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em papel couché matte 115g/m2 e a capa em cartão Triplex 240g/m2.


A tlas das
Representações Literárias
de Regiões Brasileiras

Sertões Brasileiros II
volume 3
Presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia

Ministro do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão


Dyogo Henrique de Oliveira (interino)

INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA - IBGE
Presidente
Paulo Rabello de Castro

Diretor-Executivo
Fernando J. Abrantes

ÓRGÃOS ESPECÍFICOS SINGULARES

Diretoria de Pesquisas
Roberto Luís Olinto Ramos

Diretoria de Geociências
Wadih João Scandar Neto

Diretoria de Informática
José Sant’Anna Bevilaqua

Centro de Documentação e Disseminação de Informações


David Wu Tai

Escola Nacional de Ciências Estatísticas


Maysa Sacramento de Magalhães

UNIDADE RESPONSÁVEL

Diretoria de Geociências
Coordenação de Geografia
Claudio Stenner
Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE


Diretoria de Geociências
Coordenação de Geografia

A tlas
Representações Literárias
de Regiões Brasileiras
das

Sertões Brasileiros II
volume 3

Rio de Janeiro
2016
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
Av. Franklin Roosevelt, 166 - Centro - 20021-120 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil

ISBN 85-240-3888-8 (obra completa)

ISBN 978-85-240-4397-0 (meio impresso)

© IBGE. 2016

As opiniões emitidas nesta publicação são de exclusiva e inteira responsabilidade do autor,


não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do IBGE.

© IBGE. 2016

Volume 1 - 2006
Volume 2 - 2009
Volume 3 - 2016

Produção do e-book
Roberto Cavararo
Capa
Mônica Pimentel Cinelli Ribeiro
Gerência de Editoração/Centro de Documentação e Disseminação de Informações - CDDI

Atlas das representações literárias de regiões brasileiras / IBGE, Coordenação de Geografia. - Rio de
Janeiro : IBGE, 2016-
nv.

Conteúdo: v. 1. Brasil meridional – v. 2. Sertões brasileiros I – v. 3. Sertões brasileiros II -


Inclui bibliografia e glossário.
ISBN 85-240-3888-8 (obra completa)

1. Geografia na literatura. 2. Espaço e tempo na literatura. 3. Geografia humana – Brasil.


4. Geografia regional. I. IBGE. Coordenação de Geografia.

Gerência de Biblioteca e Acervos Especiais CDU 91:869.0(81)


RJ/IBGE/2006-04(rev. 2016) GEO

Impresso no Brasil / Printed in Brazil


S umário
Apresentação

Introdução

Sertões do Oeste
Minas de Cuiabá e de Mato Grosso
As Minas de Cuiabá e de Mato Grosso na Geografia
Minas de Cuiabá e de Mato Grosso na Literatura
Região e Romance

Minas dos Goyazes


As Minas dos Goyazes na Geografia
As Minas dos Goyazes na Literatura
Região e Romance

Pantanal
O Pantanal na Geografia
Da Laguna de los Xarayes ao Pantanal
O Pantanal e a fronteira
O Pantanal na Literatura
Região e Romance
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Ervais Mato-Grossenses
Os Ervais Mato-Grossenses na Geografia
Os Ervais Mato-Grossenses na Literatura
Região e Romance

Sertões de Passagem

Sertão da Farinha Podre


O Sertão da Farinha Podre na Geografia
Do Sertão do Gentio Cayapó ao Sertão da Farinha Podre
Do Sertão da Farinha Podre ao Triângulo Mineiro
A “fazenda mineira” e a relação campo-cidade no Sertão da Farinha Podre
A ferrovia e o fortalecimento do eixo sul-norte
O Sertão da Farinha Podre na Literatura
Região e Romance

Sertão dos Garcias


O Sertão dos Garcias na Geografia
Do vácuo mato-grossense ao Sertão dos Garcias
A articulação do Sertão dos Garcias à dinâmica territorial do Império
O Sertão dos Garcias e a Guerra do Paraguai
A criação da Ferrovia Noroeste do Brasil e o Sertão dos Garcias no Século XX
O Sertão dos Garcias na Literatura
Região e Romance

Região da Alta Sorocabana e o Pontal do Paranapanema


A Região da Alta Sorocabana e o Pontal do Paranapanema na Geografia
A Região da Alta Sorocabana
O Pontal do Paranapanema
A Região da Alta Sorocabana e o Pontal do Paranapanema na Literatura
Região e Romance

Jalapão
O Jalapão na Geografia
O Jalapão na Literatura
Região e Romance

Referências

Glossário
A
presentação
Qual a ideia por trás de um casamento da História com
a Geografia, realizado no altar da Literatura? Pois é esta
a proposta do Atlas das representações literárias de regiões
brasileiras, agora no seu terceiro volume, que vai nos levar
ao hoje Centro-Oeste mas, longinquamente, um ermo na-
quele momento em que nem mesmo a bandeira portugue-
sa estava ainda firmemente fincada. Melhor seria, talvez,
chamar este vigente esforço de “retratar o Brasil” do seu
passado, por vezes remoto, como uma antologia historio-
gráfica das regiões, hoje brasileiras.

Essa volta aos nossos variados passados se faz pelos olhos


abertos da literatura, que deixou aí registradas as expe-
riências e pegadas históricas do homem convivendo com
“seu lugar”. A Geografia, de fato, sem o homem que por
ela passou, sem sua história, seria apenas algum mundo
perdido.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Por isso, esse Atlas antológico vem resgatando as histórias Como nos volumes anteriores, o IBGE beneficiou-se de
sobre os territórios do Brasil para que brasileiros de hoje se farta produção recente de diversas instituições nacionais
reconheçam nas trilhas e pistas deixadas por seus antepas- que contribuem para o conhecimento de nosso território.
sados. Somos todos o que um dia fomos. Além das universidades, é importante destacar aqui a
valiosa contribuição do Instituto do Patrimônio Histórico
Esta nova publicação abrange extensa área do Território
e Artístico Nacional - Iphan, do Instituto Histórico e Ge-
Nacional em que dois grandes processos deram a tônica no
ográfico Brasileiro - IHGB e seus afiliados estaduais, das
desbravamento. Um deles refere-se a uma ocupação forte-
secretarias estaduais e municipais de cultura nos diversos
mente marcada pelas disputas entre as Coroas portuguesa
municípios de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
e espanhola para a definição dos limites de seus respectivos
Tocantins, São Paulo e Minas Gerais, da Agência Nacional
territórios coloniais. O outro foi a incorporação inicial às
de Águas - ANA, além de academias municipais de letras.
possessões portuguesas na América predominantemente
Nosso tributo não estaria completo sem a menção aos in-
como áreas de passagem. Assim, este volume foi organiza-
contáveis pesquisadores individuais, guardiães solitários de
do em duas partes – Sertões do Oeste e Sertões de Passa-
acervos valiosos de histórias locais que prestaram imensa
gem. Estão aqui representadas as seguintes regiões: Minas
contribuição a este trabalho coletivo.
de Cuiabá e de Mato Grosso, Minas dos Goyazes, Pantanal,
Ervais Mato-Grossenses, referentes à primeira parte; e Sertão Ao retomar esta importante obra seriada, o IBGE vem
da Farinha Podre (região do atual Triângulo Mineiro), oferecer à sociedade brasileira mais uma contribuição ao
Sertão dos Garcias, Região da Alta Sorocabana e o Pontal do conhecimento de nossa história territorial, contada pelo
Paranapanema e, por fim, o Jalapão, na segunda. duplo olhar, do narrador e do autor.
I ntrodução
Surgiram no Brasil diversas regiões desde o início da
colonização portuguesa e elas manifestaram-se nas formas
de arranjos econômicos, políticos, culturais e também em
produções literárias, por vezes romances. Nos volumes
anteriores do Atlas das representações literárias de regiões bra-
sileiras foram apresentadas duas grandes áreas congregando
algumas dessas várias formações socioespaciais. A primeira
foi marcada pelas numerosas lutas de quase três séculos para
conquistar e consolidar as fronteiras meridionais, possibili-
tando a aproximação da Colônia portuguesa e posteriormen-
te do Império brasileiro aos acessos à Bacia do Prata. Além
disso, sua ocupação recebeu significativo aporte de popu-
lações europeias não ibéricas. Trata-se do Brasil meridional,
título do primeiro volume. A segunda área retratou porções
continentais onde se consolidou uma ocupação permanente
das estruturas da Coroa portuguesa, ainda no período colo-
nial, por força das atividades econômicas nelas estabelecidas.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Essa área foi apresentada no segundo volume, intitulado e espanhóis na América do Sul, pois apesar do Tratado
Sertões brasileiros I. de Tordesilhas demarcar jurisdições cartograficamente, o
efetivo controle ibero-americano dessa área estava substan-
Dando continuidade à coleção, o presente volume, Sertões cialmente aberto ao menos até meados do Século XVIII.
brasileiros II, apresenta um conjunto de regiões denominadas Posteriormente, no Século XIX, essa dimensão de fronteira
Sertões do Oeste e Sertões de Passagem. Apesar dos riscos política indefinida se manteve, ainda que de modo atenuado
envolvidos em criar critérios que sintetizem essa grande e com outros entes políticos envolvidos, no caso os recém-
pluralidade de regiões, percebe-se de início que quase todas independentes Brasil, Paraguai e Bolívia. Não por acaso o
elas estão situadas mais a ocidente no território brasileiro, maior conflito militar envolvendo o território brasileiro, a
via de regra a oeste do antigo Tratado de Tordesilhas, ou Guerra do Paraguai, teve justamente as fronteiras dos Ser-
seja, nos domínios espanhóis do início do Século XVI. Essa tões do Oeste como cenário.
imensa área ocupa o centro da América do Sul e engloba zo-
nas dos atuais Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso Esses sertões também constituíram fronteira entre a coloni-
do Sul, Minas Gerais, Tocantins e São Paulo. zação e o povoamento branco, por um lado, e as resistências
indígenas por outro, em razão de que muitos grupos de
Os Sertões do Oeste iniciam-se com a descoberta de ouro no nativos se refugiaram no centro do continente pelas pressões
extremo ocidente da área de colonização portuguesa no Sé- colonizadoras vindas do leste – a partir da costa brasileira –
culo XVIII, nas Minas de Cuiabá e de Mato Grosso, tema e pelo sul e oeste – a partir dos domínios da Coroa espanho-
abordado no primeiro capítulo, e nas Minas dos Goya- la no Rio da Prata, Paraguai e Peru. Muitos desses grupos
zes, que figura como segundo capítulo. Nesse contexto, o indígenas resistiram com grande tenacidade aos avanços
Pantanal, tema do terceiro capítulo, configura-se como rota colonizadores e impuseram dificuldades e derrotas aos bran-
fluvial e área estratégica para a expansão da fronteira oeste. cos; entre os nativos com este perfil destacam-se os Caiapós,
Os Ervais Mato-Grossenses, quarto capítulo do Atlas, os Guaykurús e os Payaguás.
consolidam-se como região afetada pela Guerra do Paraguai,
A enorme área ocidental brasileira teve ainda uma terceira
no Século XIX, e incorporada por um novo arranjo econô-
dimensão de fronteira, relacionada à economia, pois em
mico dos Sertões do Oeste, relacionado à expansão das áreas
numerosos contextos da história do Brasil considerou-se
pecuaristas e extrativistas.
essa área como um vazio demográfico e como área ora pouco
A posição muito ocidental e interior em relação aos núcleos explorada economicamente, ora decadente, ora a espera de
iniciais de povoação portuguesa na América – ainda mais uma incorporação mais profunda nos circuitos econômicos
interiorizados em relação aos Sertões das Minas Gerais, da nacionais. Assim, houve em vários dos Sertões do Oeste
Bahia e de Pernambuco –, fizeram com que alguns desses e dos Sertões de Passagem medidas que estimularam sua
sertões assumissem condição de fronteiras. Em primeiro ocupação econômica. De modo geral, a criação de gado
lugar, fronteira entre os domínios coloniais portugueses constituiu uma primeira abertura de fronteira agropastoril
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

e econômica, e foi muito comum a diversos desses sertões, Sertão da Farinha Podre e chegando ao Sertão dos Goyazes
com destaque para o atual Triângulo Mineiro (antigo Sertão –, a estrada que conectou Cuiabá a Vila Boa de Goyaz, na
da Farinha Podre). E em muitos momentos houve a esperan- década de 1730, e os caminhos que ligavam Cuiabá à Vila
ça de que esses sertões se tornassem prósperos, com possi- Bela de Santíssma Trindade, no extremo oeste brasileiro,
bilidades de construção de fortunas. Sobre este assunto, em realizando a conexão entre a Bacia do Paraguai e a Ama-
1941, Nelson Werneck Sodré (1990, p. 11), em seu ensaio zônica. Desse modo, em meados do Século XVIII, havia se
Oeste – cuja delimitação guarda semelhanças com o recorte consolidado uma complexa rede de eixos de deslocamen-
proposto neste Atlas – comenta esse horizonte de prosperi- to pelo território, assim como um acréscimo expressivo
dade: no número de pontos de apoio e núcleos urbanos na área
Desconhecido e complexo, quer na sua geografia, quer na sua dos Sertões do Oeste. A consolidação dessa ampla rede de
história, quer na sua organização social, o Oeste brasileiro transporte ocorreu por conta das incursões dos bandei-
permanece uma incógnita. Houve um momento, na distensão rantes em áreas mais a oeste das Minas Gerais, bem como
territorial da colônia, em que ele surgiu como uma gigantesca
promessa. Seria fonte inesgotável de todas as riquezas e repre-
pelo aproveitamento que eles fizeram dos rios para realizar
sentaria, ao mesmo tempo, a possibilidade de fuga ao fisco do expedições fluviais com vistas à preação de índios, às des-
erário lusitano. A arremetida das bandeiras, entretanto, cessado cobertas minerais ou ao comércio – as chamadas monções.
o motivo que a suportava, descaiu bruscamente, deixando uma
As descobertas de ouro em Cuiabá e Goyaz foram decisivas
conquista extensa onde os centros de população se dispersavam.
para a sedimentação de núcleos importantes nos Sertões do
Para além das dimensões de fronteira relacionadas aos Ser- Oeste, assim como para o desenvolvimento dessas vias de
tões do Oeste, há também uma perspectiva de articulação circulação.
entre as várias porções do território brasileiro possibilitada
Assim, algumas das áreas aqui tratadas apresentaram, em
pela exploração desses rincões. Esse contato foi aberto pela
algum momento de sua ocupação, processos relacionados à
descoberta e integração de diversas rotas fluviais e terres-
exploração mineral, conflitos gerados pelo confronto entre
tres no período colonial, o que contribuiu enormemente
diferentes nações indígenas, ou delas com os colonizadores e
para a diversificação das possibilidades de circulação de
conflitos relacionados às disputas entre as coroas portuguesa
mercadorias e pessoas no território. As Bacias Hidrográfi-
e espanhola pelos limites de suas colônias na América.
cas do Paraná, do Paraguai e do Amazonas passaram a es-
tar integradas e articuladas por vias diferentes que levavam Outras regiões que compõem este volume foram aqui
ao Oceano Atlântico por meio das rotas fluviais Guaporé­­­ identificadas como Sertões de Passagem, porque esta foi
Mamoré-Madeira-Amazonas, Cuiabá-Paraguai-Taquari- uma característica relativamente duradoura de sua exis-
Pardo-Paraná-Tietê e Paraguai-Prata. Por outro lado, ao se tência. É o caso clássico do Sertão da Farinha Podre,
considerar as estradas, caminhos terrestres muito impor- tema do quinto capítulo, que se inseriu no contexto da
tantes foram consolidados no interior destes sertões, como economia colonial ao ser atravessado pelo Caminho do
o Caminho Anhanguera – saindo de São Paulo, cruzando o Anhanguera, para viabilizar os deslocamentos de bandei-
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

rantes entre São Paulo e Goiás. Outro Sertão de Passagem, Algumas das obras litrárias que trazem todos esses sertões
o Sertão dos Garcias, sexto capítulo do Atlas, inseria-se são conhecidas do grande público, com autores de renome
na rota de deslocamento de tropas vindas das Capitanias no cenário da literatura nacional. É o caso de Inocência, de
de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais com Visconde de Taunay; Chegou o governador, de Bernardo Elis;
destino à Guerra do Paraguai. A consolidação de sua ou Chapadão do Bugre, de Mário Palmério. Mas há títulos e
autores pouco divulgados e que surpreendem pela qualidade
ocupação esteve, porém, associada, ao estabelecimento de
da obra. Uma das grandes revelações deste volume é Her-
propriedades voltadas ao pastoreio de gado, num mo-
nani Donato, exímio escritor paulista que abordou tanto a
vimento de expansão da ocupação do Sertão da Farinha
ocupação do Pontal do Paranapanema – em Chão bruto –,
Podre. O sétimo capítulo aborda a ocupação da Região da quanto os conflitos nas áreas de exploração da erva-mate em
Alta Sorocabana e o Pontal do Paranapanema. Esta Selva trágica.
região teve incorporação tardia à dinâmica econômica bra-
sileira, vinculada à expansão da economia cafeeira, ainda Os termos e expressões regionais, bem como aqueles refe-
rentes a características do território compõem o Glossário
que a implantação das ferrovias tenha, eventualmente, se
ao final desta publicação.
antecipado à incorporação das referidas áreas ao plantio.
O Jalapão, que figura o último capítulo da publicação, A construção deste volume foi marcada por muitas e agra-
foi uma área de travessia de bandoleiros e jagunços, nas dáveis surpresas em relação à literatura brasileira, por sua
primeiras décadas do Século XX, em suas rotas de fuga das capacidade de incorporar e dar visibilidade a personagens
forças policiais dos diferentes estados que o rodeiam. marcantes da história territorial nacional. Índios, jagun-
ços, fronteiras, rios, estradas e terras devolutas compõem
A violência foi elemento marcante nos Sertões de Passa- as tramas de romances fortes, reveladores da violência e da
gem com especial destaque para a Região da Alta Soro- paixão que marcaram a construção de inúmeras identidades
cabana e Pontal do Paranapanema. A presença de vastas regionais brasileiras.
extensões de terras públicas pertencentes ao Estado de São
Paulo, associada à rápida valorização provocada pela chega- Agradecimentos especiais
da da ferrovia, criou as condições para a explosão de dispu-
tas em torno de títulos de propriedade (forjados), acesso às A produção deste volume beneficiou-se de muitas e valiosas
terras mais próximas ao leito da ferrovia, além da invasão colaborações. O IBGE sente-se honrado em poder contar
de áreas de preservação. No caso do Jalapão, a localização com essas parcerias e a registra como reconhecimento e
sinceros agradecimentos.
muito interiorizada, a existência de vasta área parcamente
povoada e a distância em relação às áreas urbanas, onde Ao escritor e historiador Israel de Faria Figueiredo, autor de
pudesse haver a presença e ação de autoridades, fizeram da A origem da capitania de Mato Grosso (1748-1765) e O conde
região domínio de grupos armados que prestavam serviços e a freira, que nos recebeu e concedeu entrevista sobre seu
a grandes fazendeiros. trabalho.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

À professora Olga Maria Castrillon Mendes, vice-presidente a compreensão da literatura sul-mato-grossense e para o
do Instituto Histórico e Geográfico de Cáceres (MT). Suas entendimento da fronteira Bolívia-Brasil.
sugestões foram fundamentais para o sucesso do trabalho
À arqueóloga Emília Mariko Kashimoto, chefe de divisão do
de campo. As obras disponibilizadas também foram de
Museu de Arqueologia da Universidade Federal de Mato Grosso
grande ajuda.
do Sul, pela entrevista concedida no local e pelas publicações
Ao professor e pesquisador Fernando Tadeu de Miranda Borges, doadas à equipe.
da Universidade Federal de Mato Grosso e membro da Academia Ao escultor e artista plástico José Alves Branco Correia, dono
Mato-Grossense de Letras, pela gentileza em nos encontrar e do Museu Parque Temático do Pantanal, em Coxim (MS), que
conversar sobre literatura e história de Mato Grosso. recebeu a equipe no local e nos ajudou a entender melhor a
história da região.
À equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional do Mato Grosso, sediado em Cuiabá (MT), pelas A Fernanda Santos, técnica do Memorial Henrique Spengler, em
orientações dadas à pesquisa. Coxim (MS), por ter cordialmente organizado uma visita ao
museu para nossa equipe.
À chefe da Divisão do Patrimônio Histórico do Município de
Cáceres (MT), Reginete Maria Rondon da Silva, pela conversa Às professoras e pesquisadoras Elismar Bertoluci de Araujo
sobre a cidade e indicação de obras e contatos. Anastácio e Paula Vianna que receberam nossa equipe no
Instituto Federal de Mato Grosso do Sul, campus Coxim (MS),
À equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico oferecendo uma importante revisão sobre a literatura estadual.
Nacional do Mato Grosso do Sul, especialmente a arquiteta
Ao Exército Brasileiro, representado pelo major Geraldo Bessa
Norma Daris Ribeiro, que nos recebeu em Campo Grande
de Abreu Filho e todo o pessoal lotado no Forte Coimbra que
(MS) e forneceu material e informações importantes sobre
acolheram nossa equipe e ofereceram apoio logístico na base
pontos de interesse histórico no estado.
de suprimentos em Porto Morrinho (Corumbá, MS). Seus
A Hildebrando Campestrini, presidente do Instituto Histórico esforços viabilizaram nossos deslocamentos, estadia e
e Geográfico de Mato Grosso do Sul e membro da Academia pesquisas no local.
Sul-Mato-Grossense de Letras, e a Arnaldo Rodrigues Menecozi A Odila Maria Silveira Gonçalves, por sua generosa acolhida
que nos receberam na sede do instituto e indicaram autores, e apoio logístico em Porto Morrinho (Corumbá, MS), e ao
obras e percursos fundamentais para a compreensão do barqueiro José Antônio da Silva, que nos transportou até o
processo de ocupação do estado. Forte Coimbra.

Às professoras Maria Adélia Menegazzo e Lucilene Machado Ao Museu da Erva-Mate Santo Antônio, especialmente a
Garcia Arf, da Universidade Federal do Mato Grosso de Domingos de Oliveira, por ter organizado a visita ao acervo em
Sul. As entrevistas contribuíram substancialmente para Ponta Porá (MS).
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Ao professor doutor Paulo Sérgio Nolasco dos Santos, da Palmério e a importância de Uberaba na história do
Universidade Federal da Grande Dourados, que recebeu a Triângulo Mineiro.
equipe em sua casa, forneceu importantes informações sobre
Ao historiador Thiago Riccioppo, do Museu do Zebu em
a literatura do estado e disponibilizou inúmeras de suas
obras para nosso acervo. Uberaba, pela excelente entrevista sobre a história da
pecuária zebuína no Triângulo Mineiro e pelo fornecimento
Ao escritor Brígido Ibañes, autor de Silvino Jacques: o último de material referencial para este Atlas.
dos bandoleiros, que gentilmente nos recebeu em sua casa em
Dourados (MS) e concedeu entrevista. Em Sacramento (MG), agradecemos ao professor Carlos
Alberto Cerchi, pelas valiosas informações acerca do processo
A Walter Spada Betoni, autor do livro Em busca da terra sem mal, de ocupação do Sertão da Farinha Podre, em especial sobre
que nos recebeu na agência do IBGE em Dourados (MS). os Arraiais de Desemboque e do Tabuleiro. Um especial
agradecimento ao Museu Histórico de Sacramento, cujas peças
Ao escritor Marcos Faustino, autor de Águas atávicas, que
em exposição serviram de ilustração para este trabalho.
conversou com a equipe e doou um exemplar de seu livro.
Em Araxá (MG), agradecemos à Fundação Cultural e ao
Em Uberlândia (MG), gostaríamos de agradecer ao
Museu Calmon Barreto por terem recebido nossa equipe e
Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia,
em especial às professoras Beatriz Ribeiro Soares e Marlene disponibilizado documentos de seu acervo fundamentais ao
Teresinha de Muno Colesanti e aos professores Luís Augusto entendimento do processo de ocupação da região, bem como
Bustamante Lourenço e Winston Kleiber de Almeida Bacelar. à trajetória de Ana Jacinta de São José (Dona Beja).
As reuniões e o material cedido foram fundamentais para a
Nosso reconhecimento também ao Museu Memorial de
elaboração deste trabalho.
Araxá e sua equipe de funcionários, por permitir o registro
À historiadora Lídia Maria Meirelles, e ao Museu do Índio fotográfico do acervo e pela entrevista concedida.
de Uberlândia, pela importante contribuição e depoimento
Em Estrela do Sul (MG), agradecemos ao professor Mário
sobre os povos indígenas do Sertão da Farinha Podre.
Lúcio Rosa pela brilhante entrevista e o fornecimento de
À escritora Martha Pannunzio, por nos ter recebido para um imagens de seu acervo pessoal para a ilustração desta obra.
“dedo de prosa” sobre literatura, meio ambiente, os problemas
Em Araguari (MG), agradecemos à Prefeitura Municipal
do campo, dentre outros assuntos que nos inteiraram das
pela cessão de imagens de seu belo edifício (antiga
questões históricas e atuais do Triângulo Mineiro.
Estação Ferroviária) e ao Museu do Ferroviário e sua equipe.
Em Uberaba (MG), nossos agradecimentos ao magnífico Agradecemos também aos funcionários da Biblioteca
reitor Marcelo Palmério, e a toda equipe da Universidade Municipal de Araguari que nos forneceram materiais
de Uberaba, pela entrevista sobre a obra do escritor Mário importantíssimos sobre o município.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Especial agradecimento a Ailton de Paula Rezende e Florêncio de Moura Lima e sobre o Jalapão. Agradecemos também por
Lourenço de Oliveira. Esses dois residentes dos arredores de terem nos guiado pelo centro histórico da cidade e pelos
Desemboque (distrito do Município de Sacramento, MG), livros doados.
por meio de seus modos de vida e por sua cordialidade
À Academia Tocantinense de Letras, onde pudemos pesquisar
tornam presente um sertão nostálgico e acolhedor.
obras de escritores do Tocantins e Goiás, expandindo o
Em Goiânia (GO), fomos recebido pelo professor, pesquisador nosso conhecimento acerca da literatura desses estados.
e poeta Bento Alves Araújo Jayme Fleury Curado, para uma
À equipe do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico
conversa sobre literatura goiana. Fomos brindados com obras
Nacional de Natividade (TO) por nos receber e acompanhar
de sua autoria, além de outros autores, o que expandiu nosso
pelos marcos e pontos históricos da cidade.
conhecimento e acervo sobre a literatura goiana.

Nossos agradecimentos ao escritor e jornalista Luiz de Agradecemos a Simone Camelo Araújo que nos encontrou em
Aquino, membro da Academia Goiana de Letras, que nos Natividade para falar sobre o patrimônio histórico e cultural
recebeu em sua casa para falar sobre os autores goianos e, da cidade.
gentilmente, nos presenteou com suas obras. Em Dianópolis (TO), nossos agradecimentos a Voltaire
Em Corumbá de Goiás (GO), agradecemos ao professor Wolney Aires que nos recebeu e contribuiu para um maior
Ramir Curado pela conversa sobre a história da cidade e entendimento sobre a história da cidade.
sobre a literatura goiana.
Nossos sinceros agradecimentos aos professores do
Agradecemos a Maria Carmelita Fleury Curado, viúva de Departamento de Geografia da Universidade Estadual
Bernardo Élis, por ter nos recebido em sua chácara para uma Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Presidente Prudente:
conversa sobre o autor e suas obras. Maria Encarnação Beltrão Sposito, Eliseu Sposito, Bernardo
Mançano Fernandes, Nécio Turra Neto e Márcio José Catelan,
Na Cidade de Goiás (GO), agradecemos a José Filho Costa, que gentilmente nos receberam para uma esclarecedora
diretor do Museu Conde dos Arcos, e toda a equipe pelo apoio conversa acerca da ocupação da Região da Alta Sorocabana
e atenção durante nossa visita ao museu. e do Pontal do Paranapanema.

À equipe do Museu das Bandeiras, em especial à pesquisadora À direção da Biblioteca Central da Universidade Estadual
Milena Bastos Tavares, pelo apoio dado na busca de documentos Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Presidente Prudente pelas
e referências históricas em Goiás, bem como pela cessão de obras disponibilizadas.
cópias de documentos históricos em meio digital.
À direção do Museu e Arquivo Municipal de Presidente Prudente.
Aos professores e pesquisadores Daiany Ribeiro Teixeira e
Lucas Barbosa e Souza por terem nos recebido em sua casa em A todos, nosso agradecimento pelas contribuições para esta
Porto Nacional (TO), onde pudemos conversar sobre a obra publicação.
Foto 1: Pôr do sol no Rio Paraguai, Cáceres (MT).
Cayo de Oliveira Franco, 2015.
S ertões do Oeste
Minas de Cuiabá e de Mato Grosso

As Minas de Cuiabá e de
Mato Grosso na Geografia

A região das Minas de Cuiabá e de Mato Grosso está situ-


ada entre o que é hoje a capital do Estado de Mato Grosso
e os territórios que confinam com a Bolívia. Os primórdios
da ocupação se deram com o espraiamento das bandei-
ras paulistas em busca de índios e ouro. Essas incursões
foram desencadeadas pela dificuldade de ocupação do sul
do território sul-mato-grossense, dominado pelos índios
Guaykurús, e pela Guerra dos Emboabas1, evento que mo-
tivou a abertura de novas frentes de exploração. A região
das Minas de Cuiabá e de Mato Grosso, portanto, compre-
ende o sertão entre Cuiabá e Vila Bela, encontro de três
biomas – a Floresta Amazônica, o Pantanal e o Cerrado – e
espaço de fronteira entre dois domínios coloniais.
1
Conflito entre os bandeirantes paulistas, descobridores do ouro em Minas Gerais, e
representantes da Coroa portuguesa, que chegaram posteriormente à região, para deter
o direito de exploração dos metais preciosos.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A origem de Cuiabá se deu a partir da descoberta de ouro tras áreas de mineração, e o processo de declínio da ativida-
nas lavras do Coxipó-Mirim e da fundação do Arraial do de foi mais acentuado e rápido (PRADO JÚNIOR, 1979).
Senhor Bom Jesus do Cuiabá em 1719. Como forma de Com a queda na produção dos veios auríferos em Cuiabá,
assegurar o povoamento, o arraial foi elevado, em 1727, à parte de sua população migrou para outras áreas da Colô-
condição de Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá, que nia. A população que permaneceu passou a desbravar áreas
até meados do Século XVIII pertencia à jurisdição da Capi- ainda desconhecidas, descobrindo novas jazidas. As mais
tania de São Paulo. Vale ressaltar que essas áreas estavam a importantes, segundo Volpato (1987), foram as Minas de
oeste do meridiano definido no Tratado de Tordesilhas que Mato Grosso2. Localizadas no vale do Rio Guaporé, atraíram
corresponde à possessão espanhola e não portuguesa. mineradores e aventureiros de diversas partes do território
colonial, mesmo localizadas numa área até então insalubre e
Assim como em outras partes do território colonial a desco- de difícil povoamento.
berta de ouro atraiu contingentes de pessoas interessadas no
2
O nome Mato Grosso, que deu origem à capitania, refere-se ao tipo de vegetação en-
enriquecimento rápido. A produção das jazidas e aluviões, contrado nas cabeceiras e vale do Rio Guaporé. Como se trata de um ambiente com
traços de vegetação amazônica, com árvores mais altas, os primeiros exploradores atri-
bem como o afluxo de população, foi menor do que em ou- buíram o nome a essa informação (CORRÊA FILHO, 1969).

Foto 2: Trecho do Rio Cuiabá, Cuiabá (MT). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

A história das Minas de Cuiabá e de Mato Grosso da Colônia. Os fluxos entre São Paulo e Cuiabá ficaram
assemelha-se bastante à de outras regiões, como as Minas conhecidos como monções3 – roteiro fluvial vindo de São
dos Goyazes, tanto pelo período áureo da mineração Paulo pelo Rio Tietê passando pela Bacia do Paraná e do
quanto pelo isolamento em relação às outras partes do Paraguai, utilizado para abastecimento da capitania e
território colonial. Volpato (1987) destaca que os núcleos
obtenção de ouro pelos paulistas. Esses movimentos eram
urbanos surgidos no período da mineração não apresentam
animados pelos fluxos de mercadorias e pessoas, assim
evidências de um passado afortunado, ou seja, as
como pelos membros da burocracia e tropas militares
construções contemporâneas ao ciclo minerador na região
são bastante simples, bem diferentes das construções de portuguesas que iam assumir os postos aos quais haviam
Minas Gerais do mesmo período. Por outro lado, a autora sido designados (VOLPATO, 1987).
questiona a imagem de isolamento da região que, segundo 3
O estudo, publicado em 1945, de Sérgio Buarque de Holanda sobre as monções esmi-
úça os detalhes das expedições que, durante o século XVIII, transitavam nos rios que
ela, estava conectada com São Paulo e a outras partes conectavam as Capitanias de São Paulo e Mato Grosso (HOLANDA, 2014).

Foto 3: Trecho do Rio Paraguai, Cáceres (MT). Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2016.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Dessa forma, mesmo com a decadência da produção aurífera,


a região das minas mato-grossenses continuou com enor-
me valor estratégico para Portugal. Em 1748, as disputas
fronteiriças entre as Coroas, na região central da América do
Sul, acarretaram o desmembramento da Capitania de São
Paulo, gerando as Capitanias de Goiás e Mato Grosso. Esta
última, com aproximadamente 50 000 léguas quadradas de
extensão, compartilhava limites com as Capitanias de São
Paulo, Goiás e Grão-Pará e uma fronteira de mais de 500
léguas com os territórios espanhóis de Chiquitos e Moxos
(VOLPATO, 1987; JESUS, 2011).

Foto 5: Ruínas da Igreja Matriz, Vila Bela da Santíssima Trindade (MT).


Cayo de Oliveira Franco, 2016.

Em 1752, visando assegurar as posses territoriais, a


metrópole portuguesa funda, no Vale do Guaporé, a Vila
Bela da Santíssima Trindade, onde antes se localizavam
diversos pequenos assentamentos – São Francisco, San-
tana, São Vicente, Nossa Senhora do Pilar, Brumado,
Ouro Fino, Boa Vista, Lavrinhas. A Vila se tornou sede
da capitania e onde se instalou a máquina administrativa
(VOLPATO, 1987). Sua criação compunha um esforço
da Coroa portuguesa na consolidação dos avanços territo-
Foto 4: Marco do Jauru estabelecido no Rio Guaporé pelo Tratado de Madri, hoje riais e o impedimento da edificação de missões jesuíticas
instalado na Praça Barão do Rio Branco, Cáceres (MT). Marco Antonio de Carvalho
Oliveira, 2016. espanholas na margem direita do Rio Guaporé.
Núcleos de extração mineral e estradas nas regiões de Cuiabá e Mato Grosso no Século XVIII MAPA 1

-60° -58°30’ -57°

-13°30’
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Mapa de
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Meridiano central - 54°


-60° -58°30’ -57° SIRGAS 2000

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009.oDisponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/
bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.
br/HidroWeb.asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 4. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.
gov/>. Acesso em: out. 2016. 5. Lucidio, J. A. B. A Vila Bela e a ocupação portuguesa do Guaporé no século XVIII. Cuibá: Secretaria de Estado de Cultura - SEC, 2004. Projeto Fronteira Ocidental: arqueologia e história: Vila Bela
da Santíssima Trindade/MT: relatório final, fase 2. Disponível em: <http://www.fronteirasemovimentos.com.br/leny/textos/livro_ocupacao_pt_guapore.pdf>. Acesso em: out. 2016. 6. Municípios do estado do Mato Grosso. In:
Enciclopédia dos municípios brasileiros. Rio de Janeiro: IBGE, 1958. v. 35. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=227295>. Acesso em: set. 2016.
Notas: 1. As toponímias indicam a denominação vigente no período.
2. Vila Bela da Santíssima Trindade não sofreu alteração em relação ao nome de fundação, por isso não está presente no quadro ao lado da legenda.
3. Os caminhos representados foram adaptados a partir das fontes citadas.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A fundação de Vila Bela, seu estabelecimento e o governo lados prosseguiram na tomada de providências defensivas
da capitania ficaram a cargo de Dom Antônio Rolim de em seus domínios.
Moura, nobre português de formação militar, que levou
quase dois anos de Lisboa até seu destino. Apenas para Contudo, é preciso destacar que a rigidez das fronteiras
percorrer o caminho das monções, Rolim de Moura gastou interessava mais às representações cartográficas que ao
cerca de cinco meses de viagem para finalmente atingir cotidiano da capitania e de sua população. O declínio
Cuiabá e tomar posse em 1751 (CANOVA, 2010). Pouco da atividade mineradora reduziu o poder de compra dos
a pouco a rota fluvial foi preterida pela rota terrestre pro- comerciantes da Capitania de Mato Grosso em relação aos
veniente de Vila Boa, sede da Capitania de Goiás (PRADO comerciantes monçoeiros contribuindo para um quadro
JÚNIOR, 1979). de desabastecimento, que motivou o comércio com os
territórios espanhóis (VOLPATO, 1987; HOLANDA,
A fundação de Vila Bela contrariou os interesses dos mora-
2014). As trocas entre os comerciantes cuiabanos e as
dores de Vila Real do Cuiabá, que reivindicavam ser a sede
missões espanholas, de acordo com Volpato (1987),
do poder mato-grossense, criando uma certa rivalidade
entre as vilas. De acordo com Jesus (2011), esse tipo de ajudavam a abastecer a capitania. Com o passar do tempo as
rivalidade era comum na América portuguesa e envolveu trocas se intensificaram em decorrência de diversos fatores
não apenas, mas também capitanias e cidades, destacando- como: a expulsão dos inacianos dos domínios espanhóis
se os casos de Olinda e Recife, em Pernambuco, Vila Rica (1767) e sua substituição pelos curas na administração das
e Vila do Carmo, em Minas Gerais e os Arraiais de Santa missões, o jogo de interesses dos colonos portugueses e
Ana e Meia Ponte, em Goiás. espanhóis na troca do ouro das minas cuiabanas pela prata

A Coroa, portanto, percebeu a


necessidade de consolidar o Guaporé
como uma das fronteiras da Colônia
e ordenou que a sede do governo
da capitania fosse construída o
mais próximo possível da margem
do rio. Além do estabelecimento
de Vila Bela no extremo oeste, a
Coroa construiu fortes ao longo
da fronteira e negociou a retirada
das missões jesuíticas da margem
esquerda do Guaporé. O Tratado de
Madri e posteriormente o Tratado de
Santo Idelfonso oficializaram os limites entre as colônias Foto 6: Placa da base do Marco do Jauru estabelecido no Rio Guaporé pelo Tratado de
Madri, hoje instalado na praça Barão do Rio Branco, Cáceres (MT).
portuguesa e espanhola no Rio Guaporé, mas ambos os Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2016.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

de Potosí (Bolívia), a política espanhola de restrição às trocas Minas de Cuiabá e de


comerciais entre os territórios coloniais etc. Posteriormente, Mato Grosso na Literatura
Portugal deliberadamente estruturou o comércio ilegal a
fim de obter a prata por meio da exportação de manufaturas Na representação literária, com base nas características
vindas de Belém pela rota Madeira-Guaporé. levantadas, percebe-se a permanência de alguns atributos
às Minas de Cuiabá e de Mato Grosso. O povoamento
O fluxo migratório também foi muito dinâmico na região esparso no tempo e no espaço dificultou o surgimento e a
das fronteiras, envolvendo colonos, negros, índios, soldados consolidação de uma literatura que pudesse representar a
e contrabandistas. A fuga do fisco ou, no caso da população região e a diversidade de temas que o processo de ocupação
negra e dos indígenas, da escravidão, principalmente suscitou. Contudo, mais recentemente, surgiu uma obra
em direção ao territórios portugueses foram questões que busca dar conta das dinâmicas de ocupação da frontei-
que os administradores coloniais tiveram que levar em ra oeste e os desafios do primeiro governador da Capitania
consideração durante suas gestões. Os soldados, por sua vez,
de Mato Grosso.
viam a fronteira como oportunidade em caso de deserção.
Em muitos casos, portugueses e espanhóis trabalhavam O conde e a freira (2014), de Israel de Faria Figueiredo, é
em conjunto na troca de prisioneiros e de informações fruto da pesquisa do autor acerca da origem e formação
consolidando um relacionamento diferenciado entre eles da capitania e seu interesse por Antonio Rolim de
na região (VOLPATO, 1987). O quadro retratado acima, Moura, primeiro conde de Azambuja, 10o Vice-Rei do
de acordo com Volpato (1987), fazia parte do cotidiano Brasil e primeiro governador de Mato Grosso. Apesar do
de fronteira da capitania o que acarretou uma dinâmica e interesse pelo governador, o romance se desenvolve pela
características peculiares a sua sociedade. perspectiva das mulheres, principalmente a personagem
Além das questões de conflito com a Coroa espanhola ex-freira Sacramur
os governantes das Minas de Cuiabá e de Mato Grosso que, obrigada a
tinham que administrar e apaziguar os conflitos com as deixar um convento
populações indígenas e os quilombolas. Segundo Volpato embarca na monção
(1987), foi grande o número de quilombos que se formou que levaria o
em Mato Grosso com destaque para o Quilombo do Piolho governador de São
ou do Quariterê. Esse quilombo foi liderado por cerca de Paulo até o Mato
duas décadas por Teresa de Benguela, que em conjun- Grosso. Além de
to com um “parlamento”, um conselheiro e suas tropas Sacramur também
de defesa garantiu a sobrevivência de negros e índios na são exploradas
região da fronteira. Em 1770, o quilombo foi destruído, outras personagens
os fugitivos foram punidos em praça pública e Teresa do femininas como a
Quariterê, como também era conhecida, cometeu suicídio figura histórica, Foto 7: Urna funerária indígena no Museu
Histórico de Cáceres (MT).
(PINSKY, 2007). Teresa do Quariterê. Cayo de Oliveira Franco, 2016.
MAPA 2 Minas de Cuiabá e de Mato Grosso

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Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/bases_
cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.shtm>. Acesso em:
out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/mapa_LogTransportes_5mi.
pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.asp?TocItem=4100>. Acesso em: out.
2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso em: out. 2016.
Notas: 1. O recorte representa a região das Minas de Cuiabá e Mato Grosso tratada neste capítulo.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período dos romances aqui sugeridos, assim como alguns elementos, e foram mantidos para melhor situar o leitor no palco dos acontecimentos.
3. Estão indicadas as principais rodovias.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

missões dos Mochos e Chiquitos. Essas missões,


fortes redutos administrados pela companhia de
Jesus, eram habitados, em grande parte, pelos
indígenas que os sertanistas luso-brasileiros
arrebanhavam pelos sertões, conforme contratos
estabelecidos entre eles e os jesuítas. A política
governamental em relação aos religiosos
mantinha-se, em princípio, na troca de
correspondência em tons elegantes, como manda
a diplomacia, sem deixar de ser firme e objetiva.
Ora, os jesuítas concordaram em evacuar os
povoados por eles administrados no lado oriental
do rio Guaporé. Isto, em princípio, pareceu um
bom sinal. Quanto a arrebanhar indígenas que
viviam no território do Mato Grosso e levá-
los para as Missões, nada foi mencionado. A
fricção provocada pela disputa dos indígenas
entre a administração portuguesa e os jesuítas,
com a intermediação dos sertanistas, nunca foi
devidamente solucionada.
Israel de Faria Figueiredo
O conde e a freira, 2014, p. 40

Foto 8: Margens do Rio Guaporé, Vila Bela da Santíssima Trindade (MT). No quilombo do Quariterê a fome rondava a população que, mesmo
Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2016. assim, dançava e cantava quase todas as noites. O milho nascia
raquítico e era comido pelos bichos. Pouco sobrava. A salvação era a
grande colheita de mandioca, além dos peixes abundantes pescados
Região e Romance 4 no rio Piolho. Os animais selvagens, por falta de pólvora, eram presos
em armadilhas noturnas. Teresa se inteirou de tudo e começou a
organizar os homens. Sentiu que liberdade sem comando não levava
Havia muito movimento na vila de Araritaguaba quando nosso a nada. Antes cada um cuidava de sua própria vida, e os resultados
quarteto adentrou uma aparente praça que margeava o Tieté. Dali eram insatisfatórios. Então definiu os que iriam cuidar da pesca, da
partiam as monções que abasteciam as minas do Cuiabá. caça e das plantações. Orozimbo Onça, que em princípio encantou-se
com Teresa, mudou de opinião ao constatar sua facilidade em liderar
Uma monção estava sendo preparada. Muitos dias foram necessários os homens. Como nas tribos africanas, no quilombo também se
para aprontá-la. Nela iria o primeiro Governador nomeado da reunia um conselho com o buana para deliberar sobre as questões que
capitania de Mato Grosso, rumo a Cuiabá. Havia militares, alguns afetavam a comunidade. Naquela mesma noite eles sentaram-se em
funcionários do governo, índios remadores, escravos negros, práticos círculo para parlamentar.
que conheciam cada curva dos rios e suas cachoeiras e locais de pouso.
Todos se movimentando para arrumar mercadorias nos batelões e – Nós precisamos nos organizar melhor pra ter mais comida. As
demais canoas. crianças estão com as canelas finas e as barrigas grandes. Isto, pra
mim, é falta de comida. Não temos comida farta para todos no
Israel de Faria Figueiredo quilombo. Agora apareceu esta tal de Teresa para mandar nos homens.
O conde e a freira, 2014, p. 21
Eu não estou gostando nada disto.

– Já acabou Orozimbo? – perguntou um dos conselheiros.


Rolim de Moura, pari passu à urbanização da vila, pôs em prática
a política predeterminada em relação aos jesuítas estabelecidos nas Não acabei não. Onde já se viu mulher mandar nos homens? Eu não
estou gostando nada disto. Se ela não parar com essa mandação, ela vai
4 Manteve-se, neste Atlas, a grafia original conforme publicada nos livros. sumir do quilombo sem deixar rastro. Orozimbo Onça falou!
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

– Já acabou Orozimbo? – Mas o que aquele homem santo fez de errado. Inquiriu Bogun.

– Acabei sim Se algum de vocês quiser falar pode falar, eu já falei. – Ele nada fez de errado. Como você mesmo disse, ele é um
homem santo.... A desavença está longe daqui: coisas entre o rei
– A comida está pouca. A comida está pouca há muito tempo. Mas
de Portugal e a Companhia de Jesus. Pelo que eu fiquei sabendo,
ninguém fez nada pra resolver o problema. Agora que apareceu uma
mulher pra mandar nos homens você não está gostando, Orazimbo? os jesuítas se meteram em política, assuntos de alta política que
Ela, pelo menos, está tentando resolver o problema da fome no entraram em confronto com a vontade do rei. Agora, o que isto tem
quilombo. Isto você não fez, Orozimbo. haver [sic] com o padre Agostinho que só vivia para fazer o bem?
Aqui, nesse fim de mundo? Ninguém soube, e até agora, ninguém
– Epa, eu não quero falta de respeito comigo, sou buana! sabe responder... O padre Agostinho foi enviado para Cuiabá sob
– Era buana, Orozimbo. custódia de quatro soldados, como um prisioneiro que cometeu
algum crime... Isto acabou comigo. Ele não merecia tanta maldade.
– Epa, que conversa é esta de era buana? Quem resolveu que eu não O governador explicou que não podia fazer nada, que ele tinha que
sou mais buana?
cumprir as ordens vindas de Lisboa... Que a Companhia de Jesus foi
– Todos nós. expulsa de Portugal e de todas as colônias portuguesas! Até agora
eu não me conformo com o que aconteceu com o padre Agostinho...
– Não tem nada disto; buana aqui sou eu.
Parece que foi um irmão meu que levaram para prisão sem justa
– Nós resolvemos que a nova buana é Teresa de Benguela. causa. O pior, crianças, é que não sabemos o eu aconteceu com ele.
A ordem era enviá-lo para Portugal, só isto. Se ele chegou até lá,
Israel de Faria Figueiredo
O conde e a freira, 2014, p. 86-87 nós não sabemos. Eu rezo todos os dias para que ele tenha chegado a
Portugal são e salvo...
Israel de Faria Figueiredo
As notícias vinham através da correspondência recebida regularmente, O conde e a freira, 2014, p. 136
mesmo com atraso. A resposta, no entanto, era de pouca valia
quando chegava até Lisboa. Qual a importância da opinião de um
governador de uma capitania tão remota, para o destino do Reino? O As fazendas resultantes de doações de sesmarias, nem sempre eram
Tratado de Madri fora assinado e nele e nele aparecia o nome do rio bem sucedidas na exploração da pecuária. Praticamente tudo que
Guaporé com lindeiro entre as colônias de Portugal e Espanha. Um produziam destinava-se ao consumo interno. Os proprietários não
eram miseráveis, mas também não podiam ser classificados de ricos.
ponto diminuto frente à imensidão territorial da América do Sul.
O cultivo da cana-de-açúcar, como foi feito no Sengor, foi outro
Isto era tudo para os burocratas de Lisboa. Pombal, no entanto, fazia
exemplo de como sobreviver em sesmarias, sem estar envolvido no
planos concernentes à fronteira de Mato Grosso. Dado como perdido contrabando praticado abertamente nas fronteiras.
a colônia de Sacramento, nas margens do rio da Prata, o primeiro
Israel de Faria Figueiredo
– ministro arquitetava fundar vilas ao longo dos rios Guaporé e
O conde e a freira, 2014, p. 144
Madeira, até alcançar o Amazonas, para melhor circulação e sustento
do contrabando consentido.
Israel de Faria Figueiredo A economia de Mato Grosso, sem o suporte das missões como
O conde e a freira, 2014, p. 100 principal entreposto para circulação do contrabando entre as
colônias no período de enfrentamento bélico, não deu sinais de
estar estagnada. A prata proveniente de Potosí seguiu seu curso
– Vocês não souberam? Perguntou Sacramur. normalmente, e mesmo a produção aurífera da capitania não foi
afetada pelo recrutamento de brancos e negros que atuavam neste
– Sinhá Sacramur a gente estava longe, nós ficamos detidos pelos segmento. O volume de ouro proveniente de Goiás, sem estatísticas
padres danados da missão. Chegamos há pouco tempo, respondeu comprobatórias, provavelmente aumentou, segundo consta da
Manuel. correspondência do Governador.
– É verdade, é verdade, vocês não poderiam saber da expulsão do padre Israel de Faria Figueiredo
Agostinho. O conde e a freira, 2014, p. 177
Foto 9: Serra Ricardo Franco, Vila Bela da Santíssima Trindade (MT).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
Foto 10: Antiga Casa de Câmara e Cadeia (atual Museu das Bandeiras) à direita, Goiás (GO).
Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.
Minas dos Goyazes
“O senhor vá ver, em Goiás, como no mundo cabe mundo”
(João Guimarães Rosa, Grande sertão: veredas)

As Minas dos Goyazes na Geografia

A região aqui denominada Minas dos Goyazes


corresponde, grosso modo, a uma área que se estende do
centro-norte do atual Estado de Goiás até a área central
do Estado do Tocantins, pouco além da Cidade de Porto
Nacional. Ela foi ocupada a partir da descoberta de
veios auríferos por bandeirantes paulistas na primeira
metade do Século XVIII. A intensificação da atividade
mineradora fez surgir uma série de arraiais tendo o mais
importante deles sido elevado à condição de vila. Trata-
se de Vila Boa de Goiás (atual município de Goiás),
antigo Arraial de Sant’Ana, situada no alto curso do
Rio Vermelho (Bacia do Araguaia-Tocantins), onde se
encontrava o principal veio de mineração da capitania e
que, por isso, tornou-se a capital.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Assim, o que um dia foi a região das Minas dos Goyazes Quase dois séculos depois, em 1947, o geógrafo Leo
abrange, atualmente, uma área central do território Waibel ao relatar sua viagem de reconhecimento ao sul de
brasileiro. A resistência em construir uma ocupação mais Goiás atenta para as suas dimensões.
efetiva por parte da Coroa portuguesa deveu-se, em grande […] o Estado de Goiás tem seis municípios, cada um deles do
parte, à efemeridade dos veios auríferos, o que tornava tamanho de um pequeno país europeu, então o caso é diferente. O
município de Goiás, ao passo do município de Pôrto Nacional, tem
pouco atraentes os esforços para a superação das dificuldades
uma superfície de 88 000 quilômetros quadrados, por conseguinte do
que o domínio daqueles sertões demandava. Assim, ao tamanho de Portugal. A área total do Estado de Goiás é de 643 000
falarmos desta região estamos tratando de uma extensa área, quilômetros quadrados, ou seja, 92 000 quilômetros quadrados maior
que a França. A forma de Goiás parece a de uma bússola apontando
distante dos centros mais dinâmicos da economia colonial
para o norte astronômico. A sua extensão norte-sul é de cerca de
e, portanto, das estruturas mais estabelecidas de controle 1 600 quilômetros o que corresponde à distância de Calais à cidade de
e comando do território. Em se tratando de um processo Argel, através da França e do Mediterrâneo ocidental. O rio Araguaia,
que limita o Estado de Goiás a oeste, tem 1 700 quilômetros de com-
que visava à posse do território exclusivamente com vistas à
primento, ou seja, duas vezes mais comprido do que o Reno, o maior
exploração mercantil de riquezas naturais, a violência contra rio da Alemanha (WAIBEL, 1947, p. 313).
populações nativas, o trânsito intenso e a precariedade
da ocupação foram elementos constitutivos das feições É importante ressaltar que até o ano de 1744, esse ter-
regionais entre os Séculos XVIII e XIX. ritório pertenceu à Capitania de São Paulo – o segundo
Anhanguera5, por exemplo, ostentou o título de capitão-
Segundo Carrara (2001), em 1753, o Intendente Geral do mor até 1734 – tendo o primeiro governador da Capi-
Ouro, Wenceslau Pereira da Silva, relatava em ofício as tania de Goiás, Dom Marcos de Noronha, Conde dos
dificuldades de cruzar os caminhos de toda esta vasta área e Arcos, se estabelecido apenas em 1749, depois de cinco
os constrangimentos a que eram submetidas as populações anos de sua criação (CHAUL, 1997). Segundo Palacin
dos rincões mais distantes no acesso à casa de fundição e a (1976), as Minas dos Goyazes foram o título dessa vasta
Vila Boa. extensão do território por aproximadamente um século.
As minas de Goyaz estão mui numerosas e cada vez se vão descobrindo Apesar de toda esta extensão só ter sido anexada e ar-
e ampliando mais por aquelles dilatadisimos certões, que confinão com
ticulada quase 200 anos após o povoamento do litoral
os de Piauhy e Maranhão, por onde todos me affirmão, que são certos
e inevitaveis os descaminhos, alguns delles procurados e commettidos (CORRÊA, 2001), os sinais da ocupação portuguesa já
de necessidade pelos moradores dos Arraiaes a Natividade e S. Feliz, haviam sido notados por Bartolomeu Bueno da Silva
a quem causa muito incomodo irem buscar proprosito a casa de
Filho quando, no início do Século XVIII, desbravando os
fundição de Villa Boa, cabeça da comarca, para nelle reduzirem o seu
ouro, ficando-lhe em distancia de 200 legoas, com passagens de rios sertões encontrou vestígios de gado perdido (BERTRAN,
caudalosos e muitos cheios de gentios, negros fugidos e ladrões, de que 2000).
não podem escapar se não associados huns com os outros em ranchos
ou tropas grandes, ficando entretanto ao desamparo e desertas as suas
lavras ou postas em poder de negros a seu arbitrio o que vale o mesmo
(ANNAES DA BIBLIOTHECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO 5
Bartolomeu Bueno da Silva, o filho, herdou o nome e a alcunha do pai, sendo conheci-
1909, 1913, p. 54). do como o segundo Anhanguera.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

A esmagadora maioria das áreas ocupadas no período tiveram destaque: a rota mais antiga – a passagem dos
colonial a partir das atividades mineradoras viveram Guaiases – foi a mesma utilizada por Anhanguera para
processos intensos e rápidos de povoamento. Desde os acessar os sertões vindo de São Paulo; a via mineira –
primórdios da ocupação, ainda no Século XVIII, o afluxo passava por Paracatu e penetrava Goiás pelas gargantas
populacional para as Minas dos Goyazes foi muito grande. abertas no divisor das águas das Bacias do São Francisco e
Cerca de uma década depois de descoberto o ouro já do Tocantins (São Marcos e Arrependidos). Mesmo com o
havia aproximadamente 20 000 habitantes na região. Em percurso prejudicado pelos desafios impostos pelo relevo,
1750, a população da então capitania rondava 40 000 como a Mata da Corda6, foi preferida por questões de
pessoas e no final do Século XVIII a população estava na ordem fiscal e política e, principalmente, por dar acesso
faixa dos 60 000 habitantes (PALACIN, 1976; LEMES, mais direto ao Rio de Janeiro; finalmente, as diversas
2009). Pouco a pouco os núcleos de povoamento mineiros variantes da via baiana, que atravessavam mais ao norte
foram se estabelecendo com destaque para Vila Boa e o mesmo divisor de águas, umas vindas do Piauí pelo
Meia Ponte (atual Pirenópolis). Na zona de influência da Rio Gurgueia e pelo Rio Preto entrando em Goiás pelos
primeira estavam os arraiais da região do Rio Vermelho registros do Duro e de Tabatinga e outra, uma extensão da
(Barra, Ferreiro, Ouro Fino, Anta) e também o caminho estrada de Minas, oriunda da Bahia, que atravessava o Rio
que levava a Pilões, Rio Claro e Cuiabá, enquanto Meia São Francisco em Malhada, onde havia um registro (ver
Ponte era o ponto em que todas as rotas alcançavam Goiás nota de rodapé n. 35), e dirigia-se a Goiás pelas margens
(POHL, 1951; CORRÊA, 2001). do Rio Carinhanha e depois pelo Rio Paranã (PRADO
JÚNIOR, 1979, p. 247; CARRARA, 2001).
A esperança de enriquecimento rápido atraiu aventureiros 6
A Serra da Mata da Corda, de acordo com Leo Waibel (1948, p. 337), “é um platô
da Colônia e da Metrópole que adentraram o interior por com cerca de 1000 a 1100 metros” e segundo Euclides da Cunha, em Os sertões, fica
situada no norte de Minas Gerais, a oeste do Rio São Francisco alongando-se para
Goiás (CUNHA, 2001). Para melhor visualização da região, consultar o mapa: CAL-
rotas que partiam de variadas partes do litoral brasileiro, DAS, A. de S. Mapa da região do Rio São Francisco e a Mata da Corda [séc. XIX].
In: ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO. Documentos cartográficos: acervo cartográfico
incorporando a região ao sistema mercantil português do APM. Belo Horizonte: APM, [2016]. 1 mapa. Disponível em: <http://www.
siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/grandes_formatos_docs/photo.php?lid=218>.
(PRADO JÚNIOR, 1979; CORRÊA, 2001). Três delas Acesso em: out. 2016.

