Você está na página 1de 152

EIXPACO E

YOCIEDADE
Milton Santos VOZES
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ

Santos, Milton.
S236e Espaço e sociedade : ensaios / Milton Santos.
—— Petrópolis : Vozes, 1979.
156p.

Bibliografia.
1. Antropogeografia 1. Título.

CDD — 810.03
T79-0656 CDU — 811.3
ESPAÇO E SOCIEDADE
(Ensaios)

MILTON SANTOS

Petrópolis
Editora VOZES Ltda.
1979
O 1979, Milton Santos
Direitos de publicação:
Editora VOZES Ltda,
Rua Frei Luís, 100
25.600 Petrópolis — RJ
Brasil j

Diagramação
Bia
Sumário

1. SOCIEDADE E ESPAÇO: A FORMAÇÃO SOCIAL COMO TEO-


RIA E COMO MÉTODO, 9
1. A Categoria de Formação Social, 10
2. Formação Sócio-Econômica ou Formação Espacial?, 14
3. O Papel das Formas, 16
4. Espaço e Totalidade, 17
Notas, 19
Referências Bibliográficas, 22
Il. O ESTADO-NAÇÃO COMO ESPAÇO, TOTALIDADE E MÉTODO, 28
PO
1. jO Estado-Nação como Totalidade e como Espaço, 28
2./0 Espaço como Estrutura Social, 29
3. Os Países Subdesenvolvidos, 30
4. Um Exemplo: o Uso da Terra, 32
5. Um Método: da Totalidade aos Conceitos e Modelos, 33

1H. A DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL COMO UMA NOVA PISTA


PARA O ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO ESPACIAL E DA URBA-
NIZAÇÃO NOS PAISES SUBDESENVOLVIDOS, 36
1. Divisão do Trabalho e Organização Espacial, 37
2. Divisão Internacional e Interna do Trabalho: o Estudo de um
País como uma Formação Social, 40
3. As Formas e o Problema do Tempo, 42
4. As Instâncias Sociais como Instrumento Analítico, 44
5. O Estudo das Grandes Cidades e da Rede Urbana, 47
6. Resumo à Guisa de Conclusão, 51
Notas, 52
Referências Bibliográficas, 53

IV. TERCIARIZAÇÃO, URBANIZAÇÃO, PLANIFICAÇÃO:


NOTAS DE METODOLOGIA, 55
. Um Defeito Congênito, 56
Um Novo Fenômeno e uma Velha Denominação, 56
ON

. Os Terciários Novos ou Renovados, 57


«. A Necessidade da Conceituação, 58
MP

. Divisão Social (Internacional e Interna) e Divisão Espacial


do Trabalho, 58
. Especificidades dos Países Subdesenvolvidos, 59
. O Problema das Regiões Polarizadas, 60
oo

. Ser e Estar: Língua Portuguesa e Análise Espacial, 62

«. COMÉRCIO INTERNACIONAL E LOCALIZAÇÃO, 63


VI. AS CIDADES LOCAIS NO TERCEIRO MUNDO:
O CASO DA AMÉRICA LATINA, 69
1. As Cidades Locais, 69
2. Qual o Interesse do Estudo das Cidades Locais?, 74
Notas, 75

VII PARA UMA TIPOLOGIA DA MARGINALIDADE, 76


. Subdesenvolvimento e Marginalidade, 77
N=

- Os Níveis de Desenvolvimento, 78
. Os Tipos de Situações nos Diversos Países, 80
URU

- Classes Médias e Marginalidade, R2 -


. As Variáveis-Chave: Urbanização) é Industrialização) 85
. Contrastes entre a Dimensão dos Países e os Tipos de Urbanização
MO

(anos 60), 87
Referências Bibliográficas, 89

VIII. PARA UM PERIODO NOVO, 90


. Países Subdesenvolvidos e Procura de Tecnologia, 93
o om

. Ascensão de uma Nova Variável-Chave?, 95


mM Una

- Para uma Mudanca dos Modelos de Crescimento, 97


. (O Papel do Estado) 98
. Para uma Nova Organização do Espaço, 99
O Futuro: Exercício de Prospectiva, 100

IX. BRASIL: PAIS SUBDESENVOLVIDO INDUSTRIALIZADO, 104


(A Evolução Histórica e Industrialização, 104
“2. Países Subdesenvolvidos Industrializados, 106
« Brasil, um País Industrializado, 107
3Onbh&

- Indústria Dinâmica e Dependência Externa, 108


« Concentração Econômica e Disparidades Regionais, 111
. Estrutura de Produção e pabrecimento das Massas, 112
- Estrutura de Produção mperialismo Dependentes, 114
Crescimento e Empobrecimento: Haverá” Saída?, TI5
O

Notas, 117
Bibliografia, 125

» DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E URBANIZAÇÃO EM PAÍSES


SUBDESENVOLVIDOS: OS DOIS SISTEMAS DE FLUXO DA
ECONOMIA URBANA E SUAS IMPLICAÇÕES ESPACIAIS, 128

1. A Gênese dos Dois Sistemas de Fluxo da Economia Urbana


nos Países Subdesenvolvidos, 129
. Elementos dos Dois Sistemas de Fluxo, 132
O

«. Características dos Dois Sistemas de Fluxo, 136


eOI

. Características dos Dois Circuitos da Economia Urbana dos


Países Subdesenvolvidos, 136
5. Uma Visão dos Dois Sistemas de Fluxo na Análise Geográfica:
o Nível Macroespacial, 140
6. Conclusão, 149
Referências Bibliográficas, 149
Il. Sociedade e espaço:
a formação social
como teoria e como método *

«O que não está em nenhum lugar não existe.»


Aristóteles, Física

O papel do espaço em relação à sociedade tem sido freqiiente-


mente minimizado pela Geografia. Esta disciplina considerava o
espaço mais como teatro das ações humanas. Lucien Fêbvre
(1932:37) salientava que o encaminhamento dos geógrafos parte
em geral do solo e não da sociedade. Isso porque, como lembra
R. E. Pahl (1965:81), a Geografia Social desenvolveu-se lenta-
mente («since the idea that “geographers star from soil, not from
society" (Fêbvre, 1932:37) was until recently widely held by most
geographers, and is indeed still held by some, it is casy to unders-
tand why Social Geography has been slow to develop»).
Pode-se dizer que a Geografia se interessou mais pela forma
das coisas do que pela sua formação. Seu domínio não era o das
dinâmicas sociais que criam e transformam as formas, mas o das
coisas já cristalizadas, imagem invertida que impede de apreender
a realidade se não se faz intervir a História. Se a Geografia deseja
interpretar o espaço humano como o fato histórico que ele é, so-
mente a história da sociedade mundial, aliada à da sociedade
local, pode servir como fundamento à compreensão da realidade

* Publicado inicialmente em Antipede, nº 1, vol. 9, jan.,/fev. de 1977.

9
espacial e permitir a sua transformação a serviço do homem. Pois
a História não se escreve fora do espaço e não há sociedade
a-espacial. O espaço, ele mesmo, é social,
Dai a categoria de Formação Econômica e Social parecer-nos
a mais adequada para auxiliar a formação de uma teoria válida do
espaço. Esta categoria diz respeito à evolução diferencial das socie-
dades, no seu quadro próprio e em relação com as forças externas
de onde mais fregitentemente lhes provém o impulso. À base mes-
ma da explicação é a produção, isto é, o trabalho do homem para
transformar, segundo leis historicamente determinadas, o espaço
com o qual o grupo se confronta. Deveríamos até perguntar se é
possível falar de Formação Econômica e Social sem incluir a
categoria do espaço. Trata-se de fato de uma categoria de For-
mação Econômica, Social e Espacial mais do que de uma simples
Formação Econômica e Social (F.E.S.), tal qual foi interpretada
até hoje. Aceitá-la deveria permitir aceitar o erro da interpretação
dualista das relações Homem-Natureza. Natureza e Espaço são
sinônimos, desde que se considere a Natureza como uma natureza
transformada, uma Segunda Natureza, como Marx a chamou.
Não é nosso propósito engrossar ainda mais o debate semântico
sobre as F.E.S., porém sugerir uma nova dimensão que nos parece
essencial e que seria uma alternativa no quadro desta nova corrente
de pensamento da qual nos fala S. Barrios (1976:1), que propõe
«uma concepção do espaço que ultrapasse as fronteiras do ecoló-
gico e abranja toda a problemática social».

1. A categoria de formação social

Foi lembrado que a categoria de F.E.S.*, apesar de sua im-


portância para o estudo das sociedades e para o método marxista,
não mereceu, durante um longo período, estudos e discussões que
levassem a renovar e aperfeiçoar o conceito *. Ela teria ficado,
segundo V. Gerratama (1972-1973:46-47), «numa zona de pe-
numbra discreta, como uma expressão desprovida de significação
especial». Sereni (1970, 1974:23) censura aos marxistas da 2º In-
ternacional o fato de não terem compreendido esta noção, exceção
feita a Antonio Labriola e Franz Mehring. O longo reinado de
Stalin no Kremlin, o centralismo democrático dos partidos comu-
nistas ocidentais, a ascensão de Hitler ao poder e a guerra fria
têm, juntos ou separadamente, concorrido contra toda renova-

10
ção, particularmente para esta categoria cujo desenvolvimento
foi retardado *.
Só recentemente — há menos de vinte anos — retomou-se o
debate. Vários autores consideram que devemos a Sereni a reabili-
tação da categoria *. Para Labica (1974:95), este esforço repre-
sentaria uma verdadeira «higiene teórica», enquanto Glucksmann
(1974:56) põe em relevo a distinção, feita por Sereni, entre modo
de produção e formação social, contrariamente ao marxismo da
2º Internacional e de Plekhano, que ele critica por confundir os dois
conceitos. Segundo Texier (1974:79-80), Sereni nos ofereceu
uma interpretação das F.E.S. que teria escapado ao próprio Lênin.
Para Sereni, esta categoria expressa a unidade e a totalidade das
diversas esferas — econômica, social, política, cultural — da vida
de uma sociedade, daí a unidade da continuidade e da descontinui-
dade de seu desenvolvimento histórico. Para ele (1974:19 e 24-25),
é preciso sempre pôr em relação os dados estruturais com uma
produção determinada, o que explica que todo modelo de forma-
ção econômica e social é um modelo fundado sobre a totalidade
estruturada (Sereni, 1974:15). Aproxima-se nisto de Lucáks
(1970), para quem o estudo histórico das sociedades opõe à pri-
mazia do econômico a da totalidade.
Não é à «sociedade em geral» que o conceito de F.E.S. se re-
fere, mas a uma sociedade dada, como Lênin (1897) fez a respeito
— do capitalismo da Rússia. Y. Goblot assinala (junho, 1967:8) que
«Marx pôde fundamentar o método científico em História precisa-
mente porque soube isolar de início os raciocínios “histórico-filosó-
ficos' sobre a “sociedade em geral e se propôs a dar somente uma
análise científica de uma sociedade e de um progresso». Para
Lênin, seu estudo deveria cobrir de maneira «concreta» «todas as
formas do antagonismo econômico na Rússia» e «traçar um
quadro de conjunto da nossa realidade como um sistema determi-
nado de relações de produção».
O conceito de F.E.S,., disse V. Gerratama (1973:46), «é su-
pérfluo para quem se ocupa da sociedade em geral». Isso é ver-
dade se se visualizam aspectos essencialmente gerais, típicos de
países com o mesmo estágio de desenvolvimento histórico, como
se encontra entre Kelle e Kovalson (1973:41)., Seu papel é justa-
mente permitir «a determinação específica (para um modo de
produção definido) das variações da existência histórica determi-
nada» (Althusser, 1965:19). Quando examinamos o problema da
sociedade, escreveu Bourkharine (1921, 1972:235), «encontramos

11
à nossa frente tipos históricos definidos de sociedades. Isso signi-
fica que não há uma “sociedade em geral', mas que uma sociedade
existe sempre sob um invólucro histórico determinado, Cada socie-
dade veste a roupa de seu tempo». Aí está a distinção entre F.E.S.
e sistema social, podendo este segundo conceito ser aplicado a
qualquer forma de sociedade.
O interesse dos estudos sobre as formações econômicas e sociais
está na possibilidade que eles oferecem de permitir o conhecimento
de uma sociedade na sua totalidade e nas suas frações, mas sempre
um conhecimento específico, apreendido num dado momento de
sua evolução. O estudo genético permite reconhecer, a partir de
sua filiação, as similaridades entre F.E.S.; mas isso não é sufi-
ciente. É preciso definir a especificidade de cada formação, o que
a distingue das outras, e, no interior da F.E.S., a apreensão do
particular como uma cisão do todo, um momento do todo, assim
como o todo reproduzido numa de suas frações.
Nenhuma sociedade tem funções permanentes, nem um nível de
forças produtivas fixo, nenhuma é marcada por formas definitivas
de propriedade, de relações sociais. «Etapas no decorrer de um
processo», como Libriola as defíniu, as formações econômicas e
sociais não podem ser compreendidas senão no quadro de um mo-
vimento totalizador, no qual todos os seus elementos são variáveis
que interagem e evoluem juntas, submetidas à lei do todo. À socie-
dade evolui sistematicamente, como «um organismo social coerente
cujas leis sistêmicas são as leis supremas, a medida-padrão para
todas as outras regularidades mais específicas» (a coherent social
organism whose systemic laws (...) were the supreme laws, the
standard measures for all the others, more specific regularities)
(V. Kusmin, 1974:72).
A noção de F. E. S. como etapas de um processo histórico, que
preocupou Marx, é um dos elementos fundamentais de sua caracte-
rização *. «O desenvolvimento da formação econômica da sociedade
é assimilável à marcha da natureza e de sua história», dizia Marx
no prefácio da primeira edição de O Capital, como para dar ao
desenvolvimento histórico e às suas etapas o lugar central na in-
terpretação das sociedades. Com isso, Marx queria evitar «o mate-
rialismo abstrato das ciências naturais», onde o desenvolvimento
histórico não é considerado (Jakubowsky, 1971:43) nas suas cau-
sas e conseqilências, mesmo se não fosse o caso de delimitar as
formações sociais de maneira extremamente precisa. É todo o pro-

12
blema das transições * e das crises que está assim colocado, como
um problema maior do materialismo histórico e da prática política.
Aqui, a distinção entre modo de produção. e formação social
aparece como necessidade metodológica”. O modo de produção
serla o «gênero» cujas formações sociais seriam as «espécies»"*;
1 modo de produção seria apenas uma possibilidade de realização
e somente a formação econômica e social seria a possibilidade
reulizada*. Como disse comicamente Rudner (1973:45), «eviden-
temente, pretender que uma entidade tenha uma disposição para
manifestar uma propriedade, ou que ela possa manifestá-la poten-
clalmente, não é a mesma coisa que pretender que esta proprie-
dade se manisfeste efetivamente, Afinal, dizer que uma casa é com-
bustível não é, evidentemente, a mesma coisa que dizer que ela
está ardendo em chamas. Claro, pode acontecer que entidades que
têm certas propriedades em potencial nunca cheguem a mostrá-
las. Um torrão de açúcar, que nós afirmamos com certeza que
é solúvel, pode não ser jamais dissolvido (e para que a afirmação
seja correta não é necessário que ela se realize); por exemplo, ele
pode se evaporar por uma experiência atômica ou se consumir
em cinzas» (Evidentemente, la, pretensión de que alguna entidad
tiene una disposición para manifestar, o potencialmente puede
manifestar, alguna propriedad, es diferente de la pretensión de
que está manifestando dicha propriedad. Asi, decir que una casa
es combustible obviamente no es lo mismo que decir que está
ardiendo. Claro está que puede ocurrir que entidades que pueden
manifestar ciertas propiedads, nunca lleguem a exhibirlas. Un
torrón de azúcar de que afirmamos con verdad que es. soluble
puede no disolverse nunca (y para que la afirmación sea ordenada,
no es necesario que ella ocurra ); eh su lugar, puede evaporarse en
una prueba atómica o arder transformandose en cenizas).
A noção de Formação Econômica e Social é indissociável do
concreto representado por uma sociedade historicamente determi-
nada. Defini-la é produzir uma definição sintética da natureza
exata da diversidade e da natureza específica das relações econô-
micas e sociais que caracterizam uma sociedade numa época
determinada (M, Godelier, 1971; 107; 1972:81). Esta exigência
de concreticidade, sobre a qual insistiu Serent (1974:44-45),
não quer de modo algum dizer que se possa apreender elementos
concretos isolados como uma coisa em si própria (thing in itself).
Uma F.E.S. é «um objeto real que existe independentemente de seu
conhecimento, mas que não pode ser definido a não ser por seu
conhecimento» (Althusser, 1965:205) *º.
13
2. Formação sócio-econômica ou formação espacial?

Modo de produção, formação social, espaço — essas três cate-


Egorias são interdependentes. Todos os processos que, juntos, for-
mam o modo de produção (produção propriamente dita, circulação,
distribuição, consumo) são histórica e espacialmente determinados
num movimentode conjunto, e isto .através de uma formação
tocial..
A formação social compreenderia uma estrutura produtiva (P.
L. Crosta, 1973) e uma estrutura técnica (OG. La Grassa, 1972:
93). Trata-se de uma estrutura técnico-produtiva expressa geo-
graficamente por uma certa distribuição da atividade de produção.
Se a noção de formação social, segundo O. la Franca (1972:103),
deve «conter» o complexo das «diferentes formas técnicas e orga-
nizacionais do processo produtivo, que correspondem às diversas
relações de produção existentes», ela não pode ser concebida sem
referência à noção de espaço.
As diferenças entre lugares são o resultado do arranjo espacial
dos modos de produção particulares. O «valor» de cada local de-
pende de níveis qualitativos e quantitativos dos modos de produ-
ção e da maneira como eles se combinam. Assim, a organização
local da sociedade e do espaço reproduz a ordem Internacional
(Santos, 1974:8).
Os modos de produção tornam-se concretos sobre uma base
territorial historicamente determinada, Deste ponto de vista, as for-
mas espaciais seriam uma linguagem dos modos de produção.
Daí, na sua determinação geográfica, serem eles seletivos, refor-
çando dessa maneira a especificidade dos lugares.
A localização dos homens, das atividades e das colsas no espaço
explica-se tanto pelas necessidades «externas», aquelas do modo
de produção «puro», quanto pelas necessidades «internas», repre-
sentadas essencialmente pela estrutura de todas as procuras e a
estrutura das classes, isto é, a formação social propriamente dita.
O modo de produção expressa-se pela luta e por uma interação
entre o novo, que domina, e o velho. O novo procura impor-se por
toda parte, porém sem poder realizar isso completamente, O velho
é o modo de produção anterior, mais ou menos penetrado pelas
formas sociais e pelas técnicas que correspondem ao modo de pro-
dução novo, mas sempre comandado pelo modo de produção
novo. Daí chamar-se a esse modo de produção «atual», em plena
existência, um modo de produção puro: ele não se realiza com-

14
pletamente em parte alguma. Dai, igualmente, a história espacial
ser seletiva (Santos, 1972). Antes do período tecnológico atual,
vastos segmentos de espaço puderam escapar ao domínio, direto
ou indireto, do modo de produção dominante, ou foram apenas
atingidos por feixes de determinações limitadas.
As relações entre espaço e formação social são de outra ordem,
pois elas se fazem num espaço particular e não num espaço geral,
tal como para os modos de produção. (Os modos de produção
cescrevem a História no tempo, as formações sociais escrevem-na
. no espaço.
Tomada individualmente, cada forma geográfica é representativa
de um modo de produção ou de um de seus momentos. A histó-
ria dos modos de produção é também, e sob este aspecto preciso, a
história da sucessão das formas criadas à seu serviço. À história
da formação social é aquela da superposição de formas criadas
pela sucessão de modos de produção, da sua complexificação sobre
seu «território espacial», para empregar, ainda que lhe dando um
sentido novo, a expressão de Jean Bruhnes (1913). modo O de
produção
é, segundo A. Cordova (1974:118),.«uma forma parti-
cular de organização do processo de produção destinada..a-agir
sobre a natureza e obter os elementos necessários à satisfação das
necessidades da sociedade». Esta sociedade e suar a isto:

indivisíveis e conjuntamente chamam-se «formaçãão ociaido


Said Sha (1973) escreveu que a formação social éé ao mesmo
tempo uma totalidade concreta e uma totalidade abstrata. Seu
ponto de vista deve reaproximar-se do de Ph. Herzog (1971:
88-89), para quem modo de produção e formação social devem
ser pensados teoricamente ao mesmo tempo. Para este último,
«o modo de produção é a unidade, a formação econômica e social,
a espacificidade», mas, acrescenta ele, «não há movimento de unifi-
cação que ao mesmo tempo não reproduza sobre bases novas as
especificidades», regra que evitaria julgar o modo de produção
como uma essência, e a F.E.S. como um simples fenômeno "**
Não seria pois merecida a crítica, endereçada a Sha por H. Mi-
chelena (1971:21), de não haver fugido completamente ao dua-
lismo dos conceitos de modo de produção e de formação social.
De fato, a formação social, totalidade abstrata, não se realiza na
totalidade concreta senão por uma metamorfose onde o espaço
representa o primeiro papel.

15
ASECSSSALEATEAN A é papel das formas
Se abandonarmos o ponto de vista. da sociedade em geral e
abordarmos a questão sob o ângulo de determinações específicas
que a tornam concreta, essas determinações específicas se torna-
siam uma mera potência, uma simples vocação. Elas tornam- -se
fealidade pelo espaço e.no tempo.
Na sua Geografia, Estrabão ”* já aconselhava a levar em consi-
deração os atributos de um lugar que são devidos à natureza, por-
que, pensava ele, «eles são permanentes, enquanto os atributos
superpostos. conhecem mudanças (they are permanent, where as
the adventicus attributes undergo changes); de fato, podemos hoje
corrigir: os dois são destinados a mudar. Mas também, acres-
centa ele, está claro .que é preciso levar em conta os atributos
não-naturais que são destinados a permanecer e que transformam
o trabalho do homem em uma espécie de atributo natural de um
lugar.
— A realização prática de um dos momentos da produção supõe um
local próprio; diferente para cada processo ou fração do processo;
“o local torna-se assim, a cada momento Histórico, dotado de uma
significação particular. À localização num dado sítio e num dado
momento das frações da totalidade social depende tanto das ne-
cessidades concretas de realização da formação social quanto das
características próprias do sítio. O uso produtivo de um segmento
de espaço num momento é, em grande parte, função das condições
existentes no momento t-l. De fato, o espaço não é uma simples
tela de fundo inerte e neutro.
Cada combinação de formas espaciais e de técnicas correspon-
«dentes constitui o atributo produtivo de um espaço, sua virtuali-
dade e sua limitação. A função da forma espacial depende da
redistribuição, a cada momento histórico, sobre o espaço total da
totalidade das funções que uma formação social é chamada a
realizar. Esta redistribuição-relocalização deve tanto às lieranças,
notadamente o espaço organizado, como ao atual, ao presente,
representado pela ação do modo de produção ou de um dos seus
momentos.
O movimento do espaço, isto é, sua evolução, é ao mesmo tempo
um efeito e uma condição do movimento de uma sociedade global.
Se não podem criar formas novas ou renovar as antigas, as deter-
.minações sociais têm que se adaptar. São as formas que atribuem
ão conteúdo novo provável, ainda abstrato, a possibilidade de tor-
nar-se conteúdo novo e real.

16
O valor atual dos objetos geográficos no interior da F.E.S. não
pode ser dado por seu valor próprio no que respeita à herança de
um modo de produção ultrapassado, porém como forma-conteúdo.
Esta é dada em última análise pelo modo de produção tal como
cle se realiza na e pela formação social.
As modificações do papel das formas-conteúdo — ou simples-
mente da função cedida à forma pelo conteúdo — são subordina-
das, e até determinadas, pelo modo de produção tal como ele se
realiza na e pela formação social. Assim, o movimento do espaço
suprime de maneira prática, e não somente filosófica, toda possi-
bilidade de oposição entre História e estrutura. Às defasagens da
evolução das variáveis particulares opõe-se a simultaneidade de
seu funcionamento no interior de um movimento global, que é o da
sociedade. Daí a unidade dos processos sincrônicos e diacrônicos
(Santos, 1974).
Esta unidade da continuidade e da descontinuidade do processo
histórico da formação social (Sereni, 1974) é largamente eviden-
ciada na formação espacial. À defasagem com a qual os modos de
produção impõem seus diferentes vetores sobre os diversos seg-
mentos de espaço é responsável pelas diferentes idades dos muúlti-
plos elementos ou variáveis do espaço em questão. De resto, a
assincronia está na base da evolução espacial, mas o fato de que
variáveis agem sincronicamente, isto é, em ordem combinada no
interior de uma verdadeira organização, assegura a continuidade
do espaço.
De fato, a unidade da continuidade e da descontinuidade do
processo histórico não pode ser realizada senão no espaço e pelo
espaço. À evolução da formação social está condicionada pela
organização do espaço, isto é, pelos dados que dependem direta-
mente da formação social atual, mas também das F.E.S. perma-
nentes **,

4. Espaço e totalidade

Mais do que uma expressão econômica da história, as F.E.S.


são uma organização histórica (A. Labriola, 1902:29). Este con-
ceito abarca «a totalidade da unidade da vida social».
Quando se fala de modo de produção, não se trata simples-
mente de relações sociais que tomam uma forma material, mas
também de seus aspectos imateriais, como o dado político ou ideo-

17
lógico. Todos eles têm uma influência determinante nas localiza-
ções e tornam-se assim um fator de produção, uma força produtiva,
com os mesmos direitos que qualquer outro fator.
O dado global, que é o conjunto de relações que caracterizam
uma dada sociedade, tem um significado particular para cada lu-
gar, mas este significado não pode ser apreendido senão ao nível
da totalidade. De fato, a redistribuição dos papéis realizados a
cada novo momento do modo de produção e da formação social
depende da distribuição quantitativa e qualitativa das infra-estru-
turas e de outros atributos do espaço. O espaço construído e a
distribuição da população, por exemplo, não têm um papel neutro
na vida e na evolução das formações econômicas e sociais.
O espaço reproduz a totalidade social na medida em que essas
transformações são determinadas por necessidades sociais, econô-
micas e políticas. Assim, o espaço reproduz-se, ele mesmo, no
interior da totalidade, quando evolui em função do modo de pro-
dução e de seus momentos sucessivos. Mas o espaço influencia tam-
bém a evolução de outras estruturas e, por isso, torna-se um com-
ponente fundamental da totalidade social e de seus movimentos **.
Os objetos geográficos aparecem nas localizações corresponden-
tes aos objetivos da produção num dado momento e, em seguida,
pelo fato de sua própria presença, influenciam-lhes os momentos
subseqiientes da produção **.
Entretanto, esse papel do espaço passa frequentemente desperce-
bido ou não é analisado em profundidade **. Deveríamos pergun-
tar-nos, como Sartre (1960-202), a respeito da materialidade, por
que «não se tentou absolutamente estudar esse tipo de ação pas-
siva que exerce a materialidade como tal sobre os homens e sobre
sua história, devolvendo-lhes uma praxis voltada sob a forma de
uma contrafinalidade»> (counter-finality).
O espaço é a matéria trabalhada por excelência. Nenhum dos
objetos sociais tem uma tamanha imposição sobre o homem,
nenhum está tão presente no cotidiano dos indivíduos. À casa, o
lugar de trabalho, os pontos de encontro, os caminhos que unem
esses pontos, são igualmente elementos passivos que condicionam
a atividade dos homens e comandam a prática social. A praxis,
ingrediente fundamental da transformação da natureza humana, é
um dado sócio-econômico, mas é também tributária dos impera-
tivos espaciais.
Como disse Caillois (1964:58), o espaço impõe a cada coisa
um conjunto particular de relações porque cada coisa ocupa um
dado espaço (space impose to each thing a particular set of rela-

18
tions because each thing occupy a given place). Repetimos, com
Sartre (1963): «Se a prática inerte rouba minha ação... ela
impõe frequentemente uma contrafinalidade» (the pratico-inerte
«steals» my action from me). Quando se trata do espaço humano,
a questão não é mais de prática inerte, mas de inércia dinâmica.
A representação é também ação e as formas tangíveis participam
do processo enquanto atrizes (Il. Morgensten, 1960:65-66).
Voltemos ao que Marx escreveu na segunda parte de sua teoria
da mais-valia: «Tudo o que é resultado da produção é, ao mesmo
tempo, uma pré-condição da produção» (everything which is the
result of production is at the same time a prerequisite of production)
(cap. VIII, 5, 465). Ou ainda, o que se encontra na terceira parte
do mesmo livro: «Cada pré-condição da produção social é, ao mes-
mo tempo, seu resultado, e cada um de seus resultados aparece
simultaneamente como sua pré-condição» (every pre-condition of
the social production is at the same time its result, and every one
of result appears simultaneously as its precondition) (Addenda,
5, XV, 919) *.
Como pudemos esquecer por tanto tempo esta inseparabilidade
das realidades e das noções de sociedade e de espaço inerentes à
categoria da formação social? Só o atraso teórico conhecido por
essas duas noções pode explicar que não se tenha procurado
reuni-las num conceito único. Não se pode falar de uma lei sepa-
rada da evolução das formações espaciais. De fato, é de forma-
ções sócio-espaciais que se trata “*,

NOTAS

1. A noção de F.E.S. foi elaborada por Marx e Engels (Marx, 18 Bru-


maire, O Capital; Marx e Engels, L'Idéologie Allemande; Engels, On Social
Relations in Russia, Anti-Diihring). Lênin retoma o tema utilizando-o para
fins científicos e políticos em L'Impót en espêces, Qui Sont les amis du peuple,
et Le Développement du Capitalisme en Russie, Não se pode esquecer igual-
mente os estudos de Plékhanov, Nos désaccords, Chayanov, The Theory of
Peasant Economy, Kautsky, La Question Agraire.
2. À multiplicidade de definições de F.E.S. levou um dos seus teóricos,
Ph. Herzog (1975:89),, a renunciar a produzir uma definição a mais. Acres-
centa ele que mais vale aprofundar a pesquisa histórica sobre o capitalismo
para melhor compreender o conceito, em vez de aprisionar esse conceito
em definições. As definições terminam por orientar ou desorientar os pes-
quisadores, sobretudo em períodos como o nosso, onde a crise geral dá
um valor definitivo aos argumentos de autoridade. De fato, vivemos uma
nova Idade Média, como Umberto Eco (1974), irônica mas sistematica-
mente, o demonstrou.

19
3. Sobretudo quando se admite, por meio de Bargaturia e de outros, que
Marx não teve tempo de desenvolver a noção de maneira mais explícita e
que a elaboração por Lênin dava conta de um período histórico já ultrapas-
sado. Contudo, a Lênin e não a Marx, segundo Bagaturia, é que se deve
a elevação da categoria de F.E.S. a um lugar central na doutrina do ma-
terialismo histórico, Mas Sereni (1971, 1974), sem menosprezar a contri-
buição de Lênin, fez remontar a Marx a explicitação do conceito.
4. Apesar de outras publicações consagradas explícita ou implicitamente
à questão, como os estudos de M. Dobb (1947), N. S. Dzunnosov (1960),
E. Hobsbawm (1964), Losada (1964) e Luporini (1966), é o artigo de
Emilio Sereni (1970) que reabriu o debate sobre a categoria de F.E.S.
(publicado igualmente em 1971 na Crítica Marxista, com uma série de arti-
gos sobre o mesmo tema, bem como em La Pensée nº 159, out. 1971, e em
espanhol, publicações variadas, com uma parte ou totalidade dos artigos
e às vezes acrescidos a outros estudos: em 1973 «La Categoria de Forma-
ción Económica y Social», Ediciones Roca, México, El Concepto de For-
mación Económico-Social, Ediciones Siglo XXI, Cuadernos de Pasado y
Presente nº 39, Cordova). Em 1974, a revista Economia y Ciencias Sociales
(XIII, nº 1-4, 1971), da Universidad Central de Venczuela, publicou um
número especial onde, aos artigos acima mencionados, foram acrescidas
contribuições de Luporini, Cordova e Losada Aldana. O debate prosseguiu
na Itália com numerosos artigos, entre os quais aqueles de V. Gerratama
(1972, 1973), Palma (1973), G. Prestipino (1972), F. la Grassa 1972).
5. Ler sobre esse assunto A. Roles, 1974:55; G. Prestipino, 1974:15;
Ph. Hugon, 1974:426-428,
6. Ler a esse respeito Ch. Glucksmano, 1971 :55-56, para quem a noção
de teoria de F.E.S. no tempo de Lênin não é outra senão uma teoria de
transição, e isso tanto em 1894-1898 como em 1917-1922,
7. Sereni considera como grave negligência dos marxistas da 2º Interna-
cional o fato de não fazerem distinção entre modo de produção e formação
econômica e social.
8. A formação social subdesenvolvida tem merecido bom número de
estudos teóricos sobretudo na América Latina, notadamente Maza Zavala,
1964; Salvador de la Plaza, 1970; H. Malavé Mata, 1972, 1974; H. Silva Mi-
chelena, 1973; A. Aguilar, 1971, 1972, 1973; Gloria G. Salazar, 1970. O
estudo mais completo de nossos dias é o de Florestan Fernandes (1975). Ou-
tros estudos, como os de Ph. Rey (1971) e Hughes Bertrand (1975), são
consagrados à África. Os estudos mais gerais são devidos a C. Paix (1972),
S. Amim (1971, 1973); P. Salama (1972), O. Sunkel (1967); Ph. Rey
(1973), James Petras (1973, 1975). À respeito do modo de produção colo-
nial na América Latina, podem-se citar S. Bagu, 1949; M. Malavé Mata,
1972:73-108; Garavaglia, 1974. Para a África, B, Datto, 1975.
9. «O conceito de modo de produção está ligado a um modelo explica-
fivo, isto é, um conjunto coerente de hipóteses nascidas da consideração de
elementos comuns a uma série de sociedades que se consideram perten-
centes a um mesmo tipo. Pelo contrário, o conceito de FES. está sempre
ligado a uma realidade concreta, suscetível de localização histórico-tempo-
ral» (J.G. Garavaglia, 1974:7).
10. G. Prestipino (1972:78) sublinha o fato de que, em relação ao
conceito de modo de produção, o de formação social é «ainda mais ade-
rente ao concreto histórico».

20
11. Para Althusser (Lire le Capital), «uma F.E.S. depende de um mo-
do de produção determinado»; ela é uma «conjunção», uma combinação
concreta real dos modos de produção hierarquizados (citado por Glucks-
mann, Ven. 1974:55-56). Ele parte da distinção entre conceitos teóricos,
que definem os «objetos formais abstratos», e os conceitos empíricos, que
são as determinações da existência dos objetos concretos. Mas M. Har-
necker (1973:147) recusa a definição das F.E.S. como «totalidades sociais
abstratas». Para ele, a F.E.S. encerra uma realidade concreta, <«historica-
mente determinada», estruturada a partir da forma com que se combinam
as diferentes relações de produção que coexistem ao nível da estrutura
econômica (cf. Poulantzas, 1968:13-14).
12. Citado por Ficher ef alii, 1969:20-21.
13. «O enfoque espaço-temporal é particularmente útil ao estudo da rea-
lidade social das regiões subdesenvolvidas, pois é o único que permite
apreender sua heterogeneidade estrutural e compreender a maneira como,
em cada lugar, se articulam, segundo uma lógica funcional, variáveis ligadas
a diferentes tempos históricos». (S. Barrios, 1974:20) (El enfoque espacio-
temporal es particularmente útil para el estudio de la realidad social en las
areas subdessarrol!ladas, porque es el único que permite captar su hetero-
geneidad estructural y compreender la forma específica en la cual, en cada
lugar, se articulan funcionalmente variables ligadas a diferentes tiempos
hustóricos.)
14. O problema já tinha atraído a atenção de outros especialistas. Estu-
dando a urbanização como uma fonte de contradições sociais, D. Harvey
(1975:161) fez alusão ao compromisso a longo prazo representado pela
criação do espaço construído (long term commitment which creating built
environment entails), mas considera que o papel exercido por este dado,
assim como pelas formas particulares que ele assume aqui e ali, é algo
que exige ainda muitas pesquisas e análises.
15. «Somos assim levados a nos interrogar sobre a relação histórica entre
o espaço e a sociedade global: como as normas do espaço e da ocupação
cfetiva do território responderam à sucessão € à transformação dos modos
de produção, as quais foram no curso da história os mecanismos centraliza-
dores da sociedade; mas precisamos também nos perguntar qual foi o papel
do espaço no processo social». (Paul Vieille, 1974:3) O espaço é, pois, sem-
pre conjuntura histórica e forma social que recebe seu sentido dos proces-
sos sociais que se expressam através dele. O espaço é suscetível de produ-
zir, em contrapartida, efeitos específicos sobre os outros domínios da con-
juntura social, pela forma particular de articulação das instâncias estruturais
que se constituem». (Castells, 1971, La Question Urbaine, Conclusion).
<«...o meio não é, realmente, uma variável independente nem um fator
constante. É uma variável que se transforma também sob a ação de um
sistema econômico e social, mas em todo.caso é um fator limitativo, um
conjunto de sujeições.» (M. Godelier, 1974:32)
16. É-nos impossível estar a par de todos os trabalhos consagrados às
relações entre espaço e formação social publicados em diferentes línguas
e países. É, pois arriscando-nos a cometer injustiça que damos essas refe-
rências. Entre os estudos empíricos de aplicação a uma realidade nacional
da categoria de F.E.S. apreciamos particularmente o de Alejandro Roíman
e L. A. Romero (1974), Sonia Barrios (1976), Cendes (1971), todos consa-

21
Bgrados à América Latina. Ler-se-á com igual interesse o livro de D. Slater
(1975), especialmente a segunda parte, e também os artigos de J. Doherty
(1974), sobre a Tanzânia, C. Paix (1975), sobre o Líbano, J. Suret-Canale
(1969), sobre a Guiné. Dentre os estudos teóricos: Coraggio (1974), S. Bar-
rios (1976/1977), P. L. Costa (1973), S.A. de Val (1974), G. Ferrari
(1974), Cendes (1973), J.A. Silva Michelena (1974), JL. Schwendmann
(1975), B. Poche (1975), Santos (1975a, 1975b).
17. «A realidade espacial é uma dimensão que está permanentemente
ocupada em se reajustar sob a influência da realidade econômica e social,
mas que ao mesmo tempo exerce sua influência da realidade econômica
e social, mas que ao mesmo tempo exerce sua influência sobre ela mesma»
(A. Ruíman, 1974:18) (la realidad espacial es una dimensión que se reajusta
permanentemente a influjos de la realidad económico-social y al mismo
tiempo impacta sobre esta). Um documento do Centro de Estudos de De-
senvolvimento da Universidade Central da Venezuela postula que «a for-
mação social de um país qualquer seria condicionada, a cada momento
histórico, pela herança histórica, por fatores externos e por seu espaço
físico» (la formación social de un pais cualquiera estaria condicionada, para
cada momento histórico, por factores externos y por su espacio físico)
(Cendes, 1971, T. ul; 23). De fato, como Paul Vieille (1974:32) escreveu
recentemente, «o espaço é bem uma categoria constitutiva do modo de
produção; geneticamente, o processo de criação do espaço e do modo de
produção são inseparáveis. Este não pode ser compreendido se se faz
abstração daquele...>. Agora que o funcionamento do capitalismo nas suas
relações com o espaço começa a ser melhor conhecido, somos forçados a
acreditar com Calabi e Indovina (1973:4) quando dizem que há, «da parte
do capital, um “uso' do território que é diverso e submetido a modificações
em relação às diversas fases do desenvolvimento do processo capitalista».
18. Nicole Mathieu (1974:89) utilizou a expressão «formação espacial»
para identificar, parece, regiões homogêneas, segundo as formas de rela-
ções cidade-campo e a organização do espaço correspondente.

