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Políticas de Ações Afirmativas e Descolonização da Psicologia: contribuições do pensamento crítico africano View project
All content following this page was uploaded by Raquel Souza Lobo Guzzo on 02 January 2016.
RESUMO
Este trabalho visa a apresentar uma experiência do serviço de psicologia presente em uma Escola Municipal
de Ensino Fundamental de Campinas. A atuação envolveu a discussão de casos envolvendo crianças em
situação de risco psicossocial, a ação em conjunto com órgãos públicos de proteção a crianças e suas famílias,
conversas com alunos indicados pelos professores no conselho de classe, a participação nas reuniões de
trabalho docente, dentre outras atividades. Conclui-se que a atuação do psicólogo escolar deve estar voltada
para o contexto educativo-comunitário, tendo em vista a criação de espaços coletivos de discussão sobre
os problemas da escola e da comunidade e a promoção da autonomia e da emancipação dos indivíduos.
ABSTRACT
The aim of this study is to present an experience of the psychological service in an Elementary public school
in Campinas. The intervention involved case discussions about children in psychosocial risky situations and
the collaborative work with public organizations to assist vulnerable families; talks to students indicated by
teachers on the Academic Council; participation in teachers’ meetings, and other actions. The conclusions
showed that school psychological practices should aim at educative and communitarian contexts to promote
group discussion about school and communitarian problems, and to favor the development of autonomy
and emancipation of those individuals.
RESUMEN
Este estudio tuvo por objetivo presentar una experiencia do servicio de Psicología presente en una escuela
pública de Campinas. La intervención consistió en la discusión de casos de niños en situación de riesgo
1
Pesquisa realizada com apoio financeiro do CNPq.
2
Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del Rei-MG.
3
Psicólogo, Doutorando em Psicologia pela PUC-Campinas
4
Professora titular da Faculdade de Psicologia da PUC-Campinas.
Agradecemos a participação dos profissionais Adinete Costa, Mara Weber, Fernando Lacerda Junior, Márcia Beckman, Marcela De-
chichi, Ana Paula de Sá, Luciana Mariote, Luiz Paiva e a todos os estagiários que colaboraram para a efetivação do projeto “Voo da
águia” nas escolas.
psicosocial, la colaboración con instituciones públicas de asistencia a las familias vulnerables, la conversación
con los estudiantes seleccionados por los maestros en el Consejo Académico, la participación en reuniones
de profesores y otras actividades. Los resultados indican que la acción del psicologo escolar debe estar
dirigida para el contexto educativo y comunitario para promover la discusión colectiva de los problemas de
la escuela y de la comunidad, así como para desarrollar la autonomía y la emancipación de los individuos.
ressignificar sua realidade e de mudar a sua his- mandas coletivas para a melhoria das condições
tória para a construção de uma sociedade mais de vida da maioria da população. Além disso,
justa e igualitária. necessita desmistificar concepções preconceituo
Essa premissa é relevante, visto que sas e visões descontextualizadas direcionadas às
cada vez mais a desigualdade social marca o camadas populares que frequentemente culpabi-
cotidiano e a vida das pessoas em nosso país. lizam os indivíduos (PATTO, 1984; 1990).
Isso como resultado de um modelo econômico A ação desse profissional também inclui
capitalista de orientação neoliberal que intensifi- a promoção da reflexão crítica sobre a realidade
ca a pobreza e a exploração de uma elite domi- e o cotidiano da escola, por meio do diálogo en-
nante sobre as camadas populares. A perspectiva tre os diversos participantes da escola (GUZZO,
neoliberal caracteriza-se, dentre outros aspectos, 2005), a realização de planejamentos de atuação
pela primazia da ordem econômica sobre a área coletiva sobre as demandas verificadas e um tra-
social, levando à diminuição dos investimentos balho em torno das relações interpessoais entre
nessa última e, consequentemente, à precariza- os agentes educacionais (ARAÚJO; ALMEIDA,
ção dos serviços públicos (ANDERSON, 1995). 2005), assim como a construção de espaços de
A partir dessas considerações, cabe interlocução no trabalho em rede com outros
agora abordar a ação do profissional de psico- contextos (escola, família e outras instituições
logia que atua em contextos educativos e co- sociais) que têm o objetivo de implementar po-
munitários, segundo a perspectiva previamente líticas de proteção à criança (PRILLELTENSKY;
exposta. NELSON, 2002).