Foto 11: Praça do Coreto e Palácio do Conde dos Arcos, Goiás (GO). Cayo de Oliveira Franco, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Outra possível rota para acessar a região era a


hidrovia do Araguaia-Tocantins que, desde meados
do Século XVIII, era considerada uma alternativa
aos caminhos terrestres, além de uma possibilidade
para reavivar o comércio e combater a prostração
gerada pela decadência da atividade mineradora
(ALENCASTRE, 1979; PRADO JÚNIOR,
1979). Até então, a navegação na região, apesar
de uma opção factível e conveniente7 vinha sendo
prejudicada por proibições da Coroa preocupada
com os descaminhos do ouro. A navegação
só tomou forma no final do século quando o
declínio da atividade mineradora transformou as
especulações e explorações em ações concretas,
como a viagem feita pelo governador de Goiás
Dom João Manoel de Menezes que, em 1799,
decidiu sair de Belém e utilizar a via fluvial para
chegar a Goiás, quando todos os demais haviam
preferido as rotas do sul (DOLES, 1973; PRADO
JÚNIOR, 1979). As proibições podem ter sido
um dos componentes que contribuíram para que a
ocupação fosse mais esparsa e lenta na região norte
do território goiano, principalmente no entorno
Foto 12: Ponte sobre o Rio das Almas e antiga Casa de Câmara e Cadeia (atual Museu
dos rios, mesmo que em alguns trechos das margens do Divino), Pirenópolis (GO). Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.

do Rio Tocantins houvesse alguns povoados (PRADO um processo de ocupação territorial que resultou no do-
JÚNIOR, 1979; OLIVEIRA, 2009). mínio português de toda a região central da América do
Sul – estabeleceu uma rede de cidades estrategicamente
De acordo com Vidal (2009, p. 248), a distância dos
posicionadas para manter a fronteira oeste e promoveu
grandes centros administrativos e comercias e dos ei-
a mudança da capital de Salvador para o Rio de Janeiro
xos de comunicação, só era compensada pelo ouro que
seduzia e fixava os homens. Se por um lado a descoberta (LEMES, 2009) –, por outro, resultou em povoamento
de ouro em Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais acarretou pulverizado e irregular (CAVALCANTE, 1999).

7
O trecho do Araguaia, por exemplo, permitia uma rota direta, por meio do Rio Ver-
melho, à sede da capitania.
MAPA 3 Estradas das Minas de Goyazes

-52° -50° -48° -46°

CH
AP
AD
Belém do Pará A
-10°

DA

-10°
S
MA

È
NG
ABE
Porto Real I RA
Carmo S
Maranhão
Mapa de
localização

È
Chapada Almas
S. José do Duro
Povoados Nome atual Natividade
È
Porto Real Porto Nacional
-12°

Carmo Monte Carmo

-12°
Chapada Chapada da Natividade Conceição do Norte
Natividade Natividade Bahia
S. José do Duro Dianópolis Salvador
Conceição do Norte Conceição do Tocantins
Arraias
M orro do Chapéu M. Alegre de Goiás

Flores Flores de Goiás

S. Félix Extinto Morro do Chapéu


È
S. José do Tocantins Niquelândia

Amaro Leite Mara Rosa


S. Domingos

Papuã Pilar de Goiás Cavalcante


S. Félix
Anta Faina Amaro Leite
-14°

Barra Buenolândia

-14°
Vila Boa Goiás S. José do Tocantins
S. José M ossâmedes Mossâmedes Crixás
M eia-Ponte Pirenópolis Guarinos Flores
Muquém
Bonfim Bonfinópolis

Santa Cruz Santa Cruz de Goiás


Papuã
Corumbá Corumbá de Goiás Santa Rosa
M . Claros Sto. Antônio do Descoberto
Anta
Santa Luzia Luziânia
Couros
Couros Formosa
Jaraguá
o d o B u gre
Meia-Ponte
Vila Boa
Cuiabá Barra M. Claros
Ri

Mato Grosso Corumbá


-16°

È
Legenda
S. José Mossâmedes Santa Luzia

-16°
(
! Arraial Anicuns

Aldeiamento Bonfim
È
#
*
"
) Vila

Rotas e caminhos Rio de Janeiro


Caminho de Goiás (acesso às minas) Paracatu
Santa Cruz
Estrada Real (caminho do ouro)
Estrada do Norte (rota comercial) 60 0 60 km

Hidrografia São Paulo


È

PROJEÇÃO POLICÔNICA
Meridiano Central -54°
SIRGAS 2000
-52° -50° -48° -46°
-18°

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/
bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.
br/HidroWeb.asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 4. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.
gov/>. Acesso em: out. 2016. 5. Vidal, L. Sous le masque du colonial: naissances et “décadence” d’une vila dans le Brésil moderne: Vila Boa de Goiás au XVIIIe siècle. Annales. Histoire, Sciences Sociales, Paris: Éditions d’Ehess, ano
62, n. 3, p. 577-606, mai/juin 2007. p. 587. Disponível em: <www.cairn.info/revue-annales-2007-3-page-577.htm>. Acesso em: set. 2016. 6. Mapa arqueológico: mapeamento da Estrada do Nascente Goiás-Ferreiro. In: Souza, M.
de L.; Daher, O. M. (Coord.). Projeto Estrada do Nascente: relatório final. Goiânia: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Iphan Goiás; Brasília, DF: Programa Monumenta, 2005. v. 1.
Notas: 1. As estradas representadas foram adaptadas a partir das fontes citadas.
2. As toponímias indicam a denominação vigente no período.
3. No quadro estão listadas apenas as localidades que sofreram mudança no nome.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Em Goiás, a população ocupou com relativa densidade nos arredores de Natividade (GARDNER, 1942). Tratava-
três zonas: a centro-sul, fruto da expansão paulista e onde se, na verdade, de antigas lavras de ouro abandonadas.
surgiram os Arraiais de Santa Cruz, Santa Luzia (Luziânia),
A partir de sua fundação e no decorrer do Século XVIII,
Meia Ponte (Pirenópolis), Córrego de Jaraguá e Vila Boa e
Vila Boa foi o centro político e administrativo mantendo
duas que faziam parte da correição do norte sendo uma na
a posição de única vila das minas de Goiás até o início
região do alto Tocantins na qual surgiram os Arraiais de
do Século XIX, articulou, portanto, uma rede de arraiais
Traíras (Tupacirama), Água Quente, São José do Tocantins distribuídos num extenso território (LEMES, 2009). A
(Niquelândia), Santa Rita do Pontal (Pontalina) e Muquém; consolidação do Arraial de Sant’Anna como Vila Boa de
e outra que incorporava os territórios entre o Rio Tocantins Goiás faz parte de um processo maior de consolidação
e os chapadões limítrofes com a Bahia onde surgiram São do domínio português da fronteira oeste que, na escala
Félix, Cavalcante, Natividade e Porto Real (Porto Nacional) regional, foi responsável pela fragmentação da Capitania de
(PALACIN; MORAES, 1994). São Paulo – criando as Capitanias de Minas, Goiás e Mato
Na paisagem o impacto da mineração se deu pela Grosso – e na escala local permitiu o controle e fiscalização
voracidade do processo e a disponibilidade ou não de da atividade mineradora (GOMIDE, 1999; LEMES, 2009).
técnicas. A inexistência de recursos e tecnologia, segundo Nesse sentido, a concepção e formalização de Vila Boa
Corrêa (2001), inviabilizou a multiplicação de projetos refletiu duas lógicas, a administrativa, por meio do corpo
de oficiais metropolitanos, coloniais e municipais; e a
de mineração de talho aberto e de galeria, ficando restrita
territorial, alicerçada no sistema de redes de comunicação
a poucas experiências na capitania. Até meados do Século
que vinculavam a vila ao território sob sua jurisdição e ao
XVIII prevaleceu a mineração de cascalho, ou seja, a
restante da Colônia, seguindo os preceitos da época para
exploração dos veios d’água por meio da lavagem em bateia
efetivar a sustentação e autoridade do Império português
da areia e cascalho a fim de descobrir o chamado ouro de
(LEMES, 2009; VIDAL, 2009, p. 254).
aluvião (CORRÊA, 2001). Consumido ou arruinado o
ouro das margens dos rios, os mineradores progrediram A relação entre a região norte e a região sul da capitania
em direção aos morros consumindo os tabuleiros e as – onde estava Vila Boa – é um dos indicativos do desafio
grupiaras – assim foram explorados os Morros do Pilar e imposto aos gestores coloniais na administração do ter-
de Cavalcante, a Serra do Cabassaco no Arraial da Anta, ritório longitudinal das Minas dos Goyazes. Cavalcante
os Morros do Clemente em Santa Cruz, o Morro de São (2003) narra que na primeira metade do Século XVIII, uma
Gonçalo e a Serra Dourada, os cascalhos ricos das chapadas insurgência ocorreu nas minas do norte devido ao fato de os
carrasquenhas de arraiais, Santa Luzia e Ouro Fino impostos naquela região serem maiores do que nas minas do
(BERTRAN, 1997; CORRÊA, 2001). Os impactos da sul. A justificativa dos governantes era de que o isolamento
atividade mineradora foram narrados por alguns viajantes contribuía para o contrabando e descaminho do ouro, mas
dos Século XIX como August Saint-Hilaire e George para a população local, cuja relação com o sul era esporá-
Gardner. Este último registrou a existência de “trincheiras” dica e basicamente feita por atos administrativos de natu-
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

1740 e 1760 acarretando muitas mortes


e movimentos migratórios (BERTRAN,
1997). Boaventura (2012) atenta para o
fato de que a política colonial em rela-
ção aos indígenas foi contraditória desde
os tempos do primeiro Anhanguera. As
orientações vindas da Metrópole muitas
vezes continham diretrizes dúbias para
os governantes em relação às populações
nativas ora estimulando a pacificação ora o
extermínio.

Em Goiás, a principal iniciativa para o


convívio pacífico com os povos nativos
foi a política de aldeamento que gerou
alguns núcleos de povoamento como São
José do Duro (atual Dianópolis) e São
José de Mossâmedes (atual Mossâmedes).
Ela buscava garantir a estabilidade
Foto 13: Ponte sobre o Rio Vermelho, Goiás (GO).
Cayo de Oliveira Franco, 2015. da região por meio da civilização e
aculturamento dos indígenas, a arregimentação de etnias
para que pudessem combater ou controlar outras mais
reza fiscal ou jurídica, o sentimento era de uma ação fiscal violentas – os Akroá em relação aos Caiapós –, bem
espoliativa (CAVALCANTE, 2003). O declínio da atividade como criar entraves para os descaminhos nas regiões
aurífera e a necessidade de reduzir os gastos administrativos auríferas do sertão (BERTRAN, 1997; BOAVENTURA,
e fomentar novas atividades econômicas motivou, no início 2012). Com o declínio da mineração e as dificuldades em
do Século XIX, fossem criadas duas comarcas, a do Norte apaziguar os diferentes povos das minas, estimulou-se o
e a de Goiás (PRADO JÚNIOR, 1979; CAVALCANTE, convívio das etnias, inclusive por meio da miscigenação8
e o encorajamento para que os colonos acolhessem jovens
1999, 2003) – fruto, segundo Cavalcante (2003), do antigo
índios, buscando, dessa forma, animar o crescimento
afastamento entre as minas do norte e o que eram efetiva-
demográfico e renovar as atividades produtivas
mente as Minas dos Goyazes.
8
É a partir do governo de José de Almeida Vasconcelos de Soveral e Carvalho (1772-
1778), Barão de Mossâmedes, amigo do Marquês de Pombal, que efetivamente se
Outro aspecto importante na ocupação e no arranjo do constata uma política para o desenvolvimento de Goiás baseado na população nati-
va. As reformas pombalinas fomentavam o envolvimento dos indígenas que deviam
território da região foi a relação com os indígenas. Os con- ser miscigenados e aculturados pelos colonizadores para a efetivação da urbanização e
do crescimento econômico, bem como para a estabilidade regional (APOLINÁRIO,
flitos iniciados na descoberta das minas aumentaram entre 2005; BOAVENTURA, 2012).
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foto 14: Igreja de Nossa Senhora da Penha de França, Corumbá de Goiás (GO). Foto 15: Cidade de Goiás (GO).
Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015. Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.

(BERTRAN, 1997; BOAVENTURA, 2012). Indígenas, do aldeamento de Rio das Velhas em que foram reunidos
como a caiapó Damiana, que organizou expedições cujo Caiapós e Araxás resultando no extermínio dos últimos
objetivo era trazer caiapós para os aldeamentos (SAINT- (BERTRAN, 1997; BOAVENTURA, 2012).
HILAIRE, 1975), demonstram as tentativas de permitir
Pouco a pouco, segundo Bertran (1997), as nações indíge-
que os diferentes povos convivessem harmoniosamente na
região. nas que habitavam rincões periféricos da capitania (Caia-
pós, Akroás e Xavantes) foram sendo empurradas e espre-
De maneira geral, os aldeamentos indígenas despenderam midas entre as nações locais de Goyazes, Quirixás e Carajás
muitos recursos e esforços dos governantes, mas não e os colonizadores. Mais de três séculos depois, em 1973,
tiveram sucesso em impedir o avanço da violência entre os
durante os preparativos para a construção da Rodovia
diferentes povos que habitavam a capitania e em algumas
BR-163, os irmãos Villas-Boas travaram contato com um
oportunidades contribuíram para a intensificação dos
grupo de Panarás na região de Peixoto Azevedo, no norte
conflitos (BERTRAN, 1997). O fracasso dessa política
de Mato Grosso. Os Panarás são descendentes da popula-
ocorreu, dentre outras coisas, pela precariedade e a
insalubridade dos aldeamentos, a violência e os castigos ção Caiapó, até então tidos como extintos, que migraram
físicos, a coerção e as diásporas, a imposição do uso de fugindo da fronteira de ocupação colonizadora que avan-
roupas, a falta de recursos, os conflitos entre os índios e çava por Goiás nos Séculos XVIII e XIX (GIRALDIN,
colonizadores, o agrupamento de etnias diferentes em 1994; ARNT; PINTO; PINTO, 1998). Os esforços de
um mesmo núcleo – como quando os gentios atacaram pacificação foram esgotados em 6 de julho de 1832 quan-
os aldeamentos dos Rios Claro e Pilões ou como no caso do o Conselho Geral da Província de Goiás reconheceu o
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

seu insucesso devido à persistência dos ataques que impe- os viajantes, ou seja, uma região pujante pela mineração
diam a circulação pelo território provincial e acarretavam ligada ao sistema mercantil capitalista com o que efetiva-
no desaparecimento dos povoados e fazendas. mente se defrontavam, uma província em crise. O cotidiano
administrativo e suas nuances também contribuíram para
Na primeira metade do Século XIX, várias expedições
a persistência dessa ideia. As dificuldades no transporte, a
avançaram sobre a região como mencionado no início deste
falta de funcionários aptos para exercer os cargos oficiais,
texto. Não mais com o objetivo de captura de índios ou de
os impostos e a forma de cobrá-los, as dívidas contraídas
busca de minas de ouro, essas expedições objetivavam
o inventário, registro e descrição daquele vasto sertão, pelo governo, a falta de força policial foram elementos
tanto nos seus aspectos naturais quanto no cotidiano constantes na vida dos administradores (CHAUL, 1997).
social. Empolgados com a diversidade dos trópicos e O amancebamento ou concubinato também foi destaque
utilizando um arcabouço racional viajantes como August na observação dos viajantes e ajudou a compor a imagem
Saint-Hilaire, George Gardner, Francis Castelnau, de incivilidade (SAINT-HILAIRE, 1975; CHAUL, 2001;
Johann Emanuel Pohl, Johann Baptist von Spix e Karl RIBEIRO, 2001).
Friedrich von Martius realizaram um
esforço enciclopédico a fim de retratar
a realidade dessas regiões motivados
pela política externa – abertura dos
portos às nações amigas – iniciada com
a transferência da Corte e aprofundada
com a Independência, bem como pelo
impulso dado pelas nações europeias
em processo de industrialização na
busca de matérias-primas (CORRÊA,
2001). Na perspectiva desses viajantes –
ambientados com os progressos europeus
– as regiões como as Minas dos Goyazes
eram excêntricas e exóticas (CHAUL,
1997).

No caso da região em tela, a ideia de de-


cadência, segundo Chaul (1997), se deve a
um descompasso entre o que imaginavam

Foto 16: Casario no crepúsculo, Goiás (GO).


Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Ao mesmo tempo em que comparavam as mulheres goia- Finalmente, é importante ressaltar que apesar de marcar
nas com as europeias traçando paralelos com a barbárie e a a história da região, o apogeu da mineração ocorreu
civilização, os viajantes apresentaram a condição feminina nos primeiros 20 anos das Minas dos Goyazes (1726-
naqueles sertões destacando a reclusão e a inferioridade so- 1746) e desde então se iniciou o processo de declínio
cial que restringiam a maior parte das mulheres aos ambien- avançando progressivamente ao longo da segunda metade
tes domésticos durante o dia (CORRÊA, 2001; RIBEIRO, do Século XVIII, apesar da atividade nunca ter cessado
2001). Durante a noite, contudo, elas tomavam as ruas e (BRASIL, 1961; BERTRAN, 1997; CHAUL, 1997).
iam resolver seus assuntos particulares, fazer visitas ou pro- Na primeira metade do Século XIX, o enfraquecimento
curar aventuras amorosas (SAINT-HILAIRE, 1975). produtivo das minas isolou a região da área econômica
mais dinâmica – Capitanias do Rio de Janeiro e de Minas
Mesmo que, de maneira geral, os viajantes naturalistas
Gerais – acarretando entre outros fatores o espraiamento
tenham sido duros e muito críticos com os sertões goianos,
da população para as áreas do interior e na ruralização
eles também destacaram as belezas naturais e de algumas
do povoamento (CORRÊA, 2001; RIBEIRO, 2001)
cidades e construções (TEIXEIRA, 2013). Pohl, por
enquanto a mineração foi dominada por ricos senhores
exemplo, destaca mais de uma vez a beleza dos buritizais
– “os campos em que passamos a seguir estavam cobertos de escravos acompanhados de garimpeiros paupérrimos e
de magníficos buritizeiros sempre verdes” e “foram os faiscadores negros livres ou libertos (BERTRAN, 1997). A
nossos olhos recompensados dos campos desolados que superficialidade dos veios auríferos, portanto, não permitiu
havíamos atravessado, e alegrados com a vista de vários a consolidação das estruturas de ocupação, tampouco a
grupos de majestosos buritizeiros que à margem de um formação de um mercado interno que desse suporte à
riacho elevavam as suas pomposas coroas” (POHL, 1951, economia da região após o esgotamento do ouro. É dessa
p. 188, 211). Também destaca o sistema de iluminação da forma que a pecuária – alheia a questões de transporte
Igreja de Natividade e o Engenho do Sumidouro (POHL, e fornecedora de bons rendimentos – contribuiu para a
1951). Saint-Hilaire apesar das diversas críticas tece elogios economia goiana permitindo o desenvolvimento do mercado
à beleza do “encantador arraial de Meia Ponte” – “da praça interno e da agricultura e a sustentação da economia
onde fica situada essa igreja [Nossa Senhora do Rosário] (CHAUL, 1997).
descortina-se um panorama que talvez seja o mais bonito
que já me foi dado apreciar em minhas viagens pelo interior As Minas dos Goyazes na Literatura
do Brasil” – e também a sua salubridade, às construções
e ao padrão urbanístico (SAINT-HILAIRE, 1975, p. A ocupação descontínua, no tempo e no espaço,
36-37). Dentre os viajantes, Gomes (1999) destaca que refletiu-se, entre outras coisas, numa produção literária
Richard Burton foi o que fez uma avaliação mais estrutural também esparsa. Ainda assim, a região das Minas dos
e conjuntural da realidade daqueles sertões fugindo das Goyazes tem nomes expressivos nas letras nacionais.
análises baseadas em princípios morais e religiosos. Coincidentemente, ao dar-se início às atividades relativas
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

à produção deste volume, em 2015, o Estado de Goiás Francisco de Assis Mascarenhas e Ângela Ludovico e serve
comemorava o centenário de nascimento de quatro de para ressaltar questões como o casamento e o amanceba-
seus maiores escritores – Carmo Bernardes, Bernardo Élis, mento, discriminações, costumes, desigualdade, ou seja,
Eli Brasiliense e José J. da Veiga – o que muito auxiliou um panorama geral do cotidiano e da questão feminina no
na busca de informações e obras sobre todos eles. Assim, período colonial.
pôde-se constatar a indiscutível qualidade de suas obras.
No entanto, tanto Carmo Bernardes, que na verdade era O autor também é internacionalmente conhecido pelo
mineiro, quanto Eli Brasiliense e José J. da Veiga têm seus romance O tronco, onde vemos retratada a violência que
escritos ambientados ao longo do Século XX. caracterizou as relações de poder nos primórdios da Re-
pública, desta feita na região dos sertões do Jalapão, que é
Como o período de formação da região das Minas dos tratada em outro capítulo deste volume.
Goyazes estendeu-se da segunda década do Século XVIII
até meados do Século XIX, para a caracterização da região O trabalho de Maria José Silveira – Guerra no coração do
aqui abordada a obra de Bernardo Élis foi a que melhor cerrado (2006) – aborda os conflitos entre as estruturas de
se adequou, por tratar do período inicial da ocupação da poder da Coroa portuguesa e as populações indígenas da
Capitania, depois Estado de Goiás. De fato, um dos títulos Colônia. No caso dos sertões das Minas dos Goyazes esses
de maior repercussão do autor – Chegou o governador (1987) conflitos foram ainda mais sentidos no processo de ocupa-
– trata justamente da chegada do novo governador-geral ção, uma vez que a região viveu não apenas os problemas
da capitania, seus projetos, seus conflitos e sua saída. É referentes ao confronto entre populações nativas e invaso-
um romance de indiscutível qualidade literária, em que o res colonialistas, mas aqueles decorrentes da chegada de
humor e o sarcasmo são explorados com brilhantismo pelo outras etnias indígenas, expulsas de seus territórios origi-
autor na construção de seus personagens, envolvendo o lei- nais e empurradas para regiões continentais pela ocupação
tor desde os primeiros parágrafos. O romance se passa em da costa. Esse romance aborda o tema a partir de uma
Vila Boa já num momento de decadência do ciclo aurífero. história real – a adoção de duas crianças indígenas pelo
Bernardo Élis consegue dar visibilidade às dificuldades governador da capitania como tentativa de construir um
que envolviam a administração da Colônia num período canal de negociação entre as duas culturas. A personagem
em que as distâncias não eram apenas empecilhos, mas, central, a índia Damiana, viveu as angústias de tentar
muitas vezes, trunfos explorados de acordo com os inte- conciliar o inconciliável. O processo de amadurecimento
resses que estavam em jogo. Vila Boa, bastião da civiliza- da personagem vai mostrando as dificuldades de conciliar
ção portuguesa, precisava espraiar suas qualidades para o duas culturas diferentes, os constrangimentos do convívio,
sertão que a circundava, mas pouco a pouco os entraves, a precariedade dos aldeamentos, as dificuldades da gestão
burocracias e isolamento vão esgotando a capacidade de cotidiana do vasto território goiano etc. Apesar de toda a
transformação e o arrojo inicial. Outra temática explorada convicção de Damiana, manifestada por suas atitudes em
pelo autor se dá por meio do relacionamento entre Dom busca da paz e das diversas expedições para arregimentar
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

seus compatriotas, o convívio entre indígenas e colonos Se não conseguira muito mais naqueles anos de desconforto e
frustrações nesse lugar esquecido de Deus, e certamente também do
é marcado pelo medo e pela violência. No romance, as Diabo, porque nem o Diabo, se pudesse, escolheria viver naqueles
dinâmicas políticas, as questões religiosas e o cotidiano de cafundós, pelo menos isso ele conseguira: pacificar os selvagens.
Com um pouco de sorte, quem sabe de agora em diante as coisas
Vila Boa compõem o cenário daqueles sertões entre o final começariam a melhorar e ele poderia fazer algo da civilização vingar
do Século XVIII e o início do Século XIX. O trabalho de nas entranhas de uma terra que nem ouro soube dar direito.
Maria José Silveira é da maior relevância porque dá visibi- Saíra confiante da sua saudosa Bahia para governar a região há pouco
lidade a processos pouco conhecidos do grande público. promovida à capitania, de onde fora extraído, em seu breve momento
de apogeu, grande parte do ouro que enfeitava as igrejas e o luxo
da sua Cidade de Salvador; mas foi só ele chegar e tudo começar a
O ermitão do Muquém romance de Bernardo Guimarães, degringolar.
lançado em 1858, narra diferentes momentos da vida de Maria José Silveira
Gonçalo, herói sertanejo de Goiás. Segundo o próprio Guerra no coração do cerrado, 2006, p. 16

autor, a personagem principal é colocada em três situações


diferentes. A primeira, ainda de vida urbana, em Vila Boa, Poucos dias depois, o grupo de índios, seguindo suas ordens, foi
levado para o aldeamento de São José de Mossâmedes, a cerca de cinco
em que Gonçalo se envolve em conflitos, mostrando o léguas, para que vissem como era tranquila e cheia de ferramentas
cotidiano violento dos homens do sertão. Posteriormente, e outras facilidades e presentes a vida dos povos indígenas que ali
estavam. Que vissem com seus próprios olhos e voltassem para suas
o protagonista é levado a um novo cenário, os territórios aldeias e convencessem todo o povo cayapó a vir também se aldear ali.
indígenas em que são desenvolvidos, à luz do idealismo Maria José Silveira
e de certa poesia, sentimentos de amizade, amor e os Guerra no coração do cerrado, 2006, p. 21

costumes nativos. Finalmente, no terceiro momento,


torna-se um ermitão envolto no misticismo cristão, Com o tempo, Romexi começou a perceber outra coisa.
redimido e purificado vaga pelos sertões de Goiás. Dessa Parecia que a fome dos brancos tinha aumentado. No começo,
nos primeiros tempos, eles ficavam em volta de um mesmo lugar
forma, o romance busca enaltecer a figura do sertanejo, e se contentavam em expulsá-los dali. Não corriam atrás, não os
que, após passar por diferentes experiências, encontra na perseguiam para muito além do lugar onde ficavam tirando a areia
amarela. Não chegavam às aldeias.
religião a sua redenção.
Depois de uns tempos, no entanto, já não se contentavam em ficar
só perto dos ribeirões. Agora que estavam trazendo mais gado, saíam
procurando mais lugares por onde deixá-los pastar. E também para
plantar suas roças cada vez maiores. Começaram a perseguir os panará
Região e Romance 9
até suas aldeias, obrigando-os a abandonar suas choças. A fugir, a fugir
sempre para mais longe. Era como se agora não quisessem apenas
matar ou afastar seu povo, mas expulsá-los para um lugar que nem
Dom Luiz não se surpreende com o rebuliço nem se apressa: havia existia de tão longe.
algum tempo estava acordado e, de fato, até já tomara boa parte de
seu desjejum. Está tenso e ansioso, mas sobretudo orgulhoso de si E já não vinham de uma única direção. Tinha momentos como agora,
mesmo. Desde que chegara a essa vila de fim de mundo, três anos atrás, que as expedições de ataque dos homens brancos vinham de três lados.
Das três capitanias, como eles diziam, que cercavam a grande terra dos
aguardava essa manhã. Era sua bela vitória. Seu grande feito. Seu, queira
panará. A capitania de São Paulo, a de Mato Grosso e essa, que eles
o bom Deus!, passaporte para sair dali. Para isso viera, entre outras
chamavam de Goyáz.
coisas: para dominar e vencer os belicosos índios da nação cayapó.
Maria José Silveira
9
Manteve-se, neste Atlas, a grafia original conforme publicada nos livros. Guerra no coração do cerrado, 2006, p. 32
MAPA 4 Minas dos Goyazes

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SIRGAS 2000
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BR
-52° -50° -48° -46° -44°
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Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.
shtm>. Acesso em: out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/
mapa_LogTransportes_5mi.pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.
asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso
em: out. 2016.
Notas: 1. O recorte representa a região das Minas dos Goyazes tratada neste capítulo.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período dos romances aqui sugeridos, assim como alguns elementos, e foram mantidos para melhor situar o leitor no palco dos acontecimentos.
3. Estão indicadas as principais rodovias.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Nos primeiros dias, Damiana deve ter andando pela cidade inteira, A mentalidade desses colonos, mesmo da gente mais esclarecida como
olhando uma por uma todas as ruas, becos e casas. As casas, na época, Dom Quintino, era clara como água: queriam escravizar o índio de
por volta de umas seiscentas, são na maioria muito simples, de adobe, qualquer maneira, por meio da compra, guerra ou aprisionamento.
e o povo é pobre e rústico, mas a menina vê tudo como manifestação Para eles, como tinha dito o mineiro da porta da venda, índio não
de um poder incompreensível. Volta cansada das andanças, os olhos era gente, e só interessava morto ou fazendo o trabalho braçal para os
alargados das coisas que viu. Nas casas mais abastadas, as janelas são brancos.
coloridas, envidraçadas com a mica encontrada na capitania, e ela passa Ninguém carecia se dar conta de que aquelas plagas estavam cheias
horas acocorada na frente de uma delas, observado o raio do sol bater de criminosos que, cometidos seus malfeitos, pegavam sua trouxa,
em cada fragmento e lhe modificar a cor. saltavam sobre um bom cavalo e fugiam para nunca mais serem vistos.
Grupos de bandoleiros, salteadores de caminhos, vadios e facinorosos.
A maioria do povo da cidade é de cor preta e mulata. E durante o dia
E contrabandistas. O que menos importava no momento era os índios,
ela só vê homens nas ruas. As mulheres brancas de Vila Boa não saem
porque esse problema ele conseguira resolver. A trégua era verdadeira.
de casa enquanto há claridade – só as escravas. As mulheres brancas só
Não havia por que fazer tanto alvoroço com os cayapós assentados.
saem quando é noite, envoltas em mantas, como se escondidas. Assentar os índios em aldeamentos era algo que vinha senso usado em
Maria José Silveira Goiás praticamente desde o começo da colonização.
Guerra no coração do cerrado, 2006, p. 52
Maria José Silveira
Guerra no coração do cerrado, 2006, p. 77

Tinha muita gente falando outra vez em atacar os cayapós. Diziam


que a indiaiada não estava obedecendo ao tratatado, que continuava Damiana estava inquieta.
matando gado, e que era uma temeridade juntar tantos deles em
lugares tão perto da cidade. Quem podia garantir que não atacariam Tinha passado o dia conversando com o Teseya e outros caciques do
quando lhes desse na veneta? aldeamento. Ninguém estava seguro de que a vida nesse novo local
pudesse ser melhor. Sabiam dos funcionários corruptos que roubavam
na repartição dos produtos. Sabiam dos castigos quem eram usados
ali mais do que no Maria Primeira, que nunca teve a estrutura
bem montada do Mossâmedes. Sabiam, também pelas notícias que
chegavam do sertão, que as aldeias no território cayapó continuavam
ameaçadas, acuadas por expedições armadas de colonos que, neste
momento, saíam principalmente de Cuiabá.
Maria José Silveira
Guerra no coração do cerrado, 2006, p. 144

Damiana precisa meditar, refletir. Decide ir ao santuário dos


antepassados.

Refaz o trajeto que fazia com Agroíncha e Romexi, mas nada é igual.
O tempo é de seca e o capim está cinza-amarelado. O solo arenoso e
cascalhado machuca seus pés. Ela caminha muito tempo de cabeça
baixa. Acompanha o chão do cerrado que muda de cor: do vermelho-
escuro passando para o vermelho-laranja, do laranja para o amarelado,
do amarelado para o cinza, e do cinza para o branco da areia perto do
rio.

Seus olhos veem tudo seco, triste, desesperado.

Foto 17: Pequizeiro, Goiás (GO). Mesmo as águas profundas do seu grande rio correm em silêncio,
Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015. sinistras.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Só o buritizal das araras de plumagem azul parece o mesmo. Ela se no Terreiro do Paço. Aí se erguia a matriz, enorme igreja de Nossa
agacha para se aproximar invisível como ensinou Romexi. Fica muito Senhora de Santana, padroeira da Vila. Se era grande, tinha péssimo
tempo agachada no meio das árvores. E de repente se levanta, fazendo aspecto. O frontispício estava em ruínas, sem portas nem janelas, a
espalhafato, e lá se vão elas, abrindo assustadas as asas e se levantando parede frontal caiada até o meio, com a torre da parte do evangelho
como um segundo céu de perfeito azul em movimento e ruídos que derruída. O porte desse templo, que ficava lado a lado com o palácio
encobrem outro céu, mais distante. do Governo, apearam-se os componentes do cortejo, tendo à frente
Maria José Silveira a autoridade que chegava e o governador que deixava o cargo. Todos
Guerra no coração do cerrado, 2006, p. 148 entraram. Dentro da igreja, que era vasta, a feição de tapera era mais
sensível com o teto deixando entrar a chuva que estragava as paredes,
Desde a Carioca, o povo aglomerava-se a um lado e outro do caminho os altares e o piso da nave. Havia muita gente, que também lotava a
a ser percorrido, dando gritos de alegria e saudando a nova autoridade. praça fronteiriça, da qual escravos, serviçais e funcionários estavam
Os sinos das oito igrejas e da câmara municipal repicavam, enquanto retirando os animais em que os da comitiva vinham montados,
no quartel de dragões uma peça de artilharia fazia disparos. conduzindo-os para lugares apropriados.
Bernardo Élis
O governador chegante envergava sua vistosa farda vermelha Chegou o governador, 1987, p. 6-7
agaloada de prata, chapéu de pluma e espadim. Com o tropel da
alimária retumbando na rua estreita calçada de pedras irregulares,
entrou a comitiva na cidade, pela Cambaúba, passando em frente da Retomando a palavra, explicou D. João Manoel que o resto do dia
simpática igrejinha da Lapa que ao tempo existia, e ganhando afinal s. exa. o sr. governador passaria em descanso, pois estava chegando
a rua principal, chama rua Direita do Negócio, a qual desembocava de uma viagem exaustiva de quatro meses e meio para vir do Rio de
Janeiro até Vila Boa, em pleno período chuvoso, sem
se falar dos três outros meses, que tanto fora o tempo
despendido na travessia do oceano Atlântico, no ano
anterior.
Bernardo Élis
Chegou o governador, 1987, p. 8

Podia ser nove horas da noite, quando os visitantes se


dispersaram. Nos quarteis as cornetas tocaram a recolher
e o sino da Câmara badalou seu pequeno repique
solitário, que se perdeu melancolicamente na imensidão
do deserto que sitiava a Vila por todos os lados. Dali
a Belém do Pará eram 400 léguas; dali ao litoral, 200
léguas; dali a Vila Rica 130 léguas; dali a Cuiabá, 160
léguas. E essas eram as povoações mais próximas. Uma
sensação de isolamento, de desamparo, de solidão, de
abandono pesou como um bloco de gelo sobre a alma
do jovem que avaliou a impotência daquele sino e do
impossível amparo das dezenas de soldados a seu serviço.
Foto 18: Antiga Casa de Câmara e Cadeia (atual Museu das Bandeiras), Goiás (GO). Bernardo Élis
Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015. Chegou o governador, 1987, p. 13
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

As margens dos rios Bagagem, Bacalhau, Vermelho e outros estavam


sempre repletas dessa gente que ali vivia num perene acampamento,
pegando passarinho, pescando e caçando bichos miudinhos, cortando
guarirobas e colhendo alguns frutos silvestres que vendiam na
Vila para com o produto se alimentarem ou adquirirem a cachaça
produzida pelos ricos fazendeiros, bebidas com que sustentavam as
rodas de batuque, lundus, catira ou alguns antros de feitiçaria, de
“tomar ventura”, de folguedos, que geralmente acabavam em facadas e
pancadarias.
Bernardo Élis
Chegou o governador, 1987, p. 30

– Encantado! Estou encantado. Apesar das informações, nunca pude


imaginar que fosse encontrar o que vejo.

– Muita pobreza, muito atraso? – interrogou ela com um pico de


ironia.

– Não. Pelo contrário. Estou admirado de ver uma Vila tão adiantada
no meio do deserto, em pleno miolo da América do Sul, a várias
centenas de léguas da costa e nela vivendo artistas como estes músicos,
eruditos, como o Cônego Silva e Sousa, uma sociedade civilizada como
a que se reúne neste palácio...
Bernardo Élis
Chegou o governador, 1987, p. 35

Ante o mapa aberto, o governador apontando com o dedo os caminhos


estranhou: – Mas pelo Araguaia é só tomar um barco e descer rio
abaixo até aqui no Itacaiúnas, onde está o presídio! Parece que não há
dificuldades!

O velho militar ria-se: – Sim, é como o senhor diz. Parece que não
há dificuldades; mas há e intransponíveis. O ex-Governador João
Manoel de Meneses veio por esse rio e eu vim com ele. Viagem
Foto 19: Casario, Goiás (GO). Cayo de Oliveira Franco, 2015.
infernal, meu conde! O rio Araguaia é muito pouco frequentado e não
conseguiria um barco para semelhante viagem. Teremos que fabricar
As catas estavam esgotadas, a lavoura era impraticável especialmente o barco: e não apenas um barco, pois na região não há sitiantes nem
na redondeza de Vila Boa, por falta de recursos de exportação, porque fazendeiros nem comerciantes; então temos que fabricar outro barco
o mercado local não consumia a produção, porque a maior parte dos para levar mantimentos, mantimentos que lá não existem e que temos
vadios eram filhos-família a quem era interdito qualquer tipo de de transportar desde aqui até os barcos, E mesmo assim não é fácil
trabalho, já que trabalho era tarefa exclusiva de negros escravos e comprar mantimentos. Nossa lavoura é escassa.
nunca de brancos livres. Por cima de tudo, os habitantes da capitania
– Espera, espera, o coronel complica demais as coisas! – procurava
eram quase na exclusividade pessoas de formação urbana em Portugal
afobadamente o governador atalhar o militar. Ainda rindo-se
e em outros pontos do Brasil, ignorantes da prática agrícola que
maliciosamente o coronel explicou: – Que complicar, meu general!
consideravam trabalho infamante e que só dava prejuízo. Ainda não disse tudo. Até hoje me horroriza o que passamos na subida
Bernardo Élis desse rio! A região é frequentada por ferozes indígenas que atacam as
Chegou o governador, 1987, p. 29 expedições. Será preciso, no mínimo, outro barco levando soldados
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

armados para defesa da comitiva. Não, senhor governador, o Araguaia capim. Reúne-se ali todos os anos, na época da festa, uma população de
é impraticável. cerca de dez mil pessoas, que vêm de distâncias enormes, até do Pará
e Rio Grande do Sul, umas por devoção e para cumprirem promessas,
– Então será o Tocantins? – perguntou desanimado o capitão-general.
outras para fazerem comércio, pois que nesses dias aquele lugar torna-
– Justamente. Será o Tocantins. Mas chegar lá, veja aqui no mapa se uma feira imensa, onde se compra, vende-se e permuta-se toda a
o percurso. – E com o dedo curto de sua grossa manopla o militar qualidade de mercadorias. Aí os sertanejos do norte de Goiás, e das
mostrava a trajetória no velho mapa de 1778; de Vila Boa iriam para o extremas das províncias da Bahia, Pernambuco, Piauí e Maranhão, vão-
arraial da Barra, daí para o arraial de Guarinos, daí, virando para leste, se prover de fazendas, quinquilharias, ferragens e vinhos que compram
chegariam a Pilar; daí a Água Quente e Traíras. Em Traíras havia uma aos negociantes de Meia Ponte e Goiás que conduzem daquele ponto
concentração militar e lá o comandante-de-pedestres forneceria gente essas mercadorias. Os romeiros também vendem aos negociantes destas
em munição que seguiriam para São José do Tocantins, daí para São duas cidades, e aos de Minas e S. Paulo, grande quantidade de couros,
Félix... Desse ponto em diante poderia descer o Tocantins. O mais certo solas, animais cavalares, redes fabricadas pelos índios, escravos, ouro em
era chegar ao Porto Real, que era um lugar que oferecia recursos para pó e diamantes.
fretar barcos e remadores experientes capazes de atingir Itacaiúnas.
Bernardo Guimarães
Bernardo Élis O ermitão do Muquém, 1858, p. 3
Chegou o governador, 1987, p. 45-46

Bem depressa chegou a Vila Boa a notícia das correrias e devastações


Entre pessoas desconhecidas e que nada têm a se dizerem, de ordinário dos índios Chavantes pelas terras do Alto Tocantins, e imediatamente
a conversação se trava por perguntas. Começamos pois por perguntar- tratou-se ali de organizar uma formidável bandeira, que sem mais
lhe donde vinha. demora partiu a opor um dique aos progressos daquela temerosa
horda, que se precipitava como uma torrente impetuosa sobre as
– De bem longe, nos respondeu ele; venho da famosa romaria de
Nossa Senhora da Abadia do Muquém na província de Goiás, de que regiões do norte, talando os campos e exercendo incalculáveis estragos
os senhores decerto hão de ter notícia. e horríveis matanças. Itajiba bem compreendeu que os seus selvagens
guerreiros, por intrépidos e valentes que fossem, não poderiam
– Por certo, respondi-lhe eu; muito tenho ouvido falar nessa afamada sustentar por muito tempo a pé firme um combate contra as forças
romaria, e, segundo tenho ouvido dizer, é uma das mais bonitas e dos homens civilizados, e que com suas flechas e tacapes não lhes seria
concorridas que temos. possível fazer face às descargas dos arcabuzes inimigos sem sofrerem
– Sem dúvida alguma. É uma maravilha que é preciso ver-se para dela grandes estragos e reveses. Assim pois evitou sempre empenhar-se em
formar uma perfeita ideia. Ainda que não seja por devoção, mesmo por um combate formal com o inimigo, mas por meio de bem dirigidas
espírito de curiosidade vale a pena fazer-se essa viagem para ver como guerrilhas, de escaramuças passageiras, de contínuas emboscadas e
aquele lugar completamente desabitado no fundo dos sertões, onde surpresas foi caindo sobre eles e causando incessantemente em suas
apenas existe uma capelinha e um casebre sem habitantes, converte- fileiras perdas consideráveis.
se de repente em uma cidade cheia de vida, de rumor e movimento, Bernardo Guimarães
composta de barracas, toldas, carros-de-bois, e ranchos cobertos de O ermitão do Muquém, 1858, p. 37

Foto 20: Rio Tocantins, Porto


Nacional (TO).
Marco Antonio de Carvalho
Oliveira, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Gonçalo deixou portanto a Palma, e embrenhou-se por sertões emagrecido e alquebrado, parecia um espectro surgido dos túmulos, e
desconhecidos passando voluntariamente uma vida de ásperas ninguém mais reconheceria nele a figura atlética e garbosa do vigoroso
mortificações e penitências. Vagueou por um largo tempo através dos mancebo de outrora. Errante de povoação em povoação, de fazenda em
ermos com um bordão à mão e um saco às costas, vivendo de esmolas fazenda, muitas vezes também estacionava entre as hordas selvagens,
ou de frutos e legumes silvestres, tendo por leito o chão frio e duro, que o respeitavam e veneravam como um pajé, e conhecedor de sua
por teto a ramagem das florestas ou a abóbada úmida de alguma linguagem e costumes procurava não sem algum resultado doutriná-
lapa cavada pela natureza no viso das montanhas. Mas nem assim
los e reduzi-los ao grêmio da religião cristã. Mas não podia persistir
conseguia acalmar os pungentes remorsos que lhe atormentavam a
por muito tempo entre eles, pois que os hábitos e usanças dos índios,
consciência. Os fantasmas de suas vítimas o acompanhavam por toda
a parte como a sombra de seu corpo, e noite e dia lhe torturavam a suas festas e todas as cenas que entre eles presenciava, lhe despertavam
alma. O grosseiro e parco alimento que tomava parecia-lhe ensopado na alma amargas e pungentes lembranças desse tempo tão cheio de
em lágrimas e sangue. À noite espectros sinistros o ansiavam e extraordinárias peripécias que passara entre os Chavantes.
enxotavam-lhe o sono das pálpebras requeimadas de prantos e vigílias. Bernardo Guimarães
Com os olhos amortecidos, as faces pálidas e macilentas, o corpo O ermitão do Muquém, 1858, p. 56
Foto 21: Paisagem alagadiça característica do Pantanal, Estrada Parque do Pantanal (MS-228), Corumbá (MS).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.
Pantanal

O Pantanal na Geografia

O Pantanal é amplamente reconhecido no


imaginário regional brasileiro. Essa região
é delineada pela Bacia Hidrográfica do
Alto Paraguai, sobretudo as áreas sujeitas
a inundações periódicas (SILVA; ABDON,
1998), ocupando o centro da América do
Sul e o oeste brasileiro, nos territórios dos
atuais Estados de Mato Grosso e Mato
Grosso do Sul. Trata-se de uma planície
formada com depósitos sedimentares recentes
geologicamente, com baixa declividade e
altitudes que oscilam entre 100 e 150 metros
(ROSS, 1985). A paisagem alterna cerrados
Foto 22: Vista do Rio Paraguai a partir do Forte Coimbra, Corumbá (MS).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015. (tanto os abertos quanto os cerradões fechados),
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foto 23: Camalotes na Estrada Parque do Pantanal (MS-228), Corumbá (MS). Foto 24: Carandás, ao fundo, na Estrada Parque do Pantanal (MS-228), Corumbá (MS).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015. Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.

campos (inundados e secos), brejos, mata semidecídua e A complexa rede hidrográfica regional influenciou na utili-
comunidades florestais com uma espécie dominante, como zação da região pantaneira como uma grande rota fluvial
o carandá (Foto 24)10. Essa diversidade responde a fatores integradora da América do Sul, conectando o sul do conti-
como a proximidade dos rios, a incidência de inundações e nente pelas Bacias do Prata e Paraná com o centro e o nor-
o tipo de solo (SILVA et al., 2000). te, incluindo a região do Chaco11 e a depressão cuiabana.
A posição remota em relação aos maiores núcleos coloniais
A declividade baixa faz com que os cursos dos rios se
dispersem, formando lagoas, meandros abandonados e espanhóis e portugueses e ao mesmo tempo privilegiada
pântanos. Grande parte dessa planície fica submersa no do ponto de vista do transporte fluvial fez do Pantanal
período das cheias, tornando muito difícil a ocupação uma fronteira entre os domínios hispânicos, lusos e indí-
permanente com aglomerações urbanas e agricultura. genas na América do Sul – motivo que a tornou palco de
conflitos territoriais entre os Séculos XVIII e XIX.
Essa presença hídrica constitui a principal característica
do Pantanal, aqui elencada como região integrante dos O regime de cheias sazonais contribuiu para o estabeleci-
sertões do oeste brasileiro. Desde o início da colonização mento de uma cultura itinerante nessa região, caracteriza-
ibérica, a região foi exaltada pelas belas paisagens e da por constantes travessias de sertanistas, por dificuldade
lendas paradisíacas, embora se mostrasse inóspita aos de consolidação de grandes núcleos urbanos e pela rarefeita
colonizadores por conta dos terrenos alagados, das doenças
e mosquitos, e dos índios belicosos como os Payaguás e os 11
O Chaco ou Gran Chaco – do quechua, território de caça – é uma região localizada no
Mbayá-Guaikurus (HOLANDA, 2014; COSTA, 1999). centro da América do Sul, limítrofe ao Pantanal, ocupando áreas do sudeste da Bolívia,
Paraguai centro-ocidental, extremo norte Argentino e pequenas porções do sudoeste
do Mato Grosso do Sul (SILVA et al., 2008). Inclui, do ponto de vista ambiental,
áreas sub-úmidas, áridas e semiáridas, de vegetação com predomínio de bosques secos,
10
Silva e outros (2000) quantificaram 16 classes fitofisionômicas no Pantanal por meio embora haja uma grande variedade de fisionômica e de ecossistemas (SILVA et al.,
de levantamento aéreo, chegando às seguintes proporções para as principais classes de 2008). Os colonizadores ibéricos consideravam a área de difícil penetração no início da
vegetação: campo (31,1%), cerradão (22,1%), cerrado (14,3%), brejos (7,4%) e mata exploração da América meridional, tanto pela resistência da população nativa quanto
semidecídua (4,0%). pelo ambiente quente e seco de determinadas zonas chaquenhas.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

economia sedentária. A pecuária extensiva itinerante foi É importante destacar a existência de diversos pantanais,
uma das atividades mais relevantes no Pantanal desde o recortes consolidados na toponímia popular a partir de
fim do Século XVIII, com importância crescente no Século características naturais – como a proximidade de gran-
XIX, com base nas pastagens naturais pantaneiras e na des rios –, da influência de cidades – como os Pantanais
transferência dos animais nos períodos de cheia (CORRÊA de Miranda e Aquidauana –, ou de atividade econômica
FILHO, 1946, 1955)12. específica, como o Pantanal da Nhecolândia, uma área
relativamente conhecida de fazendas de gado. Os critérios
12
Para a compreensão do Pantanal e da história dos Estados de Mato Grosso e Mato de classificação e o número de unidades pantaneiras variam
Grosso do Sul são indispensáveis as numerosas contribuições do historiador Virgílio
Corrêa Filho, que foi membro do Conselho Nacional de Geografia - CNG, do IBGE.
Muitas de suas obras encontram-se elencadas nas referências bibliográficas desta publi-
muito. O Projeto Radambrasil, por exemplo, estabeleceu
cação.
12 pantanais a partir de critérios geomorfológicos (ALVA-
RENGA; BRASIL; DEL’ARCO, 1982; FRANCO, PI-
NHEIRO, 1982)13. Silva e Abdon (1998) sistematizaram
as classificações do Pantanal e propuseram a subdivisão
exposta na Figura 1, que considera a toponímia consagra-
da pela população e bibliografia local, bem como aspectos
físicos, como inundação, relevo, vegetação e solos. Mas
para efeito deste estudo, o Pantanal será abordado como
um todo.

Da Laguna de los Xarayes ao Pantanal


Maria de Fátima Gomes Costa (1999), no livro História de
um país inexistente: o pantanal entre os séculos XVI e XVIII,
aborda as alterações das representações geográficas do
Pantanal entre os Séculos XVI e XVII. No Século XVI
as primeiras referências espanholas sobre zonas alagadiças
da Bacia do Alto Paraguai aparecem nos relatos de ín-
dios carijós no litoral atlântico, no atual Estado de Santa

13
O Projeto Radambrasil,   no âmbito do  Ministério das Minas e Energia, fez um
levantamento sobre geologia, solos, geomorfologia, hidrografia, vegetação e uso da
terra com o auxílio de radar e aerolevantamento. As sub-regiões pantaneiras levantadas
no estudo citado são os seguintes: Pantanal do Corixo Grande - Jauru - Paraguai;
Pantanal do Cuiabá - Bento Gomes - Paraguaizinho; Pantanal do Itiquira - São
Lourenço - Cuiabá; Pantanal do Taquari; Pantanal do Negro; Pantanal do Miranda -
Figura 1: Sub-regiões do Pantanal. Adaptado de Silva e Abdon Aquidauana; Pantanal do Jacadigo - Nabileque; Pantanal dos Paiaguás; Pantanal do
(1998) e Silva (2000). Tarumã - Jiboia; Pantanal do Aquidabã; Pantanal do Branco - Amonguijá; Pantanal
do Apa.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Catarina: eles anunciavam a existência de tribos no inte- oceânicas dos exploradores espanhóis não permitia a
rior do continente que possuíam metais preciosos, obtidos penetração em parte do curso superior do Paraguai, com
por meio do comércio com os súditos do Rei Branco, na águas mais rasas. Por esse motivo, a representação da
Serra de Prata (COSTA, 1999). A partir de então, a lenda região de Xarayes era pouco precisa. De todo modo, é
da Serra de Prata permeou o imaginário dos exploradores possível estimar que seu início, na localidade conhecida
europeus, os quais fizeram o possível para encontrá-la. à época como Puerto de los Reyes, se dava entre as Lagoas
Gaíba e Uberaba, na divisa entre os atuais Estados de Mato
O caminho para a Serra de Prata, segundo as notícias indí-
Grosso e Mato Grosso do Sul e Bolívia, conforme a Figura 2.
genas, passaria pelo Gran Chaco, pelo Rio Paraguai e pela
região dos Xarayes – nome derivado da tribo que habitava Em meados da década de 1540, Domingo de Irala, par-
a área mais alagadiça da Bacia Alto Paraguaia – o atual tindo do Paraguai, chegou a Potosí e encontrou a cidade
Pantanal. O explorador Aleixo García, ao tomar conheci- alto-peruana já colonizada por seus conterrâneos a partir
mento das notícias, partiu em uma expedição no início dos de Cusco, arrefecendo os sonhos de riquezas infinitas pela
anos 1520 para encontrar a mítica serra14. Saindo da atual rota do Rio Paraguai à Serra de Prata (COSTA, 1999).
Ilha de Santa Catarina, García passou pelo atual Estado Após a percepção de que a lendária Serra de Prata já havia
do Paraná, chegou ao Rio Paraguai, cruzou a região dos sido descoberta, as expedições espanholas na Bacia do
Xarayes e o Chaco, até chegar ao atual território dos Andes Alto Paraguai reduziram-se consideravelmente, e Xarayes
bolivianos (COSTA, 1999). passou a ser ainda menos explorada e conhecida pelos ibé-
ricos. Cronistas e cartógrafos, interpretando os relatos das
Tratava-se do Caminho do Peabiru, rota indígena
de comércio entre o Império Inca e o Atlântico expedições pioneiras, passaram a representar Xarayes como
(CARVALHO, 1992). García fez contato com índios do uma lagoa, a Laguna de los Xarayes (CORRÊA FILHO,
Altiplano andino e obteve exemplares de metais preciosos, 1955; COSTA, 1999). A enorme lagoa, que seria a origem
mas foi morto no seu retorno. No entanto, as notícias de da imensidão de rios e alagados na Bacia do Alto Paraguai,
seu êxito e parte dos objetos preciosos obtidos chegaram foi representada desta forma na cartografia, sobretudo nos
aos colonos espanhóis e a busca pela Serra de Prata se mapas espanhóis, até o fim do Século XVIII, quando hou-
intensificou. Expedições subsequentes não chegaram à ve expedições luso-espanholas de demarcação de fronteiras
Serra Prateada, mas registraram aspectos da região de para ratificação dos Tratados de Madri e Santo Idelfonso. A
Xarayes e sua população indígena. Destacam-se os relatos partir dessas expedições demarcatórias, as imprecisões car-
de Ulrico Shmidl que afirma que os habitantes de Xarayes
tográficas da Bacia do Alto Paraguai foram drasticamente
eram muito generosos e que o lugar era fértil e paradisíaco
reduzidas, atestando-se a inexistência de uma lagoa com as
(COSTA, 1999). O calado das grandes embarcações
proporções de Xarayes (COSTA, 1999).

