
bilidade na educação superior: percursos e desafios para a inclusão de
estudantes com deficiência na UFMA. Programa/Instituição: Programa
de Pós-Graduação em Educação/Universidade Federal do Maranhão
(UFMA)). Ano de defesa: 2017.
Tese 1 – Autora: Betania Jacob Stange Lopes. Orientador: Prof.ª Dr.ª Maria
Amélia Almeida. Título: Programa de transição para a vida adulta de
jovens com deficiência intelectual em ambiente universitário. Programa/
Instituição: Programa de Pós-Graduação em Educação Especial/Universi-
dade Federal de São Carlos (UFSCar). Ano de defesa: 2016.
Tese 2 – Autora: Maria do Perpétuo Socorro Rocha Sousa Severino. Orien-
tador: Prof.ª Dr.ª Prof. Dr. Lincoln Morais de Souza. Título: Avaliação do
processo de implementação do Programa Incluir na Universidade Federal
do Rio Grande do Norte (2012-2014). Programa/Instituição: Programa de
Pós-Graduação em Ciências Sociais/Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN). Ano de defesa: 2017.
Tese 3 – Autora: Fabiane Vanessa Breitenbach. Orientador: Prof.ª Dr.ª
Fabiane Adela Tonetto Costa. Título: A aprendizagem do estudante com
deficiência intelectual na educação superior: obstáculos e possibilida-
des. Programa/Instituição: Programa de Pós-Graduação em Educação/
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Ano de defesa: 2018. Fonte:
Elaborado pelas autoras (2020). Fim da descrição do Quadro 1.

Conforme o Quadro 1, denota-se que a maior parte dos


estudos (5/6) foram defendidos nos últimos 4 anos, o que
pode ter relação com o aumento de estudantes com DI em
cursos superiores, conforme dados do Censo já apresentados
na seção 2. Apesar disso, pode-se dizer que é inexpressivo
o número de trabalhos que analisaram/pesquisaram com o
recorte de pesquisa ora apresentado. Outro dado que chama
a atenção é o fato de que quase todos foram defendidos
em programas da área da educação. Embora o tema desta
pesquisa tenha uma relação mais próxima com essa área,
estranha o fato de não haver estudos em outras áreas que
128
também dedicam-se a pesquisar as vivências e experiências
de pessoas com deficiência intelectual de alguma forma,
como a Psicologia, a Fonoaudiologia e a Linguística.
Dos seis trabalhos selecionados, apenas três deles (D2,
T1 e T3) abordaram exclusivamente estudantes com DI,
enquanto os outros três (D1, D3 e T2) analisaram estudan-
tes com diferentes deficiências, incluída a DI. Esse dado
inicial confirma novamente certa tendência, em termos de
interesse de pesquisa, especialmente se compararmos com
outros trabalhos defendidos no Brasil, que optaram por dis-
cutir o ingresso e a permanência de estudantes com outras
deficiências, com destaque para a surdez/deficiência audi-
tiva e a deficiência visual.
Em termos de percurso metodológico, pode-se ver um
resumo dos seis trabalhos no Quadro 2.
Quadro 2 – Resumo das escolhas metodológicas dos trabalhos
selecionados (continua)
Tipo de pesquisa/ Instrumentos Participantes Objeto de estudo
delineamento
D1 Descritivo- Questionário Oito estudantes O processo
exploratória Entrevista com deficiência – de inclusão
Análise semiestruturada dois deles tinham de pessoas com
qualitativa Trissomia do 21 DI na educação
com DI superior

D2 Descritivo- Entrevista Um estudante Percurso de


exploratória semiestruturada com DI Quatro um estudante
Análise professores com DI em um
qualitativa curso superior
Estudo de caso tecnológico

D3 Descritivo- Entrevista 10 estudantes Núcleo de


exploratória semiestruturada com deficiência, Acessibilidade
Análise Observação não um deles com DI de uma
qualitativa participante Quatro professores universidade
Questionário universitários pública
Quatro servidores
técnico-​
­administrativos

D - Dissertação

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

129
Quadro 2 – Resumo das escolhas metodológicas dos trabalhos
selecionados (conclusão)
Tipo de pesquisa/ Instrumentos Participantes Objeto de estudo
delineamento
T1 Experimental, Escala Quatro estudantes Programa de
Análise Intensidade com DI transição para
quantitativa de Apoio (SIS) 27 professores a vida adulta
e qualitativa Protocolo de universitários no ambiente
Diário de Campo 32 tutores universitário
Protocolo de
Registro de
Desempenho
de Atividades
Questionário de
Validade Social

T2 Pesquisa Entrevista 14 estudantes Projeto Incluir


documental semiestruturada com deficiência – Acessibilidade
Pesquisa Análise sete professores em uma
de campo, documental cinco servidores universidade
com observação técnico- pública
sistemática administrativos
Análise dois bolsistas
qualitativa um monitor

T3 Descritivo- Entrevista 32 pessoas – Aprendizagem


exploratória semiestruturada professores, dos estudantes
Análise Entrevista coordenadores com DI
qualitativa narrativa de curso, em cursos
servidores técnico- superiores de
administrativos 4 universidades
públicas

T - Tese

Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).

Início da descrição do Quadro 2 – Resumo das escolhas metodológicas


dos trabalhos selecionados. Fonte: Elaborado pelas autoras (2020).
Dissertação 1 – Tipo de pesquisa/delineamento: descritivo/exploratória.
Análise qualitativa. Instrumentos: questionário e entrevista semiestrutu-
rada. Participantes: oito estudantes com deficiência sendo que dois deles
tinham Trissomia do 21 com DI. Objeto de estudo: o processo de inclusão
de pessoas com DI na educação superior.
Dissertação 2 – Tipo de pesquisa/delineamento: descritivo/exploratória.
Análise qualitativa, estudo de caso. Instrumentos: entrevista semiestrutu-
rada. Participantes: um estudante com DI e quatro professores. Objeto de
estudo: percurso de um estudante com DI em um curso superior tecnológico.

130
Dissertação 3 – Tipo de pesquisa/delineamento: descritivo/exploratória.
Análise qualitativa. Instrumentos: questionário, observação não parti-
cipante e entrevista semiestruturada. Participantes: 10 estudantes com
deficiência, um deles com DI, quatro professores universitários e quatro
servidores técnico-administrativos. Objeto de estudo: Núcleo de Acessi-
bilidade de uma universidade pública.
Tese 1 – Tipo de pesquisa/delineamento: experimental, análise quantitativa
e qualitativa. Instrumentos: Escala Intensidade de Apoio (SIS), Protocolo de
Diário de Campo e Protocolo de Registro de Desempenho. Participantes: qua-
tro estudantes com DI, 27 professores universitários e 32 tutores Objeto de
estudo: programa de transição para a vida adulta no ambiente universitário.
Tese 2 – Tipo de pesquisa/delineamento: pesquisa documental, pesquisa
de campo, com observação sistemática. Análise qualitativa. Participantes:
14 estudantes com deficiência, sete professores, cinco servidores técnico-
-administrativos, dois bolsistas e um monitor. Objeto de estudo: projeto
Incluir: acessibilidade em uma universidade pública.
Tese 3 – Tipo de pesquisa/delineamento: descritivo-exploratória. Análise
qualitativa. Instrumentos: entrevista semiestruturada. Entrevista narra-
tiva. Participantes: 32 pessoas entre professores, coordenadores de curso,
servidores técnico-administrativos. Objeto de estudo: aprendizagem dos
estudantes com DI em cursos superiores de quatro universidades públi-
cas. Fim da descrição do Quadro 2.

A abordagem qualitativa esteve presente nos seis estudos


que integram o corpus desta pesquisa. Somente T1 adotou
medidas quantitativas para a análise dos seus dados, recor-
rendo a análises estatísticas, em conjunto com a abordagem
qualitativa. A escolha pela abordagem qualitativa parece bas-
tante adequada para compreender o fenômeno da inclusão,
percurso e permanência de estudantes com DI na educação
superior, já que dadas as singularidades de cada pessoa e de seu
processo de educação formal, é muito mais enriquecedor para
o campo científico, as abordagens que interpretam a realidade
e que aprofundam as suas análises nesses aspectos singulares.
A maior parte dos trabalhos realizou uma pesquisa des-
critivo-exploratória, que tem como finalidade discutir os
fenômenos de forma bastante aprofundada e particular,
131
sem a necessidade de buscas por generalizações, além de
aprofundar ideias e hipóteses (GIL, 2002). Somente uma
monografia (D2), aliada a esse tipo de pesquisa, optou pelo
delineamento do tipo estudo de caso, que se refere ao acom-
panhamento de um participante, ou de uma instituição, por
meio do qual é possível seu amplo e detalhado conheci-
mento (GIL, 2002). Outro estudo (T1) realizou uma pesquisa
com delineamento experimental, no qual as variáveis são
controladas, de forma que as hipóteses possam ser validadas
(ou não). T2 optou pela pesquisa documental – voltada para a
análise de documentos relacionados ao fenômeno ou objeto
pesquisado – e realizou uma pesquisa de campo – caracteri-
zada pela observação direta das atividades de um grupo e de
entrevistas com informantes para captar suas explicações e
interpretações do que ocorre no grupo (GIL, 2002).
Quanto aos instrumentos de pesquisa, a maior parte
(cinco) utilizou a entrevista semiestruturada, que pode
ser definida como uma conversa entre pesquisador e os
participantes da pesquisa, guiada por um roteiro prévio.
Contudo, novas questões podem ser formuladas ao longo
da entrevista, bem como dados trazidos pelos informan-
tes, não previstos inicialmente (MANZINI, 2003). A escolha
desse instrumento, da mesma forma que a análise quali-
tativa dos dados, parece bastante coerente com o objeto
de estudo desses trabalhos. Possibilitando o lugar de fala às
pessoas relacionadas ao fenômeno, novamente o pesquisa-
dor é capaz de obter dados preciosos para uma discussão
científica a respeito e, assim, diferenciar senso comum de
conhecimento científico em ciências humanas.
Relativamente ao lugar de fala da pessoa com defi-
ciência, indo ao encontro do lema do movimento político
das pessoas com deficiência “Nada sobre nós, sem nós25”,
a análise dos seis trabalhos mostra que cinco deles deram
voz aos próprios estudantes com DI, além de outros atores
envolvidos no processo, como professores e profissionais
técnico-administrativos (em sua maioria ligados ao trabalho
132
de núcleos de acessibilidade e bibliotecas das instituições
onde as pessoas com DI estudavam). Essa postura das pes-
quisadoras é fundamental, especialmente em se tratando de
pessoas com DI, que durante muito tempo foram silenciadas
e não tinham participação ativa na esfera pública (e, muitas
vezes, sequer na esfera privada). Basta lembrar que, somente
com a Lei Brasileira de Inclusão (BRASIL, 2015), pessoas com
DI (ou outra deficiência) passaram a exercer sua plena capa-
cidade civil, ou seja, passaram a ter direito sobre o próprio
corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educa-
ção, à saúde, ao trabalho e ao voto.
Em relação ao número de participantes das seis pesqui-
sas analisadas, vemos uma tendência a um número maior nas
teses, o que é perfeitamente esperado dado o tempo de con-
dução de uma pesquisa de mestrado e uma de doutorado.
Quanto aos objetos de pesquisa das monografias, vemos
que três deles escolheram o processo de inclusão, a aprendi-
zagem e as experiências dos estudantes com DI na educação
superior. Outros três tiveram como objeto de pesquisa, progra-
mas ou núcleos de acessibilidade das instituições pesquisadas.
Passa-se, a seguir, a fazer um breve resumo dos principais
achados de cada dissertação/tese analisada neste trabalho.

4.1. DISSERTAÇÃO 1

O trabalho de Nascimento (2011) é do Programa de


Pós-Graduação em Educação da UFPB. Teve como tema, a
experiência de inclusão na educação superior de estudantes
com deficiência física, deficiência auditiva/surdez, deficiência

25 Início da nota de rodapé: Esse movimento histórico surge em 1981 –


Ano Internacional das Pessoas Deficientes – e traz consigo a ideia de
participação plena das pessoas com deficiência. Isso significa “que
nenhuma política deveria ser decidida por nenhum representante
sem a plena e direta participação dos membros do grupo atingido
por essa política” (SASSAKI, 2011). Fim da nota de rodapé.

133
visual/cegueira e baixa visão e deficiência intelectual/Sín-
drome de Down. Por intermédio de questionário e entrevista
semiestruturada, analisou de forma descritivo-exploratória
as falas desses estudantes, matriculados em instituições de
Recife e João Pessoa, tendo como pressupostos teóricos, o
Modelo Social da Deficiência e a área dos Estudos Culturais.
Como principais achados, a autora constatou que as
garantias previstas em lei, no que se refere à acessibilidade,
ainda não fazem parte, totalmente, dos espaços institucio-
nais, com destaque para as barreiras arquitetônicas e para
a falta de acessibilidade comunicacional, por exemplo. A
autora relata que muitos dos participantes demonstram não
saber de todos os direitos que possuem e que sua perma-
nência só foi/é possível, a partir do apoio dos familiares e de
profissionais envolvidos com os cuidados das pessoas com
deficiência, tal qual preconiza a segunda geração do Modelo
Social (GESSER; NUERNBERG; TONELI, 2012).
Também indica que a inclusão, desses estudantes, ainda
é um caminho a ser trilhado, com a necessidade de muitas
mudanças nas instituições. A autora não apresenta nenhum
achado específico para os estudantes com DI e, nas consi-
derações finais, nomeia algumas singularidades, apenas dos
outros participantes da pesquisa. Encerra seu trabalho afir-
mando que “a pessoa com deficiência reivindica o direito de
ser escutada em suas necessidades, elas estão abertas ao
debate e podem contribuir para a construção de uma socie-
dade mais justa” (NASCIMENTO, 2011, p. 97).

4.2. DISSERTAÇÃO 2

Accorsi (2016) defendeu seu trabalho perante o Pro-


grama de Pós-Graduação em Educação da UCS. O foco do
seu trabalho foi a experiência de inclusão de um estudante
com DI no IFRS, por meio de um estudo de caso.
Como principais achados, destaca-se a mediação docente
como peça fundamental para promover a aprendizagem do
134
estudante. Em função disso, a falta de formação e experi-
ência dos docentes participantes da pesquisa, para atender
um estudante com DI, aparece como uma barreira que pre-
cisa ser ultrapassada. Apesar disso, a autora constatou que a
presença do estudante com DI na sala, fez com que alguns
docentes repensassem sua forma de ensinar, até mesmo para
os outros estudantes. Perceberam, com maior clareza, que
há vários caminhos e passaram a adotar novas estratégias
de ensino nas suas mediações. Na perspectiva de Vygotsky,
perceberam que todos podem aprender, ainda que percor-
ressem caminhos diferentes.
Ao final, a autora problematiza a questão da certifica-
ção da pessoa com DI. Aborda a experiência de outros paí-
ses e defende a possibilidade de o Brasil adotar um modelo
semelhante ao de alguns estados americanos e da Itália, que
é o Programa Educacional Individualizado (PEI). Esse pro-
grama garante o atendimento educacional especializado,
as adaptações curriculares, os recursos de tecnologia assis-
tiva necessários e o diploma de educação especial. Conclui
sua pesquisa afirmando que o sucesso do estudante com
DI na educação superior “vai depender do envolvimento e
do comprometimento que a instituição e os professores vão
destinar ao trabalho de ensino e aprendizagem do mesmo”
(ACCORSI, 2016, p. 147).

4.3. DISSERTAÇÃO 3

O estudo de Pereira (2017) foi realizado no Programa


de Pós-Graduação em Educação da UFMA. O tema dessa
dissertação é as políticas de acessibilidade da Universi-
dade Federal do Maranhão, com destaque para a análise
do trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Acessibilidade
da instituição. Por meio de entrevistas e questionários, a
autora analisou de forma crítica, a atuação do núcleo e a
forma como a instituição garante o acesso e a permanên-
cia de estudantes com deficiência.
135
Os principais achados do estudo mostram que a uni-
versidade já possuía algumas ações isoladas, relativamente
aos estudantes com deficiência, mas foi somente em 2007,
com a política de cotas no ingresso, e em 2009, com a cria-
ção do Núcleo de Acessibilidade, que foi possível visualizar
ações mais sistemáticas. O núcleo materializa a concepção de
educação especial na perspectiva da educação inclusiva no
ensino superior, porém, enfrenta alguns desafios, tais como: o
currículo dos cursos (alicerçados em padrões hegemônicos e
homogêneos das classes dominantes, o que fatalmente acaba
por excluir os estudantes com deficiência); as condições de
trabalho do núcleo (especialmente pelo baixo número de
profissionais para atender a demanda); a necessidade de
ampliação da atuação para além das necessidades de estu-
dantes com deficiência visual e auditiva (a autora afirma que
os estudantes com DI acabam não tendo um atendimento
específico); e a presença de barreiras físicas, comunicacionais,
pedagógicas e atitudinais no espaço universitário.
A autora também afirma que é preciso fortalecer o papel
do núcleo, enquanto um órgão articulador das políticas para
as pessoas com deficiência, e aumentar sua representati-
vidade dentro da instituição para que sejam garantidos os
recursos necessários para sua atuação. Finaliza dizendo que
a política de inclusão não deve ser somente responsabili-
dade da escola e da universidade, mas de toda sociedade,
de modo que a torne mais “acolhedora, humana e inclusiva”
(PEREIRA, 2017, p. 192).

4.4. TESE 1

O trabalho de Lopes (2016) foi defendido no Programa


de Pós-Graduação em Educação Especial da UFSCar. O obje-
tivo do estudo foi avaliar a implementação de um programa
de transição para a vida adulta, voltado para jovens com DI,
no ambiente acadêmico, chamado Programa Próximos Pas-
sos (PPP). A autora realizou uma pesquisa experimental, em
136
que participaram quatro estudantes com DI, professores e
tutores do programa, implementado em um centro universi-
tário localizado no interior de SP. O programa investigado foi
proposto, em virtude de uma demanda local, tendo em vista
que muitos jovens com DI, concluintes da educação básica,
necessitavam de apoio para a transição para a vida adulta. A
autora afirma que não há programas semelhantes no Brasil
e, devido a isso, inspirou-se em um programa desenvolvido
por uma universidade norte-americana. Para a elaboração do
PPP, a autora considerou alguns elementos específicos, den-
tre os quais destacamos “a visão do estudante nas tomadas
de decisões; [...] o apoio individual, enfatizando necessidades
e preferências, contrapondo-se a um atendimento homogê-
neo para todos” (LOPES, 2016, p. 90).
Os principais resultados observados pela pesquisadora
mostram que houve aumento gradual no nível de inde-
pendência dos estudantes com DI, que mantiveram o seu
nível na média mínima prevista ou acima dela, durante as
intervenções realizadas pelos professores de disciplinas
regulares. Apenas um estudante apresentou dificuldades nas
disciplinas regulares do curso. A autora também avalia que
a atuação dos professores e dos tutores (que receberam for-
mação específica para participação no programa) teve um
impacto positivo no desempenho dos estudantes. Encerra
seu trabalho alegando que futuras pesquisas devem analisar
a participação da família em programas de transição para a
vida adulta em ambiente universitário.

4.5. TESE 2

A tese de Severino (2017) foi defendida no Programa de


Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN. Seu objeto de
estudo é o Programa Incluir: Acessibilidade na Educação Supe-
rior, criado pelo MEC em 2005, conforme já referido na seção
2 deste capítulo. Mais especificamente, a autora teve como
objetivo analisar a implementação desse programa na UFRN.
137
A pesquisadora observou que a instituição analisada
cumpre um dos objetivos do Programa Incluir, que é a cria-
ção de núcleos de acessibilidade nas Ifes. Os outros objetivos,
que se referem à inclusão de pessoas com deficiência e o
cumprimento da legislação acerca do tema, ainda não são
totalmente contemplados pela universidade. Os acadêmicos
com deficiências sensoriais (audição e visão) são os que mais
utilizam os serviços do núcleo de acessibilidade e a autora
identificou que nem todos os estudantes com deficiência
estão registrados no setor. A pesquisa também identificou
necessidade de formação dos professores, bolsistas, moni-
tores e técnicos-administrativos, uma vez que formam uma
rede de apoio essencial ao atendimento dos estudantes com
deficiência. Em relação aos professores, Severino (2017) os
nomeia como implementadores de ponta e observa que,
contrariamente, o núcleo de acessibilidade não se refere a
esses atores dessa forma. Outro aspecto considerado proble-
mático pela pesquisadora é a existência de muitas barreiras
de toda ordem pedagógica (professores que se recusam a
adotar estratégias facilitadoras), arquitetônica, tecnológica
entre outras.
Severino (2017) finaliza sua tese com uma série de
sugestões para que o Programa Incluir possa ser, efetiva e
totalmente, implementado na UFRN, dentre as quais desta-
camos a oferta de uma disciplina de educação especial para
todos os cursos de formação de professores da instituição e
a inclusão dos professores da universidade na implementa-
ção do Programa Incluir.

4.6. TESE 3

O trabalho de Breitenbach (2018) foi defendido no Pro-


grama de Pós-Graduação em Educação da UFSM. Apoiada nos
pressupostos da Teoria Histórico-Cultural e na Defectologia
de Vygotsky, a pesquisa tem como tema, a aprendizagem do
estudante com DI na educação superior, tendo como local
138
de coleta de dados quatro Ifes (a autora enviou correspon-
dência a todas as Ifes, muitas não responderam).
As percepções iniciais da autora merecem destaque e
revelam que, primeiramente, os estudantes com DI estão che-
gando ao nível superior de ensino (independentemente da
política de cotas) e que esses estudantes não estão identifi-
cados/mapeados pelas instituições, pois há um descompasso
entre seus registros e os dados do censo da educação. Uma
das razões aventadas por Breitenbach (2018) pode estar
relacionada ao fato de que, o critério adotado para o mape-
amento dos estudantes, é a autodeclaração. Considerando
que a maioria da população pode não ter conhecimento
suficiente para compreender o que é a deficiência inte-
lectual, podem ser responsáveis pela subnotificação, a
confusão entre as diferentes terminologias adotadas ao
longo do tempo, a falta de diagnósticos e a dificuldade em
preencher os formulários eletrônicos que permitem essa
autoidentificação. Essa invisibilidade da pessoa com DI tam-
bém foi identificada na pesquisa da autora, pois refere que,
ao contatar diferentes universidades para participarem da
pesquisa, 17 delas responderam que não possuem estudantes
com DI em seu quadro discente.
Por intermédio de entrevistas semiestruturadas e
entrevistas narrativas com professores, profissionais de
apoio pedagógico e coordenadores de curso, a autora faz
uma série de interpretações e reflexões acerca da apren-
dizagem dos estudantes com DI. Nesse sentido, traz para
a discussão um paradoxo muito importante: por um lado, a
garantia do acesso desses estudantes a todos os níveis de
ensino; por outro, o não comprometimento de professores
e equipes educacionais com a verdadeira aprendizagem
dessas pessoas. Não é raro que estudantes com DI recebam
certificação sem obterem níveis mínimos de aprendizagem,
normalmente em decorrência da falta de adaptações curri-
culares e de planejamentos pedagógicos individualizados. A
pesquisadora também salienta o papel das famílias e observa
139
duas situações que atrapalham o percurso formativo dos
estudantes com DI: o abandono familiar, por um lado e, de
outro, a superproteção que leva alguns sujeitos a nem perce-
berem sua condição de pessoa com deficiência e, assim, não
perceberem os desafios que precisam ser encarados.
A autora finaliza mostrando para o fato de que a conclu-
são do curso e o consequente exercício profissional são uma
realidade bastante possível para algumas pessoas com DI, mas
não para todas, especialmente aquelas que apresentam graus
maiores de comprometimento intelectual26. Sendo assim,
defende que a educação superior não precisa/deve ser a
única opção de aprendizagem ao longo da vida para pessoas
com DI. Talvez em outros espaços, em que a aprendizagem
formal e acadêmica não seja o foco, suas potencialidades
possam ser mais bem desenvolvidas.

4.7. CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O CORPUS

De modo geral, percebe-se que as dissertações e teses


aqui analisadas apontam para a presença de pessoas com DI
e de ações implementadas pelas universidades para garantir
o acesso e a permanência da pessoa com deficiência. Con-
tudo, foi possível observar que a pessoa com DI não tem
sido o foco dos núcleos de acessibilidade, mas sim, a pes-
soa com deficiência visual e auditiva/surdez. Outro aspecto
comum aos trabalhos, refere-se ao fato de a legislação estar
sendo parcialmente cumprida pelas instituições pesquisadas.
Apesar disso, muitas barreiras ainda precisam ser removi-
das, como os baixos índices de registro de pessoas com DI

26 Início da nota de rodapé: Relativamente ao uso da expressão “graus


maiores de comprometimento intelectual”, destacamos que foi uti-
lizada pela autora e que acaba remetendo ao Modelo Médico da
deficiência, em que essa medição em graus, revela sempre uma ten-
tativa de categorização, a partir de uma régua de normalidade. Fim
da nota de rodapé.

140
nos cadastros das instituições e, em especial, a formação
de docentes e técnico-administrativos para o atendimento
específico desses estudantes.
Os trabalhos aqui analisados também identificaram que
os estudantes com DI podem aprender, mas podem ter sua
aprendizagem potencializada se tiverem um plano de estu-
dos individualizado. Isso pode levar os docentes a refletirem
sobre suas práticas de ensino e, dessa forma, outros estu-
dantes com diferentes perfis de aprendizagem, também se
beneficiarem dessas mudanças.
Também se pôde observar que os estudos estão em con-
sonância com o Modelo Social da Deficiência (DINIZ, 2007;
GESSER; NUERNBERG; TONELI, 2012), pois mesmo os que não
trazem essa concepção de forma explícita, defendem que a
aprendizagem e a permanência de um estudante com defi-
ciência na educação superior não são questões particulares
do estudante, mas algo que precisa ser abordado de forma
coletiva pela instituição. Assim, transferem-se as diferenças/
disfunções corporais dos indivíduos para a incapacidade da
instituição em prever e se ajustar a essa diversidade.
Por fim, destacamos a necessidade de apoio para o
desenvolvimento e a aprendizagem da pessoa com DI na
educação superior (na verdade, em todas as fases da vida),
o que também vai ao encontro do Modelo Social. Apoio que
pode vir da família, mas que deve vir, especialmente, de um
conjunto de atores das universidades: professores; coorde-
nadores de curso; profissionais dos núcleos de acessibilidade;
tutores; monitores; e colegas. Com isso, o conceito de autono-
mia passa a ser ressignificado. Tauber (2005 apud GAUDENZI;
ORTEGA, 2016, p. 3068) diz que

[...] ao invés de pensar a autonomia como soberania,


podemos considerá-la dentro de uma ética de cuidado,
de dependência e participação. Entender autonomia
nestes termos permite preservar a atipia, a priori, como
diferença e não como doença ou deficiência.

141
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo investigar o que tem


sido publicado a respeito de estudantes com DI na educa-
ção superior. Por meio de buscas em portais de periódicos,
evidenciou-se a escassez de artigos científicos que abordem
o tema deste trabalho. Assim, optou-se por fazer buscas na
BDTD e, apesar de o sistema identificar um bom número de
teses e dissertações, somente seis delas, nos últimos 15 anos,
trataram do tema escolhido.
Houve uma tendência nos seis trabalhos, que compu-
seram o corpus desta pesquisa, em utilizar uma abordagem
qualitativa na análise dos dados, sendo que a maior parte das
pesquisas pode ser classificada como descritivo-explorató-
ria. O instrumento de pesquisa mais utilizado foi a entrevista
semiestruturada, tanto de estudantes, quanto de outros ato-
res envolvidos com os processos de ensino e aprendizagem e
com a assistência de estudantes com deficiência.
Os trabalhos também apresentaram uma tendência em
adotar o Modelo Social da Deficiência como pressuposto
teórico, por meio do qual questões políticas e sociais são tra-
zidas para os estudos sobre a deficiência. Ficou evidente que,
em uma concepção vygotskyniana (adotada por boa parte
dos trabalhos), os estudantes com DI são capazes de apren-
der e de desenvolver as competências previstas pelos cursos
superiores, mas, para isso, necessitam de apoio e de um pla-
nejamento individualizado.
Como consideração final, fica evidente que essa par-
cela de estudantes, embora em números absolutos não seja
pequena, ainda é bastante invisibilizada, desde o registro de
sua condição, até o atendimento que recebe nos núcleos
de acessibilidade, muito mais preparados para atender
estudantes cegos e surdos. Também ficou evidente que os
docentes participantes das pesquisas não tinham formação
para atender pessoas com DI, mas que ao refletirem sobre
suas práticas, puderam beneficiar outros estudantes, já que
142
há vários caminhos possíveis de serem percorridos no pro-
cesso de aprendizagem.
Como sugestão para futuras pesquisas fica a necessi-
dade de compreender o baixo número de estudantes com
DI registrados e atendidos pelos núcleos de acessibilidade e
incluir a participação desses estudantes nos projetos de pes-
quisa que visam a esse tema.

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br/jspui/handle/123456789/24364. Acesso em: 5 maio 2020

145
CAPÍTULO 6

O CAPACITISMO VIVENCIADO
PELA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
NO CONTEXTO ESCOLAR:
UM ENSAIO TEÓRICO
Sabrina Mangrich de Assunção
Fabiane Araujo Chaves

A partir das discussões e leituras realizadas no grupo


de estudos sobre deficiência do Laboratório de Educação
Inclusiva (LEdI) da Universidade do Estado de Santa Catarina
(Udesc), o qual aconteceu virtualmente pelo Moodle, no ano
de 2020, foi possível elaborar o texto que segue, com o obje-
tivo de apresentar a forma como o capacitismo estrutural se
mostra presente na educação.
No texto discorremos e refletimos, por meio de análise
teórica, sobre as práticas capacitistas que permeiam o coti-
diano das pessoas com deficiência no ambiente escolar, a
partir de situações apresentadas, seja como docente ou
como discente. Trata-se de um ensaio teórico, método este
que, conforme Meneghetti (2011), caracteriza-se pela rela-
ção existente entre o sujeito e o objeto de estudo. Segundo
o autor, as reflexões que são apresentadas no decorrer do
ensaio teórico instigam os leitores a tirarem suas próprias
conclusões (MENEGHETTI, 2011).
Nesse sentido, a partir das discussões apresentadas e suas
articulações com o referencial estudado, no ensaio teórico
146
“a verdade não se torna propriedade da consciência e não é
apropriada como resultado de procedimentos estabelecidos.
[...] A característica mais elementar do ensaio é a originali-
dade” (MENEGHETTI, 2011, p. 5). A apresentação, dessa forma
de escrita, intenta mostrar ao leitor as experiências capacitis-
tas vivenciadas e relatadas pelas autoras deste trabalho, sendo
uma delas, pesquisadora com deficiência e a outra, profissional
que trabalha com a temática dos estudos da deficiência. Para
caracterizar as autoras e compreender melhor as situações
apresentadas, selecionamos as seguintes informações:

• Fabiane – mulher sem deficiência, residente no Rio


Grande do Sul, Mestre em Educação, que realiza um
trabalho de inclusão, atuando como monitora em uma
escola de Ensino Médio Integrado, com alguns estu-
dantes com deficiência que ali estudam; e
• Sabrina – mulher com deficiência visual congênita,
residente em Santa Catarina, mestranda em Geografia
pela Universidade Federal de Santa Catarina, que pes-
quisa sobre acessibilidade em áreas protegidas.

O critério para escolha das situações foi em relação


àquelas que mais se destacaram e marcaram nossas vivên-
cias pessoais e profissionais, acreditando que estas podem
ocorrer com outras pessoas e, então, apresentando e discu-
tindo as mesmas. O aprendizado poderá ser importante para
quem busca compreender melhor sobre como ocorrem as
práticas capacitistas no ambiente escolar.
O capacitismo é o preconceito dirigido às pessoas com
deficiência. Esse é um termo recente no Brasil, sendo seus
primeiros relatos com os trabalhos de Anahi Guedes de Mello
(2016) que trouxe a definição do termo, antes ausente para
definir tais preconceitos. A autora refere-se ao capacitismo
como sendo uma atitude preconceituosa, que julga as pes-
soas em relação aos seus corpos, hierarquicamente, com
base na noção de normalidade (MELLO, 2016). Sendo que
147
nessa concepção, as pessoas com deficiência são vistas e
tratadas como incapazes nos diversos contextos e situações
que vivenciam (MELLO, 2016). As discriminações por motivo
de deficiência, na maioria dos casos, são tão naturalizadas
que é preciso fazer uma análise cuidadosa para classificá-las
como tal. Ao passo que tantas outras situações estão visíveis,
mas se repetem com igual naturalidade.
Não é raro acontecer de uma pessoa com deficiência
ser “esquecida” no momento da confecção de um material
para utilização em aula; não ser questionada diretamente
em situações em que está acompanhada de alguém; sequer
ser consultada por um professor, para que este saiba qual
a melhor forma de adequação do seu material de aula ou
prova. Também acontece, com frequência, de o profissional
com deficiência não ter acessibilidade no que se refere ao
seu trabalho na área de educação. Poderíamos citar inú-
meras situações que, como pessoa com deficiência e/ou
pesquisadora que trabalha com pessoas com deficiência,
vivenciamos durante nossa trajetória. A intenção é apre-
sentar algumas situações mais marcantes, para que a partir
destas, seja possível que os leitores, não só transponham,
mas repensem as suas práticas e possam adotar estratégias
anticapacitistas no contexto educacional.
Nesse contexto, para discutir a temática apresentada, a
fundamentação teórica do texto baseia-se nos autores que
discutimos durante o referido grupo de estudos, tais como:
Adriana Dias (2013) e Anahi Guedes de Mello (2016), que abor-
dam sobre o capacitismo, além de Fiona Campbell (2001, 2020),
Gregor Wolbring (2018), entre outros. Com este trabalho, bus-
camos contribuir e ampliar os debates sobre capacitismo no
ambiente escolar, trazendo situações dos estudantes e de
trabalhadores da educação com e sem deficiência, e anali-
sando os mesmos com base nos referenciais teóricos.
Historicamente, antes da década de 70, anterior ao sur-
gimento do movimento das pessoas com deficiência e o
surgimento do Modelo Social, é possível perceber que, as
148
pessoas com deficiência viviam à margem da sociedade,
sendo rotuladas como improdutivas e incapazes, mui-
tas vezes, precisando mendigar para conseguirem algum
dinheiro para o seu sustento. Algumas delas, consideradas
como tendo um “dom” para a música, por exemplo, utiliza-
vam esse potencial para ganhar dinheiro informalmente. A
realidade relatada mudou bastante, porém, sabemos que
muitas pessoas com deficiência ainda vivem dessa forma. As
condições de vida eram precárias, as pessoas com deficiência
eram maltratadas e pouco (ou nada) se dava atenção a elas.
Ainda hoje percebemos que acontecem ações como essas.
Portanto, antes de seguir sobre o tema do capacitismo,
faz-se necessário abordar, brevemente, alguns aspectos
históricos, importantes na trajetória das pessoas com defi-
ciência. De acordo com Louro (2012), em 1841, Dom Pedro
II mandou que construíssem três organizações para atender
as pessoas com deficiência: “O Imperial dos Meninos Cegos
(posteriormente batizado como Instituto Benjamin Cons-
tant); o Instituto dos Surdos-Mudos, hoje conhecido como
Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines); e o Asilo dos
Inválidos da Pátria” (LOURO, 2012, p. 26). Essas escolas eram
especializadas no atendimento a determinados tipos de defi-
ciência, e podem ser consideradas como sendo exemplos de
uma educação segregada e excludente, tanto pela questão
de gênero, quanto pela educação diferenciada com que as
pessoas eram tratadas, em que já se definia o que a pessoa
era capaz de fazer a partir da deficiência.
A partir dessa época, pouca coisa se alterou. Institui-
ções foram criadas para atender outros tipos de deficiência
no século XX, mas ainda com o caráter assistencialista e na
perspectiva da segregação, com viés do Modelo Médico, o
qual considera apenas a lesão para caracterizar a deficiência
(MAIOR, 2017). Foi no ano de 1981, segundo Louro (2012), que
a Organização das Nações Unidas (ONU), a partir da realiza-
ção de uma ação em prol da pessoa com deficiência que teve
destaque, considerou como sendo este o ano Internacional
149
das Pessoas com Deficiência e, então, propôs alternativas
para “conscientizar a população, levantar dados estatísticos e
discutir propostas para reabilitação, tratamento, educação e
profissionalização dos homenageados” (LOURO, 2012, p. 27).
Outro marco importante foi a Convenção sobre os Direitos
das Pessoas com Deficiência da ONU de 2007. Essa Convenção
foi ratificada por 182 países e teve a participação das pessoas
com deficiência em sua elaboração e garante direitos, além
de assegurar aos Estados que assinaram que suas legislações
fossem baseadas neste documento.
Sendo assim, percebemos que a inclusão social da pes-
soa com deficiência é uma realidade atual. Ao longo dos anos,
obtiveram conquistas, as quais foram intensificadas, a partir da
ratificação que aprova o texto da Convenção e seu protocolo
facultativo, pelo congresso em 2008 com o Decreto Legisla-
tivo nº 186 (BRASIL, 2008) e promulgação com o Decreto nº
6.949 em 2009 (BRASIL, 2009), da Convenção sobre os Direi-
tos das Pessoas com Deficiência da Organização das Nações
Unidas pelo Brasil. E a partir da Convenção foi aprovada a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência nº 13.146, de 6
de julho de 2015, propondo e assegurando “em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamen-
tais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social
e cidadania” (BRASIL, 2015), que foi possível, também, ocupar
novos espaços, dentre eles, o espaço escolar. A referida Lei dis-
põe que “é dever do Estado, da família, da comunidade escolar
e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com
deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência,
negligência e discriminação” (BRASIL, 2015).
Entretanto, apesar do respaldo da legislação, o processo de
cumprimento da referida Lei é lento e as conquistas são diá-
rias. Com os direitos das pessoas com deficiência validados
pela parte legislatória, houve a necessidade de adequação da
sociedade para tal, a qual precisou se organizar para atender
às diversas demandas que surgiram. Tais demandas sempre
existiram, porém, eram invisibilizadas. Da mesma forma, em
150
âmbito escolar, devemos destacar que a Política Nacional de
Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva de
2008 (BRASIL, 2008), foi importante instrumento que corro-
borou com a perspectiva da inclusão.
Nesse ínterim, ocorreu a reorganização dos proje-
tos políticos pedagógicos, a capacitação de profissionais,
as bases curriculares e estruturas físicas começaram a ser
repensadas. As Instituições que anteriormente escolari-
zavam somente as pessoas com deficiência, baseadas em
diagnósticos prescritivos, passaram a não ser mais vis-
tas como sendo o modelo ideal e, assim, estes estudantes
migraram para escolas regulares conforme a região em que
residiam. Conquista esta, que foi importante na educação e
que até hoje vem sendo discutida, constantemente. Sobre
esse aspecto, Valle e Connor (2014) propõem que cada um
de nós realize um exercício de relembrar a fase em que
ocorreu nossa escolarização, lembrando de anos atrás, pois
possivelmente iremos perceber que nessas lembranças não
estão incluídos colegas com deficiência, devido ao fato de
que estes raramente frequentavam as classes regulares de
ensino. Quem dirá, então, um professor com deficiência.
Você já pensou nisso?
Com base no cenário mostrado anteriormente, as
pessoas com deficiência estudando separadas das “sem
deficiência”, Stainback e Stainback (2007) apresentam
a informação de que houve um descontentamento por
parte daqueles que frequentavam uma classe especial, ou
escolas segregadas e, então, estas escolas passaram a ser
vistas como discriminatórias. Nesse contexto, os estudantes
com deficiência passaram a não mais frequentar as escolas
ditas especiais, ocupando vagas nas escolas regulares.
Ainda hoje há a necessidade de a inclusão acontecer de
maneira efetiva. Entretanto, percebemos no âmbito esco-
lar, o qual tratamos mais especificamente neste capítulo,
atitudes de desconhecimento, no que se refere às pessoas
com deficiência e algumas destas, sendo consideradas como
151
capacitistas. A compreensão de como essas ações aconte-
cem é importante para que não ocorram mais.
Segundo o último Censo de 2010 (IBGE, 2012), 23,9% da
população brasileira apresenta alguma deficiência, o que repre-
senta aproximadamente 45 milhões de pessoas. Esse dado
corresponde a, aproximadamente, 45 milhões de pessoas,
por essa razão, faz-se necessário pensar em políticas públi-
cas que garantam os seus direitos, pois durante muito tempo
as pessoas com deficiência “foram tratadas com desprezo e
desrespeito quanto aos seus direitos, o que as motivou a se
organizarem em grupos e promoverem um forte movimento
de participação política no âmbito de redemocratização do
Brasil” (JÚNIOR; MARTINS, 2010, p. 10). Assim, também devido
ao movimento político das pessoas com deficiência, o país
possui uma legislação robusta e ampla sobre a deficiência.
Esses movimentos possibilitaram acompanhar o que acontece
internacionalmente. A Lei Brasileira de Inclusão é o dispositivo
mais recente, que apresenta, segundo o Modelo Social, o con-
ceito de pessoa com deficiência e considera que a avaliação
deve ser multidisciplinar e conforme o modelo biopsicossocial.
De acordo com a LBI, considera-se pessoa com deficiência:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela
que tem impedimento de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em
interação com uma ou mais barreiras, pode obs-
truir sua participação plena e efetiva na sociedade
em igualdade de condições com as demais pessoas
(BRASIL, 2015).

