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“DAS CAVERNAS

À ERA DIGITAL:
A EVOLUÇÃO DA ESCRITA”
PROJETO DE PESQUISA
SOBRE A EVOLUÇÃO DA
ESCRITA E LETRAMENTO
NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Bruna Rosa Henrique1
Miriam Simone Wingert Weber2

RESUMO

Este artigo propõe-se a trazer os métodos e resultados do trabalho de pesquisa “Das


cavernas à era digital: a evolução da escrita”, realizado em uma turma de Faixa Etária de
cinco anos, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Martha Wartenberg. Esse tema
surgiu a partir das brincadeiras das crianças no pátio da escola, onde demonstraram
interesse por alguns costumes característicos do período da Pré-História. No entanto, foi
durante a roda de conversa sobre os hábitos dos homens das cavernas que a ideia da
pesquisa surgiu e a curiosidade pelo mundo letrado tornou-se mais evidente. Sendo assim,
o artigo busca abordar e explicitar o referencial bibliográfico que apresenta a evolução da
escrita, associando o tema às orientações relativas ao trabalho de letramento na Educação
Infantil, conforme documentos legais que embasam essa prática. A metodologia utilizada
foi a pesquisa bibliográfica e documental, além da pesquisa qualitativa e quantitativa,
considerando que o projeto se desenvolveu em uma turma da Faixa Etária de cinco anos.
Através deste projeto, podemos entender que a percepção das crianças a respeito das
diferentes formas de expressão gráfica se intensificou, permitindo uma maior interação
com os diversos ambientes em que vivem. Como conclusão do trabalho desenvolvido,
entendemos que o acesso ao conhecimento proporcionado pela evolução da escrita, foi
um marco na história da humanidade. No entanto, na atualidade, com a chegada da era
digital, o conhecimento tornou-se mais acessível para todos, inclusive às crianças que,
desde muito pequenas, interagem com as tecnologias.

Palavras-chave: Educação Infantil; Letramento; Escrita;

1 Bacharel em Quiropraxia pela Universidade FEEVALE, Estudante do Curso de Pedagogia pelo Centro Universitário Unifacvest.
E-mail: bruna.quiro@gmail.com. Estagiária de apoio à inclusão da Rede Municipal de Ensino, EMEI Joaninha. Novo Hamburgo, Rio
Grande do Sul, Brasil.
2 Especialista em Neurociências com enfoque na Educação Inclusiva pela FAMEPLAN e Especialista em Educação Inclusiva pela
Universidade FEEVALE. E-mail: miriamweber@terra.com.br. Coordenadora pedagógica da Rede Municipal de Ensino, EMEF Martha
Wartenberg. Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil.

Saberes em Foco  Revista da SMED NH  v.3 n.1  ago. 2020 275
Bruna Rosa Henrique e Miriam Simone Wingert Weber

