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Administrativa (RECADM)
PEDAGOGIA CRÍTICA:
repensando o ensino de estudos
RECADM - Revista Eletrônica de Ciência Administrativa / Faculdade Cenecista de Campo Largo, Paraná, Brasil.
organizacionais
RESUMO ABSTRACT
Este trabalho consiste em um estudo de cunho teórico This paper consists in a theoretical study about the use of
que reflete sobre a adoção da pedagogia crítica no critical pedagogy in organization studies education. We
ensino dos Estudos Organizacionais. Ao discorrermos intent to contribute with the studies about Paulo Freire’s
sobre esta temática, objetivamos acrescentar à theory on critical education, pointing out its importance to
discussão o olhar de Paulo Freire sobre a educação, the phenomenon analyzed. When discussing Freire’s
ressaltando sua importância em relação ao fenômeno em theory we will present some theoretical influences, such
questão. Ao abordarmos a proposta de pedagogia as Critical Theory of Frankfurt School. It will be discussed
libertadora deste autor, faremos referência às bases da elements of critical pedagogy like the relationship
teoria crítica, destacando os teóricos da escola de between teacher and student, pointing out for its political
Frankfurt, eixo fundamental dessa abordagem. Em suma, relevance and the importance of critical conscience.
destacaremos as idéias de Paulo Freire que abordam Through these reflections we intend to contribute to the
sobre a relação educadores e educandos, atentando organization studies education, collaborating for its praxis
para a importância da ação transformadora, engajamento and epistemological enrichment.
político libertador e consciência crítica. Através das
reflexões sobre a educação baseada em uma pedagogia
crítica, buscamos contribuir para o ensino de Estudos
Organizacionais, agregando diversidade teórica à área, o
que possibilita o enriquecimento para a discussão da
práxis.
Palavras-Chave Keywords
Pedagogia Crítica, Paulo Freire, Ensino e Pesquisa em Critical Pedagogy, Paulo Freire, Education and Research
Administração. in Business.
de ensino superior que passariam a oferecer o 1960 com a expansão do ensino superior. Em 1954
curso no país. o Brasil contava apenas com dois cursos de
administração em 1967 já eram 31, saltando para
Para Couvre (1991) o ensino de Administração
177 no ano de 1973, 244 em 1978 e 454 em 1995
está relacionado ao processo de desenvolvimento
conforme dados apresentados por Wood Jr (2002).
do país e salienta que a criação de cursos de
A tabela 1 mostra a evolução dos cursos e
administração intensificou-se após a década de
concluintes dos cursos de administração no Brasil.
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Quadro 1 - A evolução dos cursos de administração no Brasil.
1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003
Cursos de administração 503 461 549 776 793 1.009 1.211 1.346
Concluintes dos cursos de administração 29.015 31.630 34.025 31.549 38.721 50.414 59.490 31.549
Fonte: Brasil, 2007.
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Adorno e Horkheimer. Ela reflete, dentre outras reflexividade sobre o conhecimento. Segundo ele, o
questões, o fenômeno da indústria cultural nas que se observa em geral na academia é uma
sociedades modernas, em destaque para os reprodução de conhecimentos, que são
Estados Unidos. O estudo das manifestações transmitidos como verdades absolutas.
culturais é preconizado, em especial por Adorno, (BRONNER, 1997).
por possibilitar a compreensão de formas de
Os pontos brevemente traçados esboçam, de
legitimação da dominação burguesa e alienação do
forma sucinta, alguns pontos referentes à evolução
sujeito. Nesse sentido insere-se a cultura de massa
da Escola de Frankfurt, eixo da teoria crítica, seus
e sua característica alienadora, outorgando do
pensadores e idéias. O entendimento das bases
sujeito suas possibilidades de ação e reflexão
filosóficas e contexto na qual originou-se a Escola
acerca das injustiças do mundo. Na indústria
de Frankfurt é importante e complementar à leitura
cultural a arte como bem de consumo perde sua
seguinte.
capacidade de engajamento e contestação,
inundando o pensamento do sujeito, desengajando-
os de sua própria arte, como que obstruindo suas
4 Pedagogia Crítica: Com a Palavra Paulo
formas de emancipação.
