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O lugar da afectividade na Relação Pedagógica: Contributos para a Formação


de Professores

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João Amado Isabel P. Freire


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Maria João André


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O lugar da afectividade na Relação Pedagógica.


Contributos para a Formação de Professores

João Amado
joaoamado@fpce.uc.pt
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

Isabel Freire
isabel@fpce.ul.pt
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa

Elsa Carvalho
elsa.carvalho@netvisao.pt
Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos do Cadaval

Maria João André


mariajoao.andre@sapo.pt
Escola Básica dos 2º e 3º Ciclos de Pataias

Resumo:
Depois de analisarmos algumas linhas de investigação sobre a dimensão afectiva da re‑
lação pedagógica, apresentamos os principais resultados de duas investigações recentes,
conduzidas em escolas portuguesas, a partir das perspectivas de alunos do 2º e do 3º ciclos
do ensino básico (Carvalho, 2007; André, 2007). A primeira, entre outras metodologias,
recorre à análise de narrativas dos alunos para pôr em evidência a sua (in)satisfação face
à qualidade da relação com os professores. A segunda, parte da análise de dados recolhi‑
dos através de entrevistas e da aplicação da sub­‑escala Relacionamento com Professores do
Questionário da Vivência Académica (QVA) (Almeida et al., 2002), pondo em evidência
as qualidades apreciadas nos professores, mormente as do domínio relacional, em função
da idade e do género dos alunos e retirando algumas implicações para a formação de pro‑
fessores.

Palavras­‑chave:
Relação Pedagógica, Afectividade, Perspectivas dos alunos.

Amado, João; Freire, I.; Carvalho, Elsa & André, Maria João (2009). O lugar da afectividade na Re‑
lação Pedagógica. Contributos para a Formação de Professores. Sísifo. Revista de Ciências da Edu-
cação, 08, pp. 75-86
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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INTRODUÇÃO saber observar e analisar as situações educativas,
através da aplicação de técnicas e instrumentos de
Apesar do investimento generalizado na formação pesquisa, e da capacidade de “olhar” a informação
de professores, continuam a sentir­‑se dificuldades à luz de uma multirreferencialidade teórica que lhe
no domínio da relação pedagógica. Tem sido dado facilite bons diagnósticos e respostas adequadas aos
pouco espaço a esta dimensão da actividade docen‑ diferentes contextos.
te, quer na formação inicial quer nas modalidades Cabe à investigação construir conhecimento
de formação contínua. Particularmente na primei‑ acerca desta realidade, fornecendo os quadros de
ra, a problemática da relação pedagógica é aborda‑ referência e as orientações metodológicas que en‑
da (quando o é) de forma dispersa, assistemática e quadrem esta dimensão da formação profissional
pouco fundamentada. Todavia, quando se analisam dos professores e da sua praxis. O presente texto
as necessidades de formação dos professores ou se decorre, pois, da nossa convicção de que, para além
estudam os efeitos do primeiro choque com a reali‑ de outras dimensões da relação pedagógica se torna
dade, verifica­‑se que este é um domínio relevante e necessário produzir conhecimento em torno da re‑
referenciado. Sabemos, ainda, que existe um núme‑ levante dimensão afectiva das vidas dos professores,
ro substancial de professores que, ao longo da car‑ dos alunos e da interacção entre ambos.
reira, não consegue superar dificuldades no campo
relacional, o que se reflecte negativamente no su‑ O modelo de relação pedagógica dominante nos
cesso dos alunos, no bem­‑estar e na realização pro‑ tempos modernos “abafou”, durante muito tempo,
fissional dos próprios, como os estudos o têm evi‑ a expressão da afectividade, uma vez que o ideal de
denciado. Se é certo que a actual conjuntura sócio­ relação assentava na transmissão do saber e no dis‑
‑económica e cultural desafia a formação docente tanciamento entre o mestre e o aluno. A par dessa
no sentido de dar respostas inovadoras em campos realidade, e apesar do impacto lento e progressivo
como, por exemplo, do desenvolvimento curricular de outros modelos pedagógicos que salientam o pa‑
ou da tecnologia da comunicação e da informação, pel da afectividade e da sua expressão na relação pe‑
também não podemos ignorar que a dimensão rela‑ dagógica, a investigação não tem dado uma atenção
cional é um verdadeiro ultimatum à criatividade, à particular ao seu estudo.
capacidade de auto­‑controlo e de auto­‑afirmação e, Neste artigo, depois de clarificarmos alguns dos
concomitantemente, à capacidade de descentração conceitos fulcrais para a análise do tema, ensaiare‑
e de trabalho em equipa dos docentes. A par destas mos uma revisão da investigação e dos modelos pe‑
capacidades e competências de âmbito pessoal e so‑ dagógicos que têm contribuído para a compreensão
cial, o professor precisa de estar “apetrechado” para da mesma. Focaremos sobretudo a relação pedagó‑

