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Claudia Gomes
&
Vera Lucia Trevisan
de Souza
Pontifícia
Universidade Católica
de Campinas
Artigo
Resumo: Subsidiada pela teoria da subjetividade de Gonzalez Rey, esta pesquisa teve como objetivo
compreender as relações de subjetivação de professores no processo de inclusão escolar. Participaram do
estudo três professoras, uma da educação infantil e duas do ensino fundamental, de uma escola particular
da região do ABCD/SP, que tinham em suas turmas alunos com necessidades especiais. Os procedimentos
metodológicos utilizados foram observações, sistemas conversacionais e entrevistas de aprofundamento,
realizadas ao longo de nove meses, tempo em que a pesquisadora permaneceu no campo. As informações
acessadas foram organizadas em três eixos de análise: 1) necessidade / impossibilidade de atividades
pedagógicas diferenciadas, 2) consideração / desconsideração da complexidade do desenvolvimento e 3)
possibilidades reduzidas de identificação / pertença. Como resultado evidenciou-se uma relação de inter-
dependência entre os espaços vividos pelas professoras e a configuração de sentidos em relação à inclusão.
Tal constatação é indicativa da urgência de investimento na criação de condições que possibilitem aos
professores se posicionar, discordar, concordar, se submeter e subverter, em um processo reflexivo sobre
suas reais possibilidades de ação.
Palavras-chave: Inclusão escolar. Professores. Subjetividade. Educação inclusiva.
Abstract: Based on the subjectivity theory of Gonzalez Rey, this research aimed at understanding the rela-
tionship of subjectivity of teachers in school inclusion. The study had three teachers as participants, one from
early childhood education and two from basic education, all of them working at a private school in ABCD / SP.
These teachers had in their classrooms students with special needs. The methodological procedures used
were: observations, interviews and conversation, that were conducted over nine months. The information
accessed was organized into three areas of analysis:1) necessity/ impossibility of different educational
activities, 2) consideration/ disregard of the complexity of development and 3) reduced possibilities of
identification / membership. The result showed interdependence relationship between the experience of the
teachers and the configuration of meanings about inclusion. This finding indicates the urgency of invest-
ment in the creation of conditions that may allow teachers to position themselves: agree, disagree, submit
and subvert, in a reflective process on their real possibilities of action.
Keywords: School inclusion. Teachers. Subjectivity. Inclusive education.
Resumen: Subsidiada por la teoría de la subjetividad de Gonzalez Rey, esta pesquisa tuvo como objetivo
comprender las relaciones de subjetivación de profesores en el proceso de inclusión escolar. Participaron
del estudio tres profesoras, una de la educación infantil y dos de la enseñanza fundamental, de una escuela
particular de la región del ABCD/SP, que tenían en sus grupos alumnos con necesidades especiales. Los
procedimientos metodológicos utilizados fueron observaciones, sistemas conversacionales y entrevistas de
profundización, realizadas al largo de nueve meses, tiempo en que la investigadora permaneció en el campo.
Las informaciones a que se accedió fueron organizadas en tres ejes de análisis: 1) necesidad / imposibili-
dad de actividades pedagógicas diferenciadas, 2) consideración / desconsideración de la complejidad del
desarrollo y 3) posibilidades reducidas de identificación / pertenencia. Como resultado se evidenció una
relación de interdependencia entre los espacios vividos por las profesoras y la configuración de sentidos
en relación a la inclusión. Tal constatación es indicativa de la urgencia de investimento en la creación de
condiciones que posibiliten a los profesores posicionarse, discordar, concordar, someterse y subvertir, en
un proceso reflexivo sobre sus reales posibilidades de acción.
Palabras clave: Inclusión escolar. Profesores. Subjetividad. Educación inclusiva
Estima-se que no Brasil existam 24,5 milhões deficiência mental, e 4%, deficiência física
de pessoas com necessidades especiais, o que (Brasil, 2009).
corresponde a 14,5% da população. Dentre
as necessidades especiais apresentadas pelo
Censo do ano 2000, encontram-se desde Diante de dados tão representativos, é de se
dificuldades para andar, ouvir e enxergar até esperar que muitas sejam as políticas públicas
graves lesões incapacitantes. De modo mais direcionadas a pessoas com necessidades
detalhado, o relatório faz menção à seguinte especiais no Brasil. No entanto, o que se
categorização das necessidades especiais: observa é que têm assumido relevância no
48%, deficiência visual, 23%, deficiência cenário atual as políticas voltadas para a
motora, 17%, deficiência auditiva, 8%, inclusão escolar.
