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Ruby Fever
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Febre do Ruby
Ilona Andrews

A autora best-seller nº 1 do New York Times, Ilona Andrews, está de volta com o mais novo
livro da emocionante série Hidden Legacy—a emocionante conclusão de sua trilogia com a
bela e feroz usuária de magia Superior Catalina Baylor.
,

Uma aranha fugitiva, a chegada inesperada de um príncipe imperial russo, o


assassinato sem sentido de uma figura poderosa, um ataque chocante ao
supostamente invencível Guardião do Texas, chefe de Catalina... E é apenas
segunda-feira.

Em poucas horas, o destino de Houston—para não mencionar da Casa Baylor—


agora repousa sobre os ombros de Catalina, que terá que controlar seus poderes
como nunca antes. Mas mesmo com seu companheiro Superior e noivo Alessandro
Sagredo ao seu lado, ela pode não ser capaz de expor quem é o responsável antes
que todo o inferno realmente aconteça.

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O Novo Complexo Baylor

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— É assombrada?
Ah, pelo amor de ... — Não, Arabella.

Minha irmã apertou os olhos para a assombrosa propriedade que


despontava na nossa frente enquanto o SUV acelerava devagar pela
entrada pavimentada de automóveis. — Olhem para aquelas torres.
Parecem assombradas.

— Não são, —disse Bern.

— Como você sabe que não são assombradas? —Leon perguntou de


trás.

Porque fantasmas não existiam. — Porque Trudy é uma pessoa legal,


eu gosto dela, e ela não nos deixaria comprar uma casa mal-assombrada.

— Sim, —disse Arabella, — mas você perguntou se era?

— Sim, eu perguntei, e Trudy disse que não era. —Nossa pobre e


sofredora corretora de imóveis respondeu a perguntas mais bizarras nos
últimos dois meses do que durante toda a carreira dela.

Minha irmã pegou o telefone e inclinou a cabeça loira sobre o


aparelho.

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Toda a família Baylor estava no carro, com exceção da vovó Frida e


da minha irmã mais velha e meu cunhado. Íamos comprar uma casa.

Quando eu era muito jovem, morávamos em uma típica casa


suburbana. Éramos apenas nós cinco: meu pai, minha mãe, minha irmã
mais velha Nevada, eu e minha irmã mais nova Arabella. Depois nossos dois
primos, Bern e Leon, vieram morar conosco porque a mãe deles não valia
dois centavos e ninguém sabia quem eram os pais dos garotos. Então papai
ficou doente. Vendemos a casa para pagar o tratamento dele e nos
mudamos para um galpão com nossa vovó Frida. Papai morreu. Nevada,
que tinha dezessete anos na época, assumiu a Agência de Investigações
Baylor, nosso negócio de família, e ela e vovó Frida, que trabalhava em
melhoramento de tanques e de artilharia móvel para a elite mágica do
Texas , colocaram comida em nossa mesa e roupas em nossas costas.

Eventualmente Nevada expôs sua magia, e nos tornamos a Casa


Baylor, uma das famílias proeminentes que ostentavam mais de dois
Superiores vivos, os magos mais bem classificados. Nevada se apaixonou
e se mudou, acabei assumindo a chefia da Casa, e um dos meus primeiros
feitos foi explodir o armazém que todos nós chamávamos de lar. O fato de

O Texas é um grande estado no sul dos EUA com desertos, florestas de pinheiros e o rio Grande, que delimita
a fronteira com o México. Em sua maior cidade, Houston, o Museu de Belas-artes abriga obras de pintores impressionistas e renascentistas
conhecidos, enquanto o Space Center Houston oferece exposições interativas projetadas pela NASA. Austin, a capital, é conhecida pelo seu cenário
musical eclético e pela LBJ Presidential Library.

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que a explosão foi completamente acidental não fez nada para colocar um
novo teto sobre nossas cabeças ou diminuir minha culpa.

Por um tempo, nos contentamos com um antigo prédio industrial que


meio que convertemos em uma casa habitável, mas todos nós o
detestávamos. E nossas necessidades mudaram. Todos nós, incluindo
minha irmãzinha, agora éramos adultos. Queríamos morar perto um do
outro. Primeiro porque nos amávamos e segundo porque a Casa Baylor
era uma Casa nova e toda vez que saíamos do nosso prédio, ostentávamos
alvos adoráveis nas costas. Quanto mais perto vivêssemos um do outro
mais seguros estaríamos. Mas também precisávamos desesperadamente
de privacidade.

Queríamos morar por perto. Mas não perto demais.

Encontrar a casa certa em nossa faixa de preço levou uma eternidade,


mas eu tinha minhas esperanças depositadas nesta. Eu realmente gostei
dela.

— Ouvi dizer que corretores de imóveis precisam divulgar se a casa é


assombrada, —disse Leon.

Olhei para mamãe no banco do motorista. Ela me deu um sorriso


divertido que dizia ‘você está sozinha nessa’.

— Aparentemente, apenas quatro estados exigem que os corretores


divulguem atividades paranormais, —relatou Arabella. — Nove estados

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exigem que se notifique o comprador se ocorreu uma morte no local. E o


Texas não está entre esses nove.

— Não houve mortes no local. Ninguém morreu na casa, então não


pode ser assombrada, —eu disse a eles.

— Como sabe que ninguém morreu? —Leon perguntou.

— Porque eu verifiquei os registros, —Bern resmungou.

— Isso não significa nada, —disse Arabella.

Claramente, havia duas equipes neste veículo: Equipe ‘Registros


verificados’ contra Equipe ‘Registros verificados que se dane’.

— E se esconderam essa informação? —Leon perguntou.

Bern encarou seu irmão mais novo. Quando se tratava de descobrir


fatos, Bern era insuperável. Se houvesse um registro de algo e se esse
registro foi em algum momento inserido em um computador conectado à
internet, ele o encontraria.

Tínhamos chegado no fim da entrada pavimentada e paramos no topo


de uma colina baixa. Mamãe olhou para o muro de três metros que
envolvia a propriedade. Diretamente à nossa frente, um túnel curto e
arqueado atravessava o muro, permitindo a entrada para os terrenos
internos. Normalmente, a entrada era bloqueada por um portão de metal
pesado, que agora estava retraído na parede do lado esquerdo. Do lado
direito, dentro da espessura do muro, havia uma guarita.

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— A entrada parece ser bem segura, —mamãe disse.

— Eu gostei, —disse Leon. — Se os infiéis optarem por escalar as


paredes, podemos desencadear uma chuva de flechas e derramar piche
fervente.

Ah. Ah. Que engraçado.

Mamãe manobrou nosso Chevy Tahoe blindado pela entrada e entrou


no estacionamento da frente do lado direito. O Alfa Romeo prateado de
Alessandro já esperava em uma das vagas de estacionamento.

Todos saíram do carro. A entrada interna, uma larga estrada


pavimentada ladeada por espessos e antigos carvalhos, desenrolava-se em
frente, levando ao sul até a casa principal. À nossa direita havia um grande
pavilhão de pedra e madeira com enormes janelas.

Mamãe acenou para o pavilhão. — O que é aquilo?

— Aquilo é um espaço de eventos. O trabalho de vigas no interior é


muito bonito. Acho que, se o isolarmos adequadamente, podemos usá-lo
como nosso prédio de escritórios.

Leon franziu a testa. — Você quer dizer um prédio de escritórios


separado? Um em que poderemos trabalhar e depois quando terminar o
trabalho sairemos de lá? As pessoas têm essas coisas?

Chevrolet Tahoe é um SUV de grande porte da General Motors.

Alfa Romeo é um fabricante italiano de automóveis, fazendo parte do grupo Fiat desde 1987.

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Suspirei.

— Leon, —mamãe disse. — Catalina e Alessandro passaram as


últimas duas semanas inspecionando este lugar. Ela mal dormia e mal
comia. Pelo que me lembro, nenhum de vocês ajudou, exceto Bern. Que
tal guardar essa sagacidade afiada e tentar ser menos você pela próxima
hora?

— Sim, senhora. —Leon se endireitou e a expressão dele ficou sério


de repente. Não duraria, mas foi uma boa tentativa. Meu primo mais novo
tinha vinte anos e não mostrava nenhum interesse em mudar de estilo. E
isso era bom para mim. Eu gostava de Leon do jeito que ele era.

Mamãe olhou de soslaio para o prédio retangular de dois andares do


outro lado da entrada principal. — E aquilo?

— ‘Cuartel’ , —eu disse. — De acordo com os documentos de


listagem.

Ela ergueu as sobrancelhas. — Quartel?

— Sim. O piso inferior tem uma cozinha, um refeitório e um


arsenal. O piso superior tem espaço para dez quartos e um banheiro
coletivo com quatro box e três chuveiros.

— Hummm.

Quartel em espanhol.

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Normalmente interpretar os ‘hummms’ da mamãe não era um


problema, mas agora eu não tinha ideia do que ela estava pensando.

Descemos a calçada. A densa parede de arbustos ornamentais


emoldurava os carvalhos de ambos os lados, escondendo o resto do
terreno. Os galhos das árvores se entrelaçavam acima de nossas cabeças e
descer a calçada era como entrar em um túnel verde.

— Boa entrada para carros, —disse Leon.

— Aproveite enquanto pode, —eu disse a ele. — É a única estrada


reta no local.

— Quantos hectares você disse que isso aqui tinha? —Mamãe


perguntou.

— Vinte e três vírgula quatro , —disse Bern à nossa frente. — Dezesseis


são murados, o resto é cercado por grades.

— Precisamos murar o resto, —mamãe disse.

— Pergunta! —Arabella levantou a mão. — Se comprarmos isso,


posso comprar um carrinho de golfe ?

Hectare é uma unidade de medida agrária, também chamada de hectômetro quadrado (hm2). É a medida mais usada para o cálculo do tamanho
de áreas agrícolas, matas e áreas naturais. A medida é simbolizada por "ha" e a contagem não depende do formato da área. 1 hectare equivale a
10000 metros quadrados (m2) ou a 100 ares.
Equivale a 250.000(m2).

Um carrinho de golfe é uma espécie de buggy muito usado em campos de golfe, numa outra versão, para que os jogadores
se façam transportar. Estes tornam o desafio muito mais cómodo e evitam as longas caminhadas que caracterizam este desporto

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— Você pode comprar um carrinho de golfe com seu próprio dinheiro,


—disse mamãe.

A entrada nos levou a um grande pátio em frente a uma mansão


mediterrânea de dois andares.

— A casa principal tem quatrocentos e sessenta e cinco metros


quadrados, —eu disse. — O piso inferior é dividido em duas alas. Cada
ala tem uma suíte master. Quatro quartos no andar de cima, todos suítes.

— Quatro quartos? —Perguntou Arabella. — Então, mamãe e vovó


ficam com as suítes do andar de baixo, e nós ficamos com os quartos do
andar de cima?

Dizer que ela parecia desapontada seria um eufemismo criminalmente


grosseiro.

— Poderíamos fazer isso, —eu disse, — ou poderíamos morar nos


prédios auxiliares.

Arabella olhou para mim. — Que prédios auxiliares?

Virei as costas para a mansão e apontei com ambas as mãos para os


lados.

O estilo mediterrâneo remete às casas das regiões litorâneas da Espanha, Itália, Grécia, Turquia
e norte da África. Com inspiração vinda do mar mediterrâneo, a decoração baseada nesse estilo transmite o calor e o frescor da região, por isso,
cores como verde e azul estão sempre presentes na decoração.

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A família se virou. Em ambos os lados da entrada, separados pelas


cercas, havia um labirinto de prédios e vegetação. À esquerda erguia-se
uma torre redonda de três andares. À direita, meio escondidos pelo
paisagismo, havia três chalés de dois andares, cada um com cento e
cinquenta metros quadrados, unidos por uma passagem no segundo
andar. Entre os chalés e nós, havia jardins, bancos, gazebos e espelhos
d'água. Caminhos de pedra, desenhados por um marinheiro bêbado,
serpenteavam por tudo, tentando conectar os prédios e na maioria das
vezes falhando.

Leon encarou a torre. Seus olhos adquiriram um olhar distante que


geralmente significava que ele estava pensando em naves interestelares,
baleias aladas e piratas espaciais. — Meu.

— A estrutura precisa de reparos, —eu avisei.

— Não me importo.

Bern deu um passo à frente e resmungou: — Eu gostei daquela torre.


—Ele esperou por um momento, como se tentasse se convencer de algo,
respirou fundo e caminhou para a direita, andando por um caminho de
pedra em direção os chalés.

— Onde você está indo? —Mamãe gritou.

— Chalés, —ele respondeu sem se virar.

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Mamãe olhou para mim. — Deixa eu adivinhar, Runa gostou dos


chalés?

Eu balancei a cabeça.

Meu primo mais velho e minha melhor amiga estavam caminhando,


lento mas seguramente, para o casamento. Runa e seus irmãos moravam
conosco, e era cada vez mais difícil ignorar Runa se esgueirando para o
banheiro do outro lado do corredor do quarto de Bern pela manhã.

Eu poderia entendê-los. Alessandro e eu dormíamos na mesma cama


todas as noites, mas nós dois, por razões completamente diferentes, nunca
nos sentimos à vontade para ele se mudar de vez para o meu quarto, por
isso resolvemos que ele moraria no prédio ao lado e eu deixaria a janela
do quarto aberta. Para Alessandro, entrar e sair pela janela era
infinitamente preferível a ter que passar pelo desafio de se esgueirar da
minha família só para chegar à minha porta.

— Onde vou ficar? —Perguntou Arabella. — Vou ficar em um dos


chalés?

— Acho que eles já estão comprometidos, —mamãe disse,


observando Bern aumentar o passo. — Bern e Runa irão ficar com um dos
chalés e as crianças Etterson irão ficar com o outro ou outros.

— Há uma cabana nos fundos, atrás da casa principal, —eu disse a


Arabella. — Você pode morar lá.

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Arabella marchou ao redor da casa. Mamãe e eu a seguimos por um


caminho estreito, ladeado por oliveiras do Texas , arbustos de esperança ,
ainda carregando as últimas flores amarelas brilhantes e moitas de
apidistras com suas grossas folhas verdes.

— Então Bern e Leon escolhem onde vão ficar, e eu fico com as


sobras, —Arabella resmungou por cima do ombro.

— Sim. —Eu balancei a cabeça. — Você é a mais nova.

Ela murmurou algo baixinho. Torturá-la era delicioso.

— O que você disse que este lugar era? —Mamãe perguntou.

— Um resort falido. Os primeiros proprietários construíram a casa


principal, a torre de Leon e o chalé maior. Em seguida, eles venderam para
um homem que decidiu transformar o local em um hotel ‘rústico’ ultra-

A oliveira do Texas Cordia boissieri (anacahuita) é nativa do sul do Texas e pode ser cultivada como um arbusto ou uma
pequena árvore. Suas flores brancas vistosas o tornam um complemento atraente para a paisagem da casa. Não é uma verdadeira oliveira, mas
porque seus frutos se assemelham a azeitonas, é conhecida como a azeitona do Texas.

Esperanza (Tecoma stans) tem muitos nomes. A planta esperança pode ser conhecida como sinos amarelos, trompete
amarelo resistente ou amieiro amarelo. Independentemente de como você o chama, o nativo tropical é facilmente reconhecido por suas grandes
massas de flores levemente perfumadas, amarelo-dourada, em forma de trombeta em meio à folhagem verde-escura. Estes podem ser vistos
florescendo da primavera ao outono. Embora as plantas perenes esperanza sejam cultivadas na paisagem como arbustos ou plantas de contêiner
por sua beleza, elas também já foram bastante populares por seu uso medicinal – incluindo uma cerveja feita a partir das raízes.

Aspidistra elatio. Nome comum: planta de ferro fundido. Tipo: Herbácea perene. Família: Asparagaceae. Faixa nativa: China,
Japão.

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seguro para Superiores e Significativos. A propaganda no site deles


chamava isso aqui de ‘um retiro rural para a elite de Houston ’.

Arabella bufou.

— Ele foi dono deste lugar por cerca de doze anos e construiu o resto
dessa estrutura. Seu hotel faliu e agora ele está tentando vender a
propriedade para liquidar suas dívidas.

Nenhuma construção nesta propriedade seguiu qualquer tipo de


projeto arquitetônico. Para adicionar insulto à injúria, o segundo
proprietário achou que ele era um homem de muitas habilidades e decidiu
fazer por conta própria as reformas e manutenções do local, em vez de
contratar profissionais. De acordo com nosso inspetor de construção, as
habilidades do proprietário eram questionáveis.

— Quanto ele quer por este lugar? —Perguntou Arabella.

— Vinte milhões.

— Isso está fora do nosso orçamento, —mamãe disse.

— Não está se conseguirmos financiamento, —eu disse. Já havíamos


feito um pedido por meio de uma empresa de hipotecas que Connor
possuía, e foi aprovado em tempo recorde.

Houston é uma grande metrópole situada no Texas que se estende até a Baía de Galveston. A cidade é muito conhecida
por conta do Centro Espacial de Houston, centro costeiro para visitantes do complexo de treinamento de astronautas e controle de voo da NASA. O
centro relativamente compacto da cidade inclui o Theater District, que abriga a famosa Houston Grand Opera, e o Historic District, com arquitetura
do século XIX e restaurantes de luxo.

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— Podemos pagar a metade, —disse Arabella, — mas este lugar não


vale vinte milhões. Quer dizer, não tem nem mesmo uma casa sobrando
para mim. Vou ter que me contentar com uma cabana ...

Viramos a esquina e o caminho se abriu, a vegetação ficando para


trás. Um enorme pátio de pedra se estendia à nossa frente, embalando uma
gigantesca piscina de estilo romano . Passando pela piscina luxuosamente
grande, o pátio se estreitava em um longo caminho de pedra que descia
até um lago de dezesseis mil metros quadrados. Entre a piscina e o lago,
do lado direito, havia outra torre de três andares.

Onde a torre de Leon parecia algo arrancado de um castelo normando ,


esta poderia ter se encaixado bem à beira-mar de Palm Beach . Elegante,
branca, com varandas cobertas nos dois níveis superiores e um terraço no
telhado, tinha uma vibe de chalé de férias. Uma passagem estreita ligava
a varanda do terceiro andar à casa principal. De todos os prédios da
propriedade, essa torre era a mais nova e por isso exigiria poucos reparos
para ser habitável.

— Sua cabana, —eu disse a ela.

Uma das formas mais populares no interior piscina a indústria é a Roman End estilo - um retângulo com um semicírculo em cada
fim do piscina. Com seu visual elegante combinado com muitos assentos, Piscinas Roman End certamente pode melhorar a aparência de um quintal.

Castelo Normando Svevo Em Morano Calabro

Palm Beach é uma vila localizada no estado norte-americano da Flórida, no condado de Palm Beach. Foi fundada em 1894
e incorporada em 17 de abril de 1911. Quem não conhece Palm Beach de perto não tem ideia da importância dessa pequena vila.

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Arabella disparou pelo pátio.

Mamãe e eu passeamos pela piscina em direção à margem do


lago. Uma pista de exercícios circundava o leito, e os telhados de três
outros prédios se projetavam da vegetação em pontos aleatórios ao longo
de seu perímetro.

— A entrada sul é ali. —Apontei para a outra extremidade do lago. —


Podemos colocar a oficina da vovó naquele local, de frente para a estrada.
—Teríamos que arranjar um carrinho de golfe para ela. Vovó Frida era
ágil e saudável, mas já estava em seus setenta anos.

— Podemos realmente pagar por este lugar? —Mamãe perguntou.

— Sim. Se reduzirmos 25%, teremos o suficiente para um ano de


despesas comerciais e sobrará meio milhão para reformar. Teremos que
escalonar os reparos e precisaremos investir em algum gado para a isenção
agrícola. O lugar já tem painéis solares , então vamos economizar algum
dinheiro em energia, mas precisaremos de uma equipe de jardinagem e
provavelmente de serviço de limpeza.

Mamãe se eriçou. — Nunca precisei de empregadas na minha vida. Se


alguém tem idade suficiente para ter sua própria casa, tem idade suficiente
para mantê-la limpa.

Painéis solares fotovoltaicos são dispositivos utilizados para converter a energia da luz do Sol em energia elétrica. Os painéis
solares fotovoltaicos são compostos por células solares, assim designadas já que captam, em geral, a luz solar.

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— Concordo, mas a casa principal é enorme, e temos o quartel e os


escritórios. Todos nós vamos estar muito ocupados. Haverá um exército
de pessoas para supervisionar, decisões de reformas a serem tomadas, e
ainda temos nosso número regular de casos, além dos outros negócios …

Meu tempo não era mais completamente meu. Uma parte dele
pertencia à minha família e à administração da nossa Casa, mas outra
parte, significativamente maior, pertencia ao Estado do Texas e aos
complexos e emaranhados conflitos que as famílias mágicas criavam.

Arabella irrompeu na sacada do terceiro andar. — Se eu gostei? Não.


Eu amei isso aqui!

Mamãe sorriu. — Bem, você tem o voto dela. Onde você e Alessandro
ficarão?

— Bem ali. —Apontei para a esquerda, onde ficava uma casa de dois
andares à beira do lago. — Ele provavelmente está lá agora. Precisa de
mim para ir até a casa principal?

Mamãe me dispensou.

— Não se preocupe. Vá ver como ele está.

Dei-lhe um abraço rápido e subi as escadas do pátio até o caminho


que levava à casa de dois andares que Alessandro e eu escolhemos para
nós mesmos.

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Esperançosamente ele ainda estaria lá. Mandei uma mensagem para


ele quando estávamos chegando, mas ele não respondeu. Pode ter
adormecido.

Em nosso mundo, Superiores como eu tinham muito poder. Mesmo


usuários de magia comuns podiam desencadear muita devastação,
especialmente se a magia for de nível de combate. Ninguém queria o caos
que aconteceria se os magos pudessem andar por aí sem controle.
Enquanto todos estavam sujeitos às leis, quando se tratava de magos, as
autoridades civis deixavam a aplicação dessas leis para a própria
comunidade mágica. Os usuários de magia de cada estado eram
governados por uma assembleia, que por sua vez respondia à Assembleia
Nacional.

A Assembleia Nacional nomeava um Guardião para cada estado, um


único agente da lei cuja identidade era mantida em sigilo por razões
óbvias. Os Guardiões investigavam crimes cometidos pela elite mágica e
às vezes julgavam. Nosso Guardião era Linus Duncan, eu era sua vice, e
Alessandro trabalhava como nosso Sentinela. Os Sentinelas eram para os
Guardiões o que os oficiais de justiça eram para os juízes. Enquanto os
Guardiões investigavam, os Sentinelas os guardavam e aplicavam força
quando a força era necessária. Assim como eu, Alessandro estava sempre
de plantão, e Linus o chamava muitas vezes.

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Para completar, na mente de Alessandro, ele não trazia nada além


dele mesmo e das suas habilidades para esse relacionamento, e para
compensar e contribuir, Alessandro se dedicava com afinco nos negócios
da nossa família. Ele era eficiente e inteligente, e havia aumentado nossa
renda em quase trinta por cento, o que foi em parte o motivo pelo qual
conseguimos juntar dinheiro para dar entrada nesta propriedade em tão
pouco tempo. Apenas Leon ganhava mais.

Mas o dia só tinha vinte e quatro horas. Alessandro não podia cortar
suas horas de Sentinela, ele não queria cortar suas horas na Casa Baylor,
então em vez disso cortou seu descanso e acabava adormecendo em
lugares aleatórios. Uma semana atrás, depois que o encontrei dormindo
na escada com uma fajita meio comida no prato, eu disse a ele que não
o deixaria mais entrar em meu quarto se ele não parasse. Ele me jurou que
tentaria dormir pelo menos sete horas por noite.

Cheguei na casa. Era um lugar fofo de dois andares, charmoso e


perfeito para nós dois. O gramado em frente era verde e bonito apesar do
inverno. A compreensão de Houston sobre o inverno era bastante
limitada. Shadow, minha cadelinha preta, iria adorar esse gramado. No
momento, o único espaço ao ar livre que Shadow tinha era um terreno
pavimentado e caminhadas—sempre amarrada em coleira—pelas

Fajita é um termo genérico utilizado na culinária Tex-Mex, que se refere à carne grelhada servida em uma tortilla de milho ou farinha.
Embora originalmente apenas de kronfleisch, hoje em dia também é feita de carnes populares como frango, porco, camarão e todos os cortes de
carne bovina.

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calçadas pavimentadas e cercadas por uma estreita faixa de grama. Se


comprássemos esta casa, Shadow seria a rainha de tudo isso aqui fora.

A porta da frente estava entreaberta. Subi os degraus até a varanda


coberta e entrei no vestíbulo. Todas as cortinas das janelas tinham sido
arrancadas e a casa estava cheia de luz. Meus passos enviaram ecos pelo
chão de mármore travertino .

O piso deve ter custado uma fortuna e o dinheiro para isso veio
claramente da cozinha, que precisaria de muita reforma. Entrei na cozinha
e parei. Uma dúzia de rosas vermelho-sangue florescia em um simples
vaso de vidro em um balcão monstruoso, que eu substituiria assim que
conseguisse dinheiro suficiente para isso. Uma garrafa de Giulio Ferrari
rosê e duas taças de vinho esperavam no balcão menor, ao lado da
geladeira.

Alessandro tinha comprado vinho e rosas para mim.

Eu sorri.

Um homem que eu nunca tinha visto antes saiu do corredor à minha


esquerda, suas mãos brilhando em vermelho. Na fração de segundo que

O travertino é uma rocha calcária, composta de calcita, aragonita e limonita, com bandas compactas, paralelas entre
si, nas quais se observam pequenas cavidades, onde predominam os tons que passam pelo branco, verde ou rosa, apresentando, frequentemente,
marcas de ramos e folhas.

Giulio Ferrari rose

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levei para enviar uma onda de magia em direção ao invasor, Alessandro


apareceu atrás dele como um fantasma vingativo, colocou a mão sobre a
boca do homem e enfiou uma faca na costela do invasor. Foi um golpe
rápido e preciso, tão rápido que eu teria perdido se não estivesse olhando
diretamente para eles.

Alessandro torceu a faca. Seu rosto estava calmo e relaxado, seus


olhos focados, mas não assustadores. Os olhos do invasor rolaram para
trás e ele cedeu levemente contra Alessandro. O homem que eu amava
pegou seu alvo como uma criança e o colocou no balcão maior, com a
faca ainda entre as costelas.

O vaso de flores escorregou e eu o peguei por puro reflexo.

Uma pessoa tinha acabado de morrer na minha frente sem fazer um


único som. Foi macabramente bonito.

— Arkan? —Eu perguntei.

Ele assentiu.

Arkan era o monstro no armário, o bicho-papão debaixo da nossa


cama. Ex-agente do governo do Império Russo, Arkan se estabeleceu no
Canadá e construiu um grupo de assassinos em torno de si. Ele

O Canadá é um país norte-americano que se estende desde os EUA, no sul, até o Círculo Polar Ártico, no norte. Entre
suas grandes cidades estão a gigantesca Toronto; Vancouver, centro cinematográfico da costa oeste; Montreal e Québec City, que falam francês; e
a capital, Ottawa. As vastas regiões de natureza selvagem do Canadá compreendem o Parque Nacional de Banff, repleto de lagos nas Montanhas
Rochosas. Abriga também as Cataratas do Niágara, um famoso conjunto de enormes cachoeiras.

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conspirava, matava e se intrometia em assuntos políticos em todo o


mundo, mas especialmente na América do Norte. O homem era tão
perigoso que o banco de dados do Gabinete do Guardião lhe marcava com
etiqueta preta, geralmente reservada para ditadores de pequenos países e
chefes de organizações terroristas em todo o mundo.

Linus Duncan queria matá-lo porque Arkan havia roubado uma


amostra do soro de Osíris dos Estados Unidos. Há um século e meio, a
descoberta do soro levou ao surgimento de talentos mágicos hereditários
que moldaram nosso mundo. O uso do soro agora era proibido por um
tratado internacional, e protegê-lo era uma das maiores prioridades dos
Guardiões. Alessandro queria matar Arkan porque Arkan havia
assassinado seu pai. Eu queria matá-lo para manter Alessandro seguro.
Tínhamos entrado em confronto duas vezes, e nas duas vezes Arkan
perdeu agentes e aliados, mas o próprio homem permaneceu fora de nosso
alcance e de nossa jurisdição.

O assassino intruso estava imóvel em nosso balcão de cozinha. Arkan


não tinha enviado o seu melhor e não esperava que esse homem
sobrevivesse. Enviou alguém bom o suficiente para se aproximar de mim.
Ele jogou uma vida fora só para nos dar um tapinha no ombro e dizer:
‘Linda casa. Eu não me esqueci de vocês’.

Alessandro pegou o vaso das minhas mãos e passou os braços em


volta de mim, me puxando para ele. — Catalina, não deixe isso te

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preocupar. —Sua voz era íntima e calorosa. — Nós vamos resolver isso.
Não se preocupe.

Eu inclinei minha cabeça contra seu peito. Tínhamos que pegar


Arkan. Ele era uma ameaça constante e se não o eliminássemos não
conseguiríamos ser felizes.

Arkan nunca nos deixaria em paz. No ano passado, logo depois que
destruímos aquela Construção no Poço, Arkan, que estava conectado à
coisa toda, enviou seu Telecinético de estimação, Xavier Secada, para nos
avisar para recuar. Dissemos onde ele poderia enfiar seu aviso.

Xavier odiava com o fogo de dez mil sóis a Casa Baylor e


particularmente a mim. Ele já foi um membro da família extensa de
Connor por parte de mãe, mas depois que expus o fato de que ele estava
tentando sabotar o casamento de Connor e Nevada, ele foi expulso. Eu
esperava que Xavier nos atacasse depois dos eventos no Poço. Mas não
atacou. Em vez disso, ele voltou para a Espanha e atacou sua antiga
família. Xavier não mirou os adultos como seus alvos. Não, o cretino foi
atrás de Mia Rosa, uma criança de dez anos, só porque ela era uma futura
Superiora e o orgulho de sua família.

A Espanha, país europeu da península Ibérica, tem 17 regiões autônomas com geografia e cultura diversas.
Madri, a capital, abriga o Palácio Real e o Museu do Prado, obras erigidas por mestres europeus. Segóvia tem um castelo medieval (Alcázar) e um
aqueduto romano intacto. A capital da Catalunha, Barcelona, apresenta monumentos modernistas de Antoni Gaudí, como a Igreja da Sagrada Família.

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Se Mia Rosa tivesse sido um pouco menos treinada ou se o poder dele


fosse um pouco mais estável, ele a teria matado. A criança sobreviveu,
mas passou meses no hospital. Dizer que Connor queria colocar as mãos
no pescoço de Xavier seria um eufemismo. E Arkan, que havia aprovado
a coisa toda, enviou flores para Mia Rosa no hospital com um cartão que
dizia: ‘Até breve’.

Este era o tipo de oponente com o qual estávamos lidando. Isso é


quem estava entre nós e nossa felicidade.

— Esse tipo de invasão não vai acontecer quando nos mudarmos, —


disse Alessandro.

— Eu sei.

Nossos guardas particulares eram excelentes, e nossa chefe de


segurança era excepcional.

Eu não deixaria Arkan manchar essa casa. Não, esta seria a nossa
casa, e eu a tornaria segura e calorosa.

— Você gostaria de um pouco de vinho? —Ele perguntou.

— Não.

A expressão de Alessandro escureceu. — Isso não saiu do jeito que


planejei.

— O que quer dizer?

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Alessandro olhou para o assassino morto. — Mas quem sabe assim


foi melhor. Mais honesto e realista.

Ele deu um passo para trás. Uma pequena caixa apareceu nos dedos
de Alessandro como que por mágica.

Vinho, flores, casa nova, caixa de joias. Meu cérebro conectou as peças do
quebra-cabeça em um relâmpago brilhante, e eu peguei seu braço assim
que ele começou a se ajoelhar, mantendo-o de pé. — Sem ajoelhar. Por
favor.

Ele abriu a caixa. Um anel de ouro repousava sobre veludo preto,


coroado com um rubi oval.

— Não é uma joia de família, —disse Alessandro com sinceridade


sombria. — Eu não herdei da minha família. Desenhei para você e mandei
fazer. Ninguém mais o usou e se você disser não, ninguém nunca o usará.

A pedra facetada brilhava como uma estrela presa em uma gota de


sangue entre nós.

— Eu te amo com todo o meu coração, —disse ele. — Não posso te


prometer uma vida tranquila, mas prometo que farei tudo que estiver ao
meu alcance para te fazer feliz. Quer se casar comigo?

Alessandro ficou em silêncio, e eu vi a incerteza piscar nos olhos deles.


Apesar de tudo que passamos, ele não sabia qual seria minha resposta.

Ruby Fever
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Esta era a parte da estrada onde nossos dois caminhos convergiriam


ou se separariam. Uma palavra, uma pequena palavra, e nossas vidas
seriam irreversivelmente mudadas. O momento era tão profundamente
íntimo que quase doeu.

Fiquei na ponta dos pés, passei meus braços ao redor de seu pescoço
e olhei em seus olhos.

Ele esperava pela minha resposta.

Eu o beijei e sussurrei: — Sim. A resposta é sim.

SEIS MESES DEPOIS

A manhã de segunda-feira começou mal e só piorou.


Na tela do meu computador, Ruben Hale me encarava tentando me
intimidar. Eu dei a ele meu olhar exclusivo das Tremaines. Infelizmente,
o olhar funcionava muito melhor pessoalmente. Difícil irradiar intenção
mortal em um bate-papo por vídeo.

— Não prosseguiremos até que o pagamento seja transferido


para nossa conta.

Ruby Fever
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Ruben estava em seus cinquenta e tantos anos, tinha uma pele


bronzeada, um corpo atarracado e um maxilar pesado. Ele também era
um Significativo. De muitas maneiras, os Significativos eram mais difíceis
de lidar do que os Superiores. Superiores eram como tigres, mortais, mas
avessos a conflitos, porque quando Superiores lutavam, quarteirões
inteiros acabavam incinerados. A maioria dos Superiores considerava
indigno intimidar usuários de magia de classificação inferior. Eles tinham
certeza de que seriam respeitados e tinham uma reputação a zelar.

Os Significativos queriam ser Superiores. Suas habilidades os


colocavam acima da maioria dos usuários de magia, mas ainda abaixo
dessa cobiçada camada superior de poder. Muitos deles se sentiam
compelidos a usar da arrogância para garantir que seu status especial seja
reconhecido, e eles se ressentiam dos Superiores, então quando uma
oportunidade segura de irritar um Superior surgia, eles agarravam essa
oportunidade.

— Ouça-me. —Ruben se inclinou para mais perto da tela, dando-me


uma visão deslumbrante de seus pelos do nariz. — Escolhi a Agência de
vocês por uma única razão. Vocês são mais barato que os
Montgomery.

— Mais barato, senhor Hale. Não de graça.

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O caso do senhor Hale era de responsabilidade de Alessandro.


Normalmente ele teria atendido a ligação, mas estava caçando Dag
Gunderson, outra dor colossal em nosso pescoço. Dag era um mago de
alteração que tinha a capacidade de sobrecarregar mísseis com energia
arcana. Ele usou seu talento para resolver um rancor pessoal,
transformando granizo comum em uma chuva de meteoros arcana e
acidentalmente danificou um prédio municipal no processo.

A Assembléia do Texas o aplicou uma multa e encerrou o assunto,


esperando que Dag pagasse imediatamente. Em vez de pagar a multa,
Gunderson passou a fugir das autoridades, desencadeando bombardeios
aleatórios contra vários alvos. A Assembleia se cansou de tentar localizá-
lo e pediu ajuda a Linus, que enviou Alessandro para cuidar disso.

A expressão nos olhos de Ruben me disse que ele estava acostumado


a passar por cima das pessoas para conseguir o que queria. Eu podia ver
por que Alessandro se recusava a trabalhar no caso desse homem antes
que ele nos pagasse o combinado primeiro. Hoje faz seis dias de atraso.

— Vocês deveriam estar gratos pelo trabalho, —Ruben rosnou.

Vozes elevadas atravessaram a porta de vidro e as paredes e chegaram


em meu escritório. Alguém, ou provavelmente muitos, estava gritando na
sala de conferências. Estranho. Eu não conseguia me lembrar de nenhuma
grande reunião problemática agendada para hoje.

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— Você ao menos sabe com quem está falando? —Rubens exigiu.

Aparentemente, chegamos ao estágio ‘como você se atreve’ das


negociações. — Você assinou um contrato, Senhor Hale. De acordo
com os termos ...

— Os termos mudam.

— Não depois de assiná-los. Talvez o senhor devesse procurar a


definição de um contrato.

Matilda passou correndo em suas pernas magras de dez anos pela


minha porta, seus longos cabelos escuros voando.

— Vocês têm sorte de fazer negócios com alguém como eu. Mas
pelo jeito não fazem questão.

— Negócios envolvem compensação. O que o senhor está


pedindo é caridade.

Os olhos de Ruben se arregalaram. Suas narinas se dilataram.

Ragnar passou correndo pelo meu escritório. Primeiro a filha de


Cornelius, e agora o irmão de Runa estava envolvido.

O que no mundo estava acontecendo lá fora?

— Quem você pensa que é? —Ruben trovejou.

— Significativo Hale! —Eu coloquei minha voz Tremaine. —


Quem eu sou não está em questão. Minha identidade como

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Superiora e Chefe da minha Casa é uma questão de registro público.


A única coisa em dúvida é a sua capacidade de pagar. Você já
desperdiçou o suficiente do meu tempo. Considere nosso contrato
cancelado.

— Você ...

— Reserve um momento para pensar e escolher suas próximas


palavras com muito cuidado. Já me cansei de sua postura. Não faça
de você e de sua família o foco da minha atenção.

A boca do homem se fechou. Ele se endireitou. — Senhorita Baylor


...

— Superiora Baylor.

— Superiora ...

Peguei o contrato dele e o rasguei em dois. — Nossa discussão está


encerrada.

Ele me encarou, chocado.

Encerrei a ligação por vídeo, fui até a porta e a abri. Uma onda de
barulho me atingiu. Várias pessoas gritavam ao mesmo tempo, um coro
de raiva e tristeza pontuado por uma mulher soluçando.

Caminhei pelo corredor e abri a porta da sala de conferências. Oito


pessoas, quatro delas de meia-idade, estavam ajoelhadas, rastejando pelo

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chão. Matilda e Ragnar estavam parados em pé ao lado, parecendo em


estado de choque.

— O que está acontecendo aqui?

— Ela fugiu! —Um homem branco na casa dos sessenta gemeu sobre
à mesa, a mão sobre os olhos. Uma mulher branca alguns anos mais nova,
vestida em um terno Chanel cor de menta, colocou os braços de forma
protetora sobre os ombros dele.

— Quem fugiu? —Eu exigi.

— Edviges, —Matilda se ofereceu.

— Vocês dois, para o corredor.

Puxei as crianças para o corredor, fechei a porta atrás de nós e olhei


para eles. — O que a primeira rainha da Polônia tem a ver com o que quer
que seja?

Ragnar olhou para mim com admiração. — Como você sabe disso?

Eu não fazia ideia de como sabia o nome da primeira rainha polonesa.


Era só mais um dos fatos aleatórios que ocasionalmente ficavam presos
no meu cérebro.

— Edviges é uma aranha, —explicou Matilda. — Uma aranha muito


especial.

Ah não.

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— É a família Dabrowski que está lá dentro?

Ragnar assentiu.

Edviges era uma aranha muito especial. Mais ou menos do tamanho


de uma tarântula anã de plantação de abóboras, a aranha era brilhante,
como mogno polido. Ao contrário do abdômen de uma aranha típica, o
segmento traseiro de Edviges terminava abruptamente, como se cortado
ao meio, terminando em um disco endurecido com um padrão único que
parecia uma máscara antiga, dando-lhe uma forma de ampulheta.

Esse padrão único no disco era encontrado somente em uma espécie:


a aranha Ampulheta Gigante . Era extremamente rara—apenas sete
espécimes foram encontrados até agora—e terrivelmente cara. Trefon
Dabrowski, o chefe da Casa Dabrowski, comprou Edviges pela quantia
insana de 250.000 mil dólares de um fazendeiro chinês que a encontrou.
Trefon de alguma forma conseguiu passar essa preciosa aranha pela
alfândega e a instalou em um luxuoso terrário na mansão da Casa
Dabrowski para ser a estrela de sua deslumbrante coleção de aracnídeos.
Todo esse trabalho para Edviges ser roubada uma semana depois.

Mecicobothriidae é uma família de aranhas migalomorfas, conhecidas por tarântulas-anãs, com distribuição natural restrita às
Américas. As tarântulas-anãs, como o nome indica, apresentam fortes semelhanças morfológicas com as tarântulas, mas são substtancialmente mais
pequenas. Muitos espécimes têm comprimento corporal inferior a 1 cm e a espécie maior da família me geral não apresenta indivíduos com mais de
2 cm de comprimento.

Cyclocosmia ricketti, comumente conhecida como aranha-ampulheta chinesa, é uma espécie de aranha-alçapão do gênero
Cyclocosmia, que se refere especificamente aos animais mygalomorphus. Cyclocosmia ricketti é nativa da China e foi descrita pela primeira vez em
1901 por Mary Agard Pocock.

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Graças a Cornelius, nossa empresa ganhou a reputação de resolver


casos difíceis envolvendo animais, então quando A Casa Dabrowski
perdeu sua aranha, parecemos uma escolha natural. Eles estavam
dispostos a pagar qualquer quantia pelo nosso trabalho.

— Pelo que sei, a nossa Agência se recusou a aceitar este caso.


Matilda, seu pai disse explicitamente que as aranhas precisam de um mago
aracnídeo específico, e tanto você quanto ele são especializados em
pássaros e mamíferos.

Matilda ergueu o queixo. Eu conhecia aquele olhar. Ela estava prestes


a me atingir com uma longa argumentação lógica. Se eu a deixasse
começar, passaríamos aqui o dia todo.

— Não só isso, mas esta aranha foi contrabandeada para os EUA.


Matilda, qual é a definição de contrabando?

— Ilegalmente transportado de um país para outro, —disse ela.

— Ilegalmente é a palavra-chave. Nem a Casa Baylor, —olhei para


Matilda, — nem a Casa Harrison, —olhei para Ragnar, — nem a Casa
Etterson podem ser cúmplices do contrabando de espécies raras e
ameaçadas.

— Tecnicamente ... —Matilda começou.

— Não.

— Eu senti a aranha. Ela estava assustada e estressada.

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Olhei para Ragnar. — Explique rapidamente.

— Matilda queria encontrar a aranha para ver se poderia se conectar


com o inseto.

— Aracnídeo, —disse Matilda.

— Bazyli Dabrowski roubou a aranha de seu irmão. Nós a


encontramos e tentamos devolver o inse ... o aracnídeo. Eles tiveram uma
briga na sala de conferências. Trefon disse a Bazyli que ele nunca mais
veria Edviges e então Bazyli o atacou e tentou arrancar o terrário das mãos
de seu irmão. O terrário caiu e Edviges fugiu para a caixa de ventilação.

Respirei fundo, soltei o ar lentamente e olhei Ragnar com firmeza. —


Matilda tem dez anos. Ela ainda pode ser um pouco imprudente e não
pensar nas possíveis consequências de suas ações.

Matilda parecia ter levado um tapa na cara.

— Mas você já tem dezesseis anos. Está a menos de dois anos de


legalmente ser um adulto.

— Nós vamos encontrá-la, —prometeu Ragnar.

— Como vocês se envolveram nisso? Nenhum dos dois têm


autoridade para aceitar casos. Quem assinou este contrato? Quem fez as
documentações?

As crianças se calaram.

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Não poderia ter sido Cornelius. Ele ficou muito desconfortável com
todo o caso. Quem no mundo daria a uma Maga Animal Superiora de dez
anos de idade e a um Mago Venenata Superior de dezesseis anos de idade
rédea livre em um sequestro ilegal de aranhas ...?

É claro. Ele seria o único que faria isso.

Meu telefone vibrou na minha mesa. Um número desconhecido. Eu


atendi a ligação.

— Vice-Guardiã Baylor, —disse uma voz profunda. Em todo o estado


do Texas, apenas um punhado de pessoas sabia que eu era a Vice-Guardiã.
Apontei para Ragnar e Matilda e apontei para o chão, indicando aos dois
que eu queria que eles me esperassem parados ali mesmo. Bem ali.

Então entrei no meu escritório e fechei a porta.

— Sim?

— Meu nome é Stéphane Grégoire. Sou o maître do Refúgio.

O Refúgio era um restaurante temático francês, de muito bom gosto,


muito exclusivo, atendiam a uma clientela de elite. Quando os agitadores
de Houston queriam ter um almoço privado para discutir negócios

Diferente do gerente, que é responsável por todo o restaurante, incluindo a cozinha e o controle dos mantimentos, o maître é responsável
apenas pelo salão. É ele quem cuida do trabalho dos garçons, inclusive. Sua função é preservar o bom atendimento e supervisionar a maneira como
os pratos são servidos, além de cuidar dos horários em que os pedidos são realizados e levados à mesa.

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discretamente, eles iam para o Refúgio. Nenhum deles sabia que Linus era
o verdadeiro proprietário.

— Nós nos conhecemos, —eu o lembrei. — O que posso fazer por


você?

— Houve um assassinato, —disse Grégoire. — Tentei falar com o


Superior Duncan, mas ele não está respondendo.

— Quem foi assassinado?

— Luciana Cabera.

Ah Merda.

— Quem mais sabe?

— Você é a segunda pessoa para quem liguei. Fui instruído a entrar em


contato com você se o Guardião não estiver disponível.

— Permaneça calmo. Feche o restaurante. Logo estarei aí.

Desliguei e liguei para Linus. Um toque, dois, três ...

Linus sempre atendia minhas ligações. Noite ou dia, a qualquer hora,


ele atendia no segundo toque.

Quatro cinco ...

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Ele sempre me avisava se esperava ficar indisponível. Alessandro e eu


tínhamos uma reunião marcada com ele hoje à noite. Desliguei e abri a
porta.

Matilda e Ragnar piscaram para mim.

— Tire a família Dabrowski daqui e encontre essa aranha valiosa,


estressada e assustada antes que ela pique alguém ou ponha ovos.

Saí pelo corredor em direção à saída, ligando para Alessandro. Ele


saiu esta manhã para caçar Dag Gunderson. Alessandro respondeu
instantaneamente.

— Onde você está?

— Chegando nos portões de casa.

— Temos uma emergência, —eu disse a ele.

— Vamos no meu carro.

Saí do prédio e corri para o sol, discando para Leon enquanto


caminhava até os portões.

— Se é sobre a aranha ... —Leon começou.

— Aranha mais tarde. Linus não está atendendo o telefone. Preciso


que você dirija até a casa dele.

— É pra já.

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— Ligue-me quando chegar lá.

O Alfa Romeo prateado de Alessandro atravessou os portões e parou


na minha frente. Eu entrei e nós demos meia-volta e aceleramos pela
entrada.

— Para onde? —Perguntou Alessandro.

— O Refúgio. A presidente da Assembleia do Estado do Texas foi


assassinada.

O Refúgio ocupava um belo prédio de dois andares na esquina da Milam


com a Anita, em Midtown. Havia lugares encantadores em Houston. Esta
área não era uma delas. Era um lugar de complexos de apartamentos
comuns, bares de karaokê, bistrôs e lanchonetes. O Chipotle e o
Starbucks , instalados aqui, desfrutavam do tráfego intenso de jovens

Chipotle Mexican Grill, Inc., muitas vezes conhecido simplesmente como Chipotle, é uma cadeia americana de restaurantes casuais
rápidos nos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Alemanha e França, especializada em tigelas, tacos e burritos Mission que são feitos sob
encomenda em frente do cliente.

Starbucks é uma empresa multinacional norte-americana, com a maior cadeia de cafeterias do mundo. Tem sua sede na cidade de
Seattle, estado de Washington

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profissionais que entravam ou saíam das torres de aço e vidro do nordeste


de Midtown.

Por fora, o Refúgio parecia um restaurante comum de nível médio.


Construído com tijolos vermelhos, ostentava grandes janelas em arco no
primeiro nível e, se você entrasse pela porta da frente, encontraria um
menu satisfatório de itens básicos do Texas com um toque da culinária
francesa. Clientes especiais não entravam pela porta da frente. Entrava
pela entrada lateral e eram conduzidos por uma escada estreita até o
segundo andar. Lá eles escolhiam entre uma espaçosa sala de jantar, com
mesas afastadas para garantir a privacidade, ou um pátio com um espaço
de jantar ao ar livre, cercado em dois lados por uma parede de plantas e
no terceiro lado por uma parede de pedra, oferecendo arte com temas do
Velho Oeste, mapas antigos emoldurados e fotos de fronteira em preto e
branco, caso os visitantes de alguma forma esquecessem que estavam no
Texas.

Luciana Cabera estava pendurada na parede de pedras, entre uma foto


de alguns vaqueiros e um quadro original do sonhador Dawson Dawson-
Watson , retratando um campo inundado de bluebonnets .

Dawson Dawson-Watson foi um pintor impressionista nascido na Inglaterra que se tornou famoso em 1927 por ganhar
o maior prêmio em dinheiro da arte americana, a Texas Wildflower Competitive Exhibition.

Bluebonnets é um nome dado a qualquer uma das várias espécies de flores roxas do gênero Lupinus encontradas
predominantemente no sudoeste dos Estados Unidos e é coletivamente a flor do estado do Texas.

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Uma estaca de metal de sessenta centímetros a prendia na pedra


através do peito. Uma segunda estaca se projetava de sua boca aberta. Na
vida, ela tinha sido uma mulher esbelta, com cabelos curtos e
encaracolados, cortados em um corte moderno, uma elegante insinuação
aos cortes de cabelos dos políticos homens. Ela sorria com facilidade,
falava com as mãos e seus olhos brilhavam com vida.

A coisa pendurada na parede era uma imitação pálida e sem vida


dessa mulher. O sangue encharcava seu terno bege. Seus óculos de grife
de armação verde escura estavam no chão. Seus sapatos escuros tinham
caído, e seus pés estavam descalços, suspensos quinze centímetros acima
do chão, balançando flácidos. Havia algo tão perturbador e vulnerável em
seus pés com suas unhas pintadas em esmalte verde-claro. Eu nunca a
tinha visto sem sapatos.

Parecia errado. Eu não conseguia explicar, mas fez minha garganta se


apertar em um caroço duro. Nos primeiros meses de trabalho para Linus,
continuei dizendo a mim mesma que eventualmente me tornaria
insensível à pura brutalidade do combate mágico, mas já se passaram
quase dois anos. Agora eu sabia que isso nunca aconteceria. A vontade de
fugir, a sensação perturbadora do estômago se revirando e a garganta presa
em um punho invisível quando eu via um corpo destroçado pelo poder de
alguém, sempre estaria comigo. Sempre. Mas eu tinha ficado boa em
controlar todas essas emoções para que eu pudesse fazer meu trabalho.

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Usar luvas ajudava. Quando eu colocava luvas antes de entrar em uma


cena, uma parte de mim tomava isso como um sinal de que era hora de
deixar de lado a ansiedade e o medo pessoal.

Alessandro olhou para o cadáver. Seu rosto estava sombrio.

Quando os cidadãos do Texas descobrissem que a Presidente da


Assembleia havia sido assassinada, a merda atingiria o ventilador com
uma intensidade aterrorizante. As consequências disso seriam
catastróficas. Era nosso trabalho contê-las.

A primeira prioridade era mudar essa cena para longe do Refúgio. O


corpo de Luciana teria que ser descoberto—ela era muito proeminente
para simplesmente desaparecer—mas se fosse descoberto aqui, o Refúgio
e seus funcionários se tornariam o alvo da mídia. Isso prejudicaria nossa
capacidade de investigar. Também tínhamos que evitar a todo custo que
um holofote gigante fosse apontado direto para Linus.

Alessandro discou um número. — Preciso de uma equipe de limpeza,


prioridade máxima. Documente, remova, refaça.

Ele deu a eles o endereço do Refúgio e desligou.

Às vezes nossos pensamentos estavam tão sincronizados que era


quase assustador.

Obriguei-me a examinar o corpo. O ângulo de ambas as estacas


sugeria uma trajetória descendente.

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A primeira estaca havia penetrado tão fundo na parede que apenas


dez centímetros sobrava para fora. A segunda estaca mal havia entrado,
quase vinte centímetros dela ainda visível. Ambas as estacas terminavam
em um anel de metal com um buraco largo o suficiente para passar uma
corda pesada.

Eu não gostei disso. De jeito nenhum.

Alessandro olhou para as estacas, depois inclinou a cabeça e olhou


para a torre de concreto e vidro a alguns quarteirões de distância a sudeste.

— Senhor Grégoire, por favor, me diga o que sabe sobre isso, —eu
disse.

Stéphane Grégoire assentiu. De estatura média, o homem estava em


seus quarenta e poucos anos, branco, bem barbeado, com um bronzeado
do Texas e cabelos ondulados escuros salpicados de cinza. Ele usava
óculos, seu terno era impecavelmente cortado e parecia imperturbável
apesar da decoração humana na parede de seu restaurante. A garçonete
ao lado dele, uma jovem loira de uniforme preto e branco, não estava tão
composta.

Ela cerrou as mãos em um único punho e olhava para o chão


diretamente à sua frente. Eu entendia a atitude dela. Gostaria de estar
olhando para o chão também.

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— Madame Cabera chegou sozinha às onze e dois minutos. Ela me


informou que esperava um convidado, —disse Grégoire.

— Ela disse o nome desse convidado?

— Não. Ela se sentou em sua mesa de sempre. —Ele indicou uma


mesa a dois metros e meio de distância, onde uma das cadeiras foi
derrubada. — Simone trouxe seu vinho habitual. A madame Cabera
gostava de tomar uma taça de La Scolca Gavi antes da refeição.

— Ela pediu mais alguma coisa?

— Não imediatamente. Era seu costume demorar-se. Ela gostava de


beber seu vinho e colocar seu trabalho em dia. Normalmente sinalizava
para a equipe quando estava pronta para fazer o pedido.

Eu tinha jantado aqui antes com Linus. O Refúgio regia pela escola
europeia de hospitalidade.

Ao contrário dos funcionários americanos, que eram incentivados a


abordar os clientes repetidamente, a equipe do Refúgio deixava os clientes
à vontade. Eles não ignoravam os clientes, e um leve gesto ou um olhar
chamaria o funcionário quase instantaneamente, mas eles não
perturbavam os clientes. Interromper uma refeição oferecendo refis ou
trazer a conta sem pedir seria o cúmulo da grosseria.

La Scolca Gavi. Vinho branco de Piemonte, Itália.

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— Madame Cabera sentou-se por cerca de seis minutos. A primeira


estaca rasgou seu peito, a arrancou da cadeira e a prendeu na parede. A
segunda estaca atingiu seu rosto. A morte foi instantânea. Ela nem teve a
chance de gritar.

Estávamos olhando para o trabalho de um Mago Telecinético


Superior ou um Significativo de nível superior. Uma estaca disparada de
uma arma teria atingido Luciana em um ângulo descendente e continuado
na mesma direção, perfurando a cadeira e provavelmente derrubando-a.
Nós a teríamos encontrado no chão. Mas Magos Telecinéticos quase
nunca arremessavam objetos em linha reta por uma distância significativa.
Eles arremessavam em uma curva catenária . O objeto descia e subia de
volta, desenhando um U raso.

Connor havia me explicado isso uma vez quando ele estava nos
treinando para nos proteger de ameaças telecinéticas. Ele foi muito
detalhista sobre isso, mas resumindo, havia três razões para isso. Primeiro,
uma pessoa que visse um projétil vindo em direção a ele naturalmente
pularia de pé ou desviaria. A curva garantia que o projétil mudasse sua
direção para cima, razão pela qual Luciana agora pendia da parede.
Segundo, um objeto lançado por um poderoso Telecinético continha

Em matemática, catenária é a curva assumida por uma corrente ou cabo flexível suspensa
fixada apenas por suas extremidades e sujeita somente à força de seu próprio peso.

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muita força cinética. Mesmo que não matasse o alvo, o impulso da subida
jogaria o alvo no ar, jogando-os para longe e resultando em danos
adicionais pelo impacto. E terceiro, a curva parecia mais natural do que
uma linha reta. Telecinéticos usavam para atingir seus alvos com maior
precisão. Era um hábito difícil de quebrar, e um Telecinético surpreendido
quase sempre faria uma curva. Se por acaso alguém visse o projétil vindo
em sua direção, a única maneira de evitá-lo era cair o mais plano possível.
Luciana não viu.

— Quem mais estava no pátio? —Perguntou Alessandro.

— Superior Curtis e sua filha.

A Casa Curtis era especializada em horticultura, especificamente


algodão, girassol e milho. Eles não iriam querer se comprometer com nada
disso. Provavelmente viram o ocorrido, se levantaram e saíram
discretamente. Falar com eles seria inútil.

— Você tem imagens de vídeo? —Perguntou Alessandro.

— O Refúgio não grava seus clientes.

Isso era gritantemente diferente de Linus. Hum. — Pode me dizer


exatamente o que a Superiora Cabera disse a você?

O Senhor Gregoire abriu a boca e disse com a voz de Luciana Cabera:


— Stéphane, nos encontramos de novo.

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Ele voltou para sua própria voz. — Sempre um prazer, senhora. Sua
mesa de sempre?

— Sim por favor. Estou esperando um convidado. —Mais uma vez,


em uma voz feminina impecável.

— Muito bem, senhora.

Alessandro riu baixinho.

Um mnemônico auditivo . Linus não precisava de um circuito fechado


de TV. Senhor Grégoire era sozinho um dispositivo de gravação perfeito.

Meu telefone tocou. A equipe de limpeza estava aqui.

— Senhor Gregoire, nosso pessoal está lá embaixo, por favor, deixe-


os entrar.

Ele assentiu e partiu com a funcionária a reboque. Simone


praticamente tropeçou nos próprios pés para escapar.

Alessandro acenou para a torre.

— O que é aquele prédio?

Olhei para o meu telefone e puxei um mapa. — FCH. Faculdade


Comunitária de Houston. Você acha que o telhado ...?

— Sim. É onde eu teria me instalado.

Mnemônico está relacionado a um conjunto de técnicas utilizadas para auxiliar o processo de memorização. Mas na trama Mnemônico auditivo
é um mago que tem a habilidade de memorizar e reproduzir fielmente o que escuta.

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Abri uma imagem em meu telefone de uma estaca de sessenta


centímetros com um anel na ponta e mostrei a ele. Parecia idêntico as duas
saindo de Luciana.

— Um marlinspike , —disse Alessandro. — Usado por marinheiros


para passar cordas.

— A maioria dos Telecinéticos lança flechas de besta ou espetos


gigantes em forma de prego. Conheço apenas uma família que atira
marlinspikes.

Alessandro ergueu as sobrancelhas. — Casa Rogan?

Eu balancei a cabeça. — O Telecinético que nos atacou no Poço


também usou marlinspikes.

— Acha que foi Xavier. —Uma luz perigosa brilhou nos olhos de
Alessandro.

— Duvido seriamente que Connor tenha escalado o prédio da FCH e


martelado duas agulhas gigantes na presidente da Assembleia do Texas.
Se ele quisesse matá-la, teria feito isso em silêncio.

O controle do meu cunhado estava fora dos padrões. Se ele quisesse


matar Luciana—e eu não podia imaginar que o faria—Connor poderia ter

Um marlinspike ( / m ɑːr l ɪ n s p aɪ k / ; às vezes marlin spike , marlinespike ou marlingspike [arcaico]) é uma


ferramenta usada em cordas marinhas . Com a forma de um cone de metal polido afilado em uma ponta arredondada ou achatada, é usado em
tarefas como desenrolar cordas para emendas, desatar nós, puxar marlines apertados usando um engate marlinspike e como alternadorunindo
cordas sob tensão em uma emenda de pino de segurança.

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cortado a garganta dela com uma lâmina de barbear a centenas de metros


de distância, ou a estrangulado com seu próprio colar ou roupas, ou
enviado uma minúscula agulha através do olho dela, alcançando o cérebro
e o destruindo. Esse ataque foi agressivo e extravagante. Foi Xavier. Eu
não tinha provas, mas sabia que que tinha sido ele. Isso era a cara dele.

O telefone de Alessandro tocou. Ele olhou para tela como se fosse


uma cobra.

— Desculpa, com licença. Eu tenho que atender isso. —Ele se afastou,


falando em italiano, muito baixo para eu ouvir.

Algo estava acontecendo com ele, e esse algo não era bom.

Olhei de volta para um dos marlinspikes.

Antes de Arkan o conhecer, os talentos mágicos de Xavier eram


modestos. Quando Arkan roubou uma amostra do soro de Osíris anos
atrás, colocando-se na lista de alvos permanentes de Linus Duncan, ele
guardou parte do soro.

Uma vez que alguém tomasse o soro, seus efeitos persistiam por
gerações e, se algum dos descendentes dessa pessoa tentasse tomá-lo
novamente, isso o mataria. Arkan estava obcecado em encontrar uma
maneira de contornar essa morte certa, e ele usou Xavier como cobaia. A
maioria das cobaias de Arkan morreu em agonia, mas Xavier ganhou na

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loteria da vida ou da morte, tornando-se um Superior instantaneamente e


incrivelmente poderoso.

Xavier cresceu na sombra do meu cunhado. Para ele, Connor, seu


primo distante, era o exemplo de tudo que Xavier queria ser. Connor era
assustadoramente poderoso, rico e respeitado, um herói de guerra
admirado por toda a família. Para alguém como Xavier, com seu modesto
talento Telecinético e desejo pelas coisas boas da vida, Connor estava no
ápice de tudo o que esperava alcançar. Agora, graças a Arkan, ele achava
que tinha alcançado esse ápice e ostentava seu poder. As estacas enfiadas
em Luciana eram um foda-se especial para Connor.

Achou mesmo que eu não era forte o suficiente para usar isso. Olhe para mim
agora.

Alessandro caminhou de volta a passos largos e guardando seu


telefone. Ele e Xavier tinham contas a acertar. Alessandro tentou matar
Arkan por assassinar seu pai. Xavier atingiu Alessandro com um
caminhão e quase acabou com a vida dele.

Olhei nos olhos de Alessandro e vi uma raiva calculada e fria. O medo


me deu um soco bem no estômago. Passei os últimos seis meses fazendo
tudo o que podia para evitar o confronto entre ele e Arkan, mas esse
confronto estava chegando como um trem desgovernado, imparável e
inevitável.

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— Esse ataque foi autorizado, —disse Alessandro.

Eu balancei a cabeça. Tinha que ter sido. Apesar de toda a loucura,


Xavier adorava o chão que Arkan pisava. Ele não teria assassinado a
presidente da Assembleia do Texas por conta própria. Arkan estava atrás
dele, segurando a coleira de seu animal de estimação. Ele apontou para
um alvo, e Xavier atacou.

— Isso é tão ... —Acenei com a mão para o corpo.

— Espalhafatoso, —Alessandro terminou com um olhar sombrio em


seu rosto.

Chamar atenção não era o Modus Operandi de Arkan. Ele preferia


operar nas sombras. Será que ele estava enviando uma mensagem? A
quem? Por quê? Era para alguém próximo a Luciana?

Luciana Cabera tinha sido uma Maga Aliciônica Superiora. Ela era
especialista em magia calmante. Os Psiônicos incitavam as multidões e os
Aliciônicos as acalmavam. Duas décadas atrás, um tumulto ocorreu
dentro da Unidade Ellis, a prisão mais perigosa do Texas. As autoridades
buscaram uma solução não-violenta, então recorreram ao melhor mago
aliciônico do estado. Luciana entrou na prisão desarmada e sozinha, e
quando os xerifes a seguiram quinze minutos depois, encontraram os

Modus operandi (MO) é uma expressão em latim que significa “modo de operação”, na tradução literal para a língua portuguesa.

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presos sentados em filas ao longo das paredes do corredor, sorrindo


discretamente. Naquele dia começou a carreira política dela.

Em sua vida política, Luciana tinha sido honesta. Ela se aproximou


da Assembléia com a atitude de uma professora veterana do ensino médio,
o que significava que era severa o suficiente para seguir o procedimento,
mas flexível o suficiente para fazer concessões onde fosse necessário um
tratamento especial. No seu dia a dia, Luciana dirigia uma clínica que
atendia pessoas que sofriam de ansiedade. Ela fez PhD em psicologia em
Harvard .

Nenhuma dessas coisas deveria tê-la colocado na mira de Arkan. Eu


precisava de mais informações. Onde diabos estava Linus?

Meu telefone tocou o tema musical do filme Por um Punhado de


Dólares . Leon. Não era mensagem. Ele estava ligando por vídeo.

Isso quer dizer que “Philosophy Doctor” pode ser entendido como Doutor em alguma área do conhecimento. Por isso, o título na prática é
concedido a pessoas que atingem o nível acadêmico mais alto em sua área de estudo – e o significado de PhD é, a rigor, o mesmo que o de um
doutorado.

Universidade Harvard (em inglês: Harvard University) é uma universidade privada situada na cidade de Cambridge,
estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. É um membro da Ivy League. Sua história, influência e riqueza tornam-na uma das mais prestigiadas
universidades do mundo.

Por um Punhado de Dólares (em italiano: Per un pugno di dollari; em alemão: Für eine Handvoll Dollar; em castelhano: Por un
puñado de dólares) é um filme teuto-hispano-italiano de 1964, dos gêneros ação, faroeste e suspense, dirigido por Sergio Leone e estrelado por Clint
Eastwood em seu primeiro papel principal, ao lado de Gian Maria Volontè, Marianne Koch, Wolfgang Lukschy, Sieghardt Rupp, José Calvo, Antonio
Prieto e Joseph Egger.[8]. O filme teve um orçamento baixo (relatado em US $ 200.000), com Eastwood recebendo US $ 15.000 por seu papel.
* Tema musical: https://www.youtube.com/watch?v=d9I0Vi6RlLE

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Eu atendi a chamada de vídeo. O rosto de Leon apareceu na tela.

— Estou na casa de Linus. O portão está fechado. Coloquei o


código, não funcionou. Liguei. Nenhuma resposta no telefone ou
interfone. Dá uma olhada nisso.

Ele mudou para a câmera traseira do celular. O teclado ao lado do


portão brilhava em amarelo. Deveria estar verde depois que ele colocou o
código.

Linus havia ativado o protocolo de bloqueio. Merda.

— Você quer que eu pule o portão?

— Não! Não entre. Leon, está tudo armado. No momento em que


você pisar lá dentro, os canhões vão te destroçar.

— Tudo bem. Não precisa ser dramática.

— Por favor, espere aí por mim.

— Lá dentro? —Ele abriu bem os olhos.

— Leon!

— Não se preocupe. Eu entendi.

Um pensamento perdido passou pela minha mente. Era vago e sem


consistência, mas muito perturbador. — Você pode me mostrar os
portões sem tocá-los?

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A vista do telefone balançou e me apresentou os portões de ferro


forjado. O pátio estava impecável.

Alessandro olhou para mim. — O que foi?

— Não há corpos.

Para Linus ativar um bloqueio significava que ele esperava um ataque


ou um já havia ocorrido.

Ele havia atendido meu telefonema durante um ataque antes.

— Leon, espere por nós. Por favor.

— Estou esperando. —Ele desligou.

Senhor Gregoire reapareceu, liderando uma equipe de cinco pessoas


para o pátio, cada um carregando uma grande mochila. Eles colocaram as
mochilas no chão, tiraram roupas de proteção de dentro delas e as
vestiram. Uma mulher negra mais velha se aproximou de mim. Já
havíamos trabalhado juntas antes. Eu não sabia o nome dela, mas sabia
que Linus confiava nela. Ela se referia a si mesma como Líder da Equipe
1, e era assim que eu a tratava também.

— Quanto tempo e onde? —Eu perguntei a ela.

— Noventa minutos. Armazém na Rua Cedar Crest.

Ela me deu o endereço e vestiu o traje de proteção. A equipe se moveu


para o corpo, espalhando folhas de plástico ao redor.

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— Preciso de um saco Ziploc e da bolsa dela, —eu disse.

Um dos técnicos trouxe o saco e a bolsa para mim. Abri o zíper da


bolsa e olhei para dentro. Pacote de Kleenex , uma caixinha de vidro, um
pincel de maquiagem rosa ... Isso serviria. Peguei o pincel, o coloquei no
saco Ziploc e devolvi a bolsa para o técnico.

Fechei o saco Ziploc. Provavelmente eu estava errada, mas apenas no


caso.

Afastei-me da equipe e olhei para o Senhor Gregoire. — A presidente


Cabera não esteve aqui hoje.

— Entendido.

— Simone será um problema? —Perguntou Alessandro.

— De jeito nenhum. Escolhi minha equipe com muito cuidado.

Restavam os Curtis, que não falariam por medo de se


comprometerem, Xavier, que já devia ter ido embora há muito tempo, e o
desconhecido que Cabera aguardava. Esse desconhecido era a nossa
melhor pista. Mais de uma hora se passou desde esse suposto almoço e
quem ela aguardava nunca apareceu.

Ele é feito de polietileno e possui um fecho hermético - ou seja, consegue conservar e isolar bem os itens guardados. A melhor parte
desse tipo de saquinho é que ele pode ser usado de diversas formas - para guardar alimentos, itens de viagem e também proteger objetos contra a
umidade.

Kleenex é uma marca registrada mundialmente conhecida no ramo de lenços de papel que pertence à empresa estadunidense
Kimberly-Clark Worldwide, Inc. Produtos da marca, que foi introduzida em 12 de junho de 1924, são oferecidos em mais de 130 países.

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O som de metal ressoou quando um dos membros da equipe puxou a


estaca da parede com uma pinça de metal.

Acenei para o Senhor Gregoire, e Alessandro e eu descemos correndo.


Saímos do restaurante e caminhamos até o Alfa de Alessandro. Eu teria
preferido correr, mas nunca se sabia quem poderia estar nos assistindo.

Entramos. Alessandro ligou o motor e ele ganhou vida.

— Linus? —Ele perguntou.

— Sim.

Por favor, esteja bem. Por favor, por favor, esteja bem.

Alessandro colocou o carro em marcha. O Alfa saiu do


estacionamento e disparou pela rua a uma velocidade vertiginosa.

Linus Duncan morava em River Oaks , o condomínio mais exclusivo de


Houston, cheio de mansões, ruas arborizadas e lombadas irritantes.
Alessandro era um demônio da velocidade e nos economizou dez minutos

River Oaks (Bairro em Houston – Texas) é uma área residencial arborizada com casas palacianas e o Shopping Center River
Oaks, conhecido por suas lojas de luxo e restaurantes internacionais ecléticos. O teatro art déco River Oaks exibe filmes independentes e
estrangeiros, e Rienzi, um opulento entreposto do Museu de Belas Artes, exibe pinturas europeias, miniaturas e cerâmicas. Consumidores abastados
desfrutam de serviços de beleza nos luxuosos salões de beleza e spas da região.

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na estrada. Mas dentro de River Oaks era impossível manter qualquer tipo
de velocidade.

Lombada.

Lombada.

— Merda!

Merda era uma boa maneira de descrever isso. Liguei para Linus
novamente. Nenhuma resposta.

— Acha que algo aconteceu com ele. Algo sério, —disse Alessandro.

— Ele ativou o protocolo de bloqueio.

— Isso não significa que ele está morto. Pode ser um teste.

Eu olhei para ele.

Alessandro deu de ombros. — Linus pode estar sentado dentro


daquela casa com um cronômetro, esperando para ver quanto tempo
levaremos para entender.

— Espero que você esteja certo.

Linus faria algo assim. Mas uma sensação no fundo do meu estômago
me disse que algo estava terrivelmente errado. Quando Nevada me treinou
pela primeira vez no trabalho investigativo, ela me ensinou a confiar em
meus instintos. ‘Se não parece certo, provavelmente é por que não é. Se os
pêlos da sua nuca se arrepiar, você precisava dar o fora de lá.’ Ela ensinou a

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mesma coisa a Arabella. Minha irmã mais nova chamava isso de ouvir seu
sensor de perigo. Eu confiava no meu sensor de perigo. Isso me manteve
respirando. Meu telefone tocou. Uma mensagem de texto de Ragnar.

— O que foi? —Perguntou Alessandro.

— Edviges.

Ele olhou para mim.

— Há uma aranha valiosa e possivelmente ameaçada de extinção


solta na sala de conferências. Foi contrabandeada para o país, roubada,
recuperada e, durante a entrega ao atual proprietário, escapou.

— Na nossa sala de conferências?

— Sim.

— Qual é o tamanho dessa aranha?

— Cerca de uma mão de dez centímetros.

Alessandro olhou para o céu. Os céus estavam escondidos pelo teto


do carro, mas eu tinha certeza de que o poder superior tinha visto o pedido
silencioso de misericórdia nos olhos dele.

— Esqueci de perguntar, como foi com Gunderson?

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Alessandro deu de ombros.

— Nós conversamos. Deixei o homem no Centro de Justiça amarrado


como um porco. Lenora pode cuidar dele a partir daí.

Lenora Jordan, a promotora do condado de Harris, definitivamente


cuidaria dele a partir daí. Como Connor disse uma vez, a lei e a ordem
eram os deuses de Lenora, e ela servia a esses deuses como uma devota
paladina.

Viramos a curva. Os portões de Linus apareceram, o Shelby GT350


azul de Leon estava estacionado ao lado do teclado. Alessandro parou
atrás dele.

Saí do carro e caminhei até o teclado. Leon tinha a sequência padrão


do código, mas eu tinha uma sequência própria de Vice-Guardiã. Digitei
os números e consegui abrir.

Leon baixou a janela. — Esperei como instruído.

Os portões se abriram com um estrondo. As luzes do teclado


piscaram, mas permaneceram em um amarelo-limão constante.

Eu tinha razão. A casa de Linus pensava que estava sob ataque. No


momento em que um intruso cruzasse a linha da propriedade, os canhões

Ford Mustang Shelby GT 350

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de defesa de Linus brotariam do gramado de aparência inofensiva como


cogumelos letais e pulverizariam o invasor em uma pilha de carne
fumegante. Linus era um Mago Hefesto. Ele construía armas devastadoras
com lixo aleatório e fita adesiva. Seus sistemas de defesa eram
inigualáveis.

Alessandro saiu do carro.

Os portões de ferro forjado estavam escancarados, como as


mandíbulas de algum animal pronto para nos esmagar entre os dentes.
Teoricamente, o sistema reconheceria a mim e a Alessandro.
Teoricamente, isso não nos mataria. Infelizmente, nunca testamos essa
teoria em condições de batalha.

— Vamos entrar? —Leon perguntou.

— Eu entro, —disse Alessandro. — Vocês dois ficam aqui.

— De jeito nenhum, —eu disse a ele.

— Não há razão para nós dois irmos.

— Você tem razão. Eu vou sozinha. É minha responsabilidade como


Vice-Guardiã.

— É minha responsabilidade proteger a Vice-Guardiã. —O tom de


Alessandro dizia que a discussão estava encerrada.

— É por isso que vamos juntos.

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Leon suspirou. — Acho que vou ficar por aqui mesmo, assistindo os
dois entrarem ou serem transformados em hambúrgueres de carne
humana.

Eu poderia ter entrado sem essa visão mental.

Quanto mais esperássemos, piores as coisas ficariam.

Respire fundo.

Dei um passo em direção aos portões. Alessandro caminhou ao meu


lado e pegou minha mão. — Devagar e firme. É um passeio no parque.

Passamos pelos portões e descemos pela entrada circular, mantendo o


ritmo medido. Os jardins pareciam perfeitamente comuns. Nenhum sinal
de batalha. Nada fora do lugar.

Andamos sem fazer movimentos bruscos. Sem prender a respiração.


O sistema tinha nossa biometria, mas os scanners biométricos eram
notoriamente não confiáveis.

Dois meses atrás, eu assisti Linus testar uma de seus canhões. Ele
atirou em um carro blindado com um manequim balístico dentro. O fluxo
de balas atravessou a blindagem, quase cortando o veículo ao meio.

Quando o teste terminou, o manequim balístico não existia mais.


Havia apenas mingau. Massa gelatinosa espessa.

Os dedos fortes e quentes de Alessandro seguraram os meus. — Quase


lá.

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Caminhamos lento e firmemente ao redor da fonte, passando por um


lindo canteiro de flores, subindo as escadas, até a porta da frente. Apenas
mais um dia na vida de uma Vice-Guardiã.

Entramos na varanda. Eu levantei minha cabeça, olhando


diretamente para a câmera escondida. Se Linus estivesse dentro, ele me
deixaria entrar.

Nada.

Se isso fosse algum tipo de teste, eu daria meia-volta, iria direto para
casa e me recusaria a falar com Linus até que ele pedisse desculpas. Não
importaria se o céu começasse a chover o soro de Osíris. Ele teria que me
fazer um pedido de desculpas genuíno e sincero.

Eu digitei o código na fechadura sofisticada e pressionei meu polegar


contra o painel de impressão digital.

Um motor distante zumbiu, seguido por um tinido de metal.

A fechadura clicou.

Alessandro colocou a mão na maçaneta da porta.

Respire, respire, leve e tranquilo.

A porta se abriu e entramos.

O grande saguão cavernoso se estendeu à nossa frente, cheio de


sombras. Persianas motorizadas bloqueavam as janelas, e a única

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iluminação vinha de uma cúpula de vitral bem acima. Gesso veneziano


branco nas paredes, uma escada dupla envolvendo outra fonte diretamente
sob a cúpula, três entradas, uma à esquerda, levando aos quartos de
hóspedes e à garagem, uma em frente, para a sala de jantar, e a última,
para à direita, abrindo para o corredor que terminava no escritório de
Linus.

Alessandro entrou na minha frente. Caminhamos quietos, ouvindo,


esperando. A casa estava silenciosa como uma tumba, exceto pelo som
baixo da água da fonte.

Alessandro apontou para a esquerda e ligeiramente para trás, seu


olhar varrendo a casa à nossa frente. Eu me movi naquela direção, para o
canto escuro entre duas colunas, e apertei um sensor oculto. Uma parte da
parede deslizou para o lado, revelando um painel de controle com todas
as luzes apagadas. Eu teria que falar enquanto olhava em direção ao
painel. Minhas costas seriam um grande alvo para qualquer um escondido
lá dentro. A adrenalina estimulou minha frequência cardíaca.

Estendi meu braço e empurrei minha magia, forçando-a através do


osso e músculo do meu antebraço. Um brilho laranja cintilou através da

O estuque veneziano é um acabamento à base de cal que segue a tradição veneziana. O acabamento é versátil e
aplicado em reabilitações ou construções novas. Produto ecológico que faz uma decoração minimalista ou luxuosa. Também aplicado no chão e em
casas de banho.

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minha pele, formando um círculo feito de uma videira com uma estrela de
cinco pontas no centro. Um ponto entre minhas omoplatas coçava,
esperando uma bala.

— Catalina Baylor, Vice-Guardiã.

O painel iluminou-se em verde, a pequena tela ganhando vida. Acesso


concedido. Eu exalei e digitei meu código. Um aviso apareceu, me
avisando que o protocolo de bloqueio estava em vigor. Eu tinha duas
opções, CANCELAR, que me levaria de volta ao menu anterior, ou
DESATIVAR. Escolhi DESATIVAR.

O painel piscou em vermelho. Eu esperava algum barulho, algo para


anunciar, mas a casa permaneceu quieta. Nenhum metal retinindo,
nenhuma máquina em movimento, nenhuma sirene, apenas uma palavra
no visor: DESATIVADO.

Peguei meu telefone e mandei uma mensagem para Leon.

Momentos se passaram.

A porta da frente se abriu e Leon passou, segurando uma Sig Sauer .

Existem na verdade, duas empresas SIG Sauer. A empresa original, SIG Sauer GmbH é uma fabricante de armas, de fuzis e pistolas,
com sede em Eckernförde, Alemanha. Desde o ano 2000, a SIG Sauer GmbH & Co.KG pertence à L&O Holding, que controla a irmã estadunidense SIG
Sauer Inc. em Newington, New Hampshire, e também o braço suíço Swiss Arms em Neuhausen. Inicialmente, a SIG Sauer Inc. foi fundada em 1985,
sob o nome Sigarms (até Outubro de 2007) para importar e distribuir as armas da SIG Sauer nos Estados Unidos. Desde 2000, a SIG Sauer Inc. é uma
empresa separada da SIG Sauer GmbH.

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O ar ao redor da mão direita de Alessandro brilhou laranja por uma


fração de segundo. Uma arma idêntica à de Leon se materializou nos
dedos dele.

Leon caminhou a esquerda, enquanto Alessandro caminhou à direita,


em direção ao escritório. Eu segui Alessandro. Passamos pela porta, pelo
corredor curto, e Alessandro entrou no escritório. Ele parou, bloqueando
minha visão, moveu-se para a esquerda e me apontou. Entrei.

À direita, Pete, guarda-costas de Linus, estava esparramado no tapete


persa antigo. Ele estava caído de lado em uma pilha amassada com o rosto
virado para nós. Seus lábios estavam pretos. Seus olhos estavam abertos,
leitosos e mortos. Um padrão sombrio de veias irregulares marcava o rosto
de Pete, espalhando-se pela pele, dos olhos até a linha do cabelo.

A visão de Pete morto me jogou em uma onda gelada.

Eu conheci Pete há quase um ano. Ele me pegava quando Linus


queria me ver, me levava para minhas tarefas quando eu precisava, e teria
se colocado entre mim e qualquer ameaça sem hesitar. Eu o vi na semana
passada. Trouxe para ele e para Linus uma torta de amoras que fiz. Eles
comeram a torta, e Pete me disse que eu tinha que parar de desperdiçar
minha vida em coisas triviais, como ser Vice-Guardiã e me dedicar ao meu
verdadeiro talento, que era fazer sobremesas deliciosas. E agora Pete
estava morto.

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Eu me agachei perto dele. Parecia que outra pessoa estava movendo


meu corpo por mim. Lentamente, empurrei seu ombro direito. Rigor
completo . Ele estava morto havia mais de algumas horas, mas menos de
um dia.

Uma rede de fios escorria pelo seu rosto, destacando-se da cor de sua
pele. Parecia sangue, sangue velho, de alguma forma forçado a escorrer
em um padrão e escurecido para quase preto.

Alessandro se moveu ao meu lado. Sua mão descansou no meu


ombro, a força quente dos dedos dele me tranquilizou.

O engraçado e protetor Pete estava morto. Não havia nada que eu


pudesse fazer. Mas Linus ainda estava desaparecido. Até encontrarmos o
corpo dele, havia esperança.

Levantei-me.

Alessandro encontrou meu olhar. Conversamos sem dizer uma


palavra.

Está tudo bem?

Sim.

Nós nos movemos pelo escritório em direção ao canto. Empurrei


minha mão contra o painel de madeira decorando a parede e esperei o

Rigor mortis (Do latim rigor, rigidez e mortis, morte) ou rigidez cadavérica é um sinal reconhecível de morte que é causado por uma mudança
bioquímica nos músculos, causando um endurecimento dos músculos do cadáver e impossibilidade de mexê-los ou manipulá-los.

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sensor reconhecer minha presença. Um motor ronronou dentro das


paredes e o painel de madeira deslizou de lado, revelando um poço de
pedra de três metros e meio de diâmetro. As escadas de pedra desciam ao
longo da parede, envolvendo um poste de bombeiro que se estendia para o
andar de baixo. Uma mancha vermelha escura manchava o metal do
poste.

Alessandro desceu as escadas, silencioso como um fantasma. Eu o


segui.

Descemos em espiral, três andares para baixo. As escadas terminaram


em um amplo corredor. À esquerda, uma gaiola de arame protegia o
acesso ao elevador de carga. À direita, uma enorme porta de aço impedia
o caminho para a oficina e cofre de armas. Uma trilha de sangue levava
ao cofre. Mais sangue cobria o painel de controle na parede à esquerda.

Meu coração batia forte no meu peito. Se eu nunca mais visse outro
painel de controle, seria muito cedo.

Limpei o sangue das teclas com a manga, soquei o código e pressionei


meu polegar contra o scanner de impressão digital.

Muito comum nos quarteis de bombeiros, o famoso “cano”, pelo qual os soldados descem quando a sirene de alerta
toca, foi criado com o intuito de agilizar o serviço. Com esse aparato, eles podem chegar às viaturas em poucos segundos, tempo que faz uma grande
diferença em se tratando de ocorrências que envolvam vítimas. Durante a descida, o atrito da roupa e da pele com o cano é responsável pela A
conservação da energia mecânica. B conservação da energia potencial gravitacional. C transformação de parte da energia mecânica em calor. D
inexistência de transformação de energia mecânica em energia térmica. E transformação de toda a energia potencial gravitacional em cinética.

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Segundos se passaram. Um, dois ...

Vamos.

Três, quatro, cinco ...

Algo bateu além da porta.

Vamos!

A porta do cofre deslizou para o lado com um gemido pesado,


revelando a oficina escondida atrás dela. Um cheiro de urina velha me
atingiu. Na frente, no chão repleto de suprimentos de primeiros socorros,
Linus estava caído contra sua bancada. Uma trilha de sangue escuro se
estendia do nariz, manchando os lábios e a camisa. Seus olhos estavam
fechados. Ele parecia morto.

Caí de joelhos ao lado de Linus e apertei minha mão em seu pescoço.


Um pulso. Fraco, mas lá. Eu dei um tapa leve no rosto dele. — Linus!
Linus, acorde!

— Não se incomode. —Alessandro pegou uma embalagem do lixo no


chão e me mostrou. Era mais ou menos do tamanho do meu celular, com

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uma etiqueta que mostrava um rio preto com o contorno de um barco e


um barqueiro encapuzado nele.

— O que é isso?

— Estixina. —Alessandro vasculhou o conteúdo do kit de primeiros


socorros que havia sido jogado no chão e tirou uma seringa vazia. —
Último recurso de defesa contra um ataque mental. A pessoa injeta e seu
cérebro entra em modo desativado. Um mago mental não pode atacar
uma mente inconsciente.

— Quanto tempo isso dura?

— Depende. O uso dessa merda tem consequências ruins. Pode


acordar depois de seis horas. Pode acordar depois de três dias e não se
lembrar quem é. Às vezes dura para sempre.

— O que quer dizer com ‘para sempre’?

— Não acorda nunca mais. Torna-se um vegetal. Sem função


cerebral. Esta embalagem tem o dobro da dose recomendada. —Ele
franziu a testa e ergueu uma seringa idêntica. E vazia. — ‘Sto vecchio
rimbambito’ tomou dois destes.

Oh meu Deus. — Existe alguma maneira de reverter isso? Podemos dar


a ele algo para neutralizar essa droga?

Italiano: Este velho louco.

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— Se há tal coisa, eu desconheço.

O que eu faria a seguir determinaria se Linus viveria ou morreria.

O medo e a ansiedade que me atormentavam se estilhaçaram como


uma tigela de vidro caída no chão, explodindo em cacos afiados. Eles me
cortaram em um instante de dor, e eu entrei em um lugar calmo onde
apenas a lógica governava.

Para Alessandro e para mim, Linus Duncan era o Guardião do Texas.


Para quase todo mundo em Houston, ele era o ex-presidente da
Assembleia, um homem de reputação impecável, que apesar de fingir estar
aposentado, exercia uma enorme influência política.

A atual Presidente da Assembleia foi assassinada, e agora o ex-


Presidente da Assembleia foi atacado em sua própria casa e encontrado
em estado catatônico. Tínhamos que conter isso a todo custo, ou Houston
entraria em pânico.

Minha primeira prioridade era conseguir tratamento médico para


Linus. Minha segunda era esconder a condição de saúde dele. E se Linus
estivesse consciente, ele me diria para inverter a ordem das prioridades.

Leon desceu correndo as escadas, viu Linus e parou. — Certo. Isso é


uma droga.

— Nada? —Alessandro perguntou.

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Meu primo balançou a cabeça. — Não. Nenhum sinal de


teletransporte também. Parece que quem matou Pete, saiu pela porta. Eu
gostaria de saber como eles conseguiram isso com o protocolo de bloqueio
ativado.

O bloqueio teria iniciado no momento em que Linus o acionou de


dentro do cofre. Ele não teria arriscado tomar Estixina a menos que
estivesse em perigo imediato, então ele entrou no cofre, apertou o botão
de emergência do bloqueio e injetou a droga nele assim que pôde. Mesmo
que quem matou Pete tivesse se virado imediatamente e saído correndo da
casa, os canhões o teriam pego antes mesmo de chegar ao portão.

— Além disso, encontrei isso.

Leon ergueu um saco Ziploc com uma D-A Embaixador preta, uma
pistola calibre 40 de última geração da Armas Duncan. A arma de Pete.

— Onde você achou isso? —Perguntou Alessandro.

— Atrás de uma coluna na porta da frente.

Não havia razão para a arma de Pete estar lá. Ele sempre a matinha
por perto. Quando dormia, Pete a colocava na cabeceira da cama. Quem
matou Pete pegou a arma dele e a escondeu atrás da coluna antes de sair
pela porta.

Quando o protocolo de bloqueio fosse desativado, os canhões de


Linus ignorariam as pessoas com autorização especial, mas ainda

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disparariam contra elas se carregassem uma arma de fogo. O invasor sabia


exatamente como o sistema funcionava.

— O intruso tinha que ter autorização especial, —eu disse. — Como


Alessandro e eu.

— Linus foi traído, —disse Alessandro.

— Desconfiam de alguém? —Leon perguntou.

Eu balancei minha cabeça. — Podemos descobrir isso mais tarde.


Agora, temos que tirá-lo daqui.

Linus não podia morrer. Ele simplesmente não podia.

— A casa é uma fortaleza, —disse Leon. — Em vez de arriscar


transportá-lo, vamos chamar um médico aqui.

— Eu tive que desativar o protocolo de bloqueio para entrar no cofre


e deixar você entrar. Uma vez que o sistema é desativado, apenas Linus
pode reativá-lo.

Leon olhou para mim. — Defina ‘desativado’.

— Neste momento nenhuma porta nesta casa pode ser trancada. As


portas que já estão trancadas permanecerão trancadas, a menos que
alguém as destranque manualmente, mas a porta da frente, o portão, o
cofre, tudo o que abrimos, não pode ser trancado novamente. Os canhões
estão desligados. As câmeras de vigilância estão desligadas. Estamos
surdos, cegos e indefesos.

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Linus não tinha guardas humanos além de Pete e Hera, que estava
fora do país. Eles eram sua última linha de defesa, uma que ele quase
nunca usava. Linus sempre confiou em suas defesas automatizadas, e
agora todas elas tinham tanto poder de fogo quanto os gnomos do
gramado. Nós éramos patos sentados.

— Por que diabos ele faria isso? —Leon perguntou.

— Porque se ele não estiver aqui para reativar o sistema, é porque ele
está morto ou incapacitado, —eu disse a ele. — Linus previu que outras
pessoas eventualmente entrariam na casa a procura dele, como os
funcionários do Gabinete dos Guardião, paramédicos e policiais. A
possibilidade de o sistema ser reativado por outra pessoa, poderia ser
muito perigoso. Poderia terminar em um banho de sangue.

Alessandro se endireitou. — Leon, assuma a liderança. Vou levar


Linus para a garagem, colocá-lo em um dos Suburban que ele tanto gosta
e levá-lo para o Complexo.

— Sim, vamos fazer isso, antes que algum transeunte aleatório entre
para saquear a mansão, —disse Leon.

Acima de nós, alguma coisa bateu.

s uburban

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Um par de revólveres semiautomáticos saltou para os dedos de Leon


quase por conta própria. Ele se moveu para a direita, atrás da bancada.
Alessandro pegou Linus em seus braços. Uma unidade USB caiu no chão.
Eu peguei. Estava escorregadia de sangue. Coloquei-a no bolso e limpei
os dedos ensanguentados na camiseta.

Alessandro carregou Linus para a esquerda, fora da linha de visão da


porta, gentilmente o abaixou no chão e se encostou na parede perto da
porta do cofre. Eu me agachei atrás da bancada.

Daqui eu podia ver as escadas, mas uma pessoa descendo as escadas


não me notaria imediatamente.

O som de passos sem pressa ecoou pela casa vazia. As notas de uma
melodia conhecida flutuaram para baixo. Um homem descia as escadas,
cantarolando a “Marcha Triunfal” de Aida em um barítono bem treinado.

Leon se virou para mim e murmurou: — Que porra é essa?

A cantoria ficou mais alta. Um par de pernas longas apareceu, seguido


por seu dono. Era um homem de quarenta e tantos anos, com cabelo
escuro ondulado salpicado de cinza e cortado em estilo masculino padrão.
Suas feições eram bonitas, daquele jeito genérico de homem maduro e de
boa saúde. Ele usava um terno cinza.

