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A questão nacional de Stalin

Stalin’s National Question

Leandro Nobre Magacho1; Thiago de Souza Salvio2

Resumo:
Stalin teve um grande papel na luta revolucionária socialista internacional, teve grande
destaque em uma luta contra a opressão nacional, e sua política interna e externa que a partir
do decorrer de nossa pesquisa se demonstram inteiramente influenciada por essa sua questão
nacional e do conceito de comunidade nacional, questões que foram tratadas por Stalin desde
antes da revolução até mesmo quando o mesmo se tornou secretário geral da PCUS. Seu
conceito de comunidade nacional e questão nacional em si, foi utilizado para demonstrar a
importância da luta anti-colonial que para Stalin era um sustentáculo da revolução socialista
internacional, e das políticas que a medida do possível garantiam a autonomia e o
desenvolvimento das culturas nacionais que antes eram reprimidas pelo czarismo, além de
criticar concepções de “autonomia nacional” que eram um entrave para o progresso da luta
do movimento socialista internacional, pelo seu conteúdo sectarista, não classista e
oportunista.
Palavras-chaves: Stalin. questão nacional. História da URSS.

Abstract:
Stalin, had a great role in the revolutionary socialist international fight, and a great
highlight in the fight against the national oppression, his internal and external policies, that
form the course of our research demonstrate that are fully influenced by the national question
and the concept of national community, questions that were dealt with by Stalin, since before
of revolution and even when himself became the general secretary of CPSU. His concept of
national community and the national question itself, was used to analyze the importance of
the anti-colonial fight that, for Stalin, was a sustainability for the socialist international
revolution, a guarantee for the autonomy and the development of national culture, that before

1
Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Marília.
e-mail: leandromagachu@gmail.com.
2
Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista - UNESP, Campus de Marília.
e-mail: thiagosouzasalvio@gmail.com

1
were suppressed by the tsarism, besides criticize conceptions of “national autonomy” that
were an obstacle to progress of the socialist international movement's struggle, for its
sectarian content, not classist and opportunist.
Keywords:Stalin. National question. History of USSR.

Introdução

Muito se fala sobre Stalin, difamações e desinformações sobre o mesmo é muito


recorrente na academia, tanto vindo dos liberais com o uso frequente da categoria do
“totalitarismo”e até mesmo dentro da própria esquerda marxista. Temos a pretensão de
analisar a questão nacional de Stalin, exatamente para iluminar o caminho obscuro daqueles
que pretendem estudar o mesmo, essa questão nacional, que por sua vez é ignorada pelos até
maiores autores da inteligência brasileira e do mundo, tanto em decorrência da propaganda de
seus adversários que o pintavam até mesmo como um camponês ignorante e tirânico, essa
propaganda que foi consequência em grande parte de Trotsky e pelo memorável relatório
secreto de Kruschev, relatório que mesmo com pouca fundamentação empírica, influenciou
muito a intelectualidade ao redor do mundo3.
Essa visão negativa de Stalin, fez com que infelizmente parte da esquerda marxista se
apegasse a categoria de traição e falência, é que em grande parte da academia, a cegueira
ideológica, faz com que até mesmo aqueles que se consideram dialéticos, deslegitimar Stalin
completamente, utilizando-se de tão somente o mero mecanicismo do “socialismo em um só
país” e consequentemente a não exportação da revolução, inferiorizando-o e em decorrência
disso, sua questão nacional. Essas categorias de traição e falência, devem ser substituídas pela
categoria do processo de aprendizagem para termos uma noção do que de fato foi Stalin, sem
distorção desse ponto de vista como já alertava Domenico Losurdo.

Qualquer que seja o modo pelo qual seja declinada, a categoria de traição
pressupõe a canonização de Marx e Engels (e dos clássicos qualquer que seja
o modo de defini-los) quando não a excomunhão daqueles que são acusados
de haver traído o cânon. O recurso aqui sugerido à categoria de “processo de
aprendizagem implica, ao contrário de um lado a desdemonização de Stalin (
mas também de Kruschev e de Trotsky) de outro a descanonização de Marx
e Engels ( e dos clássicos). E esta descanonização implica, por sua vez que o
processo de aprendizagem está bem longe de ser concluído (LOSURDO,
2009, p. 126-127).