Freire
A nova produção cultural tem a função de ocupar o
espaço do lazer que resta ao operário e ao trabalhador Paulo Freire é um teórico que não pode deixar
assalariado depois de um longo dia de trabalho, a fim de ser mencionado quando tratamos do tema da
de recompor suas forças para voltar a trabalhar no dia
seguinte, sem lhe dar tréguas para pensar sobre a
pedagogia crítica. Sua importante contribuição
realidade miserável em que vive. (FREITAG, 2004, p. intelectual põe um fim na antiga discussão acerca
72). do papel social do intelectual. Freire é considerado
Além dos autores já citados, há que se citar um dos principais teóricos de educação no mundo,
também os expoentes contemporâneos da Escola havendo centros de estudo e museus dedicados à
como Alfred Schmidt, Jürgen Habermas, Ludwig obra deste pensador. Ele foi homenageado com um
von Friedeburg, Rolf Tiedemann, dentre outros. programa de rádio intitulado Paulo Freire: o
(FREITAG, 2004). andarilho da utopia (1997). Este programa,
promovido pela rádio Nederland, uma rádio
Sobre os conteúdos temas de discussão da Holandesa, em parceria com o Instituto Paulo
Escola de Frankfurt destaca-se também a dialética Freire, com a CRIAR (Assessoria de Comunicação
da razão iluminista. Nesta faceta de discussão, de São Paulo) e com o apoio da Universidade de
Horkheimer questiona sobre o saber oriundo do São Paulo, procurou difundir a obra de Freire para
iluminismo, afirmando que a razão como colocada todos os estados brasileiros, principalmente para
inicialmente por Kant, como instrumento para que o aqueles que ainda não eram alfabetizados
homem alcançasse sua autonomia, havia se (BIBLIVIRT, 2007). Suas reflexões acerca da
desviado, não sendo mais emancipatória, e sim pedagogia crítica inspiram muitos dos pensadores
conduzindo à técnica e às ciências modernas atuais e, por este motivo, consideramos
ditatoriais, causando alienação decorrente do fundamental o resgate de seus pensamentos, que
positivismo estereotipado. Nesse contexto situa-se se propõe à reflexão das possibilidades de
a discussão entre teoria tradicional e teoria crítica, formação crítica nos cursos de graduação em
sendo a primeira preocupada em formular leis Administração.
universais que serão encaixadas num sistema
teórico montado a priori ou a posteriori, e a Refletir sobre a proposta pedagógica de Paulo
segunda marcada pela atenção em perceber os Freire significa atentar para o compromisso do
indivíduos, fenômenos e sociedade inseridos em profissional da educação com a sociedade,
uma dimensão histórica, sendo marcada nessa “compromisso com o mundo que deve ser
abordagem a busca pela emancipação. Ressalta-se humanizado para a humanização dos homens,
ainda o debate entre Popper e Adorno, em relação responsabilidade com estes, com a história”
ao positivismo e a dialética, sendo presente na (FREIRE, 1979, p. 18). Para Freire, qualquer
última a crítica constante, a reflexividade e a profissional, antes de ser profissional, é homem,
contestação a respostas definitivas, o que homem inserido em um contexto histórico-social, ou
caracteriza Adorno como o princípio da seja, deve ser comprometido por si mesmo. É
negatividade. (FREITAG, 2004). através desse compromisso social que Freire vai
desenrolando suas idéias a respeito de uma
Outro autor que se destaca dentre os teóricos pedagogia crítica, também conhecida por
da Escola de Frankfurt é Marcuse. Um ponto pedagogia libertadora.
fundamental de sua crítica refere-se à questão da
É esperançosa e possui em sua forma de ação um que nunca irão possuí-lo) alguma fatia de seu
caráter utópico. Utopia que Paulo Freire caracteriza conhecimento. Para Freire, consciência é teoria na
como “unidade inquebrável entre a denúncia e o prática, é um “quefazer” político, que não reduz o
anúncio. Denúncia de uma realidade ser humano “ao seu devido lugar”. Ao contrário, cria
desumanizante e anúncio de uma realidade em que bases para que cada pessoa resgate o significado
os homens possam ser mais”. (FREIRE, 2005, p. de sua condição social e econômica e se
84). Para Freire esta utopia não é uma palavra transforme com vistas a uma ação coletiva de
vazia, mas sim um compromisso histórico. transformação social.