Referências Bibliográficas

Aguiar, A. (1973) — Dialética de la Economia Mexicana. México, Editorial


Nuestro Tiempo.

— (1971) — El Capitalismo del Subdesarrollo. Problemas del Desar-


rollo, 8.
— (1972) — Imperialismo y Subdesarrollo, Problemas del Dasarrollo,
14:101-120.
Althusser, L. (1965) — Esquisse du Concept d'Histoire. La Pensée 121.
Bagaturua, G. A. (1968) — La Formación y el Desarrollo de la Concep-
ción Marxista de la Historia, In: Colección Marx, historiógrafo.
Moscou, Nuka.
Bagu, S. (1949) — Economia de la Sociedad Colonial: Ensayo de Historia
Comparada de América Latina, Buenos Aires. Editorial El Ateneo.
Barrios, S. (1976) — Prediagnóstico Espacial: El Marco Teórico. Caracas,
Cendes, Universidad Central de Venezuela (mimeog.).

22
—(1977) — Political Practice and Space. Antipode. 9(1).
—(1975) — La Evolución Reciente de Venezuela a la luz de las Teorias
de Perroux. Caracas, Cendes, Universidad Central de Venezuela.
Bertrand, H. (1975) — Le Congo, Formation Sociale et Mode de Develop-
pement Economique. Paris, Maspéro.
Brunhes, J. (1913) — Du Caractêre Propre et du Caractêre Complexe des
Faits de Géographie Humaine. Annales de Géographie, 22(121):
1-40.
Bukharin, N. (1965) — Historical Materialism: A System of Sociology.
New York, Russel and Russel.
— (1972) — Teoria del Materialismo Histórico: Ensayo Popular de So-
ciologia Marxista. Cuadernos de Pasado y Presente 31. Córdoba, Siglo
XXI .Editores.
Caillois, R. (1964) — Instinct et Societé. Paris, Gonthier.
Calabi, D. e Indovina, F. (1973) — Sull'uso Capitalistico del Territorio.
Archivio di Studi Urbani e Regionali 2, Franco Angeli Editore.
Caraças. Cendes (1971) — Desarrollo Urbano y Desarrollo Nacional. Ca-
racas, Universidad Central de Venezuela, Tom. [ e Il.
Caracas. Cendes (1973) — Esquema para el Estudio Global de la Sociedad
Venezolana (nueva versión).
Castells, M., (1971) — Problemas de Investigación en Sociologia Urbana.
Buenos Aires, Siglo XXI, Editores, p. 195-205.
Chayanov, A. V. (1925) — The Theory of Peasant Economy. Homewood,
Illinois, Robert Irwin.
Coraggio, J. L. (1974) — Consideraciones Teórico-metodológicas sobre
tas Formas Sociales de Organización del Espacio y sus Tendencias en
América Latina, Revista Interamericana de Planificación 32(8):
T79-101.
Córdova, A. (1974) — Fundamentación Histórica de los Conceptos de He-
terogeneidad Estructural. Economia y Ciencias Sociales 13(14). Ca-
Tacas.
Crosta, P. L. (1973) — 1 Processi di Urbanizzazione: Problemi dell Ana-
lisis in Funzione dell'Intervento sull Território. In: I.U.A.V. ed.
Note sulla Impostazione e gli Argomenti del Corso. Veneza. Corso
di Introduzione all'Urbanistica.
Datoo, B. (1975) — Peasant Agricultural Production in East Africa: The
Nature and Consequences of Dependence. Department of Geography.
University of Dar-es-Salaam.
De La Plaza, S. (1970) — Dependencias del Exterior y Clases Sociales en
Venezuela. Problemas del Desarrollo 1(3) :31-64.
De Palma, A. (1966) — L'Organizzazione Capitalistica del Lavoro nel Ca-
pitale de Marx. Quardeni de Sociologia 11, Turim.
— (1973) — La División Capitalística del Trabajo. Cuadernos del Pa-
sado y Presente 32, Córdoba, Siglo XXI, Editores, p. 140.
De Val, S. A. (1974) — L'Uomo, la Storia, 'Ambiente, Critica Marxista
12(3) e (4): 131-147.
Doherty, M. (1974) — The Role of Urban Places in Socialist Transforma-
tion, Department of Geography, University of Dar-es-Salaam, fev.
Dowidar, M. — Les Concepts: Du Mode de Production à la Région. Espaces
et Societés 10-11: 37-44,

23
Dzunosov, N. S. (1960) — La Formación Socio-económica como Categoria
del Materialismo Histórico, Voprosy Filosofii 10: 110-117 (citado por
E. Sereni, 1974, p. 24).
Engels, F. (1969) — Anti-Diihring. Moscou, Progress Publishers,
— 1964) — Anti-Diihring. México, Editorial Grijalbo.
— (1973) — On Social Relations in Russia. In: Marx-Engels Selected
Works, Moscou, Progress Publishers, vol. Il, p. 387-410.
Fêbvre, L. (1932) — Geographical Introduction to History. London, Ke-
gan Paul.
Fernandes, F. (1975) — A Revolução Burguesa no Brasil. Ensaio de In-
terpretação Sociológica. Rio de Janeiro, Zahar Editores.
Ferrari, G. (1974) — Territorio e Sviluppo: un Comprensorio nella Regio-
ne Veneta, Critica Marxista 12: 79-93, maio-agosto.
Garavaglia, J. C. (1974) — Modos de Producción en América Latina
(Introducción). Cuadernos de Pasado y Presente 40, Córdoba, Siglo
XXI, Editores.
Gerratana, V. (1972) — Formazione Sociale e Societá di Transizione.
Critica Marxista 10 (1): 44-80.
— (1973) — Formación Económico-social y Proceso de Transíción. Cua-
dernos de Pasado y Presente, Córdoba, Siglo XXI, Editores, p. 45-79.
Glucksmann, C. (1971) — Mode de Production, Formation Économique
et Sociale, Théorie de la Transition. A propos de Lénine, La Pensée
159: 50-58.
-— (1973) — Modo de Producción, Formación Económico-social, Teoria
de Transición. In: El Concepto de Formación Económico-social. Si-
glo XXI, Editores, Argentina, p. 129-138,
— (1974) — Idem. Economia y Ciencias Sociales 13: 54-63. Caracas.
Globot, J. J. (1967) — Pour une Approche Théorique des «Faits de Civi-
lization». La Pensée 113, 134, 136, junho, agosto e dezembro.
Godelier, M. (1971) — Qwuest-ce que Définir une «Formation Economique
et Socialer? L'Exemple des Incas. La Pensée 159: 99-106.
— (1972) — Idem. Critica Marxista 40 (1): 81-89. Roma.
— (1974) — Idem. Economia y Ciencias Sociales 13: 107-115. Caracas.
Harvey, D. (1973) — Social Justice and the City, London, Edward Arnold
(Publishers) Ltda.
— (1975) — The Political Economy of Urbanization in Advanced So-
cities: The Case of the United States. The Social Economy of Cities,
Urban Affairs. Anual Reviews, Beberly Hills, Sage Publications, vol. 9.
Herzog, p. (1971) — I Concetti di Modo di Produzione e Formazione Eco-
nomico-sociale per l'Analisi dellImperialismo. Critica Marxista 9(4):
96-101. Roma.
— (1973) — Idem. In: El Concepto de Formación Económico-social.
Sigio XXI, Editores, Argentina, p. 196-200.
— (1974) — Idem. Economia y Ciencias Sociales. p. 85-89. Caracas.
Hobsbawn, E. J. (19684) — Pre-Capitalist Economic Formations (Introduc-
tion). London, Lawrence and Wishrat, p. 9-65.
Hugon, P. (1974) — À Propos de VOuvrage de Samir Amin. Revue Tiers
Monte 15(58): 421-434.
Jakubowsky, F. (1971) — Les Superstructures Ideologiques dans la Con-
ception Matérialiste de V'Histoire, Paris, Etudes et Documentation
Internationates.

SESI NAN AN, 7


Kuutsky (1900) — La Question Agraire. Paris, Giard et Briére (reedição
in fac-símile, 1979, Paris, Maspéro).
Kelle, V. e Kovalson, J. (1973) — Histórical Materialism, an Outline of
Marxist Theory of Society. Moscou, Progress Publishers.
Kusmin, V. (1974) — Sysftemic Quality. Social Sciences 4.
Lnbica, G. (1971) — Quatre Observations sur les Concepts de Mode de
Production et de Formation Economique de la Société. La Pensée
159: 88-98.
— (1971) — Idem. Critica Marxista 9: 116-128. Roma.
— (1973) — Iden. In: El Concepto de Formación Económico-social.
Cuadernos de Pasado y Presente 39: 206-216. Siglo XXI, Editores,
Argentina.
Labriola, A. (1902) — Essais sur le Matérialisme Historique. Paris, Giard
et Briére.
— (1964) — Saggi sul Materialismo Storico. Roma, Editori Rutini.
La Grassa, G. (1972) — Modo di Produzione, Rapporti di Produzione e
Formazione Económico-sociale. Critica Marxista 10(4): 54-83.
Lênin, V. 1. (1974) — The Development of Capitalism in Russia. Moscou,
Progress Publishers.
— (1975) — The Tax in Kind (The Significance of the New Policy and
its Conditions). In: Selected Works, Moscou, Progress Publishers, p.
526-556.
— (1946) — Ce qui sont les Amis du Peuple et comment Luttent les
Social-Democrates (Réponse aux articles parus dans Rousskoie Bo-
galst-voy, 1894). Edições em língua estrangeira. Moscou, Gospolitzdat.
Lozada Aldana, R. (1967) — Dialéctica del Subdesarrollo. Caracas, Uni-
versidad Central de Caracas (Ph. D. Thesis, Université de Paris, 1964.
Pref. de Maza Zavala).
Lukács, G. (19680) — Histoire et Conscience de Classe. Paris, Les Éditions
de Minuif.
— (1968) — History and Class Consciousness. London, Merlin Press.
Luporini, C. (1966) — Realitã e Storicita: Economia e Dialetica nel Mar-
xismo. Critica Marxista 4(1). Roma,
Malavé Mata, H. (1972) — Reflexiones sobre el Modo de Producción
Colonia! Latino-americano. Problemas del Desarrollo 3(10): 73-108.
— (1974) — Formación Histórica del Antidesarroltlo de Venezuela. Ca-
rTacas, Ediciones Rocinante.
Marx, K. (1963) — Theories of Surplus-Volue. Moscou, Progress Editors,
Part I (Part 1T — 1968) (Part 1l — 1971).
— (1973) — The Eighteenth Brumaire of Louis Bonaparte, In: Marx.
Engels, ed. Selected Works, Moscou, Progress Publishers, p. 394-487.
Mathieu, N. (1974) — Propos Critiques sur P'Urbanisation des Campagnes.
Espaces et Societés 12:71-89.
Maza Zavala (1964) — Venezuela, uma Economia Dependiente. Univer-
sidad Central de Caracas.
Michelena, H. (1973) — Estructura y Funcionamento de una Economia
Subdesarrollada Madura: Una Introducción. Problemas del Desarrollo
4(15): 81-102.
— (1975) — Modo de Producción y Formación Social. Uno y Multiple
1:16-25.

25
Pah!l, R. E. (1965) — Trends in Social Geography. In: Chorley e Haggett,
ed. Frontiers in Geographical Teaching, London, Methuen,
Paix, C. (1972) — Approche Théorique de P'Urbanisation dans les Pays du
Tiers Monde. Revue Tiers Monde 50, Presses Universitaires de France.
Parisi. L. (1971) — Modo de Producción y Metropolización en Chile y Amé-
rica Latina. D.E.P.U.R., Universidad de Chile.
Plekhanov, G. (1956) — Nasi Raznoglísija. Aur Differences, Nos Desac-
cords. (1884). In: ed. Oeuvres Philosophiques Choisies, Vol. [.
Moscou, p. 1115-370.
Poche, B. (1975) — Mode de Production et Structures Urbaines. Espaces
et Societés, 16:15-30.
Poulantzas, N. (1968) — Pouvoir Politique et Classes Sociales de VEtat
Capitaliste. Paris, Editions Maspéro.
Prestipino, G. (1972) — Concetto Lógico e Concetto Storico di Formazione
Economico-sociale, Critica Marxista 10(4): 54-83. Roma.
— (1974) — Domande ai fitosofi (o Agli Economisti) Marxisti, Critica
Marxista 12(6): 137-175. Roma.
Rey, P. P. (19739) — Les Alliances de Classes. Paris, Editions Maspéro.
— (1971) — Colonialisme, Neo-Colonialisme et Transition au Socialism,
PExemple de la «Comilog» au Congo-Brazzaville. Paris, Editions
Maspéro.
Rofíman, A. e Romero, L. A. (1974) — Sistema Sócio-económico y Es-
tructura Regional en la Argentina. Buenos Aires.
Rofman, A. (1974) — Desigualdades Regionales y Concentración Econó-
mica, el Caso Argentino. Buenos Aires, Ediciones SIAP-Planteos.
— (1974) — Dependencia, Estructura de Poder y Formación Regional en
América Latina. Buenos Aires, Siglo Veintiuno.
Roies, A. (1974) — Lectura de Marx por Althusser. Barcelona, Editorial
Estela.
Rudner, R. S. (1973) — Filosofia de la Ciencia Social. Madrid, Alianza
Editorial (Philosophy of Social Science, 1966, Prentice Hall).
Salama, P. (1972) — Le Procês de Sous-Developpement. Paris, Maspéro.
Santos, M. (1972) — Dimension Temporelle et Systêmes Spatiaux dans les
Pays du Tiers Monde. Revue Tiers Monde 13(50): 247-268.
— (1974) — Time-Space Relations in the Underdeveloped World. De-
partment of Geography, University of Dar-es-Salaam (ed. mim.).
(1975) — The Periphery at the Pole: Lima, Peru. In: Gappert, GO.
e Rose, H. A, ed. The Social Economy of Cities, Urban Affairs
Annual Reviews, Beverly Hills, Sage Publications.
— (1975) — L'Espace Partagé, Paris, M. Th. Genin, Librairies Téchni-
ues.
Sartre, J. P. (1960) — Critique de la Raison Dialectique (Precedé de
Questions de Méthode). Tome 1: Théorie des Ensembles Practiques,
Paris, Gallimard.
— (1963) — The Problem of Method. London, Methuen & Co.
Sereni, E. (1970) — De Marx a Lenin: la Categoria de «Formazione Econo-
mico-sociale». Quaderni Critica Marxista 4: 29-79. Roma.
— (1971) — Idem. La Pensée 159, p. 3-49.
— (1973) — Idem. In: El Concepto de Formación Económico-social.
Siglo XXI, Editores, Argentina p. 55-96.

26
— (1974) — Idem. In: Economia y Ciências Sociales 13: 6-53. Caracas.
Sha, S. (1973) — Development, Social Formations and Modes of Production.
ONU, Dakar (ed. mimeog.).
Silva, J. A. e Michelena, H. (1974) — Notas sobre la Metodologia para e!
Diagnóstico Integral de Venezuela. Caracas, CENDES, Universidad
Central de Venezuela,
Slater, D. (1975) — Underdevelopment and Spatial Inequality, Progress in
Planning. Vol. 4, nº 2, London, Pergamon Press,
Sunkel, O. (1967) — Política Nacional del Desarrolto-Dependencia Externa.
Estudios Internacionales 1(1). Santiago.
Suret, J. (1969) — La République de Guinée. Contribution à la Geographie
du Sous-développement. Paris (ed. mimeog. 502 p.).
Texier, J. (1971) — Modo di Produzione, Formazione Economica, Forma-
zione Sociale. Critica Marxista 9(4): 89-94. Roma.
— (1973) — Idem. In: El Concepto de Formación Económico-social.
Cuadernos de Pasado y Presente 39: 190-195. Siglo XXI, Editores,
Argentina,
— (1974) — Idem. In: Economia y Ciencias Sociales 13: 78-84, Caracas.
Vieille, P. (1974) — L'Espace Global du Capitalisme d'Organisation, Espa-
ces et Sociétés 12:3-32.

27
Il. O Estado-Nação como espaço,
totalidade e método

Um país, um espaço nacional, pode ser estudado como um sis-


tema, Não se trata, entretanto, de um sistema de elementos, como
na teoria clássica dos sistemas, mas de um sistema de estruturas
ao estilo de Godelier (Racionalidade e Irracionalidade em Eco-
nomia).
Um Estado-Nação é uma Formação Sócio-Econômica. Um Es-
tado-Nação é uma totalidade. Assim, a unidade geográfica ou
espacial de estudo é o Estado-Nação. À «região» não é mais do
que uma subunidade, um subsistema do sistema nacional. À «re-
gião» não tem existência autônoma, ela não é mais que uma
abstração se o tomarmos separadamente do espaço nacional con-
siderado como um todo.

1. Estado-Nação como totalidade e como espaço

Os recursos totais de um Estado-Nação são, na verdade, indi-


visíveis, seja o capital, a população, seja a força de trabalho, a
mais-valia, etc. Em cada período histórico esses recursos se com-
binam e se distribuem de maneira diferente.

28
As combinações se fazem em lugares historicamente determi-
tados, de forma que a combinação de recursos (homens, capital,
infra-estruturas, instituições, ecologia) se transforma em sinônimo
(le localização. Pode-se falar, então, de uma diferenciação espacial
e de uma definição específica para cada lugar. Os recursos totais
estão geograficamente distribuídos de forma concreta através da
combinação de segmentos ou frações de recursos. Esses recursos
devem ser classificados, se desejamos ter êxito na análise. Quanto
mais precisa for a classificação, mais exatas serão as conclusões
ce mais próximas dos fatos particulares. Entretanto, num nível
muito próximo ao pesquisador, aumentam as possibilidades de
erro na escolha de variáveis, pelo risco de subjetivação.
A combinação dos recursos assim classificados leva à distinção
de dois tipos de estruturas:

| — Estruturas formadas por elementos homólogos (subestru-


luras e subsistemas) : estruturas demográficas, econômicas, finan-
cueiras, etc., sendo todos os elementos de cada estrutura de uma
mesma classe. Nós as chamaremos de estruturas simples a partir
do nosso ponto de vista analítico atual.
2 — Estruturas formadas por elementos não-homólogos (de
classes diferentes), os quais atuam uns sobre os outros para criar
estruturas complexas.

A estrutura espacial seria exatamente isso: a combinação loca-


lizada de uma estrutura demográfica específica, de uma estrutura
de classes específica, de uma estrutura de receita específica, de
uma estrutura de consumo específica, etc.; e de uma organização
também específica das técnicas que estão na base das relações
entre as estruturas específicas e os recursos. À realidade social
é o resultado da interação de todas essas estruturas. As transfor-
mações na organização do espaço são simplesmente modificações
do valor relativo de cada conjunto local de variáveis. Por local
entendemos segmentos ou momentos que são simples frações de
uma variável em seu fodo, ou seja, como ela se constitui na tota-
lidade, isto é, no Estado-Nação.

2. O espaço como estrutura social

O espaço, entretanto, não é usualmente considerado como uma


das estruturas da sociedade, mas um mero reflexo. E, se concluí-

29
mos que a organização do espaço é também uma forma, um resul-
tado objetivo de uma multiplicidade de variáveis atuando através
da história, sua inércia passa a ser dinâmica. Por inércia dinâmica
entendemos que a farma é tanto resultado como condição do pro-
cesso. Às formas espaciais não são passivas, mas ativas; as estru-
turas espaciais são ativas e não passivas, mesmo que sua autono-
mia, com relação a outras estruturas sociais, seja relativa. Mas as
formas espaciais também obrigam as outras estruturas sociais a
modificar-se, procurando uma adaptação, sempre que não possam
criar novas formas.
À cada momento a totalidade existe como uma realidade con-
creta e está ao mesmo tempo em processo de transformação. À evo-
lução jamais termina. O fato acabado é pura ilusão.
Cada elemento (estrutura, subestrutura) muda de valor, ao
mesmo tempo que a totalidade se transforma, qualitativa ou quan-
titativamente, Contudo, o ritmo dessa evolução é diferente para
cada elemento ou estrutura. Essa diacronia é a verdadeira base
do processo de transformação. Por isso, as formas espaciais, cuja
natureza as torna resistentes à mudança, constituem um elemento
fundamental de explicação do processo social e não somente o
seu reflexo.

3. Os países subdesenvolvidos

Um país subdesenvolvido é uma Formação Sócio-Econômica


dependente, um espaço onde o impacto das forças externas é pre-
ponderante em todos os processos. Por esse motivo, sua organi-
zação do espaço é dependente.
Essas forças externas têm sua própria lógica, que é interna às
instituições e às empresas interessadas, mas externa em relação
aos paises a que pertencem. As instituições e empresas que impõem
inovações técnicas ou organizacionais têm um objetivo comum —
a acumulação de capital —, mesmo que cada agente tenha sua
própria mareira de operar. Essa ação não coordenada agrava os
custos, já elevados, que os países do Terceiro Mundo têm que
pagar para construir infra-estruturas, subsidiar atividades moder-
nas, adquirir bens intermediários e serviços essenciais, tudo isso
para facilitar a instalação de atividades exógenas. O resultado
disso é que os recursos possíveis de serem utilizados socialmente
se reduzem proporcionalmente.

30
A dialética do espaço no Terceiro Mundo se dá então entre o
Estado-Nação e as atividades modernas, principalmente as em-
presas multinacionais e os monopólios. O nível das forças produ-
tivas e o ritmo dos vários processos representam outras tantas
determinações das estruturações 1 e 2 das variáveis, das quais já
falamos anteriormente.
Como a difusão das variáveis ou de suas formas rejuvenescidas
é seletiva e muitas vezes específica, toda a evolução, particular-
mente a evolução da organização do espaço, é «jerky», imprevisível,
incontrolável, Mesmo assim, a difusão das variáveis se faz com
uma defasagem considerável entre elas (variáveis modernizado-
ras), segundo os lugares. Do momento em que se aceita um modelo
de crescimento orientado para fora, o Estado e a Nação perdem
o controle sobre as sucessivas organizações do espaço. Ào ser
adotada a ideologia do crescimento pela maioria dos países do
Terceiro Mundo, o Estado prepara o caminho para que os «mo-
dernizadores» possam instalar-se e operar. A estrutura dos gas-
tos públicos se transforma, orientando-se de preferência para a
construção de infra-estruturas, transportes ou bens públicos, os
quais servem mais, melhor e mais barato às empresas modernas
que à população. Isso sem mencionar os subsídios diretos, como a
isenção de impostos, baixas taxas de juros, exportação protegida
e financiada, etc.
Atualmente, no Terceiro Mundo, o Estado prepara as condições
para que as maiores empresas, sobretudo as estrangeiras, possam
apropriar-se da mais-valia social local, que elas mandam para
fora ou utilizam para incrementar seus ativos e aumentar, assim,
suas possibilidades de ampliar a própria mais-valia. Esse meca-
nismo equivale a uma desvalorização dos recursos deixados nas
mãos do Estado, enquanto que os recursos que se destinam às
grandes empresas são supervalorizados.
O Estado se empobrece e perde sua capacidade para criar ser-
viços sociais ou para ajudar na criação de atividades descentra-
lizadas ou descentralizadoras. A produção, sobretudo a produção
industrial, não corresponde às necessidades nacionais e está su-
jeita a uma concentração acumulativa; ao mesmo tempo, se dis-
torce também o consumo que passa a ser utilizado como o melhor
vetor do capitalismo internacional para a ocupação de todo o
território nacional,
Tudo isso se reflete na organização do espaço: macrocefalia
(atração recíproca do capital direta ou indiretamente produtivo e

31
do trabalho); expansão da agricultura comercial ou industrial em
detrimento da agricultura de subsistência, pela necessidade de
comprar equipamentos, bens intermediários e serviços do estran-
geiro, À produção de produtos agrícolas comercializáveis passa
a ser uma necessidade porque, de outra forma, as populações
rurais ficariam sem capacidade de participar de uma economia que
cada vez mais se monetariza e de um consumo distorcido. Peque-
nas cidades surgem como cogumelos, mas não necessariamente
como resultado da formação local de uma mais-valia. Essas cida-
des têm cada vez menos a função de coleta de produtos da região
e cada vez mais o papel de redistribuidoras de bens e serviços.
A função «regional» das cidades regionais declina porque a revo-
lução dos transportes torna possível que as pequenas cidades
tenham relações diretas com as cidades maiores, inclusive com as
metrópoles. Desta forma, algumas cidades regionais se metamor- |
foseiam em cidades intermediárias, enquanto outras são rebaixa- |
das à categoria de cidades locais (Mílton Santos, L'Espace Par-
tagé, M. Th. Genin — Libraries Techniques, Paris, 1975). |
Esse extenso trajeto assume aspectos peculiares em cada caso
particular, de acordo com a estrutura da produção, da distribuição
e do consumo, isto é, de acordo com o nível das forças produtivas.

4. Um exemplo: o uso da terra

Tomemos como exemplo o problema do uso da ferra num país.


O uso da terra tem que ser definido primeiro como um subsistema
no interior do sistema espacial. Num determinado momento o uso
da terra é o resultado da apropriação total do espaço rural, a qual
tem, em cada lugar, formas específicas.
Através do tempo, o espaço se comporta como um todo. A trans-
formação do espaço «natural» em espaço produtivo é o resultado
de uma série de decisões e escolhas, historicamente determinadas.
Cada porção de espaço é apropriada, reutilizada ou deixada intacta,
Em cada caso, o valor de cada subespaço se transforma com
relação a outros subespaços dentro do espaço nacional. Cada um
dos subespaços é submetido a uma série de impactos de natureza
diversa, que o diferencia dos demais, mas sua explicação deve ser
buscada numa dinâmica global que é a mesma para todos, Se cada
porção de espaço controla alguns aspectos de sua evolução, a
evolução de suas estruturas dominantes — população, emprego,
inversões, etc. — não são controladas localmente.

32
As mudanças de situação relativa não dependem dos subsiste-
mas; eles pertencem ao domínio da totalidade. A história agrícola
se inscreve no espaço por intermédio dessas mudanças da situação
relativa. Em cada período, eles atribuem um valor específico aos
recursos naturais: solo, climas, vegetação, recursos minerais, etc.,
que são as verdadeiras economias externas fixas,
A paisagem atual é um «puzzle» de formas de diferentes idades,
uma forma residual de uma distribuição seletiva de variáveis. Se
as formas pudessem mudar cada vez que o conteúdo muda, forma
c conteúdo apresentariam uma tendência a confundir-se em um dado
momento e em um dado lugar. Na verdade, algumas formas
desaparecem, mas outras permanecem como tantas relíquias do
passado,
A análise supõe, mais uma vez, que encontremos uma periodi-
zação para a história do subsistema que estamos estudando, a
qual (a história) deve ter suas raízes nos períodos da história
nacional, considerada em suas relações com a história mundial.
Assim deveremos estar aptos para abordar os distintos estudos
da organização do espaço agrícola. As mudanças de valor de cada
subespaço não se explicam por sua própria história. Trata-se de
uma verdadeira e mais ampla reorganização, induzida por fatores
externos e internos. Qualquer que seja o caso, mudanças verifi-
cadas numa porção do espaço repercutem nas outras porções do
todo, o qual foi — ele próprio — modificado. Desta forma, a
definição de cada subespaço é em cada período o resultado de
um grupo de relações cuja escala não é a mesma do subsistema
e coincide, no mais das vezes, com a escala do Estado-Nação.

5. Um método: da totalidade aos conceitos e modelos

O problema principal deriva do fato de que nenhuma questão


pode ser respondida fora da concepção de uma totalidade de
estruturas e de uma totalidade de relações.
A evolução interna de cada estrutura deve-se principalmente
a uma de suas subestruturas, a qual, por seu comportamento, tem
um papel de «liderança» sobre a estrutura considerada como um
todo. O conjunto de subestruturas que dispõe dessa força de co-
mando — o núcleo motor — é responsável pela evolução do sis-
tema (o conjunto de estruturas), isto é, é responsável pela evolu-
ção da totalidade.

33
Através desse conjunto de subestruturas de comando o todo se
reproduz em cada uma de suas estruturas, em cada um de seus
subsistemas. Desta forma, se não conhecemos o conjunto de subes-
truturas, ficamos impossibilitados de estudar cada estrutura parti-
cular. Por outro lado, sendo o núcleo motor conhecido, o estudo
de qualquer das estruturas permitirá compreender a problemática
do «puzzle».
Este raciocínio é válido para todos os ramos da ciência, inclu-
sive para a disciplina da organização do espaço, raramente cha-
mada de Geografia. A tarefa de escolher um tema de pesquisa
se minimiza, visto que a explicação de qualquer fato espacial de-
pende das outras estruturas constitutivas do espaço. Não há dife-
rença entre escolher uma porção do espaço ou uma questão espe-
cífica referente a todo território. O objeto de estudo passa a ser
uma categoria analítica da Totalidade.
A escolha dessa orientação no estudo do espaço garante o enfo-
que histórico, sem o qual a totalidade nos apareceria de uma
forma caótica.
Para ir mais além do fenômeno, para ultrapassar o aspecto e
alcançar o conteúdo, não há forma de teorização mais adequada.
Mas temos que subdividir a realidade de forma que ela possa ser
reconstituída quando novamente juntarmos suas partes.
Tal procedimento exige uma conceitualização adequada, isto é,
um processo de simplificação e abstração — um processo de redu-
ção progressiva. A partir de um universo de objetos homólogos
(exemplo: uma espécie particular de solo, que permite um certo
tipo de cultivo, através de certas técnicas, utilizando uma certa
quantidade de capital e trabalho, oferecendo um certo ganho...)
e seguindo um critério de generalização progressiva, vamos elimi-
nando sucessivamente as variáveis menos freqiientes e conservan-
do as que se repetem mais vezes. Quanto mais exatos formos nesse
processo de simplificação, tanto mais puro e abstrato será o con-
ceito resultante.
A pureza e abstração dos conceitos conduzem a teoria cada vez
menos representativas das realidades completas e individuais, cada
vez mais representativas da totalidade dos objetos.
As mesmas variáveis, que fomos gradualmente abandonando
no afã (objetivo) de purificar os conceitos e propor uma teoria
mais abstrata e, por isso mesmo, mais válida, essas mesmas variá-
veis, baseadas agora na teoria, serão gradualmente reincorpora-
das e readicionadas por estágios a modelos, que — estes sim —

34
devem aproximar-se da realidade completa. Partimos da prática
ltumana para as teorias através dos conceitos e voltamos da teoria
para a práxis por intermédio dos modelos. À «redução» sistemática
e a «reconstituição» baseada na teoria, conceitos e modelos repre-
sentam um processo dialético no qual se elimina a pseudocontra-
dição entre dedução e indução. Contrastando a «realidade» re-
constituída com a prática humana, submetemos a teoria a um
«leste» e sabemos então se há necessidade de reconstituí-la. O pro-
cesso é contínuo e novas conceitualizações e modelizações se
sucedem umas às outras. Assim deve ser porque a teoria e a práxis
não devem estar separadas, nem mesmo no caso de aceleração da
evolução social,
(Tradução de Robert Moses Pechman)

35
Ill. A divisão do trabalho social
como uma nova pista
para o estudo da organização
espacial e da urbanização
nos países subdesenvolvidos *

A importância crescente da urbanização, como dado quantitativo


e como conseqiiência e fator de graves problemas sociais e econô-
micos, contrasta, nos países subdesenvolvidos, com a timidez e
pobreza dos estudos empíricos e do esforço teórico. Esse é um
campo de estudos em que, com a exceção de alguns pesquisadores
isolados, a indigência é gritante,
As análises são, de um modo geral, desligadas da realidade
social como um todo, contentando-se freqilentemente com o exame
parcelisado de microproblemas e com um enfoque onde a socie-
dade em movimento está ausente. Um imenso corpo de literatura
pôde assim ser escrito e difundido sem, entretanto, contribuir a
conhecimento da realidade,
Para esse resultado, diversos fatores concorreram.
Os estudos urbanos constituem um domínio científico onde a
vulnerabilidade a modelos capitalistas é grande. De um lado, há
as teorias e doutrinas espaciais e urbanas importadas, algumas

* Apresentado durante o 5º Encontro Nacional de Geógrafos, promo-


vido pela Associação dos Geógrafos Brasileiros, em 19-27 de julho de 1978,
na Universidade Federal do Ceará.

36
buscando, honestamente ou apenas em aparência, um esforço de
compreensão dos problemas próprios ao Terceiro Mundo, enquanto
outras claramente procuram transpor às realidades atuais dos paí-
ses dependentes uma interpretação, às vezes discutível, das reali-
dades dos países do centro, hoje e no passado. Ainda agora se
insiste em comparar o fenômeno urbano no mundo desenvolvido
atual com o acontecido na Europa e nos Estados Unidos à época
de sua industrialização.
Por outro lado, a planificação regional e urbana tornou-se um
exercício extremamente útil não apenas à penetração mais fácil
do imperialismo e do capital no Terceiro Mundo, mas também um
veículo privilegiado das teorias subjacentes.
Às teorias de planejamento urbano e regional raramente decor-
rem de situações reais que se deseja modificar. Elas se apresen-
tam muito mais como portadoras de um modelo a impor. Esse
modelo é, mais freqiientemente, trazido dos países do centro onde
são elaboradas para servir a interesses que raramente são os nos-
sos. Nesse particular foi duplamente eficaz, pois tanto contribui à
importação de doutrinas que nada têm a ver com nossas realida-
des, como, pelo seu uso prestigioso, impede que um pensamento
autônomo e sério se desenvolva.

1. Divisão do trabalho e organização espacial

O espaço geográfico, incluindo as cidades, uma realidade em


processo permanente de transformação, tem sido estudado atra-
vês de um grande número de disciplinas: geografia, economia
regional e urbana, sociologia urbana, urbanismo, arquitetura, aná-
lise regional, planificação urbana e regional, etc. Cada uma dessas
disciplinas adotou um enfoque particular e, também, dir-se-ia,
uma epistemologia particular. Mesmo o vocabulário é específico.
Tais particularismos de percepção e de linguagem conduzem,
muitas vezes, a considerar apenas uma parte da realidade espa-
cial em vez de levar em conta a realidade toda, Essa orientação,
aliás, se aprofunda à medida que as especialidades crescem e
constitui, por isso, uma dificuldade suplementar para a constru-
ção de uma teoria geral do espaço, uma linguagem comum tanto
do ponto de vista teórico, como do ponto de vista das realizações
de ordem prática.
As explicações do fenômeno da urbanização variam. Todas, po-
rém, giram em torno de fatores como o comportamento demográ-

37
fico, o grau de modernização e de organização dos transportes,
o nível da industrialização, os tipos de atividades e relações que
mantêm com os grupos sociais envolvidos, a criação e retenção
local do valor adicionado, a capacidade local para guardar uma
maior ou menor parcela da mais-valia gerada, o grau de redistri-
buição da renda entre os produtores, os efeitos diretos ou indiretos
da modernização sobre a política, a sociedade, a cultura e a
ideologia,
A cada momento histórico, a combinação desses fatores nos
dá o nível da urbanização e a sua geografização nos dá o padrão
de distribuição das cidades, a forma da sua rede urbana, assim
como o «perfil urbano» de um país, isto é, o tamanho respectivo
das cidades dentro de um sistema.
Como, por exemplo, explicar o tamanho monumental das cida-
des da Índia no século XVIII? Um sistema de castas que favorecia
uma extraordinária acumulação em mãos de nobres, em uma fase
histórica em que não havia necessidade de importar, justifica a
enorme riqueza dos príncipes, as construções faraônicas e sun-
tuosas e a mão-de-obra numerosa necessária para empreender
construções, tendo em vista as condições técnicas reinantes, À corte
era vasta, a clientela inumerável, a domesticidade grande, e parece
que o número de ofícios presentes nas cidades não foi igualado
nem sequer aproximado pelas cidades do mundo ocidental.
Na América Latina, cidades como Salvador e México já conta-
vam, no fim do século XVIII, com uma população em torno dos
100 mil habitantes. Poucas cidades européias e nenhuma dos Es-
tados Unidos dispunha, então, de tais efetivos. As cidades latino-
americanas eram entrepostos de comércio e também praças-fortes,
onde a divisão de trabalho se fazia segundo uma tecnologia menos
avançada que na Europa e que demandava mais braços (mesmo
não tendo uma produção material importante) sem, entretanto,
atingir os números alcançados pelas cidades indus. A incidência
do fator político, representado pelas necessidades da administra-
ção e segurança, era um outro dado da divisão do trabalho interno
ao país que não pode ser negligenciado.
Em nossos dias, quando se estuda a urbanização do Terceiro
Mundo, chama a atenção o número de grandes cidades, especial-
mente na América Latina, muito mais do que nos outros conti-
nentes. Isto se explica pela forma como as forças produtivas se
desenvolveram, isto é, com a concentração de instrumentos de
trabalho e de meios de produção mais modernos em certos pontos

38
do território, ao mesmo tempo em que o consumo se expandia a
galope.
Fatores históricos e atuais se conjugam, Desde os inícios da
colonização, a produção vegetal e mineral de que a Europa e,
depois, os Estados Unidos necessitavam, a formação de uma rede
de transportes ligada em parte às necessidades do comércio exte-
rior e depois à existência precoce de Estados modernos (precoce
em relação ao resto do Terceiro Mundo) e a expansão igualmente
precoce das indústrias de exportação foram conjuntamente respon-
sáveis por um desenvolvimento ainda maior das forças produtivas,
mesmo se postas a serviço de empresas e países estrangeiros.
Quanto ao consumo, os velhos laços da América Latina com a
Europa facilitaram a aceitação dos modelos ocidentais desde a sua
primeira grande vaga de difusão entre o fim do século XIX e come-
ço do século XX. Era então um consumo nobre, restrito a parcelas
limitadas da população vivendo nas cidades. Só recentemente,
com a segunda vaga da difusão, propiciada pelas novas condições
de difusão da inovação, é que os modelos ocidentais puderam
espalhar-se mais facilmente.
Evidentemente, o impacto de todos esses fatores seria diferente
segundo os países, seja pela forma de sua participação nas ten-
dências mais recentes, seja pela herança histórica de uma orga-
nização social e do espaço cuja inércia iria ter um papel ativo
quando da transformação econômica do país.
Como os fatores de produção e as atividades relacionadas têm
um lugar próprio no espaço a cada momento da evolução social,
segue-se que todos esses fatores têm influência sobre a forma
como o espaço se organiza e sobre a urbanização.
Por vezes, esses fatores são levados em conta fragmentária ou
isoladamente, Às vezes, porém, busca-se considerá-los como um
todo, levando em conta suas inter-relações, o que permite acres-
centar à lista de variáveis ausentes e valorizá-las de maneira ade-
quada. Mas essa é uma tarefa difícil. Parece-nos, todavia, que a
adoção de um enfoque analítico que leve em conta a divisão do
trabalho permitirá incluir na análise todas as variáveis em jogo.
A cada nova divisão do trabalho ou a um seu novo momento
decisivo, a sociedade conhece um movimento importante, assina-
lado pela aparição de um novo elenco de funções e, paralelamente,
pela alteração qualitativa e quantitativa das antigas funções. À
sociedade se exprime através de processos que, por sua vez, se
desdobram através de funções, enquanto estas se realizam me-
diante formas.
39
Tais formas, sem as quais nenhuma função se perfaz, são obje-
tos, formas geográficas, mas podem também ser formas de outra
natureza, como, por exemplo, as formas jurídicas. No entanto,
mesmo essas formas sociais não geográficas terminam por espa-
cializar-se, geografizando-se, como é o caso da propriedade ou da
família. Assim, as funções se encaixam, direta ou indiretamente,
em formas geográficas.
A cada movimento social, possibilitado pelo processo da divisão
do trabalho, uma nova geografia se estabelece, seja pela criação
de novas formas para atender a novas funções, seja pela altera-
ção funcional das formas já existentes. Daí a estreita relação
entre divisão social do trabalho, responsável pelos movimentos da
sociedade, e a sua repartição espacial.
A divisão do trabalho social torna diversamente produtivas as
diferentes porções de natureza, isto é, atribui a uma paisagem a
condição de espaço produtivo. O espaço global se define pelo con-
junto de lugares compreendidos como porções do espaço produ-
tivo e como lugar de consumo.
A cada momento da divisão do trabalho, a Sociedade total se
redistribui, através de suas funções novas e renovadas, no con-
junto de formas preexistentes ou novas. À esse processo pode
chamar-se de geografização da sociedade (Santos, 1978, p. 72).*

2, Divisão internacional e interna do trabalho:


o estudo de um país como uma formação social

Durante as primeiras fases da colonização, o impacto da divi-


são internacional do trabalho sobre a organização do espaço é
facilmente distinguível: a demanda proveniente do centro do sis-
tema, assim como sua resposta na periferia, eram direta e imedia-
tamente marcadas na sociedade, na economia e no espaço. O novo,
isto é, o impacto das modernizações importadas, trazidas de fora
ou agindo à distância, era por si só capaz de provocar um con-
traste chocante. Isso talvez explique por que a presença européia
na África no fim do século XIX, com tudo o que representou de
mudança brutal para a sociedade, a economia, a moral, à organi-
zação do Estado e a organização do espaço geográfico, mostrou-
se muito mais revolucionária e sensível que na América Latina à
mesma ocasião.

