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Introdução
preço de seus produtos), era quase um ditado, porém os preços do trigo Salve, tu que governas a Escócia!
alcançaram nível excepcionalmente baixo em 1606. Salve, tu que governas a Inglaterra!
Nacenadoporteiro,asmuitasreferênciasaequivocator eequivocation Salve, tu que governas a Irlanda!
são inevitavelmente ligadas ao jesuíta Padre Garnet, por ocasião de seu
julgamento pela participação no notório Gunpowder Plot (Complô da Em algumas outras fontes Shakespeare foi buscar o grande talento e a
Pólvora), quando a intenção fora explodir o Parlamento em dia de visita grande ambição de Macbeth: a história da floresta de Birnam avançando
do rei. No julgamento, Garnet alegou que mentira ante seus acusadores para Dunsinane, a autoconfiança de Macbeth que o faz acreditar na me-
graças ao uso da “teoria do equívoco”, que justificava a dissimulação em lhor interpretação possível o que lhe dizem as bruxas, etc.
determinadas circunstâncias. Garnet, além do mais, usara o nome falso Apesar do uso de tantas fontes — ou exatamente por serem tantas
de Farmer (fazendeiro), e durante todo o ano de 1606 o julgamento foi — o resultado é uma criação exclusiva do poeta. Macbeth não é de modo
assunto muito em evidência. algum a mera história de um criminoso; Shakespeare não está escre-
O Rei Jaime I era escocês e, o que é muito significativo, se tinha em vendo um policial. Não se trata aqui de apanhar e punir um culpado
conta de competente demonólogo, o que torna Macbeth uma peça par- mas, sim, de se acompanhar a terrível trajetória de um homem cheio de
ticularmente apropriada para o grupo que agora era chamado de “Os qualidades, bom súdito e melhor general, que a certa altura é dominado
Homens do Rei” (e não mais do Lorde Camerlengo, como fora durante pela ambição. É exatamente porque a Shakespeare o que interessa é o
quaseumadécada).Shakespeare,quecontinuavaprofundamenteenvol- processo por que Macbeth passa até poder reavaliar seus atos com maior
sabedoria, que seu ponto de crise, sua ação crítica — seu primeiro assas-
vido com suas investigações sobre a natureza do mal e sobre os vários
sinato — chega bem cedo, na primeira cena do Ato II.
modos pelos quais o homem lida com a presença deste em sua existência,
Até a morte de Duncan, é claro, testemunhamos toda a luta interior
utilizou-se do recurso que tantas vezes empregara nas peças históricas:
que antecede o ato; Macbeth não só já participou de várias batalhas
consultou as crônicas históricas inglesas — neste caso específico, as esco-
sangrentas, sabendo portanto o que é uma morte sangrenta, como sua
cesas — para encontrar o rei ou o reino por meio do qual lhe seria possí-
imaginação trabalha contra a execução do ato que o levaria ao trono.
vel dizer o que queria e, a partir dessa base, manipulou os fatos segundo Sua mulher, Lady Macbeth, no entanto, jamais testemunhou uma morte
suas necessidades, já que o que escrevia não era história, e sim teatro. violenta ou viu um corpo estraçalhado, faltando-lhe a capacidade para
Para elaborar sua investigação sobre a natureza do mal quando este imaginar o que seria o crime — que para ela não passa de uma palavra.
se manifesta no próprio protagonista, Shakespeare usou principalmente Apesar do muito que se escreve a respeito, é preciso não esquecer que o
duas fontes: suas habituais Crônicas da Inglaterra, Escócia e Irlanda, de papel de Lady Macbeth é pequeno: no início da peça a presença dela é
Raphael Holinshed e, para vários detalhes, a História e as Crônicas da necessária justamente para ser possível ao poeta retratar o conflito desse
Escócia, de John Bellenden (resultado da mescla de três outras obras). protagonista que traz o mal em si mesmo. Querer atribuir a Lady Macbeth
Para a linha geral da peça, Shakespeare segue o que Holinshed diz a res- peso decisivo na posição de Macbeth é ignorar pelo menos três dados
peito do reinado de Macbeth, mas para o episódio da morte de Duncan fundamentais fornecidos por Shakespeare na composição da obra: em
ele aproveitou o relato do assassinato de um rei mais antigo, Duff, por primeiro lugar, a tragédia leva o título exclusivo de Macbeth; em segun-
Donwald. Este último, segundo Holinshed, foi, como Macbeth, encora- do, não há herói trágico shakespeariano que não seja integral e exclusi-
jado por uma mulher ambiciosa. Interessante é o fato de Shakespeare ter vamente responsável por seus atos; e terceiro, antes da carta, antes que
encontrado a inspiração para suas três bruxas e suas profecias a respeito sua mulher apareça pela primeira vez, tanto o vaticínio das irmãs bruxas
do futuro de Macbeth em um desfile cívico apresentado em Oxford, em quanto a notícia de que o rei o fez Thane de Cawdor abalam Macbeth
agosto de 1605. Três jovens, “vestidos como ninfas ou sibilas”, lembran- porque a idéia do assassinato já vivia em seu pensamento.
do-se de que outrora haviam profetizado, que a linhagem de Banquo é As weird sisters, estranhas irmãs, precisam também ser examinadas:
que viria a reinar, saudaram James com as palavras: assim como Lady Macbeth, elas servem de apoio para Macbeth optar
pelo crime, mas todo o público da época, e muito particularmente Jai-
700 Introdução Tragédias / Macbeth 701
me I, que se considerava especialista no assunto, tinha conhecimento outro usa a respeito dele: a das roupas que não servem por serem gran-
dos vários tipos de bruxas e aparições aceitos como parte integrante do des demais — imagem irretocável para um homem que quer ocupar o
universo quotidiano da experiência humana, sabendo portanto que as trono que não é seu. Em toda a sua obra podemos dizer que Shakespeare
feiticeiras dessa categoria tinham poderes para prever o futuro, mas não identifica a luz com a virtude e a vida, e a escuridão com o mal e a mor-
para determiná-lo. As bruxas, aliás, em momento algum sugerem que te, idéia aliás difundida na obra de diversos autores; mas em Macbeth a
Macbeth mate o rei, ou que isso fosse necessário para que Macbeth che- idéia é levada adiante, e a escuridão aparece como condição indispensá-
gasse a usar a coroa. vel para a maldade e o crime: a peça vai ficando progressivamente mais
A partir do assassinato de Duncan é que Macbeth envereda pelo cami- escura — e vale a pena lembrar que em apenas duas cenas a claridade se
nho que a distingue de todas as outras tragédias, ou seja, o da observação afirma: a da chegada do bom Rei Duncan ao castelo de Macbeth, e, no
das conseqüências do crime para a experiência de vida do criminoso. final, a que sucede a morte do rei usurpador — chamado nada menos de
A partir desse momento é cada vez maior a separação do casal antes tão dezessete vezes de “tirano”.
