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O status marginalizado do animal

O texto que você compartilhou trata da possibilidade de animais serem


protagonistas em obras literárias e da representação figurativa e simbólica
desses animais, que muitas vezes são antropomorfizados. Essa abordagem
é comumente utilizada em narrativas alegóricas, nas quais os animais
espelham características e questões morais relacionadas aos seres
humanos.
A perspectiva apresentada no texto tem suas raízes na cultura greco-latina,
em que as personagens eram tratadas como reflexos ou imitações da pessoa
humana. Os animais, assim como outros grupos marginalizados na
sociedade, foram considerados à margem dessa concepção antropocêntrica.
O conceito de "personagem" ao longo dos séculos esteve limitado a uma
visão ocidental que estabelecia uma hierarquia social na qual apenas seres
humanos eram considerados "pessoas".
O autor João Guimarães Rosa, por meio das obras "O burrinho pedrês" e
"Conversa de bois", desafia essa concepção restrita de personagem ao dar
ênfase biográfica aos animais, questionando quais conceitos de vida estão
envolvidos na literatura. A ênfase recai sobre as vidas dos animais,
evidenciando uma provocação sobre o significado da vida na literatura.
O pensador Giorgio Agamben destaca que os gregos tinham termos
diferentes para expressar o que é "vida", como "zoé", que se referia ao
simples fato de viver comum a todos os seres vivos, e "bíos", que indicava a
forma ou maneira de viver específica de um indivíduo ou grupo. Zoé se
referia a uma vida natural, enquanto bíos representava uma vida qualificada,
um modo particular de vida.
Portanto, ao explorar as biografias dos animais em suas obras, Guimarães
Rosa levanta questões sobre os conceitos de vida, colocando em discussão
tanto a zoé, a vida natural compartilhada por todos os seres vivos, quanto o
bíos, o modo particular de vida que cada indivíduo ou grupo possui.
Essa abordagem desafia as fronteiras entre o humano e o animal,
questionando a hierarquia estabelecida pela perspectiva antropocêntrica e
provocando reflexões sobre a natureza da vida e a maneira como nos
relacionamos com os demais seres vivos.
Quando um animal é antropomorfizado, significa que ele é retratado ou
descrito como tendo características humanas, como pensamentos, emoções,
fala ou ações que normalmente são atribuídas apenas aos seres humanos.
Isso pode incluir dar aos animais personalidade, inteligência, habilidades de
comunicação verbal, consciência de si, moralidade ou capacidade de
raciocínio.
A DIGNIDADE LITERÁRIA DE SETES OUROS
O texto discute o conceito de "personagem" na literatura e como ele
está associado principalmente à ideia de "pessoa", excluindo a possibilidade
de animais serem protagonistas. Argumenta-se que os animais são
frequentemente representados de forma antropomorfizada em narrativas
alegóricas, servindo como espelhos do homem. Esse paradigma está
enraizado na cultura ocidental, que historicamente marginalizou os animais,
assim como outros grupos considerados "primitivos" ou "bárbaros". A
definição restrita de personagem reflete uma visão antropocêntrica do
mundo.
O autor menciona a distinção entre dois termos gregos para expressar o
conceito de "vida": "zoé", que se refere à vida comum a todos os seres vivos,
e "bíos", que indica uma forma específica de vida de um indivíduo ou grupo.
Destaca-se que o homem se humaniza e se torna político ao ingressar na
linguagem e na temporalidade histórica. A separação entre a vida nua e a
linguagem é fundamental para a política, e essa politização da vida nua é
crucial para a humanidade do homem.
A discussão se aprofunda na perspectiva de Aristóteles sobre a vida,
destacando a função nutritiva como uma parte da alma que os animais
também possuem. No entanto, ao longo da história, a vida animal foi
separada no íntimo do homem, estabelecendo uma distância entre o humano
e o animal. Essa divisão foi fundamental para a definição do humano como
uma comunidade política separada dos outros seres vivos. O autor sugere
que a questão do homem e do humanismo precisa ser repensada, e que a
separação entre o homem e o animal é mais relevante do que as questões
sobre direitos humanos e valores.
A discussão enfatiza a importância da linguagem e da escrita biográfica na
atribuição de vida aos seres e na proteção da vida. Os animais, por não
participarem da comunidade de direitos, são privados de uma história e de
palavras para sua existência. No entanto, o autor argumenta que os animais
não são completamente estranhos ao mundo, mas estão em um modo de
não-estar, abertos ao tempo de maneira inacessível.
No contexto da literatura de João Guimarães Rosa, o texto destaca como o
autor rejeita a concepção de animal-máquina cartesiana e retrata o burrinho
Sete-de-Ouros como um ser vivo com sua própria vida e relação única com o
mundo e o sertão, sem transformá-lo em uma alegoria da vida humana.

Narrador como mediador da comunicabilidade do Burrinho


A biografia do animal, a composição inicial do enredo centrada na
personagem Sete-de-Ouros e o foco narrativo privilegiando o ponto de vista
do burrinho são elementos da narrativa de Rosa que contradizem a filosofia
de René Descartes sobre os animais serem considerados "autômatos" ou
animais-máquina. O narrador descreve detalhadamente os movimentos e a
aparência física do burrinho, revelando sua expressividade e sua observação
dos outros animais ao seu redor. O burrinho pedrês mostra
descontentamento com as práticas violentas e conflitos desnecessários
presenciados, ao mesmo tempo em que manifesta certo conformismo para
evitar problemas. O narrador busca destacar a contestação de Sete-de-Ouros
em relação às circunstâncias tumultuosas dos bois e sua postura de buscar
evitar exageros.

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