A Ópera Aida relata a história de amor entre a princesa etíope, Aida, e o comandante do exército egípcio, Radamés, mostrando o conflito entre
amor e o dever. "Aida" foi criada como escrava pela filha do rei egípcio, que também era apaixonada Radamés.
Verdi - Marcha triunfal, da ópera Ainda - https://www.youtube.com/watch?v=HM9LP2zQj_8

Ruby Fever
Livro 6
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O homem pousou no último degrau e parou, olhando para dentro do


cofre.

— Já era hora de chegar aqui, Senhorita Baylor.

Sua voz soou perfeitamente genérica. Sem sotaque regional, sem


indício de origem. Ele estaria em casa em qualquer programa de notícias
importante.

— Eu estava começando a pensar que teria que carregar o velho


sozinho. Seria necessário, suponho.

Alessandro franziu o cenho.

O homem deu um passo em direção ao cofre.

— Fique aí mesmo, —disse Alessandro.

Os olhos do homem se arregalaram. — Sasha! Você também está


aqui. Fantástico. Isso vai simplificar as coisas.

O homem parou e olhou diretamente para nós. Chamas lamberam seu


queixo. Seu rosto pegou fogo.

Um Ilusionista Superior. O único Mago Ilusionista Superior que eu


conhecia era Augustine Montgomery, e ele não teria se incomodado em
modificar a voz ou o show de fogo.

É o diminutivo russo de Alexsandr ou Aleksandra, versões russas de Alexandre ou Alexandra, e ou Alessandro ou Alessandra, que vem do grego
Aléxandros, a partir do verbo aléxo, que significa "repelir, defender ou proteger", unido a andrós, que significa "homem". O nome Sasha pode ser
usado em ambos os gêneros, masculino ou feminino.

Ruby Fever
Livro 6
80

As chamas arderam, chocantemente alaranjadas. O ar cheirava a


fumaça. A pele, o cabelo e as roupas do homem queimaram, como se
fossem feitas de papel, transformando-se em cinzas e depois derretendo
em nada. Ele balançou a cabeça, jogando o resto das cinzas no ar. O
homem agora tinha vinte e tantos anos, alto e de ombros largos. Suas
longas pernas esticavam um par de jeans desbotados. Uma camisa de
malha azul cobria seu corpo musculoso.

Seu cabelo era aquele tom cobiçado de ouro branco que as pessoas
gastavam milhares de dólares para imitar. Sua pele tinha um bronzeado
dourado, e seu rosto não apenas pararia o trânsito, mas também criaria
um engavetamento que levaria horas para ser resolvido. Um queixo
quadrado, lábios carnudos, maçãs do rosto salientes, um nariz forte e
grandes olhos azuis aquamarine , cativantes, quentes e convidativos sob as
sobrancelhas loiras escuras. Ele parecia um ser celestial feito de luz do sol
e a espuma do mar.

Uau.

O homem sorriu, e foi como se o sol da primavera tivesse nascido


depois de um longo e escuro inverno.

— Príncipe Konstantin Leonidovich Berezin, do Sangue Imperial, ao


seu serviço.

Azul aquamarine

Ruby Fever
Livro 6
81

Berezin. Da Casa Berezin. A Dinastia Imperial Russa.


— Por que está aqui? —A voz de Alessandro estava gelada.

— Porque você precisa de ajuda. —O príncipe tentou desviar de


Alessandro, mas Alessandro se moveu com ele, impedindo-o de entrar no
cofre.

— Nós temos que fazer isso, Sasha?

— Posso atirar nele? —Leon me perguntou. — Na perna. Eu atiro na


perna dele, nós pegamos Linus e vamos embora.

— Você não pode atirar nele. Ele é parente do imperador russo, —eu
disse a Leon.

— Verdade, —disse Konstantin. — Quando Sua Majestade quer me


motivar, ele me garante que sou seu sobrinho favorito. Claro, ele diz isso
para todos nós.

— O que você quer? —Exigiu Alessandro. Sua magia enrolou-se sobre


ele, preparada e pronta.

Ruby Fever
Livro 6
82

Se eu usasse minha magia em um príncipe russo na minha qualidade


de Vice-Guardiã, isso causaria um incidente internacional? Importaria que
ele entrou na casa sem ser convidado?

Qual era o protocolo aqui?

— Não é uma questão do que eu quero. É o que o Império quer. Sou


apenas um humilde instrumento da vontade de Rodina . E agora, como
o Guardião está indisponível no momento, preciso discutir algumas coisas
com a Vice-Guardiã. Então, afaste-se ou eu vou movê-lo.

Faíscas alaranjadas queimaram ao redor de Alessandro. — Por favor,


me mova.

Konstantin não se mexeu. — Prefiro evitar. Estou me esforçando


muito para ser razoável. Não estou aqui para brigar.

— Vire-se, saia por onde veio e você sobreviverá. Essa é a minha oferta
razoável. —O rosto de Alessandro se transformou em uma máscara
inexpressiva. Sua voz era medida e calma. Este não era o Alessandro com
quem eu acordava todas as manhãs. Este não era o Sentinela, capaz e
decisivo. Este era o Artífice dando o primeiro e último aviso. Os olhos de
Konstantin me disseram que ele reconheceu com quem estava falando. O
calor encantador saiu dele, como se uma porta mental blindada tivesse se
encaixado no lugar.

Rodina é um é um partido político nacionalista na Rússia.

Ruby Fever
Livro 6
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Estabeleci como regra nunca pular do penhasco a menos que soubesse


onde pousaria. Eu não tinha ideia de quais seriam as ramificações de ferir
um príncipe russo. Nós três provavelmente poderíamos neutralizar
Konstantin, mas eu não tinha certeza se poderíamos lidar com as
consequências.

— Hipoteticamente, se eu atirasse nele, quem saberia? —Leon


perguntou. — Eu poderia atirar nele, esconder o corpo, conheço um lugar
e ninguém iria poder provar nada.

O príncipe se inclinou para o lado para dar uma olhada melhor em


Leon. — Não precisamos de provas. Só precisamos de suspeitas.

Linus ainda estava inconsciente. Não tínhamos tempo para isso.

Eu me levantei.

O príncipe me deu um sorriso deslumbrante. — Aí está você,


Senhorita Baylor. As imagens não lhe fazem justiça.

— O Gabinete do Guardião saúda Vossa Alteza. Você está invadindo


propriedade privada. Por favor, saia desta casa.

— Temos coisas para discutir.

— Esta não é uma boa hora.

— Temo que o assunto seja urgente, —disse Konstantin. — Eu tenho


observado esta casa nas últimas três horas só para falar com você.

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Livro 6
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Eu não tinha ideia se qualquer coisa que saísse da boca do príncipe


poderia ser confiável. Ele poderia estar envolvido no ataque a Linus, ou
não poderia ter nada a ver com nada. Nada disso importava agora, exceto
tirar Linus daqui urgentemente.

— Você sabe quem eu sou, então sabe onde me encontrar. Neste


momento, você está interferindo com meus deveres oficiais. Saia
imediatamente, ou apresentarei uma queixa formal à Embaixada da
Rússia. E não serei discreta sobre isso.

— Isso seria ... lamentável. —Konstantin sorriu novamente. — Como


eu disse, estou aqui para ajudar.

— O Gabinete do Guardião agradece ao Império Russo por sua


generosa oferta de assistência. Neste momento, temos que recusar
lamentavelmente. Por favor saia.

Konstantin suspirou. — Nesse caso, não tenho escolha a não ser


respeitar seus desejos. No entanto, precisamos conversar. Devo entender
que você deseja ter essa discussão em seu local de trabalho?

Por que isso soava como uma ameaça? Eu precisava dizer algo neutro
que não me obrigasse a nada.

— A Casa Baylor recebe os clientes durante o horário comercial


normal. Se você optar por nos visitar, teremos o maior prazer em estender
nossa hospitalidade.

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— Tem certeza de que é isso que você quer?

Alessandro deu um passo à frente. Sua voz prometia violência. —


Saia.

Konstantin suspirou e deu um passo para trás. — Como quiser. Eu fiz


o meu melhor. Espero que nenhum de nós se arrependa.

Ele se virou e subiu as escadas. Alessandro o seguiu.

— Que diabos? —Leon murmurou.

— Não tenho ideia.

Momentos passaram, arrastando-se.

Alessandro voltou, pegou Linus como se ele não pesasse nada e o


jogou no ombro em um transporte de bombeiro . — Vamos lá.

Leon liderou o caminho. Alessandro seguiu, e eu fui atrás. Em


segundos, atravessamos a casa e nos movemos para a garagem. Quatro
veículos blindados produzidos na Arma Duncan esperavam no chão de
concreto. Tirei as chaves do Stormer do porta-chaves e liguei o motor com
o controle remoto. O enorme SUV branco rugiu em resposta. De todos os
veículos personalizados que Linus possuía, este era o melhor blindado.
Poderia suportar uma detonação de mina e uma explosão completa de um

O transporte de um bombeiro ou elevador de bombeiro é uma técnica que permite que uma pessoa carregue outra pessoa sem
assistência, colocando a pessoa transportada sobre os ombros do transportador.

Ruby Fever
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dos canhões de Linus por dez segundos. Apenas seus Exoesqueletos


forneciam mais proteção.

Eu fiquei atrás do volante. Alessandro colocou Linus no banco de trás.

— Querem que eu vá com vocês ou siga atrás? —Leon perguntou.

— Siga, —disse Alessandro. — Podemos precisar de um segundo


veículo.

A única razão pela qual precisaríamos de um segundo veículo era se


o Stormer fosse destruído.

Leon abriu a porta da garagem e correu para seu Shelby Cobra.


Alessandro subiu no banco do passageiro. A magia laranja faiscou e um
rifle da Armas Duncan apareceu em suas mãos.

Guiei o enorme veículo ao redor da entrada de automóveis até os


portões. Viramos à direita na rua de mão única, Leon nos seguiu, viramos
em U, rastejamos pela primeira lombada e saímos do condomínio.

— Sasha? —Eu perguntei.

Ele xingou em italiano, rápido demais para eu entender.

— Quem é ele realmente?

— Exatamente quem ele diz ser. O segundo filho do grão-duque


Leonid Berezin, que é o irmão mais novo do imperador Mikhail II.

— Alessandro, você não está me contando o que preciso saber.

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Ele olhou para mim, seus olhos escuros. — Ele tem dois irmãos. Seu
irmão mais velho é sério, descomplicado, o herdeiro perfeito de um Grão-
Duque, nem muito inteligente, nem muito burro. Seu irmão mais novo é
um brigão, sutil como um touro sob efeito de metanfetamina. Konstantin
é um hedonista, beberrão, mulherengo e festeiro. Eles são o que querem
que as pessoas vejam. Estes são os papéis que lhes foram atribuídos.
Personalidades falsas que não condizem com as verdadeiras deles. Eles
não são homens. São lobos em pele humana que guardam o trono russo.
A presença de Konstantin aqui significa que o nível mais alto do Império
está envolvido. Ele tem uma missão e matará quem interferir.

— Ele pode nos matar se interferirmos?

— Um contra um, posso vencê-lo. Seria uma luta difícil. Mas o


Império nunca o mandaria aqui sozinho. Ele não estava mentindo.
Konstantin é o sobrinho favorito do Imperador.

— Nada disso soa bem.

— Concordo.

— Poderia ser ele quem atacou Linus?

— Duvido. Matar um Guardião seria um ato de guerra. No mínimo,


criaria uma enorme confusão política. Se ele tivesse feito isso, teria se
distanciado da cena do crime. Em vez disso, se apresentou a nós e fez um
show em sua entrada. Não, minha aposta está em Arkan.

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Antes de sua vida como chefão assassino, Arkan havia sido agente do
Serviço de Inteligência Imperial. Os russos o deixaram se aposentar em
vez de matá-lo, porque o consideravam valioso demais para ser eliminado.
Arkan tinha assassinado Luciana, Linus tinha sido atacado, e agora um
príncipe russo estava aqui com ofertas de ajuda. Tudo isso se encaixava de
alguma forma, mas qualquer coisa que eu pensasse agora seria pura
especulação. Tínhamos que ajudar Linus.

Entramos na autoestrada. Ganhei velocidade. — Ele ainda está


respirando?

Alessandro virou-se em seu assento para olhar para Linus. — Sim.

O carro de Leon deslizou atrás de nós.

Linus nunca havia mencionado nenhum vínculo com a Casa Berezin.


Até onde eu sabia, o Guardião do Texas não tinha interação com o
Império. Éramos uma agência de aplicação da lei estritamente local.

Eu não podia perdê-lo. Linus não era apenas meu mentor ou meu
chefe. Ele era um membro da nossa família em tudo, exceto no nome.
Arabella o adorava, Nevada o respeitava, eu confiava nele. Ele era uma
das pedras angulares do meu mundo. Quando eu estava com problemas,
Linus ajudava. Quando eu precisava de incentivo, ele o oferecia. Quando
eu precisava de um chute rápido na bunda, ele dava um sermão mordaz.

Ruby Fever
Livro 6
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Eu tinha tomado tudo isso como garantido. Na minha cabeça, Linus


era intocável e eterno. Agora ele era um velho morrendo no banco de trás
de seu carro, e eu não podia fazer nada para ajudá-lo.

Alguém o havia machucado. Que alguém iria pagar. Eu iria caçá-los,


não importa onde eles fossem.

— Ligar para casa. —Eu disse para o meu celular. Precisávamos de


uma equipe médica, um bloqueio de segurança e uma reunião de família.

Entrei no meu escritório, abaixei as persianas com o controle remoto,


mergulhando a sala na sombra, sentei-me atrás da minha mesa e respirei
longo e profundamente.

Linus foi instalado no andar de cima, em um dos numerosos quartos


vagos da casa principal. O Doutor Patel, o médico da nossa Casa, estava
com ele. A equipe médica inseriu uma intravenosa nele, o limpou e
verificou se havia ferimentos adicionais. Não havia nenhum. Todo o
sangue tinha vindo de uma hemorragia nasal épica.

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O prognóstico não era bom. Linus estava em estado vegetativo


comatoso . Uma ressonância magnética ou tomografia computadorizada
não nos diria nada. Precisávamos de uma tomografia por emissão de
pósitrons para avaliar o metabolismo do cérebro. Apenas o PET poderia
prever se Linus iria recuperar a consciência. Não tínhamos uma máquina
PET no local. Transportar Linus para um hospital estava fora de questão.
Quem quer que tentou matá-lo poderia decidir terminar o trabalho, e um
comboio seria muito mais vulnerável do que mantê-lo aqui atrás de
paredes robustas e guarda constante.

O PET não faria Linus acordar. O exame só nos daria uma ideia do
que esperar. O Doutor Patel recomendou a abordagem de aguardar. Linus
ou sairia disso ou não, e não havia nada que qualquer um de nós pudesse
fazer sobre isso.

O Complexo estava em alerta máximo. Patricia Taft, nossa chefe de


segurança, chamou convocou todos da sua equipe, inclusive os que
estavam de folga. Em vinte minutos, toda a família se reuniria na sala de

Estado crônico de disfunção cerebral em que uma pessoa não mostra sinais de consciência.

O exame de ressonância magnética é um exame de diagnóstico por imagem, que não possui radiação e permite a captação de imagens
detalhadas e tridimensionais de forma não invasiva.
A tomografia computadorizada é um exame de imagem não invasivo. É a junção do equipamento do Raio-X com computadores programados
capazes de produzir imagens de altíssima qualidade dos órgãos internos.

O PET (Positron Emission Tomography) é um exame de imagem que avalia o metabolismo das estruturas analisadas,
mais especialmente osso, músculo, cérebro, pulmão e fígado, entre outros órgãos.

Ruby Fever
Livro 6
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conferências em frente ao meu escritório. Eu precisava apresentar um


plano de ação e tinha que parecer calma e imperturbável.

Eu estava muito abalada. Calma nem estava no meu vocabulário


agora.

Enquanto ficava sentada aqui, Linus poderia estar morrendo


lentamente. Ele poderia estar dando seu último suspiro neste exato
segundo, e eu nem saberia até que me chamassem. Uma parte de mim
entrou em um alerta paranóico, antecipando que a qualquer momento
meu telefone tocaria, e o Doutor Patel anunciaria que Linus tinha ido
embora.

Então, o que faremos? Eu não sabia, mas quando todos estivessem


reunidos em poucos minutos, alguém iria perguntar. Eu teria que lhes dar
uma resposta. E teria que ser honesta, porque enquanto eu podia mentir
para todo o estado do Texas, eu não podia enganar minha família.

Um arranhão silencioso veio da minha porta.

Limpei as lágrimas dos meus olhos, levantei e abri. Shadow entrou no


quarto. Ela tinha pêlos brilhantes, longos e desgrenhados que se enrolava
para trás e uma boca surpreendentemente cheia de dentes para um
cachorro pequeno.

— Como você me encontrou?

Ruby Fever
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Shadow abanou o rabo. Ela carregava um brinquedo de hambúrguer


de pelúcia na boca. Quando eu ficava chateada, Shadow me trazia seus
brinquedos e, às vezes, se eu não prestasse atenção em seus esforços, ela
subia nos móveis e tentava colocar o brinquedo na minha boca para me
fazer sentir melhor.

Eu a acariciei e voltei para o computador. Shadow se enrolou na


caminha dela ao meu lado.

Toquei no teclado e a tela do meu computador ligou, tirei o USB do


bolso e o conectei. Linhas de código sem sentido encheram a tela.
Criptografado. É claro. Desconectei o USB. Eu teria que deixar Bern mexer
com isso.

Entrei na rede oficial do Gabinete do Guardião com minhas


credenciais. O sistema me deixou entrar, e eu selecionei. ‘Notificação de
Emergência’ no menu na parte superior da página.

Uma nova janela apareceu, em branco. Linus tinha me explicado o


que fazer. Eu deveria digitar a natureza da minha emergência e esperar
por uma resposta.

A presidente Luciana Cabera foi assassinada em um


restaurante durante o almoço. O Guardião Duncan foi
atacado em sua casa e se injetou com Estixina. Ele está
agora em estado vegetativo, mas estável e seguro sob meus

Ruby Fever
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cuidados. Suspeito do envolvimento de Arkan. O príncipe


Konstantin Berezin se aproximou de mim em minha
capacidade oficial com uma oferta não especificada de
assistência. Por favor, informar.

Apertei enter e esperei. Eu não tinha ideia se um presidente de uma


Assembleia Estadual já havia sido assassinado antes, mas conhecendo a
volatilidade da política da Câmara, essa provavelmente não era a primeira
vez. Provavelmente havia protocolos em vigor para lidar com Presidentes
mortos, Guardiões feridos e príncipes estrangeiros agressivos. Talvez
conseguíssemos ajuda, alguém com mais experiência, um Guardião de
fora do estado ou um agente da Assembleia Nacional.

Peguei um lenço de papel e enxuguei os olhos. Se eu pudesse parar de


chorar, eu ficaria bem. Eu não estava soluçando. As lágrimas
continuavam vazando dos meus olhos, espremidas pelo estresse e pressão.
Se eu entrasse na reunião com os olhos vermelhos, toda a família se
concentraria em me fazer sentir melhor em vez de ouvir o que eu tinha a
dizer.

Eu precisava me acalmar e rápido. O trabalho era uma grande


distração. Quando você não conseguia lidar com o estresse, às vezes
ajudava evitá-lo. Eu ainda tinha o assassinato de Cabera e estava atrasada
para uma chamada de vídeo.

Ruby Fever
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O agente Wahl respondeu imediatamente. — Agente Wahl.

Algumas pessoas pareciam exatamente do jeito que deveriam. Linus


parecia um Superior, um mago de primeira linha que esteve no ápice do
poder por décadas. Da mesma forma, o agente Wahl parecia um agente
do FBI: corte de cabelo severo, expressão séria, constituição atlética e
aquele olhar sem sentido em seus olhos que sugeria que ele sabia que você
estava tramando algo, e mesmo que você não estivesse, ele não se
importava.

— Você me deve um favor.

— Eu?

— Sim. Aquele pequeno caso envolvendo dois Superiores


estrangeiros e uma maleta misteriosa .

— Não lembro de nenhuma maleta.

— Aquela que se fosse manipulada explodiria, que precisava ser


aberta em uníssono pelos dos estrangeiros.

— Ah, aquela maleta. Eu quase tinha esquecido a coisa toda.

— Agente Wahl, foi há dois meses. Larguei tudo e fui ao seu prédio
num domingo. Você deve um favor ao Gabinete do Guardião.

Nós colocamos essa história no final do livro como leitura extra. Foi disponibilizado no blog dos autores como sendo o 1º capítulo de Ruby
Fever, acabou que a história nem entrou no livro.

Ruby Fever
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— Eu não vou gostar disso, não é?

— Não seria um favor se você gostasse.

Ele suspirou. — Manda.

Dei-lhe o endereço do armazém que o corpo de Luciana foi


recolocado. Nossa equipe já não estaria mais lá há muito tempo.

— O que tem lá?

— Algo que eu preciso que você assuma. Considere isso uma


denúncia anônima.

Ele deu uma risada curta e desligou.

Abri um navegador e procurei por Konstantin Berezin. Uma linha de


imagens apareceu, seguida por vários links. Konstantin vestido em um
uniforme azul-escuro com detalhes em vermelho-sangue. Força Aérea
Imperial. Konstantin ao lado de seu pai, um homem mais velho de
expressão dura—não importando se estava vestido em um terno ou em
roupas mais informais—posando para uma foto publicitária no meio de
uma rua coberta de neve, com as cúpulas douradas de alguma catedral
russa atrás deles. Konstantin com seus irmãos, todos em diferentes
uniformes militares em alguma função formal.

Um dos irmãos vestia o preto da Marinha Imperial, um sorriso


paciente e magnânimo em seu rosto. O outro irmão, de cabelos escuros

Ruby Fever
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como o pai, parecia querer dar um soco em alguém. Ele não parecia se
importar quem seria esse alguém. Seu uniforme verde-escuro do Exército
se ajustava a ele como uma segunda pele. Mamãe diria que ele estava
‘respeitável’. Konstantin estava entre eles com um sorriso sonhador, como
se tivesse tirado uma longa soneca feliz em uma rede debaixo de alguma
árvore.

‘Lobos em pele humana’, foi o que Alessandro disse. Agora um deles


estava aqui. Por quê?

Um bipe suave anunciou a chegada de uma mensagem dos


Guardiões. Aqui vamos nós. A ajuda estava a caminho. Mudei para a rede
do Gabinete do Guardião e cliquei na mensagem.

Entendido, Guardiã Interina Baylor. Permissão


concedida para investigar o assassinato da presidente
Cabera.

Boa Sorte. Que Deus lhe acompanhe.

Merda.

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Olhei para a tela.


Boa Sorte. Que Deus lhe acompanhe.

Uma batida suave me fez levantar a cabeça. Mamãe estava na porta.

Um pico de ansiedade martelou em mim. — Linus ...?

— O mesmo. Você convocou a reunião em dez minutos e a sala de


conferências está trancada.

Oh. Percebi que estava meio fora da cadeira e me sentei.

Mamãe fechou a porta e se sentou no sofá. Sua perna a incomodava


hoje. Eu poderia dizer pelo jeito que ela se movia, um pouco rígida,
cuidadosa com o peso que descansava sobre a perna. Durante a maior
parte de sua vida, mamãe foi atlética, forte e rápida. Durante um conflito
nos Bálcãs , sua unidade foi pega entre dois grupos inimigos. Os poucos
sobreviventes acabaram em um campo de prisioneiros de guerra em uma
pequena cidade tomada pelos bósnios. Mamãe tentou escapar e levar um
grupo de soldados para fora. Ela foi recapturada.

Eles quebraram sua perna e a colocaram em um buraco. Era um poço


de esgoto que levava a um pequeno túnel de manutenção, inundado com

Os Bálcãs, Balcãs, ou ainda península balcânica é o nome histórico e geográfico para designar a região sudeste da
Europa que engloba a Albânia, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Grécia, Macedônia do Norte, Montenegro, Sérvia, o autoproclamado independente
Kosovo, a porção da Turquia no continente europeu (a Trácia Oriental), bem como partes da Croácia, da Romênia e da Eslovênia.

Ruby Fever
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água da chuva e esgoto. O único ponto seco era perto da parede, com cerca
de um metro de largura.

Mamãe dormiu sentada. Eles abriam a tampa do esgoto uma vez por
dia e jogavam um saco de comida no chão, e se ela tivesse sorte e fosse
rápida, ela pegava o saco antes que caísse na água suja.

Mamãe não sabia quanto tempo ficou no buraco. Quando os


prisioneiros de guerra foram resgatados, os militares tentaram consertar a
perna dela, mas o dano foi permanente. Eles lhe deram um punhado de
medalhas e uma dispensa honrosa. Ela só nos contou sobre isso uma vez,
para explicar por que sua perna estava danificada, e nunca mais falou
sobre isso.

Na cabeça de mamãe, ela nunca era rápida o suficiente. Estava sempre


compensando o tempo. Se uma reunião fosse marcada para o meio-dia,
ela chegava às 11h45.

— Por que está assim? —Mamãe perguntou.

— Pedi reforços, —eu disse.

— E?

— Não vai vir.

— Esperava que viesse?

— Sim, eu tinha esperanças. Pedi ajuda a eles, e eles me nomearam


Guardiã Interina e me desejaram boa sorte.

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— Você conseguiu uma promoção com responsabilidades extras, mas


sem remuneração ou benefícios adicionais. —Mamãe sorriu. — Estou tão
orgulhosa. Você é oficialmente uma adulta de sucesso.

— Agora posso dar ordens ao mais alto órgão de aplicação da lei


estadual. Acho que isso é um benefício.

Um benefício muito duvidoso. Os órgãos de aplicação da lei não


gostavam de interferência.

— Na vida real ter ajuda é algo raro. Saber disso faz parte de ser
adulto. Sabe o que eu lhe diria se você fosse um dos meus soldados?

— O que?

— Cuide da sua merda.

Eu a encarei.

— Você está com Linus há dezoito meses. Foi treinada


profissionalmente. Tem experiência, habilidades e poder, e conhece os
procedimentos. Trate o que quer que seja como qualquer outro caso.

— E se Linus ...

— Viver ou morrer só depende do próprio Linus. Não há nada que


você possa fazer para ajudá-lo, então tire-o da cabeça. Concentre-se no que
você pode fazer.

Olhei para minha mesa. Ela não estava errada.

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— O que pode acontecer se Linus morrer? —Mamãe perguntou.

— Eu me torno a Guardiã definitivamente.

— O que acontecerá eventualmente de qualquer maneira. Linus não


vai viver para sempre, Catalina. Nenhum de nós vai. É por isso que não
há ajuda. Eles querem saber se você está pronta para fazer o trabalho.

— Não tenho certeza se estou pronta.

— Na batalha, quando seu oficial morre, você não pode se dar ao luxo
de se perguntar se está pronto. Você assume o comando porque é o
próximo da fila e vidas serão perdidas se não o fizer. Eu tenho fé em você.
O mesmo acontece com Alessandro, o resto da família e Linus. Ele
escolheu você para o trabalho. Então, querida, faça o que for preciso para
se acalmar. Se precisar chorar, chore. Se precisa ir ao campo, você sabe
onde está a munição.

Eu me levantei e fui até ela. — Posso ganhar um abraço?

Mamãe abriu os braços e nos abraçamos. Ela beijou meu cabelo.

Eu quase chorei. Ela costumava me abraçar assim toda vez que minha
magia vazava, e alguém se perdia na obsessão por mim. Mamãe me
abraçava e me dizia que ia ficar tudo bem, que com a prática eu
melhoraria. Ela sempre acreditou em mim sem qualquer dúvida.

— Você e suas irmãs são tão diferentes e, de alguma forma, tão iguais.

— Como somos iguais?

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— Vocês três quando colocam um objetivo na cabeça, ninguém


consegue pará-las. Especialmente você. O que precisa agora é acalmar a
mente, Catalina. Você pensa demais em tudo. Coloque-se nos trilhos e vá
em frente.

— Eu vou, —prometi.

A porta se abriu e Arabella enfiou a cabeça para dentro. — Por que a


sala de conferências está trancada? —Minha irmã olhou para mim e
mamãe. — Você está tendo uma conversa com mamãe? O que aconteceu?
Algo ruim aconteceu.

— Feche a porta, —mamãe disse a ela.

Arabella recuou e fechou a porta.

— Está pronta ou precisa de um pouco mais de tempo?

— Estou pronta.

Mamãe assentiu. — Bom. Então vamos lá.

A família inteira se reuniu no corredor, enchendo-o de parede a parede.


Leon: alto, magro, cabelos escuros, pele bronzeada e sorriso branco,
encostou-se à parede, porque se houvesse uma superfície vertical presente,

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102

meu primo mais novo sentiu-se compelido a apoiá-la. Ao lado dele, Bern,
seu irmão: forte, com ombros largos, um corpo musculoso e cabelos que
ficavam loiros escuros durante o verão e castanhos claros no inverno,
envolviam Runa com o braço. Runa: cabelos vermelhos brilhantes, olhos
verdes e pele tão pálida que todos nós gostávamos de provocá-la dizendo
que ela brilhava no escuro de tão branca.

Bern carregava um notebook e Runa um tablet.

À direita, junto à sala de reuniões, Arabella cruzou os braços.


Pequena, bronzeada, um corpo em forma de ampulheta, minha irmã
usava um vestido de tecido Jacquard floral preto e branco com decote
redondo, cintura justa e saia rodada. Ela combinou isso com botas pretas.
Seu cabelo loiro, que recentemente tonificou para um tom de cinza frio,
descansava em sua cabeça em um penteado artisticamente solto, que
Arabella chamava de ‘o cabelo da garota popular da igreja’. Ela deve ter
tido uma reunião de negócios de alto nível esta manhã.

Atrás deles, vovó Frida franziu a testa para o telefone. Ela tinha mais
ou menos a mesma altura de mamãe, mas elas não poderiam ser mais

Tecido Jacquard refere-se a qualquer tipo de padrão de imagem que é tecido diretamente no material, em vez de
bordado, impresso ou estampado no tecido. O jacquard pode ser qualquer tipo de trama e pode ser trabalhado a partir de qualquer tipo de fio. Ao
contrário dos desenhos impressos e estampados, os tecidos jacquard terão um padrão reverso que é visível no interior de uma peça de roupa. Esse
negativo do design oferece um apelo estético único, permitindo que algumas peças sejam usadas como roupas reversíveis.

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diferentes. Vovó Frida era esbelta, com constituição óssea leve como a de
um pássaro, seus cabelos eram um halo de cachos platinados. Seu
macacão de mecânico estava manchado com uma mancha fresca de graxa
de motor. Mamãe era forte, com pele morena clara, cabelos escuros e
olhos escuros, que ficavam frios e calculistas quando ela mirava a distância
para um tiro mortal.

Logo atrás deles, Cornelius esperava, vestido com calças leves de


verão e um colete cinza que se ajustava ao seu corpo esbelto com precisão
personalizada. Ele arregaçou as mangas de sua camisa branca até os
cotovelos. Seu cabelo loiro estava levemente bagunçado. Cornelius
sempre se vestia impecavelmente, mas não importava o que vestisse, a
menos que a ocasião fosse realmente formal, ele conseguia parecer casual
sem esforço. Gus, seu enorme Doberman preto e castanho , estava sentado
a seus pés. Quando conhecemos Cornelius e Matilda, eles tinham outro
Doberman, Bunny, mas Bunny e Matilda tinham a mesma idade e depois
de anos de serviço fiel e muitas brincadeiras, Bunny já não era mais tão
ativo. Gus era um dos filhotes que ele gerou, razão pela qual Leon insistia
em se referir a ele como Gus Bunny Junior.

Patricia Taft, nossa chefe de segurança, estava ao lado de Cornelius.


De certa forma, eles eram opostos polares. Cornelius estava habilmente

Dobermann é uma raça de cães do grupo pinscher, oriunda da Alemanha. A raça foi desenvolvida inicialmente por Karl Friedrich
Louis Dobermann em Apolda na Alemanha por volta de 1860. Foi a primeira raça criada especialmente para proteção.

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desgrenhado e não parecia ameaçador. Tudo em Patricia era preciso,


desde seu cabelo castanho escuro preso em uma trança francesa até o
terninho bege que combinava com sua pele morena. Ela usava o terninho
como um uniforme e projetava confiança e autoridade que faziam as
pessoas entrarem na fila quando a viam chegar.

Alessandro saiu de seu escritório carregando um recipiente de plástico


com tampa. Ele me viu e fez um movimento de captura com o recipiente.
Edviges. Entendi.

Segurei uma chave. — Preciso que vocês formem fila única.

A família me encarou.

— Vocês precisam entrar na sala de conferências um de cada vez,


observar onde colocam os pés e verificar suas cadeiras.

Bern virou-se para Leon.

— O que foi? —Leon piscou os olhos para ele fingindo inocência.

— Você sabe o que foi, —Bern disse a ele.

— Por que? —Mamãe perguntou.

— Porque uma aranha muito valiosa escapou de sua contenção na


sala de conferências esta manhã. É uma espécie em extinção. Também
vale um quarto de milhão de dólares.

— Perfeito, —disse Arabella.

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— Minhas mais profundas desculpas, —disse Cornelius, parecendo


perturbado. — Falei com Matilda.

— Se verem a aranha, por favor, não a esmague. —Abri a porta e


fiquei de lado. — Grite, e Alessandro vai prendê-la.

— Eu definitivamente vou gritar, —disse Runa. — Mas não posso


garantir não a esmagar.

— Tente, —eu disse a ela.

A família entrou na sala de conferências. Esperei por um grito.


Nenhum grito veio. Alessandro atravessou o corredor, o recipiente de
plástico nas mãos, e me convidou para a sala de conferências com um
movimento de sua mão. Entrei, verifiquei minha cadeira e tomei meu
lugar na cabeceira da mesa.

Alessandro sentou-se à minha direita. Patricia sentou-se à minha


esquerda.

Bern colocou o notebook na ponta da mesa e apertou algumas teclas.


Connor e Nevada apareceram na tela montada na parede oposta. Meu
cunhado estava em seu modo de trabalho, vestido de preto e fazendo o
possível para parecer ameaçador. Connor era um homem grande, com
cabelos escuros e olhos azuis intensos, e irradiava ameaça como um
aquecedor irradiava calor.

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Minha irmã mais velha acenou para nós. Seu cabelo loiro mel estava
trançado longe de seu rosto. Ela usava um vestido branco, o que
significava que estava prestes a sair ou tinha acabado de voltar de algum
lugar, porque Arthur Rogan e vestidos brancos não se misturavam. Meu
sobrinho tinha treze meses e todos suspeitávamos que alguém o havia
trocado por um Coelho Energizer quando ninguém estava olhando. Ele
aprendeu a andar e, assim que conseguiu dar alguns passos sem ajuda,
decidiu que tinha lugares para ir e coisas para fazer e, quando isso falhava,
ele levitava as coisas em sua direção. Seu controle era um pouco instável
e às vezes seus copos com canudinho se abriam no ar.

— As câmeras estão desligadas? —Eu perguntei.

Runa passou o tablet para Bern. Ele clicou os dedos sobre o aparelho.
— Sim.

Nenhum registro desta reunião seria feito.

Mantive meu rosto neutro. — Às 11h02 desta manhã, Luciana Cabera


foi assassinada no Refúgio.

A sala ficou completamente silenciosa.

— O atacante provavelmente era um Telecinético Superior, que a


empalou com duas estacas de metal, uma no peito e outra na boca.

Coelho Energizer

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Eu mexi no meu telefone. A tela na parede atrás de mim mostrou


Luciana Cabera presa à parede e todo o sangue em imagem de alta
definição. Esperei que todos avaliasse a imagem e mexi no telefone
novamente. A imagem de um dos marlinspikes extraídos do corpo encheu
a tela.

Olhei para Connor.

Ele levantou a voz. — Jeremy, limpe minha agenda para a


próxima semana e encontre Besouro.

— Suspeitamos que o Telecinético seja Xavier Secada, —disse


Alessandro. — A arma e a forma do assassinato se encaixam em seu
Modus Operandi.

O retrato de Xavier apareceu na tela. De estatura média, Xavier era


magro e bonito. Alguns homens se tornavam mais masculinos em seus
vinte anos, e Xavier tinha amadurecido um pouco, mas seu rosto ainda
mantinha uma beleza ligeiramente andrógina. A primeira vez que o vi,
cinco anos atrás, achei ele parecido com os cantores de uma boy band .
Sua pele bronzeada brilhava com perfeição. Seu cabelo castanho estava
cortado em um estilo lisonjeiro, do tipo que gritava: ‘Cortei em um salão

Boy band é definido como um grupo vocal constituída por cantores do sexo masculino, geralmente é composta
por jovens em sua adolescência ou na faixa etária de vinte anos no momento de sua formação. Este conceito também pode ser empregado a fim de
se denominar cada um dos integrantes de um grupo musical deste tipo.

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caro porque posso’. Seus olhos escuros eram arrogantes e cruéis, e o sorriso
em seus lábios lhe dizia que ele tinha uma alta opinião de si mesmo.

— Esse merdinha, —Vovó Frida disse.

— O envolvimento de Xavier significa que o assassinato foi cometido


com a bênção de Arkan, —continuou Alessandro. — Neste momento, não
sabemos o que o motivou a matar a presidente. Arkan prefere agir
discretamente e quando tem que eliminar uma figura pública,
normalmente planeja um acidente ou faz com que ela desapareça.

— O Refúgio é de propriedade de Linus, —eu disse. — Apontar um


holofote para Linus não é conveniente agora, então mudamos a cena do
crime.

Arabella girou para mim. — Por que? O que aconteceu com Linus?

Mamãe levantou a mão e fez um movimento de ‘acalme-se’. — Ele vai


ficar bem. Não se assuste.

— O que está acontecendo? —A voz de Arabella disparou. — Alguém


vai me dizer o que aconteceu?

— Eu vou se você parar de falar por um segundo. —Respirei fundo.


— Em algum momento nas últimas vinte e quatro horas, Linus foi atacado
em sua casa. Pete está morto.

Arabella respirou fundo. A tristeza tocou o rosto de mamãe. Ela e Pete


eram amigos.

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Bern parecia alarmado, o que quase nunca acontecia. Na tela do


notebook, tanto Connor quanto Nevada ficaram inexpressivos. Minha
irmã pegou o hábito do marido.

— Linus chegou ao cofre, —disse Alessandro. — O atacante era um


Mago Mental, porque Linus tomou Estixina em uma dose dupla a
recomendada.

Vovó Frida assobiou.

— Ele está consciente? —Perguntou Connor.

— Não, —eu disse.

— O que é Estixina? —Perguntou Runa.

— É uma droga de defesa mental, —disse Connor. — Uso militar.


Isso o deixa completamente inconsciente. Um Mago Mental não pode
matar se não puder alcançar a mente de seu alvo. A droga pode
deixar o usuário permanentemente em coma, por isso é um último
recurso.

— Há alguma outra substância que podemos dar a ele? —Arabella


exigiu.

— Não, —mamãe disse a ela. — Temos que esperar que Linus acorde
sozinho.

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Arabella apertou os punhos. Acho que dizer agora ‘Linus pode não
acordar’ não seria uma boa ideia. — Linus ativou o protocolo de bloqueio,
que desativei para tirá-lo do cofre.

— Onde ele está agora? —Runa perguntou.

— No quarto de hóspedes, no andar de cima da casa principal, —eu


disse a ela.

Arabella se levantou.

Mamãe apontou para a mesa. — Sente-se.

Minha irmã sentou imediatamente.

— Doutor Patel está com ele, —disse mamãe. — Quando a reunião


terminar, você pode ir vê-lo.

Alessandro se inclinou para trás em sua cadeira. — Estamos em alerta


máximo. Ninguém vai a lugar nenhum sem uma escolta ou apoio.

Patricia assentiu. — Tudo bem.

Olhei para Bern. — A casa de Linus está indefesa, mesmo com todos
aqueles brinquedos dele, a menos que possamos colocar o sistema de
segurança online novamente.

Havia poder de fogo suficiente sob aquela casa para derrubar o


governo de um pequeno país.

— Vou lidar com isso, —disse ele.

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— Eu vou com ele, —disse Runa.

Runa era uma Maga Venenata Superior, uma maga do veneno, e ela
amava Bern. Meu primo não poderia ter pedido uma guarda-costas
melhor.

— Obrigada, —eu disse. — Leon, entreguei a investigação de Cabera


ao agente Wahl. Eu gostaria que você o acompanhasse nas sombras. Fique
de olho nele, deixe-me saber o que Wahl está fazendo e o mantenha seguro
caso Arkan se aproxime dele.

— Estou nisso. —Leon olhou para Runa. — Divirta-se sendo a


guarda-costas do nerd, enquanto eu serei babá do FBI.

Ela bufou.

Mandei uma mensagem para o celular de Leon com o endereço do


armazém e olhei para Connor e Nevada. — Ajudaria muito se tivéssemos
uma boa história para justificar a ausência repentina de Linus.

— Darei um jeito nisso, —disse Nevada.

Connor olhou para mim. — Avisarei quando encontrar Xavier.

Assim que essa reunião terminasse, ele infernizaria Besouro—seu


especialista em vigilância—para escanear Xavier pelas câmeras da cidade
de Houston. Besouro era implacável e processava informações visuais em
uma velocidade sobre-humana. Xavier não sabia, mas no momento em
que entrasse na mira de Besouro, seu pequeno passeio acabaria.

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— Temos outro problema, —disse Alessandro. — Por razões


desconhecidas até aqui, o Império russo se interessou por essa situação.

Eu toquei meu tablet e Konstantin apareceu na tela em toda a sua


glória uniformizada.

Vovó Frida sentou-se mais reta. — Que maravilha!

— Mãe ... —Mamãe rosnou.

— Estou velha, Penelope. Não morta ou cega. —Vovó Frida sorriu.


— Além disso, eu sempre amei um homem de uniforme.

— Pelo amor de Deus, —mamãe murmurou.

— Quem é ele? —Leon queria saber.

— Príncipe Konstantin Leonidovich Berezin, do Sangue Imperial, —


eu disse. — Sobrinho do Imperador Mikhail II. Filho do grão-duque
Leonid Sergeyevich Berezin, que é o diretor do Serviço de Segurança
Imperial.

Ninguém disse nada. Todos nós apenas olhamos para a imagem de


Konstantin por um longo momento.

— Isso não é bom, —disse Connor.

Meu cunhado, mestre do eufemismo da sutileza.

— Não sabemos por que o Império escolheu esse momento para se


envolver, —eu disse.

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— Em breve saberemos, —disse Alessandro. — Enquanto isso, quero


enfatizar os riscos envolvidos.

Alessandro pegou meu tablet, mexeu nele, e uma imagem de


Augustine Montgomery apareceu na tela. Ele era alto e magro, com
cabelos loiros platinados, cortados com precisão de navalha e um rosto de
um semideus. Seu caro terno branco se encaixava nele como uma luva, e
ele olhava para o mundo com diversão e leve escárnio através de um par
de óculos elegantes.

Augustine começou como o detentor do nosso empréstimo comercial,


depois nosso chefe e potencial inimigo, mas acabou se tornando um
amigo. Era uma amizade em seus próprios termos, mas uma amizade, no
entanto. Casa Baylor e Casa Montgomery eram aliados, apesar de serem
rivais de negócios, e o fato de Augustine e Connor serem colegas de quarto
e amigos na faculdade apenas selaram a aliança com mais força.

Alessandro apontou para tela. — Vocês poderiam descrever


Augustine para mim?

— Esnobe, —disse Leon.

— Vive para o trabalho, —disse Bern. — Competente.

— Implacável, —disse Arabella. — Mas justo.

— Inteligente, —eu acrescentei. — Perigoso. Bom em dissimulação.

— Compassivo, —disse Runa.

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Todos nós olhamos para ela.

— Ele é, até certo ponto. Se não fosse por ele, Ragnar não estaria aqui.

Augustine foi quem me convenceu a sair de casa e correr para o teto


de um hospital no meio da noite e tirar o irmão de Runa da borda do
telhado com minha magia antes que ele fizesse algo que não pudesse ser
desfeito.

— Algo mais? —Alessandro perguntou.

— Lindo, —acrescentou a vovó Frida.

Alessandro bateu no tablet. Um vídeo começou a rolar na tela,


mostrando uma academia vazia, exceto por dois jovens. Um era
Augustine—alto, cabelo loiro platinado cortado curto, e um rosto
beirando a perfeição absoluta.

Havia algo de errado com este Augustine. Ele parecia mais jovem. Eu
não conseguia identificar nenhum detalhe específico que podia me dizer a
idade dele. Ele apenas dava uma impressão geral de um homem de vinte
e poucos anos, assim como o atual Augustine dava uma impressão geral
de um homem de trinta e poucos anos.

Mas não era a idade. Era outra coisa.

Examinei a imagem. Augustine estava descalço e vestia uma camiseta


branca simples e shorts escuros. Será que era isso?

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Seu oponente, um homem alto de cabelos escuros, virou-se e vimos o


rosto dele. Connor. Por um momento, eu não o reconheci, mas seus olhos
azuis eram inconfundíveis.

Connor parecia também uma pessoa diferente.

O Connor no vídeo, apesar de ter as mesmas características, não tinha


a intensidade da marca registrada do Connor atual. Connor exalava
ameaça. O homem na tela não tinha nada disso. Ele se portava com
facilidade relaxada. Connor antes da guerra, antes da mudança sísmica
que o transformou no Louco Rogan.

Nevada virou-se para Connor. — Quando foi isso?

Connor apertou os olhos na tela. — Um dia após a formatura. Uma


semana antes de ser convocado. Onde você conseguiu isso?

— Isso não é importante, —disse Alessandro.

— É sim. Eu não tenho essa gravação.

Nevada olhou para Bern. — Diga-me que você não hackeou o


servidor da MII?

Bern olhou para ela por um momento. — Claro que não. Isso
começaria uma guerra.

— Você conseguiu de De Silva, —disse Connor.

Montgomery Investigações Internacionais

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Nevada olhou para ele. — Quem é De Silva?

— É ele quem está filmando.

Na tela, Augustine e Connor se encararam.

Connor era extremamente forte e muito rápido, e uma vez que ele
começava a lutar, era capaz de poder devastador. Atualmente, Augustine
era tão alto quanto Connor, mas parecia pesar uns vinte e cinco quilos a
menos que Connor. Se eles fossem colocados lado a lado, Augustine
pareceria quase frágil em comparação. A idéia deles lutando parecia
absurda. Por que estavam lutando? Augustine perdeu alguma aposta?

O motivo da sensação de que algo estava errado com Augustine do


vídeo se revelou em minha mente. O Augustine do vídeo era maior. Seus
ombros eram mais amplos, seus braços mais musculosos, as pernas grossas

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e definidas. Em frente a Connor, ele era apenas um pouco mais magro. Oh


meu Deus.

— Augustine era musculoso, —observou Runa.

— Ele ainda é, —eu disse. — Ele diminui o tamanho do corpo com


ilusão.

Alessandro sorriu para mim, orgulhoso por eu ter deduzido primeiro.

— O que? —Arabella perguntou.

— Pause o vídeo, —pedi.

Alessandro bateu no tablet e a imagem na tela congelou.

— Olhe para a proporção de seus ombros no peito. O Augustine que


conhecemos atualmente tem ombros mais estreitos, um peito mais raso e
cintura mais larga. Até a linha dos ombros está errada. Você pode perder
a massa muscular, mas não pode alterar a estrutura esquelética do seu
corpo. Ele se diminui usando magia.

— Ele também faz parecer ter cinco centímetros de altura a mais, —


disse Connor. — O faz parecer mais magro.

Alessandro tocou o tablet. O vídeo seguiu. Augustine explodiu em


movimento. Seu punho direito martelou na mandíbula de Connor,
extremamente rápido.

— Puta merda! —Leon disse.

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Connor se afastou, as mãos para cima e Augustine deu um chute cruel


em direção ao joelho esquerdo de Connor.

Connor deve ter previsto o golpe, porque ele tentou se desviar, mas
Augustine ainda o alcançou. O impacto do golpe cambaleou Connor par
trás.

— Ele é rápido, —disse Bern, apreciação profissional em sua voz.

Ambos os meus primos se inclinaram para a frente, focados na tela.


Arabella também. Por um momento, ela esqueceu Linus. Seus olhos
rastrearam os dois combatentes na tela. Havia algo um pouco predatório
na maneira como Arabella os observava, como um gato assistindo dois
outros gatos lutando.

Connor saltou para trás e lançou um chute baixo que roçou a coxa de
Augustine. Augustine dançou de volta.

Connor atacou, seu braço descendo como uma marreta. Augustine


bloqueou o braço de Connor cruzando os braços e chutou a coxa esquerda
de Connor. Ter aparado o golpe cruel de braço de Connor deve ter doído.
Eles dançaram no chão da academia, chutando, socando e rosnando. Era
bonito e aterrorizante assistir.

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Na tela, Augustine saltou. Sua perna direita disparou como um taco


de beisebol balançando, apontando para a cabeça de Connor. No último
momento, Connor se desviou, agarrou a perna de Augustine e o
empurrou. Eles rolaram no tapete.

— Legal, —disse Bern.

Connor trancou Augustine em Half Nelson por meio segundo.


Augustine torceu o rosto e rolou, aterrissando em cima de Connor.
Connor fez a ponte, jogando Augustine e bateu um soco no ouvido de
Augustine. Augustine rosnou e socou Connor na cara.

O clima mudou. Eles estavam jogando antes, distribuindo chutes e


socos, golpes calculados que não causaria danos duradouros. Agora a
coisa era pra valer. Esta não era mais uma sessão de treinamento. Era uma
luta de verdade.

O vídeo se moveu, balançando mais perto.

Connor e Augustine o ignoraram, tentando superar um ao outro.

Algo assobiou e uma espuma retardadora de chamas disparou sobre


eles.

É uma tática de imobilização. Para executá-la, o lutador executa uma chave de braço no adversário, enquanto segura seus braços
e cabeça. Permite que o lutador pontue mais dependendo de quanto tempo ficar na posição.

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Os dois combatentes se separaram.

—Augustine rosnou.

—Connor
limpou o sangue do nariz e o jogou na direção de Augustine.

Augustine se levantou. Ele era musculoso como um ginasta. Seu rosto


embaçou por alguns segundos e ele voltou a uma versão mais jovem do
Augustine que conhecíamos, elegante, magro e glacial.

O vídeo parou.

Augustine nos enganou. Quando listamos seus atributos, a primeira


coisa nessa lista deveria ter sido ‘um assassino treinado’.

Olhei para Bern. — Se você tivesse que ...

Bern balançou sua cabeça. — Ele me mataria.

— Augustine Montgomery é um lutador marcial altamente capaz, —


disse Alessandro. — A maioria dos Magos Ilusionistas de alto calibre são.
Eles assumem a identidade de outras pessoas e entram em situações
perigosas, geralmente para coletar informações ou matar seu alvo.
Superiores como Augustine podem esconder seus movimentos em uma
luta. Ele não fez isso aqui, mas se fosse uma luta real, e ele tivesse uma
faca ...

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— Connor ainda daria uma surra em Augustine, —disse Leon.

Meu primo mais novo era o fã número um do Louco Rogan no ensino


médio, e ele nunca deixou de ser. No que dizia respeito a Leon, Connor
andava sobre a água e comia tanques de inimigos no café da manhã.

— Ele cria ilusões de movimento, —disse Connor. — Ele faz você


achar que a mão dele está em um lugar, e então uma faca aparece
pressionada contra suas costelas, e você não a viu chegar lá. Se eu
precisasse matá-lo, não lutaria com ele corpo a corpo. Eu o mataria
à distância. Mas Augustine nunca fará nada para machucar
ninguém nesta sala.

— Como sabe? —Eu perguntei.

Nevada assentiu. — Eles lutam às vezes.

— E você não nos disse isso, por quê? —Mamãe perguntou.

Nevada parecia envergonhada. Quase nunca acontecia. — Não me


ocorreu. Como Connor disse, ele não é uma ameaça. Connor e ele
tiveram uma conversa muito séria alguns anos atrás. Isso realinhou
a visão de mundo de Augustine.

— Confie em mim, —disse Connor. — Todas as ameaças veladas


e promessas assustadoras de Augustine são balela. Ele é um amigo.

— Poderia ter me enganado, —mamãe disse, sua voz monótona.

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Connor fez uma careta. — Ele tem problemas.

— Konstantin Berezin pode fazer tudo que Augustine pode fazer e


provavelmente mais, —disse Alessandro. — Se alguém nessa sala
encontrá-lo, trate-o como uma cobra. Tentem ficar fora do alcance de
ataque. Ele pode matar rapidamente e sem hesitação.

— Concordo, —disse Patrícia. — Um Mago Ilusionista encurralado


pode ser um oponente muito desafiador.

Eu sempre pensei que uma vez que um Mago Ilusionista fosse


descoberto, ele ficava de alguma forma impotente. Claramente, pensar
dessa forma foi um erro mortal. Ouvir que Konstantin era letal era uma
coisa. Ver Augustine, que todos nós descartamos como um não-
combatente, se transformar em uma máquina de matar não era algo que
eu esqueceria.

— Obviamente, Konstantin complica as coisas, —eu disse. — Mas


nossa principal prioridade ainda é proteger Linus e resolver o assassinato
da presidente.

— Falando nisso, —disse Nevada. — Temos notícias ruins.

— CAP? —Bern perguntou.

Connor parecia ter mordido uma maçã podre. — Nós vamos lidar
com isso.

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A Consultoria de Ação Principal, ou CAP, como eles se


autodenominavam, recentemente se tornou uma pedra no sapato da Casa
Rogan. Assim como Connor, eles ofereciam um exército particular para
contratar e, assim como o exército de Connor, eles eram liderados por um
poderoso Superior, Matthew Berry, um Mago Marcador. Um Marcador
marcava um ponto em uma estrutura e então a saturava com energia
arcana até explodir. Matthew era uma bateria de artilharia de um homem
só.

O CAP foi fundado pelo pai de Matthew. Naquela época, a empresa


havia sido chamada de Furacão Negro, e depois que Connor entrou em
erupção na cena militar, as pessoas não paravam de perguntar se Louco
Rogan e sua equipe faziam parte da Furacão Negro. A dupla pai e filho se
cansou disso e mudou o nome.

Mas o verdadeiro problema começou no ano passado. Um grupo de


arqueólogos foi feito refém no Paquistão , quatro deles cidadãos
americanos. Por razões políticas complicadas, o governo dos Estados
Unidos queria resgatá-los discretamente. Entraram em contato com o
CAP. O pai de um dos arqueólogos e amigo da mãe de Connor entrou em

Paquistão, oficialmente República Islâmica do Paquistão, é um país soberano do Sul da Ásia. Com uma
população superior a 200 milhões de pessoas, é o quinto país mais populoso do mundo e, com uma área de 796 095 quilômetros quadrados, é a 35ª
maior nação do planeta em área territorial.

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contato com Connor. Enquanto Berry e o governo negociavam o contrato,


Connor entrou com uma pequena equipe e salvou os reféns.

Sem razão aparente, Berry viu isso como uma provocação. O que
deveria ter sido uma rivalidade de negócios na melhor das hipóteses se
tornou profundamente pessoal e o jovem Berry decidiu varrer a Casa
Rogan da superfície do planeta. Se a equipe de Connor tomasse um lado
de um conflito, Berry fazia questão de ser contratado pelo lado inimigo.

Eles entraram em confronto várias vezes em solo estrangeiro, e todos


nós sabíamos que o confronto final estava chegando em breve.

— Berry está concentrando suas tropas em Austin , —disse


Connor.

A empresa de Berry estava sediada na Virgínia . Não havia razão


para a equipe dele estar em Austin, a apenas algumas horas de nós. Ele
estava se preparando para uma ofensiva contra Connor. Todos aqui
sabiam disso, e nenhum de nós faria nada a respeito. Quem desse o

Austin, a capital do Texas, nos EUA, é uma cidade que faz divisa com a região de Texas Hill Country. Contando
com o campus principal da Universidade do Texas, Austin é conhecida pelo cenário eclético de música ao vivo centralizado nos gêneros country,
blues e rock. Os diversos parques e lagos são muito procurados para trilhas, ciclismo, natação e passeios de barco. Ao sul da cidade, o Circuito das
Américas recebe o Grande Prêmio dos Estados Unidos de Fórmula 1.

A Virgínia, um estado no sudeste dos EUA, estende-se desde a Baía de Chesapeake até os Apalaches, com um
longo litoral no Oceano Atlântico. Ela é uma das 13 colônias originais, com monumentos históricos como Monticello e a famosa plantação de
Charlottesville, do pai fundador Thomas Jefferson. O Assentamento de Jamestown e Colonial Williamsburg são museus de história viva que
reencenam a vida das eras colonial e revolucionária.

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125

primeiro passo teria que arcar com as ramificações legais. Era mais
inteligente ser atacado do que acertar o primeiro golpe.

Berry era uma ameaça significativa, e por um azar do destino


coincidiu dele atacar a Casa Rogan agora. A Casa Baylor precisava ser
autossuficiente, por isso nunca contei com a ajuda de Connor e Nevada
para resolver nossos problemas, embora eles sempre estiveram
disponíveis.

Mas agora sabíamos com certeza que tínhamos que confiar em nós
mesmos. Eu precisava alterar um pouco nosso plano.

— Arabella?

Ela olhou para mim. A fúria em seus olhos ainda estava lá.

— Quem tentou matar Linus provavelmente vai querer terminar o


trabalho, —eu disse.

— Espero que tentem. Ninguém toca na minha família.

Suponho que todos nós víamos Linus como uma família. Linus nos
tratava como suas netas e netos, e ele adorava Arabella especialmente. Ele
a deixava roubar seu uísque e charutos, e às vezes ela lhe pedia conselhos.
Nevada recebia dele respeito e orientação, eu recebia dele educação e
sermões, mas Arabella recebia aprovação imediata. Se perdêssemos Linus,
ela ficaria inconsolável. Eu ficaria inconsolável.

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— Você vai ficar em casa, —eu disse a ela. — Não saia do Complexo,
não importa o que aconteça. Você é nossa linha final de defesa.

— Por mim tudo bem.

— Nós terminamos, —eu disse. — Todo mundo sabe o que fazer.

Nevada acenou e a tela do notebook ficou escura.

Fui até Bern e lhe entreguei o USB. — Preciso saber o que está nele.

— Certo.

Bern se levantou, e Runa e ele foram embora. Leon saiu pela porta.
Mamãe acenou para Arabella. Minha irmã pulou da cadeira e as duas
saíram da sala.

Cornelius também se levantou. Ele permaneceu tão quieto durante


toda a reunião que foi fácil esquecer que ele estava lá.

— Espere um pouco. —Levantei-me, voltei para o meu escritório, tirei


a bolsa Ziploc com o pincel de maquiagem de Luciana da gaveta da minha
mesa e levei de volta para a sala de conferências. — Eu gostaria que você
verificasse uma coisa para mim.

— Sou todo ouvidos, —ele me disse.

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O som do meu celular me puxou para longe da tela do computador. Eu


olhei para ele. Linus.

Linus?!

— Sim?

— Invadi o telefone de Linus, —disse Bern.

Caramba. — Você quase me deu um ataque cardíaco.

Bern fez um estrondo profundo que provavelmente era uma risada.

— Você achou alguma coisa importante?

— A última ligação que ele atendeu foi às 18h43. Noite de domingo. Todos
as outras foram para o correio de voz. A primeira delas foi às 22h51.
Possivelmente a janela do ataque foi entre esses dois horários.

— De quem era a primeira chamada que foi para o correio de voz?

— Zahra Kabani.

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Zahra Kabani era a Guardiã de Michigan . Linus e ela estavam


trabalhando juntos no rastreamento de um fugitivo. Ele teria atendido a
ligação dela.

— Algum progresso no sistema de segurança?

— Trabalhando nisso. Como está Linus?

— Ainda inconsciente.

— Nenhuma mudança é melhor do que uma mudança para pior.

— Verdade. E o meu USB?

— Trabalhando nisso.

Bern se despediu e desligou.

Eu esfreguei meu rosto. O que aconteceu com Linus provavelmente


aconteceu entre as 18h43 e 22h51 na noite de domingo. Restringiríamos o
horário ainda mais quando o legista terminasse com o corpo de Pete.

O rosto de Pete coberto por uma rede de veias escuras emergiu da


minha memória. Eu empurrei o pensamento de lado e olhei de volta para
a tela.

Michigan é um estado no centro-oeste dos EUA que faz fronteira com 4 dos Grandes Lagos da América do
Norte. Ele contém mais de 11 mil lagos internos, espalhados pelas duas penínsulas: inferior e superior. A maior cidade do estado, Detroit, é famosa
por ser a sede do setor automotivo dos EUA, o que inspirou os murais de Diego Rivera no Detroit Institute of Arts. Também em Detroit, fica a Hitsville
U.S.A., a sede original da gravadora Motown.

Ruby Fever
Livro 6
129

Alessandro e eu decidimos dividir para conquistar . Ele ficou de ligar


para seus contatos internacionais e tentar descobrir por que o Império
Russo de repente se interessou pelo Texas ou pelo seu Guardião, e eu
decidi trabalhar na Casa Cabera.

Minha cabeça zumbia. Provavelmente deveria comer alguma coisa e


logo. Vasculhei as gavetas da escrivaninha, encontrei um pacote de carne
seca, a rasguei com os dentes e examinei os frutos do meu trabalho. Para
uma pesquisa profunda de duas horas em todas as coisas sobre Cabera, eu
não tinha descoberto muito.

Luciana Cabera, Maga Aliciônica Superiora, Chefe da Casa Cabera,


cinquenta e seis anos, viúva. Por alguma razão eu achava que ela estava
em seus sessenta e poucos anos.

Marido, Fredrick Cabera, Aliciônico Superior, dez anos mais velho


que ela, morreu de câncer há seis anos.

Fredrick se juntou à Casa Cabera e adotou o sobrenome de sua esposa.


Pelo que pude perceber, ele nasceu na África do Sul e queria imigrar para
os EUA. Na época, os EUA proibiram a imigração de Sul africanos devido

Expressão popular que significa fragmentar o problema o máximo possível para resolvê-lo.

A África do Sul é um país situado na extremidade sul do continente africano e marcado por vários ecossistemas
diferentes. O Parque Nacional Kruger, um destino para safári no interior do país, é repleto de animais de grande porte. A província de Cabo Ocidental
tem praias, vinícolas exuberantes perto de Stellenbosch e Paarl, colinas escarpadas no Cabo da Boa Esperança, florestas e lagoas ao longo da
Tuinroete (rota dos jardins) e a Cidade do Cabo, que fica ao pé da montanha da Mesa, de topo achatado.

Ruby Fever
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130

a um surto de Ebola . Casar-se com Luciana permitiu-lhe contornar a


proibição.

Filha, Kaylee Cabera, vinte e dois anos. Estudante em tempo integral


na Universidade Rice , aqui mesmo em Houston. Sua carteira de motorista
e seu endereço IP confirmavam que ela ainda morava na casa da família.
Kaylee não queria deixar o ninho ou não tinha permissão.

Luciana tinha dois irmãos, um tio, três tias, e seus pais ainda estavam
vivos, embora nenhum deles gozasse de boa saúde. Além de Luciana, a
Casa Cabera listou oficialmente outra Superiora certificada, a mãe idosa
de Luciana. No entanto, a sobrinha de 12 anos de Luciana e seu sobrinho
de 17 anos passaram por testes preliminares e aprovados na faixa Superior.
A certificação oficial das crianças só sairia quando elas completassem
dezoito anos. O resto da família eram Significativos.

Ao contrário de muitas outras Casas, os Caberas não diversificaram


seus interesses comerciais. A Clínica Serenity era sua principal fonte de
renda, além de algumas ações privadas. Todos os Caberas adultos
trabalhavam para a clínica, todos possuíam diplomas relevantes ou

Ebola: Um vírus que provoca hemorragias intensas, falência de órgãos e pode levar à morte.

A William Marsh Rice University, comumente conhecida como Rice University, é uma renomada universidade particular de pesquisa em
Houston, Texas.
Endereço IP significa “endereço do Protocolo de Internet”. O Protocolo de Internet é um conjunto de regras para comunicação pela internet
para envio de e-mail, streaming de vídeo ou conexão a um site. Um endereço IP identifica uma rede ou dispositivo na internet.

Ruby Fever
Livro 6
131

estavam em processo de obtenção, e nenhum deles havia tentado romper


com os negócios da família.

Nenhum deles estava envolvido em escândalos, ninguém tinha


antecedentes criminais e seus relatórios financeiros estavam felizmente
livres de falências e grandes dívidas. Eles eram respeitavelmente chatos.

A carreira política de Luciana foi igualmente chata. Não consegui


encontrar um único assunto que ela trouxesse à Assembleia nos últimos
três anos que pudesse colocá-la na mira de Arkan. Eu duvidava seriamente
que ele se importasse com as minúcias da herança da Casa ou o
procedimento exato para a certificação de Superiores no estado do Texas.
Tudo isso eram problemas locais e específico da região.

Bati minha caneta contra meus lábios. Tinha uma coisa que me
incomodava. De acordo com as fofocas do Herald, Kaylee Cabera era uma
Superiora como seus pais. A maioria dos Superiores mal podia esperar
para passar pelos testes.

Quatro dos primos de Kaylee fizeram o teste preliminar e, embora os


testes preliminares não concedessem a certificação, permitia que a família
estimasse seu alcance de poder. Dois deles foram designados como
Superiores provisórios e os outros dois eram provavelmente Significativos.
A Casa Cabera havia espalhado os resultados por toda a rede social. Eu
não consegui encontrar nenhum registro do teste preliminar de Kaylee ou
de sua submissão aos testes.

Ruby Fever
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132

Havia razões pelas quais um Superior poderia adiar o reconhecimento


oficial. Normalmente, eles tinham a ver com negócios ou considerações
familiares. Por exemplo, uma Casa envolvida em uma disputa podia adiar
os testes para parecer mais fraco do que eram e surpreender seus
oponentes.

No entanto, os Caberas não brigavam, e Kaylee era uma presença


constante entre a comunidade jovem dos herdeiros das Casas.

Seu Instagram e seu Herald me disseram que ela era uma jovem
privilegiada. Usava roupas caras, dirigia carros de luxo, jantava em
restaurantes da moda e saía com pessoas que faziam o mesmo. Peguei seu
histórico escolar na Universidade Rice através da rede oficial do Gabinete
do Guardião. Ela praticava atletismo, estava terminando um bacharelado
em psicologia e suas notas nas aulas de oratória me disseram que, se
Kaylee sofria de ansiedade social, ela tinha um bom controle sobre isso.

Às vezes, as pessoas deliberadamente escondiam seus talentos. Olivia


Charles, a mulher que matou a esposa de Cornelius, era uma
Manipuladora, uma maga que podia impor sua vontade aos corpos de
outras pessoas. Ela havia se registrado como uma Psiônica. Mas mesmo
escondendo a magia de manipulação, Olivia precisou passar pelos testes
para ser registrada como Psiônica.

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133

O fato de Kaylee simplesmente nunca ter feito o teste, não parecia


certo. Eu não conseguia entender. Teria que entrevistar Kaylee para obter
mais informações.

Meu telefone tocou. Agente Wahl. Eu me preparei.

— Oi?

— Isso é um baita favor! —O agente Wahl assobiou ao telefone daquele


jeito que as pessoas fazem quando estão furiosas, mas precisam parecer
calmas porque têm uma audiência.

— Estamos quites agora.

— Eu não sei onde estamos agora, Superiora Baylor. Esta é uma cena de
crime falsa. O que você espera que eu faça com isso?

E como ele descobriu isso? A equipe de Linus havia realocado com


sucesso três cenas de assassinatos apenas durante meu mandato, todos
sem ninguém saber. Eles eram impecáveis.

— Eu espero que você investigue. Não precisa ser discreto, mas


ajudaria se você se recusasse a responder a perguntas aleatórios.
Marque entrevistas coletivas na qual forneça o mínimo de informações
e depois se recuse a responder às perguntas novamente.

— Você quer que eu seja uma distração.

Ruby Fever
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— Quero estar livre para conduzir a investigação. Além disso, você


gosta de coletivas de imprensa. Pode usar aquele terno preto de novo,
aquele que você disse que o faz parecer inescrutável, mas oficial.

— O Guardião sabe sobre isso?

— Nesse exato momento eu sou a Guardiã Interina. A Assembleia


Nacional agradece sua cooperação e compreensão, agente Wahl.

Houve silêncio.

— Ele está vivo? —Ele perguntou.

— De certa forma.

Mais silêncio.

— Eu quero entrar nesse caso, —disse Wahl.

— Você já está dentro. Entrei em contato porque confio em você.


Porque ele confia em você. Preciso que investigue o caso, me traga o
que descobrir e assuma o crédito quando for resolvido.

— Por resolvido, você quer dizer a verdade ou uma história qualquer que
a Assembleia Nacional considerará conveniente?

— Será uma versão da verdade com a qual ambos podemos viver.

Mais silêncio.

Ruby Fever
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— Tudo bem, —disse Wahl. — Contanto que você lembre que eu sou
uma porra de um agente do FBI, e não vou permitir ser usado ou usarem a
agência para iludir o público.

Eu poderia trazer à tona a existência da rede oficial do Gabinete do


Guardião e oferecer a ele uma dúzia de exemplos do FBI fazendo
exatamente isso. Mas eu precisava do agente Wahl ao meu lado e
respeitava sua ética. Ela se alinhava com a minha.

— Tenho toda a intenção de resolver este assassinato e levar o


culpado à justiça. Não vamos incriminar nenhum inocente nem deixar
nenhum culpado impune. Isso está bom para você?

— Tudo bem. Vou falar com a família Cabera.

— Posso te encontrar lá?

— Sim. Pretendo estar lá às cinco. Não se atrase. —Ele desligou.

Fui até o escritório de Alessandro. Ele estava recostado na cadeira, os


pés sobre a mesa, o celular no ouvido. Bati meus dedos na porta. Ele
piscou para mim.

— Beijos e abraços em Maya. Ciao!

Ele desligou e sorriu para mim.

Italiano: Olá ou Tchau.

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— Ciao?

Eu nunca o tinha ouvido dizer isso em um ambiente profissional. Ciao


era muito informal, usado tanto como uma saudação quanto uma
despedida, e se originou do s’ciào vostro do dialeto veneziano, que significa
‘sou seu escravo’. A frase não era usada literalmente; era usada mais como
‘estou ao seu serviço’ e era principalmente dito para pessoas mais jovens e
amigos e familiares, aqueles que você conhecia muito bem.

— Qual é o sentido dos estereótipos se você não pode usá-los a seu


favor?

— Estou tão feliz em ouvir isso.

— Por que?

— Wahl ligou. Ele quer entrevistar a família Cabera. Kaylee, filha de


Luciana, tem a minha idade. Eu preciso do Conde.

Toda a personalidade de Alessandro mudou. Ele tirou os pés da mesa


e sentou-se reto na cadeira, jogando uma perna longa sobre a outra. Sua
pose adquiriu elegância. Sua expressão ficou suave. Ele parecia mundano,
um pouco cansado, mas incrivelmente bonito.

— É este o Conde que você está procurando? —Um leve sotaque


italiano cobria suas palavras como um esmalte brilhante.

— Sim. Ele mesmo.

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— E o que esse humilde Conde vai ganhar se for com você? —Sua voz
era como veludo.

— A satisfação de um trabalho bem feito?

— Eu estava pensando em algo mais substancial.

— Como o quê?

— Quando isso acabar, vamos passar um fim de semana no litoral. Eu


não me importo onde, desde que haja água azul clara e clima quente. Sem
reuniões, sem compromissos, sem telefone.

Eu sabia o que ele estava dizendo. Se Linus sobrevivesse ou não, nós


faríamos isso, porque era apenas sobre nós. — Feito. Aceita um beijo
como sinal de entrada?

— Eu seria um idiota se não aceitasse.

Andei até ele e me inclinei. Meus lábios tocaram os dele. Comecei


hesitante e gentil, uma provocação em vez de uma promessa, apenas uma
dica do que estava por vir. Sua boca se abriu. Eu prendi a respiração, e
minha língua roçou a dele levemente. Sua mão deslizou em meu cabelo, e
ele me beijou de volta, faminto, mas saboreando cada momento. Nós nos
beijamos enquanto o mundo estava parado e quando finalmente nos
afastamos, eu tive que me controlar para não arrancar as roupas dele.

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O Conde Sagredo deu-me um sorriso deslumbrante. — Estou à sua


disposição, tesoro mio .

Luciana Cabera e sua filha moravam em River Oaks, a menos de dez


minutos a pé de Linus, em uma mansão de sete milhões de dólares. A casa
de 790 metros quadrados ficava no meio de um acre bem cuidado e foi
construída no que Alessandro começou a chamar de estilo europeu de
Houston, o que significa que era uma casa de estuque bege pseudo
mediterrânea com uma colunata e uma inexplicável torre redonda de
pedra marrom que não combinava com o resto.

Alessandro fez uma careta quando chegamos à casa e estacionamos


Rhino atrás de um SUV preto customizado com placas federais. O Rhino
era o projeto especial da vovó Frida, um SUV blindado e personalizado

Italiano: Meu amor, minha querida, meu docinho, meu tesouro.

Estuque. Tipo de revestimento

Estilo mediterrânea.

Ruby Fever
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que ela construiu do zero. Era o veículo mais seguro que tínhamos e que
ainda poderia se passar por um carro civil comum.

— Pretensioso.

Ele me deu um olhar de dor. — Só por que tem uma torre, Catalina?
Você não sabe que eles estão esperando um exército de cavaleiros
medievais com suas catapultas?

— Nunca se sabe, —eu disse a ele.

— É uma colunata toscana interrompida por uma torre escocesa com


janelas Tudor .

— Você pode segurar minha mão. Vou orientá-lo enquanto você


desvia os olhos.

— Não há necessidade.

Meu telefone tocou.

— Cornelius, —eu disse a Alessandro e coloquei o telefone no viva-


voz.

Colunata Toscana

Torres escocesas.

Janelas Tudor

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— Você estava certa, —disse Cornelius. — É recente. Menos de vinte e


quatro horas.

Caramba. Eu esperava estar errada.

— Muito obrigada.

— Não há de que. A qualquer momento.

Eu me despedi e desliguei.

Alessandro estava olhando para mim.

— Você se lembra do pincel de maquiagem que roubei da bolsa da


Luciana? Eu dei para Cornelius. Ele levou o pincel e Gus para a casa de
Linus e fez Gus verificar os rastros do cheiro. O cheiro de Luciana está no
quintal e na casa, e é fresco. Como presidente, ela tinha acesso direto ao
Guardião. Eles provavelmente tinham muitas reuniões confidenciais.
Linus pode tê-la adicionado como uma exceção ao seu sistema de
segurança.

— Quando você soube?

— Não soube. Tive um pressentimento.

Alessandro mexeu os dedos para mim. — Feitiçaria.

— Não, instintos. Uma vez que Leon ligou e nos disse que os
protocolos de bloqueio estavam ativados, mas não havia corpos, eu sabia
que ou o ataque nunca aconteceu, ou o atacante saiu ileso. Luciana e

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Linus, um ataque atrás do outro. Parecia coincidência demais. Eu não


suspeitava dela, mas algo não parecia certo, então eu só quis precaver
todas as possibilidades.

Alessandro não pareceu surpreso. Por que ele não ficou surpreso?

— Alessandro, você tem algo.

— Tenho.

— O que você tem?

— Você gostaria de vê-lo?

— Alessandro!

Alessandro pegou seu telefone com um floreio elegante e me ofereceu.


Um e-mail de alguém chamado Doutor Giordano.

— Quem é Doutor Giordano?

Alessandro acenou com a cabeça em direção à rua. — Um


neurocirurgião aposentado. Ele mora duas casas abaixo de Linus nos
últimos trinta anos.

— Não me lembro de uma Casa Giordano.

— Não existe uma. O doutor não é um usuário de magia. Ele é um


senhor rico que trabalhou muito durante a maior parte de sua vida para
morar neste endereço. Ele e Linus são amigos. Já conversei com o senhor
algumas vezes.

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Isso não me surpreendeu. Alessandro tinha a incrível capacidade de


fazer as pessoas gostarem dele sem fazer nada. Ele entrava em uma sala
cheia de estranhos e em trinta segundos todos começavam a contar suas
histórias de vida.

Alessandra também estava claramente gostando de arrastar essa


revelação.

— Conte-me logo, —eu exigi.

— Todos os dias o doutor passeia com seus cachorros às nove da


manhã e nove da noite como um relógio. Ele se lembra de ter visto
Luciana Cabera caminhando da direção da casa de Linus em direção à
casa dela pouco depois das 21h na noite de domingo.

Que se encaixa bem na nossa janela do ataque. — Ele tem certeza?

— Muito. O senhor está na casa dos setenta, mas ainda é muito lucido.
Tem mais.

— Diga-me.

— Havia outra pessoa com Luciana. Ele não conseguiu ver muito
dessa outra pessoa, porque ela estava usando um moletom grande, mas o
doutor acha que era um jovem ou uma jovem pelo jeito que andava.

Eu me inclinei para trás em meu assento. — A menos que Luciana


tivesse talentos ocultos, ela não poderia ter matado Pete com sua magia.
Não se ela fosse uma verdadeira Aliciônica.

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Ele assentiu. — Quem estava com ela é provavelmente o assassino.

— Se sim, por que deixaram o Doutor Giordano vivo? Ele os viu.

Alessandro sorriu. — Arrogância.

Luciana era uma Superiora. Ela lidava com outros Superiores


diariamente. Toda a sua carreira política girava em torno de Magos, e o
Doutor Giordano era uma pessoa comum. Ela nunca o considerou uma
ameaça porque em circunstâncias normais ele nunca seria. Um usuário
experiente de magia de combate teria eliminado todas as testemunhas,
mas Luciana não estava acostumada a sujar as mãos. Ela passou direto
pelo Doutor Giordano, porque estava tão condicionada a ignorar pessoas
como ele, que provavelmente nem se quer o viu.

Tínhamos que tirá-lo da cidade. — Onde está o Doutor Giordano


agora?

— De férias com sua adorável esposa, —disse Alessandro. —


Custeado pelo Gabinete do Guardião. Expliquei a situação para ele. Ele
está a bordo.

Eu realmente amava esse homem.

Um pensamento sombrio passou pelo meu cérebro. — Luciana tinha


um jovem com ela, Pete foi morto por alguém com magia incomum e
Kaylee não fez os testes.

— Interessante, não é? —Disse Alessandro.

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Se foi a Casa Cabera que matou Pete e machucou Linus, eu os faria


pagar.

— Eu tenho muitas perguntas. —Bati meus dedos no painel na minha


frente. — Por que Luciana iria querer atacar Linus? Por que Arkan a
mataria? Kaylee ajudou sua mãe a acabar com a vida de Pete ou foi um
dos assassinos de Arkan? Se foi alguém de Arkan, será que de alguma
forma ele forçou Luciana a ajudá-lo a ter acesso a Linus e depois a matou?

— Vamos perguntar a família dela. —Alessandro abriu a porta. —


Pronta?

— Pronta.

Ele saiu do carro para abrir minha porta.

Normalmente eu abria minha própria porta, a menos que estivesse


usando um vestido que exigisse um esforço para sair, mas agora estávamos
nos exibindo e Alessandro estava em sua persona de Conde Sagredo. Ele
trocava de identidade como se troca de meias, e sempre era perfeitamente
consistente quando as assumia. Hoje Alessandro usava calças cáqui, uma
camisa branca e um blazer de lã desabotoado, com as mangas casualmente
arregaçadas até o meio do antebraço. Seus sapatos eram mocassins Santoni
azuis , seus óculos de sol eram Trussardi , e se alguém procurasse na

mocassins Santoni. Marca de sapatos italianos de luxo.

Marca de italiana de itens de luxo

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Internet por ‘jovem italiano Superior’, encontraria a foto dele.


Provavelmente várias fotos dele.

Kaylee tinha vinte e dois anos, como eu. Alessandro foi o deus da
nossa adolescência, e o Instagram dele foi o altar em que todas rezávamos.
Eu não estava mais apaixonada por aquele Alessandro da fantasia de
adolescente. Eu preferia um Alessandro diferente, aquele que tramava
como um Bórgia , neutralizava seus inimigos antes que soubessem o que
os atingiu e me acordava no meio da noite para fazer coisas que me faziam
corar quando ele as mencionava depois. Mas Kaylee não era eu.

Alessandro estendeu a mão. Descansei meus dedos nos dele e saí do


carro. Subimos as três escadas largas, meus sapatos bege estalando
silenciosamente no concreto. Hoje Alessandro era a estrela, por isso optei
por uma discreta calça azul-marinho, uma blusa de seda azul-marinho
com pequenas flores bege e brancas e um casaco combinando com mangas
três quartos. Minha maquiagem era natural beirando quase nada, e meu
cabelo estava preso em um nó solto. Tudo em mim era perfeitamente
apresentável e projetado para ficar em segundo plano.

A grossa porta de mogno se abriu antes que qualquer um de nós


pudesse tocar a campainha, revelando um homem de aparência solene
vestido de preto. Suas feições ecoavam as de Luciana, mas ele era um

O s Bórgia ou Borja foram uma família nobre hispano-italiana que se tornou proeminente durante o Renascimento. Famosos por seus membros
corruptos, tornando-se sinônimo de traição e conspiradores.

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pouco mais jovem, sua pele um tom mais escuro de marrom, e seu cabelo
generosamente grisalho. Julian Cabera, irmão mais novo de Luciana.

— Estávamos esperando por você, —disse ele.

— Minhas mais profundas condolências, —disse Alessandro, seu


rosto transmitindo sinceridade.

— Obrigado. —Ele estendeu a mão em direção à casa. — Por favor.

O interior da casa era de um tom quente de branco, combinando com


o piso de travertino. Seguimos Julian para a esquerda, através de um arco
espesso, passando por um luxuoso lavabo até um escritório com painéis
de nogueira. Estantes embutidas cobriam as paredes entre grandes janelas
em arco. Um tapete marroquino vintage decorava o piso marrom escuro.
No outro extremo da sala, havia uma mesa elegante, a cadeira atrás dela
visivelmente vazia. À esquerda, uma grande lareira ocupava metade da
parede e, no centro da sala, quatro pessoas estavam sentadas em sofás bege
macios e cadeiras estofadas dispostas ao redor de uma mesa de centro.

O agente Wahl e uma mulher de terno bege estavam sentados de


frente para a lareira. A mulher tinha mais ou menos a idade de Wahl, com
pele morena, olhos castanhos, cabelos castanhos na altura dos ombros e
empurrados para trás da orelha do lado esquerdo. Um pequeno tubo de
plástico transparente se projetava de sua orelha, quase invisível. Um
aparelho auditivo. Até onde eu sabia, o FBI tinha requisitos médicos

Ruby Fever
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rigorosos. Um agente com perda auditiva tinha que ser excepcional para
ser admitido.

Em frente aos dois agentes do FBI, um homem mais velho e uma


jovem estavam sentados no outro sofá, ambos de preto. O homem parecia
uma versão mais velha de Julian: o mesmo nariz, a mesma boca, o mesmo
olhar preocupado, mas com uma compleição mais longa e esguia. Seu
cabelo, cortado curto, estava grisalho. Elias Cabera.

Ao lado dele, Kaylee Cabera estava rígida, sua espinha perfeitamente


reta. Ela era esbelta, com um rosto em forma de coração, olhos grandes
sob sobrancelhas bem desenhadas e lábios carnudos. A pele dela era o
mesmo tom marrom quente que a mãe, mas ela clareou o cabelo em um
tom loiro champanhe , uma bela cor com mexas iluminadas que pareciam
perfeitamente naturais. O cabelo enquadrava o rosto em ondas soltas. Ela
tirou um tempo para moldá-lo. Kaylee também usava maquiagem, não
apenas um pouco de rímel, mas uma maquiagem completa, com batom
na cor de ameixa escura que parecia quase mogno nos lábios. Toda essa
produção poderia significar inúmeras coisas, mas os olhos dela me
disseram exatamente o que era—desafio. Kaylee Cabera se recusava a se
dobrar, e desafiava alguém a tentar.

Loiro champagne

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Todos, exceto Kaylee, se levantaram quando entramos. Kaylee olhou


para cima e viu Alessandro. Seus olhos se arregalaram. Por um segundo,
ela esqueceu de parecer desafiadora e apenas olhou.

Sim, eu sei exatamente como é isso.

Os olhos de Wahl se estreitaram. A agente do FBI ao lado dele olhou


para Kaylee, depois para Alessandro. Eles também perceberam que a
presença de Alessandro mexeu com Kaylee.

— Minhas desculpas mais profundas, —Alessandro murmurou, seus


modos refinados e seu sotaque italiano estavam afinados. — Chegamos o
mais rápido possível.

— Chegaram na hora certa, —Wahl garantiu a ele. Ele se virou para


a família. — Este é Alessandro Sagredo, Antistasi Superior e Catalina
Baylor, da Casa Baylor. Eles estarão acompanhando este caso devido à
sua natureza sensível. Só para lembrar a todos, sou agente Wahl, e esta é
a agente Garcia. Mais uma vez, esta entrevista está sendo gravada.

— Por favor, sentem-se, —convidou Elias.

Ficamos sentados em duas cadeiras almofadadas. Alessandro estava


à minha esquerda, mais perto de Elias e Kaylee. Ela ainda olhava para ele
e ajustou sua pose, apoiando o braço direito no braço do sofá para abrir o
corpo, cruzando as pernas e apresentando-lhe um ângulo lisonjeiro.
Quanto a mim, eu poderia estar invisível que seria a mesma coisa.

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Perfeito. Enviei tentáculos da minha mágica para a frente, muito


gentilmente. O agente Wahl se lançou na lista padrão de perguntas.
Luciana tem algum inimigo? Têm parceiros românticos? Qual era o
relacionamento dela com todos os presentes? Houve algum conflito
recente?

Elias assumiu a liderança em responder. Kaylee respondia apenas


quando falava diretamente com ela e toda vez que ela abria a boca,
Alessandro lhe ofereceu um sorriso encorajador.

Minha magia havia atravessado a superfície da mente de Elias. Ele


não percebeu. Elias parecia ser um Aliciônico típico.

Aliciônicos eram Magos de controle da multidão. Como eu, eles não


podiam se dar ao luxo de permitir que sua magia vazasse, então
mantinham um aperto de ferro em suas emoções, acumulando um escudo
mental que envolvia sua psique. Suas mentes pareciam opacas e duras,
quase como pérolas dentro da concha de uma ostra.

Nada inesperado aqui. Eu me movi para Julian.

Meu telefone vibrou. Olhei para tela. Uma videochamada de Patricia.

— Com licença, —eu murmurei e me levantei.

Todo mundo me ignorou.

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Entrei no corredor e atendi. A visão da bodycam de Patricia encheu


a tela, mostrando um homem branco e de aparência magra em seus
quarenta e poucos anos. Ele vestia roupas escuras e se curvava um pouco,
como se esperasse um soco no ombro. Quatro guardas o cercavam.

— Há um cavalheiro aqui, —disse Patricia. — Ele diz que tem um


compromisso com você.

O homem olhou para a tela. O marrom de suas íris se transformou em


azul aquamarine. Konstantin. Droga.

— Esse é o Ilusionista VIP que esperamos? —Patricia perguntou.

— Sim.

— Eu disse a ele que você estava ocupada. Ele disse que vai
esperar o tempo que for necessário. O que você quer que eu faça?

Eu disse a ele para voltar durante o horário comercial. Eu também


precisava saber por que diabos ele esteve na casa de Linus.

— Ele está sozinho?

— Sim.

— Deixe-o entrar e o coloque sob guarda. Não o machuque de


forma alguma, a menos que ele se torne agressivo e, se ele se tornar

bodycam. Uma câmera corporal acoplada no fardamento policial.

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agressivo, preciso de evidências extremamente convincentes,


porque não podemos bancar um conflito com o Império Russo.

— Entendi.

O portão de ferro bloqueando a entrada rolou na parede. Konstantin


sorriu e começou a andar.

Havia algo perturbadoramente presunçoso nesse sorriso.

Além disso, a identidade falsa que ele assumia parecia familiar de


alguma forma. Onde eu já tinha visto esse rosto antes?

Eles atravessaram o muro e entraram no quintal da frente. Konstantin


parou e olhou diretamente para mim.

— Sugiro que chegue o mais rápido que puder, senhorita Baylor.


O tempo está passando. Diga a Sasha que esta rodada vai para mim.

O que diabos isso significava? Eu teria que resolver isso depois que
terminássemos aqui. Desliguei e voltei para a sala.

A atmosfera mudou enquanto eu estava fora. Elias e Julian estavam


claramente cautelosos, enquanto Kaylee, ainda fixada em Alessandro,
falava com uma voz monótona.

— ... Jantamos por volta das sete. Eu tinha lição de casa, então fui
para a minha suíte. Não sei o que mamãe fez depois disso. Geralmente,
ela ouvia audiolivros nas noites de domingo. Era a maneira dela relaxar.

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Eu me sentei. Minha rede mágica ainda estava no lugar. Atravessei a


mente de Julian. Outro Aliciônico. Ele certamente não estava calmo—eu
podia sentir turbulência no fundo da concha—mas ele estava firmemente
no controle. Eu me movi para Kaylee.

— Que horas você foi dormir? —A agente Garcia perguntou.

— Por volta das onze. Mamãe ainda estava acordada. Desci para
pegar um remédio. Exercícios sobre métodos estatísticos sempre me dão
dor de cabeça.

Os tentáculos da minha magia agarraram a mente da filha de Luciana


e deslizaram pela superfície de sua concha.

— Que horas você acordou esta manhã? —A agente Garcia


perguntou.

Kaylee suspirou. — Cerca de oito horas.

Um dos meus tentáculos se enterrou na mente de Kaylee. Foi tão fácil


que quase me assustei. O escudo na mente de Kaylee era fino como um
papel. Dentro do escudo, sua mente estava agitada. Não era uma pérola,
era um carvão brilhante sentado em uma cama de cinzas.

— Minha primeira aula é as dez ... Olha, minha mãe foi assassinada
e você está perguntando sobre meus horários de sono e escola. O que isso
tem a ver com alguma coisa? Por que vocês não estão lá fora, —ela
apontou para a janela, — procurando quem fez isso?

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153

O agente Wahl abriu a boca.

— Senhorita Cabera, —disse Alessandro. — Lamentamos


profundamente sua perda e a brutalidade emocional desta visita.
Entendemos a grande quantidade de estresse que você deve estar sofrendo

Ela girou em relação a ele. — Eu só quero o assassino encontrado.


Não posso ter minha mãe de volta, mas posso ter justiça.

— Apenas mais algumas perguntas. —Alessandro lhe ofereceu um


sorriso de desculpas.

— Tudo bem. Já que é você quem está pedido, —disse ela.

— Você tem algum moletom de capuz azul?

Kaylee piscou. Sua mente girou, o brilho da magia dela ficou mais
intenso. Havia um pouco de magia Aliciônica lá, mas o resto era algo que
eu nunca tinha visto antes. Muito poder, mas muito pouco treinamento.
Ela me lembrou Arthur, exceto que meu sobrinho tinha treze meses de
idade e ela tinha vinte e dois.

— Humm ... acho que tenho. Não me lembro.

— Por favor, tente, —Alessandro incentivou.

— Provavelmente. As cores da Rice são cinza e azul marinha, então


eu posso ter um. Meu armário é como um labirinto. Tenho coisas que não
uso desde o ensino médio lá.

Ruby Fever
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154

— Você fazia caminhadas com sua mãe? —Alessandro perguntou.

A mente de Kaylee se agitou em raiva vermelha. O tentáculo da minha


magia desapareceu, de repente e do nada. A dor atacou minha mente e,
naquele breve instante, senti as veias no meu cérebro pulsar.

Kaylee Cabera era possivelmente a pessoa que atacou Linus. E ela


nem percebeu que sua magia acabou de me atacar. Ela matou Pete. Ela
era a razão pela qual Linus estava em coma.

Como diabos ela saiu da casa de Linus? Sua mãe tinha autorização
especial, mas Kaylee não.

Por que ela estava viva?

Os dois irmãos Cabera ficaram mais atentos. Eles devem ter percebido
que Alessandro estava querendo chegar em algum lugar com suas
perguntas.

Kaylee deu um encolher de ombros. — Minha mãe não fazia


caminhadas, Superior Sagredo. Ela tinha um motorista que a levava aonde
quisesse ir.

Mentirosa.

Ela estava ali, um metro e meio de distância. Eu poderia explodir a


mente dela com minha música, e ela confessaria tudo.

Alessandro esticou um braço, me alcançando, agarrou meus dedos na


mão dele e apertou minha mão. Ele me conhecia muito bem. Ninguém

Ruby Fever
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155

naquela sala percebeu que eu estava à beira da violência, mas ele percebeu,
e ele estava tentando me impedir de pular esse penhasco.

O olhar de Kaylee pegou nossas mãos entrelaçadas. Uma faísca


furiosa explodiu na mente dela.

Os agentes do FBI se inclinaram para a frente, focados em Kaylee


como tubarões.