unido — e que tivera a ilusão de que, conquistando a coroa, mesmo ao Na escuridão dos crimes há sangue, e quando Macbeth e Lady Macbe-
preço de um assassinato, estaria alcançando a felicidade suprema para th agem ou pensam em relação aos crimes, eles se decompõem: os olhos
ambos... Os caminhos de marido e mulher separam-se e é o dele que enganam os outros sentidos, eles vêem a morte como imagem do sono
Shakespeare toma como tema maior: nada que Macbeth pudesse ter (e vice-versa), ou recebem informações que são encaradas como distan-
imaginado como preço da culpa se aproxima do seu tormento; mas an- tes do eu do agente, um rosto falso oculta um coração falso, as mãos
tes de atingir seu momento de reflexão, em que admite para si mesmo parecem agir quase que independentemente, são elas que ficam sujas de
a insensatez de seus atos, antes de admitir integralmente o erro de sua sangue, guardam o cheiro do assassinato, ou tornam em rubro o verde
opção pelo crime, Macbeth dá a impressão de buscar um suicídio moral, mar. A escuridão tem importância nessa decomposição, impedindo que
matando de novo e de novo, em uma espécie de esperança de que o há- os olhos vejam o que a mão faz, por exemplo.
bito anestesie a consciência. Para Lady Macbeth, que, perdendo a função Embora a ação de Macbeth seja totalmente secular, os crimes de Mac-
de alter ego do marido, desaparece de cena, Shakespeare reserva um fim beth levam à perda de sua alma, e a identificação do mal com a danação
irônico, pois aquela mulher supostamente corajosa, que afirmava não aparece não só como tal, mas também é ressaltada pelas referências à
ver problemas em matar Duncan, enlouquece só por tê-lo visto morto, e imposição das mãos pelo rei inglês, Eduardo, o Confessor, cujos dons
se suicida em sua loucura. de cura são assim contrastados com as muitas imagens de doença que
Nenhuma outra obra de Shakespeare tem seu universo tão ligado à servem para evocar o que acontece à Escócia sob Macbeth. Estas cau-
criação de um clima emocional específico, pois nesta extraordinária in- sam grande impacto, sobretudo por estarem concentradas justamente
vestigação sobre a natureza do mal, uma riqueza de imagens sem paralelo na parte final da peça, pouco antes da queda de Macbeth, e quando ele
até mesmo na própria obra do poeta expressa as inexoráveis transforma- mesmo reflete sobre as conseqüências de sua opção pelo mal.
ções no universo de todo o grupo social afetado. Quando o crime leva ao Macbeth, privilegiado como potencial humano e no quadro social em
poder, e o poder é exercido por meio do crime, as conseqüências abalam queaparece,étalvezaexpressãomáximadoenvolvimentodeShakespeare
a comunidade, cujo bem-estar é o único objetivo legítimo do governo; com o tema que o interessava no momento: sua investigação quanto à
quando a visão do artista criador é essa, sua apaixonada preocupação natureza do mal faz com que ele crie não um herói, mas um protagonis-
com os governados tem de encontrar expressão voltada essencialmente ta, em quem não aparecem a generosidade e a grandeza humana de um
para estes. É exatamente o que acontece em Macbeth, onde a riqueza, a Hamlet, de um Otelo ou de um Lear. O que Shakespeare investiga em
variedade e a dimensão imaginativa das imagens encontram sua fonte Macbeth é justamente o que acontece a um indivíduo altamente dotado
sempre na experiência do quotidiano, mesmo em momentos de suprema quando um de seus atributos, a ambição, que até então fizera dele um
poeticidade. guerreiro bravo que servia bem à pátria e ao rei, passa a ser dominante
De todas as imagens privativas da obra, a mais famosa e precisa será a e destrói toda a escala de valores do bom cidadão, permitindo que seu
que, por várias vezes, Macbeth usa em relação a si mesmo, e finalmente potencial passe a servir aos interesses do mal. A par das terríveis conse-
702 Introdução
...referindo-se a um tempo inda por vir com “Salve quem vai ser rei!”
Tudo isto julguei por bem comunicar a ti, minha adorada parceira de
grandeza, para que não percas os dividendos do regozijo, ficando na ig-
norância da grandeza que te é prometida. Guarda-o no coração, e que
tudo vá bem até o desencanto final, a constatação de que o caminho Duncan, Rei da Escócia
percorrido não trouxe a felicidade mas sim uma perda total: Donalbain
........................................................... Banquo
} generais do exército do rei.
}
............... estou farto de horrores: Macduff
O pavor, íntimo do meu pensar, Lenox
Já nem me assusta........................... Rosse
Menteth nobres da Escócia.
.........................................................
Angus
A vida é só uma sombra: um mau ator
Cathness
Que grita e se debate pelo palco, Fleance, filho de Banquo.
Depois é esquecido; é uma história Siward, Conde de Northumberland, general das Forças Inglesas.
Que conta o idiota, toda som e fúria, Jovem Siward, seu filho.
Sem querer dizer nada. Seyton, oficial a serviço de Macbeth.
Menino, filho de Macduff.
Talvez seja por isso mesmo que em Macbeth tenhamos tão forte a Um médico inglês
sensação de desperdício, embora a violência do mal também nos faça Um médico escocês
refletir com alento sobre todos aqueles que o enfrentam e conseguem Um soldado
superar sua força destruidora. Um porteiro
Um velho
Barbara Heliodora
Lady Macbeth
Lady Macduff
Dama, a serviço de Lady Macbeth.
Hécate
Três Bruxas
C ena i
Onde?
2 BRUXA
a
A charneca é o lugar.
3a BRUXA
Para Macbeth encontrar.
1 BRUXA
a
Já vou, bichano!
2 BRUXA
a
O sapo chama.
3 BRUXA
a
10 Eu já vou!
TODAS
Bom é mau e mau é bom;
Voa no ar sujo e marrom.
(Saem.)
Tragédias / Macbeth 707
MALCOLM CAPITÃO
Sim, esse é o sargento Como o pardal à águia, a lebre ao leão.
Que lutou, bom soldado, bravo e forte, Pra falar a verdade, pareciam
5 Contra a minha captura. Salve, amigo! 35 Dois pesados canhões de tipo duplo.
Conte ao rei o que sabe do conflito Assim foi
Quando o deixou. Que redobravam golpes no inimigo:
Se era um banho de sangue que buscavam,
CAPITÃO Ou se era celebrar um novo Gólgota,
O quadro estava dúbio; Não sei...
Como dois náufragos que, se agarrando, 40 Socorro pr’estes talhos. Estou fraco.
Sufocavam o nado um do outro.