Em primeiro lugar, é importante des- Diante dessas considerações, este tra-
tacar que, ao estabelecer uma relação entre o balho tem por objetivo apresentar e discutir uma
contexto educativo e o comunitário, desvenda-se experiência do serviço de psicologia presente em
uma concepção acerca do caráter abrangente uma Escola Municipal de Ensino Fundamental
do âmbito escolar, caráter este que ultrapassa de um grande município do interior paulista.
o espaço institucional, uma vez que os alunos e
suas famílias inserem-se em uma realidade mais
ampla. Essa análise é coerente com a proposta de
uma psicologia que procura ampliar seu campo A experiência – contexto e objetivos
de análise e que intenta, na busca incessante
de uma reflexão sobre a natureza do seu objeto
de estudo, estabelecer relações entre indivíduo Este estudo é fruto de uma proposta
e sociedade, ou entre os contextos micro e ma- de intervenção preventiva do psicólogo escolar
crossocial. denominada “Voo da águia: prevenindo proble-
Nessa perspectiva, Martin-Baró (1997) mas socioemocionais e promovendo saúde”, que
ressalta a importância de uma nova práxis que está inserida num projeto de pesquisa e extensão
permita conhecer a realidade das camadas opri- intitulado “Do risco à proteção: uma intervenção
midas a partir de um compromisso ético-político preventiva na comunidade”. Este projeto tem por
de transformação. Para o autor, faz-se necessário objetivo identificar os fatores de risco e proteção
que a Psicologia se coloque a serviço das neces- ao desenvolvimento de crianças de comunidades
sidades das camadas populares, contribuindo de baixa renda, buscando favorecer a conscien-
para a libertação dessas populações. tização de crianças, pais, professores e profissio-
A atuação do psicólogo no âmbito nais acerca da realidade em que vivem, isto é,
educativo-comunitário precisa considerar as de- suas condições de vida, a fim de promover uma
maior mobilização e participação dos indivíduos Após cada visita institucional, os pro-
da comunidade mediante o fortalecimento das fissionais e estagiários de Psicologia faziam o
redes sociais de apoio. registro de suas observações e ações, compondo
Assim sendo, é uma proposta de um diário de campo, o qual servia de base para
trabalho na rede pública em integração com a discussão, análise e definição de encaminha-
comunidades, baseada na concepção de que mentos durante a intervenção.
as teorias e as práticas psicológicas impactam e As atividades realizadas visaram a
são impactadas pela ordem social, pela cultura promover o desenvolvimento socioemocional
e pela dinâmica das instituições sociais. de crianças e adolescentes, fornecer acompa-
nhamento longitudinal às crianças no seu pro-
cesso de escolarização e vida, integrar família e
Estrutura, funcionamento e dinâmica da escola, além de identificar e construir redes de
intervenção apoio social e afetivo para a comunidade em
que as atividades estão inseridas. Para realizar
essas atividades, foram usados procedimentos e
O referido projeto foi desenvolvido em materiais específicos.
duas escolas públicas municipais de Campinas, Utilizou-se também um termo de con-
uma de Educação Infantil e outra de Ensino sentimento informado, contendo os objetivos e
Fundamental.A experiência relatada aqui focali- explicitando outras normas éticas da pesquisa,
zará o trabalho realizado nesta última. A entrada redigido de acordo com a resolução de dezem-
na instituição ocorreu em 2003, a pedido da bro de 2000 do Conselho Federal de Psicologia
direção da escola, que se queixava de problemas e o que dispõe a Lei Nacional sobre a pesquisa
de indisciplina e violência no espaço escolar. com seres humanos. O projeto foi aprovado pelo
Essa proposta de intervenção foi aprovada no Comitê de Ética da PUC Campinas.
conselho de escola e discutida com todos os Tais ações foram planejadas e efetiva-
segmentos envolvidos (direção, professores, das a partir das necessidades e dos problemas
funcionários e comunidade), portanto, contou evidenciados no cotidiano escolar. Algumas
com o consentimento da comunidade escolar e propostas de intervenção foram detalhadas a
foi finalizada em 2006. seguir e analisadas a partir de sua funcionalida-
A escola apresentava um total de 450 de, dificuldades e perspectivas.
alunos, de faixa etária entre os seis e os 17 anos,
de primeira a oitava série. A escola funcionava Mapeamento geográfico
em dois turnos (manhã e tarde), estava inserida
Como parte da proposta educativo-
em um espaço físico pequeno e em um bairro
-comunitária, a realização do mapeamento
marcado por profundas desigualdades sociais
geográfico teve por objetivo identificar a locali-
(GUZZO et al., 2002).