3
Ver (LOSURDO. Stalin. A análise crítica da lenda negra, 2010)

2
Assim sendo, devemos destacar a necessidade desse processo de aprendizagem, e só
podemos fazer isso eliminando os preconceitos que distorcem nossa análise, estudando a
questão nacional e sua concepção de comunidade nacional, utilizando-se de suas próprias
obras, textos escritos, sobre essa problemática bem como a história da URSS, especificamente
as políticas implementadas por ele em seu período como secretário geral do PCUS.
Compreendemos que apesar das possíveis deficiências teóricas no que diz respeito,
por exemplo, a concepção de materialismo histórico-dialético, como algumas pesquisas
apontam para corroborar com a vulgata stalinista, deficiências essas principalmente em
consequência de sua origem social, prática e política4. No entanto, não podemos negar que o
mesmo possui uma grande contribuição ao avanço do marxismo no mundo, tanto teórica
quanto na prácticamente no seio do movimento socialista.
O objeto de estudo cuja contribuição decisiva para a teoria marxista propriamente dita,
nos propomos a examinar, é sua questão nacional; temos então o objetivo de enfatizar que é
necessário combater certos “mecanicismos” reproduzidos por muitos autores das ciências
sociais sobre este viés. O fenômeno historicamente determinante do marxismo no século XX,
enseja a discussão acerca da questão nacional, visto as bruscas mudanças na conjuntura do
mundo, pois pode-se indicar qual o sentido de algumas características das políticas internas e
externas aplicadas no período staliniano na URSS em relação a autonomia nacional, fazendo
um balanço de seus desdobramentos mundiais, já que muitos levantes revolucionários na
periferia do capitalismo vão ter sua subversão influenciada pelo próprio Stalin, e também
serão observadas pelo mesmo com grande enfoque5. Como diria Stalin em sua análise dos
efeitos da revolução de outubro no mundo,em 1918

Basta considerar as regiões ocupadas que gemem sob a opressão do


imperialismo e desejam a libertação, basta considerar a Rússia, que conduz
uma guerra revolucionária pela defesa da pátria socialista e contra os
saqueadores do imperialismo; basta refletir sobre os acontecimentos que
anualmente se verificam na Áustria-Hungria; basta considerar as colônias e
semi-colônias subjugadas que já organizaram soviets (Índia, Pérsia, China),
basta considerar tudo isso para compreender plenamente o valor
revolucionário do princípio de autodeterminação na interpretação que lhe dá
o socialismo (STALIN, 1918, n.p).

4 Stalin, teve uma origem humilde nasceu na pobre Georgia, em uma família onde seu pai era um sapateiro de
ofício. Além de ter entrado para militância política cedo, Stalin havia se tornado um homem da prática, havia
dirigido greves e revoltas, que consequentemente culminou no encarceramento frequente do mesmo(
MARTENS, 2003).
5 Levantes como a revolução chinesa por exemplo, que o povo chinês, fazendo essa revolução, tiveram grande

influência da questão nacional de Stalin, podemos ver isso, lendo a sobre a concepção de questão nacional de
Mao Tsé Tung que se manifesta em sua obra Sobre a nova democracia(1975) ou os grandes levantes
revolucionários que emergiram no continente africano, que tiveram influência inegável dessa questão.

3
Em seus textos sobre a questão nacional Stalin e a tradição leninista como um todo,
haviam colocado os povos periféricos e os povos do centro um do lado do outro, teceram-se
críticas a segunda internacional socialista, que diferenciava os povos oprimidos pela opressão
nacional de Europeus “cultos”, com os povos oprimidos da Ásia e da África que eram
considerados em si mesmos, uma espécie de povos inferiores e incultos6. Essa construção de
uma ponte que liga os dois pólos para a revolução mundial, contra o imperialismo, deve ser
encarada como um salto qualitativo dentro do marxismo, uma conquista da terceira
internacional que Stalin participou, além de demonstrar principalmente o erro crasso de se
analisar a defesa de um socialismo em um só país de maneira unilateral e acrítica. No decorrer
desse artigo vamos argumentar como esse raciocínio é equivocado7.
Stalin defendia sim a revolução internacionalista, a exportação da revolução, porém,
de uma maneira que preservasse a liberdade dos povos de se fazer revolução por livre e
espontânea vontade sem a imposição das armas de outro país, como diria Marx e Engels no
Manifesto do Partido Comunista, “naturalmente os trabalhadores vão acabar destruindo a
burguesia de seu país”. Essa citação é importante pois assim como os fundadores do
socialismo científico, Stalin viu as particularidades de cada país e também, na esteira de João
Amazonas a propósito da tarefa do marxismo-leninismo “ a revolução em todo o mundo como
um processo de lutas radicalizadas (...) se desenvolvem em níveis diversos e em distintos
países, nos cinco continentes” (AMAZONAS, 1984, n.p).
Como seus escritos demonstram em 1918 8 , Josef Stalin, também possuía a
compreensão de que a revolução deveria se espalhar pelo mundo, isso demonstra mais uma
vez o quão taxativo pode ser a ‘revolução em um país só’ para caracterizar o pensamento de
Stalin, pois ele também tinha pretensões como Trotsky de exportar a revolução socialista.
Essa primeira libertação dos povos oprimidos na Rússia vai levar, com efeito, outros povos a
fazer o mesmo, o processo revolucionário se mostra como mundial, os povos periféricos