Para a educação problematizadora, enquanto um A citação abaixo ilustra claramente a
quefazer humanista e libertador, o importante está em
que os homens submetidos à dominação lutem por
perspectiva de Freire sobre o que é
sua emancipação. Por isto é que esta educação, em conscientização, conforme relato de Gadotti (1987,
que educadores e educandos se fazem sujeitos do p. 33):
seu processo, superando o intelectualismo alienante,
superando o autoritarismo do educador ‘bancário’, A análise ideológica da educação dominante,
supera também a falsa consciência de mundo. denunciando sua pseudocentralidade e astúcia (...)
(FREIRE, 2005, p. 86). contrapõe a teoria ao verbalismo e a ação ao ativismo.
(...) procura desmistificar o conceito de
A passagem abaixo ilustra a perspectiva ‘conscientização’ no sentido empregado pela ideologia
humanista de Freire (1997, p. x) acerca da dominante. ‘conscientização é entendida como
consciência de e ação sobre e realidade e não como
capacidade dos sujeitos de modificarem suas tomada de consciência. A conscientização realiza-se
histórias: na práxis e não na teoria’.
À medida que compreendo a história como Na perspectiva freireana, mudança social não
possibilidade, eu reconheço:
pode ser entendida de forma simplista, fazendo-se
Que a subjetividade tem que desempenhar um a mudança primeiro das consciências, como se
papel importante no processo de transformação.
fossem elas, de fato, as transformadoras do real.
Que a educação torna-se relevante à medida que Mudança social é um processo histórico em que a
este papel da subjetividade é compreendido como subjetividade e objetividade se prendem
tarefa histórica e política necessária.
dialeticamente. “Já não há como absolutizar nem
Que a educação perde o significado se não for uma nem outra” (FREIRE, 2005, p. 21).
compreendida – como o são todas as práticas –
como estando sujeita a limitações. Se a educação A educação, no sentido freireano, é
pudesse fazer tudo não haveria motivo para falar
de suas limitações. Se a educação não pudesse
fundamentalmente um ato político. Por isso
fazer coisa alguma, ainda não haveria motivo para entende-se que:
conversar sobre suas limitações.
Tanto no caso do processo educativo quanto no do ato
A estreita vinculação teórica entre o político, uma das questões fundamentais seja a
clareza em torno de a favor de quem e do quê,
pensamento de Freire e os teóricos de primeira portanto contra quem e contra o quê, fazemos a
geração da Escola de Frankfurt fica clara em sua educação e de a favor de quem e do quê, portanto
preocupação sobre o crescimento exacerbado da contra que e contra o quê, desenvolvemos a atividade
política. Quanto mais ganhamos esta clareza através
racionalidade instrumental, que suprime a da prática, tanto mais percebemos a impossibilidade
substantiva, relegando-a para o plano da de separar o inseparável: a educação da política.
subjetividade e da utopia (entendida como Entendemos, então, facilmente, não ser possível
pensar, sequer, a educação, sem que se esteja atento
fantasia). à questão do poder. (FREIRE, 2005, p. 11).
[Freire] Denuncia a visão de mundo tecnicista,
economicista e mecanicista que está presente nas O que se busca, portanto, é o desenvolvimento
reformas sociais e educacionais. (...) Critica o falso de uma consciência crítica, obtida através da
dilema entre humanismo e técnica: uma educação que construção de relações dialógicas entre educador e
se oponha à capacitação técnica dos indivíduos é tão
ineficiente como a que se reduz à competência técnica educando para uma “prática concreta de libertação
sem uma formação geral humanista. (GADOTTI, 1987, e construção da história” (FREIRE, 2005, prefácio).
p. 33). Para Freire (2005), a educação crítica nasce da
Paulo Freire sempre desenvolveu sua teoria crença de que um outro mundo é possível e que a
pedagógica com vistas à mudança social. Para ele, educação não deve ser resultado de um processo
a consciência sem ação não era consciência crítica, de ajuste do sujeito à realidade presente, pelo
era verbalismo, ato autoritário de doação da contrário, deve formá-lo para que compreenda o
palavra culta do dominado para o dominante. Esta contexto sócio-político em que vive e vislumbre
prática guarda, na opinião do pensador, uma alternativas menos feias, menos malvadas e menos
herança autoritária, em que o que sabe (aquele que desumanas de vida em comunidade.
detém o capital cultural) impõe ao que não sabe (os
técnica se esquece também dos fins sociais, morais conhecimentos ideológicos, ela constitui um
e políticos da ação profissional. conjunto de instituições fundamentais para a
produção do conhecimento (APPLE, 1989).