14
Aleixo Garcia chega antes do conquistador Francisco Pizarro ao Alto Peru. Durante Mais de um século depois do ocaso da Bacia do Alto Para-
algum tempo acreditou-se que “as notícias oriundas do rio da Prata anunciavam outro
lugar, tão ou mais fabuloso que o México e Peru” (COSTA, 1999, p. 38). guai como rota para obtenção de riquezas por parte de ex-
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Figura 2: Representação do Paraguai colonial: o Rio da Prata ao


sul, o Chaco a oeste e a norte e, no topo do mapa, a região dos
Xarayes. Sanson (1668).

ploradores espanhóis, a região voltaria a ser percorrida na Dessa forma, a Bacia do Alto Paraguai se consolidou como
busca por metais preciosos. Em meados do Século XVII, rota de ligação entre São Paulo e a área mineradora em
os bandeirantes expandiram suas incursões pelos sertões a Cuiabá, integrando uma rede comercial. As monções15
oeste dos núcleos coloniais portugueses, atacando tribos e tornaram-se mais frequentes e organizadas, de modo que
missões jesuíticas no intuito de apresamento de nativos. o conhecimento da Bacia do Alto Paraguai ganha maior
Utilizando um trajeto fluvial saindo de Araritaguaba – precisão (COSTA, 1999). Os mamelucos paulistas, que
atual Município de Porto Feliz (SP) –, pelo Rio Tietê, possivelmente não tinham acesso à cartografia espanhola,
eles chegaram ao atual Estado do Mato Grosso do Sul e passaram a denominar a ampla planície alagável do Rio
adentraram a Bacia do Paraguai. Em 1718, os sertanistas Paraguai de Pantanal, em razão do terreno descrito por
descobriram ouro no Rio Coxipó-Mirim, tributário do Rio eles como pantanoso. Seguindo a rota das monções, entra-
Cuiabá (HOLANDA, 2014), na região da atual capital va-se no Pantanal após os trechos planos do Rio Taquari,
do Estado de Mato Grosso. A exploração dos ricos veios 15
Monções eram expedições fluviais realizadas por sertanistas paulistas no período colo-
nial. Notabilizaram-se aquelas em direção à Cuiabá, sobretudo no Século XVIII, seja
auríferos cuiabanos motivou a criação da Vila de Cuiabá e para apresamento de indígenas, busca por minas de metais preciosos, para comércio
regular ou para povoados. Para informações mais detalhadas, consultar Sérgio Buarque
gerou um fluxo migratório para a região. de Holanda (2014).
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

no norte do atual Estado do Mato Grosso do Sul, a oeste os topônimos tenham convivido por um tempo, a referência
do Município de Coxim16. a uma grande lagoa que daria origem às águas do Rio
Paraguai acabou se perdendo, prevalecendo uma descrição
Entre os rios tortuosos e as variações sazonais do nível
mais precisa da sazonalidade do ciclo das águas pantaneiras
das águas, os relatos monçoeiros descrevem os caminhos
(COSTA, 1999). No fim do Século XVIII, o Pantanal já
e as dificuldades enfrentadas com o ataque de indígenas,
não estava mais diretamente associado a grandes riquezas
o aparecimento de doenças e o imensurável incômodo
minerais, o que desfez a necessidade de mantê-lo em sigilo,
causado pelos mosquitos. O formato das embarcações
como nos anos iniciais de sua exploração.
dos bandeirantes – canoas adaptadas dos modelos
indígenas, muito mais leves e menores que os bergantins
dos primeiros exploradores espanhóis – permitiram O Pantanal e a fronteira
uma penetração mais longínqua nas sub-bacias do Alto
Um traço muito presente na geografia pantaneira descrita
Paraguai (COSTA, 1999).
pelos viajantes desde o início da colonização até meados
Conforme a ocupação da Bacia do Alto Paraguai se do Século XIX é a menção aos perigos que diversas na-
consolidava pela ação dos colonos luso-brasileiros, no fim ções indígenas representavam aos colonizadores e comer-
do Século XVII e decorrer do XVIII, a designação Pantanal ciantes – aspecto que denota o caráter do Pantanal como
passou gradativamente a suplantar o nome Xarayes. Embora uma fronteira para colonização branca. Trata-se de um
importante exemplo de resistência territorial indígena.
16
Sérgio Buarque de Holanda (2014), no clássico Monções descreve as variações das rotas Dois grupos destacaram-se nesse quesito: os Payaguás e os
monçoeiras desde as primeiras expedições até a consolidação do caminho mais frequen-
te, que passava pelos Rios Pardo e Taquari. Mbayá-Guaykurús17 (CARVALHO, 1992; COSTA, 1999).

Os Payaguás dominavam os rios pantaneiros18 em cano-


as leves, muito ágeis e tinham estratégias sofisticadas de
combates fluviais, como esperar para atacar nos ciclos
mais úmidos para atrapalhar o uso de armas de fogo pelos
europeus. Esse grupo indígena praticava caça, coleta e a
pirataria contra outros grupos indígenas, mesmo antes da
chegada dos europeus (CARVALHO, 1992). Desde a expe-
dição de Ayolas, no fim da década de 1530, quando ele foi
morto por Payaguás, eles foram taxados como agressivos
17
“O designativo Guaykurú era dado pelos Guarani a todas as tribos caçadoras coletoras
a oeste do rio Paraguai. Generalizou-se depois para os povos da família Mbayá, classi-
ficados como pampidas e de provável origem mais ao sul (Patagônia)” (CARVALHO,
1992, p. 467).
Foto 25: Inscrições na rocha registrando expedições monçoeiras em 1804, 1815, 1820 e 18
A autodenominação dos Payaguás seria Evuevi ou Euébe, significando “gente do rio”
1838 no Rio Coxim, Coxim (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015. ou “gente da água” (CARVALHO, 1992).
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

e traiçoeiros (COSTA, 1999). Eles impuseram grandes Payaguás, nos rios, e Guaykurús, por terra, constituíram
prejuízos aos bandeirantes paulistas durante as monções, o principal obstáculo à expansão colonial no Pantanal
cujas rotas eram frequentemente refeitas para evitar cho- durante quase dois séculos (COSTA, 1999), sobretudo
ques com Payaguás (COSTA, 1999; HOLANDA, 2014). no período em que firmaram aliança, entre 1719 e 1768
O grupo indígena sofreu uma grande derrota em 1734, (CORRÊA FILHO, 1955; CAMPESTRINI, 2013). O
no confronto com a expedição paulista aliada aos índios traçado das rotas fluviais dos sertões do oeste utilizadas por
Bororos, e sua resistência enfraqueceu-se paulatinamente paulistas, portugueses e espanhóis levava em considera-
na segunda metade do Século XVIII (CARVALHO, 1992). ção a constante ameaça indígena, procurando desviar dos
Os Guaykurús, nação indígena que habitava o Chaco núcleos predominantes dessas tribos ou organizar ataques
na época das primeiras explorações espanholas (COSTA, contra elas (COSTA, 1999; HOLANDA, 2014)20.
1999), impunham a vassalagem a outras tribos, como as
A característica fronteiriça do Pantanal também ficou
Guarani. As primeiras expedições espanholas e as missões
explícita a partir da exploração do ouro cuiabano e das
jesuíticas no Paraguai e Itatim – atual sul de Mato Grosso
nascentes do Rio Guaporé, que acirrou as disputas entre
do Sul –, possibilitaram aos Guaykurús o contato com
as Coroas espanhola e portuguesa pela consolidação do
cavalos19. Ao aprenderem a montaria eles ganharam
mobilidade, a ponto de passarem a serem conhecidos pelo território nas Bacias do Paraguai e do Guaporé. No decor-
nome de “índios cavaleiros”. O cavalo também fez os rer do Século XVIII, especialmente na segunda metade,
Guaykurús desenvolverem técnicas de combate complexas, construiu-se uma série de povoações e fortes militares no
aliando o uso de lanças e boleadoras a um tipo muito Pantanal para consolidar e proteger a fronteira oeste da
particular de montaria (CARVALHO, 1992), conforme Colônia portuguesa (CORRÊA FILHO, 1969).
a representação clássica de Motte (1834) elaborada na
O governador da Capitania de Mato Grosso entre 1772 e
expedição de Jean-Baptiste Debret (Figura 3).
1796, Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres,
O domínio Guaykurú sobre áreas que hoje configuram estabeleceu uma política de proteção à navegação do Rio
o Estado do Mato Grosso do Sul foi tão intenso que em Paraguai para proteger os acessos pantaneiros a Cuiabá e
alguns momentos a Coroa portuguesa procurou constituir a Vila Bela de Santíssima Trindade, de modo a consolidar
alianças com eles para garantir o controle da fronteira oes- a fronteira da Colônia portuguesa e criar uma defesa mais
te nas terras pantaneiras (CARVALHO, 1992). organizada aos ataques indígenas Payaguás (CORRÊA
FILHO, 1946).
19
Segundo Holanda (2014), não se conhecem as etapas históricas da obtenção do cavalo
pelos Guaykurús, mas pela interpretação de relatos pode-se inferir que o contato ocor-
reu logo no início da colonização e que o grupo indígena adaptou-se rapidamente à 20
montaria. Os índios Kadiwéus, possuidores de Terra Indígena no sul do Mato Grosso Além dos Payaguás e Guaykurús, os monçoeiros preocupavam-se ainda com os ataques
do Sul atual, são considerados uma tribo remanescente dos Guaykurús. A área em dos Caiapós no norte do Rio Pardo, como em Camapuã, trecho do trajeto monçônico
que vivem foi obtida como retribuição ao apoio que prestaram ao Brasil na Guerra do em que era necessário o deslocamento por terra para cruzar o divisor de águas das Ba-
Paraguai (PECHINCHA, 1999). cias do Paraná e Paraguai (HOLANDA, 2014).
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Para garantir a navegabilidade exclusiva do Pantanal, de Cáceres (MT) – fundada em 1778, na margem esquer-
o governador ordenou a fundação de povoações e colô- da do Paraguai; Arraial de Nossa Senhora da Conceição
nias militares nas margens do Rio Paraguai, inclusive de Albuquerque – ou simplesmente Albuquerque, atual
na margem oeste, ultrapassando os limites definidos Município de Corumbá (MS) – em 1778, na margem di-
originalmente pelo Tratado de Madri, de 1750: o Forte reita do Paraguai; e o Presídio Nossa Senhora do Carmo
Coimbra, em 1775, cerca de 140 km ao sul da sede da do Rio Mondego – atual Miranda (MS) – nas margens
atual Cidade de Corumbá (MS) na margem direita (oeste) do rio de mesmo nome, importante tributário Paraguai
do Rio Paraguai; Vila Maria do Paraguai – atual Cidade (MUNICÍPIOS..., 1958).

Figura 3: Carga de cavalaria guaicuru. Motte (1834).


MAPA 5 Rota das monções e núcleos coloniais portugueses e espanhóis no Pantanal no Século XVIII
-60° -58° -56° -54°

Vila Real do Senhor Bom


Vila Maria Jesus do Cuiabá (1727)
do Paraguai (1778)

-16°
-16°

Núcleos Nome atual


Vila M aria do Paraguai Cáceres

Vila Real do Sr. Bom Jesus do Cuiabá Cuiabá

N. Sra. da Conceição do Albuquerque Corumbá

-18°
Arraial do Belliago Coxim
-18°

Fazenda Camapuã Camapuã


Arraial do Belliago (1729)
Presídio N. Sra do Carmo do Rio M ondego Miranda
Fuerte Olimpo
Presídio de Bourbon
(Paraguay)
San Carlos del Apa
Fuerte de San Carlos del Apa
(Paraguay)

Legenda Nossa Senhora da Conceição


do Albuquerque (1778)
Núcleo espanhol Fazenda Camapuã (1723)
"
J
"
J Núcleo português
Rota das monções
Forte Coimbra (1775)
Limite Internacional Presídio Nossa Senhora do

-20°
Hidrografia Carmo do Rio Mondego (1778)
-20°

Brejo
Terreno sujeito a inundação
8
8

Presídio de Bourbon (1792)

-22°
60 0 60 km
Mapa de
-22°

localização Fuerte de San Carlos del Apa (1793) PROJEÇÃO POLICÔNICA


Meridiano Central -54°
SIRGAS 2000
-60° -58° -56° -54°

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.
gov.br/HidroWeb.asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 4. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.
usgs.gov/>. Acesso em: out. 2016. 5. Brazil, M. do C.; Daniel, O. Sobre a rota das monções: navegação fluvial e sociedade sob o olhar de Sérgio Buarque de Holanda. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de
Janeiro: IHGB, ano 169, n. 438, p. 209-226, jan./mar. 2008. Disponível em: <http://www.do.ufgd.edu.br/omardaniel/arquivos/docs/a_artigos/UsoTerraSig/RotaMoncoes.pdf>. Acesso em: out. 2016. 6. Corrêa Filho, V. História
de Mato Grosso. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro - INL, 1969. (Cultura brasileira. Série estudos, 2). 7. Freire, P. C. V. Mboroviré: a erva-mate no Paraguai colonial. 2011. 316 p. Dissertação (Mestrado)–Programa de
Pós-Graduação em História, Universidade de Brasília - UnB, Brasília, 2011. Disponível em: <http://repositorio.unb.br/handle/10482/11104>. Acesso em: out. 2016.
Notas: 1. As toponímias indicam a denominação vigente no período.
2. Os caminhos representados foram adaptados a partir das fontes citadas.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

As novas colônias militares e núcleos de ocupação


estabeleceram um eixo de proteção geopolítica ao Pantanal
e ao mesmo tempo pressionaram a revisão de alguns limites
estabelecidos pelo Tratado de Santo Idelfonso, de 1777,
que demarcava a separação entre as colônias ibéricas no
curso do Rio Paraguai ratificando o Tratado de Madri.
Mesmo com os novos núcleos de ocupação e defesa militar,
eclodiram conflitos no Pantanal. Os militares do Forte
Coimbra sofreram um ataque dos Guaykurús em 1778 que
deixou 54 soldados mortos e forçou os colonos a negociarem
um tratado de paz com esse grupo indígena em 1791
(CAMPESTRINI, 2013). Mais tarde, após intimidações
de militares a serviço da Coroa espanhola no fim do Século
XVIII, que solicitavam a desocupação das povoações na Foto 27: Vista das margens do Rio Paraguai a partir do Forte Coimbra, Corumbá (MS).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.
margem direita do Rio Paraguai, eclodiu um conflito
militar entre as duas colônias no Forte Coimbra em 1801. O declínio da mineração aurífera cuiabana provocou o
A vitória portuguesa assegurou a soberania lusitana na abandono gradativo da rota das monções a partir da segun-
navegação do Alto Paraguai (CORRÊA FILHO, 1969). da metade do Século XVIII, preferindo-se a navegação pela
Bacia Amazônica, através do Rio Guaporé, e a utilização
da estrada terrestre para Goiás (COSTA, 1999; CORRÊA
FILHO, 1958). Na primeira metade do Século XIX, perí-
odo em que Paraguai e Brasil tornaram-se independentes
de Espanha e Portugal, Francia, primeiro governante da
nova nação platina, impôs uma política isolacionista ao
País, dificultando ainda mais o comércio pelas vias fluviais
do Rio Paraguai.

O Pantanal torna-se novamente importante rota comercial


em 1856, quando o Paraguai abre à navegação brasileira o
baixo e médio curso do Rio Paraguai, possibilitando uma
ligação entre a capital Rio de Janeiro e Cuiabá pelo Atlân-
tico, Rio da Prata e Paraguai – a Cidade de Corumbá,
situada no meio deste trajeto, ganhou grande importância
Foto 26: Forte Coimbra observado a partir do Rio Paraguai, Corumbá (MS).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015. econômica (CORRÊA FILHO, 1958).
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Foto 28: Porto Geral, Corumbá (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.

As disputas territoriais na região não cessaram completa- temiam que os invasores chegassem até a capital Cuiabá, o
mente, contudo. Por ser uma área com poucos núcleos de que só não ocorreu em razão da bem-sucedida defesa orga-
ocupação permanente e com rios facilmente navegáveis, nizada em Melgaço (atual município Barão de Melgaço,
o Pantanal era uma região constantemente ameaçada por MT), no norte pantaneiro, pelo almirante Augusto Leverger
invasões. Não por acaso, foi pelo Pantanal que ocorreram (CORRÊA FILHO, 1969). A navegação de grande parte
algumas das primeiras invasões paraguaias ao território do Rio Paraguai esteve bloqueada aos brasileiros durante a
brasileiro, em 1864, no início da Guerra do Paraguai. Os guerra, o que dificultou a mobilização de tropas brasileiras
principais núcleos urbanos e militares do Brasil situavam-se para confrontar os paraguaios que ocupavam o atual Estado
próximos ao litoral, muito distantes do Pantanal. Esse fato do Mato Grosso do Sul.
facilitou a penetração do exército e da marinha paraguaios Após a derrota paraguaia e o fim do conflito, em 1870, as
em território pantaneiro, pois o deslocamento entre as dificuldades para acessar a província no período da guerra
maiores cidades paraguaias até o Pantanal era relativamen- foram um dos motivos que impulsionaram a construção,
te rápido. Pontos importantes da Bacia do Alto Paraguaia nas décadas seguintes, de uma ferrovia cruzando o Pantanal
como o Forte Coimbra e as Cidades de Miranda e Corumbá (TOLENTINO, 1986). A Ferrovia Noroeste do Brasil - NOB
foram atacadas e ocupadas pelos paraguaios e tornaram-se facilitou o acesso ao núcleo da Bacia do Alto Paraguai, que
cenários de diversas batalhas fluviais e terrestres. O gover- antes ocorria predominantemente por transporte fluvial.
no do Império brasileiro e as autoridades mato-grossenses A ferrovia foi finalizada em 1914, com trajeto entre os
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foto 29: Casario do Porto Geral, Corumbá (MS). Foto 30: Ponte da Ferrovia Noroeste do Brasil sobre o Rio Paraguai na altura do Porto
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015. Esperança, Corumbá (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.

Municípios de Bauru (SP) e Corumbá (MS), redefinindo as A partir dessa análise, percebe-se no Pantanal a permanên-
possibilidades de desenvolvimento econômico pantaneiro, cia, mais ou menos acentuada, de algumas características
com a intensificação da pecuária e da mineração. de representação regional até o fim do Século XIX: am-
biente notabilizado pela beleza natural, porém hostil dada
Do ponto de vista econômico, certas áreas pantaneiras eram a dificuldade de assentamento; presença de tribos indígenas
importantes criadoras de gado, desde o Século XVIII. Neste consideradas agressivas; território de fronteira, suscetível a
século iniciou-se a criação de gado no norte do Pantanal conflitos pela dificuldade de ocupação permanente; sazonali-
para abastecimento das minas cuiabanas e mato-grossenses, dade econômica induzida pelo ciclo das águas, pelo constan-
por meio do aproveitamento dos pastos naturais. As primei- te uso de rotas fluviais e pelos deslocamentos de rebanhos.
ras reses foram trazidas por canoas e o rebanho aumentou Esse imaginário sobre o Pantanal fez-se presente na cultura
após a abertura do caminho terrestre entre Cuiabá e Goiás, regional, particularmente em produções literárias.
em 1736 (CORRÊA FILHO, 1946). No entanto, tratava-se
de uma pecuária itinerante, pois necessitava da transferência
O Pantanal na Literatura
dos rebanhos nos períodos das cheias. Além disso, encontra-
va dificuldades de comércio por conta das longas distâncias A ocupação rarefeita do Pantanal no período colonial e im-
a serem percorridas com os rebanhos (CORRÊA FILHO, perial reflete-se na sua produção literária, que é menos nu-
1946). No decorrer do Século XIX, a pecuária se expandiu merosa, mais recente e pouco difundida quando comparada
para o sul pantaneiro, devido à diminuição da ameaça dos a núcleos com povoamento mais antigo e consolidado, como
indígenas. Aproveitando as novas possibilidades comerciais, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Possivelmente as produções
consolidou-se como uma das principais atividades econômi- literárias mais conhecidas relacionadas à região são as diver-
cas pantaneiras, deixando fortes marcas culturais. sas poesias de Manoel de Barros e o clássico A retirada da
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Laguna do Visconde Alfredo d’Escragnolle Taunay (2013), O romance ...Aquele mar seco = o pantanal, de Rogério de
publicado originalmente em francês em 1871. Entretan- Camargo (1955), expressa essas características pantaneiras
to, tais produções não constituem romances, ainda que o com um enredo bastante singular no contexto da Guerra do
relato da trágica fuga dos soldados brasileiros na Guerra do Paraguai: a espionagem que ocorreu antes da deflagração do
Paraguai em Taunay possua diálogos parcialmente ficcionais conflito. O general paraguaio Francisco Isidoro Resquim,
e evidente trato estético da narrativa. líder responsável por uma das colunas militares que
invadiram o território pantaneiro, foi transformado em
A obra de Taunay mostra algumas das características que personagem pelo autor da obra. Em ...Aquele mar seco = o
se repetem em outras produções literárias pantaneiras. É pantanal, Resquim tem a tarefa de levantar informações
comum observar o Pantanal sendo representado como um e mapear o Pantanal, principalmente a localização de
caminho de um trajeto maior, uma passagem ou cenário de contingentes militares brasileiros e os pontos vulneráveis
uma travessia. Além disso, os romances aqui analisados têm da fronteira. Para atingir esse objetivo ele contrata dois
como característica comum terem ocorrido no decorrer da
sertanejos pantaneiros para guiá-lo, alegando estar à procura
Guerra do Paraguai (1864-1870) ou em momentos próxi-
das melhores terras para comprar e criar gado. Os registros
mos temporalmente a ela, de modo que as travessias pelo
históricos da Guerra do Paraguai mostram que a espionagem
Pantanal ocorrem ora para deslocamentos de tropas milita-
realmente existiu, facilitada pela livre navegação pelo Rio
res, ora para fugas de civis das mazelas da guerra. Isso revela
a centralidade que este evento teve para o desenvolvimento Paraguai. Dessa forma, os militares paraguaios obtiveram
da região, em parte porque houve a mobilização para o Pan- informações decisivas sobre as fragilidades de defesa do
tanal de contingentes populacionais até então incomuns na sul do atual estado sul-matogrossense, o que possibilitou a
Bacia do Alto Paraguai durante a guerra, por conta dos des- rápida tomada de territórios que os combatentes platinos
locamentos de tropas militares e da necessidade de organizar empreenderam no território brasileiro entre o fim de 1864 e
o fornecimento de suprimentos a essas tropas. o ano de 1865 (CORRÊA FILHO, 1969).

Foto 31: Vista de área alagada no Pantanal a partir da Estrada Parque do Pantanal (MS-228), Corumbá (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foto 32: Gado pastando próxima a uma área alagada nas imediações da Curva do Leque no Pantanal da Nhecolândia, Corumbá (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.

A obra também retrata a chegada de paulistas ao Pantanal convocado para compor as forças brasileiras que rumariam
por meio do personagem Jerônimo de Arruda Botelho, até o extremo sul mato-grossense com o objetivo de fazer
que percorre trechos das antigas monções e procura lotes recuar as forças paraguaias que ocupavam essa parte do
para se estabelecer na região. Os olhares dos forasteiros, território. Em muitos momentos o romance se refere
seja do paulista ou do paraguaio, criam a oposição para a às dificuldades de deslocamento das tropas brasileiras
representação dos homens pantaneiros pelo autor Rogério para chegar ao foco do conflito, e a travessia torna-se
de Camargo: rústicos, de poucas palavras, acostumados a particularmente penosa na passagem pelo Pantanal,
vagar pelas planícies inundáveis e com gosto pela liberda- nos caminhos entre Coxim, Miranda e Nioaque. O
de – como o personagem André Chalaneiro. romance destaca momentos em que a força expedicionária
brasileira sofreu com falta de alimentos e doenças no
Águas atávicas, de Marcos Faustino (2015), também transcurso do Pantanal, fatores que influenciaram no
retrata o período da Guerra do Paraguai. O romance é episódio da retirada de Laguna – momento em que as
centrado no personagem Pereirinha, nascido em Santana tropas brasileiras tiveram que sair às pressas do campo de
do Paranaíba, no noroeste do atual Estado do Mato batalha para evitar um massacre. Nota-se que em ambos
Grosso do Sul. Embora Santana do Paranaíba fosse os romances o Pantanal é apresentado como uma fronteira
relativamente distante dos maiores palcos de conflitos da móvel e instável entre Brasil e Paraguai e com grandes
Guerra do Paraguai, Pereirinha se vê envolvido, pois é dificuldades de travessias.
MAPA 6 Pantanal

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Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.
shtm>. Acesso em: out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/
mapa_LogTransportes_5mi.pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.
asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso
em: out. 2016.
Notas: 1. O recorte representa a região do Pantanal tratada neste capítulo.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período dos romances aqui sugeridos, assim como alguns elementos, e foram mantidos para melhor situar o leitor no palco dos acontecimentos.
3. Estão indicadas as principais rodovias.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Região e Romance 21 – Pergunta se êle sabe para onde foi Hekerê, tão às pressas. Pergunta, vá!

A resposta, porém, não demorou, depois de pequena arenga na


linguagem terena:
[...] Resquín então, virou-se para o chalaneiro que apetrechava a
– Herekê, agora, correndo p’ra avisá Grande Chefe. Grande Chefe
bruáca:
avisa Grande Chefe. Grande Chefe avisa outro Grande chefe. Amanhã,
Hekerê aqui.
– Que le parece, Andrés, estas campañas?
– Boas. Boas quanto tão boas! Mas, iguais aquelas das Ararunas, – Já sei disso. Pergunta onde stá êsse grande chefe Izidór. Pergunta
quantos guerreiros tem êle... Pergunta!
decerto que nunca mais havemos de topar. O rio, por aqui, dá medo.
É atravancado de guapé e de buriti tombado, por isso que ele se perde Um dos índios, então, articulou a resposta à memé:
no pantanal, sem saber p’ra que lado vai correr. É rio que some na
– Uh! Uh! “Maiána Pararé Uô-hi!” “Maiána couê-có!” “Maiána
espraiadura da água, por léguas e léguas. No final, a gente pensa que é
hekerê” “uanukê!” “Maiána duutí”! “Maiána chojê”!...
rio e vai ver é lama. É tremedal. É brejão. É rio sumido. Não sei porque
chamam êle de “Rio Negro”. Em compensação, os campos, as baías, as – Gente muita, muita, muita! Mais que pararé na desóva! Mais que
salinas são uma maravilha. Mais p’ra lá, naquele chato do horizonte, piranha na lagôa! Mais brabos que vara de queixada! Mais que estrêlas
é o Pantanal do Silêncio. O Brejal não dá passagem. Até onça e índio no céu! Mais que cabelo na cabeça!...
têm medo dêle... Rogério de Camargo
...Aquele mar seco = o pantanal, p. 350
– E cuántas legoas tiene el Brejal, Andrés.
– P’ra mim é p’ra ter mais de vinte e cinco de comprido, por uns três – Toma tenção com êsse seu amigo paraguaio. Desconfia dêle, André.
de largo. Desconfia dêle! E mais: daqui por deante, Você não deverá tomar
nenhuma atitude, aqui ou fora daqui, sem me consultar. Vamos é
– Veinte y cinco de brejal? Verdad? estudar um plano. Um plano seguro para a nossa defesa. Sim. P’ra
– De brejal, sim senhor? E quem tentar passar é engulido. Se fôr defesa de nossas terras, si é que isso, por aí, não seja uma farsa, uma
preciso, êle engole até um exército de gente... brincadeira de mau gôsto desses índios. Você acredita em índio,
André?
– Caramba! Vamos poner esto nel mapa.
– Em índio? Não sinhô. Índio é peste de ruim de tudo. Acreditá nêles
– Podemos ponhar. é ser embromado, tôda a hora.
Rogério de Camargo – E êsse He-ke-rê?
...Aquele mar seco = o pantanal, p. 75-77
– Ah, tirante êsse!... Nêsse dá p’ra se aquerditá um bocado...
– E no Corimbatá? Você acredita?
– Quá o quê! Bem que vi. Isto é chão que ninguém sabe onde começa – Home, nhô Jerônimo... até, hoje, de manhãsinha, eu aquerditava,
o céu nem onde acaba a terra. Diz que o mar é ansim. Pode rodar, o mas, agora, uma pulga tá me coçando a oreia. E é o dianho!
zóio, numa virada do calcanhar. E tudo é parado mermo.
– E quantos dias calcula Você que poderemos apoitar no Corumbá?
– Aos paulistas, meu filho, Deus não deu terra assim, tão soberba! tão Um ar de satisfação iluminou o rosto do Chalaneiro:
cheia de encantos! – dizia Jerônimo. Nem tantas aves, nem tantos – Eu tava matutando nisso. Tava pensando em voltar, ansim, meio
gorjeios, nem tantas flores, nem tão delicados perfumes, num só sítio. de pé ligeiro, p’ra lá... Daqui a Corumbá, home, si não pará de batê
Sentem? Não sentem uma fragrância diferente? Um cheiro gostoso no a zinga, nem o remo, em três dias e três noites é p’ra se apoitar lá nas
ar? Pois, meus filhos, estou possuído do mesmo orgulho e da mesma pedras...
soberbia desta terra. Terra feita para o regalo da vista! Terra feita para – Pois bem. Vou tocar, aminhãszinha, p’ra lá. Você vai comigo.
as grandezas de um rei!
– Vou ajudando na zinga.
Rogério de Camargo
– Então, chame, ai, o Bernardo p’ra ir preparando os batelões.
...Aquele mar seco = o pantanall, p. 294
Rogério de Camargo
21
Manteve-se, neste Atlas, a grafia original conforme publicada nos livros. ...Aquele mar seco = o pantanal, p. 353
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

– Logo o meu filho! Mas, logo o meu filho! isso é que nunca! Nunca, – Ballenas, yo dudo. Pero, más dinossaurius. Si, unos reptiles, asi como
seu Jeró! Vê lá se vou deixar Lalito se meter por êsse mataréu! Deus los jacarés, cien veses mayor, que se sentavan sobre la imensa cauda,
me livre! Mêce não está louco, não? Deixar ir o meu filho?!... p’ra com sus enormes pescuezos como las culebras. Com cabezas tambien de
culebras... e braços que poderian levantar hasta troncos pesados.
passar fôme, p’ra morrer de sezão! Só mermo de louco! Pois, então,
Mecê chegou a pensar?! Será que chegou a ter a ingenuidade de pensar – Então, era bicho perigoso?!
que eu iria deixar meu filho tomar parte na aventura?! Ora, dá-se... – No. Tenian la cabeza muy pequena em relacion a el cuerpo. El
P’ra ser comido por onça!... p’ra ser frechado por búgre!... p’ra ser cérebro era muy chiquito para piensar e se defender. Solamente
picado por cobra!... Não, Jeró! Nem nunca mais me fále nisso! devoravan hierbas e capins á las toneladas, pueis sus barrigadas
pesavan toneladas, muchas veses más que los elefantes...
– Pois, eu cheguei a pensar, nhá Tuda! Cheguei a pensar que Mecê – Uaia! Nunca maginei semeiante bicho. Só mermo um marzão,
consentiria. Pois, não é p’ra o bom proveito dêle? Então, Mecê stá desses que engolem navio sem mastigar, é que podia suster o bruto.
ainda no tempo de pensar que o sertão é uma barbaridade? Não... Já se Este mar haverá, então, de ser bem fundo, não?
foi esse tempo. Isso, por aí afora, já stá muito mudado. Mas muito!...
– Si, si, Andrés. Sufficiente hondo para casi cobrir el majestoso
Já se faz a viagem inté com muita comodidade. Pois, inté botica já se
Urucum, ó sea, unos quatrocentos piés arriba...
tem, no Itapúra! Já tem quarter de infantes, no Corumbá. Isso de dizer
que onça e búgre comem gente, é bobáge, porque búgre e onça, p’ra se – Pucha! Então era água p’ra nunca mais acabar? E tudo trasvasou de
topar com os malditos, não se precisa ir muito longe da vila... uma pancada?
Rogério de Camargo – Fueran meses e años a correr, sin parar...
...Aquele mar seco = o pantanal, p. 65
– Ora, dá-se! Mas, pelo que estou vendo, acabou-se. Bem diz o ditado
– Saiba Usted Andrés, que esta tierra que estuviemos cruzando, desde que tudo se acaba neste mundo. Até o mar se acabou! É por isto que
quando salimos de Corumbá, ya fuera el hondo de um mar. Sí, un mar este Pantanal qué virar mar, de vez em quando, e vai enchendo. Mas,
Dulce, tal vez. Pero grande mar. Los “Feichos de los Morros” formavam fica só na vontade, pois quando pára de chover nas cabaceiras, volta a
la barrera que sostenía las águas. Um dia, los “Feichos” se rompieram e ficar sêco, outra vez. Coitado! Fica tão sêco que boi levanta polvodero
las aguas se fueron... para el outro grande mar, esso es, el oceano. na arribada. Virou mermo mar sêco, que não enche um palmo d’água
na fôrça das chuvaradas.
– Que bonito que havia de ser esse dia, não, seu Risquinho? A
peixarada tôda, inté as baleias, a se bater no sêco p’ra gente matar a Rogério de Camargo
pauladas. ...Aquele mar seco = o pantanal, p. 105-106

Foto 33: Lagoa pantaneira, ao fundo carandás, no Pantanal da Nhecolândia, Corumbá (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Comissão de Engenharia reunida, parecer unânime dos nove oficiais: – Acho que há engano na cor do rio, a divisa pretendida é o rio
partindo de Coxim, melhor caminho para Miranda era flanquear a serra Branco, bem mais ao sul – respondeu o capitão Lago. – Pode ser que
de Maracaju, no lado da bacia do rio Paraguai, enfrentando e transpondo agora, devido aos sucessos militares iniciais, ficaram com ambição
numerosos cursos d’água. Esforço de guerra exigindo pressa, sem maior, aumentaram o território cobiçado. Vamos perguntar ao
possibilidade de aguardar o período das secas, era preciso enfrentar água
primeiro paraguaio que encontrarmos. Talvez ele saiba responder
barrenta pelas canelas, às vezes até a cintura, quatrocentos [...].
onde fica esta província.
Marcos Faustino
Águas atávicas, 2015, p. 112 – Este nome esquisito que o tenente falou é como os paraguaios
chamam o rio Miranda, que vamos encontrar lá na frente, se Deus
Império das águas, deserto de gente, começava o Pantanal. Reino das permitir – respondeu um soldado.
onças, veados mateiros e capivaras na terra firme. Nos ares, multidão
de pássaros variados, belas garças e os grandes e desajeitados tuiuiús, Tristeza de Taunay, aniversário de vinte e três anos neste fim de
jaburus. Por baixo, no esconderijo das águas, o perigo dos jacarés mundo. E se morresse nestes cafundós? Tão jovem e cheio de vida!
traiçoeiros, sucuris imensas e peixes aos milhares. Brejão úmido de Nem família, amigos ou rabo de saia na dor do derradeiro pranto,
imensas planuras. Esparsas ilhas de terrenos pouco mais elevados, sem despedida. Cova rasa esquecida, existência sem sentido, tantos
maiores na vazante da seca em setembro, menores nas enchentes de sonhos acalentados, nenhum realizado. Uma bala inimiga, maleita
fevereiro. traiçoeira, beribéri, perneira sem cura, bastava. Era o fim de quem não
começou. O amigo Lago acode:
O primeiro obstáculo sério, a travessia do rio Negro. Taunay
perguntou: – Vida de militar é assim, você é pago para isto, nada mais.
– É esta a divisa da recém-proclamada província de Mboteteí, “agora e Marcos Faustino
para todo o sempre pertencente à República do Paraguai”? Águas atávicas, 2015, p. 115-116
Foto 34: Campos de Vacaria, ao fundo a Serra de Maracaju, Ponta Porá (MS).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.
Ervais Mato-Grossenses

Os Ervais Mato-Grossenses na Geografia

O sul do atual Estado do Mato Grosso do Sul, uma das fron-


teiras do País, encontrava-se em processo de profunda trans-
formação econômica e social nas últimas décadas do Século
XIX e primeiras décadas do Século XX, consolidando um
tipo muito particular de ocupação do território. O principal
vetor desse processo foi a Companhia Matte Larangeira, que
comandou a atividade extrativa de erva-mate na região. Pa-
ralelamente, essa área recebia contingentes significativos de
migrantes de outros estados brasileiros e de paraguaios que
buscavam terra e trabalho em uma região em processo de
reconstrução econômica e social após os impactos da Guerra
do Paraguai. O afluxo populacional e a apropriação de terras
para a pecuária e extração ervateira geraram conflitos entre
os migrantes e as populações indígenas Guaranis – disputas
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

agravadas pela incapacidade do Estado brasileiro intervir paraguaio e norte argentino (CORRÊA FILHO, 1957). As
à altura do problema, o que propiciou a atuação de justi- folhas da erva-mate são consumidas em infusões pelos in-
ceiros e pistoleiros. Esses processos ocorreram nos Ervais dígenas antes mesmo da colonização ibérica nas Américas,
Mato-Grossenses e se refletiram em produções culturais, mas apesar de sua relevância para a definição da região dos
inclusive literárias. Ervais Mato-Grossenses percebe-se que a área dos ervais
nativos (Mapa 7) não corresponde plenamente à proposta
A região dos Ervais Mato-Grossenses localiza-se
de delimitação da região (Mapa 8). Isto porque, apesar do
genericamente no sul do atual Estado do Mato Grosso
nome Ervais Mato-Grossenses, os processos que delimitam
do Sul, próximo à fronteira com o Paraguai, conforme
a região vão muito além da simples ocorrência da erva-­
mostra o Mapa 8. Apesar disso, o caráter eminentemente
mate no território.
fronteiriço da região autoriza a representação de uma
zona tênue de transição em suas extensões meridionais, A área configurada dos Ervais Mato-Grossenses pertenceu
abarcando territórios paraguaios contíguos à fronteira à Coroa espanhola, segundo o Tratado de Tordesilhas, sen-
brasileira, bem como a inserção de uma pequena área do do ocupada, nos Séculos XVI e XVII, por missões jesuíti-
extremo oeste paranaense, próxima à Cidade de Guaíra cas espanholas (CORRÊA FILHO, 1969). Entre as pro-
– uma das bases de operações da Companhia Matte duções da então chamada Província de Itatim, controlada
Larangeira. Essa grande área abrange hoje importantes pelo governo do Paraguai e Rio da Prata, figurava a erva-
cidades do Mato Grosso do Sul, como Dourados – um mate (CORRÊA FILHO, 1957). Porém a ocupação foi
povoado ainda pequeno à época aqui tratada para essa relativamente efêmera já que houve grandes dificuldades
região – e diversos núcleos urbanos fronteiriços como de estabelecimento por conta dos constantes ataques indí-
Porto Murtinho, Bela Vista e Ponta Porã. genas e de bandeirantes – os últimos principalmente em
meados do Século XVII. As missões e a cidade espanhola
A região abarca numerosas feições paisagísticas devido a
de Santiago de Xerez foram destruídas pelos sertanistas de
sua expressiva extensão, com destaque para o Pantanal no
São Paulo, no entanto a colonização portuguesa também
extremo oeste; as Serras da Bodoquena (oeste), de
não obteve êxito em razão do amplo domínio territorial
Maracaju (centro) e de Amambaí (sul) – divisores de
dos índios Guaykurús, que desenvolveram a montaria do
água entre as Bacias do Paraná e do Paraguai; e o sul dos
gado cavalar solto nos Campos de Vacaria, tornando-se
Campos de Vacaria – a partir do sul da atual Cidade de
uma ameaça para as investidas bandeirantes (HOLANDA,
Rio Brilhante (MS). Parte da região possuiu originalmente
2014). Desse modo, a região por muito tempo foi evita-
vegetação subtropical, especialmente o extremo sul, área
da, contribuindo assim para a consolidação da rota das
de ocorrência dos ervais nativos.
monções – expedições de bandeirantes aos sertões do oeste
A erva-mate (Ilex paraguaienses) nasce em extratos florestais por via fluvial – a norte, bem mais distante dessa região
e possui ocorrência em grande parte do sul do Brasil, leste (SODRÉ, 1990).
Área de ocorrência natural da erva-mate e concessões da Companhia Matte Larangeira MAPA 7

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Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/
bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.
br/HidroWeb.asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 4. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.
gov/>. Acesso em: out. 2016. 5. Brasil. Ministério da Guerra. Serviço de Conclusão da Carta de Mato Grosso. Carta do estado de Mato Grosso e regiões circunvizinhas. Sob a direcção geral de Candido Mariano da Silva Rondon e
direcção gráfica executiva de Francisco Jaguaribe Gomes de Mattos. Rio de Janeiro, 1952. 1 mapa. Disponível em: <http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_cartografia/cart341767/galeria/index.htm>. Acesso em: set. 2016. 6.
Corrêa Filho, V. Ervais do Brasil e ervateiros. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, Serviço de Informação Agrícola, 1957. (Documentário da vida rural, n. 12). 7. Silva, W. G. da. Controle e domínio territorial no sul do estado
de Mato Grosso: uma análise da atuação da Cia. Matte Larangeira no período de 1883 a 1937. Agrária, São Paulo: Universidade de São Paulo - USP, Laboratório de Geografia Agrária, n. 15, p. 102-125, 2011. Disponível em: <http://
www.revistas.usp.br/agraria/article/viewFile/79014/83087>. Acesso em: set. 2016. 8. Spengler, H. de M.; Carlito, M. P. Porto Murtinho: história e cultura: os guaicuru e o ciclo da erva-mate. Coxim: [s.n.], 2007. Disponível em:
<http://www.thomazlarangeira.com/porto-murtinho-historia-e-cultura/>. Acesso em: set. 2016.
Notas: 1. O recorte representa a área de ocorrência dos ervais nativos, e a área de concessão da Companhia Matte Larangeira adaptado a partir das fontes citadas.
2. A área de concessão representada refere-se ao somatório das diversas concessões à Companhia Matte Larangeira entre 1882 e 1895.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

O decréscimo da mineração em Cuiabá e na Bacia do Alto ervais nativos (SILVA, 2011) (Mapa 7). Sob a ótica do
Guaporé no fim do Século XVIII e a intensa migração ori- empresário e do Estado brasileiro, a iniciativa foi vista como
ginária do Triângulo Mineiro para obtenção de novas terras positiva não só do ponto de vista econômico, mas também
para a pecuária abriram caminho para a gradativa ocupação político, pois o extrativismo permitiria a colonização mais
não indígena dos Campos de Vacaria e posteriormente para efetiva da região. Desse modo, a partir de 1878, Thomaz
a área ao sul do atual Estado do Mato Grosso do Sul. Toda- Larangeira inicia o empreendimento de extração da erva,
via, a ocupação mais sistemática da região ocorreu em decor-
tendo como sede inicial a Cidade de Concepción no
rência dos desdobramentos da Guerra do Paraguai (1864-
Paraguai. Em 1882, Thomaz obtém a primeira concessão
1870) (SODRÉ, 1990; SILVA, 2011). No início da guerra o
da Província de Mato Grosso e, em 1883, cria a Companhia
exército paraguaio atacou diversos povoados relativamente
Matte Larangeira (CORRÊA FILHO, 1957; SILVA, 2011).
desguarnecidos militarmente na região, gerando êxodo
por parte dos civis que ali habitavam (CORRÊA FILHO, No período republicano, os influentes irmãos Murtinho
1969). Ao fim da guerra, o comerciante brasileiro Thomaz
tornaram-se sócios da empresa para auxiliar no financiamen-
Larangeira auxiliou a comissão para demarcação dos limi-
to. A partir daí, a sede da empresa e a base de exportação
tes entre Brasil e Paraguai e por meio dessas expedições ele
foi transferida para um porto do Rio Paraguai que originou
percebeu a possibilidade de exploração econômica dos ervais
a cidade de Porto Murtinho (MS), em 1892, por exigência
nativos do sul da Província de Mato Grosso (CORRÊA
FILHO, 1957). do governo brasileiro para a renovação das concessões. A
produção dos ervais seguia pelas costas dos trabalhadores e
A proximidade de Larangeira com os militares e com em carros de bois até Porto Murtinho, para daí seguir aos
governantes mato-grossenses facilitou a obtenção da maiores centros consumidores, entre eles Argentina e Para-
concessão em monopólio para explorar amplas áreas dos guai, por meio da hidrovia do Rio Paraguai. Entre 1909 e
1915, a Companhia Matte Larangeira transferiu novamente
sua base logística de exportação, dessa vez para Guaíra, no
Estado do Paraná, devido ao relativo esgotamento dos Ervais
Mato-Grossenses mais distantes do Rio Paraná (CORRÊA
FILHO, 1957). A Companhia chegou a construir estradas
de ferro particulares em Porto Murtinho (MS) e Guaíra
(PR), a primeira para passar por uma área pantanosa e a se-
gunda para contornar os trechos com quedas d’água no Rio
Paraná (CORRÊA FILHO, 1957).

A mão de obra contratada pela Matte Larangeira nos ervais


era fundamentalmente indígena, predominantemente Gua-
Foto 35: Representação de um trabalhador dos ervais no Museu Erva-Mate Santo An-
tônio, Ponta Porã (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015. rani, pois muitos deles permaneceram na área dos Ervais
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Foto 36: Ruínas do Castelinho, antigo edifício do governo federal, Ponta Porá (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.

Mato-Grossenses após a Guerra do Paraguai para fugirem Grande do Sul (1893-1895), pois muitos sulistas fugiram
da devastação do país platino (SILVA, 2011). O regime de da guerra e das perseguições após desfecho dela (CORRÊA
trabalho era extremamente penoso e precário. Além disso, FILHO, 1957; SILVA, 2011). Em todo o caso, o sul do
os regimes de concessão desconsideravam as territorialida- Estado de Mato Grosso apresentava-se como uma alterna-
des dos nativos e eles eram frequentemente deslocados em tiva para expansão dos rebanhos bovinos dos migrantes,
relação aos locais de suas tribos. pois as terras para esse fim eram cada vez mais escassas em
Outro fator que pressionava as populações Guaranis da estados mais populosos e no Mato Grosso havia grandes
fronteira Brasil-Paraguai foi a chegada de contingentes mi- áreas de terras devolutas. A própria Companhia Matte
gratórios de várias origens para os sertões ervateiros. Entre Larangeira apropriou-se de terrenos para a criação bovina
as várias correntes migratórias, destacam-se os cuiabanos, (SILVA, 2011). Muitas áreas nas quais os ervais nativos
os mineiros, desde meados do Século XIX, e os gaúchos, estavam esgotados passavam a ser apropriadas como terras
principalmente a partir da Revolução Federalista no Rio para engorda para o gado.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Gradativamente houve na região a formação de grandes


propriedades rurais e conflitos pela posse da terra e dos re-
banhos. Nesse contexto, emergiu paralelamente ao poderio
da Companhia Matte Larangeira o domínio de coronéis nas
áreas de pastagens da região dos Ervais Mato-Grossenses.
A incapacidade de mediação estatal para a resolução de
conflitos, por conta da baixa densidade demográfica e das
dificuldades de transporte, deu margem ao surgimento de
diversas formas de violência na região (SILVA, 2011), como
a pistolagem e o banditismo.

Entre as décadas de 1920 e 1940, o perfil regional se desva-


nece dada a gradativa perda dos privilégios da Companhia
Matte Larangeira e o aumento da produção de erva-mate
na Argentina, com a consequente redução do mercado da
Companhia (CORRÊA FILHO, 1957). Além disso, houve a
implementação da política de fronteira do governo Getúlio
Foto 37: Gado nos Campos de Vacaria, Dourados (MT).
Vargas, que previa uma mudança nos padrões de sua ocupa- Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.

ção, como a proibição do arrendamento de grandes proprie-


dades rurais nestas áreas e a priorização de assentamentos de
populações nacionais (SILVA, 2011). Foi nesse contexto que mentais, por exemplo, o hábito de tomar o tereré – infusão
se revogou a concessão da Companhia Matte Larangeira em da erva-mate em água fria.
1937, criou-se a colônia agrícola de Dourados em 1935 e
A fronteira Brasil-Paraguai era muito movimentada,
o Território Federal de Ponta Porã em 1943, cuja extensão
particularmente nas Cidades de Bela Vista e Ponta Porá,
corresponderia à soma da área dos Ervais Mato-Grossenses
ambas do Estado do Mato Grosso do Sul. A existência de
com o sul pantaneiro.
uma economia pastoril tornava ainda mais intenso o trânsito
No período de maior expressão da região dos Ervais Mato- entre os países nesta região. Da mesma forma, destaca-se na
Grossenses, observou-se uma interação cultural entre grupos época analisada a presença de uma cultura belicosa, tanto a
indígenas – majoritariamente Guaranis –, migrantes de partir da ação de coronéis latifundiários e da Companhia
diversos estados brasileiros – sobretudo gaúchos e minei- Matte Larangeira, como de pistoleiros, militares e orga-
ros – e paraguaios. As relações entre esses grupos não era nizações revolucionárias, haja vista a significativa adesão
harmônica, mas deixou marcas culturais importantes como do sul-matogrossense a movimentos como a Revolução
traços linguísticos comuns (uso de castelhanismos e de Constitucionalista (1932) e a Intentona Comunista (1935)
expressões guaranis na linguagem) e certos traços comporta- (IBANHES, 2012).
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Os Ervais Mato-Grossenses na Literatura vem de pano de fundo para o romance Silvino Jacques:
o último dos bandoleiros de Brígido Ibanhes (2012). Trata-
A região dos Ervais Mato-Grossenses consolidou práticas se de um romance que pretende retratar a biografia de
culturais muito singulares, e elas se expressam particu- Silvino Jacques, um gaúcho afilhado de Getúlio Vargas
larmente bem na linguagem regional e na literatura. Isso que migra para o sul de Mato Grosso. Sempre envolvido
porque a convivência fronteiriça de diferentes grupos em conflitos armados, seja em causas pessoais, de ami-
migratórios trouxe à linguagem comum hibridismos gos ou até em movimentos políticos, como a Revolução
entre a língua portuguesa, castelhana e guarani. Diversas Constitucionalista de 1932, Silvino acaba se dedicando
produções literárias regionais enfatizam essa característi- ao banditismo – em atividades como mortes por aluguel,
ca, que também pode ser observada em romances. Outra roubos, extorsões, golpes etc., tornando-se o bandoleiro
temática bastante recorrente nas produções literárias é a mais famoso do sul do estado.
violência das relações na fronteira e o intenso trânsito de
O romance mostra numerosas características regionais
um lado a outro dos limites entre Brasil e Paraguai.
significativas dos Ervais Mato-Grossenses representa-
dos por Silvino e por outras personagens da trama. Em
No romance Selva trágica, de Hernâni Donato (2011),
primeiro lugar destaca-se a própria condição de Silvino
há o retrato da vida na coleta da erva-mate sob a ótica
como migrante gaúcho e de diversas outras personagens
das mulheres e homens envolvidos no processo extra-
como migrantes tanto do sul como de outros estados ou
tivista. A superexploração da mão de obra tem grande
do Paraguai. As andanças de Silvino e seu bando e os
centralidade na trama, assim como a extrema violência
contatos que mantém em diversas localidades mostram a
que intermedeia as relações entre trabalhadores e fiscais
intensa movimentação transfronteiriça na região, inclusi-
do trabalho nos ervais. Também são retratados aspectos
ve com a presença de brasileiros morando no Paraguai.
mais corriqueiros sobre a lida com a extração, os méto-
dos de deslocamento das folhas, o tratamento pelo qual Percebe-se também a dificuldade da regulação estatal na
elas passam etc. Em meio a esse enredo, percebe-se um resolução dos casos de violência e conflitos na região, de
intenso uso de expressões castelhanas e guaranis na lin- modo que os proprietários de terra se armam ou recorrem
guagem comum, bem como a presença de indígenas de aos bandos para se protegerem uns dos outros. Esse as-
nacionalidade indefinida e traços culturais específicos da pecto fica mais sensível na trama no momento em que as
região, como o preparo do tereré – bebida fria feita com forças policiais mato-grossenses pedem auxílio ao exérci-
erva-mate. to para coibir as ações do bando de Silvino, e nem mesmo
os militares conseguem capturá-lo, pois não conhecem os
A atividade pastoril e os conflitos entre proprietários de pontos remotos do território e os caminhos alternativos
terra no sul do atual Estado do Mato Grosso do Sul ser- usados pelo grupo de Silvino Jacques.
MAPA 8 Ervais Mato-Grossenses
-58° -56° -54° -52°

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Meridiano Central: -54º
-58° -56° -54° SIRGAS 2000 -52°
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Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.
shtm>. Acesso em: out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/
mapa_LogTransportes_5mi.pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.
asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso
em: out. 2016.
Notas: 1. O recorte representa o sertão dos Ervais Mato-Grossenses tratado neste capítulo.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período dos romances aqui sugeridos, assim como alguns elementos, e foram mantidos para melhor situar o leitor no palco dos acontecimentos.
3. Estão indicadas as principais rodovias.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Região e Romance 22 Durante o forte da safra ninguém dispunha de meio dia para seu
descanso. Nem domingo, nem feriado, nem dia santificado. Só o
que tinha era trabalho. Levantar às três, comer às pressas comida da
Estão juntos do balanceador. Pytã traz as orelhas em ponto de fogo e véspera, correr à mina, cortar, sapecar ao fogo das tataguas, depinicar,
a raiva azedando o seu cansaço. Acomoda o raído na balança e senta-se acomodar o raído, lombar vinte arrobas da erva por quilômetro de
sobre as pernas a ver como o homem deita os pesos medindo o seu
trilhas perigosas, pesar e, se houvesse luz no céu e força nos braços,
trabalho.
recomeçar... Isso era o trabalho de todo dia! A rigor não viviam em pé,
O justo! Nem mais nem menos. Duzentos quilos! e sim curvados. Mas na Semana Santa...! Aha! a Semana Santa! Tudo
Pytã levantou os olhos para ele: ao contrário – só o que não se fazia era trabalhar.
Nunca mais do que o justo?... Nunca?... Hernâni Donato
Selva trágica, 2011, p. 168
O balanceador faz um gesto de “não me aborreça” e manda aproximar-
se outro mineiro. Flora toca o ombro de Pytã ainda sentado. E mostra-
lhe as mãos vazias:
Arrancavam os atacados – por caminhos que o diabo em pessoa abrira
Nem milho, nem carne. com os cascos – até Capivari e dali a Cerro-Corá, depois a Aguerito,
Hernâni Donato em seguida a Passo Mbuti e por fim à Vila Concepción onde jogavam
Selva trágica, 2011, p. 37 as bolsas para o bojo das barcas. Diziam os entendidos que isso era
ruim para o Mato Grosso, que muita erva saía do país sem pagar os
direitos. Vai daí que o Governo mandou torcer todos os caminhos e
Pois é disso que tenho receio. Da política da terra não me interesso. fazer os tapês correrem para o Porto Murtinho onde fiscais e soldados
Vim falar com seus amigos. Disseram o que pensavam e ouviram o estavam dia e noite de olhos abertos e lápis na mão. A Companhia,
que eu disse. Agora gostaria de ouvir o que diz a Companhia. Afinal que precisava da erva com muita pressa, esticou a estrada de ferro até
muito do que há de bom neste sul de Mato Grosso foi ela que fez. a boca dos depósitos. Porto Murtinho virou cidade. Mas foi triste para
Você diz que não? os carreteiros e arrieiros que não passaram mais para os lados gostosos
Pois olhe, eu digo que sim, que foi ela que fez. Mas fez com o sangue, das terras paraguaias.
o couro de muitos de nós, gente do trabalho.
Hernâni Donato
Hernâni Donato
Selva trágica, 2011, p. 215
Selva trágica, 2011, p. 57
Ênio acendeu o cigarro, sem pressa, calculadamente.
Companheiro, se foram corridos por quem penso que foram, isso até
que melhora o seu crédito.
Riram todos. De alívio e de gosto. Podia-se tratar com o homem.
Pois foi. A Companhia reinou de aparecer por lá rastreando uns
mineiros fugidos.
Longe?
Seis léguas a montante desta cabeceira.
Longe. Não é o primeiro. A Companhia tem uma concessão de
duzentas léguas com quase todo o mate do mundo ali dentro. Mas fica
danada se um changa-y lhe poda uma árvore.

Bem, daí que Deus fez o mato assim grande. Por mais gente, barco,
caminhão e cavalo que a Companhia distribua na vigia, sempre há de
haver uma trilha pra o changa-y ganhar o seu.
Hernâni Donato
Selva trágica, 2011, p. 116
Foto 38: Monumento em homenagem aos trabalhadores dos ervais, Pedro Juan Caballero
22
Manteve-se, neste Atlas, a grafia original conforme publicada nos livros. (Paraguai). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Os membros do grupo eram obrigados a prender um lenço vermelho – O que é então isso? - insistia o gaúcho apontando uma lata de azeite,
no pescoço, indicativo de que o portador estava preparado para honrar e o outro, engolindo em seco, respondia:
a cor do seu sangue. Silvinho usava o lenço espalmado por sob a axila
esquerda e preso sobre o ombro direito, e escondia parte do tórax, – É graxa de mocotó de vaca!...
onde carregava as armas. Provável herança dos “maragatos” do Rio Brígido Ibanhes
Grande do Sul, apesar de Getúlio Vargas ser de origem “chimango”. Silvino Jacques: o último dos bandoleiros, 2012, p. 201

Marchava a passos lentos o pelotão de homens a cavalo, como a sucuri


que bamboleia à procura da presa. – Agora você vai cavar um buraco bem fundo!

Muito a contragosto o linguarudo começou a dura tarefa e, quando


Brígido Ibanhes o serviço estava pela metade, o Silvino chegou perto dele vindo do
Silvino Jacques: o último dos bandoleiros, 2012, p. 66 acampamento e perguntou:

– Você gosta de rapadura?