40
No período subsequente à Segunda Guerra Mundial, sobretudo
para os paízes onde o desenvolvimento das forças produtivas foi
maior, tornou-se cada vez mais difícil separar a influência da divi-
são internacional do trabalho daquela da divisão social do traba-
lho interno a cada país. Entretanto, essa separação se impõe,
quando mais não seja para podermos avaliar o papel do Estado
e da sociedade locais. É aqui que o estudo de um país considerado
como uma Formação Social e Econômica e Social se mostra indis-
pensável como um método útil para distinguir os dois tipos de
influência *,
A divisão internacional do trabalho apenas nos dá a maneira
de ser do modo de produção dominante, apontando as formas
geográficas portadoras de uma inovação e, por isso mesmo, car-
regadas de uma intencionalidade nova. É através da incidência
num país da divisão internacional do trabalho e da consequente
divisão interna do trabalho que as especificidades começam a
repontar: à formação sócio-econômica correspondente atribui um
valor determinado a cada forma e a todas as formas, através da
redistribuição de funções.
A divisão internacional do trabalho explica a seletividade espa-
cial na realização de funções, mediante critérios como a necessi-
dade, a rentabilidade e a segurança de uma dada produção. À
divisão interna do trabalho nos mostra o movimento da sociedade,
a criação e os reclamos de novas funções e a maneira como essas
funções são abrigadas pelas formas preexistentes ou novas.
Através da análise das conseqiências de uma dada divisão
internacional do trabalho, em diferentes continentes e em diferen-
tes países, neles encontramos formas correspondentes ao modo de
produção dominante, e que nesses lugares diferentes guardam um
mesmo ar de família. Através do estudo das formações sociais,
reconhecemos a ordem pela qual se dispõem essas formas e o
nexo que elas mantêm através da própria vida da sociedade. Essa
ordem é fornecida pelo somatório das ações dos modos de produ-
ção e das formações sociais em movimento, ou, em outras palavras,
da adição dos efeitos da divisão internacional e da divisão interna
do trabalho.
Essa metodologia supõe que a unidade geográfica de estudo
seja o país como um todo, uma sociedade global agindo sobre
um espaço total. Se não, arriscamo-nos a deixar de fora um nú-
mero mais ou menos grande de determinações e a perder de vista
o nosso objetivo, que é definir a significação de cada lugar dentro
do conjunto de lugares que formam o espaço total de um país.

41
3. As formas e o problema do tempo

Um problema analítico importante vem do fato de que, em um


sistema urbano, as aglomerações são, todas, objetos geográficos
ou, ainda melhor, uma coleção de objetos geográficos, isto é,
formas. A divisão do trabalho, internacional ou interna, e cada
um dos seus momentos, permitem compreender, a cada instância,
a essência das formas, isto é, o seu conteúdo social, econômico e
político.
E as próprias formas? Compreendê-las é fundamental porque
elas não são o envoltório inerte dos instantes que marcam a evo-
lução da sociedade global, mas, igualmente, a condição para que
a História se faça. As formas antigas permanecem como à herança
das divisões do trabalho no passado e as formas novas surgem
como exigência funcional da divisão do trabalho atual ou recente.
Elas são também uma condição, e não das menores, de realização
de uma nova divisão do trabalho,
Por isso, a todo momento se criam novas formas para respon-
der a necessidades precisas e novas, ao mesmo tempo em que
velhas formas mudam de função, dando lugar àquela nova geo-
grafia construída sobre velhos objetos de que falava Kant. Assim,
as formas não têm as mesmas significações ao longo da história
universal, do país, da região, do lugar.
Qualquer que seja o instante em que as examinemos, as formas,
tomadas isoladamente, representam uma acumulação de tempo;
e sua compreensão, desse ponto de vista, depende do entendimento
do que foram as divisões do trabalho pretéritas. Mas seu valor
sistêmico, que é seu valor atual e real, depende da divisão do
trabalho atual *.
Seria impossível pensar em evolução do espaço se o tempo não
tivesse existência como tempo histórico; é igualmente impossível
imaginar que a sociedade se possa realizar sem o espaço ou fora
dele. A sociedade evolui no tempo e no espaço.
Tempo e Espaço conhecem um movimento que é ao mesmo
tempo contínuo, descontínuo e irreversível. Tomado isoladamente,
tempo é sucessão, enquanto o espaço é acumulação, justamente
uma acumulação de tempos.
O tempo que trabalha para que as coisas evoluam é o tempo
presente; o Palimpsesto formado pela paisagem é a acumulação
de tempos passados, mortos para a ação, cujo movimento é dado
pelo tempo vivo atual, o tempo social. O espaço é o resultado

42
dessa associação que se desfaz e se renova continuamente, entre
uma sociedade em movimento permanente e uma paisagem em
evolução permanente.
Espaço atual e Tempo atual se completam, mas também estão
em contradição. De outra maneira, não poderiam evoluir. Somente
a partir da unidade do espaço e do tempo, das formas e do seu
conteúdo, é que se podem interpretar as diversas modalidades de
organização espacial.
Para tanto, é necessário levar em conta dois dados que são
deixados muito freqiientemente de lado nos estudos geográficos.
Muito se fala em escala do espaço e jamais na escala do tempo.
Ora, a palavra, mesmo tratando-se do espaço, tem um conteúdo
temporal. Em segundo lugar, o tempo é tomado como algo de
maciço, uno, apenas fisicamente divisível, o tempo do relógio.
E quando se fala em tempo social é frequente a ilusão de pensar
que uma sociedade inteira funciona segundo uma única medida
de tempo.
Tentarei ser ainda mais explícito. Os estudos históricos e, como
conseqiiência, os estudos geográficos, às vezes se realizam sem
se preocupar com uma periodização realmente sistemática. Consi-
dera-se como ideal encontrar aquelas áreas de significação des-
critas por F. Dumont (1970). À utilização dos modos de produ-
ção como meio de delimitar as épocas históricas aparece, então,
como um método objetivo. Todavia, a necessidade de considerar
as frações ou momentos do modo de produção introduz a neces-
sidade de um refinamento, para podermos tomar em consideração
certos fatos suficientemente importantes para mudar o curso da
história sem alterar a coerência estrutural que caracteriza e defi-
ne um modo de produção.
Isso supõe que, nos países compreendidos por um dado modo
de produção, a significação das variáveis vindas do centro do
sistema tenha um mesmo valor para todos os paíscs. Na verdade,
porém, não é isso o que se passa, pois cada país é portador de
uma temporalidade própria, sem dúvida subordinada à tempora-
lidade internacional fornecida pelo modo de produção. Essa tem-
poralidade própria e interna ao país é igualmente objetiva, atuante
e relativamente autônoma. Trata-se de um tempo interno próprio
de cada país, que decorre paralelamente ao tempo externo, dado
pelo modo de produção dominante.
O tempo interno é tempo empírico, tempo histórico considerado
à escala geográfica do Estado-Nação, isto é, ele representa as

43
modalidades particulares a cada dimensão espacial de escandir o
tempo social.
Tal possibilidade evidentemente não se esgota ao nível do es-
paço nacional. Ela se reproduz, segundo escalas e intensidades
menores, nos níveis e escalas inferiores, pois todos os níveis,
acontecimentos de origem externa ou de origem local, podem
dispor da força necessária para modificar, em uma direção dife-
rente, a evolução em curso.
As diversas dimensões espaciais são, desse modo, submetidas
à influência da escala de tempo que a concerne. Elas se submetem
igualmente às escalas de tempo que concernem às dimensões espa-
ciais superiores, indo do lugar mais pequeno à dimensão mundial,
Como, entretanto, as regiões e os lugares não são nada mais
do que lugares funcionais do Todo, esses tempos internos são tam-
bém divisões funcionais do tempo, subordinados à dialética do
Todo, ainda que possam, em contrapartida, participar do movi-
mento do Todo e assim influenciá-lo. É, aliás, por esse fato que
as regiões e lugares, mesmo não dispondo de uma real autonomia,
influenciam o desenvolvimento do país como um todo.

4. As instâncias sociais como instrumento analítico

Dado que a divisão do trabalho conduz a uma alteração dos


processos sociais, o conhecimento destes se impõe numa ótica
analítica. À análise deve também incluir o estudo das diversas
instâncias do processo produtivo * e as características que adqui-
rem em face de uma nova divisão do trabalho. A combinação des-
ses dois enfoques permitirá compreender o papel dos atores e o
seu jogo recíproco a cada momento da evolução social.
Quando do movimento da sociedade, através de suas estrutu-
ras, nem todos os lugares são atingidos, ao menos diretamente.
Na realidade, todos o são porque o fato de que um ponto do
espaço conheça uma nova definição, através do impacto de variá-
veis novas, muda as hierarquias e impõe uma nova ordem espa-
cial que concerne à totalidade dos lugares. Cada lugar atingido
pelo movimento do todo social fica em condições de reagir sobre
esse todo e, desse modo, obrigando-o a modificar-se, conduz tam-
bém a modificações, mais ou menos grandes, mais ou menos
rápidas, mais ou menos imediatas, da totalidade dos lugares.

44
Quando uma atividade nova se cria em um lugar, ou quando
uma atividade já existente aí se estabelece, o «valor» desse lugar
muda; e assim o «valor» de todos os lugares também muda, pois
o lugar atingido fica em condições de exercer uma função que
outros não dispõem e ganha, através desse fato, uma exclusividade
que é sinônimo de dominação; ou, modificando a sua própria ma-
neira de exercer uma atividade preexistente, cria, no conjunto das
localidades que também a exercem, um desequilíbrio quantitativo
e qualitativo que leva a uma nova hierarquia ou, em todo caso,
a uma nova significação para cada um e para todos os lugares.
Uma indústria que se instala ou que se moderniza, um hospital
ou uma escola que se criam, uma atividade administrativa que se
inicia e mesmo um homem que muda de residência ou que morre,
são, tudo isso, fatores de desequilíbrio e, portanto, de evolução,
1sto é, de mudança do significado dos lugares no conjunto do
espaço.
Da forma como se estruturam e comportam as diversas instân-
cias da sociedade depende a maneira como o espaço nacional se
vIganiza,
O problema é de análise complexa, pois cada instância social
comporta uma classificação que se complica na medida do pró-
prio desenvolvimento econômico. Cada instância social é, de fato,
representada por uma combinação de fatores, subestruturas ou
subinstâncias complementares e conflitantes, de cuja dialética de-
pende a própria evolução social.
Quanto mais acurada a classificação, maiores serão as pnssibi-
lidades de uma análise mais próxima da realidade e mais viável
uma intervenção positiva. Não basta, porém, preparar uma lista de
produções ou produtos, por mais completa que seja, para cobrir
a instância econômica, nem alinhar as manifestações da vida social
propriamente dita para definir a instância cultural-ideológica É in-
dispensável dar a cada segmento sua definição própria, isto é,
fixar o que ele significa especificamente; e isso só se obtém pelo
conhecimento das relações que mantém com outras frações da
própria instância ou de outras instâncias. Essas relações variam
com o tempo, mudam com a própria evolução social e exigem, por
15so, uma atenção meticulosa do analista, sem o que à sua cons-
trução se ressentirá de base sólida. O risco de «miopia temporal»
pode ser fatal à interpretação da realidade.
Que significa o capital estrangeiro, na fase atual da vida econô-
mica de um país? Qual a sua significação para este ou aquele *

45
ramo da atividade econômica ou social? Como, afinal, isso tem
influência sobre a repartição da atividade do espaço?
Ainda no domínio do capital, poder-se-á tentar uma classifica-
ção que nos indique os benefícios e riscos diferenciais concernentes
a cada uma das classes e às condições de localização resultantes?
A distribuição da informação, geral ou especializada, incide
sobre a repartição espacial das firmas e das pessoas? A influên-
cia da ideologia dominante (e das outras ideologias concorrentes)
sobre o consumo social atua sobre o comportamento da economia
e dos cidadãos, contribui para alterar, de uma certa maneira, a
realidade espacial?
Nas condições históricas atuais, avulta o papel do subsistema
político *, a começar pela ação que o seu nível mais alto, o Estado,
representa na adoção ou modificação de um modelo dado de pro-
dução, de um modelo dado de consumo, de um modelo dado de
distribuição dos recursos. À forma como o Estado se comporta
em cada um desses domínios conduz a um resultado diferente no
tocante à organização do espaço nacional. O próprio Estado age
seletivamente em relação aos diversos atores da economia, do
mesmo modo que a ele se devem as orientações primordiais no
domínio da cultura e as possibilidades, maiores ou menores, de
manifestação ideológica. Além disso, através da repartição das
infra-estruturas no espaço nacional e pela escolha daquelas que
beneficiam um determinado setor da produção e da população, a
instância política está decidindo, consciente ou inconscientemente,
da localização das empresas, das instituições e dos homens, se-
gundo características específicas, sobre o espaço nacional. Tudo
isso sem contar com o poder discricionário que é dado ao Estado
de criar novas atividades, de defini-las e de localizá-las ao seu
alvedrio, sem relação obrigatória com as demandas das outras
instâncias sociais.
Mas não basta estudar isoladamente o papel do Estado, a pro-
dução (as produções), o consumo (os consumos), a ideologia, a
população (as classes sociais). É indispensável incluí-los em um
nexo onde as condições históricas atuais forneçam a explicação
maior. O dado qualitativo é fundamental. À abundância de esta-
tísticas e as facilidades de sua manipulação constituem por vezes
uma tentação que elimina um esforço de compreensão da reali-
dade e induzem a erros grosseiros e tanto mais danosos quanto
mais santificados pela técnica. Esta não substitui o raciocínio.

46
E este, pára ser válido, deve ter como ponto de partida as rela-
ções reais entre as instâncias sociais e suas frações, tendo em vista
as especificidades da história.
Quando a sociedade redistribui suas funções ela altera, parale-
lamente, o conteúdo de todos os lugares. São as funções, que per-
tencem à sociedade como um todo e mediante as quais se exerci-
tam os processos sociais, que asseguram a relação entre todos
os lugares e a totalidade social.

5. O estudo das grandes cidades e da rede urbana

O sistema de cidades constitui o arcabouço econômico, político,


institucional e sócio-cultural de um país. A rede urbana é um con-
junto de aglomerações produzindo bens e serviços junto com uma
rede de infra-estrutura de suporte e com os fluxos que, através
desses instrumentos de intercâmbio, circulam entre as aglomerações.
Às demais subunidades que formam o espaço nacional (zonas
agrícolas, bacias mineiras, cidades monofuncionais, etc.) são subes-
paços que não possuem o necessário aparelho para o controle de
suas próprias inter-relações. Estas têm de ser feitas através das
aglomerações urbanas.
As relações entre cidade e o que ainda hoje se chama sua zona
de influência, assim como as relações mantidas entre cidades,
dependem do estágio da economia, desde o da economia «natural»
até as diferentes formas de economia capitalista. Nos primeiros
estágios, os fatores «naturais» aparecem com uma influência do-
minante. Com o desenvolvimento econômico, os fatores «artifi-
ciais», a tecnoestrutura vão aumentando o seu papel na determi-
nação das relações espaciais. Mas, seja qual for o caso, incluindo
os estágios inferiores do desenvolvimento, o sistema de cidades
constitui a armadura do espaço.
Considerando a produção propriamente dita como a «primeira
força produtiva»» e o consumo como a «segunda força produtiva»,
levando também em conta que o trabalho, isto é, a distribuição
dos homens, é um dado a ser considerado paralelamente, a cada
momento histórico há uma repartição territorial das forças pro-
dutivas diretas, uma repartição territorial do consumo e uma re-
partição territorial do trabalho.
A localização das diversas forças produtivas (e de suas frações
ou classes) muda a cada período histórico: cada lugar representa,

47
a cada momento histórico, uma associação de atividades quali-
tativa e quantitativamente diferentes *.
Já que nem todos os subespaços dispõem do aparato necessário
ao estabelecimento de relações recíprocas, são as aglomerações
urbanas que realizam esse papel. Mas, segundo as épocas histó-
ricas, varia o seu lugar como instrumento de circulação e distri-
buição e como agente da produção e do consumo. Também variam,
segundo os países e as épocas históricas, a distribuição desses
papéis dentro do espaço total e entre as cidades.
A organização do espaço, isto é, o papel atribuído às diferentes
entidades espaciais, seria, desse modo, um resultado do desenvol-
vimento das primeiras forças produtivas (produção propriamente
dita), das segundas forças produtivas (consumo) e das necessida-
des conseqgiientes de circulação e distribuição.
A urbanização ficou, primeiramente, ligada à expansão das ati-
vidades de intermediação. Depois, e sobretudo após a segunda
metade do século XVIII nos países desenvolvidos, a necessidade,
conseqitente ao desenvolvimento das máquinas, de concentrar os
trabalhadores num só ponto, trouxe como repercussão geográfica
o desenvolvimento das cidades. Na época atual, onde a terciariza-
ção se tornou galopante, a urbanização cresceu e o tamanho das
cidades aumentou, sobretudo naqueles países, como os do Ter-
ceiro Mundo, onde a seletividade espacial na localização das varia-
ções modernizadoras tornou-se cumulativa.
Como os custos de transporte se reduzem, sobretudo se compa-
rados ao custo dos outros fatores, há tendência à concentração
da produção industrial na aglomeração mais poderosa do país.
No caso de países com maior número de consumidores efetivos
e com nível mais elevado das forças produtivas, a área «core»
do país tende a expandir-se geograficamente, oferecendo às vezes
a impressão de uma descentralização que realmente não se dá.
Na verdade, foi a escala geográfica da região central que au-
mentou.
A conseqiiência é clara. Fora desse módulo, que pode ser uma
mancha nas condições anteriormente descritas, a expansão indus-
trial se faz a um ritmo mais lento, ou é subordinada, dando origem
a verdadeiros enclaves, ostensivos ou não. Verifica-se, igualmente.
nas grandes cidades, e sobretudo na metrópole econômica, uma
concentração das atividades terciárias de nível superior. À partir
de um certo nível de desenvolvimento, essa concentração tende a
ser ainda maior que a da produção material em vista da exigência

48
maior de contatos pessoais, pois o trabalho intelectual de alto
nível funciona como economia externa para outras atividades do
mesmo nível, 1
O fato de que as grandes cidades se hajam tornado os centros,
por excelência, da produção e do consumo, faz delas também os
grandes centros de distribuição e os grandes nós da circulação.
Elas concentram o comércio atacadista interno, além do comércio
de exportação e importação. Fregiientemente, a maior cidade de
um país subdesenvolvido comercializa uma parcela da produção
alimentar que é bem maior que o seu consumo, E isso, além de
contribuir para aumentar a dimensão financeira das firmas inte-
ressadas ', dá-lhes um controle maior sobre os preços e sobre o
abastecimento, tanto na grande cidade como em cidades meno-
res. Ainda aqui, os mais pobres ou menos favorecidos encontram
na cidade melhores condições de acesso aos produtos essenciais,
mesmo que a qualidade oferecida possa variar. Comércio sujeito
a oscilações da oferta, estas são facilmente absorvidas por uma
população numerosa e carente, desde que o preço baixe. É desse
modo que os grandes comerciantes podem escoar os possíveis
excedentes, sem conhecer uma queda de lucro, pois o maior volu-
mine comercializado compensa a relativa baixa de preço. Esse meca-
nismo, porém, somente funciona na grande cidade, graças, de um
lado, à dimensão das firmas e, de outro, ao tamanho da popula-
ção, cujo acesso ao consumo varia em função de sua renda dis-
ponível e do preço do bem oferecido. De toda maneira, verifica-se
um mecanismo de aceleração do crescimento urbano nas já grandes
cidades, em detrimento de outras aglomerações da rede urbana
nacional,
O caso de São Paulo parece exemplar. À chamada «inchação»
urbana dos anos 70, e sobretudo em datas mais recentes, nada tem
a ver com o que se passou na metrópole brasileira nos anos 60 e,
ainda menos, nos anos 50. A natureza das migrações que aumen-
tam o volume da população, a significação dos saldos migratórios
numa fase em que a migração «descendente» se avoluma, as ati-
vidades a que a cidade preside, seu próprio papel metropolitano
em relação à totalidade do espaço nacional exigem uma definição
específica das novas condições da economia nacional e mundial,
definição que é, às vezes, diametralmente oposta a de períodos
anteriores, A própria compreensão do fenômeno da pobreza urba-
na e dos seus mecanismos de adaptação mudaram substancialmen-
E
te, rompendo com os modelos que serviam à sua caracterização.

49
As estatísticas falam, muitas vezes, da aceleração do cresci-
mento regional para afiançar que as chamadas desigualdades
regionais estão se atenuando. É possível que um olhar simplório
sobre as estatísticas possa induzir o leitor, e mesmo o especialista,
a essa conclusão. O problema, todavia, não é o de medir quanti-
dades, mas de verificar o que significam. As mais das vezes, o
crescimento industrial de certas cidades «médias» é subordinado,
pouco representando para a economia da área em que se insere
e contribuindo para aumentar exponencialmente vendas, lucros e
vantagens na área central do país. Hansen (1967) denominou
esse mecanismo de «crescimento ascendente», pois se há aumento,
é, entretanto, ao serviço de unidades maiores.
Como, por outro lado, explicar à presença de outros tipos de
cidades dentro de um sistema urbano? Que significam, em nossos
dias, aquelas aglomerações a que ainda se chama, para facilidade
de exposição unicamente, peguenas e médias cidades?
Queremos insistir, mais uma vez, no fato de que o número de
cidades em um sistema, o seu tamanho e a sua importância rela-
tiva devem ser estudados como um fenômeno total: nenhuma ex-
plicação satisfatória pode ser encontrada fora de um quadro
abrangente e global. Categorias isoladas não comportam uma
real explicação.
Vimos já como a seletividade da atividade produtora moderna
conduz ao fenômeno da macrocefalia, ao desenvolvimento de cida-
des grandes e cada vez maiores. Também já indicamos como a
expansão do consumo levou ao crescimento do número e ao desen-
volvimento das pequenas cidades (Santos, 1975, 1978). Como inter-
pretar a existência das cidades médias?
A função dessas cidades, qualitativas e quantitativamente inter-
mediárias, é a de proporcionar serviços de nível médio e produtos
mais diversificados do que podem vender as cidades locais. É uma
das razões por que seu número e sua importância variam em rela-
ção com a capacidade de consumo da população interessada. To-
davia, um maior desenvolvimento econômico pode conduzir à re-
dução do número das cidades intermediárias. Na África, alguns
autores constataram o que denominaram de morte ou estiolamento
das cidades regionais e isto está ligado à revolução dos transpor-
tes. Na América Latina, onde o nível de consumo é mais alto, o
fenômeno se produz segundo outras características e passa fre-
qiientemente desapercebido. À verdade é que aparece um novo
tipo de cidades intermediárias, mais populosas e maiores. Em

50
qualquer caso, porém, o crescimento das cidades médias é fato
relativo, se o compararmos com o crescimento qualitativo das gran-
des cidades e mesmo com o seu crescimento quantitativo.
Dentro do sistema urbano nacional, cada aglomeração tem um
papel específico.
A pequena cidade, que preferimos chamar de cidade local,
torna-se o centro funcional mas não dinâmico da região circun-
dante, Ela não é mais a mesma pequena cidade descrita por Geor-
ges Chabot (1946). À cidade regional, limitada em sua capacidade
de produzir e mesmo de distribuir ou ainda comprar, não é mais
aquela capital regional das preocupações de Dickinson (1947).
Ela nem mesmo é mais uma cidade regional, pois não mais co-
manda «sua» região, doravante orientada diretamente para as
metrópoles econômicas em suas trocas mais importantes. Trata-se
agora, pura e simplesmente, de uma cidade intermediária. A noção
de uma hierarquia urbana à feição militar, cuja descoberta Smailes
(1953) imputa a si mesmo, hoje faz parte dos cadáveres de uma
geografia ultrapassada.
Na verdade, cada um desses vocábulos, cidade local, cidade
intermediária, cidade regional, capital regional, encobrem uma
gama variada de significações que é tanto mais vasta quanto maior
o dinamismo do país.
O tema da organização do espaço nacional nos países subde-
senvolvidos é, pois, muito amplo e complexo, e a questão de redes
urbanas constitui apenas um aspecto dessa problemática. É um
tema a ser encarado como uma totalidade, onde sociedade e espaço
humano aparecem como uma síntese que está sempre a fazer-se e
a refazer-se., Tema dos mais globais, exige um esforço analítico
onde as categorias de análise sejam também categorias de uma
realidade, a ser tratada como um todo,

6. Resumo à guisa de conclusão

O espaço é uma realidade objetiva, um produto social e um


subsistema da sociedade global, uma instância (Santos, 1977,
1978). Sua análise supõe a construção de uma epistemologia ge-
nética do espaço geográfico, fundada no fato de que as mudanças
históricas conduzem a mudanças paralelas da organização do
espaço. EEN |

(TA RETA
Ft o
RE nua” TRADE *
o o ES
Esse ponto de vista exige que consideremos as categorias de
tempo e de escala como capazes de assegurar uma visão global,
dinâmica e concreta, onde a noção de totalidade aplicada à socie-
dade e ao espaço não deixe lugar a nenhuma espécie de tautolo-
gia. E para levar em conta os aspectos formais e de estrutura do
espaço em geral e do sistema urbano, as noções de estrutura,
função e forma são fundamentais. Elas estarão no centro da inter-
pretação da evolução e do presente espaciais. Assim, serão consi-
derados paralelamente: a sociedade, em sua realidade e em seu
movimento, os processos dessa evolução, as atividades atualmente
localizadas no espaço e os objetos de que essas atividades depen-
dem, isto é, as formas, analisadas através do seu aspecto material
e de seus atributos técnicos e sociais.
A urbanização é nada mais que um resultado de tais processos
historicamente determinados, enquanto localização geográfica se-
letiva das forças produtivas e das instâncias sociais.

NOTAS

1. A noção de divisão do trabalho é objeto de um livro clássico de Dur-


kheim, A Divisão do Trabalho Social. Marx iá havia tratado do tema em
seus Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 e de novo, em compa-
nhia de Engels, na Ideologia Alemã. Discutindo a paternidade do conceito,
Proudhon indica que Lemontey havia abordado esse assunto (Oeuvres Com-
plêtes, v. 1, Paris, 1840, p. 245) e que mesmo Ferguson teria dado uma
«exposição clara do assunto» no seu livro An Essay on the Historical of
Civil Society, publicado em Edinburgh em 1783, 17 anos antes, portanto,
da obra clássica de Adam Smith, que muitos consideram como o paí da
idéia. A noção de divisão do trabalho aparece igualmente na Sociologia de
Spencer e Frederick Hawley também se preocupou com o problema em
seu livro de 1882, Capital and Population: À study of their Relations to
Each Other. O tema foi retomado mais recentemente por diversos autores.
2. Segundo Nektrasov (1974, p. 14), «a natureza extremamente dinâmica
dos processos econômicos e sociais integrados em um país como um todo
e em cada região faz com que mude constantemente o padrão da divisão
territorial do trabalho. Por outro lado, o aumento da eficiência da produção
social depende largamente não apenas do modelo atual existente como
também dos futuros padrões de distribuição das forças produtivas nas
regiões econômicas do país».
«The highly dinamic nature of the interrelated economic and social
processes in the country as a whole and in individual regions constantly
changes the pattern of territorial division of Labour. The raising of the
efficiency of social production largely depends riot only on the existing,
but on the future, distribution pattern of the productive forces in the country's
economic regions».

52
3. A propósito das relações entre formação social e espaço geográfico,
ver o número especial de Antipode, v. 9, nº 1, fevereiro 1977, organizado
por Milton Santos e Richard Peet. Os estudos de Alejandro Rofman (1974)
são igualmente instrutivos.
Ver também, a esse respeito, o que escreveram Martin Boddy (1966) e
John Short (1966).
4. A distribuição dos lugares e sua diferente importância também estão
relacionadas com a divisão internacional e interna do trabalho. Mas o pas-
ando também desempenha um papel importante, pois a cada mudança da
dinâmica social as formas que vêm do passado, preexistentes, são mais ou
nienos favoráveis, ou mesmo desfavoráveis à recepção das novas variáveis.
5. A leitura do artigo de José Luiz Coraggio (1974, 1977) dará a este
tema uma relevante contribuição do ponto de vista analítico.
6. A propósito do papel do Estado na organização e reorganização do
espaço, aconselhamos a leitura de S. Barrios (1977) e também de /. L.
Coraggio (1977, p. 22). O leitor também poderá consultar nosso livro
Por uma Geografia Nova, Hucitec, São Paulo, 1978.
7. Quanto à noção de tempo nos estudos geográficos, discutimos o assunto
tum mais detalhe em M. Santos (ed.), Modernisations et Espace Derivés,
Revue Tiers Monde nº 52, Presses Universitaires de France, 1972, e também
em M. Santos, La Noción de Espacio, Cooperativa de los Estudiantes en
Geografia, Universidad de Los Andes, Merida, Venezuela, 1978.
8. Marx já indicava (1971, v. 1Il, p. 295) que a divisão do trabalho dentro
te uma firma atacadista representa uma economia de tempo e de dinheiro,
de modo que o aumento de suas dimensões contribui para o barateamento
dos custos, Isto é ainda mais viável nos dias atuais, quando, nas grandes
cidades, muitos dos serviços exigidos pelas grandes firmas são produzidos
e fornecidos por outros.

Referências Bibliográficas
Barrios, Sônia — «Political Practice and Space», Antipode, v. IX, nº |,
fev. 1977, pp. 36-39.
htoddy, Martin — «Urban Political Economy; Introduction», Antipode,
v. 8, nº 1, março 1976.
Chabot, Georges — Les Villes, Armand Colin, Paris, 1946.
Coraggio, José Luiz — <«Consideraciones teórico-metodológicas sobre las
formas sociales de organización del espacio y sus tendenciais en América
Latina», Revista Interamericana de Planificación, v. VIM, nº 32, Dec. 1974,
pp. 70-101 (Há uma versão em inglês, publicada em Antipode, v. IX, nº |,
1977, pp. 14-27).
Dickinson, R. E. — City, Region and Regionalism, Londres, 1947.
Dumont, Fernand, a dialectique de PObjet Economique, Anthropos, Paris,
1970.
Durkheim, Émile — De la Division du Travail Social, Paris.
Hunsen, N. M. — «Development pode theory in a regional context», Kyklos,
vol, 20, 1967, pp. 701-725.
Marx, Karl — Capital, vol. 111, Progress Publishers, Moscou, 1971 (publi-
vado pela primeira vez em 1894, por Engels).

53
Mathieu, Nicole — «Propos critiques sur V'urbanisation des campagnes>,
Espaces et Sociétés, nº 12, maio 1974, pp. 71-89.
Nekrasov, N. — The Territorial Organization of Soviet Economy, Progress
Publishers, Moscou, 1974 (particularmente os capítulos 1 e 6).
Parisi, Licio — «Modo de Producción y Metropolización en Chile y Améric
Latina», D. E. P. U. R., Universidade de Chile, dec. 1971.
Rofman, Alejandro — Desigualdades Regionales y Concentración Econó
mica, el Caso Argentino, Ediciones SIAP -— Planteos, Buenos Aires, 1974,
— Dependencia, Estrutura de Poder y Formación Regional en América
Latina, Siglo Veinteuno, Buenos Aires, 1974,
Rofman, Alejandro e Romero, L. A. — «Primary Production, Expor
Production, and Distribution of Income in a Backward Region», Antipode,
v. IX, nº 1, 1977, pp. 78-90.
Santos, Milton — L'Espace Partagé, Editions M. — Th, Genin — Li:
brairies Techniques, Paris, 1975.
— «De la Société au Paysage», Herodote, nº 9, Editions François Mas:
péro, Paris, 1978.
— O Espaço Dividido, Livraria Editora Francisco Alves, Rio de Ja
neiro, 1978. À
Short, fohh — «Social Systems and Spatial Patterns», Antipode, vol. VIII
nº 1, março 1976, pp. 77-83.
Smailes, Arthur E. — Geography of Towns, Hutchinson and Co., Londres
1953.
Vieille, Paul — «L'espace global du capitalisme d'organisation»s, Espace
et Sociétés, nº 12, maio 1974, pp. 3-32.

54
IV. Terciarização,
urbanização, planificação:
notas de metodologia

Este ensaio se destina a servir como subsídio ao estudo do


terciário no contexto da urbanização, especialmente no mundo
subdesenvolvido. Partindo da definição clássica dessa categoria,
buscamos apontar os principais problemas que tal estudo sugere.
Para limitar o escopo do ensaio, limitamo-nos aos aspectos mais
«modernos» ou «superiores» da atividade do setor chamado ter-
ciário, deixando deliberadamente de lado o que decidimos chamar
de «circuito inferior», cuja confusão com o setor terciário (primi-
tivo, residual, transicional e quejandos) é frequente.
Neste trabalho discutimos a origem da classificação tríplice das
atividades econômicas em suas relações com o planejamento eco-
nômico e o trabalho estatístico, assim como o valor do conceito
original em face das condições atuais da economia internacional
e a necessidade de uma nova conceituação. Em seguida, chama-
mos a atenção para o paralelismo entre divisão social e repartição
espacial do trabalho, parâmetro fundamental quando se deseja
conhecer as relações entre terciarização e urbanização, seja com
um propósito analítico puro seja que este deva servir de base a
uma proposta de planificação. A especificidade da questão 'nos
países subdesenvolvidos assim como a problemática particular às
regiões polarizadas também são objeto de nossa preocupação.

55
1. Um defeito congênito

A tríplice classificação das atividades econômicas herdada de


Colin Clark é contemporânea, senão uma decorrência de uma teo-
ria de crescimento econômico que se mostrou historicamente ine-
ficaz e que, no caso particular dos países subdesenvolvidos, pa-
rece haver contribuído para aumentar ainda mais o seu subdesen-
volvimento. Além disso, a contabilidade econômica que trata como
um dado homogêneo o que é cada vez mais heterogêneo é, assim,
incapaz de ajudar a reconhecer o movimento real da sociedade e
da economia; mostra-se, portanto, inútil quando se pretende pre-
ver o futuro para traçar-lhe rumos.

2. Um novo fenômeno e uma velha denominação

Nas condições atuais da economia, o estudo do chamado setor


terciário impõe que se levem em conta, de um lado, a existência de
novas atividades terciárias, nem sempre discerníveis sob as con-
dições atuais da coleta estatística; e, de outro lado, a heterogenei-
dade fundamental do setor como definido oficialmente, hetero-
geneidade que as estatísticas oficiais mascaram.
Diante desses dois dados cabe ao analista escolher entre duas
atitudes: 1 — Conhecer os processos subjacentes aos fatos para
assim tirar partido das estatísticas de que dispõe; 2 — subordinar-
se de pés e mãos atados aos quadros estatísticos encontrados já
prontos, reproduzi-los preguiçosamente e arriscar-se a cometer
graves erros que envolvem coletividades inteiras. O uso correto
das estatísticas, agora e mesmo sempre, somente é possível se
contamos com um enfoque teórico a ser buscado na própria rea-
lidade. Esta é rapidamente mutável, sobretudo em certas épocas,
enquanto o processo de evolução dos métodos de coleta estatística
é, nas condições vigentes, extremamente rígido. Assim, a preo-
cupação teórica e metodológica é fundamental. Só assim se che-
gará a reconhecer o conteúdo novo encoberto pela velha denomi-
nação, o «setor terciário».
O estudo do chamado «setor terciário» é, nas condições atuais
da economia, um herdeiro enriquecido da ambigiidade que marca
a definição inicial dessa categoria de análise. A situação é, agora,
mais grave, pois uma parcela cada vez mais importante das esta-
tísticas disponíveis não leva em conta aquela ambigilidade inicial

56
e, ainda menos, a sua agravação: viciando os resultados, o mate-
rial assim oferecido como base para uma interpretação da reali-
lidade é, já, em si mesmo, uma interpretação, e uma interpretação
distorcida, que prejudica e às vezes proíbe o correto conhecimen-
to da realidade.
Essa advertência, necessária já há muito, impõe-se ainda mais
no presente: vivemos uma fase da história em que a vida cultural
se caracteriza, sobretudo em certas áreas, por uma economia de
raciocínio próxima da indigência e onde a economia da atividade
intelectual reduz as preocupações de rigor a um mínimo que às
vezes se confunde com a irresponsabilidade.

