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AS RELAÇÕES DE PODER E SEXUALIDADE EM MCHEL


FOUCAULT: REFLEXÕES PARA OS ESTUDOS DE GÊNERO

Autor 1
Autor 2

RESUMO

Os estudos apresentados deviram da leitura da obra de Michel Foucault intitulada “A


história da sexualidade – a vontade de saber”. Trata-se de um incipiente ensaio com vistas
a discutir sobre o dispositivo da sexualidade enquanto discurso científico, bem como a
história do sexo a partir das relações de poder. Os caminhos propostos pelas investigações
desse autor ainda direcionam para novos repensares no campo das ciências humanas. Suas
obras não só causaram impacto como também reorientou as análises e problemáticas
acerca da modernidade, servindo-nos de suporte para compreender as questões do presente.
O olhar diferenciado de Foucault, fez com que, em seus estudos, ora fosse arqueólogo, ora
genealogista, no sentido de desconstruir e reconstruir ideias, numa intensa e constante
busca pela verdade. Podemos considerar o estudo da sexualidade como algo amplo, que
envolve inúmeras instâncias, mas que, concomitantemente, nos parece algo particular,
único e intimo em cada indivíduo. Faz-se interessante assim, observar os conceitos acerca
dessa temática, no sentido de visualizarmos as influências deixadas para a sua concepção
atual. É partindo desse pressuposto que o estudo da obra supracitada de Foucault será aqui
tomado como referência. Lançaremos mão do seu olhar filosófico e crítico face o discurso
da sexualidade humana. Foucault inicia seus escritos pontuando o conceito da sexualidade
ocidente, dando ênfase ao século XIX, período marcado pela intensa produção de teorias
acerca da sexualidade, em que o autor realiza um contraponto a hipótese da repressão.

Palavras-chave: História da Sexualidade, Discurso, Poder-saber.

POWER RELATIONS AND SEXUALITY IN MCHEL FOUCAULT:


REFLECTIONS FOR GENDER STUDIES

ABSTRACT

The studies presented resulted from the reading of Michel Foucault's work entitled “The
history of sexuality – the will to know”. This is an incipient essay with a view to discussing
the device of sexuality as a scientific discourse, as well as the history of sex based on
power relations. The paths proposed by this author's investigations still lead to new
rethinking in the field of human sciences. His works not only caused an impact, but also
reoriented analyzes and issues about modernity, supporting us to understand the issues of
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the present. Foucault's differentiated look meant that, in his studies, he was sometimes an
archaeologist, sometimes a genealogist, in the sense of deconstructing and rebuilding ideas,
in an intense and constant search for the truth. We can consider the study of sexuality as
something broad, involving numerous instances, but which, at the same time, seems to us
something particular, unique and intimate in each individual. Thus, it is interesting to
observe the concepts about this theme, in order to visualize the influences left to its current
conception. It is based on this assumption that the study of the aforementioned work by
Foucault will be taken as a reference here. We will make use of his philosophical and
critical gaze on the discourse of human sexuality. Foucault begins his writings by
highlighting the concept of Western sexuality, emphasizing the 19th century, a period
marked by the intense production of theories about sexuality, in which the author makes a
counterpoint to the hypothesis of repression.

Keywords: History of Sexuality, Discourse, Power-knowing.

RELACIONES DE PODER Y SEXUALIDAD EN MCHEL


FOUCAULT: REFLEXIONES PARA ESTUDIOS DE GÉNERO

RESUMEN

Los estudios presentados son el resultado de la lectura de la obra de Michel Foucault