Apesar da definição, observa-se que há uma sobrepo-


sição, visto que o Modelo Médico ainda está presente, está
arraigado culturalmente, e se faz presente até hoje. Esse fato
corrobora para que haja uma diferença entre o conceito da
legislação e as atitudes e práticas cotidianas, contribuindo
para que o capacitismo ocorra, sendo em muitos casos,
naturalizados culturalmente e educacionalmente.
152
A fim de esclarecimento, considera-se o Modelo Médico da
deficiência como sendo aquele baseado na lesão, na falta de
algo, seguindo um padrão de normalidade de corpos (MAIOR,
2017), em que um médico pode afirmar e emitir um laudo, por
exemplo, atestando que determinada pessoa possui tal defi-
ciência. De posse desse documento, muitas vezes, é vista na
visão capacitista, em que esta “falta” lhe impossibilitaria de
determinadas ações ou acessos. Em contrapartida, o Modelo
Social da deficiência, utilizado atualmente, considera que as
barreiras externas evidenciam a deficiência, e não a lesão que
a define, ou seja, é a interação das barreiras com a lesão que
se considera a deficiência. Para melhor compreensão, pode-
mos citar um exemplo: se uma pessoa precisa de óculos por
causa da miopia, com o óculos não há barreiras, mas sem o
óculos, o dispositivo de correção, há barreiras para enxergar.
A pessoa que vivencia a experiência da deficiência, não
é “menos capaz” do que aquelas que não a têm. Para essa
compreensão é necessária a eliminação de barreiras, e que
as pessoas sejam vistas em suas condições e sem preconcei-
tos ou visões capacitistas. Assim, as deficiências ficariam em
segundo plano, não sendo determinantes nas ações e vivên-
cias da pessoa com deficiência.
A discriminação por motivo de deficiência não é algo iso-
lado. Há pela classe, raça, sexo, ou seja, tudo que foge de um
padrão estabelecido socialmente. Vários autores indicam essa
aproximação do capacitismo com outras formas de opressão
(DIAS, 2013; MELLO, 2016; WOLBRING, 2018). Wolbring (2018)
chama essas relações dos “ismos”, de guarda-chuva em que
há a preferência por determinados padrões e habilidades,
além de seguir preceitos que estão socialmente arraigados.
Dias (2013) mostra que há um padrão imaginário de corpos
normatizados, em que as relações baseadas na deficiência,
assim como no racismo, são estabelecidas culturalmente de
maneira intencional ou não intencional. O capacitismo se
materializa na crença de que algumas habilidades específicas
são melhores do que outras, que as pessoas com deficiência
153
são menos capazes, em que a lesão e a limitação são levadas
em consideração, como no Modelo Médico (STOREY, 2007;
WOLBRING, 2018).
A Convenção das pessoas com deficiência (BRASIL, 2011),
apresenta a definição, mas sem nomear, com o seguinte
texto no artigo 2:
Discriminação por motivo de deficiência significa
qualquer diferenciação, exclusão ou restrição base-
ada em deficiência, com o propósito ou efeito de
impedir ou impossibilitar o reconhecimento, o des-
frute ou o exercício, em igualdade de oportunidades
com as demais pessoas, de todos os direitos huma-
nos e liberdades fundamentais nos âmbitos político,
econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro.
Abrange todas as formas de discriminação, inclusive
a recusa de adaptação razoável (BRASIL, 2011, p. 27).

Como já escrito, ao se referir às discriminações sofridas


por motivo de deficiência, Anahí Guedes de Mello (2016), foi
a primeira a nomear como capacitismo no Brasil. A autora
apresenta que o capacitismo
[...] alude a uma postura preconceituosa que hierar-
quiza as pessoas em função da adequação dos seus
corpos à corponormatividade. É uma categoria que
define a forma como as pessoas com deficiência
são tratadas de modo generalizado como incapazes
(incapazes de produzir, de trabalhar, de aprender, de
amar, de cuidar, de sentir desejo e ser desejada, de
ter relações sexuais, etc. (MELLO, 2016, p. 3272).

Considerar algum recurso ou comportamento melhor


do que outro, relacionado à pessoa que irá utilizar ou reali-
zar, também pode ser percebido como visão capacitista. Hehir
(2002 apud STOREY, 2007) discorre que a visão capacitista que
desvaloriza a deficiência foi observada nas atitudes sociais, as
quais consideram que seria melhor, por exemplo, para uma
154
criança, caminhar do que rolar, ou emitir fala oralmente do que
utilizar a linguagem de sinais, realizar leitura de textos em tinta
do que os impressos em Braille e, até mesmo, se relacionar
com outras crianças sem deficiência do que com deficientes.
Campbell (2020) também considera o capacitismo como
uma concepção presente no social, em que se considera
as pessoas com deficiência como sendo capazes ou menos
capazes de gerenciar suas próprias vidas. A autora define
capacitismo, termo original ableism, como
[...] uma rede de crenças, processos e práticas que
produz um tipo particular de compreensão de si e
do corpo (padrão corporal), projetando um padrão
típico da espécie e, portanto, essencial e totalmente
humano. A deficiência para o capacitista é um
estado diminuído do ser humano (CAMPBELL, 2001,
44, tradução nossa)27.

Levando em consideração a ideia de “capacidade ou


falta de”, algumas reflexões são importantes. A utilização do
termo corpos aptos, ao invés de corpos capazes, é necessá-
ria em função da discriminação das pessoas com deficiência
relacionados ao capacitismo. Segundo Mello (2016), con-
sidera que “essa distinção etimológica é necessária para o
acionamento da categoria capacitismo, materializada através
de atitudes preconceituosas que hierarquizam sujeitos em
função da adequação de seus corpos a um ideal de beleza e
capacidade funcional” (MELLO, 2016, p. 3266).
No que se refere a política do capacitismo, Wolbring
(2018) considera que o conceito de capacitismo não é bem
compreendido e que, muitas vezes, refere-se a um tratamento

27 Início da nota de rodapé. “[…] a network of beliefs, processes and


practices that produces a particular kind of self and body (the cor-
poreal standard) that is projected as the perfect, species-typical
andtherefore essential and fully human. Disability then, is cast as a
diminished state of being human” (CAMPBELL, 2001, p. 44). Final da
nota de rodapé.

155
negativo, direcionado para as pessoas com deficiência, não
levando em consideração a valorização das suas habilida-
des individuais. O autor relaciona capacitismo como estando
atrelado às crenças, ações e práticas produzidas conforme
as habilidades que atribuem valores para uma compre-
ensão que é particular de cada pessoa, em relação ao seu
corpo e relacionamento com outras pessoas da humanidade,
sendo também com outras espécies e ambiente, incluindo a
maneira como é julgado pelos outros (WOLBRING, 2018).
A partir da compreensão do que é discriminar pessoas
pela deficiência, precisamos repensar nossas atitudes para
mudança de valores, crenças, práticas, discurso. E você, já
parou para pensar em suas atitudes?
Assim como em outros contextos, no ambiente escolar,
o capacitismo acontece de maneira frequente. Embora nem
sempre seja identificado, mesmo que invisibilizado, este jul-
gamento ou maneira de perceber a pessoa com deficiência
é recorrente. Alguns autores destacam os motivos e de que
forma ele ocorre, o que é objetivo deste texto.
Segundo Storey (2007), o capacitismo está presente,
tanto na escola como na sociedade em geral, principalmente
vindo de um Modelo Médico, cujo objetivo é o de que as pes-
soas com deficiência sejam “consertadas”. Ainda, apresenta
que as escolas defendem o multiculturalismo e aceitação das
diferenças, mas negligenciam as habilidades e a deficiência.
O autor cita alguns aspectos importantes para pensarmos
em como combater o capacitismo na escola (STOREY, 2007):

• conscientizar em relação às habilidades, com vistas a


eliminação de barreiras e estereótipos, por meio de
uma educação multicultural, as quais podem acontecer
com a realização de vivências sobre a deficiência, exe-
cutadas com aqueles que não tem deficiência, sejam
eles estudantes ou profissionais;
• inserir conteúdos sobre deficiência nas atividades e cur-
rículo escolar, pois ainda há falta de reconhecimento
156
da cultura da deficiência. Apesar de o currículo escolar
abranger o multiculturalismo, como sexismo, o conte-
údo sobre deficiência é pouco ou inexistente, e a autora
sugere trabalhar com conselhos escolares, comitês de
currículos, editoras de livros escolares para inserção
do tema deficiência em todos os aspectos do currículo
escolar. Outra proposta é a de que, nas comemorações
de dias étnicos ou outras comemorações, inserir pessoas
com deficiência, como exemplo, homenagear pessoas
com deficiência de várias origens étnicas;
• atuação do professor, no que se refere ao treinamento,
indicando que existe literatura sobre a deficiência
aos professores que estão em formação. Isso tem um
grande impacto nas atitudes do profissional. Esse trei-
namento em relação às aptidões, pode ser ministrado
pelas pessoas com deficiência es dessa forma, conse-
guir citar exemplos pessoais;
• literatura existente sobre a deficiência, sugerindo utilizar
livros que retratem questões positivas sobre as pessoas
com deficiência, bem como material didático que tenham
pessoas com deficiência e abordar transversalmente esse
tema. Uma alternativa possível, também, é a realiza-
ção de clube de leituras, utilizando, por exemplo, livros
com histórias de pessoas com deficiência;
• utilização da modelagem de papéis, usando modelos
positivos, ou seja, estudantes precisam de outras pes-
soas com deficiência seja da comunidade escolar e/ou
local para ser mentores, palestrantes e ativistas e se
não for possível, que seja por meio de filmes, biografias,
pessoas famosas para alunos com e sem deficiência; e
• professores com deficiência como contratados na
escola, pois é difícil acontecer, como com outras
minorias. Muitas vezes são contratados apenas para
trabalhar com estudantes com deficiência ou ficam
apenas no campo das ideias e possibilidades, mas não
efetivam essa prática tão importante (STOREY, 2007).
157
Se consultarmos os resultados do Censo Demográfico
2010 (IBGE, 2012), perceberemos diferenças evidentes entre
o nível de instrução das pessoas investigadas que apre-
sentam, pelo menos, uma deficiência, se comparadas com
aquelas sem deficiências. Os dados mostram que
Enquanto 61,1% da população de 15 anos ou mais de
idade com deficiência não tinha instrução ou possuía
apenas o fundamental incompleto, esse percentual
era de 38,2% para as pessoas de 15 anos ou mais que
declararam não ter nenhuma das deficiências inves-
tigadas, representando uma diferença de 22,9 pontos
percentuais. A segunda maior diferença em pontos
percentuais foi observada para o ensino médio com-
pleto e o superior incompleto, onde o percentual de
população de 15 anos ou mais com deficiência foi de
17,7% contra 29,7% para as pessoas sem deficiência.
Observou-se ainda que a menor diferença estava no
ensino superior completo: 6,7% para a população
de 15 anos ou mais com deficiência e 10,4% para a
população sem deficiência (IBGE, 2012, p. 82).

Será pelo capacitismo, que em muitos casos pode não ser


percebido, um dos motivos pelos quais as pessoas com defi-
ciência não se mantêm na escola ou não aspiram continuar
seus estudos acadêmicos? Acreditamos que não é o único
fator, mas pode ser um dos elementos desmotivadores, que
junto a outras situações, como as barreiras, pode contribuir
para a baixa escolarização das pessoas com deficiência, se
comparada às pessoas sem deficiência. Cabe salientar que
os dados apresentados são do ano de 2010 e, nesse sentido,
você acredita que os dados mudaram consideravelmente
nestes últimos anos? Qual é a sua opinião?
Com base no exposto, com a intenção de compreender
melhor sobre os conceitos, apresentaremos situações capa-
citistas vivenciadas por pessoas com deficiência no espaço
escolar, as quais serão analisadas, teoricamente, em seguida.
158
Sabemos que estes são com base em nossos estudos e
que as situações relatadas poderiam ser inúmeras, porém,
como ilustração, escolhemos cinco situações-problema que
vivenciamos ou que escutamos alguém relatar em algum
momento da nossa trajetória. É importante destacar que
nem sempre, no espaço escolar, os estudantes ou profissio-
nais com deficiência vivenciam tais situações, porém, estas
são algumas daquelas que nos sensibilizaram e que conside-
ramos como sendo capacitistas, importantes para promover
uma reflexão sobre o tema.
Situação 1 – Um professor, além de ministrar as aulas,
precisa corrigir as atividades e avaliação. O problema é
quando esse material não está disponível para o professor
cego, e quando recebe os trabalhos dos estudantes, estes
são em tinta, ou seja, inacessível para a sua leitura, sem a
utilização de algum recurso.
Situação 2 – Outra reflexão ocorre quando se planeja
uma atividade em determinada disciplina e o professor não
pensa na turma, considerando a diversidade de estudantes
presentes. À medida que, muitas vezes, o professor chegava
em sala e ao entregar a atividade dizia que havia esquecido
do estudante que precisava de algum tipo de recurso ou
adequação, que não adaptou, ou esqueceu de mandar e pla-
nejou no dia anterior.
Situação 3 – No que se refere ao acesso aos materiais
das aulas, como por exemplo, em aulas de ensino a distân-
cia (EAD), ou no formato remoto, mesmo o material didático
estando em formato digital, muitas vezes, ele não está em
formato acessível, ou seja, de forma que qualquer estudante
consiga acessar, havendo a necessidade de o estudante ter
de “correr atrás” da acessibilidade.
Situação 4 – Ao acompanhar em sala uma estudante com
deficiência intelectual que cursa o primeiro ano do Ensino
Médio, o professor se refere à monitora que a acompanha, na
frente da estudante, realizando a pergunta: “O que ela tem?”,
ao querer saber qual deficiência a estudante apresenta.
159
Situação 5 – Ao elaborar uma prova para a turma de
Ensino Médio, em que há um estudante cego na turma, o
professor de História informa à monitora, que está acom-
panhando o estudante cego naquele momento, de que o
estudante não precisará realizar a questão que apresenta o
desenho de um mapa, dizendo o seguinte: “a [questão] do
mapa ele não precisa fazer”.
A partir das situações apresentadas é possível refle-
tir sobre a maneira pelas quais o capacitismo se apresenta
nas situações narradas, sendo mais especificamente neste
trabalho, no contexto escolar. Wolbring (2018) apresenta
algumas formas como pode ser percebido: tendo preferên-
cia por habilidades específicas, em detrimento de outras;
acreditando na noção de que as pessoas com deficiência são
menos capazes; seguindo o Modelo Médico de deficiência,
em que levamos em consideração apenas a lesão, a limita-
ção; rejeitando a “variação do ser” e considerando que todos
deveriam ser iguais; e justificando hierarquias, valorizando
alguns, em detrimento de outros.
Como visto, da mesma forma como está presente em
todos os aspectos da vida do sujeito que está “fora das
normas”, ações que julgam pessoas com deficiência pela
capacidade também acontecem no âmbito escolar. As bar-
reiras existentes impactam nos estudantes com deficiência,
como pode ser observado por Dias (2013), relatando que
grande porcentagem das pessoas com deficiência não con-
cluiu o 1° ano da escolarização.
Analisando as situações descritas, apresentamos situa-
ções importantes para a compreensão de alguns dos motivos
pelos quais estes fatos ocorrem, de acordo com os estudos
capacitistas que apresentamos neste texto, relacionando com
nossas vivências.
No que se refere a situação 1, em que o professor cego
precisa custear sua acessibilidade para que conclua suas
atividades de trabalho, podemos pensar algumas alternati-
vas. Nesse caso, precisa de alguém para fazer a leitura dos
160
materiais que recebe dos estudantes. Mas a escola não ofe-
rece o recurso humano necessário para isso e o docente tem
de desembolsar do salário para pagar alguém. Uma alter-
nativa seria a escola oferecer o recurso necessário para este
professor trabalhar. Outra possibilidade, tendo em vista que
agora com o aumento do uso de tecnologias, os trabalhos
podem ser entregues em formato digital, porém, esse acesso
ainda não é oportunizado a todos os estudantes, principal-
mente àqueles oriundos de escolas públicas.
Outro ponto importante, nesse caso, é pensarmos na
pessoa com deficiência como um profissional da educação,
e não somente como estudante, como muitas pessoas pen-
sam, quando falamos em pessoa com deficiência no contexto
escolar. Voltamos à questão que realizamos antes: Quantos
professores(as) com deficiência tivemos ao longo da nossa
trajetória acadêmica?
Também corrobora com Dias (2013), quando apresenta
o dado de que somente 1% das pessoas com deficiência
trabalha de maneira formal. Qual motivo para tal fato? Será
que todos temos as mesmas oportunidades? Se as pessoas,
tanto com quanto sem deficiência, tiverem oportunidade de
recursos e educação, também podem ser bons profissionais
e ocupar postos de trabalho de forma equitativa.
Na situação 2, podemos configurar tal ação do professor
como atitude capacitista. É tão sutil que pode se naturali-
zar como normal. Ao lembrar das aulas do ensino básico, a
estudante com deficiência visual recorda de algumas vezes
em que utilizavam o recurso de filme ou documentário
legendado e, nestas situações, não assistia e não fazia a ati-
vidade, pois dependia de alguém para realizar a descrição.
Como uma estudante cega teria acesso ao material sem que
houvesse alguma mediação? Materiais que não chegavam
a tempo, materiais sem adaptação, são rotinas na maioria
da experiência escolar de estudantes com deficiência visual.
Outro ponto importante é que ao entregar atividade, tarefa
ou prova, havia uma demora na devolutiva, pois o material
161
tinha de ir para outra instituição para que fosse elaborada
a transcrição, quando o estudante não estava estudando
em uma escola que tinha sala de Atendimento Educacional
Especializado (AEE), recebendo as correções semanas depois
dos demais estudantes.
Nesse caso, vários fatores podem ser destacados, tais
como: a falta de capacitação do corpo docente na formação
inicial e continuada e, também, de atualizações periódicas;
a utilização da hora-aula para planejamento na educação
básica; mais hora-aula para planejamento das atividades; em
alguns casos, há sobrecarga dos professores com 40 horas ou
até 60 horas de aula por semana. Muitas turmas e o grande
número de estudantes, podem interferir no planejamento e
na qualidade do ensino, além de problemas estruturais e ine-
xistência de recursos para adaptação do material.
Algumas dessas ações se perpetuam, devido ao fato de
que os estudantes, muitas vezes, desconhecem seus direi-
tos, as tecnologias assistivas e materiais que podem utilizar,
bem como desconhecem o que é capacitismo. Cabe salientar
que, segundo Dias (2013), há diversas ações afirmativas que
tentam trabalhar de forma conjunta para que seja possível
ampliar a politização e experiência das pessoas com defici-
ência na sociedade, com intuito de
[...] problematizar e compreender as causas de
invalidez, exclusão, opressão e da marginalização
das PcDs, promover práticas que permitem incluir
e informar, instituir e fiscalizar uma legislação de
políticas antidiscriminatórias; desenvolver métodos
transversalmente das quais as pessoas com defici-
ência compartilhem mais plenamente no processo
de pesquisa; agenciar uma comunidade inclusiva.
No entanto, mesmo com tanto esforço e empenho
da sociedade civil, do governo, da comunidade cien-
tífica e dos ativistas com e sem deficiência, parece
muito longe, infelizmente, uma sociedade que consi-
dere as pessoas com deficiência parte de seu todo e

162
cada pessoa deste segmento um ser humano total-
mente cidadão (DIAS, 2013, p. 4).
Quando tratamos sobre a falta de acessibilidade do mate-
rial, como descrito na situação 3, além do que destacamos em
relação a situação 2, algumas outras questões podem ser indi-
cadas como motivo para que este fato se repita, ainda com
frequência, no atendimento aos estudantes com deficiência
no contexto escolar. Muitas vezes há desconhecimento em
relação ao material que o estudante necessita, o que pode-
ria se resolver, se o profissional perguntasse ao estudante. É
importante que o professor tenha autonomia para adequar e
modificar o método que considerar mais adequado conforme
seus objetivos, sempre levando em consideração para que
possa apoiar o estudante a expressar-se da melhor maneira,
conforme a sua possibilidade. Tal ação vem ao encontro do
que se propõe, a partir do estudo do Desenho Universal para
Aprendizagem (Universal Design for Learning – UDL), que
segundo Rose e Meyer (2002 apud BERSCH, 2017, p. 19),
[...] é um conjunto de princípios baseados na pes-
quisa e constitui um modelo prático para maximizar
as oportunidades de aprendizagem para todos os
estudantes. Os princípios do Desenho Universal se
baseiam na pesquisa do cérebro e mídia para ajudar
educadores a atingir todos os estudantes a partir da
adoção de objetivos de aprendizagem adequados,
escolhendo e desenvolvendo materiais e métodos
eficientes, e desenvolvendo modos justos e acura-
dos para avaliar o progresso dos estudantes.

Verificar a melhor forma de elaborar o material, é pri-


mordial. Cada estudante é único, e saberá informar de que
maneira este pode ser confeccionado ou disponibilizado.
Como exemplo, citamos a vivência da Sabrina, que durante
o período escolar, tinha resíduo visual e conseguia identificar
letras, números e cores. Os materiais como mapas, esque-
mas eram adaptados utilizando-se texturas e, também, cores
163
primárias com fundo branco. Durante os últimos anos do
ensino, nas provas objetivas bimestrais, recebia a prova em
Braille, mas como a transcrição do Braille demorava para
ficar pronta após a prova, e no momento da correção da
avaliação, junto aos seus colegas, possivelmente não esti-
vesse com ela devido à demora, uma estratégia utilizada foi
de escrever o número da questão e a letra da resposta em
uma folha de papel utilizando caneta hidrocor. Dessa forma,
as provas eram em Braille, porém, realizava as respostas em
tinta para poder acompanhar a turma, entretanto, essa alter-
nativa somente era viável em provas objetivas.
Em situações em que haja a necessidade de adequação,
caso o estudante não tenha condições de falar diretamente
sobre suas necessidades, pode-se testar com ele diferen-
tes materiais para identificar qual(is) o(s) mais adequado(s).
Percebe-se, também, que há o desconhecimento dos estudan-
tes sobre as possibilidades e recursos existentes; e que essas
informações estão dispersas em vários locais, como normas
de acessibilidade, diretrizes, recomendações, entre outras.
Além da conduta capacitista do professor, da falta de
conhecimento dele em relação às pessoas com deficiência,
percebe-se, na situação 4, o quanto as pessoas atribuem
à deficiência como algo visível, como por exemplo, aquela
relacionada ao Modelo Médico, atribuindo lesão. Nos casos
em que a deficiência não é visível em relação a sua aparência,
como por exemplo, na situação 4, em que a estudante apre-
senta deficiência intelectual, ao invés de conversar diretamente
com a estudante, o professor conversa com a monitora, na
presença da estudante, tendo esta atitude capacitista. A infan-
tilização, ou seja, se referir diretamente ou indiretamente a
outra pessoa de forma infantil, por motivo de deficiência,
também é comum de acontecer nesses casos. A estudante
também não percebe, assim como na situação 2, sobre o
capacitismo pelo qual está experienciando de forma silen-
ciada ou desconhecida. Sobre este silenciamento e aceitação
ou desconhecimento do capacitismo, Mello (2016, p. 3267)
164
discorre que “é interessante notar que o Art. 2 da Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência faz jus a este
silêncio”, o qual foi mencionado anteriormente, ao definir a
discriminação que acontece por motivo de deficiência.
Na vivência apresentada na situação 5, percebemos
diversos aspectos a serem pontuados, os quais também estão
presentes nas situações 2, 3 e 4. Há um desconhecimento do
professor sobre a deficiência do estudante, o material não
foi adaptado e, portanto, não está adequado para o jovem e,
por este motivo, prefere retirar a questão de sua prova. Bock,
Gesser e Nuernberg (2018) salientam que, além de pensar na
deficiência, é preciso pensar na condição de cada estudante.
De acordo com os autores,
As pessoas não são definidas exclusivamente pela
sua lesão, existe uma completude de características
que abarca essa variação corporal e funcional e esta
vai além do diagnóstico clínico. Ações que possibi-
litam o acesso e a participação efetiva de pessoas
com diferentes condições não podem ser propos-
tas apenas sob a égide de legislações, mas, sim,
por compreender que são necessárias mudanças
na adoção de estratégias metodológicas para que
elas estejam adequadas às necessidades, às poten-
cialidades, enfim, às características de cada pessoa
(BOCK; GESSER; NUERNBERG, 2018, p. 145).

Ainda, o profissional não se dirige diretamente ao estu-


dante ao falar sobre a questão, dizendo para a monitora que
lhe acompanha. Mais uma situação capacitista que talvez
não tenha sido percebida pelo estudante, por desconheci-
mento ou talvez por, naquele momento, ter percebido como
“vantagem” ter que realizar uma questão a menos na prova.
Todos esses exemplos indicam para um caminho, em
que é perceptível o desconhecimento, a falta de empatia e
a necessidade de formação dos profissionais de educação
para atuarem com as pessoas com deficiência. Ressaltamos,
165
também, o quanto o capacitismo é estrutural e estruturante
em nossa sociedade, que está presente em todos os espaços,
ao passo que inúmeras situações, como as que foram rela-
tadas, são naturalizadas e ainda é preciso um olhar atento,
tanto das pessoas com deficiência quanto de profissionais,
para perceber e discutir essas situações. A naturalização
vem na forma do “desconhecimento” e da falta de empa-
tia. Sabemos que há diversos motivos que atravessam essa
dificuldade, como citamos no decorrer do texto, e que nem
sempre há falta de vontade por parte do(s) profissional(is).
Entretanto, cabe o questionamento: até quando vivenciare-
mos situações como estas e perpetuaremos estas ações no
contexto escolar?
Com base no exposto, sendo o capacitismo o preconceito
direcionado às pessoas com deficiência e que permeia todos
os aspectos sociais do indivíduo na educação, na saúde, no
lazer, na cultura, na família, relações sociais entre outros, pen-
sar em nossas práticas e quais podem ser capacitistas é um
exercício de cidadania. Uma das estratégias anticapacitistas
é construir uma sociedade mais empática com o outro, que
não discrimina ou julga a capacidade por motivo de defici-
ência. Ter um olhar crítico sobre nossas ações e práticas é
fundamental para uma escola mais inclusiva, diversa (plural).
A adequação das aulas para todo e qualquer estudante, o
tempo de capacitação, planejamento de aulas, bem como a
valorização do profissional da educação como um todo, con-
tribuem com a inclusão.
É apresentando exemplos de situações capacitistas e anti-
capacitistas, que as discussões sejam levadas não apenas em
meios acadêmicos, mas em todos os espaços, pois socialmente
é que poderemos pensar em ações para todos, baseadas no
desenho universal para a aprendizagem, pois é necessário
pensar em atitudes anticapacitistas em todos os contextos.
Infelizmente muitas pessoas com deficiência não con-
seguem completar o primeiro grau da escolarização, como
apresenta Dias (2013). Vários são os motivos, dentre os quais,
166
está o capacitismo, pois a atitude é a primeira barreira a ser
rompida para que outras barreiras possam ser eliminadas. O
número de pessoas que concluem o ensino médio e aquelas
que conseguem iniciar ou concluir o ensino superior é muito
pequeno, e isso reflete diretamente na capacitação profis-
sional e posterior inserção no mercado de trabalho. Quais
outros motivos para a evasão escolar de pessoas com defici-
ência? Convidamos você a refletir sobre!
Nesse cenário, torna-se cada vez mais importante
que os profissionais da educação repensem suas práticas
pedagógicas para que estas sejam inclusivas e coerentes,
levando em consideração as individualidades dos sujeitos,
mas não os diferenciando devido as particularidades ou
tendo uma visão capacitista por conta disso. É uma tarefa
bastante difícil e que exige estudo e dedicação, mas que
precisa urgentemente acontecer.
Este capítulo de modo algum pretende encerrar as dis-
cussões sobre o tema, mas problematizar e trazer alguns
exemplos do cotidiano para dar continuidade a discussões
que precisam estar em pauta em todos os espaços, não ape-
nas escolares. É preciso tratar com mais profundidade e, com
certeza, é imprescindível mais pesquisas a respeito.
Muitos professores de ensino básico não têm tempo para
planejamento ou incentivo para se aperfeiçoar, ou realizar for-
mação continuada. Seria importante que tivessem mais horas
de dedicação. Fica a sugestão, como também que se apro-
ximem dos estudantes ou colegas com deficiência com os
quais trabalham, pois a partir dessa relação, as práticas capa-
citistas poderão ser minimizadas ou extinguidas entre eles. É
necessário que se ampliem as reflexões e discussões sobre a
temática do capacitismo, não só relacionado com o contexto
escolar, mas também, nos outros âmbitos da sociedade. Estes
são pontos que sugerimos para pesquisas posteriores.

167
REFERÊNCIAS
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nível em https://www.assistiva.com.br/Introducao_Tecnologia_Assistiva.
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venção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
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2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-
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169
CAPÍTULO 7

ESTUDOS DA DEFICIÊNCIA:
IMPLICAÇÕES DO CAPACITISMO
NO ÂMBITO DO ENSINO SUPERIOR
Adenize Queiroz de Farias
Andreza Vidal Bezerra
Lívia Laenny Vieira Pereira de Medeiros
Jackeline Susann Souza da Silva

1. INTRODUÇÃO

No ambiente universitário, experiências excludentes e


discriminatórias são recorrentes, seja no percurso acadêmico,
seja na atuação profissional de pessoas com deficiência.
Tratam-se de crenças equivocadas, segundo as quais, essas
pessoas estariam inaptas para assumir funções proativas ou
posições de destaque.
Neste texto, tais práticas são denominadas capacitismo,
termo que, de acordo com Andrade (2015), Farias (2017) e
Mello (2014), autores que oferecem as bases teóricas para
esta pesquisa, expressa todas as formas de opressão e sub-
jugamento que contrapõem a capacidade das pessoas, em
razão da condição de deficiência.
Diante do exposto, argumentamos que, embora a
Universidade se caracterize como espaço privilegiado à
formação intelectual e à produção de conhecimento, a
manifestação de atitudes capacitistas está presente no
cotidiano acadêmico de estudantes e profissionais com
deficiência, processo que se potencializa quando se trata
de mulheres nesta condição.
170
O presente estudo tem como objetivo elucidar as experi-
ências capacitistas vivenciadas por mulheres com deficiência
no âmbito do ensino superior, refletindo como tais experiên-
cias incidem em seu percurso acadêmico, assim como na sua
atuação profissional.
Para tanto, a palavra será concedida a discentes, bem
como a docentes e servidoras com deficiência vinculadas
a universidades nordestinas, indagadas nesta investigação,
cujas vozes auxiliarão a identificar discursos e práticas, explí-
citas ou veladas, que reforçam contextos de desigualdade,
cotidianamente vivenciadas no ambiente universitário.
O texto se inicia com uma breve conceituação do capaci-
tismo refletido, a partir das contribuições do Disability Studies.
À luz dessa definição, indicamos, na sequência, alguns desa-
fios experienciados por mulheres com deficiência no âmbito
das Instituições de Ensino Superior (IES). Posteriormente, expli-
citamos os passos que conduziram a realização do presente
estudo, culminando com a apresentação e discussão dos
dados coletados, seguido de breves considerações das autoras.

2. DEFICIÊNCIA E CAPACITISMO NA
ABORDAGEM DOS DISABILITY STUDIES
As pessoas com deficiência têm sido, por séculos, expostas
a diferentes tipos de barreiras e mantidas em uma posição de
desigualdade em relação às pessoas sem deficiência. Aquele
grupo social, sistematicamente, vive experiências de discri-
minação, preconceito, exploração, negligência, abandono,
segregação e isolamento (AINSCOW, 1993; FERREIRA, 2006;
MELLO; FERNANDES, 2017; SILVA, 2014).
Para corrigir o contexto de grande exclusão e discri-
minação, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência (ONU, 2006) defende a garantia dos direitos
humanos, da segurança e da liberdade plena para esse
grupo social. A Convenção (ONU, 2006) enfatiza a indefini-
ção do termo deficiência, uma vez que essa condição, mais
171
que uma estrutura corporal biologicamente comprometida, é
resultado de distintas relações com o ambiente. Em suma, o
texto se refere à deficiência como condição individual – com-
prometimento físico, sensorial e/ou intelectual – associada à
interação com o meio ambiente. O preâmbulo do documento
transfere o estado de “deficiência” para a interação social
(ONU, 2006).
Baseada em estudos realizados em diversos países, a
Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou em 2011, o
modelo “biológico-psíquico-social” para definir os tipos de
deficiência na nova Classificação Internacional de Funcionali-
dade, Incapacidade e Saúde (CIFS). A nova CIFS compreende
“funcionalidade e deficiência como a interação dinâmica
entre problemas de saúde e fatores contextuais” (OMS, 2011,
p. 16). A mudança da CIFS conceitua a deficiência a partir de
indicadores da funcionalidade humana, articulados ao grau
de participação social da pessoa, que pode variar de acordo
com a “classificação de facilitadores e/ou barreiras; fatores
ambientais e/ou pessoais” (OMS, 2011, p. 16).
A partir dessa nova definição e, sobretudo, em decorrên-
cia do ativismo fortemente exercido por homens e mulheres
com deficiência que, no Brasil, se intensificou, na década de
1980, tornando nítido o avanço político e teórico da pers-
pectiva social da deficiência, no discurso oficial. No entanto,
é preciso que essa discussão avance quando propõe analisar
a experiência da deficiência, a partir do prisma da cultura,
constituído na subjetividade e nas relações de poder na edu-
cação superior. Pesquisadores e pesquisadoras de vertentes
pós-estruturalistas, assim como estudiosas feministas (DINIZ;
GUILHEM, 2000; MELLO; FERNANDES, 2017; MELLO; NUER-
NBERG, 2012; MORRIS, 1991; PINTO, 2013) vêm ampliando as
análises sobre a deficiência em suas intersecções e a cultura
torna-se pano de fundo de investigação.
Nessa direção, os Disability Studies questionam as pes-
quisas que abordam a deficiência como uma realidade
objetiva, concreta e definida, cuja análise está centrada
172
apenas no indivíduo com deficiência ou no ambiente. Bus-
cam perceber as relações entre as pessoas com deficiência,
pessoas sem deficiência e ambientes dentro de arranjos
culturais. O campo dos Disability Studies é referência na des-
construção da categoria deficiência, a partir dos significados
implicados na posição da não deficiência (SILVA, 2014, 2019).
Nessa linha, segundo Mello e Nuernberg (2012), o com-
parativo de valor que compõe aquilo que é deficiência e não
deficiência baseia-se no pressuposto da corponormatividade
compulsória. Este conceito é relevante para compreender a
visão predominante nos discursos públicos sobre a defici-
ência. A estrutura social qualifica “[...] determinados corpos
como inferiores, incompletos ou passíveis de reparação/
reabilitação quando comparados aos padrões hegemônicos
funcionais/corporais” (MELLO; FERNANDES, 2017, p. 13) e,
com isso, valoriza determinados atributos físicos em detri-
mento de outros, criando padrões sociais para a forma como
o corpo e a mente devem ser e se apresentar (SILVA, 2014).
Associado ao conceito de corponormatividade, está o
capacitismo que significa:
A discriminação praticada contra as pessoas com
deficiência. Trata-se de uma categoria que define
a forma como as pessoas com deficiência são tra-
tadas como incapazes (incapaz de trabalhar, de
frequentar uma escola de ensino regular, de cur-
sar uma universidade, de amar, de sentir desejo, de
ter relações sexuais etc.) aproximando as deman-
das dos movimentos das pessoas com deficiência a
outras discriminações como o sexismo, o racismo e
a homofobia (MELLO; FERNANDES, 2017, p. 6).

O capacitismo é a discriminação contra as pessoas com


deficiência em comparação aos padrões de beleza, de funcio-
nalidade e de formas homogêneas de ser capaz. O capacitismo
se expressa de distintas maneiras em homens e mulheres
com deficiência, porque intensifica outras marcas identitárias
173
como raça-etnia, gênero, condição de vida e orientação sexual
(SILVA, 2019). A partir das contribuições acerca do capacitismo,
compreendemos que a deficiência não deve ser entendida
como uma categoria fixa e essencialista (WOODWARD, 2000),
conforme descrevem alguns manuais que definem as supostas
características dos estudantes com deficiência e as “maneiras
adequadas” de convivência e aprendizagem (SILVA, 2014).
Concepções essencialistas sobre a deficiência contribuem
para as representações sociais limitantes, generalizadas e
homogeneizantes (SILVA, 2014, 2019); além de não conside-
rar as diferenças de habilidades, gênero, orientação sexual,
estilo de vida, gostos, competências, mobilidade, expressões,
comunicação, isto é, as diferentes formas em que as pessoas
“experienciam sua deficiência” (PINTO, 2013, p. 1) nos variados
contextos sociais, como na família, escola, ensino superior,
espaços de lazer, dentre outros.
A supervalorização dos atributos da não deficiência
contribui para a cultura de incapacidade, relacionada às
pessoas com deficiência, que é retratada de maneira implí-
cita e explícita nos discursos públicos que circulam nos
meios de comunicação, nas políticas educacionais e nas
relações cotidianas. Ao tratar de sistemas discursivos, Sar-
dagna (apud LOPES; DAL’IGNA, 2007, p. 17) argumenta que
estes “já estão com suas regras, que nos imprimem modos
de viver”, ou seja, as práticas culturais, sempre produtivas,
não existem livres do sistema discursivo porque:
[...] os discursos produzem saberes que, articulados,
constituem políticas, políticas essas que, em outras
dimensões, funcionam como condições de possibilida-
des para que ordens sociais sejam criadas e mantidas
e para que outras práticas e verdades sejam estabele-
cidas (SARDAGNA apud LOPES; DAL’IGNA, 2007, p. 175).

Segundo Silva (2014), a educação superior é exemplo


de espaço social composto por discursos normativos advin-
dos de políticas do ensino superior, organização curricular
174
e normatização da própria dinâmica de convivência. Enten-
demos, com isso, que o capacitismo gera barreiras aos
estudantes com deficiência no ensino superior, já durante
o acesso a essa etapa, estando presente nos mais diversos
exames, constituindo-se, dessa forma, em mecanismos para
a seleção daqueles tidos como dotados de capacidades para
estar na educação superior, capacidade essa estabelecida
a partir da norma de não deficiência (SILVA, 2014). Nessa
ordem, a cognição é supervalorizada em modelos avaliati-
vos, excluindo, em razão de mecanismos diversos, corpos e
mentes que não se enquadram aos padrões de inteligência,
ritmo e funcionalidade (SILVA, 2020).
A tradição de visibilidade da incapacidade da pessoa com
deficiência (SOARES, 2010) é intensificada pelo ambiente,
predominantemente, meritocrático e individualista da edu-
cação superior. Da mesma forma, o capacitismo opera na
cultura acadêmica e limita a trajetória de homens e mulhe-
res com deficiência no ambiente universitário, conforme
demonstram as experiências de docentes, discentes e servi-
doras com deficiência, retratadas no presente estudo. Antes,
porém, discutiremos a questão a partir de experiências das
autoras, alinhadas às discussões teóricas já publicadas.