DUNCAN
10 O implacável Macdonwald (a quem calha
Louvo tanto as feridas quanto a fala:
O nome de rebelde, pois pululam Conclamam à honra. Carregai-o aos médicos.
Nele os vícios que há na natureza) (Sai o Capitão, amparado.)
Trouxe tropas da Irlanda. E a Fortuna (Entram Rosse e Angus.)
Sorriu-lhe, qual rameira de rebelde: Quem vem lá?
15 Mas por pouco. Pois Macbeth (que honra o nome),
Ignorando a Fortuna, brande a espada MALCOLM
Que, fumegando de justiça e sangue, O grande Thane de Rosse.
Qual favorito do valor, trinchou LENOX
O seu caminho até achar o biltre, Que pressa tem nos olhos! São assim
20 Que, sem saudar e sem dizer adeus, 45 Os que falam do estranho.
Descoseu do umbigo até a goela,
E fincou-lhe a cabeça nas ameias. ROSSE
Salve o rei!
DUNCAN
Meu bravo primo! Nobre valoroso! DUNCAN
De onde vem, nobre Thane?
CAPITÃO
ROSSE
Como o brilho do Sol, também do leste
Vêm trágicas tormentas e naufrágios; Meu rei, de Fife;
708 Ato i, Cena iii Tragédias / Macbeth 709
BANQUO ROSSE
A terra, como a água, tem borbulhas; E, anunciando-lhe honras maiores,
E essas vêm de lá. Para onde foram? Pediu-me que o chamasse Thane de Cawdor.
MACBETH 100 Com esse título o saúdo, Thane,
75 Assim no ar, essas formas corpóreas Pois ele é seu.
Derreteram com o vento. Se ficassem... BANQUO
BANQUO O demo diz verdades?
Mas, falamos de algo que aqui esteve,
MACBETH
Ou comemos raízes que enlouquecem
Fazendo o cérebro seu prisioneiro? Mas Cawdor vive. Por que hão de vestir-me
Com roupas emprestadas?
MACBETH
80 Seus filhos serão reis. ANGUS
Ainda vive,
BANQUO Mas sob acusações; vive inda a vida
O senhor, rei! 105 Que merece perder. Se foi se aliar
MACBETH À Noruega, ou à linha rebelde
E também Cawdor. Não foi essa a história? Com ajuda escondida, ou se com ambos
BANQUO Lutou pela ruína do país
Em letra e música. Mas, quem vem lá? Não sei; mas as traições que confessou
110 O destruíram.
(Entram Rosse e Angus.) MACBETH (à parte)
ROSSE Glamis, e Thane de Cawdor!
Macbeth, com gáudio o rei foi informado O melhor ’stá por vir.
Do seu sucesso; e após ter lido (para Angus e Rosse)
85 Seus feitos pessoais neste levante, Muito obrigado.
Seu espanto e louvores ora lutam (para Banquo)
Pra saber o que é seu e o que é dele. Não pensa, então, em ver seus filhos reis,
Revendo o panorama deste dia, Já que os que me disseram Thane de Cawdor
Ele o vê entre as hostes norueguesas Não lhe previram menos?
90 Que enfrenta sem temor, enquanto cria
Estranhas visões de morte. Qual granizo, BANQUO
Vêm os correios, um a um trazendo E o crer nisso
Loas à sua luta pelo reino, 115 Inda pode levá-lo até a coroa,
Derramadas ante ele. Além de já ser Cawdor. É estranho:
ANGUS Muita vez, pra levar-nos para o mal,
O rei mandou As armas do negror dizem verdades;
95 Apresentar-lhe a gratidão real, Ganham-nos com tolices, pra trair-nos
Pra servir-lhe de arauto até que o veja. 120 Em questões mais profundas.
Não pra pagá-lo. Primos, uma palavra.
714 Ato i, Cena iii Tragédias / Macbeth 715
DUNCAN DUNCAN
Bem-vindo! 55 Verdade, meu bom Banquo. Ele é tão bravo
Comecei a plantar-te e hei de fazer-te Que o alimento que me traz seu mérito
Crescer ao máximo. Meu nobre Banquo, É o meu banquete. Sigamos agora
30 Não mereceste menos, nem se deve Quem se apressou pra nos fazer bem-vindos:
Proclamar-te menor; quero abraçar-te É um parente sem par.
Junto ao meu coração.
(Fanfarra. Saem.)
BANQUO
Se aí crescer,
A safra é vossa.
C ena v
DUNCAN
Tais farturas minhas, Inverness. Uma sala do castelo de Macbeth.
Nesses excessos buscam disfarçar-se
(Entra Lady Macbeth, lendo uma carta.)
35 Em gotas de tristeza. Filhos, nobres,
E aqueles que mais perto estão de nós, LADY MACBETH
Sabei que nossa herança ora outorgamos Encontraram-menodiadotriunfoesoube,pelas mais seguras fon-
A nosso filho Malcolm, doravante tes, que têm conhecimento acima dos mortais. Quando queimava
A ser chamado Príncipe de Cumberland. dedesejodeinterrogá-lasmaisumpouco,transformaram-seemar,
40 Honras assim não devem vir sozinhas; noqualdesvaneceram.Enquantofiqueitransidodeespanto,chegaram
E sinais de nobreza, como astros, 5 missivasdoreiquemesaudavamcomo“ThanedeCawdor”,porcujo
718 Ato i, Cena v Tragédias / Macbeth 719
15 Doa este brilhante à sua esposa, Será um punhal que vejo, à minha frente,
A quem chama bondosa anfitriã, Com o cabo para mim? Vem, que eu te agarro!
E deitou-se feliz. 35 Não te alcanço, mas fico sempre a ver-te!
Então não és, visão fatal, sensível
MACBETH
Ao tato como aos olhos? Não és mais
Despreparados,
Que uma adaga da mente, peça falsa
Nossa vontade curvou-se aos defeitos,
Nascida da opressão sobre o meu cérebro?
Ou faríamos melhor.
40 Vejo-te ainda, forma tão palpável
BANQUO Quanto esta que ora empunho.
Mas fizeram. Tu guias no sentido em que eu já ia,
20 Ontem à noite sonhei com as três bruxas: E arma igual a ti eu usaria.
Disseram-lhe verdades. Ou é bobo o olhar dos mais sentidos,
45 Ou vale ele por todos. Aí estás;
MACBETH
Mas ora pinga sangue a tua lâmina
Não me afligem;
Antes seca. Mas nada disso existe;
Porém, se nos ocorre uma hora vaga,
É meu plano sangrento que o inventa
Podemos conversar sobre esse assunto,
Para os meus olhos. Ora em meio mundo
Se me cederes seu tempo.