Alessandro deu a ela seu sorriso encantador e irresistível, tentando


neutralizar a bomba antes de ter a chance de explodir.

Eu olhei direto para ela. Vá em frente. Me ataque. Bata em mim. Faça isso.
Faça agora, para que eu possa terminar isso. Tudo o que eu precisava era a
menor desculpa, a menor justificativa. Eu teria o FBI aqui como minhas
testemunhas.

Apenas um pouco de agressão, Kaylee. Tente um golpe e eu farei você reviver


a morte de Pete até que sua mente se quebre como um galho podre.

Alessandro trancou os dedos nos meus em um ‘não’ silencioso. Sua


voz era suave, quase íntima. — Onde você estava entre as 20:00h e as
22:00h da noite passada?

A concha na mente de Kaylee rasgou. Uma explosão de magia


disparou, irregular, atada e poderosa, como um córrego inundado
descendo pela montanha, arrastando galhos e pedras por onde passava. A
magia de Kaylee pretendia focar em Alessandro, mas o controle dela era

Ruby Fever
Livro 6
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desleixado, e acabou espalhando a sua magia pela sala inteira para chegar
a Alessandro.

Goste de mim!

A magia de Kaylee quebrou contra meus escudos, queimando e se


dissipando inofensivamente. As mentes dos dois tios brilharam em
resposta, suas conchas imperturbáveis. O rosto do agente Wahl se
suavizou em um sorriso. Foi uma das coisas mais perturbadoras que eu já
vi. Ao lado dele, a agente Garcia não estava sorrindo. Ela parecia pronta
para arrancar a cabeça de Kaylee.

— Como eu disse ...

Uma segunda torrente de magia bateu em Alessandro, tão potente que


foi chocante.

Goste de mim. Goste de mim! GOSTE DE MIM!

Um pouco dessa magia me golpeou. Foi como enfiar a cabeça em uma


lareira com um fogo furioso dentro. A magia dela estava tentando fazer a
mesma coisa que um Aliciônico faria, mas o padrão não parecia com
nenhum Aliciônico que eu já tinha encontrado.

Minha magia resistiu como um cavalo selvagem, forçando meu


domínio e tentando espalhar as asas. Eu cerrei os dentes e a mantive sob
controle.

— ... Eu tinha lição de casa, —disse Kaylee.

Ruby Fever
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Uma terceira torrente. Ela estava tentando seduzir Alessandro, exceto


que ela não tinha treinamento, então estava confiando apenas no poder.
Sem sutilezas. Nenhuma habilidade. Apenas impacto bruto. Kaylee
tentava esmagar a mente de Alessandro como um martelo.

A maioria dos Magos Mentais escondia suas mentes atrás de escudos.


Era uma das primeiras coisas que aprendíamos. O escudo era como uma
parede de pedra. Com poder suficiente, você poderia quebrar a parede do
seu oponente. Comprometer muito poder a um ataque como esse pode
deixá-lo vulnerável, mas você pode romper se for forte o suficiente.

A mente de Alessandro parecia ter uma parede, mas se você tentasse


quebrá-la, perceberia que a parede nunca acabava. Toda a mente dele era
uma rocha de basalto, um sólido pedaço de pedra. Não havia como
quebrar.

— Não caminhei. —Uma quarta torrente.

A magia de Kaylee deixou uma queimadura dolorosa em minhas


defesas. Se Alessandro não fosse um Antistasi, ela não teria o
transformado em um idiota feliz, ela teria danificado o cérebro dele.

A agente Garcia se virou e me encarou, com indignação nos olhos.

Eu queria matar Kaylee. Ela machucou Linus. Machucou minha


família. Eu precisava limpá-la da face do planeta aqui e agora, antes que
ela machucasse alguém com quem eu me importasse. Havia um oceano

Ruby Fever
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tempestuoso dentro de mim, com ondas furiosas batendo nas rochas e


correntes imparáveis girando, e eu precisava afogar Kaylee nesse oceano.

Alessandro balançou a cabeça para mim e para Garcia.

Outro respingo de magia, mais fraco desta vez. Ela estava ficando
cansada.

Nenhum dos ataques de Kaylee incomodou Alessandro. Ele apertou


minha mão novamente e disse, sua voz suave, quase repreendendo: —
Você tem certeza de que não saiu? Talvez uma rápida caminhada pelo
condomínio? Estou aqui para ajudá-la, mas você tem que ser honesta
comigo.

Kaylee olhou para ele, incrédula.

O agente Wahl soltou um suspiro feliz. — Estou tão relaxado agora.


Eu realmente gosto daqui. Você é uma pessoa adorável, Senhorita Cabera.

Elias e Julian se levantaram em uníssono.

Não. Não terminamos. Eu ainda não tive a minha vez.

— Minha sobrinha está cansada, —Julian anunciou.

— Sua sobrinha sabe o significado de um ataque a um oficial federal?


—A agente Garcia resmungou.

— Esta entrevista acabou, —disse Elias.

A agente Garcia agarrou Wahl pelo braço e o pôs de pé.

Ruby Fever
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Ele piscou para ela. — Já vamos embora? Não podemos ficar mais um
pouco?

— Não, não podemos. —A agente Garcia o conduziu até a porta. —


Isso não acabou. Manteremos contato.

Julian conduziu Kaylee para fora da sala, enquanto Elias nos


encarava. — Agradecemos a visita.

Alessandro assentiu, levantou-se calmamente e eu me levantei com


ele, já que ele se recusava a soltar minha mão. Fomos para a porta da
frente, nossos dedos entrelaçados.

Sair daquela casa era como sair de uma cripta para o sol.
À frente, a Agente Garcia meio guiava, meio empurrava o Agente
Wahl para dentro do SUV preto.

Ele sorriu para ela. — Você é tão ...

— Tão o que?

— Forte, —ele disse a ela com um olhar sonhador em seu rosto.

Ruby Fever
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Ela o agarrou pelo queixo. — Victor! Olhe nos meus olhos.

Ele olhou para ela. Os olhos dele rolaram para trás em seu crânio, e o
agente Wahl caiu em seu assento, inconsciente.

— Uma Sugadora de Energia, —Alessandro murmurou. — Isso


explica as coisas.

Os Sugadores de Energia, também conhecidos como Comedores de


Magia, absorviam a magia, puxando-a para dentro de si. Eles não se
protegiam da magia, eles se alimentavam dela, o que lhes concedia uma
leve imunidade a muitos poderes mentais e elementares. A agente Garcia
acabou de minar a magia de Kaylee que encharcava o cérebro de Wahl e
o choque desse processo o nocauteou.

— Você me parou. —Eu puxei minha mão da mão de Alessandro.


Nossas costas estavam para as câmeras de segurança, e eu mantive minha
voz baixa. — Ela matou Pete.

— Não temos provas.

— Não me importo.

— Sim, você se importa. Seguimos as regras. É isso que nos diferencia


deles. Catalina, é a hora errada e o lugar errado. Eu sei que está com raiva,
mas se eu não tivesse parado você, teria se arrependido.

— Não, eu não teria.

— Se Linus estivesse aqui, ele a teria parado também.

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— Linus não está aqui, porque ela o machucou.

Ele abaixou a cabeça para olhar para mim. — Você não é assim.

Eu não sou assim.

Esse pensamento girou minha mente ao redor. A onda de magia


dentro de mim morreu.

Eu havia colocado em risco a investigação. Se Alessandro não tivesse


segurado minha mão, Kaylee e eu estaríamos trancadas em um duelo
mental agora. Ela não era treinada, mas era assustadoramente poderosa.

Eu chegaria a um fio de cabelo de cantar. Não só quase coloquei em


risco a busca pelo assassino de Linus, mas também colocaria a vida de
todos naquela sala em perigo. Isso nunca tinha acontecido comigo. Eu
vinha controlando minha magia e minhas emoções desde a infância, mas
uma maga mental destreinada conseguiu me irritar a ponto de quase me
fazer perder o controle.

Não era Kaylee. Era Linus. Ele ainda estava inconsciente, e isso
estava seriamente mexendo com a minha cabeça.

Eu precisava me controlar agora, porque se eu ficasse fora de controle,


não seria capaz de desfazer o que aconteceria.

— Obrigada por me parar, —eu disse a ele.

— A qualquer momento, —disse ele.

Ruby Fever
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A agente Garcia marchou de volta para nós. Começamos a caminhar


em direção a ela ao mesmo tempo. Quanto maior nos distanciássemos dos
olhos atentos de dentro da casa, melhor.

Nos encontramos no meio do caminho.

— Ela atacou um agente federal e vocês dois ficaram sentados lá, —a


agente Garcia rosnou. — Diga-me por que eu não deveria trazer uma
equipe tática aqui agora e levá-la sob custódia. Viva ou morta, não me
importo.

Isso seria um pesadelo. Virei as costas para a câmera de segurança,


apontei para ela, escondendo o gesto com meu corpo, e baixei a voz.

— Você não está errada, —eu disse. — E sua raiva é justificada. No


entanto, essa moça fez muito pior do que isso. Quero pregá-la na parede,
mas ela está envolvida em um esquema muito maior e não sei exatamente
como. Não sei o que poderia acontecer com os rumos da investigação se
a prendêssemos agora. Por favor, me dê um tempo.

— Prometa que não vai varrer isso para debaixo do tapete, —disse a
agente Garcia. — Quero sua palavra de que isso não se torna um daqueles
segredos da política das Casas.

— Tem minha promessa.

— Setenta e duas horas, —a agente Garcia grunhiu.

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— O Gabinete do Guardião agradece sua paciência, —disse


Alessandro.

A agente Garcia fechou a mão dela em punho e a relaxou. — Vou te


dizer uma coisa. Essa moça não é uma Aliciônica. A magia dela tem gosto
de vidro quebrado e cortante.

Ela marchou ao redor do carro, entrou no banco do motorista, partiu,


com Wahl ainda inconsciente, e quase colidiu com um Dodge blindado
cinza metalizado quando ele entrou no caminho da garagem. Por um
momento os dois carros ficaram parados, então o Dodge deu ré, dando
espaço a agente Garcia. Ela saiu em disparada.

Alessandro franziu o cenho.

O Dodge cinza parou na nossa frente. A janela do motorista baixou,


revelando um homem bronzeado em seus vinte e tantos anos, com cabelos
castanhos claros e olhos cinzas por trás de grandes óculos redondos. Eu o
tinha visto antes. Ele era um dos assistentes de Direito de Lenora Jordan.
Matt alguma coisa.

— Não, —disse Alessandro.

Dodge é uma marca de automóveis e veículos comerciais pertencente à Stellantis.

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Matt nos deu um aceno de desculpas com a mão. — Sou apenas o


mensageiro.

Cornelius apareceu na entrada da garagem, Gus na coleira ao lado


dele. Ele nos viu e acenou.

O carro de Cornelius não estava à vista. Ele deve ter saído da casa de
Linus. Eu acenei de volta.

— Perdemos Dag Gunderson, —disse Matt.

— Como, Matt? —Alessandro rosnou. — Eu o deixei na sua porta.

— Pura incompetência, —Matt disse meio sem graça. — Ele foi visto
perto da Escola Santa Agnes. Temos quase certeza de que ele vai
bombardear a escola. Eu vou te dar mais detalhes no caminho.

O tom de Alessandro era frio. — Estou ocupado.

Era a minha vez de ser razoável. Peguei sua mão e apertei. Ele me deu
um olhar indignado.

— Lenora pediu que você fosse pessoalmente, —disse Matt. — Ela


disse que consideraria um favor.

Havia um punhado de pessoas em Houston que nem mesmo as Casas


mais fortes ousavam provocar. A Promotoria do Condado de Harris era
um deles. Mais importante, centenas de crianças estavam prestes a serem
vítimas de uma chuva de meteoros mágica que explodiria com o impacto.

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— Tudo bem, —eu disse a ele. — Vá.

Ele balançou sua cabeça.

— Ela mandou um carro, —eu disse a ele. — Não vou fazer nada
precipitado sem você. Prometo. Olha, Cornelius está ali. Vou com ele,
verificar Bern e Runa, e vamos direto para casa.

Alessandro xingou novamente.

— Está tudo bem, —eu disse a ele. — Há centenas de crianças em


Santa Agnes.

Ele respirou fundo e entrou no SUV. — Dirija rápido, Matt.

— Como queira. —Matt sorriu para mim. — Obrigado pela sua


compreensão, Senhorita Baylor.

A janela voltou a subir. O Dodge deu ré e acelerou.

Esqueci de contar a ele sobre Konstantin. Bem, merda. Não que isso
mudasse alguma coisa. Ele ainda teria que ir capturar de novo Dag
Gunderson. Esperaria para entrevistar o príncipe até que ele voltasse para
casa.

Entrei no Rhino e o dirigi até a entrada da garagem, onde Cornelius


estava.

— Você gostaria de uma carona?

— Sim, obrigado.

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Ele abriu a porta traseira do passageiro. Gus pulou no banco e se


deitou, ofegante. Um momento depois, Cornelius entrou no banco do
passageiro da frente e partimos.

— O que você está fazendo aqui?

— Gus e eu decidimos seguir o cheiro de Luciana.

E isso os levou direto para a casa dela.

— Descobriu alguma coisa conversando com a família? —perguntou


Cornelius.

— Kaylee Cabera não é uma Aliciônica. Alessandro e eu não sabemos


o que ela é. O FBI tem uma Comedora de Magia, e ela também não sabe
o que Kaylee é.

— Você acha que ela é a assassina que procuramos?

— Sim. Eu estive a um metro e meio dela e tive que deixá-la ir, porque
não posso provar isso.

— Ainda, —disse Cornelius.

— Sim, —eu concordei. — Ainda.

— Por que a atual Presidente da Assembleia usaria sua filha para


tentar assassinar o antigo Presidente?

— Ela não tentou matar o ex-presidente. Ela tentou matar o Guardião.

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Cornelius bateu no queixo, pensando. — Luciana é prudente. Quer


dizer, foi prudente. Eu a classificaria como extremamente avessa a riscos.
Esse ataque a Linus foi imprudente e, em última análise, mal-sucedido.

— Foi certamente fora da personalidade dela.

— Deve ter sido em autodefesa, —disse Cornelius. — Luciana deve


ter sentido que Linus era um perigo para ela ou para alguém que amava.
Ela criava a filha sozinha como eu. Sua vida girava em torno dessa filha.
Luciana pode não ter arriscado a retaliação da Assembleia para manter
seu emprego ou ficar fora da prisão, mas faria quase qualquer coisa para
proteger sua filha.

— Você teria matado Linus para proteger Matilda?

— Absolutamente.

Ele nem tinha parado para pensar.

— A diferença é que eu não teria sido pego.

— Como você teria feito isso?

Cornelius sorriu. — Envenená-lo seria a maneira mais limpa. Você


sabia que Linus mantém uma toalha de cozinha na maçaneta da porta de
sua máquina de gelo? Um rato grande ou um arminho poderia pegar
aquela toalha e usar o peso do corpo para abrir a máquina de gelo. Um
único rato pode facilmente carregar um saco plástico no bolso de seu cinto
com cianeto suficiente ou qualquer outra substância letal que cause a

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morte em minutos. A variável mais difícil de controlar é garantir que o


veneno seja espalhado uniformemente sobre o gelo.

— Uau.

Cornelius sorriu mais amplamente.

— Então, você está feliz com sua posição e remuneração atuais? Há


algo que eu possa fazer em nome da Casa Baylor para que se sinta mais
valorizado?

O sorriso de Cornelius desapareceu. Ele se virou para mim.

— Catalina, sua família é minha família. Minha irmã e meu irmão


sentem o mesmo. Você, Arabella e Nevada são as únicas irmãs mais velhas
que Matilda terá. Nunca precisará se preocupar que eu machuque
qualquer um de vocês.

Ahhhh.

Parei na garagem de Linus. O BMW elétrico de Cornelius esperava


na frente da garagem ao lado de um de nossos Humvees blindados. Um
guarda estava na porta da frente de Linus, um dos nossos soldados. Ele
segurava uma metralhadora e estava fazendo o possível para parecer o

BMW elétrico: O BMW iX tem nas baterias e na autonomia seus principais destaques. Com mais de 600 km com uma carga
completa, o SUV é o carro elétrico com maior alcance à venda no mercado brasileiro e com a maior bateria da Europa, com 111,5 kWh.

O High Mobility Multipurpose Wheeled Vehicle (sigla HMMWV, coloquialmente chamado de Humvee), que em português
significa Veículo Automóvel Multifunção de Alta Mobilidade é um veículo utilitário militar desenvolvido pela AM General que oferece um grande
tempo de vida, muito utilizado nos Estados Unidos e outros países e organizações.

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mais visível possível. O público em geral não tinha ideia do que aconteceu
com Linus e conhecendo os laços de Linus com os militares, seus vizinhos
não achariam alarmante a presença de um guarda armado. Mas se Arkan
estivesse nos observando—e eu tinha cem por cento de certeza de que ele
estava—queríamos mostrar que a casa estava bem protegida.

— A propósito, Matilda me disse que sentiu a aranha, —eu disse.

— Ela disse? —Os olhos de Cornelius brilharam.

— Sim. Ela disse que a aranha estava estressada e assustada. É


possível que Matilda seja uma Maga Aracnídea?

Cornelius sorriu. — Não é isso. Magos animais têm graus de poder


como qualquer outro tipo de magia. Nos primeiros degraus da escada de
poder estão aqueles que podem se relacionar com uma única espécie.
Então começamos a subir os degraus e assim subimos na hierarquia da
classificação zoológica . Aqueles com habilidades médias normalmente
podem afetar uma ordem como Rodentia ou Carnivora . Nos degraus

A nomenclatura zoológica é independente da nomenclatura botânica ou outras. O nome da espécie é binominal e o da subespécie é
trinomial. O primeiro nome é indicativo do gênero; o segundo, da espécie e o terceiro, da subespécie. O subgênero quando citado, é colocado entre
o gênero e a espécie e entre parênteses.
Ordem é um taxon de alto nível hierárquico utilizado no sistema de classificação científica dos seres vivos para agrupar famílias constituídas
por espécies que apresentam entre si um elevado grau de semelhança morfofuncional.

Ordem Rodentia. Grupo dos roedores. Constituem um grupo muito numeroso de espécies de mamíferos.

Os carnívoros constituem uma ordem de animais mamíferos placentários, encontrados em quase todo o mundo. Suas características
comuns são a presença de pés com quatro ou cinco dedos, apresentando garras; machos com báculo; e dentes adaptados para cortar, com presença
de caninos fortes, cônicos e pontiagudos.

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onde estão os Significativos e os Superiores, a maioria de nós é capaz de


afetar toda uma classe , o que significa que existem Superiores
especializados em Mamíferos, Aves ou Répteis. Aqueles com poder
notável podem afetar mais de uma dessas classes.

— Então, pode afetar um grupo inteiro? Como os Amniotas ?

Ele sorriu. — Sim.

Apesar das melhores tentativas de Cornelius de minimizar seu poder,


eu o vi se relacionar com pássaros e mamíferos.

— Mas os aracnídeos estão muito distantes dos amniotas, —eu disse.

Ele assentiu novamente, o mesmo sorriso calmo em seus lábios.

Teríamos que subir até um grupo que incluísse tanto mamíferos


quanto aracnídeos. — Sinto muito, meu conhecimento de classificação
zoológica é precário.

— Suspeito que Matilda seja sensível a todo o Ramo Nefrozoário .


Quase todos os animais bilaterais se enquadram nesse grupo. Mais de um

Classe é uma categoria utilizada na classificação científica dos seres vivos, o sistema taxonómico mais utilizado na moderna biologia. Nessa
classificação, a Classe é a categoria taxonómica constituída por um conjunto de Ordens; as Classes por sua vez agrupam-se em Filos. O Filo Cordata
possui 4 classes; Anfíbios, repteis, aves e mamíferos.

Amniotas são todos os animais cujos embriões são rodeados por uma membrana amniótica. Os répteis, por exemplo,
pertencem a este grupo. Os amniotas são um grupo de vertebrados tetrápodes que incluem os mamíferos e os sauropsídeos.
Em cladística, um ramo ou clado é um grupo de organismos originados de um único ancestral comum exclusivo. Em biologia se chama clado
cada um dos ramos da árvore filogenética. Por conseguinte, um clado é um grupo de espécies com um ancestral comum exclusivo. Os nefrozoários
(Nephrozoa, animal com rins em latim) formam o clado que reagrupa o super-ramo Deuterostomiano e o clado Protostomiano. São, com os
xenacelomorfos, e desde a extinção dos proarticulados, os únicos bilaterais ainda existentes hoje. Os nefrozoários são caracterizados, em particular,
pela existência de uma cavidade, o celoma, que contém o trato digestivo. Eles formam um grupo muito prevalente no reino animal, compreendendo
muitas espécies, especialmente em escalas macroscópicas.

Ruby Fever
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milhão de espécies. Claro, se ela pode ou não se relacionar com todos eles
é algo que temos que descobrir, mas mesmo que ela simplesmente os sinta,
já é suficiente. Não consigo sentir uma aranha, Catalina.

Cornelius era um homem reservado. Ele não diria mais nada, mas não
precisava. Se o orgulho dos pais tivesse um brilho, eu teria ficado cega
porque ele teria se iluminado como um pequeno sol.

As portas da casa de Linus se abriram. Runa surgiu e acenou para


mim.

— Acho que ela quer que eu vá lá falar com eles.

— Gus e eu vamos esperar por você. Seria melhor se voltássemos para


casa juntos.

— Obrigada, —eu disse a ele e saí do carro.

Bern me encontrou no escritório de Linus.


— Ei ... —Eu comecei.

Ele levantou o USB, o colocou na minha mão, e ele e Runa saíram e


fecharam as portas duplas atrás deles.

Ruby Fever
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Certo.

Sentei-me e conectei a USB na área de trabalho de Linus. Um par de


fones de ouvido esperava por mim, já conectado. Fosse o que fosse, Bern
claramente não queria que eu ouvisse em som alto.

Coloquei os fones de ouvido e acessei o pendrive. Um único vídeo.


Cliquei.

Linus apareceu na tela sentado na mesma cadeira que eu agora estava


sentada.

— Olá, Catalina. Este é o vídeo de ‘As Coisas Deram Terrivelmente


Erradas’, como diria o ditado. Deixei um belo rastro de migalhas de
pão para Bern, então tenho certeza de que ele não demorou muito
para quebrar a criptografia.

Meus olhos lacrimejaram, e eu fiz uma pausa. Ele ainda não estava
morto. Linus era um velho bastardo teimoso e cruel, que não morreria só
porque se injetou com alguma merda estúpida.

Droga, Linus.

Limpei os olhos e reiniciei o vídeo. Na tela, Linus ergueu um pesado


copo de cristal lapidado com dois dedos de uísque dentro. Ele bebeu e
sorriu. — Coragem líquida. Vamos continuar com isso.

Sim, isso seria bom, porque senão eu ficaria sentada aqui e choraria.

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— Meu nome é Linus Stuart Duncan da Casa Duncan. O nome da


minha mãe era Fiona Duncan da Casa Duncan. O nome do meu pai era
Vassilis Makris. O nome do pai de meu pai era Christos Makris. Seu
nome de nascimento era Christos Molpe da Casa Molpe .

O nome caiu como um tijolo e o choque me fez levantar da cadeira


abruptamente. O fio do fone de ouvido saiu do computador com o meu
movimento e eu arranquei os fones de ouvido das minhas orelhas e os
joguei no chão.

Casa Molpe. A única Casa existente de Sirenes conhecida, agora extinta.

Linus era um Molpe.

Ele era um Sirene.

Linus era o meu ...

— Continue. —Linus ergueu o copo. — Respire. Deixe as


implicações se infiltrarem. Significa exatamente o que você pensa que
significa.

Linus era meu avô.

Oh meu Deus.

Primeira vez citado no livro 03 – Fogo Selvagem, quando a vó Victoria conta para Nevada sobre a origem da natureza da magia das irmãs
Baylor.

Ruby Fever
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Meu cérebro empurrou todos os tipos de fatos para mim de uma só


vez. Eu circulei a mesa para a direita, inverti, circulei para a esquerda e
finalmente decidi marchar para frente e para trás na frente dela, tentando
mastigar uma avalanche de memórias.

Minha mente me levou de volta para o Poço, logo após a batalha,


quando cantei tanto e gastei tanta magia matando uma Construção divina,
que eu não conseguia nem pensar, Linus me encontrou e me persuadiu de
volta à realidade.

Perguntei a ele sobre esse momento mais tarde e ele me disse que havia
feito algumas pesquisas, e que elas indicavam que, quando uma Sirene era
forçada a estender demais sua magia, ela podia enlouquecer. A Sirene não
conseguiria mais falar, apenas emitir canções de insanidade e magia
sedutora. Se eu não tivesse conseguido falar, Linus tinha um Mago Mental
Superior de prontidão para entrar em minha mente e tentar me guiar de
volta a sanidade.

‘Feito algumas pesquisas’. Linus provavelmente ligou para qualquer


parente próximo que soubesse a respeito disso.

Uau. Caramba.

Por que um Superior da posição de Linus teria algum interesse tão


profundo em uma nova Casa emergente, especialmente uma tão estranha
quanto a nossa? Mesmo antes de me tornar sua vice, Linus era uma

Ruby Fever
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presença constante em nossas vidas. Ele encontrou um vínculo através de


Nevada, e logo fomos convidados para seus churrascos e passeios de
pesca.

Foi Linus quem tomou as providências para Bernard entrar na pós-


graduação. Leon praticamente morava na oficina de Linus quando ele
estava trabalhando em novas armas de fogo. Os problemas que
enfrentávamos às vezes desapareciam, como se fossem varridos por
alguma força invisível. Ele sempre foi uma presença vigilante e prestativa,
agindo em nosso favor nos bastidores.

Linus estava lá quando nos registramos como uma Casa. Ele era uma
das duas testemunhas, a outra era Connor.

Uma lembrança veio a mim, Alessandro e eu na mansão de verão de


Linus, Linus grelhando carne para suas fajitas patenteadas, Alessandro
olhando para mim, olhando para Linus, e então murmurando para si
mesmo em italiano: ‘Eu sou tão idiota.’

Alessandro sabia! A magia Sirene vazou, e os poderes Antistasi de


Alessandro teriam identificado isso como uma ameaça.

— Filho da puta!

Eu nem tinha certeza qual deles eu estava xingando.

Parei na frente da mesa e me inclinei sobre ela, cara a cara com o


Linus no vídeo.

Ruby Fever
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— Foda-se. —Foi bom dizer isso em voz alta.

— Você provavelmente está me xingando agora. E é justo. Mas se


está assistindo isso, a situação é urgente, então vamos deixar essa
parte de lado e seguir em frente. Tenho muitas coisas vitais para lhe
dizer.

Sentei de volta na cadeira. Sim. Eu mal podia esperar para ouvir isso.
Achei que sabia tudo sobre a Casa Duncan. Era uma antiga Casa escocesa
com uma linha persistente de Magos Hefesto Superiores. Duncans faziam
armas de todos os tipos e tamanhos. Uma vez, quando Linus e eu fomos
perseguidos e tivemos que abandonar nosso veículo e tudo dentro dele, ele
correu para um centro de reciclagem e construiu uma arma de sucata e
magia. Linus usou como projéteis as pequenas abas que a gente quebra
das latinhas de alumínio—havia um saco delas lá—e ele matou três
pessoas com isso.

Linus era órfão. Tanto seu pai quanto sua mãe morreram em um
trágico acidente de carro quando ele era criança. Essa era a história oficial
nos registros.

— Angus Duncan, meu avô materno, era um homem teimoso,


determinado em seus caminhos e convencido de que estava sempre
certo.

Não me diga. Chocante.

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— Ele e minha mãe viviam em conflito. Quando ela tinha dezenove


anos, eles brigaram e ela viajou de férias para Grécia . Ela conheceu
meu pai, que tinha 26 anos, era bonito e charmoso. Eles tiveram um
romance de verão, e ela ficou grávida de mim. Sua família pressionou
pelo casamento. Meu avô disse a ela para voltar para casa. Eles
tiveram outra de suas brigas, desta vez por telefone, e na semana
seguinte minha mãe se casou com meu pai. A Casa Duncan não
compareceu ao casamento.

Casar com alguém porque você estava chateada com seus pais parecia
uma receita para o desastre.

— O amor de verão não durou muito. Meus pais eram pessoas


muito diferentes. Minha mãe tinha objetivos. Ela queria ser alguém,
desafiar a si mesma, e meu pai se contentava em flutuar dentro da
bolha que sua família havia construído para protegê-lo. Ainda assim,
dois anos depois de eu nascer, minha mãe ficou grávida de novo, de
uma menina. Os parentes do meu pai exigiram que ela abortasse a
criança.

A Grécia é um país do sudeste da Europa com milhares de ilhas espalhadas pelos mares Egeu e Jônico.
Bastante influente na antiguidade, a nação é considerada o berço da civilização ocidental. Atenas, sua capital, conserva monumentos como a
Acrópole, do século V a.C., onde fica o templo Partenon. A Grécia também é conhecida por suas praias, como Santorini, com suas areias escuras, e os
festivos complexos hoteleiros de Míconos.

Ruby Fever
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O que?

A expressão de Linus ficou dura. — Durante a Primeira Guerra


Mundial a região foi invadida pelo Império Russo. Katina Molpe, a tia
mais velha de meu pai, remou seu barco até uma daquelas pequenas
ilhas rochosas pelas quais o mar Egeu é famoso, pouco mais que
uma pedra saindo da água, e então ela cantou para o exército invasor.
Um batalhão inteiro se afogou tentando alcançá-la, até que um
número suficiente deles conseguiu nadar pela água tempestuosa.
Você pode adivinhar o que aconteceu em seguida.

Eles a rasgaram em pedaços.

O amor que as Sirenes inspiravam não era verdadeiramente amor.


Não era gentil ou altruísta. Era uma obsessão ardente e, se permitisse que
o encanto permanecesse, se transformava em uma necessidade de possuir
tudo que o consumia. Se eles não pudessem ter a pessoa inteira, se
contentariam com um pedaço. Um tufo de cabelo. Uma unha. Um dedo.
Qualquer coisa serviria. Katina teve uma morte horrível para salvar sua
cidade. Nevada me contou essa história pouco antes de nossos testes. Um
conto de advertência sobre os perigos da magia das Sirenes.

O mar Egeu é um mar interior da bacia do mar Mediterrâneo situado entre a Europa e a Ásia. Estende-se da
Grécia, a oeste, até a Turquia, a leste. Ao norte, possui uma ligação com o mar de Mármara e o mar Negro através do Dardanelos e do Bósforo.

Ruby Fever
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— Todos os Molpe carregam o talento, mas apenas as mulheres


são Superiores, —continuou Linus. — Provavelmente sou o Sirene
homem mais forte vivo, mas mal sou um Padrão, e suspeito que seja
apenas devido à reserva mágica que herdei do lado Duncan. Eu não
consigo subjugar as pessoas do jeito que você consegue. O máximo
que posso fazer é predispor as pessoas a gostarem de mim e sentir
quando Magos Mentais tentam me manipular.

Ele deve ter sentido a manifestação do poder de Kaylee quando ela e


sua mãe entraram no escritório dele. A magia Sirene, embora fraca, deu-
lhe um aviso. Era a única razão pela qual ele ainda estava respirando.

— Depois da guerra, a família Molpe foi perseguida por todos os


governos vizinhos e facções políticas que queriam ter acesso aos
poderes dos Sirenes. Muitos Molpes morreram. A família teve que se
esconder para se salvar. Eles se mudaram, mudaram de nome e
garantiram que não nascessem mais Superiores

Procriação seletiva, estilo Molpe. Apenas crianças do sexo masculino


eram autorizadas a viver.

— Minha mãe se recusou a desistir de minha irmã ainda não


nascida. Ela era uma Hefesto Superior, e ninguém tiraria sua futura
bebê dela. Mamãe se trancou em uma casa e chamou meu avô para
vir buscá-la. Ele e meus tios chegaram atrasados por um dia. Meu pai

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de alguma forma conseguiu convencer minha mãe em deixá-lo entrar


e ele atirou na cabeça dela.

Quer que o sangue da sua família sobreviva? Mate sua esposa e sua filha ainda
não nascida. Um sacrifício para salvar a família. Eu não deveria me chocar
mais com coisas assim. Já tinha visto pior. O medo fazia as pessoas
fazerem coisas terríveis. Mas isso me incomodou muito. Esta era a minha
família. Eu era fruto dessa tragédia.

— Houve um massacre, —disse Linus. — Os Duncans recuperaram


o corpo de minha mãe, me pegaram e voltaram para a Escócia .
Fizeram um funeral para minha mãe. O relatório oficial disse que ela
morreu durante um acidente automobilístico enquanto estava de
férias na Grécia e o corpo de seu marido foi perdido no mar. Foi uma
época sombria. Não me lembro de nada disso, nem dos meus pais.
Minha mais antiga lembrança da infância é montar um pônei pelas
muralhas do castelo.

Eu sabia que o avô de Linus o tinha criado, mas não fazia ideia de
quão profunda era a ferida.

A Escócia, um país no extremo norte do Reino Unido, é uma terra de áreas selvagens montanhosas,
como os Cairngorms e as Terras Altas do Noroeste, intercaladas por vales glaciais e lagos. As principais cidades são Edimburgo, a capital, com seu
famoso castelo em uma colina, e Glasgow, famosa pelo vibrante cenário cultural. A Escócia também é famosa pelo golfe. O esporte foi praticado pela
primeira vez no Old Course, em St Andrews, no século XV.

Ruby Fever
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Na tela, Linus se inclinou para frente, sua expressão grave. — A


família Makris não é confiável. Se alguém dessa família se aproximar
de você, mate quantos precisar para se salvar. Eles temem você
porque pensam que sua existência trará à luz a história sórdida da
família Molpes. Não os procure para encontrar respostas para sua
magia, não se aproxime deles, não se corresponda com eles. Se eles
souberem de você, não pararam por nada até conseguir matá-la. Não
abra essa porta.

Eita.

— Eu sei que você tem dúvidas sobre sua magia. Vou lhe contar
tudo o que sei. Muito em breve você estará enfrentando um conflito
interno, se é que já não está. Você se concentrou em apenas um
aspecto de seus poderes, mas sua magia é mais complexa do que
imagina. As asas negras são a primeira manifestação do problema, e
se agravará em momentos de angústia emocional ...

Um homem gritou do lado de fora, sua voz caindo em um gorgolejo


torturado.

Tirei o pendrive do computador, o enfiei no bolso e corri para a janela.

O contorno de um círculo arcano de seis metros de largura fumegava


no chão. Dois cadáveres estavam caídos dentro dele, suas peles ficando
verdes, a marca registrada do trabalho de Runa. No centro do círculo, uma

Ruby Fever
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pilha de carne avermelhada fumegava. Ossos apontavam para fora da


pilha. Ossos humanos. Um Mago de Teletransporte poderia se
teletransportar sozinho sem muitos problemas, mas teletransportar outra
pessoa exigia círculos arcanos complexos e muita preparação, e um
pequeno erro de cálculo ou variação de peso poderia fazer o tiro sair pela
culatra.

Corri pela casa até a porta da frente. Na porta, Runa e Bern estavam
olhando para os três corpos. Um fedor horrível saia do círculo, como peixe
podre sendo cozido no vapor. Eu havia sentido o cheiro de um
teletransporte fracassado uma vez antes. Era um odor que jamais se
esquece.

— ... questioná-los, —disse Bern.

— Bernard, —disse Runa.

Ela usou o nome dele completo. Bernard estava em apuros.

— Se eu fosse teletransportada para a casa de um inimigo nosso, um


segundo depois eu mataria todos que encontrasse. Mesmo que atirassem
em mim assim que me vissem, estariam todos mortos imediatamente
depois. Eu te amo demais para arriscar sua vida e sou responsável pela
segurança de todos sob este teto. Eu mantenho minha decisão.

— Eu concordo, —eu disse a eles.

— Viu? Ela concorda.

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— Eu também concordo, —disse Cornelius, aproximando-se pelo


outro corredor, Gus o seguindo. Ele deve ter entrado em algum momento.
— Quando há um intruso em sua casa com uma arma, você não atira nos
pés deles. Você atira para matar.

Bern suspirou.

Ele estava na minha frente e eu tive que me inclinar por cima das
costas largas dele para olhar para o círculo. O cadáver verde mais próximo
tinha longos cabelos escuros enrolados em volta da cabeça em uma espécie
de coroa. Eu conhecia aquele cabelo. Melanie Poirier, uma das Magas de
Combate de Arkan. Se Runa não tivesse a envenenado imediatamente,
teríamos dificuldade em neutralizá-la.

Arkan arriscou um teletransporte em plena luz do dia. Por quê? Seus


ataques eram geralmente bem planejados e cuidadosamente executados.
Isso parecia precipitado, quase como uma reação instintiva a alguma
coisa. O que poderia tê-lo chateado o suficiente...

Uma dúvida me atingiu como um raio. Eu me virei e corri de volta


para o escritório.

— O que foi? —Runa gritou.

Eu não respondi.

Cheguei ao escritório, puxei o teclado para mim, cliquei na rede do


Gabinete do Guardião e digitei meu login.

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Runa, Bern, Cornelius e Gus entraram correndo na sala, seguidos por


um dos guardas do Guardião.

— O que está acontecendo? —Runa exigiu.

Eu não tinha tempo de responder. A rede aceitou o login. O site se


desdobrou na minha frente. Acessei os bancos de dados.

— Catalina? O que aconteceu? —Perguntou Runa.

Ignat Orlov, pseudônimo Arkan, parceiros conhecidos. Percorri a lista.

Não ...

Não ...

Trofim Smirnov.

Cliquei no nome. O dossiê foi aberto. O rosto familiar olhou para mim
da tela. Um homem branco esguio e curvado na casa dos quarenta que
parecia estar esperando um soco surpresa.

Merda.

Peguei meu telefone do bolso e liguei para Patricia. Nenhuma


resposta.

Bern me agarrou pelos ombros e me segurou. — Explique.

Levei um segundo para desacelerar meu cérebro o suficiente para


falar. — Há uma hora, o príncipe Berezin apareceu no Complexo pedindo

Ruby Fever
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para me ver. Eu disse a Patricia para deixá-lo entrar. Ele estava usando o
rosto desse homem.

Runa olhou para a tela. — Quem é ele?

— Trofim Smirnov. Ele é o Bernard de Arkan.

Eu havia estudado o círculo íntimo de Arkan e conhecia a maioria de


seus comparsas de vista. Mas eu me concentrei nos agentes de combate,
nas pessoas que poderiam ser uma ameaça se nos encontrassem no meio
da multidão. Smirnov era um Cibermago. Eu o deixei passar, porque
julguei que ele não era uma ameaça imediata. Mas Smirnov era um
homem muito perigoso atrás de um teclado. Eu não tinha ideia de quantas
vidas meu erro nos custaria.

Eles me encararam. Bern pegou seu telefone e começou a fazer


ligações.

— Neste momento, Arkan pensa que seu comparsa mais antigo o traiu
e desertou para os Guardiões, e nós o temos em nossa casa. Smirnov sabe
demais. Arkan não pode deixá-lo viver. Ele vai retaliar.

Konstantin armou para nós. Arkan faria de tudo para pôr as mãos em
Smirnov.

— Nossos telefones estão comprometidos, —anunciou Bern.

— Como? —Perguntou Runa.

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Ele balançou sua cabeça. Bern parecia pronto para rasgar alguém com
as próprias mãos.

— Se Arkan conseguir capturar qualquer um de nós, ele poderá


negociar a troca por Smirnov, isso resolverá todos os problemas dele, —
eu disse.

— Todo mundo fora do Complexo é um potencial refém ou vítima.

— Merda, —disse Runa. — Não podemos ficar aqui.

Runa era perigosa como o inferno, mas todas as defesas


automatizadas da casa estavam desligadas e nenhum dos guardas era um
usuário de magia acima da média. Se Arkan enviasse vários pesos pesados
da magia e eles atacassem de lados diferentes, haveria mortes.

Tínhamos que ir. Agora.

Bern virou-se para o guarda do Guardião. — Arrume seu pessoal.


Cinco minutos.

Liguei para Alessandro.

O guarda olhou para mim. Eles respondiam somente ao Gabinete do


Guardião.

— Faça o que ele disse, —eu disse a ele.

O guarda marchou para fora da sala.

— Sua chamada foi encaminhada para caixa postal ...

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Bern gentilmente me empurrou para fora do caminho e se inclinou


sobre a mesa. Seus dedos voaram sobre o teclado. — Querida, eu preciso
dos dois notebooks do cofre.

Runa se virou e desceu as escadas.

Tentei novamente ligar para Alessandro. Direto para o correio de voz.


Texto era minha única opção.

Nada mais precisava ser dito. Ele entenderia. Mandei uma mensagem
para Leon, tentando explicar a mesma coisa o mais rápido que pude.

Cornelius balançou a cabeça. — Meu telefone também foi afetado.

A tela do computador piscou e Besouro apareceu na tela. O


especialista em vigilância de Connor, magro, pálido e parecendo estar
cuidando de dez coisas ao mesmo tempo. — O que você quer, esquisito?

— Arkan nos hackeou, —disse Bern. — Os telefones estão


inoperantes, a rede está inoperante, precisamos avisar o Complexo
que um ataque está chegando.

A expressão distraída evaporou do rosto de Besouro. — Deixa


comigo.

Bern desligou a chamada, abriu uma nova janela e começou a digitar


um código.

Ruby Fever
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Runa saiu do cofre carregando dois notebooks, o preto de Linus e o


prata de Bern. Bern acenou para ela e ela saiu pela porta.

Terminei o texto para Leon. Eu não tinha ideia se a mensagem mesmo


chegar até ele. — Você já consegue ligar o sistema de segurança?

— Posso acionar um bloqueio de emergência, que é o que estou


fazendo. —O olhar de Bern estava fixo na tela.

— O que isso significa?

— Isso significa que o cofre será bloqueado e o protocolo de bloqueio


será restabelecido sem exceções. Teremos três minutos para sair. Se
precisa de alguma coisa, pegue agora, porque ninguém vai poder voltar.
Se Linus morrer, teremos que lutar para entrar nessa casa.

Ele estava certo. Essa seria a nossa melhor opção.

Um telefone tocou em algum lugar da sala. Bern e eu congelamos por


um segundo desesperado, tentando descobrir onde o telefone estava.

Outro toque abafado.

Dentro da escrivaninha.

Bern abriu a gaveta do meio. Bloqueada. Bern cerrou os dentes e a


puxou. A madeira estalou, a gaveta se soltou e eu peguei o celular.
Desbloqueado. Atendi a chamada.

— Catalina! —Arabella gritou em meu ouvido.

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— Como você conseguiu essa ligação? De quem é o telefone?

— Estou ligando de um celular descartável que o pessoal de Connor


trouxe. Esse telefone que você atendeu é o meu telefone de emergência.

— Por que você tem um telefone de emergência na casa de Linus?

— Ele comprou para eu usar quando estou aí na casa dele. Meu celular
nunca tem sinal aí.

Claro que ele comprou.

— De qualquer forma, isso não importa. Mamãe está fora do Complexo.

— O que?

— Ela saiu para identificar o corpo de Pete. Levou um destacamento de


segurança com ela, três guardas. Não consigo entrar em contato com nenhum
deles.

— Por que ela foi pessoalmente?

— O filho de Pete está lá. Alguém tinha que explicar por que Pete morreu.

Merda. Pete foi levado para um necrotério particular no Hospital da


Mulher do Texas. Vinte e cinco minutos do Complexo.

— Eu vou pegá-la.

Um estalo elétrico soou do outro lado da linha.

— Tenho que desligar, —minha irmã disse e desligou.

Ruby Fever
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Enfiei o telefone no bolso.

Bern puxou os cabos da parte de trás do gabinete do computador e o


pegou.

Nós três partimos para a porta da frente. A equipe de segurança estava


se amontoando em um veículo blindado de transporte de tropas. Jean, a
mulher alta e morena no comando, olhou para mim do banco do
passageiro da frente, com a janela abaixada, esperando instruções.

O uso da guarda do Guardião era estritamente limitado. Proteger a


família dos Guardiões não era coberto por seus deveres, então dizer a eles
para escoltar Bern e Runa estava fora de questão. Tecnicamente, eles me
protegeriam se eu ordenasse, desde que eu estivesse realizando uma
investigação oficial, mas pegar minha mãe não era uma questão da
Guardiã, era uma questão da Baylor.

— Volte para a base e fortifique, —eu disse a ela.

— Sim, Guardiã Interina.

O último guarda subiu no veículo e bateu à porta lateral. O


transportador saiu.

A equipe de Linus tinha uma base fora de Houston. Sua localização


estava bem escondida e a própria base desfrutava de todos os benefícios
do melhor armamento defensivo que a Armas Duncan poderia fornecer.
Se Arkan fosse atrás deles, ele se arrependeria.

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Arkan não iria atrás deles. Por que iria quando o que ele queria estava
dentro do Complexo.

Bern colocou o gabinete do computador no Humvee e foi para trás do


volante. O Humvee veio até mim, as janelas abaixadas. — Você precisa
de nós para ir com você? —Perguntou Runa.

— Não. Preciso que vá para casa e ative nossos telefones novamente.


Alessandro e Leon estão por aí, surdos e mudos. —E Bern era o único que
poderia consertá-lo.

— Eu cuido disso, —prometeu Bern.

O Humvee decolou.

Corri até Rhino e pulei no banco do motorista. Cornelius já estava no


banco do passageiro, segurando uma espingarda tática. Gus ofegava atrás.
Dei marcha à ré, saí da garagem e parei do lado de fora do portão.

Os segundos se passaram. Um, dois ... Dez ...

O portão se fechou. Canhões espiralaram para fora do chão, faiscando


com magia residual. Um zumbido baixo rolou pela rua. O sistema de
bloqueio estava ativado. De agora em diante, a mansão de Linus estaria
fora dos limites.

O BMW prateado de Cornelius esperava estacionado dez metros à


frente. Ele deve ter movido.

— Você quer que eu te deixe no seu carro? —Eu perguntei.

Ruby Fever
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— Não. Vamos voltar para casa com você. Será mais seguro. Pego
meu carro mais tarde.

Gus fez um pequeno latido de acordo.

Eu não iria recusar nenhuma ajuda. — Obrigada.

Desci a rua, rolando sobre as lombadas, fiz uma inversão de marcha


e acelerei em direção à Autoestrada Buffalo.

A autoestrada Buffalo estava lotada. O tráfego estava estável, mas


movendo-se a uma velocidade decente.

— Conectei o telefone de Arabella com o carro. O contato de sua mãe


já estava salvo com o nome ‘mamãe’, —relatou Cornelius.

— Ligar para a mamãe.

O sistema de áudio do carro discou obedientemente. Toque, Toque.


Toque.

— Sua chamada foi encaminhada ...

— Mãe, eu vou te buscar. Liga para mim.

Uma placa surgiu à frente.

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CUIDADO
CONSTRUÇÃO À FRENTE

O carro à minha frente freou. A caravana de veículos se compactou,


desacelerando.

— Ligar para a mamãe.

Toque. Toque. Toque.

FAIXA DA ESQUERDA
FECHADA
150 METROS

— Sua chamada foi encaminhada ...

— Sua mãe é muito capaz, —disse Cornelius.

— Eu sei.

Minha mãe também era um alvo de alto valor. Se o pessoal de Arkan


a pegasse, eu daria a eles qualquer coisa que quisessem para recuperá-la.

— Você poderia, por favor, procurar o número do Laboratório de


Autópsia Margolis no Hospital da Mulher e tentar ligar?

— É claro. —Cornelius brincou com o telefone. — Achei.

Ele colocou o telefone no viva-voz. Toque ... toque ... — Você ligou para
o Laboratório de Autópsia Margolis, por favor ...

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Esperei até o bip da gravação. — Esta mensagem é para Penelope


Baylor. Por favor, me ligue imediatamente. —Deixei meu novo
número de telefone e Cornelius desligou.

O tráfego se afunilou em uma única pista. Passamos pela pista da


esquerda bloqueada por cones e picapes brancas.

— Claro que tem que ter uma construção, —eu disse. Minha voz
estava tão calma que era quase robótica.

— Cidades diferentes são famosas por coisas diferentes, —disse


Cornelius. — San Antonio é conhecida pelo Rio Walk e pelo Alamo .
Austin é famosa pela infame 6th Street com seus bares e tiroteios. Nós
temos obras e enchentes.

A pista se estreitava, cercada por barreiras de concreto à direita.


Conduzi Rhino com precisão entre o acostamento inexistente e a fileira de
cones de trânsito.

San Antonio é uma grande cidade na zona centro-sul do Texas com uma rica herança colonial. O Alamo, uma missão
espanhola do século XVII conservada como museu, assinala uma terrível batalha de 1836 pela independência do Texas em relação ao México. Ao
longo do rio San Antonio, River Walk, de vários quilómetros, é um célebre passeio pedonal repleto de cafés e lojas. A Torre das Américas no HemisFair
Park, com 176 metros de altura, contempla a cidade.

Passeio pelo Rio Walk em San Antonio.

O Alamo é um local de visitação histórica na cidade de San Antônio, que conta sobre a Batalha do Alamo, que foi um evento
crucial na Revolução do Texas, nos Estados Unidos.

A 6th Street é um bairro histórico de entretenimento e rua em Austin, Texas, localizado no núcleo urbano da cidade, no centro
de Austin.

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— Catalina, —disse Cornelius baixinho. — Suas mãos estão brancas.

— Obrigada. —Eu aliviei meu aperto no volante.

— Você está excepcionalmente calma, —observou ele.

— Alessandro entrou em um carro com um homem que supostamente


está trabalhando para Lenora Jordan, mas poderia ser muito bem um
Mago Ilusionista. Afinal, não é estranho que a Promotoria do Condado
de Harris teve uma emergência em um momento surpreendentemente
conveniente? Leon deveria seguir de perto os agentes do FBI, mas não vi
nenhum sinal dele na mansão Cabera. Minha mãe está fora do Complexo,
e nenhum deles atende seus telefones. O Complexo está sob ataque. Eu
não posso ficar nada além de calma agora.

— Acha que eles nos separaram e estão nos atingindo um por um? —
Cornelius indagou.

— Isso seria o que eu faria.

— Vou tentar ligar para Alessandro e Leon novamente. —Ele mexeu


no telefone.

Passamos pela Avenida Richmond.

— Nada, —relatou Cornelius.

Se eu pensasse sobre isso por muito tempo, entraria em pânico.

A tela do telefone piscou. Uma chamada recebida. — Aceitar!

Ruby Fever
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— Catalina? —Mamãe chamou.

Finalmente. — Onde você está?

— Estou em um escritório no laboratório do Doutor Amandi. —A voz


dela estava estranhamente calma. A mente de minha mãe tinha ido para
aquele lugar sereno que ela sempre ia pouco antes de mirar um tiro com a
sua arma.

— Onde estão seus guardas?

— Tyler me ligou do aeroporto. O carro dele não apareceu.

Tyler era filho de Pete.

— Eu mandei os guardas para buscá-lo. Isso foi há uma hora. Eles não
estão atendendo seus telefones e eu não consigo chegar em casa. Meu telefone
não está funcionando. Estou usando o telefone fixo do laboratório. Há um
veículo blindado no estacionamento. Eles estão sentados lá há dez minutos, e
ninguém saiu.

O pessoal de Arkan a encontrou.

— É Xavier. —Xavier não teria perdido a chance de pegar minha mãe.


Ele viria pessoalmente e provavelmente não estava sozinho. — Arkan está
nos atacando. Nossos telefones estão comprometidos.

— Ah. Isso explica as coisas.

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Minha voz era plana e calma. — Xavier está esperando você sair,
mas ele vai ficar impaciente e acabará indo buscá-la no laboratório.

— Ficar parada não é uma opção.

— Não.

Eu avaliei nossas opções. O Hospital da Mulher tinha um grande


campus, estendendo-se entre a Greenbriar e a Avenida Fannin e cortado
pela Antiga Trilha Espanhola ao norte. Eu ainda estava a pelo menos
quinze minutos de distância. Mesmo que ela se escondesse no prédio, eles
a encontrariam. E se eu entrasse naquele estacionamento, Xavier
arremessaria o poste mais próximo no meu para-brisa. Eu tinha que pegar
mamãe e sair viva.

O que havia ao redor do Hospital da Mulher? No lado leste da


Avenida Fannin, eram todos prédios médicos. No lado oeste, em
Greenbriar, havia ... Sim. Tinha que dar certo.

— Mãe, consegue atravessar para um prédio diferente sem passar


pelo estacionamento?

— Espere. —Ouvi uma porta se abrir. Minha mãe disse alguma coisa.
Uma voz masculina respondeu.

Ela voltou na linha. — Sim.

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— Preciso que saia desse prédio e atravesse Greenbriar até o


Escritório de Registros. Grande edifício em forma de pena. Vá lá e diga
a eles que estou chegando para marcar um horário e que você está me
esperando. Não saia do prédio, não importa o que aconteça. Eles não
vão te ajudar se você colocar um pé para fora, mas vão defender o
prédio e não vão permitir que ninguém te tire de lá.

O Escritório de Registros mantinha o banco de dados das Casas e


usuários de magia. Era uma instituição neutra, incorruptível e
independente de todas as outras potências do Texas, mágicas e civis. Era
administrado pelo Guardião dos Registros, que eu encontrara apenas uma
vez e esperava nunca mais encontrar. Ninguém em sã consciência atacaria
o Escritório de Registros. Xavier não estava em seu juízo perfeito, e se
tivéssemos muita sorte, ele tentaria.

Mamãe falou com alguém. — Certo. A caminho.

A chamada desligou.

Ela teria que caminhar para o sul através do complexo médico e então
atravessar Greenbriar fora da vista do estacionamento, e então atravessar
outro grande estacionamento em frente ao Escritório de Registros. Sua
velocidade máxima era de cerca de cinco quilômetros por hora. Eu queria
pisar no acelerador e tirar os carros à minha frente para fora do caminho,
para que eu pudesse dirigir mais rápido. Em vez disso, cuidadosamente

Ruby Fever
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conduzi Rhino para fora da zona de construção e desviei pelo tráfego,


lutando por cada segundo.

O pequeno prédio de vidro preto se destacava no meio de um terreno


gigante, suas linhas elegantes e fluidas, uma imitação perfeita de uma pena
emplumada. O edifício escuro da Arena de Testes assomava
ameaçadoramente atrás dele.

Eu não tinha falado com mamãe desde que liguei para ela. Seu celular
era tão útil quanto um tijolo. Eu não tinha ideia se mamãe tinha
conseguido chegar ao prédio.

Por favor, esteja lá.

— Entramos juntos ou você quer levar o carro? —Perguntei a


Cornelius.

— Juntos, —disse ele. — Sozinhos ficamos mais vulneráveis.

— Concordo.

Eu tinha dado a ele uma fuga, e ele se recusou a aceitar. Era o que eu
esperava.

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200

Parei na vaga do meio, o mais perto que pude da entrada, todas as


vagas de estacionamento da frente estavam ocupadas e teríamos que
caminhar uma boa distância a pé. Dirigir até as portas estava fora de
questão. O Escritório de Registros mantinha uma zona de matança clara
ao redor de seu prédio e entrar nela imediatamente faria de você um alvo.

Cornelius me entregou uma AD Rattler, uma submetralhadora


compacta, uma das edições especiais de Linus. Ele pegou uma espingarda
tática e saímos do veículo.

Cinquenta metros até o prédio. O espaço entre minhas omoplatas


vibrou com a tensão. Eu me concentrei tanto para ouvir um marlinspike
assobiando no ar que quase ouvi na minha cabeça.

As portas se abriram na nossa frente. Cornelius, Gus e eu entramos


no saguão cavernoso e exalei silenciosamente. Parecia exatamente como
eu me lembrava: paredes de granito preto, piso de granito cinza com uma
incrustação dourada brilhante de um círculo mágico no centro e uma mesa
de granito preto à direita com um guarda solitário atrás dela. Mas nada de
mamãe.

Gelo desceu pela minha espinha.

Em táticas militares, a zona de matança é uma área inteiramente coberta por fogo direto e efetivo, um elemento de emboscada dentro do
qual uma força inimiga que se aproxima fica presa e destruída. O objetivo da força de emboscada é matar ou capturar rapidamente todos os soldados
inimigos dentro da zona de matança.

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201

A guarda, uma loira de meia-idade, nos viu, levantou-se e inclinou a


cabeça. — Saudações, Superiora Baylor e Significativo Harrison. Por
favor, depositem suas armas no balcão. Vocês são esperados no escritório
do Guardião, quinto andar.

Mamãe conseguiu. Ufa.

Por que ela não ficou no saguão?

Cornelius e eu colocamos nossas armas no balcão. Cornelius acenou


para Gus. — Espere.

O Doberman se deitou no chão e nos observou entrar no elevador.

As luzes acima da porta piscaram, mostrando os números dos


andares. Meu coração batia forte demais.

As portas se abriram e entramos em um longo corredor com fileiras


de portas se ramificando para os dois lados. No final, as pesadas portas
duplas pretas estavam escancaradas. Eu fui direto para aquela porta o mais
rápido que pude, mas sem correr.

Entramos em uma enorme sala redonda forrada do chão ao teto com


estantes lotadas de livros. Um balcão redondo guardava a entrada. Uma
pequena lâmpada brilhava sobre o balcão com uma luz amarela quente.
Atrás do balcão, vários sofás de couro confortáveis ocupavam o centro da
sala, iluminados por um lustre. O Guardião dos Registros estava sentado

Ruby Fever
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202

no sofá à esquerda. Diante dele, tomando chá em uma pequena xícara


azul, estava minha mãe.

Um peso esmagador caiu dos meus ombros e atingiu o chão. Se tivesse


massa, teria atravessado o piso de madeira e continuado a cair até o piso
do saguão.

O Guardião dos Registros virou-se para mim. Ele era de estatura


média, magro e velho. O tempo havia enrugado sua pele morena,
esculpindo um roteiro de anos ao redor de seus olhos e boca, e
embranqueceu seu cabelo. Usava um terno marrom de três peças com uma
gravata borboleta na cor cobre e preta. Sua expressão era sempre
acolhedora, mas seus olhos, protegidos por grandes óculos, paravam você.
Tão escuros que pareciam pretos, brilhavam como dois pedaços de jade
preto polido .

— Superiora Baylor, —o Guardião disse, — faz tanto tempo. Que


prazer vê-la novamente.

Mamãe olhou para mim. Seus olhos estavam arregalados.

— Boa tarde, Guardião. Obrigado por fazer companhia à minha mãe.


Lamentamos muito incomodá-lo.

jade preto polido

Ruby Fever
Livro 6
203

O Guardião sorriu. Seus dentes eram brancos e brilhantes. — Não é


incômodo. Estamos sempre felizes em receber a Casa Baylor, não
estamos, Michael?

Michael emergiu das sombras. Ele não saiu, ele se materializou, como
um espectro mítico se unindo da escuridão. Provavelmente foi minha
imaginação, e ele deve ter saído de algum nicho entre as estantes. Um
momento atrás éramos apenas nós quatro e, de repente, éramos cinco.

Michael assentiu. Em seus vinte e poucos anos, ele usava um terno


preto com uma camisa branca que destacava sua pele bronzeada. Seu
cabelo era preto e cortado curto nas laterais com um topete discreto no
topo.

Tatuagens tribais pretas e cinza giravam sobre a pele exposta de suas


mãos e pescoço. Seu rosto era bonito, do jeito padrão de beleza, e seus
olhos eram de uma cor estranha, quase amarelos, suas íris pareciam a cor
do uísque que Linus gostava de beber quando a luz batia no copo.

O Guardião virou-se para Cornelius. — É maravilhoso vê-lo


novamente, Significativo Harrison.

— O prazer é todo meu, —disse Cornelius. — Faz muito tempo desde


meus testes.

— Quinze anos, três meses e quatorze dias. Se você deseja refazer sua
certificação, nossas portas estão sempre abertas.

Ruby Fever
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204

Cornelius recuou um pouco. — Isso não será necessário.

— Como preferir.

Ninguém ‘refazia’ a certificação, a menos que pensasse que poderia


ser certificado em um nível mais alto e subir sua classificação. Eu teria que
contar a Nevada. Como eu, ela estava convencida há anos de que
Cornelius deliberadamente se conteve em seus testes.

O Guardião juntou os dedos no joelho dobrado. — Agora, o que o


Escritório de Registros pode fazer pela Casa Baylor?

Ir ao Escritório de Registros para obter informações não era o plano.


O plano era pegar mamãe no saguão e dar o fora daqui, esperando chegar
em casa antes que fôssemos atacados. Mas já que estávamos aqui, e ele
serviu chá para mamãe e fez um evento disso, eu não podia simplesmente
dizer, ‘obrigada, tenho que ir’.

Talvez esta fosse uma oportunidade. O Guardião era um especialista


em linhagens mágicas. Eu poderia conseguir que muitas das minhas
perguntas fossem respondidas. Mas o que isso me custaria?

O Escritório de Registros era uma das duas instituições relacionadas


à magia que não estavam sob minha jurisdição, sendo o Tribunal da
Assembléia a outra. Eu não podia obrigar o Guardião a me responder.
Qualquer coisa que ele me dissesse seria estritamente voluntária e quanto
mais eu pedisse, maior seria o custo.

Ruby Fever
Livro 6
205

Anos atrás, Nevada havia prometido ao Guardião que cumpriria um


favor não especificado em troca de poupar nossa avó malvada, Victoria.
Desde que comecei meu aprendizado com a Vovó Malvada, ela
mencionou esse favor pelo menos dez vezes. Não eram muitas coisas que
faziam Victoria Tremaine perder o sono à noite, mas este favor com
certeza fazia. Ela sempre fez questão de enfatizar muitas vezes que o
Escritório de Registros equilibrava o favor devido pelo favor concedido e
poupá-la tinha sido um grande favor.

De qualquer forma, seria melhor ter essa conversa em particular.

— Gostaria de discutir um assunto confidencial. Existe algum lugar


onde minha mãe e o Significativo Harrison possam esperar?

— É claro. Michael, por favor, mostre aos nossos convidados a Sala


Azul.

Michael deslizou pelo chão sem fazer barulho. Esse homem fazia
meus cabelos ficarem em pé.

Mamãe e Cornelius o seguiram.

O Guardião me olhou com um sorriso. — Chá, Guardiã Interina?

Ele sabia. Como? A Assembleia Nacional deve tê-lo notificado por


cortesia. Eu me perguntei quem mais tinha recebido esse memorando.

— Sim, obrigada.

— Mel, leite, limão? —O Guardião ofereceu.

Ruby Fever
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— Puro, por favor.

O Guardião assentiu.

Michael reapareceu com uma bandeja com uma única xícara extra.
Ele colocou a xícara na minha frente, serviu chá preto de um bule, deixou
a bandeja na mesa e deu três passos para trás.

Bebi meu chá. Muito bom e cheirava a baunilha. — Delicioso.

— Estou feliz que tenha gostado.

Essa conversa teria que ser estruturada com muito cuidado. Eu não
poderia obrigar o Gabinete do Diretor a algo que não pudesse honrar. Se
o Guardião de Registros pedisse algo em troca da informação, eu
precisava ter certeza de que poderíamos oferecer. Tornar-se inimigo do
Escritório de Registros não era uma opção.

— Tenho dois pedidos, um para informação pública e outro que exige


discrição. O Gabinete do Guardião ficaria grato por qualquer assistência.

Os olhos do Guardião brilharam por um momento, como se


estivessem iluminados por dentro. — O Escritório de Registros sempre dá
boas-vindas a uma oportunidade de receber um favor do Gabinete do
Diretor, não é, Michael?

Michael olhou diretamente para mim e foi como ser avistado pela
mira de um rifle.

— Por favor, faça suas perguntas, —o Guardião convidou.

Ruby Fever
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— Kaylee Cabera já realizou os testes?

— Não.

— Ela realizou algum teste preliminar?

— Sim.

Agora estávamos em uma área cinzenta. Os testes ocorriam diante de


testemunhas. Os resultados dos testes definitivos eram públicos. A
natureza da magia de alguém poderia ser secreta, mas não a classificação.
Já os resultados dos testes preliminares poderiam permanecer privados.
Eram somente treinos não oficiais e seriam publicados apenas se a família
quisesse que fossem.

Se eu perguntasse especificamente sobre a classificação de Kayee, o


Guardião poderia me dizer, mas o custo dessa informação seria alto. Eu
precisava diminuir o tamanho do nosso favor.

— Com base nesses testes preliminares, o Escritório de Registros


espera que Kaylee Cabera seja certificada como Superiora?

O Guardião parecia um lobo. — Seria necessário um milagre ou um


crime contra a humanidade.

Administrar o soro de Osíris sem autorização constituía um crime


contra a humanidade. Ele apenas confirmou minhas suspeitas. Kaylee
nasceu com poderes insignificantes e sua mãe procurou Arkan para fazer

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de sua filha uma Superiora. É por isso que Kaylee não era treinada. É por
isso que a magia dela era estranha.

Peguei meu telefone, puxei uma foto do rosto arruinado de Pete e


coloquei o telefone sobre a mesa.

— O Escritório de Registros sabe que tipo de mago pode causar esse


tipo de dano?

O Guardião olhou para o telefone. — Sempre gostei de Pete. Que


pena. Isso foi feito por um Mentamaleus.

— Um Martelador de Mentes?

O Guardião assentiu. — Eles são mais comumente conhecidos como


falsos Aliciônicos, o que não é estritamente preciso. Os falsos Aliciônicos
não são um galho retorcido que cresce da árvore aliciônica, ao contrário,
são dois troncos separados que crescem da mesma raiz.

— Como eles diferem?

— A magia Aliciônica ataca certas áreas do cérebro, —disse o


Guardião. — Especificamente, a amígdala , que avalia as ameaças
ambientais, e o hipotálamo , que tem o poder de desencadear a produção

Amígdalas celebrais, são grupos de neurônios localizados nas profundidades do lobo temporal (lateral). São pequenas, têm forma
de amêndoa e fazem parte do sistema límbico, processando as emoções.

O hipotálamo coordena a maior parte das funções endócrinas, exercendo ação direta sobre a hipófise e indireta sobre
outras glândulas como adrenais, gônadas sexuais, tireoide e mamárias. Também age sobre a regulação da temperatura, apetite, sede, ciclo do sono
e sistema nervoso autônomo.

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de hormônios de resposta ao estresse. Em vez de iniciar a produção de


cortisol e adrenalina, que nos permitem responder rapidamente às
ameaças, o hipotálamo afetado envia sinais para a produção de dopamina
e ocitocina, fazendo com que seu alvo entre em um estupor feliz e
relaxado. O dano causado pelos Aliciônicos é temporário e seu poder é
baseado em esforço.

— Significa que eles conscientemente exercem um esforço para


induzir a calma?

— Precisamente. —O Guardião assentiu. — A magia de um falso


Aliciônico também ataca a amígdala e o hipotálamo, mas atinge
principalmente o córtex frontal e, em vez de desencadear respostas
hormonais, danifica permanentemente a estrutura física do cérebro. O
ataque é realizado mentalmente, mas se for bem-sucedido, o dano à mente
é espelhado pelo trauma físico no cérebro. Os resultados são
previsivelmente horríveis.

A memória de ser atingida pela magia de Kaylee ainda estava fresca.


‘Goste de mim. Goste de mim.’

— É baseado na emoção?

O Guardião sorriu. — Sim. Totalmente. Um Aliciônico é calmo e


lógico. Um falso Aliciônico é uma criatura instável que se lança em seu
ataque com a paixão de uma criança chateada. Eles se perdem

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completamente, são alimentados por suas emoções e causam danos


irreparáveis. Como verdadeiros Aliciônicos, eles podem induzir um
estado temporário de euforia, mas no final, sua vítima perde a maior parte
de suas habilidades cognitivas.

Quando eu pensei que Kaylee estava tentando transformar


Alessandro em um idiota feliz, eu não tinha ideia de quão preciso esse
pensamento tinha sido.

O Guardião tocou a imagem em meu telefone suavemente. — No


caso de Pete, a emoção dominante era raiva ou ódio. A intensão principal
por trás da indução mental foi muito simples.

— Matar?

— Sim.

E o agente Wahl? — E se alguém foi atingido de raspão por um ataque


de um falso Aliciônico? Há alguma esperança de recuperação?

— Sim. Como todos os usuários de magia, os falsos Aliciônicos


variam em poder. Se o alvo acidental permaneceu coerente após o ataque,
o dano provavelmente é pequeno. É como tocar um fogão quente. Quanto
mais tempo se manter a mão no fogo, mais grave será a queimadura.

Soltei um suspiro. Wahl ainda estava coerente. Estava feliz e


sorridente, mas coerente.

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— Falsos Aliciônicos são notoriamente imprevisíveis, —disse o


Guardião. — Há um punhado de Casas que ainda praticam essa magia,
mas seus membros passam por um condicionamento mental muito
rigoroso desde cedo. É um dos poucos tipos de magia considerados
indesejáveis devido à dificuldade de controlá-lo. A maioria das famílias
tomou medidas para extinguir isso de sua linhagem.

Então Kaylee despertou como uma Mentamaleus e Luciana escondeu


isso a qualquer custo até que pudesse treinar sua filha. Os Caberas eram
uma Casa de não combatentes. Kaylee poderia ser vista como um
benefício a ser controlado ou um grande problema, dependendo de como
o resto dos parentes a aceitasse.

Eu agora poderia dizer com 100% de certeza que Kaylee matou Pete
e provavelmente atacou Linus. O ataque foi quase requintado: primeiro,
Luciana deixou todos tranquilos e à vontade com seus poderes alciônicos e
depois sua filha teria esmagado as mentes de suas vítimas. Exceto que Linus
era um Sirene. A magia dele o avisou do perigo que corria.

Eu ainda não entendia como Kaylee havia escapado dos canhões de


Linus. Mas descobriria isso antes do fim.

Agora eu sabia quem e quando. Ainda não sabia o porquê. Arkan


ordenou que elas fizessem isso e depois matou Luciana como queima de
arquivo? Ou a morte dela foi por outro motivo? Eu teria que descobrir isso
sozinha.

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212

Restavam apenas alguns pontos a esclarecer.

— Hipoteticamente falando, —eu disse, — se uma família produziu


Aliciônicos e apenas Aliciônicos por mais de quatro gerações, por que
uma aplicação repetida do soro de Osíris resultaria no despertar de um
Mentamaleus?

O Guardião se inclinou para trás. — Michael, o Fata Magum, por


favor.

Michael pegou uma caixa de uma prateleira, a levou ao Guardião e


retomou seu posto a três passos de distância. O Guardião abriu a caixa de
madeira ornamentada e tirou um pequeno dado de seis lados, vermelho
como sangue cristalizado. Letras gregas foram esculpidas no dado e
preenchidas com marfim, uma letra em cada lado.

O Guardião o ergueu contra a luz e o dado brilhou. Um rubi?

— O Destino do Mago. —O Guardião me mostrou um lado com a


letra grega Z. — Zeta. Sacrifício.

Ele virou o dado para mostrar um lado diferente. — Beta. Demônio.

Outro lado. — Lambda. Crescimento. Um dos três destinos


aguardavam aqueles que arriscaram a tomar soro. Morte, distorção ou
poder.

Alfabeto Grego

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213

Aqueles que tomaram o soro morreram, foram deformados por ele ou


ganharam magia, da qual adquiriram riqueza e poder.

O Guardião estendeu o dado para mim.

Estendi a mão e ele deixou o dado cair na minha palma. Seis lados,
três únicos símbolos, cada um se repetindo nas faces do dado duas vezes.

— Jogue o dado.

Eu deixei simplesmente o cubo frio e liso cair dos meus dedos. O dado
pousou na mesa, rolou e parou.

Zeta.

— Morte, —eu disse.

— Este dado foi esculpido em 1865, para a segunda onda dos


destinatários do Osíris, —disse o Guardião. — Inúmeros pretensos Magos
o seguraram em suas mãos e o rolaram exatamente como você fez antes
de tomar sua decisão final. Muitos deles desistiram depois de jogar o dado.

O dado brilhou sobre a mesa.

— Por que você acha que algumas pessoas morreram e outras não? —
O Guardião perguntou.

— Ninguém sabe. É magia, não ciência.

— Mas se tivesse que arriscar um palpite ...

Ruby Fever
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214

Eu tinha lido alguns livros sobre Teorias da Magia, mas a maior parte
da minha leitura atual se concentrava em aplicações práticas. — Existem
cinco teorias principais, a maioria delas concordando que o soro mata
aqueles sem poderes mágicos ocultos. Vários fatores foram considerados,
como dieta, exposição à pandemia de gripe e assim por diante. Os registros
daquela época são compreensivelmente obscuros ...

O Guardião levantou a mão e eu fiquei em silêncio.

— Sim, mas você é uma Superiora, o posto mais alto de um usuário


de magia, que usa seu poder desde quando nasceu. Quero saber o que você
pensa.

— Acho que nos três casos o soro Osiris faz exatamente o que foi
projetado para fazer. Ele procura por habilidades ocultas e possibilita que
elas se manifestem. Ao contrário do que poderíamos pensar, aqueles que
morrem não são os que não possuem nenhum tipo de magia, são aqueles
que possuem magia muito poderosa ou muito destrutiva, e seus corpos
físicos não conseguem lidar com tanto poder. O mesmo acontece com
aqueles que se deformam. A magia os torce porque o poder deles é grande
demais para ser contido. Talvez aqueles que sobrevivam intactos e se
tornam magos não sejam os mais fortes, mas os mais fracos. Ninguém
pode prever o que o dado vai mostrar.

O Guardião sorriu. — Exatamente.

Ruby Fever
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Senti como se tivesse acabado de passar em um teste.

— Se aplicarmos sua teoria a alguém que nasceu sem poder, apesar de


sua linhagem, e optar por jogar o dado, o que o soro irá fazer? O sujeito
tem a magia de sua família, mas seu corpo físico seria incompatível com
ela. Assim, o soro procura procurar algo além dessa magia familiar, algum
traço oculto de outros talentos, de outras linhagens doadas ao sujeito por
gerações anteriores. Normalmente esses talentos seriam fracos demais
para se expressar, mas com a aplicação secundária do soro faria esses
talentos subir à superfície.

Então, havia um talento oculto de magia de falso Aliciônico


escondido em algum lugar na linhagem de Kaylee, fraco demais para se
manifestar sem o impulso do soro de Osíris. Os dois tipos de magia
estavam intimamente relacionadas. Não seria inesperado se em algum
momento houve um casamento que resultou em uma prole com
propensão para ambos os talentos. A família Cabera pode ter passado
gerações sem saber disso.

Fazia sentido. Minhas irmãs e eu tínhamos os mesmos pais. Eu


carregava traços hereditários dos poderes de Arabella e Nevada. Daqui a
dez gerações, um dos meus descendentes diretos pode se manifestar como
um Buscador da Verdade e nunca saber como isso foi possível. É por isso
que os bancos de dados genéticos, que monitoram as linhagens mágicas,
ganhavam muito dinheiro.

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— Gostei do jeito que jogou o dado, —disse o Guardião. — Você não


soprou nele, não sacudiu ou o fez rolar para longe. Simplesmente deixou
cair. Jogar esse dado e aceitar as consequências é uma escolha que
nenhum de nós nesta sala teve que fazer. Nossos ancestrais fizeram isso
para nós e pagaram um alto preço por isso. Honramos a bravura deles
cumprindo os acordos que eles criaram. A proibição do uso não
autorizado do soro é um pacto. Os acordos devem ser mantidos a qualquer
custo. Aqueles de nós que entendem esse fato consideram nossos deveres
sagrados. Não toleramos nenhuma interferência, não é, Michael?

— Não, não toleremos, —disse Michael.

As portas do elevador se fecharam e a cabine nos levou para baixo.


— Não vamos fazer isso de novo, —mamãe murmurou.

— Concordo, —disse Cornelius.

— Pensei que você ficaria no saguão, —murmurei de volta.

— Eu tentei. O Guardião veio e me pegou pessoalmente.

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Uma audiência com o Guardião não era difícil de conseguir, mas eu


não conseguia pensar em nenhuma ocasião em que ele tivesse se dado ao
trabalho de ir pessoalmente até o saguão e convidar alguém para seu
escritório.

‘Aqueles de nós que entendem esse fato consideram nossos deveres


sagrados.’

Como o Escritório de Registros, O Gabinete do Guardião guardava a


ordem social atual. Ambas as instituições tinham que ser incorruptíveis,
porque protegíamos os fundamentos de nossa sociedade. Por mais
distorcido e disfuncional que fosse, era melhor do que o vale-tudo, onde
os mais fortes governavam sem limitações. Nós tentamos isso durante a
Época dos Horrores, e quase acabou com a humanidade.

O Guardião me via como uma espécie de colega de trabalho, alguém


que, como ele, se colocava entre a ordem e o caos. Ele tratou a mim e
minha mãe com cortesia. Infelizmente, cortesia não significava ajuda.

Se fôssemos atacados no estacionamento em frente ao prédio, o


Guardião e seu ajudante assustador não levantariam um dedo para nos
ajudar.

Chegamos ao saguão e pegamos nossas armas e Gus. Entreguei o


Rattler para mamãe. Ela verificou a arma, e caminhamos juntos até a
entrada de vidro.

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Já passava das oito. O sol estava começando a se pôr, e o mundo


começava a escurecer. Penumbra cobria o estacionamento. Postes de
metal seis metros de altura, com quatro lâmpadas em cada um,
acenderam, inundando o estacionamento com luz elétrica brilhante.

— Fiquem aqui, —eu disse a eles. — Vou pegar o carro e buscá-los.

Eu podia ver o cálculo nos olhos de mamãe. Eu chegaria mais rápido


à proteção do carro blindado sozinha. Ela só iria me atrasar e Cornelius e
Gus apresentariam alvos extras.

— Vá, —disse ela. — Eu vou te cobrir.

Saí pelas portas e corri pelo estacionamento. Mamãe e Cornelius


saíram do saguão, perto o suficiente da porta para voltarem, e se
esconderem se precisassem.

O estacionamento se estendia à minha frente. Continuei andando,


fazendo um rápido inventário dos outros carros. Sete ou oito SUVs, vários
caminhões, alguns sedãs, sem dúvida alguns blindados. Havia ainda
muitos veículos apesar do horário. Ao longe, a uns bons cem metros de
Rhino, alguém havia estacionado um food truck pintado de um verde-
limão medonho com letras laranjas prometendo ‘tacos flamejantes’. Ali

Food truck é um veículo que transporta e vende comida. Alguns, como caminhões de sorvete, vendem congelados
ou pré-embalados; outros se assemelham a restaurantes sobre rodas. Alguns servem refeições específicas, como, por exemplo, tacos, kebab,
hambúrguer e comida chinesa.

Ruby Fever
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era um lugar ruim para deixar um food truck. Se eles não o movessem,
roubariam de madrugada.

Rhino apareceu na minha frente. Agarrei a maçaneta da porta, abri e


sentei no banco do motorista. Fechei a porta, colocando uma blindagem
balística B7 entre mim e o mundo lá fora, e me preparei.

Nada.

Liguei o motor. Ele rugiu, tranquilizadoramente estável. Eu dei a ré e


dirigi em direção à entrada. Mamãe e Cornelius se moveram em minha
direção.

Parei do lado de fora da linha vermelha que marcava a zona de


matança ao redor do prédio. Um segundo se passou e as portas se abriram,
e então mamãe, Cornelius e Gus entraram no carro. Soltei a respiração
que não sabia que estava segurando e virei à esquerda, entrando na
próxima fileira, descendo por um corredor de carros estacionados em
direção ao estacionamento da Arena de Testes. Eu demoraria mais ou
menos um minuto para sair do estacionamento. Assim que virasse à
esquerda na Antiga Trilha Espanhola, poderia me misturar com o tráfego.

O Food Truck de tacos voou pelo ar.

Meu cérebro se recusou a processar imediatamente o que meus olhos


estavam vendo.

Ruby Fever
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O Food Truck voou em nossa direção como se alguém tivesse o


arremessado com um bastão gigante. Era como um filme.

Food Truck. Propano . Explosão.

Estávamos presos entre duas filas de carros.

Eu girei o volante à minha esquerda. Rhino bateu em um Honda


vermelho. O impacto nos empurrou para frente.

O Food Truck de tacos passou voando.

— Saiam! —Mamãe ordenou.

Saímos do carro. Eu me agachei ao lado do Rhino. Com o canto do


olho, vi o Food Truck parar no ar como se tivesse atingido uma parede
invisível. O veículo girou em seu próprio eixo no ar.

Corri pela fila de carros, me agachando atrás deles enquanto corria.

O Food Truck colidiu com Rhino. O mundo explodiu. A onda de


choque me pegou e me jogou para a direita, me fazendo chocar contra
uma picape branca. O barulho da explosão golpeou meus ouvidos. Minha
cabeça girou. Eu me virei, tentando limpar os redemoinhos transparentes
na frente dos meus olhos.

Uma bola de fogo laranja engoliu Rhino. Vovó Frida não ia gostar
disso. Nem um pouco.

O propano é o principal componente do gás de cozinha.

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Meus ouvidos pararam de zumbir.

A picape deslizou, saindo da minha frente. Corri para a esquerda,


atravessei as vagas, me agachei atrás de um carro preto e continuei
andando meio agachada em direção ao Rhino e os destroços em chamas.

Tinha que ser Xavier. O talento dele dependia da visão. Ele devia estar
escondido atrás do Food Truck e agora estava vasculhando os carros,
empurrando-os para fora do caminho tentando me encontrar.

Levantei-me de um salto, corri de volta para a entrada e me agachei


atrás de uma caminhonete branca. Eu me pressionei contra o veículo, me
aproximei da traseira e espiei por cima da carroceria.

No final do estacionamento, Xavier estava de pé, os braços erguidos


em uma pose de mago, cotovelos dobrados, palmas das mãos embalando
esferas de energia do tamanho de bolas de basquete. O chão ao redor dos
pés dele brilhava com luz branca. Xavier havia estabelecido um círculo
arcano. Um par de protetores de ouvido protegia os ouvidos dele. Ele veio
preparado.

Connor com um simples círculo de amplificação poderia jogar um


ônibus urbano como um frisbee. Xavier tinha menos controle, mas tinha
quase tanto poder quanto Connor e meu canto de sereia não o alcançaria.
Ele não seria capaz de me escutar.

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Arrisquei uma segunda olhada. Outro homem estava ao lado de


Xavier, alto, esguio, com cabelo loiro claro caindo em sua testa, protetores
de ouvido idênticos protegendo-o da minha magia. Dag Gunderson.

Como ele veio parar aqui? Onde estava Alessandro? Será que estava
morto?

Gunderson estava dentro de um outro círculo, uma luz rosa escura


brilhava aos seus pés. O brilho se intensificou, iluminando um caixote de
madeira atrás deles, e se estabeleceu em um brilho constante.

Alessandro não podia estar morto. Seria preciso muito mais do que
Gunderson para matá-lo. Agarrei-me a esse pensamento e o usei como um
salva-vidas para não ser arrastada para o pânico.

Gunderson empurrou os braços para frente e se esticou, como se


tentasse levantar um peso enorme.

Minha magia espiralou para eles. Sem poder usar a minha voz,
minhas asas teriam que ser a minha próxima aposta. Mas encantar apenas
usando minhas asas levaria tempo. Xavier me atacaria no momento em
que me visse. Sem mencionar que eles estavam muito longe, e a distância
era um fator.

Gunderson rosnou, as veias no pescoço dele saltaram. O círculo


arcano se destacou do chão, inclinou-se de lado e pairou no ar vazio seis
metros acima do asfalto como uma tela de magia.

Ruby Fever
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223

Que diabos ...

Madeira rachou. A caixa atrás de Xavier se abriu e uma nuvem de


projéteis subiu no ar.

Ah, maravilha, Xavier trouxe os brinquedinhos dele.

Abri a boca e cantei. Minha magia serpenteava pelo estacionamento


e envolvia as mentes deles, mas eu não conseguia entrar. Cantei mais alto,
derramando poder em minha voz.

Nenhum efeito. Era como tentar agarrar uma bola de canhão


mergulhada em um barril de óleo, pesado e escorregadio. Os tentáculos da
minha magia deslizavam pelas superfícies das mentes dele.

Os projéteis dispararam para frente, cortando a tela arcana de


Gunderson e se transformando em faíscas rosas brilhantes. A chuva de
faíscas mágicas se derramou sobre os carros como uma tempestade de
flechas lançadas por um antigo exército.

Gunderson estava alimentando de energia arcana os projéteis de


Xavier quando esses passavam por dentro da tela arcana.

Uma faísca perfurou a caçamba da caminhonete ao meu lado.


Vislumbrei uma ponteira de aço de 20 centímetros, revestida com um

Ponteira de aço

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brilho rosa e mergulhei para o lado. A ponteira detonou com um rugido.


A magia estalou acima da minha cabeça. Olhei para trás. A caçamba da
caminhonete era agora uma bagunça de metal retorcido, como uma lata
de alumínio que explodiu de dentro para fora. Ao meu redor havia buracos
nos carros. Detritos de metal cobriam o estacionamento.

Mover carros de um lado para o outro tentando nos encontrar teria


exigido muita energia. Em vez disso, eles transformaram os carros em
bombas de estilhaços.

Empurrei mais forte com meu poder, forçando tudo que eu tinha. Os
tentáculos da minha magia tinham enrolado tão firmemente em torno de
Gunderson e Xavier que eu mal podia ver o brilho deles em minha mente.
Nada aconteceu. Eu não tinha como entrar na mente deles.

Nunca me senti tão inútil.

Um som triste subiu ao céu atrás de mim, uma canção sem palavras,
cantada por uma bela voz masculina. O som alcançou meu peito, agarrou
meu coração em seu punho e o apertou. O mundo ficou branco em um
torpor. Eu ofeguei a procura de ar.

Cornelius estava cantando.

Oh querido Deus.

A música atingiu seu auge e morreu.

Ruby Fever
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225

Minha magia ainda estava envolvendo os dois atacantes. Eu me


concentrei nela, empurrando o mais forte que pude. O mundo desvaneceu-
se, seus sons entorpecidos, enquanto toda a minha energia invadia as duas
mentes.

Uma segunda enxurrada de ponteiras rasgou os carros. A magia


estalou ao meu redor, relâmpagos rosas dançando sobre as caminhonetes
e SUVs. Explosões estouraram como fogos de artifício descontrolados.
Algo quente bateu na minha cabeça, e um pedaço de um espelho lateral
rolou de mim para o chão.

Eu mal notei. Meus tentáculos mágicos pulsavam e pulsavam, sem


nenhuma maneira de entrar nas mentes dos dois homens. Se eu não
conseguisse atacá-los, morreríamos neste estacionamento.

Terceira enxurrada. Algo picou minhas pernas.

Eu tinha que fazer alguma coisa, ou não sairíamos daqui vivos. Eu


tinha que arriscar usar minhas asas.

Arrastei-me para frente e olhei ao redor do pneu traseiro. Xavier


estava mirando outra enxurrada de ponteiras para a tela arcana de
Gunderson.

O som de um rápido disparo de uma submetralhadora Rattler se


espalhou pela noite. Mamãe estava devolvendo fogo.

Ruby Fever
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226

Gunderson deu um pulo para trás e cambaleou para a direita,


agarrando seu ombro. A tela arcana desapareceu no ar.

Apertei as mentes dos dois atacantes com tudo que eu tinha. Nunca
desejei poderes Tremaine, mas agora eu trocaria dez anos da minha vida
por apenas uma explosão da magia quebradora de cérebros da minha avó.

Xavier mostrou os dentes. Os veículos à sua frente deslizaram,


empurrados para trás como carrinhos em miniaturas, chutados por uma
criança mimada. Um enorme Tahoe na extremidade oposta da fileira
guinchou e rolou para a direita. Mamãe pulou de pé, atirando. Um pneu
em chamas atravessou o estacionamento e se chocou contra ela. Mamãe
voou para trás e colidiu com um SUV azul.

Mamãe!

Eu soltei meu controle sobre as mentes dos dois homens, e o mundo


cambaleou, minha mente incapaz de se ajustar.

Minha mãe estava bem ali, a céu aberto, contra o carro. As ponteiras
de Xavier martelaram o metal ao redor dela. Mamãe gritou, um som curto
e gutural.

Eu corri para o espaço aberto.

Uma nuvem de morcegos desceu do céu, fervilhando entre nós e


Xavier. A magia estalou e as ponteiras afundaram na nuvem de morcegos.
Pequenos corpos peludos caíram no chão.

Ruby Fever
Livro 6
227

Eu corri para mamãe. Ela cedeu contra o SUV e grunhiu. Escorreguei


em cacos de vidro, me segurei na lateral de carro e aterrissei ao lado dela.
— Temos que sair daqui ...

Uma ponteira de meio metro se projetava da coxa direita de mamãe,


prendendo-a ao SUV. Sangue encharcou a perna dela, espalhando pelo
seu jeans. Suas mãos estavam vermelhas.

Agarrei a ponteira e puxei. Não se moveu.

— Deixe-me aqui, —mamãe rosnou.

Minhas mãos escorregaram no sangue da minha mãe. Agarrei minha


camisa, a enrolei ao redor da ponteira e puxei com tudo o que tinha.

— Eu disse para me deixar aqui!

Cornelius surgiu ao redor do carro. Ele viu a ponteira.

— Não consigo tirar! —Eu disse a ele.

Cornelius jogou a espingarda para mim e agarrou a ponteira. Os


músculos de seus antebraços incharam. Mamãe ofegou, sugando o ar.

A nuvem de morcegos havia diminuído e de longe, vi o brilho de outro


círculo arcano rosa deslizando para cima.

Cornelius plantou o pé no carro e puxou, as costas inchando, os


músculos do pescoço tensos.

— Deixem-me! Vão!

Ruby Fever
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228

Cornelius rosnou como um animal. Gus correu para perto de mim e


mostrou os dentes.

Eu tinha uma espingarda e um cachorro. Estávamos longe demais


para causar qualquer dano. No momento em que Xavier visse mamãe, ela
morreria, e Cornelius morreria com ela.

A magia rosa estalou.

A nuvem de morcegos se dispersou. Xavier sorria no brilho de seu


círculo, Gunderson ao lado dele, segurando o ombro com uma mão
ensanguentada. Seu rosto era uma máscara de dor. Um carro estava
suspenso no ar acima deles, pronto para voar e passar pela tela arcana de
Gunderson.

Aterrissaria em cima de mamãe e Cornelius e explodiria como uma


bomba. Eles morreriam. Em minha mente, vi o corpo sem vida da minha
mãe jogado no chão, Cornelius jogado ao lado dela, seus olhos azuis
vidrados e sem vida.

Não. Não!

Eu caminhei para o meio do estacionamento. Xavier me viu, seu


sorriso ficou mais brilhante.

Toda a minha frustração e medo explodiram dentro de mim,


queimando em fúria. Asas negras estouraram nas minhas costas, suas
bordas queimando com vermelho e eu gritei. Não foi uma canção. Não foi

Ruby Fever
Livro 6
229

nem mesmo um grito. Foi um guincho, um guincho terrível, agudo, que


cortava como vidro quebrado. A magia saiu de mim em uma torrente
escura, guiada pela minha voz como um laser e colidiu com os dois
homens. O círculo ao redor de Xavier se apagou como uma vela apagada
por um furacão. Os olhos de Gunderson rolaram para trás em sua cabeça.
Ele caiu de joelhos, lágrimas escorrendo pelo rosto. A tela arcana rosa
desapareceu.

Xavier cambaleou para trás, seu rosto pálido, e gritou. O carro


balançou no ar, dançando para frente e para trás.

O círculo ao redor de Xavier reacendeu. Isso o protegeria contra a


maior parte do meu grito. Ele tropeçou dentro do círculo e se recompôs
lentamente.

O prédio do Escritório de Registros estava bem atrás de mim.

Xavier era um covarde, e nada o assustava mais do que ter a mente


agarrada por mim.

‘Um Telecinético surpreendido quase sempre lança uma curva


catenária’.

Respirei fundo e abri minhas asas, minhas penas pretas eretas, suas
pontas brilhando em vermelho como brasas do inferno. Apontei meus
braços para ele e abri minha boca.

Olhe para mim! Estou prestes a gritar novamente. Olhe!

Ruby Fever
Livro 6
230

Xavier uivou. O carro mergulhou e voou em minha direção a uma


velocidade insana. Ele mal tinha mirado, e o carro estava vindo muito
rápido e descontrolado. O medo de que eu conseguisse agarrar a mente
dele fez ele agir impulsivamente, como se tentasse se livrar de uma barata
voadora prestes a pousar no rosto dele.

Eu me abaixei no chão. O carro passou por cima da minha cabeça, fez


uma curva para cima em sua trajetória e atravessou o estacionamento,
voando em um arco, e colidiu com o prédio do Escritório do Guardião de
Registros, três andares acima. O vidro escuro explodiu. O carro
desapareceu no prédio, deixando um buraco negro irregular.

Obrigada, Connor.