INTRODUÇÃO

Foi na turma da Faixa Etária de cinco anos da EMEF Martha Wartenberg, que
durante os momentos de brincadeira livre no pátio, surgiu o interesse pela origem do
fogo. A brincadeira consistia em esfregar britas no chão para sentir o “cheiro de fogo”,
que as crianças acreditavam que apareceria após a fricção. Elas tinham a expectativa
de produzir faísca e fogo. Alguns diálogos chamaram a atenção, pois os alunos
demonstravam certo conhecimento sobre o assunto, adquirido através do acesso às
novas tecnologias no seu contexto familiar. No entanto, observou-se também, o grande
interesse da turma pelo conhecimento das letras e de sua origem. Por isso, a partir
da roda de conversa sobre os hábitos e o estilo de vida do homem no período da Pré-
História, levantou-se a seguinte dúvida: como surgiu a escrita e como as letras foram
parar nos teclados dos smartphones e notebooks? Definimos este questionamento como
o nosso problema de pesquisa.
Desde a Pré-História, podemos observar a necessidade do homem em se
comunicar, seja através de gestos, expressões ou até mesmo da fala. No entanto,
ao longo da história a comunicação humana evoluiu à medida que o homem foi
construindo o conhecimento. Da mesma forma, a escrita evoluiu deixando de ser
apenas uma representação de uma ideia ou a transcrição da oralidade, restrita a
pequenos grupos, tornando-se acessível e ilimitada, principalmente, através da
influência das novas tecnologias. A escrita permeia o tempo desde as cavernas,
passando pelo papel e atualmente é possível escrever através de um teclado virtual
do smartphone, por exemplo, compartilhando mensagens com milhares de pessoas
simultaneamente.
E é a partir da necessidade natural do homem de se comunicar que a escrita exerce
um papel fundamental na sociedade, estando presente de diversas formas no cotidiano
das pessoas. Dessa maneira, as crianças recebem informações e conhecimentos sobre
o mundo letrado muito antes de entrarem na escola, através de livros, rótulos, placas,
revistas, outdoors, aparelhos eletrônicos, entre outros.
Nesse contexto, objetivou-se, com a turma de Faixa Etária de cinco anos,
aproveitar as experiências e conhecimentos de letramento trazidos pelas crianças e
incentivar novas descobertas, além de valorizar as primeiras tentativas de escritas
espontâneas comuns nesta idade. Desse modo, iniciou-se uma trajetória a fim de
proporcionar vivências e brincadeiras que remetessem ao processo de evolução
da escrita. Diferentes materiais foram explorados, identificando o mundo letrado e
oportunizando a participação das famílias na construção do projeto realizado em sala
de aula.

A EVOLUÇÃO DA ESCRITA

De acordo com Barbosa (2013, p. 34), através dos tempos, o homem vem buscando
desenvolver a sua comunicação seja com gestos, expressões e/ou fala. É comum da
natureza humana a necessidade de se comunicar e expressar seus pensamentos. A

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“Das cavernas à era digital: a evolução da escrita” projeto de pesquisa sobre a evolução da escrita e letramento na Ed. Inf.

escrita tem sua origem no instante em que o homem comunica seus pensamentos e
sentimentos por meio de signos. E esses signos passam a ser compreendidos por outros
homens que possuem uma ideia de como funciona esse sistema de comunicação. No
entanto, Cagliari (1988, p. 13) aponta que:

Quem inventou a escrita foi a leitura: um dia numa caverna, o homem começou a desenhar
e encheu as paredes com figuras, representando animais, pessoas, objetos e cenas do
cotidiano.. A humanidade descobria assim que quando uma forma gráfica representa o
mundo, é apenas um desenho, quando representa uma palavra, passa a ser uma forma
de escrita.

O fato é que, aproximadamente 20.000 a.C., os primeiros registros de


inscrições aconteceram no fundo das cavernas e eram desenhos muito simples, as
pinturas rupestres, feitas com uma espécie de tinta a base de elementos naturais,
como pigmentos, terra e sangue de animais, que representavam as impressões do
homem da pré-história acerca de sua história, cultura e acontecimentos importantes.
(QUEIROZ, 2016).
A partir destes registros, inicia-se a evolução da escrita que pode ser dividida em
três fases, de acordo com Rocha e Roth (2009) e Queiroz (2016):
• Fase pictórica: desenhos ou pictogramas, associados à imagem daquilo que
se representa. São representações simplificadas dos objetos da realidade. As inscrições
encontradas nas cavernas são a forma mais primitiva de comunicação escrita, porém
não é possível relacionar esse tipo de registro com o início do sistema de escrita utilizado
atualmente.
• Fase ideográfica: ideogramas são símbolos que expressam e representam
diretamente uma ideia. O mais antigo sistema de escrita foi desenvolvido pelos sumérios
e babilônios, que utilizavam tábuas de barro e através de um pequeno bastão de madeira
ou ferro escreviam registrando suas marcas. Diante da dificuldade de fazer linhas curvas
no barro, passa-se a utilizar uma espécie de estilete de ponta triangular, a cunha. Cada
conjunto de marcas significava uma palavra, dando origem à escrita cuneiforme.
Os egípcios por sua vez, desenvolveram outra forma de escrita ideográfica, mais
duradoura, através da escrita gravada na pedra. Cada figura marcada na pedra significava
uma palavra, e essas figuras são os hieróglifos. E assim, os egípcios deixaram três mil
anos de história documentados através da evolução de sua escrita.
• Fase Alfabética: nessa fase, tem-se o uso de letras, que embora tivessem sido
originadas dos ideogramas, perderam o valor ideográfico, assumindo uma nova função
na escrita, a de representar os sons.
Não se pode datar com precisão o surgimento do alfabeto, pois foram encontrados
alguns textos escritos pelos semíticos, em 1.900 a.C. Ao analisar os textos, foram
reconhecidos vinte e sete sinais diferentes nitidamente alfabéticos. A expansão desse
tipo de escrita pode ter sido difundida pela queda do domínio de povos estrangeiros
sobre a região. Os fenícios também tiveram um papel muito importante nessa construção
da escrita alfabética, pois por serem viajantes, navegadores e comerciantes, difundiram
o seu tipo de escrita.