6
Essa tendência de dividir o proletariado do mundo em inferiores e superiores, civilizados e
cultos,revolucionários e não revolucionários não se restringe a segunda internacional, inclusive alguns
bolcheviques ainda levantaram essa bandeira dentro do partido de depois da revolução de outubro (MARTENS,
2003, p.58).
7
Cf. MARTENS, 2003, p.57;STALIN, 1924; MORAIS, 2013, p.164-166)
8
“Tendo vencido no centro da Rússia e penetrado numa série de regiões periféricas, a Revolução de Outubro
não podia permanecer entre os limites territoriais da Rússia. Na atmosfera da guerra imperialista mundial e do
descontentamento geral das camadas inferiores, ela não podia senão difundir-se nos países vizinhos. O
rompimento com o imperialismo e a libertação da Rússia da guerra de rapina; a publicação dos acordos secretos
e a solene renúncia à política de conquista dos territórios estrangeiros; a proclamação da liberdade nacional e o
reconhecimento da independência da Finlândia; a proclamação da Rússia como "Federação das Repúblicas
Nacionais Soviéticas" e o apelo lançado pelo Poder Soviético ao mundo por uma luta decidida contra o
imperialismo, tudo isso não podia deixar de exercer uma notável influência sobre o Oriente subjugado e o
Ocidente ensangüentado”(STALIN, 1918, n.p).

4
agora tinham como vencer os entraves da opressão nacional, fazendo que tanto o ocidente
adiantado quanto o oriente atrasado se libertarem da opressão nacional podendo reagir contra
o imperialismo internacional se tivessem a capacidade de lutar conjuntamente contra as
forças imperialistas e a opressão nacional.
Agora que denotamos que o estudo sobre a questão nacional é de suma importância,
seja nos permitido expor algumas de suas principais implicações nas políticas soviéticas. Em
1913, Stalin escreveu o opúsculo chamado ‘Marxismo e o problema nacional e colonial’, esse
texto se deterá nas concepções em volta do conceito de “nação”, por conseguinte, considerar-
se-á a nação como uma comunidade estável construída historicamente que engloba quatro
tipos de comunidade (as quais nos deteremos em seguida) que juntas, vinculam todos os
indivíduos, formando uma realidade nacional, e também serão criticados muitos de seus
opositores do partido social-democrata que para ele, tinham uma visão distorcida sobre a
questão da autonomia nacional e do socialismo.

Concepção de nacionalidade para Stalin e o problema colonial

Para Stalin, a nacionalidade consiste em uma comunidade estável de seres humanos


formada historicamente, essa conclusão faz com que Stalin possa diferenciar a comunidade
nacional da comunidade estatal, ele distingue ambas se baseando na formação de estados
construídos a força, através de conquistas 9 . Porém, não basta analisar a nacionalidade tão
somente com essa definição, é preciso analisar mais profundamente o conceito de
nacionalidade. De início, essa “comunidade nacional” é dividida em cinco diferentes
comunidades que são todas conectadas em si, que estão unidas consecutivamente, que são a
comunidade de idioma, comunidade económica, comunidade espiritual e a comunidade
territorial, sem uma dessas comunidades não é possível formar uma nação (STALIN, 1913).
A comunidade territorial, consiste na relação histórica geracional de cada membro
dessa nacionalidade, no mesmo espaço, a comunidade de idioma, obviamente se define pelo
mesma linguagem caracterizada pelos povos dessa territorialidade, a comunidade econômica
será considerada como sendo um dos elementos fundantes da nação, pois essa consiste no
vínculo econômico entre os povos dessa territorialidade que possuem mesmo idioma, por isso
só o capitalismo fez com que se surgisse a consciência nacional, já que neste sistema a

9
A Rússia por exemplo não pode ser considerada em si um único país para Stalin, já que ela é um conjunto de
diferentes nacionalidades eslavas, sendo dominada por um estado monarquista, por isso a diferenciação entre
comunidade nacional e estatal, estados podem ter em sua constituição diversas nacionalidades.