3. Os terciários novos ou renovados

As condições atuais de uma economia internacional «mundiali-


zada» fizeram surgir um sem-número de atividades que escapam
às classificações tradicionais, mas não podem escapar às preo-
cupações do analista, sob pena de este apresentar uma interpreta-
ção capenga, uma caricatura em lugar do retrato de corpo inteiro
da realidade.
Entre os itens que nem sempre estão incluídos no estudo do
chamado terciário, ou que não merecem suficiente atenção, está
uma série de atividades sem as quais a vida econômica moderna
não se poderia exercer. Nessa lista encontram-se as atividades de
mercadização («marketing»), de engenharia («engeeneering»), de
gerenciamento («management»), de propaganda, de pesquisa, de
consultoria, etc. A ampliação qualitativa e quantitativa das neces-
sidades ligadas à existência individual e das famílias, junto ao
fato de que o próprio sistema econômico dispõe dos meios de criar
ce impor novas necessidades como se elas fossem naturais, são,
paralelamente, criadores de novas atividades que se enquadram
também dentro do terciário (saúde, religião, diversões, turismo e
tantas outras). Onde incluir a atividade educacional? Juntem-se
a tudo isso as formas novas ou renovadas, sofisticadas ou não,
da atividade política e político-administrativa tanto na esfera pú-
blica como na esfera privada, ou ainda na interseção entre ambas.
Os múltiplos aspectos da burocracia, ampliada enormemente com
a modernização e as diferentes atividades ligadas ao conceito de
segurança (individual e coletiva), cuja expansão e diversificação
recentes são consideráveis, são, também, do domínio do terciário
e, tanto quanto possível, devem caber no seu estudo,

57
O estudo dos transportes deverá também transcender o aspecto
técnico ou modelístico e ser considerado como atividade de rela-
ção cuja importância aumenta com a divisão de trabalho, mas
que se apresenta segundo formas qualitativas variadas, cujo
«rationale» tem que ser identificado.

4. A necessidade da conceituação

Em nossos dias a definição do terciário não se limita àquelas


duas áreas tradicionais, a saber: resposta às necessidades dos
indivíduos, isolados ou em grupo, e atividades de intercâmbio,
indispensáveis à circulação de pessoas, produtos e idéias. O terciá-
rio, hoje, permeia as outras instâncias (primário e secundá-
rio) cuja definição tradicional esmigalha e, sob formas parti-
culares em cada caso, constitui o elemento explicativo da possi-
bilidade de existência com êxito de inúmeras atividades, sobretudo
daquelas mais importantes. Referimo-nos, em particular, às atiívi-
dades terciárias que precedem a produção material propriamente
dita e sem as quais ela não pode realizar-se eficazmente. Essa
realidade desmantela os esquemas clássicos de análise, sejam eles
«burgueses> ou «marxistas» (incluindo as noções de realização,
reprodução, etc.) e impõe uma nova ótica. Para alcançá-la, o me-
lhor é partir paralelamente da estrutura da economia mundial e da
realidade própria a cada país (sempre tomado como um todo)
para um trabalho de identificação que não se pode contentar com
uma listagem. Esse trabalho não estará completo sem a definição
da atividade no contexto de estudo, isto é, sem o conhecimento do
seu funcionamento e de suas inter-relações dentro e fora do país.
Sem isso, podem-se encher páginas e páginas com estatísticas e
palavreado, mas não se alcançará o conhecimento da coisa estu-
dada e muito menos poder-se-ão construir modelos de intervenção.

5. Divisão social (internacional e interna)


e divisão espacial do trabalho

Cada nível qualitativo e quantitativo da atividade «terciária»


corresponde a uma forma particular da divisão do trabalho inter-
nacional e interna a cada país. À definição qualitativa e quantita-
tiva do terciário correspondente a cada país depende, de um lado,

58
das formas de realização da vida coletiva e, de outro lado, das
formas de inserção do país no âmbito da economia mundial. Am-
bos esses dados reunidos nos dão, a um só tempo, a importância
global da atividade terciária e a sua distribuição no espaço nacio-
nal. Uma interpretação correta do fenômeno compõe-se desses
dois elementos, pois a divisão social do trabalho é, ao mesmo
tempo, uma divisão espacial do trabalho — e isto tanto à escala
mundial quanto à escala de cada país. Há uma relação, diferente
em cada momento histórico, entre as condições de intercâmbio
e a localização dos seus instrumentos e agentes.
As atividades de intercâmbio, embora não sejam forçosamente
exclusivas das cidades, são, todavia, sua característica mais clara
em relação aos outros subespaços do espaço nacional. O mesmo
se dá, embora segundo leis específicas, quanto às atividades liga-
das à vida social coletiva. Essas atividades são tanto mais con-
centradas espacialmente quanto pela sua definição e caracterís-
ticas são mais geograficamente seletivas. Daí o interesse, acima
realçado, de conhecer o que significa em um dado momento cada
uma dessas atividades terciárias, tanto em relação à realização
da vida econômica quanto em relação à vida social, ambas consi-
deradas stricto sensu.
Impõe-se, assim, conhecer o lugar que cabe a cada qual em
relação à economia global e como se articula com as demais variá-
veis. Isso nos dará, por um lado, a explicação da localização no
estrangeiro de centros de «produção» de insumos terciários indis-
pensáveis à atividade sócio-econômica de um país dado e, por
outro lado, nos permitirá compreender as razões da sua distribui-
ção dentro de um país. Neste particular, a análise não pode cin-
gir-se ao meramente econômico e deve preocupar-se com todo tipo
de causas, Esse enfoque se impõe quando se trata de prever e/ou
guiar a evolução do fenômeno.

6. Especificidades dos países subdesenvolvidos

As relações entre terciarização e urbanização não são idênticas


em país desenvolvido e em país subdesenvolvido. O subdesenvol-
vimento se caracteriza, entre outros aspectos, pela disparidade
de renda entre indivíduos, assim cmo pelas chamadas disparidades
regionais (e intra-regionais e intra-urbanas e intrametropoli-
tanas...).

59
A conjugação dessas duas «desigualdades» constitui um fator
locacional imporíante para as atividades terciárias, sobretudo as
«espontâneas», isto é, aquelas cuja localização se deve ao movi-
mento «espontâneo» da economia. Entre parênteses: não devemos,
todavia, esquecer que as próprias atividades implantadas «ex-
ofício» pelo poder público, apesar de serem teoricamente um fruto
do seu poder locacional discricionário, são, na maior parte das
vezes, atraídas ou sugeridas pelas atividades econômicas já exis-
tentes ou a implantar-se «espontaneamente».
Voltando ao nosso argumento central, devemos considerar que
as disparidades «regionais» contribuem a fazer concentrar nas
cidades maiores as atividades terciárias de que todas as regiões
necessitam, mas não podem produzir localmente, ou são ofereci-
das a custos mais baixos nas grandes cidades. Na medida em que
os transportes se modernizam, tais relações inter-regionais são fre-
qiientemente mais numerosas e menos custosas (de tempo e de
dinheiro), se feitas por intermédio das grandes cidades. Isso lhes
aumenta o mercado terciário e, mutatis mutandis, reduz as pos-
sibilidades de outras localidades. Além do mais, o fato de que o
cociente de relações interpessoais de alto nível é maior nas metró-
poles dá a estas mais chances de ver florescer atividades terciárias
«superiores», À tendência à concentração será tanto maior quanto
a atividade depender de uma demanda irregular ou intermitente.
Ela também aumenta com as dimensões do capital envolvido na
atividade econômica, ainda que esta se realize a grande distância,

7. O problema das regiões polarizadas

Neste ponto impõe-se colocar uma questão importante. É sabido,


que em um país subdesenvolvido, que é também industrializado,
sua região polarizada tende a expandir-se geograficamente em!
função do crescimento econômico.
Desse modo há ampliação da área na qual, dentro do país,
as relações internas de toda ordem se tornam mais numerosas e
freqiientes, ampliando-se de forma exponencial se compararmos
com o resto do território nacional. Isso é válido quanto ao fluxo
de produtos. Em outras palavras, as atividades terciárias tornam-=
se mais diversificadas, mais volumosas, mais complexas. Mas at
que ponto a tendência à descentralização de certas atividades de
produção material é acompanhada da tendência à descentraliza-

60
ção da produção terciária? E que relações há entre atividade de
produção material desconcentrada e atividade de produção «inte-
lectual»> desconcentrada? Em que medida esta última é produzida
e consumida localmente?
Esse problema pode e deve ser reposto para escalas geográficas
mais amplas, a fim de que a análise das relações entre o chamado
setor secundário e o chamado setor terciário da economia não se
faça de forma abstrata. De resto, uma análise que não leve em
conta o dado geográfico não poderá ser útil à planificação dita
espacial. Sem essa análise, aliás, será impossível identificar uma
possível mudança de natureza do papel metropolitano e tentar-lhe
a explicação necessária.
Esse problema da localização de atividades organicamente rela-
cionadas (de fato, aliás, é o caso de qualquer delas e de todas)
tem de considerar o aspecto espacial do intercâmbio, isto é, a
forma como a divisão espacial do trabalho se faz em cada etapa
do desenvolvimento econômico.
Um outro exemplo significativo é o da atividade agrícola. Na
medida de sua maior extroversão ou de sua maior capitalização,
vê suas atividades de relação se realizarem em cidades cada vez
maiores e, frequentemente, cada vez mais distantes do local da
produção.
O tamanho da região metropolitana, a forma como nela se dis-
tribuem as atividades e os homens, explicam, para cada caso parti-
cular, a importância e a complexidade das atividades de trans-
portes e comunicações. É evidente que essa explicação não se
fará sem que se leve em conta a natureza das atividades, a situa-
ção sócio-econômica e cultural das populações, o número e a fre-
qiiência de uso dos veículos privados, a incidência dos transportes
coletivos, públicos ou não, as limitações que a organização mate-
rial da aglomeração metropolitana impõe à circulação e os dados
funcionais que se superpõem como forma de organização subor-
dinada àquela ditada pelos dados estruturais. Tudo isso é do âm-
bito da análise do setor terciário e deixar de considerá-lo é con-
denar a análise a ser incompleta e inutilizável.
De um modo geral, a variável configuração espacial tem de
ser cotejada com as condições de surgimento, realização e evolução
da atividade terciária. Senão será impossível aconselhar seria-
mente uma relocalização ou prever como a expansão ou a retra-
ção desta ou daquela atividade incidirá sobre os diversos grupos
sociais e sobre as diversas áreas urbanas.

61
8. Ser e estar: língua portuguesa e análise espacial

Mas o estudo da atividade terciária em uma grande metrópole


apenas começa no âmbito geográfico da metrópole e começa aí
apenas pelos aspectos mais visíveis e não forçosamente os mais
explicativos — até pelo contrário. Todavia, o que se passa em
São Paulo, para tomar o exemplo que nos interessa mais de perto,
não é, como recentemente foi dito, explicável com o que se passa
em Mato Grosso, no Ceará, no Rio Grande do Sul, etc. O que pas-
sa nesses Estados e o que se passa em São Paulo se explicam em
função das condições nacionais consideradas como o que elas são,
isto é, um todo. E isso inclui, de um lado, a organização do país
(a palavra organização é aqui utilizada em um sentido abrangente)
e o lugar do país na rede internacional de relações. A atividade
terciária da Grande São Paulo: ela é uma parcela da atividade
terciária nacional localizada na Grande São Paulo em virtude de
um jogo de fatores em que entram a divisão internacional do tra-
balho atual, a divisão interna do trabalho atual e todos os rema-
nescentes, materiais ou não, das divisões internas do trabalho
anteriores e das divisões do trabalho anteriores naquilo em que
afetaram o país (e sobretudo a região da Grande São' Paulo).
Para os que trabalham em problemas do planejamento espacial
a grande vantagem de falar português é saber que ser e estar se
confundem, mas não são a mesma coisa.

62
V. Comércio internacional
e localização

Durante os anos 50, quando a teoria da localização ganhou um


novo impulso, no fim do período apareceram alguns autores que
buscavam explicar a presença de atividades neste ou naquele lu-
gar como uma função do comércio internacional. Essa interpreta-
ção, então hetorodoxa, não foi suficientemente explorada, enquan-
to a explicação por intermédio de categorias mais simples e mais
formalmente aceitáveis conhecia novos desenvolvimentos.
As teses «clássicas» se ajustam melhor à ideologia do cresci-
mento econômico e às teorias respectivas e isso ajuda a explicar
sua voga. A noção de comércio internacional deslocava o funda-
mento lógico da localização. Segundo as teses clássicas, a expli-
cação se encontrava no próprio lugar de realização da atividade
(economias de escala, economias externas, et caterva. ..). Ao ado-
tar o princípio do comércio internacional, o que aparece como
causa na hipótese precedente fica reduzido a mera condição. À
causa teria de ser buscada no movimento geral da economia e a
uma escala que ultrapassa a escala do lugar, confundindo-se com
a escala mundial. À análise que se obteria através desse instru-
mento seria menos simples e também mais rica. Ela arrastaria

63
igualmente a uma nova compreensão de fenômenos como à cha-
mada substituição de importações (que preferimos chamar de
substituição de produção), a configuração espacial das economias
nacionais, o fato da centralização geográfica de atividades, as
chamadas desigualdades regionais e a macrocefalia urbana.
A adoção do princípio do comércio internacional como fator
locacional privilegiado importaria na revisão de um grande núme-
ro de teorias como, p. ex., à do desenvolvimento (ou subdesenvol-
vimento), a do desenvolvimento regional e as da polarização e
despolarização. Isso equivaleria a romper com a lógica externa
que assegura a unidade formal às teorias do crescimento econômico
(nos seus diversos aspectos) e conduziria, também, a introduzir
fatores de complexidade na análise dos problemas de crescimento,
tornando talvez impossível o tratamento das variáveis, segundo
métodos expeditivos cujo objetivo final está, uma vez mais, ligado
à questão da aceleração do crescimento de um setor da economia
e de sua medida, em termos de crescimento, do produto segundo
uma base internacional.
O fato de que a descentralização da produção industrial, após
um primeiro movimento representado pela substituição de impor-
tação (efetuada com defasagens entre os diversos continentes
subdesenvolvidos e mesmo dentro de cada um deles), foi seguida
nos anos 60 (segunda metade) por uma aceleração do movimento
de internacionalização do capital e de internacionalização do pro-
duto, obriga a rever os fundamentos da tese do comércio interna-
cional como fator locacional pelo fato de que houve expansão
paralela do consumo; essa revisão se impõe ainda mais nos países
que são ao mesmo tempo grandes consumidores e grandes produ-
tores industriais, como é o caso do Brasil, Uma análise menos
detida da circunstância pode conduzir a que se considerem as
condições da produção destinada ao mercado interno, ou mesmo
realizada com capitais nacionais (públicos ou privados), como
escapando a uma análise do tipo proposto.
À internacionalização do produto corresponde a uma internação
da produção que não suprime, todavia, a realidade da divisão do
trabalho. À nova geografia das fábricas não é apenas um aspecto
formal (não estamos negando que tenha ou possa ter consegiiên-
cias não-formais) e a divisão do trabalho se dá, de um lado, atra-
vês do «trabalho intelectual» c seu novo papel no processo de
produção e de acumulação e, de outro lado, através da tipologia
do capital, cuja classificação se torna hoje indispensável para a

64
compreensão dos meandros das relações internacionais, inclusive
o comércio, e como um dos elementos para uma explicação reno-
vada do problema locacional.
Nas condições atuais da economia internacional, às quais todos
os países, em proporção maior ou menor, se subordinam, o capital
ainda é estatisticamente tratado a um nível total de indiferença
como o capital é medido, dessa forma, em termos de equivalência.
Na realidade, em uma mesma economia operam paralelamente dife-
rentes modalidades de capital que, juntas, dão a estrutura de capital
própria ao país. Atendo-nos ao problema que é o nosso, cada
qual dessas modalidades de «K» possui leis de localização pró-
prias, diferentes umas das outras. O fato de que um mesmo lugar
seja o locus de diferentes modalidades de capital não invalida o
princípio. O conjunto de localização tem muito que ver com a
estrutura do capital.
A gama de modalidades de capital é encimada pelo que se pode
chamar de capital tecnológico, isto é, aquele capital que é ao mes-
mo tempo associado e acionado (de um ponto de vista de sua
funcionalidade) pelas diversas formas de saber. Ao nível inferior,
se encontra o capital simples, denominação que arriscamos aqui
tentativamente e que se define pelo fato de que se põe à disposi-
ção do trabalho, geralmente individual, familiar ou em pequena
escala, capital cuja reprodução se assemelha, se não repete, à
definição da reprodução simples. Entre essas duas categorias há
toda uma gama, qualitativa e quantitativamente diferente, segundo
os países. Mas, nos dias de hoje, todos os países dispõem desses
dois tipos básicos de capital que, curiosamente, entre os seus se-
tores locacionais mais favoráveis incluem elementos comuns como,
por exemplo, a abundância de infra-estruturas e a abundância de
mão-de-obra barata. (Daí por que ambos os tipos de capital apa-
recem concomitante e vantajosamente nas grandes aglomerações.)
A internacionalização do capital e da produção nos últimos anos
ganhou seu momerntum ao mesmo tempo em que a queda da taxa
de rendimento do capital caía grandemente nos países do centro.
Como isso se dá em uma fase onde o nível da produção nos paí-
ses do centro está em baixa, ao mesmo tempo em que o volume de
capitais aumenta, estes buscam investir na periferia. Como as
condições econômicas, infra-estruturais, técnicas e políticas de re-
ceptividade não são as mesmas, cada país conhece um grau dife-
rente de inserção dos capitais tecnológicos estrangeiros e, por
isso mesmo, a estrutura do capital interno a cada qual se torna

65
ainda mais específica. Entre os dois tipos extremos, a gama de
tipos de capital é vasta e para cada país se define como uma fun-
ção das modalidades de sua participação no comércio mundial,
da estrutura própria de produção industrial, da estrutura do con-
sumo interno.
A localização das atividades vai depender, em cada caso, das
condições do comércio internacional, incluindo a presença das
empresas transnacionais e das condições de. intercâmbio internas
ao país, que incluem a estrutura da produção industrial, agrícola
e de serviços, a estrutura do consumo e a estrutura dos investi-
mentos fixos. As empresas transnacionais tanto participam do pri-
meiro grupo de fatores quanto do segundo, neste último .caso
como uma função da sua participação no consumo interno (maior
ou. menor, segundo os países) e de sua articulação com o resto)
da economia (maior ou menor, segundo os países).
A tese do comércio internacional como elemento de explicação
da localização industrial ganha novo momentum, devendo, porém
ser enunciada à luz das novas condições econômicas.
Todavia, as atividades produtoras dentro de um país têm graus
diferentes de envolvimento direto ou indireto com o comércio inter-
nacional. Às condições de funcionamento são diferentes na medi-
da em que as condições de circulação, acumulação e de reprodu-
ção do capital correspondentes a cada categoria não são as mes-
mas. E as condições de funcionamento incluem as condições loca-
cionais.
Parece possível traçar um paralelo entre grau de envolvimento
com a economia mundial e tipo de capital utilizado, embora em
países de economia complexa e com grande mercado interno as
nuanças tenham de ser levadas em conta, ;
Sem procurar aqui uma classificação exaustiva de tipos de capi-
tal, parece lícito distingui-los em função de dois parâmetros im-
portantes: o seu papel no processo de acumulação, isto é, a sua
capacidade maior ou menor de participar desse processo, o que
incluí, como segundo dado importante, os meios que utiliza para
tanto, incluindo os meios políticos. Ainda aqui o capital tecnoló-
gico e o capital «simples» encontram definições opostas. Enquanto
Oo capital «simples» trabalha com pequena proteção (até pelo com
trário), para assegurar a subsistência do agente em condições
gerais de empobrecimento e endividamento, o capital tecnológico
dispõe da maior capacidade de acumulação e mesmo de hiper-
acumulação, não apenas porque dispõe do componente tecnológico

66
e organizacional, mas também pela sua capacidade de acionar dis-
positivos políticos (em sentido amplo) que garantem a utilização
do componente tecnológico em condições (de preço, por exem-
plo) que, em muitos casos, são praticamente discricionárias. Esse
aspecto discricionário da sua atividade, que lhes atribui margens
de lucro que a contabilidade oficial ou normal é incapaz de con-
tabilizar, garante-lhes, do ponto de vista locacional, uma elastici-
dade certa. Explicamo-nos melhor: a base do sobrelucro dos
conglomerados transnacionais operando à base da exportação do
trabalho intelectual é a combinação de uma série de operações
conhecidas pelo nome de superfaturamento-subfaturamento, que
podem igualmente incidir na aquisição, fora do país destinatário,
de maquinaria e outros tipos de insumos. À esse jogo contábil,
que inclui a manipulação da entrada e da saída de divisas fortes
(lucros correntes incluídos), costuma-se chamar de multiplicador
tecnológico. Um conjunto de empresas organicamente associadas
dentro de uma firma pode aumentar o lucro final desta através
de uma série de operações produtivas e contábeis. Por exemplo,
a firma que dispõe, ao mesmo tempo, de terras de produção agrí-
cola, de um aparelho de comercialização desses produtos (incluin-
do supermercados), de fábricas (que também os utilizam como
insumos), de um sistema de armazéns gerais, de uma rede de
transportes especializados, de bancos, companhias de seguros etc.,
dispõe das condições para aumento de sua acumulação através
de um multiplicador financeiro, Mas o coeficiente de discricionarie-
dade no jogo de preço é menor e a acumulação possível é também
menor do que no caso da firma que dispõe de um multiplicador
tecnológico.
Da mesma forma, uma empresa C, organizada nas condições da
que descrevemos para a empresa B, com a diferença de que não
dispõe de um aparelho de captação de recursos financeiros exter-
nos, disporá de um multiplicador menos poderoso.
Uma empresa D, que trabalhe em condições que excluem toda
possibilidade de ajuste interno de custos e do ajuste fiscal assim
possível, terá um multiplicador ainda mais fraco. E assim por
diante, numa lista decrescente a estabelecer segundo as condições
concretas, até chegarmos à situação mais inferior, apelidada aqui
como sendo a do capital simples.
A significação de capital nominalmente o mesmo, de um volu-
me de negócios nominalmente o mesmo, é diferente para cada uma
das situações. Também serão diferentes as condições locacionais

67
correspondentes. Quanto mais arbitrária a fixação do custo dos
fatores e tanto mais fácil o acionamento de dispositivos de natu-
reza política, a escolha do lugar de produção torna-se menos de-
pendente dos cursos reais, isto porque a distância entre custo e)
preço se alarga justamente em função do tipo de capital em
operação,

68
Vl. Às cidades locais
no Terceiro Mundo:
o caso da América Latina *

I. As cidades locais

A maioria dos estudos urbanos, em países subdesenvolvidos, se


interessa de preferência pelas cidades grandes, principalmente pelo
fenômeno da macrocefalia. Todavia, se considerarmos com aten-
ção tanto as estatísticas * como a realidade, vemos perfilar-se ou-
tro fenômeno urbano, o das cidades locais que, a nosso ver, me-
rece tanto interesse quanto o precedente.
Outros falariam, preferentemente, de cidades pequenas, é sob
esta denominação, aliás, que são conhecidas na literatura espe-
cializada. Escolhi o termo cidades locais por diversos motivos.
Quando se fala de cidades pequenas, a noção de volume da
população vem logo à mente. Aceitar um número mínimo, como o
fizeram diversos países* e também as Nações Unidas”, para
caracterizar diferentes tipos de cidades no mundo inteiro, é incor-
rer no perigo de uma generalização perigosa. O fenômeno urbano,

* Comunicação apresentada a primeiro de junho de 1972, durante a


Reunião Anual da Sociedade Canadense de Estudos Latino-Americanos
(Canadian Association of Latin American Studies), Montreal, Quebec.

69
abordado de um ponto de vista funcional, é antes um fenômeno
qualitativo e apresenta certos aspectos morfológicos próprios a
cada civilização e admite expressão quantitativa, sendo isto outro
problema.
O problema da definição das cidades poderia levar-nos muito lon-
ge.* Mas podemos tomar como paradigma as definições dadas há
muito tempo por M. Sorre* e, mais recentemente, por J. Jacobs. *
Para M. Sorre, existe uma cidade quando há coalescência de fun-
ções em uma aglomeração. Esta expressão significa que as fun-
ções chegam a depender umas das outras, tornando-se assim inde-
pendentes da atividade primária que deu origem à aglomeração.
Em outras palavras, existe autonomia da aglomeração. Para J). Ja-
cobs, é mister fazer uma distinção entre town (cidade) e city
(cidade de maior porte, metrópole), não tendo a primeira funções
verdadeiramente urbanas. À cidade (town) não gera seu cresci-
mento a partir de sua economia local e nunca o fez; as exporta-
ções que ocasionalmente pôde realizar não conseguiram criar, de-
pois, um crescimento auto-sustentado, ao passo que a verdadeira
cidade cria, a partir da economia local, seu crescimento econô-
mico.
Poderíamos então falar da existência de verdadeiras cidades:
as cidades, simplesmente falando, e as pseudocidades, Teríamos
ainda de distinguir estas últimas por suas relações com o meio
ambiente. Haveria pseudocidades inteiramente dependentes das
atividades de produção primária, como as cidades mineiras ou
as grandes aldeias, e mesmo de atividades não primárias, como
algumas cidades industriais ou cidades religiosas, universitárias,
balneárias, de montanha (serranas), etc. Por outro lado, existem
pseudocidades engastadas em zonas de influência imediata de gran-
des cidades e que fazem parte de sua aglomeração, como parques
industriais ou cidades-dormitório. Não se trata, então, de cidades
locais. Com efeito, as cidades locais dispõem de uma atividade
polarizante e, dadas as funções que elas exercem em primeiro
nível, poderíamos quase falar de cidades de subsistência.
Nosso problema, aqui, consiste em definir essas aglomerações
em seu nível mais fundamental, nível abaixo do qual não se pode
mais falar da existência de uma verdadeira cidade. Temos aqui
uma questão de limite inferior da complexidade das atividades ur-
banas capazes, em um momento dado, de garantir ao mesmo
tempo um crescimento auto-sustentado e um domínio territorial.

7O
Quando o nível se situa abaixo dessa cota, não se pode mais pro-
priamente falar de dissociação geográfica da produção. Existe, de
certa forma, coabitação ou interdependência funcional entre ati-
vidades agrícolas e atividades não-agrícolas. Em outros termos,
as atividades não-agrícolas presentes na aglomeração dependem
estreitamente das atividades agrícolas do ambiente e desapare-
ceriam sem elas. À cidade local é a dimensão mínima a partir da
qual as aglomerações deixam de servir às necessidades da atfivi-
dade primária para servir às necessidades inadiáveis da população,
com verdadeira «especialização do espaço».
No que tange às atividades de mineração, o fenômeno é dife-
rente, uma vez que os salários permanentes e muita vez mais ele-
vados, pagos aos trabalhadores, funcionam como centro de atra-
ção de atividades não-primárias.
A dissociação geográfica da produção, motivada por causas
diversas, acarreta a superação de certos limiares: densidade po-
pulacional, nível de renda, nível de consumo. Essa superação de
limiares exige uma especialização das atividades no nível do espa-
ço considerado, ou seja, em certa escala, À cidade local seria a
aglomeração urbana mínima capaz de responder a essas mudan-
ças quantitativas e qualitativas. Abaixo, pode haver aglomerações,
mas não se tratará jamais de uma cidade. Poderíamos então defi-
nir a cidade local como a aglomeração capaz de responder às
necessidades vitais mínimas, reais ou criadas, de toda uma popu-
lação, função esta que implica uma vida de relações.
A atividade de troca, pura e simples, não dá lugar à criação de
uma cidade. Vimos, tanto na África como na Ásia tradicionais, a
atividade de troca realizada em espaços de tempos irregulares
como imperativo da complementaridade entre coletividades com
produções diferentes. Para que exista uma cidade deve haver
necessidades que exijam ser satisfeitas regularmente — necessi-
dades quase sempre impostas de fora da comunidade — mas é
necessário, por outro lado, que exista criação de atividades regu-
lares especialmente destinadas a responder a essas necessidades.
Durante muito tempo (e ainda hoje) há quem insista em uma
interpretação que explica o nascimento das cidades como o resul-
tado da existência de um excedente. É uma interpretação inspira-
da em Pirenne* e que vai buscar sua explicação na situação da
Idade Média européia.
Nos países subdesenvolvidos, sobretudo hoje, o fenômeno ur-
bano não pode ser mais explicado desta maneira. O excedente
não é uma variável autônoma, mas é o resultado da ação de fato-

TI
res extrínsecos às coletividades em pauta. Esses fatores são capa-
zes de modificar os dados da produção e do consumo, ao menos
para boa parte da coletividade, o que leva a falar igualmente das
condições de investimento como da comercialização dos produtos,
dos bens e dos serviços”.
Deste modo, confundir urbanização e existência de excedente
significaria ficar a meio-caminho de uma análise que é muito
mais complexa, Nas atuais condições do mundo moderno as neces-
sidades são satisfeitas com ou sem a existência de um excedente.
Quanto às periferias, em escala internacional, nacional, regional
e local, acham-se empobrecidas e endividadas. Isto é válido tanto
para a periferia social como para a periferia geográfica, Todavia,
por mais endividadas que se encontrem, continuam vivendo e con-
sumindo, Há, sem dúvida, disparidades de renda e diferenças na
elasticidade dos diversos tipos de consumo e é justamente isto
que explica a existência das cidades regionais, um grau acima das
cidades locais.
O fenômeno cidade local acha-se, pois, ligado às transforma-
ções do modelo de consumo no mundo, sob o impacto da moder-
nização tecnológica, da mesma forma que as metrópoles são o
resultado dos novos modelos de produção. Essas cidades locais, ao
menos em suas formas atuais, são um fenômeno geral e recente
nos países subdesenvolvidos. Mas a herança histórica, por variar,
provoca o aparecimento de formas diversas na África, na Ásia e
na América Latina,
Mas no tocante à América Latina, pode-se facilmente distinguir
três modelos históricos de organização do território. O primeiro
vai até ao início do segundo período da Revolução Industrial,
aí por 1870. O segundo terminaria na Segunda Guerra Mundial
e o terceiro se confundiria com o período atual. Sem dúvida, cada
um desses modelos históricos compreende submodelos geográ-
ficos, resultados de condições históricas específicas a cada país
ou região. Mas só queremos abordar aqui os modelos segundo um
plano geral.
O primeiro modelo histórico se caracteriza pela criação de zonas
de produção voltadas para o exterior, verdadeiros bolsões de mo-
nocultura ou de produção de minérios, produzindo para responder
à demanda dos países europeus. À nível superior, existe a cidade
do vice-rei ou do governador, centro administrativo, fiscal e mili-
tar, centro de relações com a metrópole. Em escalão inferior,
encontramos de um lado os centros mineiros funcionando enquanto
dura a exploração de minérios e, de outro lado, os centros das
72
zonas de monocultura cuja função urbana se limita ao período da
colheita, quando proprietários de terras, comerciantes e financis-
tas deixam suas residências permanentes das cidades litorâneas
para tratarem da comercialização da produção.
O segundo modelo histórico se caracteriza ainda por bolsões
de produção agrícola, dispondo todavia de redes locais de trans-
porte, redes dendríticas que levam a um porto, mas geralmente
sem comurnicação entre si. Pelo fato de os países serem já politi-
camente independentes, boa parte do lucro do comércio exterior
fica no país. O Estado experimenta então uma primeira onda de
modernização ao nível da organização política e administrativa,
da organização escolar, da justiça e da polícia, bem como no
plano da arrecadação de impostos. Produz-se também uma pri-
meira revolução no consumo, ainda seletiva para todos os bens
e serviços. Os mecanismos de comercialização, a relativa escassez
de modernos e rápidos meios de comunicação, o número restrito
de produtos postos à venda, bem como o limitado número de assa-
lariados fora das grandes cidades, tudo isto contribui para frear a
difusão do consumo. Se há uma promoção das cidades portuárias,
as funções delegadas aos outros centros permanecem limitadas.
Criam-se novas cidades no litoral e no interior, tanto para presidir
à coleta e ão escoamento da produção, como para fornecer aos
agricultores e a seus empregados os produtos necessários.
O abastecimento dessas regiões de monocultura exige importa-
ções, sem dúvida, mas encontra uma resposta sobretudo na cria-
ção, em regiões vizinhas, de uma agricultura de subsistência.
Surgem centros locais quando se divide mais a propriedade e
quando aumenta a densidade demográfica e econômica.
Todavia, só recentemente as cidades locais começaram a se
difundir através do território. Deve-se procurar a causa disso na
modernização tecnológica, com ou sem industrialização. O fator
essencial é a deformação do perfil da procura ligada ao efeito
demonstração. O Estado, ao se modernizar mais, vê-se obrigado
a melhorar a rede de transportes. Também as exigências novas da
população em matéria de serviços públicos, sobretudo educação
e saúde, criam as condições para uma mudança da estrutura espa-
cial dos diferentes países do Terceiro Mundo e mais particularmente
da América Latina, mais precoce e mais amplamente aberta a mo-
delos modernos de consumo.
O espaço se organiza conforme um jogo dialético entre forças
de concentração e dispersão. Nesse período, as forças de concen-

73
tração são poderosas, mas as de dispersão são igualmente impor-
tantes. Às cidades locais beneficiam-se das tendências à disper-
são, essencialmente comandada pela difusão generalizada da in-
formação e do consumo.
A rede urbana atual consiste, de modo geral, em uma estrutura
mais complexa, tendo no vértice metrópoles completas e incom-
pletas ', vindo a seguir, em posição intermediária, cidades regio-
nais e, finalmente, na base, as cidades locais. Estas não dependem
mais, como no período anterior, das condições de produção, mas
se acham preferencialmente ligadas ao consumo que se torna gene-
ralizado para um sem-número de produtos. Em toda a parte, os
espaços de produção se tornam também espaços de consumo e
aqui temos uma diferença essencial com relação aos períodos pre-
cedentes.

2. Qual o interesse do estudo das cidades locais?


À cidade local facilita o acesso da população aos bens e servi-
ços, embora isto se faça a um preço mais elevado que nos centros
de nível superior. Seja qual for a sua localização, a cidade local
sempre se acha na periferia do sistema urbano. Esta situação
significa que o indivíduo se encontra em uma posição desfavorá-
vel como produtor e como consumidor. Sob esse aspecto **, E. A.
Johnson teria razão ao falar de um dualismo espacial entre cida-
des grandes e pequenas, se os dois fenômenos não fossem outra
coisa senão o resultado da ação das mesmas forças. Não há dua-
lismo, mas contraste.
Entretanto, as cidades locais desempenham um importante pa-
pel junto às zonas de produção primária, às quais permitem um
consumo mais próximo daquele do resto da população do país,
provocando, como feedback, a expansão da economia urbana.
O que importa agora é preservar o papel das cidades locais,
sem todavia consagrar e conservar disparidades, e integrar essas
cidades em um mecanismo de crescimento que seja geral e não
seletivo. É uma questão de planejamento, sem dúvida, mas somen-
te depois de ter sido um tema de pesquisa no plano das disciplinas
inseparáveis da economia do desenvolvimento, da economia espa-
cial e da organização do espaço. Sem isto, os modelos elaborados
para substituir ums fenômeno. espontâneo por uma solução siste-
mática mostrar-se-ão inadequados.
Tradução de Ephraim. Ferreira Alves

74
NOTAS

1. O crescimento gera! da população das cidades locais pode ser observado


pela análise cuidadosa de Growth of the World's Urban and Rural Popu-
lation, 1920-2000, United Nations 1969, especialmente o quadro 20, p. 46,
quadros 21 e 22, p. 47, quadro 28, p. 53, quadro 44, pp. 104-105. Mas as
diferentes definições das cidades a nível nacional podem complicar ou
induzir a erro na interpretação dos dados. Tentamos dar uma interpretação
em: M. Santos, Les Villes du Tiers Monde, Editions M. Th. Genin, Librai-
ries Techniques, Paris 1971, cap. 1.
2. À cidade se define em função do número que exprime a população, em
muitos paises, como por exemplo Argentina e Portugal (2.000 hab.), EUA
e Tailândia (2.500 hab.), Grécia e Espanha (10.000 hab.), Malásia e Es-
cócia (1.000 hab.), Islândia (300 hab.), Dinamarca (250 hab.), Países
Baixos (20.000 hab.), Venezuela (1.000 hab.) e Índia (5.000 hab.).
3. World Urbanization Trends 1920-1960, International Social Development
Review, United Nations, New York, 1968; Growth of the Word's Urban
and Rural Population, 1920-2000, United Nations, New York, 1969; Rapport
sur la *Situation Sociale dans le Monde, Nations Unies, New York, 1957;
Rapport sur la situation sociale dans le monde, Nations Unies, New York,
1967; e outros documentos.
4. Jacqueline Beaujeu-Garnier e Georges Chabot, Traité de Geógraphie
Urbaine, Armand Colin, Paris, 1963,
5. Maximilien Sorre, Les fondements de la Geographie Humaine, T. III,
L'Habitat Urbain, Paris, Armand Colin, 1952,
6. Jane Jacobs, The economy of the cities, Random House, New York,
1969.
7. Henri Pirenne, Medieval Cities, Princeton University Press, Prince-
ton, 1925.
8. Um estudo recente de A. Stadecker (The objectives of a development
plan and the transfer of technology: the agricultural sector of developing
countries, MIT, Department of Urban Studies, maio de 1972) demonstrou
que era indispensável levar em conta outros setores da economia, para se
fazer uma análise das condições da vida agrícola. O problema dos exce-
dentes no mundo rural deve também, a nosso ver, ser examinado em fun-
ção do sistema de produção in totum.
9. «City Growth and Space Organization: the Incomplete Metropolises
in Latin America», M. Santos: À Geographers View of Poverty, Univer-
sity of Toronto Publications, 1975.
10. E. A. Johnson, The Organization of Space in Developing Countries,
Harvard University Press, Cambridge, Massachusetts, 1970.

T5
VII. Para uma tipologia
da marginalidade

Será possível esboçar uma tipologia da marginalidade na Amé-


rica Latina, ou seja, uma classificação capaz de delimitar grupos
de países em função dos caracteres essenciais de sua pobreza
urbana? Ou não será esta uma tarefa utópica?
Sem dúvida, a própria empreitada merece ser discutida, antes
mesmo de ser tentada. É preciso saber se uma tipologia não é
mais que vão esforço que se esgota ao se realizar. De que adianta
dizermos que alguns países se aproximam e outros se afastam, em
vista de certas qualidades? Não seria mais válido proceder de
outra maneira e tentar estabelecer modelos dinâmicos, em que a
formação da realidade atual pudesse destacar-se com maior cla-
reza, a partir de certo número de variáveis-chave? Sem dúvida,
este último ponto de vista tem a vantagem de permitir superar
o simples interesse didático e fornecer uma base para a ação. Só
se age validamente a partir de variáveis consideradas em seu con-
texto dinâmico,
Se for legítimo esse raciocínio, a tipologia seria quando muito
uma espécie de «folha de parreira», sempre que fôssemos nos es-
conder por trás de sua incapacidade para fornecer um quadro

76
dinâmico, a fim de evitarmos deliberadamente encontrar uma
modelística. O caso, porém, tanto aqui como em muitos outros
domínios, é que a confusão semântica está ainda longe de ser
eliminada. Quantos escrevem ainda tipologia, quando se deveria
escrever modelística? O importante, em tais situações, é a maneira
de abordar o tema. Vamos portanto ao tema.

1. Subdesenvolvimento e marginalidade

Estabelecer uma tipologia (ou uma modelística?) das situa-


ções de marginalidade urbana, nos países da América Latina, é
sem dúvida alguma ainda mais difícil que esboçar a tipologia dos
próprios países,
Embora uma mesma filiação histórica os torne aparentemente
semelhantes, os dois problemas diferem muito. É mais fácil esta-
belecer uma tipologia do subdesenvolvimento, malgrado sua com-
plexidade, que uma tipologia da marginalidade. Há muitas razões
para isso, mas, ao tentar simplificar, deve-se insistir no fato de
que a própria noção de subdesenvolvimento supõe uma avaliação
das situações em função de realidades externas. Enquanto isso, a
noção de marginalidade exige que os parâmetros adotados levem
em conta realidades internas, inerentes à distribuição em classes
da população de cada país, considerado isoladamente. Como então,
após isso, fazer comparações das relações específicas a cada país?
Assim, se tirarmos as últimas consequências desta ordem de
raciocínio, chegaremos de um lado a uma classificação de um
conjunto de países (por exemplo, a América Latina) em relação
aos países desenvolvidos e não a uma classificação em função dos
próprios países da América Latina; de outro lado, desanimaremos
de chegar a uma classificação, tipologia ou modelística da mar-
ginalidade. Tais obstáculos, embora sérios, não impedem que se
discuta a questão. O fato de que em cada país os componentes
econômicos e sociais sejam diferentes permite falar de diferenças
visíveis entre eles. O fato de que, em cada país, a marginalidade
urbana apareça com dimensões e aspectos diferentes é um convite
à busca, se não de tipos, certamente das causas.