titulada “La historia de la sexualidad: la voluntad de saber”. Este es un ensayo incipiente
con miras a discutir el dispositivo de la sexualidad como discurso científico, así como la
historia del sexo a partir de las relaciones de poder. Los caminos propuestos por las
investigaciones de este autor aún conducen a nuevos replanteamientos en el campo de las
ciencias humanas. Sus obras no solo causaron impacto, sino que también reorientaron
análisis y cuestiones sobre la modernidad, ayudándonos a comprender los problemas del
presente. La mirada diferenciada de Foucault hizo que, en sus estudios, fuera a veces
arqueólogo, a veces genealogista, en el sentido de deconstruir y reconstruir ideas, en una
búsqueda intensa y constante de la verdad. Podemos considerar el estudio de la sexualidad
como algo amplio, que involucra numerosas instancias, pero que, al mismo tiempo, nos
parece algo particular, único e íntimo en cada individuo. Por ello, es interesante observar
los conceptos sobre este tema, con el fin de visualizar las influencias dejadas a su
concepción actual. Partiendo de este supuesto, se tomará aquí como referencia el estudio
de la citada obra de Foucault. Haremos uso de su mirada filosófica y crítica sobre el
discurso de la sexualidad humana. Foucault comienza sus escritos destacando el concepto
de sexualidad occidental, enfatizando el siglo XIX, un período marcado por la intensa
producción de teorías sobre la sexualidad, en el que el autor hace un contrapunto a la
hipótesis de la represión.

Palabras clave: Historia de la Sexualidad, Discurso, Conocimiento del Poder.


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INTRODUÇÃO

De acordo com as considerações de Foucault, podemos identificar o século


XIX como período marcado pelo recrutamento e controle, no que diz respeito ao discurso
do sexo. É importante ressaltar, que não é intenção do autor estabelecer a origem das
investidas no campo da sexualidade, mas sim, analisar a estrutura, pela qual, conhecemos,
vivemos e nos relacionamos com a sexualidade. A investigação encontra-se ligada ao
campo em que se deu a criação dos discursos sobre sexualidade e sua teoria.
A obra de Foucault remete-nos para o questionamento se a história da
sexualidade deve ser compreendida pelo viés da repressão sexual. Por certo momento, a
resposta parece sim, já que as sexologias do século XIX disseminaram teorias baseadas no
discurso do sexo por meio da repressão. Segundo Foucault, Sigmund Freud 1 e Wilhelm
Reich2, apesar de produzirem teorias arrebatadoras, servem-nos de exemplos de teorias
acerca do sexo com acentuada característica repressiva. Contudo, ao observar os escritos
de Foucault, o questionamento inicial parece-nos absoleto, pois o mesmo nos aponta haver
uma crença de que, somente a repressão, permeia o discurso sobre o pensamento e práticas
relacionadas ao sexo.
Na primeira parte desse ensaio, tomar-se-á como referência ao que Foucault
designa como “A Vontade de Saber”, numa tentativa de contextualizar as análises
históricas inferidas pelo filósofo, acerca do discurso da sexualidade.
Posteriormente, abordaremos a concepção de Foucault sobre sexualidade, em
que a construção discursiva se encontra intrínseca às relações de poder. Outro ponto
relevante que será referendado é a análise crítica sobre a hipótese da repressão, cuja qual
Foucault realiza um contraponto, refutando a ideia de que sobre o sexo permeia-se a
repressão, que inibe o trânsito dos discursos sobre sexualidade.
Por fim, discutiremos a perspectiva de Foucault sobre poder, dispositivo que é
tomado por esse filósofo de forma distinta das relações de poder produtivo. Foucault nos
indica, através dessa diferente forma de conceber o poder, que essa categoria, também
produz função produtiva ao fomentar discursos, dando aqui ênfase ao discurso da
sexualidade.