Como se sabe, as discussões sobre inclusão seu quadro de profissionais, sua capacitação e a
não são recentes, sobretudo no meio falta ou a inexistência de materiais ou recursos
educacional, mas foi a partir de 1994 que a (Gomes & Barbosa, 2006; Gurgel, 2002; Viana,
temática ganhou foro mundial pela ação da 2005). Assim, evidencia-se a contradição entre o
Unesco, em documento intitulado Declaração legalmente imposto e divulgado (pela legislação
Mundial de Salamanca. Posteriormente, e pelas políticas educacionais) e o realmente
na América Latina, documentos como possível (estrutura física, organizacional e
a Declaração de Guatemala (1999) e a profissional das instituições escolares). Tal
Convenção Interamericana para a Eliminação contradição tem impedido o avanço do processo
de Todas as Formas de Discriminação contra de inclusão, visto o emprego pelas escolas
Pessoas com Deficiência (2001) deram novo de ações cada vez mais descomprometidas,
impulso a essas discussões. distantes das realidades subjetivas e sociais dos
alunos e, em consequência, excludentes (Souza,
Já no plano nacional, a Constituição Federal 2006; Sommer, 2007).
(1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente
(1990), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Se não bastasse a precariedade de muitos dos
(1996), o Plano Nacional de Educação (2001) aspectos e recursos materiais e organizacionais
e, mais recentemente, as Diretrizes Nacionais das instituições escolares que prejudicam a
para a Educação Especial na Educação Básica efetivação de propostas inclusivas, há que
(2001), assim como a Resolução Nacional de se considerar, ainda, a necessidade urgente
de se compreender as representações dos
Educação Especial na Perspectiva da Inclusão
profissionais da educação quanto aos seguintes
(2008), são exemplos de leis e políticas
aspectos: desenvolvimento, intelecto, psiquismo,
que amparam, subsidiam e direcionam
afetividade, cidadania, identidade, diversidade e
ações que tratam da inclusão escolar,
diferença, conceitos que sustentam as discussões
visando a contribuir, principalmente, para a
sobre o processo de inclusão de alunos com
reestruturação das bases organizacionais e
necessidades especiais (Gomes & Gonzalez
pedagógicas das escolas de modo a tornar
Rey, 2007).
possível a inserção e a permanência de alunos
com necessidades especiais nas salas de aula
Segundo Michels (2006), há duas tendências
do ensino regular (Brasil, 2008).
que permeiam a inclusão de alunos com
necessidades especiais. Uma é a perspectiva
A consideração da qualificação escolar
propositiva, que se caracteriza por uma ausência
como foco central nas discussões sociais é de análises sociais e a instauração de modelos
unânime, e não se poderia esperar menos pré-definidos e explícitos de compreensão
que isso. Como se sabe, é o ensino, em do aluno. Outra é a analítica, permeada
seus diferentes níveis, que tem como função pela discussão e consideração das condições
desenvolver ações que possam servir de históricas, que vê os alunos como sujeitos
base para um amplo movimento de inclusão constituintes e constituidores de suas próprias
social. No entanto, esse mesmo processo relações sociais. Ao que parece, a realidade
promissor no que concerne à promoção atual das escolas se caracteriza pela primeira
do desenvolvimento de sujeitos e da justiça tendência, e pode estar aí uma das causas da
social parece se encontrar, atualmente, atado exclusão praticada por muitas delas.
em suas próprias contradições (Libâneo,
Oliveira, & Toschi, 2003; Moraes, 1997). Carmo Neto (2000) afirma que professores e
demais profissionais da educação apresentam
O panorama da inclusão escolar, na maioria dificuldades na construção de novas
das escolas, parece piorar quando se considera representações do aluno com necessidades
Gonzalez Rey (1997, p. 39), “La realidad social, e que delimitam e sustentam os
adquiere significación para el desarrollo espaços sociais em que vivem os indivíduos.