A escuridão ferveu no buraco, como os tentáculos de alguma grande


besta de pesadelo. Michael emergiu de dentro e parou na beira do buraco.
Um raio azul, escuro demais para ser natural, bifurcou-se atrás dele.

Xavier deu um passo para trás. Gunderson permaneceu de joelhos,


alheio, por causa do efeito da minha magia. O brilho da mente de
Gunderson se foi, sua magia se foi.

A escuridão se espalhou para fora do buraco, atravessando o


estacionamento em correntezas negras e sinuosas.

As luzes da rua piscaram e se apagaram uma a uma.

Ruby Fever
Livro 6
231

As correntezas passaram acima de nós, e eu senti sua magia. Era


horrível e voraz. Desejando, necessitando, procurando sua presa. Gus
ganiu ao meu lado, encolhendo-se. Envolvi meus braços ao redor do
cachorro, tentando protegê-lo. Se a escuridão nos quisesse, ela nos levaria.
Não havia nada que eu pudesse fazer contra ela. Eu não conseguia nem
começar a entender como lutar contra isso.

Michael olhou para Xavier. As correntezas giraram em direção ao


Telecinético.

O círculo em torno de Xavier se apagou. Ele girou e correu para longe,


correndo para salvar sua vida.

As correntezas morderam Gunderson como cobras atacando. O


homem não fez nenhum movimento para fugir. Não havia consciência
suficiente nele para reconhecer o perigo. As correntezas chicotearam em
torno dele e subiram aos céus.

Uma escultura em forma de homem ajoelhado, feita de poeira cinza,


apareceu no lugar onde Gunderson estava. A escultura desmoronou e se
espalhou em nada.

A escuridão se voltou para Xavier. Ele estava quase no final do


estacionamento. As correntezas dispararam em sua direção, perseguindo-
o como uma coisa viva, indiferente e faminta.

Xavier montou em uma moto na borda do estacionamento.

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A escuridão estava quase nele. O último conjunto de lâmpadas


morreu.

O motor da moto rugiu, e Xavier saiu do estacionamento a uma


velocidade imprudente.

A escuridão rodou na borda do estacionamento, se chocando em


limite invisível, e voltou para o prédio, retraída como se sugada de volta.
Ela se agitou em torno de Michael e escorregou atrás dele.

Michael olhou para mim. O poder em seu olhar me agarrou. Eu não


sabia se era um olhar de aviso, de exasperação ou um ‘não há de quê’. Eu
simplesmente não conseguia me mover.

Ele se virou e desapareceu de volta no prédio

Sentei-me em uma pequena sala de espera privada dentro do pronto-


socorro. Gus estava deitado aos meus pés. Cornelius levou um pedaço de
estilhaço nas costas enquanto puxava a ponteira na perna de mamãe, e o
pessoal do pronto-socorro se recusou a permitir que o Doberman entrasse
na sala com ele.

Ruby Fever
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233

Assim que Michael desapareceu, tiramos a ponteira. Cornelius pegou


minha mãe e atravessamos a rua correndo para o Hospital da Mulher. Eles
pegaram mamãe primeiro, então Cornelius alguns segundos depois.
Liguei para casa do celular de emergência de Arabella. A chamada se
conectou e eu dei a eles um resumo de trinta segundos. Isso foi todo o
tempo que tive antes da equipe médica me agarrar e quase me arrastar para
o ambulatório nos fundos. Eu nem cheguei a perguntar sobre Alessandro.

Em algum momento durante a luta, cacos de vidro perfuraram minhas


pernas. Minhas calças estavam em farrapos e minhas pernas estavam
encharcadas de sangue. Alguns centímetros mais fundo ou mais para o
lado, e eu teria sangrado até a morte naquele estacionamento. Fiquei ali
enquanto eles limpavam e irrigavam minhas feridas e rezei para que
Alessandro tivesse sobrevivido.

Eu não podia perdê-lo. Eu só ...

Eu tinha esse medo. Ele vivia dentro de mim como um pequeno


animal com garras afiadas, que se enterrou em minha alma desde que vi a
gravação de Arkan matando o pai de Alessandro. Eu sempre tive medo de
algo na minha vida, sou uma pessoa ansiosa, mas esse medo era uma fera
totalmente nova. Sempre que o nome de Arkan era mencionado, a fera
acordava de sua hibernação e me arranhava com suas garras afiadas e
quentes.

Ruby Fever
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234

Quando terminaram de remover o vidro da minha perna e me


costuraram, saí do ambulatório vestida só com a bata do hospital e
calcinha. Eu não poderia ficar ali. As paredes estavam se fechando. O
breve toque da magia de Michael ainda reverberava através de mim, como
se eu tivesse sido manchada por ele, e essa mancha estava agora
desaparecendo lentamente. Eu precisava ir para algum lugar ao ar livre,
onde pudesse ver as pessoas, então voltei para a sala de espera privada e a
encontrei vazia, exceto por Gus.

Quase morremos. Xavier poderia ter nos matado. Mamãe ficou ferida.
Cornelius ficou ferido. Foi um milagre que nós três sobrevivemos. Um eco
fantasmagórico da magia de Michael rodou ao meu redor. Eu me abracei,
tentando bani-lo. Eu estava no meu limite, e andei segurando todas as
minhas emoções em um punho apertado só com a força da minha vontade
por tanto tempo que elas estavam me sufocando.

Gus se levantou e colocou a cabeça na minha coxa. Olhei em seus


olhos castanhos e quase chorei.

Ainda não. Ainda não estávamos seguros.

A porta se abriu, e Alessandro entrou na sala. Sua expressão era


terrível. Parecia que mataria qualquer um que se metesse no seu caminho
e nem perceberia.

Eu abracei Gus. Se fosse um Mago Ilusionista, Gus saberia.

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Alessandro me viu e parou.

Nossos olhos se encontraram. Havia tantas coisas em seus olhos:


medo, fúria, alívio e amor. Não era um impostor.

Alessandro. Meu Alessandro.

Ele atravessou a distância entre nós em meio segundo, ficou na minha


frente e agarrou meus ombros.

— Está muito ferida?

Coloquei meus braços ao redor dele e enfiei meu rosto na curva de seu
pescoço. Sua pele parecia escaldante. Eu era uma Superiora e a Chefe de
uma Casa. Deveria manter a compostura, mas não tinha mais forças para
isso.

Alessandro me abraçou contra ele, seus braços fortes, mas seu aperto
cuidadoso.

— Catalina, fale comigo.

Eu não podia. Não tinha palavras para explicar. Pensei que ele tinha
morrido. Quase vi minha mãe morrer. Sentir tudo de uma vez: o poder
volátil de Xavier, impulsionado por puro ódio, a alegria perturbada de
Gunderson. A canção desesperada de Cornelius que me deu vontade de me
jogar no chão e chorar até secar os olhos, e, o pior de tudo, a escuridão
indescritível de Michael que ainda se agarrava a mim.

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Alessandro me beijou, seus lábios quentes nos meus, e me puxou para


mais perto. — Estou aqui. Você está segura agora. Sono qui con te , estou
aqui ...

Eu me apertei contra ele e segurei.

— Está tudo bem, —ele murmurou. — Está tudo bem, amor, está tudo
bem ...

Minha boca finalmente funcionou. — Pensei que estava morto. Achei


que Gunderson e Xavier tinham matado você.

— Nem em um milhão de anos. Não vou te deixar. Nunca te deixarei.

O medo me agarrou.

— Está tudo bem. Estou aqui ...

— Preciso ir para casa. Todos nós precisamos ir para casa.

— Nós vamos, angelo mio .

Minha mente finalmente começou a funcionar novamente, como um


moinho de água enferrujado forçado pela corrente a girar. — Konstantin
armou para nós.

— Eu sei.

— Há uma grande bagunça em frente ao Escritório de Registros.

I taliano: Eu estou aqui com você.


Italiano: Meu Anjo.

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— Leon está lidando com isso.

— A escolta de segurança da mamãe ...

— Nós os encontramos. Eles estão vivos e sendo tratados.

Alessandro me beijou novamente e me embalou em seus braços até


que Cornelius voltou e as enfermeiras trouxeram minha mãe em uma
cadeira.

Alessandro trouxe o Vault Bus .

Do lado de fora, o enorme veículo parecia um caminhão fortemente


blindado, mas por dentro, em vez de espaço de carga, o ônibus apresentava
duas fileiras de assentos ao longo das paredes, cada um com um cinto
individual. Podia acomodar vinte e cinco pessoas, se contasse os quatro
assentos na cabine. Também pesava mais de dezoito toneladas, quase o

Esta limusine blindada (Vault Bus) semelhante a Brinks é construída usando painéis balísticos térmicos e
compostos com classificação UL e janelas resistentes a balas, e oferece recursos de segurança como escotilhas de emergência duplas que funcionam
como clarabóias e portas duplas de armas de emergência para afastar invasores zumbis. Claro, ainda é uma limusine, então também oferece os luxos
apropriados, incluindo assentos para até 25 pessoas, um bar molhado em forma de L, uma variedade de telas LCD, um poderoso sistema estéreo e
até um retrátil, iluminado por neon pólo de "entretenimento"

Ruby Fever
Livro 6
238

mesmo que um ônibus de seis metros totalmente carregado. Até mesmo


Connor precisaria de um bom círculo de amplificação para tirá-lo da
estrada.

Assim que mamãe terminou de ser atendida, Alessandro e nossos


guardas nos colocaram no ônibus e partimos.

Eu me acomodei com Alessandro na cabine enquanto um de nossos


guardas dirigia.

A noite do lado de fora de nossas janelas estava muito escura.


Profunda e sufocante apesar das luzes da rua e do brilho das fachadas e
vitrines.

Alessandro pegou minha mão. Eu o segurei. Ficamos em silêncio por


um longo tempo.

— Fale comigo, —ele disse finalmente.

— Foi minha culpa.

Ele ergueu as sobrancelhas.

— Eu deveria ter lhe contado sobre Konstantin assim que aconteceu.


—Alessandro saberia instantaneamente de quem era o rosto que
Konstantin estava usando e teria antecipado a tempestade de merda que
se seguiria.

— Falhei nisso, eu deveria ter identificado o disfarce de Konstantin.


Deveria ter sido mais inteligente.

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— Você estava no meio de um interrogatório com um Mago Mental


instável. Eu, por outro lado, a abandonei e saí para fazer uma missão
política. Se tivesse ficado, o resultado desta noite teria sido muito
diferente.

— O que aconteceu?

Alessandro balançou sua cabeça. — Fomos à escola. Gunderson


desapareceu misteriosamente, depois reapareceu em uma agência dos
correios. Nós fomos até lá. Ele desapareceu novamente. Então o viram a
meio quilômetro de distância. Mais uma vez, chegamos tarde demais.
Verifiquei as imagens de vigilância nos correios. A câmera deveria ter o
capturado de acordo com as testemunhas oculares, mas não capturou.
Percebi que estava perseguindo um Mago Ilusionista, e pelo jeito um com
pouco poder.

Um Superior teria aparecido nas imagens de segurança com o rosto


da pessoa que ele estava imitando, mas um mago de nível inferior não
tinha poder suficiente.

— Tentei ligar para você, mas só caía no correio de voz. Então tentei
os telefones do Complexo, e as chamadas não foram completadas. Peguei
emprestado o telefone de Matt e liguei para o Complexo novamente.
Nenhuma resposta. Liguei para a casa de Linus, depois para Bern ... —
Ele encolheu os ombros. — Finalmente, me toquei que algo estava errado.

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Desliguei o telefone e corri para casa. Eu estava entrando na garagem


quando você ligou do pronto-socorro.

— Arkan chegou a Gunderson? —Imaginei.

— Provavelmente. Nada em nossos registros sobre Gunderson ou


Arkan mostra uma ligação entre os dois. Arkan viu uma oportunidade, e
Xavier deve ter providenciado o encontro. A maneira como Gunderson
saiu da prisão sugere uma interferência telecinética.

— Bern restaurou os telefones?

— Parcialmente. O telefone fixo do Complexo já está funcionando.


Ele ainda estava trabalhando no sistema quando saí. Leon chegou em casa
na mesma hora que eu. Os agentes do FBI foram atingidos no caminho da
casa de Cabera para o escritório deles.

Caramba. — Leon está ferido?

— Ele disse que não.

Conhecendo Leon, isso não significava nada. Seu braço poderia ser
cortado e ele diria que estava ‘bem’.

— Wahl e Garcia estão bem?

— Estão vivos, mas de acordo com Leon, ‘não estão felizes’.

Merda. — Por que atacaram os agentes do FBI?

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241

Alessandro me deu um olhar sombrio. — Arkan está tentando cortar


o acesso a Smirnov.

— Mas Arkan não tem como ter certeza se o FBI sabe de alguma
coisa. Ele tentou matá-los só por precaução?

— Esse seria meu palpite.

— Eles são agentes federais. Arkan não me parece um homem


estúpido.

— Smirnov deve saber de algo muito importante. Algo tão importante


que Arkan está desesperado para silenciá-lo.

Eu olhei para ele. — O que poderia ser?

— Talvez algo que diz respeito a Konstantin. Estou seguindo um


rastro de migalhas de pão. —Alessandro me encarou. — Catalina, eu
prometo que vou descobrir.

— Eu sei.

Eu me inclinei para trás em meu assento. Fomos atingidos em todas


as frentes. E a responsabilidade era toda minha.

— Culpar a si mesma é a saída mais fácil, —disse Alessandro. —


Difícil mesmo é elaborar um plano.

Eu sabia que ele não era telepático, mas às vezes eu tinha minhas
dúvidas.

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— Fui desleixada.

— Fomos. Nós todos fomos. Por acaso você entende como funciona a
segurança cibernética? Poderia escrever um código para lidar com uma
violação de segurança da rede?

— Não.

— Esse é o trabalho de Bern. Um trabalho em que ele é muito bom.


Eu tinha um trabalho ainda mais simples, uma única missão: proteger a
Guardiã Interina. Deixei a missão de lado porque julguei que fazer um favor
a Lenora Jordan seria do interesse de nossa Casa. Você não pode gerenciar
tudo. Precisa delegar. E fez isso. Todos nós sabíamos o que tínhamos que
fazer. Fomos desleixados.

— Não vai acontecer de novo. —Eu cerrei os dentes. A magia se


agitou dentro de mim. Normalmente era como um gêiser de água límpida
borbulhando na superfície toda vez que eu levantava a tampa. Desta vez
parecia diferente. Parecia vingativa. Viciosa.

Alessandro se inclinou, limpou uma lágrima do meu rosto, pegou


minha mão e a beijou.

— Não estou triste, —eu disse a ele.

— Eu sei. Está chorando porque está com raiva.

Eu me inclinei contra ele. — Você está com raiva?

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243

Faíscas alaranjadas brilharam em seus olhos. Ele passou o braço em


volta dos meus ombros e me apertou contra ele. Sua magia nos envolveu,
violenta e carregada de poder. Não parecia raiva. Parecia ira.

— Muito, —disse ele.

Deitei minha cabeça em seu ombro. — Bom. Então vamos ficar com
raiva juntos.

A encosta ao redor do Complexo estava cheia de grandes buracos, como


se alguém tivesse jogado um punhado de granadas. Um destroço de metal
esmagado, que poderia ter sido um veículo, fumegava em um lado da
estrada. Do outro lado, três outros destroços, amassados e esmagados
como latas de refrigerantes descartadas, formavam uma instalação de arte
moderna dedicada à guerra entre as Casas—um de lado, um de cabeça
para baixo e um terceiro rasgado ao meio. Arabella deve ter ficado furiosa.
Parece que havia muito desse sentimento circulando entre nós
ultimamente.

Patricia nos encontrou na casa principal, ladeada por uma equipe


médica e minha irmã mais nova. No momento em que as portas do ônibus
se abriram, Arabella saltou para dentro.

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— Mamãe!

— Estou bem, —respondeu mamãe. — Não foi nada. Não se assuste.

— Você cheira a sangue e fumaça!

Virei-me para Patrícia. — Vítimas?

— Nenhum do nosso lado. —Ela se virou e apontou para a esquerda.

Uma fileira de corpos jazia no chão, selados em sacos plásticos para


cadáveres. Um, dois ... Nove. Um enorme porrete de metal, coberto de
manchas escuras, repousava ao lado deles. Connor o tinha dado a Arabella
em seu aniversário de dezoito anos. Isso explicava os veículos amassados.
Bom. Eu estava com medo de que ela pudesse ter pisado neles. A última
vez que Arabella fez uma farra, cortou seu pé de monstro, e depois que
voltou à forma humana, tivemos um dia de luta para fazê-la tomar a
vacina contra o tétano.

— Arkan implantou um Pirocinético e um Psiônico, apoiado por


alguns assassinos profissionais, —relatou Patricia. — Sua irmã
simplesmente me informou que ela lidaria com isso. E foi isso que ela fez.

Seria preciso um Psiônico melhor do que qualquer um que Arkan


poderia ter para induzir pânico em Arabella. Quando ela se enfurecia, não
havia espaço nela para nada além de fúria. Tentar induzir o medo a teria
irritado ainda mais.

Ruby Fever
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Alessandro terminou de ajudar minha mãe a sair do ônibus e a


entregou à equipe médica. Seu telefone tocou.

Seu rosto se transformou em uma máscara dura. Ele atendeu a ligação


e foi embora. Atendeu em italiano novamente, muito baixo para eu ouvir
claramente.

Os cadáveres jaziam em uma fileira organizada, como palitos de


fósforo em uma caixa.

— E os três guardas que saíram com mamãe? —Eu perguntei.

O rosto de Patricia era uma máscara profissional. — Um SUV bateu


neles a 140 quilômetros por hora no Pedágio de Sam Houston. O veículo
capotou. Os socorristas tiveram que usar cortadores hidráulicos para tirá-
los. Katrina está bem, exceto pela concussão. Mohan quebrou a perna,
mas Lex está na UTI em estado crítico.

Lex, um cara alto e engraçado, com um sorriso fácil e algumas sardas


em seu rosto largo. Ele havia se casado há seis meses. Sua esposa estava
grávida.

A náusea veio, repentina e avassaladora. Eu me senti muito enjoada.

Minha irmã teve que matar nove pessoas hoje. Minha mãe tinha um
buraco na perna. Cornelius precisou de dezoito pontos e eu estava

Cortadores hidráulicos – São lâminas de corte afiadas e desempenha a sua função com a máxima eficiência.

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enfaixada como uma múmia. Eu não tinha ideia de como Leon estava
ferido. Lex estava na UTI agarrado à vida. Tanto o Escritório de Registros
quanto a Promotoria do Condado de Harris estavam envolvidos nessa
confusão, para não mencionar o FBI, que ‘não estava feliz’. Eu sabia
exatamente a quem culpar por tudo isso.

A raiva envolveu minha cabeça como um torno e apertou.

— Onde ele está? —Eu perguntei com os dentes cerrados.

— No arsenal.

Eu me virei e caminhei de volta pelo caminho de onde viemos, indo


até a parede, e saí, para o prédio baixo que servia como nosso arsenal.
Patricia tentou me acompanhar. Suas pernas eram mais longas, mas eu
era mais jovem e muito mais furiosa.

— Superior Sagredo foi extremamente específico de que nenhum mal


pode acontecer ao Príncipe.

— Eu não vou matá-lo. Ele só vai desejar morrer.

— Catalina ...

Abri a porta do arsenal e entrei. O arsenal era um bunker, uma caixa


retangular de concreto banhado por uma forte luz elétrica. Gaiolas de
metal cobriam as paredes em fileiras organizadas.

Ruby Fever
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A maioria das gaiolas portava armas, mas Konstantin estava preso em


uma delas. Não havia guardas. Patricia o trancou e o observou
remotamente.

Ele parecia do jeito que eu o conheci na casa de Linus: loiro, de olhos


azuis, de tirar o fôlego. Uma imagem de elegância urbana com charme
iluminado pelo sol.

Avancei em direção à gaiola. Minha magia chicoteou dentro de mim,


lutando e se esforçando para se libertar.

Konstantin olhou para mim de dentro da gaiola, um pequeno sorriso


nos lábios. — Eu tentei avisá-la.

Minha ira estava lutando com as poucas restrições que eu tinha. Esse
homem era uma ameaça. As pessoas que eu amava foram feridas por
causa dele. Eu tinha que matá-lo agora, para que ninguém mais se
machucasse.

— Eu nunca quis que nada disso acontecesse.

— Besteira. Isso foi exatamente o que você queria que acontecesse.


Você armou para nós. Fez Arkan pensar que o amiguinho dele o traiu e
nos pediu asilo. Você sabia que Arkan iria retaliar. Garantiu que ele e o
Gabinete do Guardião colidissem.

Minha voz estava subindo. A magia vibrava nela. Eu não tinha


mirado em Konstantin, ainda não, mas estava com muita raiva. Em algum

Ruby Fever
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lugar no fundo, uma voz me avisou que aquela não era eu, mas a
enxurrada de magia dentro de mim abafou essa voz.

— Você começou uma guerra que minha Casa terá que lutar. Você
nos fez sangrar.

— Você não me deixou escolha.

— Oh, isso é bom. Vou me lembrar dessa frase para quando sua família
vier te procurar.

Patrícia deu um passo à frente. — Catalina ...

Asas negras saíram das minhas costas, as pontas das minhas penas
vermelhas brilharam. Eu sibilei para ela. Patricia cambaleou para trás e
levou o telefone ao ouvido. — Precisamos de você no arsenal! Agora!

Virei-me para Konstantin. Ele me encarou, de boca aberta. Alarme


cintilando nos olhos dele.

— Agora, Sua Alteza Real ... —Minha voz não era o canto sedutor
de uma sereia. Era a voz de um monstro, áspera e impregnada de poder e
ameaça. — Diga-me novamente como tudo isso foi culpa minha.

Alessandro correu para o arsenal, me pegou e me carregou até a porta.

— Coloque-me no chão! —Eu sibilei em seu rosto.

— Não. Não até que seja você mesma novamente.

Como ele ousa? Eu sibilei para ele.

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— É disso que estou falando. —Ele me carregou para fora e gritou por
cima do ombro. — Essa porta fica fechada. Ninguém entra a menos que
eu esteja presente.

— Coloque-me no chão! —Lutar contra ele era como tentar parar um


trem.

Alessandro continuou me carregando pela entrada de automóveis,


passando pelo ônibus. Nos encontramos com Arabella.

Seus olhos se arregalaram. — O que foi?

Eu sibilei para Arabella.

— Sua irmã está um pouco chateada, —Alessandro disse a ela.

Bati minhas asas, mas minhas penas não tinham matéria.

Alessandro continuou andando pela casa principal, passando pela


cozinha, pela sala de estar, pela porta dos fundos. A piscina brilhava à
nossa frente, refletindo o luar. Ele deu outro passo e pulou. A água tomou
conta de nós e se fechou sobre minha cabeça.

Afundei como uma pedra nas profundezas frias.

Ele me soltou e eu agarrei cegamente, chutando e me debatendo, até


que meu cérebro finalmente percebeu que meus pés tocavam o fundo da
piscina. Levantei e percebi que estava de pé em um metro e vinte de água.

Ruby Fever
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A água escorreu do meu cabelo, quente, quase fervendo. A raiva foi


drenada com ele.

Respirei longamente estremecendo.

O céu acima de mim estava cravejado de estrelas, sua luz fria e


calmante. Eu me deixei cair de costas.

A água me pegou e me embalou, suave e gentil. Flutuei enquanto os


últimos vestígios de calor e raiva se dissipavam, dissolvendo-se. As feridas
nas minhas pernas queimavam.

— Como você sabia? —Eu sussurrei.

— Linus me disse. Ele disse que se você ficasse fora de controle


quando suas asas estivessem negras, a água fria ajudaria.

— Eu odeio Linus.

— Você não quer dizer isso.

— Ele nem teve coragem de me dizer pessoalmente. Deixou uma


gravação em um USB.

Tirei o USB do bolso e mostrei a ele.

— Isso provavelmente não deveria estar na água. —Alessandro


arrancou o dispositivo dos meus dedos e o colocou no piso da borda da
piscina.

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— Ele é meu avô e eu o odeio. Você sabia que ele era meu avô e eu
também te odeio.

— Você também não quer dizer isso.

— Por que não me contou?

— Não era meu segredo para contar.

As estrelas piscaram para nós.

— Você não pode matar Konstantin, Catalina. Traria todo o peso do


Império Russo sobre nossa Casa.

— Minha mãe quase morreu.

— Eu sei. Ainda assim não pode matá-lo. Se fizer isso, tudo o que
aconteceu hoje será uma lembrança agradável em comparação com o que
irá acontecer. O Império treinou Arkan. Ensinaram-lhe tudo o que sabem
antes de o liberarem. Eles têm outros como Arkan.

Alessandro ... A fonte do meu medo e preocupação. Agora estava


tentando me impedir de matar o homem que nos machucou. Eu tinha que
cortar o mal pela raiz. Deixei minhas pernas afundarem, me levantei e me
virei para ele.

Ele estava na água até o peito. Sua pele brilhava. Seu cabelo castanho
molhado grudava em sua cabeça em mechas curtas, e seus olhos eram mel
derretido.

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Ah ...

Ah, uau.

Meu.

Olhamos um para o outro através da água. Eu sorri para ele. Ele


piscou, seus olhos atordoados.

Afundei um pouco. Meu cabelo rodou em torno de mim. Inclinei a


cabeça e me virei lentamente. Ele estendeu a mão para mim, mas eu nadei
para longe, flutuando fora de seu alcance.

Afaste-se da parede, Alessandro. Nade através da água até mim. Podemos ficar
aqui juntos para sempre, só nós, a água e as estrelas. Você será meu, toda meu. Só
meu.

Alessandro balançou sua cabeça. — Agora eu sei por que tantos


marinheiros se afogaram.

Eu ri baixinho.

Alessandro estudou meu rosto. Seu olhar deslizou sobre meus olhos,
minha boca ... Eu tinha que atraí-lo.

Submergi, deixando a água flutuar no meu cabelo, escovei-o para trás


e ressurgi. Ele estendeu a mão para mim novamente, mas eu deslizei para
longe. Pequenas luzes âmbar giraram em seus olhos.

Ruby Fever
Livro 6
253

— Como você está se sentindo? —Ele perguntou. — Ainda está cheia


de raiva homicida?

— Vou matar Konstantin, —eu disse a ele. — E então vou matar


Arkan. Você vai me ajudar a matar Konstantin, não vai?

— Não.

— Alessandro ... você sabe que quer.

— Não. Não vamos matar Konstantin.

— Por que você tem que ser tão irracional?

— Eu sou a única pessoa racional nesta piscina. Essa não é você. Não
é a verdadeira você.

Eu me inclinei para trás e olhei para a lua. — Você continua dizendo


isso. — ‘Não é como você, Catalina. Você não quer dizer isso, Catalina. Essa
não é você, Catalina.’ Essa sou eu. A verdadeira eu. Aquela que te ama. Eu
faria qualquer coisa por você, Alessandro. Fique aqui comigo.

Ele se lançou sobre a água. Sua mão quente agarrou meu pulso direito,
me puxou para ele e me girou, me prendendo entre a parede da piscina e
seu corpo.

Ele me pegou. Olhei para ele e sorri.

— Há estrelas em seus olhos, —ele sussurrou.

Ruby Fever
Livro 6
254

— Nós não temos que sair, —eu disse a ele. — Podemos ficar aqui
para sempre.

Alessandro me agarrou e me beijou. Não foi apenas um beijo, foi


quase um assalto, uma reivindicação louca, nascida da luxúria,
necessidade, preocupação e, acima de tudo, amor. Envolvi minhas pernas
ao redor dele e afundei minhas mãos em seus cabelos molhados. Ele estava
duro como uma rocha, e estava me agarrando a ele com aqueles braços
fortes. Meu corpo inteiro cantou.

Alessandro me beijou novamente, sua língua se empurrando em


minha boca. Arrepios deliciosos me percorreram. Fechei meus olhos. Eu
o queria tanto ...

Estávamos nos movendo. A água estava escorrendo de mim, e minha


magia escorrendo com ela.

Ele estava me carregando para fora da piscina.

— Traidor! —eu assobiei.

A voz dele era quase um grunhido. — Não podemos ficar na piscina.


Eu sou só humano.

Estávamos na metade da escada da piscina.

Minha magia colocou uma fantasia na minha frente: a piscina escura,


a lua acima, a luz prateada refletindo na superfície plácida e o corpo de

Ruby Fever
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255

Alessandro flutuando ao meu lado, sua expressão final congelada em seu


rosto. Eu estava sorrindo. Ele era todo meu. Ele nunca iria embora.

Não! Rasguei a visão em minha mente. Eu nunca iria machucá-lo.

Forças implacáveis colidiram dentro de mim como duas ondas


opostas, e tudo escureceu.

Acordei na minha própria cama.


O quarto estava envolto em uma penumbra aconchegante. As
persianas recém-instaladas bloqueavam a maior parte da luz, mas o sol da
manhã deslizou em torno de suas bordas, iluminando-as. Verifiquei o
relógio: 6:34 da manhã. O sol tinha nascido a pouco tempo.

Levantei minha cabeça. Shadow estava embaixo das cobertas e


lambeu minha mão. Eu a abracei e me sentei. As cobertas ao meu lado
estavam amarrotadas, mas Alessandro não estava lá.

A memória de mim sorrindo na piscina enquanto imaginava o corpo


de Alessandro flutuando ao meu lado, surgiu na minha mente como uma

Ruby Fever
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256

bolha de sabão. Acariciei a cabeça peluda de Shadow. E se eu realmente


não desmaiei? E se eu ...

A porta se abriu e Alessandro entrou.

— Ei, —disse ele.

— Fiz alguma coisa com você ontem à noite? Você está bem? Eu o
machuquei?

Alessandro cruzou o quarto, apoiou um joelho na cama, abaixou a


cabeça e me beijou. Alguns meses atrás, provei hidromel artesanal em uma
feira medieval. Era doce com notas de frutas vermelhas e mel sem um
traço de sabor alcoólico. Continuei bebendo, e depois que bebi meio jarro,
tentei pegar meu garfo e errei. Meu corpo não era mais meu. Esse beijo
era assim, enganosamente leve, mas inebriante. Ele havia me sequestrado.

Abri meus olhos e gentilmente me afastei dele. — Eu machuquei


você?

Ele suspirou. — Não. Para minha maior decepção, você não fez nada
comigo ontem à noite. Desmaiou e me assustou, mas o médico disse que
você estava bem.

Deitei de volta no meu travesseiro. Ele se sentou na cama, com os pés


na beirada.

— O que está acontecendo lá fora? —Eu perguntei a ele.

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— Estamos em total confinamento. Linus não acordou, o príncipe


está seguro em sua gaiola e estou acompanhando os movimentos de
Arkan. Ele está canalizando seus agentes para Houston, mas até agora, ele
não se moveu. Seu USB está com Bern. Ele acha que ainda funcionará
quando secar.

— Mamãe ...

— Está se recuperando bem e ela me pediu para passar um recado.


Sua mãe gostaria que você parasse de se preocupar com ela e seguisse em
frente.

Revirei os olhos. Seguir em frente. Certo.

Nem sempre entendi o que motivava as pessoas ao meu redor. Eu nem


mesmo entendia minhas próprias emoções na metade do tempo, mas
conhecia minha magia. Eu sabia como funcionava e o que poderia fazer.
Ontem à noite a minha magia me traiu. Como diabos eu deveria seguir
em frente depois disso?

— Besouro encontrou imagens de vigilância do estacionamento, —


disse Alessandro. — Eu assisti. Aquilo foi ... interessante. Particularmente
gostei das asas negras e dos gritos.

O tom de voz de Alessandro era leve, mas seus olhos me diziam que
ele planejava um assassinato. Se ele colocasse as mãos em Xavier, o
despedaçaria.

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— Algo está acontecendo comigo. Algo que não consigo entender.


Quase te afoguei na piscina ontem à noite.

— Não passou nem perto.

— Alessandro, você não entende. Uma parte de mim queria mantê-lo


naquela piscina, não importa o que custasse. Acho que sou perigosa. Eu
...

— Eu não estava em perigo na noite passada.

Eu pisquei para ele.

— Sua magia não funciona em mim. Além disso, sou grande e forte,
e um excelente nadador.

— Você não entende, —eu disse a ele. — Como você não teve medo?

— Ah, eu tive. Eu estava mortalmente com medo de ser pego por toda
a sua família enquanto fazia sexo na piscina.

— Não foi isso que eu quis dizer.

— Depois que tudo se acalmar, devemos testar sua teoria.

— Alessandro ...

— Podemos continuar exatamente de onde paramos. Escolheremos


uma noite em que todos estejam fora de casa. Vamos entrar na piscina, e
você pode fazer o possível para me afogar. Eu prometo, pode fazer o que
quiser comigo. Serei todo seu.

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— Você não vai levar isso a sério, vai?

A voz dele perdeu todo o humor.

— A mulher que eu amo foi atacada ontem à noite. A mãe dela foi
ferida, temos um membro da realeza russa trancado no arsenal e o
assassino do meu pai declarou guerra aberta contra nós. Estou levando
tudo isso muito a sério.

— Você viu o rosto de Gunderson depois que eu gritei?

Ele assentiu.

— Quando a vovó Victoria quebra uma mente humana, restam


pedaços. Esses pedaços restantes brilham quando eu os rastreio com a
minha mente. É um brilho muito fraco, mas ainda está lá.

— A mente de Gunderson não brilhou? —Ele adivinhou.

— Não. Era um buraco negro. Foi como se eu o tivesse apagado da


existência. —Puxei meus joelhos para o meu peito. — Estou assustada.

Ele passou os braços em volta de mim. Eu me inclinei para ele.

— O que você sentiu antes de gritar?

Alessandro não estava me perguntando isso apenas para me confortar.


Seu avô era uma pessoa terrível, mas ele se certificou de que Alessandro
tivesse uma educação excelente quando se tratava de teoria mágica. Ele
era um especialista em todos os aspectos da magia mental.

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— Mamãe estava machucada e sangrando. Eu sabia que o próximo


golpe mataria a ela e a Cornelius. Eu quis ... Eu quis empurrar Xavier e
Gunderson.

— Empurrar?

— Você já viu crianças pequenas brigando? Eventualmente, um deles


perde o controle e apenas empurra o outro no chão para fazê-lo parar.

— Você ficou com raiva?

— Sim. Principalmente eu estava com medo de que mamãe e


Cornelius morressem.

— E Konstantin? Você queria empurrá-lo também?

— Ele trouxe esse confronto para nós. Você viu todos aqueles corpos?
Arabella teve que matar nove pessoas. Talvez com o tempo a maioria de
nós possa ficar insensível as mortes que provocamos, mas isso nunca irá
acontecer com Arabella, ela é muito sensível. As coisas a incomodam
profundamente. Ela passa dias remoendo. Eu nem sei o quão
profundamente isso a prejudicou. Ela é minha irmãzinha, e eu deveria
protegê-la dessa porcaria, só que não posso.

— Bem, acho que estamos seguros, —disse ele.

Olhei para ele.

— Você está preocupada em nos machucar, mas quando suas asas


negras estão fora você ainda está consciente de si mesma. Você não me

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machucou na piscina. Sua magia estava se espalhando como uma chama,


mas nunca mirou em mim. Você apenas flertou e tentou me seduzir, e
depois fez beicinho.

Eu me afastei dele. — Fiz beicinho?

— Uh-hum.

— Eu estava sibilando na sua cara. Como isso pode ser beicinho?

— Seu sibilo foi fofo.

Coloquei minhas mãos sobre o meu rosto. Ele era impossível.

— A questão é que você não sai atacando cegamente, Catalina. Você


está atacando as pessoas que considera uma ameaça para seus entes
queridos. O que quer que esteja aí dentro de você, querendo sair, deixe-o.
Precisa sair.

— Você realmente acha isso?

Ele assentiu. — Não estou dizendo isso na qualidade de seu noivo


apaixonado, mas como um Antistasi Superior. Você prende suas emoções
em uma coleira muito apertada. É atípico para um Superior Mental estar
constantemente no controle. O nível de ameaça para a nossa família
aumentou, sua magia só está respondendo a isso. Eu não acho que você
possa suprimi-lo efetivamente, mas precisa recalibrar.

E a única maneira de recalibrar seria praticar esse novo poder até que
eu pudesse aprender a controlá-lo.

Ruby Fever
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— Então o que? Escolher um alvo e esperar o melhor?

— Sim.

— E se ficar fora de controle?

— Vou te ajudar. Eu prometo.

— Certo, —eu disse.

Sentamos juntos por alguns momentos.

— Suponho que temos que resolver a bagunça com Konstantin, —eu


disse.

Alessandro fez uma careta. — Infelizmente, não podemos mantê-lo


em uma gaiola indefinidamente. Tanto quanto eu gostaria.

Eu me afastei da cama. — Por que ele te chama de Sasha?

— Ele sabe que eu não gosto.

— E como ele sabe disso?

— Porque ele é meu primo em quarto grau, —disse Alessandro. —


Ele nunca perdeu a oportunidade de me provocar.

Família. Não posso viver com eles, mas também não posso estrangulá-
los.

Terrível.

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Alguém, provavelmente Patricia, colocou duas cadeiras na frente da


gaiola de Konstantin. Eu me sentei em uma. Alessandro sentou-se na
outra e jogou uma perna longa sobre a outra, parecendo um aristocrata
italiano em cada centímetro.

Tínhamos parado brevemente no escritório para escrever um contrato.


Eu tinha perguntado a ele sobre essa coisa de primo no caminho, mas ele
evitou a conversa. Ele não se recusou a responder, apenas mudou de
assunto. Por mim tudo bem. Ele me diria eventualmente. Eu poderia
recitar a genealogia de Alessandro desde seus tataravós. Não havia russos
em lugar nenhum. Eram todos Sagredos e Magos Mentais britânicos.

Konstantin nos estudou através das grades. Ele estava deslumbrante.


Se a noite na gaiola o afetou, ele nunca nos deixaria saber.

— Estou feliz por finalmente estarmos no controle de nós mesmos, —


disse o príncipe.

Eu não mordi a isca. Só olhei para ele.

— Cale a boca e escute, —disse Alessandro. — Vou ser sucinto, e você


pode preencher as lacunas.

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Konstantin gesticulou com a mão um ‘vá em frente’, um gesto ao


mesmo tempo elegante e desdenhoso. Idiota arrogante.

— Sabemos que desde o ano passado, Arkan refinou as duas últimas


amostras do soro Osiris, alcançando uma taxa de estabilidade de vinte por
cento, —disse Alessandro.

Linus ficou lívido quando descobriu. Até o ano passado, o soro


modificado de Arkan matava a maioria de seus voluntários. Agora eles
tinham uma chance em cinco de sobreviver com seus corpos intactos e
novos poderes latentes ativados.

— Arkan está construindo uma rede de aliados fornecendo


secretamente o soro para as Casas com vetores defeituosos e fracassos
genéticos. No início ele foi muito cuidadoso em sua seleção, mas no verão
passado ficou ambicioso. Arkan presenteou a Casa Dolgorukov com uma
amostra. Aleksei Antonovich Dolgorukov é o atual Ministro da Defesa.
Arkan queria comprar um favor futuro.

Arkan estava brincando com uma das Casas mais importantes da


sociedade russa. Ele deveria estar confiante de que o soro não mataria seu
receptor, exceto que suas chances de sucesso ainda eram de apenas vinte
por cento. Era um risco enorme. Sua arrogância estava tirando o melhor
dele.

Um vetor defeituoso é uma pessoa nascida em uma família de magia cujo talento é mais fraco que a magia de seus pais.

Ruby Fever
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265

— A Casa Dolgorukov tem duas linhagens mágicas, —Alessandro


continuou. — Mago de Padrões e Precognição. Os dois trabalham juntos,
tornando os Dolgorukovs excelentes estrategistas. Inna Dolgorukov, a
mais velha dos três descendentes da Casa, nasceu sem magia, um fato que
a Casa Dolgorukov fez de tudo para esconder por dezessete anos. Estou
certo até aqui?

— Corretíssimo, —Konstantin disse a ele, sua voz seca.

Claro que esconderiam. Os Superiores se casavam por magia e


gostavam de garantir que seus filhos seriam tão poderosos quanto seus
pais. Sem poderes, as chances de Inna se casar com alguém em seu círculo
social eram nulas. Ela passaria a vida à margem, lamentando e se sentindo
inútil, enquanto seus parentes exerciam poder e influência.

Não só isso, mas a própria existência de Inna colocava o futuro de sua


família em dúvida. Aos olhos da elite mágica, ela era um indicador de que
algo estava terrivelmente errado com a genética da Casa Dolgorukov. Se
os pais de Inna puderam produzir um fracasso, os irmãos dela também
poderiam. Em vez de um investimento certo, casar-se com a alguém da
Casa Dolgorukov de repente se tornou uma aposta incerta.

A mesma magia de Bern: Magister Examplaria.

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— Mas isso não é tudo, não é? —Disse Alessandro. — Você adora


estudar a genealogia das Casas, Konstantin. Por favor, nos explique como
sua família e a Casa Dolgorukov estão conectadas?

— A mãe de Inna é minha tia, —o príncipe disse em uma voz


monótona.

— De que lado? —Alessandro cantarolou.

— Do lado do meu pai, —disse Konstantin.

Ah Merda. A mãe de Inna era irmã do czar . A falta de poderes de


Inna não apenas corrompia a genealogia de sua Casa. Manchava toda uma
dinastia imperial.

— As chances dos poderes de alguém se manifestarem aos dezessete


anos são basicamente inexistentes, —pensei em voz alta. — Mais cedo ou
mais tarde, Inna teria que se casar, e a família imperial provavelmente a
mataria para manter sua falta de poderes em segredo. É por isso que seus
pais procuraram Arkan para conseguir o soro. Eles estavam desesperados.

— Você pensa o pior de nós, —disse Konstantin. — Inna teria uma


vida tranquila, longe dos olhos do público.

— Não. —Eu balancei minha cabeça. — Não importa o quão


tranquilamente ela vivesse, seus genes sempre seriam uma ameaça. A

Czar ou csar, tsar ou tzar ou ainda foi o título usado pelos monarcas dos Império Búlgaro desde 913 e Império Russo entre 1546 e 1917. Foi
adotado por Ivã IV da Rússia como um símbolo da natureza da monarquia russa.

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genealogia da dinastia precisa ser infalível. Bastaria um artigo de jornal


cuidadosamente redigido durante um período de crise, e todos de repente
saberiam da falha fatal na linhagem da Casa Berezin. Matá-la seria mais
seguro. Um acidente conveniente durante esta vida tranquila, em algum
lugar remoto, um carro capotado, uma queda infeliz de um cavalo, um
afogamento. Ninguém poderia provar que ela não tinha magia
examinando seu cadáver.

Konstantin inclinou-se para a frente. — Essa é a segunda vez que você


me surpreende desde que nos conhecemos, Senhorita Baylor.

Ah, você ainda não viu nada.

Olhei para Alessandro. — O que aconteceu? O soro de Arkan a


matou?

— Não imediatamente. Ela sobreviveu à exposição do soro e


conseguiu despertar sua magia.

— E que tipo de maga ela se tornou?

Alessandro sorriu sem humor. — Uma Venenata Superior. Uma


Venenata muito forte, mas muito instável.

Querido Deus, o soro deu a ela o talento de Runa. Inna poderia


envenenar um quarteirão inteiro em minutos.

— Ninguém na Casa Dolgorukov sabia como lidar com uma


Venenata, —continuou Alessandro. — Especialmente porque Inna não

Ruby Fever
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tinha treinamento. Eles tentaram encontrar o tutor certo. Enquanto isso,


Inna teve que esconder seus poderes e fingir que estava tudo bem. A mãe
do Imperador gosta de redes sociais. Inna, uma de suas netas favoritas,
sempre era convidada. Durante o último Chá de Primavera em março,
Inna se ofendeu com algo que a Duquesa Minkina disse a ela. Os poderes
de Inna ficaram fora de controle.

Ah não.

— Ela matou três mulheres no local, envenenou gravemente outras


sete e teria matado todos os presentes se a mãe de Konstantin não tivesse
colocado uma bala no cérebro de sua sobrinha dois segundos depois que a
primeira vítima atingiu o chão.

Sim, essa era a única maneira de parar um Venenata. Quando um


Mago Venenata perdia o controle, ou você o matava—de preferência à
distância—ou você morria.

— A mãe do Imperador ficou agradecida, mas muito descontente, —


disse Alessandro. — Todos nós sabemos o quanto ela gosta de suas
festinhas.

O rosto de Konstantin exibia toda a emoção de um muro de pedra. —


Você parece notavelmente bem informado, Sasha. Vejo que o apelo
charmoso do órfão italiano ainda funciona para você.

Ele colocou ênfase na palavra órfão.

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Os olhos de Alessandro se estreitaram. Isso estava prestes a ficar feio.

— Como está a sua mãe? —Alessandro perguntou, sua voz leve. —


Pelo que ouvi, o assassinato de sua sobrinha foi traumático para ela.

— Ela está muito bem e totalmente recuperada. Foi lamentável, mas


necessário. O pensamento e a decisão rápida de minha mãe salvaram
muitas vidas. Ao contrário de algumas mães, ela sempre prioriza o bem-
estar dos filhos, dela e dos outros, antes de suas próprias necessidades.

A mãe de Alessandro não fez nada para cuidar dele e de suas irmãs
ou para protegê-lo da ira de seu avô quando Alessandro era obrigado a se
tornar o provedor da família. Ele precisou fingir ser um Superior rico
enquanto sua família sofria secretamente na pobreza, para que pudesse se
casar com uma herdeira rica. Toda a sua adolescência foi uma propaganda
conjugal gigante, e sua mãe o encorajava a se expor. Isso era uma fonte de
dor para ele.

Alessandro sorriu. — Tia Zina sempre foi muito carinhosa, a menos


que os assuntos de estado ditem o contrário. É pouco frequente uma mãe
assassinar a noiva do filho mais velho com as próprias mãos. Pobre
Liudmilla. Não pôde nem se defender.

Opa. Quem diabos era Liudmilla, e quantas mulheres a mãe de


Konstantin matou? Era um hobby dela?

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Konstantin inclinou-se para a frente. Seu rosto mudou de alguma


forma, suas feições se aguçando, sua mandíbula ficando mais quadrada.
Seus olhos perderam o brilho quente, tornando-se indiferentes e
assustadores. Ele olhou para Alessandro sem piscar, com o foco de um
predador avaliando sua próxima refeição.

— Está vendo? —Alessandro me disse. — Lembre-se disso. Essa é a


verdadeira face dele. Ele não está chateado porque sei dessa história. Ele
está chateado porque eu disse isso na sua frente. A família real costuma
ficar chateada quando a roupa suja deles é lavada na frente de pessoas de
fora.

A fúria nos olhos de Konstantin desapareceu. Em um piscar de olhos,


ele voltou a ser o príncipe encantado. Os minúsculos pêlos da minha nuca
se arrepiaram.

— Como eu disse, —brincou o príncipe, — nossas tias caem muito


fácil no charme do órfão italiano só porque ele é bonito e pobre. Quando
eu chegar em casa vou descobrir qual delas andou vazando informação
para você.

— Você ligou para suas tias russas? —Olhei para Alessandro.

— Ah, ele não te contou. —Konstantin sorriu. — Ele é meu primo de


terceiro grau.

— Quarto, —eu corrigi.

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Konstantin franziu a testa, contando nos dedos. — Ah bem. Essa sua


genealogia inglesa é confusa, e sangue é sangue. A propósito, como minha
tia Lilian, de quarto ou seja lá qual grau, está? Ainda se esconde quando
seu avô grita?

Faíscas alaranjadas brilharam nos olhos de Alessandro.

A tensão era tão grande que dava para cortar com uma faca e fazer
um sanduíche. Eu levantei meu dedo indicador direito. — Pergunta:
Arkan está ciente que o Império sabe que foi ele quem forneceu o soro a
família de Inna?

Konstantin recostou-se. — Não. Ele se esforçou para encobrir seus


rastros. Mesmo os Dolgorukovs não perceberam totalmente com quem
estavam lidando até que o soro mudou de mãos.

Todo esse tempo eu me perguntava o que faria com que um homem


tão cauteloso quanto Arkan nos atacasse de repente em todas as frentes,
sem qualquer consideração pelas consequências. Ele estava apavorado que
uma vez que Smirnov começasse a falar, os russos descobririam quem
estava por trás da morte de Inna. Arkan estava disposto a arriscar uma
guerra com os Guardiões, com FBI e o Estado do Texas apenas para evitar
enfrentar o Império Russo. Bem, esse mistério foi resolvido.

— O Império enviou você para desarticular a empreitada de


assassinatos de Arkan, —disse Alessandro a Konstantin. — Eles já tiveram

Ruby Fever
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problemas com alguns assassinatos em que Arkan está envolvido, e o


incidente com Inna foi a gota d’água.

— Ele cruzou a linha, —disse Konstantin. — Arkan era um lobo


domesticado que soltamos na floresta. Enquanto ele permanecesse lá, não
o caçaríamos. Mas ele decidiu invadir nosso pasto, matar nossas ovelhas
e defecar em todo o nosso quintal. Agora precisamos abatê-lo.

Eita.

— Quando você matou Smirnov? —Perguntou Alessandro.

— Três meses atrás.

E então Konstantin assumiu a identidade de Smirnov e entrou direto


no círculo íntimo de Arkan.

— Como você compensou o fato de não ser um Mago de Padrões? —


Eu perguntei.

— Os Magos de Padrões são lógicos, —disse Konstantin. — Fui


treinado em raciocínio lógico desde muito jovem. Chame isso de benefício
de uma excelente educação russa.

— Além disso, Arkan é paranóico, —acrescentou Alessandro. — Ele


compartimenta muito do trabalho. Smirnov estava encarregado de sua
segurança cibernética. Como a rede está configurada, ela praticamente
funciona sozinha. O principal valor de Smirnov estava em ser o ouvinte e
confidente de Arkan. Eles jogavam xadrez e trocavam ideias.

Ruby Fever
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— O que eu gostei bastante, —disse o príncipe. — Jogar xadrez com


um tigre raivoso enquanto planeja derrubar governos e matar pessoas
importantes. Vou me lembrar dessa parte com carinho.

Konstantin conseguiu se passar por um dos comparsas mais próximos


de Arkan, um homem que Arkan conhecia há anos. Ele morava no
complexo de Arkan, falava com ele todos os dias, jogava xadrez com ele,
e Arkan nunca teve ideia de que nos últimos meses um de seus comparsas
mais antigos era um impostor. Isso não era apenas impressionante, era
profundamente perturbador.

Konstantin olhou para Alessandro. — Arkan é um homem popular.


Todo mundo quer a cabeça dele na parede. O Império o quer porque ele
se atreveu a se meter conosco. A Assembleia Nacional desse país o quer
porque ele roubou o soro de vocês, e agora ele está vendendo esse soro
como um mercador de Kolachi , envergonhando a todos ainda mais.
Linus Duncan o quer porque Arkan passou ele para trás e feriu seu
orgulho. Você o quer porque ele matou seu pai. A Senhorita Baylor o quer
porque está secretamente com medo de que ele possa matar você.

O medo escondido dentro de mim acordou e me arranhou. Eu não


tinha ideia de como Konstantin tinha visto esse medo através de mim, mas
de alguma forma, ele tinha. Sim, Arkan era implacável, indomável e

Um antigo porto comercial no Paquistão.

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274

poderoso. Ele inspirava medo, e com razão. Só um idiota não teria medo
de Arkan. Mas não era isso que criava aquele nó escaldante dentro de
mim. Se Alessandro tivesse a opção de matar Arkan ao custo de sua
própria vida ou desistir e permanecer vivo, eu não tinha certeza qual opção
ele escolheria, e isso me aterrorizava mais do que o próprio Arkan.

Konstantin se inclinou para trás e eu vi o brilho de seu verdadeiro


rosto por uma fração de segundo. — Eu não quero desarticular Arkan. Eu
quero destruir tudo que ele construiu. Quero que ele perca sua segurança,
sua posição na sociedade, seu dinheiro, sua equipe e, finalmente, sua vida.
Ele se atreveu a chatear minha mãe.

Konstantin não disse ‘ele causou a morte da minha prima’. Ele disse ‘ele
se atreveu a chatear minha mãe’. Inna tinha apenas dezessete anos, foi
tanto vítima quanto vilã dessa história, mas na mente de Konstantin a
morte de sua prima era lamentável, mas quase incidental, enquanto a
angústia de sua mãe precisava ser vingada. Quando as pessoas lhe
mostravam quais eram suas prioridades, era uma boa ideia guardar isso
na memória.

— Engraçado você mencionar isso. —A voz da neta de Victoria


Tremaine saiu da minha boca sem eu pensar. — Neste momento, minha
mãe está descansando no andar de cima porque o Telecinético de
estimação de Arkan empalou uma ponteira de sessenta centímetros na
coxa dela. Você causou isso.

Ruby Fever
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275

Konstantin ergueu as sobrancelhas. — Eu te empurrei para fora de seu


comodismo. Seu conflito com Arkan era inevitável. Você não agiu
abertamente contra ele até agora porque Arkan nunca lhe deu um motivo.
Agora você tem um.

— Não era seu direito me empurrar para lugar nenhum.

Um músculo na bochecha de Konstantin estremeceu. Eu estava


olhando para ele como se ele fosse uma barata a ser esmagada sob meus
pés e meu rosto estava exibindo a marca registrada da arrogância
Tremaine. Ele claramente não estava acostumado a receber sorrisos de
escárnio.

— Estou aqui para oferecer a você a assistência do Império. Você não


terá chance nenhuma com Arkan sem a nossa ajuda.

Inclinei meu queixo ligeiramente para cima, para que eu pudesse olhar
para ele. — Eu não preciso de sua ajuda. Em um minuto vou abrir minhas
asas e então você vai cair de joelhos. Vai rastejar pela gaiola até mim,
implorando para que eu continue falando com você. Vai me contar todos
os seus segredos. Vai me seguir como um cachorrinho gentil, e quando eu
terminar com você e nós te jogarmos na frente da Embaixada da Rússia,
você vai chorar e tentar acabar com sua própria vida porque eu não estou
mais nela.

Ruby Fever
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Soltei minhas asas verdes e deixei que ele visse uma pequena sugestão
delas. Konstantin olhou e balançou a cabeça.

— Podemos começar? —Eu perguntei.

— Eu não sou facilmente subjugado.

Verdade. A Magia Ilusionista exigia uma disciplina mental rígida.

Eu imitei o tom de voz de minha vó Victoria e zombei. — Você não é


o Mago Ilusionista mais forte que eu já conheci.

Tecnicamente, era difícil dizer quem venceria entre ele e Augustine,


mas ele não precisava saber disso.

— O Império vai retaliar.

— Eu não me importo. Você machucou minha mãe. Sou uma Baylor,


Alteza, mas também sou uma Tremaine. Nós não perdoamos.

Konstantin olhou para Alessandro. — Você deveria dizer a ela que


começar uma guerra com o Império não é do interesse dela ou do seu,
Sasha.

O Artífice inclinou a cabeça com distanciamento clínico. — Eu sou o


Sentinela da Guardiã do Texas. Avalio as ameaças e as elimino. Você é
uma ameaça, Konstantin. Sua presença aqui põe em perigo a Guardiã.
Entregá-lo à embaixada resolveria todos os meus problemas. Enquanto
você estiver vivo e ileso, eles poderão fazer muito pouco contra nós. Você

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vai se recuperar. Vai levar muito tempo e vai continuar tentando se matar
por puro desespero, mas vai se recuperar.

— Vamos ver o que você encontrou nos arquivos de Arkan. —Eu


agitei minhas penas.

— Quais são os seus termos? —Konstantin perguntou.

Peguei a pasta e passei para ele junto com uma caneta. Ele o abriu e
examinou o conteúdo e leu em voz alta:

— Qual parte não está clara? —Eu perguntei.

— Você tem um anjo da guarda, —disse Konstantin a Alessandro. —


Pena que ela está desperdiçada com um pecador como você.

— O anjo pode ser gentil, mas o pecador não é, —disse Alessandro.

— Vou manter isso em mente.

— Faça isso.

Konstantin bateu no contrato com a ponta dos dedos. — Para resumir,


estou confinado aos terrenos desta propriedade. Estou proibido de tomar

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qualquer ação contra Arkan ou por meio de meus subordinados sem o


consentimento expresso de um de vocês. Estou impedido de colocar em
perigo qualquer membro de sua família. E, finalmente, espera-se que eu
preste ajuda da melhor maneira possível, a suas ordens. E não posso matar
Arkan, mesmo que surja uma oportunidade para isso.

— Sim, —eu disse a ele.

— E você quer que eu assine?

— Não. Eu quero que você o sele.

Eu tinha feito algumas pesquisas por conta própria. Membros da


família imperial encarregados de missões especiais carregavam um selo
que afixavam em documentos formais. Este selo colocava a reputação de
toda a família por trás do contrato. Não era infalível, mas era o mais
próximo que podíamos chegar da palavra do Imperador. Segundo
Alessandro, Konstantin teria um selo.

— Isso exigirá um telefonema, —disse Konstantin.

Alessandro passou um celular para Konstantin pelas grades.

— Vou precisar de um pouco de privacidade.

— Você tem a gaiola inteira. —Foi mesquinho, mas eu gostei.

Konstantin balançou a cabeça, levantou-se e caminhou até o outro


lado da gaiola. Ele discou o número e falou baixo em um russo urgente.

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Nós esperamos. Minutos se arrastaram. Na pausa que se seguiu, meu


cérebro finalmente começou a trabalhar em plena capacidade.

— Acho que precisamos de ajuda, —murmurei para Alessandro.

— Quem você tem em mente?

Eu disse no ouvido dele.

Ele riu baixinho. — Sua mãe vai adorar.

— É só por preocaução.

Konstantin desligou a ligação, enfiou a mão na gola da camisa e


puxou um colar do pescoço, um simples retângulo de prata pendurado em
uma corrente combinando. O pingente retangular deslizou sob a pressão
de seus dedos. Ele pegou a metade superior e a pressionou sob sua linha
de assinatura no contrato. Um selo vermelho com escrita cirílica enrolada
em torno de uma águia de duas cabeças marcou o papel. Ele assinou seu
nome com um floreio e sorriu para Alessandro.

— Parabéns, Sasha. Você terá sua vingança. Mas vou querer o corpo
de Arkan. Depois que você terminar com ele, é claro.

Alessandro sorriu como um lobo sorrindo para a lua no meio de uma


floresta escura e digitou o código na fechadura da gaiola. — Combinado.

O alfabeto cirílico, também conhecido como azbuka, é um alfabeto cujas variantes são utilizadas para a grafia de seis
línguas nacionais eslavas, além do ruteno e outras línguas extintas.

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Meu telefone tocou. Um número não registrado. Eu atendi a ligação.

— Serei breve, —disse Arkan do outro lado. — Liberte Trofim Smirnov


e suas irmãs sobreviverão ao dia.

Assumi direto a minha voz Tremaine. — Que coincidência. Acabei de


finalizar um contrato explicando o que faremos com o seu cadáver.
Que bom que você ligou depois que acabamos.

Konstantin saiu da gaiola, movendo-se em completo silêncio.


Alessandro pegou a pasta parda, rabiscou alguma coisa no verso e a
ergueu.

Sim, sim, eu sei.

Não importa quantos comparsas de Arkan nós matássemos, enquanto


ele permanecesse em sua base no Canadá, estaria inalcançável. Ir ao
Canadá para buscá-lo exigiria cooperação entre os dois governos e um
mandado internacional. Linus tinha tentado, mas ninguém queria dizer ao
Canadá a verdadeira razão pela qual estávamos indo atrás de Arkan. No
momento em que a notícia do soro roubado chegasse ao governo

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canadense, haveria uma explosão diplomática de proporções


internacionais. Os Estados Unidos não podiam se dar ao luxo de perder o
prestígio. Sem poder revelar o roubo do soro, nosso argumento para
prender Arkan era fraco, e o Canadá não estava louco em deixar uma
equipe de combatentes perigosos atravessar suas fronteiras para prender
um de seus cidadãos.

Tínhamos que fazer Arkan vir até nós.

— Esta é sua última chance de salvar sua família, —disse Arkan. Eu


sabia como ele soava pelos vídeos, mas ouvi-lo pelo telefone me deu
arrepios na espinha. Ele tinha uma voz que cortava os sentidos como uma
faca.

— Você soa como se tivesse alguma vantagem para negociar


qualquer coisa conosco, —eu disse.

Konstantin pegou a pasta e a caneta, escreveu algo nela e a ergueu.

Obrigada, Príncipe Óbvio, eu nunca teria pensado nisso.

Eu continuei. — Está enganado, Senhor Orlov. Você nem se quer é


convidado para a mesa. Chegamos a um acordo com o Senhor
Smirnov. Ele está se mostrando extremamente útil. Garantimos a
cooperação do governo federal. Suas ameaças são vazias.

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Konstantin começou a escrever outra coisa. Alessandro pegou a pasta


e tentou puxá-la para longe dele. Eles lutaram pela pasta em um cabo de
guerra silencioso.

— O FBI não vai te ajudar. Os Guardiões não vão ajudá-la. Eles só irão
aparecer para recuperar os corpos de sua família depois que meu pessoal se
afastar da ruína em chamas de sua casa. —Arkan estava martelando cada
palavra como pregos em meu caixão imaginário.

Alessandro pegou o meio da pasta e a rasgou ao meio, dando a metade


da pasta rasgada para Konstantin. O príncipe e meu noivo rabiscavam
freneticamente em seus pedaços.

— Você é movida pelo patriotismo. Acha que o que está fazendo é nobre
porque ainda é uma criança ingênua e arrogante. Seu país a usará e a jogará
fora quando você não servir mais a um propósito.

Eu precisava convencê-lo de que a única maneira de nos vencer seria


vindo até nós. Nós havíamos diminuído seriamente o número de seus
comparsas no ano passado. Ele estava sofrendo uma grande falta de
pessoal. Nós o atingimos nisso.

— A recompensa de sua dedicação ao seu país será uma fileira de lápides.


Você ama Sagredo. Pense em como seria nunca mais ouvir a voz dele. Como
irá lidar com a ausência de sua mamãe?

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Alessandro e Konstantin ergueram seus pedaços de papéis ao mesmo


tempo, como juízes levantando seus cartões de pontuação em uma
competição de patinação artística. Alessandro havia escrito
, e o pedaço de Konstantin dizia

Estendi a mão, arranquei os dois pedaços de papel dos dedos deles,


amassei e os joguei para trás.

— Isso foi um discurso esplêndido, —eu disse ao telefone. — Senhor


Orlov, nós dois sabemos por que você está desperdiçando seu ar e meu
tempo. Você está reduzido a cinco Superiores: Malchenko, Sanders,
Krause, Buller e Xavier. Esse último, como sabemos, é uma bomba
relógio em potencial. Sua lista de Significativos sofreu grandes perdas.
Mesmo que você coloque todos ao mesmo tempo e Sanders traga seus
filhos, eu ainda não tenho nenhum problema em contra-atacar. Desde
que você e eu começamos esta pequena dança, você não ganhou uma
única batalha, senhor Orlov. E isso foi antes de eu ter acesso a Smirnov.
Quando todos os seus comparsas se forem e você não tiver mais
ninguém para se esconder atrás, matá-lo será fácil como matar uma
mosca.

Konstantin e Alessandro me encaravam de olhos arregalados.

— Deixe-me ser franca: não estou fazendo isso porque estou tentando
manter meu país seguro. Eu poderia ignorar que você assassinou o pai do

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meu noivo. Poderia até ignorar seu pequeno esquema do roubo e


comercialização do soro, mas você teve a audácia de enviar assassinos
para minha nova casa. Você se tornou um obstáculo. Vou removê-lo do
meu caminho, da mesma forma que removeria um monte de merda
que um cachorro de rua deixou no meu gramado, e então viverei feliz
para sempre, contente de que ninguém se lembre do seu nome.

Arkan desligou.

Konstantin riu, seus olhos brilhando. — Você o chamou de um monte


de merda de cachorro na cara dele. Eu amei isso.

Alessandro me deu um olhar estranho. — ‘Você enviou assassinos para


minha casa’?

Ele estava me perguntando se isso ainda me incomodava. — Se ele


achasse que estamos fazendo isso ‘por Deus ou pelo país’, ele continuaria
tentando me intimidar para me tirar do curso. Eu tinha que tornar nosso
conflito algo pessoal. Ele sabe que as pessoas com uma vingança pessoal
são difíceis de parar. Você ensinou isso a ele.

Um alarme soou lá fora. Estávamos sob ataque.

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Os dois homens correram para a porta. Peguei o contrato imperial, joguei


na gaiola de Konstantin e tranquei. Eu não queria correr o risco do
documento ser arruinado no meio de alguma batalha. Perdi outro precioso
segundo digitando o código na gaiola de armas mais próxima. A fechadura
ficou verde, abri a porta, peguei um fuzil personalizado das Armas
Duncan, coloquei um cartucho nela e corri para a porta.

Tanto Alessandro quanto Konstantin já haviam ido embora.

O alarme foi interrompido no meio da nota.

Os terrenos estavam assustadoramente quietos. O portão norte estava


à minha direita, a casa principal e uma longa entrada para carros à minha
esquerda. Deveria haver pessoas correndo para seus postos, barulho, até
tiros, mas não havia nada. O Complexo estava em silêncio. Eu estava
sozinha. Que diabos?

A magia mudou bem acima de mim. Olhei para cima. Um buraco


negro se abriu acima do portão norte e outro buraco idêntico perfurou o
ar acima da casa principal. Dois portais de Invocador.

Os dois buracos se contorceram em uníssono e se fecharam. O que


quer que tenha sido invocado já tinha saído dos buracos.

Um tiro estalou, ecoando pelos prédios. Mamãe acabou de atirar em


alguém de seu Ninho do Corvo no topo do telhado da casa principal.

Eles estavam indo atrás da minha família e de Linus.

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Corri em direção à casa principal.

Outro tiro.

Um terceiro tiro de fuzil.

Mamãe era uma atiradora de um tiro, uma morte. Ou ela estava


matando vários alvos, ou ela estava atirando em algo enorme.

Saí da entrada principal para um caminho lateral, escondido pelos


arbustos decorativos, e corri com o fuzil pesado na mão.

Não havia tiros de retorno. Sem gritos, sem rosnados, nada. Cada pelo
do meu corpo ficou em pé.

O caminho fez uma curva e me jogou para a direita ao lado da torre


de Leon. A entrada principal se alargava aqui, conectando-se a um enorme
pátio pavimentado. Na outra extremidade do pátio, escadas levavam até
a casa principal.

Havia pessoas esparramadas nas escadas, imóveis. Nossos guardas,


Patrícia ... Eu vi uma mecha de cabelo loiro. Arabella estava deitada no
topo da escada, enrolada em uma bola fetal, seu cabelo loiro caindo em
leque sobre seu rosto.

O pânico me apunhalou.

Eu me forcei a ficar parada e olhar com cuidado. Uma poeira azul


escura, levemente fluorescente, se movia sobre o pavimento, como

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purpurina muito fina. Cobria todo o pátio. A frente da torre de Leon


brilhava com ela.

Se Leon estava vivo, estava preso na torre.

Eu tinha visto essa poeira azul antes.

Dei outro passo e a vi, uma planta de dois metros e meio de altura no
centro do pátio, ancorada por uma massa retorcida de raízes verde-
escuras. Uma flor do tamanho de um pneu desabrochava em cima do
caule trançado. Assemelhava-se a um crisântemo só que monstruoso,
com fileiras e fileiras de pétalas azuis escuras com bordas em azul claro.
Um redemoinho de tentáculos, piscando com o mesmo azul claro, se
estendia da planta, tentando agarrar Runa.

Runa estava com os pés separados, os braços dobrados nos cotovelos,


as palmas das mãos para cima. O ar ao redor dela era verde esmeralda. O
suor encharcava sua testa.

A flor pulsava. As espirais externas de pétalas rolavam para baixo e


para dentro do caule e as novas espirais se abriam no centro, enviando
uma explosão de pólen azul escuro no ar. O pólen tocou o ar verde ao
redor de Runa, ficou cinza e caiu no chão. Os tentáculos deslizaram,
tentando agarrá-la e falhando.

De origem asiática, o gênero Chrysanthemum pertence à família dos Asteraceae, mesma do girassol, margarida e anastácia. Assim
como suas primas, as flores do crisântemo são muito usadas em arranjos. "É uma espécie que floresce o ano todo, fácil de cuidar, resistente e durável.

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A Sangue da Noite, uma estranha criatura a meio caminho entre uma


planta e um animal, crescia no reino arcano, rastejando pela paisagem e
enviando nuvens de pólen venenoso no ar. O pólen colocava suas presas
para dormir, matando-as lentamente, e eventualmente a Sangue da Noite
iria até suas presas, se enraizaria em seus corpos e sugaria os nutrientes.

Tínhamos cerca de quarenta minutos para administrar o antídoto ou


todos os afetados morreriam.

Não pense em Arabella. Concentre-se na flor.

Levantei minha arma. A flor e Runa estavam entrelaçadas. O tiro


tinha que ser certeiro. Eu avistei a flor e apertei o gatilho, enviando uma
rajada de dois tiros na flor. A flor nem sequer estremeceu.

— Corra! —Runa forçou um grito. — Corra agora!

Algo brilhante piscou para mim através das lacunas nas raízes da flor.
Algo alto.

Eu dei um passo para trás.

Um homem emergiu de trás da Sangue da Noite. Mais de dois metros


de altura, ele era musculoso como um linebacker . Fios finos de cristais
de madrepérola envolviam cada centímetro dele, formando a aparência

Um Linebacker é uma posição do futebol americano e canadense, que foi inventada pelo treinador Fielding Yost da Universidade
de Michigan. Linebackers são membros do time de defesa.

Madrepérola ou nácar é uma substância, dura, irisada, rica em calcário, produzida por alguns moluscos, no interior de sua concha,
que é utilizada em bijuteria e marchetaria.

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de uma armadura medieval. Era uma armadura completa, formada por


longos pingentes de gelo fino e multifacetado. A malha de madrepérola o
cobria da cabeça aos pés, engrossando em alguns lugares, tecido e
trançado em outros. Até seu rosto estava completamente protegido, os fios
de madrepérola se retorceram em um capacete barbute com uma única
fenda de cristal transparente sobre os olhos. A armadura se encaixava nele
como uma luva.

Dato Buller. Armamagus Superior, o Cavaleiro de Cristal. Arkan


tinha jogado um de seus cinco preciosos em nós. Ah Merda.

Buller me viu.

Eu atirei, apertando o gatilho. As balas atingiram o capacete e


ricochetearam no chão.

Buller sacudiu o braço. Uma lâmina fina e afiada feita de um único


cristal deslizou de seu antebraço. A morte estava vindo para mim.

Um rifle Sniper estalou. Eu vi a bala atingir a cabeça dele, sacudindo-


o um pouco. A bala ricocheteou no chão, achatada.

Uma tempestade de fogo irrompeu da torre de Leon, um barulho


estranho a meio caminho entre um aspirador de pó ensurdecedor e uma

Um barbute é um capacete de guerra sem viseira, de design italiano do século XV, geralmente com uma abertura em forma de
"T" ou "Y" para os olhos e a boca.

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furadeira de alta potência—uma M134 minigun . Leon estava tentando


me ajudar.

O fluxo de balas cambaleou Buller. Ele se inclinou para a chuva de


balas como um homem lutando contra um vento forte.

Eu corri ao redor da vegetação. Cantar não adiantaria. Minhas asas


não funcionariam. Dentro de sua armadura, Buller era surdo e
impermeável à magia mental. Era resistente à balística, mantinha uma
temperatura de exatamente 24 graus Celsius e de alguma forma gerava seu
próprio ar respirável.

Era um traje espacial à prova de balas que ele poderia alterar em


tempo real, e ele estava prestes a me matar.

A vegetação ao meu redor saiu voando. Uma lâmina de cristal surgiu.


Buller se abateu sobre mim como um pesadelo ganhando vida.

Eu me arrastei pelo meio das plantas até a entrada principal. Ele


estava apenas alguns metros atrás de mim.

Atravessei as cercas vivas para a entrada principal e dei de cara com


Alessandro. Ele me agarrou pelo ombro e me empurrou para trás dele. Um
homem desconhecido, que provavelmente era Konstantin disfarçado em
uma nova forma, me pegou e me puxou para fora do caminho.

M134 minigun é uma metralhadora 7,62 mm de seis canos com uma elevada cadência de tiro, empregando tambores rotativos
estilo Gatling, com uma fonte de alimentação externa.

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Buller abriu caminho através de uma cerca viva e apareceu na nossa


frente, um cavaleiro sem rosto pronto para matar.

Faíscas alaranjadas queimaram ao redor da mão de Alessandro e se


materializaram em uma espada curta.

Buller atacou. A espada de cristal cortou o ar. Alessandro se inclinou


para fora do caminho e cortou o antebraço de Buller. A lâmina não
ricocheteou. Alessandro conseguiu enfiar a faca na braçadeira de cristal
e rolou o pulso, cortando através dele. Antes que Buller se movesse para
contra-atacar, Alessandro materializou uma faca na outra mão e cortou
para cima. Buller se virou, mas Alessandro segurou a braçadeira com a
mão e a arrancou.

Como?

O Cavaleiro de Cristal uivou, sua voz abafada. O sangue encharcava


o braço direito dele, do meio do antebraço até os dedos. Os músculos
brilhavam sob o sangue, como se Alessandro tivesse esfolado a mão.

Buller materializou uma segunda lâmina de cristal em seu braço


esquerdo e apunhalou Alessandro, cristais fluindo sobre sua mão direita
ferida. Alessandro se abaixou, desviando o golpe, cortou a perna dianteira
de Buller e arrancou outro pedaço da armadura de cristal.

Braçadeira

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Buller gritou e chutou em um frenesi desesperado. Alessandro não


tinha para onde ir. Ele se preparou para o impacto, tomou o chute, rolou
pela calçada e ficou de pé. Um fio de sangue molhou os lábios de
Alessandro. Ele ignorou o sangue e foi em direção a Buller.

O Armamagus deu um pequeno passo para trás.

A armadura de cristal era como um colete balístico—detinha um


projétil rápido, mas não uma faca comparativamente lenta.

Eu precisava de uma lâmina.

Eu me virei e vi uma faca de bota na mão de Konstantin. Parecia uma


das nossas. Ele deve ter tirado de alguém.

— Faca!

Ele piscou para mim.

— Me dê sua faca!

Konstantin estendeu a faca para mim. — Isso é imprudente ...

Agarrei a faca da palma da mão dele.

Buller era um turbilhão de lâminas de cristal. Alessandro flutuava ao


redor dele, cortando pedaços.

Eu era uma Sirene por parte de pai, mas também era uma Maga
Sagittarius por parte de mãe. A magia Sagittarius em minha mãe era muito
forte, ela nunca errava um alvo. Quanto a mim, minha magia Sagittarius,

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o máximo que conseguia fazer era garantir que eu nunca falhasse quando
precisava esfaquear meu oponente no ponto mais vulnerável. Eu precisava
de duas coisas para ativar esse lado meu: uma lâmina e um alvo. Eu tinha
os dois.

A magia passou pela minha palma e me puxou para Buller. Eu


balancei de um pé para outro, procurando por uma abertura na armadura
dele.

Buller cortou Alessandro. Faíscas laranjas pulsaram e uma réplica


moderna e pesada da falcata que eu tinha na minha parede de coleção de
espadas apareceu na mão esquerda dele. Em vez de se esquivar,
Alessandro bloqueou o golpe vertical, jogando o braço para o lado, e fez
um corte no capacete de Buller. O sangue encharcou.

Minha magia me puxou. Corri atrás de Buller e golpeei suas costas.


Era como cortar um monte grosso de cabos de fibra óptica. A lâmina
afundou com um ruído estranho. Buller virou-se para mim. Sua espada de
cristal roçou meu braço, cortando uma linha quente de dor em meu
ombro, e então Alessandro esculpiu um corte de dez centímetros na
costela de Buller.

Nós nos movemos ao redor dele, furando, cortando, fatiando, assim


como nós praticamos centenas de vezes contra cada construção e

A falcata é uma espada céltica usada na Hispânia pré-romana, é similar à espada grega cópis e à nepalesa kukri.

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mecanismo de prática concebível que Linus poderia jogar em nós. Nós


sangramos Buller corte a corte, como dois lobos lutando contra um urso.

Buller se enfureceu. Ele sempre se achou invulnerável, e agora, sendo


cortado e retalhado sem parar por nós, a dor e a fúria o deixaram louco.
Sangue encharcou sua armadura de cristal. Ele continuou tentando repará-
la, mas nós tínhamos arrancado muito dele. Pedaços de músculo cru
derramavam sangue pelas aberturas. O cristal rastejou, tentando selar os
cortes, mas muito lento, e continuamos o cortando mais.

Meu rosto estava salpicado de sangue, e eu não sabia de quem. Meu


braço estava ficando cansado do esforço de fazer cortes profundos. Buller
não aguentaria isso para sempre, mas nós também não.

Buller atacou Alessandro, jogando tudo em seu ataque. Alessandro se


esquivou. Nossos olhos se encontraram por um quarto de segundo, e eu
sabia que essa seria a minha chance.

Alessandro soltou sua falcata. O brilho laranja materializou um escudo


antimotim na mão dele, e ele o ergueu. Buller golpeou o escudo. A
espada cortou o policarbonato reforçado como se fosse manteiga.

Em vez de recuar, Alessandro se preparou. Buller atacou como um


tubarão sentindo cheiro de sangue na água. Em um confronto força x

escudo antimotim

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força, Alessandro perderia, e Buller sabia disso. Ele desferiu golpes no


escudo preso em Alessandro, cortando pedaços do material com o instinto
de um predador sentindo uma presa ferida.

Alessandro tropeçou.

Buller bateu nos restos do escudo.

Enfiei minha faca por uma abertura estreita em seu fígado.

Buller não percebeu.

Puxei a lâmina e o esfaqueei novamente, rápido, enfiando a lâmina


em sua carne repetidamente como um picador de gelo, jorrando sangue
cada vez que eu a puxava.

Buller estremeceu, arqueando as costas e expondo a garganta.

Alessandro largou o toco do escudo e saltou. Uma faca karambit de


dois gumes, com vinte e cinco centímetros em forma de garra de tigre,
brilhou em sua mão. Ele cortou a garganta de Buller.

O Cavaleiro de Cristal caiu de joelhos. Um gorgolejo abafado escapou


de sua boca, o som de seus últimos momentos se esvaindo. Buller caiu de
lado. A armadura de cristal se desmanchou, deixando um homem morto
no nosso pavimento. Ele era grande, musculoso e pálido, com cabelos

Karambit é uma faca multiuso bastante notável, projetada para segurança, precisão e eficiência do usuário. Possui lâmina
curvada ou enganchada, alça ergonômica e geralmente inclui pelo menos um anel de segurança.

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castanhos claros esparsos cortados curtos e um queixo curto que ele tentou
disfarçar com um cavanhaque. Seu corpo era uma colcha de retalhos de
feridas abertas e pedaços de pele faltando.

Soltei um longo suspiro. Konstantin estava olhando para mim como


se tivesse visto algum monstro alienígena.

O ombro direito de Alessandro estava sangrando. Eu corri para ele.


Ele me encontrou no meio do caminho.

— Você está ferido? —Eu perguntei.

— É só um arranhão.

Um estranho ruído sibilante veio da casa principal.

Runa.

Eu me virei.

A flor Sangue da Noite se debatia como se tivesse sido eletrocutada


por um fio de alta voltagem. Suas raízes secaram. Sua flor pendeu para
trás, em nossa direção, suas pétalas tornando-se um marrom opaco e
ficando moles. A flor estremeceu. Penugem verde brotou nas pétalas. A
flor da noite balançou e desmoronou, cedendo em uma bagunça liquefeita
de vegetação e fluido apodrecido, revelando Runa, sua mão direita
estendida, seus dedos cobertos de fluídos vegetais.

Ela olhou para os dedos com desgosto, apertou sua mão e disse: —
Vinte e três minutos desde a pena floração.

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Tínhamos dezessete minutos para administrar o antídoto nos afetados


pela flor. Eu me virei e corri para a enfermaria.

A família estava de volta à sala de conferências. Todos estavam


exatamente nos mesmos lugares que haviam ocupado vinte e quatro horas
atrás, mas ninguém parecia o mesmo. Parecia que tínhamos sido pegos
em um ataque aéreo e não chegamos ao abrigo a tempo.

Alessandro sentou-se à minha direita e Konstantin, de volta à sua


persona Berezin, à minha esquerda. A luta com o Cavaleiro de Cristal teve
um custo. Tanto Alessandro quanto eu fomos cortados. Uma vez que a
adrenalina passou, a dor se instalou. Devo ter levado um golpe nas costas,
porque tudo, desde o ombro esquerdo até minha cintura, parecia um
hematoma gigante. Alessandro deve ter se machucado também, mas se
estava não deu sinal disso.

Bern tinha bolsas sob os olhos, enormes bolsas sob os olhos. Ele estava
bebendo um Red Bull e olhando para seu notebook. Ao lado dele, Runa
tomava um café gelado, sua expressão sombria. Halle, sua irmã, se
debruçou na cadeira ao lado dela, com o rosto na mesa. Atrás de Halle,

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Ragnar tinha um olhar distante e os olhos arregalados de alguém que


estava tentando o seu melhor para ficar acordado.

Arkan nos atingiu com um ataque de duas frentes. Começou com três
veículos blindados parando na entrada da casa. Buller saiu do primeiro e
gerou sua armadura. Já esperávamos que Buller aparecesse mais cedo ou
mais tarde, e o plano sempre foi que Arabella lidasse com ele. Não importa
o quão indestrutível ele fosse, ainda havia um ser humano em toda aquela
armadura e depois que minha irmã terminasse de desabafar sua frustração,
ele não representaria uma ameaça. Previsivelmente, uma vez que Buller
apareceu nas imagens de segurança, Arabella saiu correndo da casa
principal em direção ao portão da frente.

Infelizmente, a Maga Invocadora Superior de Arkan, Maya Krause,


abriu dois portais, um logo acima da casa principal e outro no portão
norte, e jogou duas flores Sangue da Noite. Os guardas no portão norte
caíram instantaneamente, assim como minha irmã e sua equipe de apoio
ao ataque.

Runa estava no chalé de seus irmãos. Ela ouviu a sirene, acessou as


imagens de segurança, viu Arabella inconsciente e Buller entrando, disse
a seus irmãos para ficarem quietos até que a luta acabasse e correu para
lutar. Halle e Ragnar a obedeceram com precisão e, no momento em que
ela matou uma das flores Sangue da Noite, eles correram para fora da casa
para ajudar a desintoxicar os outros.

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Os Magos Venenatas desintoxicavam seus pacientes inoculando


alguma droga que mataria o patógeno ou absorvendo a toxina e
metabolizando-a. Embora tivéssemos estoque de antídoto para as flores
Sangue da Noite, tínhamos muito pouco tempo a nosso favor. As crianças
Etterson se esgotaram desintoxicando o mais rápido possível aqueles que
foram afetados pela flor. O pobre Ragnar parecia não ter certeza de onde
estava ou o que estava fazendo aqui.

À minha direita, Arabella observava Konstantin em silêncio, com


fúria crepitando em seus olhos. Quando Arabella acordou eu a atualizei
de todos os fatos, e ela focou em Konstantin, responsabilizando-o pelo
ferimento de mamãe e tudo o que se seguiu. A minha irmã era muito mais
perigosa quando estava em silêncio. Quando ela não dizia nada é por que
a fúria fervia por dentro.

Konstantin e Alessandro correram para o portão norte durante o


ataque, perdendo Buller por alguns minutos.

Alessandro incendiou a primeira flor Sangue da Noite com seu lança-


chamas favorito. Konstantin mudou de forma para a forma de um nossos
guardas e foi atrás de Krause, mas ela fugiu assim que deixou cair as flores
pelos portais. Depois que Alessandro matou a flor, ele voltou e correu para
Buller e eu.

Vovó Frida batia os dedos na mesa, observando mamãe que estava


sentada à sua frente. Mamãe parecia mais pálida hoje, sua pele bronzeada

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estava um pouco cinza. Vovó Frida me disse que mamãe não estava
tomando seus remédios para dor. O ataque pegou vovó Frida na garagem
enfiada até os cotovelos dentro de seu mais recente projeto de artilharia
móvel. O protocolo de segurança ditava que ela e a equipe de guardas de
três pessoas protegessem o portão sul, o que foi exatamente o que ela fez.

Leon sentou-se ao lado da vovó Frida. Seus braços, expostos por sua
camiseta, ostentavam cortes pálidos, finos como cabelos que pareciam
cicatrizes antigas. O que quer que tenha atacado o FBI o pegou também.
Doutor Patel me disse que não tinha certeza se essas cicatrizes
desapareceriam ou quando. Esses ferimentos definitivamente tinham
cobrado o preço nele, e era por isso que Leon estava dormindo em sua
torre quando a Sangue da Noite pousou em nosso pátio. Ele tentou atirar
na flor e em Buller, e nada disso adiantou, nem mesmo a metralhadora
minigun surtiu efeito. Agora Leon estava pensativo, com o coração partido
porque se sentia inútil.

A porta se abriu e Cornelius entrou, sua expressão grave. Matilda foi


a próxima, seu longo cabelo escuro preso em um rabo de cavalo. Ela
estava carregando um gato fofo Himalaio , cujo nome completo era Go

Himalaio é uma raça de gatos desenvolvida nos EUA e Reino Unido, e, relacionada ao gato persa e ao gato
siamês.

Ruby Fever
Livro 6
301

Mi Nam e que geralmente respondia por ‘Kitty’. Patricia Taft foi a última
a entrar, carregando uma lata de lixo.

Algumas pessoas tinham uma reação mais forte a intoxicação pela


Sangue da Noite do que outras.

Matilda foi até Ragnar e colocou o gato em seu colo. Ragnar piscou
para ela, assustado.

— Consolo, —explicou Matilda.

Go Mi Nam ronronou obedientemente como um trator


descontrolado.

— E eu? Não mereço consolo? —Leon perguntou tristemente.

Matilda deu a volta na mesa, o abraçou gentilmente e acariciou o


cabelo de Leon como se ele fosse um cachorro. — Vai ficar tudo bem.
Ainda vai ter pessoas para você atirar nas próximas vezes.

Todo mundo estava finalmente aqui.

Antes de mais nada.

— Família, esse é o Príncipe Berezin. —Eu balancei a cabeça para


Konstantin.

— Konstantin, por favor, —disse Konstantin com um sorriso


encantador.

A família retribuiu o olhar.

Ruby Fever
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302

— Konstantin representa o Império Russo. Ele vai nos ajudar com


este conflito, —eu disse.

Arabella tirou a colher de metal da bebida de Runa e a dobrou.

Expliquei sobre o príncipe, sobre o contrato, Smirnov e tudo o que o


cercava.

Ninguém disse nada.

— Você sabe quem atacou Linus? —Arabella exigiu.

— Sim, —eu disse a ela.

— Já fez alguma coisa sobre isso?

— Não.

A indignação no rosto da minha irmã era tão gritante que quase pedi
a Alessandro que invocasse um escudo para mim.

— Catalina! —Arabella rosnou.

— Foi Kaylee Cabera, e eu não sei como ela se encaixa nisso ainda.

— Sim, —ofereceu Konstantin.

Eu me virei para ele.

— Kaylee era um fracasso , —disse Konstantin. — Luciana estava


enfrentando muita pressão da família para escolher uma sucessora oficial

Os membros das Casas que não manifestam magia são chamados de fracassos.

Ruby Fever
Livro 6
303

e não poderia ser Kaylee. Claro, você já deve estar ciente da conexão entre
Arkan e Luciana.

Alessandro acenou para ele.

— Luciana entrou em contato com Arkan para resolver o problema e


assim o fez. Kaylee sobreviveu a exposição do soro e se tornou um de seus
mutantes Superiores. Infelizmente, alguém alertou Duncan sobre o fato, e
ele começou a investigar. Luciana percebeu que o Guardião estava se
aproximando muito de sua filha, chegando perto de descobrir a verdade,
então Luciana exigiu que Arkan matasse Linus. Arkan recusou.

— Por que? —Leon perguntou.

— O Guardião do Texas é um alvo arriscado, —respondeu


Alessandro. — Ele provavelmente não tinha certeza de que poderia lidar
com as consequências desse assassinato.

— Luciana pegou sua filha monstro e tentou matar Linus de qualquer


maneira, —disse Konstantin. — E ainda por cima, ela não conseguiu selar
um acordo. Arkan ficou furioso, quebrou algumas coisas contra a parede
e, depois que se acalmou, decidiu que precisava fazer o controle de danos.
Ele ordenou que Xavier matasse Luciana e tornasse isso explicito.

— E Xavier a matou no restaurante de Linus, —pensei em voz alta.


— Como uma espécie de oferta de paz. ‘Olha, ela tentou matar você, e eu a
puni em retaliação.’

Ruby Fever
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304

— Exatamente. —Konstantin assentiu.

Na mente de Arkan, isso provavelmente faria Linus e ele se acertarem


de alguma forma. Ao contrário, colocou o Gabinete do Guardião do
Texas e Arkan em rota de colisão. E o príncipe russo tinha visto nisso uma
oportunidade para derrubar Arkan, então ele nos deu um empurrãozinho.
Eu já tinha chegado a conclusão da maior parte disso, mas foi bom ter
uma confirmação.

— Eu a quero morta, —disse Arabella, sua voz monótona.

— Não tanto quanto eu, —eu disse a ela. — Quero estrangular a


garganta dela. —Fiz o movimento de apertar com a mão. — Então ela não
poderia mais nos machucar. Seria reconfortante.

Todos olharam para mim. Aparentemente, devo ter dito algo


surpreendente.

— Infelizmente, há a pequena questão do juramento de posse, —eu


disse. — Eu sou a Guardiã Interina. Tenho ... obrigações.

— Foda-se as obrigações. —Arabella deu um soco na mesa. A


madeira tremeu um pouco.

— Vamos prendê-la, —disse Alessandro. — Se ela resistir, vamos


neutralizá-la de uma forma ou de outra.

Arabella apertou os lábios, sua boca era uma linha dura e plana.

Ruby Fever
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305

— Estamos em bloqueio total daqui para frente, —eu disse. — Arkan


está vindo para nós. Precisamos tirar as crianças?

— Não, —disse Ragnar.

Halle levantou a cabeça da mesa. — Absolutamente não. Nós não


vamos embora. Esta é a nossa casa.

Olhei para Cornelius.

— Vou ficar aqui, —anunciou Matilda.

— Parece o curso de ação mais prudente, —disse Cornelius.

Patricia pegou sua lata de lixo, saiu para o corredor e fechou a porta.
Todos nós nos olhamos silenciosamente naquela direção até que os sons
de vômito pararam e ela voltou.

— Mandar as crianças para fora criará uma oportunidade para fazer


reféns, —disse Patricia.

— Então as crianças ficam, —eu disse. — E Regina?

— Minha esposa ainda está com o primo em Lyon, —disse Patricia.


— Ela não deve voltar por mais uma semana. Eu os informei sobre a
situação e pedi que ela não interrompesse sua viagem.

Eu podia imaginar como isso tinha acontecido. Conhecendo Regina,


ela iria querer estar no próximo avião para Houston.

— Como estão nossos telefones? —Mamãe perguntou.

Ruby Fever
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Todos olharam para Bernard. Ele alcançou debaixo da mesa e tirou


uma grande caixa cheia de telefones empilhados ordenadamente, cada um
etiquetado com um nome. Leon pegou seu telefone e passou a caixa ao
redor da mesa.

— Isso não vai acontecer de novo, —disse Bernard.

— Existe um plano para esta situação de Arkan? —Perguntou


Arabella.

— Konstantin nos forneceu um detalhamento das finanças de Arkan.


Ele guarda uma grande quantidade de dinheiro nos Estados Unidos. Nós
bloquearemos o dinheiro dele, —eu disse. Eu conhecia um agente do FBI
que ficaria muito feliz em ajudar.

Alessandro falou, sua voz tingida de distanciamento, como se


estivesse discutindo uma tarefa. — Arkan tem um informante no
Escritório da Promotoria do condado de Harris.

Leon assobiou.

Eu xinguei quando descobri.

— Há outros informantes também, mas o da Promotoria é o mais


importante, —disse Alessandro.

— Você vai expô-lo? —Perguntou Arabella.

— Não. Vou cuidar dele pessoalmente, —disse o Artífice.

Ruby Fever
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Havia uma terrível determinação na voz de Alessandro. Eu tinha


esquecido como ele estava com raiva.

Arabella sorriu. — Eu gosto dessa parte.

Eu me virei para Leon. — O que exatamente aconteceu com os


agentes do FBI?

Leon deu de ombros. — Nada demais.

Eu esperei.

Ele suspirou. — Eu os segui até os Caberas.

— Eu não te vi.

— E não era mesmo para ver. Você disse ‘nas sombras’. Não disse ‘se
mostre’.

