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Conselho Editorial Life Editora

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UFMS/Campo Grande-MS

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Roosiley dos Santos Souza


UFMS-MS

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que dão emprego a milhares de brasileiros e combatem o efeito estufa, pois absorvem gás
carbônico durante o seu crescimento! A tinta utilizada na impressão das páginas é à base de
soja, cujo componente é renovável e atóxico que não degrada o meio ambiente.
1ª Edição - Campo Grande/MS
Brasil - 2017
Copyright © by Walter Guedes da Silva
Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

da Silva, Walter Guedes


Jurado da Silva, Paulo Fernando
Mato Grosso do Sul no início do século XXI: Integração e desenvolvimento
urbano-regional - Volume 2/ Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da
Silva (orgs.) – Campo Grande, MS: Life Editora, 2017.
232p. : il. : 23 cm
ISBN 978-85-8150-381-3
1. Mato Grosso do Sul 2. Desenvolvimento 3. Integração I. Título
CDD - 360

Proibida a reprodução total ou parcial, sejam quais forem os meios


ou sistemas, sem prévia autorização dos organizadores.
Sobre os(as) Autores(as)

Adriana Lúcia de Escobar Chaves de Barros


Pós-Doutoranda em Letras Modernas pela USP (2016-2017). Doutora
em Estudos da Linguagem pela PUC-Rio (2010). Mestre em Administração
de Empresas com especialização em Marketing pelo IAG Escola de Negócios
da PUC-Rio (2006). Diplomada no curso de pós-graduação em Management
(MBA) pelo IAG Escola de Negócios da PUC-Rio (2003). Diplomada no curso
de pós-graduação em Metodologia do Ensino da Língua Inglesa, (DOTE - Di-
ploma for Overseas Teachers of English, RSA) pela Universidade de Cambridge,
Inglaterra (1994), adquirindo o título de Royal Society of Arts. Graduada em
Letras Português-Inglês Licenciatura Plena pela PUC-Rio (1984). Atualmente é
professora efetiva da Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, ministrando
aulas nos cursos de graduação e de pós-graduação stricto sensu do Mestrado Aca-
dêmico e Profissional em Letras. Contato: chaves.adri@hotmail.com

Airton Aredes
Possui graduação em Licenciatura em Geografia pela Universidade Es-
tadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1992), mestrado em Geografia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1999) e doutorado
em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(2012), Presidente Prudente. Atualmente é professor adjunto da Universida-
de Estadual de Mato Grosso do Sul e membro do Grupo de Estudos em Fron-
teira, Turismo e Território (GEFRONTTER) vinculado à UEMS. Contato:
airton@uems.br

Alexandre Bergamin Vieira


Licenciado (2001) e Bacharel (2002) em Geografia pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Presidente Prudente. Mestre e Dou-
tor pela mesma instituição (2005 e 2009). Atualmente é professor adjunto da
Universidade Federal da Grande Dourados. Contato: alegeobv@yahoo.com.br
Ana Paula Camilo Pereira
Doutorado em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo
(USP), com estágio de Doutorado Sanduíche na Université Sorbonne Nou-
velle Paris III, junto ao Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS),
com bolsa de pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP). Mestre em Geografia pela Universidade Estadual Paulista
(UNESP/Presidente Prudente). Licenciada e Bacharel em Geografia pela Uni-
versidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Atualmente é docente na
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade de Jardim/MS e mem-
bro do Grupo de Estudos em Fronteira, Turismo e Território (GEFRONT-
TER) vinculado à UEMS. Contato: apaulacape@uems.br

Carlos Alexandre de Bortolo


Doutor em Geografia pelo Programa de Pós-Graduação em Geografia da
Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Geografia pelo Progra-
ma de Pós-Graduação em Geografia Dinâmica Espaço Ambiental da Universi-
dade Estadual de Londrina (UEL). Graduado no curso de Licenciatura (2008)
e Bacharelado (2011) em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho na Faculdade de Ciências e Tecnologia - UNESP, Campus
de Presidente Prudente -SP. Contato: bortologeo@yahoo.com.br

Cláudia Marques Roma


Possui graduação em Geografia (licenciatura - 2004 e bacharelado -
2005) pela Universidade Estadual Paulista - UNESP-Presidente Prudente,
mestrado (2008) e doutorado em Geografia (2012) na mesma instituição, de-
batendo os seguintes temas: cidades pequenas, inter-relação rural-urbano, saú-
de e fronteira(s). Atualmente é professora adjunta da Universidade Federal da
Grande Dourados - UFGD. Contato: marquesroma@yahoo.com.br

Daniela Sottili Garcia


Professora Efetiva da UEMS - Curso de Turismo e membro do Grupo
de Estudos em Fronteira, Turismo e Território (GEFRONTTER) vinculado
à UEMS. Diretora de Pesquisa da Fundação de Turismo de MS. Graduada em
Turismo pela Universidade Católica Dom Bosco (2000); Especialista em Ges-
tão de Turismo, Hotelaria e Eventos pela UNIDERP (2003), Mestre em Geo-
grafia - Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul (2005), Doutora em Geografia - Território, Cultura e Representação
pela Universidade Federal do Paraná (2013). Contato: sottili@uems.br

Debora Fittipaldi Gonçalves


Graduação em Turismo pela Universidade Católica Dom Bosco (2000),
Mestrado em Desenvolvimento Regional pela Universidade Regional de Blu-
menau (2008) e Doutora em Desenvolvimento Regional pela Universidade
Regional de Blumenau FURB - SC (2016), pesquisadora na linha de Estado,
Sociedade e Desenvolvimento do território, membro do Grupo de Pesquisa
Ethos, Alteridade e Desenvolvimento - GPEAD. Atualmente é professora titu-
lar da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul e coordenadora do curso
de Turismo na Unidade Universitária de Campo Grande - MS. Possui experi-
ência na área de Turismo, com ênfase em Turismo, atuando principalmente nos
seguintes temas: turismo, turismo de experiência, homem pantaneiro; cultura;
interculturalidade, desenvolvimento regional, bem viver. Contato: defittipal-
di@uems.br

Djanires Lajeano Neto de Jesus


Possui graduação em Turismo; graduação em Administração pela UNI-
GRAN; Especialização em Gestão Empreendedora de Negócios pela UNI-
GRAN; Mestrado em Geografia/Desenvolvimento Regional pela Universi-
dade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS; e Doutorado em Geografia/
Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Paraná. Avaliador
ad hoc desde 2007 para e Autorização e Reconhecimentos de Cursos repre-
sentando o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP/
MEC. Professor efetivo da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
- UEMS (graduação e pós-graduação) e membro do Grupo de Estudos em
Fronteira, Turismo e Território (GEFRONTTER) vinculado à UEMS. Di-
retor Geral e Docente da UNIGRAN Capital. Docente no ensino a distân-
cia do Centro Universitário da Grande Dourados - UNIGRAN. Contato:
neto@uems.br
Juliana Grasiéli Bueno Mota
Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal de Mato Gros-
so do Sul - UFMS (2008), mestrado em Geografia pela Universidade Federal da
Grande Dourados - UFGD (2011), doutorado em Geografia pela Universida-
de Estadual Paulista (UNESP/Presidente Prudente) - Júlio de Mesquita Filho
(2015) e doutorado sanduíche pela Universidad Autónoma Metropolitana Xo-
chimilco (UAM - X), Ciudad de México, México (2015). Atualmente é profes-
sora da Universidade Federal da Grande Dourados. Contato: jugeo@ymail.com

Lilian Blanck de Oliveira


Possui graduação em Pedagogia pela Fundação Educacional Regional Ja-
raguaense (1991) e doutorado em Teologia pela Escola Superior de Teologia,
área: Educação e Religião (2003). Atualmente é professora titular do Programa
de Pós Graduação (Mestrado e Doutorado) em Desenvolvimento Regional da
Fundação Universidade Regional de Blumenau; Líder do Grupo de Pesquisa:
Ethos, Alteridade e Desenvolvimento (GPEAD). Tem experiência na área de
Sociedade, Culturas, Educação e Religião. Atua nos temas: diversidades históri-
co-culturais, território e direitos humanos; culturas, ciência e desenvolvimento;
currículo e diferença; formação inicial e continuada de professores. Contato:
lilianbo@uol.com.br

Lucimara de Oliveira Calvis


Graduada em Geografia pela Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul. Graduada em Marketing pela FIC - Faculdade Integrada do Ceará em For-
taleza/CE. Especialista em Docência em Educação Ambiental para Cidadania
e Sustentabilidade pela Faculdade Estácio de Sá de Campo Grande/MS. Con-
tato: maracalvis@gmail.com

Mara Lúcia Falconi da Hora Bernardelli


Possui graduação em Geografia (1990), mestrado em Geografia (1997) e
doutorado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesqui-
ta Filho (2004). Professora do Curso de Geografia da Universidade Estadual do
Mato Grosso do Sul, Unidade de Campo Grande. Contato: marahora@uems.br
Mario Cézar Tompes da Silva
Possui graduação em Bacharelado em Geografia pela Universidade de
Brasília - UnB (1984), mestrado em Geografia (Geografia Humana) pela Uni-
versidade de São Paulo - USP (1992) e doutorado em Geografia (Geografia Hu-
mana) pela Universidade de São Paulo (2000). Professor da Universidade Fe-
deral da Grande Dourados (UFGD). Contato: mariotompes522@gmail.com

Paulo Fernando Jurado da Silva


Graduado no curso de licenciatura em Geografia da Faculdade de Ciências
e Tecnologia (FCT), Universidade Estadual Paulista (UNESP) de Presidente Pru-
dente (2008), mestre (2011) e doutor (2014) pelo Programa de Pós-Graduação em
Geografia da FCT, UNESP de Presidente Prudente com a realização de estadia de
investigação científica na Pontifícia Universidad Católica de Chile, Santiago e na
Universidad de Buenos Aires, Argentina, bem como doutorado-sanduíche pela
Universidad de La Habana (Cuba). Atualmente é professor adjunto efetivo da Uni-
versidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), editor da revista Geofronter
e membro do Grupo de Estudos em Fronteira, Turismo e Território (GEFRONT-
TER) vinculado à UEMS. Contato: pfjurado@uol.com.br

Rafael Oliveira Fonseca


Doutorando em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo
(PPGH/DG/FFLCH/USP), Mestre, Bacharel e Licenciado em Geografia
pela mesma universidade, atualmente desenvolve uma pesquisa de Doutorado
que analisa alguns aspectos da Compensação Ambiental no Brasil. Professor
Convocado do curso de Geografia da Universidade do Estado de Mato Grosso
do Sul, Unidade de Campo Grande/MS. Contato: rafa.ofonseca@gmail.com

Ricardo Lopes Batista


Possui Graduação em Geografia pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul (2006); Mestrado em Geografia pela Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul (2008) e Doutorado em Geografia pela Universidade Es-
tadual Paulista, campus de Presidente Prudente (2015), com a realização do
Doutorado Sanduíche na Universidade de Coimbra (2013) com o apoio da
CAPES. Atualmente é Professor Adjunto A do curso de Geografia da UFMS/
CPAQ. Contato: ricardo.batista@ufms.br
Apresentação

Este é o segundo volume da obra denominada “Mato Grosso do Sul no


início do século XXI” e tem como subtítulo: “Integração e desenvolvimento
urbano-regional”. A mesma é composta por dez capítulos que tem por objetivo
discutir a escala urbana e regional, na perspectiva da integração e do desenvolvi-
mento, tendo como lócus prioritário a análise de Mato Grosso do Sul.
Não há um olhar uníssono a respeito da temática. A discussão encerra
complexidade e abre um leque variado de pouco consenso e muito dissenso so-
bre a matéria. Dada à polissemia que o termo desenvolvimento carrega, a ideia
tem sido trabalhada sob diferentes prismas ao longo da história. Para alguns, o
desenvolvimento é um dado inerente da dinâmica econômica capitalista. Para
outros, é uma utopia cujo resultado é duvidoso. Mas, tais afirmações são apenas
uma síntese de uma discussão que possui muitas posturas e variadas interpreta-
ções. Não sendo exclusividade da comunidade científica debatê-lo, o termo tem
sido amplamente difundido e empregado pela mídia, no mundo político e no
cotidiano das pessoas.
No livro, é abordado, por exemplo, o ideário de justiça socioespacial do
desenvolvimento, fronteiras, turismo, organização territorial de cooperativas e
associações, o setor de transporte aéreo, a questão indígena e o urbano como
centro da produção da desigualdade socioespacial, entre outros tópicos que
acompanham tais discussões, no Mato Grosso do Sul.
Com isso, espera-se que a obra possa cumprir com a tarefa de estimular
a discussão, sobretudo, no ambiente acadêmico, mas sem se esquecer das áreas
de planejamento e de políticas públicas. A todos, desejamos uma excelente
leitura.

Walter Guedes da Silva


Paulo Fernando Jurado da Silva
Prefácio

Este volume II do livro Mato Grosso do Sul no início do século XXI: in-
tegração e desenvolvimento urbano-regional, representa uma continuidade no
esforço acadêmico dos professores e pesquisadores Walter Guedes da Silva e
Paulo Fernando Jurado da Silva em unir estudos sobre o território sul-mato-
grossense.
Este volume traz uma coletânea de textos de pesquisadores e pesquisa-
doras que atuam no estado. Temas relacionados à dinâmica urbano-regional
adquirem maior destaque nos dez capítulos presentes no livro. Os textos refle-
tem discussões, principalmente, na escala local, cujas análises trazem questões
atuais de diferentes municípios do estado de Mato Grosso do Sul.
O primeiro capítulo apresenta uma análise na perspectiva do desenvol-
vimento urbano-regional a partir do mapeamento das condições de vida nas
cidades de Jateí, Antônio João, Anaurilândia e Glória de Dourados.
O segundo capítulo analisa o setor de transporte aéreo de passageiros
no estado e a valorização de novos territórios no estado, tendo como foco os
municípios de Dourados, Corumbá, Três Lagoas e Bonito.
O capítulo seguinte aborda as consequências dos projetos de integração
promovidos pelo Estado brasileiro sobre a população indígena no território
sul-mato-grossense, especialmente os povos Guarani e Kaiowá.
A questão fronteiriça é destaque no quarto capítulo, no qual a auto-
ra busca compreender a influência paraguaia nas representações culturais no
Mato Grosso do Sul, especialmente na gastronomia, nas crenças, nos costu-
mes e na música.
O capítulo seguinte analisa a influência indígena na construção da
identidade cultural em Campo Grande, a partir de traços que atingem tanto
aspectos culturais quanto físicos na paisagem urbana.
No sexto capítulo, as autoras apresentam elementos, desafios e perspec-
tivas para o desenvolvimento de atividades de Turismo Rural na sub-região
de Miranda, diante do contexto territorial no qual está inserida: o pantanal.
O sétimo capítulo traz um levantamento e análise da produção de resí-
duos sólidos em Campo Grande e a organização territorial das cooperativas
e associações de catadores de materiais recicláveis no perímetro urbano do
município.
Campo Grande também é o recorte territorial do oitavo capítulo. Ten-
do como referência a temática consumo, os autores realizam uma análise geral
do comércio eletrônico na capital sul-mato-grossense.
O nono capítulo analisa a reestruturação do espaço urbano de Três la-
goas diante do contexto de reestruturação produtiva e das novas lógicas de
produção de moradia. A lógica de ampliação do mercado imobiliário três-la-
goense deu origem à produção de espaços residenciais populares fechados.
Por fim, o último capítulo descreve e analisa os processos responsáveis
pelo crescimento urbano em Dourados, considerando as estratégias dos agen-
tes envolvidos e os impactos socioambientais decorrentes da forma como se
dá a expansão da cidade.
Assim, os textos refletem os mais variados temas na perspectiva do de-
senvolvimento urbano e regional no estado, no contexto socioeconômico e
territorial do início do século XXI. As discussões apresentadas neste livro
representam um aprofundamento acerca de questões importantes para o de-
senvolvimento e integração do estado, ao mesmo tempo em que é um convite
para a realização de novas pesquisas.
Boa leitura!

