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ISSN: 2525-8761
DOI:10.34117/bjdv7n3-627
RESUMO
INTRODUÇÃO: O uso de drogas como a cocaína é um exemplo de fator de risco
transitórios para MSC e a base da identificação clínica de pacientes com risco de MSC é a
realização do ECG. Assim, objetiva-se identificar quais as alterações eletrocardiográficas
preditoras de MSC estão presentes no grupo de consumidores de cocaína. MÉTODOS:
Trata-se de uma análise sistemática da literatura realizada a partir da plataforma PUBMED.
Foram utilizados os descritores “Cocaine AND Electrocardiogram” e “Cocaine AND
Sudden Cardiac Death” e foram excluídas publicações há mais de 10 anos, obtendo-se uma
amostra de 19 artigos. RESULTADOS: As alterações eletrocardiográficas encontradas
foram: índice de Sokolow-Lyon positivo (5%); distúrbios de repolarização (21%); ECG de
exercício patológico (5%); anormalidades do segmento ST (84%), destacando-se
prolongamento do intervalo QTc (37%), infra de ST (32%), supra de ST (26%), inversão
de onda T (21%), ondas T bifásicas (16%) e ondas T planas (11%); arritmias (53%);
intervalo PR curto (11%); TdP (11%); complexo QRS maior (11%); achados compatíveis
à Síndrome de Brugada (16%); e distúrbios de condução (16%). CONCLUSÃO: O
consumo de cocaína pode desencadear alterações no ECG que podem evoluir com arritmias
fatais. Assim, como o abuso de substâncias é uma das principais causas de MSC em jovens,
a prevenção e tratamento de problemas relacionados ao abuso de cocaína apresentam-se
como indispensáveis.
ABSTRACT
INTRODUCTION: The use of drugs such as cocaine is an example of a transient risk factor
for SCD and the basis for the clinical identification of patients at risk for SCD is the
performance of the ECG. Thus, the objective is to identify which electrocardiographic
changes predictive of SCD are present in the group of cocaine users. METHODS: This is
a systematic analysis of the literature carried out using the PUBMED platform. The
descriptors "Cocaine AND Electrocardiogram" and "Cocaine AND Sudden Cardiac Death"
were used and publications were excluded for more than 10 years, obtaining a sample of
19 articles. RESULTS: The electrocardiographic changes found were: positive Sokolow-
Lyon index (5%); repolarization disorders (21%); Pathological exercise ECG (5%);
abnormalities of the ST segment (84%), highlighting prolongation of the QTc interval
(37%), infra ST (32%), ST elevation (26%), T wave inversion (21%), biphasic T waves (
16%) and flat T waves (11%); arrhythmias (53%); short PR interval (11%); TdP (11%);
larger QRS complex (11%); findings compatible with Brugada Syndrome (16%); and
driving disorders (16%). CONCLUSION: Cocaine use can trigger ECG changes that can
evolve with fatal arrhythmias. Thus, as substance abuse is one of the main causes of SCD
in young people, the prevention and treatment of problems related to cocaine abuse are
indispensable.
1 INTRODUÇÃO
A Morte Súbita Cardíaca (MSC) é um evento cardíaco inesperado e, segundo a
Organização Mundial de Saúde (OMS), consiste em um evento natural que ocorre em
menos de uma hora do início dos sintomas, em indivíduos sem qualquer condição prévia
potencialmente fatal. 1-2
Os fatores de risco para a MSC podem ser estáveis ou transitórios. Dentre os fatores
transitórios, ou seja, aqueles que promovem instantânea modificação no organismo do
indivíduo e podem resultar em uma instabilidade elétrica, apresentam relevância: hipóxia,
distúrbios do pH, hipocalemia, hipomagnesemia, isquemia, distúrbios hemodinâmicos,
toxinas e drogas (como a cocaína). 2
A MSC representa cerca de 25% das mortes por doença cardiovascular e a detecção
de sinais eletrocardiográficos (ECG) é essencial na prática clínica e está na base da
identificação de pacientes com risco de MSC. 3
A incidência de MSC em jovens é estimada em 0,46-3,7 eventos por 100.000
pessoas-ano, com maior frequência no sexo masculino. Dentre os jovens, as causas mais
3
associadas são: valvopatias, cardiomiopatias, miocardite e abuso de substâncias.