Ele tinha um ponto.

— O pessoal de Arkan nos atingiu na Justice Park Drive, —continuou


Leon. — Literalmente quarenta e cinco segundos do escritório de campo
do FBI. Um Enercinético e outro idiota estranho. O Enercinético acertou
o veículo dos agentes com projéteis. Houve uma pequena explosão ...

— Defina pequena, —mamãe disse.

— A porta do lado do motorista explodiu, o motor voou e pousou no


teto do SUV. O motor amassou o topo do carro, mas não o esmagou

Ruby Fever
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completamente. —Leon levantou a mão e a inclinou de um lado para o


outro.

— O motor ficou metade para dentro, metade para fora. Claro, as


janelas quebraram porque o teto cedeu.

— Vidro blindado barato, —Vovó Frida opinou. — Típico serviço de


contrato público.

Eu reprimi um gemido.

— Eu derrubei o Enercinético, mas o outro idiota se esgueirou do lado


oposto. Ele disparou rajadas de uma porcaria brilhante, parecia algas
marinhas, picou como tentáculos de água-viva, e as coisas ficaram sérias
quando ele envolveu o carro dos agentes com essa porcaria e o metal
começou a fumegar.

— Onde estavam os agentes do FBI neste momento? —Mamãe


rosnou.

— Dentro do carro.

Oh não.

— Levei um segundo para alcançá-los, —disse Leon. — O carro


estava queimando, e a fumaça dificultava a visão e a respiração, e então
as algas se contraíram, e houve um barulho crocante de metal amassado,
e aí ficou difícil ouvir.

Arabella colocou a cabeça sobre a mesa, a face para baixo.

Ruby Fever
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309

— Então o idiota tentou atirar essa merda em mim, mas eu vi a


direção de onde estava vindo, e o resto é história. —Leon sorriu.

— O que aconteceu com os agentes do FBI que provavelmente


respiraram fumaça tóxica enquanto estavam presos em um carro sendo
esmagado? —Perguntou Alessandro.

— Eu os puxei para fora. A agente Garcia estava basicamente bem.


Wahl não estava respirando, então fiz RCP até que o pessoal do FBI
saíram correndo do prédio e ajudaram.

— Esse é o meu garoto! —Vovó Frida disse.

Eu o encarei.

— O que foi? —Ele levantou os braços. — Wahl estava respirando


bem quando eu saí. Colocaram uma daquelas máscaras de oxigênio no
rosto dele, apesar dele arrancá-la de vez em quando para xingar. Tudo está
bem quando se termina bem. E agora eu tenho cicatrizes legais. Garotas
gostam de cicatrizes.

— Uma família muito fascinante, —disse Konstantin.

Ele não tinha ideia do quanto fascinante nós éramos.

Reanimação cardiorrespiratória

Ruby Fever
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310

— Certo, —eu disse. — Todos nós já sabemos o que devemos fazer.


Arabella, continua na guarda, vou cuidar das contas de Arkan, Alessandro
e Konstantin vão atrás do informante.

— E nós? —Perguntou Ragnar.

— Vocês irão dormir um pouco e descansar. Não sabemos quando


seremos atacados novamente.

— Antes de encerrarmos, —disse Cornelius. — Alguém viu a aranha?

— Há uma aranha? —Konstantin perguntou.

Arabella arregalou os olhos. — Sim, muito grande, muito venenosa.

Bern clicou em seu notebook. As imagens da câmera de segurança do


corredor do escritório apareceu na tela na parede. Nela, Edviges
atravessava vagarosamente o tapete e correu para o escritório de Arabella.
O relógio na tela dizia 03:41 da manhã.

— Bem, ela ainda está viva, —disse Cornelius.

— Ela está lá. —Matilda apontou para a parede lateral. — Vou tentar
convencê-la a sair quando tudo se acalmar.

— Quero enfatizar que um ataque pode acontecer a qualquer


momento, —eu disse. — Ele vai jogar tudo o que puder em nós. Nevada
e Connor estão lidando com Matthew Berry e seus mercenários do CAP.
O governo está fingindo que esse problema não existe. A Assembleia

Ruby Fever
Livro 6
311

Nacional está tentando gerir a morte da sua Presidente. Estamos por nossa
conta.

Todos assentiram. Ninguém parecia alarmado ou surpreso. Eles


simplesmente aceitaram. Em algum lugar ao longo dos últimos três ou
quatro anos, a Casa Baylor se tornou uma Casa de combate. Se Arkan
pensou que suas investidas nos quebraria, deve ter ficado muito
desapontado.

— Você deveria fazer alguns daqueles seus pequenos sanduíches com


pãezinhos havaianos e sobras de lombo de porco, —Vovó Frida me disse.
— Assim sua mãe não vai morrer de fome no Ninho do Corvo dela.

A sala de conferências se esvaziou.


Leon parou ao lado de Alessandro ao sair. — Como você sabia que
Buller era vulnerável a facas?

— Assisti a uma gravação dele lutando contra um Praelia uma vez, —


disse Alessandro.

Ruby Fever
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Magos com o talento Praelia invocavam armas e as amplificavam com


sua magia. Eles eram geralmente chamados de Magos Guerreiros e eram
um inferno lutar com um deles corpo-a-corpo.

— O Praelia lutava com uma bela katana , —disse Alessandro. — A


espada nem arranhou Buller. Perto do final da luta, o Praelia ficou sem
energia e sua espada desapareceu. Buller o agarrou pela garganta, e o
mago invocou uma faca e tentou forçá-la através da armadura. Ele
empurrou a faca e parece que atingiu o alvo, porque Buller enlouqueceu e
pisou no cara até a morte.

— Boa descoberta, —disse Leon e saiu.

Éramos apenas Arabella, Alessandro e eu.

— Você está bem? —Eu perguntei a ela.

— Quanto tempo me restava quando vocês me acordaram? —Ela


perguntou.

— Doze minutos, —eu disse a ela. — Você foi a primeira a ser


desintoxicada por Halle.

Arabella me lançou um olhar pensativo.

Catana ou Katana é uma tradicional espada japonesa que foi usada pelos samurais do Japão antigo e feudal. A
catana é caracterizada por: uma lâmina curva de um único fio, com uma guarda circular ou esquadrada e um cabo longo para acomodar duas mãos.

Ruby Fever
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313

— Sinto muito, —eu disse a ela.

— Estou cansada de tanta coisa ruim acontecendo.

— Eu também.

Arabella suspirou e ficou de pé. — Eu vou ... fazer algumas coisas.

Ela saiu da sala e fechou a porta atrás de si. Alessandro e eu nos


entreolhamos.

— Explique a coisa do primo Sasha para mim, por favor. Como você
está envolvido com o Império?

Ele suspirou. — Quanto você sabe sobre a mudança da dinastia russa?

— Não muito. Em 1916, o equilíbrio de poder na Primeira Guerra


Mundial mudou a favor da Rússia. O Império Alemão sofreu baixas
pesadas e decidiu assassinar o czar Nicolau II. Acho que bombardearam
a carreata de sua família durante a Páscoa. Apenas Anastasia e Alexei
sobreviveram porque não estavam nos dois carros da frente.

— Isso mesmo. —Alessandro assentiu. — O assassinato criou um


vácuo. Alexei era muito jovem e muito doente para assumir o trono. O
Império estava no meio de uma guerra e exigia uma mão forte. Eles
ofereceram a coroa a meia dúzia de pessoas, mas todas recusaram.

Eu não fazia ideia de que os russos tinham que fazer a dança das
cadeiras com o trono do maior império do continente europeu. Os livros
de história que eu li encobriram essa parte. É claro que no Texas a história

Ruby Fever
Livro 6
314

do Texas ocupava mais espaço no livro didático do que todo o resto da


civilização ocidental combinado.

— O que aconteceu então? —Eu perguntei.

— A Rússia lutou para encontrar alguém que fosse adequado e


disposto a aceitar a coroa. Eles escolheram Michael Berezin, que liderou
a ofensiva russa contra o Império Alemão. Michael Berezin tornou-se
Michael I, e toda a sua família se uniu a ele para garantir que ele
sobrevivesse. O país dependia disso. Eles enfrentaram uma guerra do lado
de fora e agitação civil do lado de dentro. Os comunistas ainda agitavam
os trabalhadores nas grandes cidades. Eles estavam falhando
principalmente porque, ao matar Nicolau II, a Alemanha o transformou
em um mártir. Os russos queriam um novo monarca e queriam vingança.

— Isso explica muito sobre como Konstantin pensa. Família contra o


mundo.

— Exatamente. Michael I tinha um irmão mais novo, Boris. Ele era


um Mago Antistasi, como sua mãe, e simpatizante do comunismo. Ele
achava que a Rússia estaria melhor sem a monarquia, então conspirou
com sua célula comunista para assassinar seu irmão. A Okhrana, a polícia
secreta imperial, havia colocado um agente na célula para ficar de olho
nele. A trama foi exposta.

— As tramas geralmente são.

Ruby Fever
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315

— Michael I não aceitou que seu irmãozinho fosse morto, então Boris
foi destituído de seus títulos e propriedades e exilado. Boris acabou no
Reino Unido, onde comprou uma identidade falsa e se casou com uma
família de comerciantes, os Winstons, que estavam dispostos a ignorar a
certidão de nascimento e passaportes falsos para adicionar um
Significativo de nível superior ao pool genético da família.

— A família da sua mãe.

Ele assentiu. — Meu bisavô era um homem muito amargo. Ele passou
a vida tentando recuperar seus títulos e seu status.

— Achei que você tivesse dito que ele era comunista.

— Isso foi antes dele ficar pobre. —Alessandro riu baixinho. — Meu
avô também era obcecado por títulos, e é por isso que minha mãe acabou
em um casamento arranjado com meu pai.

Sua mãe era uma Antistasi Significativa de nível inferior. Ele me disse
antes que ela tinha a magia, mas não o poder ou o treinamento para usá-
la.

— Meu avô materno arranjou esse casamento por causa do título,


minha mãe aceitou porque gostava do meu pai e queria fugir da família,
meu pai a achava linda e que dariam filhos poderosos, e meu avô paterno
ganhou um dote pelo casamento. Todos se beneficiaram.

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Os olhos de Alessandro estavam escuros. Onze anos depois que seus


pais subiram ao altar, Arkan assassinou Marcello Sagredo, e a vida de
Alessandro nunca mais seria a mesma.

Eu me levantei e passei meus braços ao redor dele. Ele suspirou,


exalando calmamente a tensão.

— O Império quer você de volta? —Eu perguntei.

— Não estou preocupado com isso. Konstantin é perigoso.

— Eu sei. Vou ser cuidadosa.

Seu telefone tocou. Ele o tirou do bolso e o olhou.

— Arkan tirou Sanders do Alasca .

Sanders era uma má notícia. De todos os Superiores no arsenal de


Arkan, ele era quem me deixava mais ansiosa.

Alessandro se levantou e me beijou. — Eu tenho que fazer uma


ligação.

— Eu tenho que deixar um príncipe russo saber exatamente onde ele


está.

O Alasca, a noroeste do Canadá, é o maior e menos povoado estado dos EUA. Ele é conhecido pelo
relevo diverso composto por espaços abertos, montanhas e florestas, com uma vida selvagem abundante e muitas cidades pequenas. O Alasca é um
destino para atividades ao ar livre como esqui, mountain biking e canoagem. O enorme Parque Nacional e Reserva de Denali abriga o monte Denali
(anteriormente chamado de Monte McKinley), o pico mais alto da América do Norte.

Ruby Fever
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317

Alessandro ergueu a mão. Nós nos cumprimentamos silenciosamente


e saímos da sala de conferências, ele para seu escritório e eu para a porta
da frente.

Konstantin estava sentado em um banco de pedra do lado de fora do


nosso prédio, exatamente onde eu pedi que ele ficasse depois da reunião.
Uma fila de nossos cães de guarda se estendia dele. Os cães se
aproximaram um a um, liderados por seus tratadores, para que pudessem
memorizar o cheiro de Konstantin. Eu o queria devidamente marcado
antes que ele e Alessandro saíssem.

O céu não conseguia decidir se queria estar nublado ou inundado de


sol, e o vento continuava empurrando as nuvens para frente e para trás.
Quando saí, as nuvens acima deslizaram para o lado e um raio de sol
dourado irrompeu e se derramou sobre Konstantin, deixando seu cabelo e
sua pele brilhando. Ele parecia um anjo. Não um daqueles anjos reais
intocáveis, mas um cheio de calor. Vê-lo ali era como uma cena de um
filme. Eu meio que esperei que ele se virasse para mim em câmera lenta
enquanto uma trilha sonora piegas começasse a tocar.

Konstantin estendeu a mão quando Ranger, um enorme pastor


alemão, o cheirou. — Kakoy horoshiy pios.

— Gosta de cães?

Russo: Cachorro bonzinho.

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Livro 6
318

Ele assentiu. — São criaturas honestas. Ao contrário de nós.

Ele sabe o que diz.

O príncipe se virou para mim e sorriu.

Uau.

— Eu não sabia que você era boa com uma lâmina, —disse ele.

— Há muitas coisas sobre mim que você não sabe. —E se dependesse


de mim, continuaria sem saber.

— Estou começando a ver isso.

A maneira como Konstantin olhava para mim ... era um pouco


demais.

— Por que Arkan não alvejou Smirnov? Ele sabia que nós o tínhamos.
Era lógico que ele estaria no arsenal, mas Buller passou direto.

Konstantin me olhou com seus deslumbrantes olhos aquamarines. —


Arkan carece de objetividade. Ele é sentimental e valoriza as amizades.
Vamos pegar Xavier como exemplo. Ele é indisciplinado, volátil e
impulsivo. Tudo o que Arkan detesta. Mas por razões que só Arkan
conhece, ele gosta de Xavier. Ele o vê como uma espécie de aprendiz e o
deixa escapar impune de coisas que fariam com que a maioria de seus
outros comparsas fossem demitidos. Em termos americanos, Arkan tem
seus favoritos. Smirnov era mais do que um favorito. Eles se conheceram
no treinamento básico. Ambos foram retirados dela pela Segurança

Ruby Fever
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Imperial e atravessaram Miasorubka juntos. O Moedor de Carne. Intenso


treinamento de combate. Suponho que o treinamento do SEAL de vocês
seja semelhante, exceto que os candidatos SEAL podem desistir e
raramente morrem em treinamento. As pessoas que passam por
Miasorubka morrem com bastante frequência.

— O que vai acontecer quando Arkan perceber que você matou


Smirnov?

Konstantin sorriu. — Imagino que ele vai olhar para o céu e uivar
como um lobo. Eu gostaria de poder ver isso.

Ele poderia ligar para Arkan a qualquer hora e dizer que o melhor
amigo dele estava morto. Sim, isso mudaria a natureza da isca, mas eu
tinha certeza de que quando Arkan descobrisse que Konstantin havia
assassinado Smirnov, ele moveria céus e terras para puni-lo. Konstantin
estava guardando a revelação para o momento certo.

A matilha de cães recuou, levada por seus donos.

— Acabaram seus cachorros.

— Não exatamente.

Eu estalei minha língua. Os arbustos à minha esquerda farfalharam, e


Shadow surgiu a céu aberto. Minha cadela não gostava de estranhos. Ela
era muito boa em não ser vista quando não queria ser.

O príncipe piscou.

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Eu a peguei no colo e apontei para Konstantin. — Ele é mal.

Shadow soltou um latido baixinho.

— Sim, nós não gostamos dele. Mal, muito mal.

— Isso é um dachshund misturado com alguma coisa? Terrier


escocês , talvez?

— Isso não importa, —eu disse a ele.

Shadow rosnou, percebendo a hostilidade na minha voz. Eu a


coloquei no chão. A cadela latiu mais uma vez para deixá-lo saber que ela
falava sério e abanou o rabo. Ao me endireitar, vi uma pequena e magra
humana descendo o caminho sombreado entre as árvores. De um dos
lados dela trotavam duas grandes criaturas. Do outro lado uma terceira
criatura, quase comicamente pequena em comparação aos outros dois, os
acompanhavam um pouco atrás. Eles se moveram silenciosamente, as
sombras da copa das árvores deslizando sobre seus pelos.

A diversão brilhou nos olhos de Konstantin. — Agora que eu conheci


todo mundo, posso vagar livremente?

Dachshund ou teckel, também apelidado de cão-salsicha, é uma raça de cães oriunda da Alemanha. Esta raça está inserida em
grupo próprio da FCI devido a sua grande variedade de tamanho e pelagem: standard, miniatura e kaninchen; pelo longo, liso e duro.

Terrier escocês [Nota] (em inglês: Scottish Terrier) é um cão de origem escocesa. Conhecidamente uma das raças terriers mais
antigas da Escócia, foi desenvolvida para tornar-se um cão de caça, desentocando as presas para seus donos, já que a caça, naquela época, era uma
atividade primordial, respeitando ainda as exigências dos lordes, de não terem um grande cão caçador. A paixão dos escoceses por este cão é tão
grande que gerou a frase: Já existiam escoceses nestas planícies quando a Europa ainda estava sob domínio romano. Sua popularidade na Europa é
grande, e um dos mais famosos desses terriers figurou no desenho animado A Dama e o Vagabundo, da Disney. Na sociedade, foram símbolo da
marca de uísque Black and White e companheiros dos ex-presidentes norte-americanos Franklin Roosevelt e Ronald Reagan.

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— Ainda não.

— Há mais? Talvez um mini poodle ou um valente chihuahua ?

— Algo parecido. —Eu balancei a cabeça na direção do caminho.

Konstantin virou-se para ver e fechou a boca.

Vários anos atrás, os militares tentaram aplicar magia e engenharia


genética para fazer ursos hiperinteligentes. Eles planejavam usá-los em
combate, como ou por que eu nunca consegui entender.

O programa foi descontinuado, mas alguns de seus animais


combatentes permaneceram. Sargento Teddy era um deles. Um enorme
Kodiak que media um metro e sessenta de altura quando estava em suas
quatro patas e três metros e meio de altura quando ficava de pé. Ele pesava
quase setecentos quilos. Suas patas eram maiores que a minha cabeça e
podiam quebrar um crânio humano com um único golpe como se fosse
uma noz. Suas garras tinham quase quinze centímetros de comprimento e
seus dentes davam pesadelos.

O Poodle Toy é um dos cachorros mais populares do Brasil, e na versão toy, ele ganha ainda mais adeptos em cidades grandes, pois
podem viver em apartamentos e espaços pequenos sem maiores problemas.

Chihuahua é uma raça de cães de pequeno porte originária do México. É uma das menores raças do mundo, ganha em medidas
com o Pequeno cão russo. Se divide na variedade de pelo longo e de pelo curto. De acordo com a Federação Cinológica Internacional, a raça é de
padrão 218, inserida no grupo 9, pertencente a seção 6.

O urso-de-kodiak também conhecido como urso pardo de kodiak ou urso pardo do Alaska é uma subespécie de urso-pardo que
habita as ilhas do arquipélago de Kodiak no sudeste do Alasca e ilhas adjacentes.

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322

Apesar de tudo isso, o sargento Teddy era um pacifista. Ele preferia a


companhia humana a viver na natureza e gostava de crianças. Ao lado
dele, Matilda, de dez anos, parecia minúscula, como uma criança
desamparada. A golden retriever de trinta quilos atrás deles parecia um
cachorrinho de seis semanas.

A terceira criatura, ao lado do Sargento Teddy, era tudo menos um


pacifista. A primeira coisa que se notava nele era a sua cor. Seus pêlos
eram de um azul índigo impressionante, tão vívido que parecia irreal, uma
cor que deveria pertencer a algum pássaro exótico, não a um enorme
predador felino. Quase um metro de altura do ombro ao chão, dois metros
de comprimento, a criatura felina se movia em grandes patas que
escondiam garras de foice. Seu corpo musculoso lembrava um tigre, mas
a franja de tentáculos em volta do pescoço não deixava dúvidas de que
Zeus não era uma criatura nascida na Terra.

As duas feras se aproximaram. Zeus parou a meio metro de


Konstantin, inclinou-se para frente e cheirou, seus olhos brilharam
turquesa.

O príncipe russo ficou muito quieto.

O golden retriever é uma raça canina do tipo retriever originária da Grã-bretanha, e foi desenvolvida para a caça
de aves aquáticas.

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Seu rosto se realinhou muito sutilmente. Ele estava quase


impossivelmente lindo agora.

— Não fomos devidamente apresentados, —disse ele a Matilda. —


Eu sou o príncipe Konstantin Berezin. A quem tenho a honra de me
dirigir?

— Sou Matilda Harrison, da Casa Harrison.

— É um prazer, Matilda. —Ele inclinou a cabeça. — Sinto muito que


minhas ações tenham ferido seu pai. Não era minha intenção incluí-lo
neste caso. Peço seu perdão e espero que me permita fazer as pazes.

Uau. Konstantin leu Matilda em uma fração de segundo. A maioria


das pessoas não falaria com uma criança de dez anos dessa maneira, mas
de alguma forma, ele descobriu que Matilda era uma adulta no corpo de
uma criança.

— Você é um príncipe de verdade?

— Sim. Meu tio é um Imperador e costuma me dizer que sou seu


sobrinho favorito.

Matilda considerou isso. — E você acha que é?

— Suspeito que meu tio diga isso a todos os sobrinhos quando quer
que façamos algo por ele.

Ela levantou o queixo. — Eu aceito suas desculpas. Sargento Teddy


acha que você cheira como um urso.

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Konstantin assentiu. — Minha Casa tem uma longa afinidade com os


ursos. Você pode dizer que somos praticamente uma família.

E o que diabos isso significava?

Matilda olhou para ele, então se virou para mim. — O cheiro foi
adquirido.

— Obrigada, Matilda.

— Claramente, estou dentro do O Livro da Selva , —disse


Konstantin. — Já conheci os lobos, o urso e a pantera.

— Não se preocupe, não há uma cobra .

Ele me deu um olhar estranho. — Eu já a conheci.

— Como? —Eu perguntei.

— Deixa para lá. Só estava sendo fútil.

— Ser fútil não é uma boa ideia, —disse Matilda. — Meu pai me diz
que matar é uma parte inevitável de ser um Superior. Se você quebrar as
regras, eu vou te matar.

O Livro da Selva é o título de um livro publicado em 1894, constituído de uma coleção de 7 contos do escritor Rudyard Kipling,
inicialmente publicados em revistas de 1893 e 1894. As publicações originais contêm ilustrações, algumas do pai de Rudyard, John Lockwood Kipling.

A cobra Kaa é um personagem fictício das histórias do The Jungle Book, escritas por Rudyard Kipling. Ele é uma cobra
gigante. Nos livros e em muitas das adaptações para a tela, Kaa é uma aliada do protagonista Mowgli, agindo como um amigo e mentor de confiança
ou figura paterna ao lado de Bagheera e Baloo.

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— Considere-me devidamente avisado. —Konstantin assentiu.

A golden retriever trotou para frente e se sentou, olhando para


Konstantin com um sorriso canino feliz.

— O nome dela é Rooster, —disse Matilda. — Ela será sua


observadora.

— De todos os cães disponíveis, você escolheu me atribuir uma golden


retriever? —As sobrancelhas de Konstantin subiram uma fração de
centímetro.

— Por favor, mude de forma, Sua Alteza, —disse Matilda.

O rosto de Konstantin ficou turvo e Alessandro apareceu em seu


lugar. Era uma cópia perfeita, até o corte estreito no queixo de Alessandro
que ele ganhou lutando contra Buller.

Rooster explodiu em latidos. Ela não era apenas barulhenta. Era


ensurdecedora.

— Meu Deus, —Konstantin gritou por cima do barulho, — é como


levar um soco nos tímpanos.

— Volte para a sua forma, por favor, —Matilda pediu.

Konstantin reapareceu. Rooster ficou em silêncio e ofegou para ele.

— O latido de Rooster pode chegar 112 decibéis, —Matilda o


informou. — Ela pode latir por horas sem parar e sem se cansar. Se você

Ruby Fever
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mudar de forma, ela vai latir. Se tentar escapar, ela vai latir. Se tentar se
separar dela de alguma forma ...

— Ela vai latir? —Konstantin perguntou.

— Sim. Se ela latir por mais de um minuto, o sensor eletrônico em sua


coleira enviará um alerta. Cortar a coleira ou removê-la também acionará
um alerta. —Matilda o encarou. — Se alguma coisa acontecer com
Rooster ou com a coleira dela, eu saberei. Irie atrás de você. E vou levar
alguns amigos. Espero que eu tenha sido clara.

— Clara como cristal, —ele disse a ela.

— Por favor, siga-me agora, —Matilda disse a ele. — Pediram-me


para familiarizá-lo com o layout do Complexo.

— Eu ficaria encantado, —ele disse a ela.

Os dois desceram o caminho, ladeados por um urso e um tigre de


tentáculos arcanos. Rooster trotou atrás deles, seu olhar fixo em
Konstantin.

Patricia saiu do escritório e ficou ao meu lado. — Isso é mesmo sábio?

— Não podemos segurá-lo aqui contra à vontade dele e não podemos


mantê-lo preso. Nossa melhor saída é deixá-lo vagar sendo
supervisionado.

Patrícia suspirou. — Estamos sendo observados.

Ruby Fever
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— Já sabíamos disso.

— Não, Arkan ficava de olho em nós. Vez ou outra algum drone dele
vagava por cima do Complexo ou colocavam algumas câmeras em árvores
aleatórias do lado de fora dos limites da propriedade, que encontrávamos
e desmontávamos. Agora ele tem dois postos de vigilância ativos. Um está
na Fazenda Orduna, vigiando nosso portão da frente, e o outro está na
propriedade dos Reading, vigiando nossa entrada. Eles nos mantêm sob
vigilância 24 horas.

— Não podemos evitar. Pode ser uma vantagem em determinadas


circunstâncias.

Patrícia assentiu. — Além disso, fui abordada.

— Vara ou cenoura ?

— A vara por enquanto. Estão tentando me chantagear. Vá embora


ou então ...

— Regina?

Patrícia assentiu novamente. Ela era nossa cavaleira de armadura


brilhante, que se certificava de que nossa força de guarda atuasse como
uma unidade. Sem Patrícia, estaríamos boiando mortos na água. Sua

A frase "vara ou cenoura " é uma metáfora para o uso de uma combinação de recompensa e punição para induzir um comportamento
desejado. Na política, "cenoura ou vara" às vezes se refere ao conceito realista de poder brando e duro. A cenoura nesse contexto pode ser a
promessa de ajuda econômica ou diplomática entre as nações, enquanto a vara pode ser a ameaça de ação militar.

Ruby Fever
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esposa estava escondendo um segredo. Regina era a fraqueza de Patricia.


Claro que Arkan iria se concentrar nela.

— Você contou a ela?

— Sim.

— O que vocês duas acham disso?

Patricia sorriu, seu leve sotaque britânico foi nítido. — Não temos o
hábito de ceder a chantagens.

Soltei um suspiro interno.

— Não nos conhecemos nas melhores circunstâncias, —disse Patricia.

— Verdade.

Quando Patricia entrou em nosso escritório há dois anos, nossas


defesas estavam em frangalhos e a reputação dela estava em frangalhos.
Era praticamente impossível para Patricia conseguir ser contratada por
alguma Casa, mas estávamos desesperados e ela foi altamente
recomendada pelo sargento Heart, um dos agentes veteranos de Connor,
um homem assustador e competente que todos tinham em alta conta.
Especialmente mamãe.

No ano passado, o romance entre mamãe e o Sargento Heart


progrediu de reuniões discretas e mamãe mencionou casualmente que
‘Benjiro ligou’, para jantares em público e horas relaxantes juntos na
piscina. Eles estavam prestes a tornar oficial essa relação, e todos nós

Ruby Fever
Livro 6
329

éramos a favor. Patricia não poderia ter vindo com uma recomendação
melhor.

Patrícia me encarou. — Esta casa também é nossa agora. Nós


gostamos daqui.

— Fico feliz.

Patrícia riu baixinho.

— Se sobrevivermos a isso, você estará em alta demanda, —eu disse.

Ela ergueu as sobrancelhas para mim.

— Será a chefe de segurança que enfrentou Arkan. Quaisquer


manchas em seu registro serão limpas. Casas cairão sobre seus pés
tentando contratá-la. Você poderá definir suas próprias condições de
trabalho.

— Percebe que não é do seu interesse apontar isso?

— Sim, mas é justo.

— Então é melhor você pensar em uma maneira de me manter aqui,


Superiora Baylor. —O tom de Patrícia sugeria que não seria muito difícil.

— Vou colocar na minha lista de afazeres, —eu disse a ela.

Ruby Fever
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Andei de um lado para o outro, tentando combinar a velocidade do meu


corpo com a velocidade do meu cérebro. Eu havia notificado de que
estávamos sob ataque a maioria de nossos aliados e maioria dos prováveis
alvos de alto risco e recusei uma dúzia de ofertas de assistência. A irmã e
o irmão de Cornelius estavam em Washington a negócios, aos olhos do
público e bem protegidos. Meu desastre de tia tinha sido retirada da rua
no México por uma empresa de segurança privada. Eles se sentariam
sobre ela até que o perigo passasse.

Tentei ligar para o celular de Wahl, mas a ligação foi direto para a
caixa postal, o que provavelmente significava que o agente do FBI ainda
estava se recuperando.

Também tive uma longa e cansativa conversa sobre logística e


compensação com o homem que nos ajudaria a garantir que Arkan não

Washington, DC, capital dos EUA, é uma cidade compacta às margens do rio Potomac, vizinha aos estados de Maryland e
Virgínia. Nela, destacam-se monumentos e prédios neoclássicos imponentes, como os que servem de sede aos 3 poderes federais: o Capitólio, a Casa
Branca e a Suprema Corte. A cidade também abriga museus emblemáticos e centros de artes cênicas, como o Kennedy Center.

O México é um país situado entre os Estados Unidos e a América Central, conhecido pelas praias no Pacífico e no Golfo
do México e pela paisagem diversificada que inclui montanhas, desertos e selvas. Ruínas antigas, como Teotihuacán e a cidade maia de Chichén Itzá,
estão espalhadas pelo país, assim como cidades da era colonial espanhola. Na capital, Cidade do México, lojas elegantes, museus renomados e
restaurantes gourmet atendem às necessidades da vida moderna.

Ruby Fever
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conseguisse mais nos espionar. A conversa foi como nadar em uma piscina
muito pequena com um tubarão muito grande. Foi tão ruim que mandei
uma mensagem para Arabella dois terços do caminho e deixei que ela
assumisse a negociação.

Alessandro e Konstantin tinham saído há uma hora. Eles


neutralizariam o informante de Arkan no escritório da promotoria. Eu não
tinha certeza do que aconteceria a seguir. Arkan poderia nos atingir assim
que percebesse que seu informante havia sido descoberto, ou poderia
esperar e reunir todas as suas forças para um ataque decisivo. Alessandro
prometeu fazer uma videochamada durante o encontro com o informante.
Se viesse um ataque, seria em breve.

Eu tinha uma sensação incômoda de que havia esquecido alguma


coisa. O que era? Que buraco deixei de tapar?

— Se você continuar andando desse jeito, terei que substituir o tapete,


—Bern me informou.

Ele estava sentado em uma mesa em forma de ferradura, com uma


série de monitores dispostos ao seu redor. Quando morávamos no
armazém, todo o equipamento de Bern ficava na pequena sala que
chamávamos de Cabana do Mal. Desde que nos mudamos, ele atualizou
o nome para Covil. O laboratório de informática agora ocupava todo o
primeiro andar de uma pequena torre que construímos de acordo com as
especificações de Bern. A mesa em forma de ferradura e o espaço ao redor

Ruby Fever
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ocupavam a maior parte do chão, com a sala de jogos, apresentando uma


fileira de computadores e cadeiras games, separadas ao lado por uma
parede de vidro. Uma pequena geladeira cheia de bebidas e um sofá, no
qual Runa agora cochilava, completavam a mobília. Bern governava seu
Covil como um antigo déspota, e seu tom sugeria que ele havia julgado o
meu vai-e-vem como uma ofensa capital.

Bern me pediu para vir, mas quando cheguei aqui, fui presenteada
com as costas dele e o som de teclas sendo furiosamente digitadas.

— Do que estou me esquecendo? —Eu perguntei a ele.

— Comer. Dormir.

— Há, há. Quando foi a última vez que você dormiu?

— Isso não é relevante. Tudo bem. Dá uma olhada nisso aqui.

Eu me aproximei e fiquei ao lado de sua cadeira. Uma tela preta me


cumprimentou com algum código indecifrável.

— Querida? —Disse Bern.

Runa saiu do sofá e cambaleou até nós.

Bern levantou a mão direita e pressionou deliberadamente a tecla


Enter.

Código floresceu na tela, rolando a uma velocidade vertiginosa. A tela


ficou escura.

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— Eu amo isso, —disse Runa. Ela se inclinou, abraçou Bern e beijou


sua bochecha.

Bern sorriu.

Runa se virou e voltou para o sofá.

— O que estou olhando? —Eu perguntei a ele.

— Derrubei a rede de Arkan, —disse Bern.

Nós olhamos para a tela escura.

— Você acha que ele está gritando agora? —Eu perguntei.

Bern me deu outro sorriso.

Nós olhamos para a tela um pouco mais.

Meu primo digitou uma sequência rápida. — Eu tenho algo para você.

Um grande monitor diretamente acima de nós mostrava o interior de


um carro blindado. Alessandro estava no banco do motorista. A mulher
de cabelos escuros ao lado dele usava o uniforme tático de nossos guardas.
Eu não a reconheci.

A mulher disse algo em russo na voz de Konstantin.

— Como estou vendo isso?

Bern pausou o vídeo. — Uma câmera escondida no painel. Todos os


nossos veículos têm uma dessa.

Eu não sabia disso. — Desde quando?

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— Desde dois meses atrás.

— Eu não deveria ter aprovado algo assim?

— Eu aprovei, —disse Bern. — Como Chefe de Vigilância e


Segurança Cibernética.

— Chefe do que?

— Vigilância e Segurança Cibernética. É assim que estou registrado


nos documentos da nossa empresa. As câmeras são uma boa medida de
segurança.

— Posso desativar a câmera no meu veículo?

— Sim.

Ele não falou mais nada. Tudo bem, eu perguntaria à vovó Frida.
Aposto com qualquer um que foi ela que as instalou. Agora, eu tinha
peixes maiores para fritar.

— Você está espionando Alessandro?

— Não, estou espionando o príncipe.

— É de quanto tempo atrás essa gravação? —Eu perguntei.

— Meia hora.

— Eu nunca pensei que você fosse um homem disposto a jogar


em segundo plano, —disse Konstantin em inglês. — Você foi criado
para liderar sua Casa, mesmo sendo uma Casa em ruínas. Você

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sempre foi um homem que preferiu ser capitão de um navio que está
afundando, mas que é seu, do que ser um marinheiro em um
transatlântico de luxo.

— Você serve ao trono. E nunca sentará nele. —A voz de


Alessandro era monótona e calma.

— Mas não fui criado com a expectativa de liderar. Você foi,


Conde Sagredo. Ela é a chefe de uma Casa, emite ordens, toma
decisões, e o que isso faz de você? Um guarda-costas leal? Um
rostinho bonito na cama dela?

Seu idiota.

— Você trocou sua independência e seu direito de nascença por


um lugar na mesa dela. Isso deve te incomodar de alguma forma.
Saber que a família dela só te ouve porque ela está lá. Eles o toleram
desde que você a faça feliz. Essa não é bem a família amorosa que
você sempre quis.

Alessandro não respondeu. Será que isso realmente o incomodava? Era


assim que ele via a nossa relação?

— Se vocês brigarem, eles ficarão do lado dela. Se vocês


terminarem, eles farão fila para chutá-lo em seu caminho para fora
da porta. A única maneira de garantir sua posição é através de
filhos, mas ambos sabemos que a compatibilidade não existe.

Ruby Fever
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A ansiedade me apertou. Eu queria ter filhos. Não agora, mas


eventualmente. Queria ter os filhos de Alessandro. Eu não dava a mínima
para que tipo de poderes eles poderiam ter. Simplesmente amava
Alessandro e amaria nossos filhos. Eles seriam inteligentes e engraçados
como ele. Nossos filhos teriam os olhos e o sorriso dele. E no meu pequeno
sonho de amor egoísta, eu nunca me perguntei como ele se sentia sobre
isso. A linhagem de Alessandro era muito longa. Toda a infância dele foi
sobre aprender a proteger e preservar sua linhagem. Sempre foi esperado
dele que passasse seus poderes para a próxima geração.

E se nossos filhos não fossem Antistasis?

— Talvez tudo isso seja verdade, —disse Alessandro. — No


entanto, a mãe dela é uma excelente atiradora e, ainda assim, todos
os ex-namorados e namoradas de seus filhos ainda estão respirando,
apesar dos muitos pecados deles. O que você pensou quando sua mãe
estrangulou Liudmilla naquele quarto de hotel? Como seu perfeito
irmão mais velho aceitou isso?

O sorriso de Konstantin se alargou e ele mostrou os dentes para


Alessandro. Essa história o incomodava. O golpe de Alessandro atingiu o
alvo.

— Minha mãe nos ama incondicionalmente, —disse Konstantin.


— Ela deseja apenas o melhor para nós, e tomará sobre si os pecados

Ruby Fever
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para nosso benefício. Já você pode dizer o mesmo? Mais importante,


pode fazer o mesmo?

Alessandro virou a cabeça para olhar para ele.

— O que você pode oferecer a ela, realmente?

— O que quer que esteja planejando, pode desistir, —disse


Alessandro.

Konstantin sorriu. — Recentemente tive a oportunidade de visitar


as minas de diamantes da Sibéria . Eles têm um ditado lá. ‘Um
homem que encontra um diamante nunca consegue mantê-
lo para si.’ Obrigado por encontrar este diamante, Sasha.

Alessandro parou no estacionamento em frente ao novo Centro de


Justiça, estacionou e olhou para o príncipe. Quase dei um passo para trás.
Ele tinha entrado em seu modo Artífice, e seu rosto estava tão frio.

— Aqui não é o Império, Konstantin. E ela não é uma rocha, ela


é uma pessoa. Você se acostumou a pensar que tudo pertence à sua
família, incluindo as pessoas. É um mau hábito. Neste país as
pessoas têm liberdade e escolhas. Seja qual for a escolha que ela fizer,

A Sibéria é uma vasta província russa que abrange a maior parte da Ásia Setentrional e apresenta paisagens
que variam entre tundra, florestas de coníferas e cadeias de montanhas, como os montes Urais, a cordilheira de Altai e a cordilheira de Verkhoiansk.
O lago Baikal, no sul, é o lago mais profundo do mundo, contornado por uma rede de trilhas para caminhada chamada de Bolshaya Baikalskaya Tropa.
A ferrovia Transiberiana passa por Baikal na rota entre Moscou e o Mar do Japão.

Ruby Fever
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eu a ajudarei a concretizar. Se alguém decidir bloquear o caminho


dela, eu o removerei.

Konstantin deu um arrepio teatral. — Muito ameaçador.

— 1547.

— Isso deveria significar alguma coisa? —Konstantin ergueu as


sobrancelhas, mas sua pose mudou ligeiramente.

— O código para a pequena cabana de madeira que seus pais


usam em Berekhino quando a pressão se torna muito grande e eles
querem se esconder e pescar no rio Oka . Considere seu próximo
passo com cuidado.

A tela ficou escura.

— Eu pesquisei sobre o incidente de Liudmilla, —disse Bern. — O


irmão mais velho de Konstantin tinha uma noiva que ‘se enforcou’ em seu
quarto de hotel durante as férias com a família. Ela tinha um histórico de
‘instabilidade mental’ de acordo com a imprensa russa. Entenda isso como
você quiser.

Cruzei os braços e olhei para a tela.

Oca é um rio da Rússia. É o maior tributário da margem direita do Volga. Nasce na planície central russa e
flui por 1 500 quilômetros, primeiro ao norte num vale estreito e ventoso para Kaluga e então acentuadamente a leste através duma planície para se
unir ao Volga em Nijni Novgorod.

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339

— A maneira como Konstantin falou sobre você sugere que ele pensou
sobre o que ia falar. Não foi uma coisa de momento.

— Sim, —disse Runa do sofá. — Ele está te observando.

— Percebi isso. —O príncipe Berezin desenvolvera um interesse


doentio por mim. Não, era mais provável que o Império Russo tivesse se
interessado por mim, o que era ruim de qualquer forma. Eu teria que
descobrir uma boa maneira de desencorajá-lo. Permanentemente.

Uma porta se fechou e Arabella irrompeu na torre brandindo um


pedaço de papel. — Quatrocentos e setenta e dois mil dólares?!

Runa se endireitou. — O que está acontecendo?

— Nada, —Bern disse a ela. — Volte a descansar, querida.

— Nada?! Está de brincadeira?! Isso é uma piada?! —Arabella acenou


com os braços.

Bern semicerrou os olhos para Arabella. — Eu disse para você parar


de jogar esses jogos gacha . Gastar dinheiro real em personagens digitais
só pode acabar em problemas, especialmente considerando as
probabilidades.

— Não são minhas despesas de jogo! É a conta do Escritório de


Registros!

Jogos gacha são jogos eletrônicos que adaptam e virtualizam a mecânica gacha. A monetização destes videogames é similar ao conceito de
loot boxes, quando se trata de induzir os jogadores a gastarem dinheiro. A maioria destes jogos é composta de jogos para celular free-to-play.

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Opa.

— Eu vou matar Leon, —Arabella rosnou

Bern colocou seus fones de ouvido com cancelamento de ruído e


apontou o dedo para a sala de reuniões.

— Vamos conversar ali. —Fui para a sala de jogos, mandando


mensagens de texto para Leon enquanto caminhava.

— Quatrocentos e setenta e dois mil dólares! —Arabella rosnou.


Leon deu de ombros. — Achei bastante razoável.

Arabella o encarou e me perguntei se a cabeça dela explodiria. O


controle de volume de voz da minha irmã sofria de mau funcionamento
crítico. Ela parecia só ser capaz de se comunicar por declarações
exclamativas.

— Olha, —disse Leon. — Doze carros, dois postes de luz quebrados


e um pedaço do estacionamento que precisa ser repavimentado. Estamos
pagando o custo de substituição dos carros com base no valor de mercado
atual. Estamos dando a eles a opção de receber um valor fixo ou um

Ruby Fever
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veículo de substituição. A maioria deles quer o valor fixo, o que na verdade


nos favorece ...

Ela plantou os braços na mesa e se inclinou para frente. — Essa não é


a questão.

— Eles poderiam ter nos cobrado pelo prédio, —disse Leon em seu
tom mais razoável.

— Não deveríamos pagar nenhum desses custos. Nós não causamos


esses danos. Xavier, Gunderson e Arkan são os únicos que destruíram
tudo.

— Verifiquei com Sabrian, —eu disse. — Podemos processar a Casa


Gunderson, mas eles provavelmente virariam o jogo e nos processariam
por homicídio culposo. Eles não vão ganhar, mas o processo será longo e
doloroso e se arrastará por muito tempo, no final do qual ficaremos com
as despesas de um monte de honorários legais. A menos que consigamos
que a Casa Gunderson pague os honorários, mas de acordo com os
relatórios de finanças, a situação financeira deles não é muito boa, então,
mesmo que ganhássemos, levaria anos para ...

— Não temos que processar os Gunderson. Vamos deixar que o


Gabinete do Guardião os processe.

— É muito difícil conversar com você quando está assim, —disse


Leon.

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— É muito importante mantermos um relacionamento cordial com o


Escritório de Registros, —eu disse.

— Qual pessoa nesta família é responsável pelas finanças? —


Perguntou Arabella.

— Você, —eu disse a ela.

— Excelente. Estou muito feliz por termos esclarecido isso. Não


vamos pagar essa conta.

— Sim, nós vamos, —eu disse.

— Não é nossa responsabilidade!

— Mamãe estava em perigo. Ela correu para o Escritório de Registros.


Eles a mantiveram segura até eu chegar lá. Então tivemos uma luta gigante
no estacionamento e os carros dos funcionários do Escritório de Registros
foram danificados. Alguém tem que pagar o prejuízo. Xavier e Gunderson
não irão fazer isso.

— Continua não sendo problema nosso, —disse Arabella. — O


Escritório de Registros tinha obrigação de proteger mamãe. É dever cívico.
Eles não recebem crédito por não serem idiotas.

— É como falar com uma parede, —disse Leon.

Ela virou a cabeça e o acertou com um olhar mortal. — Você sequer


tentou negociar?

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— Tentei sim.

— Como foi essa negociação? Conte-me.

Leon encolheu os ombros.

— Entrei e conheci Michael. Um cara de aparência sombria. Eu disse


a ele que estava lá em nome da Casa Baylor para cuidar dos danos. Ele me
deu uma lista. Analisei a lista. Pareceu razoável. Ofereci nossas desculpas
e disse a ele que lidaríamos com isso.

— E o que ele disse?

— Nada. Acho que ele é mudo.

— Ele não é, —eu disse.

Arabella se endireitou. — Vou pegar essa lista, enrolá-la em um tubo


e enfiar na bunda de Michael.

— Não! —Leon e eu dissemos ao mesmo tempo.

— Sim.

— Não faça isso, —eu disse a ela. — Isso é uma ordem direta.

— Eu não me importo.

— Arabella, se você tentar lutar com Michael, ele vai te matar. Aquele
cara me assusta pra caralho. Ele é a morte e as trevas.

Arabella levantou o queixo. — Bom. Estou precisando de um pouco


de treinamento.

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Oh Deus. Eu conhecia esse olhar. Ela não me ouviria. Não ouviria


ninguém agora. Eu precisava de apoio sério.

Peguei meu telefone e liguei para Nevada. Ela atendeu


instantaneamente. Mudei a chamada para o FaceTime .

Minha irmã estava no carro, no banco do passageiro.

— Arabella está chateada com a conta do Escritório de Registros


e quer confrontar Michael, —eu denunciei.

Nevada se inclinou para o telefone. Virei o aparelho, então a tela ficou


de frente para Arabella.

— Você não pode fazer isso, —disse Nevada.

— Só me observe.

— Se fizer isso, colocará toda a família em perigo.

— O que Michael pode fazer? Nos atacar? Ele vai ter que entrar
na fila.

— Escute-me. —A voz de Nevada vibrou com autoridade. Ela soava


quase como mamãe. — Você está sendo excessivamente emotiva
porque ainda está chateada por mamãe ter se machucado e Linus ter

FaceTime é um software proprietário destinado a chamadas de vídeo e chamadas de áudio desenvolvido pela Apple
Inc. O FaceTime está disponível em dispositivos móveis com o sistema iOS 4 ou versões posteriores e computadores Mac que executam Mac OS X
10.6.6 ou versões posteriores.

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entrado em coma. Sei que quer punir alguém por isso, mas o
Guardião dos Registros não pode ser essa pessoa. Ele não machucou
a mamãe. Não foi Michael quem machucou mamãe, Arabella. Na
verdade, ele a salvou. Salvou também Catalina e Cornelius. Você não
está sendo justa.

— Bem, não é justo que mamãe tenha se machucado, é? —Um


pouco de força desapareceu da voz de Arabella.

Mamãe nos amava e ela era a autoridade máxima quando éramos


crianças. Mas durante a maior parte de nossa adolescência, Nevada
cuidou de nós também. Ela dirigia o negócio que nos alimentava e
mantinha um teto sobre nossas cabeças, e quando tínhamos problemas que
não sabíamos como lidar, íamos para ela primeiro e depois para mamãe.

— Precisamos resolver isso, —disse Nevada. — Neste momento,


este é um problema que pode ser facilmente resolvido com dinheiro.
Se você criar um problema maior, não poderemos corrigi-lo. Você
precisa de dinheiro? Porque eu tenho um monte, e não me importo
em garantir que as pessoas que salvaram mamãe não fiquem
segurando uma sacola vazia.

Ah, isso foi inteligente.

Arabella recuou. — Guarde seu dinheiro. Nós temos o nosso.

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— Besouro está procurando por Xavier, —disse Nevada. — Nós


vamos encontrar aquele idiota, e quando o encontramos, Connor vai
esmagá-lo como uma barata que ele é.

— Sim, sim, tanto faz. —Arabella acenou com a mão.

Eu desliguei a chamada.

— Você não está errada, —disse Leon. — Mas sabe que também
estamos certos.

— Sim, —grunhiu Arabella. — Obrigada por cuidar da conta e das


negociações. Vou emitir o pagamento.

— De nada.

Ela se levantou e saiu. Bem, isso tinha ido melhor do que o esperado.

Leon colocou sobre a mesa um objeto comprido e enrolado em uma


toalha. — Para você.

Puxei a toalha de lado. A espada de espaço nulo de Linus. Oh meu


Deus. Tinha sobrevivido.

— Eu o tirei dos destroços do Rhino, —disse ele.

— Você é o melhor!

— Eu sei, —disse Leon solenemente. — É o fardo pesado que carrego.

Bern acenou para mim através da parede de vidro.

— Tenho que ir, —eu disse a ele.

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— Vou com você. Eu quero ver também.

Um grande monitor mostrava o interior do escritório de Lenora Jordan,


um espaço de estantes enormes, cortinas vermelhas e tapetes persas.
Lenora Jordan, uma mulher negra na casa dos quarenta anos, estava
sentada atrás de uma pesada mesa de madeira reciclada. Ela não era
apenas a promotora do condado de Harris, ela era a paladina, resoluta,
incorruptível e inflexível de Harris. Usava um terno cinza poderoso, mas
poderia muito bem ter sido uma armadura. As casas de Houston
reconheciam a necessidade de lei e ordem, e eles a escolheram como sua
executora. Lenora Jordan não sabia o que era ser intimidada.

Ela olhava para o notebook na frente dela. Seu rosto estava


impassível. Do outro lado da mesa, Alessandro e Konstantin estavam
sentados em grandes cadeiras de couro. Konstantin havia mudado de volta
para a forma de Smirnov. Ele era alto, austero e curvado, e se mexia
enquanto se sentava. Eu nunca tinha visto Konstantin fazer isso até agora,
então deve ser um dos maneirismos de Smirnov.

Uma batida cuidadosa ecoou pela sala. A porta deve ter se aberto fora
das imagens da tela porque Lenora olhou para cima e assentiu. Matt

Ruby Fever
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entrou na sala. A última vez que o vi, quando ele veio buscar Alessandro,
ele usava uma camisa social com mangas arregaçadas, seu cabelo estava
uma bagunça e seu rosto ostentava dois dias de barba por fazer. Hoje Matt
usava um terno preto, seu cabelo estava penteado para trás e seu rosto
bronzeado estava barbeado. Ele parecia o que era, um jovem advogado de
sucesso.

Matt entrou na sala e parou no meio do tapete na frente da mesa de


Lenora. — Você queria me ver ...

Ele viu Smirnov. Em uma fração de segundo sua expressão rasgou


como uma máscara frágil. Sua mão entrou em sua jaqueta.

Alessandro disparou pela sala, insanamente rápido. Ele agarrou o


braço de Matt, torceu, e uma arma caiu no tapete. Se eu tivesse piscado,
eu teria perdido. Em um momento Matt estava pegando sua arma, no
próximo estava curvado, seu braço preso nos dedos de Alessandro.

— Obrigada, Superior Sagredo, —disse Lenora. — Assumo


daqui.

Alessandro soltou Matt e deu um passo para trás.

Correntes grossas estouraram do tapete, espiralando em torno de Matt


em um flash. Em meio segundo, as correntes o agarraram em um punho
mágico, levantando-o do chão meio metro no ar. Seus óculos estavam

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tortos em seu nariz, mas não fizeram nada para diminuir o desafio que
torcia o rosto dele.

Ele olhou para Lenora e zombou. — Ah. Sempre me perguntei


como seria isso.

— Você traiu este escritório, —disse Lenora.

— Sim.

— Por que?

— Dinheiro, é claro, —disse Matt. Sua expressão ficou dura. — Você


sabe qual era o meu salário inicial? Não, claro que não. Sessenta e
quatro mil dólares anuais. Estou aqui há três anos e meu salário
agora é só sessenta e oito.

Lenora permaneceu impassível.

Um pouco de cor voltou ao rosto de Matt. Ele continuou.

— Eu me formei em Columbia com cento e noventa mil em


dívidas na faculdade de direito, além dos cem mil que ainda devo a
Baylor U pelo meu bacharelado. Meu apartamento custa três mil
por mês, e eu odeio isso. Todos os dias eu lido com Casas e

A Universidade Baylor é uma instituição universitária particular, de batista localizada em Waco, no


estado do Texas, nos Estados Unidos da América. É afiliada à Convenção Batista Geral do Texas e à Convenção Batista do Sul.

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Superiores, cujos pirralhos são pegos por beber e dirigir em seus


Mercedes e Audis sem habilitação, enquanto eu me arrebento
para poder dirigir um Honda . Eu tenho que comprar meus ternos
a crédito, só para não ser ridicularizado.

— Então é por isso? —Lenora inclinou a cabeça. — Cento e setenta


e dois dólares.

— O que é isso?

— O subsídio mensal do vale-refeição que minha mãe recebia no


ano em que me formei no ensino médio. Conte-me novamente sobre
seus ternos. Eles são legais?

Matt piscou, então se recuperou. — Quer saber, dane-se. Você é


uma chefe de merda, Lenora. Não cuida do seu pessoal, então
encontrei alguém que cuide. O que quer que esteja esperando tirar de

A Mercedes-Benz é uma marca alemã de automóveis pertencente a Mercedes-Benz Group criada em 1924, sendo
resultado de uma fusão entre a Benz & Cie. e a Daimler-Motoren-Gesellschaft. É a mais antiga empresa de automóveis e veículos comerciais da
Alemanha e do mundo.

Audi AG é uma empresa automobilística alemã que faz parte do grupo Volkswagen. O grupo Audi AG ainda inclui a
Lamborghini e a Ducati. Considerada marca de produtos de luxo.

Honda Motor Company, Limited é um dos mais importantes fabricantes de automóveis e motocicletas do mundo.
Fundada por Soichiro Honda. Teve sua pronúncia "ronda" consolidada - antes "ondá" - após sua expansão e entrada no mercado alemão,
determinando assim uma marca universal.

Ruby Fever
Livro 6
351

mim, esqueça. O feitiço de proteção na minha mente é mais forte do


que qualquer coisa que você possa jogar nele.

Matt torceu o pescoço para encarar Smirnov. — E você? Seus dias


estão contados.

Uma porta se abriu, Nevada entrou e ficou ao lado de Lenora. O rosto


de Matt empalideceu.

— Senhor Benson, —disse Nevada.

Matt não respondeu.

Nevada pegou os cantos do tapete e o dobrou ao meio, expondo o


chão escuro embaixo.

As correntes deslizaram para fora de seu caminho, deslocando Matt


de lado, e se endireitou novamente.

— Ontem à noite, Xavier Secada enfiou um pedaço de metal na


perna da minha mãe, —disse minha irmã.

Matt engoliu e lambeu os lábios. — Sinto muito por ouvir isso.

— Eu também. —Nevada pegou um pedaço de giz. — Acredito que


você e eu deveríamos ter uma longa conversa agradável.

Meu telefone tocou. Um número estrangeiro desconhecido


começando com 351. Agora o que?

Ruby Fever
Livro 6
352

Acenei para Bern. Ele silenciou a tela, e eu atendi a chamada no viva-


voz.

— Superiora Baylor falando.

— Meu nome é Christina Almeida, Superiora da Casa Almeida.

Mulher, jovem, leve sotaque, não era espanhol, não era italiano, outra
coisa.

Os dedos de Bern voaram sobre o teclado. O site de busca cuspiu os


resultados. Casa Almeida, Casa portuguesa, antiga nobreza, rica, ganhava
dinheiro com a borracha e a cortiça ...

— Como posso ajudá-la?

Mais uma página de resultados da busca de Bern. Christina Almeida,


Magus Praelia, Superiora. Uma Maga Guerreira. Como Buller, que
conjurava armaduras, os Praelias conjuravam armas e as usavam com
habilidade mortal.

— Vim buscar meu noivo, —disse Christina.

— Quem seria?

— Alessandro Sagredo.

O que?

Um texto apareceu com as coordenadas GPS.

Ruby Fever
Livro 6
353

Mostrei as coordenadas para Bern. Ele os conectou ao mecanismo de


busca e o Google Maps mostrou. Um parque, dez minutos abaixo de nós.

Arkan fez seu movimento. Isso foi muito rápido. Como ele sabia?

— Você virá? —Cristina perguntou.

Uma hora era pouco, mas seria tempo suficiente.

— Estarei lá, —eu disse a ela.

— Bom. Estou ansiosa pela nossa conversa.

— Como seu primo-irmão, sinto-me compelido a apontar que essa


situação é uma merda fodida, —disse Leon enquanto eu virava para a
estrada lateral.

— Achei que tínhamos concordado que você não usaria esse termo.

— Merda fodida?

Ruby Fever
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354

— Primo-irmão. Escolha um, não os dois.

A área ao redor do Complexo ainda era predominantemente rural,


com a cidade invadindo como um polvo urbano esticando seus tentáculos.
Campos se estendiam dos dois lados da estrada, com uma casa de fazenda
aqui e ali e pequenos negócios como oficinas de automóveis e clínicas
veterinárias surgindo ao acaso na estrada. O transporte blindado de tropas
balançou ao rolar sobre as irregularidades da estrada. O veículo era muito
mais seguro, mas muito menos confortável que Rhino. Senti falta do nosso
SUV.

Leon verificou sua SIG Sauer. Runa tinha heroicamente se oferecido


para vir comigo nesta aventura, mas ela mal conseguia ficar de pé. Além
disso, Leon havia mencionado novamente que ‘precisava de consolo’, o
que na fala de Leon significava que ele queria ser útil.

— Será que é mesmo uma noiva dele? —Ele perguntou.

— Provavelmente.

— Mas como?

— Suspeito que seja mais um noivado arranjado pela família dele. Ele
anda recebendo ligações.

— Que tipo de ligações?

— O tipo que ele atende em particular. Fala em italiano, e fica irritado.

Ruby Fever
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355

A família Sagredo acumulava dívidas há gerações e arrastavam essa


montanha de dívidas atrás deles esperando vender Alessandro por um
bom dinheiro. Eles haviam arranjado três noivados para ele, e Alessandro
desfez cada um deles. Tentar vendê-lo pela quarta vez não seria
surpreendente.

Leon franziu a testa. — Corrija-me se estou enganado, mas ele não foi
expulso da família? Eles o renegaram.

— Sim.

— Então, como poderiam estar arranjando noivados para ele?

— Se algo acontecer e você for renegado, irá parar de se importar com


seu irmão, com Arabella ou Nevada?

Leon fez uma careta. — Então é uma chantagem emocional.

— Provavelmente.

A infância nos moldava de maneira profunda e fundamental, e a


infância de Alessandro foi sobre assumir seu lugar de direito como chefe
da família, ostentar o nome Sagredo e fazer um bom casamento para que
a Casa Sagredo pudesse sobreviver por mais uma geração sem credores
batendo em suas portas. No fundo, Alessandro era um protetor. Essa parte
dele nunca desapareceu, só ficou mais forte, exceto que agora minha
família e eu erámos o foco desse impulso protetor. Antes de sair com
Konstantin, Alessandro me beijou e me pediu para ficar no Complexo até

Ruby Fever
Livro 6
356

que ele voltasse. Se ele descobrisse que eu saí nesta pequena expedição,
não ficaria feliz.

Infelizmente, não pude evitar. Precisava verificar o alcance dessa


ameaça.

— É uma família bagunçada, —eu disse. — O avô dele administra a


Casa, e nem a avó de Alessandro nem a mãe dele conseguem enfrentar o
velho. Seu avô quer que Alessandro se case com uma herdeira.

— Ele tem uma avó? E o que, não somos ricos o suficiente?

— Não é apenas uma questão de dinheiro. É sobre herança de


princípios e títulos nobres perdidos que não deveriam importar, mas ainda
importam. Ele quer que Alessandro consiga uma esposa rica, volte para a
Itália e depois se sente em suas mãos pelo resto de sua vida. Porque foi
isso que ele e o pai de Alessandro fizeram. É uma espécie de tradição
familiar para os homens de sua família. Se Alessandro sair e decidir ganhar
seu próprio dinheiro, isso invalidará toda a vida de seu avô. O velho não
quer que Alessandro seja bem-sucedido, Leon.

— Então é a versão dele de ‘eu sofri e vivi na miséria, então todo mundo
tem que sofrer’?

A Itália, país europeu com uma longa costa mediterrânea, deixou uma marca poderosa na culinária e na cultura ocidentais.
A capital, Roma, é sede do Vaticano e abriga obras de arte monumentais e ruínas antigas. Outra cidade importante é Florença, com obras-primas do Renascimento, como
o "Davi", de Michelangelo, e o Domo de Brunelleschi. Destacam-se também Veneza, a cidade dos canais, e Milão, capital da moda italiana.

Ruby Fever
Livro 6
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— Exatamente.

— Nunca entendi isso, —disse Leon. — Se você sofresse, não gostaria


que seu neto fosse poupado desse sofrimento?

— Você e eu pensamos assim porque não somos idiotas. —Eu fiz


outra curva. — Contudo, o momento para essa noiva aparecer é bastante
suspeito. —Pegamos o informante de Arkan e, de repente, a noiva de
Alessandro aparece.

— Eu não gosto disso, —disse Leon.

— Nem eu.

Nos últimos seis meses, Alessandro e eu fizemos arranjos para limitar


o dano potencial que seu avô poderia causar, mas nenhuma preparação
poderia dar conta de todas as possibilidades. Ele não falou comigo sobre
isso.

— O avô dele não pode honestamente pensar que Alessandro vai


colocar o rabo entre as pernas e rastejar de volta para a família, —disse
Leon.

— Isso é exatamente o que o velho pensa.

O campo do lado direito havia terminado. Um novo loteamento


estava sendo construído, cercada por um muro de pedra, com telhados
semi-acabados erguidos acima dele. Placas pontilhavam o lado da estrada.

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PROPRIEDADES EM BRUSHY CREEK.

SOMENTE POR $ 400S

CASAS NOVAS

PRIMEIRA FASE DISPONÍVEL

BEM-VINDO AO LAR

VIRE À ESQUERDA

A entrada do loteamento esperava à frente, cercada por canteiros de


pedra curvadas. Eu dirigi o veículo para ele. Passamos pelas casas modelo
que também funcionavam como escritórios de vendas.

À frente, a rua de quatro pistas se dividiu, fluindo em torno de uma


ilha de gramado verde que oferecia um playground e um grande pavilhão
coberto com mesas de piquenique e churrasqueiras. As casas mais
próximas da entrada estavam quase prontas, mas aqui a construção ainda
estava em pleno andamento. Esqueletos de futuras casas erguiam-se dos
dois lados, enquanto as equipes de construção carregavam madeira e
pregavam pregos nas molduras de madeira. Um Food Truck azul de tacos
estava parado em um lado do parque, servindo tacos e sanduíches para os
trabalhadores da construção.

Olhei para o Food Truck.

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— TEPT? —Leon perguntou.

— Sim. Já estou imaginando se poderia explodir.

Dei a volta na ilha, estacionei do outro lado, de frente para a entrada,


e desliguei o motor. Apesar do caos de construção em ambos os lados da
rua, o próprio parque estava deserto.

— Você sabe que eu não era fã do cara quando vocês dois começaram
a namorar, —disse Leon. — Ele fez umas merdas estúpidas, e feriu seus
sentimentos. No entanto, mudei de ideia. O homem trabalha duro, cobre
suas bases e te ama com amor de conto de fadas.

Eu levantei minhas sobrancelhas para ele.

— O tipo de amor que todo mundo sonha em encontrar, mas a


maioria de nós não encontra. Alessandro não vai a lugar nenhum,
Catalina.

— Não estou preocupada que ele me deixe, Leon. Estou preocupada


que eles o machuquem.

Abri minha porta e saí. Leon saiu do veículo e nós dois sentamos em
um banco perto da mesa.

Bern havia feito uma rápida verificação de antecedentes de Christina


Almeida, enquanto eu tentava me preparar para esta reunião. A Casa

TEPT: transtorno de estresse pós-traumático. Um distúrbio caracterizado pela dificuldade em se recuperar depois de vivenciar ou
testemunhar um acontecimento assustador.

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360

Almeida era a sétima Casa mais rica de Portugal , e Christina era a mais
nova da geração atual. Ao que tudo indica, ela era adorada por sua família.

A Casa Almeida era bastante reservada. Pouco se sabia sobre eles.


Mas em termos gerais, a magia Magus Praelia era muito vantajosa em
uma luta. Os Praelias usavam armas brancas, invocadas ou reais, e
alteravam seus corpos para se tornarem melhores assassinos. Alguns se
tornavam mais rápidos ou mais fortes, outros aumentavam seus reflexos.
Alguns eram capazes de liberar rajadas de magia com suas armas.

O Food Truck abriu a janela. Cerca de uma dúzia de trabalhadores da


construção fizeram fila para pagar seus lanches.

— Chegando, —eu disse a Leon.

Ele sorriu um sorriso lento e sonhador.

Um Audi prata deslizou para o meio-fio do outro lado da rua com um


sussurro suave. Um homem alto e magro de cabelos brancos saiu do lado
do motorista e deu a volta no carro até a porta do passageiro traseiro. Sua
pele tinha um tom quase ocre e suas feições eram afiadas, como se
tivessem sido esculpidas em pedra por um escultor impaciente. Eu não

Portugal é um país no sul da Europa, localizado na Península Ibérica, que faz fronteira com a Espanha.
Sua localização às margens do Oceano Atlântico influenciou muitos aspectos da cultura do país: o bacalhau salgado e as sardinhas assadas são pratos
típicos nacionais, as praias do Algarve são destinos muito procurados e boa parte da arquitetura do país data dos séculos XVI a XIX, quando Portugal
era um poderoso império marítimo.

Ruby Fever
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361

podia dizer sua idade pelo rosto ou pela maneira como ele se movia. Algo
entre trinta e cinquenta.

Leon assobiou a música de abertura do filme ‘Por um Punhado de


Dólares’.

O homem de cabelos brancos abriu a porta do carro e uma mulher


saiu. Ela era um ano mais velha que eu, com pele pálida e longos cabelos
escuros, um castanho mais frio com mexas cuidadosamente tonalizadas.
Alta, cerca de um metro e setenta e cinco, talvez sessenta quilos, cintura
estreita, pernas longas, braços longos. E ela andava como uma esgrimista,
equilibrada e leve em seus pés. Seu terninho escuro se encaixava
perfeitamente nela, mas era solto o suficiente para deixá-la se mover
livremente.

Enormes olhos cinzentos em um rosto oval, nariz reto, uma boca


grande, que ela amenizou com batom rosa pálido ... Ela era muito bonita,
daquele jeito meio genérico de classe alta. Se você pesquisasse herdeira
europeia no Google, encontraria um monte de garotas como ela, com
olhos grandes, sorrisos encantadores e maquiagem perfeitamente
aplicada, projetada para elevar seus traços em vez de enfatizá-los.

Ela se aproximou e sentou na minha frente. O homem se posicionou


atrás dela. Enviei tentáculos de minha magia. Eles espiralaram de mim,
cuidadosamente deslizando ao redor de Christina para o homem atrás
dela. O homem não era um mago mental. A mente dele estava

Ruby Fever
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362

desprotegida e vulnerável. Provavelmente um Égide. Eu o capturaria na


minha teia com facilidade.

— Vou direto ao assunto, —disse Christina Almeida em sua voz com


sotaque. — A família de Alessandro e a minha Casa fizeram um acordo.
Fomos capazes de atender às demandas financeiras dele.

Eles o venderam. Novamente. Como esperado.

Deixei um único tentáculo do meu poder roçar suavemente contra a


mente de Christina, o toque de minha magia leve como uma pluma. Uma
barreira Antistasi.

Interessante.

— Quanto você pagou por ele? —Leon perguntou. — Só me


perguntando quanto um Antistasi de boa aparência está valendo no
mercado aberto hoje em dia.

Cristina o ignorou. — Seus sentimentos por ele e os sentimentos dele


por você são irrelevantes para este acordo. Trata-se de família, obrigação
e filhos.

Ela não era tão forte quanto a rocha de basalto que era a mente de
Alessandro. A magia Antistasi de Christina provavelmente tinha uma
classificação mais baixa, talvez uma Notável. Antistasi Padrão ou Notável
mais uma Praelia Superior. Invocação de armas aprimoradas, talvez?

Ruby Fever
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363

Christina se inclinou para trás, levantando ligeiramente o queixo. —


A família dele nunca vai aceitar você.

— Esse não é um bom argumento, considerando que eles o


renegaram, —disse Leon.

— Não é apenas uma questão de dinheiro, mas de classe e linhagem.


Você não tem nenhum dos dois. Além disso, não tem ideia de como lidar
com um Sagredo ou como navegar em sua dinâmica familiar. Seu avô é
um homem insuportável e tóxico.

Nisso, concordamos.

— Se você se casar com Alessandro e viajar com ele para a Itália, o


avô dele infernizará sua vida até que você desista ou se mate. Se você se
casar com Alessandro e mantê-lo aqui, a família dele o renegará
permanente. Ele perderá todo o contato com sua mãe e irmãs. A culpa vai
comê-lo vivo. Nós duas sabemos que o dever para com a família é o
calcanhar de Aquiles de Alessandro e os benefícios de um rosto bonito e
sexo intenso duram pouco. Nenhuma vagina é mágica.

Leon sorriu.

— Ao contrário de você, Senhorita Baylor, eu tenho a vantagem de


libertar Alessandro de seu avô, preservando seus outros laços familiares.
Eu darei o que ele realmente precisa: uma família com status e filhos
poderosos. Minha linhagem é compatível com a magia Antistasi. Minha

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Livro 6
364

avó era uma. Eu também sou uma. Sinta-se à vontade para testar minha
mente.

Wow.

— Nossos filhos serão poderosos e o futuro deles será garantido,


porque minha Casa dedicará todos os seus recursos ao treinamento deles.
Serão dignos do nome Almeida. Seus filhos com ele teriam dificuldades,
mesmo que por algum milagre genético, nascer com algum talento.
Liberte-o. Deixe-o viver a vida que ele fingiu ter todos esses anos. Se você
o ama, me ajude a tornar isso o mais indolor possível para ele. Nós duas
sabemos que Alessandro não pertence aqui.

Olhei para Leon. — Você entendeu a parte ‘minha Casa dedicará todos
os seus recursos ao treinamento deles’?

— Uh-hum, —disse ele. — A Casa Almeida está planejando jogar o


jogo até que o velho urubu morra e então tentarão absorver Sagredo para
a Casa deles.

— Vou vencer no final, de uma forma ou de outra, —disse Christina.


— Vi as gravações da manifestação de seu poder. Você precisa de um
círculo arcano para ser eficaz e seu uso de uma lâmina é rudimentar. Você
não é párea para mim fisicamente, magicamente ou em termos de recursos
familiares. No interesse de resolver este assunto rapidamente, estou
disposta a negociar. Dê o seu preço e podemos concluir este negócio

Ruby Fever
Livro 6
365

desagradável. Não veja isso como um suborno. Veja como uma extensão
da assistência de alguém que entende o custo emocional do sacrifício.

Ela era como uma criança mimada.

— Tudo bem, —eu disse a Leon. — Já sei tudo o que precisava saber.

— Estou sendo extremamente generosa, —Christina me disse.

— Claro que está. Por isso vou retribuir o favor. Você desembarcou
no meio de uma viciosa guerra entre Casas. Está sendo usada por nossos
inimigos como uma distração. Alessandro não vai embora com você. Ele
recusou três casamentos antes, e não é o tipo de pessoa que permite que
alguém o force a fazer qualquer coisa. Alessandro não vai aceitá-la
docilmente porque não é assim que os relacionamentos adultos funcionam.

Um rubor de raiva floresceu nas bochechas dela.

— Volte para o seu carro, pegue um avião e vá para casa. Você está
em perigo aqui, e não posso garantir sua segurança se ficar. Todos os
nossos recursos estão focados na proteção da nossa Casa. Não posso
dispensar ninguém para protegê-la.

— Eu não preciso de sua proteção, —Christina grunhiu. — Sou uma


Superiora!

— Assim como todos os outros envolvidos. Não tenho tempo para


isso. —Olhei para o homem de cabelos brancos. — Leve-a para casa. Ela
não está segura aqui, e esta guerra não é dela.

Ruby Fever
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366

— Nesse caso, vamos resolver isso aqui e agora. —Cristina levantou-


se.

— Não há nada para resolver. Alessandro Sagredo perceberia na


mesma hora se eu tocasse a mente dele, —eu disse. — Estou vasculhando
a sua desde que você chegou.

Três coisas aconteceram quase ao mesmo tempo. Um florete dourado


materializou-se na mão de Christina. O homem de cabelos brancos saltou
no ar, suas mãos se transformando em enormes garras. Leon disparou um
único tiro.

O homem caiu sobre a mesa, agarrando suas costelas. O sangue


molhou seus dedos.

Cristina deu um passo para trás.

— Ele vai sobreviver, —disse Leon. — Mas só se você levá-lo para o


hospital na próxima hora ou algo assim.

Os olhos de Cristina se arregalaram. Ela finalmente percebeu que seu


segurança estava de frente para nós quando atacou.

Ele deveria ter sido baleado de frente. Em vez disso, foi baleado pelas
costas. Eu não tinha ideia em que Leon rebateu a bala, mas foi muito
impressionante.

— Deixe-me deixar isso claro, —eu disse, e desta vez, não era minha
voz Tremaine. Era a minha própria voz, a Superiora Baylor, a Guardiã

Ruby Fever
Livro 6
367

Interina. — Este é o meu território. Você só está saindo daqui viva porque
eu estou permitido. Olhe atrás de você.

Cristina virou-se lentamente.

Tudo havia parado. A construção, os ruídos de vozes humanas, tudo


era silêncio. As duas dúzias de trabalhadores da construção civil e a
mulher dentro do caminhão de tacos nos encararam. Todos eles tinham o
meu rosto.

Cristina abriu a boca. Nada saiu.

— Vá para casa, —eu disse a ela. — Não vou pedir de novo.

Dois trabalhadores, ainda usando meu rosto, se aproximaram,


pegaram o homem de cabelos brancos e o levaram para o Audi. Um
terceiro operário corpulento veio para ficar ao meu lado. Vimos os dois
caras colocarem o homem ferido no carro. Christina olhou para eles,
olhou para mim e olhou para eles de novo. Um dos trabalhadores abriu a
porta do lado do motorista e a convidou com um movimento de mão.

— Por favor, —disse o trabalhador usando a minha voz.

A espada de Christina desapareceu. Ela me deu um olhar de puro


ódio, correu para o carro e pulou atrás do volante. O Audi decolou a uma
velocidade vertiginosa, contornou a área de piquenique e disparou para
fora do condomínio como uma bala de prata.

— Por trás? —Perguntei a León.

Ruby Fever
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— Eu estava me sentindo criativo, —ele me disse.

O corpo do operário corpulento se transformou em uma forma mais


esbelta e elegante.

— Achei que tudo correu muito bem, considerando todas as


possibilidades, —disse Augustine Montgomery.

Alessandro estava me esperando na frente do escritório com os braços


cruzados sobre o peito. Ele deve ter verificado com Bern, e Bern disse a
ele exatamente quem eu fui encontrar, mas não onde, assim como eu pedi
a ele.

A melhor defesa era um ataque vigoroso.

Estacionei o carro, caminhei até ele e dei um beijo em sua bochecha.

— Não fui com a cara de sua noiva, —eu disse e passei por ele para
dentro do prédio.

Ele levou exatamente três segundos para se recuperar. No momento


em que me sentei atrás da minha mesa, Alessandro estava na porta do meu
escritório.

Ruby Fever
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369

— Você deixou o Complexo. —Ele entrou e fechou a porta.

— É, eu deixei.

— Eu pedi para você me esperar. E não levou uma escolta de


segurança com você.

— Levei Leon, Augustine e cerca de vinte funcionários do MII. Eles


garantiram a área antes da minha chegada.

Eu tinha discutido a contratação da MII com Alessandro enquanto


Konstantin ligava para a casa dele pedindo permissão para nosso acordo
com o Império. Originalmente, eu queria contratar a MII para que eles
tirassem da rua todos os informantes ocultos de Arkan de uma só vez. Era
uma operação que exigia mão de obra que não tínhamos. Pedir a
Augustine para fazer um show para Christina foi uma decisão de última
hora, mas ele gostava de demonstrações de poder e era muito bom nisso.

Alessandro balançou a cabeça. — Essa não é a questão. Eu não queria


você envolvida nisso.

— Bem, nesse caso, deveria ter me dito, Alessandro. Você nunca


disse: ‘Não vá conhecer minha noiva secreta’, —eu abri meus braços.

— Ela não é minha noiva secreta, —ele grunhiu.

— Você pode querer dizer isso a ela. Durante uma de suas ligações
secretas, talvez.

Ele xingou em italiano.

Ruby Fever
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370

— Por que não me contou? —Eu perguntei.

— Porque é a minha bagunça. Minha bagagem. Eu nunca quis que


você conhecesse essa mulher. Na verdade, eu disse especificamente para
Christina e para minha mãe que ela não deveria vir para os EUA. —Ele
passou a mão pelo cabelo. — Não permitirei que as intrigas da minha
família afetem o que temos. Vou tratar disso. Ela não vai incomodá-la
novamente.

Esfreguei meu rosto. Eu nem sabia o que fazer com isso.

— Não tenho intenção ... —ele começou.

— Você tem trabalhado para a nossa Casa em um estado de estupor


por meses para que pudéssemos comprar esse Complexo e depois fazer
melhorias nele. As despesas e os problemas deste Complexo e desta Casa
é a minha bagagem. Todo esse conflito é minha bagagem, porque se eu
não fosse a Guardiã não estaríamos nessa bagunça. Então, você tem
permissão para carregar minha bagagem, mas eu não tenho permissão
para carregar a sua.

— Isso é diferente, —disse ele.

— Como?

— Simplesmente é.

— Bem, deixe-me saber quando você pensar em uma maneira de me


explicar para que meu pequeno cérebro possa entender.

Ruby Fever
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371

— Não será um problema novamente.

Eu queria sacudi-lo. — Estou furiosa com você.

— Eu sei.

— Quero que fique registado oficialmente.

— Devo preparar um documento assinado por duas testemunhas para


reconhecer que você está furiosa comigo?

— Não, você deveria me dizer quando sua família te chantagear.


Deveria me dizer quando estiver passando por um momento difícil,
porque eu te amo e sei quando algo está errado, e eu me preocupo. Não
fui encontrá-la porque pensei que você ia embora com ela. Fui lá porque
tínhamos acabado de pegar o informante de Arkan e ela apareceu do nada,
anunciando ‘estou aqui para levar meu noivo’. Fui avaliar uma ameaça. Eu
não fazia ideia—ainda não faço—se ela está aqui porque é uma
coincidência ou porque Arkan encontrou uma maneira de pressionar sua
família e a presença dessa mulher é o resultado de uma longa cadeia de
eventos que ele desencadeou. Você não me disse nada. Entendo que acha
que está abaixo de você me pedir ajuda ou aceitar minha ajuda, já que
devo ser totalmente inútil e incompetente, mas poderia pelo menos me
informar sobre esse tipo de merda por cortesia?

Alessandro deu um passo para trás com as mãos no ar na frente dele.

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Meu telefone tocou. Atendi a ligação e fiz o meu melhor para não
rosnar. — Sim?

— O ICES ligou, —disse Patricia.

O ICES, também conhecido como Instituição Correcional do Estado


de Shenandoah, uma prisão de luxo para ricos e poderosos. O gelo desceu
pela minha espinha.

— Houve um incidente. Sua avó está ferida.

Caminhei pelo corredor central do ICES como se eu fosse a dono dele.


As pessoas viam meu rosto e saiam do caminho. Com toda a honestidade,
essa comoção provavelmente não era por causa de mim. Era Alessandro
caminhando ao meu lado, parecendo que iria atropelar qualquer um que
ficasse em nosso caminho.

Liguei de volta para o ICES e tive uma conversa arrastada com a vice-
diretora. A conversa levou o dobro do tempo que deveria, porque ela
escolhia as palavras como se estivesse escolhendo as melhores maçãs do
mercado. Minha avó foi atacada e ferida. Foi levada para a enfermaria.
Ela também ficou um pouco chateada com o incidente, então o ICES

Ruby Fever
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373

ficaria feliz em dispensar os procedimentos normais de visita para minha


chegada. Traduzindo: Victoria Tremaine está furiosa, então, por favor, por
favor, apresse-se e acalme-a antes que o cérebro de todos comece a vazar
pelos ouvidos, obrigada.

Desliguei o telefonema e avisei a todos que precisava ir até o ICES.


Alessandro insistiu em vir comigo. Suspendemos nossa briga, pegamos o
Vault Bus, dois Humvees, oito soldados, mais Leon, e agora estávamos
aqui. Leon tinha ficado com o comboio do lado de fora dos portões da
prisão, porque precisava ser vigiado e porque o ICES lhe dava ‘arrepios’.

Konstantin também queria vir, mas cortei isso pela raiz. Eu não podia
arriscar que vovó transformasse a mente de Konstantin em mingau. Já
podia até imaginar a conversa com a Embaixada da Rússia. ‘Aqui está o
seu príncipe. Ele não pode mais falar frases completas, então nos perdoe por
isso.’

Fizemos uma curva e entramos na enfermaria. Um guarda


penitenciário entrou em nosso caminho.

— Superiora Baylor para ver a Superiora Tremaine, —eu rebati.

— Segundo quarto à direita.

Viramos à direita e Alessandro abriu a segunda porta. Minha avó


malvada estava sentada em uma cama de hospital. Um curativo envolvia
a cabeça dela. Sua maquiagem estava impecável, sua bata branca e calças

Ruby Fever
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374

brancas estavam impecáveis, e enquanto ela olhava para mim, seus olhos
eram afiados e duros como dois diamantes azuis pálidos. Trevor, seu cão
de guarda humano, estava vestido em um terno preto caro, em pé ao lado
da cama, seu rosto impassível.

Se alguém procurava por um agente do governo sem rosto com um


corte de cabelo curto, óculos escuros e uma expressão ilegível, não
precisava procurar mais.

— Não mereço mais que batam à porta? —Minha avó exigiu.

Alessandro se virou e bateu na porta aberta.

— Sim, muito esperto, —disse Victoria Tremaine.

Os olhos dela estavam vívidos, mas sua voz havia perdido um pouco
de sua firmeza. O ataque a abalou.

Foi minha culpa. Eu estava tão acostumada a pensar nela como uma
extraordinária e inexpugnável fortaleza de poder, que garantir a segurança
dela tinha escapado do meu radar. Era isso que eu tinha esquecido, era
isso que eu estava tentando desesperadamente lembrar no Covil de Bern
mais cedo.

Minha avó era uma potência mágica. Olhando para ela agora, eu não
vi isso. Eu vi uma mulher com mais de setenta anos que estava escondendo
sua fragilidade por muito tempo.

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375

A culpa me corroeu. Eu tinha me lembrado de tirar minha horrível tia


das ruas do México e colocá-la em segurança, mas tinha esquecido de
minha avó que estava a uma hora de distância. Victoria Tremaine não era
fácil de se lidar, mas ela realmente se importava conosco.

Virei-me para Trevor. — O que aconteceu?

— Ela foi atacada no jardim, —disse ele. — Uma guarda a atingiu


com um bastão na parte de trás da cabeça.

— E o corpo dela agora está esfriando no necrotério, —disse Victoria.


— Problema resolvido. Não havia necessidade de ninguém chamar você
ou de se dar o trabalho de vir até aqui.

Pensei que a aparição de Christina era uma retaliação de Arkan por


termos pegado Matt. Eu estava errada.

Essa foi a retaliação. Ele tinha alvejado Victoria. Arkan já devia ter
isso planejado e bastou um único telefonema. Se a guarda fosse um pouco
mais rápida ou batesse um pouco mais forte, minha avó estaria morta
agora.

Eu conhecia minha avó. Ela deve ter espremido cada gota de


informação de sua atacante antes de esmagar sua mente. Vovó não estava
me fazendo perguntas, o que significava que a guarda não sabia muito.
Podia nem saber quem a contratou. Agora, Victoria provavelmente estava

Ruby Fever
Livro 6
376

remoendo e tentando descobrir quais de seus muitos pecados passados a


alcançaram.

Eu tinha que levá-la para casa.

— Vovó, aqui não é seguro.

Victoria zombou. — Não seja ridícula.

Meu telefone tocou. Uma mensagem de texto de Sabrian, nosso


advogado.

— Nós vamos tirá-la daqui, —eu disse.

— Você está enganada, —Victoria retrucou. — Ninguém vai me levar


a lugar nenhum. Sou eu que ainda decido e quero ficar aqui.

Ela estava apostando que quem contratou a guarda tentaria


novamente. Vovó queria um segundo ataque para poder descobrir quem
estava por trás deles.

— Signora Tremaine.

Alessandro usou a forma italiana de tratamento, sua voz atenciosa,


firme e razoável. Ele deve ter decidido que ela responderia melhor a uma
abordagem formal e estava usando todos os poderes à sua disposição.

Ruby Fever
Livro 6
377

— Estamos sendo alvo de Ignat Orlov, —disse ele. — Isso não é sobre
você. É sobre a Casa Baylor. Você é uma vulnerabilidade.

Victoria me prendeu com seu olhar. Sua magia prendeu minha mente
em um torno. — E por que exatamente um ex-assassino russo está
mirando em sua Casa?

— Essa é uma conversa particular, que ficarei feliz em ter com você
quando estivermos seguras no Complexo. Nosso advogado fez arranjos
para uma liberação médica de emergência.

Não demorou muito, mas ela só tinha seis meses restantes em sua
sentença, e eu tinha previsto algo assim. Toda a papelada já estava
preparada, então inserir os detalhes específicos quase não levou tempo. O
ICES estava muito feliz em tirá-la de suas instalações.

— Temos um veículo blindado, —disse Alessandro. — Vamos


transportá-la com o mínimo de desconforto. Se permanecer aqui, estará
em perigo e a Casa Baylor não pode se dar ao luxo de perdê-la. Não
sobreviveremos sem sua sabedoria e orientação.

O aperto em torno da minha mente se intensificou. Os olhos da minha


avó perfuraram os meus. Segurar o olhar dela era como tentar olhar para
o sol e ter a luz atravessado seus olhos e queimando sua mente.

— Você não respondeu à minha pergunta, —disse ela.

— Vovó ... —Eu comecei.

Ruby Fever
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378

Ela se inclinou para frente, parecendo um réptil predador. — O que


está escondendo?

Ela não me deixou escolha.

— Trevor, a vovó está em perigo.

A magia disparou de Trevor como um punho invisível e acertou


Victoria. Os olhos dela rolaram para trás em seu crânio, e ela caiu na
cama. Trevor a pegou. O fino tentáculo de minha magia que tinha
capturado Trevor o agarrou com um pouco mais de força enquanto eu lhe
dava mais uma ordem.

— Siga-me por favor.

Saímos da enfermaria, Trevor com minha avó nos braços nos


seguindo dois passos atrás. O guarda abriu passagem, desviando os olhos,
como se estivéssemos carregando uma vítima da peste.

— Você subjugou Trevor? —Alessandro murmurou em italiano.

— Sim.

— Quando?

— Eu fiz isso pouco a pouco cada vez que ela o mandava falar comigo.

— Haverá um inferno para pagar quando ela acordar.

— Estou pronta para isso.

Ruby Fever
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379

Entrei no meu escritório, fechei a porta, sentei atrás da minha mesa e


respirei fundo. Havíamos acomodado a vovó Victoria em um quarto no
andar de cima. Ela ainda estava inconsciente. Eu estava pronta para
retomar nossa discussão sobre bagagens e noivas secretas, mas Patricia
veio e chamou Alessandro porque havia algum problema de segurança
urgente que exigia a atenção dele.

Isso foi bom. Eu poderia usar um tempo sozinha para me acalmar.

Olhei para minha tela. Tanta coisa tinha acontecido esta manhã que
eu não tive tempo de pensar sobre nada disso. Meu olhar se prendeu na
vela perfumada na minha mesa. Serenidade e Calma. Sim, gostaria de um
pouco dessas coisas. Vasculhei minha gaveta de cima em busca do isqueiro
até encontrá-lo, acendi a vela e olhei para ela. Normalmente as velas
calmantes cheiravam a lavanda, mas esta era baunilha com um toque de
canela, um aroma suave e quente que me fez pensar em bolos e Nevada.

Nevada ...

Toquei no teclado e iniciei uma chamada de vídeo. Eu poderia ter


usado o telefone, mas apesar de Bern ter protegido nossos aparelhos, eu

Ruby Fever
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ainda estava cautelosa. Não que ligar pelo computador fosse mais seguro,
seria a mesma coisa, mas ...

Nevada apareceu na tela. Seu cabelo estava em uma trança solta. Ela
estava sentada no grande sofá na sala de controle no segundo andar de sua
casa. A tela do computador me ofereceu uma bela visão dela e uma
pequena fatia da mesa de centro. Ela deve ter atendido a ligação em seu
tablet.

Em algum lugar fora de vista, Besouro provavelmente estava


empoleirado na frente de um grupo de monitores. Arthur tinha
adormecido ao lado de Nevada, e sua cabeça escura estava no colo dela.
Alguém tinha colocado um cobertor de crochê macio sobre ele. A mãe de
Connor fez alguns cobertores para o neto. Ele tinha um de cada cor.

— Ei, —minha irmã disse.

— Agora é um momento ruim?

— De jeito nenhum. Só Besouro está aqui, e ele está com fones de


ouvido. —Ela levou uma caneca aos lábios e tomou um gole.

— O que você está bebendo?

— Milky oolong . É relaxante. Você iria gostar. Vou levar um


pouco assim que esse conflito terminar.

Originário de Taiwan, este chá oolong (ou semi oxidado, um meio termo entre o chá verde e o chá preto), provém do cultivar Jin Xuan,
mas hoje já é plantado em outras regiões, como a China ou a Tailândia.

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— Obrigada por sua ajuda com Matt.

— De nada, mas não precisa me agradecer. Eu gosto de me


certificar que o escritório da promotoria me deva favores. Mantém-
nos longe de problemas.

— Você conseguiu alguma coisa boa?

Nevada sorriu seu sorriso assustador de Buscadora da Verdade. — O


homem era um baú de tesouro.

A conversa estava boa, mas já era hora de chegar logo ao ponto.

— Linus ainda está inconsciente.

Nevada suspirou. — Ele é um homem forte. Enquanto estiver


respirando, há esperança.

— Ele deixou um USB. Uma daquelas gravações do tipo ‘Se está


assistindo isso, é porque estou morto’. —USB esse que agora secava em
uma das estufas de Bern, porque eu fui estúpida o suficiente para afogá-lo.

— Humm, —disse Nevada.

— Linus diz na gravação que é nosso avô.

Nevada tomou um gole de chá.

— Você não parece surpresa, —eu apontei.

— Eu já desconfiava.

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— Porque ele sempre foi extremamente prestativo e atencioso com


a gente sem nenhuma razão lógica?

Ela balançou a cabeça. — Também por isso. Você se lembra bem


do papai?

Eu tinha doze anos quando nosso pai morreu. — O que você quer
dizer?

— Você se lembra do rosto dele?

Tentei recordar o rosto do meu pai. Lembrei-me de sua presença,


lembrei-me de como era quando ele estava na sala, seus cabelos loiros,
mas seu rosto estava ... borrado. A culpa me mordeu. Eu tinha esquecido
o rosto do meu pai.

— No servidor, deve haver uma pasta em Fotos que diz


‘Casamento da mamãe e do papai’, —disse Nevada.

Dividi a tela ao meio, procurei a pasta, encontrei e abri uma


apresentação de slides. Mamãe sorrindo, em um vestido branco, tão
jovem. Ela parecia uma criança, como se fosse uma de nós. Por alguma
razão, isso foi um pouco perturbador. E papai ao lado dela, loiro,
charmoso, sorridente.

As lembranças vieram à tona da minha infância e eu me lembrei do


rosto dele agora.

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Nevada se moveu um pouco para frente, pegou seu telefone e mexeu


nele.

Meu telefone tocou.

Arthur se mexeu. O controle remoto na mesa de centro flutuou no ar.


Nevada o arrancou do ar, colocou de volta e acariciou o cabelo do meu
sobrinho, acalmando-o de volta ao sono.

— Ele ainda manipula objetos enquanto dorme?

— Sim. Mas pelo menos parou de jogá-los, pelo que sou grata.
Olhe para o seu telefone.

Verifiquei o texto. Ela me enviou uma imagem, uma fotografia de um


jovem soldado de cabelos escuros sorrindo, uma estranha arma de fogo
em suas mãos ...

— Linus!

Nevada assentiu.

A semelhança era inconfundível. Papai parecia o Linus 2.0, em uma


versão loira. Um pouco mais baixo, um pouco mais delicado no rosto, mas
os mesmos olhos, o mesmo nariz, o mesmo sorriso.