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Os gregos, influenciados pelo alfabeto, não só adotaram o uso, como


desenvolveram outras letras e a utilização das vogais. A regra de escrever da esquerda
para direita foi estabelecida pelos gregos, ao contrário das outras línguas semíticas.
Através do alfabeto desenvolvido pelos gregos, os romanos adaptaram e criaram o
seu alfabeto, alterando também o formato das letras. O alfabeto utilizado na Língua
Portuguesa é o romano.

A ERA DIGITAL

A evolução da escrita desenvolveu a comunicação entre os homens permitindo


a proximidade entre grupos e sociedades, facilitando o intercâmbio de informação e a
preservação da memória. (COSTA, 2012). No entanto, não foi só a escrita que evoluiu,
mas também os materiais e a forma de se escrever. Das cavernas para o barro, pedra,
papiro, papel, até chegar às telas de vidro de cristal líquido, comuns em smartphones
(PETRY, 2012).
As criações da prensa, da tipografia de Gutenberg, aperfeiçoada ao longo do
tempo, facilitaram a expansão de diversos tipos de textos impressos em larga escala.
Porém, a invenção da máquina de escrever revolucionou os escritórios e pequenas
repartições. A máquina de escrever foi patenteada por Henry Mill, mas após muitas
tentativas, a criação de Christopher Latham Sholes, em meados de 1868, nos Estados
Unidos, parecia ser a que melhor funcionava, até então. A disposição das letras das
máquinas de escrever de Sholes chamava a atenção, pois o seu teclado seguia uma
sequência de letras diferente (SANTOS, 2013).
O teclado QWERTY foi desenvolvido para separar as letras mais utilizadas na
língua inglesa, aumentando assim a velocidade de digitação sem a necessidade de o
datilógrafo desemperrar os braços da máquina que ficavam presos. Com a popularização
das máquinas nos escritórios e nos cursos de datilografia, o teclado tornou-se “universal”.
Outros teclados com diferentes ordenações de letras foram inventados, porém nenhum
deles pareceu ser tão atrativo e popular. A partir da máquina de escrever, o teclado
QWERTY, cujo nome é proveniente de suas seis primeiras letras, passou a ser utilizado
por todas as línguas e, atualmente, os principais aplicativos e os próprios aparelhos
eletrônicos fazem uso deste teclado.
Portanto, na era digital, a propagação do conhecimento e o acesso às informações
associadas à internet foram ainda mais facilitados, sendo disponibilizados a todos,
inclusive às crianças. Segundo Paiva (2015, p. 2):

As crianças do século XXI nasceram em um período no qual a tecnologia é o alicerce da


manutenção das relações sociais, por conseguinte, torna-se quase uma tarefa impossível
viver sem ela, pois, as crianças antes mesmas de serem alfabetizadas aprendem a utilizar a
maioria dos recursos disponíveis pelos aparelhos eletrônicos de forma aleatória.