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gica em sentido restrito, designadamente nas inte‑ respeito pela lei e pela regra, mas com desvelo e o
racções entre aluno­‑professor e entre alunos. Numa reconhecimento do outro (Amado, 2000).
segunda parte apresentaremos resultados de duas O conceito de afectividade é polissémico. A
investigações realizadas junto de alunos do ensino consulta de dicionários aponta para sentimentos de
básico acerca da sua percepção do relacionamento apego e de ternura, relação de cuidado e de ajuda
com os docentes. e, ainda, empatia, amizade, afecto, amor e carinho.
Espinosa (2003), na esteira de outros autores (Mar‑
tin & Briggs, 1986), propõe uma análise da afectivi‑
LINHAS DE ESTUDO dade em cinco componentes: motivação, confiança
DA AFECTIVIDADE em si, atitudes, emoções e atribuição causal. Estas
NA RELAÇÃO PEDAGÓGICA cinco componentes jogam “um papel de grande im‑
portância na aprendizagem e no ensino” (Espinosa,
Concebemos a relação pedagógica como uma das 2003, p. 37). A investigação sobre o tema vai acen‑
concretizações da relação educativa. Esta ocorre tuado, conforme os pressupostos dos seus autores,
sempre que “se estabelece uma relação entre pelo este ou aquele domínio e, até, acrescentando outros,
menos dois seres humanos, em que um deles procu‑ como crenças, sentimentos, interesses, valores, etc.,
ra, de modo mais ou menos sistemático e intencio‑ o que traduz a complexidade e amplitude do ob‑
nal e nas mais diversas circunstâncias, transmitir ao jecto de estudo em causa. A nossa abordagem não
outro determinados conteúdos culturais (educar), conseguirá libertar­‑se destas ambiguidades; contu‑
desde os mais necessários à sobrevivência a ou‑ do, privilegiaremos os sentidos que apontam para
tros que podem ser da ordem da fruição gratuita” atitudes de respeito, de empatia, de abertura ao ou‑
(Amado, 2005, p. 11). Já a relação pedagógica, no seu tro, e que se prendem com sentimentos (bem­‑estar
sentido mais restrito, consiste no “contacto inter‑ subjectivo) e emoções (alegria, satisfação, confiança,
pessoal” que se estabelece, num espaço e num tem‑ sentimento de si), decorrentes de situações e con‑
po delimitados, no decurso do “acto pedagógico” textos de interacção pedagógica em que aquelas ati‑
(portanto, num processo de ensino­‑aprendizagem), tudes prevalecem.
entre professor­‑aluno­‑turma (agentes bem determi‑ A discussão sobre o papel da afectividade na
nados) (Estrela, 2002, p. 36). Quer a qualidade des‑ educação vem de tão longe como a própria discus‑
ses contactos, quer os seus resultados dependem são das relações entre pensamento e sentimento,
de múltiplos factores, de entre os quais a pessoa razão e emoção, mente e coração. Segundo Dewey
do professor e a pessoa do aluno são determinan‑ (2004 [1916]), os grandes problemas da educação
tes, envolvendo a subjectividade, as interpretações provinham da ausência de uma ideia de continuida‑
(individuais e partilhadas) em torno das situações e de entre a razão e o corpo, a pessoa e a sociedade, a
vivências da aula e da escola, os trajectos de vida e pessoa e a natureza; e Montessori (1969) considera
os projectos pessoais. que o grande problema da educação tradicional está
É esta combinação de subjectividades que torna no fosso que ela manteve entre a criança e o adulto,
fundamental a exigência de uma ética que mantenha este pretendendo a todo o custo sujeitar aquela. Em
o professor alerta para a sua responsabilidade como geral, todo o pensamento pedagógico reformador
“mediador” na construção do “itinerário” do aluno, do Século XX, independentemente das diferenças
enquanto autoridade nos planos cognitivo, moral e conceptuais e processuais de cada corrente, propu‑
afectivo. Uma responsabilidade que se alarga para nha a ligação e a interdependência funcional entre
além da construção de cada rumo particular e que as capacidades intelectuais, emocionais, sociais e
atinge a sociedade e o futuro. Tal como se espera manuais, em nome do desenvolvimento integral e
que ele diga a verdade (lógica, científica e moral), da autonomia da criança.
também se espera que ele tenha comportamentos A investigação vem mostrando que é pela afec‑
e atitudes “que relevam dos seus valores cívicos, tividade que o indivíduo tem acesso aos sistemas
éticos e morais” (Sêco, 1997, p. 73) e, consequen‑ simbólico­‑culturais “originando a actividade cog‑
temente, interaja com justiça, não se limitando ao nitiva e possibilitando o seu avanço, pois são os