5
relação econômica entre os diferentes indivíduos, dessa mesma territorialidade, estreito- se.
Como afirma Stalin:

Há de existir ainda um vínculo econômico interno que solde num todo único
as diversas partes da nação. Entre a Inglaterra e América do Norte não existe
esse vínculo; por isso elas constituem duas nações distintas. E os mesmos
norte-americanos não mereceriam o nome de nação se as diversas partes da
América do Norte não estivessem unidas entre si numa economia única,
graças à divisão do trabalho estabelecida entre elas, ao desenvolvimento das
vias de comunicações, etc (STALIN, 1946, n.p).

Além da união das partes em um todo econômico, é necessário também uma


fisionomia espiritual própria do povo, ou seja, os costumes peculiares desses povos. Sob esse
critério, o autor explica seu entendimento sobre as particularidades culturais de cada nação,
isso mostra que Stalin não incorreu no mesmo erro de muitos marxistas reducionistas que
criam uma espécie de universalismo abstrato, onde todos os povos são iguais, só porque a
essência da contradição da luta de classes é supostamente a mesma, como podemos ver, já em
seus escritos de 1913 Stalin nega essa pretensão universalista abstrata. As nacionalidades
possuem particularidades que devem ser analisadas antes de recorrermos a uma revolução
internacionalista que não respeita as particularidades nacionais10.
Com essa concepção de nacionalidade, começa-se a analisar também a relação entre as
nacionalidades oprimidas em situação colonial com os países do centro que oprimem àqueles,
chegando-se a acepção de que há uma composição social nesses países, que possibilita a
existência de uma burguesia que, por vezes, se rebela contra a burguesia nacional do país
capitalista antigo, fazendo com que nas revoltas contra esses países colonialistas, a burguesia
do país oprimido tenta cooptar os camponeses e o proletariado em geral para travar suas lutas.
Os primeiros têm grande possibilidade de se envolver no conflito dependendo do grau de
repressão, já que estes sentem a opressão nacional através da perda de posses de terra como
aconteceu na Irlanda por exemplo, os segundos, também, por vezes são cooptados, porque
sentem a opressão nacional através das perdas de seu direitos em consequência da opressão
nacional.
É importante sublinhar neste ponto que, Stalin em nenhum momento nega um
movimento nacional com a bandeira burguesa, que possui reivindicações como direitos civis
bem como a liberdade de idioma, liberdade de religião e outras pautas ligadas a interesses
econômicos da classe, já que a burguesia considera a sua bandeira como sendo a bandeira
universal da “pátria”, porém, esse movimento não sendo essencialmente da classe

10
Ver LOSURDO, 2010. p. 122) sobre o universalismo abstrato de Rosa Luxemburgo

6
trabalhadora, o proletariado pode e deve marchar rumo a esse movimento nacional, pois
algumas pautas são necessárias para seu desenvolvimento cultural e para contribuição
material para sua luta, como a pauta de direitos civis da nacionalidade e para luta anticolonial
propriamente dita. Entretanto, temos que tomar cuidado com algumas interpretações sobre
esse aspecto, o proletariado consciente dependendo do desenvolvimento das contradições de
classe participa desse movimento, contudo, não sob a bandeira da burguesia, mas sobre sua
própria bandeira11.

O problema imperialista e a revolução socialista internacional

Depois da explicação sobre a concepção de nacionalidade que é um dos alicerces para


partir à crítica a elementos do movimento social democrata, sustentando suas políticas de
governo quando ele se torna secretário geral, será necessário falarmos sobre a influência de
sua política externa na URSS, é imprescindível abordarmos seu ‘Sobre os fundamentos do
leninismo’, o capítulo sobre a questão nacional tange muitos aspectos de como os comunistas
deveriam agir na luta contra o imperialismo, lutas cuja contradição se desdobra em uma
dialética entre a parte e o todo.
Nesse texto Stalin vai apontar o caráter chauvinista da segunda internacional, onde a
dominação e a subjugação dos povos oprimidos, ainda era algo tolerável, o problema nacional
para a segunda internacional se resumia a um aspecto puramente jurídico e cultural, que
basicamente só permitia a conservação da cultura dos povos oprimidos, apesar da contínua
exploração dos mesmos. Para Stalin, o leninismo desmascarou esta disparidade escandalosa;
“demoliu a muralha que separava brancos e negros, europeus e asiáticos, escravos "cultos" e
"incultos" do imperialismo, ligando, desse modo, o problema nacional ao problema das
colônias”. Além do que, identifica algo crucial para a nossa problematização, que é a
necessidade dos países socialistas fomentar e apoiar esses estados novos, pois “o sucesso” dos
mesmos representaria um golpe ao imperialismo internacional (STALIN, 1954).
Stalin argumentou também, que as colônias como reservas da burguesia imperialista, não tem
serventia ao movimento socialista internacional, no entanto, elas se tornando independentes e
uma reserva do proletariado internacional e um propenso aliado dos países socialistas, podem
ser bem mais benéficos para os movimentos de libertação nacional. Assim sendo,