A evolução da comunicação humana até a criação sistemática da escrita, de certa


forma, é um processo similar ao desenvolvimento da percepção do mundo letrado pela criança
até a alfabetização em si. Nesse sentido, Dinucci (2001, p. 62, apud LEITE, 2001) afirma:

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“Das cavernas à era digital: a evolução da escrita” projeto de pesquisa sobre a evolução da escrita e letramento na Ed. Inf.

A descoberta da escrita, pela criança, acontece muito antes do ingresso escolar, pois ela
desenvolve noções de letramento da mesma forma que desenvolve outras aprendizagens
significativas. Aprende a significar por escrito o idioma falado. À medida que a criança
interage com eventos de letramento de sua cultura, ela elabora hipóteses sobre a função da
escrita a partir do conhecimento que tem da língua oral.

Dessa maneira, procuramos embasar as práticas desse projeto nas orientações


trazidas pelos documentos oficiais, que nos apontam os objetivos de aprendizagens e as
competências e habilidades a serem desenvolvidas na Educação Infantil.

UMA REFLEXÃO SOBRE O LETRAMENTO NA


EDUCAÇÃO INFANTIL

Na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) e no Referencial Curricular


Gaúcho (2018), o currículo da Educação Infantil, está estruturado em cinco campos de
experiências, que procuram valorizar as situações concretas e os saberes das crianças,
aproveitando as experiências da vida cotidiana, associando-as e entrelaçando-as aos
conhecimentos culturais e as aprendizagens fundamentais (conhecimentos e saberes)
a serem construídas pelas crianças nesta etapa da Educação Básica. Os campos de
experiências são os seguintes:
- O eu, o outro e o nós;
- Corpo, gestos e movimentos;
- Traços, sons, cores e formas;
- Escuta, fala, pensamento e imaginação;
- Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações.
Conforme a BNCC (MEC, 2017, p. 38), esses campos de experiências visam
permitir que as aprendizagens e o desenvolvimento das crianças tenham como eixos
estruturantes as interações e brincadeiras, assegurando-lhes os direitos de conviver,
brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se. Dessa forma, o currículo da
Educação Infantil deve ser organizado a partir de um diagnóstico da realidade e da
intencionalidade educativa do professor, que com um olhar atento e sensível, será capaz
de dar sentido às aprendizagens e de aproveitar as diversas experiências cotidianas
trazidas pelos pequenos à escola.
De acordo com as experiências culturais já vivenciadas pelas crianças e
com o que lhe é proporcionado na escola, através das interações que realizam,
elas vão descobrindo o mundo, impulsionadas pela curiosidade que lhes é inerente.
Nesse sentido, seus saberes a respeito do letramento e das diferentes formas de
expressões e representações gráficas vão ampliando também. Um dos objetivos,
principalmente descrito no campo de experiências “Escuta, fala, pensamento e
imaginação”, é que a criança comece a dar-se conta da escrita e de sua função
social.
A BNCC (MEC, 2017, p. 40), faz referência a esse fato ao descrever que:

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Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultura escrita: ao ouvir e
acompanhar a leitura de textos, ao observar os muitos textos que circulam no contexto familiar,
comunitário e escolar, ela vai construindo sua concepção de língua escrita, reconhecendo
diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros, suportes e portadores. Na Educação Infantil,
a imersão na cultura escrita deve partir do que as crianças conhecem e das curiosidades
que deixam transparecer. As experiências com a literatura infantil, propostas pelo educador,
mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o desenvolvimento do gosto pela
leitura, do estímulo à imaginação e da ampliação do conhecimento de mundo. Além disso,
o contato com histórias, contos, fábulas, poemas, cordéis etc. propicia a familiaridade
com livros, com diferentes gêneros literários, a diferenciação entre ilustrações e escrita, a
aprendizagem da direção da escrita e as formas corretas de manipulação de livros. Nesse
convívio com textos escritos, as crianças vão construindo hipóteses sobre a escrita que se
revelam, inicialmente, em rabiscos e garatujas e, à medida que vão conhecendo letras, em
escritas espontâneas, não convencionais, mas já indicativas da compreensão da escrita
como sistema de representação da língua.