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desejos, intenções e motivos que vão mobilizar a êxito escolar depende tanto dos aspectos intelectu‑
criança na selecção de actividades e objectos” (Lei‑ ais como dos afectivos” (Neves & Carvalho, 2006,
te & Tagliaferro, 2005, p. 50). Processos cogniti‑ p. 202). Dito de outro modo, se as aprendizagens
vos e afectivos interrelacionam­‑se e influenciam­‑se escolares dependem de um conjunto de exigências
mutuamente. Essa linha de investigação está forte‑ de ordem técnica, assentes num “saber fazer” que
mente apoiada nos trabalhos de Wallon (1968) e de o avanço nos conhecimentos e novas tecnologias
Vygotsky (1998). Uma das ideias centrais do pensa‑ garante e exige, não podem deixar de assentar, por
mento de Vygotsky, contida no conceito de zona de outro lado, num conjunto de características afecti‑
desenvolvimento proximal, é a de que relações con‑ vas identificáveis que faça com que os conteúdos to-
cretas entre pessoas estão associadas ao desenvol‑ quem a pessoa do aluno e activem “os mecanismos
vimento das funções superiores, tornando­‑se assim cognitivos para trabalhar a informação e para que
fundamentais as atitudes de ajuda e apoio exercidas a aprendizagem significativa se efectue” (Gonçalves
pelo professor. Também as recentes investigações & Alarcão, 2004, p. 6).
no campo das neurociências vêm demonstrando Torna­‑se, pois, fundamental analisar a questão
que sentimentos e consciência não são estranhos e da afectividade em sala de aula, o que “significa ana‑
separados; sentimentos e emoções têm um forte im‑ lisar as condições concretas pelas quais se estabele‑
pacto na mente, podendo dizer­‑se que constituem cem os vínculos entre o sujeito (aluno) e o objecto
as raízes da consciência (Damásio, 2000). Estudos (conteúdos escolares)” (Leite, 2006, p. 25), tendo
deste domínio sugerem, ainda, que “o cérebro hu‑ em conta a interacção e as condições de ensino
mano precisa de um certo desafio para activar emo‑ propostas pelo professor. Para operacionalizar essa
ções e aprendizagem”, e que “um ambiente físico análise há que verificar o modo como as interac‑
seguro é particularmente importante na redução de ções são produzidas e interpretadas no íntimo dos
níveis exagerados de stress”, nocivos ao bem­‑estar sujeitos implicados nelas. Sendo assim, o lugar da
e à aprendizagem (Muijs & Reynolds, 2005, p. 25). afectividade na relação pedagógica é uma questão
Parece, pois, haver uma forte relação entre as apren‑ que tem de ser perspectivada e analisada segundo
dizagens dos alunos e: diversos ângulos.
Analisar a questão na perspectiva da relação do
· a qualidade das relações educador­‑criança, professor para com os alunos, implica dar conta do
nomeadamente a segurança e o conforto modo como estes percebem a acção daquele no
emocional, em fases precoces da escolarida‑ domínio do respeito (incluindo a capacidade de os
de (Pianta et al., 1995, p. 296); escutar), no plano da competência (preocupação
· o apoio social (tradução de social support¹) pelas aprendizagens efectivas de cada um), no plano
que obtêm por parte dos educadores (Hu‑ da justiça relacional e da gestão dos poderes (au‑
ghes et al., 1997); sência de favoritismos, ausência de exclusão, parti‑
· o ethos de escola onde se cultive a proximida‑ lha de decisões e de iniciativas), e no plano pessoal
de nas relações humanas, em articulação com (abertura aos interesses e problemas do aluno, cui‑
a autoridade dos adultos (Freire, 2001). dado e preocupação, valorização da sua liberdade e
sentimentos, etc.).
Estas conclusões vieram reforçar a ideia já defendi‑ Neste campo, entre as conclusões evidenciadas
da pelos pedagogos da Escola Nova, de um indis‑ pela investigação, salientamos as que demonstram
pensável investimento nas condições do ensino, que, quanto mais os alunos percepcionam a ausên‑
incluindo condições afectivas favoráveis, para que cia de favoritismo e a neutralidade por parte dos
se verifique a aprendizagem de conteúdos a par de professores, mais confiam neles e lhes atribuem um
uma educação integral do aluno, contemplando estatuto de autoridade (Gouveia­‑Pereira, 2008).
conhecimentos, emoções, valores e atitudes. Es‑ Amado (2001, p. 402) chama a atenção para o fenó‑
sas aprendizagens tornam­‑se facilitadas “quando meno da reciprocidade de sentimentos e de com‑
o indivíduo trabalha com prazer e quando os seus portamentos que “se traduz numa relação directa
esforços são coroados de êxito. Isto significa que o entre a ‘simpatia’ do professor e a adesão afectiva e