– Você é o tal do Silvino Jacques matador? Cadê a tua arma? -
– Gosto sim Silvino! - respondeu o outro e ganhou um pedaço de
perguntou o delegado não vendo arma na cintura do homem que o rapadura que foi logo mastigado, pois o esforço do trabalho lhe abriu
fitava sem demonstrar medo. o apetite.
Como se o caso não fosse com ele. – Gosta também de cachaça?

Com a mão esquerda o bandoleiro descobriu o travesseiro enquanto – Gosto, Silvino!


com a direita empunhava a arma colocada no piso. O delegado, ao ver
– Então toma!
o quarenta-e-quatro, agachou-se para apanhá-lo e por um instante seu
corpanzil cobriu a visão dos companheiros. A mão direita subiu como Enquanto o sujeito virava o gargalo da cachaça na cara o tiro explodiu
um raio e a coronha o trinta-e-oito bateu forte na têmpora do delegado e lá se foi o Aníbal para dentro do buraco, sua própria sepultura.
que desabou emborcado na cama, esguichando sangue.
Brígido Ibanhes
Brígido Ibanhes Silvino Jacques: o último dos bandoleiros, 2012, p. 203
Silvino Jacques: o último dos bandoleiros, 2012, p. 191

Entrava o ano de 1938.


Na fazenda Três Morros morava o paraguaio Miguel Casanova que
tocava um bolicho, por onde de vez em quando cruzava o Silvino com Patrulhas saiam dos quartéis no sul do Mato Grosso, principalmente
seu bando. O bolicheiro tinha dificuldade em pronunciar a palavra de Campo Grande, mas não conseguiam acabar com os bandidos, que
“azeite’ sem trair o seu sotaque. Sabia que o bandoleiro não gostava por onde passavam roubavam, estupravam e aterrorizavam as pessoas.
nem um pouco de paraguaios. Parecia de próposito, em cada cruzada, Perdeu-se a hospitalidade, pois cada estranho representava um perigo.
o Silvinho perguntava: As crianças eram instruídas a não conversar com estranhos e os adultos
evitavam andar pelos campos e lugares ermos.
– E aí, homem, tem azeite?
Brígido Ibanhes
– Não sei, Silvino! - desconversava o bolicheiro. Silvino Jacques: o último dos bandoleiros, 2012, p. 210
Foto 39: Ponte ferroviária sobre o Rio Araguari, divisa entre os Municípios de Uberlândia (MG) e Araguari (MG).
Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
S ertões dePassagem
Foto 40: O Sertão da Farinha Podre, Sacramento (MG).
Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
Sertão da FarinhaPodre

O Sertão da Farinha Podre na Geografia

A região aqui denominada Sertão da Farinha Podre cor-


responde, grosso modo, ao atual Triângulo Mineiro, área
delimitada ao sul pelo Rio Grande, pelo Rio Paranaíba ao
norte e pela Serra da Canastra a leste.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

extensão, muito além do que um dia foi o Sertão da Farinha


Podre. O imenso território dos índios Caiapós Meridionais
abrangia grande parte do sul do atual Estado de Goiás, o
oeste de São Paulo, o atual Triângulo Mineiro e o leste do
atual Estado do Mato Grosso do Sul. Toda esta área era
chamada pelos colonizadores de Sertão do Gentyo Caiapó
(CAMPESTRINI, 2002, p. 30) ou ainda, Caiapônia (Lou-
renço, 2005, p. 54).

A natureza proveu ao Sertão da Farinha Podre, em específi-


co, uma parcela da Caiapônia, solos férteis na porção leste e
nos terrenos mais baixos, próximos aos corpos d’água. Imen-
sos derramamentos vulcânicos cobriram grandes porções da
Foto 41: Serra da Canastra, Sacramento (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015. Bacia Sedimentar do Rio Paraná durante os períodos Triássi-
co e Jurássico (até aproximadamente 100 milhões de anos
O desbravamento deste sertão insere-se no contexto histó- atrás). Na área compreendida pelos Rios Grande e Paranaí-
rico do ciclo aurífero do Brasil Colônia. Diferentemente, ba, porém, os horizontes basálticos encontram-se recobertos
porém, de grande parte do território do atual Estado de por sedimentos. Nesta área, os solos vulcânicos, mais férteis,
Minas Gerais, o Sertão da Farinha Podre não apresentava encontram-se somente “expostos localmente ou ao longo dos
significativas ocorrências minerais à época em que a presen- grandes cursos formadores do Paraná” (REGIÃO..., 1977,
ça de ouro ditava o rumo dos deslocamentos portugueses na p. 20). Com isto, nos terrenos mais altos, os solos são mais
América. Mesmo assim, ainda na primeira metade do Século pobres, enquanto nas áreas rebaixadas pela ação erosiva, nos
XVIII, foram justamente os deslocamentos de bandeirantes vales, apresentam boa fertilidade. O relevo planáltico apre-
paulistas, sempre em busca de novas descobertas, que torna- senta colinas alongadas, além de terrenos altos e aplainados,
ram este sertão uma estratégica área de trânsito entre a Vila as chapadas, quebradas por vales aprofundados, fruto dos
de São Paulo do Piratininga e o Sertão dos Goyazes, mais processos erosivos promovidos pelos rios.
tarde Capitania de Goiás.
Foto 42: Vales alongados e Cerrado depredado, Sacramento (MG).
Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
Pode-se dizer que esta região tem sua ocupação colonial
ligada ao deslocamento, mais que propriamente à fixação.
Esta viria bem mais tarde, até porque a forte presença in-
dígena representava grande dificuldade para o povoamento
eurodescendente.

Este é um outro aspecto de importância para a caracteriza-


ção da região. A população indígena espalhava-se por vasta
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Figura 4: Terras do Brasil Central, Séc. XVIII, em destaque o Reyno do Gentio Cayapó e Certão dos Bororos.
Extraída de Garcia (2002, p. 294-295).

Os corpos d’água tributários do Rio Paranaíba atraíram, O clima da região é classificado como tropical continental,
na segunda metade do Século XVIII e primeira metade do com verões úmidos e invernos secos e temperaturas eleva-
Século XIX, migrantes voltados à atividade do garimpo, das ao longo de todo o ano, ainda que a amplitude térmica
responsáveis pela origem de alguns pequenos povoados não seja desprezível. A vegetação é de Cerrado exuberante,
ribeirinhos. Os solos férteis presentes a leste permitiram a o mais denso da Região Sudeste do Brasil, ao lado daquele
fixação de povoados maiores dedicados à agricultura. Onde presente no norte do Estado de Minas Gerais (REGIÃO...,
o solo não se mostrava favorável, a pecuária desenvolveu-se 1977, p. 102). Atualmente, porém, essa vegetação encontra-
com grande força. se bastante descaracterizada pelas atividades agropecuárias.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Nos primórdios do Século XVIII, o que hoje são os terri-


tórios de Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso
estavam administrativamente unidos, pertencentes à Capi-
tania de São Vicente. Em 1709, foi criada a Capitania de São
Paulo e Minas do Ouro na sequência do término da Guerra
dos Emboabas. A nova capitania foi dividida em comarcas
e, em 1714 foi criada a Comarca do Rio das Velhas, englo-
bando terras do norte do atual Estado de Minas Gerais e do
Sertão da Farinha Podre.

Em 1720, a Coroa portuguesa determinou ainda a eman-


cipação da região das minas, criando a Capitania de Minas
Gerais, no território que englobaria as Comarcas de Vila
Foto 43: Vegetação de Cerrado Sacramento (MG).
Thiago Gervásio F. Arantes, 2015. Rica, Serro Frio, Rio das Mortes e Rio das Velhas. Foram
também instalados postos de controle e registro ao longo
Do Sertão do Gentio Cayapó ao dos principais acessos a toda a capitania, com vistas a in-
Sertão da Farinha Podre tensificar o controle sobre a produção e arrecadação aurífera
(Bastos, 2012, p. 206).
A ideia de um sertão despovoado à espera da colonização e
do processo exploratório não corresponde exatamente à re- Excluídos da região aurífera das Minas Gerais, bandeirantes
alidade histórica do espaço delimitado pelos Rios Grande e paulistas partiram para explorar outras terras, embrenhan-
Paranaíba (CARVALHO; PEDROSA, 2014, p. 344). Antes do-se nos sertões do Oeste, nas terras da Caiapônia, para
da ocupação colonial, e mesmo após, o Sertão da Farinha adentrar o continente e desbravar o Cerrado.
Podre era amplamente ocupado por povos indígenas de dife-
rentes etnias, com destaque para os inúmeros e beligerantes Estas incursões exploratórias, voltadas, sobretudo, ao
Caiapós Meridionais. Este grupo indígena era considerado apresamento de indígenas, abriram novos caminhos pelo
um dos mais perigosos do Brasil, seja por suas “práticas interior do Brasil, incorporando as terras do Cerrado à
culturais nada aceitáveis pela sociedade branca” (Aman- administração colonial (Souza; MOREIRA; PEDROSA,
tino, 2006, p. 191), seja pela forte e agressiva resistência 2014, p. 1459). A empreitada mostrou-se muito bem-
que impunham ao projeto colonizador. sucedida: jazidas auríferas foram descobertas nos atuais
Estados de Mato Grosso, em 1719, e de Goiás em 1725.
O Sertão da Farinha Podre nasce para a colonização como
parte integrante dos grandes processos de ocupação, mas Em pouco tempo, as jazidas despertaram o interesse de ou-
não como destino final para os colonos, local de passagem tros aventureiros. Todo um aparato civilizatório foi empre-
que era. endido nas recém descobertas regiões auríferas. Em 1727,
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

era fundada Vila Boa, centro minerador das minas goianas, dos territórios da Capitania de São Paulo. A nova capitania
destino de inúmeros bandeirantes, mineradores, tropeiros e estendia-se do Rio Paranaíba (atual divisa do Estado de Mi-
sacerdotes. nas Gerais com Goiás) até a confluência dos Rios Araguaia e
Tocantins (atual divisa oeste do Maranhão).
Para a descoberta das jazidas goianas, a expedição de Barto-
lomeu Bueno da Silva, conhecido como Anhanguera, saída Visando controlar a entrada nas minas goianas, a
de terras paulistas, perpassara, em 1722, as terras compreen- administração colonial, já em 1730, estabeleceria o
didas pelo Rio Grande e pelo Rio Paranaíba, parte integran- Caminho do Anhanguera como a única via entre São
te do Sertão do Gentio Cayapó (Lourenço, 2005, p. Paulo e Goiás, com severas penas aos que usassem desvios
50). Da picada aberta pela expedição, um caminho viria a se (Lourenço, 2005, p. 52). A posse das terras no entorno
consolidar nos anos subsequentes. do caminho, porém, não estava garantida para a Coroa.
A área permanecia habitada pelos índios Caiapós, que
Em 1730, sertanistas paulistas estabeleceram um cami- representavam riscos constantes aos viajantes. Para facilitar
nho fixo ligando a Vila de São Paulo ao povoado goiano de o deslocamento na área, a administração colonial ergueu
Vila Boa. O caminho, provavelmente sobre a mesma trilha entrepostos ao longo do Caminho do Anhanguera ainda na
aberta anos antes por Bartolomeu Bueno da Silva, ficaria primeira metade do Século XVIII.
conhecido como Estrada dos Goyases ou do Anhanguera
(PACHECO; SOUZA apud Souza; MOREIRA; PE- Estes primeiros núcleos de povoamentos, estabelecidos a
DROSA, 2014, p. 1459). O acesso dos paulistas às minas de partir de 1748 consistiam, essencialmente, de aldeamen-
Goiás passaria a ser feito através deste caminho, uma longa tos de índios Bororos trazidos das terras de Mato Grosso
estrada que cortava do sul para o norte as terras ocupadas compulsoriamente ou cooptados pela catequese para ajudar
pelos índios Caiapós. a combater os Caiapós (Ribeiro; Oliveira, 2015, p.
188). Três foram os aldeamentos principais, Rio das Pedras
Assim, o território compreendido pelos Rios Grande e Pa- (mais tarde, Município de Cascalho Rico, MG), Santana
ranaíba foi integrado às atividades coloniais como caminho (Município de Indianópolis, MG) e Lanhoso (desaparecido).
obrigatório às novas jazidas em Goiás. Um local de passa-
gem por excelência. Nos anos seguintes, outros aldeamentos surgiram, pro-
vavelmente devido ao crescimento da população dos três
Encontra-se aqui a principal particularidade deste pedaço primeiros, porém, não prosperaram (LOURENÇO, 2005, p.
do sertão: foram os caminhos o vetor de ocupação do espaço 56). Mesmo dentre os aldeamentos principais, apenas dois
entre os Rios Grande e Paranaíba. sobreviveram até os tempos atuais.

A descoberta das Minas no Sertão dos Goyases (1725) Destes entrepostos, segundo a versão mais aceita, surge o
levaria à criação da Capitania de Goiás em 1744, o que se nome de batismo deste pedaço do sertão. Como os viajan-
efetivou somente em 1748, com o seu desmembramento tes deixavam ali seus pertences para aliviar o peso carrega-
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

do nas viagens, e ao voltar encontravam seus alimentos em A criação dessas aldeias revela essencialmente o interesse
avançado estado de deterioração, o território cortado pelo da administração colonial em proteger a região das minas
Caminho do Anhanguera e delimitado ao sul pelo Rio de Goiás (Bessa, 2013, p. 512). Com um povoamento
Grande e Rio Paranaíba ao norte, passaria a ser chamado rarefeito ao longo do único caminho aberto, garantia-se
“Sertão da Farinha Podre”, alcunha que perdurou por mais uma segurança mínima aos tropeiros em meio ao Sertão
de um século e lhe forneceu uma identificação indepen- do Gentio Cayapó e, ao mesmo tempo, dificultava-se rotas
dente do termo genérico dos sertões do Oeste, de onde alternativas por onde a produção aurífera pudesse escoar
se desmembraria no sentido semântico (Naves; Rios, ilegalmente. Em síntese, o escasso povoamento do Sertão
1988, p. 14). da Farinha Podre servia como um desestímulo ao contra-

Um outro caminho ainda ligaria Goiás ao restante da bando (Lourenço, 2005, p. 64).
Colônia, porém longe das terras paulistas. Em 1736, no
O conflito com os índios Caiapós, por sua vez, fazia das
auge da exploração aurífera em Minas Gerais, foi criada a
terras distantes do Caminho do Anhanguera, um lugar
Picada de Goiás, uma Estrada Real ligando Vila Boa a São
altamente violento, perigoso o suficiente para desesti-
João del Rei e a Vila Rica, passando pelo norte da capitania
mular ainda mais o surgimento de rotas alternativas ao
mineira, distante do Sertão da Farinha Podre (Bessa, 2013,
escoamento da produção aurífera de Goiás (Lourenço,
p. 513). O novo caminho seguia as mesmas designações
2005, p. 64).
impostas à Estrada do Anhanguera, fortemente vigiada e
com circulação controlada pela Coroa. Ainda que não houvesse um estímulo a ocupar estas terras,
outros povoados teriam surgido no Sertão da Farinha
No Sertão da Farinha Podre, por sua vez, o controle das
terras no entorno do Caminho do Anhanguera deu início Podre já na primeira metade do Século XVIII, apesar do

a um longo período de guerras entre os colonos e os índios risco constante representado pelos conflitos com os índios.
Caiapós (Lourenço, 2005, p. 54). Ao norte, bandeirantes teriam chegado às margens do
Rio Bagagem em 1722. Segundo Bacelar (2005, p. 81),
Ainda que o Caminho do Anhanguera fosse o principal a descoberta que o rio seria diamantífero teria levado
eixo a dar acesso aos paulistas às terras do Sertão da Fari- ao lento desenvolvimento de um povoado de tímidas
nha Podre, não foi a ocupação inicial, os aldeamentos ao proporções nos anos seguintes. Há registros de 1772
longo do caminho, que desenhou o povoamento da área. confirmando a existência do Arraial de Bagagem (atual
Segundo Lourenço (2005, p. 62, 93), a explicação para isto Cidade de Estrela do Sul, MG) e da atividade de faiscação
encontra-se no caráter original desta ocupação: o Sertão no rio. Um aumento significativo da população, porém,
da Farinha Podre era uma área de passagem, tão somente. teria de esperar até o Século XIX, quando o transbordo da
Não era objetivo da administração colonial o povoamento população das Minas Gerais levou à ocupação do Sertão da
efetivo dessas terras. Farinha Podre de um modo mais generalizado.
MAPA 9 Eixos de articulação do Sertão da Farinha Podre nos Séculos XVIII e XIX
-50° -48°

Mapa de

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localização

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Povoamentos pioneiros Povoados Nome atual


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Aldeamentos extintos Grand
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( Atuais cidades Santana Indianópolis
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Rotas e caminhos Campo Belo Campina Verde È
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Estrada Geral de Goiás - 1824 S. José do Tijuco Ituiutaba


BA

Estrada do Chapadão da Zagaia - 1816


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Vila de M orrinhos Prata


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Estrada do Piquiri -1829 S. Pedro Monte Alegre de Minas

Estrada dos Goyazes (caminho da Anhanguera) - 1722 Bagagem Estrela do Sul


30 0 30 km
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Hidrografia
ê
Garimpo das Alagoas Conceição das Alagoas
PROJEÇÃO POLICÔNICA
Meridiano Central -54°
-50° -48° SIRGAS 2000

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/
bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.
br/HidroWeb.asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 4. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.
gov/>. Acesso em: out. 2016. 5. Lourenço, L. A. B. O Triângulo Mineiro, do império à república: o extremo oeste de Minas Gerais na transição para a ordem capitalista (segunda metade do século XIX). Uberlândia: Edufu, 2010.
p. 52, 61. 6. Chaves, C. Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central. Rio de Janeiro: Ed. A Noite, 1943. Prefácio.
Notas: 1. O recorte representa o Sertão da Farinha Podre e do Triângulo Mineiro, com destaque para as rotas que cortaram o território em diferentes períodos. Estas rotas foram adaptadas a partir das fontes citadas.
2. As toponímias indicam a denominação vigente no período.
3. No quadro estão listadas apenas as localidades que sofreram mudança no nome.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Também o Arraial do Tabuleiro, nas proximidades do Rio [...] o Cerrado indígena, que consistia num espaço milenar,
das Velhas (nome local, no alto curso do Rio Araguari), ao ocupado por uma economia horticultora e aldeã, complemen-
tada pela atividade de caça e coleta; e o Cerrado geralista,
sul da área, teria sido fundado em 1748, segundo Pontes
espaço de uma sociedade que se fundamentava numa economia
(1970, p. 48), por ocasião da descoberta de jazidas auríferas
agrícola e pecuarista, que, apesar de ter incorporado um grande
às margens do rio. Neste caso, um ataque de índios destrui- número de técnicas indígenas, organizava o trabalho humano e
ria o arraial pouco tempo após sua fundação. utilizava os recursos do Cerrado de forma inteiramente diferen-
te da sociedade anterior e que, por isso, a destruiu (Louren-
A criação destes povoados segue a lógica “natural” da ço, 2005, p. 41).
ocupação dos grandes territórios, guiada pelo acesso a certas
condições ecológicas. As fontes de água e/ou recursos dariam Sobre os confrontos com os índios, fatos documentados
origem a aldeias, vilas e cidades. Como exemplo disso, o misturam-se com narrativas locais, sujeitas às dinâmi-
traçado urbano do Arraial de Bagagem (atual Estrela do cas próprias da transmissão oral. Uma das mais fortes
Sul) “segue as sinuosas linhas do Rio Bagagem, ocupando tradições orais da região diz respeito à tribo dos Araxás,
e envolvendo parcialmente este rio em suas margens poderosa tribo indígena que teria sido responsável pela
aluvionais e também abraçando seus contornos e meandros” destruição do Arraial do Tabuleiro, mas cuja existência os
(Bacelar, 2008, p. 24). O fato, porém, do número de
historiadores ainda discutem. Segundo Pontes (1970, p.
povoados com esta conformação ser tão reduzido no Sertão
48), a destruição do Arraial do Tabuleiro teria ocorrido por
da Farinha Podre durante o Século XVIII evidencia que
ocasião de um ataque dos índios Caiapós; quanto aos Ara-
além dos fatores naturais, havia uma decisão administrativa
de limitar a ocupação. As terras entre os Rios Grande xás, ainda segundo Pontes, a tribo, que não teria deixado
e Paranaíba deveriam se manter como um espaço de indícios, existiu de fato, e é pouco conhecida em virtude
passagem, ao menos durante os ciclos auríferos das áreas de seu gênio pacífico e sociável (o que contrasta com a
vizinhas, evitando uma ocupação orgânica que facilitasse o visão de uma tribo destruindo um arraial, conforme prega
contrabando. a tradição oral). A tribo teria desaparecido devido a “seus
vastos cruzamentos com o colono branco, conquistador da
A guerra contra os Caiapós pelo controle da terra durou
região” (Pontes, 1970, p. 19).
aproximadamente de 1749 a 1780 (LOURENÇO, 2005,
p. 54), promovendo o embate entre tribos inimigas tra- Independentemente de toda a tradição oral e das causas de
zidas à região para lutar contra os nativos, bem como de sua destruição, o Arraial do Tabuleiro de fato existiu (LOU-
negros escravizados trazidos especialmente para este fim. RENÇO, 2005, p. 54), e suas ruínas encontram-se poucos
O confronto teria dado origem ao Quilombo do Ambrósio,
quilômetros a jusante do ponto do Rio das Velhas onde
o maior do território atual de Minas Gerais, destruído por
se localiza o principal núcleo urbano do Sertão da Farinha
ordem do governo da Capitania de Goiás em 1759
Podre no Século XVIII – o Arraial do Desemboque, erguido
(Pontes, 1970, p. 47).
também às margens do Rio das Velhas e próximo ao pé da
Os conflitos confrontariam duas culturas. Segundo Lourenço, Serra da Canastra.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Fundado em 1760 (Bessa, 2013, p. 513), o Arraial de


Nossa Senhora do Desterro do Desemboque nucleou o po-
voamento do Sertão da Farinha Podre na segunda metade
do Século XVIII. Ele experimentou notável crescimento
populacional na sua primeira década, chegando a mais de
1 300 habitantes em 1765 (Oliveira, 2014, p. 683).
Sua fundação, à margem de um rio, obedece a lógica na-
tural de ocupação territorial e distingue-se enormemente
dos desígnios coloniais de somente se povoar o entorno da
Estrada do Anhanguera durante o ciclo aurífero de Minas
Gerais e Goiás (Lourenço, 2005, p. 65). O esgotamen-
to das jazidas na região das Minas e uma suposta desco-
Foto 45: Trecho ferroviário, Araguari (MG).
berta de ouro nas margens do Rio das Velhas trouxeram Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.

ao arraial grande população de geralistas. A localização


do arraial, a leste do Caminho do Anhanguera, colocava-o
na Capitania de Minas Gerais, no julgado de Paracatu, e
este fato deu origem a um dos mais folclóricos eventos da
história do Sertão da Farinha Podre.

Estudos apontam que, na verdade, a incrível prosperidade


do Arraial do Desemboque não resultou da exploração de
suas reservas auríferas, de fato pouco significantes. Segundo
Lourenço (2005, p. 115), a principal atividade econômica
do arraial seria, sim, o contrabando de ouro das regiões vizi-
nhas. Corroboram essa leitura dois apontamentos: a abertura
da Picada do Desemboque em 1764 (Bessa, 2013, p. 514),
um caminho clandestino que facilitava o contrabando de
pedras e metais preciosos; e as atividades de algumas das
principais figuras políticas do Desemboque na época, como
o Padre Marcos Freire de Carvalho e seu coadjutor, o Padre
Félix José Soares da Silva, famosos contrabandistas (Lou-
renço, 2005, p. 115).

Visando facilitar o contrabando de metais preciosos, o Padre


Foto 44: Marco inicial da ocupação do Sertão da Farinha Podre no antigo Arraial do Desem­
boque, atual distrito do Município de Sacramento (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015. Félix tornou-se célebre por seus jogos políticos e trapaças.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

No intuito de afastar a fiscalização das Minas sobre a área


do Desemboque, o padre partiu para uma campanha junto
aos moradores do arraial para que toda a terra entre os Rios
Grande e Paranaíba – todo o Sertão da Farinha Podre – fosse
transferida administrativamente para a Capitania de Goiás
(Pontes, 1970, p. 57).

Nas palavras do padre, segundo citado por Agripa Vas-


concelos (1985, p. 32), a cobrança da derrama (imposto
português) ocorreria em toda a Capitania de Minas Gerais,
mas o imposto não seria cobrado na capitania goiana, o que
tornaria interessante a transferência do arraial entre as capi-
tanias. O plano enfim se concretizou em 1762, quando toda
a região do Desemboque foi transferida para a Capitania de
Goiás, fato que não impediu que a derrama fosse cobrada,
mas facilitou as atividades ilícitas do padre. Em 1766, o ar-
raial foi elevado à condição de Julgado e foi oficializada sua
influência sobre todo este sertão (Pontes, 1970, p. 59).

Segundo Lourenço (2005, p. 116), com a mudança de


capitania, o Desemboque prosperou ainda mais, formando
agora um legítimo desvio entre Goiás, Minas Gerais e São
Paulo, usado por contrabandistas que fugiam da fiscalização
presente na bem-vigiada Estrada do Anhanguera.

O fim do ciclo do ouro teria impactado o crescimento do


Arraial do Desemboque. Por sua vez, a pacificação das terras
do sertão com o término dos conflitos com os Caiapós e a
flexibilização da forte vigilância no entorno do Caminho do
Anhanguera nas últimas décadas do Século XVIII possibi-
litaram um povoamento mais orgânico no Sertão da Fari-
nha Podre. Sem as restrições impostas, a grande população
espraiou-se pelas terras próximas, a partir da Picada do De-
semboque (LOURENÇO, 2005, p. 117), sobretudo para os
Foto 46: Detalhe da arquitetura colonial, Desemboque, distrito do Município de Sacramento (MG).
locais de solos férteis a leste, nas terras das chapadas situadas Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

entre os Rios Quebra-Anzol e das Velhas, dando origem à pecuarista, em virtude das fontes de água salitrosas presen-
Freguesia de Araxá em 1791, atual Cidade de Araxá (MG). tes na região (Bessa, 2013, p. 519). Em 1811, Araxá é
elevada à categoria de Julgado e o Sertão da Farinha Podre é
O colapso do ciclo aurífero na região de Minas Gerais tam-
dividido, com suas terras ao norte incluídas sob a jurisdição
bém ocasionou uma migração de geralistas para o Sertão do Julgado de Araxá e, ao sul, sob a jurisdição do Julgado
da Farinha Podre, onde a atividade agropecuária ganhava do Desemboque.
impulso (Ribeiro JÚnior, 2004, p. 43). Seu caráter de
A chegada do Século XIX consolidou, assim, uma nova
área de passagem com ocupação esparsa se manteria, porém
dinâmica econômica no Sertão da Farinha Podre. A agri-
agora, no final do Século XVIII e início do Século XIX,
cultura praticada era voltada, sobretudo, à subsistência e
acrescida de atividades econômicas capazes de fixar a popu-
ao abastecimento regional, com destaque para o cultivo de
lação em suas terras.
milho e algodão. A pecuária consistia numa atividade mais
A partir de populações saídas do Desemboque, novos povoa- integrada à economia colonial, fornecendo carne para as
dos surgem e prosperam. A oeste, local de terras mais planas capitanias próximas e para a Corte Imperial que se instalava
e solos bons para o pasto, apropriados para a criação de no Rio de Janeiro (Lourenço, 2005, p. 119).
gado, surge o Arraial de Uberaba em 1809. Araxá, por sua A prosperidade da atividade pecuarista fez de Araxá o prin-
vez, prospera rapidamente, como centro produtor agrícola e cipal centro regional, substituindo o Julgado do Desembo-
que que entrava em clara estagnação. O desenvolvimento de
Foto 47: Casa de Dona Beja, Araxá (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015. uma elite regional ligada à pecuária logo traria transforma-
ções espaciais ao Sertão da Farinha Podre.

Os pecuaristas da região, para levar seu gado ao Rio de


Janeiro, precisavam pagar duas taxas de entradas em capi-
tanias diferentes. Estando Araxá na Capitania de Goiás, o
transporte do gado implicava na taxa de entrada na Capita-
nia de Minas Gerais e de outra taxa de entrada na Capitania
do Rio de Janeiro (Bessa, 2013, p. 519). Duas taxas one-
ravam os produtores em seu trajeto até o principal mercado
da Colônia.

Nasce um movimento em Araxá para que todo o Sertão da


Farinha Podre, povoado majoritariamente por geralistas,
fosse finalmente desmembrado de Goiás e incorporado à
Capitania de Minas Gerais, inserido à Comarca de Paracatu.

Aqui, novamente a tradição oral produz histórias próprias


que entram para conhecimento público e compõem a
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

identidade regional. Segundo a tradição oral, apresentada A ocupação do espaço do Sertão da Farinha Podre foi, assim,
por Agripa Vasconcelos, em seu romance A vida em flor de moldada não de acordo com os rios ou com a expansão agrí-
Dona Beja (1985), a mudança do Sertão da Farinha Podre cola, mas direcionada pelos caminhos que o atravessavam
de Goiás para Minas Gerais ocorreu por intermédio de Ana no sentido sul-norte e leste-oeste. As atividades econômicas
Jacinta de São José, também conhecida como Dona Beja, que se sucederam na região foram essenciais para a consoli-
figura emblemática da história de Araxá. Ana, ainda jo- dação destes caminhos e mudanças na paisagem.
vem teria feito um apelo pela transferência com o objetivo
No ciclo aurífero, tinha-se no Sertão da Farinha Podre um
de evitar a prisão do Ouvidor Motta, que a sequestrara e a
povoamento esparso e restrito. Neste momento, ocorria a
mantinha em cativeiro na Vila de Paracatu do Príncipe.
transferência do território da Capitania de Minas Gerais
Independentemente dessa tradição oral, a documentação para a Capitania de Goiás. Findo o ciclo do ouro, toma es-
aponta que foi o apelo econômico dos produtores de gado, paço a atividade criatória neste sertão. Novos povoamentos
e não o apelo de uma bela jovem de Araxá o real motivador surgem, novas centralidades se formam e, em decorrência
da mudança de capitania de todo território entre os Rios dos novos interesses, o território seria finalmente incorpora-
Grande e Paranaíba para Minas Gerais em 1816 (Bessa, do à administração de Minas Gerais.
2013, p. 519). Começava a nascer o atual Triângulo
Mineiro, nome que suplantaria no final do Século XIX, a Foto 48: Antiga estação ferroviária (E. F. Oeste de Minas 1926-1931), Araxá (MG).
Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
antiga alcunha de Sertão da Farinha Podre.

De fato, a ocupação dos terrenos a oeste do Caminho do


Anhanguera se efetivaria no novo século que iniciava, embo-
ra a vocação do Sertão da Farinha Podre para um território
de passagem, de caminhos entre regiões distantes se manti-
vesse. A partir da primeira década do Século XIX, um mo-
vimento visando à exploração das terras a oeste da Estrada
do Anhanguera, em direção à confluência dos Rios Grande e
Paranaíba, ponto em que ambos os rios se juntam para for-
mar o Rio Paraná, ganha força no Julgado do Desemboque.
Em 1807, uma incursão formada por seis sertanistas e seus
dependentes avançou para as terras a oeste (Lourenço,
2005, p. 121). Um novo caminho começou a ser rasgado
no sentido leste-oeste, rumo às terras de Mato Grosso. Neste
novo eixo, povoamentos foram sendo criados, desenvolvendo
atividades ligadas, sobretudo, à pecuária.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Nesta nova fase, Araxá seria elevada à categoria de vila em de novas configurações territoriais que marcariam sua
1831. Uberaba iria ainda mais longe: em 1836, seria tam- modernização.
bém elevada à categoria de vila e viria a despontar como
Essas mudanças podem ser agrupadas em três níveis, a sa-
centralidade principal do Sertão da Farinha Podre (cada
ber: mudanças na relação campo-cidade; alterações advindas
vez menos sertão) no Século XIX, concentrando a ativida-
de novas acessibilidades territoriais; e a mudança nos eixos
de agrícola e a pecuária, sobretudo (Ribeiro JÚnior,
de integração da região com a economia do País.
2004, p. 42).
Na dinâmica da relação campo-cidade, houve alterações na
Ao mesmo tempo em que a nova atividade econômica passa
unidade “fazenda mineira” com o deslocamento de parte de
a ditar a dinâmica e a definir as centralidades neste sertão,
suas atividades de apoio para os núcleos urbanos emergen-
ocorre um surto diamantífero ao norte, no Arraial de Baga-
tes. Ao mesmo tempo, houve uma racionalização do campo,
gem, atual Município de Estrela do Sul (MG), impulsiona-
com o emprego de técnicas de cultivo que aumentaram a
do pela descoberta do lendário diamante de mesmo nome
produtividade. Não se tratava de uma quebra do modelo
em 1853. O surto tardio promoveria enfim o crescimento
produtivo, mas sim de um movimento modernizador que
do arraial que experimenta notável crescimento populacio-
acompanhou a urbanização na região e que perduraria pela
nal (Bacelar, 2005, p. 82).
primeira parte do Século XX.
Também a região do Pontal, das terras a oeste de Uberaba,
Da mesma forma, as principais mudanças nas acessibilida-
relegadas às margens da civilização colonial, sertão outrora
des territoriais foram a introdução da ferrovia no final do
ocupado pelos índios Caiapós, seria definitivamente incor-
Século XIX e, posteriormente, a ampliação da disponibi-
porado ao espaço colonial com o novo ciclo econômico da
região. Novas expedições foram organizadas na segunda lidade de rodovias na composição do sistema viário. Estas
década do Século XIX, partindo do Desemboque às terras últimas, por sua vez, fortaleceriam a vocação comercial que
de Mato Grosso. Ao longo do século, ocorreram diversas os principais centros urbanos viriam a assumir em épocas
doações de sesmarias para o povoamento do local. Como diferentes.
resultado, as terras foram ocupadas por grandes latifúndios, Nessa esteira, entre 1830 e 1890, o eixo de integração
inseridos na economia agrícola e pecuarista que se instalara dessa região viveu dois momentos. Na primeira metade do
na região (Lourenço, 2005, p. 121-123). Século XIX, o principal mercado para os excedentes agrí-
colas regionais era a capital do Império, Rio de Janeiro. A
Do Sertão da Farinha Podre ao ligação entre a região produtora e consumidora era realizado
Triângulo Mineiro por meio das estradas conhecidas como “picadas” partindo
de Uberaba. Num segundo momento, com a implementa-
Deixar de ser o Sertão da Farinha Podre para tornar-se o
ção da Ferrovia Mogiana na última década do Século XIX,
Triângulo Mineiro foi mais do que a aparente mudança
do termo referencial pejorativo de uma região. Tratou-se o eixo norte-sul, aquele aberto com a Estrada dos Goiases
de um processo complexo que tomou corpo na segunda (Anhanguera), existente desde o Século XVIII, efetivar-se-ia
metade do Século XIX e acompanhou o desenvolvimento como a principal rota.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A “fazenda mineira” e a relação campo-cidade


no Sertão da Farinha Podre

Conforme salienta Lourenço (2010), a fazenda mineira, pre-


sente desde o fluxo migratório dos geralistas no final do Sé-
culo XVIII para o Sertão da Farinha Podre, era uma unidade
produtiva diversificada que comercializava seus excedentes
e que procurava incorporar todo o aparato necessário para
garantir o autoconsumo e minimizar as importações.
A concepção presente nessas unidades era a de incorporar todas
etapas possíveis na produção e beneficiamento dos gêneros, e
até da reprodução da força de trabalho por meio do crescimento
natural dos plantéis de escravos. Assim, combinavam-se diversos
tipos de cultivo, em especial aqueles que formavam a base da
dieta mineira: milho, feijão, cana-de-açúcar e arroz. O algodão
Foto 49: Fazenda São Francisco, início do Século XX, em Uberabinha, atual Uberlândia
arbustivo também era quase onipresente. Nos quintais, espaços (MG). Acervo do Arquivo Público de Uberlândia (MG). Extraída de Lourenço (2007,
que compunham os complexos produtivos denominados sítios, p. 221).
cultivavam-se as árvores de espinho – isto é, laranjeiras, mexeri-
queiras e limoeiros –, jabuticabeiras e mangabeiras. Os cafeeiros
também eram frequentes, não como cultivo extensivo, e sim Corte era o principal destino, em um primeiro momento,
para uso doméstico (LOURENÇO, 2010, p. 185). mas foi gradativamente perdendo hegemonia para o eixo
paulista no final do Século XIX e início do Século XX.
Da mesma forma, demais atividades de apoio como a
“manufatura artesanal de tecidos, moinhos, engenhos de Segundo Martins (1998, p. 167-168),
cana e serra, olarias, tendas de ferreiro e, em alguns casos,
[...] a região do Triângulo ia gradativamente perdendo a condi-
até pequenas fundições compunham a planta produtiva das ção de passagem obrigatória entre o Centro-Oeste e São Paulo,
fazendas” (LOURENÇO, 2010, p. 185). com o estabelecimento de novas rotas (terrestres e fluviais)
entre as duas regiões, na segunda metade do século XIX. A
Os residentes dessas fazendas do Sertão da Farinha Podre, no navegação do rio Araguaia, ao norte de Goiás, com abertura de
pontes e portos nessa região e a criação de uma estrada ligando
início do Século XIX, visitavam os núcleos de povoamento
diretamente Mato Grosso a São Paulo (sem passar pelo Triân-
(arraiais, vilas e cidades) que se formavam ao longo da rede gulo), em 1866, são exemplos dessas novas rotas que coloca-
viária para comercializar seus excedentes. Essas localidades vam em xeque o papel desempenhado pelo Triângulo.
também serviam como local de celebração religiosa e venda
daquilo que a fazenda consumia, como sal e querosene. Servindo-se do papel de “boca de sertão”, Uberaba contava
com trilhas abertas na vegetação que se orientavam em três
O gado e os subprodutos agropastoris da região, como a principais eixos. No eixo norte, havia a antiga Estrada dos
banha, o couro, o toucinho, a aguardente, dentre outros, se- Goiases como via de acesso mais comum para Goiás até
guiam para centros urbanos maiores, num sistema de abas- 1850, no eixo noroeste a Estrada Geral de Goiás e no eixo
tecimento que terminaria no Rio de Janeiro e São Paulo. A oeste, a Estrada do Piquiri.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Esses três eixos formavam um nó em Uberaba, que exercia agência, para onde chegava a correspondência destinada aos ar-
a posição estratégica de cidade primaz. Fluxos de insumos raiais da região. A centralização da agência na cidade obrigava
os moradores dessas pequenas povoações vizinhas a deslocarem-
vindos do sul de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de São
se até lá, quando da chegada dos malotes, o que representava
Paulo, cuja distribuição utilizava essas estradas, passavam um elo de dependência (LOURENÇO, 2010, p. 91).
pela cidade primaz do Triângulo em direção aos demais
núcleos do Sertão da Farinha Podre, além de áreas que atu- Nas décadas seguintes, novas linhas espalharam-se pela
almente correspondem a partes dos Estados de Goiás e de região, notadamente seguindo os eixos das três principais
Mato Grosso (LOURENÇO, 2010). estradas, denotando o processo de densificação demográfica e
[...] Uberaba criou internamente as condições de diferenciação emergência de uma rede urbana.
e, por conseguinte, de ascensão hierárquica, complexificando
inclusive o próprio arranjo funcional da rede, pois, já em fins Contudo, os deslocamentos eram lentos e as “picadas” não
de 1850, aparecia cumprindo funções de intermediação entre
possuíam boa trafegabilidade e eram abertas sem o uso das
duas importantes redes: a do Rio de Janeiro e a de São Paulo,
tornando-se ponto nodal das solidariedades e complementari- técnicas mais avançadas da época, a exemplo das estradas
dades existentes entre Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São macadamizadas que se utilizavam de pavimentos com base
Paulo e Rio de Janeiro [...] (BESSA, 2013, p. 520-521).
rochosa para facilitar o deslocamento de tropas e animais.
Por mais que as interações comerciais tenham feito de Ube- O leito das estradas, no entanto, deslocava-se com o passar
raba uma cidade primaz, a urbanização no Sertão da Farinha do tempo, devido à deterioração causada pelo uso da abertura
original. O vossorocamento, os atoleiros, o desbarrancamen-
Podre era incipiente, formada por uma rede de arraiais que
to, que resultavam do desmatamento, da passagem de tropas
só pautavam interações ocasionais das fazendas como unida- e carros e da ação erosiva, obrigavam à utilização de desvios,
des autossuficientes produtoras de excedentes. Dessa forma, os quais, com o tempo, eram submetidos ao mesmo processo
pode-se afirmar que o locus da vida cotidiana, em boa parte (LOURENÇO, 2010, p. 61).
da região até o final do Século XIX, ainda era a “fazenda
mineira”. Para ilustrar a precariedade desse antigo sistema viário, Lou-
renço (2010) compara relatos documentados de dois viajan-
O histórico de implementação das linhas de comunicação tes se deslocando pela estrada do eixo oeste. O primeiro, em
dos correios revela a dinâmica na hierarquia das redes de
1816, cujo deslocamento se deu numa razão de 4,69 léguas
cidades. Essas linhas representavam uma medida de conexão
(30,9 km) por dia e o segundo, 81 anos depois, em 1897,
pela orientação e de importância pela presença local da
que conseguiu, pelo mesmo eixo, a razão de 4,6 léguas (30,7
agência, uma vez que a “proliferação das linhas postais
km) por dia, ou seja, não houve avanços na trafegabilidade.
ocorria numa época ainda pré-telegráfica, na qual os Correios
eram, praticamente, a única forma de acesso sistemático à
Uma das mudanças estruturais da região foi o abandono
informação não local” (LOURENÇO, 2010, p. 88).
gradual do trabalho escravo em favor do trabalho livre
Em 1830, não havia nenhuma agência dos Correios nas locali-
assalariado e a consequente mudança na forma de reserva
dades da Farinha Podre. A linha postal mais próxima passava
por Araxá, em direção a Goiás e Paracatu, vinda de São João de valor. Se até meados da década de 1870, principalmente
del-Rei. Em 1857, no entanto, Uberaba já dispunha de uma a propriedade de escravos cumpria esse papel, isso muda
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

drasticamente ao longo da década de 1880. Utilizando-se de A ferrovia e o fortalecimento


dados do Arquivo Público de Uberaba, Lourenço (2010), ao do eixo sul-norte
examinar os inventários post mortem daquela cidade entre os
A Companhia Mogiana de Estrados de Ferro - CMEF foi
anos de 1860 e 1900, identifica um padrão de transferência
criada em 1872 por fazendeiros de Campinas (SP) em um
das formas de riqueza.
momento de clara expansão ferroviária ligado ao boom cafe-
Na década de 1860, o patrimônio mancípio representava, pra-
ticamente, metade da riqueza da elite uberabense, e as terras eiro paulista. Seus trilhos se estenderam até Ribeirão Preto
respondiam por pouco mais de um quarto. Nas décadas de (SP) em 1883, até Franca (SP) em 1887, atravessaram o
1870 e 1880, duas tendências aparecem com nitidez: a redução
Rio Grande pela ponte da Jaguará (Sacramento, MG) em
da importância dos escravos e a crescente participação dos
investimentos imobiliários, tanto rurais quanto urbanos, na 1888, chegando a Uberaba (MG) em 1889. Esta, por sua
forma de acumulação (LOURENÇO, 2010, p. 136). vez, permanece como ponta dos trilhos até 1895, quando
foi inaugurada a Estação de Uberabinha (atual Uberlândia)
Tal movimento foi acompanhado por uma subida dos preços
e, em 1897, chega a Araguari (MG) (LOURENÇO, 2010,
da terra e da concentração fundiária. Com a chegada dos
p. 98-103).
trilhos da Ferrovia Mogiana a Uberaba, associada a um au-
mento demográfico de 120% naquela cidade e cerca de 83% Um novo sistema de transportes possui impactos diretos
na região, a geografia local encontrava bases para uma nova no desenvolvimento de uma região e o caso triangulino
diferenciação (LOURENÇO, 2010, p. 131-132, 175). não foi uma excessão. O eixo de integração regional se

Foto 50: Antiga locomotiva utilizada na Companhia Mogiana de Estrados de Ferro - CMEF, Uberaba (MG).
Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

do Triângulo Mineiro. Noutro sentido do fluxo, o Triângulo


passou a receber sal e produtos manufaturados da nascente
indústria paulista, bem como produtos importados de ou-
tros países que chegavam ao Porto de Santos.

Nesse sentido, Uberaba e Araguari, por serem a primeira


e a última cidade da ferrovia, na região, no sentido sul-
norte, se beneficiavam dessas posições, desenvolvendo o
que Martins (1998) chamou de “sistema de apoio” ao fluxo
de mercadorias. O autor ainda salienta que, em 1910, a
Estrada de Ferro Goiás chegou em Araguari, que se tornou
responsável pela intermediação de fluxos ferroviários entre
Foto 51: Ponte sobre o Rio Grande, início do Século XX, localidade de Jaguará, Goiás e São Paulo.
Sacramento (MG). Acervo do Museu da Companhia Paulista, Jundiaí (SP). Extraída de
Lourenço (2007, p. 148).
Sendo assim, nesse primeiro momento (1896-1910), havia
voltou novamente para o sentido sul-norte, em direção uma leve diferenciação das duas cidades na catalisação
a São Paulo e Goiás, com o trajeto semelhante ao de dos fluxos. Enquanto Araguari, como ponta de trilhos da
Bartolomeu Bueno Filho de meados do Século XVIII ferrovia em direção aos estados de Goiás e Mato Grosso, se
(MARTINS, 1998, p. 169). tornou importante na distribuição do sal (principal produto
transportado pela ferrovia para o Triângulo), Uberaba man-
Dessa forma, a orientação passou a ser longitudinalmente, tinha uma pequena superioridade no comércio de produtos
no sentido São Paulo, Goiás e o norte do então Estado de diversos, mas também como grande importadora de sal de-
Mato Grosso, sendo este último com a associação por vias vido ao crescimento considerável da pecuária zebuína que se
terrestres complementares, e não mais transversalmente encontrava cada vez mais tecnificada e adaptada à região. O
(sentido Rio de Janeiro, sul de Minas e sul de Mato Grosso). fluxo do gado era a montante da origem do traçado ferroviá-
Esse fato foi reforçado com a construção da Estrada de Ferro rio, ou seja, no sentido norte-sul (BESSA, 2007, p. 119).
Noroeste do Brasil - NOB, ligando o sul de Mato Grosso Ainda segundo Bessa (2007), num segundo momento
(atual Mato Grosso do Sul) diretamente com São Paulo e (1910-1920), houve um crescimento considerável da
eliminando o Triângulo dessa rota comercial. comercialização de cereais e produtos diversos com
Araguari e Uberaba, mantendo-se como principais
Com essa orientação geográfica, a região encontra bases para centros gerenciadores do fluxo. Por sua vez, em Araguari,
desenvolver o papel de entreposto comercial no contexto da “em decorrência da ampliação do fluxo de mercadorias,
economia nacional capitaneada pela cafeicultura paulista. promoveu-se o aparelhamento urbano, principalmente
Na esteira desse processo de desenvolvimento, São Paulo pela presença das charqueadas e dos engenhos de beneficiar
passou a receber importantes carregamentos de alimentos arroz” (BESSA, p. 120).
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Araguari cumpria importante papel por ser a estação mais


próxima dos produtores agropecuários goianos e mato-
grossenses. Nessa cidade, montou-se um esquema de
processamento e beneficiamento desses produtos, com a
construção de matadouros e charqueadas, além de vários
engenhos para beneficiamento de cereais, principalmente o
arroz. Na outra ponta da linha, Uberaba polarizava o fluxo
comercial. Os produtos manufaturados (e outros, como o sal)
vindos de São Paulo chegavam primeiro em Uberaba, que
montou um forte esquema de distribuição. Pelo “sistema de
apoio” complementar à Mogiana, grande parte da produção
encontrava escoamento. Um grande número de mulas e carros
de bois era utilizado na distribuição dos produtos que chegavam
nas estações (MARTINS, 1998, p. 171).

No campo, especialmente em Uberaba, a modernização se


deu na pecuária, com a introdução e adaptação do gado zebu
indiano e com a fundação, “em 1892, do Instituto Zoo-
técnico de Uberaba, escola de ensino superior destinada a
formar engenheiros agrônomos especializados em zootecnia”
(LOURENÇO, 2010, p. 233).
Foto 52: Antiga locomotiva utilizada na Companhia Mogiana de Estrados
de Ferro - CMEF, Uberaba (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
A importância da pecuária em Uberaba foi discutida por
Bessa (2007, p. 132), com base nos dados do Atlas
Chorographico Municipal de Minas Geraes23. A autora demons- de rodagem foram abertas, possibilitando acesso às cidades
tra que a cidade possuía mais que o dobro do rebanho de menores da região e revitalizando o eixo diagonal com
Uberlândia e Araguari juntas em 1920. Também mantinha Goiás e Mato Grosso. Dessa forma, Uberlândia se alimentou
sua condição de cidade primaz na indústria, com valor de de um comércio intra e inter-regional, promovendo e
produção também duas vezes maior que a soma das outras
capitaneando um processo de consolidação da rede urbana.
duas cidades. Com relação aos estabelecimentos comerciais,
O fluxo de produtos manufaturados vindos de São Paulo
Uberaba era menos concentradora do que na pecuária: em
começou, a partir da década de 1910, a ser distribuído,
1920, possuía 400 unidades, ao passo que Araguari tinha
radialmente, para as demais cidades triangulinas, goianas e
160 e Uberlândia, 92.
mato-grossenses.
Um dos eventos cruciais na disputa pela primazia regional
foi a instalação, em 1912, da Companhia Mineira de A emergência de Uberlândia como cidade primaz frente
Autoviação Intermunicipal - CMAV em Uberlândia. A às posições de Uberaba e Araguari foi um processo lento,
partir desse centro urbano, mais de 4 000 km de estradas consolidando-se somente na década de 1970.
23
Publicação oficial, datada de 1926, constituída pelo conjunto de mapas municipais do
Estado de Minas Gerais.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

O Sertão da Farinha Podre na Literatura O sentido da construção de elementos coerentes de uma


visão da realidade nesses romances está consubstanciado
Diversas obras de da literatura brasileira retratam o Triân-
por um espaço regional em um dado momento histórico,
gulo Mineiro, sobretudo como este se apresentava durante
uma vez que
o Século XIX, período em que a ocupação do território se
A presença de uma visão de mundo em uma obra, em uma
consolidava e a região atendia ainda pela alcunha de Sertão época determinada, é consequência da situação concreta em
da Farinha Podre. que se acham os grupos humanos no transcorrer da história. A
coerência estrutural é uma “virtualidade dinâmica no interior
dos grupos, uma estrutura significativa para a qual tendem o
Esta Mesopotâmia oitocentista, pontuada por pequenos pensamento, a afetividade e o comportamento dos indivíduos”,
arraiais e vilas e cortada por extensos caminhos, onde uma mas que só é atingida plenamente por indivíduos expressivos,
“quando eles coincidem com as tendências do grupo e as levam
população crescente de geralistas e paulistas, sobretudo, à sua coerência mais extrema” (GOLDMANN, 1979 apud
afluíam e a economia criatória ganhava importância ao VINAUD, 2011, p. 10).
mesmo tempo que uma vida urbana ainda embrionária
Nesse sentido, Vila dos Confins e Chapadão do Bugre são
florescia, é retratada em obras como Vila dos Confins e
romances frutos de uma visão coerente da realidade que
Chapadão do Bugre, de Mário Palmério; O garimpeiro, de
Bernardo Guimarães; A vida em flor de Dona Beja, de é própria do autor. Ambos possuem elementos diferen-
Agripa Vasconcelos; Caiapônia: romance da terra e do homem ciadores, mas que analisados conjuntamente e em função
do Brasil central, de Camilo Chaves; e Caçadas de vida e de dos processos histórico-regionais do Triângulo Mineiro
morte, de João Gilberto Rodrigues da Cunha. revelam as relações de poder entre os diversos atores que
fizeram e fazem parte da região, expressando tanto as rela-
Os romances Vila dos Confins (1994)24 e Chapadão do Bugre ções pessoais quanto a sua materialização na política num
(1997)25 do professor, político e romancista Mário Palmério período que compreende elementos históricos, ora com
(1916-1996), são exemplos de obras que situam a questão
características do final do Século XIX e ora com elementos
do cotidiano do sertanejo e da política que são característico
de meados do Século XX.
do Sertão da Farinha Podre/Triângulo Mineiro.
Em Vila dos Confins, o romance é conduzido por um
Os romances não procuram narrativas que busquem definir
uma região claramente delimitada, tampouco enfatizam um narrador que descreve o ambiente com minúcia e se vale
ou outro aspecto da mesma com finalidade de diferenciá- de uma linguagem coloquial e um grande conjunto de
la de outras. Seus méritos residem na oferta de uma leitura nomes populares para apresentar elementos da paisagem
de realidade contida na geografia e na história de um lugar, como a flora, a fauna, a qualidade dos solos para plantio
mimetizadas para representar personagens e tramas num e os principais acidentes geográficos. Para tal, o autor se
primeiro plano, ao passo que é ilustrado, indiretamente, por vale de conhecimento popular tradicional para descrições
elementos e fatos comuns àquela região em dado momento que, apesar de desprovidas de uma linguagem científi-
histórico. ca, rementem a um saber dos povos dos sertões que, por
24
Publicado pela primeira vez em 1956. questões práticas, possuem considerável entendimento dos
25
Publicado pela primeira vez em 1965. fenômenos naturais.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A pesca e a caça são retratadas na obra como atividades de


subsistência que, em associação com a criação do gado e o
comércio incipiente se constituem nos pilares econômicos
da região descrita.

Nesse sentido, segundo Vinaud (2011), há na obra a


descrição de uma confluência de tempos em que elementos
modernos são inseridos nas situações narradas em conjunto
com outros elementos retrógrados. Há, também, um certo
pronunciamento de uma perspectiva de futuro.
O sertão dos confins vai apresentado como um espaço em Foto 53: Urnas eleitorais, início do Século XX, Museu Histórico de Sacramento (MG).
mudança entre a caça que “ainda” não fugiu do todo, o gado Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.

que “não mais” é tocado a cavalo. O tempo da narrativa se


faz de um presente em que se encontram um passado em
transformação e um futuro em definição. Esta ambiguidade
parece caracterizar tano a paisagem quanto os personagens
(VINAUD, 2011, p. 108). Dessa forma, em Vila dos Confins, tem-se a disputa entre um
coronel local (Chico Belo) e um deputado federal (Paulo
Cercados por esses elementos narrativos ricos em detalhes
Soares) que apoia um outro candidato local. Nesse ínterim,
naturais, econômicos e cotidianos da região, insere-se a
a narração foca em aspectos do jaguncismo, do voto de
trama principal do romance, que é a questão da política
cabresto, das fraudes eleitorais e das artimanhas da políti-
no interior do País, especialmente por volta da década de
ca. A vitória é de quem mobiliza sua riqueza e sua esfera
1950. Segundo Aidar (2008, p. 30), Mário Palmério, com o
de influência na instância estatal para disputar a eleição no
romance Vila dos Confins,
município fictício de Vila dos Confins.
[...] quis escrever um relatório de avaliação da situação
política da época para apresentar na Câmara dos Deputados, Por outro lado, o governo de situação no estado se valia da
transformando-o em “romance”, em que a idéia central seria
associação com o poder local para angariar votos nas eleições
a da eleição, permeada com casos, pescarias, caçadas e pessoas
as quais ele, um apaixonado por sua região, conviveu em suas gerais, fornecendo força policial para supressão de concor-
campanhas políticas. rentes e benesses para o alinhado ao governo de situação.