humano a través de su expresión en las
formaciones subjetivas de ese proceso (...)”. O sujeito vivencia, assim, aspectos internos
De acordo e externos em suas relações de modo
com Gonzalez Dessa forma, o histórico e o atual se encontram simultâneo, o que denota que a subjetividade
Rey (2005a), configurados em sistemas dinâmicos que não se dá apenas em um nível individual,
esses sentidos
subjetivos tão expressam diferentes formas do nível mas que a própria cultura, dentro da qual
singulares e subjetivo, e é a configuração entre ambos se constitui o sujeito individual e da qual
individuais não que direciona e alavanca as construções e as ele é também constitutivo, surge como
se esgotam no
próprio indivíduo constituições do sujeito (Gonzalez Rey, 1997). representação de um sistema subjetivo
(subjetividade gerador de subjetividade (Gonzalez Rey,
individual), mas Vale ressaltar, porém, que a condição do 1997).
organizam-
sujeito individual só é impulsionada dentro
se em um
sistema aberto, de um tecido social, no qual a subjetividade Como resultado dessa confrontação, diversas
fundante na social e a individual, ainda que expressas situações exigem que o sujeito se reconheça
constituição e no e delimite o espaço de sua ação “e o espaço
em momentos contraditórios, se fundem em
desenvolvimento
dos processos dimensões processuais permanentes. Assim, em que encontra congruência consigo mesmo
sociais o desenvolvimento do sujeito individual é na situação que está enfrentando” (Gonzalez
(subjetividade impulsionado por suas relações e integrações Rey, 2003, p. 263). A subjetivação estabelece
social),
sociais, que, necessariamente, passam a a ponte entre a individualidade e os processos
ultrapassando,
assim, a constituir-se como elementos de sentido de socialização, que dependem, de modo
capacidade na organização desses sistemas. Logo, o central, de um sistema de intercâmbio cultural
imediata de (Gonzalez Rey, 2004).
conscientização
desenvolvimento do sujeito individual e sua
frente às subjetivação ocorrem de modo articulado
emoções que com todos os sistemas de relações sociais das Considerar um professor inclusivo é, antes
causam ações de tudo, considerar o professor sujeito –
quais ele toma parte (Gonzalez Rey, 2003).
concretas.
que, segundo Gonzalez Rey (2002), é uma
De acordo com Gonzalez Rey (2005a), condição impulsionada dentro de um tecido
esses sentidos subjetivos tão singulares social em que se fundem a subjetividade
e individuais não se esgotam no próprio social e a individual em dimensões processuais
indivíduo (subjetividade individual), mas dotadas de sentido para o sujeito, que,
organizam-se em um sistema aberto, fundante dessa perspectiva, é autor de suas ações e
na constituição e no desenvolvimento dos representações.
processos sociais (subjetividade social),
ultrapassando, assim, a capacidade imediata Assim, com base nos pressupostos da teoria
de conscientização frente às emoções da subjetividade de Gonzalez Rey, este estudo
que causam ações concretas. O processo objetivou explorar os núcleos comuns que
de configuração de sentidos subjetivos é organizam explícita e implicitamente as relações e
histórico e mediado. O sujeito, em sua dinâmicas escolares que sustentam e possibilitam
processualidade reflexiva, constitui e constrói espaços para que professores subjetivem e
o contexto no qual está inserido. construam suas próprias histórias no processo de
assumir-se como docentes inclusivos.
A partir dessas considerações, é possível
dizer que a dimensão subjetiva não é uma Procedimentos Metodológicos
abstração, mas o resultado de processos de
significação e de sentido que caracterizam Dentro dessa compreensão da produção
todos os cenários de constituição da vida do conhecimento, que não pode ser
O que se pode constatar ao analisar a dentro da escola. Mas, antes ainda, seria preciso
prática dessa professora é a presença de que a instituição fizesse o mesmo em relação aos
ações contraditórias e recursivas, que professores, que também deveriam ser incluídos
revelam momentos tensionais de ruptura no processo, pois só dessa forma a identificação
da profissional com as representações a ela desses profissionais com a proposta de inclusão
impostas ou por ela construídas e que a seria possível.
situam como uma professora atada em meio
às contradições. As contradições vivenciadas por Ana na
relação com a instituição refletem não apenas
Segundo Gonzalez Rey (2005), são os valores da escola em si mas também boa
esses momentos de recursividade, de parte da compreensão social de valorização
confrontações e de contradições que marcam do individualismo, da competição, do sucesso
a coexistência do diferenciado e do singular, acadêmico, entre outros, que permeiam as
caracterizando um sistema complexo ações desenvolvidas na escola e que dificultam
denominado subjetividade. Pensar sobre a o processo de inclusão. Pôde-se perceber
intersecção social/individual, que, segundo que Ana, ao expressar-se verbalmente ou agir,
o autor, não é um processo linear, mas sim, buscava utilizar-se de estratégias profissionais
de interdependência, auxilia uma análise que a libertassem das amarras institucionais.