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comportamental do aluno”, numa espécie de “cau- dentro da aula, quer no que respeita à es-
salidade circular entre a simpatia, o respeito mútuo trutura das actividades curriculares (alguns
e os comportamentos ajustados”. São também clás‑ conteúdos em opção, métodos de ensino e
sicos os estudos que revelam diferenças acentuadas aprendizagem, processos e momentos de
na interpretação e valorização das acções docentes avaliação, etc.), quer no que respeita à estru-
em função da idade, do nível de escolaridade e do tura das relações sociais (definição de regras,
sexo dos alunos (Gilly et al., 1975; Leite & Tassoni, debate sobre o seu incumprimento, decisões
2002). A este propósito Amado (2001, p. 404) veri‑ quanto à penalização das infracções, etc.);
ficou que, na fase da adolescência, o aluno, quando · não marginalizam, não estigmatizam, não ri‑
o professor ultrapassa certos limites nas manifesta‑ dicularizam nem excluem ninguém da ajuda
ções verbais de carinho e afecto para com ele e a tur‑ que prestam, chegando ao ponto de a indivi‑
ma, interpreta essas manifestações como uma estra- dualizar quando necessário e possível.
tégia de sedução, utilizada para “exercer um controlo
que aos seus olhos não é legítimo, constituindo uma Num estudo sobre uma experiência de gestão perso-
espécie de violência (ainda que simbólica) inaceitá‑ nalizada do currículo, em que se observou grande
vel”. Tudo aponta para o facto de que, nestas ida‑ parte dos comportamentos docentes acima especifi‑
des, “a simpatia do professor não se demonstra por cados, Gonçalves e Alarcão (2004, p. 12) concluem:
uma dimensão afectiva, mas por uma competência “definir critérios de escolha a nível individual é pos‑
de ordem técnica, a capacidade de fazer participar o sibilitar uma ligação afectiva ao que se escolhe, logo,
aluno na aula” (Amado, 2001, p. 404). chamar o aluno a decidir é chamá­‑lo a reflectir, a as‑
A dimensão afectiva na gestão do currículo está sumir responsabilidade pela sua decisão, ligando­‑se
associada a categorias do comportamento verbal e afectivamente a ela”.
não verbal do professor; falamos de posturas não Acresce a todos estes aspecto da ordem do “sa‑
verbais, tais como a proximidade (deslocações do ber fazer” e do profissionalismo, a esfera das carac‑
professor para junto dos alunos numa atitude de terísticas pessoais do professor, em que sobressaem
ajuda) e a receptividade (traduzida no esforço por a disponibilidade (capacidade de ouvir e entender
olhar e ouvir o aluno). Já as categorias da comuni‑ sem deixar de ser crítico), a aproximação amistosa e
cação verbal do professor, positivamente avaliadas, respeitosa (por exemplo, cumprimentar e falar com
são múltiplas, salientando­‑se verbalizações de in- o aluno em contextos exteriores à escola e à aula) e,
centivo, ajuda, feedback e elogio. Trata­‑se de com- muito especialmente, a capacidade de criar um cli-
portamentos docentes que, segundo uma síntese ma de bem­‑estar e de humor (onde o aluno se possa
apoiada em diversos autores (Amado, 2001; Freire, rir e, ao mesmo tempo, sinta incentivo para traba‑
1990, 2001; Gonçalves & Alarcão, 2004; Leite & Ta‑ lhar). A exigência de que o professor seja capaz de
gliaferro, 2005; Leite & Tassoni, 2002): temperar a severidade com humor é reconhecida
desde há muito (Dubberley, 1995). Segundo Amado
· encorajam os alunos no desempenho das (2001, p. 345) os alunos, conhecendo bem os seus
tarefas, manifestando expectativas positivas professores, elaboram uma espécie de tipologia que
acerca das suas possibilidades; lhes permite regular os próprios comportamentos
· ajudam e colaboram na compreensão de con‑ face ao estilo que naqueles predomina: “há, assim,
teúdos (repetindo, fazendo esforço por se‑ a este respeito pelo menos três tipos de professo‑
rem claros), na resolução de problemas, no res: aqueles com quem se pode brincar e abusar e não
desempenho de tarefa; dizem nada; aqueles com quem se brinca mas não se
· promovem uma avaliação humanizada (e, por pode abusar; aqueles com quem nunca se pode brin-
isso, “justa”), respeitando as capacidades e car”.
características do aluno, levando­‑o a parti‑ Outro aspecto relacionado com a gestão das in‑
cipar activamente no processo, a reflectir e a teracções respeita ao exercício do controlo discipli‑
aprender a partir dos seus próprios erros; nar. O modo como o professor exerce esse controlo
· implicam os alunos nas decisões e escolhas é determinante para o (in)sucesso da relação peda‑