Com essa finalidade, o romancista retrata elementos do co- Em Chapadão do Bugre, os mesmos elementos descritivos e
ronelismo e o papel que o controle das eleições, e principal- a mesma linguagem usada em Vila dos Confins são emprega-
mente de seus resultados, possuíram na manutenção de uma dos, sendo possível estabelecer questões de ordem pessoal
determinada ordem de poder pessoal nos lugares do sertão. das personagens de certa forma universais, tais como amor,
Esses elementos seriam novamente retratados em Chapadão expectativa de uma vida melhor, traição e vingança entrela-
do Bugre. çados com aspectos da política local.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Novamente, pode-se observar na obra, assim como em Acontece que as mudanças não melhoram em nada suas condi-
Vila dos Confins, o emprego de um leque amplo de termos ções de vida (VINAUD, 2011, p. 130).

descritivos do meio natural, do cotidiano dos sertanejos e


Em suma, por meio de suas obras, Mário Palmério tece
de seus trejeitos.
relatos que vão desde objetos da vida rural que, ou não exis-
Especialmente em Chapadão do Bugre, a descrição da fazen- tem mais, ou mudaram de nome, até uma representação do
da de Seu Tonho Inácio e a sua relação inicial com José de modo de fazer política no interior do País, passando-se por
Arimatéia, personagem central da trama, remete a “fazen- uma rica narração do cotidiano do sertanejo e de sua relação
da mineira”, descrita no tópico anterior. Isto demonstra a com a natureza.
importância, enquanto locus do cotidiano, que esse tipo de
O processo de ocupação do Sertão da Farinha Podre durante
propriedade possuía em determinado período histórico do
o Século XVIII é retratado em dois romances, porém como
Sertão da Farinha Podre/Triângulo Mineiro, assim como o
introdução para as histórias principais, ambientadas, ambas
poder exercido pelo fazendeiro para interferir nos assuntos
no Século XIX.
pessoais de seus agregados.
Em A vida em flor de Dona Beja (1985), Agripa Vasconce-
Tal qual Vila dos Confins, Chapadão do Bugre possui
los nos apresenta toda uma vasta descrição da ocupação do
elementos que o situam em diversos momentos históricos,
Sertão da Farinha Podre. Há citações sobre a formação do
mas comparando-se as passagens, em que personagens se
situam em áreas urbanas e rurais, é possível notar elementos Arraial do Tabuleiro e sua breve existência, assim, como de

que o posicionam em um momento histórico anterior. sua destruição por índios Araxás, como manda a tradição
oral. Também o Quilombo do Tengo-Tengo, parte do Qui-
Em ambos os romances, fica claro como os coronéis, em lombo do Ambrósio, o maior quilombo de Minas Gerais,
suas disputas pelo poder, acabam por cooptar as perso- é cenário da ação, ilustrando os conflitos que marcaram a
nagens em suas tramas políticas. Nesse sentido, José de região durante a época em que se inseria no ciclo aurífero
Arimatéia, em Chapadão do Bugre e Xixi Piriá, em Vila dos como área de passagem.
Confins, são personagens caracterizadas por seus anseios de
inserção social, prosperidade pelo trabalho, a luta por “um Uma descrição da formação do Arraial do Desemboque e
lugar ao sol” e que acabam sendo cooptados para conflitos das aventuras e intrigas do Padre Félix ilustram o momento
pelo poder político em benefício da elite local. da transferência do Sertão da Farinha Podre entre Minas
As personagens são construídas, de modo geral, com duas Gerais e Goiás, em 1762, e a descrição da pacificação e cris-
faces. Nos detentores do poder, esta ambivalência entre o tianização dos Caiapós Meridionais preparam o terreno para
discurso e as ações, encobre o desejo de permanecer no mando,
a ação principal, ambientada já no Século XIX, num sertão
usando a indefinição como mecanismo de adaptar-se às situa-
ções, revertendo-as em benefício próprio. No povo, coexiste a onde o índio, agora catequizado, não era mais uma ameaça
resistência ás condições adversas com explosões de violência. como fora.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A trama principal do livro acompanha toda a


vida de Dona Beja, personagem verídica, cuja
história fora espetacularizada pela tradição oral.
No romance, a trama é contada apresentando
todas as lendas a respeito da personagem consi-
deradas como reais. Pesquisas documentais de-
monstram que muitas das passagens são ficcio-
nais, que se misturam com o folclore de Araxá,
mas elementos importantes para
entender a dinâmica da vida no Sertão da
Farinha Podre no Século XIX estão presentes
com riqueza de detalhes.

Dona Beja, personagem principal, é descrita


como uma belíssima mulher nascida e criada em
Araxá, com cabelos cor de ouro velho e grandes
olhos verdes, que profundo fascínio e desejo
despertava nos homens de toda a região.

Sua beleza seria, naquele ambiente ainda em


formação, rude, violento até, muito mais que um facilitador, Foto 54: Fonte da Beja, Araxá (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.

que um cartão de visitas glorioso a abrir-lhe portas. Vítima


do fascínio que exercia, Ana Jacinta de São José, a Dona sobre política e artes eram acompanhadas por música e
Beja, vê seu avô ser assassinado e é sequestrada aos 15 anos regadas às melhores bebidas que o dinheiro podia comprar
pelo Ouvidor de Paracatu do Príncipe. Liberta de seu algoz, na época.
Beja retorna a Araxá enriquecida, porém enfrenta a rejeição
O segredo de sua beleza é igualmente descrito por Agripa.
da sociedade, o rancor das mães de família, e é levada à pros-
Beja banhava-se todos os dias na Fonte da Jumenta, hoje
tituição como meio de levar a vida. chamada de Fonte da Beja, cujas águas radioativas fazem a
fama de Araxá até os dias atuais.
Seu casarão, repleto de luxos raros naquele sertão, descritos
com minúcias por Agripa, e sua chácara despertam a inveja Agripa nos presenteia com um retrato das intrigas locais,
das mulheres e o fascínio nos homens da vila. Beja escolhia da politicagem em Araxá e da vida no Sertão da Farinha
com quem se deitava, mas proporcionava aos seus visitantes Podre, onde jagunços e fugitivos disputavam espaço com
momentos de puro deslumbramento, oferecendo um espa- fazendeiros, padres, boticários, juízes, delegados, prostitutas
ço de requinte, frequentado pela elite local, onde conversas e escravos.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Também Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil cen-


tral, de Camilo Chaves, esforça-se em apresentar o processo
de ocupação do Sertão da Farinha Podre no Século XVIII,
embora a ação principal seja ambientada nas décadas de
1860 e 1870.

No romance, é apresentado o personagem de Siqueira, um


paulista vendedor de mulas, dotado de um caráter duvidoso
que, fugindo da má-fama que o perseguia na Capitania de
São Paulo, procura abrigo nas terras do Sertão do Gentio
Cayapó (Caiapônia), partindo do Desemboque, na virada do
Século XVIII para o Século XIX. Um sertão inteiramente
pertencente à Capitania de Goiás naquele momento, ainda
ocupado por índios e ponteado por conflitos.

Siqueira instala-se nas terras do Sertão da Farinha Podre e


estabelece bom contato com os índios Caiapós, desposando a
filha de um cacique. O processo de conversão da indiazinha
ao catolicismo ilustra a cristianização e pacificação do povo
Caiapó e a conquista definitiva das terras deste sertão.

Camilo Chaves faz neste romance um retrato impressionan-

Foto 55: Resquícios da residência de Dona Beja no Arraial de Bagagem, atual Mu-
te da vida do povo Caiapó, riquíssimo em detalhes, e ilustra
nicípio de Estrela do Sul (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015. como o Sertão da Farinha Podre no Século XVIII é marcado
pela miscigenação de paulistas e índios.

Em 1853, anos após Beja decidir abandonar sua vida de Num salto na história, o romance transfere a ação para a se-
cortesã, muda-se para o Arraial de Bagagem, na esteira gunda metade do Século XVIII, centrando o enredo nas des-
do descobrimento do diamante Estrela do Sul. Sua vida venturas de Teófilo (Cascavel), Germana, Manuel Cafelista
em Bagagem é bastante mais humilde, com moradia e e Valadão, personagens de origens diferentes que tem a vida
mobílias sóbrias e uma rotina de recato. Sua fama, que marcada cada um a seu jeito pela violência do sertão e veem
se alastrava por todo o sertão, não impediu que, nos anos suas tramas entrelaçadas ao vagarem de arraial a arraial.
finais de sua vida, fosse reconhecida como uma senhora
respeitável, pessoa ilustre e influente no arraial, arrumando O momento é de guerra. O Brasil encontra-se em confli-
um casamento de respeito para sua filha. to contra o Paraguai e a convocação dos recrutas na Vila
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foto 56: Sertão da Caiapônia/Sertão da Farinha Podre, Sacramento (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.

dos Morrinhos, atual Município de Prata, no Triângulo rios da Fazenda do Porungo, e criada como serviçal da meni-
Mineiro, muda a vida de diversas famílias. Fugindo da na Joaninha.
convocação, Teófilo embrenha-se pelo sertão, abrigando-se
Após crescidas, as jovens casam-se. Emerenciano arranja
em Campo Belo (atual Município de Campina Verde), nas
para Germana um casamento com Manuel Cafelista, jovem
terras desbravadas anos antes por Siqueira. Teófilo, em sua empreiteiro de um talhão de café. Pequeno e fraco, Cafelista
fuga, sofre radical mudança física e de caráter, e torna-se um mostra-se inseguro ante a beleza de Germana, e o medo do
personagem sem pouso certo, vagando entre os arraiais da assédio à esposa, leva o jovem casal a fugir da fazenda. Tem
Caiapônia, chamado por todos como Cascavel, e tão malvis- início uma longa peregrinação pelos arraiais do Sertão da
to quanto o animal. Farinha Podre. O casal, inicialmente, encontra abrigo no
Arraial de São José do Tijuco, atual Município de Ituiutaba.
Importantes núcleos da vida em comunidade neste sertão A obsessão pela esposa e o medo, porém, operam profunda
no Século XIX, as fazendas são o cenário onde encontramos transformação em Cafelista, que se torna frustrado, violento
Germana, jovem cabocla de grande beleza, nascida livre, e frio. Mutilado por um desafeto, torna-se matador de alu-
adotada por Dona Marinquinhas e Emerenciano, proprietá- guel, valendo-se da boa mira e da habilidade com as armas.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Em São José do Tijuco, o casal faz amizade com Cascavel,


eterno rejeitado pela sociedade. Levados os três a fugir do
arraial, o trio passa a palmilhar o sertão guiado por um
Cafelista em constante movimento, a procura de novos “ser-
viços”. A fuga torna-se uma constante na vida. Ao grupo,
junta-se Valadão, um aventureiro, também da Vila dos Mor-
rinhos, que percorre as terras do Sertão da Farinha Podre à
procura de algo que nem ele sabe explicar.

O destino leva o grupo a São Pedro (atual Município de


Monte Alegre) e Bagagem (atual Município de Estrela do
Sul), atraídos enfim pelo surto diamantífero tardio. A vida Foto 57: Garimpeiro do Rio Bagagem usa escafandro para extrair diamantes, Estrela do Sul
(MG), década de 1920. Acervo pessoal do Professor Mário Lúcio Rosa, Estrela do Sul (MG).
nos garimpos é detalhada também com impressionante
riqueza de detalhes por Camilo Chaves. O sonho de de fundo de outro romance, este um clássico de nossa litera-
fortuna era tão forte quanto a dificuldade em se encontrar tura. O garimpeiro (1858), de Bernardo Guimarães, apresenta
diamantes em meio a um rio já peneirado por faiscadores um romance bem ao gosto da escola do Romantismo do Sé-
de toda ordem. culo XIX, com um herói clássico, repleto de virtudes, Elias,
e uma mocinha não menos virtuosa, Lúcia.
Por fim, o grupo segue para Cachoeira Dourada, nas mar-
gens do Rio Paranaíba, na divisa de Minas Gerais e Goiás.
O romance apresenta ainda uma deslumbrante descrição da
A vida pacata, a atividade da pesca, as relações de poder
cavalhada, e faz diversas referências à cultura rural do Sertão
dos fazendeiros e a violência inerentes a um sertão onde a
da Farinha Podre. A atividade nos garimpos é descrita em
lei tarda e a ordem mal se estabelece dão o tom ao desfecho
detalhes e serve de pano de fundo para a história de uma
trágico da história.
paixão cujo inimigo é a pobreza e as dificuldades de se obter
O grande personagem do livro é o Sertão da Caiapônia, prosperidade em meio a um rio intensamente explorado por
centrando-se no Sertão da Farinha Podre. É o sertão, po- garimpeiros em desespero.
voado num primeiro momento por aventureiros, padres e
índios e, num segundo momento, por famílias, jagunços, Um último romance a ilustrar o Sertão da Farinha Podre,
juízes, delegados, padres, fazendeiros, boiadeiros, escravos também com exuberância de detalhes é, ainda, Caçadas
e tropeiros quem oferece a dinâmica da ação, quem dita de vida e de morte (2011), de João Gilberto Rodrigues da
o ritmo dos acontecimentos e justifica as tragédias, lutas, Cunha.
conflitos e amores.
Neste romance, um roteiro de perseguição é o mote para
Estrela do Sul e o tardio ciclo diamantífero que ocorreu no apresentar a vida econômica e política do Desemboque,
Rio Bagagem em meados do Século XIX também é o pano principal núcleo povoador do Sertão da Farinha Podre já nos
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

últimos anos do Brasil Império e


início da República.

Em Caçadas de vida e de morte, João


Gilberto Rodrigues da Cunha
apresenta dois protagonistas, Tonho
Pólvora, clara metáfora do homem
do campo, bom, justo, honrado e
trabalhador e José Antônio, um
paulistano de caráter escorregadio,
senhor das trapaças e intrigas, todo
ambição, uma metáfora à vida mate-
rialista nas metrópoles.

Após aplicar um golpe na firma em Foto 58: Desemboque, distrito do Município de Sacramento (MG).
Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
que trabalhava na Cidade de São Paulo, José Antônio, agora
detentor de uma grande quantia, foge para o sertão, muda o
nome, torna-se José Albério e estabelece-se no Desemboque, abastecer os sertões próximos e Araxá e Uberaba despontam
onde busca intensamente poder e fortuna. como centros urbanos concorrentes no Sertão da Farinha
Podre, a um passo de ofuscar o poder do Desemboque.
Tonho Pólvora, de outra ponta, é o filho mais novo que,
na impossibilidade de herdar as terras do pai, pega sua Se em A vida em flor de Dona Beja e O garimpeiro, tem-se
parte na herança e adquire terras também no Desemboque, um Sertão da Farinha Podre ocupado por geralistas, e em
onde busca trabalhar e montar assim uma vida cômoda e Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central,
próspera. encontra-se diversos personagens mestiços, fruto da misci-
genação entre brancos e índios, em Caçadas de vida e de morte,
O destino dos dois personagens se entrelaça. No caminho, são os paulistas e a economia centralizada em São Paulo o
uma vila onde o coronelismo se impõe, onde a República ambiente que dá o tom à trama.
recém nascida busca estabelecer leis, ainda que o antigo
poder resista e jagunços e criminosos busquem abrigo, na Tem-se assim, nestas obras, uma síntese da origem da popu-
esperança de impunidade. lação do Sertão da Farinha Podre, uma área de passagem que
integrava geralistas, goianos e paulistas, além da forte influ-
A ligação do Desemboque com a rede urbana do entorno ência indígena e de negros escravizados. Em todos, a ativida-
é claramente explicitada no romance. De São Paulo, vem de das fazendas, célula nervosa da vida cotidiana do Triângulo
o poder econômico, de Santos, as mercadorias importadas, Mineiro, mostra-se como uma constante, como um padrão,
Franca do Imperador constitui o principal entreposto a repetido e perpetuado desde o Século XVIII até o Século XX.
MAPA 10 Sertão da Farinha Podre e Triângulo Mineiro

-50° -48°

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Mapa de
localização
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-20°

-20°
Legenda

( Principais centros urbanos


! Localidades
Limite estadual
Rodovias
Ferrovia SP
30 0 30 km
Hidrografia PROJEÇÃO POLICÔNICA
Meridiano Central: -54º
SIRGAS 2000
-50° -48°

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.
shtm>. Acesso em: out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/
mapa_LogTransportes_5mi.pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.
asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso
em: out. 2016.
Notas: 1. O recorte representa a área do Sertão da Farinha Podre e do Triângulo Mineiro tratada neste capítulo.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período dos romances aqui sugeridos, assim como alguns
elementos, e foram mantidos para melhor situar o leitor no palco dos acontecimentos.
3. Estão indicadas as principais rodovias.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Região e Romance 26 de estrada. E nome nenhum melhor para impor respeito que o nome
de Capador. O homem está aí, vivinho da silva, mascateando zebu
por esse mundo afora...”
O Sertão dos Confins é um mundo de chão arenoso e branco, que Mário Palmério
principia na Serra dos Ferreiros e acaba no Ribeirão das Palmas. Esses, Vila dos Confins, 1997, p. 93-94
os limites que lhe dá o Pe. Sommer, a pessoa mais abalizada daqueles
fundos, no dizer geral.
Nequinha Capador conduzia muito gado dessa vez: mais de mil
[…] garrotes para corte, cabeceira escolhia de marrucada curraleira, e
boa vacada parida de sangue zebu. Mas tudo em estado lastimável,
Terra boa mesmo, coisa escassa: mancha ou outra de massapé roxo, de
estragado pela seca e pela viagem.
primeiríssima, como as invernadas do Batista, as furnas da família
Belo (hoje, grande parte nas mãos de um paulista afazendado ali) e [...]
a mataria das vertentes da Serra do Fundão. E afora as baixadas de
terra preta do pessoal dos Correias – gente especial, a Correirama – e Aurélio, desperto pela chegada da comitiva e pelo barulho do gado
ralos borrifos de capões de mato, o restinho de cultura são apenas as andejo, já se metia por entre a vacada, fueiro na mão. Nequinha
estreitas tiras de capoeirão que beiradeiam as águas. Matas beira-rio: provocou-o:
justafluviais, define-as com propriedade o culto Pe. Sommer.
– Babe um pouco, Seu Aurélio. Guzerá puro, coisa que não se
Pouco mato e, por isso mesmo, madeira pouca. Nos Confins – claro
que à exceção das zonas de cultura de primeira – o pau de lei é encontra mais. Todo o restinho de cobre foi neste gado, e ainda fiquei
vasqueiro. Um isto que mal-mal dá para o gasto: canela, ipê (primos- devendo um dinheirão.
irmãos, os dois: o ipê-roxo e o ipê-amarelo), a sucupira, o cedro. E a
– Onde é que você foi descobrir isso?
aroeira, que, apesar do madeirão respeitado que é, não padroniza, a
rigor, cultura de primeira qualidade. – No Jaguarão, com o Viridiano Nunes. Gado perdido nestes fundos,
sem que ninguém soubesse. Zebu é moda, e em Uberaba vale hoje o
Tirante essas bondades, terra pobre: cerrado de um pêlo, de dois,
que é puro, seja gir, nelore ou guzerá. Andam catando até um restinho
cerrado de três pêlos; campos de flechão, membeca, mimoso,
de cancrege... Há anos que venho esperando a hora de negociar com o
capim-sapê.
Viridiano. E sabe que de quem isso é raça? Do Lontra! Sim senhor, do
Mário Palmério Lontra, seu deputado!
Vila dos Confins, 1997, p. 5-6
Boi famoso – boi de botar muita gente roxa de inveja do dono
dele – esse tal foi o boi Lontra, guzerá puro-sangue, importado das
Foi numa travessia de gado em Ponte Firme que Aurélio apresentara Índias, ainda nos bons tempos do Império. Ou melhor, filho de
o mascate a Paulo: “– Nunca lhe falei num tipo chamado Nequinha mãe importada, que o bezerro nasceu a bordo do navio cargueiro.
Capador? Pois aí está o homem. Quem te viu, quem te vê... Hoje O importador chamava-se Acácio – Dr. Acácio Correia de Azevedo
não capa nem frango nanico...” O velho de cara boa estendera a mão – criador do Estado do Rio [...] Maluco, o Dr. Acácio; malucos,
e confirmara: “– Manuel Virgílio Vieira. Nequinha Capador, às suas alguns outros teimosos criadores de então, do Triângulo Mineiro e
ordens.” do Estado do Rio. Maluquice, porém, que rendeu dinheiro e fama a
Seguindo viagem , o tio Aurélio contara ao sobrinho as histórias muita gente boa.
do mascate. A alcunha vinha de sinistra especialidade: castrava os
desafetos. Mas, para não espichar a história, o bezerro guzerá, nascido sem
maiores novidades no porão do cargueiro, desembarcou já de umbigo
[...] curado e mamando que dava gosto. E, antes de largar de todo o leite
Paulo estranhara-lhe a velhice depois de tanta judiação praticada: da mãe, já fora dado de presente a um tal de Dr. Lontra: outro que
“– Mas, tio Aurélio, ninguém se vingou dele depois de tudo isso que gostava de zebu, mas gostava ainda mais de dinheiro, pois, com
me contou?” O tio explicara: “– Naqueles tempos de sertão, Paulo, a maior sem-cerimônia, passou o bezerro nos cobres. Dois contos
sujeito medroso não chegava a branquear a barba. Melhor fama de e quinhentos! – dinheirão para a época, em 88, já no finzinho do
bandido que a de água-mole. Quem fraquejasse, virava cruz de beira reinado de Pedro II. Negócio feito e acabado, bezerro na cocheira, o
Seu Veloso – esse, o nome do primeiro comprador do zebuzinho –
26
Manteve-se, neste Atlas, a grafia original conforme publicada nos livros. informa da transação o uberabense Coronel Antônio Borges de Araújo.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Informa e propõe negócio, relacionadíssimo que era com o pessoal de


Uberaba, gente fanática pelo boi de cupim e barbela e, além do mais,
endinheirada: estivesse o coronel disposto a lhe dar conto e quinhentos
de lucro, e o garrote seria seu. Tempinho só de ir e vir a oferta e a
resposta, e o zebuzinho muda outra vez de dono. Quatro contos de
réis! Isso, no tempo em que uma boa novilha custava dez, doze mil-
réis. Quem tiver cabeça boa para as contas, que as faça – mil contos,
o valor, hoje em dia, a transação, ao preço corrente de três contos por
uma novilha solteira... E negócio no escuro, feito em confiança, sem
que o comprador visse o bezerro – exemplos de honestidade que o
povo antigo vive lembrando à rapaziada sem miolo da época atual.

O Coronel Antônio Borges de Araújo convidou todo o mundo,


contratou banda de música, encomendou barbaridade de foguete. E,
quando o bezerro guzerá chegou à estação da Mogiana, chegou de
trem-especial, importante que nem político do Governo.
Mário Palmério
Vila dos Confins, 1997, p. 94-95 Foto 59: Imagem do touro Lontra adquirido por Zacharias e Antônio Borges de Araújo
em 1889. Provavelmente o primeiro zebuíno puro que chegou a Uberaba (MG).
Acervo do Centro de Referência da Pecuária Brasileira - Zebu. Extraída de Lopes e
João Soares estava com a razão: política só se ganha com muito Rezende (2001, p. 27).
dinheiro. A começar pelo alistamento, que é trabalhoso e caro: tem-
se de ir atrás de eleitor por eleitor, convencê-los a se alistarem, e
ensinar tudo, até a copiar o requerimento. Cabo de enxada engrossa [...]
as mãos – e o sedenho das rédeas, o laço de couro cru, machado e
foice também. Caneta e lápis são ferramentas muito delicadas. A Chico Belo aproveitou a pausa:
lida é outra: labuta pesada, de sol a sol, nos campos e nos currais. – Compreendo, doutor, compreendo... Já havíamos conversado a
É marcar bezerro, é curar bicheira, é rachar pau de cerca, é esticar respeito, eu e o Dr. Osmírio. Notamos o desprestígio do Deputado
arame farpado; roçar invernada, arar chão, capinar, colher... E Cordovil Azambuja – e isto é o diabo, justamente agora, às vésperas da
quem perdeu tempo com leitura e escrita, em menino, acaba logo eleição municipal. Na minha opinião, o homem para nos ajudar tem
esquecendo-se do pouco que aprendeu. Ler o quê? Escrever o quê? de ser mesmo o senhor. Da minha parte...
Mas agora é preciso: a eleição vem aí, e o título de eleitor rende a
estima do patrão, a gente vira pessoa. – E da minha parte também, Sr. Secretário – ajuntou depressa
o Dr. Osmírio Rocha. – O que combinarmos nesta noite, fica
Mário Palmério
definitivamente combinado.
Vila dos Confins, 1997, p. 61
[...]
O Dr. Carvalho de Meneses levantou-se e foi olhar demoradamente, – Ótimo, ótimo! Então, combinemos o seguinte: os senhores ficam
pela janela da sala de visitas, a chuvinha que caía mansa no asfalto da comigo – o Coronel Rocha e o Dr. Osmírio em toda zona de influência
rua. Voltou para dizer:
deles, e o Coronel Chico Belo na Vila dos Confins; o Governador fará
– Então, vou-lhes ser franco. O Governador não anda satisfeito com imediatamente todas as nomeações do interesse dos senhores – se
o Azambuja. Ele é um homem vacilante, para não dizer aventureiro. quiserem, já podem até viajar para a Vila dos Confins com o Capitão
Em resumo, não se pode contar com ele. Os senhores viram Otávio Jardim, que seguirá com ordem para requisitar destacamento
hoje... E estamos atravessando uma época difícil, meus amigos. O policial que julgar necessário. [...] E entro com cem contos para a
Governador precisa saber quem efetivamente está com ele. Só por campanha municipal da Vila dos Confins se os senhores me garantirem
um acontecimento absolutamente imprevisível deixará ele de ser o dois mil votos. Metade agora e metade depois da eleição...
candidato das forças nacionais à Presidência da República. Avaliem
os senhores, agora, a importância do futuro Congresso. Não sou eu, é – Pode aumentar a sua conta, Dr. Carvalho – interrompeu o Coronel
ele, é a direção do nosso partido que faz absoluto empenho na minha Chico Belo. – Só na Vila dos Confins eu lhe garanto de quinhentos a
candidatura a deputado federal. seiscentos votos. Tem ainda Santa Rita, Ipê-Guaçu, São Benevenuto...
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

– Vi quando eles saíram da Coletoria. Está um mundo de gente lá... –


completou o dentista.

[…]

– O senhor é o Dr. Paulo Santos? – perguntou alto o sargento


Dioclécio.

– Sim senhor. Que deseja?

– Capitão Otávio mandou dizer para o senhor dar uma chegadinha até
a Delegacia...

Num átimo, Paulo percebeu o desacato. À porta da Coletoria, o


pessoal do Chico Belo espiava; gente nas janelas, o povo parado na
rua olhando também para a cena. Incrível, aquilo! Ele, um deputado
federal, protegido por tantas imunidades e prerrogativas – impossível
ignorá-las o mais atrasado oficial de justiça – receber uma intimação
daquelas, pública, a rua cheia de gente! E por quem? Pelo sargentão
Foto 60: Estação da Mogiana, Uberaba (MG), 1910.
Acervo do Museu da Companhia Paulista, Jundiaí (SP). acabritado, petulante...
Extraída de Lourenço (2007, p. 149).
[…]

Os pensamentos chegavam de roldão à cabeça do deputado, uns


– E Águas Claras, também – o Osmírio acrescentou. – Estou trás outros: tipos dispostos a tudo, cumprindo ordens, as costas
autorizado a falar pelo Epitácio. quentes... Reagir? Conflito certo, tiroteio, o resto da soldadesca
do destacamento, a jagunçada do Chico Belo... E se ignorasse o
– Então, como é que ficamos? Vamos pôr preto no branco. acinte, desentendesse a provocação, comparecesse à Delegacia?
Desmoralização completa perante o povo de Vila dos Confins, e perda
Chico Belo, em matéria de negócios, tinha mais experiência que o de toda força moral, desmoronamento sem mais remédios da política
Osmírio. Decidiu, pelos dois: dos unionistas...
– O senhor nos entrega todos os atos amanhã: o do Capitão Otávio, o […]
do auxiliar da Coletoria, e os três contratos das professoras – amanhã
Sargento e cabo esperavam pela resposta. Paulo deu-a, disposto a tudo:
levo os nomes à Secretaria. Cinqüenta contos adiantados para a
campanha municipal – a gente desconta depois na base de setenta e – Olhe aqui, sargento: diga lá ao seu capitão que não se meta a besta
cinco mil-réis por cabeça... comigo. Não sou empregado dele nem recebo ordens de polícia. E vão
dando meia-volta os dois, depressa, que estou de pouca prosa hoje.
Mário Palmério Ande!
Vila dos Confins, 1997, p. 171-173
Nada como uns bons berros, em certas horas. A indecisão dos dois
soldados dava mais força a Paulo, que gritava, agora, para que toda a
O deputado lavava o rosto na bacia que a preta lhe trouxera, quando rua ouvisse:
Jeová entrou na cozinha: – Cambada! Venha aquele cachorro aqui, se for homem! O que vocês
sabem é armar tocaia de noite!
– Estão dois soldados aí, Dr. Paulo: o sargento Dioclécio e um cabo.
Estão querendo falar com o senhor... Uma cena. Só a muito custo conseguiam Aurélio e os outros amigos
empurrar Paulo pra dentro da venda. Mas não evitavam os gritos:
– Soldado? Que será que esse povo quer comigo?
– Deixem as janelas abertas, as portas também! Vamos receber esta
– Sei não, doutor. jagunçada à bala!
Paulo enxugou preocupado o rosto. Polícia? Decerto algum recado do Mário Palmério
Capitão Otávio... Vila dos Confins, 1997, p. 200-201
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

À porta da venda enfileiravam-se os automóveis de praça contratados e-vir sem descanso. Mas os dois velhos se conformavam: bastantinha
em Santa Rita. Antero pintara os números a alvaiade nos para-brisas e criação no terreiro, a lavourinha do gasto bem ali no fresco do
escrevera a palavra UNIÃO nas traseiras e nas portas dos automóveis barranco... E Seu Americão Barbosa protegia: da Fazenda Sassafrás
– novidade adotada em Santa Rita pelo Dr. Bernardino, e que dera um vinha de tudo: rapadura e o café-em-coco, banha, o sal, querosene.
resultado e tanto. Quatro carros, fora a camioneta de Paulo, o carro de Farinha e sabão-de-cinza, até o azeite de candeia, isso a danada da Siá
praça de Daíco e o auto-móvel-fechado do Dr. Bernardino. Preta, ela mesma, é quem fazia.

Outra despesa puxada, que os choferes cobravam quatro contos livres, Mário Palmério
preço pago pelo Chico Belo. Quatro vezes quatro, dezesseis. Dezesseis Chapadão do Bugre, 1994, p. 13
contos, só pelo luxo de trazer eleitores da chácara do Tinoco, passar
na venda para receber as marmitas e os títulos, leva-los à respectiva
Seu Tonho Inácio descendia desses antigos da Mata, e a fazenda que
seção, e conduzi-los de volta ao quartel, para o churrasco e o pagode.
conservava – Capão do Cedro – era, por assim dizer, a gema do vale. A
Dezesseis contos!
casa da sede situava-se bem na forquilha de duas cabeceiras de muita
Mário Palmério água, no sopé que circundava a baixada; já dali, continuando o pomar,
Vila dos Confins, 1997, p. 232
subiam as ruas bem carpidas e sempre verdes do cafezal. As lavouras
de cana e invernadas, essas ocupavam o plaino restante – frescas e
muitas léguas de beira-rio.
Que diferença a Vila dos Confins depois de acabado o movimento da
eleição! Pela rua barrenta – poças de água suja acompanhando o sulco Movimento assim reclama de exagero de braço, mas colono não faltava
fundo deixado pelo intenso tráfego dos automóveis e caminhões; restos em Capão do Cedro. Além de tanta comodidade – igreja, escola e
de cédulas ainda esparramadas e enlameadas; palmas de coqueiro armazém – havia o de mais principal, que é a regra severa e o respeito.
caídas dos caminhões e largadas ali... Passara o fogo do pleito: a Vila Por isso, Seu Tonho Inácio prosperava, ano a ano colhendo mais
voltava à vidinha sossegada de povoado sertanejo: uma ou outra velha arrobas de mantimento e sempre com mais boi na pastaria.
à janela, dois animais arreados, apenas dois, a cochilar debaixo da
umbela crescida na esquina do Armazém Carrilho. Mário Palmério
Chapadão do Bugre, 1994, p. 19
Mário Palmério
Vila dos Confins, 1997, p. 271
Seu Tonho Inácio voltou com a mulher e, mas assentado ainda na
cadeira de balanço, começou:
Os primeiros a desbravar o vale do Araraúna – chão superior de mata-
virgem, massapé roxo sem mistura – foram uns Inácios, gente vinda – Lhe chamamos hoje aqui, Seu José de Arimatéia, para assunto
das Gerais. Chegaram e se afazendaram a seu modo: café, cana e zebu. reservado. Andamos observando o senhor, já faz tempo, e estamos muito
satisfeitos com o seu proceder na fazenda. De pouca idade, mas rapaz
Derrubada de mataria, a zona mudou de aspecto: em cada vertente de trabalhador, cumpridor de obrigação...
ribeirão, boa sede assombrada, curralama de lei, engenho de serra e – Ora, Seu Tonho... – o moço engasgou ao agradecer.
de açúcar. Num curto correr de anos, virou lugar afamado, de muito
progresso e fartura. – O senhor já deve estar a par a do-Carmo é afilhada nossa... – o velho
não perdeu tempo. – O defunto pai dela, Seu Claudemiro, foi meu
Mário Palmério capataz de gado por muitos anos, e nós é que ficamos cuidando da
Chapadão do Bugre, 1994, p. 19 viúva e da menina. [...] Quero casar a Maria do Carmo com pessoa que
possa zelar por ela e a mãe. Já ‘tamos cientes de que o senhor namora
a moça, frequenta a casa. Não duvido das suas intenções, mas quero
O rio já amanhecia com os barrancos esbranquiçados de orvalho, a clarear o caso...
água vagarosa e fumacenta. O trânsito das comitivas pelo Porto do
– A mocinha já está na idade, e é muito prendada... – ajudou Dona
Paiol Queimado crescia por essa temporada, época em que voltavam
Dosolina, a vozinha bondosa. – temos de olhar por ela, antes que
do pantanal. Um dia respontavam, boiada trás boiada, ror de gado alguém que não preste venha lhe virar a cabeça...
atropelado pelas marchas de muitos meses, desfeito pela dura
maceguinha sem substância do chapadão. Com as comitivas, vinha [...]
a peleja para os pobres de Siá Preta e Seu joão – cismava José de – A senhora pode crer que eu não ando empachando a moça não,
Arimatéia. Fornecer comida a horas da noite, o porto atravancado de Dona Dosolina. Não pedi ela ainda mas foi porque não me encontro
camaradagem e tropa, os currais entupidos de boi – a balsa num ir- em condições. A senhora vê: vivo do que ganho na arte – e dentista
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

ambulante não é lá meio-de-vida que renda muito. Mas minha vontade


sempre foi me casar com ela, isso logo assente mais o meu estado...
[...]
– Pois é o que me interessa, Seu José de Arimatéia: as suas intenções
com a do-Carmo.
Calou-se. Não demorou muito, porém, em voltar com a maneira
delicada de conversar – voz macia, mas que sabia mandar, ditar ordens:
– O senhor pode pedir a moça.
[...]
Seu Tonho Inácio e Dona Dosolina parecia que estavam, os coitados,
comovidos também. O velho pôs-se de pé:
– Vou mandar esvaziar uma casa das grandes na colônia do Engenho,
e dar ordem no armazém para fornecer todo o enxoval. Algum puxado
que carecer de fazer na casa por causa do gabinete, o senhor veja e me
fale depois.
Dona Dosolina não deixava por menos:
– O enxoval é por minha conta, Tonho, que isso é assunto de mulher.
Deixa, que eu combino tudo com a comadre Gorgota.
Mário Palmério
Chapadão do Bugre, 1994, p. 25-26

Enquanto chocava o afazer de Seu Custodinho, José de Arimatéia


pensava na vida, refletia. Reparava na roupa, nas mãos finas do
ambulante, notava a cerimônia com que o tratavam na fazenda. Seu
Custodinho dormia na casa da sede, comia na mesa com o patrão e
Siá Domingas, ficavam Seu Valico e ele ferrados na conversa até a que
tantas. E, por dia de serviço, devia ganhar o que peão nenhum ali no
Curral de Esteio, por mais cumpridor e estimado que fosse, apurava
num mês de labuta. E aquilo de arrancar dente a boticão, tocar com o Foto 61: Cadeira de dentista, início do Século XX, Museu Histórico de Sacramento
pé o maneirinho motor, preparar dentadura – aquilo José de Arimatéia (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
via não ser tão custosos assim, apenas inclinação e capricho. Vocação
ele mostrava que tinha; capricho também não lhe faltava: o que lhe
saía das mãos, fosse rédea de sedenho ou laço de couro trançado, gaiola A princípio, dificultoso, trilheiro aberto a casaco de burro e boi –
de taquara ou ralo-de-folha para cozinha, Seu Valico até que elogiava, transformado, com o correr dos anos, em rota salineira, por onde seca-
admirado o bom jeito do rapazinho. e-verde o pesado transporte do sal grosso, indispensável nas fazendas
de criação. E, na cola das então frenqüentes e lotadas comitivas, o
Mário Palmério
Chapadão do Bugre, 1994, p. 29 enxurrilho: gente boa e ruim espécie – uns a se sumirem de uma
vez por aqueles mundos, outros a escolher morada ali pela chapada
mesmo, à beira do caminho.
Ficava a fazenda do bugre bem na forquilha da boiadeira que cruzava
o Chapadão. Ali, a estrada se esgalhava em dois rumos principais, Todo um sertão sem fundo e sem tamanho desembocava no Bugre.
opostos um ao outro: o braço que ia ao Porto do Paiol Queimado, Viajante nenhum, naquelas épocas, terá deixado de dormir, uma noite
e o que demandava a vertente do Rio Araraúna. Ligavam-se assim pelo menos, em rede armada num dos ranchos de indaiá e pau-candeia
à boiadeira Santana do Boqueirão e Campanário, as duas mais que arruavam um começo de arraial à volta do casarão de adobo e telha,
importantes cidades do Oeste do Estado. e do curral de pedras destinado ao gado viageiro. Ponto de pouso,
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

de encontros, de negócios. E do abastecimento também de todo o Como sabia que o Sertão de Farinha Podre era de Minas Gerais havia
Chapadão – sortida venda a socorrer de mantimento, roupa e mais trinta anos, concebeu o plano luciferino pelo qual se livraria da
necessidades, o espalhado povo que vivia ao derredor. vigilância dos superiores da cidade de Nossa Senhora do Carmo e da
Mário Palmério fiscalização tributária do Reino.
Chapadão do Bugre, 1994, p. 257
As fôrças do Exército Português eram político-marciais, verdadeira
polícia de opressão e pirataria.
O núcleo inicial da colonização do Sertão Grande se originou no O Padre não falava sem conhecimento de coisa, não murmurava em
Arraial das Abelhas, depois Desemboque. O fluxo dos aventureiros vão sem saber da verdade, pois a derrama veio, violentíssima, em 1767
e os garimpos do Rio das Velhas foi garantido pelo extermínio dos e 1768! Antes de ser proclamada pelos bandos, a toque de tambores,
Araxás e pacificação dos Caiapós, aquêle pela brutalidade de uma Pequenino espalhou que a derrama só atingiria Minas Gerais, ficando
carnagem, esta pela palavra de humilde missionária. isenta de tal execução a Capitania de Goiás!
Em tôrno do Desemboque nasciam aldeias, entre elas as de S. E num milagre espaventoso, digno do diabo, levou à Vila de S. João de
Domingos, Farinha Pôdre, S. José do Tijuco, Nossa Senhora da Abadia El-Rei de Vila Boa de Goiás 120 habitantes do Arraial das Abelhas, e
de Água Suja, Arraial da Ventania, Brejo Alegre, Vila de Nossa os apresentou ao Capitão-General Governador goiano, como gente que
Senhora da Saúde de Poços de Caldas, S. Bento de Tamanduá, S. Pedro
lhe ajuda a fazer a descoberta do ouro do Arraial do Rio das Abelhas
de Alcântara, Nossa Senhora do Patrocínio do Salitre, S. Pedro de
que êle Padre Felix havia fundado!...
Uberabinha, Diamantina da Bagagem, Confusão... Havia já no século
XVII notícias de diamantes do rio da Bagagem, que agora empolgava O Governador D. Joam, que não gostava das Minas Gerias, mandou
e atraía ondas de faiscadores fracassados em outras lavras distantes, imediatamente despejar a população mineira do referido Arraial, que
famílias de forros, soldados de baixa, clérigos, cabotinos, meretrizes e não aderira ao Pequenino! Escorraçou a precária justiça local, tôda a
mariolas para o Oeste Mineiro. guarda militar de Minas e seu Comandante Sargento-Mor, o Vigário, o
Vigário Gondim – e o resto...
Quando a garimpagem ficou mais cara com o aprofundamento das
catas, os campos opulentos apontavam o caminha da lavoura e da Ato contínuo, obteve de Maria a Louca urgente alvará, criando o
criação de gado. Julgado de Nossa Senhora do Destêrro das Cabeceiras do Rio das
Agripa Vasconcelos Velhas do Desemboque, passando assim todo o Sertão do Nôvo Sul a
A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 20 pertence, por fôrça da Lei, à Capitania de Goiás! Minas perdia assim,
canônica e juridicamente, 94.500 quilômetros quadrados de terra, por
trinta anos conhecidas como legítimas da Capitania, quando ainda o
solo goiano era pertencente a Minas!

O Padre Felix, por miserável questiúncula com o Cabido da Cidade de


Nossa Senhora do Carmo, derrogara antigas portarias, regulamentos
e demarcações feitos pelos Capitães-Generais Governadores das
Minas, com podêres hábeis para tanto. Mostrou que tinha cabeça
para maquinações infernais, não dando importância às autoridades
mineiras, clero, nobreza e povo...
Agripa Vasconcelos
A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 31-32

Na porta da hospedaria animais de viagem comiam, nos embornais


sujos. É que os amigos da véspera iam partir. Um deles saudou,
expansivo, o ancião:
– Bom dia, amigo. É madrugador!
Foto 62: Moldes dentários, início do Século XX, Museu Histórico de Sacramento (MG). – Com o louvor de Deus! Sou madrugador por hábito. Em minha terra
Thiago Gervásio F. Arantes, 2015. às 4 horas já tomava café.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

O viúvo viajante:
– Que tal é o lugarejo?
– Pelo que vi parece bom; terras férteis: eu venho de terras ricas mas
êste planalto é uma beleza!
– As águas daqui são muito finas...
– É o que temos de mau em Formiga-Grande. São salobras, como
todas as águas de boas terras.
– Mas aqui os terrenos são bons, dizem, e as águas – não há melhores.
João, de olhos faiscando vida:
– É um privilégio de S. Domingos!
A dona da pensão, que os ouvia, aparteou orgulhosa:
– A prova que o clima daqui é especial é êste ar leve, fácil de respirar, Foto 63: Rio das Velhas, nome local do alto curso do Rio Araguari, nas imediações do
e os ventos, os centenários que vivem aqui. Em S. Domingos viver Arraial do Desemboque, atual distrito do Município de Sacramento (MG).
Marcelo L. D. Araujo, 2015.
100 anos é a coisa mais fácil...
Agripa Vasconcelos
A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 41 Em abril há nessas terras araxanas uma primavera de experiência. Todo
o campo floresce, das trepadeiras do chão às copas altas das árvores. É a
época dos bandos de periquitos, jandaias, papagaios. Tudo verde como
O Tengo-Tengo compreendia 30 alqueires de terra cercada de imensos folhas rodopiando no ar, aos bandos, nos pés-de-vento.
valos reforçados, pelo lado de dentro, por altas estacadas de aroeira,
formando muro. De tantos em tantos metros elevavam-se plataformas, Bêja subia nos montes de milho derramado pelos carros de bois; fazia
onde sentinelas armadas de lanças, zagaias e trabucos se revezavam coroas de trepadeiras floridas que punha na cabeça, dançava diante do
com disciplina. avô, tão engraçada que o velho, ocupado com a lida, sorria, aprovando
Por 22 anos o quilombo agregou fujões dos latifúndios do Oeste e do e reprovando. Certa vez coroou-se de trepadeiras, pôs um colar de
Norte. flôres e chegou à varanda, onde o avô descansava na rêde do canto.
Veio andando como senhora, em meneios de corpo, calma e atraente:
A enorme área cercada de achas e toros de madeira era-lhe como
segunda linha de defesa dos fossos profundos, imitados de fortalezas Olha, vô, sou a sultana das Mil e Uma Noites que o senhor contou...
antigas e castelos de soberanos guardados por mesnadas a sôldo. Estou parecendo com ela!...
Numerosos, cautos piquêtes volantes batiam as zonas vizinhas do
mocambo, com o fito de levar as negras ainda escravas e de assaltar Agripa Vasconcelos
tropas que navegassem o Sertão Geral, pela estrada de Bartolomeu A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 79
Anhangüera, rumo da Serra dos Martírios e do sul goiano. Esses
comboios eram guardados por Dragões e oficiais; por tropas de bate-
paus, de bandeiras de entrantes paulistas. Os negros tocaiavam e, O avô não respondeu. Como tivessem muitas relações no lugar,
medidas as forças, abalroavam para roubar. O certo é que possuíam ficaram na porta da Igreja, conversando com afeiçoados da família.
gado de criação e animais de sela no polígono do Tengo-Tengo. Ninguém falou em aniversário. O juiz Preparado de Direito
cumprimentou João Alves e vendo a neta bem perto dele, fez-lhe
Agripa Vasconcelos
carinhos:
A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 53
– Como vai, menina? Menina/ Mocinha! Como está formosa sua neta!
É uma criatura diferente...
Em abril colhe-se o milho nas Minas Gerais. A roça, quebrada, está
reunida nos montes do milho já seco, montes esparsos por toda a E passando-lhe a mão pela cabeça:
lavoura. Enchem-se os carros de bois pegando 48 balaios grandes. E
– Vejam que lindos cabelos ela tem! Como são abundantes! Macios
os carros pesados vão ao solavancos despejar a carga à porta dos paióis. como sêda.
Aberta a esteira de trás, amparada por fueiros, empinam o cabeçalho. O
milho escorre pela mesa e cai, com estrondo, no chão. E para ela:
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

– Seus cabelos são côr de ouro velho, esse castanho côr de mel vai Na roda de amigos, no salão do Ouvidor, depois dos parabéns e dos
bem com seu rosto claro e delicado. Mas, João Alves, o encanto desta presentes dignos dela, o Vigário conversava com Bêja:
menina são os olhos verdes.
– A senhora pode se julgar feliz. Nossa terra, hoje nossa região
E sorrindo, a abrir mais os próprios olhos: reivindicada, é um assombro de fertilidade. Nossa terra do Geral
– Perigosos... Grande é a Terra Prometida.
Êsses olhos perigosos furtavam-se aos do Juiz, procurando alguma Estava esquentando de patriotismo:
coisa na multidão da saída da missa. Ah, lá estava ao lado, fito
em Bêja, Antônio. Sorrira, ao se ver notado. Sentiu fundo a rajada – Eu, como velho filho do Arraial de S. Luís e Santa Ana, reconheço
daqueles olhos magníficos de adolescente em flor. que o Sertão do Sul é o mais rico de todo o universo. Não mana leite
como em Canaã, mas as águas minerais e as terras são mais valiosas.
Agripa Vasconcelos
Aqui só morre de fome quem não tem mãos ou está cego. Estende-se
A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 80 as mãos – eis a fruta. Cava-se a terra – ouro. Bebe-se a água – saúde.
Terra farturiente... Que mais, para se dizer que é o paraíso? Nem
faltam Evas: D. Bêja, por exemplo...
Do outro lado do salão, entre amigos, Mota, de sobrancelhas
suspensas, acompanhava, apreensivo, os movimentos da amante. Nisto O Dr. Remanso acrescentou:
Seu Juca entregou-lhe uma carta abreiada. Pediu licença e a foi ler na
biblioteca. – Nem faltam serpentes... Olha que o cascabulho é mais traiçoeiro que
a serpente do Éden!
Era do Subdelegado de S. Domingos do Araxá. Dizia que um novo
Agripa Vasconcelos
oficial da Companhia de Cavalaria dos Dragões, tropa de elite, estivera
A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 152
fazendo rigoroso inquérito sôbre a morte de João Alves dos Santos,
garantindo, em face do processo, que o Ouvidor seria justiçado, talvez
demitido. Acrescentava que várias pessoas araxaenses haviam deposto,
sob juramento, e a vontade férrea do governador de Goiás era ver o No dia em que o palácio ficou em ordem, limpo e habitável, Bêja
Dr. Mota destituído do cargo. A primeira diligência que o goiano mandou acender candelabros e arandelas; abriu a janela e as sacadas
mandara fazer não lhe satisfizera. Agora a questão era muito séria e tôdas da frente. O solar esplendeu em luzes veladas por lucivelos
várias testemunhas o indicaram como mandante do crime. discretos.
Bêja, vendo-o se retirar para a biblioteca, foi ter com êle. Mota
A proprietária, envergando vestido verde e sapatos de chamalotes côr-
amparou-se na amante, revelando o que acabara de ler.
de-rosa, trazia uma rosa vermelha nos cabelos. O solar todo cheirava
A môça corou, para empalidecer de súbito. Sentou-se, depois de fechar suavissimamente.
a porta.
– Olhe, Mota, vou lhe fazer um pedido, só um: você arranje com o Rei Eram as Pastilhas do Seralho, queimadas antes de chegarem as visitas.
ou com o Príncipe D. Pedro para passar o Julgado do Desemboque e Convidaram o Padre Aranha, Fortunato, Belegarde, Guimarães,
Araxá para Minas Gerais. escrivão da polícia, Matos, seu nôvo amigo, Dico, ex-seminarista...
Cada um podia levar um amigo.
– É verdade, é a melhor solução, porque, se o sertão do Nôvo Sul fôr
restituído a Minas, ficarei sem a jurisdição do governador de Goiás, A novidade correu como um rio, banhando todo o Arraial. Às 7 horas
quanto ao processo em que me envolvem. O caso ficará sujeito à chegaram os convidados de Bêja. Já no salão e visitas, perdiam o
minha Ouvidoria. assunto com o brilho dais coisas, quando chegou Padre Aranha, com
Bêja, muito severa: Antônio, o filho de D. Ceci.
– Foi a solução que achei para terminar esse caso, e para que Minas Bêja não se demorou: apareceu pisando tão macio que seus pés
recupere uma parte de suas terras, que foi roubada! pareciam calçados de luar. Sentiu um choque tão grande ao chegar
– Pensou iluminada por Deus, com admirável lucides e tino. à sala, que disfarçou a emoção num sorriso inexpressivo. O Padre se
levantando:
No outro dia seguiu portador oficial, urgente, para a Côrte, levando o
pedido expresso do Ouvidor a seu amigo Príncipe D. Pedro e a El-Rei – Como prazer de vir à sua casa, trouxe seu antigo condiscípulo de
D. João VI. catecismo.
Agripa Vasconcelos Agripa Vasconcelos
A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 147-148 A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 189
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Agora falava a todos e, para o capangueiro: – Isto é que é ter importância! Obteve a volta de um verdadeiro país,
roubado por Goiás!
– Tem comprado muitos diamantes?
Agripa Vasconcelos
– Alguns, D. Bêja. Bagagem tem soltado muitos. Nenhum como o
A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 191
que a senhora tem no anel.
Ela, rápida:
Ao amanhecer, Bêja saía a cavalo para o banho do Barreiro, seguida de
Ah, êste é bonitinho...
Severina e Moisés.
Tirou-o do dedo, passando-o para o môço ver. Êle mirou-o contra a
Faziam a légua e meia rapidamente. Bêja esquecia os olhos nas serras,
luz, procurando o oriente:
longe: à esquerda, no pico da Mesa e, à direita, na lomba suave da
– Puríssimo! Nem um urubu. É de primeira água e êstes reflexos Serra das Alpercatas. Quase ao chegar ao pau-de-Binga aparecia à
roxos, côr-de-rosa e amarelos, juntos, são raros em diamantes. Tem 45 frente o Monte Alto, com os dois píncaros redondos. Descansaram
quilates; de onde é, D. Bêja? uns minutos debaixo do jequitibá velho. Sinhá ensinava aos pretos,
quando abrigos sob a copa acolhedora da beira do caminho:
Ela, repondo-o no dedo:
– Aqui, Severina, chorou muita gente, aqui sorriu muita gente. Daqui
– De Vila Real do Príncipe, mas peneirado em Jequitinhonha. se despedem dos viajantes e recebem-se os que voltam. Como havia
E, ficando séria: mais choro do que risos, esta árvore também se chama pau-de-chôro.
– Foi presente... E com o chicotinho de prata estendido:
O Padre maliciou para si, pensando que sua beleza, também lá, – Por aqui partem e voltam os viajantes, pois aquela é a estrada
provocava presentes de 45 quilates. de conquista. Vai até Casa Branca, em S. Paulo, de onde partem
as diligências para a Côrte. Quando isto aqui era de bugres, eles
E para Guima: se reuniam nesta sombra, tocavam, dançavam, comiam até carne
– Seu compadre é capangueiro de verdade: viu direito quais os reflexos de gente. Debaixo deste jequitibá, negros macamaus vindos dos
da pedra e avaliou certo os quilates – tem 45... quilombos do Ambrósio e do Canalho dormiam, confabulando com
os Araxás. Faziam macumbagem, bebiam caxiri dos bugres e cachaça
Voltou-se, inclinado de leve para Guimarães, seu velho amigo, ao roubada pelos negros das fazendas, por aí.
mesmo tempo que vasculhava o bolso da batina:
Bêja seguia, desciam a rampa da depressão onde brotavam as águas
– Veja como nossos patrícios sabem tudo de pedras... minerais. Os ventos boliam nos seus cabelos alegrando-a.
Guima feliz: – Vou para minha fonte...
– Aqui é assim. Êsse Josa é mestre nessas coisas bonitas. Só aqui o Agripa Vasconcelos
Adão é que desconhece pedras, pois é só criador em Farinha Podre... A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 194
Bêja curvou-se, acessível:
– Ser criador é ser inteligente; ser criador de gado em Farinha Podre é Ao chegar a S. Domingos, Bêja, inteligente e dominadora, notou logo
ser quase Vice-Rei. em si e até nos animais o efeito milagroso daquelas águas. Seus diários
passeios às fontes passaram no comêço a ser vistos como exibição de
Severina servia licor francês, em grande bandeja de prata lavrada. Padre
sua beleza e a farras. Como ia às vezes sem Severina, falaram dela até
Aranha fêz a sensacional revelação:
com o próprio escrevo Moisés, embora provasse por tôda a vida não
– Sabem a quem devemos a volta do Sertão do Sul, a volta pra as Minas? receber negros nem mestiços. Ela foi a verdadeira descobridora dos
efeitos fisiológicos das águas minerais de Araxá. Mesmo antes de ir para
Ninguém sabia. Êle, entusiasmado, elevava a voz:
Paracatu (o Ouvidor tinha jurisdição sôbre Águas Minerais e ela muito
– À nossa grande araxaense D. Bêja! aprendeu de seus efeitos), já era frequentadora das fontes sulforosas e
daquela em que depois se descobriu ser radioativa – a Fonte da Jumenta.
Todos ergueram os cálices à admirada protetora das Gerais.
Ela, desengraçada, ferindo a modéstia: Foi a primeira propagandista do paraíso do Barreiro, pelo que de
extraordinário fez em doentes de todas as idades.
– É verdade; eu é quem obtive de D. João VI o alvará de 4 de agôsto...
Agripa Vasconcelos
Fortunato estourava de orgulho de ser velho amigo da jovem. A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 371
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Foto 64: Águas do Barreiro, Araxá (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.

Em 1857 correu notícia de que novo diamante soltara no Bagagem. Êsse diamante não se comparava ao Estrela do Sul mas era magnífico.
O alvoroço foi grande, pararam serviços nas lavras para ver a Puseram-lhe o nome de Dresde e foi vendido para judeus de Holanda.
pedra. Manoel Caldeira que ficara muito inquieto com a novidade
perguntou ao padre Salustiano: A pega dessa pedra resultou do afluxo de gente ávida da gema irmã
– Sabe que pegaram hoje um diamante colossal no Bagagem? do Estrêla do Sul que enchia grupiaras, rios, ribeirões, cascalheiras.
No começo da guerra do Paraguai a rapaziada que caiu no mato para
– Soube. Pesa 177 quilates. Soltou perto da Ponte do Ratis.
fugir do recrutamento do Exército, aos Batalhões do Voluntários
– Aqui mesmo perto... derramou-se pelas faisqueiras com medo da farda. Com esses fujões
– E dizem que é igual ao Estrêla do Sul! Ou mais puro. É difícil se verificou um renascimento maior nas zonas diamantinas, em
acreditar mas é o que dizem. especial no Sêrro, Diamantina, Água suja, Bagagem, Cocais...

Tôda a zona garimpeira, do Desemboque, Água Suja e Douradinho, Agripa Vasconcelos


correu à Vila Velha de Bagagem; era só no que falavam. A vida em flor de Dona Beja, 1985, p. 410
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Nas excursões pelos territórios de Minas e Goiás, convenceu-se o – Siqueira quer paz com Agiru! – ressoou forte a voz conhecida do
paulista de que muito pouco daquele ouro lhe sobraria. A geração paulista.
anterior havia lavado os depósitos aluviônicos. Ele assistia ao
despovoamento dos garimpos. Começou a ver, porém, que a zonas – Agiru não tem entendimento com Siqueira, enquanto êle invadir as
até então abandonadas, em razão da pobreza mineral, passavam a terras dos caiapós.
atrair gente, dando origem à agricultura. Os campos se povoavam de Os dois adversários, parece, se aproximavam, no escuro, em direção
rebanhos e surgia promissora a vida pastoral. às vozes, e logo passaram a se expressar em tom quase natural, tão
Estava encerrado um ciclo histórico. próximos estavam.