De acordo com Schön (2000), os profissionais
devem ir além das regras e teorias. “A Diante do exposto, é importante refletir para que
racionalidade técnica, a epistemologia da prática as abordagens ao ensino de Estudos
predominante nas faculdades, ameaça a Organizacionais não se insiram nas lógicas que
competência profissional, na forma de aplicação do regulam a sociedade capitalista, marcada pela
conhecimento privilegiado a problemas busca constante do lucro, estabelecida pelas forças
instrumentais da prática.” (SCHÖN, 2000, p. vii). de oferta e procura. Tal lógica, que vem se
Para este autor os profissionais devem possuir um massificando de forma assustadora no contexto
conhecimento implícito, que os possibilite educacional, sobrepõe-se, muitas vezes, aos
responder a situações que extrapolam o saber propósitos da própria educação esclarecedora. A
sistemático da técnica racional. O autor alerta para Escola mais do que qualquer outra instituição
a responsabilidade do educador em incutir nos social, é aquela que fabrica a sociedade do futuro,
alunos tais conhecimentos. sendo iniciadora da mudança social (LIPMAN,
A crise de confiança no conhecimento profissional 1995). Dessa forma, despertando para o
corresponde a uma crise semelhante na educação compromisso social da educação, é fundamental a
profissional. Se as profissões especializadas são preocupação com o ensino nos Estudos
acusadas de ineficácia e inadequação, suas Escolas
são acusadas de não conseguir ensinar os rudimentos
Organizacionais, suas práticas e compromissos
da prática ética e efetiva (SCHÖN, 2000, p. 18) com a sociedade.
Desta forma, resgatamos a base teórica da Nesta perspectiva, este trabalho busca
educação crítica buscando demonstrar que ela contribuir trazendo para a pauta de estudos o olhar
sintetiza as diversas lutas contra a naturalização da de Paulo Freire sobre a educação, agregando
vida social. Sua possibilidade reside no interior da assim diversidade teórica e a possibilidade do
mesma política conservadora e reacionária atual, enriquecimento para a discussão da práxis. No
dada sua natureza contraditória. entanto, a transposição de campo teórico, da
Educação para os Estudos Organizacionais, não é
A mudança de perspectiva pedagógica da visão tarefa tão simples. Tal afirmativa justifica-se no
tradicional para a crítica, porém, não se dar de ideário da própria Administração. Dessa forma,
maneira espontânea, por isso Gadotti (1987, p. como abordar a educação transformadora num
121) defende a pedagogia do conflito, que campo que prima pela manutenção da ordem
evidencia “as contradições em vez de camuflá-las, vigente? Como buscar, segundo a perspectiva
com paciência revolucionária, consciente do que, freiriana, a emancipação de sujeitos opressores, ou
historicamente, é possível fazer”. ainda, de indivíduos oprimidos, que buscam na
A intenção emancipatória, contida no projeto da Administração instrumentos para a opressão?
educação crítica, combina teoria e prática com a Nesse processo de tomada de consciência
finalidade de libertar o indivíduo e grupos sociais crítica, acreditamos ser fundamental o papel do
das forças subjetivas que os ligam às formas de educador. À medida que este amplia sua visão do
opressão e exploração (GIROUX, 1997). estudo administrativo para além de um processo de
Compreende, portanto, o desmantelamento das ajustamento com fins performáticos e produtivos, é
formas de falsa identificação proposta pelas possível se vislumbrar caminhos a serem trilhados.
classes dominantes entre os valores universais e Está aberto o debate.
os condicionamentos sociais particularistas por trás
de instâncias como progresso, modernidade e
verdade. Em outras palavras, “o indivíduo só se Referências
emancipa quando se liberta do imediatismo das
relações que de maneira alguma são naturais, mas ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação.
constituem meramente resíduos de um Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
desenvolvimento histórico já superado, de um ALCADIPANI, R.; BRESLER, R. MacDonaldização
morto que nem ao menos sabe de si mesmo que do ensino. Carta Capital, 10 maio, p. 20-24, 2000.
está morto” (ADORNO, 2003, p. 68).
APPLE, Michael. Educação e Poder. Porto Alegre:
Analisar a educação sob a perspectiva crítica Artes Médicas, 1989.
significa interpretá-la em suas contradições de
reprodução e produção do conhecimento, pois, da BIBLIVIRT. Paulo Freire: o andarilho da utopia.
2007. Disponível em:
mesma forma que a Escola distribui valores e