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gógica. A investigação (Estrela, 2002; Richmond & alguns estudos recentes (Fernandes, 2008) continua
McCroskey, 1992) tem vindo a concluir que as bases uma linha aberta para mais investigação.
coercitiva e legítima do poder estão negativamente O terceiro plano de análise a que nos referimos
associadas às aprendizagens afectivas e cognitivas é o da relação entre alunos. A investigação tem mos‑
dos alunos; ao passo que o uso do poder referen‑ trado que a escola é um lugar de que o aluno gosta,
te (pessoal) e de perito (cognoscitivo), suscitando a mais pelo convívio e pelas amizades entre os pa‑
adesão do aluno à pessoa do professor, se correla‑ res, do que pelas aulas e pelas aprendizagens. No
ciona com a aprendizagem e com o comportamento entanto, também se tem verificado uma associação
disciplinado. Embora o professor nas situações de positiva entre o gostar da escola, a atenção prestada
perturbação deva fazer prevalecer a sua autoridade, pelo professor e o sucesso académico (Feitosa et al.,
tem de o fazer dentro dos parâmetros do respeito 2005). A relação de amizade e companheirismo en‑
pela pessoa do aluno. É o próprio aluno que valori‑ tre alunos e as suas repercussões na consecução dos
za a capacidade de “constranger” do professor (tal objectivos educacionais, ainda que pouco estuda‑
como a capacidade de “ensinar”), mas exige que ela das, têm­‑se revelado fundamentais para que o aluno
se exerça com “humanismo” (Amado, 2001). goste da escola e obtenha sucesso (Berndt & Kee‑
Outra perspectiva de análise da relação do pro‑ fe, 1992). Sabe­‑se desde Lewin (1936) que um bom
fessor com o aluno remete para a intenção de alcan‑ clima de grupo é condição fundamental para bons
çar, na prática docente, um conjunto de objectivos desempenhos e para a satisfação pessoal de todos os
de carácter afectivo. Martin e Briggs (1986, citados seus membros. Pode dizer­‑se até que “grande parte
por Neves & Carvalho, 2006) consideram que para das informações, das atitudes e dos valores que os
os docentes é difícil conceptualizar e avaliar tais jovens adquirem na escola elaboram­‑se no seio des‑
comportamentos e, muitos deles julgam impossí‑ te território complexo e mais ou menos inexplorado
vel não só falar desses temas como atingir objec‑ que constitui o sistema de pares” (Ortega, 1997, p.
tivos dessa ordem. No entanto, a necessidade de 146). Retomando o que acima dizíamos, é neces‑
fomentar, a par dos saberes curriculares, um clima sário considerar que o professor, enquanto ensina,
sócio­‑afectivo positivo entre os alunos (capacidade tem de se empenhar de forma equilibrada em duas
de trabalhar em grupo, solidariedade e entreajuda, grandes categorias de actividades: as de instrução,
aceitação do outro­‑diferente, consciência da incom‑ como perito, e as de animação da turma, como me‑
pletude dos indivíduos e dos saberes) é tida não só diador e como líder. Se a primeira tem um sentido
como necessária e urgente mas possível, o que apela comum, a segunda define­‑se como um conjunto de
a um forte investimento da formação de professores processos que permitem organizar e coordenar os
nesse domínio. esforços voluntários e colectivos dos alunos, para
Um outro plano de análise é o da atitude do alu- que se atinjam os objectivos, pessoais, de grupo e da
no para com o professor e as consequências pessoais escola, objectivos que não são apenas do domínio
que daí decorrem. Os sentimentos do professor face cognitivo, mas também de ordem afectiva e social.
às características das turmas e ao comportamento e
desempenho de alguns alunos têm motivado estu‑
dos sobre a motivação para a docência (Jesus, 1996), O “BOM” E O “MAU” ENSINO…
o mal­‑estar docente (Esteve, 1992), as emoções (me‑ E A (IN)SATISFAÇÃO DOS ALUNOS
dos, culpa, prazeres e sofrimentos) dos professores
(Blanchard­‑Laville, 2001). Como diz Hargreaves Nesta segunda parte dão­‑se a conhecer, de forma
(1998, p. 159), embora se tenha vindo a obter um sintética, duas investigações realizadas sobre a te‑
bom conhecimento acerca do pensamento do pro‑ mática da afectividade e das emoções no contexto
fessor nas diversas dimensões da sua actividade da relação pedagógica.
profissional, “sabemos bastante menos acerca do O primeiro estudo, de autoria de Elsa Carvalho
modo como sentem quando leccionam, das emo‑ (Carvalho, 2007²), teve como objectivos, entre ou‑
ções e desejos que motivam e moderam o seu traba‑ tros, conhecer como é que os alunos interpretam as
lho”. Esta dimensão emocional do ensino, apesar de interacções da “vida na aula”, como percepcionam