mais complexa acerca das ações (por vezes Porém, tal movimento se dava de forma isolada,
contrapostas) da professora em questão. com pouca repercussão. No entanto, o que
não se pode desconsiderar é que, quanto mais
É em meio a essas colocações que se torna distante dos nós que a prendem à representação
imprescindível a retomada de alguns aspectos escolar de sua função, mais isolada dos espaços
que caracterizam o clima organizacional intersubjetivos (pessoal/profissional) estará,
da instituição em que a professora Ana o que dificulta e impossibilita sua própria
desenvolve sua ação profissional: ação transformação em uma das protagonistas no
profissional isolada, relações mediadas pela processo de inclusão escolar como professora
ênfase na competitividade e distanciamento inclusiva.
entre aqueles que elaboram as propostas da
instituição e quem as vivencia em sala de 2) Consideração / desconsideração
aula. Esse último aspecto é enfatizado pela da complexidade do
professora Cristina: – Toda vez que altera a
desenvolvimento
direção, querem mudar tudo, teria sido mais
fácil, pouparia trabalho se nos questionassem,
Outro núcleo relativo ao clima organizacional
afinal, já passamos por tudo aqui (relato sic).
da instituição que provoca ações e reações
diferenciadas nas docentes é consideração/
É essa contradição entre o esperado (imposto) desconsideração da complexidade do
institucionalmente e o compreendido desenvolvimento dos alunos. Pode-se constatar
singularmente que abre espaço para uma que, ao mesmo tempo em que se identificam
análise apurada do processo de inclusão, indicadores de que a ação escolar inclusiva
como uma ação de polarização entre necessita considerar a complexidade do
docentes e discentes. Para que um aluno desenvolvimento dos alunos, identificam-se
com necessidades especiais seja incluído, também indicadores contrários a essa posição.
é necessário que seus professores rompam
momentaneamente algumas representações É justamente a ideia de que é necessário
e se voltem para os alunos que permanecem cumprir o programa pedagógico que submete
à margem do processo educacional, mesmo professores e alunos a dinâmicas em sala de
aula que apresentam muitas contradições. características pessoais dos alunos evidencia
Um exemplo é o desenvolvimento de que, se por um lado ela tende a compreender
atividades em grupo, que têm o objetivo as reais necessidades especiais desses
de favorecer a interação entre os alunos, o educandos, por outro, sua expressão deixa
que teoricamente conduziria à facilitação da entrever que sua concepção se sustenta
aprendizagem. Contudo, o que se observa é a no modelo de avaliação e de comparação
existência do grupo apenas como disposição característico da instituição: – Quando você
física dos alunos, pois as atividades são avalia um sozinho, você percebe que tem
desenvolvidas individualmente. Esse fato potencial... (relato sic).
indica o desafio da professora Cristina em
lidar com a organização de atividades grupais Essa colocação da professora revela o quanto
que propiciem participação/cooperação, de a escola está distante da possibilidade de
um lado, e o uso de apostila imposta pela incluir, ou, o que é mais grave, o quanto,
instituição e validada pelos pais, de outro: – em nome da inclusão, ela exclui. Também se
Uma pequena parcela da turma acompanha pode constatar que, em relação à família, as
com agilidade o tempo das respostas (relato concepções da professora são amparadas pelo
D. C.). entendimento de que a situação de fracasso de
alguns alunos tem raízes externas às relações
O que se pode perceber é que, com escolares, como evidenciado no seguinte
um enfoque na reprodução (permitido e relato: – Ela é uma dos piores, também imagina
incentivado pelo material didático adotado), a família? Devem perceber e ter vergonha do
torna-se comum que as dinâmicas em sala de rendimento e do comportamento que não
aula, ainda que em grupos, se caracterizem melhora nunca... O que a gente pode esperar
por trabalhos individuais e isolados. O dessas crianças, se aqui com meia dúzia não
acompanhamento das aulas das professoras vai, imagina quando cair desse jeito e com essa
nos permitiu observar a presença constante família no mundo... (relato sic).