O RCG (2018, p. 117), a partir do campo de experiência citado anteriormente,


também orienta a esse respeito:

Neste Campo de Experiências é importante propiciar às crianças a aproximação e a


participação na cultura escrita. Entende-se por cultura escrita o lugar que o escrito (todo
e qualquer evento ou prática que tenha como mediação a palavra escrita) ocupa em
determinada sociedade, comunidade ou grupo social. Cabe à escola considerar que a
Educação Infantil não tem compromisso com uma proposta de alfabetização. Muito mais
importante que ensinar as letras do alfabeto é familiarizar as crianças, desde bebês, com
práticas sociais em que a leitura e a escrita estejam presentes exercendo funções diversas
nas interações sociais.

Assim, percebe-se a importância do letramento desde muito cedo na vida dos


estudantes. Sem compromisso com uma alfabetização formal, a proposta pedagógica
na Educação Infantil, deve assegurar, além das brincadeiras, interações e contato com
as diferentes culturas e a natureza, também o conhecimento do mundo letrado e das
tecnologias (Fundamentos e Concepções da Rede Municipal de Ensino - Documento
Orientador - Caderno 1, 2019, p.19).
É fundamental, nesse sentido, que, como profissionais da educação, entendamos
a diferença entre letramento e alfabetização, pois mesmo que configurem processos
diferentes, permanecem associados entre si. O letramento envolve muito mais do que
a decodificação e reprodução de signos escritos (alfabetização). Kleiman (2005) afirma
que “o letramento envolve participar das práticas sociais em que se usa a escrita, significa
compreender o sentido de um texto ou qualquer outro produto culturalmente escrito”.
O letramento envolve ainda o desenvolvimento de capacidades, habilidades e
competências necessárias para que as crianças possam se inserir na cultura letrada,
não acessível só através da alfabetização, mas também onde possam perceber outras
formas de leitura (que não somente a codificação e decodificação de símbolos) dos
diferentes textos e contextos que permeiam a vida em sociedade. A escola, dessa forma,
tem a função de envolver os alunos nas práticas sociais de letramento, objetivando
desenvolver as competências e habilidades descritas nos documentos orientadores já
citados anteriormente.

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METODOLOGIA

O projeto de pesquisa foi realizado em uma turma com 19 crianças da Faixa Etária
de cinco anos, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Martha Wartenberg. Após
as observações e conversas com as crianças, decidimos pesquisar sobre a evolução
da escrita, na intenção de buscar conhecimento para responder ao nosso problema
de pesquisa (Como surgiu a escrita e como as letras foram parar nos teclados dos
smartphones e notebooks?). Para isso, utilizamos:
- Pesquisa bibliográfica: pesquisa realizada em sites, livros, revistas, jornais que
tratavam sobre a evolução da escrita e o letramento.
- Pesquisa documental: pesquisa realizada nos documentos legais relativos
à Educação, como as contribuições da Base Nacional Curricular Comum (2017), do
Referencial Curricular Gaúcho (2018) e dos Fundamentos e Concepções da Rede
Municipal de Ensino de Novo Hamburgo – Documento Orientador – Caderno 1. SMED,
2019.
- Pesquisa quantitativa e qualitativa: coleta de dados com as crianças sobre
os conhecimentos prévios a respeito do surgimento da escrita e do uso de aparelhos
eletrônicos, como smartphones. Realização de registros de pesquisas e elaboração de
gráficos, com suas respostas.
No entanto, inicialmente, a professora estabeleceu os objetivos a serem atingidos
através da pesquisa com a turma.
Objetivo geral
Aproveitar as experiências e conhecimentos de letramento trazidos pelas crianças
e valorizar as primeiras tentativas de escritas espontâneas comuns nesta faixa etária.
Objetivos específicos
- Conhecer as fases da evolução da escrita.
- Proporcionar vivências e brincadeiras que remetam ao processo de evolução
da escrita.
- Identificar a origem do nome e formato de algumas letras.
- Oportunizar o contato com diferentes materiais de escrita, como jornais, revistas,
livros, documentos, cartas, etc.
- Conhecer a evolução dos aparelhos tecnológicos utilizados para a comunicação
através da escrita atualmente (máquina de escrever, computadores, tablets, notebooks e
smartphones).
- Oportunizar a participação da família na construção do conhecimento sobre a
evolução da escrita.