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a relação didáctico­‑pedagógica que aí se estabelece, como responsáveis pelos sentimentos positivos ou
quais são os principais factores que, do seu pon‑ negativos do aluno: a) o estilo de relação sustentado
to de vista, favorecem a aprendizagem, emoções e pelo professor; b) as características pessoais do pro‑
bem­‑estar. Foi usado como instrumento de recolha fessor e suas atitudes e valores; c) o modo como con‑
de dados um questionário de perguntas “abertas”, trola e regula o comportamento discente.
aplicado a uma amostra de 310 alunos, repartidos
pelos 5º, 7º e 9º anos de escolaridade de duas esco‑ a) O estilo de relação sustentado pelo professor. Nas
las públicas da Região Centro. aulas em que o aluno se sente satisfeito e feliz, a rela‑
O questionário, composto por 6 questões, pro‑ ção é pautada pelo entendimento e, acima de tudo,
curava caracterizar o pensamento do aluno acerca pela compreensão e pela confiança. “Essa aula fez­
do que ocorria nas aulas em que “aprendia e se ‑me sentir bem, como se estivesse em casa, à­‑vonta‑
sentia feliz”, e nas aulas em que os resultados e os de, sem ninguém a dizer: — Pára quieto, não mexas
sentimentos eram inversos. Por exemplo, a primeira nisso! — Foi bom”.
questão era formulada nestes termos: “Coloca­‑te na O ideal, para muitos dos inquiridos, é um pro‑
situação das aulas em que consideras ter aprendido fessor “(…) que saiba ser divertido, brincalhão e
algo mais e que, ao mesmo tempo, te sentiste bem e que saiba impor o respeito ao mesmo tempo”. O
feliz. Escreve o que fizeram os professores nas aulas humor, quando integrado nos próprios conteú‑
em que aprendeste e te sentiste bem”. dos de ensino, permite uma melhor aprendizagem,
A análise de conteúdo permitiu estabelecer desperta o interesse, ameniza as tarefas e permite o
como áreas temáticas: os métodos de ensino, o esti‑ envolvimento do aluno na aprendizagem, ao ponto
lo de comunicação e a dimensão relacional da acção de este ter a percepção de que o tempo “passa mais
docente. Faremos um breve resumo das conclusões depressa” e que até “apetece lá ficar mais tempo”.
a propósito da dimensão relacional. Globalmente, o Mas estes aspectos não deixam de estar associa‑
que sobressai é um enorme contraste nos sentimen‑ dos com a gestão da comunicação verbal e não ver‑
tos e emoções que se geram, no íntimo dos alunos, bal, com as metodologias empregues pelos profes‑
em função de uma ou de outra das situações, como sores e com os próprios conteúdos. Testemunhos
se pode ver no quadro nº1. como o seguinte são expressão dessa perspectiva:
“Eu, em E.V.T. senti­‑me bem porque não sabia fa‑
quadro 1 zer uma cara e perguntei à stora e ela soube­‑me ex‑
Os sentimentos dos alunos plicar muito bem. Ela foi ao pé de mim, muito que‑
e o processo de ensino­‑aprendizagem
rida e com muita paciência”. O feedback positivo, da
iniciativa do professor, surge como um outro factor
estados emocionais dos alunos
comunicativo para a satisfação do aluno, com fortes
Na situação de bom ensino Na situação de mau ensino repercussões no reforço da sua auto­‑estima: “Senti­
Felicidade Infelicidade
‑me uma pessoa mais inteligente, mais completa.
Satisfação Insatisfação Esforcei­‑me por compreender”.
Orgulho Tristeza
Confiança Culpa b) As características pessoais do professor, invocadas
Auto-estima Desânimo
Motivação Revolta
e valorizadas positivamente nesta amostra, foram:
Impaciência simpatia, serenidade, tolerância, paciência, com‑
Medo preensão, respeito, equidade, igualdade, justiça e
Aborrecimento imparcialidade. Estas características, bem como os
Desmotivação
valores e as atitudes docentes, têm um peso consi‑
Fonte: Carvalho, 2007, p. 163. derável na relação que se estabelece na sala de aula e
jogam com a aprendizagem e sentimentos positivos
Pode dizer­‑se que, para além dos métodos e do estilo do aluno. Muitos destes aspectos estão bem presen‑
de comunicação, há todo um conjunto de caracterís‑ tes neste outro testemunho: “Nas aulas em que con‑
ticas relacionais estabelecidas na aula a considerar siderei ter aprendido algo mais e em que me senti