1
Sigsmund Schlomo Freud, nascido em 1856, mais conhecido como Sigmund Freud, foi um médico
neurológica, é considerado pela literatura o “pai” da Psicanálise.
2
Wilhelm Reich nascido em 1987 foi um médico e cientista natural, discípulo dissidente de Freud.
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SOBRE A OBRA DE FOUCAULT: A VONTADE DE SABER

Para tratar sobre a História da Sexualidade, Michel Foucault nos apresenta A


Vontade de Saber, obra cuja qual trata a sexualidade enquanto discurso que se encontra
subjugada às relações de poder. No primeiro volume, Foucault apresenta de modo mais
amplo e geral o panorama em que suas ideias e críticas estão inseridas, e que serão, a
posteriori, desenvolvidas. O autor nos apresenta uma nova ótica de pensar a sexualidade,
elucidando contextos e percursos históricos, que se caracterizam ora pela proliferação, ora
pela repressão dos discursos. Um dos pontos relevantes dessa obra, é que, Foucault nos
induz a pensar a sexualidade na sua relação com o poder. Para esse filósofo, a sexualidade
está imbricada em relações de poder, e que os discursos, bem como a construção de
arranjos inerentes às práticas da sexualidade, oriunda dessas mesmas relações, ou seja, a
constituição de um saber sobre o sexo germina das relações desiguais de poder. Partindo
dos pressupostos de Foucault, percebemos o quão necessário se faz compreender a
sexualidade dentro dos diversos contextos históricos, bem como a sua interligação com as
relações sociais estabelecidas entre os sujeitos.
Observa-se nesta obra aspectos arqueológicos e genealógicos, o que demonstra
a transição de pensamento de Foucault. Nesse sentido, a metodologia utilizada por esse
autor perpassa tanto pela filosofia, quanto pela história. Quanto à arqueologia, Foucault
destaca que possui enquanto princípio:

A arqueologia busca definir não os pensamentos, as representações, as


imagens, os temas, as obsessões que se ocultam ou se manifestam nos
discursos; mas os próprios discursos, enquanto práticas que obedecem a
regras. Ela não trata o discurso como documento, como signo de alguma
coisa, como elemento que deveria ser transparente, mas cuja opacidade
importuna é preciso atravessar frequentemente para reencontrar, enfim, aí
onde se mantém a parte, a profundidade do essencial; ela se dirige ao
discurso em seu volume próprio, na qualidade de monumento. Não se
trata de uma disciplina interpretativa: não busca um “outro” discurso
mais oculto. Recusa-se a ser “alegórica”. (FOUCAULT, 2002, p. 159).

A arqueologia de Foucault, nesse sentido, pretende reverenciar o instante em


que os discursos foram historicamente definidos, fixados, e, sobretudo, enfatizar a forma
de como esses discursos orientaram as condutas e comportamentos de uma época.
No tocante a genealogia, este instrumento investigação empregado pelo
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filósofo, propõe uma análise que abarcam, além dos aspectos da arqueologia, as
instituições, as práticas, dando aqui maior destaque, às relações de poder. Tal categoria se
faz importante no exame do autor, haja vista que o mesmo compreende que o discurso da
sexualidade, bem como sua formulação, perpassa intrinsecamente pelo filtro poder. Implica
dizer, que o poder, e as relações que dele germinam é que constituem, legitima e determina
o saber sobre o sexo e sobre a nossa sexualidade. A genealogia desta obra é justamente esse
olhar peculiar de Foucault acerca dos discursos, das práticas e dos enunciados presentes no
contexto histórico do sexo.
Uma das principais contribuições de Foucault foi evidenciar, a partir de seus
métodos de análise, que os saberes, que até então, concebemos e julgamos como verdades,
são advindas das relações de poder, atestando que não há conhecimento sem intenção ou
despretensiosos. Assim, o saber sobre a sexualidade também não se encontra isento dessas
relações de interesse e poder, podendo este ser tomado como exemplo de um saber
constituído e legitimado por mecanismos de poder. Por isso, a defesa de Foucault em
relação à construção do discurso da sexualidade.
Quando Foucault apresenta, de forma peculiar, a relação entre poder e saber,
inclusive no campo da sexualidade, o mesmo tende a provocar nos leitores um sentimento
de desconstrução de verdades outrora tomadas como eternas, reporta-nos para uma análise
crítica e questionadora face ao conhecimento concebido como padrão, legítimo, científico.
As análises de Foucault apontam que a ciência moderna é fomentada e financiada pelos
que detêm o poder, moldando os interesses e necessidades das massas que não estão no
poder. Nessa perspectiva, Foucault propõe uma análise que ultrapasse a linha do
convencional, daquilo que é aceito como verdade científica, inclusive sobre o assunto da
sexualidade. Em virtude de tal pretensão é que Foucault utiliza a genealogia enquanto
instrumento de investigação. Para esse filósofo, a genealogia é:

(…) Manter o que se passou na dispersão que lhe é própria: é demarcar os


acidentes, os ínfimos desvios - ou ao contrário as inversões completas –
os erros, as falhas na apreciação, os maus cálculos que deram nascimento
ao que existe e tem valor para nós, é descobrir que na raiz daquilo que
nós conhecemos e daquilo que nós somos, não existem a verdade e o ser,
mas a exterioridade dos acidentes. (FOUCAULT, 1979, p. 21).

O DISCURSO DA SEXUALIDADE
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Foucault pretende com seus estudos realizar uma análise questionadora sobre o
que se conhece e se relata historicamente sobre sexualidade. Busca nesse sentido, pensar a
sexualidade com outra perspectiva, além das teorias já existentes, que advogam a favor da
ideia de que a repressão paira sobre o sexo, impedindo-o de circular, tornando-o o
indivíduo distante de uma liberdade sexual.
O autor propõe pensar o discurso da sexualidade em interface com as relações
de poder, sendo a primeira constituída pela segunda, respectivamente.

Em suma, gostaria de desvincular a análise dos privilégios que se


atribuem normalmente à economia de escassez e aos princípios de
rarefação, para, ao contrário buscar as instâncias de produção discursiva
(que evidentemente, também organizam silêncios), de produção de poder
(que, algumas vezes têm a função de interditar), das produções de saber
(as quais, frequentemente, fazem circular erros ou desconhecimentos
sistemáticos); gostaria de fazer a história dessas instâncias e de suas
transformações. (FOUCAULT, 2001, p. 17).

É nessa direção que a abordagem de Foucault se movimenta na tentativa de se


desvencilhar do convencionalismo, buscando uma ruptura com os padrões estabelecidos
pela ciência e moral, no sentido de encontrar a verdade sobre a questão do sexo.

Examinai, portanto, diligentemente, todas as faculdades de vossa alma, a


memória, o entendimento, à vontade. Examinai, também, com exatidão
todos os vossos sentidos [...] Examinai, ainda, todos os vossos
pensamentos, todas as vossas palavras e todas as vossas ações. Examinai,
mesmo, até os vossos sonhos para saber se, acordados, não lhes teríeis
dado o vosso consentimento... Enfim, não creiais que nessa matéria tão
melindrosa e tão perigosa, exista alguma coisa de pequeno e leve.
(FOUCAULT, 2001, p. 23).

A sexualidade é tratada por Foucault como um dispositivo, que, em linhas


gerais, pode ser traduzido com um conjunto de funções que conduzem os indivíduos a
partir de interesses. Esse discurso é fomentado pelas relações de poder, não isentas de
intencionalidades e pretensões. A pergunta que se faz, é o que move tais discursos, sejam
eles de proliferação ou de repressão? Partindo dos pressupostos de Foucault, é a vontade de
saber, embutida nas relações de poder, que tende a formular e constituir os vários discursos
sobre a sexualidade. Pode-se dizer que todo o arranjo observado em torno do sexo, é
fabricado e mantido pela vontade de saber, que é permeada de intencionalidade, com viés
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dominador. Aqui se revela um dos pontos chaves dos estudos de Foucault: a assertiva de
que a história da sexualidade tem se moldado pelos discursos advindos das relações de
poder, em que se tem a vontade de saber como força motriz.