zação das moradias das crianças no entorno da
É importante mencionar que o serviço
escola, com o intuito de subsidiar atividades de
de psicologia esteve presente até duas vezes por
integração comunidade-escola e de promover
semana na escola e era composto por profissio-
ações educativas direcionadas à discussão de
nais de psicologia (alunos da pós-graduação e
temas como a identidade dos alunos.
um assistente técnico) que eram os responsáveis
Por meio da leitura dos prontuários de
pelas atividades realizadas nas instituições de
todos os alunos da escola, feita a cada início de
ensino, colaborando também na supervisão de
ano letivo, a equipe de psicologia pôde obter
alunos do estágio supervisionado em Psicologia
informações sobre alunos que residem em uma
Escolar e Educacional.
114 Extensão em Foco, Curitiba, n. 5, p. 111-120, jan./jun. 2010. Editora UFPR
SANT'ANA, I. M.; EUZÉBIOS FILHO, A.; GUZZO, R. S. L. O psicólogo escolar no ensino fundamental: referência...
uma variedade de respostas e que, muitas vezes, dos psicólogos, argumentando que o pedagógico
a presença ou ausência de regras evidencia que se separa do psicológico e, portanto, segundo
falta uma discussão sobre o sentido das regras, essa concepção, a ação do psicólogo deve se
como elas afetam a vida de cada um e da co- voltar somente para questões do comportamento
letividade. Os resultados foram discutidos com e da indisciplina dos alunos. Essa situação gerou
os educadores e foi apontada a necessidade da um conflito que foi discutido nas reuniões de tra-
construção coletiva a respeito das regras com balho docente. Notamos um descontentamento
os alunos. Isso foi feito e produziu algumas me- dos professores, que reclamavam por algo mais
lhorias nas inter-relações existentes no contexto prático que se referia, na maioria das vezes, a
escolar. uma resposta imediata dos psicólogos e à con-
firmação da visão de culpabilização do aluno.
Participação nas reuniões de trabalho docente,
nos conselhos de classe e de escola Fórum de pais
Em síntese, a atuação do psicólogo _____. Educação e mudança. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
escolar deve estar voltada para o contexto GUZZO, Raquel Souza. Novo paradigma para a formação
educativo-comunitário, a partir da perspectiva e atuação do psicólogo escolar no cenário educacional bra-
sileiro. In: GUZZO, Raquel (Org.). Psicologia escolar: LDB
preventiva e emancipadora, com vistas à cria-
e educação hoje. Campinas: Alínea, 2002. p. 131-144.
ção de espaços coletivos de discussão sobre os
_____ et al. Um censo comunitário: finalidades, dificul-
problemas da escola e da comunidade. Todavia,
dades e contribuições para o conhecimento da realidade.
nem sempre os professores aceitavam essa forma In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOLOGIA: CIÊN-
de debater as questões apresentadas, pois que- CIA E PROFISSÃO, 1. Anais... São Paulo, 2002.
riam que o psicólogo legitimasse os problemas _____. Escola amordaçada: compromisso do psicólogo
como sendo dos alunos, tal como salienta Patto com este contexto. In: MARTINEZ, Albertina (Org.).
Psicologia escolar e compromisso social. Campinas, SP:
(1990). Ainda assim, essa visão sobre o psicólogo Alínea, 2005. p. 17-29.
não é fantasiosa, dado que, como destacamos
_____ et al. Preventive intervention in school: students,
anteriormente, a atuação deste profissional é parents, teachers an school satff's evaluation (pôster). In:
predominantemente individualista e remediativa. INTERNATIONAL SCHOOL PSYCHOLOGY ASSO-
As resistências aparecem; no entanto, o psicólogo CIATION COLLOQUIUM, 29. Abstract Book. Tampere,
Finlândia, 2007.
que busca atuar em um modelo de intervenção
preventiva deve prosseguir direcionando sua JOFFE, Jack; ALBEE, George. Powerlessness and psy-
chopathology. In: JOFFE, Jack; ALBEE, George (Orgs.).
prática com base em um compromisso ético- Prevention through political action and social change. New
-político de transformação social. England: University, 1981. p. 321-325.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. São SANT’ANA, Izabella; COSTA, Adinete; GUZZO, Raquel.
Paulo: Paz e Terra, 1999. Psicologia escolar e psicologia social comunitária: uma
possível interface. In: CONGRESSO NORTE E NOR
DESTE DE PSICOLOGIA, 5. Anais... Maceió, 2007.