ONDE TUDO COMEÇOU

Durante as observações das brincadeiras das crianças no pátio, percebemos que


algumas estavam se divertindo ao esfregar as pedrinhas na tentativa de produzir fogo.

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Essa brincadeira se tornou constante e foi envolvendo a maior parte da turma. Ao mesmo
tempo, em sala de aula, também observamos o interesse das crianças pelas letras que
estavam sendo descobertas através de associações com a escrita dos seus nomes.
Levando em consideração esses dois assuntos e as observações realizadas, foi proposta
uma roda de conversa onde a professora questionou a turma sobre as brincadeiras de
esfregar as pedrinhas e o fogo. As crianças trouxeram seus conhecimentos sobre o
assunto, descrevendo situações da Pré-História aprendidas através de documentários
e desenhos assistidos em casa. A partir destas contribuições, discutimos a respeito do
modo de vida dos homens Pré-históricos (porque faziam fogo, onde moravam, como
se alimentavam e como se comunicavam). A discussão sobre como era realizada a
comunicação falada e escrita, através da comparação dos tempos antigos e atuais, foi o
que gerou o nosso problema de pesquisa.
Após a definição do problema de pesquisa (Como surgiu a escrita e como as
letras foram parar nos teclados dos smartphones e notebooks?), em outra roda de
conversa, realizamos o levantamento de hipóteses da turma. À medida que as crianças
foram trazendo suas hipóteses, no quadro da sala de aula, foi sendo construído um
gráfico com as respostas. Foi possível observar que para 69% das crianças a resposta
foi não sei, porém 16% acreditavam que a escrita foi criada por Deus, enquanto que para
5% alguém criou uma fábrica de letras e lápis; outros 5% pensavam que algum artista
criou o lápis e as letras e os últimos 5% afirmaram que a escrita sempre existiu da forma
que conhecemos.
Gráfico 1: Levantamento de hipóteses da turma acerca do surgimento da escrita

Fonte: autoras.

A CONSTRUÇÃO DE UMA CAVERNA – FASE PICTÓRICA

Para a pesquisa sobre o início e a evolução da escrita, foi utilizado como fonte
de pesquisa, em sala de aula, O livro da escrita, dos autores Ruth Rocha e Otávio Roth,
da coleção “O homem e a comunicação”. Através das ilustrações do livro, as próprias
crianças identificaram os desenhos (a pintura rupestre) nas cavernas. Após realizar
a roda de conversa sobre o assunto, foi proposto para as crianças vivenciarem essa

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experiência. No entanto, observou-se que a tinta usada naquele tempo era produzida a
base de pigmentos naturais, por isso, produzimos uma tinta natural a partir da mistura de
cola branca, água e argila. Para a construção da caverna foi utilizada uma caixa grande
desmontada, onde todas as crianças puderam fazer os seus desenhos, com pincel e a
tinta natural ao mesmo tempo. Em outro momento, após a secagem da pintura, a caverna
montada foi disponibilizada para as crianças brincarem em sala. Eles puderam entrar
na caverna e observaram atentamente os desenhos feitos pelos colegas no interior da
mesma.