e diária desse tipo de dinâmica, o que nos
ofereceu elementos para a compreensão É claro o descompromisso da professora em
de que o trabalho isolado propicia ações relação à educação e ao ensino dos alunos, e
competitivas, visto que são mais valorizados culpar as famílias pode ser um recurso que tira
aqueles alunos que cumprem satisfatoriamente dela a responsabilidade e a livra do sentimento
o protocolo de ensino-aprendizagem adotado, de incompetência, mantendo a imagem da
profissional que nada pode fazer a não ser
enquanto aqueles que não acompanham
conformar-se: – Falar que uma criança nessas
têm seu potencial desconsiderado e, muitas
condições vai aprender, daí é demais, a gente
vezes, valorizado por motivos distintos (como
sabe que a base é a família, e nesse caso já viu,
forma de compensação) por seus insucessos
né? (relato sic).
educacionais, ou, na pior das hipóteses,
desconsiderados por completo do processo
Assim, a professora mostra-se estagnada
escolar, como evidenciado no trecho de fala
frente aos desafios que a prática profissional
da professora: – Tem um grupinho modelo...
lhe oferece cotidianamente. Aparentemente,
eles... você precisa ver, é gritante a diferença... as relações estabelecidas em sala de aula são
desde vocabulário..., o comportamento... dá consideradas apenas no âmbito da cognição,
pra ver que são crianças cuidadas... (relato sic). desconsiderando-se a condição de seus alunos
e impossibilitando que conflitos criativos que
A dicotomia revelada no modo como propiciariam a construção de identidades
a professora considera e valoriza as diferenciadas dos alunos e de si própria sejam
criados, o que constitui mais um empecilho espaços sociais em que vivem os indivíduos,
ao sucesso da inclusão escolar de alunos com é perpetuada pelos próprios significados
necessidades especiais na instituição. e sentidos dos agentes envolvidos e sua
subjetivação está articulada a esses sistemas
Dessa forma, indicadores marcam o e relações sociais dos quais faz parte e se
posicionamento da professora quanto configura.
à impossibilidade de que novas ações
pedagógicas e representações sejam Já afirmamos que pensar no processo de
instauradas, o que possibilitaria considerar inclusão do aluno é pensar também no
a complexidade que caracteriza o processo de inclusão do professor, porém,
desenvolvimento dos alunos em processo o que ainda não citamos é o desafio de se
de inclusão. Tal posicionamento, que leva a considerar a singularidade do professor quando
professora a se guiar em suas ações com base são observadas características tão discrepantes
na representação de que a prática pedagógica daquelas esperadas para a efetivação do
é formada por ações padronizadas para todos reconhecimento e da compreensão das
os alunos, consolida uma zona subjetiva em diferenças em sala de aula. No entanto, não
que “consolidar-se profissionalmente exige enfrentar esse desafio equivaleria a aceitar o
padronização das práticas pedagógicas”, risco de se praticar a exclusão de professores.
logo, um sentido de docência que exclui o
aluno, que exclui a si própria como sujeito, Acreditamos poder considerar que Cristina,
que exclui, enfim, qualquer possibilidade de mesmo sendo agente de transformação de
ser sujeito. sua história, compreendida dentro de suas
peculiaridades e singularidades, não se revela
No entanto, é preciso lembrar que tornar- neste momento uma docente inclusiva,
se um professor sujeito de sua história, visto não inserir em sua prática pedagógica
que promova o desenvolvimento dos cotidiana ações voltadas para a inclusão, ou
alunos e o seu próprio, é inserir-se em um mesmo demonstrar comprometimento com
processo recursivo e complexo e romper o processo. No entanto, por outro lado, fica
representações sociais e individuais que bastante claro o seu comprometimento com
sustentam sua concepção de ensinar, de seus princípios, concepções, necessidades
aprender, de desenvolvimento humano, e interesses. Eis um dos aspectos que
de práticas de ensino-aprendizagem, entre tornam a inclusão ainda mais complexa:
outras. Contudo, ao analisar as informações todos os sujeitos envolvidos na relação
de Cristina, não podemos desconsiderar que necessitam acessar condições favorecedoras,
o oposto nessa situação também deve ser de modo que possam agir, se posicionar e se
considerado, ou seja, as ações consoantes transformar como sujeitos singulares que são,
às representações da professora sobre regras, independentemente de suas necessidades,
costumes e valores da instituição podem aspirações, desejos, vontades e escolhas.