Se quisermos realmente conhecer o conhecimento, saber o que ele é,


apreendê-lo em sua raiz, em sua fabricação, devemos nos aproximar, não
dos filósofos mas dos políticos, devemos nos compreender quais são as
relações de luta e de poder. E é somente nessas relações de luta e poder –
na maneira como as coisas entre si, os homens entre si se odeiam, lutam,
procuram dominar uns aos outros, querem exercer, uns sobre os outros,
relações de poder – que compreendemos em que consiste o
conhecimento. (FOUCAULT, 1999, p. 23).

Diante o exposto, apresenta-se mais clara a crítica de Foucault sobre a


repressão enquanto elemento fundante dos discursos da sexualidade. Para ele, não é a
repressão que move os discursos sobre o sexo, mas sim, e, sobretudo, as relações de poder
e a vontade de saber. Com esse entendimento, Foucault propõe alcançar um olhar mais
crítico sobre a temática da sexualidade.

SEXUALIDADE: A CONSTRUÇÃO DO DISCURSO

De acordo com Foucault, os teóricos, cientistas e filósofos concebem a


sexualidade essencialmente pelo caminho da repressão. As teorias que emergem no século
XIX sobre a sexualidade, apontam que desde o século XVII esta categoria é controlada
pelo viés das proibições, em que se impõem novos moldes de comportamento. A lei
inclusive, só concebe legítima, a formação de casais tradicionais, que procriam. Qualquer
outro tipo de formação é desconsiderada, ou tomada como “desajustada” ou “imoral”. A
análise da sexualidade proposta por Foucault, entretanto, é diferente, pois esse filósofo a
trata como instrumento de discurso, cujo qual estaria ligado aos critérios de incitação, e
não ao da repressão. Ao se propor analisar a história da sexualidade, Foucault rompe com
as visões e teorias tradicionais, em que a sexualidade é interpretada ao nível da repressão, e
apresentam estudos com base nas relações históricas, correlacionando os discursos sobre o
sexo com as articulações de poder.

Não penso tanto, aqui, na multiplicação provável dos discursos “ilícitos”,


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discursos de infração que denominam o sexo cruamente por insulto ou


zombaria aos novos pudores; o cerceamento das regras de decência
provocou, provavelmente, como contra-efeito, uma valorização e uma
intensificação do discurso indecente. Mas o essencial é a multiplicação
dos discursos sobre o sexo no próprio campo do poder: incitação
institucional a falar do sexo e a falar cada vez mais; obstinação das
instâncias do poder a ouvir falar e a fazê-lo falar ele próprio sob a forma
da articulação explícita e do detalhe infinitamente acumulado.
(FOUCAULT, 2001, p. 22).