TI
2. Os níveis de desenvolvimento

Já se fizeram muitas tentativas com o fito de apresentar uma


classificação de conjunto dos países do Terceiro Mundo e da Amé-
rica Latina em particular. Não temos a intenção de esgotar, aqui,
o tema e sim de lembrar alguns pontos de vista capazes de aju-
dar-nos a compreender o problema. |
Irma Adelman e Cynthia Taft Morris sugeriram que o amplo
espectro dos países subdesenvolvidos fosse dividido em três gru-
pos: inferior, intermediário e superior. Essas autoras acreditam
que tal divisão em subtipos é analiticamente utilizável, pelo fato
de que, «para cada grupo, são notavelmente diversas as estruturas
sócio-econômicas e os problemas sócio-econômicos do desenvol-
vimento» (G. Dalton, 1971).
Hagen (1962) introduziu o conceito de país semi-industriali-
zado, que hoje parece estar na moda, para designar no vértice da
escala aqueles que conseguiram ultrapassar um certo limiar pelo
volume e pela estrutura de sua produção industrial.
Temos aí um princípio de classificação útil, sem dúvida, mas
de difícil aplicação no contexto isolado de um continente.
No que tange à América Latina, fizeram-se diversas tentativas
de classificação. Destacamos as de Denis Lambert (1971) e a que
foi publicada no Relatório sobre a situação social no mundo, 1970
(Nações Unidas, 1972).
Denis Lambert começou concebendo e construindo um certo
número de indicadores estatísticos, tirados dos documentos oficiais
disponíveis. A comparação desses índices, que combinou de modo
lógico, permitiu-lhe deduzir a existência de quadro estágios de
desenvolvimento na América Latina:

1) Economias dualistas fracamente diversificadas (Caraíbas,


Andes, América Central);
2) Economias dualistas parcialmente industrializadas (Colôm-
bia e Peru);
3) Economias dualistas industrializadas em larga escala (Bra-
sil, México, Chile e Venezuela);
4) Economias complexas de industrialização confirmada (Ar-
gentina e Uruguai).

Embora muito engenhosa, esta classificação exige alguns co-


mentários. Deixemos de lado a expressão «economia dualista»
que, de nosso ponto de vista, não corresponde à realidade. Mas isto

78
pode ser apenás questão de interpretação. Todavia, é bem difícil
compreender como é que se pode incluir o Uruguai na categoria
dos países de industrialização confirmada, separar o Brasil e o
México da Argentina para colocá-los no mesmo plano do Chile
e da Venezuela e, finalmente, não considerar o caso colombiano
como estando em nível pelo menos superior aos dois primeiros
níveis. O exemplo mostra como uma análise estatística cuidadosa-
mente efetuada pode induzir os mais cuidadosos pesquisadores a
um erro de julgamento, se não considerarem em primeiro lugar o
dado histórico, ou seja, a filiação do fenômeno.
A classificação apresentada no documento das Nações Unidas
(p. 30s) e elaborada, ao que parece, pela CEPAL, é — como tudo
indica — baseada em muitos indicadores estatísticos: demográficos,
como a população total e a densidade demográfica, a taxa de na-
talidade, a taxa de crescimento demográfico e de urbanização, as
pirâmides etárias; sociais, como o número de matrículas em esco-
las de diversos níveis em função dos grupos etários.e as respecti-
vas taxas de aumento, as inscrições em regimes de previdência
social; econômicos, como o crescimento do Produto Interno Bruto
e sua média per capita, a parte das receitas fiscais e a do produto
agrícola no PIB, bem como a variação dos índices de preços ao
consumidor.
Essa classificação, não se pode negar, tem valor mais didático.
que funcional: como as variáveis escolhidas não são independen-
tes entre si, já se acham contidas em outras variáveis; sendo os
índices demasiadamente gerais, é difícil levar em conta realidades
específicas; em alguns índices, por serem explicáveis só por fato-
res históricos, como a pirâmide etária, esses fatores históricos não
são sempre considerados, nem na escolha de outras variáveis nem
na interpretação; alguns outros índices têm significado limitado,
como a proporção da população capaz de participar na vida polí-
tica por votos e reivindicações organizadas; enfim, alguns outros
fatores nem são levados em conta, como o grau de dependência
externa, embora constem em levantamentos estatísticos (paga-
mento de royalties e de serviços, importação de máquinas e de
matéria-prima etc.) e pudessem permitir um enfoque mais sério da .
questão dos graus de industrialização e de modernização. Final-
mente, essa classificação é utópica por se apoiar em postulados
que a realidade sugeriria abandonar: o livre jogo das forças do
mercado, a livre disposição da poupança popular pelo Estado,
a autonomia do Estado na formação do emprego e do produto.

79
A partir desses dados estatísticos, os autores do documento das
Nações Unidas destacam quatro tipos de situações nos diversos
países. O primeiro é formado pela Argentina, Chile e Uruguai; o
segundo, pelo Brasil, Colômbia, México, Peru e Venezuela; o ter-
ceiro, pela maioria dos pequenos países da América Latina de lin-
gua espanhola; o quarto e último, por um ou dois países. Ainda,
segundo o documento, poderíamos ter duas outras categorias:
um quinto tipo, representado por Cuba (que a seu ver pertencia
à categoria 1 antes dos anos 60) e um grupo VI, constituído pelas
Antilhas (excetuando Cuba e República Dominicana) e pelos paí-
ses de língua espanhola no círculo das Antilhas.

3. Os tipos de situações nos diversos países *

Caracteristicas HH un 11 WV

nível do produto
por hab. Elevado Médio Baixo Baixo

taxa de crescimento Média/ Média/


do produto por hab. Baixa elevada elevada Baixa

população nacional Forte/


reduz. Forte Reduzida — Reduzida
taxa de crescimento Moderada/
demográfico baixa Elevada Elevada Moderada

% da população no Média/
grupo etário 0-14 a. baixa Elevada Elevada Média

grau de industrializa-
ção e diversificação —Médio/ Médio/
econômica elevado elevado Baixo Baixo

grau de urbanização e
dimensão das classes
médias urbanas Elevado Médio Fraco Fraco

taxa de urbanização e
de crescimento das
classes médias Média/
urbanas baixa Elevada Média Baixa

* As qualificações “fraco”, “baixo”, “médio”, “elevado”, “forte” devem ser enten-


didas em relação à média na América Latina e não em cotejo com normas internacionals.
2 PPetatório sobre a situação social no mundo, 1970, Nações Unidas, Nova lorque
1972, p. 33.

80
Caracteristicas DS mM IWV

Importância das
classes marginais na Média/ Média/ Média/
população urbana fraca Grande grande grande

% população
agrícola Fraca Média Elevada Elevada
proporção da
população capaz de
participar na vida
política por votos e
reivindicações org. Fraca Média Elevada Elevada

desnível de
desenvolvimento e de
renda entre as Médio/
regiões do país fraco Elevado Médio Fraco

desnivel na Médio/ Médio/


distribuição da renda forte Forte Forte forte
capacidade de
absorver prof.
liberais e empregos
especializados Fraca Elevada Média Fraca

importância do setor
público como fonte
de emprego e Média/
investimento Elevada elevada Fraca Fraca

envergadura dos
serviços educacionais
e outros serviços
sociais e parte do
produto nacional a
eles consagrado Elevada Média Fraca Fraca

taxa de expansão da
envergadura desses Média/ Média/ Média/
serviços baixa elevada elevada Fraca

força da opinião
pública em favor do
aumento dos serviços Média/
sem modificações Elevada elevada Média Fraca

força da opinião
pública em favor de
reforma e
distribuição mais Média/
justa desses serviços Média Elevada fraca Fraca

s1
Caracteristicas EROBS | | mm TW
capacidade técnica
de planejamento e
reforma dos i
serviços Elevada Média Fraca Fraca

capacidade do setor
público para
'
aumentar recursos
alocados aos Média/
serviços sociais Fraca Média elevada Fraca

Todavia, a classificação final a que o estudo chegou não leva


em conta senão quatro categorias de países, de vez que a sexta
deve ser incluída na quarta categoria,
É fácil verificar que tal classificação, malgrado seu interesse,
é insuficiente para responder aos objetivos que nos propusemos.

4. Classes médias e marginalidade

Se os exemplos que arrolamos, entre outros esforços de tipolo-


gia, são insuficientes sob nosso ponto de vista, não conhecemos
todavia outras tentativas de elaboração modelística que possam
completá-los, O que aqui vamos tentar não tem a pretensão de
chegar a uma solução completa ou definitiva, mas deverá permitir
reunir um material válido para a elaboração de uma tipologia ou
modelística da marginalidade.
Cremos que se deve tomar como base a sociedade global, isto é,'
todos os membros integrantes (e não um só) do corpo social.
A empreitada é difícil, dada: a impossibilidade de chegar a pleno
acordo quanto ao sentido que iremos dar a termos como classes
médias ou classes intermediárias. Pois é a partir da noção de
classes intermediárias que julgamos poder. oferecer um terreno
novo de análise .e talvez de modelística .(ou de tipologia?) das
situações de marginalidade. Por enquanto, evitaremos qualquer
tentativa de mensuração, o que nos poderia distrair da definição
do fenômeno e nos arrastar para a estatística; antes mesmo de
sabermos exatamente o que vamos medir...
Cremos que a dimensão e o tipo das classes intermediárias
constitui um dado fundamental para a compreensão do fenômeno
de marginalidade e, portanto, para um esforço de tipologia.
A abordagem dessa questão poderá ser feita essencialmente a
partir de dois enfoques: a classe média como cliente privilegiada

82
de certo tipo de bens e de serviços; a classe média como fornece-
dora direta de trabalho pelos serviços e bens que compra, ou à
economia pobre ou à população pobre diretamente.
Nas atuais condições da produção industrial na América Latina,
a expansão da produção ocorre sobretudo em certos ramos cujo
output (produto) está praticamente reservado às classes ricas e às
camadas superiores das classes médias, que constituem uma clien-
tela privilegiada e contribuem assim, ao mesmo tempo, para a
manutenção de uma certa estrutura da produção industrial. Se
consideramos um momento. dado da evolução desses países, temos
de um lado um aparelho de produção moderno, ao qual se liga
normalmente uma parte da população, ao passo que o resto da
população se acha marginalizada, ou no domínio do emprego ou
no do consumo. Os «marginalizados» devem procurar serviço em
outras atividades, inclusive na economia urbana pobre e consumir
sobretudo por intermédio desse circuito inferior, embora ocasio-
nalmente possam ter acesso ao circuito superior.
Temos assim dois elementos essenciais a considerar: o volume
das classes intermediárias e seu poder aquisitivo.
O poder aquisitivo resulta antes de tudo da maneira como é
gerado e distribuído o produto nacional. Os tipos e formas de
industrialização, a era da industrialização, o tipo de produção
de que dependem a formação do PNB ou as entradas de dinheiro
no tesouro público, bem como os empregos criados, são outros
tantos fatores que explicam não só o porte como também o poder
aquisitivo das classes intermediárias. Certo, há outros fatores que
entram em jogo, como os tipos e a repartição dos impostos sobre
o conjunto da população. O caso da Venezuela, a esse propósito,
é típico: país que depende essencialmente do petróleo para a
formação do capital, o Estado não gasta muito com a coleta de
impostos, nem tampouco impõe muitas taxas aos cidadãos. Estes,
por conseguinte, têm a felicidade de se achar bem equipados
em serviços públicos e gozar de uma carga fiscal leve, o que
ajuda a explicar a dimensão das classes médias urbanas e seu
relativo poder aquisitivo.
O número de pessoas que vão para a cidade engrossar as filei-
ras das classes intermediárias pode igualmente depender da evo-
lução demográfica e das formas de evolução da economia agrícola.
Mas os dados culturais, como o maior ou menor apego aos tipos
de consumo tradicional; explicam também as grandes dimensões,
em um momento dado, das formas de produção moderna desti-
nadas ao consumo interno.

83
Por outro lado, as próprias classes médias são também gera-
doras de atividade e de trabalho no circuito inferior, Quanto me-
nos pessoas das classes médias forem capazes de fazer constante-
mente suas compras no circuito superior, tanto mais o circuito
inferior ganha importância como fornecedor dessas classes. Se a
classe média não tem condições para promover a expansão indus-
trial no setor dos bens de consumo durável, os salários tendem a
manter-se baixos, e isto contribui para retardar a expansão indus-
trial de tipo moderno, sem favorecer no entanto outro modelo.
O resultado é evidente: a oferta de trabalho se orienta para o
setor doméstico, de um lado, e para as pequenas atividades arte-
sanais, de comércio ou de serviços, de outro.
Parece-nos que a ausência de um emprego secundário importante,
substituído em algumas de suas funções por um setor de fabrica-
ção não evoluído, aumenta as tendências à marginalidade. Por
outro lado, as atividades terciárias ou assimiladas são mais capa-
zes de gerar atividades da economia pobre que as atividades pro-
priamente secundárias.
Podemos então encontrar uma certa relação entre tipo de urba-
nização, considerado de um ponto de vista dinâmico e dimensões
do circuito inferior e da marginalidade.
Basta que consideremos apenas duas variáveis-chaves, a impor-
tância das camadas abastadas ou das camadas pobres no seio da
classe média, bem como à importância dessas classes médias no seio
da população urbana, para chegarmos a um sem-número de combi-
nações, ou seja, a uma tipologia complexa. Visando a simplifi-
cação, mas sem ignorar os perigos que isto comporta, trabalhare-
mos aqui apenas com quatro variáveis. Só levaremos em conta a
existência ou de camadas «abastadas» (ou «ricas») ou de cama-
das «pobres» importantes na classe média e, por outro lado, admi-
tiremos apenas as dimensões extremas para essas classes inter-
mediárias: amplas ou estreitas. À vantagem de um esquema tão
simples é que nos permite acomodá-lo ao infinito, em função dos
casos de espécie.

Teríamos assim:
Classe média Classe média
ampla estreita

Camadas <ricas> numerosas 1 3


Camadas «pobres» numerosas 2 4
Na realidade, existem apenas três tipos, pois não iremos encon-
trar, hoje, camadas abastadas importantes combinadas com clas-
ses médias estreitas!
Na primeira situação (nº 1), o circuito superior tende a ser im-
portante, com a criação de numerosos empregos bem remunerados.
A brecha entre as classes ricas e as camadas marginais é menos
clara e pronunciada, À dimensão destas últimas se torna função
da dinâmica demográfica do país e do grau de concentração ur-
bana. Trata-se de uma pobreza mais relativa que absoluta, dado
o nível geral de consumo. À situação nº 2 é aquela em que o circuito
inferior tende a ser mais inchado. Faz-se progressivamente a pas-
sagem das classes médias de nível intermediário para as classes
médias pobres e, depois, para a pobreza e a marginalidade. Os
serviços governamentais e outros, e todas as formas de comércio,
fornecem empregos, bem como o artesanato, cuja resistência é
mais marcante, À marginalidade se estende numérica e qualitati-
vamente e as atividades de serviço tendem a levar a melhor sobre
as outras, graças à experiência de uma classe média ampla. A si-
tuação nº 3 é simplesmente teórica: implicaria a necessidade de
importar produtos de consumo durável e só permitiria, então,
número reduzido de assalariados na indústria. As classes pobres
seriam, portanto, numerosas, o que desmantelaria o esquema.
É pois duvidoso que as classes ricas sejam numerosas. Essa situa-
ção não existe na realidade. Na situação nº 4, a marginalidade não
pode ser quantitativamente importante pois tal situação corres-
ponde aos primórdios da industrialização e da urbanização. Exis-
te, todavia, uma marginalidade rural importante, mas muitas vezes
larvada, prestes a tornar-se marginalidade urbana quando se de-
sencadeia o processo de industrialização e de modernização.

5. As variáveis-chave: urbanização e industrialização

As variáveis-chave são, portanto, o nível de urbanização e o


nível de industrialização do país. Seu significado, entretanto, vai
além desses fenômenos considerados em sua forma absoluta. Sua
representatividade enquanto variáveis vem de seu valor de síntese,
pois elas exprimem sitirações econômica, social e espacial. A par-
tir desses dois parâmetros, podemos definir outros níveis. Mas
aqui ainda, visando simplificar, limitar-nos-emos a três níveis, tan-
to com respeito à urbanização, como com respeito à industriali-
zação: precoce, recente e tardia, Adotando assim um critério de

85
ordem mais histórica, damos como admitido que o momento no
qual a urbanização ou a industrialização conhecem seu «momen-
tum» tem implicações obrigatórias em relação a seu nível e sua
natureza atuais.
Os países que passaram por uma industrialização precoce e
empreenderam logo uma diversificação da produção industrial
são os paises «industrializados» atuais na América Latina (Argen-
tina, Brasil, México). Seu processo de industrialização, com diver-
sificação de atividades, principiou antes da Primeira Guerra Mun-
dial. Os países tardiamente industrializados só começaram a se
industrializar após a Segunda Guerra Mundial. Os demais são os
países de industrialização recente,
No que tange à urbanização, podemos adotar um número va-
riado de critérios, que é lícito modular em função do período his-
tórico sobre o qual se baseia a análise estatística. Utilizaremos aqui
a classificação dada por um documento recente (A. Passos, 1972).
Qualificamos de urbanização precoce a situação dos países que
tinham mais que um terço da população nas cidades de mais de
20 mil habitantes em 1950. Os de urbanização recente tinham
entre um quinto e um terço. Os de urbanização tardia tinham
menos de um terço da população nas cidades de 20 mil e mais
habitantes na mesma data. É evidente que, se recuamos, por exem-
plo, a data escolhida para a análise do nível de urbanização,
escolhendo a mesma data que tomamos para o início da industria-
lização na América Latina, o Brasil se acharia entre os países de
urbanização precoce, De fato, este último país teve cidades impor-
tantes antes da Argentina e do Chile. Deveríamos modificar neste
sentido a classificação de A. Passos, para garantir o primado do
dado histórico sobre o dado estatístico.
Urbanização Urbanização Urbanização
precoce recente tardia

Industrialização precoce í (Brasil) Brasil —


Argentina
Colômbia
Industrialização recente Chile Venezuela Peru

Uruguai Costa Rica [Equador


Industrialização tardia Cuba | Panamá Bolívia
Paraguai
Nicarágua
7 Honduras
Haiti
El Salvador
Guatemala
*R. Dominicana
86:
Os nove tipos acima indicados podem ser facilmente asseme-
lhados às categorias do esquema baseado nas classes médias.
À primeira categoria corresponde ao Brasil, à Argentina e ao
México, bem çomo ao Chile, à Colômbia, à Venezuela e ao Uru-
guai. A segunda categoria inclui o Peru, e a quarta categoria os
outros países.
O único interesse deste esquema é, novamente, permitir sua
adaptação consecutiva às observações que impõe. Nós mesmos
faremos algumas. Pensamos que nosso modelo, para ser comple-
tado, deveria igualmente levar em conta fatores como: 1) o grau
de concentração urbana, o tamanho das cidades grandes e o da
região polarizada, quando houver; 2) os tipos de produtos eco-
nômicos de base: petróleo, atividades de mineração, agricultura,
outras indústrias ligadas à produção primária, como a pesca etc.;
3) a atual estrutura da produção industrial; 4) os ritmos da ex-
pansão demográfica; 5) a importância das classes médias, o nú-
mero de assalariados e o grau de consciência cívica,

6. Contrastes entre a dimensão dos países e os tipos


de urbanização (anos 60)

Seja como for, uma classificação simplificada, como a que pro-


pomos, tem vantagens a despeito do Tato de não ser completa.
Permite não só levar em conta a industrialização, mas também o
dado «modernização», com relação ao fenômeno da marginalidade.
Permite ver igualmente que em nenhum caso o crescimento elimina
a pobreza: só favorece o aparccimento de outro tipo de margina-
lidade. Sobretudo chama nossa atenção para a impossibilidade
real de uma comparação válida. Permite elaborar uma tipologia
e nada mais.
Persiste a dificuldade, se tentamos definir ou classificar a mar-
ginalidade no nível intranacional. Chegaremos à conclusão que
a pobreza tem, ela mesma, uma dimensão espacial que constitui
um desafio às pretensões de uma classificação simples.
De fato, a marginalidade não pode ser definida uniformemente
dentro de um mesmo país. Como os níveis de modernização não
são os mesmos em toda a parte, como os preços variam de um
ponto a outro do território e os serviços públicos não se acham
uniformemente distribuídos, as condições de realização das ativi-
dades modernas e não-modernas são específicas para cada local.

87
Ne de cidades
População — com mais de
damaior — —n———
Superfície População — cidade 100.000 10% da
(1.000 km?) (milhões) (1.000) hab. maior

Brasil 8.512 86,7 5.383 31 8


Argentina 2.777 23,3 7.000 21 o
México 1.972 46,7 5.550 22 2
Peru 1.285 12,4 1.834 4 1
Colômbia 1.139 19,2 2.066 19 7
Bolívia 1.098 3,8 360 o 6
Venezuela 912 9,4 1.764 6 3
Chile 7157 9,1 2.314 5 1
Paraguai 407 2,2 305 o 5
Equador 283 5,5 651 1 3
Guiana 215 0,7 148 o 10
Uruguai 187 28 1.158 [9 o
Suriname 163 0,4 150 o 9
Nicarágua 130 18 262 o 4
Cuba 114 7,9 1.544 4 2
Honduras 112 24 170 o 3
Guatemala 109 4,7 577 o 1
Guiana Francesa 91 04 18 — —
Panamá TI 1,4 358 [ 1
Costa Rica 51 16 349 [6 1
R. Dominicana 49 3,9 577 1 2
Haiti 28 4,6 240 4 1
Honduras Brit. 23 o,1 45 [o 2
El salvador 21 3,2 317 1 4
Jamaica 1 1,9 376 o [0
Porto Rico 9 2,7 754 1 2
Trinidad 5 1,0 120 o 5
Barbados 0,4 0,3 11 — -—

Fonte: P. R. Odell (1971), quadro 1, p. 9 e 10.

Assim, variam geograficamente as oportunidades abertas às dife-


rentes classes sociais para a criação de atividades, bem como as
possibilidades dos pobres para o exercício de certos empregos.
Infelizmente, os estudos feitos até aqui não permitem ir mais
longe nesse terreno. No Peru, a OIT (Organização Internacional
do Trabalho), num projeto realizado em conjunto com o Ministé-
rio do Trabalho, sob a direção de A. Cabral de Andrade, empreen-
deu pesquisas em algumas cidades, para colher informações sobre
a relação nível de instrução/tipos de atividades. Tais pesquisas
nos permitem constatar que a mesma atividade pode ser exercida,
conforme a cidade, por pessoas com níveis de instrução diferentes.

88
Verifica-se também que as oportunidades de trabalho bem como
os salários pagos a analfabetos e indivíduos semi-alfabetizados
variam em função do tamanho da cidade. Quanto maior a cidade,
mais elevados os salários pagos às pessoas com um mesmo nível
de instrução. No entanto, à medida que a importância da cidade
vai crescendo, crescem também as exigências de qualificação, o
que dificulta ainda mais a entrada em tais atividades. À cada lugar
corresponde uma combinação particular de fatores. Tudo isto nos
permite falar de uma dimensão espacial da pobreza, noção funda-
mental se quisermos superar o quadro de uma generalização de-
masiadamente simplista e chegar à elaboração de modelos opera-
cionais em todos os escalões.

Referências Bibliográficas
Dalton, George, Economic Anthropology and Development, Essays on
Tribal and Peasant Economies, Basic Books Nova Iorque, Londres, 1971.
Hagen, Everett, On fhe Theory of Social Change, The Dorsey Press,
Homewood, 111, 1962.
Lambert, Denis, «Niveaux de développement et degrés de participation
(Amérique Latine)», Cahiers Vilfredo Pareto, Revue européenne des sciences
sociales, nº 24, 1971, Librairie Droz, Genebra.
Nações Unidas, Relatório sobre a situação social no mundo, 1970, Nova
Iorque, 1972.
Odell, Peter R. «Una opinión europea acerca del desarrollo y la plani-
ficación regional en la América Latina», Revista Geográfica, nº 75, dezem-
bro de 1971.
Passos, Alaor, Tendencias y Dirección del Crecimiento Urbano en Amé-
rica Latina entre 1950 y 1970, Seminário Técnico sobre Urbanização e
Crescimento Demográfico na América Latina, Rio de Janeiro, 3/7 de
abril de 1972.

89
VIII. Para um período novo

Observando o período atual, podemos perguntar-nos se não


se - apresentam já alguns sinais de crise no sistema vigente, Caso
admitamos, como parecêé admitido, que a tecnologia constitui o
dado principal do sistema atual, é a respeito desse dado que de-
vemos procurar as tensões existentes,
Poder-se-ia levantar uma série de perguntas: antes de tudo,
será que hoje a tecnologia é sempre transformada em técnica?
As inovações criadas nos laboratórios, à medida que vão surgindo,
são sempre incorporadas aos processos de produção? :
A observação da história recente nos mostra que, para muitas
novas descobertas, não há utilização imediata nem obrigatória.
Isto se deve, de uma parte, às estruturas econômicas e financeiras
das empresas que recusam adotar a inovação para garantir a ren-
tabilidade das inovações anteriores e, de outro lado, à enorme
capacidade de decisão dos trustes e monopólios no que tange ao
controle dos preços e a outros setores-chaves da economia.
Isto se deve ainda a razões que não são econômicas nem finan-
ceiras. Quando, por exemplo, o ruído provocado pelos aviões
supersônicos impõe um limite à seu uso, como aconteceu faz algum

90
tempo com o Concorde (nos EUA e no Brasil), é possível pergun-
tar se todas as novas conquistas da tecnologia terão a chance de
se materializar ou atingir seu mais alto nível de eficiência.
Da mesma forma que é possível, por diversas razões, que haja
um impedimento para produzir a novidade, pode ocorrer também
algum motivo que obrigue a não consumi-la. Existem já sinais de
recusa de consumir produtos novos, ou simplesmente em nova
versão, apresentados ao público de forma sedutora mas insufi-
ciente para conquistar novos compradores. À escalada do consumo
de certos bens, como o carro ou a televisão, não é a mesma em
toda a parte, Poderíamos falar aqui de países ricos ou saturados,
nos quais o ritmo desse consumo se vai reduzindo. A palavra
saturação pode ser compreendida tanto em uma perspectiva eco-
nômica como psicológica. Quanto à televisão, por exemplo, pes-
quisas recentes efetuadas em São Paulo (Brasil) mostram que
cerca de 50% dos aparelhos não são ligados. Pode-se considerar
tal fato como uma forma de rejeitar a novidade.
Se tal tendência se generalizar ou se acentuar num ou noutro
país, deverá acarretar conseqgiilências do ponto de vista da produ-
ção. À recusa do novo, ou seja, o fato de conservar um produto por
mais tempo poderia suprimir a necessidade de adaptar, cada vez,
o aparelho de produção às inovações da tecnologia.
Para os países subdesenvolvidos, haveria importantes conse-
qiiências, Seria possível utilizar por muito mais tempo os mesmos
bens de capital na produção de objetos igualmente úteis, cujo aces-
so seria então permitido a camadas bem mais amplas da popula-
ção. Mutatis mutandis, uma situação que privilegiasse uma utili-
zação mais prolongada dos bens teria uma incidência inegável
sobre os gostos e o consumo.
Outra questão, sempre ligada ao problema da tecnologia e de
suas incidências, se relaciona com o fenômeno das guerras. Na
fase atual da história, a guerra constitui um instrumento da gran-
de indústria para o escoamento de uma produção que, tecnologi-
camente, logo fica obsoleta.
A indústria de material bélico proporciona aos países produto-
res desses artigos parte substancial de seus recursos econômicos.
Existe um país europeu que realiza 25% de suas exportações ven-
dendo material bélico, cuja fabricação dá emprego apenas a 60 mil
pessoas. Assim, cessa indústria, incapaz de fornecer grande número
de empregos, constitui por outro lado um elemento fundamental
na formação do produto bruto dos países industrializados.

91
No extremo oposto da cadeia se acham os países compradores,
sobretudo países subdesenvolvidos, que são obrigados a utilizar
porcentagem ainda maior de seu produto nacional para a compra
de material bélico e para manter as atividades correspondentes.
O Brasil, por exemplo, gastando uns 600 milhões de dólares (mais
de 13 bilhões de cruzeiros!) por ano, investe aproximadamente
30% do orçamento nacional em armamento,
A recusa ou ao menos o declínio da tecnologia enquanto ele-
mento motor do sistema econômico reduziria a importância do
complexo industrial-militar e liberaria, nos países subdesenvolvi-
dos, enorme quantidade de energia para outras utilizações, mesmo
que esses países persistisseêm em buscar seu caminho no uso de
um fator que lhes falta, ou seja, o capital.
Todavia, se observamos o mapa-mundi, vemos que a guerra é
geralmente localizada e que certas partes do globo não se mos-
tram mais sensíveis às provocações belicistas. Poderíamos imagi-
nar que um dia, nos países subdesenvolvidos, todos se recusassem
a guerrear?
Deve-se igualmente considerar o formidável movimento atual
em que se empenham, contraditoriamente talvez, de um lado os
jovens e os intelectuais e, de outro, os governos e boa parte das
forças econômicas dos países industrializados para combaterem
a poluição e seus efeitos. Pode-se crer que esse movimento, com
as implicações de ordem econômica que fatalmente irá suscitar,
poderá constituir um substituto para a guerra em um sistema que
não pode sobreviver sem uma economia de desperdício. Dir-se-ia
que os países industrializados, na expectativa de um mundo sem
guerra, tomam a iniciativa pois não podem manter em funciona-
mento sua máquina econômica sem a presença de algum elemento
parasitário, no caso, sem a presença de condições que favoreçam
consumos inúteis.
Ora, a luta contra a poluição dificilmente poderá ser levada a
cabo em uma economia de tipo capitalista. À cega procura do lucro
é incompatível com preocupações humanitárias. Não se pode pedir
a uma empresa que sacrifique seus lucros a fim de permitir aos
habitantes de uma cidade gozarem de maior cota de oxigênio.
A atual campanha antipoluição, portanto, não é deveras para com-
batê-la em suas causas profundas, mas quer apenas travar um
combate muito mais oneroso contra alguns de seus resultados.
Quem vai pagar a fatura, finalmente, será a coletividade, e não
os grandes detentores do poder econômico. Pode-se pôr em dúvida

92
os benefícios de tal campanha, pois a principal fonte poluidora é
o sistema econômico vigente. Somos tentados a perguntar se, sob
a aparência de um movimento humanitário, o sistema não está
procurando novas fontes de lucro mediante novas despesas inúteis,
que seriam pagas pelas coletividades. Dir-se-ia que há mais inte-
resse em salvar o grande capitalismo que a própria humanidade.
Todavia, a situação apresenta sintomas de um estado de crise,
e isto tem de ser levado em conta ao se examinar as tendências
atuais da história, Nem se deve rejeitar a hipótese segundo a qual
o período tecnológico, embora tão curto, começa já por mostrar
indícios de agonia.
Caso se verifique a tendência, como tudo faz prever, poderia
ocorrer uma reviravolta da situação nos atuais países subdesenvol-
vidos?

1. Países subdesenvolvidos e procura de tecnologia

Os países subdesenvolvidos conhecem uma considerável procura


de tecnologia incorporada e uma procura menos importante de
tecnologia não-incorporada. Em outros termos, enquanto a tecno-
logia de consumo conhece considerável procura, a tecnologia de
produção conhece uma procura bem mais reduzida.
Naturalmente, a situação não é a mesma em todos os países
subdesenvolvidos. Quanto mais industrializado um país e quanto
mais numerosa sua população, tanto maior a procura de uma
tecnologia não-incorporada. Quanto mais recente a industrialização
e mais reduzida a população, tanto mais importante a tecnologia
incorporada, Isto se deve ao fato de que a utilização das tecnolo-
gias modernas pelos países subdesenvolvidos é paralela às neces-
sidades de mobilização de grandes capitais,
Lasuén (op. cit.) sustenta uma tese que pode ser resumida da
seguinte maneira: os países latino-americanos devem continuar
importando tecnologia estrangeira, pelo fato de tal tecnologia ser
produzida mais barato fora e, por outro lado, pelo fato de não
haver obstáculo para essa tecnologia passar de um país para outro.
Assim, todo esforço de criação local de uma tecnologia similar
seria inírutuoso. Representaria uma complicação de esforços que
poderia esbarrar contra o problema do capital: ter-se-ia a tecno-
logia mas não o capital indispensável para pô-la em funcionamen-
to, para transformar a tecnologia em técnica.

93
Pode-se estudar essa tese, segundo três aspectos diferentes:
1) Admite-se não importar a tecnologia estrangeira e criar,
localmente, uma. Mas tal empreitada poderia esbarrar no obstá-
culo da inexistência de capitais para transformar a tecnologia em
bens viáveis,
Mas não se deve esquecer que a maioria dos países subdesen-
volvidos pode dispor de uma massa de capital muito maior que a
aparente, pelo próprio fato da migração dos capitais para os paí-
ses desenvolvidos (sem mencionar a Suíça, o Líbano etc.). À ques-
tão aqui seria:
a) criar mecanismos políticos a nível de Estado para impedir
a fuga de capitais;
b) elaborar mecanismos de concentração da poupança privada
em bancos, com o fito de formar a reserva de capital neces-
sária para os investimentos.

2) O segundo aspecto se refere à importação das tecnologias


do estrangeiro, Neste caso, pode-se imaginar que uma tecnologia
estrangeira entre nos países subdesenvolvidos sem acarretar de-
pendência? Historicamente, a introdução das tecnologias pelos
capitais foi sempre acompanhada do efeito de dominação. Seria
necessário, portanto, que os países dispusessem de consideráveis
capitais e de outros meios institucionais para evitarem os perigos
da dependência (a não ser que se considere a dependência inócua).
Mas para tanto deve-se poder dispor de um aparelho de Estado
capaz de fornecer o quadro institucional necessário para que o
efeito de dominação não se manifeste. E é mister, sobretudo, que
tal Estado possa manter boas relações comerciais com as grandes,
empresas internacionais.
3) O terceiro aspecto nos leva novamente à idéia da sucessão
dos períodos da história cconômica, com os dados autônomos
correspondentes. :
Nos países subdesenvolvidos não é um exagero insistir neste
ponto: procura-se a via do crescimento utilizando recursos do
capital, muito mais escassos, e negligencia-se o fator mais abun-
dante, o trabalho, representado pela enorme população em cujo
seio se encontra uma considerável massa de subempregados.
Em quase fodo o mundo se admite, entre os círculos oficiais,
que, fora da tecnologia moderna e de uma produtividade máxima,
não é possível aumentar as quantidades globais de um país e
atribuir aos habitantes maior bem-estar.

94
Ora, a produtividade, antes de ser resultado de uma equação
econômica, é o resultado de uma equação política, ou seja, a
procura da produtividade beneficia os detentores do capital e,
entre estes, aos que têm maior capital, pois, dadas as -condições
de realização da produção atual, a produtividade tende a aumen-
tar sempre que aumenta o capital. O que dá num círculo vicioso,
onde o que predomina é sempre o capital,
Mas pelo simples fato de se visar maior produtividade, é-se
obrigado a buscar igualmente a tecnologia mais moderna. Isto
equivale a dizer que tudo funciona como um sistema no qual
tecnologia moderna e produtividade no mais alto nível são ao
mesmo tempo um álibi...

2, Ascensão de uma nova variável-chave?

Parece, pois, contrariamente ao que se passara na fase de tran-


sição para o período de indiscutível domínio da tecnologia, que
agora assistimos a um como declínio gradual da procura de ftecno-
logia em relação à oferta.
Ocorreria assim algo diametralmente oposto à situação que se
seguiu à instalação do período tecnológico. Em confronto com ela,
a presente etapa apresenta um verdadeiro sintoma de mudança,
ou seja, já estaríamos superando esse período. Embora a tecno-
logia seja ainda um fator motor, um fator autônomo, não se pode
negar que não ocorre mais utilização automática das inovações
tecnológicas nem utilização obrigatória imediata como se dava
há pouco tempo.
As modificações de situação são mais difíceis de Sercebêt no
caso da tecnologia que no caso dos anteriores dados autônomos,
pelo próprio fato da aceleração do progresso e da maior brevidade
do ciclo vital de uma tecnologia nova. Em menos de 50 anos, a
vida útil das tecnologias se reduziu praticamente de 5 a 10 vezes.
Com efeito, há menos de meio século, a duração de uma tecnolo-
gia podia ser comparável à vida de um homem ou, em certos casos,
mudava no máximo uma vez no decurso de uma vida humana.
Atualmente, a tecnologia muda de 5 a 10 vezes durante o mesmo
período.
Se examinamos a história recente da humanidade, constatamos
- outro fator decisivo surgindo no mundo atual, e cuja importância
sobe sem cessar. Esse fator é atualmente um elemento de crise e

95
parece que deve ser o novo dado central do sistema em ascensão:
queremos referir-nos à população. Como explicar de outro modo
os atuais movimentos de juventude, a importância do fato demográ-
fico não só para a economia como também para a política local
e internacional? À população se mostra agora como dotada de
certa autonomia, de certo poder de influência sobre os outros
dados, condição de que não gozava no período anterior.
Ora, é nos países subdesenvolvidos que tal fenômeno se apre-
senta com todo o vigor, pois a Revolução Industrial teve como
resultados principais a juventude demográfica e a urbanização.
Podemos por conseguinte observar, nas atuais condições do
mundo, que uma parte sempre mais notável dos abalos que se
efetuam no setor tecnológico se deve ao incremento demográfico.
Jamais a população aumentou de modo tão considerável, jamais
os jovens foram tão numerosos. Tudo isso tem brutais repercussões
no seio do sistema tecnológico.
Esse incremento da população e dos jovens permite explicar a
relativa fragilidade atual dos Estados: nunca o Estado teve tanta
força como em nossos dias, mas é impotente para reprimir certos
movimentos de massa, liderados muitas vezes pelos jovens, por
grupos organizados ou «grupúsculos» mais ou menos isolados.
Nos países pobres, por exemplo, a força desenvolvida pela
enorme quantidade de pessoas que habitam em cidades faz da
demagogia um importante elemento da evolução política: com
efeito, a existência de massas urbanas força o governo a tomar
medidas que não tomaria se a cidade não fosse o lugar de tama-
nha ebulição.
Estamos então assistindo à substituição gradual da variável
autônoma tecnologia por outra variável, a população.
Se admitimos que os países subdesenvolvidos têm mais recur-
sos que os países desenvolvidos no que tange ao dado população,
pelo fato de seu dinamismo claramente maior, constata-se que
este fator novo se mostra com muito mais vigor na periferia que
no centro, o que constitui importante reviravolta de tendências no
tocante aos sistemas temporais precedentes.
Mas isto inevitavelmente causará graves dificuldades para que
possam efetuar-se mudanças de sistema, com rapídez e perfeição,
pois a clássica oposição entre centro e periferia se há de manifes-
tar brutalmente, se surgirem na periferia novos fatores de pre-
ponderância.