11
“Que o proletariado se coloque sob a bandeira do nacionalismo burguês — depende do grau de
desenvolvimento das contradições de classe, da consciência e da organização do proletariado. O proletariado
consciente tem sua própria bandeira, já provada, e não necessita marchar sob a bandeira da burguesia.”(id.ibid.)

7
[...]o leninismo provou, e a guerra imperialista e a revolução na Rússia 12 o
confirmaram, que a questão nacional só pode ser resolvida em relação com a
revolução proletária e sobre a base desta; que o caminho do triunfo da
revolução no Ocidente passa através da aliança revolucionária com o
movimento antiimperialista de libertação das colônias e dos países
dependentes. A questão nacional é parte da questão geral da revolução
proletária, parte da questão da ditadura do proletariado (id. ibid., n.p).

Tendo em vista a análise do texto dos Fundamentos do leninismo podemos ver que no
decorrer dele, Stalin demonstra muito enfoque sobre os países coloniais e sua importância, e o
progresso qualitativo da terceira internacional de olhá-los como um elemento importante para
a revolução proletária internacional e demonstra até que ponto que questão nacional e a
emancipação dos países sob a égide do colonialismo, contribui para a revolução internacional.
Entretanto, não se deve apoiar qualquer movimento nacional o apoio desses tem que
partir do princípio que essa libertação faz parte de um todo e que nem sempre esses
movimentos por independência tem impacto, ou seja, enfraquecem o imperialismo, quando
acontece esses casos “não se pode falar em apoio”, muitos deles contribuem para a
desestabilização do movimento socialista internacional, os movimentos nacionais só podem
ter o apoio socialista quando olhamos do ponto de vista da “parte” e do “todo”, se esses
movimentos contribuem em si para a queda dos imperialistas.
Deste modo, o apoio socialista a movimentos de libertação nacional não é algo
absoluto para Stalin, isso é algo que para ele pode variar:

A luta do emir do Afeganistão pela independência de seu país é,


objetivamente, uma luta revolucionária, apesar das idéias monárquicas do
emir e dos seus adeptos, porque essa luta enfraquece, decompõe e mina o
imperialismo. Por outro lado, a luta de certos "ultra" democratas e
"socialistas", "revolucionários" e republicanos do tipo de, por exemplo,
Kerenski e Tsereteli, Renaudel e Scheidemann, Tchernov e Dan, Henderson
e Clynes, durante a guerra imperialista, era uma luta reacionária, porque
tinha por objetivo adornar artificialmente, consolidar e levar ao triunfo o
imperialismo. A luta dos comerciantes e dos intelectuais burgueses egípcios
pela independência do Egito é, pelas mesmas razões, uma luta objetivamente
revolucionária, conquanto os chefes do movimento nacional egípcio sejam
burgueses por sua origem e situação social e conquanto sejam contra o
socialismo, enquanto a luta do governo "operário" inglês, para manter a

12
Ver (STALIN, J.V. 1918), Nesse texto Stalin vai demonstrar o papel da questão nacional das nacionalidades
oprimidas na revolução de outubro, demonstrando a decadência da concepção de autodeterminação burguesa e a
ascensão da concepção proletária da mesma, em decorrência principalmente da continuação da opressão nacional
e da guerra mundial, sob essas regiões subjugadas, o que fez com que o proletariado dessas regiões perdesse as
ilusões da concepção de autodeterminação burguesa, fazendo com que eles apoiassem a revolução e fizessem
revoltas contra a própria burguesia de sua nação. Por isso, se vê aqui, que a única possibilidade de
“autodeterminação” é sobre a revolução socialista e proletária, pois só essa deixa os povos livres da opressão
nacional, ou seja o imperialismo.

8
situação de dependência do Egito, é, pelas mesmas razões, uma luta
reacionária, muito embora os membros desse governo sejam proletários, por
origem e situação social e conquanto sejam "favoráveis" ao socialismo. E
não falo do movimento nacional dos outros países coloniais e dependentes
maiores, como a Índia e a China, cada um dos quais pelo caminho da
libertação, mesmo quando contrariam as exigências da democracia formal,
são golpes de malho sobre o imperialismo e, por isso, são
incontestavelmente passos revolucionários.

