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Introdução

O presente trabalho aborda os impasses atuais dos direitos humanos no Brasil, especialmente
relacionados à universalidade concreta dos direitos e à terceirização das políticas públicas de
direitos humanos. No campo da universalidade concreta dos direitos humanos, destaca-se que,
embora muitos direitos tenham sido consolidados no Ocidente ao longo dos anos, eles ainda
enfrentam desafios para serem efetivamente garantidos, muitas vezes permanecendo como
figuras retóricas ou abstrações inalcançáveis para os indivíduos.
O trabalho ressalta que os avanços associados ao liberalismo escondem dissensos em relação às
reformas necessárias para equacionar as diferenças sociais. A cidadania adquirida nesse
contexto muitas vezes implicou na desvalorização da esfera política, transferindo poderes
exclusivos para o domínio econômico da propriedade privada e do mercado. Isso resulta em
uma dificuldade de alcançar uma universalidade dos direitos humanos.
No campo das políticas públicas de direitos humanos no Brasil, o trabalho observa que houve
uma terceirização gradual dessas políticas desde a redemocratização nos anos 1980. Embora os
direitos humanos tenham se tornado uma política transversal, o Estado brasileiro passou a se
desresponsabilizar, transferindo a gestão direta ou compartilhada para organizações não
governamentais (ONGs). Além disso, a criação de conselhos paritários foi apresentada como
uma conquista política da sociedade civil organizada, mas pode esvaziar a expressão do conflito
político-ideológico, reduzindo o poder de mobilização das ONGs.
Diante desses impasses, o trabalho sugere a necessidade de sair da abstração dos direitos
humanos e buscar formas de enfrentar os desafios em sua efetivação. Isso envolve uma reflexão
crítica sobre a universalidade liberal e suas contradições, bem como a superação das liberdades
públicas para abordar questões sociais e políticas mais amplas. Também é necessário repensar
as políticas públicas e o papel do Estado na garantia dos direitos humanos, evitando a
terceirização que desresponsabiliza o Estado e reduz o engajamento político.

Polícia e Política em Rancière

O conceito de "política" nas ciências sociais é frequentemente mal entendido, mesmo entre os
cientistas sociais. Embora haja falta de consenso acadêmico sobre a definição precisa, raramente
é objeto de controvérsia intelectual. No senso comum e nos discursos acadêmicos, a política
abrange elementos tão diversos quanto políticas públicas, processos eleitorais, manifestações
populares ou diretrizes de gestão empresarial. No entanto, apenas as manifestações populares
são consideradas verdadeiramente políticas, enquanto os outros elementos se referem à ordem
policial.
O filósofo francês Jacques Rancière argumenta que a polícia é o oposto da política, sendo o
conjunto de dispositivos que estabelecem uma determinada ordem ou categorização social
quando a política deixa de existir. A polícia, nesse sentido, não se refere apenas a forças
públicas ou ao direito administrativo, mas sim à ordem dos corpos, às divisões entre modos de
fazer, ser e dizer, tornando algumas atividades visíveis e outras invisíveis, algumas palavras
como discurso e outras como ruído.
Com base nessa distinção entre polícia e política, os direitos humanos podem ser abordados de
duas maneiras distintas, com consequências significativas para a articulação política e
epistemológica do tema em trabalhos científicos. Por um lado, os direitos humanos podem ser
vistos como parte de um projeto pós-político consensual, estabelecido desde a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948. Nessa visão, os direitos humanos são componentes de
um consenso global que busca pacificar a humanidade e cuja realização depende da resolução
de conflitos que contrariam os esforços dos Estados e organizações internacionais nesse sentido.
Por outro lado, os direitos humanos podem ser pensados a partir de uma perspectiva política,
considerando-os como referências para a luta política em um contexto de conflito social e
ideológico, em que a resolução é impossível e o principal motor da história. Portanto, é
necessário examinar como a abordagem policial dos direitos humanos ocorre e como a atual
"arte neoliberal de governar" intensifica essa abordagem, contribuindo para a despolitização dos
direitos humanos e restringindo sua análise a uma mera gestão governamental baseada em
políticas públicas.
Por fim, é apresentada uma análise crítica dessa gestão policial do humano, destacando-se a
necessidade de repolitizar os direitos humanos para reafirmar o projeto de cidadania universal
subjacente a essa problemática.

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