3. MULHERES COM DEFICIÊNCIA


E MÚLTIPLAS FACES DE OPRESSÃO
NO AMBIENTE UNIVERSITÁRIO

Como exposto anteriormente, já há estudos apontando as


inúmeras barreiras decorrentes da condição da deficiência que,
para homens e mulheres nesta condição, limitam as possibili-
dades de acesso, permanência, sucesso e participação nas IES,
seja enquanto discentes, seja no exercício de funções laborais.
Como reflexo do que ocorre em contextos sociais mais
amplos, também no ambiente acadêmico, as experiências de
exclusão e discriminação se potencializam para as mulheres
175
com deficiência, o que se dá, tanto em razão de negligên-
cias na efetivação das políticas de inclusão e acessibilidade,
como pela adoção de atitudes pouco sensíveis às demandas
deste segmento.
Inicialmente, consideramos importante ressaltar, que
investigar a presença e a participação da mulher com deficiên-
cia no ensino superior implica adentrar uma temática pouco
explorada no universo da pesquisa no Brasil (FARIAS, 2017).
Nesse sentido, observamos nas últimas décadas, impulsio-
nadas pelas leis de inclusão, que pessoas com deficiência
ampliam sua participação no ensino superior. Todavia, no
tocante à obtenção de dados, verificamos que questões de
gênero ainda são negligenciadas.
As fontes pesquisadas revelam que, entre os anos 2010
e 2013, as matrículas de pessoas com deficiência no ensino
superior aumentaram quase 50%, sendo 30 mil estudan-
tes em 2013, enquanto em 2010, eram pouco mais de 19
mil (BRASIL, 2015). No entanto, nas fontes supracitadas, não
localizamos estatísticas que quantificasse essas matrículas a
partir de critérios de gênero, o que não nos permitiu identifi-
car se houve avanços no tocante à participação de mulheres
com deficiência, nesta etapa de ensino.
A nosso ver, a ausência de dados que identifiquem a
presença de mulheres com deficiência no ensino superior
é danosa, não apenas por reforçar o histórico ciclo de invi-
sibilidade experienciado por tais sujeitos (MEDINA, 2020),
mas, sobretudo porque, de certo modo, isenta a gestão uni-
versitária, no tocante à adoção de políticas e medidas que
contemplem suas demandas. Torna-se, portanto, urgente
adotar medidas, no sentido de verificar quem são e onde se
situam as mulheres com deficiência dentro das IES, a fim de
publicizar experiências exitosas de participação e empodera-
mento, por vezes mantidas no anonimato.
Outro aspecto que marca a opressão deste segmento no
contexto do ensino superior, diz respeito ao fato de que, se
por um lado, a escolha por determinados cursos é rechaçada
176
para muitas mulheres em razão do sexo, por outro, a con-
dição da deficiência agrava drasticamente esse processo,
sendo estabelecida como impedimento grave, o que se dá,
tanto por meio de diagnósticos médicos, como pelos pare-
ceres de docentes ou de servidores técnico-administrativos
nas diversas IES.
A experiência da superproteção, fortemente vivenciada
por mulheres com deficiência, se comparado aos homens
nessa condição, se apresenta como mais um elemento
opressor no ambiente universitário. Tais mulheres são con-
tinuamente privadas, por seus professores e colegas, seja no
tocante ao cumprimento de determinadas atividades acadê-
micas, seja em relação à participação em vivências para além
do espaço de sala de aula, ratificando, dessa forma, práticas
capacitistas, frequentemente, repetidas no ambiente familiar
e na educação básica.
O acesso de pessoas com deficiência no ensino
superior é um desafio na contemporaneidade, os
embates, os conflitos, a disputa de poder se dá todos
os dias nos diferentes espaços onde estes sujeitos
se encontram. É nesta correlação de forças, que os
sujeitos são constituídos e constituem a materia-
lidade de suas vidas na sociedade em que vivem
(ANSAY, 2015, p. 183).

Diante desse cenário adverso, acreditamos que uma


saída viável, no sentido de ampliar as possibilidades de poder
e participação das mulheres com deficiência, consiste em
ressignificar políticas e práticas atualmente adotadas no
ensino superior brasileiro, o que, a nosso ver, contribuirá para
a construção de uma cultura menos excludente, ampliando a
participação das mulheres que, em razão da deficiência, por
vezes tem sua inscrição recusada para a participação como
bolsistas em projetos de pesquisa e extensão, cujo olhar
capacitista, via de regra, as define como meras beneficiárias
ou objetos de investigação.
177
Ao considerar que escolas e universidades reproduzem
obstáculos que reforçam experiências de desigualdades/
vulnerabilidade de mulheres com deficiência, enfatizamos
a necessidade de se investir em uma mudança na estrutura
educacional oferecida a essas pessoas, de modo a permitir
que elas próprias tomem consciência de seu papel enquanto
agentes de transformação e remoção dos obstáculos que
afetam, particularmente, aquelas mulheres que, além da
deficiência, são multiplamente oprimidas por condições geo-
gráficas, raciais, econômicas, entre outras.
Para tanto, a arquitetura, o currículo e as atividades, enfim,
todo o ambiente universitário deve ser verdadeiramente aco-
lhedor, de forma que o respeito à dignidade do ser humano
seja, não apenas discutido, como também, exercido no dia a
dia por toda a comunidade acadêmica (MACHADO, 2008), o
que somente será possível, a partir de transformações subs-
tanciais nas mais diversas estruturas que privilegiam o corpo
como elemento de discriminação e exclusão social.

4. PERCURSO METODOLÓGICO

Entendemos que os estudos da deficiência devem se


debruçar, cada vez mais, sobre a realização de investigações
que articulem essa condição a outros marcadores da desi-
gualdade humana, as quais também deverão situar-se na voz
dos próprios sujeitos com deficiência, a fim de evidenciar o
lema mundialmente disseminado, “Nada sobre nós, sem nós”.
Com base nessas concepções, o presente estudo busca
elucidar experiências capacitistas, fortemente vivenciadas
no ensino superior, que se potencializam quando se trata
de mulheres com deficiência, razão pela qual as escolhemos
como público-alvo desta investigação.
Além disso, julgamos imperativo contribuir para uma
maior visibilidade no tocante às vozes e às experiências de
mulheres nordestinas com deficiência, inseridas em Institui-
ções de Ensino Superior (IES), por entendermos que, quando
178
observamos a produção científica brasileira, esta região ainda
se encontra à margem no cenário nacional.
Diante do exposto e considerando o contexto decor-
rente da pandemia do Covid-19, optamos pela aplicação de
um questionário on-line como recurso metodológico para a
obtenção dos dados propostos na presente pesquisa, visto que
tal recurso nos permitia atingir um grande número de pessoas,
mesmo que estejam geograficamente distantes, garantindo o
anonimato das respostas, além de não influenciar a comuni-
dade investigada, em relação às hipóteses pré-estabelecidas
pelas pesquisadoras (GIL, 2019).
Após a escolha do instrumento supracitado e, ainda,
considerando a expertise tecnológica e conceitual das pes-
quisadoras em torno da temática em foco, elaboramos
indagações, algumas objetivas e outras discursivas, acerca
do capacitismo e possíveis correlações com questões de
gênero, concedendo voz à comunidade investigada, pro-
posta central do presente estudo.
O questionário foi disseminado em diversos grupos do
WhatsApp, nos quais havia a presença de mulheres nor-
destinas nessa condição, sendo disponibilizado ao público
por intermédio do Google Forms, no período de 10 dias.
Após o fechamento do formulário, alcançamos o quan-
titativo de 10 mulheres que, na seção dedicada a análise
dos dados, serão simplesmente denominadas S1, S2, S3
e assim por diante. Dessas, 70% são pessoas com defici-
ência visual e 30% com deficiência física, implicando em
uma considerável lacuna, tendo em vista a ausência das
demais deficiências. Outra lacuna, diz respeito aos esta-
dos nordestinos que aderiram a proposta investigativa,
os quais totalizaram apenas três, sendo, a grande maioria
das respondentes, vinculadas a IES do estado da Paraíba,
o que se deu, certamente por se tratar da unidade federa-
tiva proponente do estudo.
Registramos, ainda, que a pesquisa contemplou mulhe-
res com idade entre 20 e 55 anos, sendo 50% discentes, 30%
179
docentes e 20% servidoras técnico-administrativas. Destas,
90% pertencem a universidades públicas.
Ressaltamos, finalmente, que o estudo está ancorado em
uma pesquisa maior intitulada “Mulheres com deficiência no
ensino superior: analisando a política de inclusão e acessi-
bilidade nas universidades federais nordestinas”, a qual tem
como objetivo analisar a efetivação da política de inclusão e
acessibilidade para pessoas do sexo feminino, em instituições
federais nordestinas de ensino superior. A referida pesquisa
foi submetida ao conselho de ética em pesquisa e aprovada
por meio do parecer número 4563893.

5. EXCLUSÃO E DISCRIMINAÇÃO
NO AMBIENTE UNIVERSITÁRIO:
VOZES DE MULHERES NORDESTINAS
COM DEFICIÊNCIA

Para analisar os achados desta investigação, procuramos


dialogar com estudiosos da área da deficiência, em particu-
lar, com autores/autoras, que discutem esse conceito, a partir
de uma perspectiva feminista. Além disso, há duas categorias
analíticas, a saber: inferiorização e heroicização da mulher com
deficiência. “[...] quando eu estudava na graduação, no estado
da Paraíba, alguns professores me liberavam de cumprir deter-
minadas atividades, talvez por ser PcD (participante S3).
As desvantagens resultantes de concepções advindas do
Modelo Médico tendem a inferiorizar pessoas com deficiência,
sobretudo mulheres nessa condição, em outras palavras, tal
processo implica em uma compreensão equivocada, de acordo
com a qual, estas estariam impossibilitadas de desempenhar
tarefas mais complexas, a exemplo das atividades acadêmicas,
como evidenciado no depoimento acima.
Ainda sobre essa questão, a participante S9 comenta: “Uma
professora colocou as piores peças em uma prova de Anato-
mia pensando que eu não teria capacidade de responder”.
180
Esta é mais uma faceta do capacitismo, explicitamente
manifesto, por um lado, pelas situações ou atitudes que infe-
riorizam/infantilizam uma pessoa com deficiência, e, por outro,
a partir de ocorrências que põem em xeque o potencial dessas
pessoas, que, por vezes, se sentem pressionadas a demonstrar
que podem cumprir com êxito o que lhe foi solicitado.
Dessa discrepância entre aquilo que a sociedade me
oferece e aquilo que tenho como limitação de meu
corpo é que surge o estereótipo do herói: exemplo
de superação que, apesar de todas as injustiças, obs-
táculos e problemas, é capaz de sustentar uma vida
produtiva e até se destacar em alguma atividade
(ANDRADE, 2015).

Há, portanto, que se implementar uma série de medidas


no âmbito da universidade e da sociedade em geral, com a
finalidade de evitar o equivocado discurso que coloca a pes-
soa com deficiência como exemplo de superação, concepção
já refutada, sobretudo pelos jovens nessa condição.
Outro discurso recorrente e, não menos abusivo, coloca
as pessoas com deficiência em uma espécie de pódio, o que,
consequentemente, lhes nega possibilidades de uma convi-
vência igualitária com seus pares, seja na universidade, seja
em qualquer outro espaço social.
[...] na graduação sempre havia comparação com
outros colegas que não tinham um bom desempenho
e era sempre ressaltado que eu que tinha deficiência
conseguia me sobressair bem (Participante S1).
Ouvi várias vezes de docentes e discentes que era
forte e especial por ser docente com deficiência
(Participante S2).
Tive que ouvir alguns comentários diretamente, rela-
cionado a que tinham muito orgulho de mim, que se
fossem eles na minha pele não saberiam como che-
gar até ali com a deficiência, me admiravam muito
(Participante S3).
181
As falas acima, explicitam que, nem mesmo os docentes do
ensino superior, profundamente imersos no universo da leitura
e da pesquisa científica, conseguem se desvencilhar das men-
talidades capacitistas tão perceptíveis em nossa sociedade.
Assim como ocorre com a inferiorização, a supervaloriza-
ção da condição da deficiência gera também nos espaços de
educação formal, experiências de segregação desses sujeitos,
frequentemente rotulados como especiais, razão pela qual
tendem a conviver em ambientes mais restritos. No contexto
das IES, por exemplo, disseminou-se uma estreita associação
entre discentes ou servidores com deficiência aos seus moni-
tores ou respectivos núcleos de acessibilidade. Já os docentes,
são frequentemente relacionados aos componentes curricu-
lares que abordam a educação especial.
Tal desafio também é recorrente na educação básica, o
que ocorre por meio de situações em que a condição da defi-
ciência se sobrepõe às demais dimensões humanas. A este
respeito Silva e Ferreira (2017, p. 7) denunciam:
[...] o foco na deficiência ou na patologia do estudante
enquanto grupo diferenciado. [...] mesmo quando os
estudos tratam de ‘aprendizagem na escola’, o foco
continua sendo colocado no ‘problema’ do/a estu-
dante – no distúrbio, transtorno ou dificuldade –,
ao invés de estar focado na sala de aula, no espaço
interacional onde a aprendizagem ocorre, na relação
docente-estudantes ou estudantes-estudantes, na
colaboração na sala de aula, ou na interação professor/a
de sala de aula regular e professor/a do atendimento
educacional especializado.

Ao menos do ponto de vista normativo, parece já haver


princípios orientadores no propósito de rechaçar tal con-
cepção. Nessa perspectiva, o documento base do Programa
Incluir, destaca que:
A inclusão das pessoas com deficiência na educação
superior deve assegurar-lhes, o direito à participação
182
na comunidade com as demais pessoas, as oportunida-
des de desenvolvimento pessoal, social e profissional,
bem como não restringir sua participação em determi-
nados ambientes e atividades com base na deficiência.
Igualmente, a condição de deficiência não deve definir
a área de seu interesse profissional (BRASIL, 2013, p. 11).

O passo seguinte consiste em convencer os diversos seg-


mentos da comunidade acadêmica, em particular aqueles
que não pesquisam sobre a temática deste estudo, de que
a inclusão é uma realidade possível, desde que sejam ofe-
recidas às pessoas com deficiência, as devidas condições de
participação em igualdade de condições com seus pares.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme explicitado neste texto, ao longo das últimas


décadas, o conceito de deficiência vem ganhando uma série
de novos contornos, deslocando-se de um viés meramente
biológico, imutável, a uma perspectiva sociocultural que, por
sua vez, é fluida e cambiante.
As teorias feministas, tomadas como base por pes-
quisadoras que compunham a segunda geração dos
Disability Studies, foram determinantes nesse processo de
reconfiguração conceitual.
Assim como ocorreu com as feministas norte ameri-
canas, esperamos contribuir, a fim de que a universidade
brasileira, ambiente notadamente marcado por discursos e
práticas capacitistas, evidenciadas pelos dados da presente
investigação, possa desvencilhar-se de concepções sexistas
e corponormativas, graças às quais, homens e mulheres são,
frequentemente, impedidos de desenvolver uma participa-
ção acadêmica e social efetiva.
A investigação despertou em nós e, quiçá, desperte
também nos leitores deste texto, o desafio de investir em
novos estudos, os quais as experiências de vozes de mulhe-
res com deficiência sejam privilegiadas, estas não são
183
heroínas nem tão pouco dignas de caridade, são somente
pessoas que, uma vez compreendidas em suas subjetivi-
dades, poderão ocupar lugar de destaque na família, na
universidade e na sociedade.
Enquanto pesquisadoras e ativistas comprometidas
com a luta em defesa dos direitos das pessoas e, particu-
larmente, das mulheres com deficiência, estamos cientes
de que é preciso fortalecer as ações com o propósito de
combater toda e quaisquer formas de opressão e discri-
minação tão recorrentes, mesmo naqueles ambientes
que se dedicam ao avanço científico e à produção de
novos conhecimentos.
Compreendemos, pois, que as lutas antissexistas e anti-
capacitistas devem compor um amplo movimento cultural,
no qual os mais diversos autores e autoras necessitam estar
envolvidos. Nesse sentido, destacamos o relevante papel a
ser desempenhado pela academia e, sobretudo, pelas pró-
prias mulheres com deficiência, em particular aquelas cujas
trajetórias são marcadas por experiências de enfrentamento
e compromisso ético com este coletivo, concretizando, dessa
forma, o princípio mundialmente defendido: “Nada sobre
nós, sem nós”.

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186
CAPÍTULO 8

O SERVIÇO PÚBLICO COMO ESPAÇO


DE TRABALHO DA PESSOA COM
DEFICIÊNCIA: PRESSUPOSTOS PARA
O DEBATE SOBRE O CAPACITISMO
Cláudia Iara Vetter
Daniele Marla Soares Dias
Geisa Letícia Kempfer Böck
Vera Lucia Batista dos Santos

1. INTRODUÇÃO

O capacitismo tem se revelado estruturante em nossa socie-


dade, e a escola enquanto parte que reflete o todo da estrutura
social, reproduz, a partir da lógica produtivista, um modo de ser
sujeito no mundo e, consequentemente, de ser e se reconhecer
no seu trabalho. Ao adentrar o mundo do trabalho, essa lógica
está presente, pois acompanhou a pessoa em todo o seu pro-
cesso de formação. Daí a importância de se propor o debate
sobre o serviço público como espaço de trabalho para pessoas
com deficiência e refletir sobre as vivências capacitistas que
permeiam seus espaços de atuação, a partir do Modelo Social de
deficiência e da compreensão acerca do capacitismo estrutural.
Este ensaio teórico foi proposto por um grupo de profis-
sionais que atuam de maneira direta no campo da deficiência,
tanto na educação quanto no universo do mundo do traba-
lho. Todas mulheres, profissionais, que em estudos coletivos
e escrita partilhada de experiências, se propuseram a dia-
logar sobre as implicações do capacitismo nos cotidianos
profissionais de servidores públicos com deficiência, tendo
187
como principais referências Martins e Fontes (2016), Barnes
e Mercer (1997), Débora Diniz (2007), Campbell (2001), entre
outros teóricos e pesquisadores. Para além dessas referên-
cias nas distintas áreas, atentamos para as falas cotidianas
das pessoas que vivenciam a experiência da opressão pelo
capacitismo em suas trajetórias profissionais.
A escrita percorrerá por distintos momentos, dos quais,
elementos teóricos e conceituais serão apresentados produ-
zindo uma conexão entre educação e trabalho. Para iniciar
serão apresentadas as concepções de deficiência e o capaci-
tismo: da educação ao mundo do trabalho e, em um segundo
momento, abre-se um diálogo sobre o trabalho e inclusão:
desmistificando paradigmas. Na sequência, o enfoque é no
serviço público como espaço de trabalho para pessoa com
deficiência e, por fim, uma reflexão das falas cotidianas sobre
os trabalhadores com deficiência do serviço público e os
lugares que ocupam. Ainda, nas considerações finais, serão
apresentadas algumas proposições para uma sociedade
anticapacitista, com justiça às pessoas com deficiência nas
suas trajetórias acadêmicas e profissionais.

2. DEFICIÊNCIA E CAPACITISMO:
CONCEPÇÕES E MARCAS
NA CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
PARA O MUNDO DO TRABALHO

Refletir sobre o serviço público como espaço de traba-


lho da pessoa com deficiência e as vivências capacitistas que
podem estar presentes nesse espaço e nas relações de tra-
balho, significa pensar sobre os movimentos sociais a pessoa
com deficiência e o quanto as concepções de cada época
ainda influenciam concepções e lugares ocupados por elas
na sociedade atual.
Assim, para reforçar a reflexão e o debate, se faz
necessário pensar, sobretudo, no capacitismo e sua lógica
188
estruturante, face a uma sociedade marcada pelo desres-
peito à pessoa com deficiência e demais grupos que não se
enquadram na lógica da norma, perpassando por uma histo-
rização dos diferentes modelos sociais de deficiência.
De acordo com Luiz (2020), as concepções de corpo
influenciaram a definição de deficiência no decorrer da his-
tória. Na Antiguidade há relatos do fascínio em torno do
corpo com deficiência; na Idade Média imperou o modelo
religioso da deficiência, ou seja, o corpo com deficiência era
associado a questões sobrenaturais do mal, castigo e, por
isso, digno de pena.
Nesse ínterim, a pessoa com deficiência passa a ser vista
com uma falta e vítima do próprio azar e da incapacidade,
precisando da caridade daqueles sem deficiência, logo, se
expressa o modelo caritativo da deficiência. No século XIX, a
deficiência passou a ser vista como uma falha corporal que
necessita de intervenções médicas para atingir a normali-
dade estética e funcional. E, temos o Modelo Médico, o qual
atribui à pessoa a responsabilidade por sua participação ou
não na sociedade.
No início do século XX, vivenciamos uma sociedade de
idolatria ao corpo, cujos excessos eram sinônimo de poder e
que, no decorrer do século, deu lugar ao corpo eficácia, uma
perspectiva capitalista de produtividade e de satisfação do
próprio sujeito estampado no mundo do trabalho.
De acordo com Diniz (2007), na década de 70 ganha força
o primeiro movimento organizado de pessoas com defici-
ência. Com a liderança de homens brancos com deficiência
física, questionou-se o Modelo Biomédico e pontuou-se que
a deficiência não poderia mais ser vista a partir da lesão cor-
poral, mas sim, a partir de uma experiência pessoal, na qual
a pessoa com lesão experimenta a deficiência quando em
contato com as barreiras existentes no meio social.
Estamos diante do Modelo Social da deficiência que reivin-
dica o direito de participação social e no mundo do trabalho,
a partir da eliminação das barreiras físicas. Embora houvesse
189
uma crítica contundente da Union of the Physically Impaired
Against Segregation (UPIAS) para a organização do mundo do
trabalho na lógica capitalista, ainda assim, havia o desejo de
acessar esse espaço e lutar pela qualificação dos modos de
produção e de ser trabalhador.
Contudo, Dias (2013) mostra que, nesse primeiro momento,
corpos com algum tipo de redução de funcionalidade foram
desconsiderados, pois focou-se nas estruturas sociais, igno-
rando a dimensão da lesão e da necessidade de cuidados
especiais para algumas pessoas com deficiência. Mulheres com
deficiência e cuidadoras de pessoas com deficiência afirmaram
que só a eliminação de barreiras não era suficiente, também
era preciso se pensar na experiência da dor e em uma Ética do
Cuidado, pois há pessoas com deficiência que necessitarão de
cuidados por toda a vida (KITTAY, 2011).
Importante ressaltar que no Brasil, conforme indica Luiz
(2020), o movimento das pessoas com deficiência teve forte
atuação política, participando da construção da Constituição
Federal Brasileira e tendo seus direitos presentes de modo
transversal nos capítulos. Além disso, em 2006, a conven-
ção da ONU sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência
adquiriu caráter de emenda constitucional e serviu de base
para a elaboração da Lei Brasileira de Inclusão (LBI) (Lei nº
13.146/2015), a qual, atualmente, em seu artigo 2º afirma:
Considera-se pessoa com deficiência aquela que
tem impedimento de longo prazo de natureza física,
mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação
com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua par-
ticipação plena e efetiva na sociedade em igualdade
de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015).

Atualmente observamos na fala, no agir das pessoas e


na própria estrutura social e cultural, reflexos dos diferentes
modelos teóricos sobre a pessoa com deficiência que tam-
bém sugerem o lugar por elas ocupado. Expressões como:
“Nossa tão bonitinha, mas numa cadeira de rodas, tenha fé,
190
Deus vai te curar”; “tão cedo e já passeando... vai para casa, tá
frio” ou “como você trabalha bem, achei que não daria conta”,
ilustram algumas das “heranças” e nos dão indícios de outro
conceito importante, mas pouco conhecido, o capacitismo.
Dias (2013) sugere que capacitismo vem da palavra
inglesa ableism, que significa “a discriminação por motivo de
deficiência”. Ao analisarmos a convenção da ONU, sobre os
Direitos da Pessoa com Deficiência, vemos que discriminação
pode ser compreendida como:
Art. 2º – Qualquer diferenciação, exclusão ou res-
trição baseada em deficiência, com o propósito ou
efeito de impedir ou impossibilitar o reconheci-
mento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, de todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais nos
âmbitos político, econômico, social, cultural, civil ou
qualquer outro. Abrange todas as formas de discri-
minação, inclusive a recusa de adaptação razoável
(ONU, 2006).

Luiz (2020) informa que o capacitismo se expressa em


ações, atitudes e concepções sobre os corpos e deficiências.
Gesser, Block e Mello (2020) consideram que o “capacitismo
é estrutural e estruturante, ou seja, ele condiciona, atravessa
e constitui sujeitos, organizações e instituições, produzindo
formas de se relacionar baseadas em um ideal de sujeito”.
Ressaltam, ainda, que as capacidades normativas são
constituídas a partir dos discursos biomédicos sustentado
pelo binarismo normal/desvios que busca normatizar todos
os corpos como capazes. Mostram, ainda, a relação do capa-
citismo com o sistema capitalista que, com o estabelecimento
de ideal de corponormatividade, corrobora com a manuten-
ção e aperfeiçoamento desse sistema econômico.
Nesse contexto, podemos abrir um parêntese e pensar
que esse modelo econômico ocupa espaço desde a tenra
infância. Quando se observa as crianças em seus universos
191
infantis, não é raro perceber que elas estão se constituindo
enquanto “trabalhadoras”, embora elas nem mesmo perce-
bam ou compreendam o que é o mundo do trabalho.
Uma das maneiras de perceber como isso ocorre é obser-
vando as brincadeiras de faz-de-conta que estão presentes
no dia a dia das crianças na Educação Infantil, momentos
em que elas representam as atividades dos adultos estabele-
cendo regras, normas e a rotina das tarefas. Isso ocorre, pois
as pessoas crescem permeadas de relações com trabalha-
dores e, consequentemente, com o trabalho e, desde então,
vão estruturando a sua concepção, os sentidos e os significa-
dos sobre ele28.
A família é o primeiro grupo social do qual as crian-
ças fazem parte, em que muitas relações são apreendidas e
incorporadas. Entretanto, ao adentrar o contexto da esco-
larização, elas se deparam com um novo grupo, no qual
afirmam suas identidades, sonhos, objetivos e metas em
um espaço de pertencimento diferenciado ao vivido nos
seus contextos familiares.
Nesse sentido, uma prática educativa que acolha a todos
e não hierarquize modos de conhecer e de se expressar, são
fundamentais para o desenvolvimento de futuros profissionais
que estejam atentos e respeitosos com toda a variabilidade
de expressão do ser humano, sem reproduzir o capacitismo.
Como explicitado anteriormente, pesquisadores do
campo da deficiência têm defendido um pressuposto
de que o capacitismo é estrutural e estruturante. Nesse

28 Início da nota de rodapé: Segundo Vygotsky (1991), significados e


sentidos correspondem a processos complexos de pensamento ou
processos psicológicos superiores, uma vez que são mediados por
signos culturais. A atividade mediada difere daquela imediata ou
direta por envolver produções tipicamente humanas negociadas
coletivamente, daí seu caráter social, histórico e mutável. Portanto,
os significados pertencem ao plano daquilo que é convencionado e
os sentidos aquilo que é privado, singular a cada sujeito. Fim da nota
de rodapé.

192
contexto, todos somos atravessados de alguma maneira por
ele, reproduzindo-os em situações cotidianas. A partir dessa
lógica, o capacitismo
[...] condiciona, atravessa e constitui sujeitos,
organizações e instituições, produzindo formas
de se relacionar baseadas em um ideal de sujeito
que é performativamente produzido pela reitera-
ção compulsória de capacidades normativas que
consideram corpos de mulheres, pessoas negras,
indígenas, idosas, LGBTI e com deficiência como
ontológica e materialmente deficientes (GESSER;
BLOCK; MELLO, 2020, p. 18).

Portanto, é urgente que a educação, da creche ao ensino


superior, se ressignifique e se alie na luta pela transforma-
ção social, pela consolidação de espaços menos restritivos,
pela valorização das diferentes profissões e pelo direito de
todas as pessoas realizarem suas escolhas profissionais sem
os determinismos impostos pelo normocentrismo, posto que
o sujeito não nasce trabalhador, mas se constitui como tal,
com a contribuição dos diversos espaços que ocupa e das
oportunidades que lhes são conferidas.
No espaço escolar podemos elencar algumas expres-
sões do capacitismo que influenciam nessa identificação
do sujeito com o trabalho, tais como: determinar nas brin-
cadeiras de faz-de-conta, os papéis de representação das
profissões dos meninos e a das meninas; atribuir profissões
de maior nível acadêmico para crianças sem deficiência e
de menor investimento acadêmico para pessoas com defi-
ciência; e estabelecer na relação do cuidado, dependências
desnecessárias em crianças com deficiência, deslegitimando
seus modos de se expressar e participar.
Seriam vários aspectos que poderiam ser ilustrados do
quanto as práticas capacitistas atravessam a vida das pessoas
com deficiência, mas o diálogo até aqui foi para compreender
um pouco o percurso das marcas do capacitismo na vida delas,
193
até chegar no recorte deste artigo, o serviço público enquanto
espaço de direito das pessoas com deficiência e, como nos
diz Cavalcanti (1997), realizamos escolhas profissionais porque
o nosso reconhecimento social e como cidadão ainda passa
amplamente pelo valor trabalho. Jacques (1996) afirma que
os diferentes espaços de trabalhos oferecidos, apresentam
oportunidades diferenciadas para a aquisição de atributos
qualificativos da constituição do sujeito como trabalhador.

3. ESCOLA, TRABALHO E INCLUSÃO:


DESMISTIFICANDO PARADIGMAS
Um dos desafios da escola, na segunda década dos anos
2000, diz respeito não só a inclusão dos estudantes com defi-
ciência no ensino regular, mas também, em como possibilitar
a transição entre escola e trabalho, ou melhor, como prepa-
rar os estudantes com deficiência para a etapa seguinte da
vida em sociedade (DEL-MASSO, 2012).
É função do sistema educacional proporcionar conheci-
mentos curriculares referentes à Orientação para o Trabalho,
conforme indica o inciso III, do Art. 27 da LDB nº 9.394/96
(BRASIL, 1996). A “Qualificação Profissional” também aparece
em outros textos legislativos, porém, sem especificidade ou
orientações sobre os conteúdos, os pressupostos etc. Dessa
forma, tais aspectos ficam à mercê de interpretações diversas,
sendo que em muitos casos, a ausência desses são recorren-
tes nos currículos pedagógicos.

A relação produção – trabalhador e as próprias


relações de trabalho são temas complexos e as difi-
culdades ficam evidentes quando os envolvidos são
pessoas com deficiência com baixa escolarização
e baixa qualificação profissional, pois mais do que
capacidades laborais, o trabalho exige pensamento,
habilidade fundamental para a empregabilidade na
sociedade atual (DEL-MASSO, 2012, p. 428).

194
Muitas das habilidades e competências necessárias
para ingressar no mercado de trabalho são desenvolvidas
por meio das atividades realizadas no contexto pedagógico,
assim, é possível compreender que o preparo para escolhas
profissionais dos estudantes, perpassa a formação educacio-
nal recebida no ensino escolar.
Contudo, ao ignorar as especificidades dos indivíduos e
atribuir uma certa descrença às capacidades dos estudantes
com deficiência, de se qualificarem para ocuparem papéis
sociais diversos, a escola perpetua uma construção social que
desqualifica as pessoas, promovendo o estigma do precon-
ceito e exclusão. Essa visão acompanha a pessoa ao longo da
sua história e quando na vida adulta, afeta também a visão
dos empregadores.
Nesse contexto, importa lembrar que os seres humanos
são seres sociais, que fazem parte de um momento histó-
rico, sendo produtos e produtores da cultura que reproduz
a representação da realidade social (PEREIRA; PASSERINO,
2012), sendo que essa concepção se torna fundamental para
reconhecer a intersecção entre as questões da educação,
trabalho e inclusão.
Portanto, necessário é, para as questões que corres-
pondem à educação, trabalho e inclusão, contextualizar
as determinações sociais, visto que refletem paradigmas e
apresentam consequências diretas na organização do traba-
lho e na vivência dos trabalhadores com deficiência.
Remetendo à história recente, vemos que o mundo do tra-
balho está marcado pelo taylorismo/fordismo/toyotismo em
um sistema predominantemente capitalista, que evoluiu para
a flexibilização do trabalho. Essa flexibilização, por sua vez,
trouxe um novo discurso, relacionado ao trabalho por compe-
tência, transpondo a terminologia e ideia de qualificação.
Para Bernardo (2009, p. 37):

[...] ‘esta mudança de termos parece mostrar um


movimento no sentido de considerar outros aspectos

195
da pessoa do trabalhador que extrapolam a simples
ideia de habilitação contida na noção de qualificação’
e que ‘[...] o enfoque da competência também prevê
mudanças no gerenciamento cotidiano do trabalho’.

Todo esse contexto se faz necessário para a compreensão


do lugar da pessoa com deficiência no mundo do trabalho, que
culmina por ocorrer em uma conjuntura desfavorável, sobre-
tudo, considerando a perspectiva da inclusão pelo acesso ao
trabalho, sendo este um direito legal.
Na Constituição da República Federativa do Brasil (BRA-
SIL, 1988), o trabalho aparece como um dos direitos sociais,
em seu artigo Art. 6º, dentre outros direitos, ela diz: “São direi-
tos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta Constituição”.
O trabalho é um valor presente em nossas vidas enquanto
atividade humana. Além disso, vivemos em um sistema capi-
talista, no qual o trabalho assume um suporte de valor em
diferentes espaços. De acordo com Assis (2016, p. 40),
Contudo, é importante ponderarmos que, na socie-
dade capitalista, a noção de valores humanos é
construída a partir da capacidade de produção e do
consumo. Consequentemente, o indivíduo é aquilo
que produz e consome. Por outro lado, o indivíduo
não produtivo é desprovido de meios de consumo e
se torna despido de direitos, qualidades e atributos.

Concluímos, portanto, que o trabalho constitui uma das


formas de inclusão ou exclusão. Em se tratando de pessoas
com deficiência, essa reflexão se faz ainda mais necessária,
posto que a sociedade se configura e se amolda aos padrões
economicamente estabelecidos. Essa relação perversa de
produção/consumo revela a maneira como se reflete a histó-
ria e cotidiano das pessoas com deficiência.

196
Por conseguinte, o que ocorre é que as pessoas com
deficiência são absurdamente apenadas pela sua
condição física, estigmatizadas como totalmente
incapazes para o trabalho. Além disso, se não bas-
tasse à ineficiência do Estado em promover a garantia
de uma vida digna a todo e qualquer cidadão, agora,
pela falta do trabalho e do salário, milhares de pessoas
que, em face de sua classe social e por sua condição
física, deixam de desfrutar a tantos outros direitos
que, diretamente ou indiretamente, são alcançados
pelo trabalho – como a educação, saúde, alimentação,
moradia, lazer e previdência (ASSIS, 2016, p. 44).

Essa conjuntura, imprime para a pessoa com deficiência


a responsabilidade sobre seu status quo, seguindo rotulados e
estigmatizados, individualizando questões sociais e ampliando
o espaço para o capacitismo. Por sua vez, ao se relacionar:
trabalho-inclusão-identidade, ratifica-se o pensamento da
dignificação pelo trabalho, traduzido como um elemento
importante no processo de regulação de direitos.
No Brasil, face à construção pela luta coletiva, tem-se um
arcabouço legal com vistas a assegurar direitos à pessoa com
deficiência, a exemplo das normativas que garantem a reserva
de vagas de trabalho. Embora essa luta represente uma ação
afirmativa importante, necessariamente ela não representa o
pleno acesso ao trabalho ou a inclusão, conforme veremos
adiante, pois ainda são muitos os desafios a se superar.

4. O SERVIÇO PÚBLICO COMO ESPAÇO DE


TRABALHO PARA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
O advento da Lei nº 8.112 (BRASIL, 1990) e do Decreto
nº 3.298 (BRASIL, 1999), entre outros, trouxe a perspectiva
do serviço como um espaço de trabalho para pessoas com
deficiência. Embora esses marcos legais muito representem,
ainda estão distantes de tornar a inclusão da pessoa com
deficiência uma realidade, visto que há muitos fatores que
197
envolvem o acesso e permanência no mercado de trabalho,
bem como seu reconhecimento como trabalhador.
Para Neffa (2015), o trabalho é um meio de afirmação e
reconhecimento de habilidades.
O trabalhador é uma pessoa que pretende se desen-
volver na sua atividade e aceita os desafios utilizando
sua inteligência prática e sua capacidade de inovar,
se o contexto lhe outorga suficiente autonomia para
isso. Nessas condições, o trabalho lhe permite des-
cobrir suas capacidades e potencialidades, mobilizar
seus conhecimentos e experiências; é um instru-
mento para construir um sentido e uma identidade
(NEFFA 2015, p. 9, grifo nosso).

Conforme exposto, há uma construção do sujeito como


trabalhador, que se relaciona com o meio, ou seja, com a
condição de trabalho ofertada e, esse desenvolvimento pre-
cisa ultrapassar o aspecto legal do ingresso da pessoa com
deficiência no serviço público e pensar sob a ótica da inclu-
são, os aspectos que envolvem as múltiplas barreiras destes
espaços, das arquitetônicas às atitudinais.
Para tanto, é preciso uma reflexão, também, a partir da
dimensão social do trabalho. Como vimos, é notória a cen-
tralidade que o trabalho ocupa na vida dos sujeitos, pois,
além da subsistência, sinaliza sua identidade. Sobretudo, o
modelo de sociedade capitalista implica nessa relação em
que o trabalho, para além da produção, assume um papel de
promoção e aceitação, ou seja, de inserção social, inferindo a
própria reprodução social.
Segundo Areosa (2017, p. 241), “De modo simplificado pode
afirmar-se que o trabalho tem duas funções sociais primor-
diais: a produção de bens ou serviços e a reprodução social”.
Neffa (2015, p. 12) corrobora no sentido de que “O trabalho
permite ou contribui à realização pessoal, ao desenvolvimento
da personalidade daqueles que o executam e define uma iden-
tidade social cristalizada na profissão ou no ofício”.
198
Esse aporte teórico inicial é fundamental para
contextualizar a pessoa com deficiência no mercado de tra-
balho, especialmente ao se considerar modelos produtivistas
estabelecidos ao longo dos anos e que perpassam todas as
transformações no mundo do trabalho. Granemann (2021),
pondera sobre a relação trabalho e sociabilidade.
A concepção de trabalho como fundador da sociabi-
lidade humana implica o reconhecimento de que as
relações sociais construídas pela humanidade, desde
as mais antigas, sempre se assentaram no trabalho
como fundamento da própria reprodução da vida
dado que, por meio de tal atividade, produziram os
bens socialmente necessários a cada período da his-
tória humana (GRANEMANN, 2021, p. 4).

E, sobre esse mesmo aporte, podemos pensar a questão


da sociabilidade da pessoa com deficiência a partir do traba-
lho, em que pese o aspecto inclusão no serviço público. Para
tanto, é necessário lembrar que, historicamente, a sociedade
é marcada pelo preconceito de que pessoas com deficiên-
cias são improdutivas e incapazes e, muitas vezes, mesmo
quando superada a etapa inicial de crescimento, desenvol-
vimento e o acesso da criança com deficiência à educação,
o adulto formado, capacitado, se depara novamente com o
ciclo da exclusão. Para Carvalho (2018, p. 14),

A convivência em sociedade é delimitada por


padrões (estereótipos/estigmas/preconceitos) cultu-
rais que ditam comportamentos e formam as castas
sociais. E, nesse processo explícito de exclusão, as
PcD são diretamente envolvidas, entendendo que a
deficiência perceptível, ou não, foge ao padrão cul-
tural pré-determinado no mundo dos ‘normais’. O
ser diferente, no meio social, tem a sua convivência
com o outro esquivada; assim, sem a concepção do
espírito coletivo, a mudança de comportamentos e

199
atitudes, bem como a disseminação de informações
que levem as pessoas a se conscientizarem que todos
devem ser respeitados nas suas diferenças requer, de
cada um de nós, a compreensão para entender que
somos seres sociais e que, portanto, com necessidade
de vivermos em sociedade, em espaços públicos que
favorecem o convívio com a diversidade.

A autora complementa afirmando que:


Primordialmente, o Estado com fomento de políti-
cas públicas, a educação e a sociedade, são os eixos
aquiescentes para a promoção da cidadania aos
grupos socialmente excluídos. No entanto, a partir
dos pressupostos da realidade brasileira, há grupos
sociais, dentre eles, Pessoas com Deficiência (PcD),
em que o exercício da cidadania é prejudicado,
robustecendo as fileiras de grupos historicamente
excluídos (CARVALHO, 2018, p. 13).

Desse modo, o serviço público quando se constitui em


espaço de trabalho para a pessoa com deficiência, deve repre-
sentar, também, espaço de inclusão, porém, esse espaço está
permeado de situações que impõe limites às mesmas, pois
segue um padrão do “normal” socialmente estabelecido, não
adaptado e adequado às reais necessidades, de maneira que
ela se insira e ocupe esse espaço plenamente.
Nesse contexto, nos deparamos com questões sinaliza-
das pelos autores citados anteriormente, em que o sucesso
ou fracasso no mundo do trabalho atribui-se ao indivíduo,
novamente excluindo a pessoa com deficiência e dando
lugar às falas e posturas capacitistas.
Retomando o critério legal, em âmbito federal, o Decreto
nº 9.508 (BRASIL, 2018) expõe,

Reserva às pessoas com deficiência percentual de


cargos e de empregos públicos ofertados em con-
cursos públicos e em processos seletivos no âmbito

200
da administração pública federal direta e indireta.
A Lei nº 13.146/15, ‘Institui a Lei Brasileira da Inclu-
são da Pessoas com Deficiência’ (Estatuto da Pessoa
com Deficiência) (BRASIL, 2018).