Superação das contradições nacionais

Explicitando alguns fundamentos da questão nacional em Stalin, podemos traçar em


linhas gerais nossa proposta, que é delinear as influências das suas ações práticas ligadas às
políticas internas e externas, mas reforçando o propósito delas com o aprofundamento de sua
tese relacionada a maneira como trata as nacionalidades. Portanto, iremos começar pela
análise das políticas internas da URSS, em relação a autonomia das nacionalidades, para isso,
voltaremos ao ‘Marxismo e o problema nacional e colonial’, pois será criticado algumas
tendências dentro do movimento social-democrata, no que diz respeito à autonomia nacional.
Na social-democracia internacional, correntes como as de Bauer e do Bund defendiam
uma espécie de federalismo sectarista no seio do movimento operário. Além desses
movimentos pretenderem a divisão dos partidos sociais democratas em nacionalidades (esse
era o caso dos liquidacionistas), defendiam que essa cisão deveria se dar, pois, para estes
operários judeus como defenderia o Bund; Bauer e Spring não poderiam se unir com outras
nacionalidades de operários, pois isso feria a “autonomia nacional”, o que na prática
ocasionou a fragmentação dos partidos e retrocesso na luta da classe trabalhadora, por não se
ter uma unidade baseada na universalidade do recorte de classe, o enfoque de nacionalidade
muitas vezes resultava que os proletários de dada nação, se uniam com a burguesia de seu país
contra os demais setores da classe operária (STALIN, 1913).
Enquanto, o federalismo baseado nas concepções oportunistas daqueles que defendiam
a ideia de autonomia nacional de maneira errônea segundo Stalin, tinha a tese de criar
federações e estados nacionais autônomos para cada nacionalidade. Essa tese foi duramente
criticada pelo autor, primeiramente, porque era impraticável, no mundo capitalista do século
XX, em decorrência de fluxos imigratórios, faziam com que a composição nacional de cada
região não fosse algo fixo, assim poderia resultar em vários conflitos, em segundo plano, uma
divisão territorial em nacionalidades, gerar-se-ia deficiências no aproveitamento dos recursos
naturais para se desenvolver as forças produtivas e, por último, esse ponto é muito importante,
diversas nacionalidades possuem culturas e costumes, ou seja, “peculiaridades

9
nacionais”(eventualmente prejudicam o proletariado), por exemplo, o direito de vingança
praticado pelos georgianos, algo que ao seu ver, a social-democracia deveria ser contra e
combater essa prática, independente da autonomia nacional.
Todavia, Stalin irá tentar responder ao problema de autonomia nacional, criando um
outro conceito que é a autonomia regional para solucionar esse problema. Para isso, primeiro
defenderá a necessidade de um partido único que una todos os trabalhadores independente de
sua nacionalidade, para levar adiante os interesses da classe trabalhadora como um todo; a
solução para a questão da opressão nacional, seria o fim dos privilégios e restrições de todas
as nacionalidades, assim, não há um descontentamento das massas por que querem uma união
nacional artificial.

O que provoca descontentamento nessas minorias não é a inexistência de


uma união nacional, mas a inexistência da liberdade de consciência, de
movimentos, etc. Dai-lhes essas liberdades, e deixarão de estar
descontentes.Temos, pois, a igualdade de direitos sob todas as suas formas
(idioma, escolas, etc.) como ponto indispensável para a solução do problema
nacional. Uma lei geral do Estado, baseada na plena democratização do país
e que proíba todos os privilégios nacionais sem exceção e todas as restrições
e limitações de qualquer espécie, opostas aos direitos das minorias nacionais.
Nisto e somente nisto poderá estar a garantia real e não fictícia dos direitos
das minorias (op., cit., n.p).

Dessa maneira, o ideal para resolver os problemas em relação a autonomia nacional é


continuar com um partido único que se baseia no internacionalismo, e garantir a autonomia
regional de territorialidades para que essas possuam direito de autodeterminação
administrativa, e para que a classe trabalhadora desse dado território tenha o direito de se auto
organizar, de acordo com os interesses das classes em geral, assim se rompe as fronteiras
nacionais e em vez de haver uma incitada delimitação e criação de novas fronteiras que gera
conflitos nacionais, a delimitação se torna tão somente de classe, por isso