Orlando Moreira Jr.


Campo Grande (MS), 10 de dezembro de 2016.
Sumário

11 - Apresentação
17 - Desenvolvimento Urbano Regional como Ideário da Justiça Socioespacial
39 - Mato Grosso do Sul: O Setor de Transporte Aéreo e a Valorização de
Novos Territórios
63 - “O Projeto de Integração Matou a Alma do Índio”. As Consequências da
Integração Forçada dos Povos Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul
Realizada Pelo Estado Brasileiro
83 - Transgredindo Fronteiras: A Influência Paraguaia nas Representações
Culturais no Mato Grosso do Sul
101 - A Influência Indígena na Paisagem e Identidade Cultural Urbana de Campo
Grande-MS: Uma Análise sob o Viés da Geografia do Turismo
119 - Turismo Rural e Sub-Região de Miranda: Um Pantanal e seus Desafios
141 - Organização Territorial das Cooperativas e Associações de Catadores de
Materiais Recicláveis no Perímetro Urbano de Campo Grande/MS em 2016
163 - Comércio Eletrônico em Campo Grande, Mato Grosso do Sul
181 - Da Reestruturação do Espaço Urbano à Produção dos Espaços
Residenciais Populares Fechados em Três Lagoas – MS
201 - Dourados-MS: Expansão Urbana Extensiva e Impactos Socioambientais
DESENVOLVIMENTO URBANO-
REGIONAL COMO IDEÁRIO DA JUSTIÇA
SOCIOESPACIAL

Cláudia Marques Roma


Alexandre Bergamin Vieira

Introdução
Podemos, por meio do mapeamento de indicadores de condições de
vida, analisar as dinâmicas e as relações intra e interurbanas, com vistas a pen-
sar a desigualdade socioespacial em múltiplas escalas. Nesse sentido, diante da
perspectiva de integração das diferentes escalas, refletir sobre um desenvolvi-
mento urbano-regional com diminuição da pobreza e da desigualdade para
a porção meridional de Mato Grosso do Sul é de fundamental importância.
Para isso elaboramos – com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE
(2010) – e avaliamos os indicadores das cidades de Jateí, Douradina, Antô-
nio João, Anaurilândia e Glória de Dourados, que possuem, respectivamente,
4.017, 5.365, 8.2015, 8.494, 9.928 habitantes. Tais dados foram, ainda, corre-
lacionados com os indicadores da cidade de Dourados.
As cidades que contam com um contingente populacional pequeno,
na maioria das vezes, apresentam funções urbanas elementares e se situam no
limite inferior da complexidade urbana (ROMA, 2012). Desse modo, delimi-
tamos para análise as cidades com até 10 mil habitantes, pois elas desenvolvem
incipientes funções urbanas.
Contudo, destacamos que não é o contingente populacional que estru-
tura esses espaços – mesmo que ele seja um elemento pertinente – mas, sim,
as funções urbanas que se desenvolvem e a vida de relações que essas funções
propiciam. Imbricar as dimensões quantitativas e qualitativas nos permitirá
relacionar melhor o teórico e o empírico para a compreensão dessas realidades
urbanas.
Para isso foi fundamental o mapeamento realizado na escala regional,
pois permitiu entender o contexto socioespacial intra-urbano (no caso de cada
cidade) e correlacioná-lo com a escala interurbana (o conjunto das cidades).
Esse recurso metodológico nos propicia melhor entender a relação parte-todo,

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 17


urbano-regional.
Dessa forma, concordamos com Préteceille (2004), ao discutir sobre os
problemas metodológicos em torno da dificuldade de se estabelecer o recorte
espacial, e procuramos, em nosso mapeamento, ir além da definição político-
-administrativa dos setores censitários estabelecidos para o espaço intra-urba-
no das cidades.
Na maioria das vezes as análises dos processos socioespaciais se restrin-
gem ao espaço intra-urbano devido a delimitações político-administrativas
das municipalidades ou nas escalas regionais, definidas oficialmente pelos ór-
gãos governamentais, o que leva à dificuldade de obtenção de dados referentes
aos espaços urbanos passíveis de comparações entre diferentes escalas. Portan-
to, nossa análise consiste metodologicamente em pensar a articulação entre
as escalas intra e interurbanas, por meio da utilização de dados referentes aos
setores censitários de cada localidade. Consideramos, para estudos na escala
interurbana, que não há recorte espacial que se imponha a priori, sendo preci-
so escolher a escala correspondente à prática social que se quer privilegiar na
análise (PRÉTECEILLE, 2004).
Assim, procuraremos discutir neste texto uma perspectiva de desenvol-
vimento urbano-regional como ideário de justiça socioespacial, com base no
referencial teórico do Desenvolvimento com “D” maiúsculo, que considera o
espaço humano como primazia e que refuta o desenvolvimento como resulta-
do único das práticas economicistas no território. E, como metodologia, par-
timos da análise interurbana e do mapeamento de indicadores socioespaciais
das seis cidades anteriormente elencadas, com o intuito de revelar as desigual-
dades existentes e refletir acerca de sua superação.

Desenvolvimento: da linearidade circular ao movimento


espiralado
As cidades locais – híbridas1 –, localizadas na porção meridional
de Mato Grosso do Sul, tal como as do interior do estado de São Pau-
lo, são produtoras e condição da Divisão Territorial do Trabalho, incor-
poram na produção das relações socioespaciais as dinâmicas ligadas ao
processo de territorialização do agronegócio globalizado e materializam
uma pobreza urbana de caráter cumulativo e multidimensional.
A partir da análise da divisão territorial do trabalho pode-se entender a
importância das pequenas cidades e/ou cidades locais – híbridas –, uma vez
1.Para aprofundar o debate sobre a noção de cidades locais – híbridas – consultar Roma (2012 e 2016).

18 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


que, para a estruturação e o funcionamento da rede urbana, faz-se necessária a
existência de diferentes núcleos, com diferentes funções. Fator possível devido
a uma complexa divisão territorial do trabalho, responsável pela distribuição
dos homens e das atividades sobre a Terra, o que consolida a existência das
metrópoles, mas também a de cidades médias e locais (ROMA, 2012).
Carlos (2011, p. 64 e 65) realiza discussão sobre a produção do espa-
ço considerando as condições de vida da sociedade em sua multiplicidade de
aspectos para além do plano econômico. Condições que englobam e que su-
peram o mundo do trabalho e da circulação de mercadorias. A autora pontua
que, no momento atual, as atividades produtivas são criadoras de novos espa-
ços e que a produção do espaço, cada vez mais, estrutura sua dimensão abstrata
de mercadoria, mas “contraditoriamente, a sociedade revela outro momento,
aquele dos usos do espaço (objetivando a reprodução da vida) que a prática
espacial vai desvendando”.
A dinâmica urbana das cidades locais – híbridas – baseia-se em relações
econômicas, no tempo do relógio ditado pelo mundo do trabalho, mas, so-
bretudo, pelas relações de “vizinhança”, de identidade com o lugar, com a casa
própria, com a proximidade e o conhecimento mútuo entre os sujeitos sociais
e as práticas políticas. Assim, a dimensão urbana dessas localidades não pode
ser comparada com a de outras localidades e pautadas unicamente pelo viés
econômico.
Para uma leitura não linear da realidade é de suma importância con-
siderar o conteúdo e o papel das cidades locais – híbridas – no processo de
desenvolvimento, posto que o “Desenvolvimento” perpassa pelo compreender
e incorporar em seu conteúdo as diferentes e diversas dinâmicas econômicas,
sociais, espaciais, políticas, ambientais, assim como as diferentes escalaridades.
Ribeiro (2007) apresenta reflexão sobre o indivíduo e a sociedade, so-
bre as infra e superestruturas e as formas pré-moldadas de se pensar. Nessa
discussão engloba a racionalidade e os métodos científicos, como também a
ressintetização da relação ser-pensamento-realidade. Utilizando-se deLuckács
(1985), destaca que, nas análises, o espaço social tornar-se vital “porque ven-
tre contextual da relação ser-real, por estar no ordenar geográfico, combinado
territorialmente pela desigualdade” (RIBEIRO, 2007, p. 86). Nessa reflexão
destaca, ainda, um fazer impositivo, um pensar ideologicamente condiciona-
do e o espaço, na maioria das vezes, apresenta-se pré-moldado, de um produzir
mal dividido e nada ingênuo.
Esse raciocínio esteve e está presente, em grande parte, nas políticas pú-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 19


blicas de desenvolvimento no Brasil e no Centro-Oeste. Podemos observar, a
partir das ponderações de Bernardelli e Matushima (2009), que as políticas
de planejamento implementadas permitiram uma integração em novas bases
e uma nova inserção na divisão territorial do trabalho. Os autores, ainda, pon-
tuam:

Os recursos de tais políticas foram concentrados especialmente nas ci-


dades maiores, a exemplo da capital (Campo Grande) e de Dourados,
a segunda maior cidade do estado. Especialmente o caso da Prodegran
(Programa de Desenvolvimento da Região da Grande Dourados) foi
emblemático para a redefinição dos papéis dos municípios da região,
pois esta política, baseada na idéia dos “pólos de desenvolvimento” en-
fraqueceram ainda mais os papéis das pequenas cidades, provocando a
perda da sua competitividade perante a intensificação da polarização.
(BERNARDELLI e MATUSHIMA, 2009, p.6)

As cidades locais – híbridas – estão inseridas no processo produtivo por


meio do consumo e da divisão territorial do trabalho e, também, são espaços
de reprodução da vida, ou seja, espaços “vividos” da territorialidade (RAFFES-
TIN, 1980 e 2005). Contudo, não apresentam dinamismo produtivo conside-
rável e estão fora dos chamados “polos de desenvolvimento”, o que reforça as
desigualdades socioespaciais.
O espaço é política e contém relações de poder, mas, por intermédio das
políticas de planejamento, o Estado apresenta-se como único normatizador e
como peça chave nas relações de poder. Ao se “desenhar” uma geografia do Es-
tado unidimensional, privilegia-se o concebido normatizado, em detrimento
do vivido percebido, separando quem está dentro ou fora (RAFFESFIN, 1980
e 2005).
O conceito de desenvolvimento perpassou o século XX como “fonte de
criação, proteção e de novas imagens em especial nos países atrasados”, nesse
percurso envolveu governantes e governados com as razões da economia, um
conceito elástico que se aproximou de “uma usina de ilusões” (ARBIX, 2001,
p. 55 e 56). O autor acrescenta que no Brasil o conceito foi introduzido numa
série de programas modernizadores que tiveram tímidos resultados práticos
alcançados, tais como: geração de emprego, renda e diminuição das desigual-
dades. Destaca, ainda, que

20 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


A redução do desenvolvimento a alguns poucos componentes econô-
micos e a sua transformação em coadjuvantes dos processos de cresci-
mento da produtividade esvaziaram completamente seu conteúdo de
busca de um ordenamento civilizado da vida em sociedade (ARBIX,
2001, p. 56)

A Região da Grande Dourados é uma realidade construída no/para o


imaginário político tanto na escala regional quanto na nacional. Criada ofi-
cialmente, seu território foi definido no planejamento da Superintendência
de Desenvolvimento da Região Centro-Oeste (SUDECO), ou seja, o “pla-
nejamento cria uma região” (ABREU, 2005). E, por meio de uma política de
planejamento voltada para a ideia de “pólos de desenvolvimento”, enfraqueceu
o papel das cidades pequenas (BERNARDELLI e MATUHSIMA, 2009),
já que as dinâmicas políticas no Brasil correlacionam-se a um modelo de de-
senvolvimento reduzido a poucos componentes econômicos e esvaziado de
seu conteúdo transformador, no qual, as políticas sociais são questionadas e
consideradas gastos, não investimentos. Assim, por intermédio da razão, iden-
tificou-se “bem-estar da sociedade a equilíbrio macroeconômico, atribuindo à
globalização uma dinâmica tão natural quanto fantasiosa do bem-estar” (AR-
BIX, 2001, p. 56).
Nesse sentido, a acepção de Região da Grande Dourados, apoiada na
concepção de crescimento econômico, difundida pelos meios de comunicação
e pelas políticas públicas de planejamento, parte da sociedade, destaca, por
exemplo, a territorialização do agronegócio globalizado como a única possi-
bilidade de desenvolvimento, como o único meio de obtenção de emprego e
renda e, até mesmo, de sobrevivência. Ou seja, no plano simbólico e no do
discurso a região só se desenvolve pela existência do capital em detrimento do
humano e do trabalho.
No entanto, o agronegócio globalizado reproduz a globalização como
perversidade, posto que a máquina ideológica apresenta a ideologização do
agronegócio globalizado como a grande possibilidade de crescimento econô-
mico, sem que esse crescimento esteja permeado pelo Desenvolvimento, como
originalmente pensado, ou seja, pela busca do bem-estar humano.
Nesse contexto, evidencia-se a perspectiva linear que perpassa as políti-
cas públicas de desenvolvimento. A linearidade segue um movimento cíclico e
mecânico. Com base nessa leitura, a unidade da função econômica e da desi-
gualdade social apresentam-se como a “forma natural da diferença” (MOREI-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 21