50 ’Stá morta a natureza e sonhos maus
BANQUO Abusam de quem dorme. A bruxaria
Ao seu dispor. Celebra Hécate, e o Assassinato,
Desperto pelo lobo, sentinela
MACBETH
Cujo uivo é o seu alarme, pisa manso –
25 ’Star do meu lado quando calhar bem
55 Qual Tarquínio estuprador – pro seu alvo,
Lhe trará honra.
Como um fantasma.Tu, oh terra firme,
BANQUO Não ouças pr’onde eu ando, só por medo
Des’que não a perca Que as tuas pedras contem pr’onde eu vou.
Por querer aumentá-la e, sim, mantenha E priva este momento do horror
Meu peito livre e minha lealdade, 60 Que a ele cabe. Eu falo, ele respira;
’Stou aberto a conselhos. O verbo aos atos todo calor tira.
(Toca o sino.)
MACBETH
Vou e está feito. O sino me convida.
Bom repouso! Não o ouça, Duncan, pois esse dobrar,
BANQUO Pro céu ou pro inferno o vai chamar. (Sai.)
30 O mesmo, e obrigado, meu senhor.
Que ouvi uma voz gritar “Não dorme mais! Pode lavar o sangue destas mãos?
40 Macbeth matou o sono” – o mesmo sono Não; nunca! Antes estas mãos conseguiriam
Que trança o fio fino do cuidado, Avermelhar a imensidão do mar
Morte diária, banho da labuta, Tornando rubro o verde.
Bálsamo bom de mentes machucadas,
Pra natureza uma segunda via, (Entra Lady Macbeth.)
45 Alimento maior da vida. LADY MACBETH
LADY MACBETH 70 Tenho as mãos da tua cor; mas me envergonho
O quê? De ter tão branco o coração.
(Batem, fora.)
MACBETH Já batem
“Não dorme mais!” gritou pra toda a casa; Na porta sul. Voltemos para o quarto.
Matou o sono Glamis, e então Cawdor Um pouco d’água limpa-nos do feito;
Não dorme mais; Macbeth não dorme mais. Como é fácil, então! Tua constância
75 Parece abandonar-te.
LADY MACBETH (Batem.)
Mas quem gritou assim? Meu nobre Thane, Mais batidas.
50 Por que curvar tua grande força a idéias Põe camisa de noite, pra evitar
Assim doentes? Pega um pouco d’água Nos mostrarmos assim despertos. Não te percas
E lava as provas dessas mãos sangrentas. Tão mal em pensamentos.
Por que trouxeste de lá os punhais?
MACBETH
Precisam ficar lá. Volta e besunta
Melhor não conhecer-me que tomar
55 Com sangue os dois que dormem.
80 Consciência do meu feito.
MACBETH (Batem mais.)
Nunca mais. Acordem Duncan com o seu bater. Quem dera o conseguissem!
Eu temo quando penso no que fiz;
Não posso mais olhá-lo. (Saem.)
LADY MACBETH
Que fraqueza!
Dá-me os punhais. Os que dormem e os mortos C ena iii
São só quadros. Só quem é criança
60 Vê o que temer em diabo pintado. O mesmo.
Se ele sangrar, pintarei os dois guardas, (Entra um Porteiro.)
Pra mostrar sua culpa. (Sai.) (batidas fora)
MACBETH (Batem, fora.)
PORTEIRO
Quem bateu? Isso é que é bater! Se um homem fosse Porteiro do Inferno, ia ficar
Por que todo ruído me apavora? velho de virar a chave. (Batem.) Pam, pam, pam. Quem está aí, em
Que mãos são essas que me arrancam os olhos? nome de Belzebu? É um fazendeiro que se enforcou por causa da
65 `Será que o vasto oceano de Netuno fartura anunciada: pode entrar, seu esperto; e traz muitos lenços,
732 Ato ii, Cena iii Tragédias / Macbeth 733
5 porque aqui se sua muito. (Batem.) Pam, pam, pam. Quem está aí, MACDUFF
em nome do outro diabo. Palavra que é um equivocador,1 capaz Teu amo está de pé?
de jurar pelos dois pratos da balança, um contra o outro, que traiu (Entra Macbeth.)
muito em nome de Deus, mas nem equivocando entrou no céu. Batendo o acordamos. Lá vem ele.
Oh, podem entrar para equivocar aqui. (Batem.) Pam, pam, pam.
LENOX
10 Quem está aí? Palavra que é um alfaiate inglês, preso por roubar
umas calças francesas; entre, alfaiate, venha esquentar seu ferro. 35 Bom-dia, meu senhor.
(Batem.) Pam, pam, pam. Mas não descansa nunca! Você é o quê? MACBETH
Mas isto aqui é frio demais para Inferno. Não vou mais bancar Bom-dia a ambos.
o porteiro do Inferno; eu pensava já ter deixado entrar gente de
15 todas as profissões, que foram pulando de flor em flor para a fo- MACDUFF
gueira eterna. (Batem.) Já vou, já vou: por favor, não se esqueçam Já levantou-se o rei?
do porteiro. MACBETH
Ainda não.
(Abre o portão, entram Macduff e Lenox.)
MACDUFF
MACDUFF
Ele ordenou-me que o chamasse cedo;
Foi tão tarde para a cama, meu amigo, que está deitado até tão Quase perdi a hora.
tarde?
MACBETH
PORTEIRO
Eu o conduzo.
20 Na verdade, senhor, ficamos festejando até o segundo cantar do
galo; e a bebida, senhor, provoca muito três coisas. MACDUFF
Sei que a tarefa é alegre pro senhor,
MACDUFF
Quais as três coisas que a bebida provoca mais especialmente? 40 Mas é tarefa.
MACBETH
PORTEIRO
Ora, senhor, pintura de nariz, sono, e urina. A luxúria, senhor, ela Tarefa de prazer compensa a dor;
provoca e desprovoca: provoca o desejo, mas liquida o desempe- É essa a porta.
25 nho. Portanto, pode-se dizer que muita bebida equivoca a luxúria: MACDUFF
ela a ajuda e a estraga: empurra para cima e empurra para baixo; a Eu vou ousar chamar,
convence e a desencoraja; levanta e deslevanta: em resumo, equi- Pois tal me foi pedido. (Sai.)
voca-se no sono e, desmentindo-a, deixa-a deitada.
LENOX
MACDUFF O rei vai hoje?
E parece que a bebida o desmentiu ontem à noite.
MACBETH
PORTEIRO Vai. Assim o quis.
30 Isso mesmo, senhor, na minha goela: mas eu devolvi a mentira;
sendo forte demais para ela; quando ela me pegou pelas pernas; LENOX
eu consegui botá-la para fora. 45 A noite foi inquieta. Onde dormia,
O vento derrubou as chaminés;
1
O termo ficou em evidência em função das respostas equívocas dadas pelo jesuíta E dizem que no ar gemeu a morte,
Garnett em seu julgamento.