A única solução verdadeira está na autonomia regional, a autonomia


por unidades tão definidas como a Polônia, a Lituânia, a Ucrânia, o Cáucaso,
etc. A vantagem da autonomia regional consiste, antes de tudo, em que nela
não nos temos de haver com uma ficção sem território, mas, pelo contrário,
com uma população determinada, que vive em território determinado. Por
conseguinte não delimita as pessoas por nações, não reforça as barreiras
nacionais, mas, pelo contrário, rompe essas barreiras e agrupa a população,
para abrir o caminho a uma delimitação de outro gênero, a uma delimitação
por classes. Finalmente, dá-nos a possibilidade de explorar da melhor
maneira os riquezas naturais da região e desenvolver suas forças produtivas,
sem esperar que a solução venha do centro comum — funções estas que a
autonomia nacional-cultural não exerce.Temos, pois, a autonomia regional
como ponto indispensável para a solução do problema nacional.Não resta
dúvida que nenhuma das regiões representa homogeneidade nacional

10
completa, pois em todas elas interferem minorias nacionais.É o que acontece
com os judeus na Polônia, com os letões na Lituânia, com os russos no
Cáucaso, com os polacos na Ucrânia, etc. Pode-se temer, por essa razão, que
as minorias sejam oprimidas pelas maiorias nacionais. Mas esse temor só
terá motivo de existir se o país continuar vivendo sob a velha ordem de
coisas. Dai ao país plena democracia, e esse temor desaparecerá por falta de
base (id., ibid).

Enfim, o georgiano assim demonstra como solucionar o problema ligado à autonomia


nacional, pensando na universalidade relacionado a essência da contradição do capitalismo
que é a luta de classes, fazendo com que o movimento proletário conserve seu
internacionalismo e não se torne separatista e sectarista até às últimas consequências,
respeitando o fim das restrições e privilégios das nacionalidades, as peculiaridades nacionais.
De acordo com Domenico Losurdo em sua obra Stalin: A análise crítica da lenda negra, uma
extensa pesquisa demonstra que, esses princípios defendidos por ele em 1913, foram ainda
presentes em toda sua prática política depois da revolução de outubro, o que nos enfatiza isso
são suas posições políticas na guerra cívil na em 1917 a 192213 e suas políticas de governo.
Essa defesa é percebida, na construção de escolas que possuíam idiomas de
nacionalidades que antes eram perseguidas e reprimidas, os judeus que antes fugiam dos
pogroms, agora estavam em altos escalões do governo soviético, tinham sua cultura com um
constante investimento do Estado para sua difusão, e possuíam o Yiddish em suas escolas, em
jornais, congressos e literaturas traduzidas, várias nacionalidades eslavas que antes não eram
reconhecidas e não possuíam estima, começaram a ter esse avanço, o que torna isso aparente é
a “ucrânialização” das cidades ucranianas, que além de se caracterizar, pela tradução de
livros e com promoção do desenvolvimento da cultura, perpassou também pelo mesmo
processo o aparelho estatal, com o aumento da composição do partido comunista ucraniano, e
a diminuição dos russos. Além de sua questão nacional se apresentar como apoio das lutas
anti-coloniais 14, como na revolução chinesa, a influência da questão nacional de Stalin se
manifestava muito nos escritos de Mao Zedong sobre a opressão imperialista, e na
emancipação de países africanos.
Algo que muitos críticos levantam sobre o processo de internacionalização do
socialismo no período staliniano da URSS, é que no período pós guerra em 1945, a URSS
estava tímida no que diz respeito a expansão do socialismo, essa premissa tem um fundo de

13
Confira, (STALIN, 1954), texto onde o autor propõe criação de repúblicas independentes com os princípios da
autonomia regional e reforçou que o povo soviético não se integraria ao estado soviético a força, mas pela
fraternidade entre os trabalhadores e os camponeses, que nos demonstra seu internacionalismo, que respeita as
particularidades nacionais, ou seja a autodeterminação dos povos.
14
Ver essas informações no texto de (LOSURDO, ibid).

11
verdade, contudo, se essa característica não é analisada tendo em vista as condições materiais
novas que esse país socialista vivia no pós guerra, as conclusões que alguns autores podem
chegar sobre essa nova atitude da União Soviética em relação a outros países que estavam
fazendo uma movimentação de libertação nacional socialista, pode vir a se tornar uma
conclusão sustentada por uma paranóia de que “Stalin que era uma entidade maligna e estava
fazendo contra revoluções pelo mundo”. Conclusão que em si, ignora completamente as
particularidades do período.
É preciso entender que no pós guerra, o país precisava se reconstruir, já que a maior
parte de suas forças produtivas haviam sido destruídas na guerra, além do que, nem o poderio
militar do exército vermelho, seus recursos materiais da época, eram capazes de sustentar uma
guerra em escala global, o que explica o porque o PCUS tentava a todo custo evitar uma
guerra direta contra os EUA ( MUNHOZ, 2016, p. 458).
No entanto, mesmo com todas essas dificuldades a URSS, teve uma grande
participação em movimentos de libertação nacional, principalmente asiáticos, como foi o caso
da luta socialista anti-colonial coreana e a chinesa15. Os socialistas com o apoio da URSS
estavam tão avançados na Ásia, que alguns historiadores defendem que as medidas enérgicas
dos EUA no continente na segunda guerra, eram ações preventivas que tinham como objetivo
de evitar uma partilha socialista da ásia