96
Às teorias que se vão elaborando e tentam afirmar-se, malgrado
a defasagem em relação à evolução histórica, fazem parte de um
sistema, ele mesmo já em via de pertencer ao passado.
Só se pode encontrar solução dentro de um sistema novo. Se
admitirmos que no novo sistema diminui a importância da tecno-
logia e aumenta a da população, os modelos operacionais devem
levar em conta o fato de que as coisas se modificaram.

3. Para uma mudança dos modelos de crescimento

Isto nos obriga a uma reflexão que ultrapassa o quadro atual,


que nos poderia servir de referência para analisar as políticas
econômicas atualmente impostas ou livremente aceitas pelos paí-
ses subdesenvolvidos. Constata-se que as disposições tomadas,
visando o crescimento nacional, procuram fazê-lo mediante a uti-
lização intensiva do capital. Isto quer dizer que todas as medidas
tomadas para aumentar o produto nacional, com a promessa de
elevar o nível de vida da população, se baseiam em uma utiliza-
ção sempre mais intensiva dos capitais encontrados no próprio
país ou buscados fora, por todos os meios.
Ora, essa utilização maior do capital em todos os projetos de
desenvolvimento segue pari passu com a necessidade de usar uma
tecnologia que tende sempre mais à instalação de unidades de
produção mais importantes, que exigem uma soma de capital tam-
bém maior. Introduz-se, assim, nos países subdesenvolvidos todo
um esquema de produção que dá prioridade às tecnologias moder-
nas importadas do estrangeiro, ao preço de enormes investimen-
tos de capital e de maior dependência,
Esse esquema de produção acarreta redução do emprego ofere-
cido diretamente, um crescimento não proporcional do emprego
indireto e a criação de grandes distorções no seio da economia
nacional dos países pobres, distorções que se mostram com toda
a clareza no setor do emprego. Pode-se dizer que quanto mais
rapidamente um país se moderniza, tanto mais numerosos se
tornam os casos de subemprego.
Daí, uma primeira constatação: enquanto se busca um cresci-
mento nacional amparado em atividades tecnológicas modernas,
dando ênfase à utilização de capital, aumentam-se as possibili-
dades de não-emprego e de subemprego.

97
Essa orientação ainda se poderia justificar se a tecnologia man-
tivesse o seu papel de fator-chave do sistema. Mas admitimos que
o sistema dará lugar a um outro, cujas características essenciais
já começam a se manifestar e cujo dado principal começa a se
evidenciar com toda a força (com o sempre crescente papel da
população na elaboração de todas as decisões mundiais), e assim
estamos em condição de perguntar por que não se elabora um
novo esquema produtivo que leve em conta esta nova combinação
de fatores já presentes na maioria, se não na totalidade, dos países
subdesenvolvidos, e que representa uma solução menos onerosa,
mais lógica, mais multiplicadora e sobretudo mais endógena e
centrípeta.
Isto não significa que o pólo do sistema se desloque para o
país onde a população é a mais importante ou a mais dinâmica
(por dinâmica entendemos, aqui, dinamismo demográfico), pois
os países assim dotados não são necessariamente capazes de expor-
tar para outros países os fatores em questão. Nesta situação nova
o aparecimento de uma inovação se faz por uma espécie de afir-
mação interior graças ao bom uso dos fatores existentes, sem que
seja necessário que alguns países imponham a outros formas de
produção e de consumo criadoras de distorções e capazes de agra-
var os desníveis.
Assim, podemos esperar que se hão de impor modelos de cres-
cimento específicos e bem diversos daqueles que foram concebidos
em função dos sistemas precedentes.

4. O papel do Estado

Se a população pode desempenhar um papel fundamental, e se


o Estado pode assumir a responsabilidade por uma melhor ou pior
utilização desse abundante recurso, fadado ao papel de centro do
sistema, então o papel do Estado se torna bem mais decisivo.
Ele, como vimos, funciona como uma espécie de tela entre os
fatores de inovação externa ou interna e as reações locais. Para
reconhecê-lo, basta analisar as diferenças entre aquilo que acon-
teceu, sob muitos pontos de vista, nos últimos 25 anos nos países
socialistas e nos países não-socialistas. Como o nosso problema
é analisar as transformações do sistema em bloco, não se pode
deixar de lado o dado institucional, o fator político.

98
Em cada período esse fator realiza um objetivo e possui uma
função própria. Agora se trataria de encontrar a definição desse
objetivo e dessa função, sob o ponto de vista da população, ou
seja, levando em consideração os interesses do povo, como dado
histórico autônomo.
Com efeito, para que a população substitua eficazmente a tec-
nologia como centro do sistema, não basta que este se modifique;
é mister igualmente que se mude a organização. Em outras pala-
vras, a crise criada pela presença ativa de uma numerosa popula-
ção não poderá culminar em algo definitivo, a não ser que mude
a própria organização política, para canalizar e utilizar validamen-
te as novas possibilidades de ação que se vislumbram.

5. Para uma nova organização do espaço

Podemos com razão supor que a organização do espaço, hoje


subordinada a um determinado jogo, será amanhã orientada por
um novo equilíbrio.
As condições essenciais da organização do espaço sempre foram
a resultante do jogo, livre ou orientado, de tendências à concen-
tração e à dispersão, embora tais condições variem em função das
formas específicas das modernizações e dos tipos de atividade
que interferem na organização espacial,
No período atual, a organização da produção desempenha um
papel! de primeira plana. Pelo próprio fato das exigências da tec-
nologia, o aparelho de produção conhece uma tendência crescente
à concentração que se traduz igualmente por uma concentração
no espaço.
Da mesma forma o Estado, em todo o mundo com feições mo-
dernas graças às novas condições da vida internacional impostas
e facilitadas pelo dado tecnológico, vê-se munido de forças cen-
tralizadoras. A centralização não diz respeito unicamente ao domí-
nio das decisões em matéria de política e de economia. O exercí-
cio das funções do Estado moderno exige uma organização dos
transportes, cuja tendência à integração favorece todo tipo de
concentrações.
Entretanto, o período tecnológico é o primeiro, na história do
Terceiro Mundo, que viu a difusão generalizada de duas de suas
variáveis elaboradas no centro: a difusão das informações e a do
consumo, e isto é mais sensível na América Latina que em outros

99
continentes. Daí resulta uma tendência às migrações, mas estas
só atingem uma parte da população, pelo fato de a revolução nos
transportes facilitar a difusão de certos bens,
Por outro lado, o Estado não se mostra nem pode mostrar-se
indiferente às novas necessidades assim criadas, mas que per-
manecem fora do alcance da maioria dos indivíduos. Sente-se
então obrigado a fornecer a título gratuito ou quase gratuito um
certo número de serviços, como a educação e a saúde, e que têm
um papel de fixação, ao menos provisória. Assim, a distribuição
dos bens e o fornecimento de serviços, que supõem uma dimensão
minima de aglomeração, implicam a criação de pequenas cidades
no interior, ao passo que a concentração da produção com a cria-
ção de monopólios é responsável pelas macrocefalias.
Temos, assim, como fatores de concentração a organização da
produção e o Estado; e como fatores de dispersão a população,
por suas novas exigências baseadas na difusão da informação e
do consumo e, de novo, o Estado.
Conforme o Estado utilizar seus recursos para facilitar direta
ou indiretamente a concentração da produção, ou utilizá-los para
fornecer serviços locais à população, os resultados são bem dife-
rentes, Mas o problema não é só querer, e sim também poder,
uma vez que as concentrações levam aos monopólios, e estes
compartilham com o Estado tanto a poupança popular como o
poder decisório que utilizam em favor próprio; ou seja, agravam
ainda mais a concentração.
Do jogo entre essas variáveis, jogo que varia de país para país
e mesmo a nível regional, depende atualmente a organização do
espaço.

6. O futuro: exercicio de prospectiva

E amanhã?
Se é uma constante o jogo dialético entre fatores de concen-
tração e fatores de dispersão, nosso primeiro cuidado seria inter-
rogar a história com mera prospectiva. Será possível?
Se consideramos a história como uma sucessão de sistemas
temporais, tendo cada um uma variável autônoma capaz de diri-
gir todas as outras, então o aparecimento de um novo sistema
temporal supõe a morte do antecedente, sempre que mudar a
variável diretora. Sempre foi assim desde os tempos do grande

100
comércio e das grandes navegações, passando pelo período das
manufaturas e pelos dois períodos industriais até ao atual período
tecnológico. No decurso de cada sistema temporal, e malgrado o
papel diretor incontestável de uma das variáveis, outra variável
começa a ganhar força e a impor a própria lei. Creio firmemente
que, a despeito do poderio jamais atingido antes por uma variável-
chave — a tecnologia —, o surgimento de características novas da
sociedade anuncia o nascimento de um novo período histórico, de
um novo sistema temporal: a evolução atual do fenômeno demo-
gráfico começa já a se configurar como ameaça ao funcionamento
integral do sistema tecnológico. Por outro lado, as funções do
Estado começam a mudar em certos países da América Latina,
talvez já por influência da situação anteriormente descrita. Em
alguns países, o Estado se recusa a ser simples intermediário das
forças externas e procura deformar seu impacto em benefício da
população.
A estabilidade, as transformações ou a substituição do sistema
tecnológico, a permanência ou a mudança das funções do Estado
constituem, por conseguinte, a chave de toda a problemática do
espaço no futuro.
Estaríamos então diante de quatro situações:

1) papel não modificado da tecnologia + papel não modificado


do Estado;
2) papel não modificado da tecnologia + novo papel do Estado;
3) superação do sistema tecnológico + papel não modificado
do Estado; $
4) superação do sistema tecnológico + novo papel do Estado.

Ou seja, as possibilidades variam de uma situação de sfatu


quo (1) a uma situação em que seriam muito importantes as modi-
ficações (4), passando por situações intermediárias (2 e 3).
Se a tecnologia deixar de ter o lugar que ocupa hoje, as conse-
qiências serão muito importantes do ponto de vista da organiza-
ção da produção, da distribuição da produção e da organização
do próprio espaço como tal.
Antes de mais nada, a dependência em face do estrangeiro iria di-
minuir, e poderiamos conceber uma promoção de técnicas locais
que significaria liberação da necessidade e, portanto, da depen-
dência dos grandes capitais. A eliminação, ou ao menos uma ate-
nuação do regime de monopólio permitiria a criação, em cidades

101
regionais, de atividades industriais hoje proibidas, Tais cidades
poderiam absorver melhor os excedentes rurais e, com isto, ten-
deria a se reduzir a macrocefalia, tanto demográfica como econô-
mica. Ou seja, o movimento das migrações rurais tenderia a se
multipolarizar.
Não se pensa portanto em reduzir a taxa de urbanização, mas
em uma distribuição diferente, com maior quantidade de cidades
importantes. Assim, outras cidades, fora da metrópole econômica,
seriam convocadas a produções industriais mais complexas e mais
diferenciadas. Tenderia a diminuir a importância das «novas»
indústrias de exportação, com o esforço industrial sendo mais
orientado para necessidades endógenas.
O Estado sairia fortalecido como Estado, pois as retiradas dos
monopólios a título de fundo de reserva e outras retiradas já não
seriam indispensáveis, e o orçamento nacional se enriqueceria mais,
As somas destinadas às infra-estruturas necessárias para as insta-
lações industriais ultramodernas seriam utilizadas segundo um
critério nacional e para a criação de serviços destinados à popula-
ção. Esta veria igualmente crescer seu poder aquisitivo, de vez que
os preços não seriam mais função das manipulações dos mono-
pólios, o que reforçaria novamente o poder das cidades médias e
pequenas.
Assim, a urbanização não se apresentaria, no futuro, nem com
a mesma fisionomia nem com a mesma fisiologia. Não haveria
mais macrocefalias mastodônticas nem disparidades regionais com
efeitos circulares negativos. As periferias seriam menos pobres, e a
ação estimulante sobre o campo não ficaria mais reservada a
umas poucas cidades. Haveria também mais ampla difusão das
atividades de produção e de serviço, graças a uma melhor distri-
buição das rendas.
Mas aqui já estamos nos movimentando no terreno da hipótese
de transformações «espontâneas» induzidas por modificação de
situação tecnológica, com ou sem transformação do papel do Es-
tado enquanto intermediário entre forças externas e uma vontade
nacional. Todavia, são possíveis mudanças na organização do es-
paço com ou sem o desaparecimento do atual período histórico.
Mas para controlar essas transformações, é indispensável que
ocorram mudanças no comportamento do Estado. Pode assim o
Estado, utilizando seu poder regulador, modificar o impacto das
forças externas e, particularmente, reduzir desde agora o papel
atualmente conferido às empresas multinacionais e aos monopó-
lios na organização do espaço nacional.
102
Para atingir eficácia máxima no processo de mudança, indis-
pensáveis seriam transformações concomitantes nas duas variáveis
de base da organização do espaço: a organização do Estado e o
controle da tecnologia com todas as suas conseqíiiências.
Seja como for, não é possível esperar uma radical mudança
de situação. A morte dos períodos históricos é lenta e cheia de
avatares e refluxos, sobretudo atualmente quando a unidade do
sistema é sólida e mais resistente que nunca, em toda a história
da humanidade.
A transformação do Estado não pode tampouco ocorrer por
ruptura brusca com as condições de um passado que ainda se faz
bem presente. O ritmo dessas mudanças dependerá, de um lado,
da velocidade das transformações históricas previstas mas pouco
desejadas em muitos países do Terceiro Mundo e, de outro lado,
da modificação dos regimes políticos amplamente almejada e infe-
lizmente menos prevista.
Sem dúvida, a morte ou a desintegração do período tecnoló-
gico facilitaria uma solução mais global. Mas pode-se imaginar
que os povos, cansados de esperar, arrastarão seus líderes a aban-
donarem a atitude de expectativa e adotarem uma posição dinâ-
mica, como já se fez em Cuba, no Peru e no Chile e talvez (quem
sabe?) no Equador.
Seja como for, reina agora tensão dialética entre o papel dos
progressos tecnológicos e a função do Estado, em situação de
explosão demográfica e de concentração urbana.
As tendências atualmente impostas à produção e ao consumo
no Terceiro Mundo, através das tecnologias e dos capitais estran-
geiros, são uma fonte de distorções cumulativas que geram irre-
versível empobrecimento da população. Esta situação levará, mais
cedo ou mais tarde, a um impasse que o Estado terá de levar em
conta.
(Tradução de Ephraim Ferreira Alves)

103
IX. Brasil:
país subdesenvolvido
industrializado *

1. Evolução histórica e industrialização

À maioria dos países subdesenvolvidos viram fracassar seus


esforços de industrialização. Tendo iniciado esse processo muito
tarde, foram vítimas de uma conjuntura desfavorável, num mo-
mento decisivo da história, e nunca puderam recuperar o tempo
perdido, Geralmente, os países que perderam esse momento deci-
sivo no início do século XX, com exceção de alguns da América do
Sul e do Zaire, só puderam começar sua industrialização durante
o período dominado pela tecnologia, ou seja, um período caracte-
rizado pela concentração econômica e pela importância das eco-
nomias de escala. Depois do momento decisivo, os monopólios já
não resultavam apenas da evolução gradual para a concentração,
e passaram a representar o primeiro estágio da realização indus-
trial, Também o mercado já não constituía um fator essencial, por-
quanto as empresas monopolistas podiam fixar arbitrariamente os
preços ou exportar seus produtos. A localização dos diversos se-

* Conferência apresentada na Universidade de Toronto, janeiro de 1973; posterior-


mente publicado no The Latin American in Residence Lectures, nº 111, 1972-1973,
Universidade de Toronto.

104
tores industriais era seletiva, tornando esses países dependentes
para a obtenção de numerosos produtos industriais. Havia, sem
dúvida, diferenças entre os países subdesenvolvidos não indus-
trializados, mas aqueles que conseguiram escapar dessa situação
após a Segunda Guerra Mundial constituem raros exemplos dos
que se beneficiaram de condições excepcionais, tais como riquezas
minerais, ou, no caso da África do Sul', a distância da Europa
e, no caso do Egito, a mudança na natureza do Estado”,
Entretanto, um número pequeno de países subdesenvolvidos,
como o Brasil, Argentina, México e Índia, conseguiu juntar as
condições necessárias para a sua industrialização, entre fins do
século XIX e começos do século XX. Vamos chamá-los de países
subdesenvolvidos industrializados. Portanto, a velha taxonomia
politico-geográfica, que separou os países industrializados dos
subdesenvolvidos, discretamente denominados de não-industria-
lizados, não tem mais sentido.
O processo começou durante o período em que as indústrias
podiam ser instaladas com uma tecnologia superada e, freqilente-
mente, com máquinas que haviam sido usadas antes em países
industrializados mais avançados*. A industrialização, efetuada
através de substituição de importações, satisfazia às necessida-
des do consumo doméstico. Entretanto, dependia da importân-
cia do mercado nacional e da capacidade de compra de máquinas
no exterior, isto é, das reservas cambiais obtidas através da expor-
tação de produtos alimentícios e matérias-primas para os países
mais avançados, principalmente da Europa*. O tamanho do
mercado era determinado, grosso modo, pelo tamanho da popula-
ção total”, ao passo que o grau de urbanização, o tamanho
da população urbana", o tamanho das cidades mais importan-
tes*' e o índice de concentração demográfica atuavam como
fatores controladores.
A esses importantes fatores de industrialização, deve-se acres-
centar a política industrial adotada pelo Estado, impondo o pro-
tecionismo quando necessário, incentivando a imigração que traria
nova tecnologia e know how e atraindo investimentos estrangei-
ros* que seriam usados diretamente para a introdução de novas
indústrias ou para a criação de infra-estrutura, principalmente
instalações portuárias e estradas de ferro, essenciais ao desenvol-
vimento do processo. Nessa fase da industrialização, as necessi-
dades de capital eram reduzidas, enquanto que a força de trabalho
empregada era muito significativa. Os objetivos da produção in-

105
dustrial exigiam uma política de preços que favorecesse a expan-
são do mercado. Essa expansão foi facilitada pelo fato dos aumen-
tos de produção não estarem obrigatoriamente associados a um
aumento da produtividade. *
Durante esse período, a divisão de trabalho entre as áreas rurais
e as cidades era muito acentuada (Cardoso, 1967, p. 262) e essa
especialização ajuda a explicar o crescimento da urbanização.
A densidade da população atua como principal fator de localiza-
ção. A ausência de um mercado centralizado impede a concorrên-
cia entre os diferentes mercados urbanos, que se desenvolvem de
acordo com suas condições locais próprias.*º Todavia, são
as cidades, cuja hinterlândia satisfaz a grande demanda dos países
industrializados, que apresentam maior possibilidade de urbaniza-
ção, porquanto esses países aproveitam-se das vantagens de inte-
gração com a rede de transportes, ainda que essa integração seja
apenas parcial. Quando ocorre uma modificação nos períodos
históricos, alterando a situação internacional, ou quando a orga-
nização espacial nacional é transformada, as cidades privilegiadas
gozam de uma vantagem inicial e tornam-se verdadeiras metró-
poles econômicas nacionais. **

2. Países subdesenvolvidos industrializados

O nivel de importância e complexidade alcançado pelas suas


metrópoles determina e espelha o nível de industrialização de um
país subdesenvolvido, Esse é o único critério aceitável para a
definição de um país subdesenvolvido industrializado. À produção
de eletricidade ou aço, a capacidade de refinamento de petróleo **,
o consumo de energia”, o valor agregado bruto da indús-
tria*t, o Produto Nacional Bruto per capita*', a participação
da indústria de transformação na formação do Produto Nacional
Bruto ”*, a importância das indústrias dinâmicas, assim como
todos os critérios puramente quantitativos não são adequados nem
significativos,
É preciso considerar não apenas o número e o tipo das indús-
trias de um país, como também o nível de integração funcional,
a fim de não cair na armadilha dos enclaves industriais que não
possuem inter-relações ou conexões locais.** Na situação atual
do Terceiro Mundo, como as condições funcionais constituem,
ao mesmo tempo, conexões geográficas, a industrialização nacio-

106
nal é determinada pelo nível de aglomeração polarizadora mais
importante de um país, ou seja, o complexo industrial de mais
alto nível. Quando esse complexo é capaz de suprir a mesma faixa
de produtos industrializados que o mundo desenvolvido, e de ofe-
recer ao país bens de consumo ao mesmo tempo que bens de capi-
tal, pode-se dizer que se trata de um país subdesenvolvido indus-
trializado.
Esses países têm algumas características em comum: sua indus-
trialização e modernização são punctiformes, dependentes e volta-
das para fora. Apesar da industrialização, porém, conservam uma
série de condições de subdesenvolvimento, muitas vezes agravadas
pelo crescimento econômico, ou seja, disparidades regionais pro-
nunciadas, enormes desigualdades de renda e uma tendência cres-
cente para o empobrecimento das classes subprivilegiadas, a
despeito do aumento do Produto Nacional Bruto e do Produto
Nacional per capita. Todavia, cada país é um caso diferente, devido
a combinações próprias de diversas condições históricas. A super-
fície, a população total, a concentração demográfica, sua história
política e econômica e as condições geopolíticas contemporâneas
conferem a cada país suas peculiaridades.

3. Brasil, um país industrializado

O Brasil é, na verdade, um país industrializado subdesenvolvido e


surge como uma nação privilegiada no Terceiro Mundo. Já em
1970, sua produção de ferro e aço aproximava-se de 10 milhões
de toneladas métricas, a capacidade de produção elétrica era
superior a 11 milhões de kw; possuía 37.261 estabelecimentos
industriais com mais de 5 empregados e um total de 2.047.137
trabalhadores; as necessidades do consumo interno eram satisfei-
tas e suas exportações foram de cerca de 11 bilhões de dólares.
Em 1969, o Brasil possuía aproximadamente 2.800.000 automó-
veis, e, em 1970, contava com 49.890 Km de estradas asfaltadas.
Em 1965, a porcentagem das importações da demanda total de
bens intermediários foi de 8,256, igual a de bens de capital (8,2%);
1,4% de bens de consumo durável. e 1,68% de bens de consumo
não durável. A média das importações de todos os bens industria-
lizados foi de 5,1%.*”*º Em meados da década de 60, a indús-
tria brasileira estava capacitada para atender 90% das necessi-
dades de equipamentos do setor gerador de energia elétrica, 77%

107
das necessidades da indústria de ferro e aço e 66% da demanda
de cimento, petróleo e petroquímicos (CEPAL, 1965)."” No
final da década de 60, a produção nacional estava suprindo 95%
da demanda interna de produtos industrializados.
Esse crescimento econômico foi acompanhado de uma mudança
na estrutura da produção industrial. Em menos de 50 anos, entre
1919 e 1961, o Brasil quase conseguiu inverter as porcentagens
correspondentes às indústrias dinâmicas e não-dinâmicas. Em 1919,
as indústrias dinâmicas representavam menos de 15% da produ-
ção e, em 1961, mais de 50%.**º Entre 1955 e 1965, a produ-
ção de bens de consumo durável aumentou mais rapidamente que
a produção de bens não duráveis e a produção de bens de capital
aumentou mais rapidamente que a produção de bens intermediá-
rios. ** Essas tendências continuam até os dias de hoje.

4. Indústria dinâmica e dependência externa

O papel determinante da indústria dinâmica não resulta apenas


do processo de industrialização; representa a adaptação de uma
situação de crescimento nacional aos imperativos do sistema inter-
nacional. Essas indústrias, baseadas em um alto nível tecnológico
que aumenta a indivisibilidade do capital, formam uma nova fase
na divisão internacional do trabalho. À medida que o país se
industrializa, aumenta a dependência econômica em face da tecno-
logia estrangeira e do aumento de capital. O Brasil, conforme
salienta Drucker (1971, p. 90), está, ao lado do Japão e da França,
no ponto de tornar-se um dos 10 países onde 1/4 a 1/5 da pro-
dução industrial provém de empresas multinacionais. À gravidade
das múltiplas conseqiiências de tal situação é óbvia.
O capital estrangeiro, investido de forma seletiva, é alocado
de preferência em indústrias economicamente estratégicas, isto é,
aquelas que rendem um lucro máximo por unidade de capital
investido. Assim, o capital inglês no Brasil tradicionalmente sem-
pre se interessou pelo fumo e pelos produtos alimentícios, mas
também por têxteis, seguros e petróleo. Os investimentos fran-
ceses se dirigem à indústria química, têxtil e ao setor bancário.
A Alemanha tem aproximadamente 45% de seu capital aplicado na
indústria automobilística e possui também interesses nas indústrias
química e mecânica, O Japão, cujo ingresso no mercado brasileiro
é recente se comparado ao dos países europeus, destina metade

108
de seus investimentos para as indústrias de ferro e aço e de cons-
trução naval. Os Estados Unidos, com investimentos diretos com-
paráveis aos da Europa Ocidental, estão bem representados em
todos os setores acima mencionados, ora através de empresas de
sua propriedade direta, ora associados às indústrias da Europa e
do Japão.** Dos grupos com investimentos superiores a | mi-
lhão de dólares, que tinham interesses no Brasil, em 1970, 44%
cram americanos; a França e a Inglaterra controlavam, cada uma,
10,5%; o Japão e a Alemanha Ocidental, 7% cada um; a Suécia,
4% e os 17% restantes estavam divididos entre outros países
(Correa de Andrade, 1970). Mais de 40% de todo o capital es-
trangeiro investido na indústria brasileira destinaram-se à indús-
tria automobilística, 10% às indústrias mecânica e elétrica, e 10%
à indústria química de base e à indústria eletrônica (Martin, 1966).
A penetração dos monopólios** é permitida tanto pelas con-
dições históricas internacionais, quanto pela situação interna, de-
terminada pela política econômica. Como as economias de escala
tornaram-se mais importantes do ponto de vista global, os investi-
mentos em capital fixo na indústria têxtil brasileira subiram de
6.000 dólares por trabalhador, em 1950, para 12.000 dólares, em
1960, e para 19.000 dólares, em 1965 (Furtado, 1968, p. 36).
A política econômica governamental também funciona no mesmo
sentido. A partir de 1964, a limitação de crédito, imposta sob o
pretexto de combate à inflação, facilitou grandemente a entrada
de capital estrangeiro.
Esse capital estrangeiro representa respectivamente 78%, 73%
e 53% da produção de bens de consumo durável, bens de capital
e bens não duráveis. O capital privado brasileiro representa 38%
do capital bancário e 92% do capital na atividade de serviços e no
setor varejista, Na indústria, 40% da produção de bens de con-
sumo não durável é composta de capital nacional, enquanto que os
outros ramos apresentam porcentagens mais baixas. O Estado é o
principal investidor em infra-estrutura, com 73% do investimento
total, possuindo também 62% do investimento bancário e 52%
de investimento na produção de bens intermediários (Business
Latin America, 18, fev., 1971).*
Verifica-se, portanto, uma engenhosa divisão de responsabili-
dades: o capital estrangeiro reserva para si os ramos mais dinã-
micos e lucrativos, ao mesmo tempo que controla e orienta o
crescimento nacional. O capital brasileiro privado está confinado
aos ramos ou setores que o capital estrangeiro considera indese-

109
jáveis. Ao Estado cabem também três tarefas: facilitar a produ-
ção da empresa estrangeira através da implantação de infra-
estrutura, a fim de oferecer economias externas e externalidades
baratas; criar e sustentar bancos especializados que garantam
empréstimos externos levantados no setor capitalista, principal-
mente o estrangeiro; produzir bens intermediários que os capita-
listas locais ou estrangeiros estejam receosos de produzir, devido
à instabilidade das condições dos países subdesenvolvidos. Enfim,
o Estado torna-se o próprio escudo das indústrias multinacionais
e dos monopólios.
Essa situação mostra claramente que a acumulação de capital
não é, de forma alguma, a chave do problema do subdesenvolvi-
mento, como tantos economistas clássicos nos induzem a acredi-
tar. O problema está no fato de que a utilização do capital criado
nos países subdesenvolvidos e pelos países subdesenvolvidos É
controlada por interesses extranacionais aos quais serve,
Uma grande parte da produção das empresas multinacionais
destina-se à exportação. As estatísticas oficiais mencionadas por
Octavio Ianni (1971, p. 224) mostram que, das 40 empresas
exportadoras de bens manufaturados brasileiros, em 1970, 32
pertenciam a estrangeiros e uma era de capital misto, ou seja,
brasileiro e estrangeiro. Essas exportações também escondem outra
forma de atividade das corporações multinacionais. Quando se
considera que metade das exportações das empresas americanas
na América Latina foram feitas por subsidiárias, conforme salienta
Osvaldo Sunkel (1970, p. 36), é fácil compreender de que forma
está sendo realizada a integração da América Latina e a quem
ela eventualmente beneficiará. Considerando a América Latina
como um todo, em 1966 as atividades das subsidiárias americanas
representavam 35% do total das exportações americanas para
esses países e 41% das exportações de produtos manufaturados
da região (O. Sunkel, 1970, p. 36). Assim, cada país sofre dupla-
mente as conseqiiências das atividades das firmas multinacionais.
A lista das vicissitudes não está completa: o problema do paga-
mento do serviço da dívida, inseparável do crescimento econômico
no período tecnológico, deve ser incluído. A despeito do que em
termos técnicos denomina-se «expansão econômica», em 1968 o
Brasil tinha 300 milhões de dólares (em números redondos) de
déficit no seu balanço de pagamento de serviços, o mesmo déficit
que em 1958.** Essas despesas de serviços são pagas às pró-
prias empresas multinacionais, já excessivamente protegidas para

110
que se instalem no país. Não é de surpreender, portanto, que os
relatórios do Banco Mundial mostrem um débito anual cada vez
maior dos países subdesenvolvidos. Em 1967, Argentina, Brasil,
Chile, Malásia, México e Zâmbia pagaram aos países ricos, sob
a forma de juros e lucros, mais do que receberam em novos inves-
timentos e ajuda. À dívida externa brasileira atingia 10 bilhões
de dólares em 1972, chegando a quase 40 bilhões de dólares
em 1978.
A presença de empresas multinacionais, característica do atual
processo de industrialização, constitui uma ameaça à identidade
nacional. Através das agências de publicidade, as empresas multi-
nacionais têm o poder de literalmente moldar a opinião nacional
a respeito de importantes questões. Das 300 agências de publici-
dade no Brasil, cujo movimento foi de 120 milhões de cruzeiros,
8 firmas estrangeiras possuem um movimento de 35 milhões (T.
Santos, 1967, p. 93). Considerando a influência das agências sobre
os meios de comunicação de massa, é justo preocupar-se, pois a
publicidade é um dos meios mais eficazes de orientar o processo
de desenvolvimento.

5. Concentração econômica e disparidades regionais

Essa situação é paralela à concentração da produção industrial.


O número de empresas que produzem de 1 a 15 categorias de pro-
dutos diminuiu abruptamente de 1950 para 1962, enquanto que
aumentou o número das que fabricam produtos mais diversifica-
dos.** Nos países subdesenvolvidos a concentração econômica
é geralmente sinônimo de concentração geográfica. Por exemplo,
no Brasil, 60% da produção industrial está localizada no Estado
de São Paulo (Anuário Estatístico do Brasil, 1971). Os bancos
e o sistema financeiro têm, igualmente, seus centros de decisão
localizados nas duas maiores cidades, São Paulo e Rio"', para
onde escoa a maioria dos recursos das áreas pobres, os quais
são investidos em proveito dos centros urbanos mais desenvolvi-
dos (Rattner, 1972).
A maturidade industrial atingida por uma região dinâmica, que
Albert Hirschman (1958) considera ser uma solução espontânea
para o problema do subdesenvolvimento, não contribui de forma
alguma para a difusão da riqueza, nem mesmo facilita sua redis-
tribuição. A descentralização industrial, tampouco, resulta em
redistribuição de renda. As desigualdades regionais agravam-se.

111
O Sul e o Sudeste estão sem dúvida na frente quanto à formação
da renda interna e sua participação continua aumentando. À região
Centro-Oeste, onde se encontra Brasília, também apresenta índices
favoráveis. Já o Norte e o Nordeste, regiões tradicionalmente po-
bres, vêm aumentar a brecha que os separa do Sul à medida que
o país torna-se mais rico.*º Em termos de longo prazo (1939-
1968), nota-se que os Estados mais ricos, com São Paulo na lide-
rança, mantêm as percentagens mais altas de renda interna, en-
quanto que os Estados do Norte e Nordeste, e até mesmo o Rio de
Janeiro, vão diminuindo de ano para ano a sua fatia relativa de
renda interna. *

6. Estrutura de produção e empobrecimento das massas

À tendência à concentração própria da economia moderna sig-


nifica que há aumento do Produto Nacional Bruto e do Produto
Nacional per capita, ao mesmo tempo que um crescente empobre-
cimento cada vez mais afeta o povo. Essa situação chamou a aten-
ção até mesmo de Robert MacNamara que, em um discurso muito
comentado no Brasil, afirmou: «Durante a última década, a renda
per capita do Brasil aumentou 2,5% anualmente, em termos de
renda real. Todavia, a porção que chega até os 40% da população
mais pobre caiu de 10% em 1960 para 8% em 1970. Na outra
extremidade do espectro social, a fatia que cabe aos 5% mais
ricos aumentou de 29% para 38%. Em termos de Produto Nacio-
nal Bruto, o país aparentemente vai bem; no entanto, 40% da
população brasileira recebem apenas benefícios marginais do pro-
gresso» (O Globo, 15-4-72, p. 19).
Várias outras estatísticas falam por si. Entre 1960 e 1970, o
quinto superior da população, em termos de renda, viu sua fatia
de renda nacional aumentar de 54% para 65%, enquanto que a
renda dos restantes 80% foi diminuída. Além do mais, a distribui-
ção entre os 20% mais afortunados não é uniforme. Aqueles que
podem ser considerados ricos, e que em 1970 constituíam 1% da
população, possuíam 18% da renda total, ao passo que em 1960
possuíam 12%. Os 4% da classe média superior aumentaram
sua fatia de 16% para 19%, mas a classe média intermediária, os
restantes 15% do quinto superior, viu sua fatia reduzida para
27%. Os pobres tornaram-se ainda mais pobres. À porção da me-
tade inferior foi reduzida de 18% para 14%. Assim, 1% da classe

112
mais alta teve uma renda total maior que a da metade inferior
da população (Opinião, 27/nov., 04/dez., 1972, p. 13; Furtado,
1970, p. 153).
A mesma mudança está ocorrendo em escala local. No Recife,
cuja população é de 1.300.000, a renda per capita diminui quase
17% entre 1961/62 e 1968 (Cavalcanti, 1972, p. 88). Os 40%
da população mais pobre viram sua fatia de renda total cair de
15% para 12% entre 1960 e 1967 (Cavalcanti, 1972, p. 100). Esse
fenômeno de empobrecimento não se limita às áreas mais despri-
vilegiadas do Brasil. Em São Paulo, a metrópole econômica do
Brasil, 2% da população vivia em favelas em 1957 e 1960. Essa
porcentagem dobrou (4%) em 1966 (J. Valenzuela, 1970, p. 207),
ilustrando uma significativa característica da recente evolução na
economia urbana. À aglomeração de São Paulo teve um aumento
relativo no número de grandes e pequenos estabelecimentos in-
dustriais, enquanto que a proporção de estabelecimentos de tama-
nho médio diminuiu (Rattner, 1964, p. 153/155).
A rigidez tecnológica impôs uma combinação de fatores que
favoreceram a concentração de empresas modernas e a criação
de um grande número de estabelecimentos pequenos, capazes de
absorver uma parte da força de trabalho representada pela massa
de migrantes. O aumento do número de firmas que empregam
menos de 10 pessoas só foi possível com a redução do número de
empregados, Consegiientemente, a solução do problema de empre-
go através da indústria de trabalho intensivo não é possível quan-
do a cidade tende para a concentração capitalista. Portanto, o
desemprego e a pobreza resultam da atual estrutura de produção.
A nível nacional, à atual estrutura de produção permite que a
economia registre um crescimento estatístico impressionante, sem
contar com o mercado nacional. Aumenta de dia para dia a neces-
sidade de recorrer ao mercado externo, principalmente porque o
Tesouro Nacional, isto é, os pagadores de impostos, financiam e
subsidiam generosamente as exportações de produtos manufatu-
rados. O resultado é o reforço da atual estrutura de produção.
Enquanto a produção automobilística subiu 14% de 1964 a 1970,
a produção de alimentos e vestuário aumentou apenas 2% e a
têxtil, 1%. Somente a indústria automobilística tem um índice
positivo per capita (12%), ao passo que as indústrias têxteis,
alimentícias e de vestuário sofreram um retrocesso (—2,5% e
—D,6%, respectivamente, segundo estatísticas do Ministério do
Planejamento, IPEA e da Associação da Indústria Automobilística.

113
Essa tendência está se tornando uma norma. À produção automo-
bilística aumentou 22% entre 1970 e 1971 (Correio da Manhã,
21-12-71) e aumentou de 590.000 unidades em 1972 para 850.000
unidades em 1974 (Brazilian Embassy Bulletin Washington,
12/13, jan. 1972).
Essa tendência significa que a indústria brasileira está traba-
lhando para atingir desempenhos internacionais à custa do cres-
cente empobrecimento das massas. Quando se verifica que as
exportações de têxteis e vestuário estão realmente aumentando
rapidamente, só se pode concluir que as possibilidades de consumo
da população são ainda mais reduzidas do que indicam as esta-
tísticas. O Brasil decidiu-se pela direção oposta à tese da CEPAL,
expressa, algum tempo atrás, por R. Prebisch (Samir Amin, 1971.
p. 251/252). Ao invés de criar uma «economia complexa interna»,
o Brasil orientou-se para uma especialização internacional, cujo
único resultado é um crescimento à moda de Rostow.
Além do mais, o Estado perde sua força. Às isenções fiscais e os
subsídios à exportação são acompanhados por uma crescente
carga de impostos indiretos, Uma parte importante dos recursos
nacionais financia, direta ou indiretamente, o setor capitalista e,
principalmente, o setor monopolista da economia. Assim, pouco
poder resta ao Governo para executar o seu papel institucional de
redistribuição. Por exemplo, a porção do orçamento nacional desti-
nada aos serviços de saúde caiu de 3% em 1967, para 1% em
1970. Como a população já está empobrecida pelo sistema econô-
mico e visto que o Estado é o principal fornecedor de serviços das
populações desprivilegiadas, o empobrecimento torna-se ainda
mais grave,

7. Estrutura de produção e «imperialismo dependente»

Em escala internacional, as conseqiiências da atual organização


da produção no Brasil são igualmente profundas. Dado que à
expansão da indústria dinâmica é acompanhada simultaneamente
pela redução do poder aquisitivo das massas, a economia vê-se
forçada a procurar mercados em outros lugares, ou a reduzir o
seu próprio crescimento. Os investimentos dirigem-se aos setores
onde há possibilidade de exportação, isto é, produção de bens para
os quais existem compradores estrangeiros potenciais. Essa orien-
tação exige uma constante modernização do equipamento indus-

114
trial, a fim de poder concorrer internacionalmente. Essa exigência
de modernização agrava a dependência aos centros mais avançados
do sistema mundial. À necessidade de importação exige uma polí-
tica de exportação agressiva, que está na base de um comporta-
mento internacional denominado «subimperialismo» (R.M, Marini,
1972), ou seja, um tipo de imperialismo condicionado ou depen-
dente, porque os instrumentos são, na verdade, as multinacionais.
A política de crescimento estimula cada vez mais a produção
de bens de capital para os quais não existe mercado interno. O Es-
tado é, portanto, compelido a adotar uma política de grande po-
tência, favorecendo as grandes empresas sem consideração pelas
massas cada vez mais empobrecidas e afetando a imagem do país
no exterior.