Aproximadamente 1% da população mundial entre 15-64 anos usa estimulantes do grupo
anfetamínico, cocaína e opiáceos, e, dentre esses, cerca de 50% utilizam drogas
regularmente (pelo menos uma vez por mês). 4-6
O vício em cocaína é um significante problema de saúde pública, que impõe altos
custos à sociedade, incluindo problemas de saúde, perda de produtividade no trabalho e
custos de tratamento. 7
A cocaína possui dois principais metabólitos, a benzoilecgonina e o éster metílico
da ecgonina. Apenas a benzoilecgonina possui atividade farmacológica significativa,
exercendo ação vasoconstritora, com propriedade simpatomimética que pode ter o evento
cardiovascular letal como desfecho. 8-10
11
A dor torácica é a apresentação clínica mais comum após o consumo. Outros
efeitos são: midríase, alucinações, delírio, excitação, ansiedade, fadiga, arritmia,
12
agressividade, convulsões, náusea, degeneração neuronal, insuficiência renal e morte.
Pacientes com toxicidade aguda à cocaína podem apresentar taquicardia, arritmia,
hipertensão arterial (HA) e vasoespasmo coronário, levando a sequelas patológicas, como
síndrome coronariana aguda e óbito. 13
Devido à quantidade significativa de consumidores dessa substância, somada à sua
associação com a MSC, elaboramos esse estudo com a finalidade de identificar quais as
alterações eletrocardiográficas preditoras de de MSC estão presentes nessa população.
2 MÉTODOS
Foi realizada uma análise sistemática analisando alterações eletrocardiográficas
relacionadas com consumo de cocaína correlacionando-as com as alterações encontradas
na MSC.
• Critérios de elegibilidade
Foi realizada uma análise sistemática de literatura através do PUBMED, utilizando
como filtro de pesquisa a opção “10 years”, referindo-se às publicações realizadas nos
últimos 10 anos, contendo as palavras-chave “Cocaine AND Electrocardiogram” e
“Cocaine AND Death, Sudden, Cardiac”. A partir dessa busca, foram selecionados no total
21 artigos. Outras bases de dados, como SCIELO, Google Acadêmico e MEDLINE foram
utilizadas para dar consistência e profundidade ao texto. Não houve restrições de idioma.
3 RESULTADOS
A pesquisa bibliográfica identificou inicialmente 156 títulos relevantes da
PUBMED, SCIELO, Google Acadêmico e MEDLINE. 4 artigos foram excluídos por causa
de dados duplicados. Por fim, após a leitura dos títulos e resumos, 26 artigos foram
selecionados para leitura completa e 21 foram utilizados na revisão de literatura. O
processo de seleção do estudo e as razões para a exclusão estão resumidos na Figura 1.
ALTERAÇÕES
ELETROCARDIOGRÁFICAS RELACIONADAS AO CONSUMO DE COCAÍNA:
No estudo de Stehning et al., 55% dos CA apresentaram mostraram resultados
anormais, dentre os quais: índice Sokolow-Lyon positivo (10%), distúrbios de
repolarização inespecíficos (20%), ECG de exercício patológico (5%). 14
No caso de Kumar et al., um homem de 27 anos realizou ECG após uso recente de
cocaína, no qual foi revelado: intervalo QTc prolongado, inversões da onda T e ondas T
bifásicas nas derivações V2 e V3. 15
No caso de Phang et al., uma mulher de 37 anos de idade foi internada no hospital
com uma história de dor no peito de início súbito após consumo de cocaína. Após análise
do ECG, verificou-se ritmo sinusal com inversão da onda T nas derivações V1 a V5 sem
alterações dinâmicas. 16
No caso de Maini et al., foi realizado ECG, o qual revelou taquicardia sinusal com
depressão de 0,5 mm do segmento ST nas derivações laterais. 17
No estudo de Sharma et al. foram avaliados, através de ECG, 97 dependentes de
cocaína e 8517 controles. As FC medidas pelo ECG foram significativamente menores em
dependentes de cocaína. A proporção de indivíduos com FC abaixo de 60 bpm foi
significativamente maior para indivíduos dependentes de cocaína. A proporção de
quando comparada com não usuários. Essa revisão identificou prolongamento significativo
do intervalo QT e QTc em usuários, sendo este presente em 4% dos usuários crônicos de
cocaína. Também foi identificado um decréscimo significativo na amplitude da onda T e