Durante a Idade Média, o discurso sobre sexo ganha valor e espaço. O homem
ocidental passa a declarar suas preferências sexuais, bem como seus desejos e prazeres.
Nesse sentido, a sexualidade é construída com base no que proferimos acerca de nossas
vontades, preferências, e, sobretudo, sobre o que enunciamos sobre nós mesmos. É dentro
dessa perspectiva que se dá a crítica de Foucault, em que não existe somente a repressão
sexual, mas também, e de maneira significativa, uma vontade de afirmar o que nos
provoca, aguça e motiva prazer.
Foucault apresenta-nos um ponto que deve ser considerado quanto aos
discursos sobre sexo: quem analisa os discursos? O filósofo esclarece que quem,
inicialmente, analisa os discursos é o confessionário, que representa a penitência,
imbricada na instituição religiosa. Ora, o sexo é confessado para a igreja, que é uma
instituição de poder, e se tem detêm o poder é ela quem direciona e modifica os
comportamentos através do saber-poder. Visto assim, percebe-se que a sexualidade e seus
discursos são controlados pelas articulações de poder, ora pela igreja, ora pela mídia, ora
pelos políticos, ora pela ciência. Para Foucault, os discursos acerca da sexualidade estão
impregnados de moralidade e regras comportamentais. Trata-se de discursos, fomentados
pelas relações de poder, que modificam e interferem nas relações sociais, tornando-as um
instrumento para interesses políticos e econômicos. “ Não se fala menos do sexo, pelo
contrário. Fala-se dele de outra maneira; são outras pessoas que falam, a partir de outros pontos de
vista e para obter outros efeitos”. (FOUCAULT, 2001, p. 29-30).
Desde criança, estamos cercados de discursos sobre o sexo, discursos sobre o
que se incita e o que se inibe, implantados por pais, médicos, educadores e outros. Foucault
questiona a ciência sexual que se emerge, sobretudo, a partir das declarações proferidas
pelos indivíduos.
No século XIX, o sexo recebe cunho científico, tornando-se objeto de intensa
investigação. O conhecimento científico passa a determinar as verdades acerca do sexo. A
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ciência que, em sua maioria, é tomada como o centro de certezas e verdades dos
indivíduos, tem seus créditos na fomentação dos discursos sobre o sexo, bem como nos
preconceitos construídos. Vale ressaltar que não somente a ciência, mas também as demais
instâncias de poder na sociedade sejam elas a igreja, a política, a família.
O que Foucault pretende nos esclarecer, é que ao longo da história, sempre
houve a busca pela verdade sobre o sexo, e para isso, houve uma série de aparelhos
meticulosamente elaborados para que se falasse de sexo, constantemente. A vontade de
saber sobre a sexualidade humana propiciou o nascer de vários conceitos, de orientações
comportamentais, formas de controle e de submissão.
Antes, o cenário para se falar de sexo era o confessionário, o consultório
médio, a sala de aula, a nossa casa, a partir do século XIX, a ciência também se faz um
desses cenários, tornando o sexo temática de destaque no campo da investigação científica.
Típico da ciência, a sexualidade passou a ser classificada, enumerada e enquadrada dentro
de técnicas disciplinares, com limites estabelecidos e tipologias do que seria normal e
anormal, do que é saudável e do que é patológico. De acordo com Foucault, a civilização
ocidental tratou a sexualidade através de práticas de ordenamento e controle, em que se
observa intensa articulação entre poder e saber, dada por uma “scientia sexualis”,
enquanto, que, nas demais civilizações, tais como o Japão e a Índia, o interesse estava no
prazer, não se limitando ao que era permitido ou não. O prazer, para tais civilizações,
aponta Foucault, é tratado como arte erótica, em que coloca o indivíduo em estado
sublime, por meio do ápice do prazer sexual, já as civilizações ocidentais, o prazer é
assumido como ciência, ou seja, como relação de poder-saber.
Observa-se que os discursos emergentes acerca da sexualidade são fabricados
no campo da ciência, ora, ciência é o lugar das verdades, e isso não seria diferente quanto
ao assunto do sexo. Por isso, a assertiva de Foucault de que a sexualidade é um discurso
construído através da ciência, ciência que possui forte influência sobre os indivíduos, com
grande capacidade de sujeitá-los às verdades que lhe são apresentadas. Nesse sentido, é
que tal filósofo nos remete para a necessidade de revisão quanto ao que se concebe sobre
sexualidade, haja vista que a mesma é um lócus em que se articulam diferentes poderes e
saberes. Ora, se o discurso do sexo nos é acessível, isso não é gratuitamente, trata-se de um
discurso oportuno, com vistas a garantir o poder e controle de quem o criou.

Trata-se, portanto de, ao mesmo tempo, assumir outra teoria do poder,


formar outra chave de interpretação histórica; e, examinando de perto
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todo um material histórico, avançar pouco a pouco em direção a outra


concepção do poder. Pensar, ao mesmo tempo, o sexo sem a lei e o poder
sem o rei. (FOUCAULT, 2001, p. 87).

Partindo dos pressupostos de Foucault, a vontade de saber sobre o sexo nos


torna reféns dos padrões estabelecidos, dados os efeitos dos discursos que são proferidos
acerca da sexualidade. Os discursos sobre a sexualidade controlam e dominam os
comportamentos dos indivíduos, por isso a vontade de saber não garante a liberdade sexual
que se almeja. A vontade de saber está subjugada às relações de poder.