Operava-se, no Brasil, grave mudança na base de sua economia, com – Siqueira promete entrar em combinação com Agiru.
declínio das minerações, que deram a Portugal e ao mundo, talvez, Agiru e Siqueira eram velhos conhecidos. Nas longas peregrinações do
mais de mil toneladas de ouro. grupo, o cacique havia-se estabelecido, anos atrás, nas margens do rio
Camilo Chaves Mogi-Guaçu. Ali, consoante velha inclinação, Siqueira havia investido
Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central, 1943, p. 16 contra êle.

Os caiapós, com a vantagem da surprêsa, podiam massacrar a todos


O tempo era de largueza territorial e de escassa demografia. Nenhum da comitiva, ali cercados, mas Agiru mediu a responsabilidade do
território melhor se prestava ao refúgio de evadidos da sociedade, ato, capaz de provocar represálias. Contentava-se com ser respeitado.
que o trato geográfico compreendido entre os rio Grande, o Jeticaí Siqueira prometeu dar segurança sobre o território à margem do rio
dos guaranis e o Paranaíba. A natureza do solo, negativa às formações Grande, constituintes hoje, da fazenda de São-Francisco-de-Sales.
Agiru, por sua vez, reconheceu a posse da do Paraíso. Acabaram os
auríferas e maninha de quaisquer produtos mineralógicos, não podia
dois chefes trocando baforadas de cachimbo, como penhor de paz e
atrair os bandeirantes. Compreende-se, assim, a razão por que o
amizade. Daí o paulista internou-se nos campos e posseou as fazendas
triângulo interfluvial se tinha conservado deshabitado até o primeiro Ponte Graúda e Parafuso. Fugindo, ainda mais, ao contacto dos índios,
quartel do século dezenove. infletiu para a direita, posseando as de Seis-Irmãos e de Bom-Jardim,
nas vertentes dos rios Arantes e São-Domingos. Perto da confluência
Goiás, até então, era o ímã dos aventureiros. Estes, na sua cegueira,
dos córregos Pito e Perobas, na fazenda Paraíso, construiu seu solar, de
apenas como itinerantes, percorriam a histórica estrada do onde administrava as suas extensíssimas propriedades. Dedicou-se à
Anhanguera entre o rio Grande e Porto Velho, no Paranaíba, em criação de gado, em grande escala, montando retiros em vários pontos.
direção a Vila-Boa.
Camilo Chaves
Eloquente é o fato de trazer a data de 1805 a primeira carta de
Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central, 1943, p. 55
sesmaria concedida sobre terreno sito à margem da referida estrada,
nas proximidades de Uberaba.
Anunciou-se o grande acontecimento do batismo, crisma e casamento
Outra razão, que não a ausência das aluviões auríferas, afastava a
da bela tapuia. Os caiapós, sabedores da presença da filha de Agiru
civilização dêsse território. Era êle habitado por numerosas hordas
na fazenda, vieram vê-la e se prontificaram, com alegria, a participar
de indígenas da nação caiapó, cuja hostilidade ao branco tinha
da festa. Trouxeram flôres do campo e folhas de palmeira com a
agressividade de extermínio. Ai de quem se aventurasse a penetrar-
ornamentação da capela, transformada assim numa câmara de verdura.
lhes as campinas, de lindes que se perdiam no horizonte! Na própria
O capitão Chaves e Ana foram convidados para padrinhos do batismo,
estrada mestra, insegura, não raro, um episódio sangrento irrompia, a
o sargento-mor José Eustáquio para o crisma e Felisberto Rodrigues de
anunciar a presença dos temíveis incursionistas.
Queiroz para testemunhar o casamento.
Camilo Chaves
Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central, 1943, p. 28 No dia marcado, após a missa, perante enorme assistência, Piedúti se
apresentou simplesmente trajada de branco. Ao ajoelhar-se ao pé do
padre, para receber a água lustral, o ambiente transfigurou-se à sugestão
– Siqueira quer paz com Agiru. de um simbolismo sublime. Algo de terrível e selvagem se rendia, se
desfazia, se transformava, triturado do crisol do tempo e do sofrimento.
Nenhuma resposta. Ao longe matracava o linguajar dos índios. As
flechas continuavam a sibilar, levantando o folhiço do chão. A raça caiapó se submetia à civilização.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

O sacerdote olhava, inspirado, para o alto. E a água cristalina, algo de voluptuoso. É ditado muito certo: Divertimento de caboclo
transbordando da concha, escorreu pelo cabelo liso e pela fronte é desgraça. Arrastado pelo encantamento de tanta coisa ruim, vai-se
morena da formosa filha da selva. engajar na comitiva, que se apressa para partir. Deixa o rancho mal
abastecido por um adiantamento que compromete o ganho da viagem
– Bárbara, ego te baptizo in nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti!
e, enquanto a companheira fica no lar em companhia dos caboclinhos,
Camilo Chaves a curtir misérias e saudades, lá se vai êle, sertão a dentro, sem futuro,
Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central, 1943, p. 97-98. sem esperança, entregue ao seu determinismo. Se alguém aporta a
mísera habitação, onde moureja a cabocla solitária, inquirida, ela
Ali, pelos meses de julho, agôsto e setembro, em pleno estio, ao responde naturalmente:
primeiro brôto dos campos, quando a cigarra boiadeira, de pulmões – O Bastião não está. Desgraçou-se nesse ôco de mundo!
de aço, acorda os ermos com o canto persistente, uma saudade
indefinível, uma inquietação hipocondríaca se apossa da alma do Êste o conceito justo, porque ao cabo de seis, oito meses, lá vem
vaqueiro. Lembra-se êle dos sofrimentos passados e do muito que o Bastião, em mulambos, magro, peludo, atacado de sezões. Novos
lhe foi mister de vontade para suportá-los, mas essa recordação tem adiantamentos, impostos por necessidades prementes, o acorrentam à
servidão infinda dos devedores, cujos compromissos, sempre e sempre
agravados, jamais se saldam. Eis que a cigarra boiadeira deserta-lhe,
novamente, a nostalgia fatal! Êle, que mal permaneceu em casa durante
dois ou três meses, é novamente enfeitiçado pelo canto da Uiara.
Camilo Chaves
Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central, 1943, p. 130

Os carreiros aprestavam as boiadas de carro para a próxima viagem


a Uberaba, onde era mister adquirir sal e outras mercadorias de
consumo da fazenda. Com loncas de couro de gado refaziam peças de
arreamento ou lavravam canzis, fueiros e outros acessórios.

O carro de bois executa uma das mais importantes funções da fazenda,


conquanto seja um veículo essencialmente tardo. Graças a êle se
mantém efetiva a atividade locomotriz que vitaliza o trabalho. Não
há provavelmente, no mundo, viatura mais rudimentar. Não pode
subsistir onde há boas estradas, por que é o maior inimigo delas.
Constitui todavia, meio eficaz de transporte, nas terras ínvias de país
selvagem, onde o homem não pode beneficiar-se com a providência
dos bons caminhos.
Camilo Chaves
Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central, 1943, p. 194

Quando os pescadores se transferiram para Cachoeira-Dourada,


Cafelista foi buscar a família, que havia ficado no Capim.

Não o seduzia o tumulto que se formava ao redor da queda. Percebia o


terror que inspirava, e o vácuo que se lhe formava em torno. Roía-lhe
a alma a desconfiança de si mesmo. Preferia manter-se à distância.
Invisível, podia proceder à vontade e armar as suas tocaias.

Levou a família para casa de Luiz Folbeiro, seis quilômetros abaixo


Foto 65: Busto de Ana Jacinta de São José, a Dona Beja, na cidade onde residiu nos últi- da queda, e iniciou a construção do seu rancho, dentro da mata, na
mos anos de sua vida, Estrela do Sul (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015. margem goiana, na foz do córrego da Boa-Vereda.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Nenhum outro lugar lhe convinha, como esse, segregado do mundo, A Bagagem já então apresentava o aspecto de uma povoação
na fronteira de duas províncias, longe da lei e da moral. nascente, cheia de comércio, vida e animação, como são em seu
começo todos os descobertos diamantinos. Já não eram simplesmente
– Aqui, nem Deus me acha! Pensava êle.
os toscos ranchos cobertos de baguaçu espalhados em desordem
Camilo Chaves ao longo das margens do rio. Por entre eles alvejavam já não raras
Caiapônia: romance da terra e do homem do Brasil central, 1943, p. 295
algumas casas caiadas e envidraçadas, como garças pousadas entre
um bando de pardacentas pombas silvestres.
No dia 7 houve pela manhã a missa cantada, o te-déum e a parada de
costume. Tudo era farda: no meio daquela multidão de uniformes, Algumas ruas menos irregulares se iam formando, e nelas viam-se já
os homens vestidos à paisana formavam uma minoria imperceptível. bonitas e bem sortidas lojas e casas de negócio de toda a espécie.
As famílias que queriam ir à igreja eram conduzidas pelas crianças
A Bagagem contava em seu seio talvez vinte mil almas à custa
e escravas, pois os pais e os irmãos adultos por via de regra estavam
debaixo de forma. Assistindo-se aos festejos de gala nas vilas do dos municípios vizinhos, que ficaram despovoados. Quase todo o
interior, dir-se-ia que não há povo mais militarizado que o nosso. Patrocínio, o Araxá, grande parte do Piracatu e Uberaba tinham-se
Entretanto, não há povo mais essencialmente pacífico, menos propenso mudado para as matas da Bagagem.
à carreira das armas.
O Major *** também não ficara isento da mania geral, e, tentado
A lei lhe impõe o dever de envergar uma farda e entrar em forma em pelo demônio do garimpo, deixou quase em completo abandono sua
certos dias do ano, e eis em que consiste o militarismo e a missão
lavoura, e veio estabelecer-se na Bagagem com sua família e quase
única da guarda nacional.
toda a escravatura. Outro motivo também influiu no ânimo do
À tarde tiveram lugar as cavalhadas. Major para dar esse passo. Lúcia, depois da partida de Elias, tinha
Às três horas, já os palanques toldados de colchas de cores brilhantes caído em profunda tristeza e abatimento; sua saúde se alterava e
estavam atulhados de famílias. Por baixo e em torno deles formigava ela definhava, como a planta mimosa a quem falta a seiva da terra
remoinhando uma multidão inquieta, esperando com impaciência o e o orvalho do céu. O Major bem conhecia o verdadeiro motivo
começo do espetáculo. daquela indisposição de sua filha; mas, ou para afetar que nem a
Por fim o estouro das girândolas e o repique dos sinos deram sinal da possibilidade concebia de uma paixão amorosa, ou mesmo porque
vinda dos cavaleiros. respeitava a delicada suscetibilidade dos sentimentos de Lúcia, fingia

Dai a um instante estes, divididos em duas turmas de dez cada uma,


entraram na arena a galope por lados opostos, montados em lindos
ginetes ricamente ajaezados e enfeitados de fitas e ouropéis, penachos
e ressoantes guizos, e meneando as lanças ornadas de compridas fitas.
Não traziam máscara, nem estavam trajados a caráter, como é costume
em algumas partes; mas, segundo o uso do sertão, traziam uniforme
militar à moda do tempo, cada um a seu talante e com primor e
riqueza que podia. Uma das turmas, porém, trazia farda azul, e outra
escarlate, figurando aquela os cristãos, e esta os mouros.
Bernardo Guimarães
O garimpeiro, 1872, cap. 2

Já perto de dois anos eram passados, depois que Elias descoroçoado de


encontrar no solo da Bagagem ao menos os elementos de uma riqueza,
que se tornara condição indispensável para sua felicidade, ralado de
saudades e com o espírito oscilando entre as mais sinistras apreensões
e as mais lisonjeiras esperanças, partira para longes terras em busca
de fortuna, fiado na proteção de um homem que lhe era inteiramente Foto 66: Carro de boi, principal meio de transporte do Sertão da Farinha Podre até a
desconhecido, abandonando seu destino à mercê da fatalidade. primeira metade do Século XIX, Sacramento (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

ignorá-lo. Portanto, julgou conveniente arrancá-la à solidão daquela Depois, José Albério decidiu mudar de pouso em seu negócio. Saiu
fazenda, e, no meio da agitação e dos passatempos da sociedade, da concorrência e riscos de Franca para um novo ponto, pulando o rio
procurar alguma distração à constante e profunda melancolia da moça. Grande e estabelecendo-se na Província de Minas Gerais, distrito do
Bernardo Guimarães Desemboque, naqueles dias florescente encontro das estradas mineiras
O garimpeiro, 1872, cap. 5 e paulista em devassa do Triângulo, de Goiás, do Mato Grosso.

Lugar novo, menor, quieto, tudo por fazer, fácil de assuntar chegada
Elias costumava também ter sonhos matizados de rubis e diamantes, de gente e coisas novas, o Desemboque lhe servia para plantar raízes,
e além disso, como já ouvimos da boca do velho Simão, uma cigana ao menos pelo tempo de multiplicar fortuna e abrir horizontes.
lhe predissera que sua estrela era de pedra. O amor não contribuía
menos poderosamente para inspirar-lhe aquela resolução; suspirava Foi assim, que o jovem senhor José Albério comprou ponto comercial,
impaciente pelo momento em que pudesse ver-se para sempre unido casa grande na esquina do Largo, perto da igreja. Sua fala estudada,
a Lúcia, e para esse fim só É que desejava enriquecer, e enriquecer seu jeito macio, a maneira arrojada com que gastava o seu dinheiro em
depressa. Ora, a não cair do céu, só do seio da terra poderia ver surgir coisas que pareciam aventura iam abrindo caminho e conceito entre os
de um dia para outro uma fortuna. Demais a questão era de pouco locais e os que chegavam para ali se assentar e viver.
tempo; em poucos meses, em poucos dias, em algumas horas mesmo
poderia ficar resolvido o problema de seu destino. Elias era audaz José Albério estava plantando o que julgava ia ser a sua árvore da
e resoluto; com o primeiro sorriso de Lúcia voltara-lhe toda a sua fortuna: na praça principal, regada a suor e trabalho dos que ali
coragem e seguridade, toda a sua confiança no futuro. vinham abastecer-se, suas contas anotadas em cadernetas mensais que
ainda rendiam juros ao dono e mestre.
Comprou datas, engajou praças, e começou a trabalhar com atividade
e ardor inconcebível. Mas ah! aquela terra da Bagagem para ele parecia Nunca mais segundo andar da Líbero Badaró, viseira na testa, olhar
ser amaldiçoada; parecia que o diamante sumia-se do lugar onde baixo e servil, falta de horizonte, falta de dinheiro, falta de vida...
tocavam suas plantas!
José Albério estava plantado afinal. O mundo ia ser seu!
Tinha-se escoado um mês, e com ele grande parte dos recursos de
Elias sem o menor resultado. Montões de cascalho bruto aglomerado João Gilberto Rodrigues da Cunha
em torno das grupiaras, eis o fruto único que se via do trabalho do Caçadas de vida e de morte, 2011, p. 27
infeliz moço.

Durante esse tempo duas vezes viu Lúcia, mas com o coração pesaroso Tonho Pólvora tirou a coalheira do burro, liberando-o da carpideira
e cheio de tristes presságios não ousou comunicar-lhe o mau êxito de onde passara horas tratando seu milho. Suadeira geral, nos burros, no
suas explorações, e embalou-a com vagas esperanças, que ele mesmo Tonho, no Zé Brilino, até Zé anjo que ficava vaivém de trazer e revezar
não alimentava. Mas nem assim desistiu ainda. Coragem!... dizia ele animais de trabalho.
consigo. Mais um pouco de paciência!... mais quinze dias; mais um
mês! às vezes a sorte do jogo está na última cartada. Logo na posse da fazenda, Tonho Pólvora resolveu plantar roça de
milho e feijão, coisas de que ninguém cuidava por ali, terra de gado
E mais quinze dias, mais um mês se foram de insano trabalho, e criado na solta e pasto nativo e comum. O pasto endurecia após a
de ansioso esperar, sem que a ingrata grupiara lhe entreabrisse nem semente, botavam fogo em agosto, e no broto do novo capim as
mesmo um leve sorriso de esperança. vacadas sobreviviam até as águas e tempos melhores.
Bernardo Guimarães
O garimpeiro, 1872, cap. 15 Tudo muito primitivo, pensava Tonho Pólvora.

Tudo vinha de fora, preço alto, lucro para o transportador, para o


comerciante, para a casa comercial que bancava e cobrava juros do
Assim, José Antônio virou José Albério, aproveitando até as prazo de venda.
iniciais bordadas nos lenços e roupas de São Paulo. Uma certidão de
nascimento forjada, em papel roubado de uma amigo escriturário e Em Oliveira toda fazenda era autossuficiente, tinha seu feijão, milho,
convenientemente bêbado, lhe serviria para um documento definitivo arroz, café, cana-de-açúcar pra melado e rapadura, leite, horta de
em futuro. Nas novas terras, não se perguntava muito por papéis, verduras, laranjal, porco de cria e na ceva. Caso de guerra, ninguém
valendo mais a conveniência dos negócios e do dinheiro. passava fome ou precisava de outros. Por último, até a roupa de lã ou
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

algodão, cardada e tecida no tear doméstico, o sapatão de couro cru, Passando tempo, convivência, festas, reuniões, os dois moços trocavam
tudo se fazia em casa. conversa, já agora amadurecida e objetiva.

Aqui no Desemboque só filhos se faziam em casa, e em grande – José Albério, você que é homem do comércio, o que acha de montar
filial de pólvora e sal em Uberaba? Lá é entroncamento da estrada de
quantidade – o que aumentava mais a carestia e necessidade das coisas.
São Paulo, acho que tem até mais futuro...
João Gilberto Rodrigues da Cunha
Caçadas de vida e de morte, 2011, p. 50 – Pode ser, Tonho, mas e a sua fazenda, toda em organização? Arrume
uma coisa de cada vez. Comércio, só com o dono em cima do caixa
e dos livros. Tem sempre um bandido para tirar proveito de uma
Assim começava Tonho Pólvora o seu negócio, o armazém de pólvora ausência ou distração!
uma coisa essencial para os bandeirantes de passagem, felizes do
No fundo, José Albério estava interessado no comércio do Tonho,
abastecimento próximo agora, e pagando o bom preço da facilidade.
uma simplicidade de dois artigos, um controle fácil, importante era só
Pólvora, sal, milho, feijão, arroz, um capado gordo, um charque conhecer e negociar o fornecedor, quem sabe Uberaba seria ponto seu,
de vaca, e o abastecimento sertanejo ia rendendo a Tonho Pólvora uma filial da Comercial já projetada para lá...
conhecimento e influência, além do dinheiro que reaplicava na terra João Gilberto Rodrigues da Cunha
do seu futuro. Nessa ocupação, pouco tempo lhe sobrava para ir ao Caçadas de vida e de morte, 2011, p. 63
Desemboque, e pouca vida de cidade ou gente o ocupava. Em verdade,
o que buscava no comércio era alguma coisa para melhorar sua casa
e pouso, um conforto de água e banho, de cozinha, um telhado Nos distantes do rio Tijuco, rumo ao Paranaíba, abriam-se as
garantido contra chuva de vento, uma parede de tijolo queimado, primeiras terras do que viria ser a vila de Ituiutaba. Os campos férteis
uma janela de veneziana, pequenas coisas que lhe lembravam a origem iam sendo trabalhados com gado, mas as primeiras roças já se abriam
civilizada e ensinavam conforto aos novos sertanejos da vila. nas matas, revelando um solo extraordinariamente fértil e produtivo.

João Gilberto Rodrigues da Cunha As terras não tinham dono nem ocupação, as sesmarias eram tituladas
Caçadas de vida e de morte, 2011, p. 60 no papel, a região do Triângulo nem sabia direito se era Minas, São

Foto 67: Arraial do Desemboque, atual distrito do Município de Sacramento (MG). Thiago Gervásio F. Arantes, 2015.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Paulo ou Goiás, de tanta gente de tanto lugar diferente ali Podia, como já fizera, entrar na vila à frente do seu exército particular,
chegando e acampando. trinta homens preparados para tudo, se necessário mortandade e
carnificina. Arrebentava a cadeia e sua gente, montava Tilico em
Na confusão, invasores honestos e desonestos se misturavam. cavalo branco, desfilava pela praça, voltava para casa em glória e
Os primeiros vinham para ficar e trabalhar, os outros para pilhar, vitória.
aproveitar e tomar destino em novas promessas e promissões.
Mas – e depois? Os tempos eram outros, o coronel não era mais
Era comum a associação de uns e outros no trabalho inicial da posse e governo. Tropas seriam enviadas, a guerra seria aberta, muita gente
exploração, uma união que visava sobretudo manter protegido o grupo com culpa ou sem culpa iria morrer.
inicial, gerador dos primeiros agrupamentos, depois currutelas, vilas, no
Depois, também, o coronel estava cansado, já lutara todas as lutas da
futuro cidades.
vida. O que queria era a sua varanda em sombra, seu fumo goiano,
No grupo, de início sempre heterogêneo, havia de tudo, de gente boa à sua família, seus netos futuros, escutar chororós e nhambus no final da
gente pior da terra, de lavradores humildes buscando oportunidades até tarde, aspirar o perfume do lírio do brejo no anoitecer, a brisa trazendo
ladrões e assassinos foragidos em definitivo de seus domicílios. Como o cheiro do capim-gordura, berro de vaca em busca da cria, o corujão
ninguém se conhecia, abria-se um crédito inicial ao recém-vindo, desde piando no paiol, adormecer em paz.
que ele comprovasse sua integração à comunidade e às regras. João Gilberto Rodrigues da Cunha
Caçadas de vida e de morte, 2011, p. 168
No Brasil-sertão, assim se formavam todos os agrupamentos, e famílias
distinta das novas cidades não ousavam mergulhos genealógicos por
medo de seus ancestrais, muitos deles só de primeiro nome e nenhum Os dias em São Paulo passavam tranquilos para José Albério e sua
ou apenas inventado sobrenome. comitiva, distantes e ignorantes dos acontecimentos em seu sertão.

João Gilberto Rodrigues da Cunha José Albério estava empenhado em uma linha direta de importação
Caçadas de vida e de morte, 2011, p. 84 de artigos estrangeiros para a Comercial. Ia suprimir intermediários
e fornecedores, aumentar seus lucros, e com isso passava os dias em
azáfama e correria entre São Paulo e Santos.
O coronel saíra cedo da fazendo, sem exército, sem jagunços, sem
Mariita e Calvert ficavam por São Paulo, fazendo as compras e vendo
armas especiais, apenas seu arreeiro Laurindo por companhia. Montava
as novidades que iriam levar para o Desemboque, circulando pelos
ajaezado seu baio Brilhante, um marchador imponente, Laurindo na
teatros da moda, os cafés-concerto, os passeios pelo Trianon e Lanches
mula Briosa, enfeitada para festa, o patrão recomendava as selas e trato
Colúmbia. Mariita dava liberdade e instrução às duas amigas sobre
dos animais.
onde irem e o que comprarem. Ela já conhecia tudo, dizia, não
Pela noite, fumando seu pito de palha, o coronel Macedo ponderara precisava acompanha-las, teriam mais liberdade e prazer.
bastante para tomar a decisão matinal. Fora avisado no final da tarde, João Gilberto Rodrigues da Cunha
por via de gente de Mariita, da desdita de seu Tilico. Caçadas de vida e de morte, 2011, p. 287
Foto 68: O Sertão dos Garcias, Três Lagoas (MG).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
Sertão dos Garcias

O Sertão dos Garcias na Geografia

O Sertão dos Garcias27 (ou vácuo mato-grossense) é uma


região que se formou nas primeiras décadas do Século
XIX, como parte do processo de incorporação de novas
terras e expansão para o oeste a partir do Triângulo
Mineiro e São Paulo. Estendia-se por uma área delimitada
pelos Rios Aporé, Paranaíba, Paraná, Pardo, Camapuã,
Coxim e Taquari (CAMPESTRINI, 2006, p. 13).
Atualmente, a região faz parte do território do Mato
Grosso do Sul, onde hoje estão localizados os Municípios
de Paranaíba, Três Lagoas, Aparecida do Taboado, Selvíria,
Inocência, Brasilândia, Camapuã, entre outros (Mapa 11).

27
Segundo Campestrini (2009), a partir de 1950, a região ficou conhecida como Bolsão
Mato-Grossense, hoje Sul-Mato-Grossense.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A região está inserida no Bioma Cerrado, com predominân- çoeiras, que faziam a comunicação daquelas minas com
cia de vegetação gramíneo-lenhosa (campo-limpo-de- São Paulo. Essas rotas transitavam por alguns dos rios do
cerrado), com esparsas ocorrências de savana arborizada Sertão dos Garcias, mas não havia fixação de população
(campo cerrado), savana florestada (cerradão) e áreas de nesta porção do território. Entre 1739 e 1755, a região
contato entre savana e floresta estacional (MAPA..., 2004).
foi frequentada por expedições paulistas, que tinham por
O relevo da área é caracterizado por depósitos sedimentares objetivo a captura e escravização de nativos (BRAZIL,
quaternários (especificamente nas Planícies do Rio Paraná) e 2009, p. 14).
por bacias e coberturas sedimentares fanerozoicas (formadas
nos últimos 542 milhões de anos), como o Planalto do Rio Sob o ponto de vista administrativo, as terras que viriam
Paraná, as Rampas dos Rios Verde e Pardo e os patamares e a ser conhecidas como Sertão dos Garcias estavam, desde
depressões interiores dos Rios Taquari e Iquitira (MAPA..., 1748 sob o controle da Capitania de Mato Grosso. Antes
2006). da chegada dos primeiros povoadores, no século XIX, o
vácuo matogrossense era habitado majoritariamente pelos
A região possui clima tropical com estação seca, também
índios Caiapós Meridionais. O grande território onde vivia
conhecido como clima tropical semi-úmido (Aw, segundo
este grupo indígena era denominado Caiapônia, ou Sertão
a classificação de Köppen-Geiger), caracterizando-se por
temperaturas médias mensais superiores a 18° Celsius, do Gentio Cayapó, conforme apontam mapas do Século
possuindo apenas duas estações: uma estação seca, no XVIII (CAMPESTRINI, 2002, p. 30-31), estendendo-se
período entre final de março e início de setembro e uma também por terras dos atuais Estados de Goiás, Minas
estação chuvosa no restante do ano. Esse tipo de clima é Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
típico do Cerrado brasileiro.
Foi a partir dos anos 1820 que a região começou a
Um dos maiores estudiosos da região, Hildebrando receber povoadores eurodescendentes. O marco inicial da
Campestrini, membro da Academia Sul-Mato-Grossense de ocupação do vácuo foi a chegada de famílias provindas
Letras e atual presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Sertão da Farinha Podre (atual Triângulo Mineiro)
de Mato Grosso do Sul, escreveu algumas das obras
e outras áreas das Capitanias de Minas Gerais e São
consultadas para a elaboração deste capítulo.
Paulo, que aos poucos foram se estabelecendo em terras
localizadas na margem direita do Rio Paranaíba. Dentre
Do vácuo mato-grossense ao as famílias que inicialmente se estabeleceram na região
Sertão dos Garcias
estavam os Garcia Leal. Segundo Campestrini (2009),
A porção nordeste do atual Estado do Mato Grosso do Sul os irmãos Garcia Leal (José, Januário, Joaquim e João
nunca se incorporou efetivamente à economia colonial. Pedro), com suas famílias e escravos, foram importantes
Com a descoberta das minas de ouro em Cuiabá, em 1718, fazendeiros da região. Esse vetor constituiu o início da
a região passou a servir de passagem para as rotas mon- ocupação eurodescendente do atual Mato Grosso do Sul.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

ocupação deste território, incluindo o Sertão dos Garcias.


Esse relato encontra-se parcialmente transcrito em um dos
livros de Hildebrando Campestrini, Santana do Paranaíba:
de 1700 a 2002 (2002).

Segundo o relato deste sertanista, à medida que se desbrava-


vam aqueles sertões, posses eram demarcadas e famílias iam
se estabelecendo, enfrentando muitas dificuldades, entre elas
doenças (sobretudo a malária e a hanseníase), ataques de ani-
mais selvagens, pestes que dizimavam o gado e problemas
de locomoção em terrenos de difícil acesso.

No relato de Joaquim Francisco Lopes não há menção a con-


flitos com indígenas quando da chegada dos exploradores na
região. Segundo Campestrini (2009, p. 28), os Caiapós que
habitavam o Sertão dos Garcias não se mostraram arredios
Foto 69: Ponte sobre o Rio Paraná no Porto Alencastro, integrando a Rodovia BR-497 ao contato com os exploradores, inserindo-se nas atividades
que liga o Mato Grosso do Sul (no Município de Paranaíba) a Minas Gerais (no Mu-
nicípio de Carneirinho, situado no Triângulo Mineiro). das fazendas ou formando pequenas aldeias na região.
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

Um fato curioso é que um dos irmãos de Joaquim Francisco


Os Garcia Leal, oriundos do Arquipélago dos Açores, Lopes, José Francisco Lopes, que viveu no Sertão dos Garcias
estavam presentes na região de São João del Rei (MG) desde até 1837, mudando-se depois para as margens do Rio
as primeiras décadas do Século XVIII. Com a diminuição Miranda, onde hoje está a Cidade de Jardim (MS), tornou-
da produção aurífera em Minas Gerais a partir de meados se, décadas depois, um personagem célebre da história do
do Século XVIII, os Garcia Leal, assim como várias famílias, Brasil. Acompanhando as tropas da Força Expedicionária de
migraram para outras regiões do Brasil central, como o Mato Grosso durante a Guerra do Paraguai, que pretendia
Sertão da Farinha Podre, o nordeste paulista, o sudoeste invadir o país inimigo, José Francisco Lopes foi elemento
goiano e sul de Mato Grosso (CAMPESTRINI, 2002, p. fundamental no episódio que ficou conhecido como a
113-114). Retirada da Laguna. Por conhecer bastante a região, teve
enorme importância na fuga da tropa brasileira, que sofria
O sertanista mineiro Joaquim Francisco Lopes, que acom- ataques constantes dos paraguaios, além da epidemia de
panhou os Garcia Leal na exploração do sul de Mato Grosso cólera. As indicações dos caminhos que deveriam seguir
(atual Estado do Mato Grosso do Sul) entre 1829 e 1838, os combatentes brasileiros fizeram com que José Francisco
deixou relato detalhado sobre o processo de exploração e Lopes ficasse conhecido como o Guia Lopes da Laguna.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A articulação do Sertão dos Garcias


à dinâmica territorial do Império

Anos antes da chegada dos Garcia Leal ao vácuo mato-


grossense, a administração da então Capitania de Mato
Grosso buscava um modo de facilitar a comunicação
terrestre desta com o território de São Paulo. O objetivo da
Coroa portuguesa era encontrar uma alternativa às longas
e cansativas viagens que seguiam as rotas monçoeiras,
realizadas através dos rios. Do lado de São Paulo, já havia
uma estrada ligando Piracicaba às barrancas do Rio Paraná.
Faltava uma ligação do lado de Mato Grosso.

Este plano viria a se concretizar com a chamada Estrada do


Piquiri, que começara a ser construída somente em 1829,
tomando o rumo do rio de mesmo nome, localizado na
atual divisa entre os Estados de Mato Grosso e Mato Grosso
do Sul, com destino ao Porto Tabuado, um pouco ao sul Foto 71: Igreja Matriz, Paranaíba (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

da atual Cidade de Aparecida do Taboado (MS). Quando


a referida estrada chegou no Sertão dos Garcias, em 1836, A partir da fixação da população no Sertão dos Garcias,
intensificou-se a ocupação da região. algumas questões acerca dos limites administrativos da
região começaram a surgir. A princípio, os habitantes
solicitaram à Província de Goiás que administrasse a
região. No entanto, Goiás não se manifestou, o que levou
a população a recorrer à Província de Mato Grosso, que
atendeu à solicitação. Como consequencia, em 1838,
foi criado o Distrito de Paz de Santana do Paranaíba,
subordinado a Cuiabá (CAMPESTRINI, 2002, p. 37).

Em 1837, Joaquim Francisco Lopes foi encarregado pelo


presidente da província de Mato Grosso, José Antônio
Pimenta Bueno, de transpor o rio Paraná no lugar que
julgasse mais conveniente, construindo uma estrada por
onde pudesse passar um cargueiro, e daí alcançando a vila
de Piracicaba (CAMPESTRINI, 2002, p. 27). Com isso,
Foto 70: Carro de boi, Três Lagoas (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016. iniciou-se a integração da região com São Paulo.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Com a abertura das estradas que ligavam o Sertão dos


Garcias ao Triângulo Mineiro e ao noroeste paulista, a
região aos poucos foi se integrando a um circuito econômico
que envolvia também o sul de Goiás. Perinelli Neto
(2010) denomina esse território formado por um “circuito
mercantil do boi” como o “grande oeste”.

Em 1857, Santana do Paranaíba era elevada à categoria de


vila (o equivalente a município hoje em dia), tornando-se
o polo de todo o Sertão dos Garcias. Na década seguinte,
a região já era bastante povoada para os padrões da época,
com razoável criação de gado e algodão, mantendo ativo
comércio com Piracicaba (CAMPESTRINI, 2006, p. 16).

O Sertão dos Garcias e a Guerra do Paraguai Foto 72: Entrada do Município de Inocência (MS).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

Entre 1864 e 1870, o Brasil passou pelo maior conflito


armado de sua história. A Guerra do Paraguai marcou um passagem por esta região para embasar sua obra literária
ponto de inflexão nas políticas de integração territorial para mais famosa, Inocência, considerado o romance-símbolo do
o Sertão dos Garcias. Mato Grosso do Sul.

Durante a guerra, a região não foi diretamente atingida,


diferentemente de outras localidades do atual Estado do
Mato Grosso do Sul, como Corumbá, Nioaque e Miranda,
que foram atacadas e/ou destruídas, mas, de forma indireta,
o antigo vácuo sofreu influências. Muitos habitantes de áreas
próximas aos conflitos se refugiaram no Sertão dos Garcias,
muitos deles acolhidos por parentes.

A guerra também se manifestou no Sertão dos Garcias pela


passagem de tropas encarregadas de transportar os supri-
mentos enviados para a campanha da Força Expedicionária
de Mato Grosso. Um dos tenentes dessa Força Expedicioná-
Foto 73: Escultura representando um boiadeiro, Inocência (MS).
ria, Visconde de Taunay, anos mais tarde, usaria sua Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A Guerra do Paraguai acabou por transformar em defini- governos federal e estadual não mediram esforços para
tivo a paisagem de toda a região de Mato Grosso, uma vez tornar possível sua construção. O plano era abrir novos
que evidenciou, de forma inequívoca, um problema crônico caminhos que possibilitassem a integração do território
do Brasil de então. Durante o conflito, o bloqueio do Rio mato-grossense, ainda bastante isolado àquela época, com
Paraguai, imposto pelo país vizinho ao Brasil, escancarou a o restante do País. A Cidade de Bauru (SP) foi o ponto
fragilidade de comunicação de grandes porções do Território escolhido para o início da construção da ferrovia, cujo
Nacional. Com escassos caminhos por terra, o rio era usado traçado estendia-se até Corumbá (MS), atravessando num
como principal via de trasporte e ligação de toda a região do vetor leste-oeste todo o território do atual Estado do Mato
atual Estado do Mato Grosso do Sul com o restante do País. Grosso do Sul. A escolha de Bauru como ponta da ferrovia
Como o rio atravessa terras de outros países, seu bloqueio deveu-se ao fato desta cidade ser o terminal das linhas da
isolou, durante os anos de conflito, grande parte da Provín- Sorocabana e da Companhia Paulista de Estradas de Ferro
cia de Mato Grosso (OLIVEIRA, 2011, p. 39). (Mapa 11).

A construção da estrada de ferro impulsionou o surgimento


A criação da Ferrovia Noroeste do Brasil e de novos núcleos urbanos dispostos ao longo do caminho
o Sertão dos Garcias no Século XX do trem, que atraíam novas correntes migratórias. Nesse
contexto, novas cidades iam surgindo, como Três Lagoas
Finda a Guerra do Paraguai, uma solução para o problema (primeira parada da estrada de ferro em Mato Grosso), Água
da integração nacional tornou-se prioridade. Em 1890, já Clara e Ribas do Rio Pardo. O surgimento desses novos
sob a República, o governo instituiu, por meio do Decreto núcleos, conectados com São Paulo e com Campo Grande,
n. 524, de 26.06.1890, a Comissão de Viação Geral para fez com que se consolidasse uma nova hierarquia comercial
estudar e organizar um plano geral de viação férrea e fluvial, na porção leste de Mato Grosso, tendo Três Lagoas
capaz de elminar os gargalos que travavam a comunicação como protagonista desse novo ordenamento territorial
com o então Estado de Mato Grosso. A referida Comissão (OLIVEIRA, 2011, p. 55).
entregou um plano de 36 ferrovias, o qual, juntamente com
planos de navegação fluvial, constituía um vasto sistema de A partir dessa nova configuação territorial, que possibilitou
comunicações de vários pontos do País (NEVES, 1958 apud o desenvolvimento da porção leste do sul do Estado de Mato
OLIVEIRA, 2011, p. 40). Grosso, a população local passou a cobrar maior atenção da
administração do estado, que priorizava o atendimento da
A chegada do Século XX, assim, traz novos desafios à porção norte. Essa insatisfação gerou conflitos, discussões e
região. Mais que integrar o estado ao Território Nacional, movimentos em defesa da criação de um novo estado, o que
a construção de ferrovias enquadrava-se num projeto ocorreu algumas décadas depois, quando foi criado o Estado
muito maior – o de integração nacional e de ampliação dos do Mato Grosso do Sul, em 11 de outubro de 1977 (OLI-
mercados para outros países da América do Sul (OLIVEIRA,
VEIRA, 2011, p. 47)28.
2011, p. 38).
28
A questão dos limites, no entanto, não ficou totalmente resolvida, tendo sido motivo
de controvérsias e pendências jurídicas que se estenderam por mais de um século.
Esses planos deram origem à criação da Ferrovia Noroeste Em 1991, Goiás e Mato Grosso do Sul chegaram a um acordo sobre as divisas entre
os estados, e, em 2001, foi resolvida a questão da divisa entre Goiás e Mato Grosso
do Brasil - NOB. Segundo Oliveira (2011, p. 40), os (CAMPESTRINI, 2002 p. 157).
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Situada em um entroncamento da malha ferroviária e das


redes fluvial (Rio Paraná) e viária, a Cidade de Três Lagoas
tornou-se um grande centro consumidor de produtos do
interior paulista, posteriormente consolidando-se como
um centro comercial. Atualmente, é a terceira cidade mais
populosa do Estado do Mato Grosso do Sul (CENSO...,
2016), possuindo o segundo maior Produto Interno Bruto -
PIB do estado (PRODUTO..., 2013).

Com a consolidação do crescimento econômico e


populacional de Três Lagoas, Santana do Paranaíba
(atualmente Paranaíba) foi perdendo importância como
cidade-polo do Sertão dos Garcias. O próprio nome Sertão
dos Garcias deixou de ser usado, e a região, a partir de
1950, passou a ser denominada Bolsão.

A partir da segunda metade do Século XX, as ligações


rodoviárias no território brasileiro foram ganhando maior
importância em detrimento das ferroviárias, o que ocasionou
o abandono de muitas delas. A antiga Ferrovia Noroeste
do Brasil passou pelo mesmo processo, sofrendo sucessivas
interrupções de ramais, abandono de estações e depredação
Foto 75: Estação abandonada da antiga Ferrovia Noroeste do Brasil, Três Lagoas (MS).
de patrimônio. Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

Foto 74: Estação abandonada da antiga Ferrovia Noroeste do Brasil, Três Lagoas (MS).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
Em 1996, foi encerrado o tráfego de trens de passageiros.
Hoje, sob o controle da concessionária Novoeste, a ferrovia
é usada apenas para transporte de cargas. Mesmo assim, as
poucas estações da ferrovia que restaram da época de sua
inauguração não estão em bom estado de conservação.

Nos dias atuais, com a instalação de usinas de álcool e outras


indústrias, a porção leste do estado de Mato Grosso do Sul
vem se desenvolvendo rapidamente. Consolida-se uma nova
hierarquia urbana, com Três Lagoas como polo regional do
Bolsão sul-mato-grossense.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foto 76: Orla da principal lagoa do Município de Três Lagoas (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

O Sertão dos Garcias na Literatura Após a invasão do sul de Mato Grosso por tropas paraguaias,
logo no início da Guerra do Paraguai, o Exército Brasileiro
O Sertão dos Garcias foi retratado em um livro de
formou uma coluna que saiu do Rio de Janeiro com destino
grande importância para a literatura brasileira. Inocência a Mato Grosso, a fim de deter os invasores. No entanto,
(2006), de Visconde de Taunay, retrata essa região em a empreitada foi malsucedida. Após adentrar o território
meados do Século XIX. O autor passou por essas terras paraguaio, a tropa sofreu reveses e baixas provocadas por
durante a Guerra do Paraguai e sua experiência teria sido doenças (principalmente a cólera), tocaias do exército
determinante para a ambientação do romance. paraguaio (que utilizou táticas de guerrilha contra os
brasileiros), além de exaustão e fome (CAMPESTRINI,
O momento histórico da Guerra do Paraguai, aliás, foi
2002; TAUNAY, 2013).
representado em outro romance que retrata a região. Águas
atávicas, de Marcos Faustino, escrito em 2015, mostra a O episódio ficou imortalizado como a Retirada da Laguna,
Cidade de Santana do Paranaíba (hoje chamada apenas que serviu de título para o livro publicado por um dos
Paranaíba), antes, durante e depois da passagens das tropas tenentes que compunham a tropa, Alfredo d’Esgragnolle
da Força Expedicionária de Mato Grosso. Taunay (o Visconde de Taunay), que relata com detalhes
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

todas as provações por que passou a coluna da qual fazia Em Águas atávicas, de Marcos Faustino, o autor mescla
parte. Em seu retorno ao Rio de Janeiro, Taunay atravessou ficção e realidade ao retratar a Vila de Santana do Paranaíba
o Sertão dos Garcias, entre junho e julho de 1867, e as regiões pelas quais passaram as tropas brasileiras
publicando posteriormente duas obras não ficcionais sobre durante a Retirada da Laguna. Também há referências à
a região. Sua passagem por aquelas terras, pernoitando ocupação do Sertão dos Garcias, sua relação com o Triângulo
em fazendas pelo caminho, serviu de inspiração para seu
Mineiro e Goiás, a abertura da Estrada do Piquiri e aos
romance mais célebre, Inocência, publicado em 1872.
diversos rios da região.
O romance se passa em 1860, e conta a história de Cirino,
O personagem principal do romance, Pereirinha, é um
um jovem farmacêutico mineiro que decide se aventurar
menino criado em um prostíbulo que descobre que seu pai
por terras mato-grossenses, a fim de conseguir dinheiro
tratando pacientes da região, que não contava com médi- era um chefe policial que foi assassinado. Na adolescência,
cos nem hospitais. Ao hospedar-se na casa de José Pereira, ganha reconhecimento por parte da população da vila
habitante de origem mineira do Sertão dos Garcias, acaba devido a um favor prestado ao Intendente Braulino, um
se apaixonando por sua filha, Inocência, após salvá-la de poderoso fazendeiro da região. Sua incumbência era proibir
uma grave doença. Inocência, no entanto, estava prometi- a entrada de um desafeto do fazendeiro no prostíbulo,
da em casamento para outro homem, Manecão, apesar de um vendedor ambulante turco que sempre procurava os
repudiá-lo por completo. Sem a presença do futuro marido serviços das mulheres da casa onde Pereirinha vivia. Após o
de Inocência, Cirino, cada vez mais apaixonado pela moça, incidente, Pereirinha ganhou de Braulino o cargo de policial
acaba declarando às escondidas seu amor a ela, que que fora ocupado pelo pai assassinado.
também se diz apaixonada.
Quando as tropas da Força Expedicionária de Mato Grosso,
No romance, a natureza funciona como pano de fundo para
vindas do Rio de Janeiro, chegam a Santana do Paranaíba
o enredo e a ação dos personagens. Além disso, pode-se per-
para impedir a invasão dos paraguaios em Mato Grosso,
ceber no romance, talvez pelo fato de o autor descender de
Pereirinha é designado por Braulino para se juntar à tropa
uma família arisctocrática de origem francesa, uma certa crí-
tica ao tradicionalismo e aos costumes regionais do interior como voluntário. A partir daí, o romance retrata o episódio
do Brasil, como os casamentos arranjados, a inferiorização da da Retirada da Laguna, incluindo personagens reais (entre
mulher e o paternalismo. Uma outra característica marcante eles Taunay e o Guia Lopes da Laguna), nos diálogos e nos
do livro é a busca da exatidão na transcrição do linguajar acontecimentos reais e ficcionais.
local nos diálogos e dos costumes regionais na descrição e
ação dos personagens. Pereirinha sobrevive ao episódio trágico, retorna à Vila de
Santana do Paranaíba e aos poucos vê seu prestígio dimi-
O romance é considerado a obra literária mais importante nuir, principalmente quando é proclamada a República.
do Mato Grosso do Sul.
MAPA 11 Sertão dos Garcias
-54° -52°

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Rodovia
Ferrovia
-22°

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-22°
Hidrografia
PROJEÇÃO POLICÔNICA
Meridiano Central -54°
-54° -52° SIRGAS 2000 -50°
BR
-3
76

45

B
-2
SP

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.
shtm>. Acesso em: out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/
mapa_LogTransportes_5mi.pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.
asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso
em: out. 2016.
Notas: 1. O recorte representa o Sertão dos Garcias tratada neste capítulo.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período dos romances aqui sugeridos, assim como alguns elementos, e foram mantidos para melhor situar o leitor no palco dos acontecimentos.
3. Estão indicadas as principais rodovias.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Região e Romance 29 mais longínquos, além do rio Pardo. Repetiu a fala do major, “aqui
no meio deste continente fizemos desses rios as artérias das vidas que
tentamos construir; pelas águas vem o que precisamos, por elas vão o
que nos sobra”.
Ruas da vila, quase sem existência de tão secundárias; mesmo a rua
principal, apenas um trecho da estrada boiadeira, ornamentada por Atitudes e características se misturando nos meandros dos muitos rios,
esparsas habitações de ambos os lados. Uma casa aquí, depois mato difundindo a peculiar maneira de ser dos habitantes desta região.
sem cerca com o vizinho, em seguida um casebre, mais um lá, outro Marcos Faustino
rancho de pau a pique acolá. No meio, os poucos prédios importantes. Águas atávicas, 2015, p. 97-98
Raros quintais de mandioca, pés de muitas frutas por todo lado. Leito
da rua, areia escaldante na hora do sol a pino, proibição para os pés
descalços; melhor ficar em casa, almoçar e dormir um pouco. Antes Dali em diante, território vazio, terra dos índios caiapós. Viagem
e depois da vila, o mesmo caminho de conduzir boiadas; sem casas, sem novidades, só canseira de muito chão. Índios seguindo à
ranchos ou casebres, só mato de ambos os lados. distância, observando à espreita, sem intenção de ataque. Vez por
outra, discretos, pequenos grupos de soldados em direção contrária.
Marcos Faustino
Desculpas de cumprir ordens, emissários de coisa nenhuma, desertores
Águas atávicas, 2015, p. 16-17
fugindo do pau. Deixasse, sustentar poltrões, covardes a correr antes do
primeiro tiro, nem compensa, não vale nem a comida; que levassem a
A vila de Sant´Anna, após a abertura da estrada do Piqueri e do farda e os armamentos para suas casas, bocas a menos para o imperados
abandono da rota fluvial dos bandeirantes paulistas em busca do ouro sustentar, concluiu Pereira.
de Cuiabá, tornou-se passagem obrigatória para os sertões inexplorados Três semanas depois, eis Coxim. Acampamento na margem direita,
da vasta província de Mato Grosso. Mais terra de índios caiapós do que confluência dos rios Coxim e Taquari, quilômetros de confusão de
comarca da capital Cuiabá a setescentos quilômetros ao norte. barracas, gente e armamentos. Depois de seis meses de espera e
Marcos Faustino hesitação, tudo agora em febril agitação com a ordem de partir e
Águas atávicas, 2015, p. 17 expulsar o pérfido invasor paraguaio. Novidade no rumo sul, em vez
do norte. A capital Cuiabá nunca sofrera assédio estrangeiro, não
carecia de ajuda militar. Já Corumbá, Miranda e Nioac continuavam
– Cabo Pereira, leve a todos a boa notícia de que o imperador em mãos inimigas, urgente libertá-las.
envia socorro aos nossos irmãos da fronteira. Assuma o comando da Marcos Faustino
cavalaria. Águas atávicas, 2015, p. 109

– Avançar – berrou o cabo. Galope, marcha picada, depois montarias


em passo, em breve a vila para trás. No primeiro córrego, água para Passaram pelo entroncamento de Goiás, todos em direção a
os animais. Já distante do povoado, no terceiro morador, pausa para Sant´Anna, sem lembrança de outros destinos. Às margens do Sucuriú,
descanso.” viajantes em sentido contrário e a boa-nova: encontraram há um dia de
Marcos Faustino marcha importantes militares em direção ao Rio de Janeiro; à frente,
Águas atávicas, 2015, p. 96 um garboso tenente. Era o Taunay.
Marcos Faustino
Águas atávicas, 2015, p. 165
Glória maior no descanso do cabo Pereira era lembrar as palavras
bonitas que aprendera, a atenção despertadas pelo bem falar. Se o que
ouvia ou dizia era verdade ou não, pouca diferença fazia. Importante Passaram pelo rancho do morfético João Garca. Tinha a neta, Jacinta*,
era a magia das palavras, o encanto das histórias bem contadas, as beleza rara muito comentada. Mas e o medo de pegar o mal? Risco
viagens por mundos distantes, a realidade dos sonhos possíveis... de contágio desviou a rota, espantou todos, ninguém pensou em ir lá
a promoção a cabo. A todos em geral, e a nenhum em particular, propor negócio
aos nossos amigos distantes no ribeirão das Pedras, no córrego das
Morangas, no Indaiá Grande, no rio Sucuruí, no Verde e mesmo os *Jacinta Garcia Leal inspirou Taunay em Inocência, assim descrita por ele
que, tendo parado no rancho do avô inadvertidamente, só a viu uma única vez:
29
Manteve-se, neste Atlas, a grafia original conforme publicada nos livros. “Fisionomia doce, suave, sedutora, cútis acetinada e alva, olhos aveludados,
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

grandes, cintilantes, o nariz de inexcedível correção, quer de frente, quer de povoação, assente próximo ao vértice do ângulo em que confinam os
perfil, os lábios purpurinos a deixarem entrever dentes deslumbrantes!” Como territórios de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso até ao
ocorria com muitos povoadores iniciais, a hanseníase era causa para se isolarem Rio Sucuriú, afluente do majestoso Paraná, isto é, no desenvolvimento
nas imensidões da região. Taunay também observou: “Que admirável conjunto. de muitas dezenas de léguas, anda-se comodamente, de habitação
Toda esta radiosa e extraordinária formosura estava condenada a ser pasto de em habitação, mais ou menos chegadas umas às outras, rareiam,
repugnante lepra. (“Memórias”, p. 366, Editora Iluminuras, 2005). porém, depois as casas, mais e mais, caminham-se largas horas, dias
inteiros sem se ver morada nem gente até ao retiro de João Pereira,
Marcos Faustino
guarda avançada daquelas solidões, homem chão e hospitaleiro, que
Águas atávicas, 2015, p. 166
acolhe com carinho o viajante desses alongados páramos, oferece-lhe
momentâneo agasalho e o provê da matalotagem precisa para alcançar
Fortes sentimentos juntam-se às águas e descem velozes pelo ribeirão os campos de Miranda e Pequiri, ou da Vacaria e Nioac, no Baixo
das Morangas. Seguem depois sem pressa, raras corredeiras, pelo Paraguai.
Sucuriú, até atingirem o solene deslizar do rio Paraná. Estrondosas Ali começa o sertão chamado bruto.
cachoeiras, precipício de águas volumosas, em Itapura, Sete Quedas
de Guaíra e Yaciretá. Ajuda dos rios Paraguai e Uruguai na demorada Visconde de Taunay
Inocência, 2006, p. 36
descida peara a imensidão oceânica do Mar do Prata.

Tipo de vida assentado, arranjo estabelecido entre as pessoas, geral das


A estrada que atravessa essas regiões incultas desenrola-se à maneira
coisas consolidado, reagrupando-se os mais próximos para a repetição
de alvejante faixa, aberta que é na areia, elemento dominante na
dos mesmos procedimentos, águas de março em enchentes de anos
composição de todo aquele solo, fertilizado aliás por um sem-
vindouros disseminando a continuidade dessas histórias.
número de límpidos e borbulhantes regatos, ribeirões e rios, cujos
Meninos de porta de rua, curiosos, casas vazia sem ninguém, entrada contingentes são outros tantos tributários do claro e fundo Paraná ou,
desimpedida, quintal escancarado, árvores à disposição. Trepar nas na contravertente, do correntoso Paraguai.
mangueiras, escolhidas as mais altas, sem mando dos adultos, só pela Visconde de Taunay
aventura do perigo. Algazarra de periquitos, nuvens deles à procura Inocência, 2006, p. 36
de frutas maduras, nem merecem pedrada de estilingue, fartura de
mangas, dá para todos. Livres crianças, meninos de porta de rua agora
sem a proibição da tramela, barulhento bando de pereirinhas, sem Foto 77: Rio Sucuriú, Paranaíba (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
serviço, como convém à alegria inicial da vida.
Marcos Faustino
Águas atávicas, 2015, p. 232

Meio do mundo, isolado por lonjuras do que não merece atenção,


não em toda parte, muito menos no coração da gente, nem cabe de
tão grande.

Sem tempo de acabar, centro desse universo de pereirinhas,


mediterrâneas e atávicas: Morangas, águas do Sucuriú.

Rios a semear discórdia e esconder paixões, pontes a celebrar a vida em


explosivas doses.
Marcos Faustino
Águas atávicas, 2015, p. 233

Corta extensa e quase despovoada zona da parte sul-oriental da


vastíssima Província de Mato Grosso a estrada que da Vila de Sant’Ana
do Paranaíba vai ter ao sítio abandonado de Camapuã. Desde aquela
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Ora é a perspectiva dos cerrados, não desses cerrados de arbustos


raquíticos, enfezados e retorcidos de São Paulo e Minas Gerais, mas
de garbosas e elevadas árvores que, se bem não tomem, todas, o
corpo de que são capazes à beira das águas correntes ou regadas pela
linfa dos córregos, contudo ensombram com folhuda rama o terreno
que lhes fica em derredor e mostram na casca lisa a força da seiva
que as alimenta; ora são campos a perder de vista, cobertos de macega
alta e alourada, ou de viridente e mimosa grama, toda salpicada de
silvestres flores; ora sucessões de luxuriantes capões, tão regulares
e simétricos em sua disposição que surpreendem e embelezam os
olhos; ora, enfim, charnecas meio apauladas, meio secas, onde nasce o
altivo buriti e o gravata entrança o seu tapume espinhoso.
Visconde de Taunay
Inocência, 2006, p. 37

Ao homem do sertão afiguram-se tais momentos incomparáveis,


acima de tudo quanto possa idear a imaginação no mais vasto
círculo de ambições.