RA, 2004, p.176). Lógica que transforma o desenvolvimento econômico e as
desigualdades socioespaciais, fruto deste modelo de desenvolvimento, padrão
natural adotado por meio de programas e políticas públicas.
Na perspectiva linear, “reta e círculo assemelham-se”, representando
construtos mentais baseados em causa-efeito e em legalidade-racionalidade:
“[...] a reta guarda imperceptível curvatura, ao final reencontrando-se com a
proposição latente, conservadora, atingindo as respostas pré-ideadas. Fecha-
-se o círculo”. No círculo as partes se escoram e se autoexplicam, são respostas
pré-concebidas que se concluem em sistemas na totalidade fechada, mesmo
que ele tenha de excluir as diferenças, as discordâncias para permanecer “co-
erente” (RIBEIRO, 2007 p. 99 e 101). O autor acrescenta, ainda, que nessa
perspectiva as ideias são postas como motor da história e não as contradições
histórico-espaciais, socialmente materializadas e pelos homens vivenciadas
nas lutas sociais.
Assim, o desenvolvimento – base economicista – toma o capital e não
o trabalho como fonte de riqueza. E o Estado, baseando-se na concepção de
linearidade circular, utiliza-se de instrumentos e normas para obscurecer as
práticas das lutas contraditórias (RIBEIRO, 2007, p. 102).
As políticas orquestradas pelo Estado reduzem o desenvolvimento
à poucos componentes econômicos e toma o capital como fonte de riqueza
numa linearidade circular. Nessa perspectiva, não reconhecem o lugar do hu-
mano na busca por uma estratégia de desenvolvimento, ou seja, a importância
da expansão do atendimento à saúde, à educação e ao emprego/renda.
Arbix (2001, p. 66 e 67), em suas argumentações, aponta para a neces-
sidade de se pensar uma política de civilização e de “resgate da noção de de-
senvolvimento, com seu conteúdo de eliminação da pobreza e da desigualda-
de”. Contudo, para se pensar desenvolvimento como eliminação de pobreza e
desigualdade, deve-se ter em mente que a perspectiva de linearidade circular,
causa e efeito, de base puramente econômica (melhor dizendo, economicista),
não responde a esse propósito, devendo-se, necessariamente, considerar para o
pensamento e práticas socioespaciais uma premissa totalizante do movimento
espiralado.
Assinale-se que a razão fragmentária do modelo positivista estruturou,
na Geografia, um modelo teórico apoiado na fórmula N-H-E (Natureza, Ho-
mem e Economia). Nessa fórmula ordenadora do mundo tem-se a economia
como uma armadura territorial sob a égide do mercado em que o processo de
formação da totalidade se dá com a soma das partes, uma após a outra, numa

22 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


cadeia lógica de sucessão de causalidade. Assim, há uma linearidade na ordena-
ção do mundo e na explicação dessa ordenação (MOREIRA, 2014).
Em tal lógica, segundo Moreira (2014), o homem foi transformado em
estatística de produção e consumo; a natureza, em estoque de recursos natu-
rais. A análise social foi substituída pela econometria; o contexto macroeco-
nômico, pelo microeconômico; o contexto da sociedade, pelo da empresa; a
visão totalizante, pela visão fragmentária e a teoria do movimento, pela teoria
do equilíbrio.
Desse modo, para se avançar no debate sobre Desenvolvimento numa
premissa totalizante do movimento espiralado, primeiramente, devemos pon-
tuar que não se trata da simples soma das partes. Ora, soma-se a economia, a
política, o social e o ambiental e tem-se transplantada a linearidade circular.
Trata-se, sim, de se pensar tais processos por meio da “reprodução, transfigura-
ção, diferenciação, ressintetização, recombinação, categorias do movimento”
que levam à crescente diversificação socioespacial. Assim, a ideia de círculo vai
cedendo lugar à ideia de espiral (dialética da diversidade) (MOREIRA, 2004,
p. 46).
No espiral o movimento e a diversidade assentam-se. Ribeiro (2007, p.
108 e 109) destaca que “o conhecido, o semelhante, o classificado e o aceito
abrem espaço ao desconhecido, ao diferente, ao novo advindo do (ou até então
encoberto no) movimento”. Para o autor, a espiral representa o ir-e-vir, o voltar
para rever o trajeto, a teoria e a empiria, o micro e a macroestrutura, na qual “o
lugar se globaliza, a globalidade, localizando-se geograficamente, se redefine”,
a “quantidade se faz qualidade” e a “totalidade se faz parte e esta, refazendo-se,
afirmando-se ou se negando, altera a primeira”.
Um país, uma região ou um lugar, significam unidades coabitante do
diverso, unidades contraditórias da diversidade. Mas, a construção da unidade
é um processo político no qual a unidade técnica converte a diferença em uni-
dade do desempenho da economia e a disparidade, social e de renda, apresen-
ta-se naturalmente (como forma metabólica) como diferença (MOREIRA,
2004). As políticas públicas de planejamento econômico construíram ideo-
logicamente a unidade da função econômica e naturalizaram as desigualdades
entre as cidades por intermédio dos “polos de desenvolvimento”, por exemplo.
Tais políticas, ao concentrarem os recursos, os sistemas técnicos e sociais,
principalmente nas cidades de Campo Grande e de Dourados imprimiram
uma unidade entre esses “polos” e as demais cidades marcadas pela dinâmica
econômica da desigualdade. As desigualdades socioespaciais existentes entre,

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 23


por exemplo, a cidade de Dourados e as demais localidades situadas em sua
hinterlândia tornam-se naturais e fatores intrínsecos à divisão territorial do
trabalho.
O processo de desenvolvimento, a partir da perspectiva do espiral, deve
suplantar apenas o viés economicista de causa e efeito, que naturaliza as desi-
gualdades socioespaciais. Deve incorporar em seu movimento as ressintetiza-
ções das dinâmicas econômicas, políticas, sociais e ambientais, como também
as múltiplas escalaridades e realidades urbanas e sociais, os diferentes e diver-
sos sujeitos/agentes sociais.
Sachs (2001, p. 161), ao debater crescimento econômico e desenvolvi-
mento, ressalta que a oposição entre ambos é desnecessária. Para o estudioso,
crescimento econômico, quando pensado e estruturado para minimizar os im-
pactos ambientais e voltado para objetivos sociais, é condição necessária para
o desenvolvimento. Além disso, a “chave para a reconciliação do crescimento
econômico com o desenvolvimento social reside no campo da política”.
Entende-se que, no processo de desenvolvimento, com a diminuição da
pobreza e da desigualdade, o crescimento econômico deve ser componente ati-
vo, desde que não seja pensado pelas políticas públicas como única e exclusiva
causa e efeito do Desenvolvimento.
Diante da realidade socioespacial brasileira, na qual a territorialização
do capital altera padrões pré-existentes, seja no campo, seja nas cidades, cons-
trói uma unidade por meio das funções econômicas, não aceita à unidade con-
traditória da diversidade, naturaliza as desigualdades e não respeita a demo-
cracia, como construir um processo de Desenvolvimento para reprodução do
humano que contemple expansão das políticas públicas em saúde, educação,
seguridade social e emprego e renda e propicie um espaço socialmente justo?
Silveira (2008) pondera que a crescente racionalização da sociedade e
do território – ao lado da divisão territorial do trabalho – , nascida do neo-
liberalismo, tem produzido pobreza e dividas sociais e que, nesse contexto,
as superposições de divisões do trabalho, apoiadas pelas grandes corporações,
desvalorizam as demais formas de trabalho e os lugares, assim como criam me-
canismos de exclusão e pobreza.
São privilegiadas áreas e pontos em detrimento de extensas partes, assim
se “produz uma enorme dívida social” e que não é inerente ao princípio orga-
nizacional dos agentes hegemônicos a busca de justiça espacial, ao contrário, a
globalização tal como é aceita somente fortalece as polarizações socioespaciais
e seu corolário “es la escassez de recursos, bienes y serviciosuniversalesenel res-

24 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


to del território y, por ello, un desigual ejercicio de la democracia, llevando a
sufragilidad como condición de vida una sociedade” (SILVEIRA, 2008, p. 11
e 12).
Dessa forma, apreender a estruturação do espaço urbano em múltiplas
escalas permite que se apreendam, também, as desigualdades socioespaciais
numa dinâmica regional e que se busque o Desenvolvimento urbano-regional
não apenas por meio da concepção hegemônica do mercado.

Cidades locais – híbridas: condições de vida e relações in-


terurbanas
As cidades locais – híbridas – cada vez mais se caracterizam pela relação
e pela mistura entre as dinâmicas rurais e urbanas da sociedade e da natureza,
bem como das dinâmicas políticas, econômicas e sociais, o que exige que seus
conteúdos sejam pensados num híbrido de relações articuladas e complemen-
tares, nas quais misturas e sínteses se produzem sobre territórios herdados.
Mesmo os novos processos, como o da territorialização do agronegócio glo-
balizado, que modificam os espaços, de maneira conflituosa e contraditória,
mantêm e perpetuam estruturas passadas (ROMA, 2012).
Com base em autores como Latour (1994), Santos (2006 [1996]), Sil-
veira (2008), pontuamos que a produção do espaço das cidades locais apresen-
ta-se num híbrido, e destacamos que esse híbrido não é apenas um adjetivo,
mas, sim, um substantivo presente nessas realidades urbanas.
Ao analisarmos o conteúdo de cidades locais – híbridas – da porção Sul
do Mato Grosso do Sul e do interior do Estado de São Paulo (ROMA, 2012),
ressaltamos que, no início do século XXI, há um acúmulo de tempo-espaço, o
qual estrutura novas relações espaciais, sociais, econômicas e políticas. Tendo
em vista a discussão que se pretende neste texto, sinalizamos algumas dinâmi-
cas que marcam os elementos dessas realidades urbanas.
Primeiramente, ressaltamos o processo de territorialização do capital e a
presença do agronegócio globalizado, que alteram padrões pré-existentes, ge-
ram impactos nas cidades, principalmente nas locais – híbridas –, intensificam
problemas como falta de moradias, elevação no valor dos aluguéis, impactos
no já escasso e precário atendimento à área de saúde e assistência social, como
também provocam a estigmatização dos trabalhadores migrantes.
Castilho (2009) indica que a cultura canavieira aponta para um movi-
mento de desconcentração espacial da produção para o Cerrado e o Centro-
-Oeste, comandado pela iniciativa privada em parceria com os governos esta-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 25


duais e municipais. O autor acrescenta que esse processo provoca alterações na
configuração regional e, destacamos, das cidades.
Assim, as relações marcadas pelo que Santos (1996 [1993] p. 51) de-
nomina de “cidade dos notáveis” – relativo à importância de personalidades
como a professora primária, o padre, o tabelião, que mantinham um status
e um poder notável na vida comunitária dessa cidade –coabitam, diante dos
processos de reestruturação da agropecuária brasileira, com elementos da cida-
de econômica, na qual o agrônomo, o veterinário, o bancário, o piloto agrícola
e o especialista em adubos representam novos nexos existentes nesse espaço.
Em segundo lugar sublinhamos a presença de uma pobreza política e
material, fatores constitutivos e inerentes da realidade urbana das cidades lo-
cais – híbridas. Para Roma (2013, p. 60):

[...] nas cidades locais híbridas, situadas no limite inferior da comple-


xidade urbana, as duas faces da pobreza, a material – relacionada prin-
cipalmente ao desemprego e má remuneração – e a política – ligada ao
assistencialismo e política de favorecimento –, se reforçam mutuante,
constituindo elementos estruturantes de uma pobreza excludente, que
é estrutural e globalizada.

Santos (1978, 2004 [1979]), Silveira (2007) e Roma (2013, 2016) en-
fatizam que o circuito inferior da economia urbana é formado pelas atividades
de pequena escala, produtos indiretos da modernização, e correlacionam cir-
cuito inferior da economia com pobreza urbana.
Deve-se ponderar que a

[...] prevalência do circuito inferior em uma economia urbana propicia


a criação de riquezas, pois sua dinâmica é baseada no trabalho intensi-
vo, ao invés de capital intensivo, fator que proporciona a geração de em-
pregos, diversificação das funções, mas, ainda, prevalece a perpetuação
da pobreza (ROMA, 2013, p. 65).

Na compreensão referente aos conteúdos das cidades locais – híbridas


–, a relação entre circuito inferior e pobreza torna-se importante. Observa-se
nessas localidades a predominância maciça das atividades de pequena escala,
características do circuito inferior – responsável pela criação de emprego e ren-
da. Entretanto, esse circuito “apresenta poucas condições de criar riqueza e

26 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


emprego, pelo pequeno número do seu mercado consumidor, influindo ainda
para manter a incipiência das funções urbanas existentes nessas localidades”
(ROMA, 2013, p. 66). Tal fator está associado ao desemprego e ao trabalho
mal remunerado.
O lugar atribui aos elementos constituintes do espaço um valor parti-
cular. As fábricas, os homens, as instituições apresentam diferenciações de re-
sultados na medida em que se consideram suas localizações, ou seja, “não têm
a mesma condição como produtores, como consumidores e até mesmo como
cidadãos” (SANTOS, 1985, p.10).
Assim, para Roma (2013, p. 67):

[...] a estreita relação da cidade local – híbrida – e circuito inferior da


economia propicia a estruturação da pobreza, que se processa nas inci-
pientes funções urbanas, na precariedade dos serviços e equipamentos
urbanos, na questão do desemprego e da má remuneração, na redução
do valor do trabalho, na localização, no acesso aos bens e produtos e no
desvio de demanda. Portanto, as características presentes nas cidades
locais –híbridas – propiciam uma organização espacial que conduz à
pobreza urbana.