734 Ato ii, Cena iii Tragédias / Macbeth 735
130 Há punhais nos sorrisos: ter seu sangue Como feras fugiram da cocheira,
Pode fazer sangrar. Negando obediência e parecendo
Estar em guerra.
MALCOLM
A fatal flecha VELHO
Ainda não pousou, e o mais seguro E se comeram, dizem.
É evitar o alvo. Então, montemos;
E esquecendo de adeuses delicados, ROSSE
135 Partamos logo. Está certo o ladrão Se comeram; para o espanto dos meus olhos
Que foge de onde não há coração. 20 Que tudo viram.
(Entra Macduff.)
(Saem.) Eis o bom Macduff.
E como está o mundo?
MACDUFF
Então não vês?
C ena iv
ROSSE
Fora do castelo. Já se sabe quem fez o ato sangrento?
(Entram Rosse e um Velho.) MACDUFF
Aqueles que Macbeth matou.
VELHO
De setenta eu me lembro muito bem; ROSSE
E no limite desse tempo eu vi Que dia!
Horas terríveis; porém, esta noite, Mas o que pretendiam?
Tornou-as brincadeiras. MACDUFF
ROSSE Foram pagos.
Ai, paizinho, 25 Malcolm e Donalbain, filhos do rei,
5 Veja que o céu, aflito com o erro humano, Fugiram escondidos; o que os deixa
Ameaça seu palco em sangue. É dia, Sob suspeita.
Mas o negror sufoca a tocha exausta.
ROSSE
Será a noite ou a vergonha do dia
Também é anormal.
Que enterram em negror todo este mundo
A sôfrega ambição devora tudo –
10 Quando a luz viva o devia beijar?
E até mesmo a vida! – Então parece
VELHO 30 Que o soberano deve ser Macbeth.
É anormal, como o ato perpetrado.
Na terça-feira um falcão altaneiro MACDUFF
Foi trucidado por uma coruja. Já foi designado, ele foi pra Scone
Pra investidura.
ROSSE
E os cavalos de Duncan (muito estranho), ROSSE
15 Exemplos de beleza e agilidade, E onde está o corpo?
740 Ato ii, Cena iv
MACDUFF
Foi levado a Colme-kill,
Ato iii
Tumba sagrada de seus ancestrais,
Guardiã de seus ossos.
ROSSE
35 Irás a Scone?
MACDUFF
Não, primo; vou pra Fife.
ROSSE
C ena i
Que a vós já são ligados para sempre, Que sejam todos donos de seu tempo
Por laços indissolúveis. Até a noite, às sete;
Para tornar mais doce o nosso encontro,
MACBETH
Até a ceia ficaremos sós;
Vais montar hoje à tarde?
45 Que Deus ’steja com todos até lá.
BANQUO (Saem todos, menos Macbeth e um criado.)
Sim, senhor. Venha cá, moço.
Os homens nos aguardam?
MACBETH
20 Teria ouvido a sua opinião, CRIADO
Sempre sóbria e sempre proveitosa Sim, senhor;
Neste conselho; fica pra amanhã. Mas fora do palácio.
Pretendes ir longe?
MACBETH
BANQUO Vá buscá-los.
O bastante, senhor, que cubra o tempo (Sai o criado.)
25 De agora até a ceia: se for lento, Que vale estar aqui sem segurança?
Eu pedirei à noite, por empréstimo, 50 Nosso medo de Banquo
Uma hora ou duas. Vai fundo, e em sua nobre natureza
Está tudo o que temo: ele ousa muito,
MACBETH
Porém a têmpera da sua mente
Mas não faltes à festa.
De modo sábio guia o seu valor
BANQUO 55 Para agir com segurança. A não ser ele,
Senhor, não faltarei. Eu não temo ninguém. Mas ante ele,
Meu gênio se rebaixa, como dizem
MACBETH
O de Antônio ante César. Quando as bruxas
Nossos primos sangrentos, nos informam,
Me chamaram de rei, repreendeu-as
30 Fugiram pra Inglaterra e pra Irlanda;
60 E quis que lhe falassem; profetisas,
Sem confessar seu cruel parricídio;
Elas o honraram como pai de reis:
Saturam seus ouvintes com invenções
A coroa que uso não dá frutos
Estranhas. Amanhã nós conversamos,
E um cetro estéril tenho em minha mão,
Quando, além dessa, outras questões de Estado
Que me será tirado sem linhagem,
35 Já nos chamam. Adeus. Vá cavalgar;
65 Sem filho como herdeiro. Se assim for,
Até a noite. Fleance também vai?
Pela prole de Banquo maculei-me;
BANQUO Por ela assassinei o doce Duncan.
Vai sim, senhor. E é hora de partirmos. Minha taça de paz enchi de fel
Só por seus filhos; minha jóia eterna
MACBETH
70 O Inimigo do Homem recebeu
Que montem patas firmes e velozes; Pra fazer reis da semente de Banquo!
E a dorsos fortes eu os recomendo. Antes disso, meu fado, entra na liça
40 Adeus. Pra me ajudar no combate mortal!
(Sai Banquo.)
744 Ato iii, Cena i Tragédias / Macbeth 745
Só o mal pode o mal fazer crescer. Quase uma milha; esse é o seu costume,
Por favor, venha comigo. Como de todos. Daqui ao palácio,
(Saem.) Este é o caminho.
2O ASSASSINO C ena iv
Luz! Eu quero luz!
3O ASSASSINO
Um salão no palácio. Um banquete preparado.
15 É ele!
(Entram Macbeth, Lady Macbeth, Rosse, Lenox, lordes e séqüito.)
1O ASSASSINO
Alerta!
MACBETH
BANQUO Conhecem seus lugares. A todos
Vai chover esta noite. Dou boas-vindas.
1O ASSASSINO LORDES
Que chova! Obrigado, Majestade.
(O 1 assassino apaga a tocha, enquanto os outros dois atacam
o
MACBETH
Banquo.) Vamos misturar-nos aos presentes,
BANQUO
Fazendo-nos de humilde anfitrião.
Isso é traição! Bom Fleance, foge! Foge! 5 A anfitriã fica no trono e, em tempo,
Podes vingar-me. Crápula! Lhe pedirei que dê as boas-vindas.
LADY MACBETH
(Banquo morre. Fleance escapa.)
Dê-as por mim, senhor; o coração
3O ASSASSINO Fala pra receber nossos amigos.
Quem apagou a luz?
(Entra, pela porta, o 1o Assassino.)
1 ASSASSINO
O
MACBETH MACBETH
Melhor dos corta-goelas! Aqui ’staria a honra do país
Tão bom quanto o que fizeste a Fleance. 40 Se aqui tivéssemos Banquo;
Se foi você, não há melhor no mundo. (Entra o Fantasma de Banquo que se senta na cadeira de Macbeth.)