Satisfeita a sede que lhe secara as fauces, e comidas umas colheres de


farinha de mandioca ou de milho, adoçada com rapadura, estira-se
a fio comprido sobre os arreios desdobrados e contempla descuidoso
o firmamento azul, as nuvens que se espacejam nos ares, a folhagem
lustrosa e os troncos brancos das pindaíbas a copa dos ipês e as
palmas dos buritis a ciciar a modo de harpas eólias, músicas sem
conta com o perpassar da brisa.
Foto 78: Cerrado do Sertão dos Garcias, Selvíria (MS).
Como são belas aquelas palmeiras! O estípite liso, pardacento, sem Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
manchas mais que pontuadas estrias, sustenta denso feixe de pecíolos
longos e canulados, em que assentam flabelos abertos como um leque,
cujas pontas se acurvam flexíveis e tremulantes. Na base em torno da
coma, pendem, amparados por largas espatas, densos cachos de cocos Cada ano que finda traz-lhe mais um valioso conhecimento e
tão duros, que a casca luzidia, revestida de escamas romboidais e de um acrescenta uma pedra ao monumento da sua inocente vaidade.
amarelo alaranjado, desafia por algum tempo o férreo bico das araras.
– Ninguém pode comigo, exclama ele enfaticamente. Nos campos da
Visconde de Taunay
Inocência, 2006, p. 40
Vacaria, no sertão do Mimoso e nos pântanos do Pequiri, sou rei.
Visconde de Taunay
Inocência, 2006, p. 43
O legítimo sertanejo, explorador dos desertos, não tem, em geral,
família. Enquanto moço, seu fim único é devassar terras, pisar
campos onde ninguém antes pusera pé, vadear rios desconhecidos, Quando o sertanejo vai ficando velho, quando sente os membros
despontar cabeceiras e furar matas, que descobridor algum até então cansados e entorpecidos, os olhos já enevoados pela idade, os braços
haja varado. Cresce-lhe o orgulho na razão da extensão e importância frouxos para manejar a machadinha que lhe da o substancial palmito
das viagens empreendidas; e seu maior gosto cifra-se em enumerar as ou o saboroso mel de abelhas, procura então quem o queira para
correntes caudais que transpôs, os ribeirões que batizou, as serras que esposo, alguma viúva ou parenta chegada, forma casa e escola, e
transmontou e os pantanais que afoitamente cortou, quando não levou prepara os filhos e enteados para a vida aventureira e livre que tantos
dias e dias a rodeá-los com rara paciência. gozos lhe dera outrora.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Esses discípulos, aguçada a curiosidade com as repetidas e animadas interrogava tão sem-cerimônia e meio enviesado respondeu: --Talvez
descrições das grandes cenas da natureza, num belo dia desertam da sim... talvez não... Mas a que vem a pergunta?
casa paterna, espalham-se por aí além, e uns nos confins do Paraná,
outros nas brenhas de São Paulo, nas planuras de Goiás ou nas bocainas – Ah! desculpe-me, replicou o outro rindo-se, nem sequer o saudei...
de Mato Grosso, por toda a parte enfim, onde haja deserto, vão pôr em Sou mesmo um estabanado... Deus esteja convosco. Isto sempre me
ativa prática tudo quanto souberam tão bem ouvir, relembrando as acontece... A minha língua fica às vezes tão doida que se põe logo a
façanhas do seu respeitado progenitor e mestre. bater-me nos dentes... que é um Deus nos acuda e... não há que avisar:
água vai! Olhe, por vezes já me tem vindo dano, mas que quer? É
Visconde de Taunay
Inocência, 2006, p. 44 sestro antigo... Não que eu sela malcriado, Deus de tal me defenda,
abrenúncio; mas pega-me tal comichão de falar que vou logo, sem tirte,
nem guarte, dando à taramela...
O dia 15 de julho de 1860 era dia claro, sereno e fresco, como
costumam ser os chamados de inverno no interior do Brasil. A volubilidade com que foram ditas estas palavras causou certo
espanto ao mancebo e o levou a novamente encarar o inopinado
Ia o Sol alto em seu percurso, iluminando com seus raios, não muito companheiro, desta feita com mais demora e ar menos altivo.
ardentes para regiões intertropicais, a estrada, cujo aspecto há pouco Notou então a fisionomia alegre e bonachã do tagarela e, com ar de
tentamos descrever e que da Vila de Sant’Ana do Paranaíba vai ter aos
simpatia, correspondeu ao comunicativo sorriso daquele que, à força,
campos de Camapuã.
queria travar conversação. – Pelo que vejo, disse ele, o Sr. gosta de
A essa hora, um viajante, montado numa boa besta tordilho- prosear.
queimada, gorda e marchadeira, seguia aquela estrada. A sua
fisionomia e maneiras de trajar denunciavam de pronto que não era
homem de lida fadigosa e comum ou algum fazendeiro daquelas
cercanias que voltasse para casa. Trazia na cabeça um chapéu-do-chile
de abas amplas e cingido de larga fita preta, sobre os ombros um
poncho-pala de variegadas cores e calçava botas de couro da Rússia
bem feitas e em bom estado de conservação.

Tinha quando muito vinte e cinco anos, presença agradável, olhos


negros e bem rasgados, barba e cabelos cortados quase à escovinha e ar
tão inteligente quanto decidido.

Na mão empunhava uma comprida vara que havia pouco cortara, e


com que ia distraidamente fustigando o ar ou batendo nos ramos de
árvores que se dobravam ao alcance do braço.

Vinha só e, no momento em que damos começo a esta singela história,


achava-se no bonito trecho de caminho que medeia entre a casa de
Albino Lata e a do Leal, a sete boas léguas da sezonática e decadente
Vila de Sant’Ana do Paranaíba. Nesta porção de estrada, ensombrada
pelas árvores de vistoso cerrado, o leito, ainda que já bastante arenoso,
é firme e parece mais aléia de bem tratado jardim, do que caminho de
tropas e carreadores.
Visconde de Taunay
Inocência, 2006, p. 46

– Olá, patrício, exclamou ele conchegando a cavalgadura à da pessoa a


quem interpelava, então se vai botando para Camapuã?
Foto 79: Propriedade rural, Inocência (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
Olhou o nosso cavaleiro com desconfiança e sobranceria para quem o
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Foto 80: Pôr do sol, Três Lagoas (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

– Ora se! retrucou o mineiro. Nestes sertões só sinto a falta de uma – Nhor-não, respondeu o outro. Sou caipira de São Paulo: nasci na Vila
coisa: é de um cristão com quem de vez em quando dê uns dedos de de Casa Branca, mas fui criado em Ouro Preto.
paroula. Isto sim, por aqui é vasqueiro. Tudo anda tão calado!... uma – Ah! Na cidade Imperial?...
verdadeira caipiragem!... Eu, não. Sou das Gerais, geralista como
– Lá mesmo.
por cá se diz; nasci no Paraibana, conheci no meu tempo pessoas de
– Então é quase de casa, replicou o mineiro rindo-se ruidosamente.
muita educação, gente mesma de truz e fui criado na Mata do Rio
Ora, quem diria! Por isto me batia a passarinha, quando vi o seu
como homem e não como bicho do monte. rasto fresco na areia. Ai vai, disse eu por vezes com os meus botões,
um sujeitinho que não tem pressa de pousar. Também tocando o meu
– Ah! o senhor é de Minas?
canivete, tratei de agarrá-lo para não fazer a viagem a olhar para o céu
– Gerais, se me faz favor. Batizei-me em Vassouras, mas sou mineiro e a banzar. Acha que obrei mal?
da gema. Andei seca-e-meca antes de vir deitar poita neste país.
– Não, senhor, protestou o moço com afabilidade. Muito lhe agradeço
Isto já faz muito tempo, pois também vou ficando velho. Há mais
a intenção. Assim alcançarei sem cansaço o Leal, onde pretendo dar
de quarenta anos pelo menos que sai da casa dos meus pais. E hoje com os ossos.
interrompendo o que dizia, perguntou:
Visconde de Taunay
– O senhor também é de Minas? Inocência, 2006, p. 47-49
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

– Esta obrigação de casar as mulheres é o diabo!... Se não tomam tanto alta e agoniada, não levo a mal o senhor não me convidar para
estado, ficam jururus e fanadinhas...; se casam podem cair nas mãos entrar em sua casa; não, no seu caso havia de fazer o mesmo.
de algum marido malvado... E depois, as histórias!. Ih meu Deus, – Oh! Sr. Garcia! quis protestar Pereira.
mulheres numa casa, é coisa de meter medo... São redomas de vidro
– Nada;... digo-lhe isto do coração... Na minha família sempre
que tudo pode quebrar... Enfim, minha filha, enquanto solteira,
tivemos nojo de lázaros... Sou o primeiro... O sr. nem imagina...
honrou o nome de meus pais... O Manecão que se agüente, quando
Vivi muitos anos meio desconfiado... A ninguém contei o caso... De
a tiver por sua... Com gente de saia não há que fiar... Cruz! botam repente, arrebentou o mal fora. Já não era mais possível enganar nem a
famílias inteiras a perder, enquanto o demo esfrega um olho. um cego... Ah! meu Deus, quanto tenho sofrido!...
Esta opinião injuriosa sobre as mulheres é em geral corrente nos Visconde de Taunay
nossos sertões e traz como conseqüência imediata e prática, além Inocência, 2006, p. 164
da rigorosa clausura em que são mantidas, não só o casamento
convencionado entre parentes muito chegados para filhos de menor – Então espera muito breve o Manecão? perguntou o outro com
idade, mas sobretudo os numerosos crimes cometidos, mal se suspeita ansiedade.
possibilidade de qualquer intriga amorosa entre pessoa da família e
algum estranho. – Não pode tardar... por estes dois ou três dias quando muito... Vem
de Uberaba e sem dúvida por lá arranjou todos os papéis... Dei a
Visconde de Taunay certidão do meu casamento... a do batismo da pequena... e adiantei
Inocência, 2006, p. 74 dinheiro para as despesas... bem que ele refugasse meio vexado.
– Então está tudo decidido? perguntou Cirino com vivacidade.
A pessoa que chegara, bem que tivesse descavalgado, não se adiantou – Boa dúvida!... Já lhe tenho dito mais de uma vez. Hoje é coisa de
ao encontro do dono da casa. Pelo contrário como que recuou, pedra e cal... Se até trato o Manecão de filho... A honra desta casa é
conservando-se depois imóvel, encostado a um burrinho, cujas rédeas também honra dele.
segurava.
– Mas sua filha?
De seu lugar, perguntou-lhe Pereira com expressão não muito
– Que tem?
prazenteiro:
– Gosta dele?
– Então, como vai, Sr. Garcia?
– Ora se!... Um homenzarrão... desempenado. E, quando não gostasse,
– Como hei de ir, respondeu o interpelado. Mal... ou melhor, como é vontade minha, e está acabado. Para felicidade dela e, como boa filha
sempre. que é , não tem que piar... Estou, porém, certíssimo de que o noivo lhe
faz bater o coração... tomara ver o cujo chegado!
– Pois esteja na certeza de que muito sinto.
Visconde de Taunay
– Está aí o cirurgião? indagou Garcia. Inocência, 2006, p. 171

– Não tarda a vir vê-lo aí fora... Olhe, é um instantezinho. Palavras


tão cruéis não pareceram fazer mossa ao desgraçado. Parecia muito assustada e, malgrado seu, dos olhos lhe rolavam
lágrimas a fio. O mancebo, apenas a avistou, correu-lhe ao encontro.
– Esperá-lo-ei com toda a paciência, replicou melancólico.
– Inocência, exclamou ele notando um gesto de dúvida, nada receie de
– Já sei que volta hoje para casa, afirmou Pereira.
mim... Hei de respeitá-la, como se fora uma santa... Não confia então
– Volto. Se a noite me pegar em caminho, ficarei no pouso das em mim?...
Perdizes.
– Sim! disse ela apressadamente. Por isso é que vim até cá...
– É verdade: lá há uma tapera. Mas o Sr. não tem medo de almas do Entretanto, estou com a cara ardendo... de vergonha... E levando uma
outro mundo? Dizem que o tal rancho velho é mal-assombrado. das mãos de Cirino às suas faces:
– Eu? exclamou o infeliz. Só tenho medo de mim mesmo. Quisesse – Veja, Cirino, como tenho o rosto em brasa... Por que é que mecê
um defunto vir gracejar um pouco comigo, e de agradecido lhe beijava veio bulir comigo? Eu era uma moça sossegada... agora, se mecê não
os dedos roídos dos bichos. Olhe, Sr. Pereira, continuou com voz um gostasse mais de mim... eu morria...
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

– Deveras?
– Eu lhe juro... É mais fácil apagarem-se de repente estas estrelas
todas, do que eu deixar de amá-la...
– E Manecão? perguntou ela com terror.
– Oh! esse homem, sempre esse nome maldito!...
– Há de ser meu marido...
– Isso nunca, Inocência... É impossível!... E se fugíssemos?... Olhe,
amanhã a estas mesmas horas ou mais cedo, trago para aqui dois bons
animais... Você monta num, eu noutro... batemos para Sant’Ana e, a
galope sempre, havemos de chegar a Uberaba... onde acharemos um
padre que nos case... Vamos, ouviu?
Visconde de Taunay
Inocência, 2006, p. 203-204

E, engolfado em dolorosa cogitação, alcançou a Vila de Sant’Ana do


Paranaíba.
De longe é sumamente pitoresco o primeiro aspecto da povoação.
Ponto terminal do sertão de Mato Grosso, assenta no abaulado
dorso de um outeirozinho. O que lhe dá, porém, encanto particular
para quem a vê de fora, é o extenso laranjal, coroado anualmente de
milhares de áureos pomos, em cuja folhagem verde-escura se encravam Foto 81: Vista de Paranaíba (MS). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
as casas e ressalta a cruz da modesta igreja matriz.
Transpondo límpido regato e vencida pedregosa ladeira com casinholas mocinhas, que trajam capote comprido até aos pés e usam daqueles
de sapé à direita e à esquerda, chega-se à rua principal, que tem pentes andaluzes, de moda em tempos que já vão longe.
por mais grandioso edifício espaçosa casa de sobrado, de construção Visconde de Taunay
antiquada. Ornamenta-a uma varanda de ferro e um telhado que se Inocência, 2006, p. 214
adianta para a rua, como a querer abrigá-la em sua totalidade dos
ardores do sol.
É aí que mora o Major Martinho de Melo Taques, baixote, E o mancebo, diante daquela natureza acabrunhadora a quem tanto
rechonchudo, corado. importava a paixão que lhe atanazava-o peito, como o inseto a chilrar
debaixo da folha de humilde erva, caiu de joelhos, orando com fervor
Na sua loja de fazendas, ao rés-do-chão, reúne-se a melhor gente da ou, melhor, desfiando automaticamente as preces que sua mãe lhe
localidade, para ouvi-lo dissertar sobre política, ou narrar a guerra dos havia, em pequeno, ensinado.
farrapos no Rio Grande do Sul e a vida que se leva na corte do Rio de
Janeiro, onde estivera pelos anos de 1838 a 1839. E o rio lá se ia sereno; e uma onça ao longe urrava, ou algum pássaro
da noite soltava gritos de susto, esvoaçando às tontas.
De vez em quando, naquela silenciosa rua em que tão bem se estampa Transpondo na manhã seguinte, o Rio Paranaíba, pisou Cirino
o tipo melancólico de uma povoação acanhada e em decadência, território de Minas Gerais.
aparece uma ou outra tropa carregada, que levanta nuvens de pó
vermelho e atrai às janelas rostos macilentos de mulheres, ou à porta Depois de légua e meia em mata semelhante à da margem direita,
abrem-se campos dobrados, um tanto arestados do sol, de aspecto
crianças pálidas das febres do Rio Paranaíba e barrigudas de comerem
pouco variado, mas abundantíssimos em perdizes e codornas.
terra.
Tão preocupado levava o moço o espírito que, nem sequer uma só vez,
Também aos domingos, à hora da missa, por ali cruzam mulheres imitou o pio daquelas aves; distração, a que aliás não se furta quem
velhas, embrulhadas em mantilhas, acompanhando outras mais por lá viaja, tão instantes os motivos de instigação.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foi com impaciência mais e mais crescente que percorreu as dezesseis – Então, está tudo arranjado? perguntou alegremente.
léguas intermédias à fazenda do Pauda.
– Tudo. Os papéis já foram tirados... Tive que ir até Uberaba, e foi o
Ia com o coração cheio de apreensões e os olhos se lhe arrasavam de que me atrasou... Quando mecê queira... botamo-nos de partida para a
lágrimas, de cada vez que contemplava o melancólico buriti. Então, Senhora Sant’Ana... Amanhã cá chegam os cavalos que comprei... Está
pelo pensamento voava à casa de Inocência. falado o Lata... o vigário avisado; só... falta o dia...
Também, ali junto ao córrego em cuja borda se dera a última – Nestes casos, quanto mais depressa melhor... Não acha?
entrevista, se erguia uma daquelas palmeiras, rainha dos sertões.
– Certo que sim...
Que estaria fazendo a querida dos seus sonhos?
– Então, se quiser, daqui a dois domingos...
Que lhe aconteceria? E Manecão?! Já teria lá chegado?
– Como queira... eu, cá por mim... bem sabe, isto de casórios, o que
Ao pensar nisto, aumentava-se-lhe a agitação e com vigor esporeava a custa é... tomar resolução... depois... deve-se pegar na carreira... A
cavalgadura. rapariga está pronta?...
Transformava-se para ele o caminho em dolorosa via, que numa
– Não sei... há de estar... Vejo-a sempre cosendo... Quero ficar bem
vertiginosa carreira quisera vencer, mas que era preciso ir tragando
certo do dia, porque mando chamar a gente do Roberto... Afinal, é
pouso a pouso, ponto a ponto.
preciso matar a porcada e mandar buscar restilo. Quando se casa uma
A majestosa impassibilidade da natureza exasperava-o. filha e... filha única, as algibeiras devem ficar veleiras. Já estão todos
Quando o homem sofre deveras, deseja nos raptos do alucinado combinados... é só dar o sinal... Tudo se arma logo... Aqui, em frente
orgulho, ver tudo derrocado pela fúria dos temporais, em harmonia da casa, faz-se um grande rancho... A latada para a janta há de ser no
com a tempestade que lhe vai no íntimo. oitão direito... Já encomendei de Sant’Ana alguns rojões, e o mestre
Trabuco prometeu-me uns que deitam lágrimas... Depois, tiros de
– Meu Deus! murmurava Cirino, tudo quanto me rodeia está tão bacamarte e ronqueiras hão de troar...
alegre e é tão belo! Com tanta leveza voam os pássaros: as flores são tão
mimosas; os ribeirões tão claros... tudo convida ao descanso... só eu a Visconde de Taunay
padecer! Antes a morte... Quem me dera arrancar do coração este peso! Inocência, 2006, p. 230-233
esta certeza de uma desgraça imensa! Que é afinal o amor?... Daqui
a anos talvez nem me lembre mais da pobre Inocência... Estarei me
atormentando à toa... Oh não! Essa menina é a minha vida! é o meu
sangue... o meu farol para os céus... Quem ma rouba mata-me de uma
vez. Venha a morte... fique ela para chorar por mim... um dia contará Foto 82: Buritizal em meio ao Cerrado do Sertão dos Garcias, Taboado (MS).
como um homem soube amar!... Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

Levantara Cirino a voz. De repente, deu um grande grito, como que o


sufocava: -Inocência!... Inocência!
E as sonoridades da solidão, dóceis a qualquer ruído, repetiram aquele
adorado nome, como repetiam o uivo selvático da suçuarana, a nota
plangente do sabiá ou a martelada metálica da araponga.
Visconde de Taunay
Inocência, 2006, p. 226-228

Fez Manecão o que disse Pereira. Tirou os arreios, não de súbito, mas
com cautela e lentidão para que o animal, encalmado como estava, não
ficasse airado; deixou sobre o lombo a manta e, apanhando um sabugo
de milho, esfregou devagar a anca e o pescoço.
Depois de dar termo àqueles cuidados, penetrou na casa fazendo soar
ruidosamente as esporas, que pelas dimensões desproporcionadas
o obrigavam a caminhar firmado nos dedos do pé e com a planta
levantada.
O mineiro não cabia em si de contente.
Foto 83: Morro do Diabo (Rodovia SP-613), região do Pontal do Paranapanema, Teodoro Sampaio (SP).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
Região da Alta Sorocabana e o
Pontal doParanapanema

A Região da Alta Sorocabana e o


Pontal do Paranapanema na Geografia
O oeste paulista, chamado tradicionalmente planalto
ocidental paulista, é marcado por um relevo característico
que, partindo da frente de cuestas30, declina suavemente em
direção à calha do Rio Paraná, a oeste. José Ferrari Leite
(1972, p. 13), aborda o impacto que este relevo provoca
em viajantes acostumados a outros ambientes:

30
Segundo Antônio José Teixeira Guerra no Dicionário geológico-geomorfológico (1969):
cuesta é uma forma de relêvo dissimétrico constituída por uma sucessão alternada
das camadas com diferentes resistências ao desgaste e que se inclinam numa direção,
formando um declive suave no reverso, e um corte abrupto ou íngreme na chamada
frente de “cuesta”. É o tipo de relêvo predominante nas bacias sedimentares e nas
velhas plataformas, onde aparecem depressões em forma de fundo de canoa, nas quais
a colmatagem sucessiva acarreta o aparecimento de camadas inclinadas. As condições
necessárias para existência de um relêvo de cuesta são: existência de camadas inclinadas,
alternância de camadas de dureza diferentes e ataques da erosão fazendo sobressair a
frente da cuesta com sua depressão subseqüente. O relêvo de cuesta expressa o resultado
do trabalho da erosão diferencial.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

[...] paisagem diferente, ampla, para o viajante que procede


das serras litorâneas e que vê o horizonte alargar-se até onde a
vista não mais alcança. […] Assim, do Rio Grande, ao norte,
ao Paranapanema, ao sul, são incrivelmente semelhantes os
espigões, a coloração do solo, a direção dos rios e a vegetação.

Essas semelhanças, presentes em diferentes porções do ter-


ritório do planalto paulista podem ser observadas nas Fotos
84 e 85. Na foto a seguir, o suave declive permite contem-
plar o Rio Paraná, ao fundo, e as terras do Mato Grosso do
Sul em sua margem oposta. Trata-se de trecho da Rodovia
Foto 85: Rodovia Euclides de Figueiredo (SP-563), trecho entre os Municípios de Presi-
Marechal Rondon (SP-300), no Município de Castilho (SP). dente Venceslau (SP) e Monte Castelo (SP). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

A próxima foto apresenta um trecho da Rodovia Euclides Essa conformação do território condicionou, em certa
de Figueiredo (SP-563), entre os municípios paulistas de medida e em determinado período histórico, uma forma de
Presidente Venceslau e Monte Castelo, evidenciando, mais ocupação bastante característica que acompanhava, grosso
uma vez, a suavidade do declive do relevo, mas, desta feita, modo, as linhas mestras deste relevo. Ary França (1960,
a partir da perspectiva do interflúvio, ou seja, a área com- p. 184), chamou-a povoamento em “ponta de lança”, por
preendida entre os cursos de dois grandes afluentes do Rio acompanhar os divisores de águas da Bacia do Paraná. O
Paraná – Rio do Peixe e o Aguapeí. Neste caso, a estrada fator histórico que impulsionou essa ocupação foi a expansão
corta o território de forma transversal ao sentido do mergu- da cultura cafeeira no Estado de São Paulo na última década
lho das camadas do relevo, mantendo-se perceptível o amplo do Século XIX e ao longo da primeira década do Século
horizonte e a suavidade da inclinação. XX que, ora se fez acompanhar, ora foi antecedida, pela
chegada de estradas de ferro (FRANÇA, 1960, p. 184-185;
Foto 84: Rodovia Marechal Rondon (SP-300), próximo ao km 665, Castilho (SP). ABREU, 1972, p. 13; LEITE, 1972, p. 60).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

A região a ser aqui tratada é parte do planalto ocidental


paulista e estende-se pelo sudoeste do estado tendo como
limites o Rio Paraná a oeste, o Rio Paranapanema ao sul,
o Rio do Peixe ao norte e, a leste, sua área de abrangência
atinge os Municípios de Assis, Lutécia e Florínea (LEITE,
1972, p. 14). A cidade de maior importância na Região da
Alta Sorocabana ao tempo de maior atividade da ferrovia,
entre as décadas de 1920 e 1940 (ABREU, 1972, p.
160-161), era Presidente Prudente, no Vale do Rio Santo
Anastácio. O Pontal do Paranapanema localiza-se no
extremo sudoeste da região, justamente na confluência do
Rio Paranapanema com o Rio Paraná.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

As principais fontes para esta abordagem sobre a Região da nome que remete à ferrovia, já vivia uma incipiente
Alta Sorocabana e sobre o Pontal do Paranapanema foram participação na dinâmica econômica do estado antes da
os clássicos trabalhos do historiador Dióres Santos Abreu, chegada dos trilhos. Para Ary França (1960, p. 180-
Formação histórica de uma cidade pioneira paulista: Presidente 181), foi a disponibilidade de grandes espaços livres,
Prudente (tese de doutorado, publicada como livro em ainda não apropriados pela cultura do café, que atraiu
1972), e do geógrafo José Ferrari Leite, A Alta Sorocabana imigrantes vindos de Minas Gerais em busca de pastos
e o espaço polarizado de Presidente Prudente (também tese de para suas criações. Quanto a esta questão – por que os
doutorado, publicada como livro em 1972), e A ocupação do mineiros buscaram seu estabelecimento através do pastoreio
Pontal do Paranapanema (1998), do mesmo autor. Os dois – há relativa discórdia entre as análises de França, Leite
pesquisadores produziram, a partir de pesquisas criteriosas e Monbeig. Enquanto França (1960) atribui o interesse
e fundadas em dados consistentes, análises que se tornaram pelo pastoreio ao fato de esta ser uma atividade tradicional
referência obrigatória a todos aqueles que verdadeiramente mineira, Leite (1972) observa que o fato estaria associado
busquem conhecer e compreender os conflitos que à menor adequação dos solos daquela região ao café e à
condicionaram a formação socioespacial desta porção do presença da estrada boiadeira, que garantia o deslocamento
território paulista. Além destes trabalhos, consultou-se dos rebanhos em direção aos pastos de engorda no então
também títulos clássicos como A marcha do café e as frentes Estado de Mato Grosso (atual Mato Grosso do Sul)31 e às
pioneiras (1960), de Ary França, e Pioneiros e fazendeiros de São cidades onde eles seriam comercializados no leste de São
Paulo (1984), de Pierre Monbeig. Complementou-se esta Paulo. Nas palavras do autor:
abordagem com entrevistas a professores pesquisadores da A história da Alta Sorocabana está intimamente ligada à engorda de
gado bovino; mais que a “tradição pecuária do mineiro” desbravador,
Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquista Filho” a abertura da “estrada boiadeira”, na primeira década do século,
- Unesp, de Presidente Prudente. É de se destacar aqui as cruzando o Rio Paraná, até os “Campos de Vacaria”, no Mato Grosso,
veio facilitar a vasão do gado ali criado. […] Contudo, o gado
valiosíssimas contribuições do Professor Eliseu Sposito,
aguardaria a retirada da mata, a instalação dos trilhos da estrada de
da Professora Maria Encarnação Sposito e do Professor ferro e a decadência do café, para, então, expandir-se à vontade, em
Bernardo Mançano Fernandes, todos do Departamento de tôdas as direções (LEITE, 1972, p. 103).

Geografia da referida Universidade.


Por sua vez Monbeig (1984, p. 136) lembra que o sudoeste
paulista também convivia com o risco de índios atacarem e
A Região da Alta Sorocabana destruírem as plantações, sendo este o outro fator a explicar
a preferência pela criação de gado por parte dos pioneiros.
Como dito anteriormente, a ocupação do planalto
De qualquer forma, os três autores apontam o gado como
ocidental paulista foi em parte comandada pela expansão
primeira atividade a fixar mineiros nas terras entre o Rio
das estradas de ferro, que buscavam incorporar novas
Paranapanema e o Rio do Peixe.
terras da produção cafeeira desde fins do Século XIX.
31
Todas as próximas citações a Mato Grosso neste texto, dirão respeito ao atual Estado
A Região da Alta Sorocabana, no entanto, e apesar do do Mato Grosso do Sul.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Outro fator de grande importância para a fixação de


população na região foi a estrada boiadeira, já citada em
outras passagens deste capítulo. Esta estrada conectava
os campos de engorda de Mato Grosso com os centros de
abate e consumo no leste paulista. Aberta em 1904, ainda
como decorrência das preocupações geradas pela Guerra
do Paraguai diante das dificuldades de acesso ao território
de Mato Grosso, a estrada boiadeira assumiu grande
importância nos deslocamentos de rebanhos, provocando
o surgimento de pousos em seu trajeto. Cabe destacar que
os deslocamentos de gado entre os Campos de Vacaria,
em Mato Grosso, e o oeste de São Paulo fizeram surgir,
de fato, pelo menos duas estradas boiadeiras. Uma saía
dos Campos de Vacaria, em Mato Grosso, até o Porto
Taboado, às margens do Rio Paraná. Após a travessia do
rio a estrada seguia em direção a Jaboticabal, passando por
São José do Rio Preto. Segundo Perinelli Neto (2010, p.
64-65), a partir da chegada dos trilhos da Araraquarense
a esta cidade em 1912, esta estrada boiadeira restringiu-
se ao trajeto entre o Porto Taboado e São José do Rio
Preto. A outra estrada boiadeira, especialmente aqui
referida, ficava mais ao sul, junto ao curso do Rio Santo
Anastácio, e conectava os Campos de Vacaria, em Mato
Grosso, à localidade de São Mateus, em Campos Novos do
Paranapanema (hoje Campos Novos Paulista), passando
pelo Porto Tibiriçá, próximo à atual travessia entre
São Paulo e Mato Grosso do Sul, onde está instalada a
Usina de Jupiá (LEITE, 1972, p. 54)32. A ela está ligada
a ocupação da Região da Alta Sorocabana e do Vale do
Paranapanema.

32
Dióres Abreu (1972, p. 156) indica Conceição de Monte Alegre (hoje Paraguaçu Pau-
Foto 86: Prédio do antigo matadouro (atual Museu Histórico Municipal), Presidente lista) como ponto final da boiadeira em São Paulo. Não aferiu-se qual seria exatamente
Prudente (SP). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016. o ponto final. No entanto, cabe observar que as localidades são vizinhas.
Região da Alta Sorocabana: direção do povoamento e localização da estrada boiadeira MAPA 12

-52° -50°

-20°

-20°
Mapa de
localização

Legenda

!
( Localidades

"
6 Porto Tibiriçá

Estrada boiadeira

Povoamento em "ponta de lança"


,,,,,
Estrada de Ferro Sorocabana

Hidrografia

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PROJEÇÃO POLICÔNICA
Meridiano Central -54°
-52° -50° SIRGAS 2000

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.
shtm>. Acesso em: out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/
mapa_LogTransportes_5mi.pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.
asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso
em: out. 2016. 7. Abreu, D. S. Formação histórica de uma cidade pioneira paulista: Presidente Prudente. Presidente Prudente: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, 1972. p. 31, 156.
Notas: 1. O recorte representa a Região da Alta Sorocabana e do Pontal do Paranapanema, com destaque para a direção das correntes de povoamento para a estrada boadeira que foram adaptadas a partir da fonte citada.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período do romance aqui sugerido, assim como a Estrada de Ferro Sorocabana.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

O quadro regional da Alta Sorocabana foi formado pelos O Pontal do Paranapanema


conflitos que sua incorporação à dinâmica econômica da
produção cafeeira paulista engendraram. À valorização das Como o nome sugere, o Pontal do Paranapanema forma um
terras associada à presença da estrada boiadeira somou- triângulo em que o vértice corresponde à confluência das
se, nas primeiras décadas do Século XX, a valorização águas do Rio Paranapanema com o Rio Paraná, no sudoeste
decorrente do anúncio da chegada dos trilhos da Estrada de de São Paulo. Leite (1998, p. 15) considera sua extensão, à
Ferro Sorocabana. A chegada de contingentes populacionais época de seu estudo, como correspondente à abrangência dos
em busca de novas terras, confrontos entre estas novas municípios paulistas de Teodoro Sampaio, Marabá Paulista
populações e os remanescentes dos antigos ocupantes – e Presidente Epitácio, o que se mantém, com a ressalva de
índios, Caiapós em sua maioria – e posterior expulsão destes que estes municípios sofreram fragmentação daquela data
novos ocupantes pela valorização das terras decorrente do (1998) até a atualidade.
avanço da ferrovia marcaram a região neste período.
A particularidade do Pontal estava associada à existência
A rede urbana regional foi impactada tanto pelo trajeto de vasta floresta e de rica fauna terrestre e aquática, o
da ferrovia, quanto pelas atividades ligadas à pecuária e à que gerou, em 1942, a criação, por parte do governo
produção e distribuição de alimentos para o abastecimento do Estado de São Paulo, da Grande Reserva do Pontal,
das áreas cafeeiras (ABREU, 1972; LEITE, 1972). Por fim, que se estendia do Ribeirão Anhumas ao norte até o Rio
cabe lembrar que a Alta Sorocabana também foi importan- Paranapanema ao sul, tendo o Rio Paraná como limite oeste
te região produtora de café, mas há que se fazer a ressalva e o espigão divisor de águas das vertentes dos Rios Paraná e
de que nela, a ferrovia trouxe o café, ao contrário do que Paranapanema, continuando pelo Ribeirão da Cachoeira do
ocorreu nas áreas cafeeiras tradicionais, em que o café trouxe Estreito a oeste (LEITE, 1998, p. 60). Essa Reserva incluía a
a ferrovia (LEITE, 1972, p. 71). Reserva do Morro do Diabo e a Reserva da Lagoa São Paulo.

O período que estamos tratando aqui se estende de fins Foto 87: Pontal do Paranapanema, Rosana (SP). Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.

do Século XIX às duas primeiras décadas do Século XX,


anterior, portanto, à crise da produção cafeeira. Trata-se, na
verdade, dos primórdios da formação regional. Não serão
abordados todos os desenvolvimentos posteriores em que
novos fatores atuaram em sua configuração, uma vez que
fogem do escopo da obra literária que representa a região.
Nos anos subsequentes, a chegada de novos contingentes
populacionais, atraídos por políticas de colonização com
base em mão de obra estrangeira, ou ainda, a crise da
cafeicultura, que redirecionou investimentos e gerou novas
pressões sobre a estrutura fundiária da região, adicionaram
novos elementos à dinâmica socioespacial da região.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Figura 5: Áreas de Reservas do Pontal do Paranapanema. Extraída de Leite (1998, p. 62).

Os conflitos que projetaram o Pontal do Paranapanema já haviam sofrido inúmeras invasões. Não cabe aqui
no cenário nacional no ano de 1995 trouxeram à tona, reproduzir o conjunto de sua análise. Deve-se, no entanto,
mais uma vez, questões relativas à estrutura fundiária na destacar a continuidade de processos que mantêm as
Região da Alta Sorocabana. Ainda que se trate de um características de suas primeiras manifestações, como se
caso específico, por envolver área de reservas, as origens poderá ver por meio do principal romance aqui utilizado
do conflito remontam ao processo de ocupação, quando para dar visibilidade à Região da Alta Sorocabana: Chão
grandes extensões de terras públicas foram ilegalmente bruto (1982), de Hernani Donato. Apesar de um enredo
apropriadas por fazendeiros, apoiados em esquemas que que se desenrola em período histórico muito anterior e,
envolviam diferentes segmentos do poder público. O de fato, em outra área (embora dentro da mesma região),
exaustivo levantamento realizado pelo Professor José estão presentes na trama os mesmos elementos que
Ferrari Leite (1998, p. 90-91), remontou esta ação aos estiveram no centro dos conflitos desencadeados no Pontal
idos da década de 1950, quando as Reservas do Pontal em 1967, como se verá adiante, ou em 1995.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A Região da Alta Sorocabana e o


Pontal do Paranapanema
na Literatura
A despeito de sua complexa e diversificada
rede urbana e de tudo o que ela pode
propiciar em termos de oferta e acesso à
educação e à cultura, a literatura paulista
pouco oferece, no campo da prosa, em
relação aos processos históricos de ocupação
do território. Honrosas exceções devem ser
mencionadas, como A muralha, de Maria
Adelaide Amaral, e o romance de Hernani
Donato, Chão bruto (1980), referência para a
Região da Alta Sorocabana.

Chão bruto se desenrola às vésperas da chegada


dos trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana à
região onde hoje está a Cidade de Presidente
Prudente (SP), o que aconteceu em 1917.
Foto 88: Placa de assentamento do Pontal do Paranapanema, Presidente Bernardes (MG).
Não existia, então, a cidade, apenas um Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
povoado que rapidamente tornou-se distrito de paz.
De fato, a expectativa da chegada dos trilhos foi o fator entrelaça com maestria paisagem, sociedade, dinâmica
desencadeador de inúmeros processos, dos quais a procura econômica e momento histórico. O maior grileiro da
de terras foi, talvez, o de maior impacto socioespacial. Um região parte para a expulsão de posseiros diante da
dos méritos da trama é justamente a capacidade do autor perspectiva de auferir enormes lucros a partir da presença
em dar visibilidade a esses impactos a partir de variadas da ferrovia. O uso da violência torna-se uma rotina na vida
perspectivas. Suas personagens encarnam posseiros, de pequenos sitiantes e assunto nas vendas da localidade.
jagunços, grileiros, advogados, mas também outros atores As coisas ficam ainda mais tensas quando a disputa se
sociais não envolvidos diretamente nos conflitos, mas que coloca entre os contratados do próprio grileiro. Fidelidades
por eles são afetados. que desaparecem diante de melhores ofertas ou novos
planos de vida ou, ainda, novas parcerias, tornam instável
A terra parece ser a personagem central, na medida em a vida de todos. Chão bruto fala de um período específico de
que a situação dos outros envolvidos em relação a ela uma determinada região, mas os elementos da trama estão
é crucial para o destino de cada um. Hernani Donato presentes até hoje em muitas regiões do Brasil.
Região da Alta Sorocabana e o Pontal do Paranapanema MAPA 13

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PROJEÇÃO POLICÔNICA
Meridiano Central -54°
-52° -50° SIRGAS 2000

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.
shtm>. Acesso em: out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/
mapa_LogTransportes_5mi.pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.
asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso
em: out. 2016.
Notas: 1. O recorte representa a Região da Alta Sorocabana e do Pontal do Paranapanema tratada neste capítulo.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período dos romances aqui sugeridos, assim como alguns elementos, e foram mantidos para melhor situar o leitor no palco dos acontecimentos.
3. Estão indicadas as principais rodovias.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Região e Romance 33
canela-sassafrás, decerto machucada durante o dia por um atirador de
casca. É bom o cheiro de sassafrás, você sabia?! Faz a gente lembrar da
casa, da família na cozinha bebericando leite quente, doce, carregado
de canela. Ou então pinga temperada em roda de fogueira, nas noites
O que eu quero dizer é isto: do córrego Brioso até à testada da ilha do
de frio e de festa. Em casa sempre se bebeu leite com canela. A minha
Jaú, no Paraná, ninguém de importância discute minha posse. A meia
mãe... Bom, mas eu estava ali era pra matar! Não servia de nada ficar
dúzia de posseiros antigos esparramados por lá sei como contentar ou
pensando na vida passada e nas coisas rodadas... O que tinha a fazer era
espalhar. Não me farão frente. Mas na barra do ribeirão do Engano
cuidar outra vez do traçado e ver se tudo andava certo, porque ordem
com o Pirapozinho, está arranchado um tal de Maneco Alencar que me
de capitão não é divertimento mas negócio sério como quê! Mas lá
dá o que pensar. Diz que não sai e não entrega a posse. Tem um papel
estava a danada sassafrás a cheirar, a cheirar... Então pensei de novo
de um cartório qualquer e... o que é pior, uma pontaria dos diabos.
que talvez os rapazes nem chegasses a perceber a caneleira. Assim que
Enquanto eu vou ao Anastácio, você, Piaçaba, leve alguns caboclos de rompessem na boca da picada, bem no cocuruto do morro, ficariam
tenência e de sua confiança e me liquide o assunto. Primeiro ofereça recortados no céu claro. E dali não passariam. Mas a caneleira fazia
o que puder oferecer: até vinte contos pelo tal papel com os carimbos questão de me judiar, trazendo a minha casa de menino pra memória
de cartório. Um papel carimbado sempre impressiona bem e vale dolorida. É que ela me fazia lembrar da minha mãe, da cantoria
alguma coisa. Compre por fora as roças e as criações que ele tiver, pois noturna das irmãs! Como é que a gente pode tocaiar alguém quando
não é tempo de discutirmos muito. Também pode prometer animais se lembra da mãe?!”
pra puxarem a mudança. Mas se não aceitar ponha todos a correr. Hernani Donato
Entendido? Olhe lá, não quero ouvir desculpas! Vou descansado em Chão bruto, 1980, p. 10-11
que você me faz a contento esse serviço. Estão aqui vinte pelegas de
mil pro negócio e outas cinco pra seus homens, como sinal. Até logo.
– Recebi ontem o seu chamado, meu chefe. Acabo de chegar. Trouxe
Piaçaba estendeu a guaiaca sobre a mesa, feliz por poder mostrar aos todos os papéis embora não compreendesse o porquê de tamanha
companheiros a confiança e a familiaridade que privada com o capitão. pressa.
Arrumou as notas, apertou-se na cinta dupla, estendeu a mão ao chefe
e depois ao irmão e partiu deixando um: Paulo antepõe o aço do punhal ao rosto do visitante ainda sorridente:

– Até logo pra todos, pessoal! – Pois lhe explico em duas palavras. Sente-se, pelo amor de Deus. E
deixe-se de sorrir.
Hernani Donato
Chão bruto, 1980, p. 20 O homem recolheu o sorriso, cuidou das calças para não prejudicar os
vincos e sentou-se.

“Estávamos ali desde a boca da noite. Fechando a picada de modo – Sigo hoje pro Anastácio. Todos os do grilo vão para lá. Pode
que nem gato preto havia de passar. Acendi um cigarro, mas na imaginar conversa compadresca entre galos de briga? Pois é o que se
primeira tragada topei na fumaça, um gosto como que de sangue. quer fazer. Em princípio chegamos a um acordo – se continuarmos
Pressentimento, mulher, puro pressentimento... Cuspi três vezes na a brigar entre nós, com a estrada de ferro já passando o Avaré e a
brasa, que é o modo de espantar o capeta e despachei o cigarro. Aos boiadeira mais freqüentada do que nunca, os maiores prejudicados
lados, os meus tocaieiros nem respiravam. Dos ruídos da noite só o seremos nós mesmos. Então vamos agir assim: cada qual continua por
grito dum bacurau ou a corrida de um candimba. Ou quem sabe foi sua conta mas sem brigar uns com os outros. E, palavras miúdas –
só o que pude perceber pois o que esperava eram batidas de cascos. vamos dividir a zona e respeitar a divisão. Entendido?
Estava ali era pra matar! Não que os moços me tivessem feito mal! Até
me cumprimentavam risonhos e às direitas nos encontros de estrada Pra isso preciso levar e defender uma relação de todas as posses
ou boteco. Mas a ordem do capitão Paulo fora dura: ‘Não querem que tenho, seja no papel, na palavra, registrada requerida ou...
largar as terras?! Pois lhe tiro também o couro!’ Bom, essa lembrança cobiçada. Esta semana mandei acertar, com bons e também com
serenou o meu desânimo. Até botei reparo no cheiro gostoso de uma maus modos, algumas contas em suspenso. Meus homens estão no
mato convencendo os cabeças-duras. Você entende que não quero ser
33
Manteve-se, neste Atlas, a grafia original conforme publicada nos livros. contrariado na reunião do Anastácio. Está tudo aí?
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

O oficial de justiça verifica se os vincos das calças não correm perigo,


abre a pasta e oferece ao capitão os papeis:

– Tudo. É meio mundo mundo de terras!

– Bom. Pode deixar. Obrigado. Quero que fique no povoado. Vem


aí uma comitiva pra pular o rio. Com ela sobe o rapaz que mandei
buscar em São Paulo pra tomar conta da minha escrita. Chama-se Rui.
Disseram que é danado de bom nessas coisas de escrita e que não tem
a consciência dura demais...
Hernani Donato
Chão bruto, 1980, p. 34-35

Num cartório do leste, um escrevente moço, cheio de entusiasmo


e disposto a padecer dores de cabeça fez o histórico de uma gleba.
É a mesma história de todo o Pontal. Sobre a terra de onde haviam
sidos expulsos os índios descobriu um andaime de posses com
alicerces no vazio. Os primeiros chegados haviam sidos uns caboclos
maleitados pela água danada dos brejos do rio Pardo. Ergueram
casa e multiplicaram a sua caquexia em outros piás. Mas da terra
só queriam tirar o dia-a-dia. Arribaram então posseiros brancos,
tangidos pela onda de emigração que trouxe braços e vontades para
substituir o seu pioneirismo. O encanto de uma de suas mulheres e
o regalado passadio de sua liberdade asselvajada, segurou no rancho
um capataz desgarrado de comitiva. Em troca da mulher, de comida
e do rancho ele aconselhou os velhos a registrarem a posse. Foi com
eles à cidade e escarabochou o seu nome por baixo das cruzes com que
os ouros assinaram. E descansaram porque a terra era sua de direito
e de presença... Mas outros conheceram a terra e foram ao mesmo
cartório, uns após os outros e a mesma terra foi registrada para João,
para Pedro e para Paulo. O papel aceitava tudo. Toda palavra era a
expressão legítima da verdade. Brigaram com gestos, pela palavra
dos advogados entusiasmadíssimos, através dos selos e dos carimbos;
das palavras em boca própria e pela voz rouca mas muito inteligível
das carabinas. Os cabocos ancilostomados acabaram varados de tiro ou
postos a andar sem muita detença. O ex-capataz de comitiva não, era
homem letrado, sabia assinar o nome e cheirar dinheiro a distância
– vendeu a sua posse. João e Pedro – um João e um Pedro vencidos
– fizeram o mesmo. Com os papéis ou sem eles a terra viria a ser do
capitão Paulo. Mas Rui celebrou com eles o seu primeiro grande
triunfo: tem sobre a mesa três títulos de posse duvidosos, reunidos
num título indiscutível – em nome do capitão Paulo.
Hernani Donato Foto 89: Bebedouro do gado em frente à estação da Estrada de Ferro Sorocabana, Presi-
Chão bruto, 1980, p. 34-35 dente Prudente (SP). Maria Lúcia R. Vilarinhos, 2016.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

– Compadre, o que faz nesta terra? – Bom, pois não era mesmo preciso. Sorte a sua não ter tido essa idéia.
Seria uma complicação dos diabos se tivesse feito.
– Moro aqui, sim senhor. Dez anos já.
– Sim, senhor. É como o senhor diz.
– Com licença de quem?
- Pois estamos aqui falando pelo dono da terra, entende? Cedinho, hoje
– De ninguém, não senhor. Não havia pra quem pedir! mesmo, você sai e leva o que puder.
– Havia sim. Você é que foi intrometido, entendido? Então acha que – Sim senhor. E...?
uma terra como esta fica sem dono? Diga, acha? – O quê!
– Se tem, nunca apareceu! – A minha rocinha? Milho, duas quartas de arroz, um selamim de fumo.
– Sorte a sua. Fosse outro o patrão e você estava mal de sorte por se – O patrão é bastante bom, entende? Pensou nisso. Pagamos a sua roça.
Você sabe assinar?
arranchar em terra que não é sua. Entende?
– Sim, senhor. Eu me arranjo.
– Sim, senhor.
– Está aqui. É um recibo. Nem precisa ler. Dois contos de réis pela
– Diga uma coisa, nestes dez anos não lhe deu uma veneta registra rocinha e o rancho. Está bom, não está? Bote o jamegão aqui.
posse, ou deu?
Hernani Donato
– Não pensei que fosse preciso, não senhor. Chão bruto, 1980, p. 138

Foto 90: Assentamento de sem-terras ao lado da Rodovia SP-272, Presidente Bernardes (MG).
Pedro Henrique Braga Moreira Lima, 2016.
Foto 91: Dunas e Serra do Espírito Santo, Parque Estadual do Jalapão (TO).
Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.
Jalapão
“No sertão, quem se não vinga está moralmente morto”
(Gustavo Barroso, Heróes e bandidos, 1931, p. 59)

O Jalapão na Geografia

O sertão do Jalapão, apesar de ter sido, durante muito


tempo, parte da capitania e, mais tarde da Província
de Goiás, esteve desde sempre articulado à dinâmica
de ocupação das Regiões Norte e Nordeste do Brasil.
Como já foi mencionado anteriormente, a Capitania de
Goiás, devido à sua grande extensão, foi dividida em duas
comarcas. O que hoje é o Estado do Tocantins tornou-
se, já no Século XIX, a Comarca do Norte. O Jalapão
corresponde a uma vasta extensão dela. Por estar situado
junto à divisa com o Maranhão, o Piauí, a Bahia e o Pará,
as trocas, os serviços e as informações eram partilhadas
mais constantemente com essas regiões, fato que era
acentuado pela distância física e administrativa do centro
do poder goiano.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Por ser uma zona de contato entre as Províncias (depois


estados) de Goiás, Bahia, Piauí e Maranhão, o Jalapão
caracterizou-se como área de trânsito. Os fluxos de
mercadorias e a transumância das boiadas movimentavam
a região que também era umas das áreas utilizadas por
jagunços como esconderijo depois de terem atacado
povoados e fazendas nos diferentes estados.

Na segunda metade do Século XIX, alguns registros em


jornais apontam o Jalapão como um povoado pertencente
ao território de Pedro Afonso (TO) conforme estudo de
Teixeira (2013). A autora mostra também que em registro
do jornal Estado de Goyaz, de 31 de dezembro de 1892, o
Jalapão aparece como uma região maior: “O Jalapão é um
território extenso, sito no Estado de Goiás, limitado ao
nascente pela Serra Geral, dita dos mangabeiros; ao norte, Foto 92: Pedra da Baliza, registrada na expedição ao Jalapão realizada pelo IBGE na
década de 1940 na divisa entre Bahia e Tocantins.
ao poente e ao sul pelos distritos do município do Porto Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.

Nacional” (TEIXEIRA, 2013, p. 19).

Por ser uma região de povoamento esparso e descontínuo, CRISTO, 2015). Na década de 1940, o Instituto Brasileiro
foi pouco representada e os registros feitos – com técnicas de Geografia e Estatística - IBGE estava finalizando o
ainda rudimentares – motivaram que fossem feitas projeto de produção da Carta do Brasil ao milionésimo34,
expedições cujo objetivo era precisar os limites estaduais iniciado na década de 1920, e havia programado uma
e também explorar as características naturais, como expedição para a região do Jalapão com o objetivo de
mapear a região e principalmente a Lagoa do Veredão onde
os encontros de bacias hidrográficas. As expedições do
supostamente estaria a união das águas do Rio São Francisco
engenheiro James W. Wells (1886) e Apolinário Frot
e do Rio Tocantins, dando continuidade à expedição Goiás-
(1907), por exemplo, deram a essa região grande destaque
Bahia interrompida no ano anterior (PEREIRA, 1943;
devido ao fato de nela estar a união de duas das maiores GEIGER, 2014). Além de elaborar uma folha cartográfica,
zonas fluviais da América do Sul, Tocantins e São Francisco a expedição tinha como objetivos determinar parte dos
(SOUZA, 1939; PEREIRA, 1943). divisores São Francisco-Parnaíba e do Tocantins-Parnaíba,
bem como a Bacia do Rio Preto e uma parte das Bacias do
A partir da década de 1930, uma nova onda de expedições
Parnaíba, Rio Novo e Rio Sono (PEREIRA, 1943).
e pesquisadores se debruçou sobre a região, tendo surgido
diversas propostas de delimitação do Jalapão: ora a região
engloba parte sul do Maranhão e do Piauí e o oeste da Bahia 34
Carta do Brasil ao milionésimo é a representação cartográfica do território na escala de
ora está restrita ao, até então, território goiano (MORAIS; 1:1 000 000.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Os limites da região não são unanimidade. Apesar Outros autores também fizeram, em maior ou menor
de hoje o Jalapão corresponder mais diretamente ao quantidade de detalhes, descrições da região, o que
território do Parque Estadual e áreas circunvizinhas, corrobora a ausência de consenso em seus limites pelo
até meados do Século XX, o sertão do Jalapão menos até meados do Século XX. Para Paternostro (1945),
abrangia territórios dos municípios tocantinenses de por exemplo, tratava-se de uma vasta extensão de terra
propícia para pastagens que se prolongava do Maranhão
Porto Nacional, Pedro Afonso e Dianópolis, dentre
até o norte de Minas Gerais. Já para Audrin (1946, p.
outros (TEIXEIRA, 2013). O engenheiro Gilvandro
57) a região do Jalapão consistia em um “vasto triângulo
Simas Pereira e o geógrafo Pedro Pinchas Geiger,
entre o [rio] Tocantins e os limites de Maranhão, Piauí e
em seus relatórios, buscaram delimitá-lo, embora
Bahia”. Apesar das divergências em relação aos seus limites,
tenham assumido não ter explorado toda sua extensão
qualquer que seja a delimitação, o coração da região está
(PEREIRA, 1943; GEIGER, 2014). Apesar disso na área que pertencia a Goiás, hoje território tocantinense,
incluem as cidades às margens do Rio Tocantins, Porto e que segundo Miranda (1934) é uma área de cerca de 300
Nacional e Pedro Afonso como localidades do Baixo léguas, ou 1 500 000 hectares, limitada ao norte pelas
Jalapão, enquanto o Alto Jalapão era a região por eles escarpas da Serra da Mangabeira e ao sul pela Serra do Duro;
visitada onde estavam as chapadas de areia limítrofes e que se espraia ao leste, pelo Rio Sapão e a oeste, com as
com a Bahia (PEREIRA, 1942; GEIGER, 2014). águas dos Rios Galhão, Formoso e Novo.

Foto 93: Dunas e Serra do Espírito Santo, Parque Estadual do Jalapão (TO). Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.
MAPA 14 Rotas dos jagunços no Jalapão
-50° -48° -46° -44°

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Roteiro dos Jagunços


PROJEÇÃO POLICÔNICA
Meridiano central -54°
-50° -48° -46° SIRGAS 2000 -44°

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_mapas/
bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.
br/HidroWeb.asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 4. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.
gov/>. Acesso em: out. 2016. 5. Lima, M. Serra dos Pilões: jagunços e tropeiros: nos sertões do Jalapão: romance. 4. ed. Gurupi: Cometa, 2011. p. 13.
Notas: 1. A rota dos jagunços no sertão do Jalapão representada foi adaptada a partir da fonte citada.
2. As toponímias indicam a denominação vigente no período.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

A paisagem, a diversidade e a beleza das formações naturais disponibilidade de água que brotava do terreno arenoso
do Jalapão também foram destacadas pelos pesquisadores sendo, por isso, utilizado pelos criadores de gado nas épo-
e exploradores. Composta por um conjunto de relevos cas de seca. A vasta extensão de terras de domínio público
residuais com topos planos e encostas escarpadas resultantes somada a essas características naturais favoreciam sua con-
da erosão regressiva de grandes formas tabulares como a
dição de refrigério nos tempos de seca (PEREIRA, 1943;
Serra Geral e os planaltos ocidental da Bahia e Mangabeiras
PATERNOSTRO, 1945). A dinâmica da transumância foi
(MORAIS; CRISTO, 2015), bem como por morros de
narrada no relatório de Pedro Geiger (2014, p. 16).
forma arredonda e abaulada, campinas, brejos e areiões
Viajando pelos gerais vimos de vez em quando, nas várzeas dos
(PEREIRA, 1943), o cenário regional é composto por brejos, gado em pequena quantidade. Um pequeno rebanho
paisagens diferenciadas como os brejos goianos, os gerais, havia nos gerais. Este gado, no entanto, não é daqui: quando
as veredas do Piauí etc. (GEIGER, 2014). O Jalapão, chega a época da seca os criadores do vale do rio Preto e do rio
Corrente mandam o gado para os “gerais”, para o refrigério. Para
em termos geológicos, geralmente consiste de um baixo de São Marcelo, na Bahia, e em Corrente, no “verão” a
embasamento cristalino e das Bacias Sedimentares Parnaíba seca se faz sentir com violência; lá não há brejos e então o gado
vem aos “gerais” até passar a seca e volta para a “caatinga” no
e Sanfraciscana, que foram cobertas por depósitos recentes
“inverno”. Nos brejos, o gado emagrece porque o pasto é pobre,
(MORAIS; CRISTO, 2015). mas não morre. Os criadores escolhem os melhores brejos, os
mais habitados e aí pedem a algum geralista para “olhar” o gado.
A vegetação, esparsa e franzina, conta com extensões de Assim, há os que também trabalham de vaqueiro. Isto é modo
de dizer, porque o gado fica solto pelas várzeas, à vontade. O
gramíneas sarapintadas de caatingas e, devido a presença
geralista apenas vai de tempos em tempos dar uma espiada,
de água, campos verdes mesmo na seca (PEREIRA, 1943; ver, por exemplo, se nasceu um bezerro.
PATERNOSTRO, 1945). Os rios nascem em grandes
alagadiços localizados em baixões e seu curso inicial flui
de maneira vagarosa quase estanque, formando brejos que
sustentam palmeiras buritis e as touceiras de buritirana
(PEREIRA, 1943). Afastando-se um pouco dos arredores
dos brejos e dos cursos dos rios, a vegetação passa a ser
composta por um cerrado ralo com piques, timbós,
surucuns, macaúbas, outros arbustos retorcidos e secos, um
capim agreste com catulés e caturis, bem como alguma
mata mais baixa (GEIGER, 2014). Miranda (1934), em seu
relato, destaca as belezas e virtudes naturais antecipando um
potencial turístico que no futuro a região viria a adquirir.

Pereira (1943, p. 75) destacou que na região do Alto Ja-


Foto 94: Chapada das Mangabeiras e o Cerrado, Parque Estadual do Jalapão (TO).
lapão não existia nada além da beleza natural e abundante Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Os primórdios do processo de ocupação da região são de Em meados da década de 1850 houve uma corrida do
difícil reconstrução, estando associado com o povoamento ouro de pequena duração nas proximidades do Duro
do sul do Piauí e do norte de Goiás. De acordo com (McCREERY, 2006), mas é apenas em 1884 que se
Miranda (1934), o desbravamento dos sertões a oeste estabelece a Vila de São José do Duro, atual Dianópolis
do São Francisco, os sertões do Gurguéia e de Parnaguá, (TO) (APOLINÁRIO, 2005), cuja localização – acesso às
conhecido também como Rodellas ou Rodeleiros, acarretou Capitanias do Maranhão, Piauí, Pernambuco e Bahia – já
tinha sido usada pelos portugueses para estabelecimento
no domínio ou expulsão dos índios para os sertões mais
de um registro35 (CARRARA, 2001). Distante cerca
profundos do território brasileiro, possibilitando a fundação
de 900 quilômetros de Vila Boa, a Vila do Duro surge
de arraiais como os de Parnaguá, Santa Rita do Rio Preto,
com certo peso da economia pecuarista que, na verdade,
Campo Largo e Vila da Barra. O autor especula que a
fez parte da história da região desde os primórdios da
etnia Akroá, por exemplo, habitava a região do Jalapão ocupação (CHAUL, 1998; BOAVENTURA, 2007). No
antes de ser pacificada em 1751 em São José do Duro. seu entorno fazendeiros e trabalhadores se dedicavam ao
Este aldeamento, também conhecido como Formiga, e o cultivo da terra e a criação de gado vacum, em larga escala
aldeamento de São Francisco Xavier, ou Duro, formaram, (COELHO, 2008, p. 48). O Duro, Natividade, Conceição e
em 1753, a Missão de São Francisco Xavier, os primórdios Porto Imperial (Porto Nacional) enviavam os animais para
do que viria ser a região do Duro (APOLINÁRIO, 2005). Barreiros e São Marcello, na Bahia (McCREERY, 2006) e de
lá vinham outros produtos como o sal, fundamental para a
Foto 95: Fazenda e paisagem, estrada entre Natividade (TO) e Dianópolis (TO). criação de gado.
Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.