A Emenda Constitucional nº 103/19 estendeu o uso da


Lei Complementar nº 142 (BRASIL, 2013) para servidores com
deficiência (desde que cumpridos os critérios legais estabe-
lecidos na Lei) e a condição de horário especial (desde que
cumpridos os critérios), para servidor com deficiência ou
cônjuge, filho ou dependente com deficiência (art. 98, § 2º
e § 3º da Lei nº 8.112 de 1990). Esses dispositivos legais refe-
renciados são de livre acesso e não constitui, no momento,
objeto direto deste estudo, portanto, não serão aprofunda-
dos, o intuito ao citá-los é demonstrar que, no que compete
ao amparo legal tem havido avanços, mas por si só isso não
representa, na prática, a inclusão e permanência da pessoa
com deficiência no mercado de trabalho.
Dados extraídos do site Folha Dirigida, demonstram que,
embora crescente, ainda é reduzida a participação de pes-
soas com deficiência no mercado de trabalho:
Nos últimos anos, o mercado de trabalho passou
a oferecer mais vagas para pessoas com deficiên-
cia. De acordo com a Relação Anual de Informações
Sociais (Rais), de 2016, o Brasil já conta com cerca
de 400 mil PcDs empregadas. Desse quantitativo,
mais de 270 mil são formadas no ensino médio, com
ensino superior incompleto ou estudos superiores
concluídos. Em vigor há 28 anos, a Lei de Cotas para
Deficientes é uma das propulsoras desse movimento
inclusivo. Ela prevê que empresas com 100 ou mais
funcionários tenham entre 2 e 5% dos trabalhado-
res portadores de deficiência. Por mais que esteja
em crescimento, conforme a Secretaria do Traba-
lho, vinculada ao Ministério da Economia, esse dado
nunca passou de 1%. No mercado formal, as pessoas
com deficiência representam apenas 0,9% do total

201
de carteiras assinadas. Em referência aos 45 milhões
de PcDs no país, como consta no censo do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 0,9% de
empregados (representando 400 mil) é muito pouco.
Ainda é preciso evoluir em diversos aspectos. Direito
das pessoas com deficiência no mercado de traba-
lho (FOLHA DIRIGIDA, 2019, grifo do autor).

Se nos voltarmos para o serviço público, essa realidade


não será diferente. Dados extraídos do Sistema Integrado
de Administração de Pessoal (Siape) referentes a março de
2018, e apresentados junto ao repositório da Escola Nacional
de Administração Pública (Enap) indicam que apenas 0,7%
são servidores com deficiência:

Figura 1 – Servidores com deficiência

Gênero Raça/Cor
Branco
63,3%
Negro
34,1%
Amarelo
2,4%
62,76% 37,24% Indígena
Feminino Masculino 0,2%

Percentual Total de servidores(as) com deficiência


0,7%
Servidores(as)
com deficiência
99,3%
Demais servidores(as)

Fonte: Enap (2018). Nota: Os números dizem respeito aos servidores(as)


civis do poder executivo federal e destacam, neste sumário, os(as) servi-
dores(as) com deficiência.

202
Início da descrição: Imagem de fundo branco, a esquerda na parte supe-
rior está escrito gênero na cor preta. Abaixo há três fileiras de bonecos
femininos laranja, seguido da escrita 62,76% feminino, em laranja. Ao lado
há duas fileiras de bonecos masculinos verdes, seguido da escrita
37,24% masculino, em verde. A direita, na parte superior, está escrito raça/
cor em preto. Abaixo há quatro tópicos: no primeiro está escrito
branco 63,3%, na cor rosa; no segundo está escrito negro 34,1%, em
verde; no terceiro está escrito amarelo 2,4% em cinza; no quarto está
escrito indígena 0,2% em marrom. Embaixo, à esquerda, está escrito
percentual total de pessoas com deficiência em cinza. Abaixo há
um gráfico em forma de pizza, em cinza, com a escrita 99,3% Demais
servidores(as) e uma fenda branca com a escrita 0,7% servidores(as) com
deficiência, em rosa. Fim da descrição.

Observando esses dados e refletindo acerca do contexto


exposto, percebemos a necessidade de romper com o ciclo
da exclusão da pessoa com deficiência no mercado de tra-
balho. Reconhecemos a importância do avanço legal, para
estabelecer o trabalho como um direito, inclusive no âmbito
do serviço público, mas como parte de ações afirmativas,
ainda representa pouco o que se tem previsto legalmente,
restando muitos desafios para que o serviço público se cons-
titua, de fato, em um espaço de inclusão para as pessoas
com deficiência.

5. OS TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA


DO SERVIÇO PÚBLICO E OS LUGARES
QUE OCUPAM

Os lugares que as pessoas com deficiência ocupam,


como demonstrado ao longo deste capítulo, é comu-
mente determinado por discursos de especialistas, ou
de crenças negativas acerca da experiência da deficiên-
cia. Não é raro percebermos os postos de trabalho a elas
designados, sendo de grande distinção de suas formações
iniciais ou interesses.
203
O serviço público tem se revelado uma opção nas esco-
lhas profissionais de muitas pessoas, dentre elas as com
deficiência, pois traz uma certa tranquilidade, ao possibili-
tar estabilidade financeira e de emprego. Entretanto, é um
espaço em que existem muitas incongruências naquilo que
é ofertado, no sentido das condições para o pleno exercí-
cio da profissão. É evidente, nos distintos espaços públicos,
o despreparo que existe para acolher as diferenças, e nem se
trata apenas do contexto da deficiência, mas a exemplo de
pessoas transexuais que ficam constrangidas ao utilizar os
banheiros nesses espaços, sendo essa uma condição mínima
para convivência no local de trabalho. Basta você ser dife-
rente do padrão da chamada normalidade, que as pessoas
não sabem como fazer, sem falar nas questões de acessibili-
dade que são, definitivamente, muito precárias.

5.1. COMPREENSÕES DE DEFICIÊNCIA


E ACESSIBILIDADE
Conforme fomos apresentados anteriormente, há tensões
nas concepções que residem nos contextos de trabalho e, de
acordo com Martins et al. (2017, p. 54), “[...] longe de ser irrele-
vante, a forma como perspectivamos a deficiência é essencial na
forma como definimos os problemas e delineamos as soluções”.
Muitas das soluções apresentadas no campo da aces-
sibilidade ainda se pautam no Modelo Médico, no qual se
buscam correções corporais em detrimento de adequações
dos contextos. Medidas que não resolvem os problemas de
acessibilidade de maneira mais ampla, mas restringem e
criam dependências desnecessárias.
Exemplo desse capacitismo no enfrentamento com as
barreiras, inicia-se no próprio acesso aos prédios, que antece-
dem a chegada nos espaços de atuação profissional, tal como
a pessoas cegas que não possuem pisos podotáteis para o
trânsito no espaço institucional, ou ainda, pessoas cadeiran-
tes que enfrentam terrenos irregulares, com degraus ou que,
204
ao utilizar carros adaptados, não possuem garagens cobertas
para organizar a cadeira de rodas e fazer a transferência do
carro para cadeira, em dias chuvosos, sem se molhar, pois fica
impossível segurar um guarda-chuvas e montar a cadeira.
Por enfrentar barreiras arquitetônicas, as pessoas sen-
tem-se tolhidas no seu espaço de trabalho. A constante
necessidade de ajuda, que muitas vezes chega de maneira
desrespeitosa, desconsidera o direito pela autonomia e pode
causar mal-estar e constrangimento. A persistência de uma
luta por acessibilidade acaba por levar as pessoas a desis-
tirem de alguns direitos e, assim, estratégias individuais, do
plano privado, acabam sendo as escolhas para exercerem
suas funções.
São comuns situações em que as pessoas com deficiên-
cia fazem uso do computador particular para ter acesso a
recursos de acessibilidade, pois no serviço público há uma
grande demora para providenciar os recursos adequados.
Outro ponto que é de conhecimento de todos, é que qual-
quer trabalhador, quando necessário, tem sua mesa e sua
cadeira para serviços administrativos, mas a cadeira de rodas
da pessoa com deficiência é adquirida com seu próprio salá-
rio. Muitas vezes é preciso um forte investimento de energia
no convencimento junto aos gestores e administradores, os
quais precisam ser sensibilizados para efetivarem as adap-
tações ou adequações necessárias, como se fosse um favor,
pois são conduzidos por concepções caritativas da deficiên-
cia, ignorando o que é um direito constitucional, reforçado
por diversas leis e que, contudo, ainda não estão cumprido.

5.2. CAPACITISMO E SOFRIMENTO


NO E PELO TRABALHO
Para refletirmos sobre os aspectos relacionados ao
sofrimento no e pelo trabalho, recorremos a Dejours (1987)
em “A loucura do Trabalho”, sobretudo, os aspectos da
organização deste.
205
Segundo o autor: “O sofrimento começa quando a
relação homem-organização do trabalho está bloqueada;
quando o trabalhador usou o máximo de suas faculdades
intelectuais, psicoafetivas, de aprendizagem e de adaptação”
(DEJOURS, 1987, p. 52).
Nesse sentido, muitas das falas que comumente ouvi-
mos acerca da experiência da deficiência, exemplificam o
que o autor já sinalizava em seus estudos na década de 80
e expressam o sofrimento desses trabalhadores no serviço
público. Pessoas com deficiência são descredibilizadas e
não são poucas as humilhações a que estão sujeitas, infeliz-
mente o que elas têm expressado é que não se sentem em
condições de disputar, em igualdade de condições, como as
demais pessoas para garantir os direitos, em teoria, ampara-
dos em lei. A luta pela acessibilidade ainda é um movimento
isolado e individual, como mostram as teorias da segunda
geração do Modelo Social, o cuidado deveria transversalizar
a esfera pública, com justiça e reconhecimento das nossas
dependências e necessidades de apoio.
A presença das pessoas com deficiência nos diferentes
espaços sociais contribui, sobremaneira, para que as mudan-
ças aconteçam, mas ainda é preciso provocar essa mudança
de atitude, pois não é algo incorporado, naturalizado tal qual
os padrões normocêntricos. Estamos aliadas a uma luta por
sustentabilidade no campo da deficiência, quer seja para
que, em algum momento, os espaços e as construções sejam
pensadas de modo a nascerem acessíveis para todos e todas,
e não ser mais necessário a realização de adaptações. Que a
sociedade respeite e valorize os distintos modos de ser e de
se relacionar com os espaços e com as pessoas.
É notório o esforço desprendido por pessoas com defi-
ciência no cotidiano das suas vidas profissionais, seja em
busca de garantir a dignidade e direitos nos espaços de
trabalho que estão inseridos, quanto na resistência para
que as atitudes capacitistas não impactem na sua própria
saúde. Para Dejours (1987, p. 52), “A certeza de que o nível
206
atingido de insatisfação não pode mais diminuir marca o
começo do sofrimento”.
Esse sofrimento que indica Dejours (1987) é evidenciado
como consequência das constantes opressões capacitistas
nos ambientes de trabalho, o que desmobiliza o sujeito, des-
legitima suas falas, enfraquece e os isola nas suas lutas. Não
são poucas as situações que ouvimos, que pessoas desistiram
de lutar pelas condições ideais de trabalho, se não for algo
que tenha efetivamente uma coletividade para trabalhar na
unicidade, torna-se impossível a luta por justiça social que
compreenda a interseccionalidade na experiência da defici-
ência. A luta contra o capacitismo não deve ser apenas das
pessoas com deficiência, mas deve provocar rupturas em
todas as esferas e ambientes profissionais.
Há muitos componentes presentes no capacitismo sofrido
reiteradamente nesses espaços de trabalho, exemplos disso
são diários para aqueles que convivem ou experienciam a
deficiência. Um dos exemplos que avilta pessoas é a invisibili-
dade da existência da deficiência, seja em espaços presenciais
ou virtuais (em tempos de trabalho remoto), quando as neces-
sidades para acesso são desconsideradas, como mensagens
por áudio em grupos de WhatsApp com pessoas surdas, ou
imagens sem contextualização do que se trata para pessoas
cegas e baixa visão, ou falas complexas, com termos técnicos
desconhecidos pelos ingressantes na profissão.
Sabemos que a presença das pessoas com deficiên-
cia nos espaços públicos é um ato de resistência a todas as
formas de opressão, que é um ato político, que a presença
de um corpo com deficiência provoca reflexões e instiga os
demais a pensarem sobre como potencializar o acesso dos
espaços, conteúdos, informações, mas muitos acabam desa-
nimando por verem sempre as mesmas atitudes, as mesmas
desculpas para o não fazer.
Torna-se desgastante e frustrante estar em uma situa-
ção “degradante/humilhante” e não poder exercer, em pé
de igualdade com os demais profissionais sem deficiência, as
207
funções que lhes cabem no trabalho, por haver negligência
nas condições para o exercício profissional.
Buscando estudos de Dejours (1987) temos que:
Deve-se levar em consideração três componen-
tes da relação homem-organização do trabalho: a
fadiga, que faz com que o aparelho mental perca
sua versatilidade; o sistema frustração-agressi-
vidade reativa, que deixa sem saída uma parte
importante da energia pulsional; a organização
do trabalho, como correia de transmissão de uma
vontade externa, que se opõe aos investimentos
das pulsões e sublimações (DEJOURS 1987, p. 122).

Ou seja, a condição imposta ao trabalhador é demasia-


damente desconcertante ao seu estado psíquico, levando ao
sofrimento, que por sua vez, inibe o desenvolvimento de suas
capacidades. Antes, o desqualifica e subjuga a uma condição
de não pertencimento.
Como vimos, são muitos os vieses presentes no e pelo
capacitismo, não sendo possível esgotá-los com este capí-
tulo, mas tecemos nas linhas seguintes, as considerações
que entendemos pertinentes ao estudo proposto, na ânsia
de que este lance luz sobre o tema e propicie o debate.

6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Neste ensaio teórico nos propomos a dialogar sobre as


implicações do capacitismo no cotidiano profissional dos
servidores públicos com deficiência. Nossa discussão par-
tiu do Modelo Social da deficiência e pela compreensão do
capacitismo estrutural na sociedade.
Percebemos que, ainda na infância, a criança começa a se
constituir como “trabalhadora” e como parte do sistema econô-
mico ao reproduzir, por meio de suas brincadeiras, as atividades
desenvolvidas pelos adultos à sua volta, e ao atribuírem diferen-
tes papéis aos colegas que participam do faz de conta.
208
É, também, nesse momento, que a criança com defici-
ência já encontra dificuldades em se perceber integrante do
sistema econômico e social, pois muitas vezes não encontra,
nas próprias brincadeiras do grupo, um espaço que acolha
seu corpo que desvia do padrão normativo.
Esta dificuldade refletirá quando essa criança, agora
adulta, com deficiência, busca adentrar o mundo do trabalho,
o qual, apesar das legislações que respaldam os diferentes
direitos, ainda não consegue acolher o trabalhador com defi-
ciência, a partir de suas habilidades e qualidades.
Observamos nas falas de servidores com deficiência, o
quanto há falta de acessibilidade nos espaços e na comu-
nicação, e as ideias capacitistas imperam sobre o olhar das
pessoas em relação ao seu fazer diário, que impactam nega-
tivamente na qualidade de vida e no interesse pelo labor.
No decorrer de nossas leituras e discussões, observamos
a importância de trazer para as brincadeiras infantis, formas
de incluir todos aqueles que se diferem do padrão normativo,
permitindo que todos sejam representados e desenvolvam
habilidades, tanto para acolher, como para se fazer presente
no mundo econômico e social.
Ofertar proposições para a construção de uma sociedade
anticapacitista perpassa uma maior compreensão acerca
das relações historicamente estruturadas, que minimizam
a capacidade das pessoas em detrimento de marcadores
sociais, invisibilizando as condições identitárias legítimas que
se constituem na história singular de cada sujeito.
Parece importante destacar a necessidade de se ampliar
os espaços de discussão, sejam nos ambientes de trabalho ou
nos contextos acadêmicos, provocar debates sobre os dife-
rentes conceitos da deficiência e sobre como o capacitismo
encontra-se presente nas relações diárias e dificultam a par-
ticipação das pessoas com deficiência nos distintos espaços
sociais, desde criança até o seu envelhecimento.

209
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212
213
PARTE 2
ÉTICA DO CUIDADO
E O ENFRENTAMENTO
DO CAPACITISMO
NA EDUCAÇÃO
E NO TRABALHO

214
CAPÍTULO 9

GÊNERO E CUIDADO: UM OLHAR


EMANCIPATÓRIO PARA O CAMPO
DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Paula Helena Lopes
Simone De Mamann Ferreira
Marivete Gesser

1. INTRODUÇÃO

A proposta de identificar as principais contribuições das


discussões sobre cuidado, sob viés feminista, para a constru-
ção de processos inclusivos nos diferentes níveis de ensino,
parte do pressuposto de que uma perspectiva crítica e polí-
tica de cuidado pode corroborar a promoção de práticas
emancipatórias, voltadas à garantia dos direitos humanos.
O referencial teórico desse estudo abrangeu as pro-
duções teóricas das autoras feministas Joan Claire Tronto
(1989, 1997, 2009) e Eva Feder Kittay (1999, 2005, 2011)
acerca do cuidado. Identificou-se assim, que o campo dos
estudos feministas sobre cuidado, articulado aos estudos
feministas da deficiência, propõe pressupostos teórico-me-
todológicos que têm muito a contribuir com o campo da
Educação Inclusiva.
Neste sentido, sabe-se que ao longo da história, a Edu-
cação passou por momentos que marcaram os processos
educativos das pessoas, principalmente as pessoas com
deficiência, de acordo com as necessidades apresentadas
a cada momento, desde a exclusão total das pessoas com
215
deficiência, perpassando pela segregação em instituições
educacionais, integração em escolas comuns e culminando
na denominada Educação Inclusiva.
Atualmente, as políticas públicas da área da Educação,
direcionam para a perspectiva da Educação Inclusiva, por
meio de documentos legislativos como a Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(brasil, 2008), Convenção de Direito das Pessoas com Defici-
ência (CPDP, 2012), Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com
Deficiência (BRASIL, 2015), entre outras que (re)estruturam os
sistemas de ensino, com base em uma perspectiva inclusiva
que abarque às diversidades existentes neste espaço, corro-
borando tanto as questões dos processos educativos mais
inclusivos, quanto em práticas educativas viáveis e estrutu-
radas para atender a todos (CARVALHO, 2004; GESSER, 2020;
SASSAKI, 1997).
Destarte, a perspectiva da Ética do cuidado (KITTAY, 1999,
2005) muito contribui para a construção de processos edu-
cativos inclusivos, tendo em vista os debates realizados em
torno do processo de cuidado em um viés emancipatório. Essa
perspectiva abarca questões de gênero, discutindo a partir
das noções de dependência, interdependência, perpassando o
mito do independente, indicando a experiência complexa do
cuidado e dor sentida pelas pessoas com lesões. Disso, a pro-
posta permite que essas noções sejam incorporadas ao campo
da educação na perspectiva inclusiva, tornando o cuidado uma
questão central dentro desse campo, caracterizando-se como
uma questão de justiça social.
Nesse sentido, o presente capítulo de livro, procura tra-
zer algumas possibilidades das contribuições da Ética do
Cuidado, articulando-a à perspectiva da Educação Inclu-
siva, propondo processos educativos, práticas pedagógicas e
metodologias que contemplem o ensino e aprendizagem dos
estudantes com e sem deficiência, a partir não só da supres-
são de barreiras, mas também, das políticas de cuidado que
se alocam no espaço escolar.
216
Faremos um percurso de resgate teórico das concepções
teóricas do cuidado nas obras das autoras feministas, Joan
Claire Tronto (1989, 1997, 2009) e Eva Feder Kittay (1999,
2005, 2011), esta última, por sua vez, compreendida como
pioneira no debate feminista da deficiência e que traz a
discussão do cuidado para pensar a deficiência acerca de
temáticas da vulnerabilidade, cuidado complexo, depen-
dência e interdependência. Posteriormente, abordaremos
o campo da Educação Inclusiva e finalizaremos refletindo
a relação entre as discussões provenientes da Ética do Cui-
dado para tal campo, promovendo o debate anticapacitista
feminista e inclusivo, que avaliamos necessário para práticas
realmente inclusivas.

2. ÉTICA DO CUIDADO NA PERSPECTIVA DE


JOAN CLAIRE TRONTO E EVA FEDER KITTAY
A perspectiva das autoras Joan Claire Tronto e Eva Feder
Kittay sobre o cuidado traz discussões atreladas às noções de
vulnerabilidade, dependência e interdependência. Essas auto-
ras, por sua vez, ao tratar das questões do cuidado, a partir da
ótica feminista, vão marcar o quanto essas dinâmicas estão
atravessadas pelos papéis sociais de gênero que naturalizam
funções, a partir das supostas determinações funcionalistas
e biologicistas de reprodução e cuidado. Ao corroborar com
esse debate, as autoras contribuem para a desnaturalização
do fazer da mulher, evidenciando que essas ideias são refle-
xões da cultura e da socialização das mulheres na sociedade,
que encerra às mulheres as funções de cuidado.
Joan Tronto (1997), mostra em seus estudos, a partir da
teoria política feminista, que as mulheres estão sujeitas a
prerrogativas da falta de valorização, incumbidas do cuidado
e retratando o peso dos estereótipos de gênero dentro do sis-
tema sexista, impedindo a igualdade na participação social.
Tratando da ideia da moralidade feminina, Tronto (1997)
afirma que os motivos da invisibilidade das atividades de
217
cuidado (moral e política, vida pública e vida privada) giram
em torno da suposta função moral e natural do cuidado.
Ao versar sobre a vulnerabilidade e interdependência
como parte das características humanas fundamentais, Tronto
(1997) ressalta que o cuidado é também central para a vida. A
autora se posiciona diretamente contra a centralidade do cui-
dado, a partir das diferenças de gênero. Afirma, também, que
sem o debate crítico de gênero, essa discussão sobre cuidado
contribui para a perpetuação de uma posição essencialista.
Assim, a autora propõe uma perspectiva ético-política de Ética
do Cuidado, a qual deve observar, invariavelmente, essa rela-
ção entre opressão, poder e cuidado.
Nesse sentido, Tronto (1989) afirma que a Ética do Cui-
dado nega a relação psicológica inerente ao desenvolvimento
psico-cognitivo e propõe a análise do cuidado a partir do
ponto de vista político. Para ela, o conceito de cuidado pode-
ria criar um potencial de discussão ético-moral muito maior
do que a simples naturalização biologicista. A autora consi-
dera, inclusive, a variação dessa relação de gênero, diante da
predefinição de cuidado, evidenciando que as intersecções
marcam, de outra forma, a relação de cuidado entre mulhe-
res brancas, negras, lésbicas, imigrantes, entre outras.
Assim, o cuidado pode ser compreendido como processo
ativo, um engajamento, que une a ideia de disposição e ati-
vidade, como nos provoca Kittay (2005) revelando as morais
implicadas no ato de cuidar. Nesse sentido, para Tronto
(2009), o cuidado é uma construção cultural complexa e
um trabalho que ocupa uma grande parte da vida dos seres
humanos. Para a autora, o cuidado poderia ser dividido em
quatro fases interconectadas, a preocupação (caring about), a
tarefa de cuidado (taking care of); a ação de cuidado (care-gi-
ving) e o recebimento de cuidado (care receiving) e, segundo
a autora, cada uma dessas fases possuiria características
morais próprias. Em síntese, a posição de Tronto (2009) em
relação ao cuidado é a de que esse se caracteriza como um
processo que inclui uma atitude (de atenção, percepção,
218
preocupação), que implica na percepção das necessidades,
na tomada de decisões (responsabilidade e julgamentos),
que leva à ação de cuidar. Portanto, a autora contribui para
entender, ontologicamente, a relação de cuidado e possibi-
lita a reflexão aplicada sobre a vulnerabilidade nas relações.
Nesse sentido, Kittay (1999), que corrobora com a relação
entre cuidado e vulnerabilidade, afirma que qualquer princípio
de justiça depende de práticas e princípios fundamentais do
cuidado. Para a autora, é fundamental que a teoria do cuidado
aborde as discussões sobre vulnerabilidade e a dependência
complexa, bem como as relações vividas pelas cuidadoras e
pessoas cuidadas (KITTAY, 1999).
Assim como ocorre com a questão da vulnerabilidade em
Tronto, para Kittay (1999), a dependência é inevitável para a
nossa sobrevivência, sendo um aspecto fundamental da vida
humana. Para a autora, as crianças, as pessoas com deficiên-
cia e os idosos são os sujeitos mais vulneráveis nas relações
de cuidado. Atrelar o cuidado à vulnerabilidade nos permite
situá-lo como uma questão moral, além de visibilizar a garan-
tia do cuidado, como uma questão de justiça (ZIRBEL, 2016).
Tronto (2009) define a Ética do Cuidado como uma ativi-
dade genérica que abrange tudo o que o ser humano realiza,
para que o mundo possa ser mantido e reparado, para que
todos possam viver bem quanto for possível. “Este mundo
compreende nossos corpos, nós mesmos e nosso meio
ambiente, tudo o que tentamos manter interligado em uma
complexa rede que dá suporte à vida” (TRONTO, 2009, p. 103).
Nessa direção, as instituições sociais e políticas entram
na abrangência das atividades, com o intuito de dar suporte
à vida, ampliando para o âmbito pessoal e familiar. Tronto
(2009) ainda indica que as atividades de cuidados estariam
atreladas a dois aspectos: a constante necessidade que se
tem das mesmas; e a posição na qual nos encontramos, em
meio a vasta rede de atividades necessárias à manutenção
da vida. Eva Kittay (2005) corrobora com os aspectos propos-
tos por Tronto, e problematiza a relação da profissionalização
219
do cuidado ainda ser disposta em relação hierárquica e atre-
lada ao gênero. Kittay (2005) também ressalta que, na grande
maioria dos casos, os trabalhadores do cuidado são mulhe-
res, e quase sempre se encontram em desvantagem social
nas sociedades modernas do trabalho. É a partir da filosofia
feminista, da teoria social, política e ética e dos estudos da
deficiência que a autora propõe suas discussões de cuidado.
O debate de Kittay com o campo da deficiência vai ao
encontro de sua experiência pessoal como mãe de uma filha
com deficiência intelectual, e visibiliza a análise de sua impli-
cação, como também cuidadora. Ela destaca que algumas
pessoas precisarão de cuidados ao longo de toda sua vida
e isso faz com que essa questão seja fundamentalmente
entendida de forma política, pensando a justiça social para
garantir a existência e a dignidade das pessoas, na condi-
ção de dependência complexa. Entretanto, na perspectiva de
Zirbel (2016), como Tronto (2009), Kittay (1999) afirma que
todas as pessoas, em maior ou menor grau, precisam de cui-
dado durante a vida, caracterizando as relações a partir da
premissa da interdependência.
Para Kittay (1999), o cuidado é uma questão política
que se atrela às temáticas da autonomia, justiça e institui-
ções sociais. Ao discutir as relações de dependência, a autora
mostra as dinâmicas vividas por pessoas na posição de
dependência complexa, em relação às que realizam as ati-
vidades de cuidado, identificando, também, nas cuidadoras,
uma dependência secundária, que muitas vezes se encon-
tram em situações de desfavorecimento (KITTAY, 1999).
Nesse sentido, a Ética do Cuidado, para Kittay (1999),
vai além da discussão sobre os papéis de gênero, também
importantes, mas é fundamental para pensar o cuidado
como questão pública e não só privada. A autora reflete
sobre o papel da família, do amor e da culpa presentes nas
relações de cuidado não remunerado, como também discute
a relação de dependência vivida pelas cuidadoras ao reali-
zar seu trabalho. Para ela, a remuneração e dependência do
220
trabalho vivido pelas cuidadoras não pode deixar de ser ten-
sionada quanto à sua preocupação e conexão com a pessoa
que recebe o cuidado, compreendendo que isso gera grande
empenho pessoal e profissional, portanto, afirma que há uma
necessidade urgente da prestação de cuidados que precisa
estar regulada e amparada por políticas públicas.
Na análise de Zirbel (2016), tanto Kittay (2011) quanto
Tronto (1989) trazem elementos para (re)pensar o sistema
de desigualdade que existe com relação à distribuição do
cuidado, que está vinculado fortemente com questões de
gênero, sugerindo teorias e instituições sociais para isso.
Alguns aspectos fundamentais elencados pelas autoras,
são a relação entre interdependência e vulnerabilidade, que
possibilitam a reflexão sobre as desigualdades presentes na
experiência humana, considerando os marcadores sociais,
deixando evidente o risco de abuso de poder, bem como a
existência de relações de dominação e subordinação.
Quando pensamos nessa questão, compreendemos que
a vulnerabilidade é atrelada às necessidades. Nesse sentido,
sabemos que todos os seres humanos possuem necessida-
des, e que estão em constante relação de interdependência,
como afirma Kittay (1999). Entretanto, diante das desigual-
dades, algumas pessoas precisam de apoio para todas ou
quase todas as necessidades diárias. Assim, o cuidado, em
síntese, coloca-se tanto nas dinâmicas mais leves quanto
nas mais complexas. Porém, também se expressa como uma
questão mais ou menos complexa, na mesma dinâmica.
Ainda é importante destacar que ao fazer a interlocução
com o campo dos estudos feministas da deficiência, Kittay traz,
à tona, questões como gênero, cuidado, dependência, inter-
dependência, experiência do cuidado, dor da lesão e o mito
do independente para pensar os processos de inclusão (DINIZ,
2003, 2007). Dessa forma, a teoria da Ética do Cuidado e os
conceitos vinculados a ela, contribuem, significativamente,
para a perspectiva da Educação Inclusiva, coadunando com
princípios éticos, de direitos humanos e Educação para todos.
221
3. CAMPO DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A Educação tem sido delineada em conformidade com


as necessidades apresentadas a cada tempo, no sentido de
atender demandas emergentes. A escola se constitui em
uma instituição organizada para o fim de educar e transmitir
conhecimentos científicos, porém, estruturou-se de acordo
com as necessidades elitistas. Na Antiguidade, a educação
esteve direcionada à satisfação inicial das necessidades bási-
cas de sobrevivência, “[...] era uma educação essencialmente
prática, espontânea, calcada na imitação e na verbalização”
(CARVALHO, 2004, p. 21). A exclusão era praticada na forma
de eliminação das pessoas com deficiência ou consideradas
incapazes. Estas poderiam ser abandonadas ou eliminadas na
sociedade primitiva e nômade, na crença de que colocavam
em risco, os grupos por não acompanhá-los nas grandes dis-
tâncias percorridas e/ou na busca por comida e lugar seguro
para sobrevivência, sendo deixados à própria sorte.
Porém, o autor Yuval Noah Harari, no livro “Sapiens: Uma
Breve História da Humanidade” (2015) relata que arqueólogos
encontraram fósseis de neandertais que remetiam a pessoas
com diversas deficiências físicas e com indícios de cuidados
por seus parentes. O autor remete ao fato de que os nean-
dertais, fisicamente diferentes dos sapiens e mais adaptados
ao clima frio, além de ótimos caçadores e o uso de ferra-
mentas e fogos, cuidavam de seus doentes e debilitados, fato
que rompe com a ideia de que a deficiência é, naturalmente,
rejeitada pela humanidade, modifica a imagem retratada de
que eram homens brutais (HARARI, 2015).
Na Grécia, a educação estava direcionada ao culto do
corpo perfeito, mas também da mente e moral do indivíduo
considerado “livre”, ou seja, voltada às pessoas que ocupa-
vam cargos de nobreza que aprendiam sobre funções de
liderança. Os escravizados realizavam serviços pesados, sem
oportunidades ou direitos de educação. Acreditava-se que as
pessoas com deficiência eram acometidas de doenças por
222
conta dos “espíritos maus”, sendo consideradas impuras,
reforçando o processo de marginalização (SASSAKI, 1997).
Na Idade Média, a educação vinculava-se à fé cristã e,
também, era direcionada ao clero e nobreza. Os trabalhado-
res aprendiam de forma oral, a cultura da sobrevivência, sem
acesso ao mundo culto e letrado. As escolas catequéticas sur-
giram naquela época e a educação foi centralizada por parte
do Estado cristão, o que edificou o cristianismo como religião
oficial, tornando a escola como parte do aparelho ideológico
do Estado (GADOTTI, 2003). Época caracterizada pela igno-
rância a respeito da deficiência e sua consequente rejeição.
Às pessoas com deficiência restava aceitar a caridade de pes-
soas ditas religiosas, sendo protegidas pela igreja, garantindo
sua alimentação e alojamento, mas eram mantidas isoladas.
O Renascimento foi marcado pelo período de desco-
bertas que privilegiaram as conquistas da humanidade e a
educação voltada à colonização de povos conquistados e
expansão dos princípios cristãos, com objetivos de domina-
ção. A obrigatoriedade da Educação foi institucionalizada no
século XVIII para as classes populares que reivindicavam a
escola, mas ainda com o ideal elitista. No século XIX, novos
ideais inspiraram a Educação na sociedade para o ensino das
ciências, renovação dos costumes e reorganização da socie-
dade, com o objetivo de proporcionar uma Educação para
todas/os, laica e as capacidades29 pessoais alcançadas pelas/
os cidadãs/ãos (CARVALHO, 2004).
A institucionalização das pessoas com deficiência se
caracterizou pela segregação social, entre os séculos XIX e
XX. As instituições criadas iniciaram com a organização de
atendimentos especializados para a educação das pessoas

29 Início da nota de rodapé. Tinha-se a ideia de que cada ser humano


deveria resignar-se com o seu tipo de existência na sociedade, pois
propagava-se a concepção de que existiam as pessoas que pensa-
vam e as pessoas que agiam. Fim da nota de rodapé.

223
com deficiência, como cegos/as, surdos/as e deficien-
tes mentais30, com o objetivo de reabilitá-las e curá-las.
Essas instituições eram edifícios que ficavam afastados das
cidades ou pavilhões anexos a hospitais psiquiátricos que
ficavam separados dos demais locais frequentados pelas
pessoas sem deficiência, o que reforçou a segregação
(JANUZZI, 2004; MAZZOTTA, 1996).
Com a ênfase nas questões científicas e a preocupação
em desenvolvê-las, com o advento da Escola Nova no Brasil,
houve a valorização da infância e a abolição dos castigos
e vigilâncias disciplinares. Essa época contou com mudan-
ças efetivas e surgiram ideias do pensamento taylorista
com relação à administração e gestão do trabalho. Assim,
a escola consolidou-se como uma instituição parceira de
outras organizações direcionadas às questões industriais,
com o objetivo de “[...] acionar o acelerar do tempo social”
(ROCHA, 2000, p. 190), corroborando com os ideais socio-
econômicos e da divisão social do trabalho, vinculando-se
aos princípios de “[...] racionalização, serialização e especia-
lização” (ROCHA, 2000, p. 190).
Na tentativa de minimizar a exclusão total, a sociedade
procurou integrar as pessoas com deficiência em diver-
sos espaços sociais como o trabalho, a escola, entre outros.
Porém, a integração poderia ser possível, desde que a pessoa
com deficiência pudesse inserir-se nestes espaços, consistindo
em um esforço unilateral (SASSAKI, 1997). Particularmente,
com relação aos sistemas de ensino, não havia esforço “[...]
na adequação dos espaços e estratégias às necessidades dos
estudantes” (GESSER, 2020, p. 96), o que gerava processos de
exclusão de todos aqueles que, em alguma medida, desvia-
vam-se do ideal normativo de estudante.

30 Início da nota de rodapé. Terminologia utilizada na época, atualmente


utiliza-se o termo deficiência intelectual. Fim da nota de rodapé.

224
Hodiernamente, diversas mudanças ocorreram na área
da Educação, principalmente quando legislações foram sis-
tematizadas, com o objetivo de auxiliar na organização das
instituições escolares. Nessa direção, a perspectiva da Educa-
ção Inclusiva, avança progressivamente nas legislações, a partir
das demandas de movimentos políticos e sociais de pessoas
com deficiência, que lutaram para inclusão de direitos nas
legislações e quanto à participação efetiva nos espaços sociais.
As autoras Lima, Ferreira e Lopes (2020, p. 178-179) advertem,
“[...] que as pessoas com deficiência vinham sofrendo, como
a falta de notoriedade, o não reconhecimento de suas ações
como válidas para prosperidade de uma sociedade normaliza-
dora e o desrespeito às suas ações efetivas no mundo”.
As pessoas com deficiência, militantes, pais e profissionais
atuantes na área da Educação, buscaram maior participação
política e social, por conta de privações de direitos e justiça
social (LANNA JUNIOR, 2010). Isso impactou positivamente na
revisão legislativa da Constituição Federal (BRASIL, 1988) que
também assegura o direito das pessoas com deficiência e na
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996)
na garantia da Educação Inclusiva.
A Convenção de Direito das Pessoas com Deficiência
(CDPD), ocorreu no ano de 2006, na cidade de Nova York. O
Brasil participou da referida convenção e compõe os Estados
Partes que assumiram o compromisso de seguir e cumprir os
preceitos indicados no texto, construído na referida convenção.
O documento da CDPD foi incorporado à legislação brasileira
em 2009, pelo Decreto nº 6.949 de 25 de agosto de 2009, como
emenda constitucional, portanto, com força de lei.
A CDPD, resultado da luta política de associações de pes-
soas com deficiência ao redor do mundo, constitui-se em
um grande avanço na participação dos movimentos sociais
e políticos das pessoas com deficiência, com relação à garan-
tia de direitos, acesso aos diversos espaços sociais e na
supressão de barreiras que impeçam sua plena participação
e autonomia. O propósito da CPDP está contido no artigo 1,
225
no intuito de “[...] promover, proteger e assegurar o exercício
pleno e equitativo de todos os direitos humanos e liberdades
fundamentais por todas as pessoas com deficiência e promo-
ver o respeito pela sua dignidade inerente” (CDPD, 2012, p.
26). Com relação à Educação, na CDPD, os Estados Partes pre-
cisam assegurar sistemas educacionais inclusivos em todos
os níveis de ensino, na garantia do pleno desenvolvimento
do seu potencial humano, apoio necessário, acessibilidade e
adaptações razoáveis31.
No ano de 2008, o documento da Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, foi
organizado no sentido de garantir sistemas educacionais
inclusivos, “[...] implicando uma mudança estrutural e cul-
tural da escola para que todos os estudantes tenham suas
especificidades atendidas” (BRASIL, 2008, p. 1). O documento
corrobora com o fato da necessidade de supressão de prá-
ticas discriminatórias, capacitistas, sexistas, racistas, entre
outras, que impactam, diretamente, na formação individual
dos estudantes.
Nessa direção, foi promulgada a Lei Brasileira de Inclu-
são da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015, que “[...]
destinada a assegurar e a promover, em condições de
igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades funda-
mentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão
social e cidadania” (BRASIL, 2015, p. 10). A LBI, estrutu-
rada com base na CPDP e inspirada no Modelo Social da

31 Início da nota de rodapé. Adaptações razoáveis significam as mod-


ificações e os ajustes necessários e adequados que não acarretem
ônus desproporcional ou indevido, quando requeridos em cada caso,
a fim de assegurar que as pessoas com deficiência possam gozar
ou exercer, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas,
todos os direitos humanos e liberdades fundamentais (CPDP, 2012, p.
27). Fim da nota de rodapé.