8. Crescimento e empobrecimento: haverá saída?

Para resumir a sua problemática de país subdesenvolvido indus-


trializado, o Brasil pode ser considerado como um país no qual a
industrialização é punctiforme, dependente e extrovertida; um país
onde as desigualdades regionais e sociais são flagrantes; e onde,
paradoxalmente, o empobrecimento é acompanhado pelo cresci-
mento do Produto Nacional; é um país forçado a adotar uma polí-
tica de «grande potência» em detrimento de sua imagem interna-
cional, ao invés de se preocupar com a melhoria do nível de vida
do seu povo.
Ainda estamos muito longe do prognóstico de Ignacy Sachs
(1971, p. 537), para quem «o desenvolvimento será atingido por
um certo número de países do Terceiro Mundo, sejam quais forem
suas relações com o sistema internacional». O caso do Brasil
demonstra claramente, se é que há necessidade de demonstrar, que
crescimento e desenvolvimento não são sinônimos. Ao contrário,
crescimento e redistribuição da riqueza são antagônicos. À medida
que o Produto Nacional Bruto aumenta, os ricos tornam-se mais
ricos, a classe média alta mantém sua situação e os pobres tor-
nam-se mais pobres. A atual situação clama por uma série de me-
didas combinadas. Nenhuma, contudo, parece viável sem uma
modificação da atual estrutura de produção industrial.
Ao invés de incentivar a expansão dos setores dinâmicos, dever-
se-ia dar mais atenção aos setores da indústria de transformação
que estão produzindo para a maioria da população. De imediato,

115
poder-se-ia atingir vários resultados. Primeiro, as principais fon-
tes de dependência tecnológica e financeira seriam eliminadas
através de uma melhor utilização dos recursos nacionais. O aban-
dono de certas técnicas avançadas facilitaria o desenvolvimento de
técnicas autenticamente nacionais e permitiria a expansão de em-
pregos e do mercado interno, suprimindo ao mesmo tempo a de-
sesperada necessidade de recorrer à exportação. Se a tecnologia
não exige uma constante modernização, a atividade industrial
pode ser melhor difundida espacialmente, com a multiplicação dos
centros de produção, resultando numa maior produtividade espa-
cial, A partir desses verdadeiros pólos de desenvolvimento, irra-
diar-se-iam múltiplas conseqiiências, efeitos de feedback laterais
e positivos, capazes de estimular a atividade econômica e o empre-
go, obtendo-se, dessa maneira, uma redistribuição mais eqúitativa
da riqueza.
A pobreza não pode ser combatida sem se considerar as reper-
cussões espaciais do crescimento. Numa situação de produtividade
espacial, como a que descrevemos, atividades mais modernas se-
riam conectadas ao setor não moderno da economia. O capital
seria encaminhado para duas direções e não dirigido unicamente
para o setor moderno, o que permitiria, concomitantemente, a
criação de novos empregos. O Estado tornar-se-ia mais poderoso,
na medida em que as atuais limitações desapareceriam. Por um
lado, não teria mais de dividir com os monopólios as poupanças
nacionais disponíveis e, por outro, estaria mais livre para a esco-
lha de investimentos, o que permitiria uma política social destinada
a corrigir a desigualdade.
A chave de todos esses problemas, como já vimos, encontra-se
na mudança da estrutura de produção. À questão é como mudar
essa estrutura. Pode-se confiar na História e aguardar o seu de-
senrolar ou pode-se antecipar a História e apressar os aconteci-
mentos. Na primeira hipótese, é preciso aguardar o agravamento
da crise internacional do sistema atual, o desfecho dessa crise e o
surgimento de um novo período histórico trazendo a solução.
Pode-se, todavia, na fase de transição, confiar no automatismo de
um mecanismo que ainda é dominado por forças opostas aos inte-
resses populares? O Estado torna-se o instrumento essencial quan-
do se pretende modificar o esquema internacional de forças.
A segunda solução parece-nos uma abordagem acertada e exige
imediata aplicação, ou seja, ruptura da atual situação de compro-
misso internacional e uma alteração urgente das relações com os

116 is
países centrais do sistema mundial. Essas medidas requerem mo-
dificação da própria natureza do Estado, isto é, a imposição da
vontade nacional, pois a crise com os países do centro deixou de
ser latente (Abdel-Malek, 1971) e já se tornou manifesta, Devem
também ser satisfeitas as expectativas das massas que estão cada
dia mais ansiosas e inquietas. Eis aí o problema do Brasil atual.

NOTAS

1-— A produção de alimentos na África do Sul, em 1924/1925, ainda


constituía uma alta percentagem da atividade industrial. Essa percenta-
gem caiu para a metade (16%) em 1954/1955 e aumentou ligeiramente no
Início da década seguinte. No mesmo período, a prodúção metalúrgica
dobrou, embora esses números devam ser considerados com cautela porque
Incluem a produção de ouro, o que, além do mais, distorce a distribuição
proporcional de cada setor industrial. Contudo, pode-se observar que a
produção da indústria química é importante no país:

África do Sul:
Composição da Produção da Indústria de
Transformação

Produto 1924/25 1934/35 1944/45 1954/55 1960/61


Alim., Beb.,, Fumo 32 27 22 16 19
Têxtil e Vest, 9 14 16 14 13
Madeira e Mob, 7 6 7 6 4
Papel e Impres. "n 9 6 7 9
Prod. Químicos 12 9 10 10 10
Prod. Minerais
não Metálicos 7 8 5 7 9
Metalúrgica 18 24 28 36 32
Diversos 4 3 6 4 4

2 — Com referência à industrialização do Egito, veja-se, entre outros,


Alan B. Mountjoy, 1966.
3 — «No século XIX a defasagem entre a nova tecnologia e o tradi-
cional savoir faire era pequena. A imitação só era possível através da
difusão de informações, eventualmente acompanhada pela importação de
um modelo de máquina que pudesse ser facilmente reproduzida. Atualmente,
existe uma brecha entre as técnicas tradicionais dos países subdesenvolvi-
dos e as técnicas dos países avançados; a assimilação direta dessas técni-
cas, através da difusão de informações, é inoperante; os equipamentos só
podem ser construídos no local. O treinamento técnico e científica exigidos
para à utilização importa em grandes atrasos» (J. Freyssinet, 1966, p. 168).
4 — Os atuais países subdesenvolvidos industrializados são os que,
no início deste século e até mesmo no final do século passado, já tinham
uma exportação significativa,

117
1880 1913 (em US$ milhões)
Argentina 55 515
Brasil 101 317
Egito 66 156
México 36 150
India 327 786
Espanha 124 191
Turquia 39 94
Colômbia 14 33
Chile T4 149
(A. Maddison, 1971, p. 312)
5 — Por volta de 1870, a Índia já possuía mais de 200 milhões de
habitantes, o Brasil e o México, cerca de 10 milhões e a Argentina, 2 mi-
lhões. No início do século XX, a Índia ultrapassava 235 milhões, o Brasil
tinha 18 milhões, o México, quase 14 milhões e a Argentina, 4,5 milhões.
Em 1913, a India tinha 250 milhões, o Brasil, 24 milhões, o México, mais
de 15 milhões, o Egito, mais de 12 milhões e a Argentina, quase 8 milhões
(A. Maddison, 1971, p. 302, Quadro C-1).
6 — Por volta de 1907, a produção industrial brasileira não estava
distribuída uniformemente: havia um certo paralelismo com a população
urbana:
Estabelecimentos Trabalhadores
Distrito Federal
(Rio de Janeiro) 671 35.243
São Paulo 326 24.186
Rio Grande do Sul 314 15.426
Brasil 3.258 151.841
(Manuel Diegues Júnior, 1964, p. 229/230)
«Indústrias produzindo bens de consumo tradicionais encontram-se
amplamente distribuídas pelo território nacional» (Barros de Castro,
1871, Vol. II, p. 114).
7 — População das cidades mais importantes de diversos países latino-
americanos no final do século XIX (Apud Morse, 1971).
Argentina (1895) México (1900)
Buenos Aires 678 .000 Cidade do México 344.000
Rosário 92.000 Guadalajara 101.000
Córdoba 48,000 Puebla 94.000
Tucumán 34.000 Monterrey 62.000
La Plata 45.000 San Luis P. 61.000
Santa Fé 25.000 Merica 44.000
Mendoza (1900) 28.000 Guanajuato 41.000

Colômbia (1905) Cuba (1899)


Bogotá 100.000 Havana 247 .000
Medellin 54.000 Matanzas 37.000
Barranquilla 40.000 Cárdenas 22.000
Cartagena 10.000 Cienfuegos 30.000
Cali 31.000 Porto Príncipe
Manizales 35.000 (Camaguey) 30.000
Santiago de Cuba 43.000
Venezuela (1891) Peru (1908)
Caracas 72.000 Lima e Callao 188.000
Maracaibo 35.000 Ayacucho 14.000
Valencia 54.000 Cuzco (1876) 20.000
Barquisimoto 27.000 Arequipa (1876) 29.000
Ciudad Bolivar 18.000
San Cristobal 17.000

Chile (1895) Brasil (1900)


Santiago e Rio de Janeiro 688 . 000
Valparaiso 378.000 São Paulo 240.000
Concepción 40 .000 Salvador 206.000
Antofagasta 13.000 Belém 166.000
Iquique 33.000 Recife 113.000
Talca 33.000 Porto Alegre 74.000
Manaus 61.000

8 — Dos 24.000 milhões de capital dos países desenvolvidos, investi-


dos a longo prazo nos países subdesenvolvidos, em 1914 mais de 10.000
milhões de dólares foram aplicados em quatro países atualmente subdesen-
voulvidos e industrializados: Argentina: 3.100 milhões, Índia: 2.600 milhões,
México: 2.500 milhões, Brasil; 2.000 milhões (Maddison, 1970, p. 222).

9 — O crescimento da produção não é acompanhada de um aumento


da produtividade: em São Paulo, por exemplo:

Número de Metros de Tecido por !rabalhador


Anos Metros
1853 2.800
1885 6.400
1909 5.600
1915 5.700
1924 5.200
1929 3.800

10 — «Os centros de decisões que se baseiam em indústrias ligadas ao


comércio interno gozam, em principio, de uma considerável autonomia.
Interessam-se, acima de tudo, pela manutenção do nível de empregos e
pela extensão de seu mercado» (Furtado, 1966, p. 174).

11 — As vantagens de uma determinada região em comparação a


outras são tão óbvias que determinam a convergência das escolhas de
localização por parte de inúmeras empresas. Devido às características que
o problema de localização apresenta, é muito pouco provável que essa
convergência ocorra em novas regiões, a não ser que se caracterizem por
concentrações populacionais anteriores (S. Lombardini, 1966, p. 236).

119
12 — Capacidade de refinação, produção de aço e hidrolétricas em
países selecionados:
País Capac. de Refinação Prod. Hidroelétrica Produção
(1.000 ton./métricas) (milhões de kw/h) de aço
1970 1970 1970
Venezuela 63.095
Curaçau e Aruba 39.500
Austrália 29.375
Irã 29.300
Espanha 26.205
Argentina 25.560 22.000
México 24.800 26.592 3.824
Brasil 22.115 43.118 5.368
Índia 21.520
Trinidad
Kuwait 21.000
Reino Unido 105.965 245.971 28.421
França 105.810 23.773
EUA 607.735 1.638.012 119.138
Japão 350.590 93.324
Alemanha Ocidental 242.610
Alemanha Oriental 67.653
URSS 740.000 115.868
África do Sul 48.672 4.655
13 — Produção e Consumo de Energia
País Produção Consumo
(em Mw) (equivalente a 1 tonelada de
carvão)
América Latina 32.835.30 218.98
Argentina 5.836.00 33.32
Brasil 8.555.00 39.74
México 5.964.00 50.30
Chile 1.720.00 10.77
Venezuela 2.455.00 24.63
África 5.544.00 39.60
Egito 2.725.00 9.48
Ásia 29.542.60 220.77
Índia 14.314.00 96.37
Fonte: World Economic Survey, 1969/70, Nações Unidas, Nova
Iorque, 1971, Quadro A-13, p, 211/212
14 — Valor Agregado na Indústria
Índia 9.663milhões de dólares norte-americasos
Brasil 8.216 >
Argentina 6.736
VY

Iugoslávia 5.807
México 4.868
Espanha 11.466
VV

Chile 2.070
(A. Maddison, 1971, p. 191)
120
15 — Países subdesenvotvidos selecionados: Produto Nacional Bruto
per capita

País PNB em milhões de US$ (1967) PNB per capita


Argentina 15.017 646
Brasil 32.607 381
Chile 5.592 612
Colômbia 6.115 319
Equador 1.310 238
Guatemala 1.453 308
Haiti 412 90
México 24.560 538
Venezuela 9.224 086
Argélia 3.192 255
Costa do Marfim 1.117 279
Senegal 787 217
Sudão 1.566 109
África do Sul 13.616 127
Tanzânia 874 73
República Árabe
Unida 5.773 187
Sri-Lanka 1.862 159
India 41.467 81
Irã 7.881 300
Israel! 4.031 1.510
Nova Zelândia 5.558 2.039
Tailândia 5.074 155

Países Desenvolvidos (selecionados)


França 115.860 2.338
Grécia 6.900 792
Japão 120.008 1.201
Suécia 24.143 3.069
Estados Unidos 804.000 4.038
URSS 278.856 1.184
Fonte: Dept. of Economic and Social Affairs, World Economic Survey,
1969/70, Nações Unidas, Nova Iorque.

16 — Nos países subdesenvolvidos industrializados uma alta porcen-


tagem de Produto Nacional Bruto deve-se à indústria de transformação
(Argentina: 32,4%; Brasil: 27,0%; México: 27,4% (1962/64); índia: 18,4%
(1961/62) — (Bairoch, 1967, Quadro 21, p. 108). Entretanto, é óbvio que
esse Índice não pode sozinho caracterizar a situação, porquanto outros
países atingem taxas quase igualmente altas (Filipinas: 186%; Chile:
17,8%; Colômbia: 17,6%), o que justifica a utilização de critérios combi-
nados.
17 — Esse critério se impõe, principalmente quando existe uma ten-
dência para a localização de indústrias de exportação em centros dotados
de certas vantagens (infra-estrutura, mão-de-obra barata, incentivos ofi-

121
ciais) e em aglomerações criadas exclusivamente para receber novas
atividades de capital intensivo. Essas indústrias raramente têm conexão
com outras atividades da cidade ou da região e procuram mercados fora
da área local ou, até mesmo, fora do país.

18 — Em 1949, a importação de bens de consumo não durável havia


sido praticamente eliminada, pois contribuía em apenas 4% do suprimento
interno total. No mesmo ano, a fatia de importações foi de 25% para pro-
dutos intermediários e 60% para bens de consumo durável e bens de capital.
Em 1959, o país importava apenas 6% de suas necessidades de bens de
consumo durável e 33% dos bens de capital (Furtado, 1968, p. 28/29).

19 — Segundo uma pesquisa realizada em 1967, pela Fundação Getú-


lio Vargas, a maior parte dos equipamentos necessários para a expansão
da indústria brasileira podia ser suprida pela produção nacional. Existiam
algumas exceções nos setores de metalurgia, equipamento de transportes,
vestuário e calçados e produtos alimentares que, nessa ocasião, precisavam
de equipamento estrangeiro nas seguintes proporções: 60, 58, 57 e 52%.

20 — Evolução Estrutural das Indústrias de Transformação Brasi-


leiras — (Grupo D

1919 1949 1961

Têxtil 27% 18,6% 13,4%


Calçados, Confecção 8,2% 4,4% 13,4%
Produtos alimentares 32,9% 32,0% 20,5%
Bebidas 4,71% 3,1% 2,6%
Fumo 3,6% 1,4% 1,0%
Madeira 4,3% 3,4% 2,5%
Couro e Peles 2,5% 1,5%
Mobiliário 14% 1,7% 61%
Editorial e vários 0,8% 4,3%

Evolução Estrutural da Indústria de Base (Grupo |)

1919 1949 1961

Minerais não
Metálicos 2,1% 4,5% 4,4%
Ferro e Ação 3,4% 7,6% 13,4%
Mecânica 0,1% 1,6% 24%
Material de
Transporte 1,3% 2,3% 8,1%
Material Elétrico — 1,4% 4,2%
Produtos Farmacêuticos
e Químicos 5,1% 8,6% 12,9%
Borracha 01% 1,6% 2,0%
Papel 1,3% 2,0% 3,1%
Fonte: Martin, 1966

122
21 — Indústria de Transformação do Brasil
Coeficiente de importação na demanda total

Total de
Bens de Importa-
Consumo Bens Inter- Bens de çõesde Bens
Nãodurável —* Durável mediários Capital de Cap.
1955 2.2 9.6 22.5 39.5 12.9
1965 1.6 1.4 8.2 8.8 5.1
Fonte: BNDE/CEPAL

22 — Brasil — Distribuição por setor de capital ariundo de alguns


países desenvolvidos (%)
Grã-Bretanha USA França Japão Alemanha
Ocidental
Prod. Aliment. 31 8
Têxtil 20 10
Distr. Petróleo 17 7
Seguros 8
Ind. Automob. 23 x 45
Química 14 28 21
Maquinaria 10 13
Prod. Farm. 8
Der. borracha 6
Siderúrgica 10 4 6
Ind. Naval 14
Bancos
Vidros 8 15
Diversos 24 24 40 42 (x inclu-
so automob.)

(Este quadro foi elaborado com base em informações tomadas de


Martin, 1966).

23 — Monopólios na Indústria Metalúrgica de São Paulo

Nº de Empr. — % de produção
correspondente
às 3 maiores
empresas
Ferram. Agrícolas 9 97
Arados 17 76
Motores Elétricos 9 86
Refrigeradores 8 91
Máquina de Lavar Roupa 6 82
Balanças 19 74
Elevadores 6 99
(Citado em T. dos Santos, 1967, p. 44)

123
24 — Participação do capital estrangeiro estatal e nacional privado
na economia brasileira, por setor
Estatal Estrangeiro Nac. Privado
Infra-estrutura 73.07 17.25 9.68
Bens Intermediários 52.05 34.60 13.35
Bens de Capital 0.0
Bens de Consumo 72.61 27.39
Durável 0.0
Bens de Consumo 78.32 21.68
Não-Durável 6.37 53.38 40.25
Comércio Varejista 0.0 8.25 91.75
Serviços 0.0 8.25 91.75
Bancos 61.7
1.
(Business Latin America, fev. 18, 1971)

25 — Importação e exportação de serviços do Brasil


Exportação (em milhões
Importação de dólares)
1960 493.0 189.0
1965 339.0 151.0
1966 400.0 138.0
1967 439.0 167.0
1968 487.0 190.0
Fonte: Até 1967, Fundo Monctário Internacional, «Balance of Pay-
ments Yearbook»>; 1968, estimativas da CEPAL.

26 — Mil maiores empresas produtoras


1950 1962
1 — Categoria de Produtos 78 49
2-—15 Categorias de Produtos 354 233
16 — 50 Categorias de Produtos 128 236
Acima de 50 categorias de Produtos 8 15
(Furtado, março, 1968, p. 325)

27 — Em 1970, quase metade da formação de capital foi feita em


São Paulo, seguida pelo Rio de Janeiro, com quase 30%. Esses dois centros
juntos representavam 78,8% do total da formação de capital (Rattner, 1972).

28 — Participação das Regiões Brasileiras na Renda Nacional


1939 1960 1966
% % %
Norte 2,66 2,23 2,11
Nordeste 16,73 14,78 14,36
Sudeste 62,91 62,77 63,09
Sul 15,56 17,77 17,32
Centro-Oeste 2,14 2,45 3,12
(Bandeira de Mello e Silva, 1972, p. 8/9)
124
29 — Brasil: Participação de Diversos Estados na Renda Nacional

1939 1960 1966 1968


H% So % 7)

São Paulo 31,10 34,71 34,73 35,2


Goiás 1,10 1,41 1,82 1,9
Brasilia — 0,03 0,32 0,4
Guanabara 16,17 12,01 11,54 11,5
Bahia 4,45 4,23 4,16 4,1
Pernambuco 4,41 3,47 3,48 3,4
Piauí 0,87 0,41 0,48 0,5
Maranhão 1,25 1,10 1,08 11
Alagoas 0,91 0,81 0,73 0,7

(Para 1939, 1960, 1966, Bandeira de Mello e Silva, 1972, p. 7/8; para
1968, Zottman, 1972, p. 448),

BIBLIOGRAFIA

Abdel-Malek, Anouar, «Pour une sociologie de V'impérialisme», Abdel-


Ma.ek, Anouar (ed.), Sociologie de FImpérialisme, Paris: Editions Anthropos,
1971, pp. 15-69.
“Amin, Samir, L'accumutation à Féchelle mondiale, Critique de la Théorie
du sous-développement, Paris: Editions Anthropos, 1971 (2ême édition).
Anuário Estatístico do Brasil, I971, Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro
de Estatística, 1972.
Bandeira de Mello e Silva, Sylvio Carlos, Alguns Problemas de Planeja-
mento Regional, Bahia: Universidade da Bahia, Instituto de Geociências,
1972 (mimeo. 9 pp.).
Barros de Castro, Antônio, Sete Ensaios sobre a Economia Brasileira,
Vol. II, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1971,
Brazilian Embassy Bulletin, Washington, janeiro 12/13, 1972.
Business Latin America, fevereiro 18, 1971.
Cardoso, Fernando Henrique, «Des Elites, Jes entrepreneurs d'Amérique
Latines, Revue de Sociologie du Travail: Classes Sociales et Pouvoir
Politique en Amérique Latine, Paris: Editions du Seuil, juillet-septembre,
1967.
Cavalcanti, Clóvis de Vasconcelos, «A renda familiar e por habitante na
cidade do Recife», Pesquisa e Planejamento Econômico, Vol, 2, Ne 1,
junho de 1972, pp. 81-104.
CEPAL (Comisión Económica para América Latina), El proceso de
industrialización en América Latina, New York: United Nations, 1965.
Correa de Andrade, Manuel, Espaço, Polarização e Desenvolvimento,
São Paulo: Editora Brasileira, 1970 (2º edição).
Correio da Manhã, 21 de dezembro de 1971.

125
Santos, Teotônio dos, «El nuevo carácter de la dependencia», Cuadernos
del CESO, Nº 6, 1967, also in Latin America: Reform or Revolution, Petras,
James (ed.), Greenwich, Conn: Faucet Books, 1968.
Drucker, Peter F., «The New Markets and the New Capitalism», in
Daniel Bell and Irving Kristol, Capitalism Today, A Mentor Book, 1971,
Pp. 44-79,
Freyssinet, Jacques, Le concept de Sous-développement, Paris: Mouton,
1966.
Furtado, Celso, Um projeto para o Brasil, Rio de Janeiro: Editora
Saga, 1968, 9º edição.
Développement et Sous-Dévetoppement, Paris: Press Universitaires de
France, 1966.
O Globo, Rio de Janeiro, 15 de abril de 1972.
Hirschman, Albert O,, Stratégie du Développement Economique, Economie
et Humanisme, Paris: Les Editions Ouvriêres, 1964 (from the English
Edition The Strategy of Economic Development New Haven: Yale Uni-
versity Press, 1958).
lanni, Octavio, Estado e Planejamento Econômico no Brasil (1930-1970),
Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1971.
International Monetary Fund, Balance of Payment Yearbook (1960
to 1967).
Lombardini, S., «L'entreprise motrice et la distribution spatiale des
activités économiques», in F. Bloch-Lainé et F. Perroux, L'entreprise et
Féconomie du XXe siêcle, Paris: Presses Universitaires de France, 1966,
pp. 223-240.
Maddison, Angus, Economic Progress and Policy in Developing Countries,
London: George Allen and Unwin Ltd., 1970.
Marini, Ruy Mauro, «Brazilian Subimperialism», Monthly Review, Vol, 23,
Nº 9, fevereiro de 1972, pp. 14-24.
Martin, J. M., Industrialisation et Développement Energétique du Brésil,
Paris: Université de Paris, Institut d'Etudes de V'Amérique Latine, 1966.
*Morse, Richard M., The Urban Development of Latin America 1750-1920,
Palo Alto: Stanford University, Centre for Latin American Studies, 1971.
Mountjoy, Alan B, Industrialisation and Underdeveloped Countries,
Chicago: Aldine Publishing Company, 1966.
Niedergang, Marcel, «Brésil, le plus jeune des géants», Le Monde, Paris,
11 de setembro de 1972.
Opinião, Rio de Janeiro, novembro 27 e dezembro 4, 1972.
Rattner, Henrique, Deseguilibrios Regionais e Planificação do Desenvol-
vimento, São Paulo: Escola de Administração de Empresas de São Paulo
da Fundação Getúlio Vargas, 1972,
Rattner, Heinrich, Regional Inequalities and Planning for Development,
Cambridge, Massachusetts: SPURS, MIT, january 1972 (mimeog. 48 pp.).
Stein, Stanley, The Brazilian Cotton Manufacture, Cambridge, Mass:
Harvard University Press, 1957,
Sunkel, Osvaldo, «Desarrollo, subdesarrollo, dependencia, marginación y
desigualdades espaciales; hacia un enfoque totalizante», Revista Latino-
americana de Estudios Urbano Regionales, Vol. 1, Nº 1, Octubre, 1970.

126
Valenzuela Gálvez, Jayme, «Barrios populares en América Latina», in
Ramiro Cardona, editor, Migración y desarrollo urbano, Bogotá: Asociación
Colombiana de Facultades de Medicina, División de Estudios de Población,
1970, pp. 200-218.
World Economic Survey, 1969-1970, New York: United Nations, 1971.
Zotimann, Luiz, «Depois da Revolução»s, Visão, 14-28 agosto 1972,
pp. 433-452.

127
X. Desenvolvimento econômico
e urbanização em países
subdesenvolvidos:
os dois sistemas de fluxo
da economia urbana e suas
implicações espaciais

Gostaria de discutir um problema que toca diferentes disciplinas


— o que não o torna menos geográfico — mas que tem recebido
pouca atenção por parte dos especialistas. Refiro-me à existência,
nas cidades de países subdesenvolvidos, de dois sistemas de fluxo
econômico, cada um sendo um subsistema do sistema global que
a cidade em si representa.
Certamente, esse tema herdou algo de um outro mais antigo,
o do dualismo, o qual tem recebido várias definições na literatura
referente ao subdesenvolvimento. Entre os primeiros autores que
trataram de uma forma nova a questão, estudada previamente
por Geertz (1963), T. G. McGee (1970 e 1971) fala de «dualismo
dentro de dualismo» e McGee e Leahy (1970) referem-se a «intra-
dualismo urbano», enquanto Frakenhoff (1971) reporta-se à opo-
sição entre a economia da «favela» e a economia do «centro».
De minha parte, acredito que, da mesma maneira que tem sido
refutada a existência de um dualismo nos países subdesenvolvidos,
deve-se refutar o conceito de dualismo urbano na descrição, aná-
lise e interpretação do que ocorre na economia das cidades de
países subdesenvolvidos (McGee, 1971). Porque assim como,

128
no conjunto de um país, a oposição, mesmo o antagonismo, de
situações de desenvolvimento é o produto de uma só e mesma
articulação causal, a existência de dois sistemas de fluxo na eco-
nomia das cidades é o resultado do mesmo grupo de fatores, que,
para simplificar, denominaremos modernização tecnológica.
A palavra modernização, especialmente entre sociólogos, foi e
continua sendo objeto de intensa discussão semântica. Entre os
geógrafos, fala-se preferivelmente de modernizações, no plural
(Santos, 1972). Cada vez que, dentro do centro do sistema mun-
dial, os subsistemas econômico, social, político, cultural e moral e
seus respectivos suportes criam novas variáveis do passado, a
projeção do sistema mundial sobre unidades espaciais dependen-
tes adota formas diferentes. As forças nascidas no período de
comércio em grande escala diferem daquelas das fases subse-
qiientes da manufatura, da indústria e do atual período tecnoló-
gico. Suas repercussões nas áreas periféricas são também diferentes.

1, A gênese dos dois sistemas de fluxo da economia urbona


nos países subdesenvolvidos

As tendências da modernização contemporânea, produtos do


sistema tecnológico, são controladas pelo poder da indústria em
grande escala, basicamente representada pelas firmas multinacio-
nais, pelo peso esmagador da tecnologia que dá à pesquisa um
papel autônomo dentro do sistema e por alguns de seus suportes,
tais como as modernas formas de difusão da informação.
Nos países subdesenvolvidos, as repercussões deste novo período
histórico são muitas e profundas. Pela primeira vez na história
desses países, variáveis elaboradas no exterior têm uma difusão
geral sobre toda ou sobre a maior parte do território e afetam
todos os habitantes, embora em diferentes níveis. A difusão da
informação e de novas formas de consumo constituem dois dos
maiores elementos da explicação geográfica. Por intermédio de
suas várias repercussões, elas geram, ao mesmo tempo, ambas
as forças: a de concentração e a de dispersão, cuja interação define
os modos de organização espacial.
A revolução no campo do consumo tem sido acompanhada por
uma deformação da estrutura do consumo (Furtado, 1968), resul-
tando nas novas formas de produção e comércio. A escala e as
condições das novas formas de produção dependem do progresso
tecnológico emanado dos pólos.

129
Estas tendências de modernização contemporânea, nos países
do Terceiro Mundo, geram somente um número limitado de em-
pregos, visto que as indústrias que estão sendo instaladas são de
«capital intensivo» (Eckaus, 1955). Além disso, uma parte consi-
derável dos empregados indiretos resultantes é gerada nas «zonas
centrais» ou para expatriados destas zonas. A indústria é, conse-
qiientemente, cada vez menos uma resposta à necessidade de
geração de empregos. Como a agricultura, também ela testemunha
um declínio de seus efetivos, ou porque caminha a passos muito
lentos ou porque passa por modernização. Essa é uma das expli-
cações para o êxodo rural e a urbanização terciária: nas cidades
de países subdesenvolvidos, o mercado de trabalho está se dete-
riorando e uma alta porcentagem de pessoas não tem emprego
nem renda permanentes,
A presença de uma massa populacional com salários muito
baixos, dependendo de trabalho ocasional para viver, ao lado de
uma minoria com altos salários, cria na sociedade urbana uma
distinção entre os que têm permanente acesso aos bens e serviços
oferecidos e os que, mesmo apresentando necessidades similares,
não podem satisfazê-las. Isto cria ao mesmo tempo diferenças
qualitativas e quantitativas de consumo. Estas diferenças são,
ambas, causa e efeito da existência, isto é, da criação ou manu-
tenção, nestas cidades, de dois sistemas de fluxo que afetam a
fabricação, a distribuição e o consumo de bens e serviços.
Um destes dois sistemas de fluxo é o resultado direto da mo-
dernização e diz respeito a atividades criadas para servir ao
progresso tecnológico e à população que dele se beneficia. O outro
é também um resultado da modernização, mas um resultado indi-
reto, visto que concerne àqueles indivíduos que só parcialmente
se beneficiam, ou absolutamente não.se beneficiam, do recente
progresso técnico e das vantagens à ele ligadas.
Sem dúvida, deve-se fazer uma distinção entre países que têm
uma civilização urbana antiga e aqueles que apenas recentemente
conheceram este fenômeno, ou mesmo muito recentemente, No
primeiro grupo, o fenômeno da modernização cria novas estrutu-
ras que se impõem sobre as estruturas preexistentes nas cidades,
provocando sua modificação como resultado do contato com novas
realidades, Nos outros, a organização cria, de um só golpe, duas
formas integradas de organização econômica urbana. Em ambos
os casos, o fenômeno dos dois sistemas de fluxo está presente.

130
Deste modo, não há dualismo, desde que ambos os sistemas de
iluxo têm a mesma origem, o mesmo conjunto de causas, e ambos
são interligados. Na realidade, e a despeito de sua aparente inter-
dependência, o sistema inferior parece ser dependente do sistema
superior, da mesma maneira como as atividades rurais tradicionais
dependem das atividades modernas (Havens e Flinn, 1976).
Este novo tema de estudo é útil não só para a compreensão do
funcionamento da cidade como uma máquina de subsistência, mas
também para a explicação, sob uma nova ótica, do relacionamento
externo que a cidade desenvolve, quer com sua região de influên-
cia, quer com outras cidades.
O tema dos dois sistemas de fluxo da economia urbana aparece
então como um verdadeiro e novo paradigma da Geografia Urbana
e do planejamento em países subdesenvolvidos.
Geertz (1963) falou de «firm centred economy» (economia
centralizada estável) e em «bazaar economy» (economia de bazar).
Para considerar-se a variedade de situações nas cidades do Ter-
ceiro Mundo, preferiria chamar estes dois sistemas de fluxo do
sistema urbano de «upper system» e «lower system» (sistema
superior e sistema inferior) (Santos, 1971). Num trabalho anterior
(Santos, 1970a), falei de um sistema moderno e de um sistema
tradicional. Abandonei esta terminologia por várias razões. Pri-
meiramente porque estas duas expressões já estão sobrecarregadas
de significados: de fato, as discussões que se desencadeiam aqui
c ali com o propósito de distinguir o que é chamado de moderno e de
tradicional ainda estão longe de uma conclusão. Conservar estas
designações seria preservar uma fonte de ambigiidades. Além
disso, nem sempre é possível datar exatamente as atividades do
sistema superior, desde que elas não são definidas por sua idade,
como as atividades similares em países desenvolvidos, mas antes
por seu modo de organização e de comportamento. Parece difícil
chamar o sistema inferior de tradicional, não só por ser um pro-
duto da modernização, mas por estar envolvido num processo
permanente de transfurmação e adaptação (Hagen, 1962) c tam-
bém por manter-se de certo modo, em todas as cidades, direta ou
indiretamente, nos chamados setores modernos da economia. Aqui
está em jogo novamente um fenômeno comportamental.
E, portanto, preferível adotar outra expressão, que não é total-
mente perfeita mas permite ao menos chamar a atenção para um
problema que me parece importante: o da dependência do sistema
inferior em relação ao sistema superior.

131
2. Elementos dos dois sistemas de fluxo

Simplificando, pode-se afirmar que o fluxo do sistema superior


está composto de negócios bancários, comércio de exportação e
indústria de exportação, indústria urbana moderna, comércio mo-
derno, serviços modernos, comércio atacadista e transporte. O
sistema inferior está essencialmente constituido por formas de
fabricação de «capital não intensivo», por serviços não modernos,
geralmente abastecidos pelo nível de venda a varejo e pelo comér-
cio em pequena escala e não moderno (Figura 1).
No sistema superior podem-se distinguir atividades «puras>,
«impuras» e «mistas». À moderna indústria urbana, o comércio e
os serviços modernos são elementos puros, pois são ao mesmo
tempo atividades específicas tanto da cidade como do sistema
superior. A indústria de exportação e o comércio de exportação
são atividades impuras. Enquanto elas podem ser estabelecidas
na cidade, para se beneficiar das vantagens locacionais, a parte
essencial de seus interesses é manipulada fora da cidade, para
onde seus produtos são dirigidos. Os negócios bancários podem ser
incluídos nessa categoria, visto que funcionam como um elo entre
as atividades modernas da cidade e as grandes cidades dentro do
país e no exterior. Vendas por atacado e transportes são ativi-
dades de categoria mista, em função de sua dupla ligação. Ambas
têm laços funcionais tanto com o sistema de fluxo superior quanto
com o inferior da economia urbana e regional. As vendas por
atacado estão no cume da cadeia decrescente de intermediários
que fregilentemente se estende abaixo do nível do pequeno varejista
ou do simples mascate. Através destes intermediários e através do
crédito, o atacadista fornece um grande número de produtos para
os níveis inferiores do comércio e atividades manufatureiras, como
para uma grande cadeia de consumidores. O volume total dos
negócios que ele realiza dentro do sistema de fluxo inferior indica
a dimensão de seus negócios bancários e de sua participação no
sistema superior. Um elemento integrante do sistema superior, a
venda por atacado, é também o ápice do sistema inferior.
O transporte desempenha dois papéis distintos, embora o mesmo
veículo possa servir sucessivamente a esses dois papéis. De um
lado, no processo de transporte de bens, o transportador pode
estabelecer um elo entre as atividades dos dois sistemas de fluxo
em ambas as direções, dentro da cidade, entre duas cidades, ou
entre a cidade e seus arredores (country side). Mas, de outro

132
CIRCUITO MODERNO EXTRA-REGIONAL

=>
Á 1 ?
ORDEM T |
(PO: SIÇÃO)
o
|

e:
1

|
EXPORTAÇÃO
COMÉRCIO
DE

EXPORTAÇÃO
INDÚSTRIA
DE
———

SUPERIOR

——

——
"o

| 4
COMÉRCIO | 4
MODERNO | *
CIRCUITO

Fo
[4

+ [| INDOSTRIA
MODERNA
URBANA
VARE,GISTAS

aracanistlas

|
|
Amar. |
]

y
y

ÃO NÃO
CAPITALISTA
INFERIOR

T+ T
CIRCUITO

COMÉRCIO TRADICIONAL

RELAÇÕES HIERARQUIZADAS POR MILTON SANTOS


RELAÇÕES DE COMPLEMENTARIDADE SIMPLES CARACAS 22/7/1970
RECIPROCA

DES. Sergio Primiani da Silva

Figura 1
lado, cle pode se transformar num comerciante. Nesse caso, ele
se entrega diretamente a uma atividade que pode ser atribuída a
um ou outro dos dois sistemas econômicos.
A existência de formas mistas não afeta de nenhum modo a
definição de cada sistema, uma vez que o comportamento de cada
uma destas atividades é em cada caso um composto do conjunto
das características de cada sistema.
Porém a mera enumeração destes elementos não constitui uma
definição adequada de cada circuito,
Cada circuito deve ser definido por: 13) o conjunto das ativida-
des num dado contexto; 2) o setor populacional que está essencial-
mente ligado a ele para trabalhar e para consumir (Figura 2).
A definição não é rígida. Quando consideramos a população
que está ligada a cada um dos sistemas, muitos desvios têm que
ser notados, Todos os níveis da população podem estar ligados
ao consumo fora do sistema a que pertencem: este é um fenômeno
de consumo parcial ou ocasional da parte das categorias sociais
ligadas a outro sistema. O consumo da classe média segue padrões
que podem ser relacionados tão freqiientemente com a categoria
das classes prósperas como à das menos favorecidas. Por outro
lado, os indivíduos mais diretamente ligados ao sistema inferior
não são uma força de trabalho exclusiva desse sistema. Eles ven-
dem temporária ou ocasionalmente sua força de trabalho no sis-
tema superior. Quanto às atividades, algumas que possuem princi-
palmente as características de um dos sistemas podem também
participar das do outro. Este fato se dá mais fregitentemente no
sistema superior e em certas categorias de fabricação, onde a
coexistência de firmas utilizando diferentes tecnologias e diferen-
temente organizadas ainda é possível. Poderíamos ainda falar da
existência de um sistema superior «marginal» lado a lado com
um verdadeiro sistema superior.
Contudo, um ponto deve ser aqui desenvolvido. O fato de se
fazer uma enumeração completa das atividades que compõem os
dois sistemas de fluxo, que constituem a economia da cidade, não
significa que todas as cidades do Terceiro Mundo disponham de
todas essas atividades. Enquanto poucas cidades possuem volume
considerável desses elementos, cujo peso quantitativo ou quali-
tativo não é necessariamente o mesmo, outras aglomerações têm
somente um número limitado de elementos ou atividades. Isso
depende das circunstâncias históricas do crescimento urbano. Sc
considerarmos os aspectos quantitativos e qualitativos das cone-

134
xões entre suas diferentes atividades, a conclusão mais lógica
seria a de que existem tantos casos quantas forem as cidades.
O que, evidentemente, não suprime a necessidade de buscarmos
as características gerais de cada um dos dois sistemas de fluxo
no conjunto das cidades do Terceiro Mundo.