um aumento concomitante na onda U, a partir de um estudo no qual houve administração
aguda de cocaína em 14 usuários habituais de cocaína. 10
Nessa revisão de Ramirez, F. Daniel, et al. houve não só estudos envolvendo
usuários, mas também indivíduos que nunca haviam sido expostos à droga. Houve a
avaliação dos efeitos da droga em sete pacientes que nunca haviam consumido cocaína,
nos quais foi identificado um aumento significativo na FC aos 30 minutos após a
administração da droga. Além de estudos avaliando somente o ECG, houve um estudo
correlacionando manifestação clínica e alteração no ECG. Neste estudo foi verificado que
os indivíduos com queixa principal de palpitações apresentavam FC significativamente
maior. 10
No relato de caso apresentado por Alla VM, foi observada, em um paciente,
anormalidade de repolarização significativa no ECG (prolongamento de QT) e taquicardia
ventricular não sustentada após uso agudo de cocaína. 22
No estudo de Lucena J et al. 62% das mortes relacionadas à cocaína foram
cardíacas. A partir da análise dessa porcentagem, verificou-se que cinco possuíam infarto
agudo do miocárdio (IAM); os outros sete possuíam arritmias. O prolongamento de QT
possui associação com diversas implicações importantes. Dentre essas implicações
encontram-se TdP e MSC. A cocaína também aumenta dispersão do QT, o qual é um
preditor independente de MSC. 23
No estudo retrospectivo de Kim et al., buscou-se analisar alterações no ECG de
indivíduos psiquiátricos assintomáticos que testaram positivo para cocaína em um serviço
de emergência. Dentre os 853 pacientes incluídos no estudo, apenas 41 apresentaram
anormalidades no ECG: 23 apresentaram alterações inespecíficas da onda ST-T, 18 tiveram
inversões da onda T, 5 tiveram elevações do ST, incluindo elevação do ponto J, 2 tiveram
depressão do ST e 2 tiveram bloqueio de ramo direito. 24
No estudo retrospectivo de Quianzon et al., foram avaliados ECGs de admissão de
218 usuários de cocaína com dor torácica. Desses, 70 eram sugestivos de evento isquêmico
agudo (ondas T invertidas em duas ou mais derivações contíguas, elevação ou depressão
característica do segmento ST), 47 sugeriam alterações isquêmicas que não envolviam
anormalidades de ST ou T (onda Q ou bloqueio de ramo) e 101 apresentavam ECG normal
ou com alterações inespecíficas. 25
Kumar S et al. 2018 Relato de Intervalo QTc prolongado; Inversões da onda T; Ondas T bifásicas
(15) Caso nas derivações V2 e V3.
Phang KW et al. 2014 Relato de Inversão da onda T nas derivações V1 a V5.
(16) Caso
Maini R et al. (17) 2018 Relato de Taquicardia sinusal; Depressão de 0,5 mm do segmento ST nas
Caso derivações laterais.
Sharma J et al. (18) 2016 Estudo FCs significantemente menores nos pacientes dependentes de
Retrospectivo cocaína; Bradicardia (FC inferior a 60 bpm) em 59,8% dos
dependentes de cocaína; Bradicardia severa (FC inferior a 50 bpm)
em 22,7% dos dependentes de cocaína; Repolarização precoce em
27,8% dos dependentes de cocaína; Significante associação entre o
tempo de dependência e a presença de bradicardia severa.
Maceira AM et al. 2014 Estudo Ondas T planas ou infra de ST < 0,5 mm em 27% dos CA
(19) Prospectivo participantes do estudo; Anormalidades significativas de
repolarização nas derivações inferiores em 4,3% dos CA;
Anormalidades significativas de repolarização nas derivações
superiores em 3,2% dos CA; Hipertrofia ventricular esquerda em
7,5% dos CA; Bradicardia sinusal em 7,5% dos CA; 1,1% apresentou
bloqueio atrioventricular (BAV) Mobitz 1; 1,1% apresentou intervalo
PR curto.
Farooq MU et al. 2009 Relato de Múltiplos episódios de torsades de pointes; Fibrilação Ventricular;
(20) Caso Aumento do intervalo QT.
BUTTERFIELD M 2014 Relato de Desvio do eixo para a direita; Progressão pobre da onda R; Elevação
et al. Caso do ponto J, seguida de inversão da onda nas derivações inferolaterais.
(32)
KUNDU, Ria, et al. 2013 Relato de Arritmias variáveis entre padrões de bloqueio de ramo esquerdo e
(33) Caso bloqueio de ramo direito; Intervalo QTc prolongado nos períodos de
ritmo sinusal.