226
Deficiência, busca garantir acessibilidade, acesso à justiça
e direitos fundamentais, e dentre estes, o direito à Educa-
ção, com o objetivo de assegurar sistemas educacionais
inclusivos e “[...] aprendizado ao longo de toda a vida, de
forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de
seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e
sociais, segundo suas características, interesses e necessi-
dades de aprendizagem” (BRASIL, 2015, p. 19).
As legislações supracitadas corroboram os princípios da
Educação Inclusiva, o que torna imprescindível a aplicabilidade
na estrutura das escolas e sistemas de ensino inclusivos para
todos os estudantes, principalmente, com deficiência, para
ampliar a participação efetiva, acessibilidade, metodologias e
práticas educativas voltadas ao seu pleno desenvolvimento,
por meio do trabalho coletivo. Valle e Connor (2014, p. 215),
indicam que “A inclusão requer trabalho duro por parte de
administradores, professores e estudantes. É um processo
orgânico que requer reflexão sistemática e resolução coletiva
de problemas entre todos os envolvidos”.
A Ética do Cuidado enquanto teoria aplicada à perspec-
tiva inclusiva, favorece na (re)estrutura de escolas e sistemas
de ensino para sua aplicabilidade, conforme destacam os
autores Geisa Letícia Kempfer Böck, Marivete Gesser e Adriano
Henrique Nuernberg (2020, p. 374), “[...] para a construção
de processos educativos inclusivos e voltados à garantia dos
direitos humanos, é de fundamental importância que os pro-
fissionais da educação planejem suas ações com base nos
princípios da interdependência e da Ética do Cuidado”, em
conformidade do que trazem os autores Valle e Connor (2014,
p. 215), “A inclusão requer cuidado”.
Diante disso, no próximo tópico serão abordadas algu-
mas contribuições da Ética do Cuidado e suas interfaces
com os Estudos da Deficiência para a perspectiva da Edu-
cação Inclusiva e práticas educativas na escola, voltadas ao
acolhimento de pessoas com deficiência e demais grupos
marginalizados por processos sociais opressivos.
227
4. CONTRIBUIÇÕES DA ÉTICA DO CUIDADO
PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

Neste tópico, buscaremos explicitar a contribuição da


Ética do Cuidado para a construção de processos educa-
tivos inclusivos na escola. O argumento é desenvolvido
baseado na premissa de que romper com os ideais moder-
nos de independência – que atravessam e constituem a
todos nós – e incorporar a dependência e a interdepen-
dência nas práticas educativas desenvolvidas na escola,
é fundamental para garantir que todos os estudantes e
demais membros da comunidade escolar, possam parti-
cipar em igualdade de condições dos espaços educativos,
como prevê a legislação vigente.
Vale destacar que a construção de processos educati-
vos inclusivos demanda uma perspectiva interseccional e
anticapacitista de cuidado. Essa se faz necessária, uma vez
que os enquadramentos dos sujeitos com base em gênero,
sexualidade, raça, classe social, idade e deficiência poderão
contribuir para que alguns sujeitos sejam lidos como mais
dignos do que outros, para receberem cuidado. Assim, assu-
mir uma perspectiva pautada no cuidado, demanda estar
atento para o quanto que sujeitos atravessados pela inter-
seção de processos opressivos como o racismo, o sexismo,
a LGBTfobia, o capacitismo e “classismo” podem se sentir
menos dignos de participar em igualdade de condições das
atividades desenvolvidas na sala de aula e demais espaços
da escola. Esse enfoque interseccional, quando incorporado
nos projetos políticos pedagógicos e discutidos com toda
a equipe da escola, pode oferecer indicativos para, no diá-
logo com os sujeitos marginalizados, construir estratégias de
enfrentamento à discriminação e garantia da participação.
Uma importante contribuição indicada por Gesser e
Nuernberg (2017), a partir das análises realizadas por Tronto
e Kittay, se refere à necessidade de se romper com a compre-
ensão do cuidado como algo que se deve ao âmbito privado.
228
A incorporação do cuidado ao âmbito público é fundamental
para a construção de práticas, nas quais todos, em alguma
medida, possam corroborar para a construção de práticas
educativas acolhedoras da diferença.
Baseada na perspectiva da Ética do Cuidado, assim como
Gesser (2020), também destacamos a necessidade de se
questionar os ideais modernos de independência que atra-
vessam e constituem as sociedades contemporâneas, bem
como de se defender as relações de interdependência como
inerentes à condição humana (KITTAY, 2011).
Os princípios da Ética do Cuidado devem transversalizar a
construção de todos os espaços e práticas educativas. Assim,
demandam atenção à eliminação das barreiras sociais que
obstaculizam a participação dos estudantes com deficiência e
demais membros da comunidade escolar em igualdade de con-
dições. Essas barreiras podem ser arquitetônicas, de transporte,
atitudinais, comunicacionais, pedagógicas e metodológicas.
Precisamos estar atentos ao modo como as questões de classe
social podem complexificar esse desafio, pois para que todos os
estudantes possam acessar a escola, é necessário que não só as
instituições de educação sejam acessíveis, mas todo o percurso
da casa do estudante à instituição de ensino também.
O pressuposto da interdependência é basilar para a
construção de práticas pautadas no acesso coletivo. Nessa
perspectiva, Gesser (2021) destaca que a perspectiva do
acesso coletivo desafia a todos nós, com a construção de
práticas que tenham como princípio basilar o mote do
princípio da “Libertação Coletiva”, um dos 10 Princípios da
Justiça da Deficiência, de que “nenhum corpo ou mente
deve ficar para trás” (SINS INVALID, 2015). Baseada em prin-
cípios como os de interseccionalidade, interdependência e
acesso equitativo, essa perspectiva também nos instiga a
tirar do indivíduo a responsabilidade pelo acesso, implicando
a coletividade a acolher corporalidades múltiplas. Assim, a
perspectiva do acesso coletivo desafia a escola para a cons-
trução de espaços providos de tecnologias assistivas, meios
229
de comunicação mais flexíveis, pausas extras e mudanças na
iluminação, os quais tendem a beneficiar todas as corporeida-
des, com e sem deficiência. Também indica a necessidade de
se romper com os enquadramentos capacitistas que deslegi-
timam a participação de pessoas com diferentes expressões
do gênero, sexualidades, raças, etnias e variações linguísticas
na escola. Os pesquisadores brasileiros, vinculados ao Comitê
de Acessibilidade e Deficiência da Associação Brasileira de
Antropologia criaram uma contracartilha que oferece impor-
tantes indicações nesta direção (MELLO et al., 2020).
Gesser e Nuernberg (2017) destacam que a Ética do Cui-
dado também indica para a necessidade de considerar a
dependência e a interdependência como constituintes das
relações humanas, mas tendo o cuidado de não tornar os
estudantes dependentes naquilo que eles não são e, dessa
forma, limitar a capacidade de agência do sujeito. Desse
modo, um dos grandes desafios para a inclusão de pessoas
com deficiência no contexto da educação é o de se fornecer
assistência quando necessário, sem as tornar dependentes
em algo a qual elas não são, uma vez que tal premissa pode
corroborar a exclusão dessas pessoas à participação social,
bem como diminuir suas possibilidades de desenvolvimento.
Para finalizar, gostaríamos de destacar que um olhar
emancipatório para a Ética do Cuidado demanda que possa-
mos garantir a participação de todos os sujeitos implicados
no processo de cuidado. Assim, é necessário construir as prá-
ticas de cuidado junto COM os estudantes com deficiência,
coadunando com a perspectiva emancipatória desenvolvida
por Michael Oliver (1992) e trazida para o Brasil pela psicó-
loga social Marcia Moraes (2010). Essa perspectiva questiona
o processo histórico de compreensão da deficiência como
um problema individual, encerrado no corpo com lesão, e
situa a deficiência como uma questão política, de direitos
humanos e de luta. Acreditamos que essa perspectiva é polí-
tica e pode corroborar a emancipação de todos os atores
envolvidos no cuidado.
230
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233
CAPÍTULO 10

A INCLUSÃO DE AUTISTAS NA ESCOLA


REGULAR: A CONTRIBUIÇÃO
DA ÉTICA DO CUIDADO
NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Solange Cristina da Silva
Rita Louzeiro

1. INTRODUÇÃO

O autismo tem sido definido como um transtorno ao longo


de décadas por pessoas que partem de uma perspectiva bio-
médica da deficiência. Em contraponto, muitas pessoas autistas
têm construído um conceito sobre o autismo que nega essa
definição e o coloca como parte da diversidade humana. Tal
movimento é antecedido e tem como base a mudança da
definição da deficiência do Modelo Médico para outra, criada
a partir do Modelo Social e de direitos humanos. A Lei nº
12.764 (BRASIL, 2012) traz no parágrafo 2º do Artigo 1º: “A
pessoa com transtorno do espectro autista é considerada
pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”. Para
que tal definição faça sentido na inclusão das pessoas autis-
tas no contexto escolar, é necessário considerar o conceito
vigente de deficiência.
É a partir do estabelecido pela Convenção sobre os Direi-
tos das Pessoas com Deficiência (CDPD) (BRASIL, 2008) que
se constrói uma ligação entre o conceito de deficiência e o
direito à inclusão. Segundo a definição trazida pela CDPD e
reforçada pela Lei nº 13.146/2015 (BRASIL, 2015), a deficiência
234
ocorre quando da interação entre as especificidades funcio-
nais e as barreiras presentes no ambiente, resultando no
impedimento ou prejuízo da participação plena das pessoas
na vida social. Portanto, o caminho possível para a inclusão
das pessoas autistas, no ensino básico, deve ter como base
essas construções conceituais presentes na luta política das
pessoas com deficiência, bem como as formalizadas nas
legislações mencionadas. Entretanto, infelizmente, é notável
uma postura pautada pelo Modelo Biomédico na condução
das políticas públicas voltadas à educação escolar das pes-
soas com deficiência, em especial das pessoas autistas com
maior demanda de suporte.
A esse contexto de recorrentes tentativas de segre-
gação, faz-se necessário inserir o direito à inclusão escolar
dessas pessoas em campos teóricos e práticos, que cons-
tituam a escola como um espaço em constante mudança
para incluir todos os estudantes. A inclusão enquanto um
processo em construção, ainda se constitui na prática com
muitas lacunas no ideal de incluir todos. Ao reafirmarmos
a escola como um espaço para todos, nos propomos a dis-
cutir a inclusão de autistas no ensino básico, considerando
a “interdependência” e a importância da “Ética do Cuidado”
na prática pedagógica, para a garantia do direito de partici-
pação em uma perspectiva emancipatória e a efetivação de
práticas inclusivas. Entendendo que todos somos, de alguma
forma, dependentes uns dos outros, sendo, então, as rela-
ções de interdependência e as questões do cuidado parte
fundamental das relações humanas, acreditamos que estas
são discussões que contribuem para a crítica às atitudes no
ambiente escolar que se propõem inclusivas, mas que mui-
tas vezes, são capacitistas e excludentes. Teóricas feministas
dos Estudos da Deficiência como Fietz e Mello (2018), Kittay
(2011), Kittay, Jennings e Wasunna (2005) e autores dos Estu-
dos da Deficiência em Educação como Valle e Connor (2014)
dão corpo teórico para a discussão da inclusão de autistas
na escola regular de ensino. Recentes avanços na legislação
235
pertinente ao tema e estudos realizados sobre a inclusão de
pessoas com deficiência com maior demanda de suporte,
constituem o campo prático metodológico sobre o qual é
possível construir uma escola realmente inclusiva, de fato e
de direito, para todas as pessoas autistas.
Com base no exposto, em uma proposta de ensaio teó-
rico, esse capítulo refletirá sobre a inclusão de pessoas autistas
na educação básica e a importância da Ética do Cuidado para
uma prática pedagógica inclusiva, tendo o Desenho Universal
para a aprendizagem como expressão dessa ética.

2. A INCLUSÃO DE AUTISTAS
NA EDUCAÇÃO BÁSICA
O autismo é uma condição neurodiversa que compõe a
diversidade humana. Como tal, pessoas autistas se diferem
no modo de interação social e comunicação, que na relação
com a sociedade ocasiona uma série de demandas que, mui-
tas vezes, são diferentes das apresentadas por pessoas não
autistas. Partimos do princípio de que, o que faz o autismo
ser uma deficiência, são as consequências sociais oriundas
da relação da diferença corporal e comportamental com o
ambiente, que não acolhe essa variação humana e que tem
suas demandas ignoradas ou rotuladas, a partir do Modelo
Biomédico. Isso faz com que pessoas autistas sigam sem o
suporte social necessário para o seu desenvolvimento, exer-
cício da cidadania e participação plena.
Embora o Brasil tenha avançado muito sobre os Direi-
tos das Pessoas com Deficiência, de modo geral, ainda
tem sido descrito com termos típicos do Modelo Médico,
o qual, especificamente aqui, conceitua o autismo como
Transtorno do Espectro Autista (TEA). A pessoa autista
ainda é considerada, na maioria dos textos legislativos
sobre o tema, como alguém com um transtorno. Esse
apego conceitual, com base na perspectiva biomédica,
afeta como um todo a legislação e o cotidiano das pessoas
236
com deficiência, diminuindo o potencial de avanços e jus-
tificando políticas de retrocesso.
A Ética do Cuidado (KITTAY, 2011) serve bem ao propósito de
romper com esse padrão, pois afirma uma interrelação estru-
tural entre todas as pessoas componentes do corpo social. Por
isso, ao se falar em inclusão, fala-se também em uma impor-
tante e imprescindível rede de cuidados, cuja necessidade tem
sido ignorada, mantendo-se modelos que colocam as pessoas
com deficiência como responsáveis pela sua própria exclusão.
E a Ética do Cuidado, ao focar no aspecto interdependente das
relações sociais (KITTAY, 2011), traz o ferramental necessário à
essa mudança.
O rompimento com o corpo teórico do Modelo Biomé-
dico, para possibilitar a adoção do Modelo Social e de direitos
humanos como referência, se faz necessário. Assim, é preciso
considerar o autismo como uma condição que faz parte da
diversidade humana e propor ações e políticas que salientem
a promoção da acessibilidade, eliminando as barreiras que
obstaculizam a participação desse grupo.
A escola se configura como um ambiente de mudança
social. A construção de uma sociedade inclusiva passa,
imprescindivelmente, por esse espaço e por políticas de
Educação. A inclusão de estudantes autistas na escola
regular de ensino é um direito muito recente e que se
encontra, sempre e reiteradamente, sob sérios riscos de
retrocessos, a exemplo do Decreto nº 10.502/2020, sus-
penso pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil (STF) após
um movimento da sociedade civil, de entidades de repre-
sentação das pessoas com deficiência e de instituições de
ensino superior, conforme detalhamento adiante.
Em 1971, a nossa legislação definia as pessoas com defici-
ência como “excepcionais” e as ações voltadas a essas pessoas
eram pautadas tipicamente no modelo caritativo. Em 1988,
a Constituição Federal, apesar de cidadã, deixou uma brecha
importante para a segregação das pessoas com deficiência. O
termo “preferencialmente”, constante no inciso III do artigo
237
208 da Constituição, colocava a possibilidade de que pessoas
com deficiência recebessem atendimento especializado fora
da escola regular. Durante muito tempo e ainda hoje, esse
termo tem sido usado para justificar a segregação de pes-
soas autistas em escolas especiais.
Com a revogação da LDB de 1971 a partir da promulgação
da Lei de Diretrizes e Bases (BRASIL, 1996), a chamada “Edu-
cação Especial” foi o tema de um capítulo inteiro e ampliou
seu público para atender, também, os nela denominados
estudantes “com transtorno global do desenvolvimento”,
público este, do qual o autismo fazia parte. Em 2012, a Lei nº
12.764 (BRASIL, 2014a) instituiu a Política Nacional da Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista, regulamentada em 2014
sob o Decreto nº 8.368 (BRASIL, 2014a), mesmo ano em que
é instituído o Plano Nacional de Educação, com vigência de
10 anos (período de 2014 a 2024), pela Lei nº 13.005/2014
(BRASIL, 2014b). Avançamos muito desde então e, hoje,
temos uma legislação mais robusta, mas ainda carente de
ajustes e avanços para a garantia dos Direitos Humanos. O
caminho que nos trouxe a Lei nº 13.146/2015 – Lei Brasileira
de Inclusão da Pessoa com Deficiência (BRASIL, 2015), foi um
importante marco para as pessoas brasileiras com deficiência,
pois foi construído a partir das lutas das pessoas com defi-
ciência e de suas famílias. Hoje, a educação de estudantes
autistas é um direito presente no ordenamento jurídico bra-
sileiro, embora ainda sob sérios riscos de retrocessos.
Em 2020, o Decreto nº 10.502 instituiu a chamada Polí-
tica Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e
com Aprendizado ao Longo da Vida (PNEE) com o intuito
de consolidar as legislações anteriores. Tal política trouxe as
escolas especializadas como espaços de atendimento edu-
cacional para aqueles que, segundo sua lógica, “[...] não se
beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em
escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por
apoios múltiplos e contínuos [...]” (BRASIL, 2020). O argu-
mento, a partir de uma perspectiva do Modelo Biomédico,
238
coloca a responsabilidade da segregação na própria pessoa
com deficiência, algo que fere diretamente o conceito vigente
de deficiência, que tem como base o Modelo Social. Além
disso, encerra a pessoa em um rótulo, qual seja, o de pessoa
que não se beneficia da escola comum por ter um problema
individual/biológico e, portanto, deve ocupar espaço sepa-
rado, compondo o que o referido Decreto denomina como
“educandos da Educação Especial”. Com isso, é excluída do
convívio com outros estudantes do ambiente escolar comum.
Ao apontar a deficiência como resultante da interação
com as barreiras presentes no ambiente, a CDPD faz um
marco teórico-prático importante, que é desrespeitado pelo
referido decreto. Felizmente, tal normativa teve seus efeitos
suspensos por uma liminar do STF, ainda em 2020, e voltará
em discussão e votação provavelmente no mesmo ano. O
decreto passou, por seu teor e possíveis efeitos, a ser popu-
larmente denominado, por todo um movimento de lutas
pela educação inclusiva, como decreto da exclusão. Esse epi-
sódio exemplifica bem os riscos que a inclusão de pessoas
com deficiência (e, nesse recorte, autistas), correm no Brasil.
Os recorrentes riscos de retrocesso na inclusão de estu-
dantes autistas, principalmente aqueles com maior demanda
de suporte social, e os argumentos que, reiteradamente,
colocam nesses estudantes e em suas famílias toda a res-
ponsabilidade pela exclusão que sofrem, fizeram com que
elencássemos aqui, alguns pontos imprescindíveis para o
processo inclusivo dessas pessoas. Dado que a inclusão
de todos os estudantes autistas, independente do grau de
demanda de suporte, é um direito presente no ordenamento
jurídico brasileiro, faz-se importante a aplicação de ferra-
mentas teóricas e práticas, que permitam que essa inclusão
seja efetiva. Nesse ferramental teórico-metodológico estão
incluídos os conceitos de capacitismo, de neurodiversidade,
de barreiras, de Tecnologia Assistiva (principalmente de
Comunicação Alternativa e Aumentativa – CAA para os não
oralizados), de “Autistar” e a linha teórica denominada de
239
Ética do Cuidado, que serão apresentados na sequência. Para
tanto, procedemos algumas considerações básicas sobre os
itens citados e, logo em seguida, o aprofundamento sobre a
Ética do Cuidado.
O Capacitismo, como apresentado na parte 2 deste livro,
é um conceito trazido para o Brasil pela antropóloga e ati-
vista Anahi Guedes de Melo. Refere-se à discriminação e ao
preconceito, com base em um padrão normativo de superiori-
dade humana, direcionada às pessoas consideradas fora desse
padrão (MELLO, 2016; WOLBRING, 2008). Atinge, principal-
mente, as pessoas com deficiência por historicamente serem
consideradas incapazes, em decorrência da sua deficiência
(MELLO, 2016). Para Dias (2013, p. 10) “esta percepção cons-
trói um conjunto de suposições (consciente ou inconsciente)
e de práticas que promovem um tratamento desigual de
pessoas por causa de deficiências reais ou presumidas”. Ges-
ser, Block e Mello (2020, p. 18) afirmam que
[...] o capacitismo é estrutural e estruturante, ou seja, ele
condiciona, atravessa e constitui sujeitos, organizações
e instituições, produzindo formas de se relacionar base-
adas em um ideal de sujeito que é performativamente
produzido pela reiteração compulsória de capacidades
normativas que consideram corpos de mulheres, pes-
soas negras, indígenas, idosas, LGBTI e com deficiência
como ontológica e materialmente deficientes.

Esse descortinamento do conceito de capacitismo estru-


tural é importante para que as pessoas com deficiência,
sendo aquelas com maiores demandas de suporte, as mais
atingidas por essa estrutura capacitista, possam ter opor-
tunidades de participação plena e equidade nas condições
de acesso, como as demais pessoas. Assim, para romper
com essa lógica capacitista em relação ao autismo é preciso
entendê-lo em uma perspectiva de neurodiversidade.
O conceito de Neurodiversidade foi cunhado pela soci-
óloga australiana Judy Singer apresentando-o em sua tese
240
(SINGER, 1998). Singer é autista e o conceito foi adotado por
pessoas autistas no mundo inteiro. Basicamente, esse con-
ceito, coloca o autismo como parte da diversidade humana,
retirando-o do campo conceitual imposto pelo Modelo Bio-
médico e possibilitando sua inserção no campo do Modelo
Social e de direitos humanos. Afirmar o autismo como uma
identidade, parte da diversidade humana, inserindo-o no
campo da diferença, serve bem ao propósito de atender a
emergência de atitudes e políticas anticapacitistas, no que
se refere às pessoas autistas. Esse é, portanto, um conceito
a ser aprofundado e mesclado a outros campos referentes a
esse tema.
Atitudes anticapacitistas perpassam a eliminação das
barreiras e, consequentemente, a garantia da acessibilidade.
Para a eliminação das barreiras, alguns estudantes autistas
poderão necessitar, por exemplo, de dilatação do tempo
para execução das atividades e provas, do uso de informa-
ções visuais, de uma comunicação objetiva e sem linguagem
figurativa, de um espaço reservado para descarga sensorial,
o aviso prévio sobre mudanças na rotina de horários e ativi-
dades, da utilização recursos de Tecnologia Assistiva (TA) de
apoio à aprendizagem, entre outros facilitadores.
O conceito de barreiras advém do Modelo Social e estão
presentes na CDPD e na LBI. Ao apontar a interação entre as
pessoas e as barreiras presentes no ambiente, como parte
da equação que resulta na deficiência, nossas legislações
se pautam no Modelo Social e nos movimentos políticos de
pessoas com deficiência, deixando clara a rejeição do Modelo
Biomédico32, que encerra a deficiência no corpo e na mente
das pessoas. É importante que esse conceito seja colocado

32 Início da nota de rodapé. Nota-se que em muitos trechos de nossa


legislação há referências a questões pautadas no Modelo Biomédico,
como por exemplo, os critérios adotados para a definição do que
será considerado como “lesão”. Fim da nota de rodapé.

241
no campo dos direitos humanos, posicionando a dignidade
humana como o norte de tais ações, pois sem isso, é impos-
sível promover a inclusão das pessoas com deficiência, grupo
no qual estão inseridas as pessoas autistas.

3. TECNOLOGIA ASSISTIVA E ESTUDANTES


DE MAIOR NECESSIDADE DE SUPORTE
OU NÃO ORALIZADOS

Para a eliminação de algumas das barreiras no ambiente


escolar, a Tecnologia Assistiva (TA) como campo de estudo
e prática, deve estar presente nesse contexto educativo. A
Comunicação Alternativa e Aumentativa (CAA) é um dos
recursos da TA que, principalmente no que se refere aos
estudantes não oralizados, é fundamental para compor
a diversidade de recursos que devem ser utilizados pela
equipe escolar. Um autista não oralizado pode ler e escre-
ver, contar, desenhar e desenvolver diversas habilidades. Ele
também entende o que é dito e se comunica com os outros
a seu modo. Ele é capaz de aprender qualquer coisa, pois
o não falar oralmente não impede o desenvolvimento cog-
nitivo. Apesar disso, as pessoas geralmente consideram que
um autista não oralizado é menos inteligente ou “nada” inte-
ligente. Isso se chama oralismo, um elemento presente na
nossa cultura que atrela inteligência e comunicação à fala
oral. Quando falamos aqui em comunicação alternativa e
aumentativa (CAA), é nesses autistas que estamos pensando.
Desses autistas é esperado que se comuniquem de um modo
padrão, ou seja, oralmente e, portanto, se não o fazem, há o
entendimento que não entendem o que é dito e são consi-
derados incapazes A forma como se concebe a deficiência
interfere, significativamente, nas ações e na forma de ensi-
nar esses estudantes, pois podemos entender que algo está
errado com a pessoa ou que algo está errado com o sistema
social que incapacita a pessoa (VALLE; CONNOR, 2014).
242
A comunicação é um direito humano que tem sido
desrespeitado amplamente no Brasil, no que se refere aos
estudantes autistas não oralizados ou em processo de
oralização. As tentativas de negativa do direito à inclusão
dessas pessoas, ao encerrarem em seus corpos e mentes
a responsabilidade da exclusão, ignoram propositadamente
tal direito. Escolas brasileiras que não oferecem qualquer
sistema robusto de comunicação alternativa e aumentativa
(CAA) e nem de outros recursos de Tecnologia Assistiva (TA)
para esses estudantes, exigem deles que se comuniquem
sem tais ferramentas e ao não se comunicarem da forma
esperada, são apontados como aqueles que “não se bene-
ficiam da escola regular”, isso para citar apenas uma das
negativas usadas na construção da exclusão desse grupo.
Faz-se, portanto, necessário que os órgãos do sistema de
ensino, como o Ministério da Educação (MEC), as regionais
de ensino, as escolas, os planejamentos pedagógicos ofere-
çam tais ferramentas aos estudantes em vez de afirmar que
a escola regular não é lugar para eles.
Outra ferramenta importante para a inclusão das pessoas
autistas na escola regular de ensino é o verbo Autistar33. A
palavra há décadas vem sendo utilizada informalmente pela
comunidade autista e transforma-se em elemento impor-
tante na constituição subjetiva e identitária, principalmente,
quando o conceito é incorporado pelo movimento autista no
Brasil. Defendido e disseminado pela pedagoga autista bra-
sileira, Rita Louzeiro (uma das autoras deste capítulo) e por
outras pessoas autistas ativistas no Brasil, “autistar” tem sido
adotado como ação de resistência a normalização de corpos
pelo movimento autista brasileiro. Autistar se refere ao ato
de autistas fazerem seus stims, que são comportamentos e

33 Início da nota de rodapé. Post de Rita Louzeiro pode ser acessado


em: https://www.facebook.com/1774583492/posts/1020486787473
4704/. Fim da nota de rodapé.

243
hábitos que essas pessoas usam para relaxar, passar o tempo,
se regular; são comportamentos que, no Modelo Médico, têm
sido chamados de estereotipia e colocados como sintomas a
serem extirpados.
Por ser verbo, Autistar também faz um deslocamento
semântico importante que nega o autismo como um adje-
tivo, um rótulo e que o coloca como ação, trazendo a campo,
a subjetividade das pessoas autistas. “Adjetivos caracterizam
pessoas e podem qualificá-las ou desqualificá-las. Verbo é
ação, estado, fenômeno, ocorrência, desejo” (TORRES, 2018).
Autistar é importante para o desenvolvimento cognitivo
e para a aprendizagem de pessoas autistas. Nessa lógica,
características como a ecolalia, por exemplo, não devem ser
reprimidas como um sintoma, mas devem entrar como parte
do processo de desenvolvimento e aprendizagem.
Ativistas autistas têm reivindicado espaços de fala e de
participação na sociedade, travando uma disputa de narrativas,
principalmente, no que tange às atuações que objetivam inter-
vir na construção de políticas e serviços voltados a esse público.
As narrativas referentes ao autismo sempre foram dominadas
por pessoas não autistas, sejam familiares, profissionais ou
mesmo pesquisadores que, exatamente por estudarem sobre
e atuarem com o autismo, não sendo pessoas autistas, acabam
por ocupar espaços privilegiados de fala sobre o tema. Como
resultado dessa disputa de narrativas, em 2019, a Associa-
ção Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas
(Abraça) realizou a campanha “Autistar é Resistir – Identi-
dade, Cidadania e Participação”34. Uma ação importante da
campanha foi a realização da primeira audiência pública,
totalmente protagonizada por pessoas autistas, na Câmara
dos Deputados, em Brasília, inclusive com a participação de
um autista não oralizado, feito inédito no país.

34 Início da nota de rodapé. Acesse as notas taquigráficas de todas as


falas dessa audiência no link: https://escriba.camara.leg.br/escri-
ba-servicosweb/html/56097. Fim da nota de rodapé.

244
Crianças autistas, ainda sem autonomia e espaço de
fala, seguem sofrendo capacitismos e os efeitos da pato-
logização de seus comportamentos. Que espaço há para a
educação dessas crianças, quando suas expressões e modos
de aprendizagem são tratados como “sintomas de doen-
ças”? O principal efeito da adoção desse verbo, na educação
infantil, é permitir o desenvolvimento das crianças autistas
dentro de seu próprio modelo cognitivo, respeitando suas
expressões. Portanto, é uma ferramenta conceitual que
também deve ser aprofundada, inclusive com estudos de
sua aplicabilidade em diferentes contextos.

4. A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA DO CUIDADO


NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
A Ética do Cuidado compõe esse arcabouço teórico-prá-
tico necessário à inclusão das pessoas autistas, à medida que
questiona o modo como se dão as relações sociais referente
ao cuidado. Na sociedade, o cuidado tem sido encarado como
uma obrigação individual, que coloca o sujeito demandante
em situações de vulnerabilidade. Culturalmente, as ativida-
des de cuidado têm sido exercidas por mulheres que, muitas
vezes, arcam sozinhas com as lacunas deixadas pelo Estado,
pela oferta de produtos e serviços, pelos demais membros de
suas famílias e de sua comunidade.
Porém, mesmo com todo arcabouço teórico e jurídico
de base, pouco se tem usado dessas fontes na ação peda-
gógica, que se propõe inclusiva para pessoas autistas. Nesse
contexto, as próprias pessoas autistas têm pagado preços
altíssimos por toda a omissão que as atinge, sendo a escola e
o ensino básico um dos ambientes nos quais seus efeitos são
sentidos de maneira mais aguda, com graves consequências
para toda a vida dessas pessoas. Isso tudo leva à necessi-
dade de inserção da Ética do Cuidado na prática pedagógica.
Ao pensarmos em cuidado, remetemo-nos à ação privada,
geralmente realizado por mulheres (mães, cuidadoras). Isso
245
se dá pelo fato de que essa lógica foi construída socialmente.
Apesar das ativistas e teóricas feministas já apontarem a
lógica sexista da divisão sexual do trabalho desde antes da
década de 1970, ainda hoje, desde muito cedo, as meninas
com suas bonecas são ensinadas para serem futuras mães,
as que vão cuidar, e os meninos com seus carros vão tra-
balhar fora para sustentar a família. Essa lógica vem sendo
transgredida há décadas por mulheres que assumem empre-
gos das mais diversas áreas e constituem famílias diversas.
Eva Kittay (2011), ao discutir o cuidado, propõe romper
com a lógica que o restringe à esfera privada, como papel
da mulher e uma responsabilidade individual, propondo o
entendimento do cuidado como também de responsabili-
dade social e uma Ética do Cuidado que deve ser transversal
a todas as políticas, já que esse passa a ser visto como um
elemento central nas relações humanas, independentemente
de a pessoa ter ou não deficiência.
Comumente a independência é vista como um ideal a ser
alcançado por todos. Em uma sociedade capitalista, na qual o
foco é a produtividade, acredita-se que as pessoas devem fazer
tudo ou o máximo possível sozinhas; sendo a independência
uma condição necessária para alcançar o status de “capaz”,
ou seja, quanto mais independente, mais capaz. Em uma pers-
pectiva normocêntrica35, a dependência é vista como algo
negativo e considerada como incapacidade, inferioridade e o
cuidado como a marca dessa condição (KITTAY, 2011). Ao pro-
por o rompimento da lógica capitalista, que tem como foco
a produtividade que gera a ideia de independência agregada
a de capacidade, ou seja, quanto mais independente mais
capaz, e como uma meta que deve ser alcançada por todos,

35 Início da nota de rodapé. Entende-se por normocêntrica, a perspectiva


que é centrada em uma norma padrão, ou seja, o padrão normativo é
a regra a ser seguida e tudo que foge dele é desviante. Assim, a padrão
é ser independente, quem é dependente é incapaz, logo inferior. Fim
da nota de rodapé.

246
Kittay (2011) traz o entendimento da interdependência como
parte das relações humanas e condição para sua sobrevi-
vência e bem-estar. Da mesma forma, o cuidado não remete
a uma limitação da pessoa, mas compõe as relações entre
todas as pessoas. Kittay, Jennings e Wasunna (2005) alertam
que é preciso cautela ao exercer o cuidado, no sentido de
não demover a capacidade de escolha da pessoa cuidada,
bem como possibilitar dependências ou relações hierárqui-
cas e impositivas desnecessárias.
Simplican (2015) critica Kittay, argumentando que a Ética
do Cuidado proposta por ela nem sempre tem êxito, quando
se pensa em relações complexas, no qual o cuidador, por
vezes, não consegue captar a necessidade de quem é cui-
dado. Para tanto, propõe que o cuidado seja ampliado para
uma rede de cuidado mais ampla, tornando as necessidades
de quem é cuidado mais legíveis e o cuidado, em si, público.
Assim, estaria o cuidado da pessoa com deficiência em uma
rede, em que público e privado se entrelaçam, e os cuida-
dos necessários ao cuidador/a também seriam considerados.
Dentro dessa lógica do cuidado como uma responsabilidade
também em âmbito público, e da interdependência como
parte das relações humanas, a Ética do Cuidado deve fazer
parte das ações nos diferentes contextos.
No âmbito educacional, Bock, Gesser e Nuernberg
(2019) propõem o Desenho Universal para Aprendizagem
(DUA), como um exercício da Ética do Cuidado. O Desenho
Universal para Aprendizagem (DUA) ou Universal Design
for Learning (UDL) surge a partir do Desenho Universal
(DU) (Universal Design), que se propunha a construção de
ambientes e produtos acessíveis para que pudessem ser
utilizados por um maior número possível de pessoas. Com
base nesse propósito, o DUA adequa os princípios do DU
para o campo da Educação, com base em três aspectos da
aprendizagem: 1) Representação (o “quê” da aprendiza-
gem) – como é categorizado o que é visto, ouvido e lido;
2) Ação e expressão (o “como” da aprendizagem) – como
247
as ideias são organizadas e expressadas e as tarefas são
planejadas e executadas e; 3) Engajamento (o “porquê”
da aprendizagem) – o que motiva e desafia os estudantes
para a aprendizagem (CAST, 2011, 2013). Esses aspectos
estão relacionados a três redes neurais no funcionamento
do cérebro, ligados ao processo de aprendizagem: 1) Redes
de conhecimento; 2) Redes estratégicas; e 3) Redes afetivas
(CAST, 2011, 2013; SENNET, 2015;). A partir desses estudos e
com apoio na neurociência, o DUA constrói como princípios
de ação: 1) proporcionar modos múltiplos de apresentação;
2) proporcionar modos múltiplos de ação e expressão; 3)
proporcionar modos múltiplos de autoenvolvimento (CAST,
2013; ROSE et al., 2002). O DUA contempla um conjunto de
princípios para o desenvolvimento curricular flexível, para
eliminar as barreiras da aprendizagem e possibilitar oportu-
nidades igualitárias para aprendizagem (NCUDL, 2014). Para
Silva e Souza (2015), um quesito essencial na construção
de processos pedagógicos inclusivos é a flexibilidade que
o DUA propõe, pois possibilita que os estudantes persona-
lizem/modulem o conteúdo apresentado, o ambiente, os
recursos e a expressão do conhecimento mais adequados
ao seu perfil e estilo de aprendizagem, com vista à elimina-
ção de possíveis barreiras para a aprendizagem.
Esse processo de construção estimula uma ação proativa
dos docentes, os quais precisam antecipar as necessidades
educacionais diversas dos futuros estudantes, propondo uma
apresentação adequada aos diferentes perfis de estudan-
tes, para evitar adaptações futuras (GRIFUL-FREIXENET et al.,
2017). Todavia, não podemos desconsiderar “a necessidade
das incorporações de outras estratégias que podem emergir
na relação entre o objeto da aprendizagem e o sujeito que se
apropria do conhecimento”, em uma proposta de aperfeiçoa-
mento, como parte constante desse processo inclusivo (BOCK;
GESSER; NUERNBERG, 2019, p. 13). Block, Gesser e Nuernberg
(2019, p. 13) esclarecem que

248
[...] é preciso ter atenção e escuta a fim de encon-
trarmos as melhores estratégias no modo de o
estudante se relacionar com o conhecimento, atra-
vés de uma ligação que privilegie a voz do sujeito
do cuidado numa relação de mão dupla, recíproca
e co-construtiva.

Essa escuta é muito importante para o processo educativo


inclusivo, o qual somente é possível no encontro com o outro.
Da mesma forma, a acessibilidade se faz no processo por meio
dessa escuta. Quando falamos em crianças autistas é impor-
tante deixar claro que há um espectro de possibilidades de ser
autista. O que caracteriza uma pessoa como autista são as dife-
rentes qualidades na comunicação e interação social. O autista
não oralizado, não é aquele que não se comunica, mas aquele
que se comunica de forma diferente da oralizada. A comuni-
cação das pessoas autistas não oralizadas tem sido negada,
com base em um arcabouço teórico pautado do Modelo Bio-
médico que lhes nega o “lugar de fala”36, ao definir que suas
vozes não são vozes, sua fala não é fala e, portanto, essas pes-
soas não devem, ou, ao menos, não precisam ser escutadas,
porque todas as suas expressões são sintomas. É fundamen-
tal o professor estar aberto à escuta dessa comunicação. Em
alguns casos são usados recursos de comunicação alternativa
e aumentativa (CAA), computador/tablet/smartphone, música
e outras formas que a criança possa se expressar. Oportuni-
zar o lugar de fala dessas pessoas, em um processo de escuta
de suas vozes (expressas de diferentes formas), é fundamen-
tal para possibilitar sua inclusão. Corroborando essa ideia, o
Comitê Deficiência e Acessibilidade da Associação Brasileira de
Antropologia (MELLO et al., 2020, p. 13), em sua contracartilha

36 Início da nota de rodapé. O feminismo negro traz o conceito de Lugar


de Fala, nos escritos de Djamila Ribeiro, no livro “O Que é Lugar de
Fala”, e de Giovana Xavier, no artigo “Feminismo: Direitos Autorais
de uma Prática Linda e Preta”, para ajudar a “restituir humanidades
negadas” (RIBEIRO, 2017, p. 22). Fim da nota de rodapé.

249
sobre acessibilidade, propõe que esta seja essa pensada de
forma mais ampla, e baseada na ideia de justiça da deficiência,
afirmando que:
Não é necessário saber tudo sobre as especificidades
do outro! As acomodações nascem das interações.
Cada pessoa é única, cada experiência é singular.
Os marcos legais e os padrões técnicos, embora
extremamente necessários, nunca serão suficientes.
É preciso uma mudança na atitude, no comporta-
mento, na disponibilidade para se transformar, fazer
as coisas de outro jeito, com base na relação com o
outro e no modo como se é interpelado e movido
pelas diferenças.

A atitude de escuta e a coconstrução proposta pelos autores


é fundamental, pois o processo de aprendizagem é movimento e
novas barreiras podem surgir exigindo outros aprimoramentos.
Diante do exposto, a primeira autora faz uma crítica ao
termo “Universalidade” na palavra DUA, que, de certa forma,
contradiz a sua própria perspectiva, sendo que a mesma traz
dubiedade de entendimento. Sugere, então, que o DUA deve
ser compreendido como Desenho Pluriversal para Aprendiza-
gem (DPA), combinando com seu princípio de flexibilização,
de acordo com o espectro de possibilidades de ser, aprender,
se expressar do ser humano, no qual as formas peculiares,
a partir das especificidades funcionais da pessoa com defi-
ciência, fazem parte desse escopo do humano. Para Valle e
Connor (2014, p. 96), o “design universal traduz a noção de
‘criado com todas as pessoas em mente’”, porém, induz ao
erro do entendimento de um formato único/modelo para
todos/as. Para Ramose (2011, p. 10), o “‘universal’ pode ser
lido como uma composição do latim unius (um) e versus
(alternativa de...), ficando claro que o universal, como um e
o mesmo, contradiz a ideia de contraste ou alternativa ine-
rente à palavra versus”, ressaltando, assim, a ideia de “Uno”
excluindo o “Outro”. Argumenta, ainda que
250
[...] deve-se notar que o conceito de universalidade
era corrente quando a ciência entendia o cosmos
como um todo dotado de um centro. Entretanto, a
ciência subsequente destacou que o universo não
possui um centro. Isto implicou na mudança do
paradigma, culminando na concepção do cosmos
como um pluriverso. [...] Ontologicamente, o Ser é a
manifestação da multiplicidade e da diversidade dos
entes. Essa é a pluriversalidade do ser, sempre pre-
sente (RAMOSE, 2011, p. 11).

Assim, “a ênfase na mesmidade (sameness) sob a égide


do ‘universal’, diz respeito à aparente intenção de estabelecer
totalidade e hegemonia” (RAMOSE, 2011, p. 10). Ao trazer essas
reflexões do âmbito da filosofia para os Estudos da Deficiência,
entendemos que a experiência da deficiência, assim como a
experiência de ser mulher, por exemplo, não é universal, é plu-
riversal e é essa pluriversidade que constitui o ser humano. É
importante ter essa ideia da pluriversidade de Mogobe Ramose
(2011) e do ser inacabado, como bem retrata Paulo Freire
(1996). Assim, com base na reflexão de Ramose (2011, p. 10),
entendemos que o desenho para a aprendizagem não pode
ser universal, ele tem que ser pluriversal, bem como não pode
ser algo fixo, e sim, um movimento em constante construção,
tanto quanto são as pessoas. Essa maneira diversa de ser, só
pode ser conhecida no encontro entre as pessoas; e a escola
tem de ser o ambiente proporcionador desses encontros.
Mariana Rosa, em sua palestra “Diversidade que move o
mundo”37 reforça a importância de o currículo escolar valori-
zar o que cada aluno tem, ao afirmar que:
Gente não tem padrão, é única, inacabada. Que padrões
são esses e a quem eles servem? Há diferença em

37 Início da nota de rodapé. A palestra “Diversidade que move o


mundo” pode ser acessada no link https://youtu.be/EqpbmmEO6iQ.
Fim da nota de rodapé.

251
buscar recursos para qualidade de vida e o que é
para se enquadrar, entrar num padrão. [...] Fazer a
inclusão acontecer é rever conceitos, educar cons-
ciência, transformar atitudes; é muito mais do que
fazer o que é certo e garantir direitos, é ressoar a
diversidade humana como a maior riqueza e a inclu-
são como uma necessidade comum de todos nós
sempre (ROSA, 2019).