Para além da pobreza entendida em seus aspectos materiais, há também


a pobreza imaterial, que é o “outro lado da mesma moeda”, a pobreza política
(DEMO, 2003 [1988]).
Nesse sentido, a pobreza urbana possui caráter cumulativo e multidi-
mensional que impede uma explicação única e linear dos processos, como, por
exemplo, os elementos de uma pobreza material e política (ROMA, 2013).
Por fim, em terceiro lugar, aponta-se que as cidades locais – híbridas –
apresentam funções urbanas incipientes que obrigam seus moradores a deslo-
camentos para cidades mais dinâmicas com vistas a terem supridos serviços e
atividades mais desenvolvidos, localizados nas cidades sub-regionais e médias,
o que reflete negativamente nas condições de vida desses moradores.
O processo de territorialização do agronegócio globalizado, a pobreza
material e política e as interrelações urbanas marcam a estruturação da realida-
de socioespacial das cidades locais –híbridas –. Nesse contexto, o estudo dos
indicadores de condições de vida na escala urbano-regional, congregando as
cidades locais – híbridas – e a cidade de Dourados, sob uma mesma perspecti-
va de análise, propiciará uma leitura multiescalar das desigualdades socioespa-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 27


ciais existentes entre os espaços. Esses indicadores revelam, ainda, as condições
de vida a que estão submetidas parcelas da sociedade, o que possibilita melhor
compreensão da pobreza urbana, assim como a necessidade de se pensar um
processo de Desenvolvimento que englobe, para além das dinâmicas produti-
vas e econômicas, elementos como saúde, educação, cultura, lazer, acessibilida-
de e mobilidade, territorialidades, pois, conforme afirma Roma (2012), morar
em cidades locais – híbridas – reforça as condições de desigualdade social.
Nesse sentido, com base nos dados do Censo Demográfico (IBGE,
2010), que se apresentam na escala intra-urbana dos setores censitários, elabo-
ramos 5 indicadores socioeconômicos na escala urbano-regional (escala inte-
rurbana), atrelando os setores censitários em uma única base de dados e clas-
sificando-os a partir da metodologia estatística da análise multivariada pela
distância máxima euclidiana. Os mapas, portanto, classificam os setores cen-
sitários na escala urbano-regional em seis classes constituídas a partir da “pro-
ximidade” interna e da “distância” entre eles e buscam revelar as desigualdades
socioespaciais que ora aproximam as cidades locais – híbridas – de Dourados
e ora reforçam a disparidade entre as realidades urbanas. Isso revela a perver-
sidade do processo de desenvolvimento que concentra as infraestruturas no
território da cidade mais “desenvolvida” da porção sul do Mato Grosso do Sul.
Nos mapas 1, 2 e 3, elencamos os indicadores socioeconômicos de alfabe-
tização e renda. No mapa 1, que concerne à escolaridade dos chefes de família,
observamos que todas as cidades possuem setores censitários com os dois piores
índices de responsáveis pelos domicílios não alfabetizados, o que representa entre
15,58% e 24,29% dos chefes de família sem escolaridade. No entanto, na perspec-
tiva interurbana (urbano-regional), proporcionalmente, constatamos a concentra-
ção dos piores índices nas cidades locais – híbridas –. Já os setores que apresentam
os melhores índices concentram-se na cidade de Dourados. Vale registrar que Jateí
e Douradina não apresentam nenhum setor com o melhor índice (0 a 5,35%).
Os mapas 2 e 3 referem-se aos dois extremos da distribuição/concen-
tração de renda per capita dos domicílios. No mapa 2 estão representadas as
famílias que sobrevivem com uma renda mensal per capita inferior a meio sa-
lário mínimo; no mapa 3, aquelas famílias que concentram a renda na escala
urbano-regional.
Os dois mapas reforçam, nitidamente, a desigualdade na distribuição
e/ou concentração de renda. Verificamos, pelo mapa 2, que 0,53% a 6,72%
de domicílios possuem renda per capita até meio salário mínimo; no mapa 3
constatamos que 17,62% a 20,69% de domicílios possuem renda per capita

28 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


superior a 10 salários mínimo. É importante ressaltarmos que todos os setores
censitários com os melhores indicadores localizam-se em Dourados e que, nas
cidades locais – híbridas –, é zero o percentual de domicílios com renda per
capita maior que 10 salários mínimos.
Os mapas 4 (domicílios com quatro banheiros ou mais) e 5 (domicílios
com esgotamento sanitário ligados à rede geral) também revelam a concen-
tração exclusiva e seletiva dos melhores indicadores na cidade de Dourados.
No mapa 4 todos os setores das cidades locais – híbridas – se classificam com
o pior indicador, no qual apenas um setor censitário de Antônio João e um de
Anaurilândia apresentam somente um domicílio com esta característica.
Com relação aos domicílios com esgotamento sanitário ligado à rede geral,
notamos que a exceção é a cidade de Jateí, apresentando seus dois setores censitá-
rios classificados com o segundo melhor indicador (72,05% a 82,5% dos domicí-
lios são atendidos com a rede de esgoto). Novamente Dourados concentra todos
os setores com o melhor indicador (83,6 a 100% dos domicílios estão ligados à
rede geral de esgoto). As outras cidades têm seus setores na pior classificação – com
índices que variam de 0 a 16,16% dos domicílios do setor beneficiados pelo serviço
de esgoto sanitário, o que revela, mais uma vez, a seletividade espacial.
Dessa forma, os indicadores demonstram que as condições de vida dessa
parcela da sociedade, situada nas cidades locais – híbridas –, são marcadas por
profundas desigualdades socioespaciais, principalmente, quando analisadas na
escala urbano-regional. Ou seja, os indicadores sinalizam, sem exceção, para a
predominância dos melhores indicadores na cidade de Dourados, reforçando
sua centralidade e revelando um processo de desenvolvimento que privilegia e
verticaliza os investimentos em pontos seletivos do espaço, em detrimento de
grandes parcelas do território. Tal fato nega a possibilidade de um Desenvolvi-
mento como referência de justiça socioespacial e reforça haver a permanência,
nas cidades locais híbridas, de uma pobreza material e política, assim como a
dependência das interrelações inter-urbanas para seus moradores.
A permanência das pessoas nessas localidades se justifica, principalmen-
te, pelo fator moradia própria, pois esta representa maior estabilidade mate-
rial, tendo em vista que assegura o lugar fundamental de reprodução social
– a casa – e permite a sobrevivência da família mesmo no caso de a renda não
apresentar regularidade. Isso ocorre, por exemplo, com a parcela da população
que não consegue ocupação estável e formal, como revelam os altos índices de
desemprego nas cidades locais – híbridas –, conforme pontuam os estudos de
Roma (2012), Bernardelli e Matushima (2009).

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 29


30 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)
Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 31
32 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)
Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 33
34 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)
Ribeiro (2005, p.12459) apresenta debate importante sobre a necessi-
dade de construção de um mercado socialmente necessário que agregue não
somente a concepção hegemônica de mercado, mas também as diferentes,
diversas dinâmicas do território (das territorialidades). Destaca, ainda, que
“não se trataria, apenas, de apreender o território como a condição material
do Estado moderno, ou seja, de sua soberania na definição e na defesa de uma
determinada forma de sociedade”. Fator que permanece indispensável, mas
outra compreensão acerca de território torna-se necessária e a “possibilidade
de compreensão dos confrontos entre interesses, projetos e visões de mundo
que constituem a densidade (espessura) da vida social”.
Acrescentemos que a concepção de desenvolvimento que pautou as
políticas públicas de planejamento construiu/constrói unidade somente por
meio das funções econômicas, concentrando hierarquicamente os recursos e
os sistemas técnicos e sociais em pontos de verticalidades (por exemplo, Dou-
rados). Nesse sentido é que as cidades, no caso, as locais – híbridas – da hin-
terlândia de Dourados, consideradas espaços “opacos”, revelam aglomerados
de exclusão. Por isso também se diz que o viver nessas localidades torna as con-
dições de vida dos moradores precárias, o que denota a seletividade desse mo-
delo de desenvolvimento baseado apenas nos espaços “luminosos” do capital.

Considerações finais
Analisar o Desenvolvimento na perspectiva urbano-regional permite
que se compreendam as dinâmicas da divisão territorial do trabalho em seu
acúmulo desigual de tempos e espaços. No entanto, as questões postas neste
texto não significam apenas um dado da divisão territorial do trabalho e da
hierarquia urbana, mas reforçam desvantagens, limitações ou não acesso aos
recursos tecnológicos, um impacto na ocupação-renda, no acesso ao lazer e/
ou cultura por uma parcela da sociedade.
Para Ribeiro (2005, p. 12464), ao vivermos sob as regras da concepção
hegemônica de mercado, a fragmentação territorial impõe-se como espacia-
lidade difusa e hiperconcentrada. Tal processo não representa corporificação
dos direitos que significa “apropriação socialmente justa do espaço”.
Esta apropriação socialmente justa do território determina que os direi-
tos em saúde, educação e renda (mercado socialmente necessário) não sejam
apenas vistos como mercadoria nas políticas públicas de planejamento. Mas,
contrariamente, observa-se, no período atual, a maciça penetração das regras
empresarias e hegemônicas de mercado nas ações do Estado.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 35


A ideia de desenvolvimento pautado nos “polos de desenvolvimento”
e em hierarquias fragmentárias não representa um processo de Desenvolvi-
mento baseado num ideário de justiça socioespacial e, sim, na hegemonia do
mercado.
A justiça socioespacial representa o comprometimento com o avanço
socialmente justo da modernidade. Desse modo, é preciso investir em equipa-
mentos e serviços em cidades locais – híbridas –, valorizar a diversidade e as
múltiplas territorialidades, o valor de uso em detrimento da racionalidade do
valor de troca e a cidadania sobre a mercadoria.
Portanto, faz-se, então, necessário e premente um movimento espirala-
do que possibilite a unidade na diferença, os fluxos e fixos, as racionalidades e
irracionalidades, a horizontalidade e a verticalidades, a forma e o conteúdo, a
razão e a emoção.

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MATO GROSSO DO SUL: O SETOR DE
TRANSPORTE AÉREO E A VALORIZAÇÃO
DE NOVOS TERRITÓRIOS
Ana Paula Camilo Pereira
Rafael Oliveira Fonseca

Introdução
No atual período ainda caracterizado pela convergência da técnica, da
ciência e da informação, a circulação se destaca como elemento intrínseco e in-
dissociável aos processos produtivos, pois constantemente se criam e ampliam
as possibilidades para especialização dos lugares o que contribui para o estabe-
lecimento de uma intensa divisão territorial do trabalho (SANTOS, 1996).
Nesse sentido observamos nas primeiras décadas do século XXI uma
forte expansão no fluxo de passageiros no setor aéreo brasileiro, inserido em
um cenário de crescimento econômico e a realização de vários investimentos
em setores considerados estratégicos para o desenvolvimento do país. Dentre
estes, logicamente o setor de transportes, através por exemplo das ações e dos
empreendimentos elencados nos últimos anos pelo Programa de Aceleração
do Crescimento, pelo Programa de Investimentos em Logística, pelo Progra-
ma de Aviação Regional, dentre outros.
Esse processo, que envolve várias ações institucionais e vultosos investi-
mentos estatais e privados, corrobora para uma intensificação dos fluxos ma-
teriais e imateriais que ocorrem em espaços cada vez mais amplos do mercado
mundializado, aumentando as possibilidades do espraiamento geográfico das
atividades econômico-produtivas que, por vezes, atingem áreas antes, até certa
medida, posicionadas às margens dos circuitos produtivos predominantes.
Cabe ressaltar que isso não ocorre, todavia, de forma idêntica em todos
os lugares, portanto é necessário compreendermos que a circulação atua como
uma das bases da diferenciação geográfica (ARROYO, 2006), de uma forma
consideravelmente intensa na atualidade.
É patente que diante da forte expansão do tráfego aéreo brasileiro, as
novas conjunturas e demandas corporativas induzem novos territórios de
desenvolvimento e um cenário de maior racionalidade na circulação, não
apenas através de avanços técnicos por meio da implantação de sistemas de

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 39


objetos (infraestruturas), mas também através da política e das normas, por
meio de um sistema de ações essenciais para a promoção da fluidez e da poro-
sidade territorial (SANTOS; SILVEIRA, 2001), visando sempre formas mais
rápidas, racionais e precisas de deslocamentos pelo território nacional.
Toda esta dinâmica corresponde, logicamente, a forma como as possibi-
lidades de circulação estão estabelecidas e/ou podem se estabelecer no Estado
de Mato Grosso do Sul, nossa escala geográfica de análise.
Nesse sentido, na lógica de integração territorial o modal aéreo faz par-
te de em um setor de grande influência para a dinâmica econômica do país e
para a organização do território, o setor de transporte aéreo A importância
deste reside muito mais em seus encadeamentos e no potencial de estímulo a
outros setores, do que na sua participação no conjunto do valor adicionado, o
que permite avaliar o quanto é necessário o efetivo funcionamento deste meio
de transporte como insumo para o aumento de produção em outros setores
(TUROLLA; LIMA; OHIRA, 2011).
Diferentes perspectivas de análise podem retratar o setor de transporte
aéreo, seja em relação à indústria aeronáutica, à mobilidade de passageiros e/
ou cargas, ou ainda as recentes análises que abordam as questões relativas à
infraestrutura aeroportuária, a concessão dos fixos etc.. Contudo, mediante as
diferentes abordagens, o que de fato se pode destacar é que esse setor tem per-
passado por um crescimento constante em suas diversas áreas, assim como tem
registrado aumento nos índices produtivos da indústria aeronáutica nacional,
tanto em relação à produção, como também a comercialização de aeronaves
e, principalmente, houve um aumento do número de pessoas que passaram a
utilizar o avião como meio de transporte.
Com o 3º maior mercado doméstico mundial, o número de passagei-
ros transportados no Brasil triplicou entre 2002 e 2013 (atingindo mais de
100 milhões/ano) e estima-se que há o potencial de dobrar este fluxo até 2020
(ABEAR, 2014)
Estes fatores, em grande parte, estão associados ao declínio no preço
médio do bilhete aéreo, que consequentemente favorece e induz o crescimen-
to do tráfego aéreo de passageiros (AREDES, 2013) proporcionando uma
maior acessibilidade de atuação do setor em novos territórios que por sua vez,
possuem potenciais consumidores com baixa ou sem oferta de voos regulares,
o que impulsiona de forma cíclica o próprio crescimento do setor aéreo nos
seus distintos ramos.
Dentre os segmentos relacionados à aviação comercial de transporte de

40 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


passageiros, temos: o internacional, nacional e o regional; que em suas diferen-
tes escalas de atuação influenciam consideravelmente na integração territorial
através do modal aéreo. Contudo os mecanismos espaciais que justapõem as
diferentes escalas territoriais reproduzem uma lógica que não mais os diferen-
ciam, mas os tornam complementares.
Neste trabalho não abordaremos a aviação internacional, devido à au-
sência atualmente desse tipo de voos no Estado de Mato Grosso do Sul. Em
relação aos outros dois segmentos, nacional e regional, destacamos que há um
rico debate conceitual no que se refere as suas definições que se baseiam em
vários aspectos, como por exemplo: a área de atuação da companhia aérea, a
capacidade de passageiros dos aviões utilizados, o porte das cidades atendidas,
a distância das rotas, dentre outros aspectos2.
Há também a concepção de que as rotas nacionais seriam aquelas que
interligam grandes centros populacionais e econômicos, e a rotas regionais
seriam complementares a estas por interligarem as cidades de pequeno e mé-
dio portes àquelas regiões servidas por rotas nacionais, que por sua vez, são
servidas por rotas internacionais, assim estabelecendo uma rede hierárquica
alimentadora baseada basicamente no porte das cidades atendidas (CAMILO
PEREIRA, 2010).
Assim neste trabalho, considerando as observações previamente expos-
tas, concebemos como rotas da aviação nacional todas aquelas que perpassam
pela capital do Estado Campo Grande e consideramos rotas da aviação regio-
nal todas aquelas que perpassam pelas outras cidades sul-mato-grossenses ser-
vidas por linhas regulares na atualidade. Esta definição considera o porte das
cidades atendidas e suas respectivas relevâncias administrativa, socioeconômi-
ca e também pelas características das aeronaves utilizadas nas respectivas rotas,
conforme abordaremos adiante.
Compreendemos que o segmento aéreo nacional, por atender os princi-
pais centros econômicos e populacionais do país servidos em grande parte, in-
clusive, por rotas internacionais, se estabeleceu no país há algumas décadas so-
bretudo devido ao seu potencial de exploração dessa atividade econômica por
parte das empresas privadas. Não há dúvida que sempre houve e sempre haverá
interessados em atuar no transporte de passageiros nesses pontos do território
caracterizados pela concentração populacional em um país de dimensão con-
tinental como o Brasil e, consequentemente por uma forte demanda de fluxos
de passageiros para o setor aéreo.
2. Sobre esse debate conceitual consultar Bettini (2007), Oliveira e Silva (2008) e Barat (2008).