4 DISCUSSÃO
A MSC pode ter uma origem não elétrica ou elétrica (relacionada a alterações no
ECG). Esta possui como principal alteração causadora do desfecho a taquiarritmia
ventricular, tendo como componente mais significativo que precede a MSC a fibrilação
ventricular, representando aproximadamente 64,4% dos casos, seguida das bradiarritmias
(16,5%), torsades de pointes (12,7%) e taquicardia ventricular (8,3%). Outras alterações
transitórias podem ser encontradas. 2
Apesar da taquiarritmia ventricular representar o maior potencial de evolução para
MSC, outras taquicardias cardíacas, bradicardias ou atividade elétrica sem pulso também
podem resultar nesse desfecho. 34
Ao se analisar minuciosamente o ECG comparando com o evento de MSC, as
alterações encontradas associadas podem ser: depressão do segmento ST e inversão da
onda T, intervalo QT ou QTc prolongado. Essas alterações podem ser secundárias a um
fator transitório como isquemia miocárdica, desequilíbrio eletrolítico e drogas, como a
cocaína. O intervalo QTc prolongado possui capacidade de se degenerar em uma arritmia
ventricular letal. Outro achado com baixa correlação com esse desfecho é o complexo
ventricular prematuro. 2
As alterações eletrocardiográficas secundárias ao uso de cocaína possuem uma
grande variação de achados. 10
A arritmia cardíaca reflete uma alteração no impulso cardíaco normal, podendo se
situar tanto na formação quanto na condução desse impulso. Sua origem depende de
interferências em toda a composição do coração, abrangendo os níveis celular, tecidual e
35
cardíaco global. Palpitações e síncope são sintomas característicos dessa alteração,
podendo ser causados tanto por bradiarritmias quanto por taquiarritmias. 36 O diagnóstico
da origem arrítmica desses sintomas necessita de uma análise eletrocardiográfica, a qual
flagre sua ocorrência, podendo ser conseguida com sistemas de monitoração prolongada
do ECG. 37 Ao se realizar uma análise a nível celular, observa-se que a cocaína atua nos
canais iônicos cardíacos, nos quais inibe as correntes retentivas de sódio (INa) e
retificadoras rápidas de potássio (IKr), sendo capaz de inibir e estimular as correntes de
cálcio tipo L (ICa-L). Essa inibição da INa ocasiona um aumento dos intervalos QRS e HV.
Há também aumento do intervalo de duração do potencial de ação ventricular, com
consequente prolongamento do intervalo QT. Somada a essas alterações, induz
precocemente as despolarizações. 10
O consumo de cocaína apresenta o consequente risco para o desenvolvimento de
transtornos arrítmicos cardíacos, devido ao aumento do intervalo QRS. O intervalo QTc
também possui um aumento significativo em indivíduos que usaram cocaína recentemente.
5 CONCLUSÃO
A partir de nosso estudo foi possível identificar que podem ocorrem tanto alterações
tanto cardíacas quanto eletrocardiográficas secundárias ao consumo de cocaína. As
alterações cardíacas, estruturais e funcionais, observadas em nosso estudo foram:
remodelação fibrótica cardíaca, cardiomiopatia dilatada, cardiomiopatia de takotsubo,
aumento do volume da parede ventricular, HVE concêntrica, VS final ventricular
aumentado, aumento da troponina sérica, mioglobina, creatina-quinase total e ST2
secundários a lesões estruturais miocárdicas.
As alterações eletrocardiográficas encontradas foram: intervalo QTc prolongado,
prolongamento de QT, dispersão do QT, inversões da onda T, ondas T bifásicas, distúrbios
de repolarização inespecíficos, depressão do segmento ST, anormalidades inespecíficas da
onda ST, taquicardia sinusal, taquicardia ventricular não sustentada, índice Sokolow-Lyon
positivo, múltiplos episódios de TdP e critérios de voltagem para HVE. Assim, conclui-se
que os indivíduos em consumo dessa substância possuem maior exposição ao risco de
arritmias e MSC.
Conclui-se que a literatura carece de estudos abordando alterações
eletrocardiográficas em consumidores crônicos da droga, o que permitiria identificar algum
preditor de MSC precocemente.
Este estudo enfocou as alterações cardíacas e eletrocardiográficas identificadas com
o uso de cocaína. Uma vez esclarecida sobre essas alterações cardiovasculares, a população
médica deve estar apta a identificá-las. Como as alterações eletrocardiográficas podem
desencadear arritmias fatais, é de fundamental importância considerar a possibilidade
diagnóstica solicitando rotineiramente eletrocardiogramas nessa população. Devendo ser
realizada abordagem cautelar, com interpretação eletrocardiográficas correta e
identificação das diversas manifestações clínicas.
Assim, como o abuso de substâncias é uma das principais causas de MSC em jovens
e a cocaína apresenta-se como a causa mais comum de morte relacionada à droga, havendo
um consumo significativo da droga por essa população44, a prevenção e tratamento de
problemas relacionados a esse consumo apresentam-se como indispensáveis.
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