O DUA coaduna com essa perspectiva ao propor eliminar


o ensino pautado em padrões normativos, que homogene-
íza corpos, tempos e espaços na escola, colocando os que
estão fora desse padrão à margem do processo educativo,
visto que não se apoia em diagnósticos, mas sim, considera a
diversidade de aprendizes e suas diferentes potencialidades.
Isso não quer dizer que as especificidades não são garantidas,
como no caso de estudantes com deficiência. Os recursos de
Tecnologia Assistiva (TA) são incorporados quando necessá-
rio para tornar acessível e potencializar a aprendizagem dos
estudantes com deficiência. Todavia, não são exclusivos para
esse grupo, podendo um recurso para uma pessoa cega, por
exemplo, facilitar a aprendizagem de estudantes videntes.
Em seu estudo, Domings, Crevecoeur e Ralabate (2014, p. 39,
tradução nossa) defendem que
[...] as diretrizes da UDL ajudam os educadores a
irem além de apenas fornecer acesso ao conteúdo,
permitindo-nos avançar para fornecer acesso a
experiências de aprendizagem de qualidade – aque-
las que ajudam todos os alunos a alcançar todo o
seu potencial.

Nesse sentido, para promover uma Educação Inclusiva é


importante que o DUA seja incorporado, não como um guia
ou uma única estratégia, mas como um quadro conceitual
teórico e analítico do contexto educativo, e as oportunida-
des necessárias para maximizar o acesso e aprendizagem de
todos(as) os(as) estudantes.
252
Mariana Rosa (2020, p. 2), em oposição ao Decreto nº
10.502 mencionado anteriormente, argumenta que levar
adiante a educação inclusiva
[...] pressupõe compreender a deficiência como um
modo de vida tão singular quanto qualquer outro e,
por isso, assegura acessibilidade e tecnologias assis-
tivas como direitos inegociáveis. Requer abandonar
a ideia do aluno universal, estanque, repetidor do
que o professor enuncia, para abraçar o aluno real,
único e em permanente mudança. Demanda que
professor e aluno colaborem um com o outro para
anunciar novos e múltiplos jeitos de ensinar e de
aprender, em comunidade. Impõe a necessidade de
acolher os diversos tempos e modos de aprendiza-
gem, o que solicita um outro desenho para a sala
de aula, que não esse que se aproxima de uma linha
de produção fabril. Exige que os professores sejam
reconhecidos e valorizados, que a gestão demo-
crática seja premissa de trabalho da escola. Levar
adiante a educação inclusiva requer, portanto, mudar
a escola, e não mudar de escola, e assumir tal pro-
cesso como um modo de nos comprometermos com
as bases de alteridade e justiça para criar o mundo
em que queremos viver. Um mundo em que já não
cabem as relações de poder de uns sobre os outros,
mas o poder que emana da paridade, das relações de
uns com os outros.

A inclusão é um processo em constante evolução, que


tem como fundamento a justiça social, comprometendo-se,
assim, com as questões sociais do acesso e da equidade, as
quais são objetivos do movimento da educação inclusiva
(VALLE; CONNOR, 2014). Para Valle e Connor (2014, p. 84), “a
sala de aula inclusiva é uma comunidade de aprendizagem
criativa, em que todos são adequados e todos se benefi-
ciam”. Quando o currículo é projetado visando a eliminação
253
das barreiras para a aprendizagem e a diminuição de deman-
das irrelevantes, os autistas podem aprender e progredir no
currículo do ensino regular (DOMINGS; CREVECOCUR; RALA-
BATE, 2014). Nessa perspectiva, para reafirmar a importância
da inclusão das pessoas com deficiência na rede regular de
ensino, trazemos o Relatório realizado pelo Instituto Alana
em parceria com a Abt Associates (2016, p. 2), que analisa-
ram as evidências de mais de 280 estudos realizados em 25
países, dos quais 89 estudos trazem evidências científicas
relevantes e foram utilizados como base para as análises
em relação aos “benefícios da educação inclusiva não só
para estudantes com deficiência, mas principalmente para
estudantes sem deficiência, já que as evidências desses
benefícios para os primeiros já são amplamente divulga-
das”. O resultado evidenciado foi que
[...] configurações inclusivas de ensino – em que as
crianças com deficiência são escolarizadas ao lado
de seus colegas sem deficiência – podem conferir
benefícios substanciais, a curto e longo prazo, para
o desenvolvimento cognitivo e social da criança [...]
Bem como “o desenvolvimento socioemocional dos
alunos sem deficiência” (INSTITUTO ALANA; ABT ASSOCIA-
TES, 2016, p. 27). Todavia, como mostra o referido relatório
(2016, p. 27):

[...] incluir um aluno com deficiência exige que os pro-


fessores e administradores escolares desenvolvam
uma melhor compreensão dos pontos fortes e das
necessidades individuais de cada aluno, e não apenas
daqueles com deficiência. Os professores em salas de
aula inclusivas não podem simplesmente direcionar
o currículo para o aluno comum. Isso significa ofere-
cer aos alunos múltiplas maneiras de se envolverem
com o material de sala de aula, múltiplas represen-
tações de conceitos curriculares e vários meios para

254
os estudantes expressarem o que aprenderam. Esse
tipo de abordagem cuidadosa sobre a aprendizagem
beneficia alunos com e sem deficiências.
Nesse sentido, o DUA fazendo parte da cultura educativa,
oportunizado um fazer pedagógico de acordo com a Ética
do Cuidado, possibilita, aos estudantes autistas, equidade de
acesso e recursos diversificados e a eliminação de barreiras
que dificultam sua aprendizagem e permanência na escola.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Brasil vive hoje momentos de incertezas na garantia


dos direitos das pessoas com deficiência. E, em contradição
ao aporte legal substancial conquistado na luta pela pauta
do direito desse grupo, um movimento político e social con-
servador defende ações de retrocesso, fazendo com que as
pessoas com deficiência enfrentem significativos desafios
para manter as conquistas no âmbito da inclusão educacio-
nal, para poder avançar no seu aprimoramento. Como parte
do escopo de pessoas com deficiência e foco deste texto,
estão os autistas.
Como ato de resistência, se propõe que se fortaleçam
as práticas inclusivas na escola, trazendo a Ética do Cuidado
para a prática pedagógica, com o intuito de possibilitar a
participação equitativa, a acessibilidade e a aprendizagem de
autistas na escola regular de ensino. A diversidade de per-
fis de estudantes que fazem parte da escola fortalecida pelo
espectro de variações autísticas, as quais compõem as dife-
rentes formas de ser e aprender dos estudantes, traz desafios
à prática inclusiva.
Os instrumentos, os recursos e a metodologia mais ade-
quada a serem utilizados vai depender dos sujeitos, do contexto
e das relações que compõem aquele ambiente educacional.
Para tanto, faz-se necessária a disponibilização de mate-
riais pedagógicos adequados ao estilo de aprendizagem do
estudante autista e a necessidade de maior investimento na
255
adequação no currículo para atender as necessidades desses
estudantes. Com isso, propomos que os princípios do DUA
sejam incorporados na escola, garantindo a flexibilização e
diversificação de recursos, para oportunizar a acessibilidade
e condições equitativas de aprendizagem. Nesse sentido,
acredita-se que o DUA vai ao encontro da Ética do Cuidado
na educação e é uma alternativa viável para oportunizar o
ensino e a aprendizagem dos estudantes com autismo.
É preciso ter claro que não é o professor o único res-
ponsável pela inclusão na escola, mas a responsabilidade é
de todos e, por esse motivo, deve ser pensada coletivamente,
formando uma rede de troca de experiências, conhecimento,
práticas e sentimentos. É importante, também, a participação
dos responsáveis pela criança, bem como profissionais de aten-
dimento externo para complementar essa rede na construção
do processo de inclusão desses estudantes. Acrescenta-se a
isso, a imprescindível participação das pessoas autistas em
todo o processo, pois são elas que nos mostrarão sua forma
de aprender, seus interesses e as barreiras que estão sendo
impeditivas de sua aprendizagem e bem-estar, muitas vezes
desapercebidas, a partir do olhar neurotípico.
A convivência com as pessoas com deficiência faz com
que as pessoas parem de olhar para a deficiência e comecem
a olhar para a pessoa. O primeiro passo para inclusão dos
autistas no sistema regular de ensino é, então, desconstruir a
ideia do autismo como falta, por exemplo, falta comunicação,
falta interação etc. Entendemos, assim, que a acessibilidade
atitudinal é um aspecto crucial no processo escolar das pes-
soas autistas, pois ela dará a base para todas as outras formas
de acessibilidade, imprescindíveis no fazer pedagógico.

256
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259
CAPÍTULO 11

AÇÕES PEDAGÓGICAS INCLUSIVAS NA


FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA
DOS PARTICIPANTES DO PROJETO
DUA/COAMAR/UFSC E A PRODUÇÃO
DE MATERIAIS E RECURSOS ACESSÍVEIS
Eloisa Barcellos de Lima
Simone De Mamann Ferreira
Lucas Yuri Ferraz
Mayara Amanda Pereira

1. INTRODUÇÃO

Neste capítulo, abordaremos a respeito do projeto


“Desenho Universal para Aprendizagem – Organização, Cria-
ção e Adaptação de Materiais e Recursos Pedagógicos para
Estudantes Público-alvo da Educação Especial do Colégio
de Aplicação da Universidade Federal de Santa Catarina”,
conhecido como DUA/Coamar/UFSC, quanto às ações peda-
gógicas, na produção de materiais e recursos acessíveis para
estudantes com e sem deficiência da Educação Básica.
Sob o enfoque dos Estudos da Deficiência, refletimos
sobre a aplicação dos princípios e diretrizes do DUA em nossa
rotina de trabalho, apreendendo as contribuições para a for-
mação inicial e continuada dos participantes do projeto, bem
como, à flexibilização para que as produções pedagógicas
alcancem o maior número de estudantes possível, análogo
às suas peculiaridades e metas coletivas.
O projeto DUA/Coamar, acontece no Colégio de Apli-
cação (CA/UFSC) junto aos estudantes e profissionais que
atuam neste espaço. Anteriormente, o projeto não tinha
em seu título o DUA, tendo a pesquisa e extensão ocorridos
260
entre os anos de 2016.1 e 2019.2, centrada na catalogação,
confecção e aperfeiçoamento de materiais e jogos, por meio
de organização de recursos físicos existentes no CA/UFSC. No
triênio citado, implementamos oficinas em 2018, como um
modo de comunicação e novas produções com a comuni-
dade interna e externa. Essa prática, vinculada aos estudos
dos envolvidos, oficineiros e cursistas, culminou com pro-
pósitos metodológicos que coadunam com os princípios
do DUA, incorporando, assim, em 2020, esta nomenclatura,
tanto no título quanto nas ações.
O objetivo central do projeto DUA/Coamar é de criar, por
meio das oficinas ofertadas, a confecção de materiais, recursos
pedagógicos, jogos e atividades adaptadas, que sejam direcio-
nadas e estabelecidas, mediante a aplicação dos princípios do
DUA, para estudantes com e sem deficiência, especificidades
do Transtorno do Espectro do Autista (TEA), Altas Habilidades/
Superdotação (AH/SD), sendo que a inclusão de todos exige,
da instituição de ensino: investimentos em estrutura física;
recursos humanos e materiais; e a adaptação e confecção de
materiais e recursos, quando necessário, para as necessidades
específicas de cada estudante com ou sem deficiência.
As pesquisadoras/docentes coordenadoras do projeto
DUA/Coamar, estiveram inseridas no grupo intitulado Núcleo
dos Estudos da Deficiência/NED/UFSC, desde 2018, adentrando
no aporte teórico sobre os Estudos da Deficiência e Estudos
Feministas da Deficiência. Tais conhecimentos compuseram as
orientações prestadas aos bolsistas e colaboradores partícipes
do projeto.
Com a oportunidade de revisitar os campos teóricos tra-
balhados no NED/UFSC, em âmbito profissional e pessoal das
referidas profissionais; e a adesão da maioria dos participantes
do projeto, ao grupo de estudos do Laboratório de Educação
Inclusiva da Universidade do Estado de Santa Catarina (LEdI/
Udesc), foi possível coordenar e supervisionar o trabalho no
projeto, vislumbrando nossas ações pedagógicas inclusivas em
desenvolvimento. A inserção dos bolsistas no referido grupo,
261
ampliou a imersão de todos no conjunto teórico inclusivo,
qualificando a produção de materiais e recursos acessíveis.
A seguir, abordamos sobre a formação inicial e conti-
nuada dos colaboradores durante as ações do projeto DUA/
Coamar e a importância para a vida acadêmica e atuação
profissional de cada um, bem como, a participação nos gru-
pos de estudo como LEdI/Udesc e NED/UFSC, que auxiliaram,
significativamente, na complementação de tais formações.

2. FORMAÇÃO INICIAL E CONTINUADA


PARA APERFEIÇOAMENTO
DA PRÁTICA PEDAGÓGICA

O projeto de extensão contou com três acadêmicos de


graduação, na composição das atividades propostas, sendo
que dois são autores deste capítulo, conjuntamente com as
coordenadoras/pesquisadoras do mesmo. O projeto segue
a posição freiriana, quanto à importância da extensão e
comunicação, para que os saberes construídos no projeto
transcendam para os interlocutores de toda a comunidade,
com a intencionalidade de criar “significação dos significa-
dos”, por meio do diálogo, em que a Educação cumpre o
seu papel de comunicação. Tendo em vista que, para Freire
(1983), “é uma situação gnosiológica em seu sentido mais
amplo”, isto é, uma situação de retroalimentação do conheci-
mento que gira em torno do interno e externo de um projeto
de extensão.
Nesse sentido, este estudo engloba as internalizações e
reflexões das pesquisadoras (professoras de Educação Espe-
cial) e dos colaboradores (bolsistas e acadêmicos) do projeto
DUA/Coamar que fizeram parte no ano de 2020.
No propósito de comunicar à comunidade, quanto às
reflexões e ações da extensão, compartilhamos, neste capí-
tulo, as significações dos aprendizados incorporados a que
passamos a discorrer.
262
A colaboradora acadêmica, estudante de Biologia da
UFSC, partícipe de atividades do processo de execução do
projeto e oficinas com os estagiários, supervisores, estudan-
tes e, juntamente com o grupo de estudos do LEdI/Udesc,
relata que passou a entender a importância de projetos de
extensão, na trajetória de formação acadêmica e pessoal.
Nessa imersão da produção de materiais e recursos, ao
compreender a teoria, ligando-se diretamente aos fazeres
no projeto de extensão, a colaboradora acadêmica, assegura
que concebeu a importância do ato docente e como essa
responsabilidade influencia no processo de aprendizado dos
estudantes. Em suas palavras, quanto à participação direta
nas decisões do trabalho, diz:
Isto me leva a crer, que adotarei uma postura pedagó-
gica freiriana, baseada na rede afetiva da amorosidade,
tendo como objetivo minimizar as barreiras atitudi-
nais, corporificando o Modelo Social da Deficiência na
minha teoria e prática, considerando a singularidade
de cada estudante. Portanto, fazendo valer o direito
à Ética do Cuidado38 e os princípios do processo de
desenvolvimento constante do estudante. Como
exemplificação, passei a concentrar esforços nas
ações, visando contemplar toda a turma, atendendo
aos princípios do DUA39.

Para tanto, em relação à quebra das barreiras atitudinais,


entendemos que cabe aos docentes e a comunidade escolar,

38 Início da nota de rodapé. O conceito sobre Ética do cuidado a par-


tir das autoras e estudiosas da área dos Estudos Feministas da
Deficiência (KITTAY, 1999, 2005, 2007, 2011; GARLAND-THOMPSON,
2002), será exposto no tópico 3 neste capítulo de livro. Fim da nota
de rodapé.
39 Início da nota de rodapé. O conceito, bem como os princípios e dire-
trizes do Desenho Universal para Aprendizagem – DUA, serão com
base em Böck (2019) e Zerbato (2018), que serão explicados no
tópico 2 neste capítulo de livro. Fim da nota de rodapé.

263
a responsabilidade pelos processos educativos do estudante
com deficiência no ambiente escolar, atendendo às necessi-
dades e peculiaridades de cada um.
O colaborador estudante de Letras/Português, acadêmico
da UFSC, relata que durante o ano de 2020, o projeto DUA/
Coamar desenvolveu uma série de atividades que trabalharam
com os conhecimentos sobre descrição e audiodescrição40,
ao produzir dois livros digitais, desenvolvidos pelos estudan-
tes do CA/UFSC; e duas contações de histórias para a Semana
Nacional do Livro e da Biblioteca, ocorrida em outubro do
corrente ano. Além de mantermos uma parceria colaborativa
entre projeto e a Biblioteca Setorial do CA (BSCA), no qual foi
desenvolvido o trabalho diretamente com a equipe da biblio-
teca, com foco na melhoria da acessibilidade na mesma.
A proposta de promover acessibilidade, por meio das
descrições e audiodescrições, como um recurso para melho-
rar o acesso dos estudantes, propulsou a aplicabilidade dos
conhecimentos teóricos, para corresponder às demandas
que a prática exigia. Na reformulação das páginas da BSCA e
comunicações feitas pela biblioteca, bem como nas publica-
ções do projeto, foram constantes no referido ano. Quanto à
acessibilidade para todos, argumentamos que:
[...] independentemente das suas condições ou
impedimentos, surgiu a ideia de integração de tal
conceito aos processos de ensino e aprendizagem,
baseando-se num ensino pensado para atender as
necessidades variadas dos alunos, pois além das
barreiras físicas, também existem hoje as barreiras
pedagógicas (MENDES; ZERBATO, 2018, p. 150).

40 Início da nota de rodapé. As autoras Franco e Silva (2010, p. 19) com-


plementam indicando a necessidade de “transformação de imagens
em palavras para que informações-chave transmitidas visualmente
não passem despercebidas e possam também ser acessadas”, consti-
tuindo em um recurso de acessibilidade extensivo a todas as pessoas
que dela vierem a se beneficiar. Fim da nota de rodapé.

264
Baseando-nos nisso, buscamos modos acessíveis comuni-
cacionais para todos os nossos estudantes por essa iniciativa, no
sentido de promover os conceitos de descrição e audiodescrição.
As intervenções das pesquisadoras/docentes nas ações
deste projeto, foram significativas, pois contribuíram por
meio da inter-relação da teoria utilizada nas atividades de
extensão, nos estudos e aprofundamento, para a articulação
com as práticas no projeto e na busca da criação de jogos
e materiais acessíveis para todos. Tal prerrogativa, auxiliou,
positivamente, na formação inicial dos bolsistas (colabora-
dores acadêmicos) em atuação constante no projeto, bem
como, a formação continuada dos profissionais e pesqui-
sadoras para o aprofundamento em teorias inspiradas no
Modelo Social da Deficiência, DUA, Estudos Feministas da
Deficiência e capacitismo41.
O fluxo e oferta de materiais para leituras, indicados inter-
namente e a participação no grupo de estudo do LEdI/Udesc,
colaborou para (re)escrita e (re)ordenamento do projeto, com
relação às ações e metodologia vinculadas à extensão. Nessa
direção, favoreceu a construção das ementas de cursos/ofici-
nas ofertados/as ao público-alvo que participou ativamente.
A partir de conceitos e teorias refletidas pelos ministrantes,
estas foram incorporadas em suas práticas cotidianas, em
âmbito profissional e pessoal, e dialogadas durante as discus-
sões, acerca das temáticas organizadas para estes momentos.

41 Início da nota de rodapé. Segundo a autora Fiona Campbell (2001, p.


44, tradução nossa), o capacitismo constitui: “Uma rede de crenças,
processos e práticas que produz um tipo particular de compreensão
de si e do corpo (padrão corporal), projetando um padrão típico da
espécie e, portanto, essencial e totalmente humano. A deficiência
para o capacitista é um estado diminuído do ser humano”. Texto
original: “A network of beliefs, processes and practices that produces
a particular kind of self and body (the corporeal standard) that is
projected as the perfect, species-typical and therefore essential and
fully human. Disability then, is cast as a diminished state of being
human” (CAMPBELL, 2001, p. 44). Fim da nota de rodapé.

265
Atentando-nos ao fato das necessidades específicas
dos estudantes, das variadas formas de aprendizagem e de
ensino que os docentes podem exercer em suas práticas,
reunimos o arcabouço teórico que esclarece sobre posicio-
namentos capacitistas na educação. O uso de materiais e
recursos variados para a complementação e enriquecimento
dos processos educativos, o projeto debruçou-se em fatores
que orientam o trabalho para que, de alguma forma, pudés-
semos provocar fissuras no capacitismo (GESSER, 2020)
impregnado nas barreiras impostas e presentes no ambiente
escolar. Fissuras nas práticas capacitistas, exercidas dentro
e fora da escola, influenciam na formação dos estudantes
como sujeitos que compreendem as variações humanas
como parte da vida.
Diante disso, a metodologia executada no projeto DUA/
Coamar busca minimizar o capacitismo estrutural (GESSER,
2020), por meio de ações que corroborem com a colaboração
de todos na formação inicial e continuada de acadêmicos,
bolsistas, pesquisadores e docentes. O aprimoramento de
saberes foi inspirado no Modelo Social da Deficiência e nos
Estudos Feministas da Deficiência, que reconhece que todos
somos interdependentes no processo de ensinar e aprender.
No pensamento freiriano, nos inspiramos e compactuamos
com esta afirmativa: “É na inconclusão do ser, que se sabe
como tal, que se funda a educação como processo perma-
nente” (FREIRE, 2018, p. 57).

3. PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO DUA


EM CONSONÂNCIA COM O MODELO
SOCIAL DA DEFICIÊNCIA

Neste tópico, tratamos sobre os princípios do DUA em


consonância com o Modelo Social da Deficiência, principal-
mente, das autoras da segunda geração, que perpassam
os conceitos e atividades aplicados para o andamento do
266
projeto DUA/Coamar, corroborando com ações destinadas
aos objetivos propostos por este.
Historicamente, a primeira geração do Modelo Social da
Deficiência surgiu a partir dos movimentos sociais e políti-
cos de pessoas com deficiência, na Inglaterra, no final dos
anos 70. Os estudiosos desse modelo, eram, em sua maioria,
homens brancos, com lesão medular e rejeitavam o Modelo
Médico curativo da deficiência (DINIZ, 2007).
As teóricas feministas da segunda geração do Modelo Social
trouxeram à tona discussões que não foram abordadas ante-
riormente, mas que impactam significativamente nas diferenças
culturais pelos modos diferentes vividos por homens e mulheres
com deficiência ou mães e cuidadores de pessoas com deficiên-
cia. A principal crítica feminista, que a segunda geração traz, é
o atrelamento da noção de independência e ressaltando, fun-
damentalmente, as discussões acerca da dimensão do corpo e
do cuidado, como formas de interdependência. A ideia não é a
busca de um corpo que esteja adequado à normalidade, mas
sim, as formas de estar no mundo, considerando “dimensão
subjetiva e privada da dor e do cuidado como questões polí-
ticas” (MELLO; MOZZI, 2018, p. 20).
Ainda optamos, como metodologia orientadora do projeto
DUA/Coamar, a pesquisa-ação colaborativa na perspectiva edu-
cacional, cuja metodologia oferece estratégias para atuação de
professores, pesquisadores e bolsistas, de forma participante;
aprimorando saberes, em prol do aprendizado dos estudantes.
O ciclo básico do planejamento, para melhoria da prática, sub-
sidiou ações de implementação, monitoramento e descrição
dos efeitos desta e, a seguir, a avaliação dos resultados, visando
novo planejamento (TRIPP, 2005). Com isso, entendemos que a
pesquisa-ação colaborativa, com a análise conjunta das ações,
amplia a visão do todo e, assim, minimiza a perpetuação de
propostas educacionais com elementos capacitistas.
Tendo em vista o referencial utilizado e a metodologia
mencionada como orientadora do projeto, durante as ativi-
dades promovidas pelo DUA/Coamar, criamos uma estrutura
267
inicial de um jogo acessível, a partir dos conhecimentos pré-
vios de cada um dos 24 estudantes do 1º ano C do CA/UFSC,
no ano de 2019. Nos anos de 2019/2020, aplicamos o jogo
criado e desenvolvido pelos próprios estudantes da turma,
com seus professores, sob a base pedagógica freiriana, apli-
cada aos mesmos, com a supervisão e colaboração da equipe
do projeto, a partir dos princípios orientadores do DUA.
Por meio da proposta metodológica do projeto, pensa-
mos e discutimos formas variadas para ensinar e aprender
os conceitos de tempo cronológico e histórico nesse jogo,
viabilizando o acesso dos estudantes, desde os conheci-
mentos mais elementares até a interação com os conceitos
mais complexos.
Conforme as interlocuções feitas, sob os estudos da
autora Geisa L. K. Böck (2010, p. 375), proporcionamos aos
nossos estudantes “contextos de aprendizagem mais aco-
lhedores, que refletem a responsabilidade pelo cuidado
como uma atitude da esfera pública”. Com isso, conseguimos
envolver todos os professores, estudantes e equipe do projeto,
em ações para antecipar as individualidades dos estudantes
e oferecer aos mesmos, atividades desafiadoras, que fossem
adequadas aos seus conhecimentos e aprendizagens, respei-
tando as potencialidades e habilidades no desenvolvimento
pessoal e coletivo.
A experimentação da primeira versão do jogo foi feita
diretamente com a referida turma de estudantes, observando
o modo como interagiam com os conceitos e os materiais
oferecidos, bem como, as regras foram criadas pelos mes-
mos, em torno do jogo, produzido com os estudantes de
forma acessível às suas concepções de tempo e jogabilidade.
Um dos orientadores do DUA que nos embasamos, foi o
princípio da Representação42, que permitiu a toda turma de
estudantes apreender do melhor modo possível as informa-
ções, de acordo com o contexto em que se encontravam e
como podiam maximizar isso em sua rede de conhecimen-
tos, seguindo suas próprias intenções e criatividade.
268
Buscamos, também, analisar a rede de Ação e Expres-
são que criamos entre os jogadores e a linguagem comum
43

entre eles, como construíram o diálogo com os professores


quanto ao processo de conhecimento, e de que forma isso
possibilitou a produção de novos questionamentos, gerados
no pequeno grupo em que estavam compartilhando a prá-
tica da atividade.
Partindo dessas premissas, a rede de Engajamento44 emer-
giu quando promovemos a participação efetiva dos estudantes
na produção do jogo, dos desafios conceituais do tema abor-
dado e na construção das regras. Esta ação conjunta permitiu
que os estudantes trouxessem à tona, conhecimentos varia-
dos, particularidades e a compreensão acerca da necessidade
do outro, no caso, a empatia. Tal conhecimento produzido,
foi aprimorado teórica e metodologicamente pelo projeto, na
produção de novos recursos facilitadores, ampliando assim,
elementos desafiadores, correspondendo às curiosidades,
interesses e processo educativo da turma.
Com isso, visamos uma fissura do capacitismo estrutural
(GESSER, 2020), pois entendemos, como sinaliza Böck, Gesser e

42 Início da nota de rodapé. Segundo a autora Ana Paula Zerbato (2018,


p. 151), acerca do conceito do princípio da representação “estraté-
gias pedagógicas que apoiam a apresentação e o reconhecimento
da informação a ser aprendida. É a relação que faz com conheci-
mento por meio da memória, necessidade e emoção de cada um”.
Fim da nota de rodapé.
43 Início da nota de rodapé. A partir da autora Ana Paula Zerbato (2018, p.
59), o princípio da ação e expressão consiste em “disponibilização de
modelos flexíveis de demonstração de desempenho, buscando opor-
tunizar a prática com apoio, fornecer feedback relevante e contínuo e
proporcionar oportunidades flexíveis para demonstrar competências”.
Fim da nota de rodapé.
44 Início da nota de rodapé. Segundo a autora Ana Paula Zerbato (2018,
p. 58), com relação ao princípio do engajamento, “i) fornecer níveis
ajustáveis de desafio; ii) oferecer oportunidade de interagir em difer-
entes contextos de aprendizagem; iii) proporcionar opções de incentivos
e recompensas na aprendizagem”. Fim da nota de rodapé.

269
Nuernberg (2020, p. 378) em seu artigo que trata do DUA como
um princípio do cuidado, que “é inerente à condição humana
a perene necessidade de aperfeiçoamento e ampliação do
potencial inclusivo de suas tecnologias e práticas sociais”.
Dessa maneira, ao colocarmos os estudantes como participan-
tes diretos no desenvolvimento do jogo, quisemos propiciar
uma prática em que a aula fosse feita com os estudantes e
para os estudantes, colocando-os como protagonistas do seu
próprio aprendizado, corroborando com a rede de afeto (enga-
jamento) que os incentiva ao posicionamento pessoal.
Cabe ainda ressaltar, que para romper a padronização
do currículo, torna-se necessário vincular a Ética do Cuidado
aos princípios do DUA, assim como abordam Böck, Gesser e
Nuernberg (2020), diversificando as possibilidades de ensino
e aprendizagem para contemplarmos as variações do modo
como os estudantes aprendem. Nesse sentido, ratificamos o
que dizem Böck, Gesser e Nuernberg (2020), que para alcançar
a atenção, escuta e respeito, ao dinamizarmos um material ou
jogo flexibilizado e acessível à toda a turma, é imprescindível
termos como fim “o modo do estudante se relacionar com o
conhecimento, por meio de uma ligação que privilegie a voz
do sujeito do cuidado, numa relação de mão dupla, recíproca
e construtiva” (BÖCK; GESSER; NUERNBERG, 2020, p. 378).
No que tange a formação inicial e continuada dos
colaboradores do projeto, o qual ressalta a importância
da atividade de descrição e da audiodescrição, como prio-
ritária para a acessibilidade em todo e qualquer material
ou recurso, destaca-se o engajamento de um dos colabo-
radores acadêmicos e autor neste capítulo, na promoção
desta. A voz utilizada para a audiodescrição dos materiais
e recursos do projeto, por meio do trabalho realizado em
cooperação, foi realizada por outros dois colaboradores,
sendo uma destas, autora neste capítulo. Sendo assim, a
teoria sob o ponto de vista da Ética do Cuidado, que com-
plementamos a nossa postura pedagógica inclusiva, dentro
dos pressupostos do Modelo Social da Deficiência.
270
Nós autores, que desempenhamos um papel ativo dentro
do projeto (pesquisadores e colaboradores), refletimos sobre
nossa prática durante a imersão na teoria e aplicação cotidiana,
criação e flexibilização dos materiais e recursos. Baseamo-
-nos, primeiramente, nos pressupostos do Modelo Social, que
“entende a deficiência como uma categoria identitária, uma
forma de opressão que opera com outras categorias sociais
como, gênero, raça/etnia, sexualidade, classe, dentre outras”
(MELLO; MOZZI, 2018, p. 19). Portanto, nós os autores, neste
projeto, mantivemo-nos imbuídos da observação e cuidado
quanto às relações “entre um corpo com impedimentos de
natureza física, sensorial, mental ou intelectual” (MELLO;
MOZZI, 2018, p. 19) e, dessa forma, estabelecendo critérios
acessíveis que acolhem as variações corporais, favorecemos
a participação efetiva da maior quantidade de estudantes em
suas peculiaridades, sendo estes com ou sem deficiência.
Cada um/a de nós, instigados pela meta comum na
criação dos materiais e recursos, para romper barreiras que
impedem a participação ativa dos estudantes em sala de
aula, cumprimos os objetivos que primaram por materiais e
recursos por diferentes vias didáticas, visando o alcance do
conceito destas. O acesso foi viabilizado por audiodescrição,
Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), diferentes abordagens e
interdisciplinaridade do conceito de tempo no currículo da
turma e criação de regras, a partir da linguagem do grupo.
Consideramos que, ao mesmo tempo que nos aproxima-
mos de grande parte dos estudantes, por um instrumento
didático que reúne variadas possibilidades de acesso, ainda
assim, sabemos que não alcançamos a todos, enquanto seus
potenciais. Os potenciais humanos são tão amplos e diver-
sos, que nos cabe a humildade diante destes, de sabermos
que nosso trabalho é o de buscarmos o rompimento de bar-
reiras que impeçam o acesso.
Porém, compreendemos que ainda assim haverá estudan-
tes, para os quais, teremos de nos dedicar a suas singularidades,
que são inerentes a este sujeito naquele grupo. Nesse sentido,
271
o Modelo Social da Deficiência preconiza o acolhimento das
variações humanas, tornando o ambiente, materiais e recur-
sos acessíveis, para que não geremos opressão, diretamente
ligada ao corpo deficiente e, principalmente, atentarmos
para as opressões que interseccionam na relação com este
estudante em gênero, classe, raça/etnia, entre outros.
A maior contribuição nesta reflexão, teórica e prática, foi
a responsabilidade de não negligenciar as singularidades das
pessoas com as quais trabalhamos e, para as quais produ-
zimos recursos didáticos pedagógicos acessíveis. Para tanto,
entendemos que os instrumentos de ensino e aprendizagem
são eficientes, quando mediados de forma interdependente45.
A articulação dos fazeres dos autores, composta pela ati-
vidade e proatividade de cada um dos membros, gerou um
resultado previsto como meta do projeto, porém, alcançou
patamares inesperados pelas contribuições pessoais que se
somaram, advindas das habilidades de cada um.
E, assim, poderemos ver o mesmo ocorrendo com os
estudantes em inter-relação com o material e recurso ofere-
cido, delineando processos singulares de avanços pessoais,
para além do conjunto de conhecimentos produzidos no cole-
tivo. Com tudo isto, percebemos, a cada dia, que a fidelidade
com o processo e pensamento do estudante deve ser aco-
lhida e respeitada, enquanto nos colocamos na relação de
interdependência, para formalizarmos o seu projeto, e não o
resultado que queremos neste trabalho, pois o efeito será a
expressão identitária do sujeito em formação. Sendo assim,
podem ocorrer fissuras no capacitismo estrutural, procu-
rando romper com formas de opressão, distanciando-se de
qualquer entendimento que se atrele ao que se compreende
dentro da corponormatividade46.

45 Início da nota de rodapé. O conceito de interdependência será expli-


cado no tópico 3 neste capítulo de livro. Fim da nota de rodapé.

272
4. A ÉTICA DO CUIDADO E POSSIBILIDADES
DE FISSURAS NO CAPACITISMO NAS AÇÕES
DO PROJETO DUA/COAMAR
Neste tópico, abordaremos sobre a vinculação da Ética
do Cuidado com os Estudos Feministas da Deficiência, mais
especificamente, da segunda geração do Modelo Social da
Deficiência, trazendo sobre o seu conceito e outras questões
importantes que fazem parte desta, como a interdependên-
cia, dependência e mito da independência, articulando essa
teoria como base dentro do projeto DUA/Coamar e que cor-
robora na busca de fissuras na luta contra o capacitismo,
especificamente, nas ações escolares. Bill Hughes et al. (2019,
p. 102) complementam, com apoio a vozes feministas, por
se tratar de “uma visão concreta, experiencial, emocional e
política das relações de cuidado”.
A Ética do Cuidado é uma teoria abordada pela autora
Eva Feder Kittay (2005), que a conceitua como
[...] o apoio e a assistência que um indivíduo necessita
de outro onde aquele que precisa de cuidados é ‘ine-
vitavelmente dependente’, isto é, dependente porque
são muito jovens, doentes ou comprometidos demais,
ou muito frágeis, para gerenciar sozinhos a manuten-
ção diária (KITTAY, 2005, p. 443-444, tradução nossa47).

46 Início da nota de rodapé. A autora Anahi Guedes de Mello (2016,


p. 3271) indica que a corponormatividade “considera determina-
dos corpos como inferiores, incompletos ou passíveis de reparação/
reabilitação quando situados em relação aos padrões hegemônicos
corporais/funcionais”. Fim da nota de rodapé.
47 Início da nota de rodapé. Texto Original: “[…] the support and assis-
tance one individual requires of another where the one in need of
care is ‘inevitably dependent’ that is, dependent because they are
too young, too ill or impaired, or too frail, to manage daily self-main-
tenance alone” (KITTAY, 2005, p. 443-444). Fim da nota de rodapé.

273
A autora traz esse amplo conceito dentro do que ela men-
ciona como “cuidados de dependência”, que engloba diversos
serviços. Enfatiza, ainda, que o cuidado é um tipo de trabalho,
até mesmo quando não remunerado, ou seja, quando se dá
em âmbito privado, sendo realizado por pessoa da família.
Partindo dessa teoria, as feministas ”promovem a com-
preensão de que, assim como a deficiência, o cuidado e a
interdependência também são constituintes e inerentes à
própria condição humana” (MELLO; MOZZI, 2018, p 20) e que
precisam vincular-se a promoção de justiça social e de direi-
tos humanos. Faz-se necessário, que compreendamos que as
questões de cuidados precisam estar dissociadas do papel,
majoritariamente, de mulheres e, consequentemente, uma
ação desvalorizada. Por isso, a necessidade de desvincular
a compreensão de que o cuidado é uma atividade relacio-
nada, diretamente, com o universo feminino e próprio deste
e, muitas vezes, desvalorizada em âmbito social como algo
inferior (DINIZ, 2003, 2007; KITTAY; JENNINGS; WASUNNA,
2005; MELLO; NUERNBERG, 2012).
Além disso, a autora Kittay (2005) traz o princípio da
interdependência como transversal nas relações humanas,
em que somos interdependentes uns dos outros e isso está
presente em todos os espaços que coexistem relações huma-
nas (escolas, hospitais, demais instituições).
As pesquisadoras Karla Garcia Luiz e Thaís Becker Henrique
Silveira (2020), trazem em seus estudos, com base em autoras
feministas da segunda geração, que discutem sobre a Ética do
Cuidado, dependência e interdependência, e mostram que
Uma ética do cuidado pressupõe o reconhecimento
da interdependência como característica fundamen-
tal das relações humanas e, ainda, que leve em conta
as preferências e escolhas do sujeito que recebe cui-
dados. Ou seja, no caso de pessoas com deficiência,
precisamos ser protagonistas das ações que envolvem
o cuidado não só do nosso corpo, mas de toda gestão
da nossa vida (LUIZ; SILVEIRA, 2020, p. 117-118).
274
Vinculado às questões de formação inicial e continuada no
trabalho cotidiano do projeto em questão, buscamos a articu-
lação dos saberes, necessidades pessoais e posicionamentos
próprios da vivência de cada um dos autores, componentes
do projeto, de forma que uns apoiassem aos outros, tanto na
criação de jogos, materiais e recursos, quanto no aprimora-
mento e compartilhamento dos conhecimentos significativos,
quanto na acessibilidade do público para quem produzimos
os artefatos educacionais. Essa articulação, de forma inter-
dependente, estimulou o engajamento ao trabalho coletivo,
acolhendo e enriquecendo a formação inicial e continuada
dos membros do projeto.
A aplicação teórica na prática dos fazeres no projeto,
proporcionou vivências de interdependência colaborativa e
forjou a possibilidade de se colocar no lugar do outro, assim,
tornamo-nos mais sensíveis para prover o direito de nós mes-
mos e dos estudantes, ou seja, ao nos melhorarmos enquanto
profissionais e pessoas, melhoramos nossas ações com os
outros. Nessa direção, nas relações de cuidados, as partes
coexistem e são ligadas, profundamente, pelas influências
das ações exercidas uns sobre os outros (FIETZ; MELLO, 2018).
Com relação ao “mito do independente”, autoras como
Helena Moura Fietz e Anahi Guedes de Mello (2018), a partir
dos estudos de Garland-Thomson e Eva Kittay, que são auto-
ras que compõem a segunda geração do Modelo Social da
Deficiência, compreendem a independência como possibili-
dade de decidir e tomar suas decisões e fazer suas próprias
escolhas. Tal entendimento se difere do que a sociedade, em
geral, compreende por independência, como o estado de
não depender de ninguém, da condição de pessoa livre, pois
o que se atrela a palavra é o entendimento que advém da
normatividade e o estigma não estaria ligado às necessida-
des de ganhar cuidados (KITTAY, 2007).
Assim sendo, o mito do independente é uma ideia cal-
cada em nossa cultura e compreendemos erroneamente,
porque de uma forma ou de outra e, indiretamente,
275
precisamos do outro, pois não conseguimos fazer tudo
por nossa própria conta. Conforme indica a pesquisadora
Mia Mingus (2017), estudiosa da área do Disability Justice48,
tudo que é produzido e fabricado em nosso entorno, de
alguma maneira nos beneficia daquilo que alguém reali-
zou: trabalho, material ou produto. Nesse sentido, “somos
dependentes um do outro, ponto final” (MINGUS, 2017, p.
8, tradução nossa)49.
Diante disso, o mito do independente, em meio a uma
sociedade capitalista e individualista, reflete o privilégio
de poucos em detrimentos de muitos, sendo que a utopia
imposta é a de que a possibilidade de ser independente, só
se torna possível, quando consigo realizar o que almejo, sem
o outro. Mas como a autora Mia Mingus (2017, p. 8) afirma:
“o Mito da Independência não é apenas sobre a verdade de
estar conectado e interdependente um do outro; é também
sobre o alto valor que se atribui ao acreditar no mito e acre-
ditar que você é independente”50.