TIJOLOS DE BARRO E DESENHOS COM CARVÃO –


FASE IDEOGRÁFICA

Para o início das vivências relacionadas a essa fase da evolução da escrita,


algumas imagens foram selecionadas pela professora, como por exemplo, os tijolos
ou tábuas de barro com seus símbolos produzidos através de um bastão de madeira
ou metal em forma de cunha, característica da escrita cuneiforme. A atividade proposta
para a turma foi a de produzir os tijolos de barro com argila em sala de aula. Cada
tijolo de argila deveria ter uma história contada através de símbolos. Eles desenharam
seus símbolos com gravetos de madeira encontrados no pátio da escola e cada tijolo
de argila contou uma história diferente. Entretanto, foi observado que a grande maioria
das crianças optou por representar, através de símbolos, os hábitos dos “homens das
cavernas”.
Na evolução da escrita, dentro da fase ideográfica, destaca-se a grande
contribuição dos egípcios que passaram a escrever seus símbolos em pedras através de
utensílios de metal. No entanto, o metal foi descoberto a partir da utilização do fogo, por
isso, para essa atividade, resgatamos os conhecimentos trazidos na roda de conversa
sobre a brincadeira de “esfregar as pedrinhas”, que foi o que originou o projeto. Após
relembrarmos a importância do fogo para a evolução da escrita, as crianças criaram
símbolos para objetos já existentes desenhando em folha A3 com o carvão.

AS VOGAIS – FASE ALFABÉTICA

A transição da fase ideográfica para a fase alfabética foi feita, novamente, a


partir dos livros da coleção - “O homem e a comunicação” (O livro da escrita e O livro
das letras), de Ruth Rocha e Otávio Roth. Em “O livro das letras”, os autores trazem
a origem dos símbolos de algumas vogais, os quais foram utilizados para envolver as
famílias no projeto. Foi criado um caderno de atividades com o objetivo de familiarizar
as crianças com a utilização do mesmo e levar as informações pesquisadas em sala de
aula para casa. As atividades que foram propostas nesse caderno eram sobre as vogais,
com a tarefa de colar e recortar imagens de objetos, lugares e animais, que iniciassem
com essas letras. O caderno era enviado toda semana para casa, conforme iam sendo
apresentadas as vogais. Nessa fase, também foram propostas atividades lúdicas com
as letras no pátio da escola. Foi distribuído giz branco e cada criança deveria escrever

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Bruna Rosa Henrique e Miriam Simone Wingert Weber

as vogais no chão conforme as letras eram mostradas e, em seguida, a professora


novamente mostrava para as crianças as letras que deveriam posicionar em cima. Outras
brincadeiras lúdicas foram realizadas com balões, alfabetos móveis, além de recortes e
colagens com pesquisas em encartes, revistas, jornais e panfletos.

TECLADO QWERTY – ERA DIGITAL

Nesta fase, a pesquisa foi desenvolvida a partir da migração da escrita em


papel para a escrita digital através de aparelhos eletrônicos. Nos momentos de roda
de conversa foi possível observar que as crianças tinham acesso aos smartphones e
que, através desses aparelhos, acessavam a internet, canais do YouTube, joguinhos,
entre outros. As próprias crianças perceberam, também, que a forma mais fácil e comum
de se comunicar atualmente é através do uso de aplicativos de bate-papo, presentes
em smartphones. De acordo com a pesquisa realizada com as crianças e suas famílias
(gráfico 2), 100% delas possuem acesso aos smartphones em casa. Este foi um dado
importante em nossa pesquisa.
Gráfico 2: O uso de smartphone pelas crianças

Fonte: autoras.