O coronel, fruto de processos ocorridos durante o perí-


odo imperial, persistiu na política brasileira após a Pro-
clamação da República em 15 de novembro de 1889 e
encontrou na Primeira República36 (1889-1930) as cir-
cunstâncias propícias para o exercício de sua autoridade
(FERREIRA, 1998). A persistência dos vícios fabricados
pelo centralismo-localismo, pelo federalismo e a distribui-
ção ou aquisição de títulos para comerciantes, fazendeiros,
industriais e “benfeitores” tornavam o coronel uma das
figuras elementares para a subsistência do sistema político
republicano, estando presente em todo o território brasi-

35
Os registros foram criados pela Coroa portuguesa a partir do Século XVIII e tinham
a finalidade de fiscalizar o transporte (do ouro) e cobrar o “quinto” (imposto cobrado
sobre o ouro)(CHAVES, 1999).
36
Primeira República ou República Velha foi o período da história republicana brasileira
que se estendeu da proclamação, em 15 de novembro de 1889, até a Revolução de 1930.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

leiro, das grandes capitais até as pequenas cidades (FER- Progressivamente, os grupos tornaram-se independentes e
REIRA, 1998; MEMÓRIA..., 2008). passaram a oferecer seus serviços em troca de alimentação,
proteção e espólios (FACÓ, 1963; MELLO, 2004) e no
Em Goiás, segundo Ferreira (1998) e Cavalcante (1999), período da República Velha acompanharam a ascensão dos
a disputa das oligarquias pelo poder se sustentou por um coronéis aumentando em número conforme aumentavam
viés mais político do que econômico materializado pelas os conflitos entre os mandatários locais. De acordo com
disputas entre grupos familiares. Como não havia grandes Mello (2004), as tropas de jagunço eram importantes ele-
fortunas e posses, o domínio se dava por meio de alianças mentos de prestígio particular para os mandatários locais.
confirmadas por meio de uniões conjugais e, principalmen-
O banditismo e o crime eram problemas cotidianos
te, pela violência institucionalizada, o emprego da brutali-
nas regiões e localidades goianas mais afastadas,
dade, coerção e a força física de jagunços e cangaceiros, dessa
principalmente, nas regiões limítrofes entre o território
forma, o coronel auferia fama, reconhecimento e autoridade goiano e as Províncias de Minas Gerais, Bahia e Piauí.
(FERREIRA, 1998). Salteadores assaltavam fazendas e pequenos povoados
Assim como os coronéis, a figura do jagunço remonta levando animais, escravos, bens e dinheiro enquanto
a tempos pretéritos. Alguns autores como Facó (1963) grupos maiores ocupavam vilas e aldeias. Em 1880, por
e Mello (2004) remontam sua origem aos primeiros exemplo, bandidos da Bahia invadiram, saquearam e
tempos da colonização no Nordeste, ao ciclo do gado e mantiveram o assentamento do Duro refém por vários
a necessidade de proteção contra os ataques de animais dias, deixando também várias pessoas mortas nas ruas
selvagens e indígenas. (McCREERY, 2006).

Foto 96: Vereda, estrada entre Dianópolis (TO) e Mateiros (TO). Cayo de Oliveira Franco, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

A extensão territorial, as dificuldades de acesso à sede O Jalapão na Literatura


do governo pelos “desprovidos” municípios, as “lutas
partidárias estéreis” contribuíam para um cenário de Assim como os Currais da Bahia37 a região do Jalapão se
“desmandos” e “politicalha” (COELHO, 2008, p. 38) que caracteriza mais pelo trânsito, o deslocamento de tropas,
fomentavam a eclosão de violência de forma constante. mercadorias e jagunços do que pela ocupação intensiva. A
Havia problemas também para conter os descaminhos e mineração na região norte dos sertões goianos não conseguiu
sonegação de impostos, no qual os tropeiros evitavam as criar as condições suficientes para uma ocupação intensiva.
rotas com registros ou agências de fiscalização. McCreery Além disso, as dificuldades com os indígenas, a distância
(2006) resgata um caso de compradores de gado da Bahia da sede do governo e a proibição da navegação pelos Rios
e do Piauí que evitaram o Duro passando pela Ravina Araguaia e Tocantins contribuíram para essa ocupação
do Salto. As tropas do governo se recusaram a reprimir rarefeita. O esgotamento do ciclo minerador contribuiu para
o contrabando, pois reclamavam de estarem há algum que a pecuária, atividade presente desde os primórdios da
tempo sem receber o soldo. As forças policiais estaduais, ocupação, se desenvolvesse, mesmo sem atingir o nível de
de maneira geral, desconheciam a região, eram menores, especialização de outras áreas do País.
inexperientes e tinham menor poder de fogo do que os A produção literária sobre a região retrata o período
jagunços, tropeiros e contrabandistas (McCREERY, 2006; compreendido entre o final do Século XVIII e os meados
COELHO, 2008) o que não raro acarretava em episódios do Século XIX. Os antagonismos em escala nacional e suas
de aumento da violência. repercussões na escala regional e local, a moderada ocupação
Como apontou Teixeira (2013), os romances de Bernardo e os conflitos provenientes da transumância (homens e
Élis, Eli Brasiliense e Moura Lima, passados no início gado) motivaram obras centradas nas relações de coronéis
do Século XX, ocorrem em um Jalapão com uma e jagunços com as cidades e vilas de um sertão violento,
extensão mais vasta e menos precisa do que a atual. Da em que a lei era exercida pela força bruta. O envolvimento
mesma forma, o sertão passa a ser o espaço em que a das forças governamentais além de lento era geralmente
violência é utilizada como ferramenta para combater marcado pelo aumento da violência e o espraiamento da
a violência. A distância da capital e de outras cidades mesma para as demais zonas do interior.
maiores, as estradas precárias e a institucionalização dessa No romance O tronco, publicado originalmente em 1956,
configuração social acarretaram em uma justiça sertaneja, Bernardo Élis, utiliza o Barulho do Duro38 – contenda
de ordem privada e pautada em violência, revanchismo e ocorrida na Cidade do Duro (hoje Dianópolis) como
vingança (TEIXEIRA, 2013). Esse cenário fez com que
o Jalapão fosse retratado na literatura como um sertão 37
Para informações mais detalhadas sobre os Currais da Bahia, consultar a publicação:
SERTÕES brasileiros I. In: ATLAS das representações literárias de regiões brasilei-
lócus da violência e da desordem, em que a presença ras. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. v. 2. Disponível em: <http://biblioteca.ibge.gov.br/
index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=232425>. Acesso em: out. 2016.
das autoridades que representassem o poder legal era
38
Também conhecida como Chacina do Duro, Barulho do Duro, Chacina dos Nove e
esporádica e violenta. Tragédia do Duro.
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

elemento inspirador para a construção de sua trama e sobre o Afonso. O personagem principal, Cipriano, é um anti-herói
coronelismo na “região das fronteiras”. Uma discordância em marcado pelos valores do sertão que se envolve em conten-
relação ao ocultamento de alguns bens (dois sítios e cerca de das contra o governo e os jagunços que assolam a região.
200 cabeças de gado) de um inventário são o início dos fatos Abílio Batata, Cipriano, Penteado e outras personagens
que irão levar a um conflito que teve repercussão nacional. Na fazem parte da história da região e são retomadas pelo autor
verdade, Élis utiliza esse fato histórico para retratar o período para desenvolver a narrativa e nos apresentar as questões que
da República Velha e os conflitos decorrentes dos grupos envolvem os conflitos entre governantes e jagunços, bem
políticos representados também pelo embate entre famílias. como os meandros políticos e as mazelas sociais etc. A obra
conecta os acontecimentos com o Duro e serve de inspiração
A discordância sobre o inventário se dá principalmente
para o romance a ser tratado a seguir.
entre dois primos, Vicente, o coletor, e Artur, coronel. De
acordo com Ferreira (1998, p. 93), o autor “mostra em seu Serra dos Pilões: jagunços e tropeiros, publicado em 1995, é o
romance como fatos que poderiam ser corriqueiros resultam primeiro romance de Moura Lima e também o primeiro do
em embates violentes, sangrentos, entre coronéis e autori- Estado do Tocantins. A narrativa do livro é conduzida pela
dades estaduais que lhe faziam oposição”. É justamente pelo perseguição do grupo de jagunços de Labareda ao grupo do
envolvimento das forças estaduais (juiz e tropas) que Élis vai jagunço Abílio Batata, comandado por Cacheado, após o
explorando os meandros do poder na Primeira República, ataque ao Arraial de Pedro Afonso contada em Uma sombra
a seletividade nos julgamentos de opositores, bem como o no fundo do rio. A jagunçada de Cacheado se refugia nos
uso constante dos jagunços para manutenção da ordem. Por sertões do Jalapão e é pela jornada de vingança e justiça
outro lado, a chegada das tropas e sua descrição mostram de Labareda que vamos sendo apresentados à região e suas
também o despreparo e as péssimas condições que contri- localidades. Abílio Batata não está comandando o grupo,
buem para a intensificação da violência. pois está escondido no interior da Bahia.

Os jagunços Abílio Batata e Roberto Dourado são perso- Foto 97: Capela, memorial e réplica do tronco, Dianópolis (TO).
Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.
nagens bastante simbólicos, pois ilustram as alianças entre
coronel e cangaceiro, mas também certa independência
e descontrole quando a situação culmina em selvageria e
agressão generalizada. Élis, declaradamente, busca mostrar
que as contendas entre os coronéis acabavam por destruir
cidades e vilas inteiras, vitimar diversas pessoas e espalhar a
violência pelas áreas do interior.

Em Uma sombra no fundo do rio (1977), Eli Brasiliense aborda


de forma ficcional a chacina e destruição da Cidade de Pedro
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foto 98: Formação de relevo, Parque Estadual Jalapão (TO). Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.

De acordo com Carvalho (2013, p. 141) “Moura Lima a violência ainda era realidade. Novamente, as disputas
apresenta a origem dos personagens já conhecidos que políticas e o envolvimento de coronéis e jagunços na
transitam tanto na oralidade da região do Jalapão – (Ro- política de uma localidade geram um cenário de truculência
berto Dorado, Abílio Batata e Cipriano), quanto nas obras generalizada que se espalha pelo interior. Além disso, o autor
O Tronco, de Élis em Uma Sombra no Fundo do Rio, aproveita para explorar figuras clássicas do sertão – o jagunço
de Eli Brasiliense”. A caçada e a propagação da violência e o vaqueiro – e por meio da contraposição dos valores dessas
pelos grupos de jagunços pelo interior só acaba na serra do personagens o autor ilustra as dinâmicas daquela realidade
Jalapão após longa perseguição. regional. No final do livro, o autor aproveita para citar a
exploração de cristais no Pium, uma referência ao livro
Em Chão das carabinas (2002), Moura Lima também Pium: nos garimpos de Goiás (1987), de Eli Brasiliense, que irá
romanceia uma história real ocorrida em 1936, na antiga tratar da realidade dos sertanejos no garimpo. Outras obras
Vila do Peixe. Apesar de passada fora do contexto da de Moura Lima como Veredão e Mucunã também tratam da
República Velha, a narrativa mostra que no interior realidade das tropas, boiadas e do Jalapão.
Sertão do Jalapão MAPA 15

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PROJEÇÃO POLICÔNICA
Meridiano Central: -54º
GO-224 SIRGAS 2000
-50° -48° -46° -44°

Fontes: 1. IBGE, Diretoria de Geociências, Coordenação de Geografia. 2. Base cartográfica contínua do Brasil ao milionésimo - BCIM. Versão 3. Rio de Janeiro: IBGE, 2009. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/cartas_e_ma-
pas/bases_cartograficas_continuas/bcim/versao2010/>. Acesso em: out. 2016. 3. Regiões de influência das cidades 2007. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/geociencias/geografia/regic.
shtm>. Acesso em: out. 2016. 4. Logística dos transportes 2014. Rio de Janeiro: IBGE, 2014. 1 mapa. Disponível em: <ftp://geoftp.ibge.gov.br/organizacao_do_territorio/redes_e_fluxos_geograficos/logistica_dos_transportes/
mapa_LogTransportes_5mi.pdf>. Acesso em: out. 2016. 5. Hidrografia 1:2 500 000. In: Agência Nacional de Águas (Brasil). HidroWeb. Brasília, DF: ANA, [2016]. Disponível em: <http://hidroweb.ana.gov.br/HidroWeb.
asp?TocItem=4100>. Acesso em: out. 2016. 6. Shuttle radar topography mission data (SRTM). In: United States. Geological Survey. EarthExplorer. Reston: USGS, 2000. Disponível em: <http://earthexplorer.usgs.gov/>. Acesso em:
out. 2016.
Notas: 1. O recorte representa o sertão do Jalapão tratada neste capítulo.
2. Algumas toponímias indicam a denominação vigente no período dos romances aqui sugeridos, assim como alguns elementos, e foram mantidos para melhor situar o leitor no palco dos acontecimentos.
3. Estão indicadas as principais rodovias.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Região e Romance 39 Novamente os dois homens confabularam e o boiadeiro atolou o


chapéu na cabeça: – Pois eu não pago é nada, Seu Coletor. Eu me
chamo João Rocha, assisto na fazenda Pedreira, distrito de Santa
Uma indignação, uma raiva cheia de desprezo crescia dentro do peito Rita do Rio Preto. Faça comigo o que entender! – passou a perna
de Vicente Lemes à proporção que ia lendo os autos. Um homem rico na mula ali na porta, tiniu as esporas, deu dois tiros no batente da
Coletoria e sumiu no mundo.
como Clemente Chapadense e sua viúva apresentando a inventário tão-
somente a casinha do povoado! Veja se tinha cabimento! E as duzentas Vicente lavrou o auto de contrabando, testemunhou-o, enviou para
e tantas cabeças de gado, gente? E os dois sítios no município onde Goiás. Levaria dois meses para chegar lá, dois para ser informado,
ficaram, onde ficaram? Ora bolas! Todo mundo sabia da existência mais dois para retomar ao Duro. Aí Vicente ia requerer força para
desses trens que estavam sendo ocultados. garantir a execução. Os soldados viriam de Goiás a pé, gastando
cerca de três meses na marcha.
Ainda se fossem bens de pequeno valor, vá lá, que inventário nunca
arrola tudo. Tem muita coisa que fica por fora. Mas naquele caso, “Uma besteira o diabo daquele auto” – pensava Vicente.
não. Eram dois sítios, duzentas e tantas reses, cuja existência andava Bernardo Élis
no conhecimento dos habitantes da região. A vila inteira, embora O tronco, 1977, p. 19-20
ninguém nada dissesse claramente, estava de olhos abertos assuntando
se tais bens entrariam ou não entrariam no inventário. Lugar pequeno,
ah, lugar pequeno, em que cada um vive vigiando o outro. – Esta terra não possui justiça, nem segurança. A justiça tem que ser
Bernardo Élis essa! – Artur batia na carabina de papo amarelo. As palavras enfáticas
O tronco, 1977, p. 3 e grandiloquentes retumbaram pelo chapadão ermo e desolado. Dentro
do casebre minúsculo, a viúva e os filhos choravam, enquanto o grupo se
afastava carregando a rede e retinindo as esporas e as fivelas das armas.
Alguns dias depois, nem por coincidência, apareceu novamente Artur:
Bernardo Élis
– Meu primo, como vai? Quero lhe apresentar meu amigo João Rocha, O tronco, 1977, p. 24
boiadeiro da Bahia, freguês nosso aqui do Duro desde há muitos anos.
– Vicente, meu filho, não baixa a crista. Derrota o malvado, só,
– Muito prazer – respondeu Vicente embezerrado. Aquele ”primo” era – disse a velhinha, a cujo coração subiu o ódio ao genro Artur,
mau sinal. Odiava-o como odiava o pai dele, o velho Pedro Melo, irmão de seu
defunto marido: – Piauienses de uma figa. É preciso dar uma lição
– Pois é, o nosso amigo aí tem umas resinhas para passar a barreira nesses ladrões!
e vem entender-se com o primo... Quem sabe é possível fazer como
daquela outra vez, você sabe, já tem o precedente... – Não, Dona Benedita, não diz assim – entrou conciliador o genro
Moisés. – Afinal de contas, são nossos parentes.
– Quantas cabeças? – perguntou Vicente atalhando a poetagem.
– Ladrões, ladrões – repetia a velha. – Então o refrigério não foi
– Quinhentos boiequinhos magros, Seu Coletor. furtado?
Vicente sabia de fonte segura que a boiada era de mais de mil Todos conheciam de sobra a história do refrigério, mas ninguém ousou
cabeças; assim, enquanto ajeitava os talões, foi avisando que João impedir que a velha a repetisse, ouvindo tintim por tintim no mais
Rocha desculpasse, mas tinha informações seguras que a boiada era respeitoso silêncio.
de mais de mil e duzentos bois.
No caminho de Barreiras, perto do povoado do Duro, no alto da Serra,
O boiadeiro fechou a cara, cochichando com Artur. Vicente havia um terreno de excelentes pastagens durante a seca. Cheio de
prosseguiu: – Por mim, eu cortava o talão para quinhentos bois, taquaral, furnas frescas e cambaúbas. Para aí subia o gado no ardor da
mas não posso porque há espiões por aqui. Se eu fizer isso, logo seca, onde permanecia comendo capim verdinho até que cá embaixo
se queimassem os pastos e o capim brotasse, quando então as reses
denunciarão para Goiás que estou recebendo propinas. Aqui tem
desciam para comer o verde.
gente interessada em me tirar do lugar.
Bernardo Élis
39
Manteve-se, neste Atlas, a grafia original conforme publicada nos livros. O tronco, 1977, p. 31-32
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Casemiro matutava com ele, sempre os Melos faziam pela mesma gado, dinheiro e mercadorias que conseguiu roubar. O gado foi quase
forma e ele não se revoltava, não percebia o furto, achando um todo de Numeriano Bezerra. Foi ele quem atiçou a matança do pessoal
procedimento natural. Nas fazendas de Artur, como na de todos os de Abílio Wolney, no tronco, em São José do Duro, onde estava o
criadores, de cada quatro bezerros nascidos um pertencia ao vaqueiro. tenente Catulino com uma escolta.
Mas se um boi espaduava, se morria, se sumia, se era roubado por
índios, quem pagava era o vaqueiro. O resultado era que o vaqueiro As ruas de Pedro Afonso estavam todas banguelas, mas Abílio Batata
estava sempre endividado. Belisário tinha razão: aquilo era roubo e não pisaria mais ali. Quem entendia o jogo do Governo? Tirou o tenente
roubo descarado. Cordeiro já no começo da briga. No fim mandava aquele sargento.
Bernardo Élis
Eli Brasiliense
O tronco, 1977, p. 42
Uma sombra no fundo do rio, 1977, p. 62

Para demitir o diabo do Imbaúba teria que nomear outro promotor,


o que só poderia ser feito pelo Presidente do Estado. Essa nomeação O jagunçame se espalhou pelas ruas. Começou a queimar casas,
demandaria muitos meses. O meio mais rápido de comunicação era subindo pelos telhados para quebrar as telhas de outras, com a coronha
o telégrafo de Barreiras, na Bahia. De Duro a Barreiras um cavaleiro dos rifles, matando o pessoal entocado nos quartos. Faziam pontaria
gastava dez dias para ir e voltar, levando o pedido de demissão e no povo que trançava pelas ruas. Era uma confusão de galinheiro
trazendo a resposta do Presidente do Estado de Goiás. Qualquer outro assanhado. A cidade pegava fogo. Parecia uma barraca de festa do
meio de comunicação seria mais moroso ainda. Um cavaleiro para ir de Divino cheia de bombas. A praga de Abílio festejava o sucesso dando
Duro a Goiás e voltar, não gastaria menos de quatro meses, prazo que tiros para cima, quando não tinha alvo certo. Quem pôde correr para
seria dilatado pelas chuvas que estavam entrando. o mato passou o rio do Sono a nado. Outros se aproveitavam das casas
Bernardo Élis ainda sãs. A igreja tinha sido respeitada e fungava de povo escondido.
O tronco, 1977, p. 68
Eli Brasiliense
Uma sombra no fundo do rio, 1977, p. 71
A madrugada azulava, calma e neblinosa. O Palma era aquele
monstro imenso, rolando as águas soturnas e espumarentas, com o
dorso empolado de garranchos e paus imensos derivando. Toniquinho [...] Ordem era ordem. Todos estavam montados no regulamento. Ele
trouxera a canoa, mas não aconselhava travessia. Esperar mais tempo, sargento conhecia de cor e salteado o acordo feito entre os governos
porém, era impossível para os fugitivos. Um tropeiro, conhecido de de Goiás, Maranhão, Piauí, Pará e Bahia para a captura de criminosos.
Ângelo, chegou contando que os jagunços e-vinham de rota batida Qualquer patrulha poderia entrar nas fronteiras desses Estados para
para o porto. pegar qualquer um esguaritado que estivesse na mira da polícia.
Tinham carta-branca.
– É levar menos coisa possível – recomendou Júlio de Aquino.
Eli Brasiliense
Nas mãos do camarada que ficou de cá, deixariam os animais, a carga
Uma sombra no fundo do rio, 1977, p. 106
quase toda, roupa e mantimentos. Fariam a travessia só daquilo que
fosse mesmo indispensável: numa bruaca, uma pouca de farinha, arroz,
toucinho, rapadura, um arreio e um burro, aquele em que vinha
A Vila de Pedro Afonso, outrora cheia de vida, com os batelões
Vicente, bicho forte e espirituoso.
descarregando mercadorias no porto local e saindo carregados com os
Bernardo Élis produtos da terra, para o Maranhão e Belém! E agora? Um cemitério!
O tronco, 1977, p. 249
Uma tapera! Parecendo povoado fantasma, depois do assalto da
jagunçama de Abílio Batata. O sangue correu em riacho gorgolejando
Ao invés de culpar Abílio, culpavam ele Cipriano pelo esbagaçamento para o Tocantins e o rio do Sono. Os papos-amarelos repicaram a
da cidade. Como poderia escorraçar o danado sem passar por cima dos cantiga da morte. Urubus ficaram com o bico doce, de tanto comer
destroços que ele tinha feito na tomada da cidade? Não se arranca um cadáver.
espinho sem machucar ainda mais o lugar onde ele se aferra. O certo é Moura Lima
que Batata tomara o cabresto no rumo da Bahia. Para lá tocou todo o Serra dos Pilões, 2011, p. 23
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Cipriano, com o semblante fechado, admoesta-os:

– Vamos deixar de fonfança, seus cabras pacholas!

Anca-de-Jumento se apressa em perguntar:

– Mas aonde vou deixar a encomenda, seu Cipriano?

– Você salta o rio do Sono e tora no mundo. E lá muito dentro vai sair
no brejo da Tapera, no ribeirão Rapadura e no morro do Homem. E
andando na trilha do gado, já nos fundões dos gerais, vai dar de testa
com o morro Mandacaru e Cilezé. Aí vira à direita e ruma pro brejão
de Areia, não tem errada, vai bater de bica no morro Saca-Trapo. Daí
ao brejo da Capivara é um pulo. É aonde você vai deixar o cargueiro de
balas, na fazenda de dona Bela.

– Não se preocupe, seu Cipriano. Eu já andei por lá, naqueles brocotós,


tocando boiada pro Piauí e Ceará. O morro Saca-Trapo tem gente
que chama ele de Garrafão. E já fui muito em cima, até na Chapada
das Cangalhas, passei pelas águas-emendadas e margiei o rio Sapão.
Aquele mundão me enche de alegria.

– Antão, eu fico despreocupado. E vejo que vancê não está com


azedume de puçá-croado no bucho. Mas com vontade de cair nos
gerais!

– O Chefe não arrepare, mas tenho outro assunto pra tratar com Foto 99: Estrada entre Dianópolis (TO) e Mateiros (TO).
vosmicê. Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.

– Desembuche logo, homem!


de Cipriano, rilhando os dentes, finca o punhal no chão e resmunga:
– Quando eu voltar vou pra Carolina, me alugar numa fazenda por lá.
Já tenho trato de boca. Preciso tratar de minha família e ganhar uns – Ainda meto uma bala nesse doido manquitola! Fica aí como uma
biguás. Aqui, num cemitério desses, não tenho como ganhar o meu cauã, apavorando todo mundo.
suvete. Mas como o Chefe sabe, sou bom pingueleiro, é só chamar, que
tou aqui em riba do rasto! Cipriano, num olhar perdido pelos escombros, contesta:

– É o que eu sempre digo: quem quiser ir-se embora, que vá! Agora eu – Deixa o doido com suas doideiras! Quem manda mesmo é o grande
não vou. Aqui enterrei o meu umbigo, e aqui vou morrer, como Deus lá de cima, das alturas, e nada cai sem sua vontade, nem o homem e
for servido! nem as folhas dos paus!

O jagunço, puxando a rédea do cavalo, pergunta: Moura Lima


Serra dos Pilões, 2011, p. 30
– Mais alguma coisa pro Capitão Labareda?

– Diga a ele que aqui fico arrancando os defuntos podres e ensinando A trilha dos tropeiros se estende além, para aquela região do Jalapão;
os traidores como satanás prega quaresma. E que mande logo ora desaparece, ora brota igual a uma serpente na brancura da areia.
Cacheado e Barro Alto pras capemba rajadas de Pedro Botelho. Aí vou É uma trilha pisada e conhecida dos tropeiros, que a chamam de
ficar de peito lavado, e até mandar dizer uma missa pras almas! “caminho das tropas”. Já para os boiadeiros é ‘‘trilha de gado’’,
e parte de Pedro Afonso, Piabanha e Porto Nacional e atinge na
Nisso o doido Papagaio-Rolé desce nos azeites, no rumo do rio do
Sono, gritando e gargalhando como um possesso: lonjura as fronteiras do Piauí, Maranhão e Bahia. Por aquelas trilhas
inóspitas, passam andarilhos, de pé, em arribada com famílias
– Abílio Batata é-vem! E vai fazer do resto paçoca! Queixada, ao lado inteiras, vindos do Piauí ou Maranhão, para habitar o Norte de
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

Goiás. Quantos e quantos não passam fome ou são devorados por O verde toma conta de tudo. A invernia desaba fogosa. Os olhos
onças, atacados por índios naquela região? É uma imensidão que se d’água rebetam à flor da terra, em choros copiosos pelas grotas,
perde de vista e causa medo aos boiadeiros e tropeiros. Conforto, cerradões e pelos trilheiros. A água jorra à vontade, por toda parte.
só nos pousos certos, a léguas de distância, no Vieiro-do-Gado, no Gorgoleja aos rebolões, ora agressiva, ora serenando-se pelas calhas dos
povoado Pau-Fula, lá pelas bandas do rio Caracol. riachos, ribeirões, e vai muito longe empanturrar os rios, golfando
para os brejos e impueiras.
Porém aquele sertão colosso é dominado pelos bandoleiros,
cangaceiros, jagunçama, sob o comando de Abílio Batata e Cipriano, As capivaras, as antas e os porcos-queixadas, de forma indolente,
que, por suas vezes, são comandados pelos coronéis e a intriga madornam por baixo das capembas fechadas, à frescata, espojando nos
barreiros e alagadiços, alheios ao vigor ubertoso das seivas nativas.
política.
O viço, como uma tropa de ocupação, invade à bandalhona as
As forças do governo não chegam àquela região, pois, para atingi-la,
campinas, matarias e os chapadões, que mudam de roupagem na
gastariam, no mínimo, oito meses de marcha forçada, de Vila Boa
alquimia opulenta das verdes ramagens.
até às margens do rio Caracol. O Caiadismo, mesmo assim, estende
os braços por meio dos coronéis de Pedro Afonso, Porto Nacional e Os sertões adustos do Jalapão se refazem na magia das seivas
Boa Vista. É um sertão bravio, marcado pela violência e dureza dos cansadas e renovadas. O capim-agreste brota vigoroso do solo
homens. areento. É o milagre da vida, no concerto eterno da periodicidade
A natureza tece um tapete verde por cima da areia. Os pés de puçás, cíclica do grande teclado cósmico.
as corriolas e os bacuparis, nas grotas dos ribeirões, as candimba, as Moura Lima
mangabas e os muricis completam a fartura da mãe natureza. Serra dos Pilões, 2011, p. 38-39

Foto 100: Ruínas da Igreja do Rosário, Natividade (TO). Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Foto 101: Pôr do sol e buritis, Mateiros (TO). Marco Antonio de Carvalho Oliveira, 2015.

Uma voz fura as trevas. Os homens silenciam: A vila do Peixe era um povoado pobre que não crescia e fora plantada
– Ô tropeiro!... Ô tropeiro!... ali, nas barrancas do rio Tocantins, pelo alferes Ramos Jubé, no final
do século XVIII, como posto de proteção militar dos exploradores que
Veredão responde: desciam o rio contra o ataque dos ferozes índios avás-canoeiros.
– Quem vem lá?...
De maneira geral, a gênese das cidades e vilas do antigo Norte de
– É o vaqueiro Neco-Mão-de-Paca, do Baixão-da-Ema. Goiás tiveram origem nos povoados de mineração. Mas a vila do
E o vaqueiro foi encostando o burro no acampamento. Peixe se opôs a essa prática usual para ter a sua própria personalidade
– Por que não chegou logo, homem de Deus! Diz Veredão. histórica diferenciada das outras fundações. Os ferozes índios
canoeiros, nômades por excelência, deram a sua contribuição ao fato
– O vaqueiro responde: histórico, em razão de suas incursões pelos povoados; atacavam os
– Vê lá, se eu ia chegar na bistunta, pra vancê obrar no meu rumo, viajantes que demandavam Natividade, Cavalcante e outras vilas. As
num barreado de chumbo! Ainda mais, com a jagunçada que é-vem ai, reclamações eram grandes, e o governo resolveu instalar um posto
do Capitão Labareda. militar, neste ponto da futura vila do Peixe, que seria uma ponta de
– Vamos apeando! lança da civilização dos sertões de dentro.
Moura Lima Moura Lima
Serra dos Pilões, 2011, p. 83 Chão das carabinas, 2002, p. 31-32
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

O major Fibrônio Cavalcante, farejando carnificina no ar, mandou O juiz dando uma pausa, continuou com voz enérgica:
o jagunço coxeba Benjamim, que se encontrava escondido na casa
– Sujeito a todos os pronunciados à prisão, que se lancem os seus
da coletoria, fugir da vila. Mas os homens do secretário municipal
nomes no rol dos culpados e expeça-se mandado de prisão contra os
Arorobá, atocaiados na beira do rio, espingardearam-no na travessia,
foragidos e recomendem-se os demais na prisão em que se acham,
errando os tiros. Não satisfeito, determinou a marcha de cinco homens, devendo ser recolhido à mesma ainda o denunciado e pronunciado
bem armados, no encalço do jagunço fugitivo. A cinco léguas da vila Constâncio Pontes.
do Duro, conseguiram alcançar Benjamim e trocaram tiros. Mas o
experiente jagunço-cangaceiro safou-se ileso e fugiu no oco do mundo. No final da leitura, os acusados eram homens arrasados, cabisbaixos,
totalmente opostos dos valentões do bárbaro e cruel massacre.
Moura Lima
Chão das carabinas, 2002, p. 39 Dois meses depois da condenação, numa manhã de inverno, os
prisioneiros foram conduzidos, ou melhor, tangidos pelos soldados,
para a cadeira Pública de Goiás Velho, a cavalo, pelos caminhos
– Quero falar com o vaqueiro Noratão! esbrugados do extenso território goiano.
De cá da rancharia, respondeu o vaqueiro: Para trás ficava o chão das carabinas, agora transformado em terra de
– Já vou!... justiça!
Moura Lima
Noratão saiu para o pátio, atravessou a curralama e aproximou-se dos
Chão das carabinas, 2002, p. 111
cavaleiros.

– Estou às ordens, meus amigos!...


– Chegou a Porto Nacional uma notícia terrível, de que Cláudio
Um dos cabras respondeu: Cavalcante está vindo de Pernambuco com um bando de jagunços,
para atacar Porto e destruir o Peixe. Ele está parado em Vitória, no
– Viemos a mando do secretário Arorobá e do Gustavo Bananeira, que Maranhão, aguardando a chegada de cinquenta cabras, provenientes do
quer ver vancê no Peixe amanhã, para ajudar a moquear num barreado Piauí, da cidade de São Raimundo Nonato e Caracol, para prosseguir a
de chumbo o major Fibrônio e os filhos. marcha. O jagunço Benjamim Wanderlei, a caminho com a cabroeira,
sofreu um ataque do coração em riba do cavalo e arriou os bofes no
Noratão, no seu jeito franco e rude, de cabra colhudo, respondeu: chão duro! Foi transportado num banguê e esticou as canelas em Loreto.
Diziam que o homem falava e falava dia e noite, como um doido, um
– Diga ao Arorobá e ao Gustavo Bananeira que não vou, não. Não cão danado, que o seu maior prazer na vida era poder passar o punhal no
nasci pra jagunço e muito menos pra tocaieiro. Mas, se me mandar bucho do secretário Arorobá! Agoniado, repetia, tinha porque tinha que
pegar um boi brabo, eu pego à unha, no maior prazer do mundo! furar o cabra, pra dar descanso à alma do major Fibrônio...
Moura Lima Moura Lima
Chão das carabinas, 2002, p. 47 Chão das carabinas, 2002, p. 119
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G lossário
Considerando que várias palavras ou locuções que constituem este glossário pos-
suem diferentes significados, alguns deles não coincidentes, optou-se por selecio-
nar algumas das principais definições ou interpretações existentes, com base na
literatura consultada.
Em todos os verbetes, a fonte de informação utilizada está indicada sob a forma
de citação.
abrenúncio Interjeição usada para afastar o mal; Credo; sai, demônio; Deus me
livre (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
acha Lasca de lenha (SILVA, 1789).
adobo Tijolo rústico de barro, apenas amassado à enxada, e posto a secar ao sol,
em formas simples (mistura-se, às vezes, esterco de gado vacum ao barro) (PAL-
MÉRIO, 2016).
aguapé 1. Planta aquática flutuante, também conhecida como camalotes, muito
comum no Pantanal (CAMARGO, 1955).
2. Designação comum a várias plantas aquáticas flutuantes; aguapé
(HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
ajaezado Ornado com sela (SILVA, 1789).
aleia Série de arbustos ou árvores dispostos lado a lado, em fileira (HOUAISS,
VILLAR, FRANCO, 2001).
algibeira Pequeno bolso integrado à roupa, geralmente cosido pelo lado de den-
tro do vestuário; sacola (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
alvaiade Chumbo calcificado, feito em cal (SILVA, 1789).
amodorrar Causar ou deixar-se cair em modorra, em sonolência (HOUAISS,
VILLAR, FRANCO, 2001).
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

ancilostomado Derivado de ancilostomíase; afecção caracterizada por grave candimba  Ver tapiti


anemia, produzida no homem e em vários mamíferos por vermes nematódeos das
canela-sassafrás  Árvore frondosa (Mespilodaphne sassafras) da família das laurá-
espécies Ancylostoma duodenale ou Necator americanus (HOUAISS, VILLAR,
ceas, nativa do Brasil (Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná), de folhas
FRANCO, 2001).
coriáceas, flores brancas muito aromáticas e bagas amarelo-avermelhadas; a raiz e
animal andejo  Animal que anda muito e sai do pasto (SILVA, 1789). a casca são aromáticas e medicinais, e a madeira é própria para construção civil e
naval; canela-funcho (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
apaulado  Encharcado como paul; convertido em paul; lodoso, pantanoso, en-
charcado (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). cangaceiro  Indivíduo armado que atuava de maneira independente, alinhando-
-se apenas ocasionalmente, ou seja, sob a forma de alianças temporárias às ambi-
arandela  Manga de vidro, aberta por cima, firmada nas paredes e portais, que
ções de coronéis (MELLO, 2004).
protegia do vento velas acesas (VASCONCELOS, 1985, p. 453).
canzil  Pau de máquina de engenho de moer trigo, que puxa as cordas atadas às
atávico  Ver atavismo
bestas (SILVA, 1789).
atavismo  Hereditariedade biológica de características psicológicas, intelectuais,
capangueiro  Comprador de ouro e diamantes, nos próprios garimpos (VAS-
comportamentais (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
CONCELOS, 1985, p. 448).
bacurau Designação comum a várias aves da família dos caprimulgídeos, de
capão  Formação arbórea de pequena extensão, volume e composição variados, e
plumagem muito macia e voo silencioso. Possui hábitos noturnos e alimenta-se de
de aspecto diverso da vegetação que a circunda (HOUAISS, VILLAR, FRANCO,
insetos (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
2001).
bandalha  Grupo de bandalhos, corja (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
capemba  Invólucro do cacho da palmeira nova (HOUAISS, VILLAR, FRANCO,
banguê Padiola para transportar cadáveres (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
2001).
capoeirão  Aumentativo de capoeira: rebrota do mato derrubado e abandonado
batelão  Tipo de embarcação resistente, tocada à zinga (ROCHA FILHO, 2015, p. a si mesmo (PALMÉRIO, 2016).
174), utilizada na rota das monções, geralmente constituída por tronco de madeira.
caquexia  Estado ou condição do que está muito alquebrado ou muito usado ou
beribéri Polineurite devida à carência de vitamina B1 (tiamina), caracteri- muito ultrapassado (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
zada por distúrbios sensitivos e motores (paralisia especialmente dos membros
inferiores), circulatórios (formação de edemas, problemas cardíacos) e secretores cascabulho  Cascavel velha (VASCONCELOS, 1985, p. 455).
(HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). cata  Buraco de onde se tirava terra para lavrar o ouro (VASCONCELOS, 1985,
bocaina  Termo regional descritivo usado no sul do Brasil para designar colo ou p. 448).
garganta, enquanto na Amazônia e na Guiana maranhense significa foz de um rio cateretê Dança rural muito difundida em que os participantes formam duas
ou ainda a entrada de um lago que se comunica por um desaguadouro com o rio filas, uma de homens e outra de mulheres e, ao som de música, sapateiam e batem
(GUERRA, 1969, p. 60). palmas; catira (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
bolicheiro Proprietário ou encarregado de boliche (casa de jogos, bodega) catira  Ver cateretê
(HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
cauto  Prudente, acautelado (SILVA, 1789).
bordão  Cajado grosso ou vara, por vezes arqueada na parte superior, usado como
apoio para tornar mais seguro o andar (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). cavalhada  Festa de cavalgada (SILVA, 1789).

brenha  Mata brava, cerrada; matagal, selva (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, chalaneiro Condutor das chalanas ou chalupas, embarcações de fundo chato
2001). (CAMARGO, 1955) ideais para o tráfego nos rios pantaneiros.

brocotó  Terreno desigual, esburacado; borocotó (HOUAISS, VILLAR, FRAN- changa-y  Ervateiro clandestino, ladrão de erval (GOMES, 1986).
CO, 2001). charneca  Vegetação xerófila que cresce nas regiões incultas e arenosas, caracteri-
bruaca  Cada um dos sacos ou das malas rústicas de couro cru para transportar zada por arbustos e plantas herbáceas resistentes, semelhante ao maqui mediter-
objetos, víveres e mercadorias sobre bestas, e que se prendem, a cada lado, nas suas râneo e ao chaparral norte-americano (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
cangalhas, ou vão atravessadas na traseira da sela (HOUAISS, VILLAR, FRAN-
chimango  Nome derivado de uma ave de rapina que passou a designar de for-
CO, 2001).
ma pejorativa os governistas no Rio Grande do Sul no fim do Século XX. A
cabido  Corporação de cônegos de alguma Sé (SILVA, 1789). denominação era utilizada pelos federalistas – opositores do Partido Republicano
Rio-Grandense – que a partir de 1893 ficaram conhecidos como “maragatos”
cabra  Sertanejo, empregado rural das propriedades do coronel, chamado a pe-
(JUVENAL, 2000, p. 19).
gar em armas e aumentar as fileiras do bando apenas quando houvesse conflitos
(MELLO, 2004). choça  Cabana rústica feita com materiais leves como palha, ramos, colmos etc.
(HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
cagaiteira Árvore (Eugenia dysenterica) da famílias das mirtáceas, nativa do
Brasil (Minas Gerais, São Paulo, Goiás, Tocantins) (HOUAISS, VILLAR, FRAN- coalheira  Substância ou produto próprio para promover a coagulação ou coalho
CO, 2001). de certos líquidos (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
Sertões Brasileiros II - Volume 3 •

colhudo Indivíduo valente que enfrenta adversidades, perigos (HOUAISS, jamegão  Nome ou rubrica firmada na parte inferior de um escrito; assinatura,
VILLAR, FRANCO, 2001). firma (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
currutela  Povoado dos garimpeiros (CHAVES, 1943, p. 310). lázaro  Aquele que tem lepra; leproso (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
descoroçoado  Desanimado (SILVA, 1789). linfa  Água, especialmente a límpida (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
escarabocho  Desenho feito às pressas ou de maneira imperfeita; garatuja, rabis- lonca  Parte do couro do cavalar, nos flancos desses animais, da base do pescoço
co (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). até as nádegas, que, sem curtimento, é usado para fazer tentos ou para retovo
(HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
estio  Estação calmosa do ano (SILVA, 1789).
lundu  Dança de par separado, de origem africana, em compasso binário com
estípite Origem de uma família; árvore genealógica (HOUAISS, VILLAR,
primeiro tempo sincopado (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
FRANCO, 2001).
macega  Vegetação muito densa e fechada (PALMÉRIO, 2016).
fecundo  Capaz de gerar, reproduzir(se); produtivo, fértil (HOUAISS, VILLAR,
FRANCO, 2001). maceguinha  Ver macega
flabelo  Grande leque de folhas ou de plumas, tendo na base um longo cabo, es- madornar  Ver amodorrar
pecialmente usado por escravos ou acompanhantes para abanar algum dignitário,
o papa, em seus cortejos, ou o celebrante, durante a missa (HOUAISS, VILLAR, maleita  Malária, também conhecida como sezão, causa febres, dores no corpo,
FRANCO, 2001). cansaço etc. Doença citada em diversos relatos pantaneiros antigos, bem como
nos romances ...Aquele mar seco = o pantanal (CAMARGO, 1955) e Águas atávicas
folhiço  Cobertura de folhas soltas das árvores sobre o solo; folhedo (HOUAISS, (FAUSTINO, 2015).
VILLAR, FRANCO, 2001).
Maracaju  Serra presente na área central do Estado do Mato Grosso do Sul, no
Francisco Isidoro Resquín  General paraguaio que liderou uma das frentes de sentido norte-sul.
invasão da província de Mato Grosso durante a Guerra do Paraguai. Meses antes
da invasão, realizou incursões no Pantanal com o objetivo de conhecer melhor o maragato  Adepto do movimento federalista que, em 1893, inspirou a revolução
território antes da investida paraguaia. No romance ...Aquele mar seco = o pantanal sob chefia de Silveira Martins contra o partido então dominante, que tinha à fren-
(CAMARGO, 1955), o personagem André Chalaneiro refere-se ao general como te Júlio de Castilhos (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
“Risquinho”. mariola  Homem que se aluga para carregar e servir (SILVA, 1789).
fueiro  Pau fincado à borda do leito do carro de boi para amparar a carga que vai massapé  Terreno argiloso, muito pegajoso, de cor amarela ou vermelha, cuja
dentro (SILVA, 1789). característica mais acentuada é a de agarrar-se às patas dos animais e calçado das
furna  Depressão de terreno, mais ou menos vasta e funda, geralmente ocorrente pessoas. É, em geral, de boa qualidade (PALMÉRIO, 2016).
em áreas acidentadas de serra. Por sua própria constituição, são as furnas locais matalotagem  Provisão de mantimentos e víveres, embarcados num navio para
frescos e muito férteis, especialmente aproveitados para a formação de pastagens consumo da tripulação e, em navios de carreira, também para consumo dos passa-
artificiais, após a derrubada da mata (PALMÉRIO, 2016). geiros (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
girândola  Rodas com foguetes, que vão ao ar, em se dando fogo (SILVA, 1789). Mato Grosso  Topônimo que provém das florestas entre o Jauru e o Gua-
grupiara  Depósito de cascalho diamantífero nos barrancos (CHAVES, 1943, p. poré (CORRÊA FILHO, 1958), atual sudoeste do Estado de Mato Grosso, que
310). contrastava com o Pantanal ou os Cerrados. A localidade surgiu como distrito e,
no Século XVIII, foi escolhida como sede do governo do estado.
guaiaca Cinto largo de couro ou de camurça, com bolsos onde se guardam
dinheiro, objetos miúdos, e que também é usado para o porte de armas (HOUAISS, membeca  Erva (Paspalum repens) da família das gramíneas, nativa de regiões tropi-
VILLAR, FRANCO, 2001). cais e subtropicais das Américas, com rizoma rastejante e flores em espiga, duas das
quais se inserem no ápice do pedúnculo (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
guapé  Ver aguapé
mesnada  Contingente de homens que, mediante pagamento, serviam como sol-
impueira  Charco que se forma em lugares baixos, devido às enchentes dos rios; dados; tropa mercenária (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
ipueira (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
molambo Indivíduo sem força moral, determinação, firmeza (HOUAISS,
invernada  Pastagem artificial, geralmente plantada em terreno fértil, destinada VILLAR, FRANCO, 2001).
à recria e engorda do gado vacum. Deu origem ao verbo “invernar”, com a acepção
de “recriar” e também “engordar”. Exemplo: Fulano inverna tantos bois por ano, monção  Qualquer das expedições que, descendo e subindo os rios das Capi-
inverna tantos bezerros para era etc. (PALMÉRIO, 2016). tanias de São Paulo e Mato Grosso, nos Séculos XVIII e XIX, mantinham as
comunicações entre os vários pontos dessas capitanias (HOUAISS, VILLAR,
Itatim  Antiga província paraguaia nos Séculos XVI e XVII, localizada no atual FRANCO, 2001).
oeste do Mato Grosso do Sul. Houve estabelecimento de missões jesuíticas e até
de uma cidade na região, Santiago de Xerez, entretanto as ocupações foram deso- mulambo  Ver molambo
cupadas ou destruídas (COSTA, 1999).
murici Designação comum a plantas da família das malpighiáceas, especial-
jagunço  Mercenário que oferecia seus serviços de forma autônoma aos coronéis mente algumas árvores e arbustos do gênero Byrsonima, de frutos geralmente co-
em troca de dinheiro, bens e favores (MELLO, 2004). mestíveis (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

páramo Planalto deserto (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). tapê Estrada (GOMES, 1986).
pararé Ave da mesma família das pombas, também conhecidas por nomes como tapiti Mamífero lagomorfo, noturno, da família dos leporídeos (Sylvilagus
pomba do sertão, pomba de arribação, pomba de bandos e avoantes. São aves que brasiliensis), encontrado do México à Argentina, com cerca de 40 cm de compri-
vivem em bandos em constante migração (CAMARGO, 1955). mento, dorso pardo-amarelado salpicado com marrom-escuro, partes inferiores
claras e orelhas não muito longas; candimba, coelho-do-mato, lebre (HOUAISS,
pecíolo Segmento da folha que a prende ao ramo ou tronco, diretamente ou
VILLAR, FRANCO, 2001).
através de uma bainha; é geralmente cilíndrico e frequentemente canaliculado,
mas pode apresentar forma e comprimento muito variado e até mesmo faltar taramela Trava, geralmente de madeira ou metal, que gira presa a prego ou simi-
(HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). lar pregado em porta, postigo etc. para fechá-los; cravelha, cravelho (HOUAISS,
VILLAR, FRANCO, 2001).
piá Menino indígena; menino mestiço de indígena com branco (HOUAISS,
VILLAR, FRANCO, 2001). tatagua Local onde se sapeca a erva (GOMES, 1986).
pindaíba Arbusto (Guatteria vilosissima) nativo do Brasil, de ramos flexíveis, te-déum Musicalização em forma de salmo do antigo hino latino Te Deum
cuja casca é usada como bucha para espingarda e fornece fio branco usado em cor- (laudamus...), que exalta Deus (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
doaria, folhas lanceoladas grandes e frutos comestíveis; araticum-peludo, embira-
terena Grupo indígena que ocupava extensas áreas da região pantaneira e do
-de-caçador, embira-pindaíba, embiratanha, pixiricum (HOUAISS, VILLAR,
atual Mato Grosso do Sul (CAMARGO, 1955).
FRANCO, 2001).
toro O tronco da árvore limpo da rama (SILVA, 1789).
piquete Certo número de soldados com seus oficiais (SILVA, 1789).
tramela Ver taramela
poltrão Animal que, quando solto, engorda e torna-se preguiçoso (HOUAISS,
VILLAR, FRANCO, 2001). tremedal Termo usado na descrição de paisagem de terrenos encharcados, sendo
sinônimo de lezíria, banhado, ipu, igapó etc. (GUERRA, 1969, p. 416).
prático Indivíduo conhecedor dos acidentes hidrográficos e topográficos de áreas
restritas marítimas, fluviais ou lacustres, e que nelas conduz embarcações em se- ubertoso Úbere (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). Ver também fecundo
gurança; piloto, timoneiro, patrão (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
Urucum Maciço do Urucum, morraria presente no oeste do Mato Grosso do Sul
questiúncula Questãozinha oficial (SILVA, 1789). próximo a atual sede do Município de Corumbá.
raído Amarrado de folhas de erva-mate. Fardo de erva carregado nas costas varadouro Áreas limítrofes entre cursos d’água em que embarcações são deslo-
(GOMES, 1986). cadas por terra de um a outro rio. No contexto das monções brasileiras nos sertões
rebolão Pedra redonda que gira sobre um veio dentro de um coche com água. do oeste, destaca-se o Varadouro Camapuã, local utilizado para transpor as Bacias
Na pedra, se amolam facas, navalhas etc. (SILVA, 1789). do Paraná e Paraguai no centro do atual Estado do Mato Grosso do Sul, local em
que se fundou, em 1723, uma fazenda para ajudar no abastecimento dos monço-
regato Corrente de água pouco volumosa e de pequena extensão; ribeiro, riacho, eiros (MUNICÍPIOS..., 1958).
córrego (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
vasqueiro Escasso, pouco encontradiço (PALMÉRIO, 2016).
responto Ato de respontar [tocar viola (brasileira)] (HOUAISS, VILLAR,
FRANCO, 2001). veleira Criada de freiras cujas tarefas são realizadas fora do convento (HOUAISS,
VILLAR, FRANCO, 2001).
roldão Misturado com eles, ao mesmo passo (SILVA, 1789).
virente Que verdeja; verdejante, viçoso, viridente (HOUAISS, VILLAR,
romboidal Que tem a forma de romboide [lozango] (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001).
FRANCO, 2001).
viridente Ver virente
ror Grande quantidade (PALMÉRIO, 2016).
viso Cume de uma elevação, monte ou montanha (HOUAISS, VILLAR,
selamim Décima sexta parte do alqueire, medida de grãos, farinhas etc. (SILVA, FRANCO, 2001).
1789).
Xarayes Topônimo atribuído pelos colonizadores espanhóis a grande parte da
sestro Que está à esquerda; esquerdo (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). atual região pantaneira durante os Séculos XVI a XVIII. Referia-se à região
habitada pelos índios Xarayes, mais principalmente ao que seria um grande lago
sezão Febre terçã ou quartã, intermitente, que se repete de três em três ou de
no alto curso do Rio Paraguai. Era tratada como possível caminho para as len-
quatro em quatro dias (SILVA, 1789).
dárias minas de metais preciosos na América do Sul e por vezes relatada como
soldo Paga do soldado (SILVA, 1789). região paradisíaca. As comissões cartográficas do Século XVIII perceberam que
não existia tal lago, prevalecendo, posteriormente, o nome dado pelos Bandeiran-
suçuarana Mamífero da família dos felídeos (Felis concolor), encontrado do
tes à região: Pantanal (COSTA, 1999).
Canadá à Patagônia, em uma grande variedade de ambientes; jaguaruna, leão-baio,
onça-parda, onça-vermelha, puma (HOUAISS, VILLAR, FRANCO, 2001). zagaia Dardo de arremeço usado na costa da África (SILVA, 1789).
tabuleiro Forma topográfica de terreno que se assemelha a planaltos, terminan- zinga Grande estaca utilizada para impulsionar o barco à frente, apoiando no
do geralmente de forma abrupta (GUERRA, 1969, p. 399). fundo do rio (CAMARGO, 1955).
E
quipe técnica
Diretoria de Geociências
Coordenação de Geografia
Claudio Stenner

Gerência de Atlas
Adma Hamam de Figueiredo

Coordenação e planejamento geral do estudo


Maria Lúcia Ribeiro Vilarinhos

Concepção e elaboração
Bruno Dantas Hidalgo
Cayo de Oliveira Franco
Marcelo Luiz Delizio Araujo
Marco Antonio de Carvalho Oliveira
Maria Lúcia Ribeiro Vilarinhos
Pedro Henrique Braga Moreira Lima
Thiago Gervásio Figueira Arantes

Apoio técnico
Diogo de Carvalho Cabral
Gustavo Medeiros de Pinho
Melissa de Carvalho Martingil

Elaboração dos textos e organização do glossário


Bruno Dantas Hidalgo
Cayo de Oliveira Franco
Marcelo Luiz Delizio Araujo
Marco Antonio de Carvalho Oliveira
Maria Lúcia Ribeiro Vilarinhos
Pedro Henrique Braga Moreira Lima
Thiago Gervásio Figueira Arantes
• Atlas das Representações Literárias de Regiões Brasileiras

Elaboração dos mapas Agência Presidente Prudente/SP


Gustavo Medeiros de Pinho Luiz Carlos Estevam Foglia
Melissa de Carvalho Martingil
Unidade Estadual/TO
Édis Evandro Teixeira de Carvalho
Colaboradores
Maria Aparecida de Almeida Valadares
Diretoria de Geociências Paulo Ricardo da Silva Amaral Jesus
Télio Carlos de Oliveira
Coordenação de Geografia
Diogo de Carvalho Cabral Agência Dianópolis/TO
Felipe Mendes Cronemberger Fernando Cezar Rodrigues Povoa
Luis Cavalcanti da Cunha Bahiana
Maria Helena Palmer Lima
Projeto Editorial
Unidade Estadual e Agências do IBGE
Centro de Documentação e Disseminação de
Unidade Estadual/GO Informações
Edson Roberto Vieira
Lazaro Alves Pereira Coordenação de Produção
Marilia Tandaya Grandi Marise Maria Ferreira
João Batista Cavalcante
Gerência de Editoração
Unidade Estadual/MG
Maria Antônia Esteves da Silva Estruturação textual
Katia Vaz
Agência Uberaba/MG Fernanda Maciel Jardim
Evandro Mendes Marisa Sigolo Mendonça Barcelos

Unidade Estadual/MS Programação visual, diagramação e tratamento de imagens


Herben Kally de Almeida Rex Mônica Pimentel Cinelli Ribeiro
Mario Alexandre de Pinna Frazeto
Produção do e-book
Agência Campo Grande/MS Roberto Cavararo
Katiane Iglesias Rocha Araújo
Gerência de Documentação
Agência Corumbá/MS
Elinaldo Correia da Silva Normalização bibliográfica
Ana Raquel Gomes da Silva
Agência Dourados/MS Karina Pessanha da Silva (Estagiária)
Fernando Cesar Fruguli Moreira Lioara Mandoju
Nádia Bernuci dos Santos
Agência Ponta Porã/MS Solange de Oliveira Santos
Rosemeire Alvares Freitas Rodrigues Vera Lucia Punzi Barcelos Capone

Agência Três Lagoas/MS Elaboração de quartas capas e padronização de glossário


Arthur Gomes Yamamoto Ana Raquel Gomes da Silva
Unidade Estadual/MT Gerência de Gráfica
Millane Chaves da Silva
Benedito Carlos Teixeira Pinto Impressão e acabamento
Marcio Henrique de Freitas Cavichiolli Maria Alice da Silva Neves Nabuco
Pedro Nessi Snizek Junior
Renata Bortoletto Silva Gráfica Digital
Unidade Estadual/SP Impressão
Francisco Garrido Barcia Ednalva Maia do Monte
Esta publicação foi impressa pela gráfica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE
em papel couché matte 115g/m2 e a capa em cartão Triplex 240g/m2.
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