48 Início da nota de rodapé. Traduzido como Justiça para Deficientes.


“A justiça para deficientes reconhece os legados que se cruzam
de supremacia branca, capitalismo colonial, opressão de gênero e
aptidões na compreensão de como os corpos e mentes das pessoas
são rotulados de ' desviantes ', ' improdutivos ', ' descartáveis ' e / ou
' inválidos '” (site: https://projectlets.org/disability-justice, tradução
nossa). Texto Original: “Disability justice recognizes the intersecting
legacies of white supremacy, colonial capitalism, gendered oppres-
sion and ableism in understanding how people's’ bodies and minds
are labelled ‘deviant’, ‘unproductive’, ‘disposable’ and/or ‘invalid’”
(site: https://projectlets.org/disability-justice ). Fim da nota de rodapé.
49 Início da nota de rodapé. Texto Original: “we are dependent on each
other, period” (MINGUS, 2017, p. 8). Fim da nota de rodapé.
50 Início da nota de rodapé. Texto Original “the Myth of Independence
is not just about the truth of being connected and interdependent
on one another; it is also about the high value that gets placed on
buying into the myth and believing that you are independent” (MIN-
GUS, 2017, p. 6). Fim da nota de rodapé.

276
O projeto DUA/Coamar atém-se a esse pensamento,
principalmente em situações de criação e enriquecimento
curricular, buscando o trabalho interdependente com todos
os estudantes. Porém, vimos que o mito do independente
está atrelado a uma visão errônea e autônoma, quanto aos
estudantes com AH/SD. Encontramos em nossa experiência,
situações de crenças docentes e discentes de que os sujei-
tos com AH/SD fazem parte de um grupo, cuja capacidade
corresponderia a todo o seu ser. Por exemplo: o sujeito com
deficiência é oprimido pela visão de dependência humana
como incapacidade, que culturalmente, desconsidera a vida
possível deste. Da mesma forma, o sujeito com AH/SD é
uma pessoa também com variações humanas em interes-
ses, conhecimentos, vivências e habilidades específicas, mas
é tratado como se todo o seu Ser fosse superdotado. Essa
visão totalitária impede que o estudante seja considerado
em sua singularidade e o coloca em situação de vulnerabi-
lidade, à medida que ele não é acolhido e respeitado no seu
direito à diversidade.
No Brasil, contamos com o amparo legal na Lei Brasi-
leira da Inclusão da Pessoa com Deficiência (LBI), de 2015,
que se observa a existência de pressupostos sobre decisões
que podem ser compreendidas como autonomia, mesmo que
se tenha o apoio necessário, com vistas a perceber o desejo
daquela pessoa e respeitar em sua deliberação. Na área da
Educação, mais especificamente, a LBI (BRASIL, 2015), traz em
sua redação, o cuidado em adotar medidas que atendam as
especificidades dos estudantes, bem como, o apoio humano
para ampliar o seu desenvolvimento no espaço escolar, quanto
à acessibilidade e adoção de práticas pedagógicas inclusivas.
Diante disso, reafirmamos o pensamento das autoras
feministas que indicam a necessidade de que a autonomia ou
independência (mito do independente), interpretada errone-
amente pela ideologia de poder do masculino, presente na
sociedade, deve ser substituída pela interdependência entre
os seres humanos (HUGHES et al., 2019).
277
Portanto, “a interdependência nos afasta do mito da inde-
pendência e nos leva a relacionamentos em que todos somos
valorizados e temos coisas a oferecer” (MINGUS, 2017, p. 8)51. 

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos estudos promovidos no grupo de estudos LEdI/


Udesc e pelo projeto DUA/Coamar durante o período anali-
sado, colocamos em prática ações de fomento à aprendizagem
dos estudantes, com o objetivo de valorização do potencial e
desenvolvimento de habilidades peculiares, seguindo os prin-
cípios norteadores do DUA, aliado às teorias feministas.
Um dos pressupostos que mais impacta o grupo de tra-
balho do DUA/Coamar (pesquisadores e colaboradores), é a
compreensão de que somos interdependentes, que em maior
ou menor grau, dependemos uns dos outros, em momentos
específicos da vida de cada um, independentemente de ter
ou não deficiência, constituindo como algo inerente do ser
humano. Então, sendo conhecedores desse fato, abrimo-
-nos ao compartilhamento de saberes no grupo, sem grau
de hierarquização, pois cada um traz consigo aprendizagens
e vivências que merecem ser consideradas, conforme aponta
Böck (2019, p. 113) “A atitude de cuidado enquanto uma
prática de compromisso ético, num plano público atrelado
à educação, pode romper as barreiras vivenciadas pelas pes-
soas com deficiência nos contextos de aprendizagem”.
Entendemos a escola como um espaço de convivência
que permite reflexões e ações que estão ligadas diretamente
a interdependência, desmistificando a crença no sujeito
como independente, possibilitando a troca de experiências,
que influencia na construção do ser que está em constante

51 Início da nota de rodapé. Texto original: “Interdependence moves


us away from the myth of independence, and towards relationships
where we are all valued and have things to offer” (MINGUS, 2017, p.
5). Fim da nota de rodapé.

278
movimento, e como dizia Paulo Freire: “Na verdade, o inaca-
bamento do ser ou sua inconclusão é próprio da experiência
vital. Onde há vida, há inacabamento” (FREIRE, 2018, p. 50).
Ressaltamos que desde 2015, já temos como política
pública, a LBI (BRASIL, 2015) que delibera sobre o direito do
apoio profissional às pessoas com deficiência que necessi-
tam, respeitando as decisões da pessoa cuidada quanto ao
que deseja para si, no que tange ao seu corpo, afeto, comu-
nicação, tempo, espaço aprazível e formas de aprendizagens.
Para tanto, a realização de ações pedagógicas que
refletem e transformam as posturas capacitistas na escola,
desmontando as barreiras atitudinais e comunicacionais,
podem ser consideradas como os primeiros passos para
um fazer anticapacitista. Entendemos que, o anticapaci-
tismo, ancorado nas posturas atitudinais e comunicacionais,
demandam uma mudança pessoal e pedagógica do profis-
sional que sucederá o apoio, considerando as características
fundamentais, indicado pela dependência humana e evi-
tando, assim, colocá-lo em uma situação de vulnerabilidade.
Dessa forma, as ações que buscamos promover durante
o ano, se desenvolveram de maneira gradativa, ou seja, a par-
tir dos estudos foi-nos possível melhorá-las passo a passo,
muito embora reconheçamos que ainda não atingimos a
totalidade dos estudantes. Porém, conseguimos diminuir sig-
nificativamente os empecilhos ao desenvolvimento de cada
um dos nossos estudantes, com ou sem deficiências, em
maior ou menor grau.
E, como resultado desse esforço coletivo, produzimos
materiais em parceria com os estudantes das turmas nas
quais atuamos, permitindo-lhes colocar à mostra o apren-
dizado coletivo e individual, sem restringi-los ou limitá-los,
valorizando as potencialidades e habilidades.
Destacamos a importância de fazer parte de um grupo de
estudos como o LEdI/Udesc e NED/UFSC, que proporcionou
diferentes reflexões e diálogos sobre deficiência, a partir de
leituras de artigos com bases teóricas que sustentam os temas
279
abordados, assim como a participação de pessoas dedicadas a
provocar debates, que são extremamente necessários para se
romper padrões normativos.
Com este capítulo, consideramos que houve um fortale-
cimento em nossas escolhas teórica e prática. Conseguimos
ver a convergência entre o DUA com a perspectiva do Modelo
Social da Deficiência, tendo como proposta pedagógica e
didática, as relações de interdependência e afeto, com base
nos estudos sobre a Ética do Cuidado e pedagogia freiriana.
Tal enfoque foi uma escolha do projeto DUA/Coamar
após a reflexão neste texto, para a continuidade das ações de
extensão, com o intuito de romper/minimizar com o pensa-
mento voltado para as capacidades do sujeito nos momentos
de planejamento e execução dos jogos, materiais e recursos.
Como uma das considerações relevantes, apontamos pos-
turas pedagógicas constantes para implementar fissuras no
capacitismo estrutural na Educação. Queremos ressaltar que
as consequências de ter as capacidades como centro, geram
posturas que levam ao acadêmico ou professor da área da
Educação, a lançar propostas com expectativas prévias. E
com isso, (per)formatar os estudantes em padrões comuns
de ensino e aprendizagem.
Assim sendo, aprofundaremos a reflexão na formaliza-
ção e na continuidade de nosso trabalho, desmistificando o
mito da independência e trabalhando com os estudantes,
de acordo com as suas variações humanas. Romper com as
expectativas da normalidade, é fundamental para se pensar
e agir com os estudantes que temos, culminando em um
olhar que reconhece os sujeitos como vidas incomparáveis
(LIMA; FERREIRA; LOPES, 2020).

280
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283
CAPÍTULO 12

PESSOAS COM DEFICIÊNCIA


VISUAL: RELAÇÕES DE
INTERDEPENDÊNCIA E ÉTICA DO
CUIDADO NO SERVIÇO PÚBLICO
Daiani Domingos
Débora Marques Gomes
Gilmar Silva Amaral
Inês Berlanda Seidler
Viviane Oliveira de Araújo da Silva

1. INTRODUÇÃO

O presente capítulo objetiva traçar uma linha de


raciocínio entre pontos que venham a problematizar e
levantar questões relacionadas à inserção das pessoas com
deficiência visual, considerando a acessibilidade, a interde-
pendência e a Ética do Cuidado no serviço público. Procura,
sob a ótica do Modelo Social da Deficiência, sobretudo na
linha do modelo feminista, segunda geração, refletir em
relação ao conceito de deficiência e à representatividade
infundida do profissional com deficiência visual frente à
organização do trabalho.
Nessa desafiadora tarefa, a fim de situar a deficiência e
os significados em que, muitas vezes, o corpo com lesão é
inscrito nos variados contextos da sociedade, pretende-se
dialogar com diferentes autores, trazendo a conceituação
de dependência, interdependência e Ética do Cuidado, como
sendo temas fundamentais a serem discutidos, seguindo,
ainda, na contramão de um discurso hegemônico da bio-
medicina, discurso esse objetificado da deficiência, para um
lugar de voz e empoderamento.
284
Nessa intensa caminhada rumo à inserção das pessoas
com deficiência na sociedade, tomando como referência tem-
poral, mais aproximadamente a partir dos anos 1960, não se
pode negar o quanto já se avançou na compreensão do con-
ceito de deficiência. Por meio de leituras de pesquisadores e
estudiosos dessa área do conhecimento, como Bruno Sena
Martins et al. (2017), pode-se identificar avanços no campo
da educação e do trabalho. Contudo, é fato que, na atua-
lidade, ainda se vivencia uma mesclagem de paradigmas.
De um lado, um corpo discriminado, marcado pela lesão
sobre as lentes de um poder biomédico; do outro, ainda de
maneira muito incipiente, a defesa do reconhecimento de
um Modelo Social (biopsicossocial) que procura diferir de
padrões normalizadores, hegemônicos que esses sujeitos
com deficiência são estigmatizados, ocupando um lócus de
incapazes e seres inferiorizados.
Frente a tal cenário, as pessoas com deficiência visual,
em suas lutas diárias, subjacentes a um sistema capitalista
produtivo, buscam estabilidade profissional. Assim, esse
público vem ocupando, cada vez mais, diversos setores no
mercado de trabalho. Espaços norteados por conceitos,
ideais de corpo produtivo, que ressaltam a autonomia e a
independência, como escopo da perfeição. Historicamente
e ainda hoje, de maneira muito expressiva, o que se vê em
relação às falas e aos depoimentos de pessoas com defici-
ência é a persistência de posturas ainda benevolentes, que
de fato não oportunizam transformações efetivas e plenas
na sociedade como um todo. Esse ato cordial, caritativo de
suposto reconhecimento do corpo com lesão, geralmente
está ligado a narrativas desqualificadoras da deficiência, vin-
culada à supremacia do poder hegemônico ocidental. Nesse
caso, tais discursos acabam por negar e descaracterizar a
singularidade da experiência do corpo com lesão, frente a
possíveis funções no mercado de trabalho (FRANÇA, 2013).
Nesse sentido, o objetivo deste capítulo é refletir sobre
as relações de trabalho envolvendo a acessibilidade, a
285
interdependência e a Ética do Cuidado presentes na inser-
ção das pessoas com deficiência visual no serviço público,
tendo como aporte teórico, os estudos do Modelo Social da
deficiência, segunda geração, dialogando com os relatos de
experiências dos autores deste estudo52.

2. METODOLOGIA

Nesta pesquisa, utilizou-se a investigação emancipatória,


de natureza qualitativa. No campo dos estudos sobre defici-
ência, a investigação mais adequada é a emancipatória, isto
é, “Fazer com as pessoas e não para as pessoas [...]” (BÖCK;
GOMES; BECHE, 2020, p. 125, grifos originais). O termo inves-
tigação emancipatória da deficiência pode ser definido como
“[...] a capacitação das pessoas com deficiência através da
transformação das condições materiais e sociais de produ-
ção da investigação” (BARNES, 2003, p. 6).
A investigação emancipatória é pautada em quatro
princípios elementares, quais sejam: 1) o Modelo Social da
Deficiência como base teórico-crítica; 2) a responsabilidade
com as lutas das pessoas com deficiência por meio da ciên-
cia; 3) o comprometimento com os sujeitos da pesquisa
por parte do investigador; e 4) a metodologia e as técnicas
de pesquisa que identifiquem a complexidade existente na
realidade, valorizando o lugar de fala das pessoas com defi-
ciência (MARTINS et al., 2017).
Serão apresentados os relatos de cinco profissionais
com deficiência visual, inseridos no serviço público, fazen-
do-se a análise de conteúdo que, segundo Bardin (2004,
2011), se refere a um conjunto de técnicas de análise sis-
temática e objetiva dos conteúdos das comunicações, com

52 Início da nota de rodapé. Todos os depoimentos são dos próprios


autores, sendo corrigidas apenas questões de ortografia e/ou de
pontuação. Fim da nota de rodapé.

286
vistas a obter indicadores quantitativos ou qualitativos que
permitam a inferência de conhecimentos, podendo ser
aplicada em diferentes discursos (CÂMARA, 2013). Poste-
riormente foram criadas categorias, tendo os objetivos da
pesquisa como base. Na sequência, foi feita a análise dos
relatos, identificando falas em comum. Foram construídas
categorias que possibilitassem a sistematização do conjunto
de informações, com vistas a responder os questionamentos
presentes nesta pesquisa (MARCONI; LAKATOS, 2003).
Nesta pesquisa, pretende-se refletir sobre a acessibili-
dade e a interdependência de profissionais com deficiência
visual frente à organização do trabalho, a partir de relatos
de experiência. Foram utilizados nomes de pássaros, a fim
de preservar minimamente a identidade e a privacidade dos
participantes deste estudo, cujas identificações seguem:

• Águia – mulher, cega, 38 anos, pós-graduada, servidora


pública estadual;
• Arara – mulher, cega, 40 anos, pós-graduada, servidora
pública municipal;
• Beija-flor – mulher, cega, 38 anos, pós-graduada,
servidora pública estadual;
• Calopsita – mulher, cega, 42 anos, pós-graduada,
servidora pública estadual; e
• Xororó – homem, cego, 50 anos, pós-graduado, servidor
público estadual.

3. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

De acordo com os relatos apresentados, foram estabele-


cidas categorias a posteriori, que serão relacionadas com os
estudos do campo da deficiência. Apresentar-se-ão trechos
dos relatos, para melhor compreensão da experiência da
deficiência, frente às questões relacionadas à acessibilidade,
à interdependência e à Ética do Cuidado nas relações de tra-
balho, junto ao serviço público.
287
As categorias foram analisadas a partir do Modelo
Social da Deficiência, segunda geração, tendo como base a
pesquisa emancipatória.
Constituíram-se, neste estudo, as seguintes categorias: 1)
modificação da percepção das relações de interdependência;
2) acessibilidade no ambiente de trabalho, subdividindo-se em
duas subcategorias: atitudinal e instrumental; e 3) barreiras no
ambiente de trabalho, sendo subdivididas em três subcatego-
rias: arquitetônicas, digitais/programáticas e atitudinais.

3.1. MODIFICAÇÃO DA PERCEPÇÃO


DAS RELAÇÕES DE INTERDEPENDÊNCIA
Esta categoria foi identificada a partir da leitura porme-
norizada dos relatos e esteve presente nas falas dos cinco
participantes deste estudo, o que denota a importância dos
conceitos trazidos pelo Modelo Social da Deficiência, em
especial as contribuições da segunda geração. Observou-se
que esses novos olhares acerca dos conceitos de dependên-
cia (inerente ao ser humano), independência (inalcançável
nas relações humanas) e autonomia (gerenciamento de suas
escolhas, com apoio para sua realização), convergem para um
novo conceito, o da interdependência, a partir das relações
humanas, fato que fica evidenciado no discurso de Arara:
No ano de 2020, surgiu a oportunidade de participar
do Grupo de Estudos ofertado pelo LEdI/Udesc sobre
estudos da deficiência. Neste espaço pude ter contato
com obras que trazem o estudo da interdependên-
cia e ética do cuidado. [...] Minha participação neste
grupo, além da atualização no que se refere aos estu-
dos da deficiência, me proporcionou o entendimento
de que somos seres interdependentes, tenhamos
deficiência ou não. Tal fato vem provocando em mim
mudança de pensamentos e atitudes, uma vez que
me faz refletir a cerca de que todos nós, seres vivos,

288
precisamos uns dos outros, e que não é somente a
deficiência o fator que nos condiciona a necessitar de
auxílio (ARARA, 40 anos).
Nessa linha de pensamento, a filósofa Eva Kittay (1999)
trabalha com a ideia de continuidade, com base em Gilligan
(1982), ao afirmar que as relações entre pessoas consideradas
dependentes e independentes é algo contínuo e abrangente.
Para Kittay (1999), a interdependência é algo responsável por
unir as pessoas dependentes das independentes, uma vez
que os indivíduos nascem totalmente dependentes, ou seja,
a experiência da vida humana proporciona, ao nascer, uma
dependência extrema, abrangente, inerente, de longa dura-
ção e finaliza com a fragilidade presente em um quadro de
doença, vulnerável, que está próxima da morte. Assim, seria
algo cíclico, que inicia com a dependência extrema, pas-
sando para dependências parciais, chegando, até mesmo, a
ser independente e responsável por outros dependentes, ini-
ciando a descida da curva, tornando-se pouco dependente,
até chegar novamente à dependência extrema (ZIRBEL,
2016). Portanto, a independência seria uma ilusão/ficção,
haja vista que se vive em relações de dependência, como
bem coloca Diniz (2003, p. 5): “[...] são exatamente esses
vínculos de dependência em que se estruturam as relações
humanas, pois a dependência é algo inescapável da história
de vida de todas as pessoas”. Acerca disso, pode-se notar no
relato sobre as relações de trabalho citadas por Beija-flor:
Entendo que também essa ‘fluidez’ em desenvolver
esta atividade se dá por uma mudança minha de
percepção das relações de interdependência que é
comum a todos nós enquanto seres humanos. Antes
eu tinha certa resistência em solicitar auxílio dos cole-
gas de trabalho para realizar determinadas atividades
ou de outras pessoas, como os próprios alunos ou
outros servidores do espaço escolar. Mas, ao parti-
cipar do grupo de estudos do LEdI no ano passado,

289
compreendi que o cuidado, o auxílio é de âmbito
coletivo, comum a todos. Que tanto eu posso precisar
como também posso oferecer, tirando, assim, aquele
peso das minhas costas. Claro que ainda acontecem
alguns entraves de acesso a determinados sistemas
operacionais, por não serem muito acessíveis, mas a
relação de trabalho melhorou um pouco, no que se
refere ao reconhecimento do meu potencial enquanto
profissional (BEIJA-FLOR, 38 anos).

Logo, é a partir das relações de dependência, isto é, das


relações interdependentes, que se proporciona o encontro
com a diversidade, com a diferença (ABREU, 2019).
Assim, a partir das reflexões de Kittay (1999), depreende-
-se que a interdependência é basilar para a vida humana, isto
é, ela é inerente à condição de seres humanos. Quando Kit-
tay (1999 apud DINIZ, 2003, p. 5) afirma “todos somos filhos
de uma mãe”, coloca no centro das discussões o princípio da
igualdade pela interdependência, como sendo uma questão
de justiça social para o campo dos estudos sobre deficiência,
representando um grande avanço nas discussões.
Ressalta-se que o Modelo Social da Deficiência trouxe
grandes avanços na percepção da pessoa com deficiência em
sua relação com o meio, mais precisamente, a segunda gera-
ção, que amplia, ou seja, considera os conceitos provenientes
da primeira geração, sem descartar a lesão, a dor, o sofrimento
e a experiência da deficiência, partindo dessas para um enten-
dimento da interdependência e Ética do Cuidado nas relações.
As teóricas feministas expandiram as discussões sobre a
experiência da deficiência entrando no campo do cuidado, por
serem cuidadoras de pessoas com deficiência e estarem presen-
tes nessa discussão. Essas estudiosas trouxeram temáticas não
debatidas pela primeira geração: a emergência da dor, consi-
derando a subjetividade do corpo com lesão; e a compreensão
dos conceitos de dependência, interdependência e cuidado.
Por conseguinte, considera-se que é na inter-relação
das pessoas com e sem deficiência que se constrói uma
290
sociedade equitativa, capaz de acolher as diferenças de
forma participativa, valorizando todos os sujeitos e lugares
de fala na construção do conhecimento.

3.2. ACESSIBILIDADE NO AMBIENTE


DE TRABALHO
A constituição do ser social se deu por meio do trabalho,
o que tornou possível ao homem ultrapassar o salto do reino
da necessidade para o reino da liberdade (CHAVEIRO; VAS-
CONCELLOS, 2016). Assim, por intermédio do trabalho, o ser
humano adquire a oportunidade de expressar, criar, transfor-
mar, interferir, dando sentido para a vida em sociedade.
Para Engels (2004 apud ANTUNES, 2009, p. 1), o trabalho
“[...] é condição básica e fundamental de toda a vida humana.
E em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o
trabalho criou o próprio homem”. É o trabalho que distingue
o ser humano dos demais seres vivos.
Dentro desse ideal de trabalhador, atualmente é espe-
rado do cidadão moderno, autossuficiência, prudência,
proatividade e responsabilidade, o que está muito mais
ligado aos aspectos financeiros do que sociopolíticos,
deixando de focar em uma ética de corresponsabilidade
ou interdependência. Assim, os holofotes do capitalismo
voltam-se para o mito da capacidade produtiva, que se con-
figura em um modelo de corpo perfeito, apto ao trabalho,
enfatizando as capacidades normativas que alicerçam o
capacitismo. Conforme Gesser, Block e Mello (2020), essas
capacidades são baseadas nos discursos biomédicos, pau-
tados na busca de todos os corpos como “capazes”, com
vistas a distanciarem-se dos corpos considerados abjetos,
isto é, não importantes. Assim, o capacitismo é estrutural e
estruturante, uma vez que constitui e condiciona sujeitos,
organizações e instituições, baseado em um ideal de sujeito
e capacidades normativas, o que contribui, expressivamente,
para o aperfeiçoamento do sistema capitalista, à medida que
291
se estabelece um ideal de corponormatividade – o que, de
acordo com Campbell (2009 apud GESSER; BLOCK; MELLO,
2020), coloca a deficiência como algo que deve ser “melho-
rada”, curada ou mesmo eliminada.
Nesse contexto, o serviço público se constitui como uma
possibilidade de vínculo empregatício almejado por uma
parcela significativa da sociedade, incluindo as pessoas com
deficiência, visto que o ingresso nessa modalidade, propicia
o exercício digno da função, gera qualidade de vida, bem
como oportuniza certa estabilidade profissional, represen-
tando uma porta de acesso ao mercado de trabalho, uma vez
que se trata de direito adquirido e assegurado.
Segundo Vasconcelos (2016), a Constituição Federal de
1988, em seu artigo 37, inciso VIII, trata sobre a inserção em
cargos ou empregos na esfera pública por meio de concurso
público, em que a lei reservará um percentual para as pes-
soas com deficiência e definirá os critérios de sua admissão.
Essa admissão demanda a garantia de que os ambientes
contemplem todas as modalidades de acessibilidade, para
que haja, de fato, a inclusão nos diferentes espaços de tra-
balho. Ambientes esses, acessíveis ao exercício da função por
parte dos servidores com deficiência.
Nesse sentido, a Lei nº 10.098 (BRASIL, 2000) estabelece
regras gerais e critérios fundamentais para a promoção da
acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobili-
dade reduzida, procurando, dessa forma, viabilizar o acesso
desse público nos mais variados espaços, bem como no
mercado de trabalho, constituindo-se em uma importante
ferramenta de conscientização para a construção de uma
sociedade mais inclusiva.
Segundo Sassaki (2019), há sete modalidades de acessibi-
lidade: 1) atitudinal – trata-se da ausência de discriminações,
preconceitos, estigmas e estereótipos em relação ao outro;
2) Arquitetônica – refere-se às questões físicas de ambien-
tes de uso individual e/ou coletivo, sejam eles: transportes,
construções, entre outros; 3) comunicacional – trata-se da
292
comunicação nos diferentes contextos entre os indivíduos, no
campo dos gestos, da oralidade ou da escrita; 4) instrumental
– relaciona-se aos métodos, às técnicas, aos instrumentos e às
diferentes ferramentas no contexto social; 5) programática –
refere-se às normativas, aos regramentos, às políticas públicas
e às legislações; 6) metodológica – relaciona-se às técnicas,
às metodologias, às teorias e à realização de atividades nas
diversas áreas; e 7) natural – relaciona-se aos aspectos natu-
rais que obstaculizam o acesso dos indivíduos com algum tipo
de mobilidade reduzida, tais como morros, lagos, entre outros.
Na sequência será apresentada e discutida a categoria
“acessibilidade no ambiente de trabalho”, na qual foram
identificadas as subcategorias “acessibilidade atitudinal no
ambiente de trabalho” e “acessibilidade instrumental no
ambiente de trabalho”.

3.2.1. ACESSIBILIDADE ATITUDINAL


NO AMBIENTE DE TRABALHO
Em relação à categoria “acessibilidade no ambiente de
trabalho”, identificamos na fala de dois participantes deste
estudo, a subcategoria acessibilidade atitudinal no ambiente
de trabalho. Nesse sentido, Guedes (2007) destaca que as
barreiras arquitetônicas, as de comunicação e as atitudinais
acabam por perpetuar entraves que impede, em partes ou
na totalidade, a inclusão social das pessoas com deficiência.
Com efeito, esses corpos com lesão, na maioria das vezes,
são identificados pela sua deficiência, e não a partir de suas
potencialidades, ou seja, atitudes discriminatórias e precon-
ceituosas dentro de um olhar negativo, que os colocam em
uma posição inferiorizada, marginalizada, limitando-os ao
exercício pleno de habilidades e competências.
Contudo, a iniciativa de eliminar tais barreiras pode
representar uma mudança de atitude que se inicia em um
processo mais inclusivo: a valorização da pessoa com defici-
ência em que se propicia um local acolhedor, de autonomia
293
e autoconfiança. Como exemplo dessa quebra de paradigma
atitudinal excludente, dando lugar a um espaço mais inclu-
sivo, podemos perceber o serviço público como oportunidade
de trabalho. O relato, a seguir, traz a realização de Arara ao
conquistar um ambiente de trabalho acolhedor compatível
com a sua singularidade:
[...] continuei trabalhando 20 horas na função de
revisora Braille. Foi então que, no fim deste mesmo
ano, surgiu a oportunidade de ampliação de carga
horária. Foi um sopro de esperança, para minha car-
reira profissional, poder trabalhar em tempo integral
no local onde me sentia parte integrante da equipe
e realizando um trabalho com o qual me identifiquei,
colaborando para que os alunos, desde a Educa-
ção Infantil, tivessem a oportunidade de ter acesso
a materiais que contribuam significativamente para
seu processo de escolarização (ARARA, 40 anos).

Assim, é possível afirmar que, nas últimas décadas,


conforme Vasconcelos (2016), foram instituídos vários instru-
mentos legais internacionais referentes às ações afirmativas,
frente à conquista do direito de igualdade de oportunidades.
Nesse viés, a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com Deficiência, ratificada no Brasil por meio do
Decreto nº 6.949 (BRASIL, 2009), e a Lei Brasileira de Inclusão
nº 13.146 (BRASIL, 2015) vêm consolidar a garantia dos direi-
tos voltados às pessoas com deficiência.
Nesse sentido, em âmbito estadual, com o intuito de for-
talecer tais direitos, Santa Catarina sancionou a Lei nº 17.292
(SANTA CATARINA, 2017), que assegura, em seu artigo 3º, à
pessoa com deficiência, o pleno exercício de seus direitos
sociais. No uso desses direitos e dessas oportunidades de
trabalho, na condição de servidora pública em âmbito esta-
dual, Águia, com sua fala sobre a experiência nesse espaço
laborativo, contribui com a reflexão acerca da importância
da promoção da acessibilidade atitudinal:
294
Gosto bastante de trabalhar na Udesc e considero
que aos poucos estou conquistando meu espaço.
Tenho um bom relacionamento com meus colegas
de trabalho e sempre que tenho a oportunidade
vou esclarecendo um pouco sobre a deficiência
visual e, se possível, sobre as demais deficiências
(ÁGUIA, 38 anos).

Tal fala, ao mesmo tempo que revela a satisfação em rela-


ção a seu espaço laboral, também aponta que tais conquistas
advêm de uma interlocução diária para a desmistificação da
deficiência: que procura se informar e demonstrar a diver-
sidade desse público com deficiência e suas capacidades
frente à singularidade de cada um. Ainda nesse relato, o que
se pode depreender nas palavras “aos poucos estou con-
quistando [...]” é que se trata de um processo de inclusão,
embora árduo e lento, mas sim possível, quando as atitudes
se convergem em práticas facilitadoras da acessibilidade.
Pode-se observar que, tanto no depoimento de Arara
quanto no de Águia, se faz notar que as relações de trabalho
presentes nesses espaços procuram seguir na trilha do res-
peito e da valorização das singularidades, em que dentro de
uma Ética do Cuidado e de uma ação de interdependência,
visa promover um trabalho colaborativo e de participação
de todos os envolvidos. Isso fica muito visível quando Arara
esboça sentir-se parte integrante da equipe. Com efeito,
como mostra Diniz (2007), é no amadurecimento da noção
de deficiência, bem como na problematização dos conceitos
de produtividade, autonomia e independência, que se con-
solidam as relações interdependentes e – no bojo destas –
estratégias e novas práticas inclusivas.

3.2.2. ACESSIBILIDADE INSTRUMENTAL


NO AMBIENTE DE TRABALHO
A subcategoria “acessibilidade instrumental no ambiente
de trabalho” foi constatada em dois dos relatos analisados
295
neste estudo, em que foi possível perceber que a instrumen-
talização com equipamentos e tecnologias adequadas às
particularidades desses servidores proporcionam mais con-
dições de êxito no desenvolvimento de suas funções.
A acessibilidade instrumental, segundo Sassaki (2009), é
um dos âmbitos dentro do conceito maior de acessibilidade,
pois se define em superar barreiras em utensílios, instrumentos
e ferramentas de estudo dentro das escolas e em atividades
profissionais, recreativas e de lazer.
Atualmente tem crescido o número de aplicativos e
aparelhos com acessibilidade, promovendo maior autono-
mia e interação das pessoas com deficiência no processo
de construção do conhecimento e da atuação no mercado
de trabalho. O que se entende como algo positivo, uma vez
que a pessoa com deficiência não é apenas vista como usu-
ária das tecnologias, mas também, como alguém capaz de
pesquisar, construir e implementar ferramentas que con-
tribuam para a promoção da autonomia e do acesso aos
recursos disponíveis.
O crescente envolvimento das pessoas com deficiência
no trabalho junto às tecnologias, ora como usuária, ora como
desenvolvedoras de softwares e/ou aplicativos, faz com que
elas se tornem mais atuantes frente às atividades laborais.
Isso fica claro na fala a seguir, quando Arara relata não encon-
trar grandes dificuldades no desempenho de suas funções:
Trabalhei na Associação Catarinense Para Integração
do Cego (ACIC) [...] na sala informatizada e minis-
trando a disciplina de simbologia Braille. Durante o
período em que trabalhei na instituição, não encon-
trei barreiras no que se refere à acessibilidade, uma
vez que por ser uma instituição De e Para cegos dis-
punha dos recursos de acessibilidade para pessoas
com deficiência visual (ARARA, 40 anos).

Esse fato também fica evidenciado no trecho a seguir, rela-


tado por Águia, que vem somar com o exposto anteriormente,
296
visto que trabalhar em um espaço que, de certa forma, já é
direcionado às pessoas com deficiência visual, em que as tec-
nologias assistivas estão disponíveis, bem como a qualificação
dessa profissional é realizada dentro de suas especificidades,
acaba por favorecer o desempenho e a eficácia do trabalho
realizado, mais do que isso, na satisfação da trabalhadora.
Prática essa que deve ser assegurada em todos os ambientes,
permitindo que as pessoas com deficiência tenham direito de
acesso e para que possam desenvolver suas habilidades.
Nessas duas funções tive minhas necessidades de
adaptação atendidas com tranquilidade. Inclusive
foi no período que trabalhava como telefonista que
perdi minha visão por completo e consegui desenvol-
ver minhas atividades normalmente (ÁGUIA, 38 anos).
Ao verificar tais falas, nota-se que práticas pauta-
das em uma perspectiva de Ética do Cuidado, seja ela de
âmbito institucional, no qual o espaço onde esses servi-
dores atuam, ou individual, em que todos os participantes
desse processo têm ações de perceber o outro como ser
singular, com suas necessidades e potencialidades, propi-
cia a eles, não apenas um bom desenvolvimento de suas
atividades laborais, mas também, o crescimento pessoal e
a exponenciação de suas habilidades.
É possível perceber, na fala de Águia, o quão importante
é para essa profissional ter suas necessidades percebidas e
supridas pelos seus gestores. No trecho em que ela cita “tive
minhas necessidades de adaptação atendidas com tranqui-
lidade”, fica evidente que esse movimento de percepção e
implementação de recursos e adaptações, segundo suas
necessidades, denota um acolhimento, um encontro, um cui-
dado para com o indivíduo. Reforça-se que são nas relações
de interdependência, de Ética do Cuidado, de auxílio mútuo
que se torna possível construir uma sociedade inclusiva, em
que são respeitadas as diferenças e valorizadas as contribui-
ções de todos os participantes desse processo.
297
3.3. BARREIRAS NO AMBIENTE
DE TRABALHO

Entre as categorias identificadas no decorrer deste estudo,


foi encontrada a categoria “barreiras no ambiente de traba-
lho”, sendo que ela se subdivide em três subcategorias, quais
sejam: arquitetônicas; atitudinais; e digitais/programáticas.
Desse modo, é importante conceituar barreiras, conforme
o disposto na Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015),
em seu artigo 3º, inciso IV:
[...] qualquer entrave, obstáculo, atitude ou compor-
tamento que limite ou impeça a participação social
da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercí-
cio de seus direitos à acessibilidade, à liberdade
de movimento e de expressão, à comunicação, ao
acesso à informação, à compreensão, à circulação
com segurança, entre outros [...] (BRASIL, 2015).

A referida lei, nesse mesmo artigo, classifica as barreiras


em: atitudinais; urbanísticas; arquitetônicas; nos transportes;
nas comunicações; e na informação.
Frente a essas barreiras, os teóricos da primeira geração
do Modelo Social da Deficiência criticavam o modelo capi-
talista vigente e lutavam para que elas fossem retiradas,
permitindo a participação das pessoas com deficiência no
mercado de trabalho. Nesse contexto, focaram na interação
entre a lesão e as barreiras sociais, na produção da condição
de pessoa com deficiência. Desse modo, as teóricas femi-
nistas trazem para o debate, o princípio de bem-estar e de
interdependência pela deficiência, em vez de se restringirem
aos aspectos relacionados à lesão e às barreiras sociais, tra-
zidos pelos primeiros teóricos (DINIZ, 2007; SQUINCA, 2008).
Nesse contexto, a acessibilidade, as tecnologias assisti-
vas e o entendimento da deficiência pelo prisma do Modelo
Social permitem um olhar mais amplo e humanizado em
relação ao trabalho, contribuindo, significativamente, para
298
minimizar e eliminar barreiras nos ambientes, ampliando
consideravelmente sua funcionalidade (DEFENDI, 2016).
A seguir serão apresentadas e discutidas as subcategorias
identificadas em relação às barreiras no ambiente de trabalho:
arquitetônicas; atitudinais; e digitais/programáticas.

3.3.1. BARREIRAS ARQUITETÔNICAS


NO AMBIENTE DE TRABALHO
Em relação à categoria “barreiras no ambiente de traba-
lho”, foi identificada a subcategoria “barreiras arquitetônicas
no ambiente de trabalho”, no relato de quatro participantes
deste estudo. Assim, ressalta-se que a acessibilidade arqui-
tetônica visa eliminar as barreiras físicas, no que tange ao
acesso aos ambientes internos e externos de construções
públicas e/ou privadas, bem como aos meios de transporte
de uso individual ou coletivo por pessoas com deficiência ou
mobilidade reduzida. Cabe destacar que, removidas as bar-
reiras arquitetônicas, bem como as demais, se constitui um
grande passo para a efetividade da inclusão (SASSAKI, 2009;
SCHUINDT; SILVEIRA, 2020).
Nesse sentido, percebe-se, no seguinte trecho do relato
de Xororó, o quão fundamental se faz a efetividade da aces-
sibilidade em todas as modalidades em que se configura,
para que sejam garantidos a todos os cidadãos usufruírem
de seus direitos, entre eles o de ir e vir:
Para chegar à escola, que fica a aproximadamente
três quadras da minha residência, preciso ir de ôni-
bus, sendo que o caminho é bastante acidentado
e sem referências adaptativas para pessoas cegas.
Sem falar que se trata de uma praça cheia de árvo-
res e calçadas esburacadas. À escola, para além de
algumas rampas improvisadas, bem como banheiro
adaptado, possui somente um piso guia que foi
colado, improvisado, sendo que este é para ambien-
tes internos (XORORÓ, 50 anos).

299
De acordo com Leite (2011 apud PAULINO; CARVALHO,
2019), a Constituição Federal (BRASIL, 1988) traz, em seu
artigo 227, normas para a construção dos logradouros e dos
edifícios de uso público, com vistas a garantir acesso ade-
quado às pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida,
e o artigo 244 normatiza a aplicação em edifícios já cons-
truídos. Com o mesmo propósito, a Norma Técnica Brasileira
(NBR) da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
9050/2015 estabelece padrões para a execução em novas
construções, bem como reformas para adequação em meio
urbano, com vistas a implantar a acessibilidade nesses espa-
ços. Nesse sentido, ao planejar a construção e/ou a reforma
de ambientes, deve-se assegurar o acesso livre a todos, pri-
mando pela segurança, pelo conforto e pelo bem-estar, o
que se caracteriza como inclusão arquitetônica.
Quando o planejamento e a execução dessas constru-
ções ou adaptações não ocorrem de maneira adequada,
além de pôr em risco as pessoas que transitam por esses
ambientes, geram nos sujeitos, a sensação de insegurança,
perceptível no trecho do relato de Beija-flor:
A questão da acessibilidade da estrutura do prédio
[...] era muito complicada. Estava acontecendo uma
reforma, então onde um dia estava de um jeito, no
outro dia já estava diferente, fora que havia uns cor-
redores que pareciam labirintos com armadilhas. De
vez em quando, batia a testa em um patamar de
escada [...] (BEIJA-FLOR, 38 anos).

A partir do relato de Beija-flor, observa-se que a falta


de perspectiva por parte dos gestores, em ter como mem-
bro de sua equipe de trabalho um servidor com deficiência,
abriga o fato de não serem pensadas questões relacionadas
à acessibilidade, não somente no ambiente de trabalho, mas
também em todo o seu entorno, o que denota uma pre-
disposição negativa acerca da deficiência. Assim, a barreira
atitudinal se constitui no pilar fundamental que alicerça a
300
perpetuação das demais barreiras de acessibilidade (GUE-
DES, 2007). A falta de perspectiva em haver um servidor com
deficiência compondo o corpo de funcionários da instituição
faz com que não sejam pensadas alternativas de eliminação
de barreiras, conforme verificamos em outro trecho relatado
por Beija-flor:
O deslocamento do ponto de ônibus até o Cead
também era um pouco complicado, principalmente
na hora de ir embora, pois tinha que atravessar uma
faixa dupla muito movimentada em frente à Udesc
[...] a sensação de incapacidade e de impotência era
muito forte (BEIJA-FLOR, 38 anos).