Que prefiro acusar de negligência
ASSASSINO
Que chorar pela má chance.
Meu Mui Real Senhor.... Fleance fugiu.
ROSSE
MACBETH E sua ausência
20 Sinto outro ataque quando, de outro modo, Desmente sua promessa. Vossa Alteza
Teria a perfeição marmórea e íntegra, Não nos honra com sua companhia?
Firme qual rocha e ampla como os ares:
Mas ora estou cercado, preso, atado, MACBETH
A dúvidas e medos. Banquo é certo? 45 ’Stá cheia a mesa.
ASSASSINO LENOX
25 Sim, senhor; ele jaz em uma vala, É vosso este lugar.
Com vinte golpes fundos na cabeça, MACBETH
Todos eles mortais. Aonde?
MACBETH LENOX
Muito obrigado. Aqui, senhor. O que é que o perturba?
Morre a víbora-pai; o verme-filho
Vai recompor-se e destilar veneno; MACBETH
30 Mas agora, sem presas. Saia, e amanhã Mas quem aqui fez isso?
Conversaremos. LADY MACBETH
O quê, senhor?
(Sai o Assassino.)
MACBETH
LADY MACBETH Não podes me acusar; e nem sacudas
Senhor meu rei, 50 Pra mim o teu cabelo ensangüentado.
Não estais comemorando; a festa perde-se
ROSSE
Se não há cortesia e boas-vindas;
Comer em casa é sempre o que é melhor; Vamos, senhores; o rei não está bem.
35 Mas, fora, o tempero é o protocolo: LADY MACBETH
Festa sem ele é pobre. Sentai-vos, meus amigos. Meu senhor
Desde a infância que passa mal assim.
MACBETH
Ficai sentados. Passa em um momento;
Bem lembrado!
55 Já estará bem, e só se o reparardes
Pra boa mesa, boa digestão;
É que o ofendeis, agravando a paixão.
Saúde em ambos!
Comei e esquecei-o.
LENOX (para Macbeth)
O rei não se senta? Não és homem?
754 Ato iii, Cena iv Tragédias / Macbeth 755
50 Volte a ser nossa pátria que hoje sofre O caldeirão vai girando,
Sob mão maldita! 5 As tripas envenenando;
Sapo que na pedra fria
LORDE Todo mês, de dia-a-dia,
Ele tem minhas preces. Tem seu veneno destilad,
Ferve no pote encantado.
(Saem.)
TODAS
10 Dobrem males e aflição
Nas bolhas do caldeirão.
2a BRUXA
Cobra de terra encharcada,
No caldeirão cozinhada;
Pó de sapo e de girino,
15 Lã de morcego, cão latido;
Língua dupla de serpente.
Verme de veneno quente;
762 Ato iv, Cena i Tragédias / Macbeth 763
1a BRUXA MACBETH
65 Diz se preferes que falemos nós, Tivesse eu três ouvidos pra te ouvir!
Ou nossos mestres?
2 APARIÇÃO
a
TODAS 1a BRUXA
Não busquei mais. Sim, senhor, é tudo assim... mas por que
130 Fica Macbeth tão espantado?
MACBETH
Alegremos, irmãs, o seu espírito,
Eu tenho de saber. Se isso me negas,
Mostrando-lhe nossos prazeres melhores.
Eterna maldição recaia em ti.
Eu crio um som pro nosso ar,
110 Fala! Onde vai o caldeirão? Que ouço?
Só pra ver você dançar;
135 Pra que o Rei com bondade aprenda
(Fora, tocam oboés.)
Que cumprimos a encomenda.
1a BRUXA
Mostra! (Música. As bruxas dançam e depois desaparecem.)
2 BRUXA
a
MACBETH
Mostra! Foram-se todas? Que esta hora má
Seja maldita em todo o calendário!
3 BRUXA
a
Entre, quem ’stá lá fora!
Mostra!
TODAS (Entra Lenox.)
Mostra aos olhos, corta o coração!
LENOX
115 Como sombras, vêm e vão!
O que desejas?
(Um desfile de oito reis, o último dos quais com um espelho na mão; MACBETH
Banquo os segue.)6 140 Viste as bruxas irmãs?
MACBETH LENOX
És por demais como o espectro de Banquo! Não, meu senhor.
Queima-me a vista a tua coroa. Vai-te!
MACBETH
Como é igual este outro coroado!
Não passaram por ti?
O terceiro também: bruxas malditas!
120 Pra que mostrar-me? Um quarto? Saltem, olhos! LENOX
O quê? A fila chega ao fim do mundo? Creio que não.
Ainda um outro? O sétimo? Não olho!
MACBETH
Mas ainda um oitavo, com um espelho
Infectado seja o ar por onde passam;
Que mostra muito mais. (Alguns, eu vejo,
Maldito seja quem confia nelas!
125 Carregam orbe duplo e cetro triplo.
Ouvi galopes: quem está chegando?
Visão terrível!) Era, então, verdade;
Pois Banquo, ensangüentado, me sorri, LENOX
Mostrando sua estirpe. Então, é isso? 145 Dois ou três que vieram informá-lo:
Macduff foi pra Inglaterra.
MACBETH
6
É a linhagem de Banquo. Pra Inglaterra?
768 Ato iv, Cena ii Tragédias / Macbeth 769
Não quero ser o vilão que imaginas Que venceriam todo impedimento
Nem por todas as posses do tirano, Que a mim se opusesse; antes Macbeth,
40 Mais as jóias do Leste. Que alguém assim reinar.
MALCOLM MACDUFF
Não te ofendas. Tal descontrole
Falei não por temê-lo tanto assim. 70 Na natureza é tirano, e já foi
Sob uma carga a pátria está curvada; Causa de muito rei vagar seu trono
Pranteia e sangra; e a cada dia um talho Em queda prematura. Mas não temas
Aumenta os ferimentos. Penso, então, Reclamar o que é teu. Há de encontrar
45 Que muitas mãos por mim se ergueriam; Espaço pra gozar os seus prazeres
E da doce Inglaterra eu tenho oferta 75 Com aspecto sério – os tempos o permitem.
De alguns milhares: porém, mesmo assim, Sempre há damas dispostas; no senhor
Quando eu pisar em cima do tirano, Não pode haver um corvo que devore
Ou ostentar na espada a sua cabeça, Todas as que aos grandes se querem dar,
50 A pobre pátria inda terá mais vícios Quando buscadas.
Que antes, e verá mais sofrimentos
MALCOLM
Nas mãos do sucessor.