No entanto, para compreendermos essa transição na evolução da escrita, foi


necessário pesquisar sobre as máquinas de escrever e a criação do teclado QWERTY.
Na roda de conversa, as crianças puderam observar e explorar uma máquina de escrever,
um computador com teclado, além de um notebook. Foi possível observar o uso do
teclado QWERTY em todos esses aparelhos e, durante as aulas de informática, também
pudemos observar que os novos computadores utilizam a mesma organização de letras
no teclado. Porém, a forma mais comum de comunicação, atualmente, é através de
smartphones, que também passaram por uma evolução para chegar até os aparelhos
que são utilizados hoje. Foram disponibilizados vários aparelhos celulares (desde o
primeiro modelo comercializado em grande escala que não possuía o teclado QWERTY
até chegar aos aparelhos do tipo smartphone que utilizam esse tipo de teclado) para
que as crianças observassem as diferenças e a evolução dos teclados, além de outros
aspectos desses aparelhos. Para aprofundar a pesquisa e enriquecer as vivências

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“Das cavernas à era digital: a evolução da escrita” projeto de pesquisa sobre a evolução da escrita e letramento na Ed. Inf.

sobre o teclado QWERTY, contamos com a ajuda das famílias na confecção de tablets,
smartphones e notebooks, que são ferramentas utilizadas pela maioria dos pais e pelas
crianças. Todos os objetos que fizeram parte da pesquisa e os eletrônicos construídos
pelas famílias com materiais recicláveis foram expostos na sala e tornaram-se parte das
brincadeiras durante as aulas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A criança, na Educação Infantil, traz para a sala de aula a sua perspectiva de


mundo, oriunda de suas vivências. O mundo letrado faz parte de sua vida desde muito
cedo, mas a escola passa a ter um papel fundamental nesse processo de construção de
conhecimentos.
Atualmente as crianças têm acesso às tecnologias cada vez mais cedo, o que
permite, através dos jogos, desenhos infantis, séries, vídeos, documentários, que elas
assistem, o desenvolvimento das habilidades de compreensão e interação com a era
digital, proporcionando uma familiarização com o letramento e a leitura de mundo.
A pesquisa, desenvolvida com a Faixa Etária de cinco anos, teve início a partir
da curiosidade das crianças sobre como o homem vivia sem a tecnologia e a escrita.
A partir das dúvidas e questionamentos das crianças, o estudo foi sendo desenvolvido
e descobriu-se que tanto a escrita como as tecnologias passaram por um processo de
evolução de milhares de anos, divergindo das hipóteses que eles levantaram inicialmente.
Através do conhecimento do processo da evolução da escrita, as crianças puderam
compreender a importância que a ela teve na história da humanidade. As crianças
conseguiram entender com a pesquisa que as pessoas sentiram a necessidade de se
comunicar e, a partir disso, a forma de organização das civilizações foi se transformando,
dando origem às primeiras sociedades.
À medida que o projeto de pesquisa foi sendo desenvolvido, as crianças foram
percebendo, nos diversos ambientes que frequentam, a presença de registros escritos
em cartazes, pinturas, livros, folhetos, placas, entre outros, diferenciando letras,
desenhos e números. O interesse por esse assunto e a participação ativa das crianças e
famílias no decorrer do projeto demonstraram que as aprendizagens foram significativas
e construídas em conjunto.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio do projeto “Das cavernas à era digital: a evolução da escrita” foi possível
perceber que, mesmo sem haver a obrigatoriedade de trabalhar a alfabetização na
Educação Infantil, o letramento e, por consequência, a leitura de mundo podem ser
apresentados de forma lúdica e prazerosa, aproveitando as vivências, as experiências
e os conhecimentos trazidos pelas próprias crianças. O professor com um olhar atento
às brincadeiras dos pequenos consegue perceber o foco de interesse dos mesmos,
organizando um trabalho pedagógico significativo e contextualizado com a cultura
vivenciada pela geração atual.

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Bruna Rosa Henrique e Miriam Simone Wingert Weber

O planejamento da vivência na prática de cada fase da evolução da escrita


proporcionou a compreensão desse processo histórico de milhares de anos. O
desenvolvimento da escrita, na verdade, é um marco na evolução humana, pois permite
a propagação do conhecimento. Por meio das novas tecnologias, esse conhecimento
torna-se cada vez mais acessível a todas as pessoas, inclusive, para as crianças, desde
muito pequenas.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, J.J. Alfabetização e leitura. 3.ed. São Paulo: Cortez, 2013.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília,DF,


2017.

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