DISTRIBUIÇÃO DAS RENDAS E PARTICIPAÇÃO NOS DOIS CIRCUITOS

CLASSE
SUPERIOR
a2
CLASSE
MÉDIA

CLASSE
=
INFERIOR

CONSUMO DE TIPO MODERNO

CONSUMO DE TIPO TRADICIONAL

DES. Sergio Primiani da Silva

Figura 2

135
3. Características dos dois sistemas de fluxo

Seria difícil caracterizar os dois sistemas de fluxo da economia


urbana por variáveis isoladas. Ao contrário, devemos considerar
o conjunto destas variáveis. Cumpre, porém, estabelecer desde já
que a diferença fundamental entre as atividades do sistema superior
e do sistema inferior está baseada nas diferenças tecnológicas e
de organização.

4, Características dos dois circuitos da economia


urbana dos países subdesenvolvidos
Circuito Superior Circuito Inferior
Tecnologia capital intensivo trabalho intensivo
Organização burocracia rudimentar
Capital abundante escasso
Trabalho limitado abundante
Remuneração
(salário) regular-normal não necessariamente
Balanços grandes
quantidades pequenas quantidades
e/ou alta
qualidade baixa qualidade
Preços geralmente fixados geralmente
negociáveis entre
comprador e vendedor
Crédito de bancos e pessoal,
outras instituições não institucional
Lucros reduzidos por elevados por
unidade, mas a unidade, porém
importância é dada pequenos em relação
ao volume dos ao volume dos
negócios (exceto negócios
itens de luxo)
Relações com a impessoal e/ou direta, pessoal
clientela através de
documentos
Custos fixos importante negligenciável
Publicidade necessária nula
Reutilização de bens nenhuma, freqiiente
desperdiçada
Grande capital indispensável dispensável
Ajuda governamental importante nula ou quase nula
Dependência direta de grande; atividades pequena ou nula
países estrangeiros orientadas para
o exterior

136
O sistema superior utiliza um importante e elevado nível tecno-
lógico, uma tecnologia de «capital intensivo», enquanto no sistema
inferior a tecnologia é «trabalho intensivo», geralmente do local
de origem ou localmente adaptada ou recriada. O primeiro é imi-
tativo, enquanto o segundo dispõe de um considerável potencial
criativo.
As atividades do circuito superior dispõem de crédito bancário.
Acontece, freqiientemente, que as grandes firmas criam e contro-
lam os bancos, o que é também um meio de controlar outras
atividades e eventualmente de absorvê-las. Uma boa parte destas
manipulações é levada a cabo por intermédio de títulos. Tal é o
«crédito burocrático» a que se refere Caplovitz (1963). As ativi-
dades do circuito inferior estão simultaneamente baseadas no
crédito e no dinheiro líquido. Mas, neste caso, o crédito é de natu-
reza diferente, com uma larga porcentagem de crédito pessoal
direto, indispensável para o trabalho das pessoas que não têm
possibilidade de acumular dinheiro. Em função da obrigação de
reembolsar periodicamente uma porção do débito aos empregado-
res, a busca ao dinheiro líquido torna-se desenfreada. Os próprios
intermediários, os atacadistas por exemplo, necessitam de dinheiro
líquido para saldar seus compromissos.
As atividades do sistema de fluxo superior manipulam grandes
volumes de bens, enquanto as do sistema inferior, no comércio e
nos setores de fabricação, trabalham com pequenas quantidades.
Contudo, também no sistema superior as quantidades podem ser
limitadas: é o caso das butiques especializadas, onde os preços
muito elevados são devidos à qualidade do produto oferecido a
uma demanda muito específica, ditada pela moda e por um certo
tipo de clientela.
Este último fenômeno está ligado à dimensão do capital e ao
tipo de organização de cada sistema. Enquanto no sistema supe-
tior o capital é comumente grande, devido à tecnologia utilizada,
no sistema inferior as atividades de trabalho intensivo utilizam
menos capital e podem progredir sem uma organização burocrática.
O emprego fornecido por cada um desses sistemas é, por consce-
guinte, o resultado das combinações dessas variáveis. Enquanto
enfatizam o salário como a forma preferida de compensação para
o trabalho, as atividades modernas utilizam, entretanto, poucas
pessoas em relação ao volume e ao valor da produção, em acrés-

137
cimo a uma constante tendência à redução do emprego na indús-
tria. Já nos serviços, é evidente uma tendência geral ascendente,
devido a uma participação substancial do Governo, Porém, quanto
aos serviços diretamente ligados à atividade econômica, os serviços
particulares, boa parte do emprego ligado à atividade do sistema
superior é gerado nas cidades ou regiões mais desenvolvidas, no
país e no exterior,
No sistema superior, os preços são geralmente fixados ou pelo
menos se apresentam como tal publicamente. Para qualquer valor,
até mesmo nos casos de competição oligopolítica, o limite inferior
não pode estar muito abaixo dos preços do mercado, estabelecidos
sem comprometimento com o futuro da firma. No sistema inferior,
a regra é regatear, e as flutuações de preços marginais são muito
importantes (Uchender, 1967). No sistema superior, a manipula-
ção do preço é afirmada em um lucro marginal a longo prazo. No
sistema inferior, é o curto prazo que conta, À noção de lucro é
diferente em cada um dos dois sistemas. À tarefa, no sistema
superior, é acumular o capital indispensável à manutenção da ati-
vidade e à sua renovação, em função do progresso tecnológico.
No sistema inferior, a acurmulação de capital não é de interesse
primordial, ou nem mesmo interessa. À tarefa primordial é a de
sobreviver e assegurar a vida familiar diária, bem como participar,
o quanto possível, de certas formas de consumo peculiares ao
moderno modo de vida.
Apesar do controle de preços exercido pelas atividades do siste-
ma superior e dos grandes lucros resultantes do volume total da
produção, o lucro marginal por unidade é limitado. No sistema
inferior ocorre o oposto. A produção total é pequena e o lucro
marginal por unidade é grande. Isso é decorrente do grande nú-
mero de intermediários necessários entre o primeiro abastecedor
de produtos e o último consumidor. É a grandeza desses lucros
marginais, que são possíveis por meio da utilização geral do
crédito (usualmente em taxas usuárias), que fornece subsistência
para a enorme população interessada nessas atividades e constitui
um dos mais importantes elementos para a explicação das grandes
e médias aglomerações do Terceiro Mundo. Infelizmente esse fenô-
meno não tem sido suficientemente estudado.
A atividade no sistema superior está grandemente baseada em
anúncios, uma das armas ofensivas usadas para alterar os gostos

138
e modificar o perfil normal da demanda. No sistema inferior,

Oo msm
propaganda não é necessária, graças ao contato direto com

ae
cliente, e nem é possível, pois os lucros servem diretamente
subsistência do agente e sua família,
Às atividades do sistema superior têm altos custos fixos, que
comumente aumentam com o tamanho da firma para cada maqui-
nismo e cada fase de fabricação. Às atividades do sistema inferior
quase não têm custos fixos. Os custos diretos são importantes, e
a relação entre custos diretos e produção é proporcional, visto que
a atividade é «trabalho intensivo»,
No sistema superior, a reutilização de bens de consumo duráveis
quase não existe, enquanto no sistema inferior uma das bases da
atividade é, precisamente, a reutilização de tais bens. Isso é facil-
mente verificável tanto no vestuário quanto no conserto de uten-
sílios e automóveis ou na construção de casas.
Às atividades do sistema superior se beneficiam direta ou indire-
tamente da assistência governamental, enquanto as atividades do
sistema inferior não têm ajuda e além disso quase sempre dão
lugar à perseguição, como é o caso dos vendedores ambulantes em
muitas cidades.
À atividade do sistema superior depende grandemente da exis-
tência de capital elevado, mais freqgilentemente obtido do Estado
(Baran e Sweezy, 1966; Federici, 1965; Dasgputa, 1964). Essa
condição não é necessária para o estabelecimento das atividades
no sistema inferior.
O sistema superior emprega um número significativo de estran-
geiros, variando esse número de acordo com o grau de industria-
lização e modernização do país. No sistema inferior, os empregos
vão para os nativos. Em certas ocasiões, alguns estrangeiros, tais
como os libaneses no oeste da África, os chineses em certas partes
da Ásia, ou os indianos no leste da África, encontram emprego
dentro do sistema como empresários particulares, especificamente
como comerciantes em pequena escala.
Outra diferença essencial entre os dois sistemas deve-se ao fato
de o sistema inferior estar mais ou menos bem integrado localmente
(Santos, 1971), enquanto no sistema superior os resultados (pro-
dutos) das atividades locais estão integrados a um nível superior
de outra cidade, dentro do país ou no exterior. Uma exceção

139
poderia ser encontrada no caso da metrópole econômica completa,
porém esta última poderia ser, de fato, similarmente dependente
de países estrangeiros com respeito à tecnologia e quase sempre
também a outros produtos, tais como know-how, capital e
matérias-primas.
O exame das características de cada um dos sistemas de fluxo
esclarece a existência de certo grau de oposição entre eles. Por
outro lado, em cada sistema, tecnologia, organização, dimensão
da atividade, número de empregos e de exemplares, utilização e
não-utilização de anúncios, etc., aparecem como elementos ligados
entre si por meio de uma lógica interna. O sistema inferior encon-
tra os elementos de sua articulação na cidade e sua região, en-
quanto o sistema superior comumente procura esta articulação
fora da cidade e sua região.
É por isso que o estudo da organização espacial em países
subdesenvolvidos não pode ser feito sem uma visão global, quer
dizer, uma visão que leve em conta a existência de ambos os
sistemas.

5. Uma visão dos dois sistemas de fluxo


na análise veográfica: o nível macroespacial

Vários pontos de vista podem ser adotados para o estudo dos


dois sistemas de fluxo da cconomia urbana. Um dos mais promis-
sores é sem dúvida aquele que diz respeito às repercussões
espaciais.
Nesta abordagem, devem-se distinguir diferentes níveis de aná-
lise. Podemos estudar as relações entre os dois sistemas e o espaço
segundo o ponto de vista macroespacial, cuja escala é a da nação,
ou segundo um ponto de vista médio ou microespacial, cujas
dimensões são as das regiões existentes dentro do Estado, Indubi-
tavelmente, este último ponto de vista é dependente do anterior,
sendo o Estado a unidade territorial ideal para o estudo espacial
(Kayser, 1966; Morsc, 1971a). Podemos também abordar a ques-
tão por um terceiro ângulo: o das redes urbanas (Santos, 1970a).
Não obstante, no presente trabalho tratarei, através de poucos
aspectos, da abordagem macroespacial, que leva à formação de
hipóteses gerais e especulações teóricas.

140
Além disso, ela desempenha um importante papel na interpreta-
ção das condições históricas da organização espacial nos países
periféricos.
Os países subdesenvolvidos não são somente «paisagens deri-
vadas», segundo o conceito genial de Maximilien Sorre (1961);
são também, e principalmente, espaços derivados; o que significa
que a personalidade espacial tem sido moldada ou remoldada
nestes países. Em países com uma antiga civilização urbana a
herança do passado é sem dúvida o fator atuante, porém em todos
OS casos encontra-se o impacto de influências externas provindas
de países mais avançados. Os arranjos espaciais atuais são resul-
tados de acumulações sucessivas, e poder-se-ia formular uma
classificação de países subdesenvolvidos com base em tais com-
binações de acumulações,
O impacto de novas variáveis é geralmente ponto centrado e
seletivo (Santos, 1972), estabelecendo dessa maneira uma forma
de especialização espacial que forma a base de uma hierarquia
de lugares e freqilentemente de uma tendência em direção à pola-
rização em volta de pontos privilegiados através do território,
À cada estágio da história de uma dada sociedade de consumo,
existe também, atuante, um processo seletivo, com respeito às ati-
vidades modernas capazes de serem implantadas no interior da
sociedade. Durante a fase colonizadora — o que é válido para
todos os países — esse processo seletivo relacionado com as
atividades modernas é principalmente de caráter político, de
acordo com as várias formas que o pacto colonial pode assumir. Na
realidade, a seletividade, relacionada com o consumo por parte
dos indivíduos, está limitada às diferenças nas condições sociais
e econômicas. Após a independência, a seletividade relacionada
com a produção e consumo de bens e serviços depende tanto das
ações do Estado como de outras condições que afetam o desenvol-
vimento da economia. Este tipo de seletividade é tanto setorial
quanto geográfico.
Esse processo de seleção tem uma tendência a se intensificar
com o tempo e adquire sua mais forte expressão no período tecno-
lógico atual. Adquire também formas diferentes de acordo com o
estágio histórico em que ocorre a independência nacional, em
função das fases históricas de modernização do país e, finalmente,
conforme o estágio em que o país começa a empenhar-se em seu
processo de industrialização e urbanização.

141
A aceleração do processo de concentração que podemos obser-
var no período atual é de caráter tanto geográfico quanto eco-
nômico.
A concentração econômica é uma das criações do progresso
tecnológico (Furtado, 1968; Marrama; Bela Balassa, 1961). Este
impõe economias de escala, indivisibilidades e inflexibilidades,
juntamente com certas formas de organização de produção que
levam a novas concentrações (Johnson, 1970). O desenvolvimento
de monopólios ou oligopólios é uma de suas conseqiiências.
A concentração geográfica está diretamente ligada à concen-
tração econômica, já que as atividades modernas pretendem uma
locação de acordo com a hierarquia, cujo ápice é encontrado onde
a maximização da produção é possível. Comumente isso ocorre em
aglomerações onde outras modernas atividades foram previamente
estabelecidas, tendo sido atraídas para aí pelo «grande capital»
e pela viabilidade de um mercado. As vantagens das modernas
facilidades de transporte, energia, meios de comunicação, bem
como de todas as espécies de equipamentos, podem ter o mesmo
tipo de impacto como economias externas e externalidades e for-
necem vantagens comparativas que são cumulativas. De fato, a
própria presença de uma população numerosa age como um fator
de pressão política sobre o governo em favor do estabelecimento
de infra-estruturas, embora estas últimas possam ter precedido o
crescimento demográfico.
Para os países que estão aptos a iniciar seu processo de indus-
trialização tardiamente, duas possibilidades podem ser viáveis: a
atividade moderna encontra uma locação'* seja em cidades
que já possuem um certo grau de importância demográfica, con-
tribuindo dessa forma para o seu incremento posterior, como é o
. caso do Rio de Janeiro e da Cidade do México, seja* onde a
eficácia do «grande capital», e também as estruturas econômicas
e sociais existentes, favoreçam o estabelecimento de novas indús-
trias. À cidade então adquire importância, como é o caso de São
Paulo ou Monterrey. À presença de uma grande população urbana
nem sempre é a única causa do crescimento econômico da cidade.
Enquanto o processo está atuando, outras possibilidades de
desenvolvimento industrial têm sido recentemente criadas.
O tipo Rostow de teologia ou mitologia do crescimento econô-
mico (Morse, 1971b; Myint, 1965; Myron, 1970) é responsável pelo
aparecimento de novas possibilidades, que dizem respeito à locação
industrial nos países subdesenvolvidos. Estas novas tendências

142
manifestam-se, grosso modo, em duas direções principais. De um
lado, podem-se criar, através de um esforço, em pontos já privi-
legiados ou em pontos que tenham recebido vantagens especiais,
verdadeiras novas cidades ou cidades-recursos (Berry, 1968),
cidades industriais orientadas para a indústria pesada, particular-
mente a de aço, ou outra indústria metalúrgica, consideradas
necessárias ao desenvolvimento industrial do país porque seus
produtos são destinados ao mercado de exportação. Neste último
caso, estamos tratando de verdadeiros enclaves com quase nenhu-
ma relação com a região ou o país no qual elas estão estabelecidas.
A segunda tendência é a do estabelecimento, em cidades já
existentes, de indústrias orientadas para mercados distantes, que
utilizam tanto a força de trabalho local abundante e barata (o «pro-
letariado externo» ao qual Toynbee se refere — Messner, 1966)
quanto algum material semibruto, ou então ambos.
Tal política corresponde ao desejo governamental de aumentar
o PNB, e consequentemente a renda per capita do país, e também à
necessidade de se exportar cada vez mais, para estar preparado
para financiar o estabelecimento de novas atividades modernas.
Tudo isso se torna substancialmente mais fácil através da redu-
ção dos preços do transporte internacional, bem como através da
utilização de infra-estruturas que muitas vezes foram estabelecidas
em resposta às necessidades das populações (McGee e Leahy,
1970) e, paradoxalmente, através das demandas impostas pelo
crescimento de uma economia nacional de tipo moderno.
Os múltiplos efeitos dessas indústrias são sentidos essencial-
mente no exterior, e geralmente não têm nenhuma relação com o
resto da economia.
Podemos, dessa forma, observar dois tipos de industrialização
no Terceiro Mundo, De um lado, uma tendência orientada para a
expansão de indústrias voltadas principalmente para o mercado
regional ou nacional, e, de outro, o estabelecimento de fábricas
orientadas para um mercado situado fora da região ou do país.
É a evolução do primeiro grupo de circunstâncias que dá origem
ao desenvolvimento da metrópole industrial. Neste caso, onde as
indústrias estão integradas localmente e estabelecidas em grandes
cidades, o funcionamento das atividades modernas impõe, mais
frequentemente, a necessidade de importar, mas o nível de expor-
tação é geralmente um tanto fraco, o grande volume dos produtos
sendo dirigido para o consumo interno. No caso das cidades indus-
triais e de novas formas de industrialização estabelecidas em ou-

143
tras cidades, pode haver pequena dependência de importação, e a
maior parte dos produtos são enviados ao exterior. Na primeira
hipótese, apesar da repatriação dos lucros por parte de firmas
estrangeiras, existe, não obstante, um certo efeito endógeno multi-
plicador, enquanto na última o processo é exógeno. Estes dois
grupos de circunstâncias devem permitir-nos refletir sobre os inte-
resses de teorias tais como a da ordem-grandeza (rank-size) e a da
base econômica no contexto de países subdesenvolvidos.
De qualquer forma, em ambos os grupos de circunstâncias
ocorre a concentração geográfica das atividades modernas. No
primeiro caso, a possibilidade de criação e diversificação de outras
indústrias é maior onde a concentração industrial já está mais
integrada. No segundo, como o intervalo entre o nível de ativida-
des industriais não integradas e o restante da economia é ditado
pelo nível tecnológico internacional, e como o intervalo entre as
atividades do enclave industrial e as outras atividades não permite
a integração, o «desemprego tecnológico que caracteriza os países
subdesenvolvidos» é nitidamente mais grave neste último caso
(Niemeyer Pinheiro, 1971).
Dessa forma, o que é importante, acima de tudo, nos países
subdesenvolvidos, é a hierarquia de centros, estabelecida de acordo
com o grau de diversificação e de integração das indústrias orien-
tadas para o mercado interno.
Como o sistema de fluxo inferior não é dependente das infra-
estruturas, torna-se difícil falar de uma hierarquia de cidades
baseada nesse sistema. Quando muito, a magnitude, e indubita-
velmente a complexidade, do sistema inferior dependerá do tama-
nho das aglomerações (Herkommer, 1966; Armstrong e Mc&Gee,
1968),
Quanto ao sistema de fluxo superior, ele próprio se estabelece
segundo a hierarquia qualitativa e quantitativa dada por todo um
conjunto de condições, entre as quais se podem mencionar a exis-
tência de infra-estruturas e a viabilidade de um mercado.
À evolução da maioria das cidades em países subdesenvolvidos
em direção ao sfalus terciário deve, portanto, ser explicada atra-
vés do modelo de crescimento econômico baseado nas recentes
inovações tecnológicas. À acumulação de atividades modernas num
só ponto ou numa só região de um país limita, reduz ou elimina
as possibilidades de atividades modernas em outras aglomerações.
A industrialização concentrada traz uma reestruturação do
emprego tanto no centro quanto na periferia, mas de maneiras

144
diferentes. À evolução de cidades que têm indústria diversificada
e integrada orientada para um status terciário é grandemente devida
a atividades pertencentes ao sistema de fluxo superior. Em outras
cidades, a tendência é para a inflação de atividades terciárias que
pertencem ao sistema de fluxo inferior, uma categoria freqilente-
mente chamada «terciário do tipo primitivo» (terciário primitivo —
Beaujeu-Garnier, 1965), ou «terciário do tipo abrigo» (terciário
refúgio — Lambert, 1965) e que traz a proliferação das ativida-
des do sistema inferior.
Por outro lado, o controle pelo Estado da exportação de produ-
tos agrícolas não é sem conseqiiências para a locação de diferentes
níveis de atividades modernas. De fato, a necessidade de moeda
corrente para financiar o equipamento do país frequentemente
conduz um governo a impor uma taxa sobre a renda de agriculto-
res, reduzindo assim esta renda em relação ao que deveria ser se
fossem pagos preços internacionais (Bauer, 1954). Como um bom
número de atividades industriais e de serviços situam-se próximo
de seus mercados e dependem de sua capacidade de compra
(W. Lean, 1969), esta redução da riqueza total disponível para
agricultores afeta a dimensão do mercado e reduz, assim, as pos-
sibilidades de criação de novas atividades modernas nas cidades
da região. Ao mesmo tempo, essa situação contribui para a conso-
lidação das atividades do centro e para o agravamento da evolução
em direção ao status terciário destas cidades, que estão situadas
além do core econômico do pais.
À ação do Estado também é importante em outras áreas de
atividades e a maneira como exerce sua coleta e a locação de
recursos tem repercussões importantes na organização do espaço.
Por exemplo, o Estado freqilentemente compartilha seu papel
de coletor de taxas com monopólios ou oligopólios (Furtado, 1968).
Neste caso, ele contribui para a diminuição do poder de compra
da população, particularmente da população pobre, em benefício
dos fundos de reserva das empresas monopolistas, assim facili-
tando o desenvolvimento de novas concentrações tanto no contexto
econômico ou setorial quanto no contexto geográfico.
Por outro lado, o Estado, através do controle que pode exercer
sobre o comércio externo, pode facilitar o desenvolvimento de novos
tipos de monopólios, concentrações através de uma política ajus-
tada para proteger ou subsidiar a exportação de produtos manu-
faturados. Desta forma ele agrava, além disso, as tendências des-
critas acima e promove, uma vez mais, a evolução urbana em

145
direção ao stafus terciário, principalmente nas regiões periféricas
do país (Mason, 1965).
O mais alto e avançado nível de industrialização num país é a
integração da indústria dentro do core, e consegiientemente a mais
progressista será a integração econômica e geográfica do território.
Essa integração, contudo, é sempre relativa, desde que integração
verdadeira ocorre somente em países desenvolvidos, Existem duas
conseqiiências geográficas disto. De um lado, o core industrial
do país tende a adotar sempre uma zona geográfica expansiva,
enquanto, ao mesmo tempo, o fenômeno da região polarizada está
enquadrado claramente no processo de desenvolvimento da metró-
pole econômica, como se pode verificar ao redor de São Paulo
(Salles, 1971), Bombaim (Rajagopalan, 1962), Calcutá (Kar,
1963), Buenos Aires (Denis, 1967) ou Cidade do México (Ba-
taillon, 1968). À região polarizada, segundo Boudeville (1961),
é «uma unidade espacial heterogênea, cujas diversas partes são
complementares e mantêm entre si, especialmente com o pólo
dominante, mais relações de troca que com a região vizinha». De
outro lado, a rede urbana nacional tem uma tendência a alterar
seu caráter. Porém dois grupos distintos de circunstâncias histó-
ricas produzem diferentes resultados. Em certos países, como o
Brasil, regiões diferentes têm, no curso da história, respondido às
demandas procedentes dos países europeus através do desenvol-
vimento de formas de agricultura de exportação e através do
estabelecimento de cidades-portos que se tornaram importantes.
Isto tem provocado o desenvolvimento de sistemas urbanos isola-
dos e autônomos, com laços estáveis dirigidos por intermédio da
cidade principal, como um centro de exportação e importação. À
modernização e industrialização do país, tão bem quanto a integra-
ção do território pelo carvão, tem levado as principais cidades his-
tóricas a perderem terreno, em benefício da nova metrópole. A últi-
ma tende a tornar-se o pólo econômico indispensável do país, en-
quanto, ao mesmo. tempo, os outros pólos tornaram-se incapazes de
responder. ao crescimento da demanda de bens por parte das
populações do interior. Dadas estas modernas rotas de circulação,
baseadas em meios de transportes mais numerosos e rápidos,
obtém-se uma redução de distâncias (v. Rivkin, 1964, sobre Tur-
quia; Ridell, 1970, sobre Serra Leoa; Jouvin, 1968, sobre a Amé-
rica Latina em geral) e a tendência é o desenvolvimento, no inte-
rior, de cidades regionais que entram em competição com a me-
trópole regional mais antiga. Essa tendência é reforçada quando

146
estas cidades do interior se beneficiam da organização de alguns
serviços. públicos específicos (Grove e Huszar, 1964).
As metrópoles regionais históricas da periferia se desenvolvem
em diferentes momentos, mas não possuem força para manter
entre si conexões bilaterais. Tudo, ou quase tudo, no campo eco-
nômico sofre a influência da metrópole econômica nacional.
Devido à concentração de atividades e de recursos em uma
dada cidade, a última é o centro vital da vida nacional, indepen-
dente do nível de industrialização, de modernização e de urbani-
zação do país e da própria cidade. Essa aglomeração, assim
privilegiada, desempenha o papel de uma emissora principal de
decisões, de ordens e de inovações num sentido econômico, social
e cultural, e frequentemente também no sentido político.
Dois dentre os possíveis resultados de tal polarização são comuns
a todos os países do Terceiro Mundo. O primeiro é o desenvolvi-
mento de uma rede urbana tipo pirâmide, Mas, de outro lado,
enquanto as cidades de um dado nível podem realizar polarização
secundária em relação a aglomerações de nível inferior, não exis-
tem praticamente conexões entre cidades de um mesmo nível atra-
vés do território regional nacional; todas têm auxílio das cidades
de nível superior para assegurar os produtos ou serviços que elas
não estão em condições de produzir.
Como o país avança em direção à sua industrialização ou ao
aperfeiçoamento de seu sistema de comunicação interno, um ver-
dadeiro fenômeno de «curto-circuito» ocorre. Algumas aglomera-
ções de nível inferior não necessitam mais transpor as cidades
que estão num nível imediatamente superior, mas recorrem direta-
mente às cidades mais importantes (Figura 3). Evidentemente,
custos de transporte, o tempo requisitado e o modelo de distri-
buição espacial do equipamento público e social têm uma impor-
tante relação com a escolha do consumidor. De qualquer forma,
deve-se agora mencionar a evolução hierárquica da cidade na
rede urbana enquanto se levar em consideração estas novas
realidades. £
As situações apresentadas como «região geográfica urbana» por
Kayser (1966) e como «economia regional isolada» por Friedmann
(1966) tornaram-se, pouco a pouco, possiveis e freqiientes, A re-
partição «horizontal» do espaço entre cidades dificilmente ainda
existe; ela é substituída por uma repartição «vertical», com um
aumento da interpenetração da influência de cidades de diferentes
níveis. Numa dada unidade espacial, pode-se observar a confron-

147
CIDADES DENTRO DE UMA REDE

DES.
MODELO CLÁSSICO A SITUAÇÃO REAL (APROXIMADA)

Sergio
Primiani
da
Silva
EA)
— 2o

E
A - CIDADE LOCAL B- CIDADE REGIONAL C-METRÓPOLE D- METRÓPOLE E-CIDADE EMBRIONÁRIA;
INCOMPLETA COMPLETA ALDEIA

Figura 3
tação de influências, a direção e intensidade das quais podem
ser muito diferentes; qualquer tentativa de delimitar o espaço que
seja totalmente dependente de uma dada cidade torna-se inútil
(Santos, 1970).
As atividades do sistema inferior tornam-se pouco a pouco capa-
zes de impor sua influência sobre unidades espaciais mais extensas.
Como a industrialização do país prossegue, as atividades dos
sistemas de fluxo superior dominam sozinhas a capacidade para
uma macroorganização do espaço.

6. Conclusão

Em resumo, devemos explicar que na escala macroespacial


existe uma tendência à concentração de atividades produtivas mo-
dernas nacionais num ponto ou numa dada zona do país, enquanto
uma hierarquia se torna mais claramente evidente entre as cidades
do sistema urbano nacional, segundo a importância do seu sistema
de fluxo superior.
Devido à intervenção do Estado, essa hierarquia é geralmente
menos definida no caso dos serviços públicos mais extensamente
disseminados pelo território nacional,
“Quanto ao sistema de fluxo inferior entre as diferentes cidades
do país, sua importância é o resultado combinado do dinamismo
das migrações rural-urbanas, do ritmo do processo de urbanização
e da organização da produção.
Em conclusão, podemos admitir que as relações entre cada um
dos dois sistemas de fluxo da economia urbana, de um lado, e a
macroorganização do espaço, de outro, são condicionadas tanto
pelas condições históricas gerais, sob as quais modernas ativida-
des têm penetrado no país, como através do papel desempenhado
pelo Estado enquanto intermediário privilegiado entre os agentes
de inovação e as realidades nacionais.

Referências Bibliográficas

Armstrong, W. R. e McGee, T. G. (1968) — Revolufionary Change and


the Third World City. Civilisations 18(3).
Baran, P. A. e Sweezy, P. M. (1968) -— Le Capitalisme Monopoliste.
Paris, Editions Maspéro (French translation of the Monopoly Capital.
New York, Review Press, 1966).

149
Bataillon, C. (1968) — Las Zonas Suburbanas de la Ciudad de México.
México City, Universidad Nacional Autónoma de México,
Bauer, P. T. (1954) — West African Trade: À Study of Competition,
Oligopoly and Monopoly in a Changing Economy. Cambridge University
Press.
Beaujeu-Garnier, J. (1965) — Trois Milliards d'Hommes. Paris, Hachette.
Bela, Balassa (1961) — The Theory of Economic Integration. Home-
wood, Tllinois, Richard D. Irwin, Inc.
Berry, B. J. (1968) — Theories of Urban Location, Ressource Paper 1,
Association of American Geographers.
Boeke, J. H. (1953) — Economics and Economic Policy of Dual Societies,
as Exemplified by Indonesia. Haarlem, H. D. Tjeenk/Willink & Zoon N. V.
Boudeville, J. (1961) — Les Espaces Economiques. 1. ed., Paris, Presses
Universitaires de France.
— (1964) — Les Espaces Economiques. 2. ed., Paris, Presses Univer-
sitaires de France.
Caplovitz, D. (1963) — The Paor Pay More, Consumer Practices of Low
Incomes Families. New York — London, The Free Press of Glencoe,
Collier-MacMillan Ltd.
Dasgupta, S. (1964) — Underemployment and Dualism, a Note. Eco-
nomic Development and Cultural Change 12(2).
Dernis, P. Y. (1967) — La Structure Urbaine en République Argentine:
le Cas de Buenos Aires. Cahiers de Géographie de Québec, p. 43-53.
Eckaus (1955) — Factor Proportions Problems in Underdeveloped Areas.
American Economic Review, September, p. 539-565,
Federici, J. L. (1965) — Tarifas, Entradas y Gastos de la Empreza de
Ferrocarriles del Estado de Chile, Santiago, Instituto de Economia, Uni-
versidad de Chile (nº 76).
Frakenhoff, C. (1971) — Economic Activities. In: Improvement of Slums
and Uncontrolied Settlements, New York, United Nations, p. 127-149.:
Frankmann, M. J. (1970) — Rapid Urbanization in Latin America: A Key
to Development. Ed mim. McHill University, 13 p.
Friedmann, J. (1966) — Regional Development Policy, a Case Study of
Venezuela. MIT "Press.
Furtado, C. (1968) — Um Projeto para o Brasil, 4. ed., Rio de Janeiro,
Editora Saga.
Grove, D. e Huszar, L. (1964) — The Towns of Ghana, the Role of
Service Centers in Regional Planning. Accra, Ghana Universities Press.
Hagen, E. E. (1962) — On the Theory of Social Change. Homewood III,
The Dorsey Press.
Havens, A. E. e Flinn, W. L. (1970) — Internal Colonialism and Structural
Change in Colombia, New York, Praeger Publishers.
Herkommer, S. (1966) — Planeación Regional de Transportes. Revista
de la Escuela de Contabilidad, Economia y Administración 18(70), Gua-
dalajara, México.
Johnson, E. A. (1970) — The Organization of Space in Developing
Countries. Harvard University Press.
Jouvin, J. J. (1968) — Le Rôde des Transports dans TIntégration Econo-
mique de l'Amérique Latine: Cahiers des Amériques Latines, 1.
Kar, N. R. (1963) — Economic Character of Metropolitan Sphere of In-
fluence of Calcutta. The Geographical Review of India, 2:108-138,

150
Kayser, B. (1966) — Les Divisions de FEspace Géographique dans tes
Pays Sous-Developpés. In: Annales de Géographie.
Lambert, D, (1965) — L'Urbanisation Accelérée de 'Amérique Latine et la
Formation d'un Secteur Tertiaire Refuge. Civilisations, 2:158-174, 3:309-325
e 4:477-402,
Lean, W. (1969) — Economics of Land Use Planning: Urban and Regional,
London, The Estate Gazette Limited.
Marrama — Politica Económica de los Paises Subdesarrottados,
Mason, E. S. (1967) — Monopolistic Competition and the Growth Process
in Less Developed Countries: Chamberlin and the Schumpeterian Dimen-
sion. In: Kuenne, R. E., ed. Monopolistice Competition Theory: Studies in
Impact. New York, John Wiley, Sons Inc. P. 77-104. Cify and Regional
Planning. Center of Asian Studies, Reprint Series 2, University of
Hong-Kong.
— (1971) — The Urbanization Process in The Third World. London,
Bell and Sons.
MckKee, D. L. e Leahy, H. (1970a) — Urbanization, Dualism and Dispa-
rities in Regional Economic Development. Land Economics, 1:82-85,
— (1970bh) — Intra-Urban Dualism in Developing Economies. Land
Economics, nov.
Messner, J. (196868) — L'Entrepeneur Propriétaire. In: Bloch-Lainé, F. e
Perroux, F., ed. L'Entreprise et 'Economie du XXe siêcle, Paris, Presses
Universitaires de France, p. 241-256.
Morse, R. (1971a) — A Framework for Latin America Urban History.
Ed. mim, 58 p.
— (1971b) — Latin American Cities in the I9th Centuy: Approaches
and Tentative Generalizations. In: Morse, R., ed. The Urban Deve-
lopment of Latin America — 1750-1920. Center for Latin America
Studies, Stanford University, p. 1-21.
Myint, H. (1965) — Economic Theory and the Underdeveloped Countries.
Journal of Political Economy, Oct, p. 477-491.
Niemeyer Pinheiro. À. M, de (1971) — La Problématique des Conditions
des Travailleurs Urbains d'Origine Rurale dans les Métropoles Brésiliennes
dans la Phase Actuelle de PIndustrialisation. Ed. dact., Université de Paris [,
Institut de Géographie. 49 p.
Rajagopalan (1962) — The Greater Bombay: A Study in Urban Ecology.
Bombay, Popular Book Depot.
Ridell, J. B. (1970) — The Spatial Dynamics of Modernization in Sierra
Leone, Evanston, Northern University Press.
Rivkin, M. D. (1964) — Regional Development in Turkey. Massachusetts,
Cambridge, MIT.
Salles, M. L. B. (1971) — Systême de Production et Organisation de
V'Espace en Région Périphérique: le Cas de VEtat de São Paulo. Mémoire
de Doctorat. Institut du Développement Economique et Social, Université
de Paris (ed. mim., 149 p.).
Santos, M. (1970a) — Une Nouvelle Dimension dans VEtude des Réseaux
Urbains dans les Pays Sous-Développéês. In: Annales de Géographie.
— (1970b) — Les Deux Circuits de FEconomie Urbaine des Pays Sous-
Developpés. Document de Travail. Université de Paris, Institut d'Etu-
des du Développement Economique et Social,

151
-—— (1971a) — L'Economie Pauvre des Villes des Pays Sous-Developpés.
Les Cahiers d'Outre Mer, 1469): 105-122.
— (1971b) — Les Villes da Tiers Monde. Paris, Editions M. Th. Genin,
Librairies Techniques.
— (1972) — Dimensions Temporelles et Systêmes Spatiaux dans les
Pays du Tiers Monde, In: Santos, M. Ed. Modernisations et Espaces
Dérivés, Revue Tiers Monde, Paris, Presses Universitaires de France.
Sorre, M. (1971) — L'Homme sur la Terre. Paris, Hachette.
Uchendu, V. C. (1967) — Some Principles of Haggling in Peasant Mar-
kets., Economic Development and Cultural Change, 16(1): 37-50.

152
Este livro foi composto
e impresso nas oficinas
gráficas da
Editora Vozes Limitada
Rua Frel Luís,
Petrópolis, Estado. do Rio
da Janeiro, Brasil.

EDITORA
VOXES
Rua Frei are 100 - Te: 43-5112º
Caixa Postal End. Telegr.: VOZES
25.600 Petrópolis, Estado do Rio
Inscr. Est. BO.647.050
CGC 31.127: 201/0007-04
Fillals:
20,057 Bios ES Janeiro: Rua Senador Dantas, 118-|
242-9!
21.550 io e Janeiro: Rua Carvalho de Souza, 152 - Madureira
Tels.: 359-3651 e 9359-9959
07.006 São Paulo: Rua Senador Feijó, 158 e 168
Tels.: 32-6890 - 3969-2064e
of. ai São Paulo: Rua Haddock Lobo, 360 (ão lado do Colégio São Luis)
Tels.: 2586-0611 2586-0161 e 2256-036
12.900 Bragança "paulista: São Paulo - Av. Miguel Coclcov, s/n
Tel.: 4393-3675
30.000 Belo Horizonte: Rua Tupis. 85
8 - Loja 10
Tels.: 222-4152 - 226-0665e
90.000 Porto Alegre: Rua Riachosto, 1280
Tel.: 251172
70.730 Brasília: CLA/Norte - Q. 704 - Bloco A - No 15
Tel.: 223-2436
& o Recile: Rua Conselheiro Portela, 354 (Espinhalro)
e
So.000 ÉRecife: Rua da Concórdia, 167
Tel.: 224-3924
80.000 Curitiba: Rua Alferes Póli,
el
Representante:

60.000 Fortaleza: Ceará Clência soa


e tltura Ltda.
Rua Edgar Borges, 89. Tel.: 28-7404

Você também pode gostar