— Eu me deparei com essa foto há dois anos, —disse Nevada. —


Linus e Connor são dois dos principais doadores de uma instituição
de caridade para veteranos. A caridade tinha um projeto que eles

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queriam discutir pessoalmente, então Connor e eu fomos, e enquanto


estávamos lá, eles nos mostraram uma parede de fotos de doadores
que estiveram no serviço. Olhei para essa foto na parede e me vi
olhando para o meu pai, só que de cabelos escuros. Foi um momento
muito estranho.

Olhei para a imagem no meu telefone. Então era verdade. Parte de


mim duvidava disso e, discretamente, esperava que Nevada me dissesse
que era ridículo.

— Por que Linus não nos contou?

— Não sei. Ele deve ter seus motivos. O nascimento de papai foi
complicado.

Victoria Tremaine não conseguia levar uma gestação até o fim, mas
queria desesperadamente um filho. Ela teve que confiar na inseminação
artificial e em uma barriga de aluguel. Segundo ela, pagou um Superior
para ser o doador paterno, mas não conseguiu encontrar uma Superiora
par ser sua barriga de aluguel, então ela cometeu um crime monstruoso.

Victoria implantou o embrião em uma mulher belga em coma, a


original Besta de Colônia , uma Maga Metamorfa que havia enlouquecido
durante sua última metamorfose.

Colônia ou Colónia é a maior cidade do estado federal alemão da Renânia do Norte-Vestefália e a quarta cidade mais povoada da
Alemanha.

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Nosso pai carregava os biomarcadores para quatro conjuntos de


magia: Buscador da Verdade de sua mãe, Victoria Tremaine; os talentos de
Sirene e Hefesto de seu pai, o doador; e a metamorfose da Besta de Colônia,
da barriga de aluguel cujo ventre ele cresceu. O microquimerismo fetal-
materno era o responsável pela magia de Arabella.

‘Complicado’ nem começava a descrever o nascimento do nosso pai.

— Há outro aspecto em tudo isso. —Nevada estendeu a mão por


trás do tablet e segurou um objeto na frente da tela. Parte dela era uma
engenhoca de madeira que parecia familiar.

— Isso é uma meadeira de fios ?

— Sim. Ou pelo menos era para ser.

Uma meadeira de fios parecia um guarda-chuva de madeira


modificado que segurava os novelos de lã para que pudessem ser enrolados
em bolas. Mas este que Nevada segurava tinha rolos de linha, e alguns fios
estranhos dobrados em ganchos, e mais fios coloridos estranhamente
esticados em voltas sobre os ganchos.

— Arthur construiu, —disse Nevada.

O microquimerismo fetal consiste na passagem de material genético do feto para a mãe, sendo o mais comum e complexo, e no materno, a
transferência ocorre da mãe para o feto.

Meadeira de fios

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— O que?

— Estávamos ocupados discutindo algo, e ele estava em seu


balanço bem ao nosso lado. Ele pegou o fio de lã de sua avó e sua
caixa de artesanato enquanto conversávamos, e então Connor notou
que ele estava construindo essa coisa no ar.

Bem, era certamente colorido.

— Ele já tinha construído coisas antes. Pequenas coisas que não


faziam sentido.

Nevada não soou feliz.

— E essa coisa faz sentido?

— Funciona, —minha irmã disse.

— De que forma?

Nevada ergueu a meadeira e apertou uma parte dela. A faixa de fio


azul estalou no ar. A meadeira girou, disparando fios a uma velocidade
alarmante.

Não eram fios. Oh. Oh!

— Você está me dizendo que Arthur construiu uma


metralhadora de elástico com uma meadeira e um pouco de linha?

— E alguns alfinetes.

Ruby Fever
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387

Linus tinha que montar fisicamente as armas. Sim, sua magia fazia os
componentes se encaixarem, mas apenas em uma faixa muito estreita de
espaço. Se Arthur for realmente um mago Hefesto, ele seria capaz de
levitar os componentes para ele ... Oh meu Deus.

— Você está bem?

Nevada não parecia bem.

Nevada ponderou sobre a arma de elástico. — Não. Como vou estar


bem com o meu filho fazendo armas de alfinetes. Eles são afiados e
perigosos. Arthur não deveria mexer em coisas assim. Ele os dobrou
em pequenos ganchos, está vendo?

— Pelo menos ele não usou os alfinetes como munição. —Eu


provavelmente não deveria ter dito isso.

— Meu filho mal consegue falar, mas construiu uma arma de


fogo funcional com liberação de tração e partes móveis. Lidamos bem
com o talento Telecinético. Sabemos o que fazer e o que esperar.
Conhecemos os sinais de perigo. Mas não sabemos nada sobre a
magia Hefesto. Linus precisa acordar. Logo. Pelo bem dele e do
nosso. E quando o fizer, você não pode matá-lo, Catalina.

Ela parecia realmente assustadora por um segundo. Eu me afastei da


tela por puro instinto. — Por que eu iria querer matá-lo? Você está
escondendo coisas de mim?

Ruby Fever
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— Você está escondendo coisas de Arabella?

Touché.

— Às vezes, as irmãs mais velhas precisam guardar coisas para


si mesmas para um bem maior. Prometa-me que não vai matar
Linus. Preciso dele para ajudar meu filho.

— Prometo não matar Linus quando ele acordar.

Nevada assentiu satisfeita, e abaixou a arma de elástico.

Nós olhamos uma para a outra.

— Mas brincadeiras à parte, devo contar a Arabella sobre a coisa


do vovô?

Minha irmã mais velha suspirou. — Por que?

— Sinto que ela deveria saber.

— O que seria pior, perder um amigo da família ou perder um


avô que você nunca teve chance de conhecer e viver com uma vida
inteira de arrependimentos e perguntas sem resposta?

Eu pensei sobre isso.

— Você está certa, —eu disse. — Mas sinto como se estivesse


mentido para ela.

Ruby Fever
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— Arabella ainda está tentando lidar com o ferimento de mamãe


e com o ataque da flor Sangue da Noite. Isso seria muito.

— Como você sabe sobre a flor?

Nevada se inclinou mais perto, seus olhos intensos e arregalados, e


sussurrou: — Eu sei de tudo.

A tela ficou preta.

Pulei da minha cadeira e fui direto para a porta do escritório em


direção à casa principal. Eu precisava cozinhar, desesperadamente.

Coloquei a bandeja de coxas de frango no forno. Eu as marinei em uma


mistura de molho de soja, suco de dois limões, meu molho de pimenta
doce caseiro e alguns temperos por uma hora. A maioria das pessoas
pensam que uma marinada adequada só acontece da noite para o dia. Na
realidade, para a maioria das carnes, uma hora é suficiente.

Ao meu redor, a cozinha da casa principal estava silenciosa. As


cozinhas eram o meu santuário. E eu realmente precisava de um santuário
agora.

Ruby Fever
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Lavei os tomates crioulos , coloquei uma tábua de cortar no balcão e


peguei meu cutelo favorito.

Meu telefone tocou. Agente Wahl. Finalmente.

Eu atendi a ligação.

— O FBI aceitou este caso como um favor, —disse o agente Wahl.

Direto ao ponto.

— Até agora, tive que processar uma cena de crime fictícia e depois dar
uma entrevista coletiva fictícia sobre isso. Nas últimas quarenta e oito horas,
fui enfeitiçado, explodido, envenenado com ar tóxico e amaldiçoado pela minha
parceira.

— Você também parou de respirar alguns segundos.

— Diga-me algo bom, Superiora Baylor, porque minha paciência está se


esgotando.

— Você gostaria de se vingar? —Peguei o rascunho do e-mail que


havia escrito esta manhã e o enviei.

— Eu não me vingo, Superiora Baylor. Esta não é uma briga de pátio de


escola. Eu sou um agente da lei. Eu detecto atividade ilícita e a interrompo.

Nos Estados Unidos essa variedade de tomate chama-se heirloom (herança). São tomates tradicionais, onde suas sementes
são passadas de geração para geração dentro de uma família. O cultivo desses tomates é mais frágil, pois eles são menos resistentes as pragas e
variações climáticas do que seus parentes híbridos. Em compensação são frutos mais saborosos.

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— Já verificou sua caixa de entrada?

Houve uma longa pausa. Coloquei o telefone no viva-voz e comecei a


cortar meus tomates.

— Isso é legítimo?

— Sim. —Eu tinha acabado de entregar a ele meio bilhão de dólares


em atividades ilícitas. Todas as contas detalhadas de Arkan nos EUA,
repletas de evidências de lavagem de dinheiro, evasão fiscal e
movimentação de recibo e pagamentos para pessoas em listas de vigilância
internacionais. Konstantin nos entregou e mais algumas coisas.

— Quero saber como você conseguiu isso?

— Digamos que foi uma denúncia anônima. Se você rolar o e-mail


para baixo, há anotações no final do arquivo. O ponto três é de
particular interesse.

Se o FBI seguisse o rastro de migalhas financeiro descrito no ponto


três, encontraria um registro de pagamentos entre Arkan a Luciana
Cabera.

Houve outra pausa.

— Explique isso para mim.

— Quão segura é esta linha?

— A mais segura possível.

Ruby Fever
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Isso era discutível, mas eu tinha que cooperar com ele para conseguir
o que eu precisava. — Cinco anos atrás, um grupo de Superiores
financiou Arkan no roubo de uma amostra de soro de Osíris.

— Prossiga.

O tom de sua voz me disse que ele entendia a gravidade da situação.


Qualquer coisa relacionada a esse roubo tinha que ser tratada com luvas
de pelica. A Assembleia Nacional e o governo dos EUA nunca
reconheceram que o roubo ocorreu, porque as ramificações internacionais
seriam desastrosas. Esta era uma grande demonstração de confiança da
minha parte, e ele entendeu e apreciou.

— Luciana Cabera fazia parte desse grupo.

— Certo, os documentos aqui mostram para onde ela enviou vários


pagamentos anos atrás.

Luciana tinha feito isso com muito cuidado, mas Arabella e Bern eram
muito bons em desembaraçar complexos fios financeiros.

— Mostram também o rastro de pagamentos que foram feitas para ela da


mesma conta. O que é isso?

— Dividendos.

Arkan havia compartilhado os lucros de sua venda do soro


modificado. Ele tinha cinco investidores no total. Connor e Nevada, sem

Ruby Fever
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393

saber, mataram dois quando destruíram a conspiração há vários anos.


Linus, Alessandro e eu neutralizamos outros dois. Cabera tinha sido a
única investidora que sobrou.

— Você pode congelar essas contas? —Eu perguntei.

— Sim. Sim eu posso. Vai levar tempo e contanto com as pessoas certas.

— Quanto tempo?

— Para fazer isso com cuidado? Dois dias, talvez três. Se você quiser que
seja feito o mais rápido possível, vinte e quatro horas.

— Eu escolheria a opção 2, se possível. Você vai me dizer quando


conseguir?

— Claro, Catalina.

Catalina, hein? Me chamou pelo primeiro nome.

— Você precisa se preparar, —ele me avisou. — A reação de Arkan será


significativa.

— Esse é o plano. Além disso, a MII está trabalhando para tirar o


resto dos informantes de Arkan da rua. Eles estão planejando um
ataque coordenado. Você gostaria de ajudar?

Ruby Fever
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— Deixe-me esclarecer uma coisa: o FBI não ajudará o MII. A


Montgomery International Investigations é que ajudará o FBI com este
assunto. Nós vamos assumir a liderança nisso. Vou mantê-la informada.

Houve uma pequena pausa.

— Outra coisa, —disse Wahl. — No interesse da confiança e da


cooperação mútua e continua, houve um evento no Alasca.

O que isso significava?

— Cuide-se.

Ele desligou. Tudo bem, então.

Será que ele quis dizer Sanders? Esse era o único comparsa que Arkan
tinha no Alasca, e já sabíamos que Arkan o havia convocado. Sanders
estava vindo para cá e tinha motivos pessoais para querer Alessandro e eu
mortos.

Coloquei os tomates picados em uma tigela. Tomates amarelos foram


os próximos, seguidos por cebola picada, coentro, sal e um pouco de suco
de limão.

Arabella entrou na cozinha e se jogou em uma cadeira. — Vim para


lhe dizer que o pagamento ao Escritório de Registros foi emitido.

— Isso foi rápido.

Ruby Fever
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— Foram apenas quatorze casos separados. Entrei em contato com


todos, transferi o dinheiro e fiz com que assinassem, nos absolvendo de
toda responsabilidade. Os reparos no estacionamento serão tratados
diretamente pelo Escritório de Registros, então eu emiti um pagamento
fixo.

Quando a ocasião pedia, minha irmã conseguia ser tão eficiente que
chegava a ser assustador.

— Além disso, imagine minha surpresa quando fui checar Linus e


encontrei nossa vovó malvada desmaiada no quarto ao lado. Presa em um
círculo arcano. Foi muito atencioso da sua parte dar a ela acesso ao
banheiro da suíte.

Era um círculo arcano muito elaborado. Levou uma eternidade para


desenvolvê-lo, e eu o testei em Nevada e Alessandro ao longo do caminho.
Tudo naquela suíte foi projetado para conter minha avó. Eu até instalei
um pequeno elevador de carga há dois meses, durante a última rodada de
reformas, para que pudéssemos transportar seu alimento.

— Me desculpe. Não houve tempo para lhe avisar sobre isso.

— Você me pediu para defender o Complexo. Não pode colocar um


dragão no quarto de hóspedes e não me contar sobre isso.

— Mais uma vez, me desculpe.

— Vamos comer tacos macios? —Ela perguntou.

Ruby Fever
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— Sim.

— Haverá carne?

Abri a geladeira, tirei o recipiente gigante da marinada, o abri e


mostrei a ela vários quilos de bife de fraldinha de molho na minha
marinada de fajita patenteada. Envolvia cebola, pêra, temperos
apimentados, alho, molho inglês, suco de limão e uma pitada de molho de
soja, tudo batido no liquidificador.

Os olhos de Arabella se iluminaram. — Você está perdoada.

— O quanto essas contas extras prejudicaram nosso orçamento?

— Foi uma despesa não planejada significativa, Catalina. Nosso


fundo de emergência acabou. Nós ainda não precisamos comer só miojo,
mas talvez batata assada.

— Batatas são mais baratas que miojo.

— Não se levar em conta manteiga, sal, queijo e tempo de preparação.

Eu dividi meu pico de gallo em duas tigelas e comecei a descascar


mangas. A família era dividida pela metade quando o assunto era pico de
manga . Metade adorava, a outra metade afirmava que era uma

O pico-de-gallo é um ingrediente típico da culinária mexicana, servido com uma grande variedade de pratos, muitas vezes
acompanhado com guacamole e nata azeda.

Pico de manga

Ruby Fever
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397

abominação, mas todos ficariam chateados se suas necessidades não


fossem atendidas.

Uma explosão de latidos vindo de fora flutuou até a cozinha.

Arabella gemeu.

Os latidos se aproximaram, depois cessaram. Konstantin entrou na


cozinha e se jogou na cadeira ao lado de Arabella, sua expressão torturada.
Rooster aproximou-se dele e deitou-se a seus pés. O príncipe colocou a
mão no rosto. Mesmo exasperado, ele permanecia surpreendentemente
bonito. Se a vovó Frida estivesse por perto, ela estaria tirando fotos a torto
e a direito. Para ‘posteridade’.

— Bem-vindo, Alteza e Cão Fiel, —Arabella declarou.

Konstantin lançou-lhe um olhar sombrio.

Rooster se mexeu de bruços, aproximando-se um pouco mais, o olhar


fixo no rosto de Konstantin.

— Cão dos infernos, —o príncipe rosnou.

— Se você não mudar de forma, ela vai ficar quieta, —minha irmã
disse a ele. — Em seu lugar, eu ficaria grato. Ela é a única aqui que gosta
de você por aqui.

— Eu não tentei mudar de forma. Só escovei meu cabelo do meu


rosto.

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— Uh-hum. —Arabella revirou os olhos.

Konstantin virou-se para ela. — Por que você não gosta de mim?

— Além de minha mãe se machucar, minha irmã se machucar e


minha avó se machucar, eu tenho quatrocentos e setenta e dois mil
motivos. Sem falar que você se acha o todo poderoso. Talvez até seja em
seu país, mas aqui você não chega aos pés de Augustine.

De todos nós, Arabella acabou interagindo com MII com mais


frequência. Ocasionalmente, passávamos casos para eles, e eles
retribuíam. Era ela quem cuidava dos arranjos administrativos e
financeiros, e desenvolvera um certo respeito por Augustine e seus modos
de tubarão de águas profundas.

Eles compartilhavam uma compreensão instintiva de dinheiro e poder


e as melhores maneiras de usar um para obter o outro. Augustine tratava
Arabella como uma irmã mais nova promissora.

— Esse Augustine, ele é um Mago Ilusionista? —Konstantin


perguntou.

Se Konstantin tinha feito alguma lição de casa sobre nós, ele sabia
exatamente quem era Augustine Montgomery.

— Sim, e ele é melhor que você, —disse Arabella.

Ruby Fever
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Konstantin balançou a cabeça. — Nenhum Mago Ilusionista vivo


hoje, em qualquer lugar, é melhor do que eu. Isso não é arrogância, é um
fato.

— Augustine pode ficar invisível, —disse Arabella.

— Impossível, —disse Konstantin.

— Não é não, eu já vi, —eu disse a ele. — Por assim dizer.

Konstantin franziu a testa.

— Vamos lá. —Arabella apoiou os cotovelos na mesa e apoiou o


queixo nas mãos. — Faça. Torne-se invisível.

O príncipe estreitou os olhos.

Leon entrou na cozinha e sorriu, seu rosto feliz e sonhador. — O que


cheira tão bem?

— Frango com pimentão doce.

O sorriso no rosto de Leon se alargou. — Tacos macios?

— Tacos macios com frango com pimenta doce e fraldinha, tacos


tradicionais com camarão marinado e mandril de carne, queijo, salsa
apimentada e suave, picos, ambos os tipos, pimentões salteados, milho
grelhado, salada, arroz, feijão e batatas fritas.

Leon esfregou as mãos. — Pergunta séria: em uma escala de um a dez,


quão chateada você está? Um sete ou oito?

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400

— Onze, —eu disse a ele.

— Fantástico.

Konstantin olhou para ele. — Por que importa a quão chateada ela
está?

— Ela cozinha para aliviar o estresse, —Leon disse a ele. — Onze


significa que vamos ter um banquete dos deuses.

Entreguei-lhe o recipiente de carne. — Seja útil.

Leon fez continência, deu meia-volta e saiu para as churrasqueiras a


carvão.

Um gemido agudo de indignação atravessou a casa.

Arabella se levantou. — Essa é a minha deixa.

Konstantin olhou para mim, uma pergunta em seus olhos.

— Nossa avó malvada acordou, —eu disse a ele.

— Vou falar com ela, —disse Arabella. — Ela gosta de mim. Todos
os avós gostam de mim.

— Não a deixe sair do círculo, —eu avisei.

— Catalina, eu não nasci ontem. —Ela se afastou, cantarolando para


si mesma.

— Você colocou sua avó em um círculo arcano? —O príncipe


perguntou.

Ruby Fever
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401

— Sim.

A cozinha estava silenciosa novamente. Só eu e Konstantin. Terminei


o pico de manga e coloquei na geladeira. Eu precisaria fazer alguma
sobremesa. Algo fácil. Uma torta. Maçãs e talvez chocolate.

Alessandro adora chocolate ...

— Uma coisa me intriga, —disse Konstantin.

— Hum. —Será que tem creme de leite nesta geladeira? E se tem, será que
ainda está na validade?

— Você tem a opção de escolher qualquer homem. De qualquer Casa,


qualquer país. Por que Alessandro? Qual é a atração?

Peguei o recipiente de creme de leite, o coloquei no balcão e peguei


maçãs verdes da gaveta de frutas. Esta era uma pergunta perigosa.

— Por que pergunta?

— Acho intrigante.

Em minha mente, Konstantin e eu cruzamos nossas espadas verbais.

— Há alguns anos, Alessandro era o deus do Instagram. Ele é


incrivelmente bonito.

— Ele é, —concordou Konstantin. — E encantador.

— Isso também. Talvez eu esteja só apaixonada.

— Não acho que seja só isso.

Ruby Fever
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402

Konstantin se ajeitou na cadeira. Sua pose era lânguida, mas elegante


e ao mesmo tempo sedutora. Não havia nada específico na maneira como
ele se sentava que comunicasse intenção de me seduzir. Era o ar ao redor
dele. Se Gustave Courbet fosse ressuscitado nesta cozinha, ele teria
exigido tela, tinta e pincéis e se recusado a sair até que a pintura de
Konstantin estivesse terminada.

Essa pose não era obra do acaso. Ele não se sentou assim
despropositadamente. Konstantin era um Superior e sua aparência era tão
essencial para sua magia quanto minhas canções eram para mim.
Konstantin queria que eu pensasse em sexo quando eu olhasse para ele.
Poderia ser simplesmente por hábito. Poderia ser um ato calculado, ou por
pura vaidade. Talvez ele pensasse que um envolvimento emocional
comigo servisse como um seguro extra para sua missão. Talvez ele
realmente estivesse planejando me recrutar para o Império. Esse último
pensamento foi alarmante.

— Você e eu somos parecidos, —disse Konstantin.

— Como assim?

— Nós dois somos estrategistas, forçados a isso tanto pela inclinação


natural quanto pelas circunstâncias. Nossas famílias têm uma estrutura

Gustave Courbet foi um pintor francês pioneiro do estilo realista francês. Foi acima de tudo um pintor da vida camponesa de
sua região. Ergueu a bandeira do realismo contra a pintura literária ou de imaginação.

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semelhante. Meu irmão mais velho é muito parecido com Nevada.


Inteligente, competente, um pouco assustador, com um forte senso de
responsabilidade. Arkadiy se comprometeu totalmente a se tornar o
próximo duque. Ele é a cópia perfeita de nosso pai. Se Arkadiy algum dia
planejou assumir o volante e dirigir sua própria vida para qualquer outra
direção, há muito esse plano foi sufocado pelo dever e pelo destino. Ele
diz que me ama e cuida de mim. Embora eu não saiba se ele faz isso por
afeição genuína ou porque é isso que um irmão mais velho deve fazer.
Arkadiy se esforça para ser exemplar em todos os aspectos.

Eu não tinha dúvidas de que Nevada realmente amava a mim e


Arabella, e tudo que ela fazia por nós era por esse amor e não por
obrigação. Mas o momento não era sobre mim. Esse era uma
oportunidade de reunir o máximo de informações sobre Konstantin que
ele estivesse disposto a dar.

— E seu irmão mais novo?

O príncipe sorriu. — Ele é muito parecido com Arabella. Mihail


nunca conheceu uma regra contra a qual não quisesse se rebelar.

Ele pronunciou o nome como Mirrail e, ao pronunciá-lo, um pouco


de desgosto passou pela sua voz. Não nos saímos muito bem com os irmãos
mais novos, não é?

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— Às vezes sua rebelião é justificada, outras vezes acho que ele só faz
isso porque está entediado, ou porque caiu em um padrão e é assim que
ele se sente confortável para interagir com a vida. Mihail é bastante
temperamental, e quanto mais tempo mantém esse temperamento sob
controle, mais violentamente acaba explodindo. Ele é dois anos mais
velho que você, mas se nossos pais, Arkadiy e eu perecêssemos, Mihail
destruiria nossa Casa em seis meses.

Arabella tinha um temperamento difícil também, mas sempre esteve


disposta a ouvir a razão.

— E você? —Eu perguntei.

— Eu sou o mediador. Intercedo e acalmo. Escuto, lisonjeio quando


precisa, tranquilizo quando necessário, ameaço, planejo, executo, e assim
por diante.

— Então, o que isso tem a ver com Alessandro?

— Assim como sua família, a minha é barulhenta e cheia de


personalidades fortes. Funcionamos como uma unidade porque uma vez
que um plano é estabelecido e acordado, todos nós o cumprimos. Mesmo
Misha, apesar de sua luta implacável contra todas as ordens, em um
momento de crise, faz o que lhe é dito. Já trabalhei com Alessandro.
Alessandro rejeita todos os planos, exceto os deles. Ele não se rebela,
porque para se rebelar contra a autoridade é preciso reconhecer que uma

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autoridade existe em primeiro lugar. Meu primo é um exército de um


homem só, um mundo em si mesmo. Ele pode aceitar sua coleira por um
curto período de tempo, mas não vai deixá-la segurar para sempre, e
quando ele decidir ir embora, todas as apostas são canceladas. Em suma,
se eu tivesse que trabalhar com Alessandro diariamente, ele me deixaria
louco em semanas.

— Mas você trabalhou com ele. —Não que Alessandro me disse


alguma coisa sobre isso, mais uma coisa que teríamos que conversar.
Parecia apenas a suposição lógica.

— Resumidamente, três anos atrás. —Konstantin inclinou-se para a


frente. — Vou ser franco. O Império moveria céus e terra para recrutar um
Superior do calibre de Alessandro. No entanto, não fizemos nenhum
esforço para recrutá-lo. Ele seria mais problema do que lucro.

Konstantin estava propositadamente fazendo Alessandro soar como


um homem irracional e petulante. Ele passou tão longe de como
Alessandro realmente era, que nem chegou a ser engraçado. Alessandro
era perfeitamente disposto a seguir as ordens de Linus. A visão de mundo
de Alessandro mudou depois que Arkan quase o matou, mas foi
principalmente em termos sobre definir suas prioridades, do que alterar o
cerne de quem ele era. Havia mais lá que eu teria que desenterrar.

— Então, eu pergunto novamente, qual é a atração? Ajude-me a


resolver este enigma.

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Dei de ombros. — Você viu o Alessandro que ele queria que visse e
tirou as conclusões que ele queria que você tirasse. Eu vejo um Alessandro
diferente.

— Como sabe que o Alessandro que ele mostra para você é o


verdadeiro?

Porque ele me ama. Eu sorri para Konstantin. — Eu confio nele.

— Isso não é uma resposta.

Eu o ignorei.

— Alessandro é um problema, Catalina. Ele vale a pena?

— Sim, —eu disse a ele. — Ele vale.

Pode-se dizer o quão boa foi uma refeição pela quantidade de conversa
na mesa. A família comeu em silêncio por dez minutos inteiros, então o
jantar foi um sucesso retumbante.

Agora que todos estavam em seus segundos pratos ou, no caso de


Leon, no quarto prato, a conversa reiniciou.

— Você contratou Augustine? —Mamãe perguntou.

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— Nós contratamos a MII, —eu disse a ela.

— Oh, como o mundo dá voltas. —Leon mordeu seu taco.

— Será o Gabinete do Guardião que bancará as despesas. —Olhei


para Arabella, esperando evitar outra explosão de indignação financeira.
— Esperançosamente.

— Acho essa ideia maravilhosa, —disse Arabella, dando a Konstantin


um olhar de reprovação.

— Esses tacos são deliciosos, —disse o príncipe. — O frango


especialmente.

Ele enrolou um pouco de queijo ralado em uma bola e jogou no chão


para Rooster. A cadela pegou a bolinha do chão sem tirar os olhos dele.

— Rooster não responderá a subornos, —informou Cornelius a


Konstantin. Cornelius estava tentando descansar e se recuperar de seus
ferimentos. Sua cor era boa e Matilda ao seu lado estava sorrindo.

— Passe o pico de manga, por favor, —Runa pediu.

— Blasfemadora, —Vovó Frida disse a ela. — Pico é pico, não uma


salada de frutas.

— Não vamos começar isso de novo, não é? —Mamãe perguntou.

A conversa flutuou ao redor da mesa como correntezas descontraídas,


colidindo e unindo-se umas nas outras. Neste pequeno lago feliz,

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Alessandro era uma rocha escura e sombria que se projetava ao meu lado.
As águas divertidas das correntezas fluíam ao seu redor, enquanto ele
permanecia em silêncio. Isso não o impediu de consumir um número
recorde de tacos de carne. Eram seus favoritos.

Augustine Montgomery entrou. Ele estava usando sua forma


verdadeira, um semideus em seus trinta e poucos anos, alto, magro, com
feições perfeitas e cabelos loiros claros. Konstantin olhou para ele. Os dois
Ilusionistas Superiores se encararam.

Leon assobiou uma melodia dos filmes de velho oeste.

— Belas cicatrizes, —disse Konstantin.

— Assim são as suas, —Augustine disse a ele.

Arabella se levantou e puxou uma cadeira para Augustine. — Por


favor, junte-se a nós, Superior Montgomery.

— Eu ficaria encantado. —Augustine sentou-se e começou a colocar


comida em seu prato. — Está feito. O FBI estava positivamente
colaborador.

Excelente.

— O que está feito? —Mamãe perguntou.

— Removemos todos os informantes de Arkan incorporados ao


estado, —eu disse. — Ele está voando às cegas. Konstantin forneceu os

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nomes, Matt, o delator, confirmou, e o MII e o FBI juntos prenderam


todos.

— O FBI chamou de Operação Armadilha para Urso. —Augustine


revirou os olhos e mordeu seu taco. — A comida está deliciosa como
sempre, Catalina.

Konstantin olhou para mim. — Todo mundo come aqui em sua casa?

— Às vezes, —eu disse a ele. Eu tinha feito tacos o suficiente para


alimentar também nossos guardas. Quando eu disse a Leon que meu nível
de aborrecimento estava em onze, eu não estava mentindo.

Meu telefone vibrou. Olhei para ele. Um texto de Patrícia.

Seguiu-se um vídeo. Desliguei o som e apertei o play. Julian Cabera,


o mais novo dos irmãos de Luciana Cabera, estava sentado em nosso
escritório. Uma expressão frágil reivindicava seu rosto. Ele cerrou as mãos
em um único punho, olhando para o chão.

— Problema? —Perguntou Alessandro.

Mostrei-lhe o telefone e me virei para a família. — Preciso resolver


algo.

Alessandro se levantou.

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— Deixem os pratos, —Arabella nos disse. — Nós vamos limpar.


Você cozinhou. É justo.

— Eu não sabia que você ajudou com o jantar, primo, —disse


Konstantin.

— Não, mas foi por causa dele que nós tivemos esse banquete, —disse
Leon.

Bern virou-se para Konstantin. — Você deveria falar menos.

— A falta de respeito pela coroa nesta casa é terrível. —Konstantin


sorriu. — Eu amo isso.

O sorriso de Konstantin era brilhante, mas não tocou seus olhos.

Corremos para fora da casa e descemos o caminho. O calor do dia não


mostrava sinais de diminuir. O ar estava parado e sinistro de alguma
forma, do jeito que parecia antes de uma tempestade.

Encontramos Julian na sala de conferências, sozinho. Patricia preferia


um método específico ao lidar com visitantes Superiores. Ela os levava
para uma sala, os trancava e os observou através de câmeras de segurança.
Minimizava os problemas.

Julian pulou da cadeira no momento em que passamos pela porta.

— Desculpe, eu não sabia para onde ir. —Ele parecia frenético. —


Liguei para o FBI e eles me mandaram para cá. Eles disseram que vocês
lidariam com isso.

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— O que está acontecendo? —Perguntou Alessandro.

— Kaylee. —Julian passou a mão trêmula pelo cabelo. — Acho que


minha sobrinha enlouqueceu.

Exatamente o que precisávamos agora.

— O que houve? —Eu perguntei, mantendo minha voz calma.

— Quatro horas atrás, Maria ligou de Sunnyside.

— O que é Sunnyside? —Alessandro pediu.

— Hum, é uma propriedade, propriedade dos meus pais, em Sugar


Land .

Sugar Land era um dos muitos pequenos municípios engolidos por


Houston à medida que se expandiu, cerca de trinta quilômetros a sudoeste
do centro da cidade. Começou como uma fazenda de plantação de açúcar
no século XIX e cresceu lentamente, tornando-se depois um terreno de
mansões luxuosas e espaçosas, oferecendo felicidade suburbana a classe
média alta por um preço diferenciado.

— Esta manhã, Kaylee saiu para visitar seus avós. Achamos que isso
a ajudaria com sua dor. Maria disse que Kaylee foi para o escritório com
o avô e a avó. Depois de meia hora Maria foi verificar se eles queriam

Sugar Land é uma cidade localizada no estado norte-americano do Texas, no Condado de Fort Bend. A cidade foi
fundada em 1838, em meio a um latifúndio cujo principal vegetal cultivado era a cana de açúcar. Esta é a origem do nome da cidade. Sugar, em inglês,
significa açúcar.

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alguma coisa, e as portas estavam trancadas. Ela se preparou para bater,


quando viu Ahmad, o enfermeiro do meu pai, caído no chão. Ele não
estava respirando. Maria disse que havia veias pretas grossas em seu rosto
... —Julian cerrou os punhos.

Kaylee atacou novamente. Eu esperava agarrá-la assim que o cerco de


Arkan ao Complexo terminasse, mas ela não estava nos dando escolha.

— Então Maria bateu, e ela disse que foi como se seu cérebro tivesse
explodido. Ela viu uma luz forte e seus ouvidos começaram a sangrar.
Maria se lembra de ouvir a risada de alguém e acha que era Kaylee.

Julian respirou fundo, estremeceu e olhou para mim. — Eu sondei a


mente de Kaylee tempos atrás. Algo está muito errado. A mente dela não
é a de um Aliciônico. É algo que nunca sentir antes.

— O que aconteceu depois? —Perguntei-lhe suavemente.

Ele engoliu. — Bem, hum, eu disse a Maria para tirar todos da casa.
Elias decidiu descer e ver se conseguia conversar com Kaylee. Ele me ligou
três horas atrás e me disse que estava na garagem e então a ligação foi
cortada. Liguei para o celular dele, liguei para a casa, não atendem. Eu
não sei o que fazer.

Julian caiu de volta na cadeira, derrotado. — Não entendo. Kaylee


nunca foi uma criança má. Ela não tinha magia. Todos nós sabíamos, mas
Luciana não queria falar sobre o assunto, então simplesmente não

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falávamos. Ela era tão amada por todos, por toda a família. E ela ama seus
avós. Quando mamãe precisou se internar no hospital para fazer uma
ponte de safena no coração, Kaylee ficou na recuperação com ela. E então,
um mês atrás, Luciana anunciou que a magia de Kaylee havia despertado.
Estávamos todos tão felizes por ela ... como chegou a isso?

— Por favor, desculpe-nos por um momento, —disse Alessandro.

Saímos para o corredor, fechamos a porta e caminhamos até o outro


lado, fora do alcance dos ouvidos de Julian.

— Ele não está mentindo, —eu disse. — Suas mãos estão suando, sua
respiração está rápida, sua voz está elevada e ele continua perdendo a linha
de pensamento. Está em aflição genuína.

— Concordo. No entanto, isso ainda é uma armadilha. Ele pode não


saber, mas esta é uma armadilha projetada para nos tirar de casa. Tirar
você, especificamente.

— Não entendi.

— Kaylee não decidiu atacar seus avós doentes do nada. Seu avô
respira com ajuda de balão de oxigênio e sua avó usa um andador para se
locomover. Ambos são Aliciônicos e não são uma ameaça para ela de
forma alguma. Ela foi até lá e fez os avós de reféns porque sabe que você
é a melhor chance de tirar os reféns vivos. Kaylee está tentando atrai-la
para aquela casa.

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Se eu for até lá, não teremos que atirar para entrar. Eu poderia cantar
para os reféns e sua sequestradora.

As duas últimas vezes que tentei usar minhas asas, elas saíram negras.
E se eu não pudesse cantar novamente? E se, em vez de subjugar, eu
gritasse e rasgasse suas mentes do jeito que fiz com Gunderson?

Eu deveria ter pegado aquele USB de volta de Bern. Já devia estar


seco, mas não tive tempo.

— O que quer fazer? —Ele perguntou.

— Não podemos ignorar. Julian pode não saber, mas acabou de fazer
um pedido de ajuda ao Gabinete do Guardião. Temos o dever de oferecer
assistência.

— Verdade, —disse Alessandro.

— Você é meu Sentinela. Qual é a sua avaliação dessa ameaça?

— Se formos, Kaylee tentará matá-la, —disse ele. — Ela terá reforços,


embora eu não saiba quem possa estar lá. Provavelmente alguém que pode
lutar comigo.

— Qual é a probabilidade de Arkan atacar o Complexo procurando


por Smirnov enquanto estivermos fora?

— Alta.

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Fiz uma lista mental de nossos lutadores disponíveis. —


Precisaríamos de Cornelius e Matilda para conter Konstantin se ele nos
trair, Cornelius está se recuperando ainda, não podemos contar. Envolver
Augustine significa negociar e esperar que seu pessoal retorne do trabalho
com os informantes de Arkan e isso levará muito tempo. Além disso, este
é um assunto do Gabinete do Guardião. Você quer levar Leon conosco?

Alessandro balançou a cabeça. — Ele quase deixou cair a carne duas


vezes. Ele está escondendo bem, mas as rajadas misteriosas que o
queimaram enquanto lidava com o carro dos agentes do FBI, o
envenenaram. Doutor Patel injetou em Leon uma quantidade maciça de
antídoto e ele agora sofre dos efeitos adversos.

— E Runa ainda está meio adormecida.

Alessandro assentiu. — Arabella é a única que pode operar com força


total.

Lutamos e vencemos, mas todos estavam machucados e cansados.


Pagamos um pedágio. Provavelmente pagaríamos outro antes que isso
acabasse.

— Bom, é você e eu, —eu disse. — Vai ter que ser o suficiente.

— Sempre foi, —ele concordou.

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— Walther Q5 Match SF . —Tirei a arma do lugar e a mostrei a

Alessandro sentado à minha frente no banco. — Pistola. Gatilho azul. 9


milímetros. 17 rodadas.

— Walther Q5, pistola, gatilho azul, 17 rodadas, —repetiu


Alessandro.

A cabine estremeceu quando nosso veículo caiu em um buraco na


estrada. O Escaravelho 17, um dos mais recentes da linha de veículos
blindados de transporte de tropa da vovó Frida, não proporcionava o
passeio mais suave, mas rolaria sobre uma mina como se não fosse nada.
O interior lembrava o Vault Bus: dois longos bancos presos às paredes com
um armário de armas entre eles, que eu estava explorando no momento.

Deslizei a Walther de volta ao seu lugar e peguei a próxima arma. —


Little Brother da Armas Duncan, gatilho vermelho, 9 mm, 17 tiros.

— Little Brother da Armas Duncan, gatilho vermelho, 9 mm, 17 tiros.

Pistola Walther Q5 Match SF

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— Maximum Defense PDX . —Eu levantei a metralhadora leve. —


Acabamento bronze, 7,62x39 mm, 21 rodadas.

— Com licença, —Julian disse de seu lugar à minha esquerda. — Por


que você está fazendo isso?

— Isso reduz o tempo da manifestação, —eu disse a ele. — Ajudará


Alessandro a invocar armas mais rapidamente.

Também ajudava quando as especificações da arma de fogo eram


ditas em voz alta. Por alguma razão, Alessandro memorizava melhor
assim, e agora tínhamos transformado a técnica em uma arte.

Armas com lâmina não precisavam de revisão. Elas eram mais


simples. Quando Alessandro precisava de uma lâmina, ele invocava algo
estreito e rápido ou algo pesado e largo e o comprimento ou peso exato da
lâmina não importava. Mas as armas de fogo eram mais complicadas,
então as revistamos para garantir que ele pudesse replicá-las rapidamente.
Uma vez que Alessandro invocava algo, ele não poderia invocar a mesma
coisa novamente por pelo menos vinte e quatro horas, então selecionar as
armas certas exigia um equilíbrio entre muitas opções e pouca
versatilidade.

Maximum Defense PDX

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— Entendi, —disse Alessandro. — Próximo.

— Mossberg JM 940 , calibre 12, 10 rodadas.

Tecnicamente, eram 9 rodadas, mas quando Alessandro invocava as


armas, elas caíam nas mãos dele com uma rodada a mais na câmara. A
coisa bonita sobre esta espingarda era sua velocidade. Nas mãos certas,
disparava quase tão rápido quanto um rifle semiautomático.

— Winchester 1895 . —Não precisava passar pelas especificações


desse. Ele conhecia o fuzil.

Julian piscou. — É uma antiguidade.

— O mais moderno nem sempre é melhor, —disse Alessandro.

— O que isso dispara?

— .30–40 Krag , —eu disse a ele. — A seguir, Big Brother da Armas


Duncan.

Espingarda Semi-Automática Mossberg 940 JM PRO Cal. 12

O Winchester Model 1895, é um rifle de repetição por ação de alavanca desenvolvido e fabricado pela
Winchester Repeating Arms Company no final do século XIX. Ele foi o último modelo de rifle desse tipo projetado por John Browning.

O .30-40 Krag foi um cartucho desenvolvido no início de 1890 para fornecer às forças armadas dos EUA um cartucho
de pólvora sem fumaça adequado para uso com rifles de repetição de pequeno calibre modernos a serem selecionados nos testes de armas de menor
calibre de 1892.

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Toquei no painel do armário e ele deslizou para cima, exibindo a


metralhadora. Pesava dezoito quilos e não me animei em tirá-lo dali.

— 338 Norma Magnum , alcance máximo de 2.300 metros, 700 tiros


por minuto.

Arabella a batizou de Arma de Seis Mil Dólares. Linus nos deu de


graça, mas a munição custava US$ 8,50 por rodada. Custava-nos cerca de
seis mil para dispará-lo por um minuto inteiro.

Julian olhou para a metralhadora como se fosse uma cobra o


atacando. — Isso será necessário?

— Não saberemos até chegarmos lá, —disse Alessandro.

— É a minha família que está lá. —Julian cerrou os punhos.

E era exatamente por isso que eu nunca levava clientes conosco.


Infelizmente, Julian insistiu. Se não o levássemos conosco, ele nos seguiria
em seu carro. Eu poderia obrigá-lo a ficar se revelasse que era a Guardiã
Interina, mas não confiava nele o suficiente. Neste momento, éramos
apenas consultores do FBI a caminho do resgate.

— Previsão de chegada cinco minutos, —Brittney gritou do banco do


passageiro da frente.

O .338 Norma Magnum é um cartucho introduzido pela primeira vez em 2008 e produzido
em 2009, projetado pela Norma da Suécia.

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Brittney era uma de nossas guardas particulares e a única égide que


conseguimos contratar. Os Magos Égides eram terrivelmente caros e
muito seletivos sobre com quem trabalhavam. Brittney era uma Notável,
o que significa que o escudo mágico que ela projetava pararia uma arma
média e absorveria um pouco do ataque de um rifle, mas uma bala de
franco-atirador passaria direto por escudo.

Olhei para a tela embutida no casco acima da cabeça de Alessandro.


Mostrava as imagens de câmeras externas. Estávamos dirigindo por um
condomínio de chácaras, um híbrido estranho de vida rural e subúrbio.
Casas enormes se espalhavam em lotes de dois a três acres, afastadas da
estrada e protegidas por muros e portões. Um bairro rico. Suas maiores
batalhas eram provavelmente com a Associação de Proprietários e com
rebanhos de veados saqueadores.

— Espero que tudo seja um grande mal-entendido, —disse Julian, e


eu não sabia se ele estava tentando nos convencer ou a si mesmo. — Não
consigo imaginar que Kaylee machucaria seus avós. Simplesmente não
está na natureza daquela criança.

A natureza humana era uma coisa complicada. Cinco anos atrás, tudo
o que eu queria fazer era correr despercebida pela vida, sem conflitos, sem
brigas. Sem chamar a atenção para mim. No entanto, aqui estávamos nós.

Precisava segurar as asas negras e ter certeza de não gritar.

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Alessandro estava me observando.

— Kaylee tem um grande coração, —Julian continuou. — Ela sempre


foi uma boa menina. Não faria algo assim.

Eu não perguntei o que ele quis dizer com ‘algo assim’. Julian estava
com muito medo de ir até a propriedade de sua família. Eu precisava
redirecioná-lo, ou ele se tornaria um problema.

— Senhor Cabera, você verificou seus outros membros da família?

Ele me deu um olhar assustado.

— Você tem uma família grande. Sabemos onde estão seus pais e
achamos que sabemos onde estão seu irmão e sua sobrinha. E o resto de
seus parentes? Alguém acabou de atacar a Chefe da sua Casa.

O Escaravelho virou. Estávamos quase lá.

— Eu não ... Não sei. —Os olhos de Julian se arregalaram.

— Por favor, ligue para eles, —disse Alessandro. — Você pode ficar
aqui e fazer isso na segurança do nosso veículo.

— Mas você não irá precisar de mim?

Normalmente eu teria aproveitado a ajuda de um Aliciônico Superior


em uma luta. Mas as mãos de Julian continuavam tremendo. Agora, ele é
quem precisava de um Aliciônico para desacelerar sua respiração e se
acalmar.

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— Nós podemos lutar, —disse Alessandro, sua voz firme e sincera. —


Mas não podemos rastrear sua família. Você os conhece melhor. Isso nos
ajudaria tremendamente.

— Se vocês têm certeza ... —O alívio nos olhos de Julian era


dolorosamente óbvio.

— Absolutamente, —eu disse a ele.

Julian respirou fundo. — Tudo bem.

O Escaravelho parou.

Abri uma pequena caixa presa à parede da cabine, tirei dois pedaços
de giz e os enfiei no bolso. Eu duvidava que teria a oportunidade de
desenhar um círculo arcano, mas era sempre melhor ter o giz em mãos do
que não ter.

A imagem na tela mostrava uma calçada pavimentada. Kaylee não


nos deixaria passar pelos portões da casa. Ela planejava um espetáculo do
lado de fora, com seus vizinhos como plateia, além disso, quem estava
com ela provavelmente preferia nos atacar ao ar livre. As calçadas
pavimentadas que levavam as garagens das casas da vizinhança eram
próximas umas das outras, mas não o suficiente para desenhar um círculo
arcano. O traçado circular ficaria incompleto. Eu precisaria da tela.

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Alessandro destrancou a porta traseira. Metal pesado ressoou e a


rampa deslizou para o chão. Brittney veio da frente, vestida com
equipamento tático completo, com capacete e colete à prova de balas.

— Fique com o Senhor Cabera, —eu disse a ela.

— Sim, senhora.

Soltei as tiras de velcro que prendiam o rolo do tapete ao casco e


deslizei as alças de pano no meu ombro. Feito de plástico escuro com
várias camadas, o tapete lembrava um tapete de ioga gigante, seis por seis
quando desenrolado na horizontal. Fixava muito bem o giz. Tapetes
circulares como este existiam desde sempre, mas a sabedoria comum dizia
que apenas círculos desenhados diretamente em superfícies imóveis como
terra firme, o telhado de concreto de um prédio e assim por diante eram
realmente úteis. Desenhar um círculo em um tapete quebrava a
continuidade mágica e não conseguia fixá-lo no chão. Sem essa âncora, os
círculos eram apenas desenhos de giz. Eu mesmo testei, e a queda no
poder com um círculo não ancorado era dramática.

No entanto, no ano passado, vi uma gravação de um poderoso


Psiônico usando um tapete na grama. Ele conseguiu desenhar um círculo
arcano complexo no tapete, provavelmente um círculo Feitiço da Casa ,e
funcionou bem o suficiente para assustar centenas de pessoas em uma

Os feitiços da Casa são círculos arcanos de ordem mais elevada. Eles desencadeiam magia extraordinária, mas exigem muita preparação e
círculos complexos.

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debandada cega. Eu pesquisei, e Linus e eu fizemos as modificações


apropriadas. O tubo debaixo do meu braço agora era o protótipo nº 8.
Funcionava, mas pesava quase cinquenta quilos.

Peguei a espada de Linus. A lâmina parecia desajeitada na minha


mão, mas tranquilizadora da mesma forma. Era também a única arma que
Alessandro não conseguiu invocar. O mesmo mecanismo que permitia
que a arma gerasse um campo nulo quando preparada com magia,
também causava um curto-circuito nos poderes de Alessandro. Ele poderia
replicá-la, mas apenas como um pedaço de metal inerte.

Levantei a lâmina na minha mão. Vamos lá.

Alessandro e eu descemos a rampa. Ele estendeu a mão. Dei a ele meu


tapete de ioga—discutir com ele sobre isso seria inútil—e nos
aproximamos dos portões.

A mansão, estilo Texas-Mediterrâneo de dois andares, erguia-se à


nossa frente no final de uma longa entrada de automóveis. A mansão era
digna de estar na capa de uma publicação imobiliária de luxo em qualquer
uma das grandes cidades do estado. Houston, Austin, San Antonio,

estilo Texas-Mediterrâneo

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Dallas , não importava. O Texas rico era rico de verdade. Você poderia
dirigir por qualquer bairro milionário e encontrar um monstro como este:
mil e duzentos metros quadrados e muitos quartos e banheiros separados
por paredes de cerâmica bege sob um telhado de telha vermelha.

Esta variação em particular apresentava um pórtico de estilo romano


com colunas protegendo portas duplas de vidro e madeira e uma pequena
torre à direita da entrada com uma sacada Julieta de ferro forjado. A
entrada terminava em uma rotatória com uma enorme fonte no centro,
sua torre da mesma altura da casa. Um portão de ferro estava escancarado
na entrada da garagem, como se nos desafiasse a entrar.

— Você pode senti-la? —Perguntou Alessandro.

— Ainda não.

Nós dois sabíamos que Kaylee miraria em mim no momento em que


eu entrasse no alcance dela. Eu estava apostando no trauma de uma vida

Dallas, uma moderna metrópole no norte do Texas, é um centro comercial e cultural da região. O Sixth
Floor Museum na Dealey Plaza, no centro, assinala o local do assassinato do Presidente John F. Kennedy, em 1963. No bairro artístico, o Dallas
Museum of Art e o Crow Collection of Asian Art abrangem milhares de anos de arte. O elegante Nasher Sculpture Center exibe esculturas
contemporâneas.

Essa varanda é um símbolo de amor, seu estilo gótico imprime romantismo e é especialmente popular na Itália, Espanha
e França. Ela decora muitos edifícios históricos, bem como na arquitetura moderna.

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inteira se sentindo inferior. Não importa quão bonito e rico alguém fosse,
entre as Casas, a magia era o principal trunfo. Kaylee passou a maior parte
de sua vida escondendo sua falta de poder mágico de seus amigos e sua
família. Esmagar um Mago Mental seria o ápice final para ela. Arkan deve
ter contado a ela sobre meus poderes e me matar seria duplamente doce.
Eu era uma Maga Mental e uma rival. Eu vi o jeito que ela olhou para
Alessandro quando ele pegou minha mão.

Sabíamos que ninguém iria nos alvejar. Ela queria fazer o serviço
pessoalmente. E foi por isso que deixamos nossa égide no veículo,
guardando nosso acompanhante civil.

Caminhamos pela calçada, sem pressa, eu do lado direito e


Alessandro do lado esquerdo. O escudo protetor que eu estava levantando
em torno da minha mente estava quase completo. Minha mente flutuava
agora em uma bola de tentáculos bem entrelaçados, alimentados pela
minha magia. Comecei a construí-lo no momento em que decidimos fazer
esse passeio. Manter esse escudo minava minha força, mas eu tinha magia
de sobra.

Alessandro parou e colocou o braço na minha frente.

Uma criatura empoleirada no topo da fonte, agarrando a coluna de


sustentação com garras enormes. Dois metros e meio de altura, parecia
um macaco, com músculos grossos sob o pêlo preto longo e desgrenhado.

Ruby Fever
Livro 6
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Seu rosto era uma horripilante mistura de um babuíno e um leão com


nariz de símio, mandíbulas enormes e olhos minúsculos afundados no
crânio. Espinhos negros afiados se projetavam de suas costas, eriçados
como as agulhas de algum porco-espinho de pesadelo.

A repulsa me atingiu.

A besta olhou para nós. Os espinhos em suas costas se ergueram.

Náusea rodou profundamente na boca do meu estômago e floresceu


em medo. A vontade de correr tomou conta de mim, sobrecarregando meu
bom senso. Meu corpo sabia em um nível básico animal que essa coisa era
má e terrível e a única maneira de sobreviver era correr o mais rápido e o
mais longe que pudesse.

Superior Nathan Sanders. Um Mago Metamorfo de Alberta .


Poderoso, experiente e desagradável em uma luta.

Já havíamos lutado contra um Mago Metamorfo antes. O nome dela


era Celia. Nem minha magia, nem as balas das pistolas que Alessandro
invocou, funcionaram em Celia depois que ela se transformou. Minha
memória lembrou-se de Alessandro salpicado de sangue, cortando uma

Babuíno é a designação genérica para antropoides cercopitecídeos do gênero Papio e afins, caracterizados pelo focinho
pontudo, caninos grandes, bochechas volumosas e calosidades nas nádegas. É um animal semi-quadrúpede da ordem dos primatas que mede até
120 centímetros de comprimento.

Alberta é uma das dez províncias do Canadá. Com uma população estimada de 4 067 175 habitantes em 2016, Alberta é
a quarta província mais populosa do país e a mais populosa das três províncias das pradarias.

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fera ao meio com uma motosserra . Foi preciso uma motosserra, uma
espada e o revólver de caça mais poderoso do mundo disparado em sua
boca para derrubá-la. Mais tarde descobrimos que Celia era prima de
Nathan.

Um rosnado baixo soou à minha direita. Uma versão maior do


babuíno-leão esperava sob um carvalho alto. A criatura estava de quatro,
enorme, mais forte, com patas do tamanho de pratos de jantar e garras
como facas de carne.

Uma terceira criatura estava empoleirada nos galhos do carvalho à


esquerda de Alessandro, menor que a segunda criatura, mas maior do que
a da fonte. Sua pelagem era de um vermelho escuro manchado de preto,
seu rosto era mais de felino do que de babuíno, seu corpo completamente
quadrúpede. Ele agarrou o galho da árvore com as quatro patas, suas
garras negras engancharam na casca como foices. Uma juba avermelhada
emoldurava sua cabeça e pescoço grosso. Se essa coisa ainda podia voltar
para a sua forma humana, não restava nenhum sinal disso.

Lucas e Gabin. Sanders trouxe seus filhos.

Alessandro tirou o tapete do ombro e o desdobrou calmamente.


Enviei minha magia em direção a Nathan na fonte. A mente dele estava
completamente obscura, inerte sem qualquer humanidade. Como dizia o

Livro 04 – Sapphire Flames – Hidden Legacy.

Ruby Fever
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429

ditado: as luzes da casa estavam acesas, mas não tinha nenhum humano lá.
Nada que eu fizesse a essa mente teria qualquer efeito.

Os membros da Casa Sanders eram Holos-Metamorfos . Uma vez que


eles mudavam de forma, apenas o instinto da caçada permanecia. Eles se
fixavam em suas presas como se suas vidas dependessem disso,
perseguiam suas presas com ferocidade obstinada e não paravam até
destruí-los.

A besta na fonte abriu a boca, mostrando-nos enormes presas cônicas.

Sacudi minha espada. A lâmina se desdobrou, tomando forma. A


espada gerou seu próprio campo nulo. Ela cortaria qualquer coisa desde
que você a alimentasse com magia, mas queimava sua reserva de energia
em segundos. Precisava usá-la com moderação.

Os músculos de Luke, a besta maior, se contraíram. Ele se posicionou


como um leão antes de uma corrida.

Do outro lado, a besta felina Gabin ergueu-se no galho. A massa


vermelha em volta do seu pescoço, que eu confundi com uma juba, se
ergueu como o capuz de uma naja vermelha .

O termo vem do grego (holos) e significa “todo, inteiro, conjunto” de forma que se apoia na teoria da compreensão integral. Ou seja, o todo
está em cada parte e cada parte se encontra no todo.

A naja é encontrada principalmente em regiões da África e do sul da Ásia e está entre as cobras mais populares e
ameaçadoras do mundo. Suas cores costumam variar entre vermelhas, amarelas, pretas, manchadas ou listradas, dependendo da espécie. Na maioria
das vezes, as escamas das najas são macias.

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Alessandro largou o tapete desdobrado no chão na minha frente.


Enviei um pulso de magia através da espada. O mecanismo
organometálica o sugou, brilhando, alimentando-se do meu poder como
uma sanguessuga.

— Eu te amo, —disse Alessandro.

— Eu também te amo. Pegue a espada.

— Mantenha-a.

Nathan se flexionou e saltou da fonte, uma membrana cor de carne


cheia de veias se abriu ao longo dos braços da besta. Alessandro pulou
para a esquerda, enquanto eu me esquivei para a direita. Faíscas
alaranjadas explodiram acima das mãos de Alessandro, se materializando
em uma espingarda. O Mossberg trovejou em uma explosão de três tiros.

Boom. Boom. Boom!

Os tiros atingiram a fera símia no ar. Nathan gritou, caindo, sua


trajetória abortada.

Luke avançou em nossa direção à minha direita.

Eu pulei em seu caminho, alimentando um impulso de magia em


minha espada de campo nulo.

Alessandro girou na direção de Gabin ainda empoleirado na árvore à


esquerda e disparou novamente.

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Boom. Boom. Boom!

Luke pulou em minha direção, rápido, os olhos brilhando com


crueldade. Eu girei para fora do caminho meio segundo antes que ele me
acertasse e cortei suas costelas enquanto ele passava por mim. A espada
de campo nulo atravessou sua pele, músculos e cartilagens como se eles
nem estivessem lá. A besta gritou, um som estranhamente humano vindo
da garganta de um animal, e continuou correndo, me ignorando.

Boom. Boom. Boom!

Alessandro acertou uma rajada de três tiros em Nathan e, enquanto a


besta se contorcia no chão, Alessandro girou, disparando mais uma rajada
de tiros. Os tiros acertaram Luke e pegaram de raspão Gabin que corria
na direção de Alessandro. Alessandro pulou para trás, esquivando-se das
garras de Gabin como se soubesse onde a besta atacaria antes mesmo de
mirar. O ombro da besta felina sangrou.

Luke tentou desajeitadamente agarrar Alessandro e falhou. Eu tinha


destruído as entranhas dele com meu golpe. Mesmo com os poderes
insanos de cura dos Magos Metamorfo, o ferimento o deixaria mais lento.

A dor rasgou minha mente. O escudo protetor da minha magia


bloqueou a maior parte dela, mas o que foi filtrado me cortou como uma
serra elétrica em brasa. Kaylee.

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Cortei o fluxo mágico para a espada e me concentrei, reforçando o


escudo em minha mente.

O alcance dela era maior que o meu. Eu mal podia senti-la à minha
direita, em algum lugar da casa. Precisaria de um impulso para combatê-
la. O tapete estava a um metro e meio de distância.

A metralhadora PDX se materializou nas mãos de Alessandro.

Kaylee me atacou, sua magia uma torrente de ódio. O mundo ficou


branco escaldante. Os tentáculos da minha magia deslizaram, tentando
fechar o buraco que Kaylee havia aberto. Fiquei cega.

Tiros explodiram.

Continuei me movendo, dando pequenos passos na direção do tapete.


Ela rasgou meu escudo, arrancando pedaços de meus tentáculos.

Meu pé cutucou a borda do tapete. Eu dei um grande passo cego para


ele e pisei. Um ruído seco anunciou que o reservatório escondido na parte
de baixo do tapete se rompeu. A parte inferior do tapete se desfez quando
os dois produtos químicos se misturaram, e o plástico liquefeito
escorregou no espaço entre um pavimento e outro, preenchendo-o e
ancorando o tapete no lugar.

Kaylee cortou meu escudo. A dor me escaldou. Enrolei mais


tentáculos sobre a ferida, tirei o giz do bolso, me agachei e desenhei um
círculo perfeito ao redor dos pés com pura memória muscular.

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Um grunhido gutural curto veio da esquerda. Alessandro. Ele estava


ferido.

Kaylee me atacou novamente. Uma explosão de agonia explodiu em


minha mente. Cerrei os dentes e adicionei outro círculo ao principal.

Kaylee começou a martelar minha mente. Cortar não estava sendo


suficiente, então ela recorreu à força bruta, martelando golpes em mim.
Como se consegue desenhar enquanto alguém esmaga a parte de trás da
sua cabeça com um taco de beisebol? Eu me movi mais rápido, o giz
deslizando pelo tapete. O escudo sobre minha mente estava fino como
papel. Mais alguns golpes e seria o fim.

Bam. A raiva despertou dentro de mim.

Bam.

Bam.

Sua vadia fodida. Você quer minha atenção, vou te dar minha atenção.

Terminei a última linha—sem saber se o círculo estava totalmente


fechado—me levantei e afundei um pulso do meu poder no círculo. Um
gêiser de pura magia explodiu através de mim, surgindo em minhas veias,
purgando dor, incerteza e medo. Apenas o poder permaneceu, fluindo
através de mim como a correnteza de um grande rio. Enviei outro pulso e
o círculo respondeu. Havia tanta magia, o poder me encharcava.

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Minha visão clareou e eu vi tudo de uma vez: a casa na minha frente,


Kaylee sorrindo na sacada Julieta e Alessandro à minha esquerda, jogando
uma arma vazia em Gabin. A besta felina e Nathan o encurralaram. Luke
estava mancando, deixando um rastro de sangue e pedaços de suas
entranhas. Alessandro estava preso entre eles, e suas costas estavam
vermelhas de sangue.

A criatura furiosa dentro de mim uivou, tentando se libertar e gritar


seu medo para o mundo. Eles o machucaram! Eles o machucaram e eu tinha
que machucá-los de volta! Eu os mataria. Rasgaria suas mentes
lamentáveis em pedaços.

Senti Kaylee reunindo seu poder para outra explosão, sua mente era
uma brilhante estrela branca.

Dentro de mim asas escuras se agitaram, esticando-se, tentando


emergir, suas pontas brilhando em vermelho rubi. Elas queriam rasgar
meu corpo e minha mente e explodir como uma borboleta de uma
crisálida. Elas queriam punir, matar e proteger.

Não. Eu estava no comando. Eu decidiria.

A criatura dentro de mim colidiu com a minha vontade, gritando para


ser libertada. Agarrei e a segurei com firmeza.

Não vou gritar.

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Asas se abriram nas minhas costas e por um momento torturante


minhas penas ficaram de um cinza lamacento.

Não vou gritar.

Esta era a minha magia. Minha. Ela não me comandava. Eu a


comandava.

Abri a boca e cantei. As cores explodiram através de minhas penas,


verde brilhante e dourada.

Gabin me viu e vacilou de pura surpresa.

Estendi minha espada para Alessandro, tirei mais magia do círculo e


deixei a melodia sair de mim. Era uma linda canção cheia de promessas e
perdão. A canção se espalhou de mim como uma onda, invadiu a mente
de Kaylee e varreu suas escassas defesas. Ela sabia como atacar, mas não
tinha ideia de como se defender.

Alessandro correu entre duas bestas com graça sobrenatural. Sua mão
roçou a minha, soltei a espada e ele a pegou.

Minha canção subiu, mais alta e mais forte, se espalhando pela casa.

As três bestas nos atacaram, Gabin na liderança, seu pai logo atrás
dele, e Luke ainda cambaleando alguns metros atrás.

Na sacada Julieta, Kaylee chorava como uma criança amedrontada.

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Alessandro cortou a perna de Gabin, girou, esculpiu o crânio


deformado de Nathan e depois enterrou a lâmina no peito de Luke.
Nathan desmaiou. Luke caiu de joelhos.

Gabin correu, aos solavancos, ganhando velocidade apesar do


sangramento do toco de sua perna esquerda mutilada.

Minha magia se espalhou pela mansão, encontrando as faíscas


brilhantes de outras mentes. Cantei para eles, prometendo segurança,
bondade e amor.

A magia laranja girou em torno de Alessandro. O Winchester se


materializou em suas mãos. Ele mirou a besta em fuga e disparou. A
criatura de três pernas caiu como uma pedra.

A porta da frente se abriu e as pessoas saíram, seus olhares fixos em


mim. Elias, e um casal de idosos, movendo-se lentamente, três homens de
meia-idade e uma mulher. Kaylee escalou o trilho de ferro e saltou para o
pavimento abaixo. Sua perna esquerda quebrou como um galho. Ela
tentou se levantar, caiu e rastejou em minha direção.

Eu precisava separá-la deles. Enquanto eu mantivesse a mente dela


presa, ela não seria uma ameaça.

Alessandro estava andando em minha direção. Sua camisa pendia em


farrapos, cortes vermelhos cruzando seu peito.

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O preto azeviche pulsou através das minhas asas, querendo se


espalhar por elas. Eu lutei com o controle de volta, mantendo o verde em
minhas em penas, e continuei cantando.

Um som metálico ensurdecedor rolou pelo ar. Virei-me na direção de


onde veio e vi um cilindro de metal gigante se erguendo acima das copas
das árvores. Tinha uns dez metros de comprimento e uns três de
circunferência. Ele pairou no ar por um momento e girou. Lâminas
deslizaram para fora do eixo do cilindro.

Um Moedor. Feitiço exclusivo da Casa de Connor. Exceto que este não


era o Moedor do meu cunhado, porque o dele tinha três cilindros, não um.

Eu tinha que tirar essas pessoas daqui. Onde seria seguro? O


Escaravelho não resistiria ao Moedor. A casa também não. Se o Moedor
não nos cortasse ou esmagasse, os destroços da casa acabariam conosco.
Precisávamos nos dispersar, o problema era que todos estavam ligados a
mim. Se eu tentasse correr, eles simplesmente me seguiriam como
patinhos e se eu os desconectasse da minha magia, eles entrariam em
colapso.

O Moedor caiu, rolando para frente. As árvores entre ele e nós


quebraram como palitos de dente e atrás deles Xavier estava no meio de
uma quadra de basquete, um círculo arcano complexo brilhando ao seu
redor. Xavier usava protetores de ouvido. Um sorriso perturbado
iluminava seu rosto.

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Estendi a mente para ele.

Muito longe.

Alessandro girou, colocando a Winchester em seu ombro. Um tiro


estalou. Xavier riu sem fazer barulho.

Alessandro não errou. O círculo de Xavier havia criado um espaço


nulo. Nossa realidade terminava naquela linha de giz externa. A bala não
penetrou. Nada penetraria, nem mesmo um lançamento de míssil.
Enquanto a magia de Xavier durasse, ele estaria invulnerável. A única
maneira de sobreviver era sair do alcance de sua visão.

Os avós idosos de Kaylee me encararam com adoração. Eles não


tinham ideia de que estavam em perigo. Eu havia cantado para eles e
prometido que tudo ficaria bem. Eu poderia fugir e me salvar, mas Xavier
mataria a todos que subjuguei nessa casa.

As lâminas afiadas do cilindro de metal giraram para frente, flutuando


no ar a um metro do chão.

Alessandro pulou na minha frente.

O Moedor parou de avançar, apesar das lâminas ainda girarem.

Xavier ficou tenso, seu rosto uma careta deformada pelo esforço.

O Moedor continuou parado onde estava.

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As árvores à nossa direita estalaram e caíram. Louco Rogan estava no


meio de um círculo de amplificação simples desenhado no pavimento.
Nevada estava ao lado dele. Atrás deles, uma equipe tática apontava para
Xavier através das miras de seus rifles.

O rosto de Louco Rogan parecia esculpido em granito.

Agora era minha chance. Parei de cantar e sorri. — Venham aqui.

Eles o fizeram, tropeçando em seus próprios pés, tentando se agrupar


ao meu redor.

— Eu ficaria feliz se vocês entrassem comigo no veículo, —eu disse a


eles.

Eles se moveram como um.

Alessandro pegou a idosa e a carregou até o Escaravelho. Julian


correu e estendeu os braços. Alessandro entregou a mulher idosa para ele,
virou-se e caminhou de volta para onde Kaylee ainda se arrastava e lutava
para se levantar do chão.

O Moedor ainda girava no lugar. Alessandro caminhou alguns


metros, sem pressa, colocou Kaylee no ombro em um transporte de
bombeiro e voltou vagarosamente.

Xavier soltou um grito silencioso.

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Alessandro acenou para Louco Rogan e depositou Kaylee aos meus


pés. Ela abraçou minhas pernas, seus olhos brilhantes e sem fundo. — Eu
te amo tanto, sinto muito. Por tudo. Sinto muito. Você gosta de mim?

Eu acariciei o cabelo dela.

Alessandro me abraçou como se eu fosse seu maior tesouro.

O nariz de Xavier estava sangrando. Ele cerrou os punhos, todos os


músculos de seu corpo rígidos, tensos. Sua boca se abriu. Ele deve ter
uivado a plenos pulmões, mas o som não saiu de dentro da proteção do
círculo.

O Moedor não se moveu um centímetro.

O círculo sob os pés de Xavier se apagou como uma vela apagada por
um sopro de ar. Xavier tinha esgotado sua magia. Não havia mais energia
para alimentar o círculo.

Ele olhou boquiaberto para o Moedor em puro horror.

O Moedor girou suavemente, como se não pesasse nada.

Xavier apenas olhou.

O cilindro se moveu em direção a Xavier. Ele jogou as mãos para


frente em uma tentativa inútil de detê-lo. O Moedor rolou sobre ele.

Não houve som. Nenhum grito. Apenas lâminas banhadas de sangue


vermelho.

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Sentei-me na cama com meu notebook na minha frente. Meu cabelo


molhado caia sobre meu ombro.

Tínhamos chegado em casa uma hora atrás. Alessandro tomou


banho, e Doutor Patel tratou dois grandes cortes nas costas e arranhões no
peito dele. As feridas haviam sangrado por todo o lugar, mas eram
relativamente superficiais. Alguns anos atrás, a visão desses cortes teria
me deixado em pânico e agora eu só estava grata por não serem piores.

Konstantin estava esperando por ele do lado de fora da enfermaria


quando saímos. Eu os deixei conversando e vim para nossa casa. Eu estava
esgotada.

Arranquei minha magia de Kaylee rápido o suficiente para atordoar a


mente dela, mas não tão rápido que sua psique sofresse danos
permanentes. Ela estaria dormindo pelos próximos três dias,
possivelmente mais, o que foi bem-vindo, porque eu não tinha ideia do
que fazer com ela. Eu precisava ganhar algum tempo. Prendê-la não era
uma opção devido ao seu nível de poder. Normalmente Linus tomava as
providências que tinha que tomar e a Assembleia Nacional vinha e se
encarregava dos criminosos Superiores. Ele nunca tinha me explicado essa

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parte do trabalho. Por enquanto, nós a prendemos na enfermaria. Se as


hostilidades se arrastassem, teríamos que induzi-la a um coma.

Antes de libertá-la, Kaylee me contou tudo o que eu queria saber.


Arkan a transformou em uma Superiora. Ela desfrutou de seu novo poder
por quase quatro meses quando sua mãe veio até ela e disse que
precisavam matar Linus. Luciana havia marcado uma reunião. Elas
caminharam direto para o escritório de Linus, onde Kaylee atacaria Pete
enquanto sua mãe planejava aliciar Linus com seus poderes Aliciônicos
para que elas pudessem matá-lo também.

O problema é que Linus não deu a elas nenhuma chance. No


momento em que Luciana começou a usar sua magia, Linus correu. O
ataque inicial de Luciana mal o havia atingido de raspão.

Pete conseguiu sacar sua arma, mas Kaylee o matou antes que ele
pudesse fazer qualquer coisa com ela. Luciana disse a Kaylee para sair da
casa, pegou a arma e foi atrás de Linus. Kaylee foi embora, e alguns
minutos depois sua mãe cuidadosamente saiu da casa e se juntou a ela.

A arma de Pete finalmente fez sentido. Luciana a pegou e planejou


atirar em Linus com ela, mas ela não contava com o cofre, e Linus, que
estava se recuperando do ataque mental inicial de Luciana, deve ter sido
mais lento que o normal tentando descer aquelas escadas, se trancar e
ativar os sistemas de defesa. Isso deu a Kaylee tempo suficiente para
escapar. Às vezes, negligenciamos as explicações mais simples. Kaylee

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saiu viva porque correu feito um coelho antes que o bloqueio de segurança
fosse ativado.

Desconectar meu poder do resto dos Caberas e seus funcionários


levou muito mais tempo do que eu gostaria e, no final, eu estava esgotada,
tanto magicamente quanto fisicamente. Enquanto eu me desconectava
deles, conseguimos arrancar a maior parte de tudo que aconteceu naquela
casa. Kaylee havia feito seus avós de reféns, matando dois de seus
funcionários quando eles tentaram intervir. Quando Elias chegou, ela
também havia açoitado a mente dele. A única razão pela qual Elias ainda
estava vivo era porque ele esperava um ataque e protegeu a mente. Apesar
de todo o seu poder bruto, Kaylee não tinha ideia de como penetrar
completamente nas defesas de um mago experiente e bem treinado como
seu tio. Ele levou uma única explosão e se fingiu de morto.

Os dois irmãos Cabera recolheram seus pais e seus funcionários, e


Julian levou todos de volta para a mansão Cabera em River Oaks,
enquanto Elias ficou para supervisionar a limpeza da casa de seus pais e
fazer os preparativos para os funerais. Nenhum deles expressou qualquer
desejo de se responsabilizar por Kaylee. Eles provavelmente redigiriam
seus documentos de expulsão no momento em que chegassem em casa.

Quando entrei em nossa casa, a USB de Linus me esperava na mesa.


Bern ou Runa devem ter trazido.

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Linus ainda estava inconsciente. Deveria ter me deprimido e


preocupado, mas eu estava muito entorpecida.

Tomei um banho, o que me fez sentir um pouco melhor, coloquei uma


camiseta comprida e uma calcinha limpa e subi na cama com meu
notebook e o USB de Linus. E então olhei para a tela por cerca de cinco
minutos.

Eu não tinha certeza por que hesitei. Não estava com medo. Só estava
... cansada e cautelosa.

Nada de bom jamais vinha da ignorância. Deslizei o USB no


notebook, acessei e avancei o vídeo para o ponto que parei.

— ... Muito em breve você estará enfrentando um conflito interno,


se é que já não está. Você se concentrou em apenas um aspecto de
seus poderes, mas sua magia é mais complexa do que imagina. As asas
negras são a primeira manifestação do problema, e se agravará em
momentos de angústia emocional.

Linus se inclinou para trás. Eu reconhecia aquela pose. Ele estava em


seu modo professor.

— Um Mago de Gelo ataca enquanto se esconde na multidão.


Como você o encontra?

— Ele será aquele mais quente, —eu respondi.

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A magia altera as leis naturais, mas não as destrói. Um Mago de Gelo


baixa drasticamente a temperatura da água do corpo do seu alvo e, embora
a magia lide com a maior parte do calor deslocado, parte desse calor
escapa. O ar ao redor do Mago de Gelo fica visivelmente mais quente. Se
ele usar a magia por tempo suficiente, irá começar a suar e seu rosto ficará
vermelho.

— Definimos Magos de Gelo como aqueles que congelam, mas


também podemos defini-los como aqueles que geram calor de forma
ineficiente por meio de deslocamento.

Onde Linus queria chegar?

— A sereia mitológica encanta e seduz, assim como nossa magia.


Mas ela também tem uma contrapartida ...

Alessandro entrou no quarto e parou. Pausei o vídeo e dei um tapinha


no cobertor ao meu lado. Eu não queria esconder nada dele.

Ele se aproximou, tirou as botas e se esparramou nos cobertores ao


meu lado. Eu me aproximei dele. Ele colocou a cabeça na minha coxa
nua. Eu reiniciei a obra-prima de Linus.

— ... mas ela também tem uma contrapartida. A Harpia .

As harpias são criaturas da mitologia grega, frequentemente representadas como aves de rapina com rosto de mulher e seios.
Na história de Jasão, as harpias foram enviadas para punir o cego rei trácio Fineu, roubando-lhe a comida em todas as refeições.

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O que?

— A Harpia se manifesta com asas negras. Quando ela emerge, ela


não seduz, não subjuga. Ela destrói.

— A Harpia? —Alessandro murmurou.

— A magia Sirene é baseada na sobrevivência, —disse Linus. —


Desde o momento em que você nasceu, sua magia começou a avaliar
o ambiente e a tentar eliminar aqueles que considerava uma ameaça.
Quando conversei com sua mãe, ela me disse que ao longo de sua vida
você encontrou algumas pessoas imunes a sua magia, como seu
pediatra. Essas pessoas foram poupadas porque a sua magia não
identificou nelas absolutamente nenhuma ameaça para você. No
entanto, pessoas assim são muito raras.

— Quem mais além do pediatra? —disse Alessandro. — E eu, claro.

— Cornelius e Runa são imunes, —eu disse a ele. — É estranho,


porque a imunidade se desenvolveu gradualmente.

— A maioria das pessoas é fundamentalmente egoísta. Embora


elas possam não desejar ativamente o mal a você, quando lhes for
dada uma escolha entre sua sobrevivência e interesse próprio, eles
escolherão o interesse próprio. Isso é suficiente para o seu campo

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mágico passivo designá-los como uma ameaça. Seu pediatra, por


outro lado, literalmente morreria para mantê-la segura.

Na tela, Linus tomou outro gole de sua bebida.

— Embora não seja culpa sua, você cresceu aterrorizada com seu
poder e fez um esforço enorme para mantê-lo contido. Seu controle é
excelente. Mas para alcançar esse controle, você suprimiu muitas de
suas necessidades emocionais, tentando limitar a exposição de outras
pessoas à sua magia. Você não namorou. Não fez amigos. Negou a si
mesma a teia de relacionamentos humanos que nos mantém
ancorados entre outros de nossa espécie. Os humanos são animais
sociais, Catalina. Podemos escolher ser solitários, mas isso tem um
custo.

— Os últimos dois anos trouxeram muitas novidades para você.


Primeira melhor amiga. Primeira oportunidade de assumir uma
pesada responsabilidade. Primeiro amor. Primeira desilusão.

Passei as mãos pelo cabelo de Alessandro.

— Primeira decisão deliberada de matar, —disse Linus. — Não


porque alguém disse que você poderia, mas como consequência de
sua própria avaliação. É uma espécie de maturidade emocional, muito

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atrasada. Em um nível mais profundo, você deu as boas-vindas a todas


essas novidades e é exatamente isso que a Harpia protege.

— É fácil confundi-la com raiva ou medo. Mas ao contrário da


raiva e do medo, que você consegue suprimir, a Harpia não pode ser
suprimida. Porque ela é amor.

Pausei a gravação.

Amor? Como a criatura de asas negras, enfurecida e estridente, pode ser amor?

— Eu disse a você, —disse Alessandro suavemente. — Você tem o


controle sobre ela.

Reiniciei o vídeo.

— A Harpia protegerá aqueles que ama a todo custo, —disse Linus.


— Ela não é particularmente eficiente sobre isso. Ela não é complexa.
A Harpia é simplesmente uma força elemental que grita e destrói a
alma de seu inimigo. Suas vítimas ainda terão um cérebro fisicamente
intacto, mas o complexo emaranhado de pensamentos e emoções que
as tornam quem são será destruído. É a anulação permanente do ego.
Se suas vítimas não podem pensar nem sentir, também não poderão
mais te machucar.

Isso é o que eu suspeitava. Quando a escuridão de Michael devorou


Gunderson, ele já estava morto.

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— Historicamente, os Sirenes tentaram encontrar um equilíbrio


entre os dois aspectos, um meio-termo entre proteger os outros e se
permitir um pouco de egoísmo no amor. A cor ideal da asa era cinza
que clareava ou escurecia dependendo qual aspecto seria usado. Não
é assim com você. Seus dois aspectos são anormalmente bem
desenvolvidos e independentes. Isso faz de você a Sirene mais
poderosa já registrada, mas é uma faca de dois gumes. Você negou a
Harpia por um longo tempo, mas ela foi alimentada pelo amor feroz e
imparável que você sente por aqueles que ama. A Harpia vai proteger
todos que você ama, nem que para isso ela queime toda a sua magia,
além do limite aceitável, e então ela vai canibalizar sua mente para
que possa continuar gritando. Se isso acontecer, você irá morrer. Nós
dois sabemos quem é o preferido da Harpia.

Eu sabia.

Linus passou a mão sobre o rosto como se estivesse tentando limpar


alguma preocupação terrível. Seus olhos estavam assombrados. — Eu não
sei quando ou por que está assistindo isso. Espero ter conseguido
neutralizar Arkan, mas provavelmente não consegui porque teria
destruído essa gravação e estaríamos tendo essa conversa
pessoalmente. Catalina, é essencial que não permita que a Harpia

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mate você. Mesmo que o preferido dela faça o que todos tememos,
você deve sobreviver. O futuro da sua família depende disso.

Linus caiu em sua cadeira.

— Fui um pai terrível, mas eu amava meu filho. O meu maior


arrependimento é nunca ter feito parte da vida dele. Eu amo você, suas
irmãs e seus primos. Vocês cinco são tudo de mais precioso que tenho.
São herdeiros de tudo o que possuo e do meu legado. Escolha viver,
Catalina. Esse é o meu último pedido para você.

O vídeo parou.

Alessandro sentou-se, fechou o notebook e olhou para mim.

— Eu sou o preferido da Harpia?

— Sim.

— Do que ele está falando? O que irei fazer que todos temem?

O medo dentro de mim se desenrolou e me rasgou com suas garras


afiadas.

Alessandro baixou a cabeça para pegar meu olhar. — Catalina?

Eu o encarei. — Você não é racional quando se trata de Arkan.

— O que isso significa?

Ruby Fever
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— Você está tentando matar Arkan há muito tempo. Está obcecado


com essa missão. Em breve, vocês dois irão se enfrentar. E todos nós
sabemos que se você perceber que a única maneira de matá-lo é se
sacrificar, o fará. Isso me aterroriza. Linus sabe que farei qualquer coisa
para manter você vivo. Eu te amo muito, Alessandro. Ele está preocupado
que, se eu souber que você está prestes a morrer, a Harpia assumirá o
controle e queimará minha magia e minha mente para tentar salvá-lo.

Pronto. Tudo colocado para fora.

Alessandro estendeu a mão para mim. Seus braços se fecharam em


volta dos meus ombros, e me puxou para ele como se eu não pesasse nada.

— Eu te amo mais do que eu odeio Arkan, —Alessandro me disse. —


Matá-lo e acabar perdendo você me deixaria sem nada. Se fosse uma
escolha entre sua vida e a dele, eu o deixaria ir.

— Isso não é ...

— E se fosse uma escolha entre matá-lo ou ficar vivo ao seu lado, eu


ficaria vivo. Dou-lhe minha palavra de que não vou jogar minha vida fora
por essa vingança.

Ele me abraçou mais forte.

— Se você quer que eu prometa que não vou lutar com ele, não posso
fazer isso. Eu quero matá-lo. Quero ver a vida sair dos olhos daquele

Ruby Fever
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desgraçado, e quero que ele saiba que fui eu quem a tirou. Mas não será
uma missão suicida. Quero viver muito e ser feliz, Catalina.

— Promete-me.

— Te lo giuro.

Prometo. Ele estava dizendo todas as coisas certas, mas eu ainda estava
com medo.

Ficamos sentados por um tempo, ele me segurando. Seu cheiro estava


ao meu redor, reconfortante e tentador.

— Eu deveria ter lhe contado sobre Christina, —disse ele.

— Quando isso começou?

— Dois meses atrás. Meu avô me ligou e me disse que era hora de
largar a brincadeira de criança e voltar para casa. Eu seria perdoado. Que
ele estava sendo generoso comigo. E que tinha arranjado outro casamento.

— O que você disse?

Alessandro suspirou. — Eu estava preocupado com alguma coisa na


hora, então eu disse a ele exatamente o que eu pensava sobre isso. Ele se
ofendeu e me disse que eu tinha uma responsabilidade com a família, não
gostei do tom dele, então perguntei se ele já tinha considerado se prostituir.
Sugeri que considerasse um desconto, já que a mercadoria estava bastante
desgastada e em más condições.

Ruby Fever
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453

— Catártico, mas imprudente. —Alessandro sempre era calculista em


suas respostas, exceto comigo e minha família.

Seu avô deve ter realmente o irritado.

— Infelizmente, eu sabia que ele iria descontar na minha mãe, e o fez.


Foi quando começaram os telefonemas. Sei que minha mãe está sob
pressão. Ela está sendo supervisionada. Primeiro, ela fala em italiano ao
telefone. Minha mãe sempre falava inglês conosco. Segundo, parece que
está lendo um roteiro. Normalmente, quando os pais dizem que você é um
filho terrível, eles colocam mais emoção nisso.

— Eu sinto muito. —Acariciei a bochecha dele.

Alessandro balançou sua cabeça. — Sei que ela está sendo obrigada a
falar o que fala. Não dói. Bem, não muito. A questão é que eu deveria ter
lhe contado. Peço desculpas.

— Desculpas aceitas. Eu não estava tentando ser intrometida.

Ele me puxou e apertou. Minhas costas estavam pressionadas contra


seu peito, seus braços estavam ao meu redor. Não havia lugar que eu
preferiria estar do que aqui, envolta nele.

— Eu sei, —ele murmurou. — Eu só estava tentando proteger o que


temos. Como o problema estava vindo do meu lado da família, eu quis
cuidar disso. Seu prato já anda muito cheio. Eu não queria despejar um
sapo viscoso nele.

Ruby Fever
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— Os sapos não são viscosos. A pele deles é seca. As rãs parecem


viscosas por causa das secreções na pele, mas não são viscosas ao toque ...
você realmente deveria me dizer para calar a boca de vez em quando.
Como agora mesmo.

— Cala a boca, —ele disse gentilmente, sorriu e beijou meu cabelo.

Alessandro saldou a maior parte da dívida de sua família. Cerca de


dezessete milhões de dólares ainda estavam pendentes. Uma soma
enorme, mas uma fração do que era devido. Ele tentou pagar o restante da
dívida usando um empréstimo que Connor lhe ofereceu. O credor recusou-
se a receber. Tivemos que nos contentar em saber que sua mãe e suas duas
irmãs eram cuidadas. Alessandro mandava dinheiro todo mês, além do
pé-de-meia que já havia construído para elas.

Eu me mexi em seu aperto ligeiramente. Ele se inclinou e beijou a


curva do meu pescoço. Humm ...

— Quero conhecer a Harpia, —disse ele.

— Você já a conheceu.

— Mas isso foi na piscina, em um lugar público. —Os lábios dele


traçaram uma linha quente ao longo da minha pele. — Quero conhecê-la
aqui, na nossa cama.

— Por que?

Ruby Fever
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— Preciso saber o quanto ela me ama. —Ele beliscou meu pescoço


levemente.

Um arrepio correu da base do meu pescoço até os dedos dos pés. Meu.
Meu, meu, meu ...

Seus braços estavam ao meu redor, músculos esculpidos sob a pele


dourada.

— Você disse que eu era o preferido dela. —A voz dele era um convite
claro. Acariciando, seduzindo, e eu não tinha defesas contra isso.

— Sim.

Senti a Harpia subindo em mim, exigente, violenta e completamente


obcecada. Alessandro era o núcleo brilhante do mundo dela. Do meu
mundo. Ela e eu éramos um ser e não havia como me segurar.

Eu me afastei dele e me virei para que eu pudesse vê-lo. Seu rosto era
intransigente, seus olhos famintos. Eu teria afogado o mundo inteiro só
para que ele me olhasse assim.

— Mostre-me, —disse ele.

— Esta é uma idéia terrível, —eu sussurrei.

Alessandro se inclinou mais perto, seu rosto a um centímetro de


distância. — Eu quero. Tudo de você. Tudo.

— Você não sabe o que está pedindo.

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— Eu sei. Por isso estou pedindo.

Senti o leve aroma de frutas cítricas e sândalo em sua pele. Ele estava
tão perto. Eu conhecia cada linha de seu rosto. Seus olhos flamejantes,
suas maçãs do rosto ásperas, seu nariz forte, sua boca sensual, sua
mandíbula esculpida, e ainda assim eu olhava como se tivéssemos acabado
de nos conhecer, atordoada e ansiosa. Desejando algo, precisando de algo
que eu não conseguia explicar. Era mais do que luxúria, mais do que sexo,
e isso me corroeu como se um buraco tivesse sido aberto na minha psique,
e só ele pudesse me fazer inteira.

Minhas asas negras estavam tomando conta de minha mente. Elas


vibravam em minha alma.

Ele se inclinou para frente, perto o suficiente para tocar. O espaço


entre nós era muito pequeno, sua voz era uma respiração em meus lábios.
— Me ame, minha linda Harpia.

Eu me lancei para ele. Alessandro não estava esperando e eu o


derrubei da cama. De alguma forma, ele caiu de pé e me levou com ele.
Minhas unhas cravaram na pele de suas costas, como garras.

Tranquei minhas pernas ao redor da cintura dele e o beijei, insaciável,


furiosa por alguém tê-lo machucado e quase insana de amor e luxúria. Eu
o bebi, jurando amá-lo para sempre, ele e somente ele. Alessandro me
beijou de volta, assumindo, e enfiou a língua na minha boca,

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transformando meu ataque em uma promessa. Não foi um beijo, foi um


juramento. E então mordi o lábio dele e provei seu sangue para selar o
juramento.

Havia som de freios guinchando em meu cérebro, lógica e razão,


avisando que eu estava oscilando à beira de um penhasco. Empurrei a
lógica e a razão para o lado, comecei a correr e pulei, caindo no abismo
sem fundo. Minhas asas negras se abriram, suas pontas brilhando em
vermelho, e eu voei.

Alessandro me encarou por um momento chocado. Eu segurei seu


rosto entre minhas mãos e o beijei novamente. Minhas asas batiam ao
nosso redor. Se elas tivessem matéria, eu teria nos puxado para o ar. A
mão dele agarrou minha bunda, seus dedos escaldando na minha pele. Ele
pegou minha calcinha e rasgou. Eu o virei para a cama. Alessandro mal
teve a chance de tirar as calças, e então eu o empurrei para trás, de costas
na cama, e me sentei em cima dele. Seu comprimento estava duro como
pedra debaixo de mim. Arranquei minha camisa.

Ele estendeu a mão para mim. Eu prendi os braços dele para baixo e
me empurrei contra ele. Ele deslizou dentro de mim em uma explosão
chocante de prazer, que reverberou através de mim, explodindo em um
grito. O som que saiu dos meus lábios foi meio canção, meio lamento, e a
magia que esse grito evocou girou ao nosso redor, conjurando ecos
distantes de mar, água salgada e rocha áspera. Ele era o marinheiro que

Ruby Fever
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eu havia roubado do mundo e nenhuma força na Terra poderia me obrigar


a devolvê-lo.

Eu me inclinei para trás e o montei, cada vez mais rápido, minhas asas
negras abertas acima de nós. Suas mãos acariciaram meus seios e
agarraram meus quadris, me puxando mais forte para ele com cada
impulso. A magia dele chicoteou em torno de nós, uma serpente
convulsiva de faíscas alaranjadas. Ele arqueou os quadris, combinando
com o meu ritmo, os músculos de seu peito e abdômen tensos. Havia tanto
poder nele, nesse corpo, em seus olhos, em sua magia. E neste momento,
era tudo meu.

A tensão cresceu em mim, uma tempestade à beira de quebrar. Eu


queria mais, mais. Isso me chicoteou em uma corrida frenética.

Alessandro rosnou, sua voz rouca com necessidade.

A tempestade dentro do meu corpo quebrou em êxtase. Suas ondas


bateram em mim, tão potentes que quase me derrubaram. Inclinei-me para
frente e agarrei os ombros dele. Seus olhos estavam abertos, e eu olhei para
eles, hipnotizada. Ele era tão bonito, e estava preso a mim.

Eu nunca deixaria ninguém machucá-lo novamente.

Entramos em nosso próprio tufão particular. Não havia nada de


hesitante ou terno nisso. Era uma canção louca, um acoplamento violento,
e cada momento disso ficaria gravado em mim para sempre.

Ruby Fever
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Outro orgasmo me agarrou, reverberando através de mim em uma


corrida inebriante. Eu arqueei minhas costas, derretendo nele. Minhas
asas se abriram como se estivessem pegando uma rajada de tempestade, e
eu cantei, uma nota longa e sem palavras que era menos som e mais magia.

Alessandro gemeu embaixo de mim, seu corpo duro como uma rocha,
suas mãos me agarrando, e gozou. Lambi o sangue dos meus lábios,
sentindo-o estremecer debaixo de mim, e desabei ao lado dele, exausta.

Escovei os dentes e cuspi na pia. Era de manhã. Eu esperava um ataque


no meio da noite, mas não aconteceu. Tive um sono feliz de oito horas e
agora estava morrendo de fome.

Arkan deveria ter nos atacado. Por que não fez?

— Isso é uma merda, —eu disse a Alessandro enquanto nós dois


tirávamos roupas do armário.

— O que?

— Estou estressada porque Arkan não tentou nos matar ontem à


noite.

Ruby Fever
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— Ele virá até nós nas próximas vinte e quatro horas, —disse
Alessandro. — E vai jogar tudo o que tem nesse ataque.

Tentar adivinhar o que Arkan nos reservava estava fazendo minha


cabeça doer.

Nossos telefones tocaram simultaneamente. Argh. Eu tropecei de volta


para o banheiro, peguei meu celular na pia e atendi, colocando no viva-
voz. — Sim?

— Christina Almeida está aqui, —relatou Patrícia.