E com isso ainda cresce
MACDUFF 80 Em minhas afeições, tão anormais,
Mas quem é ele? Avareza insaciável que, se rei,
Eu tiraria aos nobres suas terras;
MALCOLM
Tirando jóias de uns, casas de outros,
Eu falo de mim mesmo, em quem conheço
Num querer-mais cujo sabor traria
Tais detalhes de vícios arraigados
85 Fome sempre maior, que me faria
55 Que ao florescerem, o negro Macbeth
Forjar lutas iníquas entre os bons,
Há de parecer neve, e o pobre Estado
Só para ter seus bens.
O terá por cordeiro, comparado
Com o meu mal sem limites. MACDUFF
Tal avareza
MACDUFF
Vai mais fundo e é mais perniciosa
Nem na tropa
Que a luxúria de estilo; e ela tem sido
Que habita o inferno pode haver demônio
90 Espada contra reis: porém não temas;
60 Pior do que Macbeth.
A rica Escócia tem para bastar-lhe,
MALCOLM Só em bens da coroa. É suportável
Sei que ele é falso, Quando há outras graças.
Sangrento, enganador, luxurioso,
MALCOLM
E cheira a todo tipo de pecado
Pois a mim faltam todas as reais:
Que tenha nome. Porém, não há limites
95 Justiça, Verdade, Temperança,
Para a minha volúpia: suas filhas,
Misericórdia e Generosidade,
65 Mulheres e donzelas não saturam
Perseverança, Humildade e Coragem,
A vala de luxúria e de desejo
776 Ato iv, Cena iii Tragédias / Macbeth 777
ROSSE MACDUFF
Quem dera eu ser conforto! A minha fala E eu tão longe!
Devia ser uivada no deserto, Minha mulher ’stá morta?
200 Para não ser ouvida.
ROSSE
MACDUFF Está.
E a quem toca? MALCOLM
À causa toda, ou a dor extrema Console-se:
Tem por alvo um só peito? 220 Façamo-nos remédios de vingança,
ROSSE Para matar a dor mortal.
Ninguém bom MACDUFF
Deixa de partilhá-la, mas no bruto E ele não tem filhos. Os meus lindos?
Só pertence ao senhor. Disseste todos? Demônio infernal! Todos?
MACDUFF O quê? A mãe e os lindos pintainhos?
E se ela é minha, 225 De um só golpe?
205 Não a oculte de mim, conte-me logo. MALCOLM
ROSSE Enfrente-o como homem.
Que o seu ouvido não odeie a língua MACDUFF
Que lhe transmite o mais pesado som Vou fazê-lo;
Que ele jamais ouviu. Mas como homem tenho de senti-lo.
MACDUFF Como não lembrar tudo o que era,
Já o adivinho. Se para mim era tudo precioso?
230 O céu viu tudo e não os defendeu?
ROSSE Macduff maldito, o golpe foi por ti;
Em seu castelo sua mulher e filhos Mísero, por tuas faltas, não as deles,
210 Foram selvagemente assassinados: Deu-se a chacina: que o céu lhes dê paz!
Relatar os detalhes juntaria
MALCOLM
Às mortes dos cordeiros a sua própria.
Afia nessa pedra a tua espada:
MALCOLM 235 Da dor faz ira, e duro o coração.
Meu Deus misericordioso!
MACDUFF
Vamos, homem! Não cubra assim o rosto!
Eu posso nos meus olhos ser mulher,
215 Expresse a dor, pois a dor que não fala,
E homem na palavra. Mas, oh céus!
Sussurra no coração para explodi-lo.
Corta o intervalo e põe-nos, cara a cara,
MACDUFF Com esse monstro que domina a Escócia,
Também os filhos? 240 Ao alcance da espada; e se escapar,
Que o céu o perdoe.
ROSSE
Família, criados, MALCOLM
Todos os que encontraram. Isso é viril!
782 Ato iv, Cena iii
(Saem.)
C ena i
MÉDICO DAMA
Como conseguiu ela essa vela? Ela falou o que não devia, disso estou certa: só os céus sabem o
que ela já passou.
DAMA
Ora, estava a seu lado: ela mantém sempre uma luz junto a si; é LADY MACBETH
20 ordem sua. Aqui ainda há cheiro de sangue: nem todos os perfumes da Arábia
hão de adoçar esta mãozinha. Oh! Oh! Oh!
MÉDICO
Veja, seus olhos estão abertos. MÉDICO
45 Mas que suspiro! O coração está dolorosamente oprimido.
DAMA
Eu sei, mas a razão está fechada. DAMA
Eu não queria um coração assim em meu peito, nem pela digni-
MÉDICO
dade do corpo inteiro.
O que faz ela agora? Olhe, parece esfregar as mãos.
MÉDICO
DAMA
Bem, bem, bem.
Issoéumadesuasaçõescostumeiras,esseparecerqueestálavando
25 as mãos. Eu já a vi continuar a fazê-lo por todo um quarto de DAMA
hora. Deus permita que esteja, senhor.
LADY MACBETH MÉDICO
Mas ainda há uma mancha aqui. 50 Tal doença fica além da minha arte; no entanto, já vi gente que
andava dormindo morrer santamente em sua cama.
MÉDICO
Atenção! Está falando. Vou anotar o que vem dela, para fixar com LADY MACBETH
maior precisão em minha memória. Lave as mãos, vista a camisa de noite; não se mostre assim tão pá-
lido. Vou dizer-lhe de novo, Banquo está enterrado; ele não pode
LADY MACBETH
sair da tumba.
30 Sai, mancha maldita! Sai, eu disse! Uma, duas: mas então é hora
de agir. O inferno é tenebroso. Que vergonha, meu senhor, que MÉDICO
vergonha! Um soldado, com medo? Por que teremos de temer 55 Então é isso?
quem o saiba, quando ninguém puder pedir contas ao nosso
LADY MACBETH
poder? Mas quem haveria de pensar que o velho tivesse tanto
Ao leito! Ao leito! Estão batendo no portão. Venha, venha, venha,
35 sangue?
venha; dê-me sua mão.O que está feito não pode ser desfeito. Ao
MÉDICO leito, ao leito, ao leito. (Sai.)
Ouviu isso?
MÉDICO
LADY MACBETH E agora irá deitar-se?
OThane de Fife tinha uma esposa: onde está ela, agora? Mas como,
DAMA
estas mãos não ficarão limpas nunca? Chega disso, meu senhor,
60 Imediatamente.
chega disso: estragarás tudo com esses seus repentes.
MÉDICO
MÉDICO
Há boatos terríveis; feitos vis
40 Vamos, vamos; a senhora esteve ouvindo o que não devia.
786 Ato v, Cena ii Tragédias / Macbeth 787
SIWARD SEYTON
Já chega a hora A rainha está morta, senhor.
Que com firmeza nos fará saber
MACBETH
O que possuímos e o que devemos.
Ela só devia morrer mais tarde;
Especular dá esperança incerta,
Haveria um momento para isso.
20 Só o que é certo arbitra a luta aberta.
Amanhã, e amanhã, e ainda amanhã
Pra isso avance a guerra.