significar um posicionamento singular e
histórico, que a firma como sujeito de suas 3)Possibilidades reduzidas de identificação
escolhas como docente, ainda que um sujeito / pertença
submetido às condições materiais em que
atua. Por fim, são as contradições observadas nesses
dois núcleos de significação que indicam
Como sustenta Gonzalez Rey (2003), a que as ações inclusivas desenvolvidas nessa
subjetividade não pode ser entendida instituição estão relacionadas a possibilidades
como uma abstração, pois é resultante dos reduzidas de identificação / pertença. Exemplo
disso é a experiência vivida pela professora distinção de dois grupos que dominam a
Andréia, que, diferentemente da professora reflexão – ‘os profissionais da casa’ e os
Ana (em busca de novas ações em meio ‘novatos’, e assim novamente o espaço grupal
a velhas concepções) e da professora instaura uma lógica de hierarquização fechada
Cristina (concepção restrita da prática ao debate sadio (relato D. C.).
pedagógica), expressa sentidos que denotam
que “professores inclusivos dependem de São ainda essas mesmas relações de
escolas inclusivas”, ao revelar sentimentos competitividade que impedem o
de insegurança e de isolamento profissional estabelecimento de relações sociais e pessoais
como frequentes em sua rotina de trabalho. que recuperem os sujeitos envolvidos,
apresentando-lhes novas formas de convívio
Uma das dificuldades da professora Andréia profissional, e não apenas focados em
é não partilhar ainda da organização da instabilidades e ameaças. Ressalta-se,
instituição, segundo relatos ouvidos de seus ainda, que, em decorrência da condição de
colegas de trabalho: – Ela tem aquela vontade, ingressante e de isolamento da professora, o
tem gás dos iniciantes, mas precisa ainda apoio institucional e organizacional em relação
aprender como as regras e como as “músicas à estruturação de suas práticas pedagógicas
são tocadas e dançadas aqui (relato sic). parece inexistente. Assim, as ações de Andréia
no processo de inclusão escolar de um aluno
Efetivar e pensar sobre o processo de com necessidades especiais se apresentam
inclusão escolar é redirecionar as ações como estratégias isoladas e acabam gerando
escolares até então desenvolvidas, rever a a exclusão. Segundo a professora: – Nunca
organização física, estrutural, organizacional trabalhei com inclusão, daí chego aqui e
e, principalmente, pessoal e profissional dos sozinha vou descobrindo tudo, ou melhor, só
agentes envolvidos, o que demanda um vou descobrindo porque ainda não sei o que
reordenamento de papéis e atribuições em vou fazer com ele (relato sic).
que a colaboração e a cooperação promovem
a constituição de uma equipe de trabalho Aparentemente, sem orientações precisas
que assuma e justifique suas escolhas, e não da coordenação (justificadas pela política de
só se adapte às exigências impostas pela autonomia do professor), a professora Andréia
organização, como pode ser constatado no utiliza-se de estratégias que se limitam à
relato da professora: – Não tem parceria, convivência social de seus alunos: – Eu
a rotina de trabalho das seis professoras, vou tentando, confesso que às vezes tenho
mesmo com um número bastante reduzido desespero, saio daqui acabada e fico pensando
de docentes, é individual e isolada, querem o que estou fazendo, fazendo sozinha, né...
mais é competir, fazer o mais bonito, cada um (relato sic).
por si (relato sic).
O desabafo da professora revela que, em
O que se pode perceber é que as ações nome da autonomia, as escolas praticam o
isoladas da professora são a base de algumas abandono. Também não se pode deixar de
das relações pessoais e sociais vivenciadas considerar a importância da formação dos
na instituição, em que a competitividade docentes no que se refere à preparação para
parece transformar-se em dificuldade para o trabalho com a inclusão de alunos com
compreender e desenvolver a proposta de necessidades especiais, enfatizando que essa
inclusão escolar como um processo efetivo formação não deve se resumir à apropriação
de toda a instituição, como pode ser descrito de dinâmicas e práticas pedagógicas a serem
no relato de observação a seguir: – há uma implementadas em sala de aula, mas deve
Claudia Gomes
Doutorado em Psicologia pela Pontificia Universidade Catolica de Campinas. Professora na Universidade Federal
de Alfenas, Minas Gerais – MG – Brasil.
E-mail:cg.unifal@gmail.com
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