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bem e feliz, o professor era simpático, meigo (…) EMOÇÕES E AFECTOS…
olhava de maneira igual para todos (…) e tratava NA VIVÊNCIA ESCOLAR
todos da mesma forma. Para o professor éramos to‑
dos iguais, não embirrava com os alunos e não havia O estudo de Maria João André (André, 2007³), per‑
preferências”. seguindo a obtenção de objectivos semelhantes aos
Para além disso trata­‑se de professores que es‑ do estudo anterior, apoiou­‑se na aplicação de uma
tão ali para ajudar, demonstram compreensão, ofe‑ sub­‑escala do Questionário da Vivência Académica
recem iguais oportunidades de intervir e participar (QVA) que procura avaliar a forma como os jovens
e são justos: “não havia injustiças: se eu levantasse se adaptam a algumas das exigências pessoais, re‑
primeiro o braço, era eu a falar (…)”; “(…) a profes‑ lacionais e institucionais da vida académica⁴. Esta
sora é justa com todos, deixa todos irem ao quadro sub­‑escala, centrada sobre o Relacionamento com
(…)”. Professores, foi sujeita a um conjunto de alterações
na sua estrutura linguística, de forma a adequar me‑
c) Para a gestão dos comportamentos da aula é lhor os itens ao nível de ensino e de desenvolvimen‑
fundamental um pequeno conjunto de regras, cla‑ to dos alunos a inquirir; procedeu­‑se, posterior‑
ras, negociadas e que comprometam os actores no mente, à análise das suas qualidades psicométricas,
seu cumprimento. Fazer cumprir as regras implica tendo­‑se concluído que as mesmas eram boas (DP,
a adopção de estratégias que se revelarão mais ou 7.47; Alfa, 833). Só depois desses procedimentos
menos eficazes consoante os professores e a imagem foi aplicada a 142 alunos do 6º (n=85,60%) e do 9º
que eles passam de si aos seus alunos. Uma sínte‑ anos (n=57,40%) de uma escola pública da Região
se das representações do aluno em torno da manu‑ Centro. Na distribuição por género, considerando
tenção da ordem e do controlo das suas condutas, os dois níveis de ensino, 69 alunos eram do género
e que o aluno associa ao “bom” ensino, contempla masculino (48,6%) e 73 do género feminino (51,4%).
aspectos como: criar um clima de respeito, estabele‑ As idades oscilavam entre os 11 e os 18 anos, sendo a
cer regras e fazê­‑las cumprir, repreender com razão, média de idades no 6º ano de 11,59 (DP=.89) e no 9º
repreender serenamente, castigar justamente, moni‑ ano de 14,44 (DP=.73). A sub­‑escala é composta por
torizar as tarefas. 12 itens, relativos ao diálogo com os professores, ao
Existe uma frequência expressiva de testemu‑ contacto dentro e fora da sala de aula e à percepção
nhos indicando que nas aulas em que aprendem e da disponibilidade de tempo dos professores para
se sentem emocionalmente bem existe um ambiente com os alunos.
de respeito e de regra. Para que este ambiente exista As diferenças entre as médias na sub­‑escala, em
torna­‑se necessário que os alunos compreendam a função do ano de escolaridade, permitem verificar
razão de ser da regra, o que também depende do es‑ que os alunos do 6º ano apresentaram médias sig‑
forço do professor: “Quando alguém diz uma piada nificativamente superiores aos do 9º ano. Este re‑
a turma começa a rir e depois não pára de brincar, sultado sugere que o ano de escolaridade apresenta
mas se os professores falassem connosco calmamen‑ um efeito diferencial no relacionamento percebido
te e nos explicassem que não podemos fazer isso, pelos alunos com os seus professores. Os resultados
acho que resultaria. Apesar de ele poder achar que sugerem, pois, que à medida que os alunos avançam
já somos grandes para isso”. no nível de escolaridade, os aspectos relacionais
Enfim, os resultados das análises efectuadas com os professores deixam de ser tão relevantes.
“indicam­‑nos que, entre o vasto conjunto de dimen‑ A análise da correlação entre a idade dos alunos
sões e factores apontados por estes alunos como pro‑ e os dados obtidos permite concluir, também, que
motores da sua aprendizagem e satisfação, contam­‑se, à medida que a idade aumenta, diminuem as pon‑
em primeiro lugar, as competências comunicacionais tuações na referida sub­‑escala; parecea, pois, que
do professor e, em segundo lugar, o tipo e a quali‑ a idade dos alunos se correlaciona negativamen‑
dade da relação que com eles estabelece” (Carvalho, te com o relacionamento percebido pelos alunos
2007, p. 192). com os seus professores. À medida que os alunos
“crescem”, passam a desvalorizar um pouco mais