20 Arrastam nesse passo o dia-a-dia
Até o fim do tempo pré-notado.
(Saem, marchando.)
E todo ontem conduziu os tolos
À via em pó da morte. Apaga, vela!
A vida é só uma sombra: um mau ator
25 Que grita e se debate pelo palco,
C ena v
Depois é esquecido; é uma história
Que conta o idiota, toda som e fúria,
Dunsinane. Dentro do castelo. Sem querer dizer nada.
(Entra um Mensageiro.)
(Entram, com tambores e bandeiras, Macbeth, Seyton e soldados.)
Não tens língua? Depressa, a história.
MACBETH
MENSAGEIRO
Içai bandeiras fora das paredes!
30 Meu bom senhor,
“Ataque!” é a senha, e o castelo ri-se.
Devo contar o que penso ter visto,
Desdenhamos o cerco. Eles que fiquem
Porém eu não sei como.
Até que a fome e a febre os coma inteiros.
5 Se os que eram nossos não os reforçassem, MACBETH
Com ousado desafio, cara a cara, É só falar.
Já ’stariam vencidos. Que foi isso?
MENSAGEIRO
(um grito de mulher) Quando eu estava de guarda na colina,
Olhei pra Birnam e me pareceu
SEYTON 35 Que a floresta avançava.
É um grito de mulher, bom senhor. (Sai.)
MACBETH
MACBETH Escravo, falso!
Quase esqueci que gosto tem o medo.
MENSAGEIRO
10 Outrora meus sentidos gelariam
Com um guincho à noite; e a minha cabeleira Que eu sinta a vossa ira se for falso.
Com um relato de horror ficava em pé, A três milhas vereis que, como disse,
Como se viva. Estou farto de horrores: Um bosque anda.
O pavor, íntimo do meu pensar, MACBETH
15 Já nem me assusta. E se contas mentiras
(Volta Seyton.) Tu hás de pender vivo de uma árvore,
Quem gritou assim? 40 Para morrer de fome. Se verdade,
794 Ato v, Cena vi
MACDUFF MACDUFF
Vem de lá o ruído; tirano, mostra-te: Cão do inferno!
15 Se fores morto sem um golpe meu,
Hão de assombrar-me minha esposa e filhos. MACBETH
Não quero golpear os irlandeses Entre todos os homens te evitei:
Que pagas pra lutar; ou tu, Macbeth, 5 Mas foge, pois minh’alma já está farta
Ou então minha espada, inda perfeita, Do peso do teu sangue.
20 Volta à bainha. Deves ’star aqui: MACDUFF
Pelo clamor, alguém muito importante Eu não falo.
Se anuncia. Que seja meu, Fortuna! A espada é minha voz, vilão mais vil
Mais eu não peço. (Sai.) Do que eu possa expressar.
(Alarma. Entram Malcolm e o velho Siward.) (Lutam.)
SIWARD
MACBETH
Aqui, senhor. O castelo rendeu-se: Perdes teu tempo:
25 Há homens do tirano dos dois lados;
Melhor ferir o ar, que é incorpóreo,
Os thanes na guerra se mostraram bravos.
10 Com a tua espada, do que me sangrar.
O próprio dia quase diz que é seu;
Vai lutar com quem seja vulnerável!
Pouco resta a fazer.
Vivo de encantos, e homem que é parido
MALCOLM Não me derrota.
Vi inimigos
Lutar por nós. MACDUFF
Não adianta encanto:
SIWARD E deixa o Anjo Mau a quem serviste
Pro castelo, senhor. 15 Dizer-te que Macduff foi arrancado
Fora do tempo ao ventre de sua mãe.
(Saem. Alarma.)
MACBETH
Maldita a língua que me conta isso,
Pois me acuou e me fez menos homem.
C ena viii Não creia mais ninguém em falsas bruxas,
20 Que nos enganam com sentidos duplos.
Uma outra parte do campo. Cada palavra é dada ao nosso ouvido,
Mas traída se agimos com esperança:
(Entra Macbeth.) Não combato contigo.
MACDUFF
MACBETH
Por que morrer como um romano tolo, Então, covarde,
Na própria espada? E onde vejo vivos, Entrega-te pra seres exposto ao tempo:
Melhor feri-los que a mim! 25 Pois tu, igual aos monstros que são raros,
Serás pintado ao alto de uma lança,
(Volta Macduff.) Escrito embaixo: “Tirano”.
798 Ato v, Cena ix Tragédias / Macbeth 799
MACBETH ROSSE
Não me entrego! 10 Foi retirado do campo. A sua dor
Não beijarei o chão aos pés de Malcolm, Não deve se medir por seu valor
Não ouvirei insultos da ralé. Que é sem fim.
30 Mesmo com Birnam vindo a Dunsinane, SIWARD
E tu, meu inimigo não parido, Foi ferido na frente?
Combato até o fim. Vem cá, Macduff!
Só meu escudo, sempre afeito à guerra, ROSSE
Agora a mim protege e a ti afasta: Na frente.
35 Maldito o que primeiro gritar “Basta!”. SIWARD
Então, que vá lutar por Deus!
(Saem, lutando. Alarmas. Voltam, lutando, e Macbeth é morto.) Se meus cabelos fossem filhos,
Não podiam ter morte mais bonita.
Seu dobre já soou.
C ena ix
MALCOLM
E o seu valor
Vale mais dor do que a que nós sentimos.
Dentro do castelo.
SIWARD
(Toque de retirada. Fanfarra. Entram, com tambores e bandeiras, Não mais. Morreu bem, com as contas pagas.
Malcolm, o velho Siward, Thanes e soldados.) Que Deus o tenha. Mais conforto chega.
MALCOLM
(Volta Macduff, com a cabeça de Macbeth.)
Desejo a salvo os que inda ’stão ausentes.
MACDUFF
SIWARD
20 Salve, rei, pois o sois. Olhai aqui
Alguns têm de partir; mas os que vejo
A cabeça maldita do tirano.
Dizem ser baixo o preço deste dia.
O tempo agora é livre. E eu vos vejo
MALCOLM Cercado pelas pérolas do reino,
Estão faltando o seu filho e Macduff. De cuja saudação eu sou a voz,
25 Mas cujas vozes quero junto à minha
ROSSE Pra gritar alto “Salve, Rei da Escócia”!
5 Pagou seu filho o resgate fatal:
Viveu apenas pra chegar a homem. TODOS
Mas tão logo afirmou o seu valor, Salve, Rei da Escócia!
No inabalável posto onde lutou,
Como homem morreu. (fanfarra)
SIWARD MALCOLM
Então, ’stá morto? Não gastaremos tempo muito largo
Antes de compensarmos seu amor,
800 Ato v, Cena ix
(Fanfarra. Saem.)