Nesse sentido, o fato de os ambientes internos e externos


serem projetados desconsiderando a diversidade humana que
nele possa circular, evidencia a forte presença de barreiras ati-
tudinais por parte dos gestores de âmbito público e privado,
demonstrando o quanto a concepção de sociedade é perme-
ada por atitudes preconceituosas e capacitistas. O capacitismo
se legitima, essencialmente, a partir da opressão social que,
interseccionada com marcadores de gênero, raça, deficiên-
cia e classe, tem como resultado a expansão dos processos
de exclusão (MELLO; MOZZI, 2018). Dessa forma, tais atitudes
capacitistas inviabilizam a percepção do outro, de sua singula-
ridade, obstaculizando as relações alicerçadas em práticas de
cuidado, que considerem o princípio da igualdade pela inter-
dependência como sendo basilar para a vida humana, assim
como uma questão de justiça social (KITTAY, 1999).

3.3.2. BARREIRAS DIGITAIS/PROGRAMÁTICAS


NO AMBIENTE DE TRABALHO
A partir da categoria “barreiras no ambiente de trabalho”,
identificamos a subcategoria “barreiras digitais/programáti-
cas no ambiente de trabalho”, sendo apresentada na fala de
quatro participantes deste estudo. Desse modo, é importante
301
entender a acessibilidade programática, como tendo o obje-
tivo de promover o pleno acesso aos diferentes âmbitos
sociais, no que concerne aos programas decorrentes das
políticas públicas, aos sistemas institucionais, às normativas
jurídicas, entre outros aspectos. Nesse sentido, para que a
acessibilidade programática ocorra de fato, é necessário que
haja políticas institucionais que assegurem o acesso com
dignidade e o respeito às diferenças.
Considerando essas premissas, identificamos que mui-
tas são as barreiras de acesso, entretanto, a barreira digital/
programática tem sido, ainda hoje, uma das que impedem
diretamente o exercício pleno das funções laborativas dos
servidores com deficiência em sua atuação profissional.
Entre os cinco participantes, quatro indicaram dificuldades
em acessar sistemas e programas institucionais, sendo que a
quinta servidora é professora e atua com as crianças, por isso
não apresentou demandas dessa natureza em seu local atual
de trabalho. Tais barreiras, ao acessar os sistemas, obstacu-
lizam e, em geral, impedem a execução da atividade pelas
pessoas com deficiência visual em seu ambiente laboral.
Nesse contexto, a acessibilidade digital refere-se ao
acesso das pessoas a sistemas de informação e comunicação
de maneira autônoma, permitindo a viabilidade de utiliza-
ção de programas, sistemas web e aplicativos (LEITE, 2020).
Esse conceito de acessibilidade digital também se aplica
as pessoas com deficiência visual, uma vez que sistemas e
softwares, ao serem desenvolvidos, precisam contemplar as
diversas necessidades de seus usuários para que se tornem
efetivamente acessíveis.
Por conseguinte, Melo (2014) defende que o desenvol-
vimento de sociedades de informação e de comunicação53
para todos, tendo como foco as pessoas, deve ter um cará-
ter inclusivo e que permita o acesso igualitário aos direitos,
devendo adotar o design participativo (DP) na elaboração
de sistemas de informação. As atividades de DP se referem
ao aprendizado mútuo de equipes de desenvolvimento de
302
sistemas de informação na web e usuários com deficiência,
favorecendo a compreensão das necessidades de utilização
desses indivíduos.
A ausência dessa prática resulta na criação de ambientes
e sistemas inacessíveis, como relatado por Xororó:
[...] a burocracia escolar ainda está presa a registros
como preenchimento em cadernos ou formulários
em tabelas, gráficos, suportes que não são acessíveis
para mim, como o Sistema de Gestão Educacional
de Santa Catarina (SISGESC), onde contêm registros,
informações da vida escolar do aluno, bem como de
encaminhamentos e processos educacionais. [...] Os
próprios cursos de capacitação que são oferecidos
pelo Estado geralmente não consigo realizá-los sem
ajuda de um colega (XORORÓ, 50 anos).

As dificuldades apresentadas por Xororó denotam as


inúmeras barreiras existentes para o exercício de sua fun-
ção, constituindo em um fator elementar para a não inclusão
social. Devido a barreiras que não podem ser removidas de
imediato, por questões de logística institucional, é preciso que
se ponha em prática a acessibilidade atitudinal dos colegas,
a fim de considerar a interdependência e a Ética do Cuidado
como uma prática constante nas relações de trabalho, o que
retira da pessoa com deficiência a sensação de impotência e
inutilidade, conforme relata Calopsita:

53 Início da nota de rodapé. Segundo Luís Manuel Borges Gouveia (2004


apud ANTUNES, 2008, p. 6), “A sociedade da informação está base-
ada nas tecnologias de informação e comunicação que envolvem a
aquisição, o armazenamento, o processamento e a distribuição da
informação por meios electrónicos, como a rádio, a televisão, telefone
e computadores, entre outros. Estas tecnologias não transformam a
sociedade por si só, mas são utilizadas pelas pessoas em seus con-
textos sociais, económicos e políticos, criando uma nova comunidade
local e global: a Sociedade da Informação”. Fim da nota de rodapé.

303
[...] a central telefônica do Tribunal Regional Elei-
toral de Santa Catarina (TRE-SC) não era acessível,
suas informações eram extremamente visuais, e eu
tinha grande dificuldade em operar a mesa telefô-
nica. [...] Muitas vezes, por falta de acessibilidade no
equipamento, acabava cometendo equívocos ou
sobrecarregava minha companheira de trabalho.
Nesses momentos me sentia inútil e improdutiva
(CALOPSITA, 42 anos).

A partir da fala de Calopsita, evidencia-se a importância do


bem-estar nas relações de trabalho, oportunizando o exercício
da função de maneira digna, centrada em relações interdepen-
dentes e pautadas em uma Ética do Cuidado (KITTAY, 2011).

3.3.3. BARREIRAS ATITUDINAIS NO AMBIENTE


DE TRABALHO
A terceira e última subcategoria, intitulada “barreiras ati-
tudinais no ambiente de trabalho”, foi encontrada em dois
dos relatos componentes deste estudo. De acordo com Prado
(1997 apud GUEDES, 2007), existem barreiras visíveis e invisí-
veis na sociedade, sendo esta última composta pela maneira
como as pessoas têm uma visão estereotipada, colocando
a deficiência em relevância, não valorizando competências
ou habilidades. Dessa forma, atitudes como discriminação,
esquecimento, ignorância, preconceito, entre outras, contri-
buem para a permanência desse quadro frente às pessoas
com deficiência, o que fica evidente no relato de Arara:
[...] na nova escola, tudo foi mais difícil. Inicialmente, fui
disponibilizada para trabalhar junto à coordenação do
Ensino Fundamental II da referida escola. A equipe não
aceitou minha colaboração, alegando que pelo fato de
eu ser uma pessoa cega não conseguiria colaborar com
a equipe, visto que para trabalhar na coordenação era
primordial dispor do sentido da visão (ARARA, 40 anos).

304
Quando a coordenação da referida escola desconsidera
a formação profissional e o conhecimento de Arara frente
ao trabalho que poderia executar, focando apenas na falta
da visão, ignora todo o trabalho que poderia ser construído
em equipe, levando em consideração sua singularidade e as
ações consolidadas, a partir de uma relação de interdepen-
dência e Ética do Cuidado.
Nessa perspectiva, Kittay (2011), também a partir dos
estudos de Gilligan (1982), defende que a dependência deve
ser vista em oposição ao isolamento, concluindo que não
depender de ninguém pressupõe isolamento, o que para os
seres humanos é inviável, já que as pessoas estão em uma
rede de relações e mesmo as consideradas “mais autôno-
mas”, em uma visão capitalista, centrada na independência,
precisam de diversas instituições ou outros indivíduos para
garantir sua independência. Logo, para Kittay (2011), a depen-
dência do outro salvaria o ser humano do isolamento.
Diante do exposto, perceber que a interdependência é
inerente a todo ser humano implica aceitar e conviver com
a diferença, sendo comum esse estranhamento inicial, na
medida em que impulsiona pela busca de perceber o outro,
com suas especificidades e potencialidades, dando espaço
ao diálogo que contemple a participação de todos os sujei-
tos, com suas vozes e histórias, em uma ação coletiva, para
uma inclusão de fato.
No relato de Águia, é evidenciado o quanto é impactante
o estranhamento perante o diferente e o despreparo profissio-
nal pela busca de alternativas e promoção da acessibilidade:
Um aspecto que gostaria de ressaltar, porque mar-
cou bastante minha trajetória profissional, seja
mesmo antes de ingressar na Udesc, seja depois, é
o despreparo presente nos diversos espaços profis-
sionais para lidar com as diferenças e nem digo com
as deficiências. Basta você ser diferente do padrão
que as pessoas não sabem o que fazer, sem falar nas

305
questões de acessibilidade, que são definitivamente
muito precárias (ÁGUIA, 38 anos).
Assim, uma vez que se entende que os seres humanos,
por viverem em sociedade, dependem uns dos outros para
realizar atividades e suprir necessidades, tem-se a compreen-
são do que configura o conceito de interdependência. Nesse
aspecto, Kittay (2011) traz a reflexão sobre a afirmação de que
a dignidade estaria presente quando se teria uma vida inde-
pendente, alterando essa visão e passando a considerar que
a dignidade está centrada em uma vida de cuidados mútuos,
recíprocos: “[...] estou investindo na ideia de que o cuidado é
um bem indispensável e até mesmo central – sem o qual uma
vida de dignidade é impossível e que é em si uma expressão
da dignidade de uma pessoa” (KITTAY, 2011, p. 52). Portanto,
isso se faz presente na vida de todos, como seres humanos,
independentemente de ser ou não pessoa com deficiência.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo objetivou refletir acerca das condições de


acessibilidade no ambiente de trabalho dos autores deste capí-
tulo, enquanto servidores públicos com deficiência visual, bem
como ressaltar a importância das relações de interdependên-
cia, alicerçadas na Ética do Cuidado para a construção de uma
sociedade que respeite as singularidades e abrace as diferenças.
Observamos que houve avanços significativos, no que
tange à criação e à implementação de tecnologias assistivas,
bem como às leis, cujo intuito é minimizar e/ou eliminar barrei-
ras existentes, sejam elas de ordem arquitetônica, instrumental
ou digital/programática. Destacamos, como avanço no campo
legislativo, a ratificação, em 2009, da Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com caráter de
emenda constitucional, cujo grande desafio, atualmente, é efe-
tivar seu cumprimento.
No entanto, embora existam avanços significativos no
âmbito do trabalho para as pessoas com deficiência, ainda se
306
encontram barreiras de acessibilidade referentes às questões
atitudinais, arquitetônicas, instrumentais e programáticas.
Assim, as relações de interdependência, pautadas em uma
Ética do Cuidado, se constituem em uma ferramenta funda-
mental para a eliminação das barreiras de acessibilidade no
mercado de trabalho, rompendo com a visão da deficiência,
como sendo condicionada ao espectro da individualidade
acorrentada nos grilhões de uma ideologia hegemônica.

REFERÊNCIAS
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cações, espaço mobiliário e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT, 2015.
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309
SOBRE AS(OS) AUTORAS(ES)

Adenize Queiroz de Farias


adenize.queiroz@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Adenize é


cega, branca, cabelos escuros com mechas grisalhas na altura do ombro,
olhos castanhos. Usa camisa de mangas longas vermelha. Ao fundo,
parede na cor branca. Fim da descrição.

Graduada em Pedagogia. Mestre e Doutora em Educação


pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Professora da
UFPB ministra disciplinas relacionadas a Educação Especial
em uma perspectiva inclusiva. Líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação Especial (GEPE). Tem experiência na
área de Inclusão Escolar e Social das Pessoas com Deficiência
e discute a temática Gênero, Deficiência, Capacitismo, Vulne-
rabilidades e Superação de Barreiras (Resiliência).

310
Ana Luiza Moura Mafra
ana.mafra@prof.pmf.sc.gov.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Ana Luiza


é branca, cabelos escuros longos, olhos castanhos, com maquiagem leve.
Veste blusa de manga curta preta com desenhos de corujas brancas. Ao
fundo parede branca. Fim da descrição.

Licenciada em Pedagogia, habilitação em Educação Espe-


cial pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista
em Educação Especial Inclusiva pelo Instituto Superior Tupy.
Professora efetiva da Prefeitura Municipal de Florianópolis,
desempenhando a função de Assessora Pedagógica na Gerên-
cia de Educação Especial na Secretaria Municipal de Educação.

311
Ana Paula Felipe
anapaula.felipe@sme.pmf.sc.gov.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Ana Paula


é negra, cabelos cacheados na altura dos ombros, usa óculos de grau.
Veste casaco preto e um lenço verde no pescoço. Ao fundo parede
branca. Fim da descrição.

Graduada em Pedagogia-Habilitação Educação Especial


pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialista
em Atendimento Educacional Especializado pela Universi-
dade Federal do Ceará. Especialista em Políticas Inclusivas
pelo Centro Universitário Facvest de Lages – SC. Atuou na
Fundação Catarinense de Educação Especial como Profes-
sora (2002/2009). Professora efetiva da Rede Municipal de
Florianópolis. Atuou como Assessora e Articuladora Pedagó-
gica da Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis
(2014/2016). Atualmente é Gerente de Educação Especial na
Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis.

312
Anahí Guedes de Mello
anahigm75@gmail.com

Descrição da imagem. Fotografia colorida de rosto, sorridente. Anahí é


uma mulher surda, cis, branca, cabelos compridos castanhos lisos, usa
óculos de grau vermelho. Veste blusa branca. Ao fundo parede branca,
um quadro na cor verde. Fim da descrição.

Cientista social e antropóloga, doutora em Antropologia


Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Atualmente é pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética;
pesquisadora associada do Núcleo de Estudos sobre Defici-
ência da UFSC; e membro do Grupo de Estudos Antropologia
e Deficiência (Gead), da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). É também coordenadora do Comitê Deficiên-
cia e Acessibilidade da Associação Brasileira de Antropologia
(ABA) e membro do GT Estudios críticos en discapacidad do
Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso). Seus
interesses atuais de pesquisa são em autoetnografias, com
temáticas na interface entre antropologia feminista, estudos
feministas da deficiência e os estudos queer e crip.
313
Andreza Vidal Bezerra
andrezavidal@hotmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida da cintura para cima. Andreza é


negra, está sorrindo, cabelos castanhos na altura dos ombros. Na cabeça
usa uma tiara de veludo na cor vinho. Veste blusa laranja com floral em
branco e preto. Ao fundo parede branca. Fim da descrição.

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal da Para-


íba (UFPB), seu interesse de pesquisa tem foco nos Estudos
Sobre a Deficiência na perspectiva dos Estudos Culturais e dos
Diversos marcadores de Identidade. Possui publicações em
eventos científicos correlacionados aos temas: Capacitismo,
Corpo normatividade, Educação Emocional, Empoderamento
e Barreiras Atitudinais. É membro ativo do GEPE. Desenvolve
ações relacionadas a inclusão do estudante com deficiência
no Ensino Superior.

314
Carla Ramos Gonçalves
carlaramos.advocacia@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida da cintura para cima. Carla sorri,


é branca, cabelos loiros, na altura dos ombros. Veste blusa social preta,
mangas compridas e um crachá branco que está preso na blusa. Ao fundo
parede preta, poltrona branca e almofadas verdes. Fim da descrição.

Advogada, militante no direito das Pessoas com Deficiência e


Vice-presidente da Comissão Estadual de Direito das Pessoas
com Deficiência da OAB/SC.

315
Cláudia Iara Vetter
claudia.iara.vetter@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Claudia é


branca, olhos verdes, óculos de grau com armação preta. Cabelos cache-
ados na altura dos ombros. Veste blusa florida em tons de azul, verde,
rosa, amarelo. Ao fundo parede branca. Fim da descrição.

Graduada em Pedagogia, artista e acompanhante terapêu-


tica. Pós-Graduada em Educação Inclusiva pela Universidade
do Estado de Santa Catarina (Udesc), integrante do grupo de
estudos do Laboratório de Educação Inclusiva (LEdI/ /Udesc).

316
Cristiane Lazzarotto-Volcão
cristiane.volcao@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Cristiane


é branca, olhos e cabelos castanhos. Veste blusa preta. Usa brincos de
argolas pequenos. Ao fundo árvores. Fim da descrição.

Especialista em Educação Inclusiva pela Universidade do Estado


de Santa Catarina. Mestre e Doutora em Letras (Linguística
Aplicada) pela Universidade Católica de Pelotas. Pós-Doutora
no Centro de Linguística da Universidade de Lisboa. Professora
Associada do Departamento de Língua e Literatura Vernácu-
las da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), atua no
ensino, pesquisa e extensão; membro da equipe do Programa
de Extensão DLLV Comunidade/UFSC.

317
Daiani Domingos
daiani.domingos@sme.pmf.sc.gov.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Daiani é


uma mulher cega, branca, olhos e cabelos castanhos que estão presos para
trás. Veste blusa azul-marinho. Ao fundo, parede branca. Fim da descrição.

Professora Auxiliar de Ensino – Revisora Braille no Centro de


Apoio Pedagógico e Atendimento às Pessoas com Deficiência
Visual – CAP, na Secretaria Municipal de Educação, da Prefei-
tura Municipal de Florianópolis. Pedagoga com habilitação em
séries iniciais, pela Universidade do Estado de Santa Catarina
(Udesc); Habilitação em educação especial, pela Faculdade
São Judas Tadeu/PR; Pós-graduação em Psicopedagogia Insti-
tucional pela Universidade Castelo Branco (UCB/RJ).

318
Daniele Marla Soares Dias
danim4@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Daniele


é branca, com deficiência física, cabelos e olhos castanhos. Veste blusa
preta. Ao fundo parede branca. Fim da descrição.

Psicóloga, graduada pela Universidade Federal de Mato


Grosso. Pós-Graduada em Dependência Química pela
Faculdade de Lajes e participa do Laboratório de Educação
Inclusiva da Universidade do Estado de Santa Catarina LEdI/
Udesc. Atua no INSS com avaliação psicológica, acompa-
nhamento de servidores afastados por motivos de saúde e
compõe o Comitê de Acessibilidade.

319
Débora Marques Gomes
debora.gomes@udesc.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida da cintura para cima. Débora


está sorrindo, é branca, tem deficiência visual, cabelos cacheados casta-
nhos na altura dos ombros, olhos verdes. Veste uma blusa branca com
estampas em preto. Ao fundo uma parede na cor cinza. Fim da descrição.

Técnica do Laboratório de Educação Inclusiva – LEdI, do


Centro de Educação a distância – Cead, da Universidade do
Estado de Santa Catarina – Udesc. Psicóloga graduada pela
Universidade do Sul de Santa Catarina com especialização
em Políticas Públicas, Gestão e Serviços Sociais pela Univer-
sidade Cândido Mendes. Integra o Grupo de estudos sobre
deficiência do Laboratório de Educação Inclusiva LEdI/
Cead/Udesc. É Coordenadora do Núcleo de Acessibilidade
– NAC/Cead/Udesc, membro do Núcleo de Acessibilidade
Educacional – NAE/Udesc e integra a Comissão de Ações
Afirmativas da Udesc. Atua junto aos programas e proje-
tos de extensão relacionados ao campo dos Estudos sobre
Deficiência do LEdI/Cead/Udesc.
320
Eloisa Barcellos de Lima
eloisa.barcellos@ufsc.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida da cintura para cima. Eloisa


é branca, sorridente, cabelos louros, soltos na altura dos ombros, olhos
azuis. Usa uma blusa rosa claro, com os ombros descobertos. Ao fundo
uma parede branca. Fim da descrição.

Docente de Educação Especial no Colégio de Aplicação-


-UFSC. Doutora em Epistemologia e História da Ciência
pela Universidad Tres de Febrero -UNTREF -AR. Graduada
em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul – PUCRS-BR. É colaboradora do Núcleo de
Estudos sobre Deficiência (NED/UFSC). coordenadora do
projeto DUA-Coamar/UFSC.

321
Fabiane Araujo Chaves
fabichaves.psico@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Fabiane


é branca, cabelos loiros cacheados, está usando óculos de grau, brincos
de argola na cor branca. Veste blusa preta. Ao fundo ,parede branca. Fim
da descrição.

Mestre em Educação (UERGS), graduada em Psicologia (Unisul/


SC) e Licenciatura em Pedagogia (Unicnec/RS). É especialista
em Educação Inclusiva (Udesc), e em Psicopedagogia (Faveni).
Atualmente trabalha como Psicóloga Clínica, com atendimen-
tos presenciais e online, e participa do grupo de estudos sobre
Educação Inclusiva – LEdI/Udesc.

322
Geisa Letícia Kempfer Böck
geisa.bock@udesc.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Geisa é


branca, cabelos loiros, cacheados na altura do queixo. Usa óculos escu-
ros, blusa preta com bolinhas brancas e um colar fino de prata. Ao fundo
janelas, uma parede na cor cinza. Fim da descrição.

É Professora do Laboratório de Educação Inclusiva, no Cen-


tro de Educação a Distância da Universidade do Estado de
Santa Catarina (LEdI/Cead/Udesc). Doutora em Psicologia
e Mestre em Educação pela UFSC; Graduada em Educação
Especial pela UFSM. Desenvolve atividades de ensino, pes-
quisa e extensão no campo dos Estudos da Deficiência.

323
Gilmar Silva Amaral
gilmarsa@sed.sc.gov.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Gilmar é


um homem cego, branco, está usando óculos escuros, cabelos pretos
curtos. Usa jaqueta preta, sobreposta à uma camiseta branca. Ao fundo,
parede branca. Fim da descrição.

Assistente Técnico Pedagógico na Escola de Ensino Básico


Professora Laura Lima, da rede pública do Estado de Santa
Catarina – Florianópolis. Graduado em Pedagogia e Histó-
ria pela Universidade do Estado de Santa Catarina – Udesc,
com especialização em Educação Especial, pela Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Ceará; Especialização
em Gestão Educacional e Metodologia do Ensino interdisci-
plinar, pela Faculdade de Don Bosco – Cascavel/PR. Integra
a coordenação pedagógica, atuando enquanto articulador
pedagógico da Educação Especial, bem como Articulador do
Programa Saúde na Escola.

324
Inês Berlanda Seidler
inesberlanda@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Inês é


branca, com deficiência visual, cabelos lisos castanhos escuros na altura
dos ombros, olhos castanhos esverdeados. Veste jaqueta vermelha. Ao
fundo uma parede em bege. Fim da descrição.

Professora da Associação Catarinense para Integração do


Cego – Acic, atuando no Centro de Aprendizagem e Desen-
volvimento Infantil – Cadi, com crianças cegas de 3 a 14
anos, ministrando a disciplina de Elaboração Conceitual e
Letramento. Pedagoga com habilitação em séries iniciais,
pela Universidade Do Estado de Santa Catarina – Udesc;
Habilitação em educação especial pela Faculdade São Judas
Tadeu/PR. Pós-graduação em Psicopedagogia institucio-
nal Lato Sensu, pela Universidade Castelo Branco – UCB/
RJ. Atuou como Revisora Braille, no Centro de Apoio Peda-
gógico, da Fundação Catarinense de Educação Especial. Foi
Coordenadora do Centro de Aprendizagem e Desenvolvi-
mento Infantil – Cadi/Acic.
325
Jackeline Susann
Souza da Silva
jackelinesusann@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Jackeline


é branca, cabelos lisos castanhos, na altura dos ombros. Veste um blazer
preto sobre blusa cinza, usa um colar fino. Ao fundo uma parede branca.
Fim da descrição.

Doutora em Educação pela Universidade de Salamanca. É


membro do Grupo de Pesquisa CNPq Formação de Recur-
sos Humanos em Educação Especial (GP-Foreesp) da UFSCar.
Colabora na elaboração de pesquisas, consultorias e materiais
didáticos para diversas instituições nacionais e internacionais,
dentre essas a Unesco. Campos de expertise: disability stu-
dies, acessibilidade, relações gênero e educação superior.

326
Laureane Marília
de Lima Costa
laureanelimacosta@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida do busto para cima. Laureane é


branca, olhos grandes e castanho-escuros, cabelos também castanho-es-
curos e lisos, que descem até um pouco abaixo dos ombros, usa óculos
de grau com armação vermelha e cadeira de rodas com apoio cervical na
cor preta, veste blusa preta de mangas curtas e decote vazado, ao fundo
uma parede branca com uma prateleira com livros. Fim da descrição.

Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Edu-


cação da Universidade Federal de Jataí (PPGE/UFJ), pesquisando
a interlocução dos campos da Educação Sexual Emancipatória
e dos Estudos Feministas da Deficiência. É psicóloga bolsista da
Coordenação de Ações Pedagógicas Especiais da Universidade
Federal de Jataí (CAPE/UFJ). Integra os grupos de estudos do
Laboratório de Educação Inclusiva da Universidade do Estado
de Santa Catarina (LEdI/UDESC) e do Núcleo de Estudos sobre
Deficiência da Universidade Federal de Santa Catarina (NED/
UFSC). Trabalha com formação de profissionais da Saúde e da
Educação para uma atuação anticapacitista.
327
Lenize Silva Arrojo
arrojolenize@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Lenize é


branca, cabelos castanhos escuros lisos, dispostos para o lado esquerdo,
com comprimento abaixo dos ombros. Veste blusa de alça branca. Ao
fundo cortinas brancas e marrons. Fim da descrição.

Graduada em Educação Especial – Licenciatura Plena


pela Universidade Federal de Santa Maria. Especialista em
Psicopedagogia Clínica e Institucional pelo Centro Uni-
versitário Internacional. Professora efetiva da Prefeitura
Municipal de Florianópolis, desempenhando a função de
Assessora Pedagógica na Gerência de Educação Especial
na Secretaria Municipal de Educação.

328
Lívia Laenny Vieira
Pereira de Medeiros
livialaenny@hotmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida da cintura para cima. Lívia


é branca sorridente, cabelos castanhos longos lisos, está com o braço
direito sobre o esquerdo, unhas na cor vermelha. Veste blusa preta. Ao
fundo uma parede branca. Fim da descrição.

Graduada em Direito e Psicologia pela Universidade Federal da


Paraíba. Mestranda em Psicologia social (UFPB), especialista em
Educação em Direitos Humanos Universidade Federal do ABC
(UFABC). Integra o Núcleo de Estudos da Deficiência (NED) da
Universidade Federal de Santa Catarina. Linhas de pesquisas:
Gênero, estudos da deficiência, educação e direitos humanos.

329
Lucas Yuri Ferraz
lucasyferraz98@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Lucas


é branco, cabelos escuros, olhos castanhos. Veste um suéter preto. Ao
fundo, parede branca. Fim da descrição.

Graduando do curso de Letras Língua Portuguesa e Literaturas


da Universidade Federal de Santa Catarina. É colaborador do
Projeto DUA-Coamar do CA/UFSC.

330
Marivete Gesser
marivete.gesser@ufsc.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Marivete é


branca, olhos e cabelos castanhos, longos. Usa um colar vermelho e uma
blusa listrada. Ao fundo há uma árvore com flores amarelas. Fim da descrição.

Psicóloga. Mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universi-


dade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Doutora em Psicologia
pela Universidade Federal de Santa Catarina/UFSC. Professora do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFSC. Coordena-
dora no Núcleo de Estudos sobre Deficiência (NED) e integrante
do Laboratório de Psicologia Escolar Educacional e do Instituto
de Estudos de Gênero (IEG) da mesma universidade. Desenvolve
atividades de ensino, pesquisa e extensão no campo da deficiên-
cia. Recebe financiamento do CNPq.

331
Mayanne Júlia
Tomaz Freitas
mayannetomaz51@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, está séria. Mayanne


é branca, tem olhos castanhos e cabelos castanhos escuros curtos. Veste
blusa com listras brancas e pretas, usa colar preto. Ao fundo uma parede
branca. Fim da descrição.

Pedagoga pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Mes-


tra e Doutoranda em Educação na linha: Estudos Culturais
da Educação do Programa de Pós-graduação em Educação
(PPGE/UFPB). Desde 2013 é integrante do grupo de pesquisa
do CNPq: Gênero, Educação, Diversidade e Inclusão (GEDI).
Integra o Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre
Mulher e Relações de Sexo e Gênero (NIPAM) vinculado ao
Centro de Educação da UFPB. Tem interesse por: gênero,
diversidade, educação superior e formação docente.

332
Mayara Amanda Pereira
mayaramandap@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Mayara é


branca, cabelos escuros na raiz e loiro nas pontas, olhos castanhos claros.
Veste roupa verde. Ao fundo uma parede na cor bege. Fim da descrição.

Graduanda em Ciências Biológicas (licenciatura) na Univer-


sidade Federal de Santa Catarina (UFSC). É colaboradora do
Projeto DUA-COAMAR do Colégio de Aplicação (CA/UFSC).

333
Paula Helena Lopes
paulahelenalopes.phl@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, está séria. Paula é branca,


cabelos ruivos lisos na altura dos ombros, usa óculos de grau arredondado e
vermelho. Veste blusa preta, casaco cinza e colar de girassol. Ao fundo uma
parede bege e dois quadros com a imagem da Frida Kahlo. Fim da descrição.

Docente do Curso de Psicologia da Unisul e da Faculdade


CESUSC; Doutoranda e Mestre em Psicologia Social pela Uni-
versidade Federal de Santa Catarina – UFSC; Graduada em
Psicologia. É pesquisadora do Núcleo de Estudos sobre Defi-
ciência (NED – UFSC) e militante feminista.

334
Rita Louzeiro
ritalouzeiro@yahoo.com.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, está sorrindo. Rita é


negra, tom de pele médio, com cabelos cacheados escuros, olhos castanhos.
Usa brincos grandes e redondos prateados, camisa estampada em verme-
lho, cabelos presos para cima com os cachos atrás de uma faixa de renda
de cor marrom claro. Ao fundo, parede na cor vermelha. Fim da descrição.

Pedagoga e audiodescritora. Trabalha com acessibilidade e


inclusão de pessoas com deficiência, principalmente autistas.
Presidenta da Associação Brasileira para Ação por Direitos das
Pessoas Autistas – Abraça.

335
Rosangela Machado
rosangelamachado865@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Rosângela


é branca, cabelos curtos pretos. Usa óculos com armação preta. Veste
blusa com desenhos geométricos na cor bege e preta. Ao fundo aparece
o encosto da cadeira nas cores preta com detalhes em branco, e parede
branca. Fim da descrição.

Pedagoga formada pela Universidade Federal de Santa


Catarina. Mestre e doutora em educação pela Universidade
Estadual de Campinas. Atuou como gestora em educação na
Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis e Ministé-
rio da Educação. Atuou como professora da Rede Municipal
de Ensino de Florianópolis/SC.

336
Rose Clér Estivalete Beche
rose.beche@udesc.br

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Rose Clér é


branca, cabelos longos, loiros, ondulados. Usa óculos com armação preta.
Veste blusa branca com listas pretas. Ao fundo, uma parede verde. Fim
da descrição.

Pedagoga e Mestre em Educação pela Universidade Federal


de Santa Catarina, Doutoranda do Programa de Pós-Gradu-
ação em Educação da FAED/Udesc. Atua como professora
adjunta no Centro de Educação a Distância da Udesc, nas
áreas de ensino, pesquisa e extensão; coordena o Núcleo de
Acessibilidade Educacional (NAE) da Udesc e é membro do
Laboratório de Educação Inclusiva (LEdI/Cead/Udesc).

337
Sabrina Mangrich
de Assunção
sabrina.m.a@hotmail.com

Descrição da imagem: Fotografia em preto e branco da cintura para cima.


Sabrina é branca, sorridente, com deficiência visual, olhos verdes. Cabe-
los castanhos lisos. Usa brincos em formato de triângulo. Veste vestido
preto com detalhe de argola na alça. Ao fundo, plantas. Fim da descrição.

Técnica em meio ambiente pelo Instituto Federal de Santa


Catarina (IFSC), graduada em Geografia (Bacharela e licen-
ciada) pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
mestranda em Geografia Pela Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC) com pesquisa em acessibilidade em áreas pro-
tegidas; pesquisadora do grupo de pesquisa Observatório de
Áreas protegidas (Observa/UFSC); Integra o Núcleo de Estudos
sobre Deficiência (NED/UFSC) e o Grupo de estudos do Labo-
ratório de Educação Inclusiva LEdI/Cead/Udesc; Estuda temas
relacionados a educação inclusiva, audiodescrição, acessibili-
dade, educação ambiental e biogeografia da conservação.

338
Simone De
Mamann Ferreira
simone.mamann@ufsc.br

Descrição da Imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Simone


é branca, cabelos loiros, lisos na altura dos ombros, olhos azuis. Veste
blusa colorida com várias estampas nas cores amarelo, vermelho, mar-
rom, laranja e branco. Usa colar preto fino. Ao fundo uma parede rosa
claro. Fim da descrição.

Professora de Educação Especial do Colégio de Aplicação da


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Doutoranda
em Psicologia Social (UFSC), Mestre em Educação (UFSC), Gra-
duada em Educação Especial pela Universidade Federal de
Santa Maria (UFSM), graduada em Pedagogia pela Faculdade
Educacional da Lapa (FAEL), especialização em Educação de
Surdos: Aspectos Culturais, Políticos e Pedagógicos (IFSC/SJ).
Colaboradora do projeto DUA/Coamar/UFSC. É pesquisadora
do Núcleo de Estudos sobre Deficiência (NED/UFSC) e partici-
pante do Grupo de Estudos do LEdI/Udesc.

339
Solange Cristina da Silva
solange.silva@udesc.br

Descrição da Imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Solange


é branca, olhos verdes, cabelos longos, lisos, brancos acinzentados. Usa
gargantilha preta. Veste blusa preta com bordado de flores em tons de
bege na lateral do ombro esquerdo. Ao fundo uma parede na cor branca.
Fim da descrição.

É professora do Centro de Educação a Distância (Cead) da


Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), coorde-
nadora do Laboratório de Educação Inclusiva – LEdI/Cead/
Udesc, membro do grupo de estudos do Laboratório de Edu-
cação Inclusiva (LEdI/ /Udesc) e do Núcleo de Estudos da
Deficiência – NED/UFSC. Graduada em psicologia (Unimep),
mestre em educação (UFSC) e doutora em psicologia (UFSC).

340
Thais Becker
Henriques Silveira
thaisbeckersilveira@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, está séria. Thais é


branca, olhos claros, cabelos ruivos, cacheados na altura dos ombros. Veste
jaqueta jeans sobre blusa azul. Ao fundo uma janela, no lado esquerdo
pequenos quadros em uma parede na cor bege. Fim da descrição.

Mestranda em Direito na Universidade de São Paulo. Gradu-


ada em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina.
Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa das Políticas Públi-
cas para Inclusão Social (GEPPIS/USP) e do Núcleo de Estudos
sobre Deficiência (NED/UFSC). Residente no Centro de Apoio
Operacional de Direitos Humanos do Ministério Público de
Santa Catarina. Membro especial na Comissão de Direito das
Pessoas com Deficiência da OAB/SC.

341
Valquiria Hillesheim Lamb
valquiriahillesheim@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Valquiria


é branca, cabelos castanhos escuros, olhos azuis. Veste blusa vermelha.
Está com a mão esquerda apoiando a cabeça. Ao fundo uma parede na
cor bege. Fim da descrição.

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Santa


Catarina, pós-graduada em Atendimento Educacional Espe-
cializado pela Universidade Federal do Ceará. Professora de
Educação Especial efetiva da Rede Municipal de Florianópolis
desde 2008. Atuou como Assessora Pedagógica na Gerência
de Educação Especial na Secretaria Municipal de Educação
de Florianópolis. Atua em Polo de Sala de Recurso Multifun-
cional de Educação Infantil NEIM Otília Cruz.

342
Vera Lucia Batista dos Santos
veralm3.vs@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Vera Lucia


é negra, cabelos lisos dispostos para o lado esquerdo do ombro. Veste
blusa de alça preta e brincos de argola. Ao fundo uma parede branca. Fim
da descrição.

Possui graduação em Serviço Social pela Universidade do


Oeste de Santa Catarina (2007), especialização em Gestão em
Saúde Pública pela Faculdades Itecne de Cascavel (2010) e
especialização em DIREITO Previdenciário e Gestão em Regi-
mes previdenciários pela faculdade Anasps de Brasília (2021).
É Assistente Social do Instituto Nacional do Seguro Social e
acadêmica de Letras Libras (UFSC). Tem experiência na área
de Serviço Social, com ênfase em Serviço Social Aplicado e
Gestão em Saúde, com ênfase no serviço público.

343
Viviane Oliveira
de Araújo da Silva
vivinhadasilvaa@gmail.com

Descrição da imagem: Fotografia colorida de rosto, sorridente. Viviane é


cega, branca, olhos e cabelos castanhos longos. Veste blusa branca de
gola alta. Ao fundo uma parede branca. Fim da descrição.

Assistente Técnico Pedagógico na Escola de Ensino Básico


Dom Jaime de Barros Câmara, da rede pública do Estado de
Santa Catarina – Florianópolis. Pedagoga com habilitação em
séries iniciais, pela Universidade do Estado de Santa Catarina
– Udesc; Habilitação em Educação Especial, pela Faculdade
São Judas Tadeu/PR; Pós-graduação em Psicopedagogia Ins-
titucional pela Universidade Castelo Branco – UCB/RJ. Integra
a coordenação pedagógica, atuando como Apoio Técnico/
pedagógico dos anos iniciais.

344
CARACTERIZAÇÃO DO LABORATÓRIO
DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA (LEDI)
E A EXTENSÃO

Descrição da imagem: Em um quadrado com fundo verde, centralizado,


há oito bonecos palito deitados dispostos em círculo, com os pés vol-
tados para dentro. Os bonecos possuem cabeça vermelha e o corpo
preto. Estão de braços e pernas abertas e suas pernas se cruzam com o
do lado, formando a imagem de uma estrela de seis pontas. No centro
da estrela há um círculo na cor vermelha. No lado direito, ocupando a
mesma dimensão da figura, está escrito em preto: LEdI - LABORATÓRIO
DE EDUCAÇÃO INCLUSIVA. Fim da descrição.

O Laboratório de Educação Inclusiva (LEdI) é um laboratório


institucional do Centro de Educação a Distância (CEAD) da
Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), o qual
tem início em 2001 atuando como projeto de extensão e vai
se fortalecendo até se institucionalizar enquanto órgão seto-
rial em 2013. Objetiva a divulgação e promoção das ações
inclusivas dentro e fora da Universidade, a ampliação de
conhecimentos referentes a inclusão social das pessoas com
deficiência, a proposição de ações pontuais no âmbito da
acessibilidade às pessoas com deficiência, bem como apoiar
a implementação de políticas de ação afirmativa, articulando
os três eixos norteadores das ações pedagógicas: pesquisa,
345
ensino e extensão. Ações estas, que são ofertadas aos aca-
dêmicos, profissionais da educação e comunidade em geral,
contribuindo na construção de uma sociedade anticapacitista
e inclusiva. Tendo como princípio o lema “Nada sobre nós
sem nós”, propõe ações em que as pessoas com deficiência
participem efetivamente e de forma coletiva com pessoas
sem deficiência, planejando e desenvolvendo diversas ações,
tais como o Grupo de Estudos do LEdI (fruto das ações de
Extensão: “Diálogos Formativos Estudos da Deficiência e suas
intersecções” e “Estudos da Deficiência na Educação”) que
resultou nessa publicação.

346

Para que esta obra seja o mais inclusiva pos-


sível, seu projeto gráfico foi acompanhado
pelos participantes do grupo de pesquisa
Ledi e seguiu as orientações para design
editorial acessível recomendadas pela Bri-
tish Dyslexia Association e pela Association of
Registered Graphic Designers of Ontario.
Este livro é uma potência viva porque reflete experiências,
sonhos e perspectivas de pesquisadores/as com e sem defi-
ciência no bojo do Grupo de Estudos do Laboratório de
Educação Inclusiva da Universidade do Estado de Santa
Catarina (LEdI/Udesc), o que explicita os efeitos do compro-
misso brasileiro com a democratização da Educação desde
a Constituição de 1988, fortalecido com a Política Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
de 2008. Esta construção coletiva foi uma forma de evitar o
esmaecimento diante de reiterados ataques aos direitos
das pessoas com deficiência, especialmente, à educação
inclusiva, além da execução de um projeto de morte no
Brasil. A escrita se ancora no campo dos Estudos da Defici-
ência, com foco nos Estudos Feministas da Deficiência e
nos Estudos da Deficiência na Educação, cuja missão é
denunciar a opressão e anunciar as possibilidades de cons-
truir um mundo justo e igualitário, o que perpassa pela
defesa intransigente da Educação Inclusiva, laica, pública,
gratuita e popularmente referenciada, em todos os níveis
de ensino. O livro convida as/os leitoras/es ao compromisso
com a emancipação de todas as pessoas e com o enfrenta-
mento de todas as formas de opressão que aprisionam e
condicionam pelos padrões de corponormatividade, afinal,
a deficiência é afeta a todos os seres humanos.

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