Já para uma gama variada de outros historiadores, com destaque para os


revisionistas, os bombardeios nucleares tinham por objetivo finalizar a
guerra rapidamente para evitar a partilha da Ásia com a URSS e, em
paralelo, pressionar e limitar as ambições soviéticas na Europa[...]Logo após
a guerra, os EUA impediram que a URSS participasse da rendição formal do
Japão e desenvolveram estratégias para conter as forças soviéticas presentes
na Manchúria, no norte do Vietnã e da Coréia. Para Melvin Leffler, Truman,
Acheson e seus assessores avaliavam que a URSS estava frágil e que não
buscaria um confronto direto com os EUA. Leffler insiste na tese de que a
grande questão para os elaboradores da política externa dos EUA era evitar
que a URSS pudesse unir o seu potencial, os recursos naturais da Eurásia e a
mão de obra qualificada da Europa Ocidental. Eles temiam que se isso
acontecesse e a URSS conseguisse desenvolver o seu potencial tecnológico,
no futuro ela se tornaria uma formidável competidora dos
EUA.(MUNHOZ, 2016, p.458-459)

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Como diria Mao Tsé tung, em seu texto Estaline, Amigo do povo chinês:”Mas há também amigos de tipo
inteiramente diferente, aqueles que nos têm uma simpatia real e nos tratam como irmãos. Quem são? O povo
soviético e Estáline.A não ser a União Soviética, nenhum Estado renunciou aos seus privilégios na
China.Durante a nossa Primeira Grande Revolução, enquanto todos os imperialistas estavam contra nós, apenas a
União Soviética nos dispensou ajuda.Desde que começou a Guerra de Resistência contra o Japão, nenhum
governo dos países imperialistas nos apoiou verdadeiramente, sendo a União Soviética o único país que nos
ajudou com a sua aviação e com material.”( MAO, 1975, n.p).

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Considerações finais

Podemos ver que Stalin teve um vasto material produzido ligado ao estudo da questão
nacional, ele a desenvolveu criando uma concepção de nacionalidade ampla e
fundamentando-a, criticou grandes personalidades do movimento social-democrata
internacional, que possuíam segundo ele, uma ideia da autonomia nacional que era errônea e
oportunista. Esta visão de mundo influenciou sua posição política, quando era secretário geral
do PCUS bem como a maneira de como se organizaria a URSS na questão da cultura e
autonomia das nacionalidades, fazendo com que a política interna soviética prezasse pela
consolidação de regiões socialistas que lutassem contra os privilégios e restrições de todas as
nacionalidades.
O estudo da questão nacional nos realça com transparência algumas análises
infundadas relacionadas ao nome de Stalin, com os seus textos antes de outubro de 1917 e no
decorrer da revolução, o georgiano já demonstrava grande interesse pela exportação da
revolução que se daria não só com a emancipação da Europa e os países coloniais “cultos”,
mas também, com a emancipação dos países periféricos e do centro trabalhando juntos pela
revolução socialista internacional e contra o imperialismo, demonstrando que a independência
dos países semicoloniais dependendo de como cada nação oprimida deveria influir sobre o
todo, poderia acabar beneficiando ou não a luta proletária socialista contra a hegemonia
imperialista. A partir dos decorrer deste artigo, podemos ver que na medida do possível Stalin
seguiu os princípios de sua questão nacional.

Referências bibliográficas

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Princípios: Revista teórica e política de informação. Editora Anita Garibaldi, n.8, 1984, p. 5-
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janeiro:Editora Revan, 2010.
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1952. Tomo 2, p. 553-628.
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Povo:Pequim, 1975, Tomo 2, p. 545-547.
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a guerra fria. Florianópolis, Revista Esboços, v. 23, n. 36, 2016, p. 452-469.
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Editorial Vitória Ltda, 1946.
____________. Sobre os fundamentos do leninismo. J.V-Stálin Obras, 6° vol, Rio de
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