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 41


Por outro lado, o segmento aéreo regional, que no âmbito da dinâmica
do mercado define as ligações teoricamente de menor potencial de tráfego, sob
uma perspectiva de integração territorial é extremamente importante para um
grande número de cidades e de regiões do país, considerando que em muitos
casos a presença de uma ligação aérea regular pode fazer a diferença entre o
isolamento territorial e a inclusão do território em um eixo de desenvolvimen-
to econômico, ou em outras palavras a sua inserção em circuitos produtivos
antes não existente ou limitado.
Barat (2008) corrobora que há um aspecto importante a ser ressalta-
do, ou seja, no Brasil existem, na verdade, vários tipos de “aviação comercial
regional” que devem ser contempladas por uma política pública abrangente.
Nesse mérito, destacam-se as oportunidades para este tipo de aviação guiadas
pelo mercado, pelas oportunidades abertas com o deslocamento da frontei-
ra econômica e com os novos polos e clusters de especializações produtivas, e
pelo atendimento às necessidades de âmbito estadual ou de pequenas regiões
também movida pelo mercado, mas necessitando de algum apoio ou estímulo
estatal, principalmente em termos de infraestruturas.
Nesse sentido, este artigo tem o objetivo de analisar o setor de transpor-
te aéreo de passageiros no Estado de Mato Grosso do Sul, enquanto um setor
de valorização de novos pontos do território, com ênfase nos fixos e fluxos
que têm dinamizado a aviação comercial nesta região do país, sobretudo o seg-
mento regional. É um contexto que estimula a oferta e a demanda por voos,
bem como promove o interesse do capital como um todo ao reestabelecer o
significado dos lugares nos circuitos produtivos em diferentes escalas, tanto
local, regional, nacional e, por vezes, global.

O setor aéreo: a ascensão de novos voos, a necessidade de


novos territórios
Historicamente, o Brasil perpassou por um momento de forte expansão
da aviação comercial doméstica e apesar de perspectivas de desaceleração da
economia as expectativas para os próximos anos para este setor ainda é de um
considerável crescimento (ABEAR, 2014).
Conforme estudos da Global Market Forecast (GMF)3 que realiza uma
previsão de crescimento de fluxos entre os anos de 2011 a 2030, a maior parte
desse considerável aumento mundial terá procedência nas chamadas econo-
3. Informações disponíveis em “Brasil será 4º mercado mundial de voos regionais em 2030” (http://exame.abril.com.
br/). Acesso em 15/06/2016.

42 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


mias emergentes, que devem quase triplicar sua participação com origem ou
destino no total de voos domésticos e internacionais nos 20 anos considera-
dos, respondendo por cerca de 70% do volume de passageiros totais transpor-
tados globalmente.
É evidente que o setor aéreo de passageiros tem apresentado uma
dinâmica ascendente em relação ao número de passageiros transportados,
mas também em termos de cidades atendidas, e no Brasil isso não é diferente.
Estima-se que o mercado de voos regionais no Brasil será o quarto maior do
mundo em 2030, atrás apenas dos Estados Unidos, China e a Índia pelo cál-
culo de passageiro quilômetro pago transportado (RPK, na sigla em inglês).
De acordo com Barat (2008) na última década abriram-se novos nichos
de mercado e com isso a ampliação das escalas territoriais de atuação das com-
panhias, assim como o aumento da demanda contribuíram para que o setor
apresentasse ganhos inquestionáveis, tanto para as empresas, quanto para os
consumidores.
Neste sentido, o autor ainda destaca que o Brasil tornou-se um dos paí-
ses emergentes com maior potencial de desenvolvimento do transporte aéreo,
em virtude de uma conjugação favorável de fatores: 1) dimensão continental
do território; 2) alta mobilidade geográfica e social da sua população; 3) ace-
lerado deslocamento das fronteiras econômicas; 4) inserção competitiva nos
mercados globais em vasta gama de bens e serviços; 5) estabilidade monetária
no longo prazo e o consequente aumento persistente do poder aquisitivo dos
consumidores e complementando o autor; destacamos ainda, 6) a ausência de
alternativas de transporte ao modal rodoviário, dado que o transporte de pas-
sageiros no modal ferroviário no Brasil há décadas não faz parte das políticas
de transporte do país.
Neste cenário, o mercado brasileiro exerce um papel cada vez mais re-
levante e atraente para a companhias aéreas, sobretudo quando consideramos
que atualmente as ligações aéreas de maior demanda são alimentadas pelas
ligações consideradas secundárias (regionais), ou seja, os passageiros provêm
de diferentes Estados da federação e utilizam a aviação comercial regional
para seus deslocamentos até os principais e maiores aeroportos do país, com a
finalidade de realizar uma outra viagem, por vezes internacional.
Daí reside a intrínseca importância do segmento de transporte aéreo
regional, considerando sua relevante ascensão nos últimos anos, seus expres-
sivos volumes de passageiros transportados, as políticas públicas de incentivo,
a demanda reprimida e, sobretudo, compreender como a concorrência se de-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 43


senvolve nesse setor, frente a atuação e as estratégias empresariais das grandes
líderes do mercado brasileiro. Toda essa dinâmica logicamente caracteriza a
atuação desse setor em Mato Grosso do Sul.
De acordo com a Política Nacional de Aviação Civil (Decreto Federal
nº 6.780, de 18/02/2009), o setor aéreo regional é responsável por “estimu-
lar o desenvolvimento das ligações de baixa e média densidade de tráfego” e
“incentivar o desenvolvimento e a expansão dos serviços aéreos prestados em
ligações de baixa e média densidade de tráfego, a fim de aumentar o número de
cidades e municípios atendidos pelo transporte aéreo”.
Desse modo, vale destacar que mais do que uma necessidade de locomo-
ção, o segmento aéreo regional cumpre um papel de extrema relevância para
o setor, pois não haveria o mesmo vigor e domínio na aviação comercial brasi-
leira se o segmento regional não realizasse a interligação entre aeroportos pe-
quenos e médios de diferentes regiões brasileiras com os principais aeroportos
do país, que por sua vez redistribuem os fluxos para outras cidades do Brasil e
de outros países.
Apesar dos sistemas de circulação imaterial, com o aperfeiçoamento e
ampliação das redes de informação e comunicação, terem viabilizado a inte-
gração da produção industrial favorecendo a intercomunicação entre os fixos
de gestão e produção, a circulação de pessoas não deixou de ser importante no
conjunto das relações sócio-espaciais. E como reflexo do “frenesi da velocida-
de” (SANTOS, 1996) e principalmente da indubitável precisão de articular
o controle à produção, que o transporte aéreo se insere como um modal re-
presentativo dessa rápida interconexão, ainda mais em um território extenso
como o Estado de Mato Grosso do Sul.
Nesse contexto, embora o Estado sul-mato-grossense localizado no
Centro-Oeste não seja contemplado por uma grande concentração populacio-
nal, como ocorre por exemplo na porção litorânea do país, o transporte aéreo
regional tem articulado uma necessária rede de conexões aéreas indispensável
à lógica de fluidez territorial. Dado que “um fenômeno recentemente obser-
vado é a forma como empresas aéreas regionais acompanharam a migração
da fronteira agrícola do Brasil, movendo-se constantemente para as regiões
Centro-Oeste e Norte” (BETTINI, 2007, p. 47).
Dentro dessa perspectiva geográfica o Estado de Mato Grosso do Sul,
vizinho de importantes centros produtores e consumidores do país (São Pau-
lo, Paraná e Minas Gerais), com uma economia baseada, em grande medida,
por relevantes atividades vinculadas ao setor agropecuário, de turismo e de

44 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


serviços com um todo, e que também conta com uma atuação industrial e mi-
neradora, se constitui como uma importante área no contexto de ocupação e
valorização de novos territórios para o desenvolvimento da aviação comercial,
considerando os principais fixos aeroportuários com voos regulares no Estado,
conforme abordaremos adiante.
Dentro desse cenário de análise, é importante referenciar historicamen-
te essa projeção de valorização de novos territórios que o setor de transporte
aéreo tem promovido. Em decorrência das profundas mudanças nos sistemas
de engenharia dos territórios, é possível observar que cada vez mais diferen-
tes formas de circulação territorial se impõem com maior preponderância no
sentido de promover uma maior integração territorial, mas também como um
meio de intensificar e acelerar a velocidade das ações no tempo e no espaço.
A circulação aérea torna-se especialmente importante entre os sistemas
de fluxos, pois permite realizar a complementaridade entre porções especiali-
zadas do espaço, ligando-as a outros territórios. A esta ligação inclui-se a de-
manda pelo transporte aéreo, que tem fomentado o desenvolvimento regio-
nal e tornado ainda mais interessantes determinados territórios no sentido de
atrair novos negócios (CORDEIRO; LADEIRA, 1994).
O processo de desconcentração industrial (LENCIONI, 1994) inicia-
do a partir da década de 1970 no Estado de São Paulo promoveu uma rede-
finição da integração territorial, e suas causas e efeitos não se restringem ape-
nas a este Estado. Nesse sentido que as relações econômicas estabelecidas em
virtude da desconcentração das indústrias de São Paulo têm manifestado im-
portantes papéis para outras cidades, não mais secundárias, mas como centros
polarizadores que empreendem novos arranjos produtivos e de consumo e que
contribuem para o desenvolvimento territorial, uma vez que promovem uma
maior mobilidade dos agentes sociais e econômicos envolvidos com as mais
diversas atividades econômicas, fortalecendo novos espaços produtivos que
engendram o desenvolvimento regional.
Logo, esse processo de desconcentração urbano-industrial, que pro-
moveu a expansão das novas territorialidades, sobretudo no estado de São
Paulo, mas que também repercutiu efeitos em outros estados, tais como no
Mato Grosso do Sul, que de acordo com a evolução da oferta/demanda de
voos em seus respectivos aeroportos, contribuiu para promover o setor de
transporte aéreo, principalmente na conectividade e integração com os prin-
cipais nós das redes do espaço geográfico brasileiro, com destaque para os

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 45


principais aeroportos da macrometrópole de São Paulo4 (Guarulhos, Con-
gonhas e Viracopos).
Dentro desse contexto de análise, destaca-se a seguir uma abordagem
sobre os fluxos e fixos aeroportuários do Estado de Mato Grosso do Sul, com-
preendendo sua importância na rede urbana brasileira, a multiplicidade dos
fluxos correlacionados a importância dos investimentos em aeroportos, bem
como o interesse empresarial pelos aeroportos com voos regulares no Estado.
Em resumo, a partir das diferentes finalidades, estes fixos têm demonstrado
um aumento no número de voos, passageiros transportados, assim como tem
atraído o capital empresarial, o que demonstra a importância desses centros
urbanos na integração territorial regional e nacional.

A multiplicidade dos fluxos aéreos em Mato Grosso do


Sul: uma abordagem da rede urbana e das regiões de influência
das cidades
Para compreendermos a dinâmica do setor de transporte aéreo em Mato
Grosso do Sul é importante analisarmos como se distribui territorialmente os
municípios e a população do Estado e, consequentemente onde se localizam as
principais concentrações populacionais.
Sendo o sexto maior Estado do Brasil em extensão territorial (358 mil
km²), Mato Grosso do Sul possui uma área urbanizada de apenas 441 km²
(MIRANDA; GOMES; GUIMARÃES, 2005), o que demonstra o predo-
mínio áreas voltadas para outros usos não urbanos e extensas áreas com baixís-
sima densidade demográfica.
A população do Estado estimada para 2015 é de 2,65 milhões de habi-
tantes. Esta se divide de forma extremamente heterogênea por seus 79 muni-
cípios (IBGE, 2016), sendo que um terço do total se concentra na sua capital
Campo Grande (853 mil habitantes), conforme pode ser observado na próxi-
ma tabela (Tabela 1).

4. De acordo com a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano S.A. (Emplasa) o território macrometropo-
litano abrange as quatro regiões metropolitanas institucionalizadas do Estado de São Paulo, que inclui: a Região
Metropolitana de São Paulo, Região Metropolitana de Campinas, Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Li-
toral Norte, Região Metropolitana da Baixada Santista e Região Metropolitana de Sorocaba), duas aglomerações
urbanas (Aglomeração Urbana de Jundiaí e de Piracicaba) e duas microrregiões (Microrregião de Bragantina e São
Roque), totalizando 173 municípios, 20% do território paulista, mais de 30 milhões de pessoas, o que corresponde
a aproximadamente 73% da população do Estado. Compreende-se que a extensão territorial somada ao contingente
populacional constitui-se como um importante fator que induz uma intensa demanda que, por sua vez, amplia a
oferta de voos nessas regiões metropolitanas, daí o interesse das companhias na interligação aérea com os aeroportos
localizados na macrometrópole paulista, com destaque para os aeroportos de Guarulhos, Congonhas e Viracopos.