— Perfeito. Exatamente o que precisávamos.

— Ela está esperando por você. Leon está com ela.

— Você a deixou entrar no Complexo? Por que?

— Porque ela trouxe uma refém, —disse Patricia.

— Quem? —Alessandro perguntou.

— Condessa Sagredo.

Cond-quem?

— Onde as colocou? —Alessandro apertou os dentes.

— No pátio da casa principal, —disse Patricia. — Senhora Baylor tem a


cabeça de Christina em uma mira, caso surja algum problema. Por favor,
apressem-se.

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A Condessa Sagredo estava sentada em um banco de pedra sob uma


ameixeira mexicana , um copo intocado de chá gelado à sua frente sobre
uma mesinha. Este pátio era o lugar onde realizávamos reuniões de
família quando o tempo estava bom e o calor estava baixo. Era um espaço
lindo e confortável, e a mãe de Alessandro estava sentada como se o chão
fosse lava, e seu banco afundaria a qualquer momento. Dois homens a
ladeavam. Ambos tinham a aparência de soldados experientes, do tipo que
faz coisas ruins com eficiência profissional e não tem escrúpulos quanto a
isso.

Cristina estava à esquerda da Condessa e de um dos homens. Ela


olhava para Leon, que estava sentado no banco de pedra do outro lado da
entrada do pátio com os olhos fechados e o rosto virado para pegar o sol
da manhã.

A Condessa me viu. Seu rosto empalideceu. Pelas verificações de


antecedentes, eu sabia que ela era mais alta do que eu, mas ela parecia

Ameixeira mexicana

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462

menor, mais magra, e usava sua fragilidade como uma capa, como se
tivesse medo de ocupar muito espaço. Ela era linda, mas seu rosto estava
pálido, sua maquiagem não conseguia adicionar qualquer cor ou vida às
suas feições. Seu cabelo escuro, provavelmente tingido porque não
mostrava traços de grisalho, emoldurava seu rosto em uma espécie de
penteado solto que a fazia parecer um pouco cansada. A expressão dela só
reforçava aquela sensação de estar fora do lugar. Parecia uma mulher que
não sabia exatamente onde estava ou por que estava ali.

Christina, por outro lado, parecia tão satisfeita consigo mesma que
estava quase triunfante. Ela se concentrou em Alessandro, cruzou os
braços lentamente e sorriu para nós quando nos aproximamos. Alessandro
marchou para o pátio tão rápido que quase tive que correr para
acompanhá-lo. Ele parou na frente de sua mãe. A condessa levantou-se.

— Onde estão minhas irmãs? —Perguntou Alessandro. Sua voz me


gelou até o osso.

Sua mãe se encolheu.

— Isso é jeito de falar com sua mãe? —Cristina perguntou.

— Fique quieta. —Ele deixou cair cada palavra como um tijolo na


cabeça dela.

A Condessa Sagredo se encolheu novamente.

Alessandro virou-se para ela. — Onde estão as meninas?

Ruby Fever
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463

— De volta à vila, —disse ela. Havia um leve tremor em sua voz.

— Você deixou aquela velha víbora responsável pela segurança delas,


sabendo que ele não dá a mínima para elas porque ainda não pode vendê-
las.

O capanga da esquerda, um homem enorme e de ombros largos,


pigarreou e disse em italiano: — Seu avô mandou seus cumprimentos.

Oh. Então os homens não eram capangas de Christina. Eram capangas


do avô.

— Lembre-se, Lilian, —disse Christina, — já conversamos. Isso será


o melhor para ele. Mantenha-se firme.

Ela não tinha ideia de que tipo de vulcão estava prestes a entrar em
erupção.

Alessandro ficou rígido por uma fração de segundo e lentamente se


virou para Christina. Sua voz era gelo puro. — Eu disse para você ficar
quieta. Não me entendeu? Não fale novamente.

Christina olhou para ele. — Você não tem autoridade para me dar
ordens. Não vim aqui para entreter suas noções infantis. Nossas Casas têm
um acordo de negócios, um que um homem adulto honraria sem ser
bajulado como uma criança. Sua recusa em aceitar os fatos me forçou a
trazer sua mãe aqui. O mínimo que pode fazer é nos tratar com cortesia.

Ruby Fever
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464

— É bom que você se lembre que somos adultos, —disse Alessandro.


— Da última vez que verifiquei, ninguém além de mim tem o direito de
negociar em meu nome. Não sou propriedade de ninguém. Não estou a
venda. Quaisquer barganhas que você fez com meu avô eu não tenho nada
a ver com isso.

— O pagamento foi feito, —disse Christina.

— Isso é problema seu. —Ele se afastou dela.

— Não me dê as costas. —A voz de Christina ecoou. — Vai se


arrepender disso. Não é o único Superior aqui. Se precisa de alguém para
lembrá-lo de suas boas maneiras, terei prazer em fazer isso.

Parece que Christina se graduou em ameaças diretas. Peguei meu


telefone e mandei uma mensagem para mamãe.

O Artífice sorriu.

— Ela é rude, arrogante e ingênua, —eu disse a Alessandro. — Mas


há coisas piores. —Volte da zona de assassinato. Temos inimigos maiores para
cuidar.

Christina se virou para mim, claramente tentando pensar em uma boa


resposta.

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Alessandro inclinou a cabeça. — Faça-me me arrepender, Superiora


Almeida. Impressione-me.

A magia estalou ao redor de Christina como um chicote invisível


sendo estalado. Ela o atacou, uma lâmina dourada em sua mão. Ele deu
um passo para o lado, enfiou o cotovelo no rosto dela, bateu na perna dela
e arrancou a lâmina de seus dedos quando ela caiu.

Lilian ofegou.

Christina ficou de pé, o nariz sangrando.

Alessandro jogou a espada por cima do ombro como se fosse lixo. —


Tente de novo.

Ela convocou outra espada e atacou. Ele se inclinou para fora do


caminho, aparou o braço direito estendido dela com o seu antebraço
esquerdo, agarrou o pulso dela e prendeu a outra mão no outro pulso,
cruzou os braços e torceu. Ela caiu no chão como um saco de batatas.

Que diabos de movimento foi esse? Ele teria que me mostrar mais tarde.

— Mais uma vez, —Alessandro retrucou. — Com obstinação.

Ela saltou para seus pés e girou como uma bailarina. Senti seu fogo
mágico através de sua espada. A magia disparou em um crescente na
frente dela como uma enorme lâmina de luz dourada e errou. Alessandro
saiu do caminho, girou em torno de Christina e deu um chute em sua coxa
esquerda. Ela gritou e caiu sobre um joelho.

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— Novamente!

Ela se levantou, o rosto distorcido pela raiva, e cerrou os dentes, os


olhos ardendo de raiva.

Alessandro estava sendo extremamente cuidadoso com ela. Tudo nela


devia doer, mas nada disso resultou em uma lesão permanente.

Christina sacudiu o pulso. Duas lâminas douradas apareceram em


suas mãos. Ela atacou, cortando. Ele se inclinou para trás. Suas espadas
douradas esculpiram o ar a meio centímetro do rosto de Alessandro.

Alessandro deu um chute na outra coxa dela. Chassé Italien , um


poderoso chute para a frente, perfeitamente sincronizado. Dobre
levemente o joelho para fora e crave o calcanhar na perna do oponente
como um pistão.

Cristina caiu novamente.

Eu o vi aleijar um homem com esse chute. Se aplicasse força suficiente


no lugar certo, causaria danos permanentes à rótula.

Christina ficou de pé e gritou. Não era de dor, era indignação. Ele a


humilhou, e fez isso desarmado.

Chassé Italien.

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Pelo menos ela ainda estava andando.

— Não é boa o suficiente, —Alessandro disse a ela. — Quem a levou


a acreditar que está pronta para lutar contra um oponente real lhe fez um
enorme desserviço.

— Te odeio! —Ela rosnou.

— Mas já? Nós nem sequer caminhamos até o altar.

Alessandro estalou os dedos. Sua magia girou em torno dele,


materializando armas uma atrás da outra em sua mão direita em uma
chuva de faíscas laranja: uma katana, um facão, Winchester, Little Brother
e por fim uma espada tática. Fez tudo isso caminhando em direção a
Christina e descartando as armas logo depois que elas se materializam em
suas mãos, deixando um rastro de armas mortais no chão atrás dele.

Seus dedos se fecharam em torno de uma lâmina preta curta. Ele


convocou meu gládio favorito. A girou levemente, deixando a lâmina
deslizar sobre seus dedos como se estivesse colada a eles por alguma força
mística

— Essa bobagem idiota acabou, —disse ele.

Gládio é uma espada curta utilizada na Antiguidade, que os autores latinos chamavam ense. É o mais antigo tipo de
espada curta de lâmina recta de dois gumes conhecida. Caracteriza-se pela sua lâmina, tradicionalmente, bastante larga e quase da mesma largura
do punho à ponta.

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De todas as espadas à sua disposição, ele escolheu aquela para


encerrar seu noivado. Recebi a mensagem em alto e bom som.

Cristina deu um passo para trás. Amanhã suas duas coxas estariam
machucadas, e ela precisaria de ajuda para sair da cama. Seu nariz havia
parado de sangrar—Alessandro mal deve ter batido nele, mas seus olhos
ainda estavam lacrimejando, e ele a jogou no chão sem muita delicadeza.
Agora, todo o seu corpo estava dolorido, mas a dor em seu orgulho era
muito pior.

O capanga da direita com um rosto rude e corado deu um passo à


frente. Os ossos de seu crânio estalaram.

Lilian se levantou do banco e ergueu os braços em um movimento


suave e elegante. Faíscas alaranjadas brilharam nas pontas de seus dedos.
Duas armas disparam em uníssono e os capangas caíram no pátio.

Leon saiu do banco, surpreso. Lilian estava segurando uma SIG


P226 em uma mão e uma Glock 17 na outra. Ela copiou as armas de
Leon.

SIG P226

Glock 17

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Lilian olhou para os dois homens sangrando no chão. — Esperei


muito tempo para fazer isso.

Hum .... O que acabou de acontecer?

Alessandro olhou para a mãe. A boca de Christina estava aberta.

A Condessa Sagredo arqueou as sobrancelhas para Christina. — Você


ouviu meu filho. Vá embora.

Christina cerrou os punhos, abriu a boca para dizer alguma coisa,


mudou de ideia e saiu correndo pelo pátio. Um de nossos guardas saiu de
trás dos arbustos e a seguiu.

— Leon, —eu disse. — Por favor, nos dê um pouco de privacidade.

— Belas armas, —Lilian disse a ele. — Obrigada.

— De nada. —Leon se levantou e foi embora.

Lilian baixou delicadamente as duas armas no banco de pedra e se


virou para Alessandro. — Para responder sua pergunta anterior, suas
irmãs desembarcaram em Chicago na noite passada. Seu avô não tem
ideia de onde elas estão.

Ele apenas olhou para ela, mudo.

Chicago, às margens do lago Michigan, em Illinois, é uma das maiores cidades dos EUA. Famosa pela arquitetura
ousada, ela tem uma linha do horizonte repleta de arranha-céus, como o famoso John Hancock Center, a Willis Tower (antigamente chamada de
Sears Tower), com 1.451 pés de altura, e a neogótica Tribune Tower. A cidade também é conhecida pelos museus, como o Art Institute of Chicago,
com obras impressionistas e pós-impressionistas de destaque

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— Bem? —Lilian perguntou suavemente. — Depois de todo esse


tempo, não recebo um abraço?

Algo quebrou no olhar de Alessandro. Ele passou por cima do sangue


e abraçou sua mãe.

Lilian bebeu um copo de água mineral. Ela parecia diferente agora. O ar


meigo havia desaparecido. Um pouco da fragilidade permaneceu, mas era
um tipo totalmente diferente de vulnerabilidade. Lilian Sagredo era frágil
como um estilete muito afiado. Você poderia quebrá-lo, mas a lâmina
cortaria suas mãos em tiras no processo.

Alessandro estava sentado em frente a ela, a mesa de ferro forjado


entre nós. Eu não podia dizer o que ele estava pensando.

— Quer que eu ... —Eu comecei.

— Fique, —disse ele. — Por favor.

Lilian sorriu para mim. — Eu não me importo. Vá em frente,


Alessandro. Pergunte.

— Não entendo, —disse ele.

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Ela suspirou e traçou a borda do copo com o dedo delicado. — Sempre


evitei essa conversa porque você adorava Marcello. Muitos meninos
adoram seus pais, especialmente se eles são tão legais quanto Marcello foi.
Seu pai era impressionante. Suponho que ele não podia evitar.

Ela fez uma pausa.

— Marcello foi um marido e um pai atencioso. Ele nos regou com


atenção e nos fez sentir especiais. Mas quando se tratava de questões de
dinheiro e sucessão, Marcello não tinha pensamentos próprios. Ele abria
a boca, e o pai dele falava por ele. Franco Sagredo é um monstro.

— No momento em que desembarquei na Itália, logo depois de


casada, seu avô pegou meu passaporte para ‘guardar’. Só vi esse passaporte
novamente há dois dias atrás. Eu era muito ingênua. Meus pais eram mais
velhos e eu cresci como filha única, querida e protegida. Franco parecia
gentil e atencioso, e sua esposa era uma doce senhora que estava sempre
sorrindo. Achei que tive sorte de ter sogros tão gentis.

— A primeira vez que percebi que havia um problema, estávamos de


férias na Grécia. Marcello conheceu alguns amigos, outro casal. Fomos às
compras e ele me comprou um lindo colar entre outras coisas. No dia
seguinte seus amigos continuaram com as férias, e Marcello me explicou
gentilmente que teríamos que devolver nossas compras, pois não estava
no nosso orçamento. Não consegui entender. Eu tinha casado com uma
Casa rica e tinha trazido trinta milhões de dólares em ações para o nosso

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casamento. Estávamos casados há menos de seis meses. Como


poderíamos estar sem dinheiro?

O sorriso de Lilian ficou amargo.

— Eu me convenci de que Marcello era simplesmente prudente, como


algumas pessoas ricas são com seus gastos. Depois que você nasceu, eu
queria visitar meus pais para que eles pudessem conhecer o neto deles. Foi-
me dito que não era seguro. Tentei acessar minhas contas e descobri que
estavam bloqueadas. Eu não sabia na época, mas seu avô me declarou
oficialmente portadora de deficiência mental. Franco havia feito um
trabalho muito bem feito, com atestados médicos de dois médicos
diferentes e depoimentos de testemunhas oculares. Ele ganhou o controle
total sobre minhas finanças. Tinha meu passaporte, meu dinheiro, meu
marido na palma de sua mão horrível, e você mal tinha dois meses. Eu
estava presa.

— E meu pai aceitou isso? —Perguntou Alessandro.

Lilian apertou os lábios, obviamente escolhendo as palavras com


cuidado.

— Você sabe exatamente que tipo de homem Franco é e quanta


pressão ele pode aplicar. Você teve eu e Marcello nos primeiros dez anos
de sua vida. Fizemos o nosso melhor para protegê-lo e permitir que se
tornasse uma criança independente e saudável. Seu pai não teve ninguém.

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Desde o momento em que nasceu, Franco dominou cada minuto da vida


dele. Marcello era corajoso e gentil, mas bastava o pai discutir com ele,
que ele simplesmente se dobrava como uma boneca de papel molhada. Eu
me apaixonei por Marcello e me recusei a desistir dele. Ingenuamente
pensei que poderia libertá-lo. E então ele morreu. Nos deixou e um dia
depois de enterrá-lo, Franco veio e levou você embora.

A voz de Lilian falhou. Ela limpou a garganta.

— Eu lutei por você. Disseram-me que eu não era mais necessária. O


herdeiro nasceu e eu tive duas filhas, que poderiam ser vendidas para
sustentar a família. Eu era dispensável. E deveria agradecer por ele me dar
o privilégio de criar as minhas filhas e ver o meu filho de vez em quando.

Que horror.

— Eu pedi ajuda à sua avó e ela fingiu que não conseguia me entender.
Estava desesperada, então tentei matar seu avô.

Alessandro recuou. — Mãe! Ele é muito forte.

— Descobri isso da pior maneira. Nunca tive o tipo de treinamento


que ele teve. Fiz o meu melhor, mas ele quase me matou. Franco pode ser
velho, mas sua magia só cresceu com os anos. Eu estava disfarçada
quando lutei com ele, e mesmo machucada consegui fugir. Dias depois ele
invadiu minha casa, eu fingi que não tinha ideia do que ele estava falando.
Franco suspeitava de mim, mas não podia provar nada e me matar seria

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inconveniente. Meus pais ainda estão vivos, Alessandro. Ele quer minha
herança. Foi quando designou guardas para me ‘proteger’ e as meninas
caso o assassino de Marcello voltasse.

Lilian olhou para seu copo.

— Eu fiz uma amiga, —disse ela. — Uma mulher moradora da vila,


da minha idade. O nome dela era Ginevra. Ela tinha dois meninos. Foi
contratada para limpar e cozinhar para nós. Aqueles dois homens a
mataram na minha frente.

Eu não sabia o que dizer.

A voz de Lilian tremeu com raiva mal reprimida. — Ginevra não


tinha magia, não era uma ameaça, não os provocou de forma alguma. Eles
atiraram na cabeça dela para que eu soubesse o meu lugar.

O rosto de Alessandro era uma máscara rígida e pálida. — Você sabe


o quão pouco eu te vi depois que vovô foi me buscar. Uma vez por semana,
se eu tivesse sorte. E toda vez que a gente se encontrava, você me dizia o
quão importante era eu sair com os amigos certos e frequentar as festas
certas. —A voz de Alessandro estava calma.

— Eu queria que seu avô achasse que eu estava incentivando-o a sair


e se tornar conhecido para cavar um bom casamento. Mas na verdade, o
que eu queria era que o mundo o amasse tanto quanto eu. Eu queria que
você fosse famoso e adorado, porque eu sabia que mais cedo ou mais tarde

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você iria se rebelar, e eu tinha que me certificar de que Franco iria pensar
duas vezes antes de desaparecer com você. Se você desaparecesse de
repente porque seu avô o prendeu ou o matou, haveria uma multidão de
pessoas procurando por você e fazendo perguntas desagradáveis.

Alessandro fechou a mão em punho sob a mesa. Estendi a mão e


coloquei meus dedos nos dele.

— Naquela noite implorei para você ir embora comigo, —disse ele.

Lilian enxugou uma lágrima do olho esquerdo. — Se eu fosse com


você, nenhum de nós escaparia. Se eu lhe contasse a verdade de como as
coisas realmente eram, você teria ficado. Você é muito leal. Nunca teria
nos abandonado. Vi uma chance de salvar uma criança, então eu te
empurrei o mais forte e o mais longe que pude. Faria isso de novo, não
importa o quanto isso machucasse a nós dois.

— Eu paguei a dívida, —disse ele calmamente. — A maior parte.


Restam apenas dezessete milhões.

— Eu sei. Também sei que você nos apoiou por anos e como
conseguia o dinheiro para isso.

— Bianca te contou, —ele disse.

Lilian suspirou. — Querido, você contrabandeou milhares de euros


para a vila e os confiou a uma garota de quatorze anos. Ela não tinha ideia

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do que fazer com o dinheiro. Encontrei dinheiro escondido por todo o


quarto, no travesseiro, nos produtos sanitários, colado sob a cômoda ...

Alessandro colocou a mão sobre o rosto.

— Depois que Tommaso morreu e sua irmã assumiu como sua agente,
você nunca se perguntou por que Bianca era tão boa no que fazia?

Tommaso foi o primeiro agente de Alessandro. Foi ele quem lhe


ensinou o lado comercial do assassinato de aluguel.

— Não, —disse ele.

— Nós tentamos o nosso melhor para fazê-lo desistir, mas você foi
implacável. Tinha essa terrível necessidade de punir assassinos, então tudo
o que podíamos fazer era garantir que você fizesse isso da maneira mais
segura possível. Estou muito feliz que desistiu dessa carreira.

— Como você escapou? —Ele perguntou. — Porque agora?

— No ano passado você ajudou um homem, Lander Morton.

O caso do Poço. O filho de Lander foi assassinado e resolvemos esse


mistério.

— Você já encontrou com Lander antes, —disse Alessandro. —


Lembro-me de ver fotos sua e de papai em um iate com ele. Ele pediu uma
caixa de refrigerante de gengibre porque você estava grávida de mim e
tinha enjoos matinais.

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Lilian assentiu. — Morton entrou em contato há alguns meses. Ele


está doente e preocupado com o que acontecerá com seus netos quando
falecer. É um homem rico que faz um bom uso de seu dinheiro. Morton
investigou sobre nós, descobriu a situação em que estávamos, e ele e eu
fizemos um acordo. Ele forneceria identidades falsas a mim e às meninas
e nos ajudaria a escapar, e em troca, você se aliaria à Casa Morton.
Desculpe por ter te comprometido sem perguntar, mas eu estava
desesperada. Bianca tem vinte e dois anos, e Franco a está leiloando como
se ela fosse uma égua de cria.

Franco Sagredo precisava morrer da pior maneira.

Lilian se inclinou para frente, sua expressão de dor. — Eu adiei isso o


máximo que pude. Fiz com que ela fingisse estar doente. Usei o dinheiro
que você enviou para pagar uma clínica que atestasse sua irmã como
infértil e espalhei essa notícia como um boato, mas no último inverno ele
a levou à força a uma outra clínica, que atestou um diagnóstico diferente,
claro.

Uma típica ida a um ginecologista não era a experiência mais


agradável. Ser arrastada para uma sala de exames contra a sua vontade,
sabendo que será vendida logo em seguida ... Eu cerrei os dentes.

— As negociações do noivado já estavam bem avançadas. Eu tinha


que tirá-la de lá, —disse Lilian. — Tínhamos planejado fugir na próxima
semana, mas então Franco decidiu me trazer aqui para que eu pudesse te

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pressionar. Fui mansa e obediente por muitos anos e desde que ele levou
as meninas, ele pensou que eu faria o que me mandassem. Tivemos que
acelerar nossos planos. O pessoal de Morton as tirou. A essa altura, Franco
já deve ter percebido o que aconteceu ...

Alessandro estendeu a mão e pegou a mão de sua mãe. — Está tudo


bem, mãe. Vai tudo ficar bem. Por que não me contou?

Ela olhou para ele, sua expressão suave. — Porque você tentaria matá-
lo, Alessandro. Ele é muito forte.

— Eu também sou, —disse ele.

— Não podia correr esse risco. Você finalmente estava livre dele.
Como eu poderia arrastá-lo de volta?

Alessandro balançou a cabeça. — De alguma forma, dei às mulheres


da minha vida a impressão de que devo ser protegido.

Eu precisava mudar de assunto rápido.

— A Casa Baylor não tem nenhum problema em se aliar à Casa


Morton, —eu disse a ela. — Vamos honrar seu compromisso. É um
pequeno preço a pagar pela sua segurança. Você é convidada a ficar aqui
o tempo que for necessário. Estou muito feliz por estar aqui.

— Obrigada, —disse Lilian.

Eles eram tão parecidos, Alessandro e sua mãe, ambos atordoados


com emoções, sentados um em frente ao outro com expressões cautelosas

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em seus rostos. Eu precisava deixá-los sozinhos. Ele disse que me queria


aqui, mas agora estava me usando como desculpa para não discutir as
coisas e ambos tinham muito a dizer um ao outro.

Eu me levantei e sorri. — Tenho algumas coisas para cuidar. Por


favor, dê-me licença.

Eu me afastei antes que Alessandro tivesse a chance de me parar.

O que Lilian passou foi horrível. Franco Sagredo era realmente um


monstro, como ela havia dito. Mas agora Alessandro tinha uma mãe, que
obviamente o amava, e suas irmãs. Eu não tinha certeza se estava com
raiva, horrorizada ou feliz, ou tudo isso ao mesmo tempo. Era emoção
demais de uma só vez. Não parecia real, era como ter evitado um acidente
catastrófico no trânsito e uma parte sua se recusar a soltar a adrenalina.

Entrei na casa principal e quase colidi com uma de nossos guardas.

— Superiora Tremaine está perguntando por você, —ela relatou.

Na pior hora possível. Eu me preparei e subi.

Victoria Tremaine estava no meio de um círculo arcano ridiculamente


complexo. Tecnicamente não era um círculo, era uma matriz, ou melhor,

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uma constelação que engloba duas matrizes separadas com seis


dissipadores de energia e um fluxo de saída. Cobria toda a grande suíte, o
banheiro e o closet. Eu tinha usado as paredes e o teto. Levei dois meses
para desenhá-lo e o deixei inacabado propositalmente para poder
completá-lo de última hora. Se eu tivesse completado o desenho o teria
ativado e, uma vez ativado, o círculo perderia energia gradativamente,
forçando-me a redesenhar tudo outra vez. Agora, com o círculo ativado,
eu teria mais ou menos uma semana até ele esgotar sua energia.

As linhas de giz pulsavam com um branco raivoso. Minha avó não


gostou.

Victoria cruzou os braços. — Suponho que você se ache bastante


inteligente.

— De jeito nenhum, vovó. Sou apenas uma amadora. Eu ainda tenho


muito a aprender. Seu exemplo me inspira a me esforçar cada vez mais.

Victoria olhou para mim. Eu me perguntei se a cabeça dela iria


explodir.

— E agora você zomba de mim.

— De jeito nenhum. —Essa era uma afirmação verdadeira.

— Você subjugou Trevor.

Não adiantava mentir. — Sim.

— O que mais você fez? Desembucha.

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— Corporações Holdings. Também, Casa Belfair e Finch, LTD.

Os olhos de Victoria se estreitaram. — Como você chegou a Albion


Finch?

— Ele esconde que tem uma filha ilegítima.

As sobrancelhas dela se ergueram. — Alésia? A sobrinha?

— A única.

— Eu deveria tê-lo demitido há cinco anos.

— Mas você não demitiu, e agora eu tenho acesso a um terço de seus


investimentos, vovó. Além disso, Bern carregou um vírus engraçadinho
na sua rede de internet. Você não consegue mais emitir uma folha de
pagamento sem que eu saiba ou autorize.

— Estou tão brava com você, —ela rosnou.

— É claro. Mas também está orgulhosa. —Eu levantei meus dedos


juntos. — Só um pouquinho.

Ela andou dentro do círculo. O traçado de giz brilhou como um show


de luzes estroboscópicas. Uau, ela estava louca de raiva.

Eu teria gostado de ter tido pelo menos mais três anos para completar
e ajustar minha elaborada armadilha. O círculo atual a manteria
temporariamente contida, mas não seria suficiente. O plano era colocar
todas as partes móveis no lugar, então se ela cruzasse a linha, eu poderia

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neutralizá-la com um único golpe. Em vez disso, tive que recorrer a esse
arranjo mal feito, e agora ela estava ciente de que eu representava uma
séria ameaça.

— Por quanto tempo pretende me prender aqui?

— Isso depende inteiramente de você, vovó. Arkan está chegando, e


podemos usar sua ajuda.

Seu olhar penetrou em mim. — Você não respondeu minha pergunta.

Aqui vamos nós. — Não, não respondi.

— Por que Arkan está mirando em vocês?

— Você sabe porquê. Ele matou o pai de Alessandro. Alessandro tem


o incomodado na última década. Ele quer destruí-lo de uma vez por todas.

— Você está mentindo.

— Sua magia não funciona além do limite do círculo.

— Eu não preciso da minha magia, sua garota estúpida. Você é minha


neta. Posso ver isso em seus olhos. Além disso, eu tenho um cérebro. Sei
do que aquele açougueiro russo é capaz e como ele pensa. Ele é avesso a
riscos. Seu namorado bonito não seria o suficiente para atraí-lo.

Quer saber, foda-se. — A senhora tem razão. Estou mentindo. Mas suas
mentiras são bem maiores, vovó. E bem piores.

Os olhos dela se estreitaram. — Que mentiras?

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— Linus Duncan é meu avô.

Victoria deu um passo para trás como se eu tivesse dado um soco nela.

— Você sabia e não me contou. Você deixou que eu continuasse


pensando que ele era apenas um amigo da família inexplicavelmente
altruísta. Logo você, que sempre falou sobre o quão importante é a família
e quão vitais são os laços familiares. Como pôde?

Ela inalou. — Ele disse a você, aquele filho da puta.

— Não importa quem me disse. Eu sei.

Ela lutou com isso por alguns momentos e levantou o queixo, seu
rosto desafiador. — Ele não tem o direito!

— O que?

— Linus abandonou a mim e James. Nos abandonou quando


precisávamos dele e quando James fugiu, ele o ajudou a se esconder de
mim.

— Talvez tenha algo a ver com a forma como meu pai nasceu.

Ela cerrou os dentes.

— Vovó, você implantou um embrião em uma mulher que não podia


consentir com isso e a forçou levar uma gestação até o fim. Ela vivia em
estado catatônico! Nem sei como chamar isso. Estupro, sequestro, tráfico
de pessoas ...? Você fez algo tão horrível que não há um nome para isso.

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— Você existe por causa do que eu fiz!

— Bem, eu não tinha exatamente como evitar isso, tinha?

Ela cerrou os punhos. — Você sabe como era minha família?

— Você nunca me contou. —Mas eu sabia. Eu tinha feito minha lição


de casa.

— Eu era a caçula de sete filhos. Era amada, Catalina. Era uma


criança adorada pelos pais, pelos meus cinco irmãos mais velhos e minha
irmã mais velha, e no espaço de três anos, todos eles foram arrancados de
mim.

Minha bisavó, a mãe de vovó Victória, não conseguia levar suas


gestações até o fim. Algo que acontecia comumente com as mulheres da
família dela. Ela teve abortos espontâneos um após outro, até que seu
primeiro marido exigiu o divórcio. Ela acabou se casando pela segunda
vez. Seu novo marido era viúvo com seis filhos, a quem ela amava e
adotou como se fossem dela. Quando minha bisavó deu à luz a bebê
Victoria, foi uma grande e alegre surpresa.

Victoria era a bebê da família. Ela vivia envolta de amor e carinho até
que sua família foi destruída.

A voz da minha avó era crua. — Eu tinha doze anos quando tive que
matar pela primeira vez. Minha irmã se sacrificou para que eu pudesse
viver. Eu a vi morrer na minha frente. Uma guerra entre Casas tirou tudo

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de mim. Meus pais. Meus irmãos. A minha saúde. Minha felicidade,


minha segurança, tudo!

O círculo brilhou com pulsos rápidos, reagindo a magia dela. Eu dei


um passo para trás.

— Tudo o que eu sempre quis foi resgatar um pouco desse calor. Eu


queria um bebê, Catalina! Uma criança que eu pudesse amar e criar. Uma
família! Isso é uma coisa tão horrível de se desejar? Sim, eu queria que esse
filho desse continuidade ao nome da nossa Casa, porque isso significaria
que nós vencemos, mas acima de tudo eu queria que ele fosse feliz e
seguro. Tive que sacrificar tanto para trazer seu pai a este mundo, e sim,
cometi uma atrocidade, mas fui punida por isso da pior maneira possível.
Meu filho fugiu de mim. Eu o amei tanto. Tentei torná-lo forte porque ele
não tinha magia. Ele era indefeso e eu não poderia suportar perdê-lo como
perdi todos os outros. Mas seu pai me odiou por isso e fugiu, assim como
Linus. Fiquei completamente sozinha, sempre procurando por ele, sempre
esperando por uma pequena migalha de indício de que ele estava vivo em
algum lugar. Não o vi casar. Não segurei você ou suas irmãs quando eram
bebês. Era a única coisa que eu queria e não tive. Nunca mais vou abraçar
meu filho. Ele morreu sem mim ao seu lado, e as filhas dele me odeiam.
Eu sei como vocês me chamam pelas minhas costas. Vocês me chamam
de vovó Malvada.

Lágrimas molharam os olhos dela. Oh, meu Deus, o que eu faço agora?

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— Vocês acham que Linus é um doce velhinho, mas as coisas que ele
já fez fariam vocês acordarem à noite gritando. Ele é pior do que eu! De
alguma forma, Linus pode nadar em um lago de esgoto e sair cheirando a
rosas, e eu acabei sendo essa bruxa miserável que todos desprezam ...

A porta de conexão entre o quarto e o quarto vizinho se abriu,


revelando Linus. Ele estava meio-curvado, segurando um suporte
intravenoso para se manter de pé.

— Vicky, —ele disse. — Baby ...

— Não me chame assim, seu idiota desprezível!

Minha boca se recusou a fechar. Isso estava acontecendo mesmo? O


que estava acontecendo? O que ...

— Nós tínhamos um acordo, —disse Victoria, sua voz amarga.

— Eu nunca quis te magoar, —ele começou.

— Poupe-me de sua besteira! Você sabia qual era o plano.

— Nunca pensei que você iria até o fim com aquele plano, —disse ele.

Em algum momento meu cérebro processou o fato de que Linus


estava acordado e friamente notou que ele estava desviando-se de qualquer
responsabilidade.

— Bem, eu fui, —Victoria rosnou. — Passei anos tentando me redimir


por isso. Cuidei da família daquela mulher, os tirei do lugar perigoso onde

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vivam, os escondi, os apoiei, resgatei a irmã que foi raptada. Fiz tudo o
que me pediram naquele maldito contrato. Sei que nada disso limpa o
pecado da minha alma, eu sei, mas tentei. Mas como você me tratou,
Linus? Como você tratou seu filho?

— Suas netas te amam, —disse Linus. — Olha, Catalina está armando


uma armadilha para você há dois anos e ela jogou fora só para mantê-la
segura.

— Não me venha com essa. —Victoria piscou. — Espere. O que você


está fazendo aqui?

— Ele foi atacado e tomou uma overdose de Estixina.

Victoria olhou para ele. — Perdeu sua maldita cabeça?

Era a minha vez de lançar uma bomba. — Além disso, ele é o


Guardião do Texas. Eu sou sua vice. Onde mais ele poderia estar?

O quarto ficou silencioso como uma tumba.

Linus levantou a mão direita. — Vicky ...

— Seu desgraçado! Seu filho da puta imundo!

Oh-oh.

— Vamos ser racionais sobre isso ... —Linus começou.

— Eu vou lobotomizar você, seu idiota imundo. Você a transformou


em uma Guardiã! Ela era minha!

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A porta atrás de mim se abriu e Arabella enfiou a cabeça no quarto.


— O que são esses gritos ...

Eu a puxei e apertei minha mão sobre sua boca.

— Você tinha duas outras para escolher, —Victoria rosnou. —


Poderia ter escolhido a mais velha. Ela teria sido perfeita. Ela é igual a
você. Se ela não quisesse, você poderia ter escolhido a mais nova. Aquela
menina anda sobre carvões em brasa só para arrancar uma daquelas
risadas amáveis de vovô. Ela te adora. Mas não, você escolheu a minha!

— Houve circunstâncias, —disse Linus.

— Foda-se suas circunstâncias. Você pode pegar suas circunstâncias e


enfiá-las no seu rabo.

O círculo agora pulsava com uma luz ofuscante. Se ela tivesse nos
atingido com toda essa magia, nossos cérebros teriam vazado de nossos
ouvidos.

Victoria acenou com os braços. — Ela roubou Trevor de mim! E eu


nem percebi! A sutileza necessária, o planejamento, coisas que seu velho
cérebro estúpido pode sequer imaginar? Eu a ensinei, eu a moldei, fiz com
que ela pudesse liderar essa família. Fiz questão de encontrar para ela um
parceiro perfeito. Você tem alguma ideia de como foi difícil fazer os dois
se encontrarem? Tive que implantar uma sugestão na mente do Guardião
de Registros de que ele deveria pedir àquele garoto que viesse a seu teste

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de avaliação. Naquela época ela era tão frágil e insegura que se o garoto a
encarasse mais de dois segundos ela desmaiaria. Eu a endureci. Eu
praticamente a proibi de amar aquele garoto, afinal o fruto proibido é mais
doce. Eu a fiz prometer que não trocaria a nossa família por outra Casa.
Os filhos deles seriam invencíveis. E você arruinou tudo com suas tramas
estúpidas e sua tagarelice fútil sobre o dever e o bem maior. Agora ela vai
morrer em uma de suas missões intermináveis de Guardião!

Uau.

Linus abriu a boca.

— Não se atreva! —Ela apontou o dedo para ele. — Eu não quero


suas desculpas. Nós tínhamos um acordo. Eu segurei minha parte do
acordo. Te ajudei com aquela sua trama idiota de César! Eu me tornei uma
criminosa por você. Deixei que me colocassem na prisão. Você me
prometeu acesso completo às meninas. Disse que eu poderia escolher uma
delas e não iria interferir!

O círculo pulsou. O chão sob nós estremeceu.

— VOCÊ MENTIU PARA MIM, LINUS!

O traçado do giz estalou com relâmpagos brancos. Todos nós olhamos


para o brilho até que desapareceu.

— Pergunta, —eu disse.

Meus avós olharam para mim.

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— Na verdade, tenho várias perguntas, —eu disse, — mas esta é a


mais importante. Expliquem-me essa ‘trama idiota de César’.

Ninguém disse nada.

— Vá em frente, —disse Victoria. — Conte à sua neta sobre a bagunça


que você fez.

— É complicado, —disse Linus.

— Ele é César, —disse Victoria. — A coisa toda foi inventada pela


Assembleia Nacional para desmantelar aquela conspiração idiota, e seu
avô se infiltrou e foi nomeado o chefe idiota.

Isso era demais.

Cobri o rosto com as mãos.

— Catalina, você está bem? —Perguntou Arabella.

— Sim. Estou bem. Não posso matá-lo porque ele é meu avô e prometi
a Nevada.

Eu me virei para ela. — Você pode, por favor, lidar com isso. Não
posso ... Só não posso agora.

— Eu resolvo, —disse ela. — Vou trazer biscoitos para eles.

Eu me virei e marchei para fora da porta.

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Eu me escondi no meu escritório. Ali parecia o melhor lugar.


Por alguns minutos olhei para o meu e-mail tentando lê-lo. Não
consegui me concentrar em nenhum deles. Depois de vinte minutos,
desisti e entrei na rede do Gabinete do Guardião.

Não demorei muito para me conectar. Alguns arquivos, geralmente


aqueles que tratavam de casos encerrados e antigos resolvidos pelos
Guardiões, exigiam uma autorização maior. Eles não estavam disponíveis
para mim quando eu era Vice-Guardiã. Mas eu era a Guardiã Interina
agora e os arquivos da rede eram meu playground.

Victoria estava certa. Linus era César.

Dois anos antes de Adam Pierce explodir o banco que iniciou nosso
envolvimento, Linus estava investigando um caso de corrupção complexo
e tropeçou na Conspiração. Duas dúzias de poderosas Casas do Texas
estavam envolvidas, pessoas com reputações blindadas, conexões fortes e
recursos impressionantes. Era grande demais para ser derrubado do lado
de fora. Após uma reunião com representantes da Assembleia Nacional,
Linus tomou a decisão de se infiltrar.

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Ele levou seis meses. Os conspiradores precisavam de um líder,


alguém com uma reputação inatacável que pudessem usar para inspirar
novos recrutas e tranquilizar membros preocupados. Alguém confiável
que pudesse prometer com total sinceridade que estavam fazendo a coisa
certa, que a causa era nobre e que as gerações futuras celebrariam seus
esforços e seu sacrifício. Linus se tornou esse alguém. César, um líder a
ser seguido. Uma inspiração.

As anotações eram detalhadas em alguns aspectos, mas superficiais


em outras. Nelas, Linus escreveu que se sentia frustrado por ser
constantemente vigiado e monitorado, mas também via isso como um
desafio. Se Linus pudesse escolher entre interferência direta e manipulação
sutil, ele sempre escolhia a última. Eu o tinha visto manobrar agências
estatais e Superiores proeminentes como peças em um tabuleiro de xadrez,
sem que ninguém percebesse.

A Conspiração não tinha uma hierarquia centralizada. Em vez disso,


era uma reunião de grupos de poder, vagamente unidos por um objetivo
comum. Às vezes eles consultavam Linus antes de agir, muitas vezes não.
Deve ter sido como tentar lutar com os tentáculos de um polvo, onde cada
tentáculo se movia independente do outro. Como estava de mãos
amarradas, Linus precisava de alguém para fazer o trabalho sujo para ele.
Então escolheu Connor.

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Sua avaliação de Connor foi franca. De acordo com Linus, Connor


estava estagnado após a guerra. Kelly Waller, a prima de Connor, já estava
até o pescoço na Conspiração, e ela trouxe seu filho.

Gavin estava pulando de um membro da Conspiração para outro,


procurando alguém para venerar como herói e ele se decidiu por Adam
Pierce. Linus já esperava que Adam ficasse fora de controle e, quando isso
aconteceu, a presença de Gavin desencadeou o envolvimento de Connor.

Nevada não foi mencionada nas anotações.

Quando Adam foi parado e detido por Connor e Nevada antes de


queimar toda a cidade de Houston, os líderes da Conspiração se reuniram
e Linus os convenceu de que apoiar Adam era um risco muito grande. Eles
abandonaram Adam e Linus teve sua primeira Victoria. E assim foi, uma
dança cuidadosa, uma palavra aqui, uma sugestão ali. Pouco a pouco,
passo a passo, Linus trabalhou para quebrar a Conspiração por dentro. À
medida que os eventos se desenrolavam, sua direção mudava.

Sabendo o que eu sabia agora, era gritantemente óbvio. Ele ainda


estava focado em desmantelar a Conspiração, mas havia adquirido um
objetivo secundário—proteger Nevada.

Linus parou duas ordens de assassinato contra minha irmã e matou


pessoalmente o Superior que estava a caminho para cumprir a terceira. Ele
havia assumido grandes riscos para manter Nevada e nós fora de perigo.

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Linus também convenceu os chefes da Conspiração a não matar


Cornelius em retaliação pela morte de Olivia Charles. Ele ficou furioso
com a morte da esposa de Cornelius, Nari. Linus não sabia que haviam
planejado a morte de Neri e se culpava por sua falha em antecipar e
impedir. Ele achava que Howling era dedicado a ele, mas não levou em
conta a pressão exercida por Olivia Charles. A nota no arquivo dizia: ‘Se
eu tivesse prestado atenção antes, Matilda não teria perdido a mãe, e uma
jovem que estava apenas começando sua vida estaria viva hoje. Minha
arrogância a matou.’ Havia uma coisa toda com o meio-irmão ilegítimo de
Sturm, que era membro de uma Casa proeminente da qual nada sabíamos.

Achei que tinha entendido como a Conspiração se desenrolara. Eu


mal arranhei a superfície.

Havia camadas e camadas que eu não tinha ideia. Era assim que o
jogo era jogado nas grandes ligas. Eu tinha um longo caminho a percorrer.

Linus tinha assumido muita responsabilidade e culpa sobre si mesmo.


Ele me disse uma vez que ninguém que escolhia a vida de um Guardião
se aposentava com as mãos limpas. Eu nunca tinha realmente entendido
até agora. Em dez anos, se outra Conspiração surgisse, não seria mais
Linus interpretando um falso líder e escrevendo sobre como sua
arrogância matou pessoas inocentes. Seria eu. Se eu me preparasse bem e
trabalhasse muito duro.

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Havia outro arquivo, trancado atrás de um código separado. Estava


marcado como ‘Pessoal’, mas meu código o abriu. Linus deve ter querido
que eu o visse em algum momento ou outro.

As anotações no arquivo diziam que Cornelius foi vê-lo depois que a


tempestade de fogo da morte de Olivia passou e nós neutralizamos Sturm,
dando o que pensávamos ser o golpe mortal na Conspiração. Foi logo após
o casamento de Connor e Nevada. Cornelius disse a Linus que ele estava
lá para matá-lo, mas estava disposto a ouvir uma explicação primeiro. Eles
conversaram. Cornelius foi embora e tanto ele quanto Linus ainda
estavam vivos.

‘Sua família é minha família. Minha irmã e meu irmão sentem o mesmo.
Você, Arabella e Nevada são as únicas irmãs mais velhas que Matilda terá.
Nunca precisará se preocupar que eu machuque qualquer um de vocês’.
Cornelius sabia. Ele deve ter perdoado meu avô. Ele deve ter nos perdoado
como família. E Nevada também sabia. Ela havia interrogado membros
da Conspiração quando desmoronou. Eles teriam dedurado Linus.
Nevada odiava Victoria Tremaine. Nossa avó a colocou no inferno, e seu
ódio era justificado. Minha irmã se recusava a permitir que Arthur ficasse
perto de Victoria. E, no entanto, Nevada perdoou Linus, manteve seu
segredo e o deixou fazer parte de sua vida. Isso foi porque o objetivo de
Linus foi justificado ou foi porque ela descobriu o quão perto do limite ele
chegou tentando mantê-la viva? Talvez fosse as duas coisas. Eu teria que

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perguntar a ela quando tudo isso acabasse. Teria que ser uma conversa
tranquila, em particular, bebendo uma xícara de chá com muitas velas
calmantes acesas.

Eu não ficaria surpresa de saber que foi Nevada quem contou a


Cornelius. Conhecendo-a, ela provavelmente o levou para aquele
encontro com Linus.

Uma grande aranha de formato estranho cruzou minha mesa e parou


bem na minha frente. Edviges e eu nos encaramos.

Lentamente, com cuidado, estendi a mão para o lado, abri uma gaveta
e tirei um recipiente de plástico.

Sem movimentos bruscos. Eu cantarolei suavemente, enviando minha


magia, e levantei o recipiente, segurando-o de cabeça para baixo.

— Calma bebezinho, não diga nada ...

O que diabos estou fazendo? Ela é uma aranha.

Um centímetro. Outro.

— Mamãe vai te comprar um passarinho ...

Edviges ficou imóvel.

Talvez estivesse funcionando.

Hush, Little Baby: https://www.youtube.com/watch?v=f_raDpgx_3M

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A sombra do recipiente caiu sobre a rainha das aranhas.

Edviges atravessou a mesa e deslizou para o tapete, subiu pela parede


e entrou na ventilação do ar-condicionado.

Caramba. Joguei o recipiente de volta na gaveta.

Um som ofegante me fez levantar a cabeça. Rooster estava sentada na


porta do meu escritório, seu olhar fixo em um ponto acima de sua cabeça.

Ah. — Parece que minha irmã conseguiu te provocar.

O ar vazio rasgou em pontos aleatórios e se materializou em


Konstantin em sua forma de anjo ensolarado. Ele estava carregando a
metralhadora de elástico de Arthur.

— É uma questão de princípios, —disse ele. — Como o melhor


Ilusionista Superior do mundo, tenho uma reputação a zelar.

— Por favor entre.

Ele entrou, sentou-se na cadeira de cliente e colocou a engenhoca do


meu sobrinho sobre a mesa. — Esta arma estranha chegou para você por
drone. Eu me ofereci para entregá-la.

Era Nevada me lembrando da minha promessa.

— Você a testou? —Eu perguntei, acenando para a arma.

Ele assentiu. — Surpreendentemente funciona.

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Rooster colocou a cabeça na coxa de Konstantin e olhou para mim.


Ele a acariciou.

— Traidora, —eu disse a ela.

— Não é culpa dela. Cães gostam de mim.

— E aranhas?

Ele riu. — Nem pensar, tenho pavor.

— Bem, agora que sei que você subverteu sua guarda, terei que
substitui-la.

— Não há necessidade. —Konstantin coçou a orelha de Rooster. —


Arkan desembarcou em Houston vinte minutos atrás sob uma identidade
falsa. Acho que temos até o amanhecer. Ele gosta de ser dramático. Além
disso, a visibilidade é particularmente ruim antes do nascer do sol. O
crepúsculo também funcionaria, mas ele não quer tropeçar nessa enorme
propriedade no escuro.

Tudo estava chegando ao fim.

— Um centavo por seus pensamentos? —Ele perguntou.

— Percebi que sou só uma amadora talentosa e que tenho um longo


caminho a percorrer. Só estava pensando nisso.

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— Ah. E aqui achando que você estava trancada aqui pensando no


que Alessandro tanto conversa com a mãe dele. Eu os observei por alguns
instantes. Parecia que estavam muito emocionados.

Eu sorri para ele. — Gostei bastante da minha futura sogra.

Rooster decidiu deitar-se e Konstantin colocou uma perna sobre a


outra. — É mesmo? O que você gostou nela?

— Ela tem uma mira excelente.

Ele franziu a testa.

Ficamos em silêncio por alguns momentos.

— Arkan atacará amanhã, —disse Konstantin. — Você já pensou no


que virá depois?

Eu já tinha pensado muito sobre o que poderia vir depois, mas


ultimamente meu prato andava bastante cheio para me debruçar sobre
isso. — Por que?

O rosto de Konstantin mudou de forma.

O anjo dourado se foi. O homem que permaneceu em seu lugar era


bonito, mas muito mais humano. Ele ainda era loiro, mas sua pele havia
perdido o bronzeado dourado perfeito. Suas feições eram refinadas, mas
duras. Um queixo quadrado, uma boca intransigente, olhos claros e
focados sob grossas sobrancelhas loiras. Uma cicatriz cruzava sua
bochecha esquerda da têmpora até o queixo, faltando apenas o canto da

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boca. A cicatriz era quase da mesma cor da pele de seu rosto, então tinha
que ser antiga, mas o que quer que a fez deve ter sido profundo.

Rooster soltou um latido suave. Ele se abaixou e acariciou sua cabeça,


e ela ficou quieta.

— Achei que seria melhor ter essa conversa cara a cara.

A voz combinava com o novo ele. Rápido, direto ao ponto, sem sua
habitual informalidade relaxada. Ele estava me mostrando o verdadeiro
Konstantin e eu não tinha certeza se deveria ficar lisonjeada ou alarmada.

— Posso ver suas asas?

Ele se mostrou para mim. Era justo.

Soltei minhas asas. Elas se abriram acima dos meus ombros, um lindo
verde cintilante. Empurrei com minha magia, e o negro azeviche rolou
sobre elas das minhas costas até as pontas das penas, tornando-as
vermelho-sangue por uma fração de segundo.

Konstantin ergueu as sobrancelhas, chocado.

Deixei a cor preta em minhas penas morrer e balancei levemente as


penas verdes, guardando toda a minha magia para mim. — Quer que eu
as guarde ou consegue continuar conversando?

— Isso te drena?

— Não. O esforço está em mantê-la contida.

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— Nisso, somos semelhantes. Como você, eu gero um excesso de


magia. Manter uma leve ilusão queima um pouco desse excesso. —Ele
olhou para minhas asas. — Elas são hipnotizantes.

Esse é o objetivo delas. — Sobre o que você queria falar?

— Você entende que Alessandro vai morrer amanhã?

A ansiedade me beliscou. — Você parece muito certo disso.

— Você viu a gravação da morte do pai de Alessandro? —Ele


perguntou.

— Sim.

A magia de Arkan era única e terrível. Quando ele a usava, conseguia


parar o tempo. Não poderia ser a verdadeira natureza do poder dele, mas
era o que parecia. Ele tinha ido ao casamento do melhor amigo de
Marcello para matá-lo, e quando o pai de Alessandro se colocou entre
Arkan e seu alvo, Arkan imobilizou toda a festa de casamento. Até mesmo
os ferimentos de Marcello só sangraram depois que o efeito da magia de
Arkan passou. Isto não era algo que alguém esqueceria.

Konstantin estava olhando diretamente para mim. Ele tinha um olhar


magnético, difícil de encarar, mas uma vez feito, ele o prendia como um
feixe trator .

Um feixe trator é um dispositivo com a capacidade de atrair um objeto a outro à distância. O conceito tem origem na ficção: o
termo foi cunhado por E. E. Smith em seu romance Spacehounds of IPC.

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— A magia de Arkan não pode ser combatida. Cinco segundos de


pura liberdade para fazer o que diabos ele quiser enquanto todo mundo
fica petrificado. O alcance dessa magia é de vinte e cinco metros. Ele pode
efetivamente imobilizar um pedaço de qualquer campo de batalha. Sua
magia não tem nome. Ele é único. Nenhum de seus irmãos herdou seu
poder e nem seu filho.

— Ele tem filhos?

— Teve. Um menino. Ele morreu. Ele parecia um pouco com Xavier.

— E você guardou esse fato para si mesmo.

Ele assentiu. — Você poderia ter hesitado matar Xavier se soubesse.


Precisávamos de Arkan enfurecido. É uma sorte que Huracan fez jus ao
seu nome.

— Você trama demais, Alteza.

— São ossos do ofício. Alessandro pode anular toda a magia ao seu


redor. Em teoria, um combatente perfeito para Arkan. Mas Alessandro
precisa de um círculo para fazer seu truque final, enquanto Arkan não
precisa, e Alessandro não usará esse círculo amanhã.

Onde ele estava indo com isso? — Como você sabe?

Furacão em espanhol. É assim que Connor Rogan ficou conhecido em sua época no exército.

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— A magia de Alessandro é omnidirecional . O poder dele não pode


ser direcionado. Ele anula toda a magia em um raio de oitocentos metros,
o equivalente a uma bomba de pulso eletromagnético mágica.

Na verdade, são novecentos metros.

— Sua família precisa de magia para lutar, já os combatentes de Arkan


são assassinos treinados e perigosos mesmo sem poderes. Se Sasha detonar
sua bomba antimagia amanhã, você, suas irmãs, seus primos, seus avós,
todos vocês se tornarão civis comuns, enquanto Arkan ainda terá dezenas
de assassinos profissionais à sua disposição.

Konstantin achava que o poder de Alessandro funcionava como uma


magia de ambiente, afetando uma determinada área e, como
consequência, as pessoas que estivessem nessa área também seriam
afetadas. Ele estava enganado. A explosão de Alessandro afetava
diretamente as pessoas na área, mas não o ambiente em si.

— Arkan é um excelente assassino, —continuou Konstantin. — Ele


foi treinado pelos melhores do Império. Sasha é um lutador admirável, é
verdade, exceto que ele confia demais no talento dele. Ele é mais jovem e
mais rápido, mas sozinho não será suficiente se o resto de vocês perder
seus poderes. Não importa onde Arkan esteja naquele campo de batalha
amanhã, Alessandro o perseguirá como um míssil guiado. Quaisquer que

Omnidirecional: enviado para todas as direções. Sem um alvo específico.

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sejam os planos de futuro que você e ele fizeram, todos eles sairão pela
janela assim que os dois se encontrarem.

Alguns dias atrás eu poderia ter acreditado que era verdade. Mesmo
agora, a dúvida me incomodava. Mas Alessandro me fez uma promessa.
Ou eu confiava no homem que amava ou não havia como ficarmos juntos.

— Você provavelmente está contando com rifle sniper de sua mãe.


Não vai conseguir atingi-lo.

Eu não estava contando com isso, mas não era uma sugestão ruim.

— O que estou prestes a compartilhar é um segredo de Estado.


Tecnicamente estou cometendo traição. —Konstantin me deu um sorriso
estreito e sem humor. — A petrificação é o talento ativo de Arkan.

A maioria dos magos tinha um campo ativo e um passivo. Habilidades


mágicas ativas exigiam esforço consciente, enquanto poderes passivos
eram autônomos, como respirar ou suar. Meu campo passivo avaliava
estranhos em busca de ameaças e tentava fazê-los gostar de mim por conta
própria, e era por isso que eu tinha que suprimi-lo constantemente,
enquanto cantar exigia um esforço consciente e, portanto, era ativo. O
campo passivo de Konstantin permitia que ele visse através de ilusões,
entre outras coisas, mas para mudar de forma ele precisaria se esforçar.

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— Você está me dizendo que Arkan gera um escudo com o campo


passivo? —Eu perguntei. Isso nunca foi mencionado em lugar nenhum.
Nem na Rede do Gabinete do Guardião nem os espiões de Alessandro.

— Sim. O escudo tem aproximadamente meio centímetro de


profundidade. Nenhum objeto pode penetrar no escudo sem que Arkan o
permita. Nem uma lâmina, nem uma bala podem feri-lo. Ele faz um
esforço consciente para se vestir e escovar o cabelo pela manhã. Ele pode
largar o campo por tempo suficiente para ficar bêbado, embora se você
tentasse derramar álcool na garganta dele contra a vontade, isso não o
tocaria. Ele se permite ser cortado de vez em quando, especialmente se
suspeitar que está sendo gravado. Ele quer manter essa habilidade em
segredo.

Isso era verdade ou Konstantin estava mentindo? Desejei que Nevada


estivesse na sala conosco.

— Como ele respira? Como os gases respiratórios passam por esse


escudo?

— O escudo rejeita objetos dependendo de sua densidade e nível de


ameaça. Os gases não são afetados, os líquidos são um pouco afetados e a
matéria sólida não consegue penetrar de forma alguma.

— Então um ataque de um Venenata, desde que o veneno seja gasoso


e esteja misturado aos gases normais da atmosfera, funcionaria.

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— Possivelmente, —ele concordou. — Embora não tenhamos


certeza. Como eu disse, não é apenas a densidade da matéria, nível de
ameaça também é um fator. Ele se molha na chuva, mas foi repetidamente
salpicado com ácido e nunca se queimou. Arkan não tem um único Mago
Venenata em seu círculo íntimo. Ele os emprega, mas os mantém à
distância. Prefere preparar sua própria comida com ingredientes que
obtém de sua própria horta. Tem um testador de veneno e viaja com seu
próprio Mago Mental particular que protege sua mente. O homem é tão
invencível quanto se pode ser.

— E um Fulgurcinético ? —Eu perguntei.

— Engraçado você mencionar isso. Foi assim que tentamos eliminá-


lo pela segunda vez. O escudo rebateu o raio. Também rebateu chamas e
fogo enercinético , tentamos isso.

Um fio cortante de gelo rastejou pela minha espinha. — E Alessandro


não sabe disso?

— Não.

Isso era um divisor de águas. O poder paralisante era um ataque final,


mas durava apenas alguns segundos e contávamos com Arkan ainda
sendo semi-vulnerável durante isso. Tínhamos uma sequência complexa

Os Fulgurcinético manipulam raios e relâmpagos.

Os enercinéticos manipulam a energia mágica pura.

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planejada, incluindo tiros de franco-atiradores, campos de fogo cruzados


e envenenamento. Esse plano dependia de Alessandro não estar ao
alcance de Arkan quando ele parasse o tempo.

Nada disso funcionaria agora.

— Embora é claro que você irá contar a ele no momento em que


terminarmos de conversar. —Konstantin suspirou. — Não vai mudar
nada. Sasha é otimista. Deve ser o lado italiano da família, porque na
Rússia vemos o pessimismo como um esporte olímpico. Mataremos
Arkan amanhã. Ou seu cunhado, sua melhor amiga ou sua irmã mais nova
vão feri-lo. Talvez você possa subjugá-lo até a morte. Fazê-lo cortar a
própria garganta. Mas nenhum de vocês será rápido o suficiente. Sasha vai
pegá-lo primeiro, e Arkan vai acabar com ele. O que nos traz de volta à
minha pergunta original, o que você fará depois?

O que eu faria quando Alessandro morresse? — Não sei.

— Você ficaria nessa casa onde foram felizes? —Ele olhou ao redor.
— Este lugar guarda tantas lembranças para você, de amor, de
planejamentos futuros, de risos, e cada uma delas ficará manchada,
porque ele se foi. Você ficará aqui, revivendo essas lembranças ou revivê-
las será muito doloroso?

— O que está tentando dizer?

— Se a dor for demais, venha para a Rússia comigo.

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Eu esperava algo assim, mas ele ainda me pegou desprevenida.

— Eu sei que parece uma traição. Afinal, ele ainda está vivo, falando
e respirando. Você ainda pode abraçá-lo. Mas amanhã, quando tudo isso
acabar, não precisará enfrentar isso sozinha. Pode ter um novo começo
longe de todas as coisas que aconteceram antes. Sem julgamento, sem
culpa. Uma nova vida.

— Esta é uma oferta formal de emprego do Império?

— É um convite de um príncipe de sangue para ser seu honrado


anfitrião, —disse ele.

— Não seria a mesma coisa?

— Não necessariamente.

Suspirei. — Konstantin, nós dois sabemos que, se eu for com você,


mais cedo ou mais tarde alguém pedirá que eu faça um pequeno favor aos
meus anfitriões.

— Ninguém jamais pedirá isso. Eu não permitiria.

Ele não soltou simplesmente as palavras. Ele as disse como se


estivesse ordenando a um antigo guerreiro que segurasse uma ponte contra
um exército invasor. Havia peso por trás de suas palavras e total
segurança. Havia muito poucos lugares no mundo moderno em que uma
realeza poderia dizer essas palavras dessa maneira e fazê-las valer.

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— Estaria mentindo se dissesse que o Império não se interessaria por


seu talento. Uma maga do seu calibre, com seu conjunto de habilidades
seria uma adição muito desejável ao arsenal da família real. Mas não é por
isso que estou estendendo este convite.

— Vossa Alteza, estou confusa. —Eu consegui manter o sarcasmo


longe do ‘Vossa Alteza’ de alguma forma.

— Passei muito tempo assistindo os muitos vídeos de vigilância de


Arkan. Havia dias em que eu não fazia nada além de olhar para a tela por
horas para reunir as informações de que precisava. Por mais estranho que
parecesse, comecei a ansiar por esses momentos, porque às vezes esses
vídeos mostravam você. Eu a vi no Poço cantando para um deus feito pelo
homem. Vi você ir para a prisão para visitar sua avó e depois se sentir mal.
Eu a vi passear com sua cachorrinha na chuva.

Eu não gostava para onde essa conversa estava indo. — Não era eu,
Konstantin. Era uma ideia minha. Você estava em um lugar terrível,
cercado por inimigos, fingindo ser alguém que não é e tendo que se vigiar
constantemente, e ficou olhando para as telas por dias.

Ele me deu um sorriso pesaroso. — Não foi a primeira vez que saí de
casa. Já fiz esse tipo de operação antes, mais de uma vez, mais de vinte
vezes, mas nunca desenvolvi interesse por ninguém. Tudo o que eu disse
desde que nos conhecemos, a conversa ridícula com Sasha no carro, que
eu sabia que você ia assistir, a hora que você me apresentou os cachorros,

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nossa conversa na cozinha, tudo isso foi pensado para eu encontrar algum
erro, algum motivo para eu ir embora. Em vez disso, aqui estou eu,
mostrando meu rosto real.

Konstantin sabia que estava sendo observado. Cada momento tinha


sido calculado. Uau.

— Gosto do jeito que você pensa. Gosto do jeito que sorri. Percebo
como seu rosto fica quando a luz da janela da cozinha o ilumina enquanto
você corta legumes em uma tábua de cortar. Olho para você e me sinto
um mendigo, porque percebo que metade da minha vida faltou alguma
coisa, e agora sei exatamente onde essa coisa estava o tempo todo. Nós
somos muito parecidos. Um par perfeito.

Desejei de todo o coração que este fosse outro estratagema como


todos as outras tramas que ele tramou, mas não era. Konstantin estava
sendo completamente sincero.

— Não espero vencer Sasha. Você o ama. Mas amanhã ele vai
embora. Isso se tornará uma casa de lembranças dolorosas, um lugar
insuportável. Os Guardiões não podem esperar mais nada de você. Você
teria mais do que cumprido seu dever. Qualquer uma de suas irmãs pode
facilmente pegar as rédeas de sua Casa. E elas podem ser mais adequadas
para isso, porque você estará se afogando em tristeza. Sua irmã mais nova
é uma pragmática calculista. Com Nevada e seus avós para guiá-la, ela
não teria problemas para levar a família adiante.

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Estranhamente, ele não estava errado sobre Arabella.

— Se você escolher me dar uma chance, as Baylors se tornarão


intocáveis. Elas terão a garantia de cidadania e proteção imperial e,
mesmo que optem por permanecer nos EUA, terão um status especial.
Seus primos e Arabella serão bem-vindos nas camadas mais altas da
sociedade. Eles nunca terão que lutar outra batalha, porque o poder do
Império pairará sobre seus ombros.

Ele deu de ombros como se estivesse se livrando de um peso pesado.

— Nada disso será o fator decisivo, mas há mais uma coisa que quero
mencionar. Quando eu disse a Alessandro que você está perdida no Texas,
eu quis dizer isso. Seu palco deveria ser muito maior, Catalina. A Rússia
é vasta e nossos interesses são muitos. Alguma parte sua deve desejar ser
desafiada. Você poderá testar seus limites e descobrir o que realmente pode
fazer.

— Talvez eu queira uma vida simples, —eu disse a ele.

Seu rosto mudou mais uma vez. Ele era eu. Um pouco mais velha,
um pouco mais afiada, com um olhar conhecedor em meus olhos. Eu
usava um vestido formal, verde profundo com um toque de ouro. Uma
tiara dourada cravejada de esmeraldas repousava no meu cabelo. Eu
estava linda, intocável e régia. Era assim que ele me via.

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A ilusão se desfez. O verdadeiro Konstantin sorriu para mim uma


última vez, antes de se revestir com o rosto impecável que mostrava ao
mundo.

Ele se levantou.

— Pense nisso.

O príncipe se afastou, Rooster o seguiu em uma imagem de devoção


canina.

Eu invadi a casa principal e subi correndo as escadas, brandindo a arma


elástica de Arthur. Os quartos dos avós estavam vazios, o círculo de
Victoria quebrado. Arabella tinha deixado vovó sair. É claro.

Para onde iriam? Linus mal conseguia andar.

Vozes flutuaram da cozinha. Ali estão eles.

Desci as escadas correndo e me dirigi à cozinha por um corredor curto


e quase bati em Arabella vindo muito rapidamente na direção oposta.

— Você não quer entrar aí, —Arabella assobiou e partiu.

Ah pelo amor de ... Eu marchei pelo corredor até a cozinha.

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Mamãe, vovó Frida e a mãe de Alessandro olharam para mim.

— Há algo que você precisa? —Mamãe me perguntou. Seu tom


sugeria que não havia absolutamente nada que eu precisasse.

— Você viu a vó mal ... Vovó Victoria e vovô Linus?

— Eles estão na varanda oeste, —Vovó Frida disse.

— Obrigada, —eu gritei e escapei.

A varanda oeste era um dos meus lugares favoritos na casa principal.


Ficava no terceiro andar, parte da mesma varanda coberta que ligava à
torre de Arabella por uma passarela. Espaçosa e guardada por um grosso
parapeito de pedra, era calma e adorável, e oferecia uma bela vista do
verde ondulante que era o sudeste do Texas.

Linus e Victoria estavam sentados nas cadeiras com uma pequena


mesa entre eles. A mesa continha dois copos de chá gelado e o que
provavelmente era um prato dos ‘muffins veganos’ patenteados de
Arabella.

Ninguém estava gritando. Tomei isso como um bom sinal.

— Aí está você, —disse Linus.

Coloquei a metralhadora de elástico na mesa e peguei a terceira


cadeira.

— O que é isto? —Perguntou Victoria.

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— Uma arma de projétil. —Linus pegou e apertou o gatilho


escondido. Os elásticos dispararam no ar. — Rudimentar e feito de forma
desajeitada, mas funcional.

Ele passou a mão sobre a arma. Uma pitada de magia verde-grama


beliscou o fio modificado.

— Complexo demais para uma criança pequena, simples demais para


um adolescente, —disse Linus, colocando a arma de volta na mesa. —
Quem é nosso misterioso Mago Hefesto?

— Arthur.

Linus girou em sua cadeira para olhar para mim.

— Ele o montou telecineticamente no ar com o fio de lã de sua avó,


linha, elásticos e alguns alfinetes. Nevada está chateada com os alfinetes.

— Claro que ela está, —disse Victoria. — Eles são afiados.

Linus pegou a arma e a segurou com cuidado como se fosse o Santo


Graal.

— Parabéns, —Victoria disse secamente. — Você finalmente


conseguiu um herdeiro.

— Por que ele está construindo armas? —Eu perguntei. — Ele não
consegue entender o que é atirar em alguém.

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— Ele não sabe que está construindo armas, —disse Linus. — Sua
magia está informando a ele que algumas coisas em seu ambiente podem
ser manipuladas. Os elásticos são elásticos, os alfinetes de metal são
rígidos, o fio pode conectar as coisas, essa coisa de madeira gira. Ele está
combinando-os de várias maneiras para fazer as coisas deslizarem e se
encaixarem. É instintivo. O garoto poderia fazer uma escultura em
movimento em seguida.

— Então, por que é chamado de Magia Hefesto? —Eu perguntei.

— Porque fazer armas é mais divertido, —disse Linus.

— Vocês dois mentiram para mim, —eu disse.

— Nós mentimos para todo mundo. Por que você deveria ser
diferente? —Disse Victoria.

— Porque eu sou família. Eu te amo, vovó Victoria. Mas isso não


desfaz as coisas que você fez. Deixando de lado como nosso pai nasceu,
porque eu nem sei por onde começar, você colocou Nevada sob tortura.
Inventou um grande esquema que teria marcado Connor como traficante
de seres humanos e estuprador.

Linus olhou para ela. — Victoria!

— Eu não tinha intenção de realmente divulgar aquilo, —disse ela.

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— Mas você deixou Nevada pensar que faria. Não posso


simplesmente varrer para debaixo do tapete. Ela sabe. Eu sei. Você tem
que lidar com isso.

Eu me virei para Linus. — Eu li o arquivo da Conspiração.

— Bem, tem isso, —disse ele.

— Você não me disse que era meu avô. Por que?

Ele não disse nada.

— Ele tem medo de rejeição. Foi um pai ausente, —disse Victoria. —


Agora está tentando ser um avô benevolente. Ele estava com medo de que,
se todos soubessem, vocês o excluiriam de suas vidas.

— Isso ainda é uma possibilidade distinta, —eu disse. — Arthur


precisa de você, mas eu não. Posso simplesmente deixar de ser sua Vice-
Guardiã e de ser uma Tremaine, e nunca perder o sono por causa disso.

— Você quer alguma coisa, —disse Linus.

— Arkan tem um campo passivo.

— Conte-nos, —disse Victoria.

Eu expus para eles, junto com a oferta de Konstantin.

— O rapaz tem coragem, —Victoria sussurrou.

— Você não pode machucá-lo, —Linus disse a ela.

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— Konstantin não importa agora. Vocês dois são pessoas horríveis,


mas juntos têm décadas de experiência. Preciso saber como podemos
matar Arkan amanhã. Chuva de ideias. Façam algumas ligações. Ou ele
matará Alessandro e eu fugirei para o Império Russo, e vocês nunca mais
me verão.

Todos sabíamos que era uma ameaça vazia, mas me senti bem
fazendo isso e soei convincente.

Victoria olhou para Linus. — Vá perguntar a ele.

Ele rosnou e se recostou na cadeira.

— Você está sendo ranzinza, —disse ela.

— Estou tentando protegê-las.

Victoria deu de ombros. — Há uma diferença entre proteger e algemar


alguém. Eu sei onde fica essa linha. Atravesso-a o tempo todo. Você não
precisa ajudar. Apenas não se oponha.

— Você confia no julgamento de Arabella? —Linus me perguntou.

— Em relação a quê? Porque ela escolhe carros terríveis.

— Homens, —Linus disse. — Você confia nela para tomar a decisão


certa para seus relacionamentos?

— Absolutamente. —Nem hesitei. Arabella era uma juíza de caráter


melhor do que eu.

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Linus empurrou para fora de sua cadeira. — Vou fazer a ligação.

Eu desbloqueei meu celular e entreguei a ele. Ele foi embora com o


aparelho.

— Isso é algo que eu vou me arrepender? —Eu perguntei.

— Não, —disse Victoria. — Ele acha que está certo sempre, mas nem
sempre está.

— Ele realmente prometeu a você acesso a nós?

Vovó bufou e de alguma forma conseguiu fazer parecer delicado. —


É claro. A princípio, antes de saber que você existia, ele prometeu me
ajudar a encontrar James. Foi assim que ele me atraiu. Disse que tinha
certeza de que James estava em Houston e que o tinha visto.

E ela saberia que ele não estava mentindo. — E depois?

— À medida que as coisas com a Conspiração progrediam, Linus


precisava de mais ajuda, então ele me disse que James morreu, mas eu
poderia conhecer meus netos.

Eu ficaria brava com Linus por muito tempo.

Victoria virou-se para mim. — Por que, Catalina? Por que Guardiã?

— Foi complicado.

— Oh eu sei. Ele me disse. Mas olhe para essa bagunça em que


estamos. Essa coisa de Guardião ameaça a sobrevivência da família.

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— Você sabia que quase quebrou Nevada com aquele esquema


horrível? Essa foi uma ameaça maior para nós do que isso. —Acenei para
a propriedade. — Isso é simples. Sabemos quem é o inimigo. Nevada
nunca esperou que você a esfaqueasse pelas costas.

Victoria soltou um suspiro. — Ela não está mais feliz agora, sendo a
aterrorizante Buscadora da Verdade da Casa Rogan? Eu não a libertei para
que ela pudesse ser esposa e mãe?

— Você e eu nunca vamos chegar a um acordo com isso.

— E você acha que algum dia chegará a um acordo com Linus?


Aquele homem falhou em todas as áreas de sua vida. Ele abandonou a
mim e seu pai e foi se tornar um comerciante de armas. Ser um Guardião
é a forma que ele encontrou para expiar seus pecados. Linus está obcecado
com isso. Depois que fui presa, ele foi me ver na prisão. Fiquei surpresa.
Eu pensei: ‘Finalmente, uma centelha de humanidade nesse homem.’

— Tenho um mau pressentimento sobre isso.

— Engano meu. Ele me procurou porque descobriu que uma das


Casas envolvidas na Conspiração plantou um informante na prisão para
me vigiar. Linus queria tirá-lo de lá. Então nos encontramos no jardim e
Linus começou a tagarelar alto e inventar histórias sobre construir uma
nova Roma, e que odeia ficar entediado, e como a causa não estava morta.
Um monte de baboseira para enganar o informante.

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Eu ri. Não pude evitar.

— Quase estrangulei Linus. Eu deveria ter o estrangulado. O que


aconteceria comigo? Iriam me prender? Já estava presa mesmo. É um
milagre que ele saiu de lá vivo. E ninguém me agradeceu por isso.

Ela balançou a cabeça e tomou um gole de chá.

O grito de guerra de Victoria Tremaine. Faço tudo e ninguém me agradece


por isso.

— Por que ele deixou você e papai? —Eu perguntei.

— Eu o conheci em um pequeno café em Nova York . Ele brigou com


o avô e desembarcou nos Estados Unidos sem nada além das roupas do
corpo. Eu estava procurando um doador há dois anos e sabia que ele seria
minha melhor chance. —Victoria suspirou. — Nós nos conhecemos,
conversamos, fizemos coisas que dois jovens fazem quando se acham
atraentes. Ele concordou com a doação. Eu não contei a ele toda a história
sobre a barriga de aluguel, mas ele viu pistas suficientes para juntar tudo.
Quaisquer que sejam seus muitos defeitos, seu avô não é estúpido. Ele
escolheu ignorar. Então, quando James nasceu, eu trouxe nosso filho para

A cidade de Nova York compreende 5 distritos situados no encontro do rio Hudson com o Oceano
Atlântico. No centro da cidade fica Manhattan, um distrito com alta densidade demográfica que está entre os principais centros comerciais,
financeiros e culturais do mundo. Entre seus pontos emblemáticos, destacam-se arranha-céus, como o Empire State Building, e o enorme Central
Park. O teatro da Broadway fica em meio às luzes de neon da Times Square.

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casa e Linus estava extasiado. Seu pai era o bebê mais adorável do mundo.
Por um tempo fomos uma família.

Victoria olhou para longe.

Ela havia contado uma versão dessa história para Nevada. Como a
maioria das coisas que ela dizia, era uma meia verdade.

Os Buscadores da Verdade precisam se concentrar ativamente para


saber quando outro Buscador da Verdade está mentindo, e Nevada
acreditou nela.

— Eu sabia que não ia durar. Linus tinha objetivos. Ele era ambicioso.
Para ele nossa vida era muito fácil, Catalina. Bonita e confortável demais.
Em algum momento ele percebeu como seria tentador ficar conosco e
brincar de casinha, e isso deve tê-lo assustado. Linus encontrou o contrato
com a família da barriga de aluguel. Ficou chateado. Brigamos. Ele foi
embora.

— O que estava no contrato? —Essa era a segunda vez que ela


mencionava isso.

— Misha vivia em estado vegetativo permanente, Catalina. Havia


pessoas perseguindo a família dela na esperança de colocar as mãos na
Besta de Colônia. Nenhum outro membro da família de Misha tinha a
magia de metamorfose, mas não importava. A família já tinha tido uma

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criança sequestrada. Eles estavam desesperados, então consentiram que


eu usasse Misha como barriga de aluguei em troca de proteção.

Coloquei meu rosto em minhas mãos. — Está ficando cada vez pior.

— É meu pecado, não seu. Para eles, eu era o menor de muitos males.

— O menor dos males é ainda mal.

Ela não disse nada.

— Você conseguiu resgatar a criança sequestrada?

— Claro que sim.

Linus voltou a passos largos. — Pegue seus guardas. Temos que fazer
um passeio.

Arabella fez uma curva a cinquenta quilômetros por hora em um


transporte blindado não projetado para isso.

— Sinto muito por Pete, —eu disse a Linus.

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Eu tinha finalmente dado a ele um relato detalhado de tudo o que


havia acontecido. Ele já tinha ouvido o resumo de Arabella, mas havia
coisas que ela não sabia.

Linus não disse nada. Pete estava com ele há quase vinte anos. Ele
não era um funcionário; era um amigo.

— E o filho dele? —Ele perguntou.

— Eu pedi a MII para colocá-lo em um local seguro até que isso acabe.

— Fez bem, —disse Linus. — Ainda está com raiva de mim?

— Sim.

Eu ia ficar com raiva por muito tempo. Eu tinha guardado minha


raiva da mesma forma que guardava meu medo e indignação quando
lidava com Victoria, minha repulsa quando tinha que processar uma cena
de crime, ou a profunda ansiedade que senti quando Konstantin me olhou
por um momento longo demais com aquele desejo em seus olhos. Aprendi
que eu poderia fazer isso. Era meu superpoder. Mas isso não significa que
eu perdoava ou esquecia.

— Você deveria ter nos contado, —disse Arabella do banco do


motorista.

— Que eu era seu avô ou que eu era César?

— Os dois, —dissemos ao mesmo tempo.

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— Vocês não estavam prontas para isso.

— É inútil, —eu disse a Arabella. — Ele acha que está sempre certo.

— Não, —minha irmã disse. — Uma vez ele pensou que estava
errado, mas estava certo.

— Nós realmente poderíamos ter precisado de um avô doze anos


atrás, quando papai estava morrendo, —eu disse.

— Eu não sabia. —Linus suspirou. — Depois que fui embora, só vi


seu pai uma vez. Eu estava saindo de um prédio e um jovem de vinte anos
esbarrou em mim. Eu vi seu rosto e foi como me olhar no espelho. Ele
disse: ‘Eu nunca te pedi nada. Mantenha minha mãe fora de Houston.’
Naquela noite, Victoria me ligou. Ela pensou que James estava em
Houston e queria que eu a ajudasse a encontrá-lo.

— O que você fez? —Perguntou Arabella.

— Fabriquei uma trilha falsa que levava a Seattle e me certifiquei de


que Victoria a seguisse. Tentei encontrá-lo novamente, mas não encontrei,
nem mesmo um sobrenome. Victoria o havia ensinado a se esconder. Ela
vivia paranoica de que se algo acontecesse com ela, seu pai não

Seattle, uma cidade situada no Puget Sound, na região do Noroeste Pacífico dos EUA, é cercada de água,
montanhas e florestas perenes e contém milhares de acres de parques. Ela é a maior cidade do estado de Washington, além de ser um grande polo
tecnológico: a Microsoft e a Amazon têm suas sedes estabelecidas na área metropolitana. O futurista Space Needle, um legado da Expo 62, é o
monumento mais famoso da cidade.

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sobreviveria porque ele não tinha magia, e ela se certificou de que ele
soubesse como desaparecer. Quando ele desapareceu, ela pensou que
poderia encontrá-lo novamente, mas ele foi mais esperto do que nós dois.
Não sabia quem Nevada era até saber que ela era uma Buscadora da
Verdade e fazer uma verificação de antecedentes. A carteira de motorista
do seu pai tornou as coisas óbvias.

O estacionamento do Escritório de Registros não parecia tão ruim


quanto eu pensava. Havia uma equipe trabalhando no buraco no prédio.

— Eu fui um péssimo pai, —disse Linus. — Estou trabalhando duro


para ser um bom avô. Eu amo vocês cinco.

— Não se preocupe, —disse Arabella. — Nós te amamos também.


Mesmo que você seja terrível às vezes.

Agora, as únicas emoções que eu sentia por Linus eram raiva e mágoa.
Provavelmente havia outras coisas lá, mais profundas sob a superfície, mas
essas duas sufocaram todo o resto.

Minha irmã estacionou, saímos e caminhamos até o prédio. O saguão


da recepção da torre era agradavelmente fresco. Linus falou com a
recepcionista.

Arabella olhou ao redor. — Hum.

Ela havia insistido em vir. Eu queria trazer Leon ou Alessandro, mas


Arabella estava convencida de que se não viesse conosco, algo terrível

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aconteceria com o ‘vovô’. Ela se ajustou ao status de neta dele muito


rápido.

— Fique no saguão, —eu disse a Arabella. — Se alguém explodir


nosso carro, não tente salvá-lo.

— Sim, sim. Porque os transportes blindados crescem em árvores e são


super baratos para substituir.

— Linus acordou, ele vai lidar com qualquer dano.

— Uh-hum.

A porta do elevador se abriu, e Michael saiu. Seu olhar deslizou sobre


Linus e eu e parou em Arabella. Ela olhou para ele, imperturbável.

Um momento se passou. Michael ficou de lado e indicou o elevador


com a mão. Linus e eu entramos, ele nos seguiu e subimos de elevador até
o quinto andar.

Déja vu.

Alguns momentos depois, entramos na biblioteca redonda. O


Guardião nos encontrou perto dos sofás.

— Superior Duncan, Superiora Baylor. Estamos felizes em ver o


Gabinete do Guardião de volta com força total.

— Venho aqui hoje como cidadão comum, —disse Linus.

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Os olhos negros do Guardião se estreitaram. — Como podemos te


ajudar?

— Preciso saber como um Antistasi pode matar Ignat Orlov.

— Por favor, nos dê um pouco de privacidade, Michael, —disse o


Guardião.

Michael assentiu e saiu da biblioteca.

— O que você quer? —Linus perguntou, seu tom brusco.

— Você sabe o meu preço. —O tom do Guardião combinava com o


de Linus.

— Feito. Retiro minha objeção. Não vou atrapalhar, mas também não
vou facilitar. Depende deles. Esta é a minha melhor oferta.

— Perfeitamente satisfatório. —O Guardião sorriu e por um momento


seus dentes pareciam muito afiados. — Esperem aqui.

Ele desapareceu em uma alcova escura entre as prateleiras.

— O que acabou de acontecer? —Perguntei a Linus baixinho.

— Nada ainda. Isso não era o que eu queria, mas nem sempre a gente
consegue fazer do nosso jeito.

— Pode apenas explicar isso para mim?

— Não. Você queria salvar Alessandro. Este é o preço. Confie em


mim. Eu nunca colocaria nenhum de vocês em perigo.

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O Guardião surgiu com uma pilha de papel e uma caneta e me


entregou. — Como está o seu domínio da arte arcana, Senhorita Baylor?

— Exímia. —Agora não era hora para falsa modéstia.

— Como eu pensava. Preste muita atenção, pois vou explicar isso


apenas uma vez.

A escuridão saiu em espiral da alcova atrás do Guardião, afogando a


sala.

— Não se mova, —eu murmurei.


— Faz cócegas, —disse Alessandro.

— Você deveria ser um fodão com disciplina de ferro. Aguente.

Ele suspirou.

— Não suspire também. Pequenas respirações superficiais.

Ancorei meu pulso em suas costas musculosas e desenhei outro


pequeno glifo em um padrão complexo que espiralava ao redor de seu

Glifo designava a princípio qualquer signo entalhado ou pintado, a exemplo dos glifos da escrita maia e dos
hieróglifos egípcios.

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pescoço, sobre seu peito, sobre ambos os braços e sobre suas costas. Ele
estava na sala de estar da casa que dividíamos, vestindo nada além de
cueca box preta.

Era tarde e o sol entrava pelas janelas. Voltamos do Escritório de


Registros com algumas notícias desagradáveis. O CAP, a empresa
mercenária liderada por Berry, o inimigo de Connor, estava em
movimento. Os contatos da Casa Rogan avisaram meu cunhado que
alguém havia contratado Berry para atacar a propriedade dele e de
Nevada. Eles estavam se mobilizando para um ataque decisivo, que
aconteceria na primeira hora de amanhã.

Todos concordaram que Arkan estava usando Berry para amarrar


Connor e Nevada. Todos também concordaram que não havia nada a ser
feito a respeito. Berry tinha números e pessoal qualificado e estava
altamente motivado. Aparentemente, o cliente pagou ao CAP um único
dólar para garantir sua participação.

A Casa Rogan não podia ignorar isso. Estávamos sozinhos na batalha


que se seguiria.

Meus dedos estavam ficando dormentes, e eu ainda tinha metade de


suas costas e ambas as coxas para traçar. Era ele, eu, minhas anotações e
um marcador de arte, com Shadow como espectadora.

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— Preparado? —Bern perguntou do telefone na mesa de centro. Eu o


tinha no viva-voz.

— Manda, —disse Alessandro.

— Exemplo 1.

A voz de Arabella veio do telefone, assombrosa e persistente. — Vocês


irão morrer. Este será o último aviso. Saiam, e não vamos persegui-los. Salvem
suas vidas.

— Exemplo 2.

Uma entonação um pouco diferente. — Vocês irão morrer. Este será o


último aviso. Saiam, e não vamos persegui-los. Salvem suas vidas.

— Exemplo 3 ...

Aparentemente, minha irmã podia soar notavelmente ameaçadora


quando a ocasião exigia.

— O terceiro foi mais assustador, —eu disse.

— O primeiro, —disse Alessandro. — Ela soou como uma irmã mais


nova que tropeça em você.

— Nosso voto é para o primeiro também, —disse Bern.

— É o seu show, —eu disse a ele. — O primeiro será então.

Bern desligou.

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Continuei desenhando. O padrão de glifo não era difícil de entender.


Era só infernalmente complicado de desenhar.

— Konstantin esteve em seu escritório por um tempo hoje, —disse


Alessandro.

— Hum.

— O que ele disse para você? —Ele perguntou.

— Ele acha que você vai morrer amanhã.

— Eu não vou.

Porra, você não vai. É por isso que estávamos fazendo isso.

— Algo mais?

Alessandro não ia deixar passar. Eu conhecia aquele tom. — Ele acha


que Princesa Catalina Jamesovna Berezin soa bem.

O músculo sob meus dedos ficou duro como pedra. Meu marcador
escorregou.

— Caramba. —Peguei um lenço umedecido e esfreguei o glifo


arruinado de sua pele. — Você quer ficar aqui a noite toda?

— Sim e não. Eu tinha planos para esta noite.

Ah, ha. — Você estava nu nesses planos?

— Sim.

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— Bem, veja, eles se tornaram realidade.

Redesenhei o glifo e me ajoelhei para ter um melhor acesso a sua


costela e quadril.

— Nos meus planos, nós dois estávamos nus.

Olhei para ele. — Quer que eu tire minha roupa?

Seus olhos brilharam com fogo laranja. — Não, pode não ser seguro.

— Você está fazendo sua voz sedutora novamente.

— Sinto muito, —ele ronronou. — Está te distraindo?

— Um pouco.

— Claramente, eu preciso me esforçar mais.

— O que você precisa é ficar parado para que possamos terminar isso.
Não fale.

Redesenhei o glifo e continuei.

— Konstantin traz muitas vantagens, —disse Alessandro, como se


estivesse pensando em voz alta. — Ele pode se parecer com qualquer um,
o que proporcionaria uma variedade infinita na cama. Ele é rico, poderoso
e espirituoso. Capaz de manter uma conversa estimulante. E, claro, as
vantagens de ser da realeza. A reverência, os rituais, o status. A família se
beneficiaria por associação.

Parei e olhei para ele.

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Ele me deu aquele sorriso afiado e engraçado de Alessandro, aquele


que me fazia olhar para ele como uma idiota apaixonada toda vez que
fazia isso.

— Mas para conseguir tudo isso, você teria que aturar Konstantin
todos os dias. E isso seria um destino pior do que a própria morte.

— Você terminou? —Eu perguntei a ele.

— Possivelmente.

— Estou tão feliz. Por favor pare de falar.

— Eu te amo, Catalina.

Eu rosnei para ele.

— Você é tão inteligente e bonita.

— Alessandro, cale a boca.

— Suas asas são de tirar o fôlego.

Eu iria socá-lo.

— Você cozinha como uma deusa ...

— Caramba! —Joguei o marcador no chão.

Ele agarrou minhas mãos e me puxou para cima. Seus olhos eram
como âmbar derretido. — Toda vez que acordo ao seu lado, me sinto o
homem mais sortudo que já nasceu. Continuo sem acreditar que você me

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escolheu. Você tem tudo de mim para sempre. Neste mundo inteiro, não
há ninguém como você.

Ele tocou minha bochecha com a ponta dos dedos e me beijou. Havia
tanta ternura naquele beijo. Era feito de amor e esperança, e isso me
quebrou. Eu estava tentando manter isso por tanto tempo, mas nenhuma
defesa poderia resistir a isso.

Ele enxugou as lágrimas do meu rosto com os dedos e tocou minha


testa com a dele. Ficamos a um centímetro de distância, os glifos ainda
secando em sua pele.

— Não morra amanhã, —eu disse a ele.

— Não vou. Eu prometo.

O lado noroeste do muro se alargava em um pátio originalmente


projetado para oferecer um cenário pitoresco para fotos de casamento. O
pátio era coroado por um pavilhão que apelidamos de Bolo de Casamento
porque era ornamentado e ridículo. Depois que compramos o Complexo,

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o Bolo de Casamento foi convertido em um posto de observação


completo, com paredes reforçadas e enormes janelas à prova de balas.
Ainda o chamávamos de Bolo de Casamento, apesar de todas as reformas
e do fato de suas charmosas mesas e cadeiras terem sido substituídas por
um balcão utilitário que oferecia uma variedade de câmeras e binóculos.

Eu estava dentro do posto agora, bebendo café de uma caneca branca


com letras douradas nela. As letras diziam: ‘Você consegue’.

O dia amanhecia do lado de fora da janela blindada, vermelho e


laranja cobria o céu lentamente, prometendo ser um daqueles
inesquecíveis amanheceres do Texas.

No pátio atrás de nós, escondido pelo Bolo de Casamento, Alessandro


desenhava um círculo arcano complexo. Eu tinha uma visão clara dele
através das portas abertas do posto. Ele estava vestido de preto e minha
lâmina de campo nulo descansava na bainha em suas costas.

Leon assobiou uma música de faroeste ao meu lado .

— Você não deveria estar em sua torre?

— Tudo a seu tempo, minha senhora. Estou analisando as vistas e


memorizando a configuração da área. Um homem só tem uma chance de

Amei isso aqui: https://www.youtube.com/watch?v=qkEMPz4oeOM

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ter um Alamo em sua vida. Isso se tiver sorte. Estou guardando tudo na
memória.

Ele estava usando um dos coletes táticos Scorpion e um capacete,


assim como eu. Correr com aquela roupa até a torre não seria a tarefa mais
fácil do mundo.

Havíamos dividido nossas forças. Tínhamos dois portões para


proteger, este e o do Sul que dava para a oficina da vovó Frida. Arkan
seria um tolo se não atacasse ambas as entradas, então vovó Frida, metade
de nossos guardas, Runa e vovó Victoria tomaram o lado sul. Depois de
alguma discussão, todos nós decidimos coletivamente que Arabella se
juntaria a eles. Ninguém queria dizer isso em voz alta, mas ambas as avós
haviam comemorado seus setenta anos há algum tempo e, embora a magia
da vovó Victoria estivesse tão forte como sempre foi, todos se sentiram
melhor sabendo que minha irmã cuidaria das duas.

Leon, Alessandro, Cornelius e eu ficamos com o portão norte.


Konstantin insistiu em se juntar a nós, porque, segundo ele, quando Arkan
finalmente batesse à nossa porta, ele queria abri-la e cumprimentá-lo.

A Batalha do Álamo, ocorrida entre 23 de fevereiro e 6 de março de 1836, foi um evento crucial na Revolução do Texas, nos Estados Unidos.
Depois de um cerco de treze dias, as tropas mexicanas sob o comando do presidente general Antonio López de Santa Anna lançaram um ataque
sobre a missão Álamo, perto de San Antonio de Béxar (atual San Antonio, Texas). Todos os defensores texanos foram mortos. A crueldade percebida
durante a batalha inspirou muitos americanos, tanto colonos do Texas quanto aventureiros dos Estados Unidos, a se juntarem ao exército texano.
Estimulado por um desejo de vingança, os texanos derrotaram o exército mexicano na Batalha de San Jacinto, no dia 21 de abril de 1836, terminando
a revolução.