Se a sexualidade se constitui como domínio a conhecer, foi a partir de


relações de poder que a instruíram como objeto possível; e em troca, se o
poder pôde tomá-la como alvo, foi porque se tornou possível investir
sobre ela através de técnicas de saber e de procedimentos discursivos.
(FOUCAULT, 2001, p. 93).

O fundamento da obra de Foucault é nos fazer pensar que os discursos são


produto de articulações de poder, que sugerem e determinam o que devemos aceitar como
verdade. Nesse sentido, nada foge da intencionalidade e da pretensão, tudo que nos é
apresentado advém de jogos de poder, cujos quais os discursos estão sujeitos. Visto assim,
os discursos acerca da sexualidade seguem o mesmo parâmetro de subjugação. São dos
discursos, subalternos das relações de poder, que criam os arranjos envoltos sobre a
sexualidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obra de Foucault “A história da sexualidade: a vontade de saber” nos remete


para uma nova possibilidade de analisar a sexualidade. Observamos que através da
historicidade, e dos instrumentos de análise utilizados pelo filósofo (arqueologia e
genealogia), que a sexualidade é uma construção discursiva imbricada nas relações de
poder. A emergente ciência do sexo, dada a partir do século XIX, que apontou uma série de
teorias baseadas na repressão sobre as práticas sexuais, é também uma instância de
controle do sexo, ou seja, a ciência é uma esfera que está subjugada às relações de poder-
saber. Vale ressaltar, entretanto, que para Foucault, esse controle só era possível, em
virtude de inúmeras estratégias de incitações para que o indivíduo se pronunciasse sobre
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sua sexualidade.
Visto assim, podemos concluir que Foucault pretende, ao historicizar a
sexualidade, refutar a teoria da sexualidade repressiva, revelando que o sexo não fora
unicamente reprimido pelas esferas de poder, mas que foram estas mesmas instâncias que
construíram a sexualidade enquanto saber-poder. A ideia do poder positivo tratado por
Foucault é esclarecida nesse ponto, pois o mesmo entente que o poder não só reprimia os
discursos sobre as práticas sexuais, mas, preponderantemente, era ele quem os produzia.
Implica dizer que as relações de poder criam as situações para o conhecimento, que por sua
vez, moldam os sujeitos, ao classificar e ditar comportamentos, diferindo-os entre normais
e patológicos, os indivíduos são assim influenciados em seu modo de pensar sobre si,
pensar sobre o outro, e, sobretudo, no modo de pensar a sexualidade.
Em suma, tentamos aqui investigar a prerrogativa de Foucault sobre a vontade
de saber sobre o sexo. O mesmo acredita que essa vontade de saber não é algo que nos
levaria a uma maior liberdade sobre o sexo, ou mesmo que seja algo gratuito ou ingênuo. A
vontade de saber, segundo Foucault, nos revela a pretensão de controle e dominação, e que
não existe uma sexualidade verdadeira ou natural, que nos tornará livres. Em linhas gerais,
Foucault quer nos dizer que a sexualidade é um discurso científico, que é substancialmente
construído pelas condições históricas e culturais, pelas relações de poder-saber, que
determinam as formas de como devemos nos portar e praticar o sexo. Por isso, devemos
pensar a sexualidade para além daquilo que nos é colocado como verdade, como normal,
como científico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

FOUCAULT, MICHEL. História da Sexualidade I: A Vontade de Saber; tradução de


Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. 14. ed. – Rio de
Janeiro: Edições Graal, 2001.

_____. A Arqueologia do Saber; tradução de Luiz Felipe B. Neto. 6. ed. – Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002.

_____. A Verdade e as Formas Jurídicas; tradução de Roberto Machado. 2. ed. – Rio de


Janeiro: Nau Editora, 1999.

_____. Microfísica do Poder; organização e tradução de Roberto Machado. 3. ed. – Rio


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de Janeiro: Edições Graal, 1979.

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