46 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Esta sistematização revela como está estabelecida a hierarquia urbana
de Mato Grosso do Sul. Há apenas quatro municípios com mais de 100 mil
habitantes que juntos concentram quase que a metade da população do Esta-
do. Além disso, é notável que dentre os 79 municípios sul-mato-grossense, 60
(ou 76% do total) estão na faixa dentre 5 e 30 mil habitantes. A distribuição
territorial dos municípios pode ser observada no Mapa 1.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 47


Em suma, é evidente que o Estado não é populoso (21ª posição nacio-
nal) nem povoado (20ª posição), mas de qualquer maneira, ainda assim apre-
senta uma população absoluta considerável e ainda por cima concentrada em
apenas alguns pontos de seu território que são dotados de infraestrutura ae-
roportuária, uma situação excelente para as estratégias de atuação das compa-
nhias aéreas.
Em 2005, em Mato Grosso do Sul, existiam voos regulares nos aeropor-
tos de Campo Grande, Corumbá, Dourados, Bonito e Ponta Porã. Nessas ci-
dades, os voos regulares eram realizados pelas companhias aéreas: Gol Linhas
Aéreas Inteligentes, Tam Linhas Aéreas e Trip Linhas Aéreas.
Passados 10 anos, em 2015, constata-se o aumento considerável no do
número de passageiros, no entanto, as cidades servidas pelo transporte aéreo
regular no Estado perpassou por pequenas alterações, com a exclusão de Ponta
Porã em 2005 e a inclusão de Três Lagoas em 2013, que inclusive teve um au-
mento considerável do número de passageiros nos dois anos subsequentes, o
que evidência uma demanda reprimida existente neste município.
Particularmente, os voos com origem/destino em Campo Grande se
distinguem dos demais aeroportos do Estado, o que nos faz defini-lo como
um aeroporto nacional, não podendo ser considerado como regional, dado
o fato de que se constitui por uma localização em uma capital estadual, o que
suplanta um maior número de passageiros, de ligações aéreas, quantidade de
voos/dias e empresas aéreas. Contudo, é relevante destacar o potencial de in-
terconexão deste fixo, tanto com os importantes hubs5 da rede aeroportuária
brasileira (com destaque para os aeroportos de São Paulo), como as ligações
com cidades de outros Estados e, principalmente com aeroportos do próprio
Mato Grosso do Sul.
Considerando a fluidez aérea nos aeroportos do Estado, enfatizamos
metodologicamente uma distinção dos dados estatísticos. Como já destacado
anteriormente, devido Campo Grande não se caracterizar por operações re-
gionais, apresentamos as análises separadamente, considerando as operações
aéreas da capital enquanto voos nacionais e das demais cidades, enquanto voos
regionais.
Dada esta escolha metodológica, a série histórica relativa ao número de

5. Hubs constituem os pontos de ligação do transporte aéreo, ou seja, são os aeroportos onde as empresas aéreas cen-
tralizam suas operações. Os hubs principais são aqueles em que há maior oferta e demanda de voos, daí se falar que um
hub é estratégico ou não, isto é, se ele possui capacidade de geração de tráfego, diz-se que este é estratégico do ponto de
vista das empresas aéreas centralizarem suas operações. Quanto mais ligações com diferentes pontos, mais estratégico
torna-se o hub e essas ligações são diretamente maiores se houver demanda e oferta nos itinerários.

48 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


passageiros que utilizaram o serviço de transporte aéreo em seus deslocamen-
tos é ilustrado no Gráfico 1, demonstrando que os voos com origem/destino
em Campo Grande apresentam um crescimento permanente por vários anos
interrompido por uma ligeira queda em 2013 e posterior estabilidade até a
atualidade.

Numa análise correlativa com o Gráfico 2, é possível constatar que no


mesmo período, iniciaram-se as operações regulares em Três Lagoas que teve
um aumento extremamente acentuado em um curto período da mesma ma-
neira que o Aeroporto de Dourados, sobretudo a partir de 2012. Em Bonito a
partir de 2011 há um crescimento pequeno que se inverte em 2015, enquanto
que em Corumbá, apesar das variações no período permanece com uma relati-
va estabilidade na última década.
Consideramos que a interrupção do crescimento das operações aéreas
no Aeroporto de Campo Grande está associada também a maior atuação da
companhia Azul Linhas Aéreas Brasileiras no Estado de Mato Grosso do Sul,
que tem intensificado estrategicamente suas operações em aeroportos suba-
proveitados, principalmente naqueles em que se observa uma demanda ociosa,
como no caso de Três Lagoas e Dourados, aeroportos localizados em centro re-
gionais, que se caracterizam como fundamento principal de sua mais destaca-
da estratégia inovativa e de diferenciação: a de ligar centros urbanos ainda não
congestionados em relação à movimentação nos aeroportos, mediante a oferta
de voos domésticos sem escala, com aviões menores e passagens mais baratas, e

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 49


para cidades não atendidas pelas atuais linhas aéreas, visando ampliar o poder
territorial de suas operações.

Em resumo, podemos afirmar que o início das operações desta compa-


nhia nestes dois municípios promoveu a captação de parte dos fluxos de pas-
sageiros do interior de Mato Grosso do Sul que anteriormente tinham como
opção principal o aeroporto da capital do Estado.
Quanto ao direcionamento das rotas com origem/destino no Estado de
Mato Grosso do Sul, nota-se de acordo com o Mapa 2 que as rotas existentes
no Aeroporto de Campo Grande têm um raio de alcance mais amplo em com-
paração aos aeroportos dos outros municípios do Estado, obviamente por ser
a capital, por estar localizada na área com maior contingente populacional do
Estado e por possuir um raio de atratividade extenso que inclusive ultrapassa
os limites do Estado.
Estes fatores implicam em uma expressiva quantidade de passageiros
transportados, maior número de companhias aéreas e frequências em opera-
ção e, principalmente uma malha aérea com maior densidade e capilaridade,
que não se limita apenas ao Estado de São Paulo, principal origem/destino dos
voos realizados em Mato Grosso do Sul, mas se estende a outros pontos do
Centro-Oeste, Sudeste e do Sul do Brasil.

50 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Diferentemente das rotas operadas na capital do Estado, nos aeroportos
regionais, considerando nesse caso aqueles que realizam voos regulares (Co-
rumbá, Bonito, Dourados e Três Lagoas), nota-se que todos os voos ocorrem
exclusivamente para o Estado de São Paulo (Mapa 03).
Isso ainda evidência que apesar do Mato Grosso do Sul ter uma exten-
são territorial considerável não há voos interestaduais, ou seja, não há como se
deslocar internamente no Estado através do modal aéreo em voos regulares.
Ademais, com exceção das rotas que conectam Campo Grande aos ae-
roportos da macrometrópole de São Paulo, as ligações aéreas com origem/des-
tino em Campo Grande, são com capitais estaduais em que há um expressivo
número de passageiros, sendo: Brasília, Cuiabá, Curitiba, Porto Alegre e Rio
de Janeiro.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 51


Destaca-se ainda que os todos os aeroportos regionais têm sua principal
ligação aérea, ou seja, aquela de maior movimentação de passageiros e de maior
frequência para o Aeroporto de Viracopos, o que se explica pela atuação da
companhia Azul Linhas Aéreas Brasileiras, que tem como base principal de
suas operações a cidade de Campinas.
Em suma, estatisticamente é possível observar que apesar do grande
crescimento na última década desde 2013 o fluxo de passageiros no aeroporto
da capital sul-mato-grossense caiu ligeiramente e posteriormente se estabili-
zou, enquanto que os fluxos nos outros aeroportos vinculados ao setor aéreo
regional tem conhecido novos céus, o que tem possibilitado novos horizontes
de desenvolvimento a este segmento e ao Estado de Mato Grosso do Sul, o
que em boa medida está relacionado com a atuação do capital empresarial pela
busca de novos territórios de valorização, conforme destacaremos a seguir.

As estratégias competitivas e as diferentes perspectivas da


lógica de mercado em Mato Grosso do Sul
Definitivamente, a lógica de mercado, indiferentemente do ramo em-
presarial não possui uma lógica definida, ainda mais quando se trata do setor
de transporte aéreo. Nessa compreensão, é inegável que a dinâmica empresa-
rial e econômica do setor está diretamente associada a dinâmica territorial, em

52 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


outras palavras, as empresas aéreas desenham suas malhas de voos de acordo
com seus interesses territoriais, contudo, cada companhia tem sua lógica ter-
ritorial que não necessariamente se define pelos hubs de maior fluidez, essa
definição ocorre mediante as escolhas estratégicas e territoriais de cada capital
empresarial.
Daí Lencioni (2008, p. 17) considerar que “a dinâmica dos processos
espaciais não repousa apenas sob a lógica topográfica, mas também sob a lógica
topológica”, por isso considerar que os fluxos em suas diferentes naturezas têm
redefinido as lógicas de mercado e, consequentemente tem gerado novas estra-
tégias territoriais. É nesse contexto geográfico, que o Estado de Mato Grosso
do Sul ganha sentido enquanto um novo território de valorização para o trans-
porte aéreo e, simultaneamente, às companhias deste setor.
A lógica de mercado detém um papel importante uma vez que responde
diretamente ao crescimento do setor de transporte aéreo e a uma nova confi-
guração geográfica dos fluxos aéreos no território brasileiro, principalmente
quando se considera os fluxos regionais.
As principais companhias aéreas em atuação atualmente no Estado de
Mato Grosso do Sul correspondem as três empresas aéreas de maior poder de
mercado no país: a Latam Linhas Aéreas Brasil (antiga Tam Linhas Aéreas),
Gol Linhas Aéreas Inteligentes e a Azul Linhas Aéreas Brasileiras. Estas com-
panhias lideram o setor e, concomitantemente, definem os padrões territoriais
de atuação, bem como as estratégias de mercado, a partir de seus interesses
territoriais. No entanto, além dessas companhias, ocorre também no Estado
operações realizadas pela Avianca Linhas Aéreas, que nos últimos anos tem
intensificado sua atuação no território brasileiro e da Passaredo Linhas Aéreas
considerada uma companhia exclusivamente regional, com maior atuação no
Estado de São Paulo.
Basicamente, estas empresas atuam no território sul-mato-grossense
com dinâmicas espaciais semelhantes, mas com interesses nem sempre análo-
gos, sobretudo devido ao perfil heterogêneo das companhias. Mas sem dúvida
suas ações se assemelham no que diz respeito a: estar presente em territórios
onde há demanda nas ligações com os aeroportos localizados na macrometró-
pole de São Paulo ou em aeroportos de potencial de tráfego, como a Avianca
que atua em Brasília.
No que difere seus interesses, é importante destacar a atuação da Azul,
que em decorrência de sua estratégia de interconectar centros urbanos ainda
não slotados ou com menor potencial de tráfego, redefiniu sua lógica comer-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 53


cial no sentido de ampliar a importância que esses pontos possuem na rede
urbana brasileira e, consequentemente na malha aérea brasileira. Em outras
palavras, interessa a esta empresa não apenas a interconexão com os principais
aeroportos de São Paulo (ainda que estes sejam suas principais ligações), mas
com demais cidades de outros Estados da federação, na busca por intensificar
e cooptar uma demanda que considera reprimida por ausência ou baixa oferta.
A tabela a seguir corrobora com esta análise, pois é possível observar a
malha aérea promovida por estas empresas, com destaque para as operações da
Azul em comparação com as demais companhias em operação atualmente no
Estado de Mato Grosso do Sul.

Nota-se de acordo com a tabela anterior que as companhias Latam e


Gol desenham uma interconexão que tem como origem/destino os principais
aeroportos do país: Congonhas, Guarulhos e Brasília, destacando ainda que
suas ligações são exclusivamente com o Aeroporto de Campo Grande. É válido
destacar ainda que a Latam possui acordos com a regional Passaredo, a inter-
conexão entre os aeroportos de Dourados e Três Lagoas são comercializados

54 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


pela Latam, mas operacionalizados pela Passaredo, um ponto que define uma
lógica de mercado estratégica no sentido de estar presente regionalmente com
sua marca, mas atuar preponderantemente em escala nacional e internacional,
repassando a operação de um voo regional para uma companhia voltada para
tal finalidade.
Quanto a Avianca, observa-se uma atuação que ora se assemelha ao que
a companhia Azul tem realizado no território brasileiro, que se configura por
um desvio das rotas congestionadas; ora se assemelha a atuação da Gol e da
Latam, que buscam estar presente no aeroporto de Brasília, um dos principais
hubs de distribuição de voos pelo território nacional.
Desta forma, constata-se a partir de sua malha aérea que seus voos têm
origem/destino fora no eixo concentrado, que se constitui pelos aeroportos
de São Paulo (Congonhas e Guarulhos). No entanto, estrategicamente esta
companhia define suas ligações com um importante fixo aeroportuário que é
o Aeroporto de Brasília, que possui uma função estratégica na rede aérea bra-
sileira, centralmente localizado no país, essa vantagem permite uma constante
distribuição de voos para diversas localidades, o que favorece uma distribui-
ção em diferentes escalas territoriais. É nesse sentido, que Cordeiro e Ladeira
(1996: 290) enfatizam que “Brasília se apresenta como uma rede integrada a
todo o país”.
Além disso, destacamos ainda a ligação realizada pela Avianca entre
Campo Grande e Cuiabá, rota que possui uma demanda considerável, o que
se justifica por motivos históricos e socioeconômicos entre essas duas capi-
tais. Históricos devido estas serem capitais de Estados que foram divididos na
década de 1970, e nesse processo ter configurado importantes e permanentes
rugosidades e semelhanças, e por fatores socioeconômicos que se vinculam
principalmente devido ao desenvolvimento de atividades econômicas simila-
res ligadas, sobretudo aos circuitos produtivos do agronegócio.
O destaque das operações aéreas nacionais e regionais se complementa
com as iniciativas da empresa Azul que promove a estratégia de interligar ci-
dades localizadas no interior dos Estados que em geral apresentam aeroportos
potenciais, mas ainda não congestionados, tendo como base operacional o Ae-
roporto Viracopos, em Campinas.
Em outras palavras, a Azul é uma companhia de perfil nacional, com
uma eloquente estratégia que conecta por meio de complementaridades,
a escala regional. Com isso a empresa procura promover a intensificação da
demanda a partir de uma vantagem competitiva (PORTER, 1989) que tem