Coletes táticos Scorpion

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Não o víamos desde ontem à noite. Podemos tê-lo visto e não saber
que era ele, ou ele pode ter ido embora. De qualquer forma, eu não podia
perder tempo para me preocupar com isso. Cuidar de príncipes russos não
estava na agenda de hoje.

Mamãe se posicionou em seu Ninho do Corvo na casa principal. A


partir de lá, ela teria a oportunidade de apoiar os dois lados. Lilian estava
com ela. Minha mãe e a de Alessandro pareciam ter encontrado um
terreno comum. Lilian e eu não tivemos a oportunidade de realmente
sentar e conversar, mas ela me disse que seu filho teve sorte, então eu
esperava que tudo corresse bem.

Linus insistiu em pegar um de seus Exoesqueletos. Nós guardamos


um deles na garagem da vovó Frida desde que nos mudamos. Nenhum de
nós conseguia pilotá-lo, e ele também não deveria pilotar, não em sua
condição atual de saúde. Mas não podíamos ignorar a possibilidade de
que, uma vez que a batalha nos portões começasse, Arkan poderia
esgueirar alguns de seus soldados pelos muros em lugares aleatórios. O
mecanismo Exoesqueleto era leve e móvel, projetado para uma resposta
rápida, e Linus estava determinado a usá-lo.

Um estrondo distante de fogo de artilharia rolou pelo ar da manhã.


Longe demais para ter vindo do portão sul.

— O CAP está na casa de Connor pedindo emprestado uma xícara de


açúcar, —disse Bern no meu fone de ouvido.

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— Você não deveria estar desenhando? —Leon me perguntou,


imitando exatamente meu tom anterior.

Olhei para seus pés. Ele olhou para baixo. Estávamos de pé em um


círculo arcano. Levaria segundos para terminá-lo. Vovó Victoria e eu
trabalhamos no projeto até quase meia-noite. A nossa intenção era projetar
círculos de forma que eles precisassem usar o mínimo energia. Nenhuma
de nós ficou satisfeita com o consumo de energia que seria necessário para
mantê-los, mas não teríamos que mantê-los por muito tempo.

— Touché, —disse Leon.

Cornelius entrou no posto. Por alguma razão, o capacete e o colete o


faziam parecer um pouco ridículo. Simplesmente não combinava com ele.

— Algo está chegando, —disse ele.

— Defina ‘algo’, —disse Leon.

— Algo grande.

— Portal de Invocador, —disse Bern. — Novecentos metros do portão


norte.

O Portal estava fora da área de explosão de Alessandro. Como se


conhecessem o alcance. Hum.

— O portal fechou. Algo está se movendo entre as árvores.

— Algo grande? —Leon ergueu as sobrancelhas.

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— Sim. Vá para a sua torre.

O chão de pedra sob nossos pés tremeu. Cornelius se virou e saiu


correndo.

Uma forma colossal surgiu debaixo das árvores ao pé da colina. Era


do tamanho de um elefante, sua espessa pele era da cor de lavanda, raiada
de manchas roxas. Não, não eram manchas, eram armaduras, placas
ósseas pesadas que se estendiam em pontas. Escudos ósseos cobriam sua
cabeça larga, com dois grandes chifres. Tinha a forma de um rinoceronte ,
blindado como um anquilossauro , e vinha em nossa direção como um
touro.

O chão tremeu.

— Hora de ir andando. —Leon correu para fora.

A fera trovejou na direção do nosso muro, três pares de olhos


pequenos brilhando nas dobras cutâneas entre as placas em sua cabeça.

— Preparem-se! —Eu gritei e me agachei. Eu não tinha ideia de


porque tinha feito isso. Apenas parecia certo.

Os Rinocerontes são grandes mamíferos perissodáctilos da família Rhinocerontidae, que ocorrem na África e na Ásia.
Atualmente, existem cinco espécies distribuídas em quatro gêneros.

Ankylosaurus ou anquilossauro é um gênero de dinossauro encouraçado herbívoro que viveu durante o final do período
Cretáceo, no território que corresponde hoje à América do Norte. Trata-se de um gênero monotípico descoberto em 1908 por Barnum Brown, cuja a
única espécie é denominada Ankylosaurus magniventris.

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A fera arcana bateu em nosso portão com um tinido ensurdecedor. O


impacto estremeceu através do muro. Metal guinchou.

Eu fiquei em pé e corri para o pátio.

A fera entrou no Complexo e correu até parar no estacionamento, o


portão destruído preso em seus chifres. A criatura balançou a cabeça de
um lado para o outro. O portão voou.

Com um único golpe, reduziu nosso muro a nada.

A fera berrou e desceu a calçada em direção à casa principal.

Uma figura baixa saiu de debaixo dos carvalhos e foi direto para o
caminho do monstro.

A fera saltou para a frente.

Cornelius levantou a mão. Sua voz estalou no meu fone de ouvido. —


Pare.

O dino-rinoceronte freou com as seis patas. Ele deslizou para a frente,


aterrissando comicamente de bunda, levantou-se e trotou em direção a
Cornelius.

— Significativo uma ova, —disse a avó Victoria.

Victoria está duvidando que Cornélio seja um Significativo depois dessa demonstração de grande poder. E teve também a cena do Guardião
dos Registros perguntando ao Cornelius se ele queria refazer sua avaliação.

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O monstro dino-rinoceronte desceu a cabeça com cuidado e tocou na


mão de Cornelius. Seu crânio era tão grande quanto o próprio Cornelius.
Sua cauda longa e pontiaguda abanando.

— Estão vindo, —disse Bern.

Eu me virei e corri de volta para o Bolo de Casamento. Figuras


estavam emergindo das árvores, correndo para a brecha no muro que a
fera havia aberto. Os quatro atacantes na linha de frente brilhavam atrás
dos escudos da Égide.

— Bom menino, —disse Cornelius. — Vá pegar as pessoas más.

O pessoal de Arkan estava quase em cima de nós. Eu podia vê-los


claramente agora, vestidos com uniformes táticos cinza idênticos,
capacetes estranhos em suas cabeças, cobrindo o crânio e as orelhas.
Arkan havia tomado precauções contra meu canto de sereia.

A criatura rugiu.

— Vá, —Cornelius repetiu.

Um tiro de rifle sniper derrubou um homem na terceira fila. A Égide


esticou seus escudos mágicos, inclinando-os para cima.

O chão sob meus pés tremeu novamente. As paredes tremeram, e a


fera dino-rinoceronte passou a toda velocidade pela abertura que havia
feito. A linha de soldados avançando se dispersou. Corpos voaram, um
deles tentando desesperadamente ajustar seu escudo contra o impacto.

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A fera se enfureceu na encosta, correndo de um lado para o outro,


pisando e ferindo qualquer coisa em seu caminho. Ela bateu em um dos
destroços de carro que não tivemos tempo de limpar e deu uma cabeçada
como se fosse um brinquedo.

— Tática psicológica em três, dois ... —disse Bern.

A voz de Arabella soou no meu fone de ouvido. — Vocês irão


morrer. Este será o último aviso. Saiam, e não vamos persegui-los.
Salvem suas vidas.

— Bern?

— Desculpe. Deixei o alto-falante ligado.

A voz de Arabella desapareceu.

No campo, um dos soldados arrancou o capacete. Capacetes de


cancelamento de ruído eram eficazes e interessantes, mas as ordens para
os soldados precisavam ser transmitidas diretamente para os fones
embutidos no capacete. Bern havia invadido o canal de comunicação de
Arkan. Agora, os ouvidos de seus soldados estavam cheios da voz da
minha irmã dizendo que eles estavam prestes a morrer.

Altos estrondos de bombardeio de artilharia vieram do sul.

— Temos visitas, —anunciou Runa.

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Na colina, os atacantes formaram uma coluna e avançaram pela


brecha do portão arrancado, os Magos Égides na liderança.

Um portal se abriu na frente da fera. Ele estava galopando morro


abaixo o mais rápido que suas pernas podiam levá-lo e não teve tempo de
virar. A criatura desapareceu no portal e o buraco escuro e irregular fechou
sobre si mesmo.

— Krause está ao alcance, —eu gritei.

— Bom. —Alessandro se endireitou em seu círculo.

A enxurrada de soldados de Arkan se derramou dentro do muro.

Um rápido staccato de tiros partiu da torre de Leon. As pessoas caíram


como moscas.

A última mulher que passou pela abertura esfaqueou o homem à sua


frente com precisão cirúrgica, girou e cortou a garganta de outro agressor.
Seu corpo mudou de forma, se transformando no homem que acabara de
matar, e afundou sua faca nos rins do terceiro soldado. Konstantin.

Ele estava cortando-os como se fossem ervas daninhas, mudando de


forma em forma enquanto avançava.

— Pare com isso, —Leon rosnou. — Eu quase atirei em você duas vezes!

— Algum sinal deles? —Perguntou Alessandro.

— Não, —informou Bern.

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A luta real nem tinha começado. Isso era apenas as preliminares. Nem
Arkan, nem nenhum de seus dois Superiores restantes e seus seis
Significantes estavam em campo ainda.

Arkan teria que provocar Alessandro. Era apenas uma questão de


quem ele usaria.

Konstantin e Leon estavam eliminando os atacantes. Se Arkan fosse


apertar o botão de partida, seria agora.

Uma mulher entrou no nosso campo de visão na encosta da colina e


ergueu as mãos.

— É Krause, —gritei para Alessandro, cobrindo meu microfone. —


Arkan está usando-a como isca.

— Eu me pergunto o que ela fez para entrar na lista de merda dele.

— Você quer fazer isso agora?

— Ela não vai nos dar muita escolha.

Tirei a mão do microfone. — Por favor, vão para seus círculos


designados.

Uma cascata de explosões veio do sul.

Peguei o tablet do balcão e liguei as imagens da oficina mecânica. O


extremo sul da propriedade parecia o inferno na terra. Aqui e ali o
calçamento queimava com magia carmesim. Um carvalho caiu no chão e

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pegou fogo. O teto da oficina mecânica na frente da câmera parecia queijo


suíço.

Boom! Boom! Boom!

Do outro lado da parede, algo explodiu enviando um gêiser de poeira


e fogo para o ar. Uma pessoa uivou de dor. Vovó Frida deve ter o acertado
em cheio.

Outro morteiro respondeu, espalhando fogo carmesim contra a


oficina. A parede da frente se curvou para fora, inchou e caiu.

A magia estalou acima da minha cabeça.

— Bern?

— Ela abriu um portal diretamente acima de você.

Na tela do tablet, um tanque saiu de trás da oficina e ficou de frente


para o muro no lado sul. Era pouco maior do que o SUV médio de
tamanho normal. Uma metralhadora de projéteis empilhados de 40
canhões se ergueu do teto do tanque. Ao contrário das armas normais, as
metralhadoras de projéteis empilhados não tinham partes móveis. Cada
um dos canhões estava empilhado com projéteis que não tinham invólucro
nem espoleta . As balas eram disparadas eletronicamente quando um

A espoleta, no contexto de arma de fogo e artilharia em geral, é formalmente, o composto químico e/ou
dispositivo responsável por iniciar a combustão do propelente contido na munição, que impulsiona o projétil através do cano da arma.

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pulso de magia era enviado através do cano. A capacidade de fogo era


insana.

O tanque zurrava como um burro, arrotando todo o seu arsenal em


uma fração de segundo.

Isto era o mais próximo que eu já cheguei de uma zona de guerra real.

— Linus? —Vovó Victoria disse.

— Estarei aí assim que puder. Estou um pouco ocupado no momento.

Cornelius correu para o Bolo de Casamento e veio ficar ao meu lado.


Konstantin veio logo atrás. Tirei o giz do bolso.

Na encosta da colina, Krause estava se esforçando. De onde eu estava


podia ver os braços dela tremer. Ela já tinha aberto dois portais hoje e o
que quer que ela estivesse tirando do terceiro estava drenando até o último
pedaço de sua magia.

— As crianças, Zeus e o sargento Teddy estão comigo, —Runa relatou.


— Vou ativar.

A magia brilhou à distância, em algum lugar da casa principal, uma


mancha brilhou em minha mente e logo desapareceu.

Leon correu para o posto como se não tivesse nenhuma preocupação


no mundo. Ele saltou sobre a fronteira de giz e aterrissou ao lado de
Cornelius. Eu me agachei e terminei o círculo em duas linhas rápidas.

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— Temos raios, —informou Bern.

O que quer que Krause estivesse convocando estava prestes a


acontecer.

— É para hoje, —Vovó Victoria grunhiu.

— Estou a caminho, —disse Linus.

Algo tamborilou no telhado do Bolo de Casamento como granizo.


Criaturas caíram no Complexo em uma cachoeira monstruosa.

— Se ele não chegar aqui em trinta segundos, vou ativar assim mesmo,
—disse Victoria.

Um fedor azedo se espalhou pelo ar. O telhado à minha direita


quebrou e uma criatura caiu no posto. Do tamanho de um cão médio, não
tinha cabeça nem pescoço. Seu corpo parecia um saco de couro, pálido
como a barriga de um peixe, salpicado de espirais de laranja neon e virado
de lado, de modo que a abertura servia de boca. Quatro pares de pernas
longas e finas sustentavam o saco, enquanto dois membros menores saíam
de sua barriga, armados com três dedos com garras.

Leon atirou. A criatura estremeceu e morreu.

— Cheguei, —Linus anunciou.

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Uma explosão de branco ofuscante estourou na visão da minha


mente. Era vovó Victoria liberando seu poder como uma supernova e
ativando o círculo ao redor dela. A estrela brilhou e desapareceu.

Afundei um soco de poder no círculo. As linhas de giz brilharam em


branco e então todo o som desapareceu.

Outra criatura caiu no Bolo de Casamento pelo buraco e ricocheteou


no escudo invisível do círculo. Nós quatro estávamos separados do
ambiente por um espaço de campo nulo.

No pátio o círculo de Alessandro se acendeu com luz laranja. Um


tornado de faíscas âmbar giravam em torno dele.

Ele pulou e ficou suspenso, flutuando no ar com a corrente de magia


chicoteando ao seu redor. A magia o encharcou, deixando a pele dele
brilhante. Alessandro brilhou como uma estrela. Esta era a segunda vez
que eu o vi fazer isso, e me tirou o fôlego novamente.

Os olhos de Alessandro brilharam com poder. Ele parecia um deus


prestes a liberar sua ira justa.

Sua magia detonou. A explosão saiu dele em um pulso radiante. A


criatura correndo pelo chão tentou morder o escudo invisível do espaço
nulo e morreu. Na base da colina, Krause caiu, gritando. Eu não podia
ouvi-la, mas eu a vi tentando se levantar.

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Qualquer um ou qualquer coisa dentro de um raio de novecentos


metros de Alessandro teve sua magia arrancada deles.

Konstantin bateu palmas lentamente. — Isso que é um show, primo.

— Três veículos chegando, —informou Bern.

Tínhamos dado a Arkan o que ele estava esperando.

Desativei o círculo. Mantê-lo era como segurar um peso, leve no


início, mas ficando mais pesado a cada segundo.

Konstantin saiu e se contorceu na forma de Smirnov. — Então não é


magia de ambiente, afinal. Bom saber.

Tínhamos acabado de entregar um dos segredos de Alessandro ao


Império. Não poderia ter sido evitado.

Os carros vomitaram seus ocupantes. Toquei no tablet, dando zoom.

Arkan. Em carne e osso. Altura média, constituição atlética, rosto


agradável. Nada de notável sobre ele. Ele poderia se passar por um
empresário, um advogado, um treinador de vôlei do ensino médio.

Outro homem saiu do carro e parou ao lado dele.

Eu fiquei gelada.

Uma mulher gritou no meu fone de ouvido, um som de pura fúria, e


eu sabia que tinha sido Lilian.

Ruby Fever
Livro 6
550

Alessandro saltou de seu círculo, envolto em magia brilhante, e entrou


no posto. Ele olhou para os dois homens, e seu rosto se encheu de raiva.

Franco Sagredo estava ao lado do homem que havia assassinado seu


filho. Ele não estava contido. Ninguém segurava uma arma na cabeça
dele. Ele não parecia angustiado. Franco olhou em nossa direção, escárnio
em seu rosto.

Arkan acenou.

— Que reunião de família encantadora, —disse Konstantin.

— Mais uma palavra, e eu vou atirar em você, —disse Leon, sem um


traço de humor em sua voz.

Franco ergueu as mãos, a magia laranja brilhou nelas, materializando


alguma arma. Em milésimos de segundo Franco apontou um lança-míssel
em nossa direção.

Eu corri.

Saímos do posto e descemos as escadas. Atrás de nós, o Bolo de


Casamento explodiu.

Leon correu para o outro lado, onde a parede ainda estava intacta,
puxando suas armas enquanto corria. Cornelius partiu em direção à casa
principal.

Ruby Fever
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551

Alessandro se virou e subiu as escadas de volta para a parede. Havia


um buraco no posto, mas ainda estava de pé. As paredes reforçadas
resistiram à explosão.

A colina era um mar de chamas. Alguém estava andando por elas


como um fantasma conjurado do fogo.

Não havia um Pirocinético entre os soldados de Arkan.

O fogo se abriu e eu vi o rosto do Mago. Adam Pierce.

Como? Ele deveria estar encarcerado em uma prisão inexpugnável no


Alasca. Deveria passar o resto de sua vida cercado por gelo e frio.

‘Houve um evento no Alasca.’

Oh meu Deus.

Alessandro ainda não tinha visto Adam. Ele estava olhando para
Arkan e seu avô.

Eu peguei a mão dele.

— È un uomo morto, —disse o Artífice.

Franco Sagredo era um homem morto.

Uma parede de chamas subiu três metros de altura e rolou em nossa


direção. A temperatura ao redor aumentou.

— Nós temos que sair daqui.

Ele não deu nenhuma indicação de que me ouviu.

Ruby Fever
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552

— Mãe, eu preciso de uma bala, —eu disse no meu microfone.

— Eu tentei. O fogo é extremamente quente.

Como diabos Adam estava gerando fogo quente o suficiente para


parar tiros de alto calibre? Nenhum Pirocinético poderia ...

Ele tomou o soro. Arkan deu o soro de Osíris a um Superior. Puta merda.

O fogo rugia como uma criatura viva, ensurdecedora. Eu não


conseguiria fazer Adam me ouvir.

Não havia nada que pudéssemos fazer para pará-lo. Isso era o
Armagedom.

Um objeto escuro atravessou em um arco no céu. Por um segundo


pensei que tinha imaginado, mas então meu cérebro processou o que eu
estava vendo.

— Não!

O mecanismo Exoesqueleto de Linus colidiu com Adam Pierce. Os


dois homens desapareceram em uma bola de fogo incandescente. A onda
de calor nos atingiu, me pegou e me jogou contra a parede.

Não doeu tanto quanto deveria.

Abri meus olhos. De alguma forma, Alessandro tinha se enrolado em


mim, sua magia amortecendo o golpe.

Linus morreu. Morreu realmente desta vez. Ninguém poderia sobreviver a isso.

Ruby Fever
Livro 6
553

— O que foi isso? —Arabella exigiu.

— Nada. —Minha dor e fúria me fizeram levantar.

As chamas haviam desaparecido, e o Exoesqueleto estava brilhando


em vermelho.

Eles mataram nosso avô.

Estática estalou em meu ouvido.

— Frida, —a voz de Linus disse no meu capacete. — Preciso de um


pouco de ajuda. Estou preso no meu mecanismo e está bem quente aqui.

Oh meu Deus.

Ao meu lado, o Artífice mostrou os dentes. — Minha vez.

— Vá. Eu lhe dou cobertura.

Ele se lançou pelo buraco do posto e pulou o muro, sua magia


brilhando enquanto aterrissava.

Atravessei a brecha atrás dele e parei na beirada do muro em ruínas.

Franco zombou e se moveu em direção a seu neto, materializando


duas clavas do ar. Ele não escolheu armas de fogo. Eu sabia o porquê.
Franco queria bater e humilhar Alessandro. Alessandro havia

Clava é o nome dado para um gênero de arma que consiste em um pau que é mais grosso em uma das suas extremidades.
Também pode ser chamado de maça ou porrete. Esta arma contundente ofensiva começou a ser usada em tempos primitivos e atingiu grande
popularidade no Egito e em Roma, sendo considerado um símbolo de poder.

Ruby Fever
Livro 6
554

desobedecido, e Franco contava com a conexão da família para enfurecer


o neto até que ele se tornasse desleixado ou hesitasse.

Franco estava usando protetores de ouvido como o resto deles.

Outra onda de soldados de Arkan subiu a colina em direção a


Alessandro. A magia faiscava entre eles.

Alguns deles brotaram lâminas. Esses seriam os melhores Magos de


Combate de Arkan. Ele os manteve em reserva apenas para este momento.
Alessandro os rasgou como se fossem bonecos de papel.

Franco se aproximou ainda mais, vindo direto para Alessandro. Eles


eram como dois cavaleiros se avistando em um campo de batalha
medieval. Nada deteria o encontro entre eles. Arkan estava assistindo os
dois como se assistisse um filme.

Não havia lugar para desenhar outro círculo. A parede estava coberta
de escombros. Mas tudo bem. Eu não precisava de um.

Vinte e cinco metros separavam Franco e Alessandro.

Tirei meu capacete e o deixei cair aos meus pés.

Vinte.

Enviei minha magia espiralando para frente. Seus tentáculos


encontraram a parede quase impenetrável da mente de Franco.

Quinze.

Ruby Fever
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Minha magia envolveu a consciência do velho, prendendo-me no meu


alvo.

Dez.

Deixe-me mostrar o quanto eu amo seu neto.

As asas negras explodiram das minhas costas, e eu gritei.

Não foi apenas a Harpia. Eu. A Harpia e a Sirene combinadas em


uma. Não hesitei, não recuei.

Eu dei-lhe tudo.

Minha magia penetrou na mente de Franco como um laser.

A parede de granito que era a mente de um Antistasi resistiu.

Continuei gritando, a torrente de som saindo de mim.

O granito rachou.

Escuridão difusa suave rastejou na borda da minha visão.

‘Você tem tudo de mim para sempre.’

Eu alimentei a última gota do meu poder em meu grito.

A parede de pedra da mente de Franco rachou.

Ele caiu de joelhos, seus olhos vazios.

Eu ainda estava gritando. A mente do velho havia desaparecido, mas


eu não conseguia parar.

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Precisava parar. Precisava ....

‘Eu te amo’, disse a voz de Alessandro de dentro das minhas memórias.

Agarrei o som daquelas palavras e fiquei em silêncio.

Tudo ficou tão quieto. As pessoas pararam de lutar e correr. Elas


olharam para mim e alguns deles olharam para Franco, ajoelhado na
grama com um olhar vazio no rosto.

Nesse silêncio, Alessandro e Arkan entraram em confronto, rápido


demais para seguir. Eles cortavam e esculpiam um no outro, golpeando,
chutando, esfaqueando. A luta parou. Todo mundo assistiu os dois se
contorcendo e girando. Esse era o objetivo de tudo. Era exatamente assim
que deveria terminar.

Saí do muro, atravessei a abertura e desci a colina. Ninguém tentou


me impedir. Eles se separaram diante de mim como o mar se abrindo na
história bíblica da travessia do Mar Vermelho .

Arkan era rápido como um raio, apesar de sua idade, e tinha décadas
de experiência, mas Alessandro era mais rápido, mais forte e mais jovem.
A habilidade colidiu com a fúria. O sangue voou e eu não sabia dizer de
quem.

A Travessia do Mar Vermelho constitui um episódio na narrativa bíblica do Êxodo. Ele fala sobre a fuga dos israelitas,
liderados por Moisés, dos perseguidores egípcios, conforme narrado no livro do Êxodo. Moisés estende seu cajado e Deus divide as águas do Yam
Suph.

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Arkan abriu um corte no braço de Alessandro. Alessandro deslizou ao


redor da lâmina, fluido, sem se incomodar com o corte, e bateu o
calcanhar na rótula de Arkan. A perna de Arkan se dobrou. Campo
passivo ou não, a força bruta daquele chute produziu impacto suficiente.
Como uma cota de malha, a magia de Arkan não permitia que uma lâmina
ou uma bala penetrassem em sua pele, mas não poderia amortecer
completamente um golpe poderoso.

Arkan deu um golpe, protegendo sua perna ferida, e Alessandro deu


uma cotovelada no rosto do homem mais velho.

O golpe jogou a cabeça de Arkan para trás. Alessandro atacou,


tentando derrubá-lo, mas Arkan torceu no último momento e cortou o
rosto de Alessandro.

Uma fina linha vermelha dividiu a pele abaixo do olho esquerdo de


Alessandro. Ele sorriu como se Arkan tivesse lhe dado um presente.

A determinação nos olhos de Arkan quebrou. Naquele momento, ele


deve ter percebido que não era bom o suficiente. Ele não ia ganhar essa
luta.

A mente de Arkan se iluminou. A magia estalou ao redor dele. Eu não


vi, mas na visão da minha mente era uma onda negra, escura e vazia. A
magia paralisante bateu contra Alessandro e me rasgou.

Ruby Fever
Livro 6
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Era como se alguém tivesse me arrancado da realidade. Eu não


consegui me mexer. Não conseguia respirar, não conseguia falar, não
conseguia fazer nada além de ver a boca de Arkan se contorcer em um
sorriso sombrio em câmera lenta. Na minha frente, Alessandro estava
parado, com o braço levantado, a mão fechada em punho.

Arkan sorriu ainda mais.

Glifos negros se acenderam na pele de Alessandro, girando sobre seus


braços e pescoço, e explodiram em uma luz brilhante.

A magia que me paralisava se desfez.

Era um círculo arcano de uso único desenhado diretamente na pele.


A magia de Arkan agarrava todos os objetos e seres em sua vizinhança
imediata e os paralisava exatamente como os encontrava. Era
excepcionalmente poderosa, mas também muito frágil. O círculo que
desenhei na pele de Alessandro foi projetado para pegar essa explosão
inicial de magia e usá-la como combustível para inverter o efeito
paralisante, anulando-a. Esse movimento quebrou o domínio de Arkan.
Sua magia desmoronou.

Por um delicioso segundo, os olhos de Arkan se arregalaram. O medo


bateu no rosto dele.

Alessandro puxou a minha lâmina de campo nulo de sua bainha,


ativando-a, e esfaqueou Arkan no estômago.

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O assassino cambaleou para trás. Sua boca estava aberta, em


descrença ou dor, eu não tinha certeza.

Smirnov saiu da multidão. O olhar de Arkan se fixou nele. Smirnov


se contorceu e tornou-se Konstantin novamente.

— O Império envia seus cumprimentos, —disse o príncipe.

Alessandro liberou a lâmina e balançou. A metade superior de Arkan


deslizou para o lado e caiu na grama.

Acabou.

Finalmente, finalmente acabou. Havíamos colocado uma armadilha


e funcionou. Podíamos respirar aliviados agora. Podíamos relaxar.

Alessandro se afastou do cadáver de Arkan e me viu. Ele cruzou o


espaço entre nós e me abraçou. Ele estava vivo. Ele havia sobrevivido. Meus
joelhos tremeram de repente. Se Alessandro não estivesse me prendendo
a ele, eu teria caído.

Konstantin virou-se para os lutadores restantes. — Alguém mais quer


desafiar o Império?

O pessoal de Arkan se espalhou.

Arabella correu para fora do buraco que costumava ser nosso portão
da frente carregando uma enorme ferramenta parecida com uma pinça. —
Onde está Linus? Eu trouxe um cortador hidráulico.

Ruby Fever
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Ela deixou as avós sozinhas.

— Por que você não está protegendo o lado sul? —Eu gritei.

— Protegê-lo de quê? Sargento Heart está lá. Não há nada para eu


proteger. —Ela viu o mecanismo de Linus ainda incandescente. — Espere,
vovô, estou chegando.

Alessandro estava me encarando. Seu rosto estava sangrando, a


manga esquerda de sua camisa e o braço embaixo dela estavam rasgados,
e havia um olhar estranho em seus olhos. Ele parecia um pouco
perturbado.

— Você está bem? —Eu perguntei baixinho.

— Nunca estive melhor.

O som da buzina de um carro me fez virar. Um SUV preto estava


subindo a entrada da nossa encosta.

Não se parecia com os SUVs do FBI.

Konstantin franziu a testa.

O SUV parou. Tinha placas diplomáticas.

Três homens saíram. O mais alto dos três parecia familiar. Atlético,
bonito, cabelo escuro, olhos cinzentos penetrantes. O quê? ... Mihail.
Irmão de Konstantin.

Ruby Fever
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Arabella puxou Linus para fora do mecanismo.

Os olhos de Alessandro ficaram escuros. — Nós tínhamos um acordo.

— Eu vou lidar com isso, —disse Konstantin e foi em direção aos


homens.

Seguiu-se uma discussão silenciosa em russo.

Linus se esparramou na grama. Arabella jogou o cortador hidráulico


em seu ombro e veio ficar ao meu lado.

Mihail se desviou de seu irmão. Konstantin bloqueou seu caminho.


Mihail o empurrou para o lado. Konstantin tropeçou como se tivesse sido
atropelado por um carro.

Mihail marchou em nossa direção, seu olhar fixo em Alessandro. —


Venha comigo.

— Eu firmei o acordo com o meu selo, —Konstantin rosnou.

— Sim, e nosso tio mudou de ideia. O selo dele é mais pesado que o
seu, irmão.

— O que você quer dizer com vir com você? —Perguntou Alessandro.

— Minhas ordens são muito claras. Devo voltar com Orlov e, se você
o matou, devo trazê-lo no lugar dele. Venha tranquilamente. Será mais
fácil assim.

Ruby Fever
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562

Arabella se colocou diante de Mihail. — Não gostei desse acordo. Que


tal você levar este cadáver ligeiramente danificado em vez disso. Se
insistir, posso oferecer um Conde Italiano com morte cerebral.

— Ofereceu o Conde cedo demais, poderia ter negociado melhor, —


eu disse a ela no piloto automático. Eles estavam loucos se pensavam que
poderiam simplesmente chegar aqui e levar Alessandro.

Mihail deu um passo para a direita.

Arabella deu um passo para direita.

Mihail olhou para ela. Arabella era trinta centímetros mais baixa que
ele.

— Mova-se, —Mihail ordenou.

— Mova-me, —Arabella respondeu.

Mihail estendeu a mão e tentou empurrá-la gentilmente para o lado.


Só que Arabella não se moveu.

— Não sei quem você é, mas eu tive um dia ruim, —disse ele. — Não
aconselho ficar no meu caminho.

— Oh, você teve um dia ruim? —Ela apontou atrás dela para o
Complexo. — Eu moro aqui. Olha minha casa. Agora olhe para mim.
Vire-se, entre no seu carro e dirija de volta para o lugar de onde você veio,
e talvez eu deixe você ir embora.

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Mihail olhou para Konstantin.

Seu irmão deu de ombros. — Essas são suas ordens, não minhas. Eu
fiz o meu trabalho.

Os músculos da mandíbula de Mihail incharam. Ele levantou a mão,


a colocou deliberadamente no ombro de Arabella e a empurrou para fora
do caminho. Arabella deu meio passo, se segurou e o empurrou, jogando-
o dois passos para trás.

Mihail inalou como um touro furioso. Ele se lançou para ela. De


alguma forma, ela se esquivou e bateu o ombro nele. O príncipe voou para
trás, aterrissou com força e rolou para ficar de pé. Algo quente e feroz
brilhou nos olhos dele.

— Não, Misha, não, —Konstantin avisou, colocando cada gota de


autoridade de irmão mais velho que ele podia reunir em sua voz. — Aqui
não.

O rosto de Mihail tremeu.

— Ela é uma civil. Misha!

O corpo de Mihail rasgou. Um enorme monstro surgiu, peludo,


lembrava um urso, só que com chifres maciços coroando sua cabeça. Ele
continuou crescendo, expandindo, enorme e enfurecido.

‘Minha Casa tem uma longa afinidade com os ursos. Você pode dizer que
somos praticamente uma família’.

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Oh não.

Konstantin xingou.

Arabella sorriu.

A colossal fera-urso abriu sua boca e rugiu.

O corpo de Arabella entrou em erupção, e a Besta de Colônia surgiu


e rugiu de volta.

Konstantin ficou boquiaberto, claramente chocado.

As duas feras eram quase do mesmo tamanho. Arabella era um pouco


mais alta, mas Mihail era mais robusto e pesado.

Virei-me para Konstantin.

Ele levantou as mãos. — Meu irmão. O Urso de Kamchatka .

Olhei para Alessandro. — Você sabia?

Imagem meramente ilustrativa da Besta de Colônia

Imagem meramente ilustrativa do Urso de Kamchatka


A península de Kamtchatka, Camecháteca, Canchatca ou Camchaca é uma enorme península com cerca de 1 250 km de extensão, localizada na
região oriental da Rússia, e cujo ponto mais elevado é o Klyuchevskaya Sopka. Fica a leste do mar de Okhotsk e golfo de Shelikhov na província
chamada Krai de Kamtchatka.

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Ele assentiu. — Achei que ele não apareceria por aqui.

O monstro Arabella começou a correr e bateu no urso russo. O chão


tremeu. Eles rolaram colina abaixo, rasgando, mordendo, arranhando.

Linus se levantou e caminhou até nós. Seu cabelo estava fumegando


um pouco e sua pele estava muito corada.

— Bem, —disse ele. — Isso é algo que você não vê todos os dias.

— Eu sei que iríamos esperar mais um pouco, —disse Alessandro,


observando minha irmã tentar pisar no urso. — Não quero esperar. Vamos
nos casar.

— Agora? Tem sido um longo dia.

— Hoje não. Mas logo. Você quer se casar comigo?

— Eu já disse que sim.

— Posso levá-la até o altar? —Linus perguntou.

— Ainda não decidi. Ainda estou brava com você e Benjiro Heart é
muito legal comigo.

Alessandro riu. Eu envolvi meu braço em volta de sua cintura, e ele


colocou seu braço não ferido em volta de mim.

Tudo ia ficar bem.

Ruby Fever
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Deitei na grama e olhei para o céu. Estava muito azul. A grama coçava
minhas costas e eu estava nua, mas não tinha energia suficiente para me
levantar, então fiquei deitada tentando recuperar o fôlego.

O príncipe russo ofegava ao meu lado, também nu.

Nós lutamos por quase uma hora. Talvez mais. Não sabia quanto
tempo, mas Catalina e Alessandro se cansaram de esperar e entraram.
Tinha certeza de que os outros russos também tinham entrado.

Devíamos ter parado antes de nós dois ficarmos sem magia. Nunca
tinha lutado tanto por tanto tempo antes. Aparentemente, quando a raiva
passou, voltei à minha forma humana. Bom saber disso para o futuro.

Estava começando a ficar muito quente. Se eu não conseguisse me


mexer, eu teria queimaduras de sol nos meus seios.

A maioria de mim era bronzeada, mas minha cor natural de pele


estava em algum lugar entre mussarela e floco de neve.

Gemi e me obriguei a me sentar.

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O príncipe estava olhando para mim. Poderia recatadamente colocar


a mão sobre meus seios para me cobrir ou olhar para o lado. Resolvi olhar
para o lado.

Certo, então a Rússia alimenta bem seus príncipes. Tipo, muuuito bem.

— Você não ganhou, —eu disse a ele.

O príncipe apenas continuou me olhando como se eu tivesse crescido


uma segunda cabeça. Considerando tudo, uma segunda cabeça teria sido
menos chocante. Ele deve ter pensado que era o único gigante do mundo.
Há!

— Você está deitado ao lado de um formigueiro de fogo , —eu disse a


ele. — Vire para a esquerda quando se levantar.

Fiquei de pé, um pouco instável, mas ereta, limpei a sujeira da minha


bunda nua e fui em direção ao muro. Conhecendo minha irmã, ela teria
deixado um roupão ou um cobertor para mim.

Nosso Complexo estava fumegando e havia grandes rachaduras nas


paredes, que seria caro para consertar.

Mais tarde, as conhecidas autoridades apareceriam e exigiriam


explicações, mas nada disso era problema meu. Eu tinha feito minha parte.

A formiga-de-fogo é uma formiga do gênero Solenopsis nativa da América do Sul. É atualmente uma das mais
importantes pragas invasoras em alguns lugares do planeta. Foi uma das primeiras formigas a ter o genoma publicado, na revista científica americana
PNAS.

Ruby Fever
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Arkan estava morto, minha irmã e Alessandro iriam se casar, o vovô Linus
era oficialmente parte da família, e ninguém de quem eu gostava morreu
na batalha final.

Agora só tínhamos que consertar os buracos nas nossas paredes. O


dinheiro não crescia em árvores, mas rastejava em algum lugar do nosso
escritório, e eu tinha duzentos e cinquenta mil motivos para encontrá-la.
Edviges e eu tínhamos um encontro.

Prometia ser mais um lindo dia.

Ruby Fever
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DESPEDIDAS FELIZES

A noite de outono estava quente, o calor do dia era uma lembrança


distante. Fios de luzes de fadas brilhavam por todo o pátio principal e,
em sua luz suave, Bern e Runa dançavam ao som de uma música lenta. O
vestido longo e brilhante de Runa flutuava como uma nuvem branca ao
redor de Bernard, vestido de preto. Seu cabelo ruivo caia em seus ombros
em belas ondas. Tudo tinha sido mágico. Acho que os dois nem sabiam
que havia trezentas pessoas os assistindo sentadas em suas mesas na borda
da pista de dança.

O buquê de Runa estava na minha frente em cima da mesa, um grande


ramalhete de celosia laranja escuro. A florista havia sugerido rosas, mas
Runa disse a florista que isso daria a Bernard uma ideia errada sobre o
casamento deles. As rosas eram elegantes e plácidas, e Runa queria que
Bern soubesse que ele deveria esperar fogos de artifício.

Fios de fada

Suas inflorescências possuem a forma de plumas, de espigas ou lembram um arranjo de cristas de galo bastante onduladas
(resultando daí um de seus nomes populares, crista-de-galo), com cores vívidas, podendo ser vermelhas, laranjas, amarelas, brancas, ou de vários
tons entre o rosa e o violeta.

Ruby Fever
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570

Fiz o que pude para que mamãe pegasse o buquê, mas de alguma
forma ele caiu em minhas mãos.

A família os assistia, murmurando entre si em sussurros suaves. Na


extrema esquerda, Connor e Nevada estavam sentados com a mãe de
Connor. A Senhora Rogan se balançava suavemente ao som da música
em sua cadeira de rodas. Connor e Nevada sentaram-se perto. Eu tinha
certeza de que eles estavam de mãos dadas. Arabella estava sentada com
eles, o bebê Arthur dormindo em seu colo. Arabella me informou que eu
tinha zero chances de ser a tia favorita de Arthur. Ela provavelmente
estava certa. Esse lugar já estava claramente ocupado.

Runa havia escolhido um lindo verde sálvia para os vestidos das


damas de honra e, desse ângulo, ambas as minhas irmãs pareciam
notavelmente semelhantes. Arabella era mais baixa, seu cabelo era muito
mais claro, e ela não se parecia com Nevada, mas havia algo semelhante
nas duas.

Do outro lado da pista de dança, Victoria Tremaine e Linus Duncan


estavam sentados em uma mesa juntos. Eu ainda estava brava com os dois,
especialmente com Linus. Runa e Bern os queriam no casamento, então
Nevada e eu resolvemos esse problema fingindo que nossos avós não
existiam. Nós resolveríamos isso eventualmente, mas enquanto isso, fazer
as duas pessoas mais manipuladoras de nossas vidas trabalhar um pouco
pelo perdão era bastante satisfatório.

Ruby Fever
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571

Benjiro e mamãe sentaram na mesa ao lado. Eles estavam bebendo


vinho e de mãos dadas. Benjiro Heart havia anunciado sua intenção de se
aposentar. O sargento Heart tinha ficado chateado porque não conseguiu
se desvencilhar rápido o suficiente da missão em que estava e chegar a
tempo para nos ajudar na batalha contra Arkan. Ele achava que não tinha
sido capaz de cuidar de mamãe e do resto de nós. Então decidiu encontrar
uma solução permanente para o problema de estar sempre ocupado.
Mamãe não disse nada sobre isso, mas eu sabia que ela estava feliz. Era
óbvio. Mamãe merecia toda a felicidade.

Vovó Frida estava sentada à mesa com Leon e uma loira alta que ele
trouxe como acompanhante. Ela era linda, mas depois de cinco minutos
de conversa eu sabia que não iria funcionar. Lon era ... Leon. Ele precisava
de alguém que pudesse acompanhá-lo.

Ragnar também trouxe um acompanhante, um rapaz muito sério, de


cabelos escuros e maneiras impecáveis. Ragnar nos apresentou o rapaz
apenas pelo primeiro nome, mas a maneira como seu encontro se portava
era um sinal obvio. Eu não sabia quem ele era ou a qual Casa pertencia,
mas havia uma Casa lá, e eu saberia até amanhã. Eles dançaram juntos e
foi adorável assisti-los. Agora estavam sentados à mesa com as irmãs de
Alessandro e Halle. Lilian havia alugado uma casa em Houston até
descobrirem o que queriam fazer, e nós as vimos muitas vezes.

Ruby Fever
Livro 6
572

Eu gostei de Bianca instantaneamente. Nos acertamos sem


problemas. A irmã mais nova, que queria ser chamada de Lia, era um
pouco mais reservada. Ela se sentia claramente desconfortável, o que era
compreensível, mas estava lentamente descongelando. A última vez que a
encontrei, ela estava explicando a todos na mesa como a comida italiana
autêntica era muito superior à comida italiana americana.

Olhei para a esquerda, onde Cornelius estava sentado à mesa com sua
filha, irmã, irmão e, surpreendentemente, Augustine Montgomery. Eu
esperava que Cornelius trouxesse uma acompanhante também, mas ele
não trouxe. Eu queria que Cornelius conhecesse alguém, mas não havia
ninguém como Nari. Um zoológico de animais, incluindo o sargento
Teddy, Zeus, uma pequena matilha de cães de guarda, alguns pássaros e
três gatos cochilavam atrás deles.

Tantas pessoas importantes para nós estavam aqui. Tínhamos nos


reunido para um casamento, e eu continuava esperando que algum
horrível ataque caísse sobre nós, que algum desastre acontecesse, mas tudo
estava calmo e aconchegante. Tínhamos acabado com Arkan. Tínhamos
rechaçado o Império Russo e mandado os Príncipes para casa. Tínhamos
vencido e conseguido. Era isso que eu queria para nós.

Uma mão roçou meu ombro. Eu virei. Alessandro se sentou ao meu


lado e me deu um sorriso brilhante.

Ruby Fever
Livro 6
573

— Onde você foi?

— Estava me despedindo da minha mãe. Elas vão visitar meus avós


em York e podem acabar ficado no Reino Unido por um tempo. Ela
quer que as meninas conheçam o país.

— Parece um ótimo plano. Você está triste?

Ele balançou sua cabeça. — Não. Passei muito tempo com elas esses
últimos dias e, além disso, posso vê-las novamente sempre que tiver
vontade. Minha mãe está finalmente fazendo o que ela realmente quer
fazer. Não precisa mais prestar contas a ninguém. É uma despedida feliz.

Eu sorri.

Ele se inclinou e sussurrou no meu ouvido: — Falando em despedidas


felizes ...

— Hum?

Ele estalou os dedos e me mostrou duas passagens de avião.

York é uma cidade muralhada no nordeste de Inglaterra que foi fundada pelos antigos romanos. A enorme
catedral gótica do século XIII, York Minster, tem vitrais medievais e 2 campanários funcionais. As muralhas da cidade formam uma passadeira em
ambos os lados do rio Ouse. O portão Monk Bar alberga uma exposição que narra da vida do rei Ricardo III, do século XV, da dinastia Plantageneta.

O Reino Unido, formado por Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte, é uma nação insular situada
no noroeste da Europa. A Inglaterra, local de nascimento de Shakespeare e dos Beatles, abriga a capital, Londres, um centro financeiro e cultural
globalmente influente. Também na Inglaterra, ficam o neolítico Stonehenge, as termas romanas de Bath e as centenárias universidades de Oxford e
Cambridge.

Ruby Fever
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574

— Barcelona ?

— Só para começar. Quero lhe mostrar o Mediterrâneo . Venha


comigo.

— Agora mesmo?

Ele assentiu. — O avião sai às quatro da manhã. Sem


responsabilidades. Sem parentes. Só você e eu.

Olhei casualmente para a mesa dos avós. Linus estava observando


Bern e Runa.

— Podemos nos livrar daqueles dois? —Eu sussurrei.

— Claro que podemos. Nós somos incríveis.

— Vou precisar fazer as malas.

— Já estão feitas. As malas estão no carro. —Uma pequena luz


brilhante cintilou em seus olhos, divertida e um pouco selvagem. — Você
pode ligar para a família da estrada. Venha comigo. Eu prometo que não
vai se arrepender.

Barcelona é a capital da Catalunha. Está situada no nordeste da Espanha, perto da França e dos Pirineus.
A cidade tem uma população de 1,7 milhão de habitantes, sendo a cidade mais povoada depois de Madrid.

Região do Mediterrâneo (em turco: Akdeniz Bölgesi) é uma das sete regiões (bölge) da Turquia definidas
para efeitos de recolha de dados estatísticos.

Ruby Fever
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Coloquei meus dedos nos dele e deslizamos da mesa para a noite. Nós
nos afastamos o suficiente para não sermos notados e corremos pela
entrada principal até os portões.

Fim da trilogia da Catalina.

Vamos ter esperanças de que os autores se empolguem em


escrever a história de Arabella.

Ruby Fever
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Extra 1

História deletada de Ruby Ferver

Disponível no blog dos Ilona Andrews

‘A Maleta’

— Segurem-se! —Arabella fez a curva rápido demais.


O Mercedes bateu no meio-fio. Normalmente, teria sido preocupante,
mas como nossa avó insistiu em equipar o ‘Bebê’ de Arabella com uma
blindagem VPAM 7 e um motor para combinar, bater no meio-fio com
todo esse peso e potência adicionais só pareceu uma experiência de quase
morte. Felizmente, eu tinha muita prática em andar de carro com minha
irmã.

Nível de proteção da blindagem em carros. Uma blindagem VPAM classe 7 é considerada de segurança relativamente alto em uma escala que
vai até VPAM 14, nível de segurança máximo.

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— Cuidado, —eu disse a ela. Mantive minha voz calma e razoável. A


menos que Arabella começasse a empurrar outros veículos para fora da
estrada, não havia razão para ficar nervosa.

— Foi você quem disse ‘vá rápido’, —Arabella rosnou. — Estou indo
rápido.

— Eu também quero chegar lá inteira.

— Todas nós vamos morrer, —entoou Runa do banco de trás.

— Não seja a rainha do drama. —Arabella abriu caminho por duas


faixas de tráfego e fez uma curva fechada em U.

— Não faz mal, —minha melhor amiga disse a ela, quicando no


banco de trás. — Vivi uma vida boa. Se alguma de vocês sobreviverem,
diga a Bern que o amo.

— Quer parar com isso? —Arabella disparou pela rua lateral que
levava ao estacionamento do novo Centro de Justiça. Nós disparamos em
direção à entrada de vidro. Por um momento, pareceu que Arabella iria se
chocar contra a entrada. Ela girou o volante. O Mercedes fez uma curva
terrível e deslizou até parar.

— Pronto, —Arabella anunciou. — Estão inteiras.

— Espere, —disse Runa. — Minha curta vida ainda está passando


diante dos meus olhos.

— Oh meu Deus ...

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Abri minha porta. — Não esperem por mim. Não sei quanto tempo
vou demorar.

— E isso é novidade? —Arabella revirou os olhos.

— Você nos deve um almoço! —Runa gritou.

Saí do carro, corri até a entrada e consegui passar pela porta giratória
de vidro. Por alguma razão, portas giratórias sempre me perturbaram.

O guarda na mesa perto da porta ergueu as sobrancelhas para


mim. Era domingo. O plano era ir comprar sutiãs com minha irmã e
minha melhor amiga e, em seguida, beber bebidas de frutas e
fofocar. Usava sandálias de tiras e um vestido azul claro com pequenas
flores de girassóis feitas de tecido crepe de malha. Eu tinha vinte e dois
anos e na maioria das vezes precisava me vestir com roupas conservadoras
para ser levada a sério nas melhores circunstâncias. Essa roupa me fazia
parecer ter quinze anos.

— Quem você veio ver? —Perguntou o guarda.

— Superior Duncan. Sou esperada.

A expressão entediada evaporou do rosto do guarda. — Sexto andar,


sala 602A. Os elevadores estão diretamente abaixo e à direita. —Ele
apontou para o saguão.

— Obrigada. —Eu quase corri.

— De nada, Superiora Baylor, —o guarda respondeu.

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Peguei um elevador para o sexto andar. O elevador parou em um


corredor largo e desci correndo para um dos lados, rastreando os números
nas portas. 630, 629, 628 … Lado errado. Eu inverti a direção. 600, 601,
602A.

Bati na porta de carvalho maciça, abri sem esperar e deslizei para


dentro. Oito pares de olhos me encararam. Estávamos em uma sala escura
em frente a um enorme espelho unidirecional. Quatro pessoas
uniformizadas, duas do Exército, duas do Corpo de Fuzileiros da
Marinha. Fiz uma rápida inspeção dos ombros das fardas. Águia de prata,
águia de prata, folha de ouro, barra de prata. Dois Coronéis, um Soldado
do exército, um Fuzileiro naval, um Major do Corpo de Fuzileiros Navais
e um primeiro- tenente do Exército.

Ao lado da chefia militar, a sala continha um homem e uma mulher


em roupas de negócios que pareciam policiais; Agente Wahl, alto, esbelto,
com pele castanha-clara e cabelo preto-azulado; e à direita, Linus Duncan,
meu mentor e meu chefe, vestido com um terno impecável, seu distinto
cabelo grisalho estava penteado em um corte de cabelo moderno, mas
muito resoluto. O Guardião do Texas olhou para mim com seus olhos
castanhos e piscou.

O agente Wahl apontou para mim. Algumas pessoas eram


exatamente como deveriam. Linus parecia um Superior, um Mago de
primeira linha que esteve no ápice do poder por décadas. A Coronel do

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Exército à minha esquerda parecia uma oficial sênior, magra, precisa,


confiante, o tipo de mulher que caminharia para um desastre e
imediatamente assumiria o comando. O agente Wahl parecia um agente
do FBI: corte de cabelo severo, expressão séria, constituição atlética e
aquele olhar sem sentido em seus olhos que sugeria que ele sabia que você
estava tramando algo, e mesmo que você não estivesse, ele não se
importava.

Wahl também tinha o raro privilégio em saber que Linus Duncan era
o Guardião do Texas e eu era sua vice. Nós tínhamos nos cruzado
antes. Wahl não me tratava mais com uma aberta desconfiança, então fui
promovida de ‘condenada ao fracasso’ para ‘ativo útil’.

— Enfim chegou. Fantástico. Por que demorou tanto?

— Tráfego. —Olá para você também.

Linus me ligou há menos de vinte minutos. Tive que atravessar toda


a cidade na Harwin Trade. Teria que ter vindo voando para chegar aqui
mais rápido. Eu tinha asas, mas elas não me faziam voar.

Linus me chamou para perto do espelho unidirecional. Três homens


estavam sentados dentro de uma sala de interrogatório, dois de um lado
da mesa e o terceiro do outro. Uma mala estava sobre a mesa entre eles.

Os dois homens sentados lado a lado tinham trinta e poucos anos, um


loiro e o outro ruivo. Ambos usavam roupas caras disfarçadas de

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casual. Ter que interagir com figurões da elite mágica de Superiores


rapidamente me ensinou a reconhecer camisas de trezentos dólares.

O homem em frente a eles era deslumbrante. Alto, de ombros largos,


com cabelos castanhos ondulados e suaves, tinha a constituição de um
ginasta, o que normalmente suavizava com uma escolha cuidadosa de
roupas. Ele deve ter sido chamado agora também, porque estava vestindo
uma camiseta azul desgastada e um par de jeans desbotado e rasgado.

Seu rosto poderia literalmente parar o trânsito. Eu já tinha visto isso


acontecer. Ele tinha uma mandíbula quadrada, um nariz forte e maçãs do
rosto esculpidas. Os contornos de suas feições eram desprovidos de
suavidade. Seu controle sobre sua expressão era excelente. Ele podia
parecer charmoso e civilizado em um momento e sarcástico e arrogante
no próximo, mas hoje não se incomodou em esconder sua verdadeira
face. Parecia exatamente o que era, um lutador implacável e imparável,
um assassino calculista, que removia os obstáculos sem hesitação. Seus
olhos eram como âmbar, iluminados por uma mente ágil e rápida, e ele
olhava para os dois homens com uma ameaça calma e controlada.

— A mala tem uma fechadura com combinação personalizada, —


Linus me disse. — Está travada. Se a parte externa for violada, a mala
explodirá. Para abri-la, esses dois homens precisam inserir sua
combinação e pressionar os polegares no sensor da fechadura em
uníssono. Preciso que a mala seja aberta.

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— Sim senhor.

Eu me dirigi para a porta.

A coronel do Exército pigarreou.

— Linus, você está enviando uma criança para uma sala com uma
bomba. Se explodir, todos nesta sala ... não, todos neste andar, irão
morrer. Tem certeza absoluta disso?

O Coronel da Marinha assentiu. — Eles estão lá há mais de uma


hora. O rapaz não aguentará segurá-los para sempre. Talvez seja hora de
considerar medidas mais radicais.

Já lidei com fuzileiros navais antes. Medidas radicais eram suas


formas favoritas de resolverem problemas. Se os deixassem tomar as
decisões sozinhos, eles pulariam direto para as medidas radicais.

— Ela não é menor de idade, —disse o agente Wahl. — Tem vinte e


dois anos.

— Como eu disse, uma criança, —disse a Coronel do Exército.

— A Superiora Baylor tem minha total confiança, —disse Linus


naquela voz de Linus que significava o fim de todas as discussões.

A sala ficou em silêncio. A palavra de Linus tinha muito peso.

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O agente Wahl abriu a porta para mim. — Faça-me um favor. Preciso


saber quem eles encontrarão em Miami . Nome, local. Qualquer coisa
que puder arrancar deles.

Olhei para Linus. Ele estava olhando para o vidro unilateral, o que
significava que deixou que eu escolhesse aceitar ou recusar o pedido do
agente Wahl.

— Vou fazer o meu melhor, —prometi.

Os Guardiões preferiam trabalhar nas sombras. Quanto menos o


público em geral soubesse sobre nós, melhor, e havia momentos em que
exigíamos a cooperação silenciosa das autoridades federais. Ter um
agente do FBI me devendo um favor seria muito útil.

Saí para o corredor. A mulher à paisana que saiu da sala me seguiu,


atravessou o corredor até a 602B e segurou seu cartão contra a
fechadura. A porta clicou e ela me conduziu para dentro.

Entrei e quase engasguei.

Magia. Era tanta magia que era um milagre as paredes não estarem
vibrando com a tensão. Os dois homens golpeavam as defesas do outro
homem sentado em frente a eles na mesa. Se o ataque duplo estava

Miami é uma cidade internacional no extremo sudeste da Flórida. Sua influência cubana se reflete nos cafés
e lojas de charutos que ocupam a Calle Ocho, em Little Havana. Nas águas de cor azul-turquesa da Biscayne Bay ficam Miami Beach e South Beach,
um bairro glamouroso conhecido por suas construções coloridas em art déco, areia branca, hotéis para surfistas e casas noturnas famosas.

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incomodando o homem solitário, ele não mostrava nenhum sinal


disso. Suprimir dois Superiores mentais sem suar a camisa? Coisas de um
domingo ocioso.

Os dois Superiores olharam para mim. Acenei para eles e tirei um giz
do bolso. — Eles disseram que você pode precisar de um círculo de
amplificação, senhor.

— Não há necessidade, — O ‘senhor’ disse.

— Merdinha arrogante, —o Superior ruivo cuspiu. Um sotaque


inglês, do Norte, Manchester talvez.

— Ah, isso significa que agora vamos começar? —O assassino do


outro lado da mesa ergueu as sobrancelhas.

O ruivo rosnou.

— A garota é uma distração, —o Superior loiro disse. Sotaque culto


australiano, classe alta. — Sem problemas. Concentre-se no alvo.

Peguei uma cadeira, coloquei em um canto, fora do caminho, e me


sentei.

Correntes invisíveis de magia se chocavam no ar, a corrente constante,


quase fria de poder do australiano e a corrente irregular e nodosa do
britânico colidindo com as defesas do outro homem. A magia do homem
solitário fluía ao redor dele, uma força poderosa e avassaladora.

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Peguei meu telefone, fingi olhar para o aparelho e comecei a


cantarolar. Eles olharam para mim novamente e retomaram o ataque.

Continuei cantarolando. Os primeiros tentáculos de minha magia


saíram de mim como vinhas invisíveis, enrolando-se e torcendo-se
enquanto cresciam.

— Parece que estamos em um impasse. —O tom do australiano foi


quase cordial. — Nenhum dano permanente ocorreu até agora. Você não
é um policial. Nem mesmo é americano. Por que se envolver nessa
situação desagradável? Tudo que precisa fazer é sair por aquela porta, e
nós nos separaremos como amigos.

Sem resposta.

— Foda-se, seu idiota de merda, —o britânico rosnou.

Alguém estava ficando cansado e irritado. Bom.

Meus tentáculos se enrolaram em torno deles. Suavemente, muito


suavemente, os finos fios da minha magia sondaram as defesas dos dois
homens. Todos os escudos deles estavam levantados. Isso exigiria um
pouco mais de magia.

Eu cantarolei mais alto, murmurando as palavras da música .

A 'níon mhín ó, sin anall na fir shúirí

Para quem tiver curiosidade em ouvir a música que Catalina cantou: Dúlamán, música folclórica irlandesa.
https://www.youtube.com/watch?v=TLJmyUkJquU

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A mháithairin mhín ó, cuir na roithléan go dtí mé

Dúlamán na binne buí, dúlamán Gaelach

Dúlamán na farraige, be'fhearr a bhí em Éirinn

— Oh, isso foi muito bom, —disse o britânico.

— Que língua é essa? —Perguntou o australiano. — É escocês?

— Irlandês. —O britânico estava olhando para mim. — Não ligue


para ele. Eu gosto dessa música.

— Duvido. —O australiano revirou os olhos.

— Continue, senhorita ...?

— Baylor.

— Um nome adorável. Por favor continue.

Eu cantei, derramando magia em minha voz.

Tá ceann buí óir ar an dúlamán gaelach

Tá dhá chluais mhaol ar an dúlamán maorach

Bróga breaca dubha ar an dúlamán gaelach

Tá bearéad agus triús ar an dúlamán maorach

— Você está certo, —disse o australiano. — É uma bela canção. Sobre


o que ela fala?

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— Algas marinhas, —eu disse a ele. Também era sobre fome, cortejo
e um possível sequestro.

— Britânicos, —o australiano disse, resignação evidente em sua


voz. — De todas as coisas para cantar em sua pequena ilha rochosa,
escolheram algas marinhas.

— É uma alegoria, —disse o britânico. — E a Irlanda é um país


independente. Se você disser isso a um irlandês, vai acabar catando seus
dentes no chão.

O australiano encolheu os ombros. — Quem se importa? Cale a boca


para que eu possa ouvir o resto.

O homem do outro lado da mesa sorriu. O sorriso apareceu e


desapareceu rapidamente em seus lábios, mas eu vi.

Dúlamán na binne buí, dúlamán Gaelach

Dúlamán na farraige, be'fhearr a bhí em Éirinn

O australiano começou a bater com o pé. No segundo refrão, o


britânico se juntou. Um momento depois o australiano começou a
cantarolar, enunciando Dúlamán com orgulho nos momentos do refrão.

Terminei a música. Meus tentáculos haviam escavado os escudos


mentais dos dois homens.

Libertei minhas asas. Elas se espalharam pelas minhas costas,


translúcidas e gloriosas, verde esmeralda na base, depois se transformando

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em verde do mar até virar um ouro exuberante nas pontas. As pessoas que
nos observavam da outra sala não veriam nada. Este era um show privado
para os dois magos mentais na minha frente.

Os dois Superiores me encararam. O bombardeio implacável da


magia deles morreu.

— Quem vocês irão encontrar em Miami? —Eu perguntei.

— Niels Muckle, —disse o britânico. — Um cara estranho.


Assustador sempre que algo não sai do jeito dele. Ele me dá arrepios.

— Há algo bastante perturbador sobre aquele homem, —disse o


australiano.

— Onde vocês deveriam encontrar esse homem?

— Ele tem um iate. —O australiano franziu a testa. — O Eclipse.


Devemos entrar em contato quando chegarmos lá.

— É ele quem quer a mala?

O britânico riu. — Oh, ele a quer. Mas não a terá. Talvez, se ele tiver
muita sorte, nós o mostraremos o que tem dentro dela.

O australiano se inclinou para frente, seus olhos azuis arregalados. —


Você gostaria de ver?

— Claro. Se estiver tudo bem. Não quero que tenham problemas.

O britânico balançou a cabeça. — Não será problema nenhum.

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O australiano puxou a mala em sua direção com um floreio de


mágico. Os dois Superiores travaram as mentes e formaram a combinação
em um uníssono perfeito. Dois polegares pressionaram os painéis do leitor
nas laterais da mala. A tampa abriu e balançou lentamente.

Uma linda joia do tamanho de uma laranja repousava sobre seda clara
dentro da caixa. Um arco-íris de fogo serpenteava em suas profundezas e,
além dele, bem no fundo do coração da joia, algo se movia. Algo brilhante
e sinuoso, uma criatura em forma de estrela com tentáculos longos. Era
hipnotizante.

— Bonito, não é? —O britânico sorriu como um pai orgulhoso


exibindo seu recém-nascido.

— Você não tem ideia do que passamos para retirá-lo do Reino


Arcano. —O australiano piscou para mim. — Não a toque, no entanto.

— O último cara que a tocou perdeu o braço até o cotovelo. Essa coisa
derreteu o maldito braço fora do corpo dele. Isso é algo que eu nunca
deixaria acontecer com você. —O britânico sorriu para mim, um
sorrisinho tímido. — Você gostou da joia?

— É muito bonita. —Eu sorri de volta.

— Você não pode usar esta, —disse o australiano. — Mas se gosta de


joias, tenho várias que ficariam deslumbrantes em você. Você deveria vir
comigo para Miami. Podemos ficar o tempo que quiser.

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— Não dê ouvidos a ele, —disse o britânico. — Você deveria vir


comigo, ele não é divertido.

A porta se abriu. Pessoas em uniformes da Marinha entraram na sala


com o Major na liderança. Eles se posicionaram atrás dos Superiores. Dois
dos fuzileiros navais levantaram seringas.

— Parece ser uma boa ideia, mas agora, precisam deixar essas pessoas
legais cuidarem de vocês.

— E Miami? —Eles perguntaram ao mesmo tempo.

— Miami terá que esperar, —disse o Major.

As sobrancelhas do australiano se juntaram. Seu poder se agitou como


um leão acordando.

Eu me levantei, me aproximei e peguei as mãos dele. Minhas penas


brilharam. Eles olharam para mim enquanto o sedativo entrava em seus
corpos e se espalhava por eles.

— Então, você virá comigo? —O australiano murmurou.

— Não posso, —eu disse a ele. — Sou comprometida.

O australiano desabou sobre a mesa.

— Com quem? —O britânico exigiu.

Balancei a cabeça na direção de Alessandro ainda sentado do outro


lado da mesa. — Com ele.

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O britânico olhou para Alessandro com ódio indisfarçável, uma


última manifestação antes que o sedativo o subjugasse. Seus lábios
moldaram as palavras enquanto sua voz sumia.

— Seu bastardo sortudo!

Alessandro se levantou, foi até a porta e a segurou aberta para


mim. Escapamos para o corredor.

— Superior Sagredo, —eu murmurei. — Que surpresa encontrá-lo


aqui. O que foi que alguém disse esta manhã? Algo sobre cavalos selvagens
não serem capazes de arrastá-lo para fora da cama?

Alessandro me deu seu sorriso de galã. Sua voz baixa e íntima. — Por
que eu ficaria em uma cama sem você nela?

Oh, uau. Meu coração realmente deu um salto.

Ele se inclinou mais perto. Seus olhos eram calorosos. — Pelo que me
lembro, tentei mantê-la na cama comigo.

Ele chegou por volta das 2h da manhã, tomou um banho porque


estava coberto por algo nojento e decidiu que encontrar roupas íntimas era
muito difícil. Acordei com um Alessandro nu, dourado do bronzeado de
primavera de Houston, esparramado nos lençóis brancos. E quando tentei
sair da cama, ele abriu aqueles olhos âmbar e disse: ‘Fique comigo’ com
sua voz sonhadora. Se eu já não tivesse acordado Arabella e Runa, ainda
estaria naquela cama quando Linus ligou.

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— Você é uma mulher tão cruel, —Alessandro murmurou.

A porta se abriu e Linus emergiu, seguido pelo alto escalão militar.

— Eu até implorei.

Oh meu Deus. Meu rosto estava esquentando. — Pare de me fazer


corar. Estamos em público.

— O público precisa estar ciente do meu sofrimento.

O grupo se dirigiu para nós.

— Não, realmente não precisa.

— Superiora Baylor, O Coronel da Marinha gritou. — Por favor, dê


meus cumprimentos à sua irmã. Diga a ela que o Coronel Rojas disse oi.

— Eu direi.

— Você já pensou em seguir carreira no exército? —Perguntou o


coronel Rojas.

— Pare com essa caça furtiva, Bendik. —Linus nos deu um aceno
rápido. — Caminhem comigo.

Alessandro e eu obedientemente seguimos Linus pelo corredor em


direção aos elevadores.

Quando Linus me convocou, ele também convocou Alessandro


oferecendo-lhe um contrato para ser meu guarda-costas. Na época, achei
que fosse uma formalidade. Na realidade, Linus fez de Alessandro meu

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guarda-costas temporário, uma posição que Alessandro aceitou


permanentemente durante o caso do Abismo. Os guarda-costas eram para
os Guardiões o que os oficiais de justiça eram para os juízes. Enquanto os
Guardiões investigavam, os guarda-costas os guardavam e aplicavam
força quando a força era necessária. Assim como eu, Alessandro estava
sempre de plantão.

Não foi difícil juntar as peças do que aconteceu. Os militares haviam


sentido o cheiro de um objeto com aplicações de combate em potencial
extraídas do Reino Arcano. Eles usaram o FBI para rastrear os
proprietários. Devem ter enviado Magos de Supressão para capturar o
inglês e o australiano sob custódia. Quase qualquer Mago Mental com
defesas fortes poderia funcionar como um Mago de Supressão, um
Telecinético, um Psiônico, qualquer um que pudesse colocar um bom
escudo mental. Os dois homens com a mala teriam percebido e tentado
desmantelar a ameaça antes que o outro Mago atacasse. Claramente,
tiveram sucesso, porque Linus foi chamado, e ele, por sua vez, chamou a
nós dois. Normalmente ele se esforçava para manter Alessandro e eu fora
dos holofotes.

Desmantelar as defesas mentais de Alessandro era um assunto


totalmente diferente. Ele não era um Mago Mental no sentido estrito da
palavra. Alessandro era um Antistasi. Sua magia não só o protegia, o fazia
também imune a ataques mentais.

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— O caso Gundersen complicou no fim de semana, —disse Linus.

Alessandro fez uma careta. Dag Gundersen era uma dor colossal em
seu pescoço. Um Mago de Alteração, ele tinha a habilidade de
sobrecarregar mísseis com energia arcana e usou seu talento para
transformar granizo comum em uma chuva de meteoros arcanos,
danificando vários edifícios municipais. Normalmente, algo de menor
importância como isso seria tratado pela Assembleia do Texas, que lhe
aplicaria uma multa e seguiria em frente, mas em vez de pagar a
restituição, Gundersen passou a fugir das autoridades, lançando
bombardeios aleatórios contra vários alvos. A Assembleia se cansou de
tentar localizá-lo e pediu ajuda a Linus, que enviou Alessandro para cuidar
disso.

— O que ele fez? —Alessandro rosnou.

— Bombardeou um arsenal da Guarda Nacional.

Vandalizar alguns prédios municipais era uma coisa. Um ataque à


Guarda Nacional escalou essa onda de crimes de um homem só para o
nível estadual.

— Eu vou cuidar disso, —disse Alessandro.

— Quanto mais cedo melhor. Vejo vocês dois amanhã à noite no


horário de costume. Ligue-me se houver um problema.

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O elevador apitou. As portas se abriram e Alessandro e eu entramos


nele. As portas se fecharam e o elevador nos carregou para baixo.

Alessandro se aproximou e me beijou. O mundo parou e flutuei por


ele. Não importava quantas vezes ele me beijasse, quando seus lábios
tocavam os meus, tudo parava. Nunca me acostumaria. Inclinei-me para
ele e o beijei de volta, saboreando o gosto.

O elevador abriu. Alessandro me abraçou e entramos no saguão.

— Precisamos ir atrás de Gundersen? —Eu perguntei.

— Não. Ele está enfurnado em uma casa pequena em Morgan's


Point. Vou visitá-lo de manhã cedo. —Seus olhos brilharam. — Vamos
almoçar em vez disso. Cobraremos de Linus o dia de trabalho, ninguém
precisará saber onde estaremos e o que faremos hoje.

Desliguei meu telefone. — Concordo.

A semana passada foi um inferno. A julgar pela agenda lotada, na


próxima semana seria o purgatório e amanhã seria segunda-
feira. Tínhamos o resto de hoje e esta noite, e eu sabia exatamente como
e com quem queria passar.

Minha família teria que se defender sozinha nas próximas horas. Eu


descansei minha mão no braço do meu noivo e saímos para o
estacionamento ensolarado.

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Extra 2

História deletada de Ruby Ferver

Disponível no blog dos Ilona Andrews

Regina

Michael Latimer era um homem muito grande.


Isso era uma descrição injusta. Havia outras coisas que se notavam
sobre ele, coisas que eram mais preocupantes e tinham maior peso. A
maneira como ele se sentava, elegante, equilibrado, relaxado, mas
transmitindo uma prontidão concentrada. A maneira como se portava,
com total confiança. O intelecto afiado brilhando em seus olhos escuros.
Mas sua altura era a primeira coisa que impressionava.

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Ele tinha um metro e noventa de altura. Sua constituição combinava


com sua altura, e o terno argentino perfeitamente cortado em azul
acentuava habilmente seus ombros largos, peito largo e cintura estreita.
Ele usava uma camisa azul marinho por baixo e a combinação de cores
lisonjeava sua pele marrom escura. Seu cabelo preto encaracolado era
cortado curto, e um cavanhaque elegante e bigode definiam sua mandíbula
ridiculamente quadrada. Nossa sala de conferências principal era grande,
e Michael havia ocupado a maior parte dela com sua presença.

Eu estava sozinha, sentada do outro lado da mesa. Só eu e meu tablet.


Quanto menos pessoas estivessem envolvidas, melhor.

Já esperávamos por isso há muito tempo.

— Vou simplificar, Superiora Baylor. —A voz dele era profunda e


medida. Se esse homem gritasse, o mundo provavelmente estaria
acabando. — Sei que você tem a minha prima.

Ele não disse ‘minha prima está aqui’ ou ‘minha prima é sua convidada’,
mas ‘você tem a minha prima’, o que significa que a prima dele estaria sob
minha posse, e ele estava determinado a quebrar meu domínio sobre ela a
todo custo.

— Você me mostrará onde posso encontrar Regina. Falarei com ela.


E então, vamos embora daqui.

Eu não disse nada.

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— O que estamos esperando? —Ele perguntou.

— Caminhar da oficina até o escritório demora um pouco, —eu disse


a ele.

Michael me deu um olhar afiado.

Eu estava começando a pensar que o nome Michael era como o nome


Audrey. Por várias razões, nossa família tinha problemas com mulheres
chamadas Audrey, e agora o nome Michael estava provando ser
igualmente difícil. O Michael do Escritório de Registros convocava a
morte na forma de escuridão viva. Michael Latimer construía Construções
unidas por magia e animadas com sua vontade. Eles eram letais e
indestrutíveis, e em uma escala de Superiores perigosos que ninguém
deveria deixar entrar em seu escritório, Latimer estava no topo da lista.

Um clique-clique de metal contra o chão de pedra soou pela porta


aberta. Cinder entrou na sala, uma felina preta, lisa, do tamanho de um
bull terrier feito de aço e plástico. Ela se sentou perto da porta, enrolou o
rabo em torno de suas patas, e olhou para nós com olhos esmeralda
brilhantes de pura magia.

Regina seguiu atrás de sua gata. Seu cabelo estava solto hoje, e
flutuava ao redor de sua cabeça em uma auréola encaracolada. Seu tom
de pele combinava com o de Michael, o mesmo marrom rico com um tom

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dourado. Ela usava um vestido de verão azul envolvente com pequenas


flores e sandálias de tiras.

Coincidentemente, eles escolheram exatamente o mesmo tom de azul.

Regina abriu os braços, as pulseiras de vidro em seu pulso brilhando.


Michael se levantou e ela o abraçou.

— Você parece bem, Superior Latimer, —ela disse a ele.

— Você está bem? —Ele perguntou. — Está presa aqui?

Ela apontou para a cadeira dele. — Sente-se. Vamos conversar.

Ele se sentou. Ela acenou com os dedos. Cinder fechou a porta com a
pata e se enrolou na frente dela. Regina pegou uma cadeira.

Michael olhou para mim. — Você pode ir agora.

Huh!

— Ela fica, —disse Regina.

— Por que?

— Porque é o escritório dela, Michael. E eu quero que ela saiba toda


a história. Minha esposa e eu não contamos muito de nossa história a ela,
exceto que minha família se tornaria um problema, e ela disse que
lidaríamos com isso quando a hora chegasse. A hora de lidarmos chegou.

Michael levantou as mãos. — Certo. Como queira.

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Eles se sentaram.

— Três anos, Regina. Nenhuma palavra. Sem e-mail, sem mensagens.


Nem um único telefonema. Sua mãe não fala comigo. Seu pai chora toda
vez que seu nome é mencionado. —Ele se inclinou para frente. — Por
que? O que aconteceu? Como podemos concertar?

Regina se virou para mim. — Esta será uma longa história. Nossos
pais eram irmãos. Meu pai, Ray Latimer, é o mais velho, e o pai de
Michael, Reggie, era dois anos mais novo. Pareciam exatamente iguais.
Quando eles eram pequenos, as pessoas perguntavam à minha avó se eram
gêmeos.

Michael recostou-se na cadeira. Ele claramente não estava gostando


da ideia de discutir problemas da família na minha frente, mas deve ter
decidido que manter Regina falando era mais importante.

— Meu pai, vou chamá-lo de Ray de agora em diante, Ray cresceu


pensando que seria o chefe da nossa família. Não tínhamos Superiores na
linhagem, mas cada geração era um pouco mais forte que a anterior, então
nosso vetor de magia estava apontando para cima. Meu avô se certificou
de que Ray e Reggie entendessem que o nome Latimer tinha que significar
algo em Dallas e que um dia nossa família se tornaria uma Casa.

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Isso não era incomum. Muitas pessoas se orgulhavam de seu nome de


família, e a maioria das linhagens que produziam consistentemente
Significativos esperavam se tornar uma Casa.

— Ray era saudável. O pai de Michael tinha asma. Tio Reggie era
grande e forte, mas não podia correr e brincar como as outras crianças.
Ray cuidou de Reggie. Ele não deixava ninguém intimidá-lo porque
ninguém intimidava um irmão de Ray Latimer.

— Não era exatamente assim, —disse Michael.

— Era exatamente assim, —disse ela. — Os papéis dos irmãos


Latimer estavam definidos. Ray administraria a família e receberia a
maior parte da glória, e Reggie seria seu ajudante auxiliar. Exceto que
Serenity Hamilton apareceu. Ela era uma Superiora de uma pequena, mas
talentosa Casa de Animadores e os pais dela queriam encontrar um
marido que se juntasse à família. Ray se ofereceu, mas foi Reggie quem
ficou com a garota.

— Ray não gostou? —Imaginei.

Regina sorriu. — Ray ficou lívido. Na cabeça dele, Reggie havia


roubado o que deveria ser dele. Seu irmão mais novo e mais frágil, o fardo
que ele carregava tão nobremente, o havia passado para trás. Os pais de
Serenity não queriam que ela se cassasse com Reggie, preferiam o
casamento com Ray, mas Serenity amava tanto Reggie que foi contra a

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vontade de seus pais e se casou com ele. Ela adotou o sobrenome de


Reggie e se tornou uma Latimer. Nada alinhado com os planos dos
Hamiltons. Ninguém estava feliz, exceto Reggie e Serenity. Eles se
mudaram para Houston e então tiveram Michael.

Michael revirou os olhos.

— Michael era o bebê mais fofo de todos os tempos.

— Eu sou mais velho que você, —o ex-bebê mais fofo explodiu. — Você
não se lembra.

— Eu vi fotos. O bebê fez os Hamilton repensarem as coisas, e então


os poderes de Michael se manifestaram. Ele é brilhante. Um talento acima
do normal. Você sabia que ele animou sua primeira construção funcional
quando tinha dois anos?

Olhei para Michael. — Isso é bom?

— A maioria de nós começa a construir quando crianças, —disse ele.


— Tentamos animar pedaços e peças. É uma compulsão. Temos que fazer
isso, mas a maioria dos Animadores não reúne todo o processo em uma
construção funcional até os cinco ou seis anos. Eu comecei cedo.

— Ele é muito modesto. —Regina estendeu a mão e deu um tapinha


no braço de Michael. — Os Hamilton ficaram tão impressionados que
dissolveram sua Casa e se reformularam sob o sobrenome Latimer para
que Michael pudesse ter a proteção necessária para crescer. Isso quase

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acabou com Ray. Serenity deveria ter sido sua linda esposa, Michael
deveria ter sido seu filho talentoso, e essa deveria ter sido sua Casa. Ele
não podia lidar com isso. O homem ficou cheio de ódio e amargura. Ele
era como um carro a gasolina.

— Ele superou isso, —disse Michael.

Regina balançou a cabeça. — Nem um pouco. Ray ficou obcecado


em formar sua própria Casa como a de Reggie. Ele não era um Superior,
então fazer crianças poderosas tinha que ser o caminho. Ray só tinha que
provar que seu fazedor de bebês era ainda melhor que o de seu irmão.

Fazedor de bebês …

Michael fez uma careta. — Gostaria que você não tivesse dito isso.

Ela piscou para mim e continuou. — Ray casou-se com minha mãe,
outra Significativa de nível superior, e eles tiveram três filhos, e então Ray
pulou a cerca e resolveu ter mais dois filhos fora do casamento. Nenhum
de seus filhos deu certo. Oh, somos todos fortes, inteligentes e talentosos,
mas isso não importa. Ele continuou tentando um filho Superior e nós
falhamos com ele.

— Do que tudo isso se trata? —Perguntou Michael.

— Estou chegando lá. Meu pai não queria nenhum relacionamento


com seu irmão ou seus sobrinhos, mas então Reggie morreu. Serenity foi
atacada e Reggie se sacrificou para protegê-la e às crianças. Michael tinha

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treze anos. Uma daquelas histórias divertidas que toda Casa guarda em
suas gavetas.

— Sinto muito, —eu disse a Michael. Não foi uma surpresa, já que eu
tinha feito a verificação completa dos antecedentes dele quando
consideramos contratar Patricia, mas saber disso não fez com que
ressoasse menos. — Meu pai também morreu.

— Eu sei, —disse Michael.

— De qualquer forma, Ray viu sua chance, —disse Regina. —


Lembro-me como se fosse ontem. Tivemos uma grande reunião de
família. Ray alugou o Dallas Oasis, uma enorme propriedade de dez acres
com gramados bem cuidados e cachoeiras. Lembro-me de toalhas de mesa
brancas e rosas brancas. Todas as crianças estavam correndo em volta das
mesas com nossas roupas de domingo, e aí chegou o nosso primo Mikey,
magrinho, quieto e tão triste. Você era o garoto mais triste que eu já tinha
visto. Parecia um fantasma. E Ray se aproximou e lhe deu um grande
abraço e disse ... O que ele disse?

Michael destravou sua mandíbula.

— Bem-vindo à família.

— Como foi para você? —Eu perguntei.

— Foi maravilhoso. —Ele fez uma pausa. — Ray se parecia com o


meu pai. Era como se meu pai estivesse vivo novamente.

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— Ray se tornou o melhor tio que um sobrinho poderia ter, —a voz


de Regina escorria com amargura. — Ele desempenhou seu papel
direitinho. Contou histórias de infância sobre Reggie e tratou Michael
como o filho que sempre quis e merecia. Seus verdadeiros filhos, nem
tanto. Eles não receberam o mesmo tratamento especial.

A expressão de Michael voltou ao ilegível. — Eu não pedi isso.

— Eu sei, —disse ela. — Nada disso é culpa sua, Mike. Você sabe que
te amo. Todos nós te amamos. Mas você deve saber que desde aquele dia
nossas vidas se transformaram em uma grande farsa. Nos preparávamos
para suas visitas. Quando você chegava, tudo tinha que ser perfeito. E
nenhum de nós nunca se ressentiu disso. Fazíamos de boa vontade.
Especialmente, porque depois de um tempo você não estava mais triste e
alguns de nós achavam que isso estava ajudando.

— Eu ainda me sentia triste, —disse ele. — Aprendi a esconder


melhor.

Regina assentiu. — Foi o que pensei. Eu sabia que você escondia


muito seus sentimentos. Ray decidiu se divorciar de minha mãe e se casar
com Serenity, para que pudesse adotar Michael e finalmente ser o chefe
de uma Casa. Mas Ray se protegeu de um eventual fracasso em seus
planos. Ele não se divorciou primeiro, antes disso ele propôs casamento a

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Serenity, e a tia Serenity recusou e depois ligou para minha mãe. Foi quase
demais para mamãe.

A voz de Regina ficou suave.

— Mamãe foi criada sob a crença de que uma vez casada diante do
Senhor, permaneceria casada até que a morte os separasse. Ela quase se
divorciou, mas Ray a convenceu a ficar. Ele é bom em choramingar
quando precisa.

Ela colocou o mundo de significado naquele ‘convenceu a ficar’. Ray


Latimer realmente era uma bola de lodo.

Uma pitada de suspeita brilhou nos olhos de Michael. O que quer que
ele estivesse pensando, deve ter achado preocupante.

Regina olhou para Michael. — Ray teve que se conformar que o


melhor que ele conseguiria seria dizer às pessoas que ele é seu tio, então
voltou sua atenção para nós, seus filhos. Como nenhum de nós era um
Superior, ele esperava que nos casássemos e começássemos a ter bebês
Superiores.

— Ele parece um obcecado, —eu disse.

— Essa é a palavra perfeita para descrevê-lo, —disse Regina.

Michael suspirou.

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— Nenhum de nós concordou com os planos dele, —disse Regina. —


Alex e Deon tornaram-se militares. Alisha se casou por amor, e nenhum
de seus filhos é Superior. Seu sogro é Senador e Ray não pode mexer com
ela. Além disso, apela ao seu orgulho. Dayanara não quer filhos, então ela
pagou por um falso atestado médico que dizia que ela é infértil. Eu era a
última chance de Ray. Eu sou a mais nova e a mais forte.

Eu tinha uma sensação ruim. A expressão no rosto de Michael me


disse que ele também não gostou de onde isso estava indo.

— Ray tinha grandes planos para mim. Você deveria ter visto o surto
que ele teve quando eu disse a ele que era lésbica. Ele me disse que eu era
uma pecadora e uma abominação e que iria para o inferno. Então
ameaçou me deserdar.

Michael recuou. — O que?

Regina riu.

Eu não sabia o que dizer.

— Ele trouxe um sacerdote maluco para me dar aconselhamento


especial e me ‘acertar com Deus’. Fez minha avó me ligar e chorar no
telefone. Cada dia era uma novidade. Se eu recusasse, ele me proibia de
entrar na oficina. Você sabe o que isso faz com um Mago Animador.

Os músculos ao longo da mandíbula de Michael incharam.

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— Quando Ray se convenceu de que eu não iria me curvar, ele me


disse que não havia problema em manter Patricia como amante enquanto
eu me casasse. Ele tinha uma Casa em mente. Eu disse não. Não faria isso
com Patricia, com o homem com quem eu deveria me casar e, mais
importante, comigo mesma. Eu sou uma pessoa. Não sou uma moeda de
troca ou uma fábrica de bebês. Ele me colocou em prisão domiciliar.

— Ele o quê? —Michael rosnou.

— Eu tinha uma tornozeleira como uma criminosa. Se eu deixasse a


propriedade, seus seguranças viriam me pegar. Ray estava determinado
em não perder a última chance dele.

Michael parecia querer quebrar alguma coisa. — Quanto tempo isso


durou?

— O cárcere? Cerca de oito meses. Você estava na França . Você não


sabia. Ele poderia ter me quebrado se eu não conhecesse Patricia. O amor
dela me deu força. Sem ela eu teria acabado em uma ala psiquiátrica.

Michael foi para seu bolso.

— Não toque nesse telefone, Mike. —Ela balançou a cabeça. — Eu


não terminei. Uma noite, Ray e eu conversamos de coração para coração.

A França, na Europa Ocidental, tem cidades medievais, aldeias alpinas e praias mediterrâneas. Paris, sua capital, é
famosa pelas casas de alta costura, museus de arte clássica, como o Louvre, e monumentos como a Torre Eiffel. O país também é conhecido pelos
vinhos e pela cozinha sofisticada. Antigos desenhos da caverna de Lascaux, o Teatro Romano de Lyon e o amplo Palácio de Versalhes atestam a sua
rica história.

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Ele me disse que me deixaria ir, e que eu poderia ficar com Patricia, e não
precisaria me casar com alguém que não amasse, mas ele queria que eu
tivesse filhos. Queria que eu tivesse filhos e desse os meus filhos para ele
criar. Eu nunca iria vê-los. Ele teria a custódia total. Ele me disse para
pensar sobre isso, porque se eu não aceitasse meus óvulos seriam extraídos
contra a minha vontade.

— Não. —A palavra acabou saindo de mim.

— Oh, sim. Quando ele saiu do quarto, mamãe veio me ver. Ela levou
suas aranhas. Mamãe me mandou pegar o que eu pudesse carregar, e ela
e eu saímos daquela casa. Os seguranças tentaram nos parar, mas nós os
atingimos com força. Tio Deon estava esperando por nós com um carro.
Ele e mamãe me levaram direto para o aeroporto, e quando cheguei lá,
Patricia me encontrou no portão. Na manhã seguinte, desembarcamos na
Polônia , e Ray acordou com um divórcio arquivado pelo melhor
advogado que a família de mamãe poderia contratar. Mamãe estava se
preparando para isso há meses.

Ela se inclinou para trás, seu tom leve. — Veja, o problema não era eu
conseguir fugir de lá. O problema era impedir que Ray nos perseguisse.

A Polônia é um país do Leste Europeu na costa do Mar Báltico, conhecido por sua arquitetura medieval e pela
herança judaica. Na cidade de Cracóvia, o Castelo de Wawel, construído no século XIV, eleva-se sobre a antiga cidade medieval, que abriga o Cloth
Hall, um entreposto comercial renascentista na Rynek Glówny (praça do mercado). Nas proximidades, está localizado o memorial do campo de
concentração de Auschwitz-Birkenau, além da vasta Mina de Sal de Wieliczka, com salões e túneis subterrâneos.

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Mamãe conseguiu congelar os bens dele, mas Ray escondeu muito


dinheiro ao longo dos anos. Onde quer que fôssemos, ele fazia questão de
estragar as coisas para nós. Ele arruinou a reputação da minha esposa.
Fraudes, chantagens, nada esteve fora dos limites. Quando chegamos
aqui, ninguém a contratou. Ela é tão boa no que faz, Michael, e adora isso
do jeito que amamos dar vida às coisas que fazemos. Ele quase tirou isso
dela.

O rosto de Michael estava terrível. Ele estava mantendo o controle


sobre isso, mas estava pensando em assassinato. Eu podia ver em seus
olhos.

— A única razão pela qual Ray não veio atrás de nós com força total
é porque mamãe continuou arrastando o divórcio enquanto podia. Mas
tudo isso está chegando ao fim agora.

O rosto de Regina ficou duro. Ela estava com raiva por tanto tempo,
a raiva havia se cristalizado em uma armadura.

— Se eu tiver filhos, eles não vão conhecer o rosto dele. Ray nunca
colocará suas garras neles. Nunca. Ele não vai estragar nenhum dos meus
bebês com suas besteiras. Eu vou matá-lo primeiro.

— Por que você não veio até mim? —Perguntou Michael. Sua voz era
gentil. — Não confia em mim? Eu poderia ter ajudado você.

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— Claro que confio em você. É claro que teria me ajudado. Mas nada
disso é sobre você.

— O que você quer dizer?

Regina se inclinou para frente. — Se eu pedisse sua ajuda, meu pai se


submeteria. Mas ele faria isso porque você pediu a ele. Não porque eu disse
para ele parar ou porque se convenceu que estava errado. Não porque ele
me ama. Ele faria isso porque ameaçaria o relacionamento de vocês. Não
mudaria nada, Michael. Ele ainda acharia que não fez nada de errado. Iria
encontrar alguma outra maneira de me atormentar, e eu já estou farta das
merdas dele. Sou melhor do que ele.

Ela acenou com a mão abrangendo a sala de conferências. — Vê tudo


isso? Não há salvadores aqui. A Casa Baylor não está me abrigando ou a
Patricia. Eles estavam desesperados para contratá-la e sim, estávamos
desesperadas para que ela fosse contratada, mas isso não é caridade, é um
acordo de trabalho. Os Baylor ficam fora dos meus problemas, e eu fico
fora dos deles. Eles valorizam minha esposa, porque ela é a melhor que
existe e estariam perdidos sem ela.

— Isso é verdade, —eu disse.

— Eu não preciso de um resgate. Mamãe e eu já nos resgatamos.


Preciso ser reconhecida. Sou uma pessoa, Michael. Sou poderosa, e aquele
idiota vai me reconhecer. Ele me respeitará e me temerá. Então não, eu

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não fui até você para pedir ajuda. Não preciso que você me defenda. Estou
me defendendo.

Ela se inclinou para frente e descansou a mão na dele. — Eu sei o que


você faz. Sei tudo sobre os abrigos que mantêm para ajudar mulheres que
sofrem abuso e sei como isso é importante para você. Se eu o procurasse,
você teria esmagado Ray. Olhe para você. Mal consegue manter as mãos
longe do telefone. No fundo, você é um protetor, Mike, e o que eu lhe disse
o deixou muito zangado. Entendo isso, mas preciso que você fique fora do
meu negócio. Devo fazer isso sozinha.

O silêncio caiu.

Nós esperamos.

— Tudo bem, —disse Michael. — Não vou fazer ligações. Não vou
esmagá-lo. Realmente quero, mas eu não vou. Existe alguma maneira de
ajudá-la?

— Bem, não intimidar a patroa da minha esposa seria um bom


começo, —disse Regina. — Você trouxe uma construção Classe X para
dentro das paredes do Complexo Baylor.

Eu olhei para ela.

— O carro dele, —ela disse. — É uma máquina de matar. Está vivo e


se transforma em uma Construção de combate.

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Virei-me para Michael e abri minhas mãos.

— Disseram-me que ela estava sendo mantida contra sua vontade.

— Os Baylor estão envolvidos em algo muito sério, e você foi


enganado, —disse Regina. — Você foi só mais uma coisa que essas
pessoas jogaram nos Baylors. Passei meses e meses em uma oficina
construindo o que eu quisesse. Se eu quisesse ir embora, eles não poderiam
me impedir, mesmo que tentassem, e não tentariam. Eu te amo, primo.
Obrigada por vir me checar, mas estou bem.

— Então é isso? —Ele perguntou.

— Seria muito bom se você ficasse para o jantar, —disse ela. —


Gostaria que você conhecesse Patricia.

Ele fingiu considerar. — O que você cozinhou?

— Comida Italiana. Rocambole com bacon e manjericão, macarrão


integral e salada.

— Bem, eu não serei aquele a recusar bacon, —disse ele.

Ela sorriu para ele. — Vou te mostrar meu exército.

— Você tem um exército? —Eu perguntei.

— Claro que tenho. Tenho trabalhado nele desde antes de nos


mudarmos. Está quase pronto. —O sorriso de Regina se aguçou. — É a
minha guerra, e quando Ray chegar, pretendo lutar.

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Michael se virou para mim.

— Fique à vontade Superior Latimer, —eu disse. — Leve o tempo que


precisar.

— Obrigado, —disse ele.

Regina e ele se levantaram. Cinder se espreguiçou na porta, uma


imitação perfeita de um gato de verdade, e os seguiu.

Ouvi o som dos passos deles e das garras de Cinder se afastando.

O escritório ficou em silêncio.

Bem, isso foi melhor do que o esperado.

... sem previsão para o próximo livro.

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