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a “proximidade” com os professores, dando mais zagem e num clima de convivência saudável. Na se‑
importância às suas competências académicas e gunda e terceira partes do trabalho, síntese de dois
pedagógicas. Verificou­‑se, ainda, que os alunos da estudos realizados em escolas de 2º e 3º ciclos, o que
amostra tinham uma representação muito positiva mais se salienta é que, no próprio discurso do aluno,
do seu relacionamento com os professores. a eficácia do ensino não depende apenas da qualida‑
Estas conclusões reforçam os resultados de ou‑ de científica dos procedimentos didácticos mobili‑
tras investigações, já referidas, que sublinham a cor‑ zados mas está fortemente relacionada com o regis‑
relação negativa entre a idade e a valorização da re‑ to da afectividade, no sentido que lhe demos acima.
lação “próxima” com os professores. Outros resul‑ Conclui­‑se também que é pela sua competência
tados, porém, não foram no mesmo sentido do que profissional, tanto ao nível científico, como peda‑
a investigação em geral tem apontado. Assim, é de gógico e relacional, que o professor pode legitimar
admitir que a questão da repetência não se reflicta, a sua influência perante o aluno, sublinhando­‑se a
de forma diferencial, no tipo de relacionamento per‑ importância do respeito e da abertura ao “outro”.
cebido pelos alunos. Outro dado contraditório é o Tais evidências permitem­‑nos equacionar algu‑
que se refere ao género; segundo os dados obtidos, mas sugestões tendo em vista a formação de profes‑
o género parece não exercer um efeito diferencial no sores:
relacionamento percebido pelos alunos com os seus
professores. Enfim, trata­‑se de conclusões a exigir · equacionar a dimensão relacional como parte
mais investigação. central no currículo na formação inicial;
Segundo a autora (André, 2007, p. 134), alguns · considerar que o desenvolvimento profissio‑
dos critérios de avaliação utilizados pelos alunos em nal dos docentes se faz na interacção com os
relação aos docentes poderão ser sistematizados da contextos de trabalho;
seguinte forma: os alunos valorizam positivamente · formar professores significa, acima de tudo,
os professores em função das suas “técnicas de ensi‑ preparar pessoas que vão colaborar na edu‑
no”, ou seja, os que ajudam e explicam bem, variam cação de pessoas em desenvolvimento; o
o ensino e permitem maior liberdade; a preferên‑ que implica adquirirem a capacidade de vir
cia foi também para professores carinhosos, bem­ a estabelecer ligações entre os domínios da
‑humorados, amistosos e compreensivos; a firmeza aprendizagem cognitiva e da afectividade;
e controlo são atitudes muito enaltecidas, contudo, tornando­‑se, entre outros aspectos, aptos
a excessiva severidade ou a brandura são vistas de para uma escuta activa da “voz” do aluno;
uma forma negativa; a justiça ou a injustiça nas ati‑ · isso mesmo terá implicações não só ao nível
tudes, ou o tratamento diferencial de alguns alunos, dos conteúdos e referências teóricos como na
são critérios igualmente utilizados para a avaliarem selecção dos próprios modelos de formação,
os seus professores. com especial incidência nos modelos reflexi‑
vos e nos que se empenham na preparação dos
futuros professores através da investigação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ultrapassámos o tempo da grande expressão demo‑
Procurámos mostrar como as questões da afectivi‑ gráfica da população estudantil e da pressão para a
dade, entendida como capacidade de empatia, res‑ formação inicial de professores em grande número.
peito mútuo, conhecimento e crença nas capacida‑ A aposta é agora a da qualidade e, em nosso enten‑
des dos outros, se constituem como competências der, esta está para além da indiscutível competência
básicas, de professores e alunos, para que se torne científica. É necessário formar professores realmen‑
possível o desenvolvimento de uma relação pedagó‑ te motivados e vocacionados para o desempenho
gica de qualidade. Na primeira parte, vimos como das suas funções, que simultaneamente sejam pes‑
a investigação aponta para os vários domínios em soas capazes de criar condições favoráveis à apren‑
que estes efeitos se fazem sentir, sendo de salientar dizagem e ao desenvolvimento dos alunos, que se‑
os que se repercutem na motivação para a aprendi‑ jam capazes de os respeitar e de os amar. Contudo,

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partilhamos com Teresa Estrela (2002, p. 48) a ideia (professores) na interacção com ele (o aluno como
de que “é mais fácil amar o aluno do que respeitá­ um alter ego). Nas palavras sábias de George Steiner
‑lo”. Amar, expressar sentimentos como a ternura, é (2003, p. 15): “obviamente, as artes e os actos do en‑
algo de instintivo, espontâneo e imediato; mais difí‑ sino são dialécticos, no sentido próprio deste termo
cil é respeitar, porque implica compreensão (revela‑ tão abusivamente utilizado. O Mestre aprende com
ção e doação mútua), ética (responsabilidade pelo o discípulo e é modificado por esta inter­‑relação
“outro” em si e pelo futuro que se anuncia e nascerá através de algo que, idealmente, se converte num
dos seus projectos), capacidade de olhar o “outro” processo de troca. O acto de dar torna­‑se recíproco,
(o aluno) como pessoa e de nos olharmos a nós como nos meandros do amor”.

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