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 55


favorecido, até o momento, suas operações empresariais, uma vez que a oferta
tem se confirmado pela demanda, bem como o número de localidades atendi-
das e o volume de passageiros tem gradativamente aumentado entre os trajetos
operados pela Azul.
Tal posicionamento tem permitido a empresa desempenhar as mesmas
ações de todas as outras companhias nacionais, porque a Azul atua como na-
cional a partir de Campo Grande e como regional a partir dos outros aeropor-
tos do Estado, ou seja, há um ganho nas duas escalas territoriais.
A Azul representa atualmente a 3ª companhia aérea em movimentação
de passageiros, atua em hubs estratégicos do ponto de vista da dinâmica empre-
sarial e, trouxe para o Brasil uma inovadora concepção de um modelo de negó-
cios baseado na diferenciação da prestação do serviço como vantagem compe-
titiva. Esta estratégia se alicerçou fundamentalmente na distribuição da malha
de voos, numa perspectiva que se deu em termos territoriais e de ociosidade de
frequências, sobretudo após a associação com a TRIP Linhas Aéreas em 2012.
O desenho da malha da Azul, em contraponto as demais empresas aére-
as, se faz pela utilização de diversos pequenos hubs espalhados pelo país, com
aviões de aproximadamente 100 lugares e com ligações ponto a ponto. Assim,
concomitante ao aumento de passageiros, a Azul obteve um aumento de suas
ligações aéreas. Desde sua entrada no mercado, suas ligações foram ampliadas
e diversificadas no território brasileiro, confirmando sua proposta de ligações
aéreas diretas, o que se pode verificar no Estado.
A diversificação de sua malha aérea em comparação com as demais em-
presas demonstra essa estratégia de atuação regional, com ligações aéreas que
extrapolam as rotas mais exploradas, como aquelas ligações para os aeroportos
de Congonhas e Guarulhos. Além disso, destaca-se o fato de que a malha aérea
desta companhia tem valorizado territórios praticamente inutilizados pelas
demais companhias, como os aeroportos de Bonito, Corumbá, Dourados e
Três Lagoas.
Conforme os dados estatísticos do último ano de divulgação da Agência
Nacional da Aviação Civil (ANAC), sobre o número de passageiros transpor-
tados pelas respectivas companhias, é possível afirmar que a Azul tem acentu-
ado sua atuação no território sul-mato-grossense, devido diferentes vetores,
tais como: malha de voos, os aeroportos atendidos, o preço do bilhete dentre
outros. Esses elementos têm promovido um aumento do número de passagei-
ros que utilizam esta companhia em seus deslocamentos.
Por fim, no ano de 2015, no Estado de Mato Grosso do Sul, as rotas ope-

56 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


radas pela Azul somaram um montante de 674 mil passageiros, destacando-se
em relação ao número de passageiros das demais empresas: 450 mil passagei-
ros realizaram suas viagens pela Gol, 443 mil passageiros viajaram pela Latam,
159 mil passageiros pela Avianca e 49 mil passageiros pela Passaredo. A análise
percentual dos dados está exposta no Gráfico 3 abaixo.

De modo geral, esses números demonstram que estrategicamente a


companhia Azul tem redefinido a aviação nacional e, consequentemente o
segmento regional tem sido diretamente transformado, considerando sua es-
sencialidade num país de dimensões continentais como o Brasil. Nesse senti-
do, a empresa também tem promovido novos rearranjos de desenvolvimento
econômico, em que o Estado de Mato Grosso do Sul tem importância direta
nesse processo de dinamização de novos territórios de se constituem enquan-
to promotores de demanda e potencializadores de oferta.

Considerações Finais
As análises realizadas neste trabalho mostram indubitavelmente que
Mato Grosso do Sul se estabeleceu nos últimos anos como um novo território
de valorização ao setor aéreo brasileiro. Observa um nítido acompanhamento
deste Estado em relação ao crescimento do setor aéreo regional no país, tanto
na progressão do quantitativo de passageiros transportados, quanto na expan-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 57


são das ligações aéreas, no aumento do número de aeroportos regionais que
passaram a realizar voos regulares nos últimos anos e, principalmente, quanto
ao interesse das companhias aéreas em atuar no território sul-mato-grossense.
Em termos gerais, estatisticamente é possível comprovar que Mato Gros-
so do Sul tem se caracterizado como um território de interesse do capital em-
presarial, que tem promovido uma redefinição do segmento regional no Estado.
Obviamente que este crescimento está relacionado, em grande medida,
com a atuação da companhia aérea Azul tem reestruturado parte da dinâmica
territorial em Mato Grosso Sul, no sentido de valorização de rotas com ori-
gem/destino nos aeroportos regionais e também, com a ampliação de voos no
aeroporto da capital, mas também essa expansão da demanda tem relação com
uma relativa queda do preço médio do bilhete e, principalmente vem sendo
estimulada pelo aumento do poder de comprar do brasileiro devido o aumen-
to da dinâmica econômica e, consequentemente do aumento da renda média
da população que é resultado do aumento do PIB6 (AREDES, 2013).
Na prática, tem-se que as grandes empresas aéreas que operam voos no
mercado aéreo regional possuem uma organização técnica típica da aviação
comercial de grande porte, e operando regionalmente estão abarcando os tre-
chos da viagem que no passado eram feitos unicamente pela via terrestre. Por
um lado, esse processo traz ganhos para as cidades que operam voos regionais,
pois confere a essas à inserção na rede aérea do país, favorecendo o desenvolvi-
mento econômico regional e, por vezes, possibilitando ou ao menos amplian-
do a inserção desses territórios em determinados circuitos produtivos.
Nessa perspectiva, o que se pode confirmar sobre a atuação empresarial
das companhias aéreas em Mato Grosso do Sul é que para além das operações
na capital Campo Grande, o segmento regional tem gradualmente se conso-
lidado no Estado nos principais municípios do interior, devido ser um terri-
tório de valorização para o capital empresarial, mas sobretudo esta atuação
se confirma pelo aumento da oferta e da demanda em aeroportos subapro-
veitados, com destaque para os aeroportos de Dourados e Três Lagoas, que
exponencialmente tem ampliado o número de passageiros, e revelado a impor-
tância desses centros urbanos para a rede urbana e aérea nacional.
Em síntese, o setor aéreo regional em Mato Grosso tem configurado
uma nova lógica territorial, em outras palavras, novos territórios são redefini-
dos na rede urbana brasileira, e o setor aéreo tem intensificado a importância
6. Aredes (2013, p. 107) destaca que aviação está estreitamente relacionada e é sensível ao crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB) e ao desenvolvimento econômico. Para cada 1% de crescimento do PIB a aviação cresce 2%. Tal
relação denota a articulação entre desenvolvimento econômico e crescimento da aviação.

58 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


desses centros urbanos promovendo-os, ao mesmo tempo, como importante
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Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 61


“O PROJETO DE INTEGRAÇÃO MATOU A
ALMA DO ÍNDIO”. AS CONSEQUÊNCIAS
DA INTEGRAÇÃO FORÇADA DOS POVOS
GUARANI E KAIOWÁ EM MATO GROSSO DO
SUL REALIZADA PELO ESTADO BRASILEIRO
Juliana G. B. Mota

Introdução
“O projeto de integração matou a alma do índio”. Essa foi a frase de
um professor indígena durante uma reunião sobre o Centenário da Reserva
Indígena de Dourados, em agosto de 2016, a ser “comemorado” em 03 de se-
tembro de 2017. A frase foi proferida em meio às discussões em torno de um
conjunto de problemas sociais existentes na Reserva e também de conquistas e
desafios dos povos indígenas ao longo desses 100 anos.
Em sua fala quieta, intensa e emocionada, relatou o (des)encontro en-
tre indígena e não indígena como parte integrante dos projetos colonialistas
do Estado brasileiro que, - através do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) e
FUNAI (Fundação Nacional do Índio) -, promoveu a integração forçada aos
Guarani e Kaiowá. O objetivo era “matar o índio, tirar o índio do seu lugar
verdadeiro, transformar o índio em branco, que é uma coisa que índio não
pode ser, não pode ser branco”, ou, ao menos, os planos era fazer do indígena
“um índio mais civilizado”, como asseverou em sua fala.
A conduta civilizatória do Estado desdobrou-se em consequências gra-
ves para os indígenas na contemporaneidade, como, por exemplo, no modo
como eles são enxergados pela sociedade não indígena. A esse respeito, a se-
guinte afirmação da antropóloga Lucia Helena Rangel (2012, p.1): “Uma hora
ele é índio demais e atrapalha, outra hora outra hora ele é índio de menos,
e não tem direitos”; traz a ambiguidade do que é ser indígena na ótica dos
não indígenas. Essa ambivalência busca, notoriamente, suprimir os direitos
indígenas e não reconhecer sua presença atual na sociedade brasileira como
sujeitos de suas próprias histórias e trajetórias. Busca-se, nesse sentido, renovar
o imaginário do índio genérico, ou seja, o índio idealizado e naturalizado que
não reivindica direitos e é um sujeito folclórico na história brasileira, como de

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 63


certa forma foi disseminada tal representação social para o mundo durante a
abertura dos Jogos Olímpicos de 2016.
A existência da Reserva Indígena de Dourados7 está diretamente rela-
cionada ao pacote colonialista do Estado. Foi criada no início do século XX,
em 19178, pelo SPI. No dia 03 de setembro de 2017 a Reserva completará 100
anos de existências, das quais, as que a tornaram “famosa” foram as que reme-
tem aos graves problemas sociais que têm impactado, desde a sua criação, as
cosmovisões dos povos Guarani, Kaiowá e Terena9 que nela vivem.
Sua existência, ao mesmo tempo que representa o projeto civilizatório
perverso imposto aos indígenas no início do século XX, que teve como intuito
liberar seus territórios étnicos para colonização enquanto se fazia a integração
forçada dos índios à sociedade brasileira na condição de não índios, é, tam-
bém, marcada por resistências a esse projeto civilizatório, tais como as famílias
que ali vivem e reivindicam direitos históricos e lutam por maior visibilida-
de na sociedade brasileira, para que esses direitos sejam reconhecidos. Nessa
perspectiva, os povos indígenas demonstram que não pertencem somente às
narrativas sobre o passado colonial da história brasileira, mas, que ao longo de
mais de 500 anos, sempre resistiram ao colonialismo interno10.
Para compreensão do contexto em que vivem os Guarani e Kaiowá em
Mato Grosso do Sul e o impacto da integração forçada promovida pelo SPI,
7. Segundo o Censo Indígena 2010 (IBGE, 2012), os municípios de Dourados e Itaporã concentravam a maior po-
pulação indígena do estado, correspondendo a uma população de 6.830 em Dourados e 5.095 em Itaporã, com um
total de 11.925 pessoas. Essa população residia, em sua maioria, na Reserva Indígena de Dourados (localizada entre
esses dois municípios), com uma população de 11.138 pessoas.
8. A reserva foi criada pelo decreto nº 404, de 03 de setembro de 1917. Contudo, a mesma só foi devidamente titulada
e registrada em cartório em 14 de fevereiro de 1965, na folha 82 do livro nº 23, no Cartório de Registro de Imóveis na
Delegacia Especial de Terras e Colonização de Campo Grande.
9. Os últimos, os Terena, são descendentes dos Guaná ou Txané e são falantes da língua Aruak. No Brasil, esses povos
encontram-se territorializados nos estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e São Paulo e é um povo originário
da bacia do Rio Paraguai, região do Chaco e do Pantanal (OLIVEIRA, 1976; BITTENCOURT, LADEIRA, 2000).
10. “La definición del colonialismo interno está originalmente ligada a fenómenos de conquista, en los que
las poblaciones de nativos no son exterminadas y forman parte, primero del Estado colonizador y después del
Estado que adquiere una independencia formal, o que inicia un proceso de liberación, de transición al socia-
lismo, o de recolonización y regreso al capitalismo neoliberal. Los pueblos, minorías o naciones colonizadas por
el Estado-Nación sufren condiciones semejantes a las que los caracterizan en el colonialismo y el neocolonialismo a
nivel internacional: 1. Habitan en un territorio sin gobierno propio. 2. Se encuentran en situación de desigualdad
frente a las élites de las etnias dominantes y de las clases que las integran.3. Su administración y responsabilidad
jurídico-política conciernen a las etnias dominantes, a las burguesías y oligarquías del gobierno central o a los
aliados y subordinados del mismo. 4. Sus habitantes no participan en los más altos cargos políticos y militares del
gobierno central, salvo en condición de “asimilados”. 5. Los derechos de sus habitantes, su situación económica,
política social y cultural son regulados e impuestos por el gobierno central. 6. En general los colonizados en el interior
de un Estado-Nación pertenecen a una “raza” distinta a la que domina en el gobierno nacional y que es consi-
derada “inferior”, o a lo sumo convertida en un símbolo “liberador” que forma parte de la demagogia estatal. 7.
La mayoría de los colonizados pertenece a una cultura distinta y habla una lengua distinta de la “nacional”. Si
como afirmara Marx “un país se enriquece a expensas de otro país” al igual que “una clase se enriquece a expensas
de otra clase”, en muchos Estados-Nación que provienen de la conquista de territorios, llámense Imperios o Re-
públicas, a esas dos formas de enriquecimiento se añaden las del colonialismo interno” (CASANOVA, 2003, p.3).

64 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


é importante considerar que esse estado abriga a segunda maior população
indígena brasileira, com aproximadamente 77.025 pessoas, pertencentes às
etnias Guarani, Kaiowá, Terena, Kinikinawa, Kamba, Ofaié, Guató, Chama-
coco, Kadiwéu e Atikum (ISA, 2013; IBGE, 2012). A maioria dessa popula-
ção corresponde aos povos Guarani, Kaiowá e Terena. Somente os Guarani e
Kaiowá somavam aproximadamente 43.401 pessoas e os Terena 20.000 pes-
soas (IBGE, 2012).
Os Guarani e Kaiowá são falantes da língua guarani, pertencente à fa-
mília linguística tupi-guarani e encontram-se territorializados em vários países
latino-americanos, como Argentina, Uruguai, Paraguai, Bolívia e Brasil. Em
território brasileiro podem ser encontrados nos estados de Espirito Santo, São
Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina, Tocantins, Pará, Rio Grande do
Sul e Mato Grosso do Sul11 (ISA, 2014).
A expansão da conquista de novas terras no início do século XX, sob
a prerrogativa de integrar o Brasil, rumo ao desenvolvimento de um país des-
conhecido, se deu pautada no projeto civilizatório de assimilação e integra-
ção dos indígenas à sociedade nacional, de modo que integrar o Brasil era
também colonizar os “espaços vazios”, o que significou estimular a ocupação
não-indígena em territórios étnicos indígenas compreendidos como terras de
ninguém, livres para colonização. Esse processo impôs aos Guarani e Kaiowá
profundas transformações socioterritoriais que se revelam pela imposição de
compartilhamento territorial com os não indígenas, na desterritorialização de
seus territórios étnicos, na imposição de outras formas de pensar e sentir o
mundo, dentre elas, a imposição da língua portuguesa e das relações de traba-
lho que são inerentes ao modo de vida dos não indígenas.
A negação e invisibilização do indígena foi uma estratégia política e
ideológica que legitimou os discursos e os projetos colonialistas em que “fa-
zia-se necessário ocupar o sertão” (GALETTI, 2000, p. 105). Terras livres e,
contraditoriamente, terras dos índios12. Como forma de resolução de tal con-
flito era necessário criar um ambiente para os índios e as Reservas Indígenas
foram concebidas como lugar propicio para tal façanha. O objetivo era cola-
borar com o discurso político e ideológico de que as terras dos índios estavam
livres para ocupação-colonização. Nesse aspecto, o mito dos “espaços vazios”
11. Segundo o Censo Indígena 2010 (IBGE, 2012), os municípios de Dourados e Itaporã concentravam a maior
população indígena do estado, correspondendo a uma população de 6.830 em Dourados e 5.095 em Itaporã, com um
total de 11.925 pessoas. Essa população residia, em sua maioria, na Reserva Indígena de Dourados (localizada entre
esses dois municípios), com uma população de 11.138 pessoas.
12. Essa expressão foi construída em referência ao documentário Terra dos Índios (1979), dirigido por Zelito
Viana.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 65


era, senão, um componente do projeto civilizatório que até certo ponto deu
certo, foi construído em meio a uma multiplicidade de violências contra os
indígenas e da apropriação indevida de seus territórios étnicos ancestrais. No
contexto da criação das Reservas Indígenas é importante considerar a figura
de Marechal Candido Rondon, responsável pela Comissão de Linhas Telegrá-
ficas e Estratégicas de Mato Grosso ao Amazonas, conhecida também como
Comissão Rondon, que buscou a integração do território nacional e a pacifica-
ção de indígenas13.
A Comissão Rondon foi encarregada de desbravar o país, havia a neces-
sidade de conhecer os rincões, levar a civilização ao sertão desconhecido e in-
tegrá-los ao Brasil moderno. Essas ações acarretaram, consequentemente, em
uma ideologia focada na civilização dos indígenas, cabendo ao Estado tirá-los
do “estado primitivo” em que se encontravam e trazê-los para a modernida-
de ao mesclar a tríade pacificação-escolarização-evangelização. O objetivo era
“fazer” um índio melhor à medida que ele fosse transformado em “branco”,
trabalhador e, nesse aspecto, útil à nação.
A partir desta atuação e dos contatos que foram estabelecidos com os
indígenas, a Comissão Rondon, em 1910, criou SPILTN (Serviço de Proteção
aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais). Em 1911 esse órgão foi
reformulado para poder estabelecer um tratamento específico para com as so-
ciedades indígenas, constatando-as e integrando-as à sociedade nacional. Foi
nesse momento que o SPI foi instituído, transformando-se, posteriormente,
na FUNAI, durante a ditadura militar, em 196714.
Para abrigar os Guarani e Kaiowá o SPI estruturou oito Reservas15 no
período entre 1915 a 1928. Os limites dessas Reservas não poderiam ultra-
13. “A Comissão Rondon fora uma aplicação prática, consciente, das ideias de Comte no terreno militar: a utilização
pacífica do Exército no desbravamento dos sertões interiores, na construção de obras civis, como a linha telegráfica:
na realização de objetos humanísticos, como a proteção ao índio. É, pois, de Comte que vem a inspiração para esta
epopeia dos sertões brasileiros: um corpo de tropa que, avançando em território habitado por índios hostis, se nega a
fazer uso das armas, mesmo quando atacado, em nome de um princípio de justiça” (RIBEIRO, 1996, p.155).
14. Segundo Ana Valéria Araújo (2006, p. 31) “No final da década de 60, o SPI enfrentou uma avalanche de
denúncias sobre irregularidades do patrimônio indígena, em especial dos recursos naturais das terras indígenas.
Em função disso, o governo federal prometeu esclarecer as denúncias, punir os culpados e criar um novo órgão
que faria tudo de modo diferente. De concreto, porém, fez muito pouco. Acabou por extinguir o SPI em 1967,
anunciando a criação de um novo órgão para centralizar a prestação de serviços aos povos indígenas. É aí que
surge a FUNAI, com competência para exercer o papel de tutor dos índios e, dentre outras funções, “garantir
a posse permanente” das terras habitadas pelos índios e o usufruto exclusivo dos recursos naturais nelas exis-
tentes”. A FUNAI passou a ser o órgão indigenista oficial responsável pela proteção e garantia de direitos das
sociedades indígenas em todo território nacional, prosseguiu com bases semelhantes a exercida pelo SPI.
15. No caso dos Terena, as Reservas foram criadas antes mesmo da criação do SPI, sendo elas: Reserva Indígena
Cachoeirinha - município de Miranda - 1905. Reserva Indígena Ipegue - durante a formação pertencia à Miranda,
mas atualmente é Aquidauana – 1905. Após 1910, com a criação do SPI foram criadas as reservas: Reserva Indígena
Brejão - Nioaque (1922); Reserva Indígena Buriti – Sidrolândia (1928); Dois Irmãos do Buriti - Sidrolândia (1928);
Reserva Indígena Limão Verde – Aquidauana (1928).

66 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


passar dois lotes de 3.600 hectares de terras, conforme a Resolução de n°. 725,
de 24/09/1915 em seu artigo 3°, sancionada pelo governo do estado de Mato
Grosso (OLIVEIRA, PEREIRA, 2009). Contudo, o SPI não criou nenhuma
Reserva com tamanho superior a um lote de 3.600 hectares, embora pudesse
reservar até dois lotes com a mesma proporção territorial. Ainda, a maioria
das reservas ficou com limites muito inferiores do que fora reservado. Exceto
a Reserva de Pirajuí, em Sete Quedas, idealizada e delimitada pelo SPI com
2.000 hectares em 1928, que foi homologada com uma área maior do que a re-
servada, com uma extensão territorial de 2.118 hectares (ver Tabela I a seguir).
Todas essas Reservas foram fixadas na porção Centro-Sul do atual estado de
Mato Grosso do Sul. Apesar das Reservas estarem localizadas nos territórios
étnicos indígenas, as áreas que definem seus limites foram selecionadas aleato-
riamente e não considerou-se os aspectos socioespaciais de uso e controle dos
territórios desses povos (ver Mapa I e II a seguir).

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 67


Para nosso debate torna-se importante ressaltar os principais marcos da
colonização do atual estado de Mato Grosso16, sobretudo o que corresponde
atualmente ao sul do Mato Grosso do Sul, de modo que tais processos histó-
ricos engendraram em significativas transformações nos aspectos socioterrito-
riais dos povos Guarani e Kaiowá.
A Guerra contra o Paraguai ou Tríplice Aliança (12 de outubro de 1864
a março de 1870) foi um evento significativo para a compreensão de tais trans-
formações. A partir dessa data, os locais onde tradicionalmente consolidaram
o território Guarani e Kaiowá foram gradativamente atingidos pelas frentes de
expansão agrícola e agropastoril, no entanto, a ocupação efetiva da maioria de
seus territórios passou a ocorrer a partir da década de 1940 (BRAND, 1997;
PEREIRA, 2006; 2007, VIETTA, 2007). Paralelamente, ressaltamos o papel
da Companhia Matte Laranjeira (1874-194317) nesse processo, tornando evi-
16.  Estado de Mato Grosso do Sul foi criado em 1977.
17.  O declínio da explotação da erva-mate foi parte de um projeto de liberação de terras para colonização, diferentemente da
concessão dada pelo Estado à Companhia Matte Larangeiras a “usar” o território. As novas frentes de ocupação tiveram como
base primordial a constituição da propriedade privada. Esse fato pode ser correlacionado à criação da primeira Reserva criada pelo
SPI em Amambaí, em 1915, indo ao encontro à primeira crise da Companhia Matte Larangeira, em que o Estado, não renovando
o arrendamento para a explotação ervateira sobre uma área total de terras de 1.440.000 hectares, através da Lei nº 725, de 24 de
setembro de 1915, demonstra e elucida que era necessário liberar as terras para novas frentes de colonização (BRAND, 1997).

68 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


dente que a monopolização do território por essa empresa impediu a expansão
do setor agropastoril, de modo que até certo ponto permitiu a permanência
dos Guarani e Kaiowá em seus territórios étnicos, sobretudo, porque esses po-
vos foram inseridos na lógica mercantil da explotação da erva matte (BRAND,
1997; VIETTA, 2007; MOTA, 2011, 2015).
A Companhia Matte Laranjeira, diferente do que ocorreu intensamen-
te pós 1940, possibilitou que os indígenas permanecessem em seus territórios
étnicos mesmo diante das transformações socioterritoriais que vinham sofren-
do com atuação dessa empresa. Suas práticas socioterritoriais foram fortemen-
te impactadas pelo espaço-tempo do trabalho na indústria ervateira.
O território monopolizado pela Matte Laranjeira deu lugar a um pro-
cesso intenso de loteamentos e vendas de terras a particulares, incentivada e fi-
nanciada pelo Estado. A atuação do Estado é possível encontrar nos trabalhos
de Brand (1993; 1997) e Vietta (2007).
Naquele momento as terras onde estavam localizados os territórios
Guarani e Kaiowá passaram a ser vendidos a particulares e os indígenas foram
forçados a deixar seus tekoha e, em grande medida, deslocaram-se para as Re-
servas. Consideramos que, se por um lado foi a partir de 1940 que o processo
de desterritorialização Guarani e Kaiowá de seus territórios étnicos tornou-se
mais intensa, por outro, podemos dizer que a criação das Reservas, ainda no
início do século XX, foi o início de sucessivas transformações e violências que
esses povos passaram a partir do (des)encontro com os não indígenas. O que
se vê atualmente é um impacto brutal sobre o modo de vida desses povos nesse
um pouco mais de um século de contatos e interações socioespaciais.

Transformar os índios em “brancos, trabalhadores e úteis


à nação brasileira
As Reservas foram concebidas como um lugar de passagem, onde os
indígenas deveriam passar do estado de barbárie (ser índio) à civilização (ser
“branco”, trabalhador e útil). Percebe-se que “o futuro dos indígenas já estava
previamente traçado, pois o principal interesse do SPI, fundamentado pelo
positivismo e representante da ação estatizada para os índios, era expandir
o controle governamental sobre o território e as populações nele existentes”
(LIMA apud MOTA, 2015, p.152-153).
As Reservas seriam então o lugar ideal para o desenvolvimento de uma
sociedade brasileira (e não indígena) que integraria os indígenas como traba-
lhadores ou agricultores e que tinha como ideologia política “[...] “Não incor-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 69


porar párias, mas fazer do índio, um índio melhor”, como afirmou Luiz Bueno
Horta Barbosa sobre o propósito do SPI. (RIBEIRO, 1996, p.212). Diante
disso, as políticas indigenistas até a Constituição Cidadã18 estava condicio-
nada a um caráter provisório, caberia ao Estado garantir aos indígenas alguns
direitos (SOUZA FILHO, 2003) até sua incorporação a sociedade brasileira
como não indígenas.

[...] com a lei de criação do SPI, confirmado, com pequenas modifica-


ções, pelo decreto n° 9217, de 15 de dezembro de 1911, fixou em linhas
mestras da política indigenista brasileira:
Pela primeira vez era instituído, como princípio de lei, o respeito às tri-
bos indígenas como povos que tinham o direito de ser eles próprios,
de professar suas crenças, de viver segundo o único modo que sabiam
fazê-lo; aquele que aprenderam de seus antepassados e que só lenta-
mente podia mudar. (RIBEIRO, 1996, p. 158).

As Reservas foram construídas como um espaço privilegiado para essa


transformação, se constituíram como territórios precários (2011; 2015),
impondo para os indígenas novas formas de viver e conviver com os outros
(tekopyahu) em contraposição ao modo de vida ideal (tekoyma) dos Guarani
e Kaiowá em seus territórios étnicos (tekoha), com suas próprias formas de
uso e controle do espaço, em um lugar onde impera o controle do Estado.
Atualmente, a Reserva é um território onde o poder do Estado é exercido pela
FUNAI e seus desígnios colonialistas ainda são muito presentes, apesar dos
grandes avanços das políticas indígenas pós 1988.
Torna-se necessário dizer que a viabilização dos projetos colonialistas
do Estado através do SPI se deu pelo estabelecimento de estreitas relações com
igrejas evangélicas19, essas passaram a exercer o papel antes ocupado pela igreja
católica no projeto civilizatório de catequização dos indígenas, de modo que
a principal motivação fundamental dos primeiros missionários foi religiosa,
18. A Constituição Federativa do Brasil de 1988, conhecida como Constituição Cidadã, no parágrafo I do seu
artigo 231, que: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições,
e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, pro-
teger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles
habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preserva-
ção dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias a sua preservação física e cultural,
segundo seus usos, costumes e tradições. Nesse aspecto, como afirmou Eduardo Viveiros de Castros (2006),
a Constituição de 1988 rompeu juridicamente e ideologicamente um projeto secular de desindianização, ao
reconhecer que ele não tinha se completado.
19. Estima-se a existência de mais de 70 igrejas evangélicas (pentecostais e neopentecostais) no interior da
Reserva Indígena de Dourados.

70 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


salvar almas (BARROS, 2011).
A Missão Evangélica Caiuá exerceu um significativo papel de evange-
lização-escolarização nas Reservas. Essa instituição buscou “educar” os indí-
genas nos moldes do mundo não indígena (karaí reko) ao interferirem nas
formas de organização das famílias Guarani e Kaiowá impondo novos valores
socioculturais. A educação escolar, os serviços de saúde20 e o ensino agrícola
foram os principais mecanismos de evangelização e civilização impostos pela
Missão Caiuá aos indígenas.
A inserção dos indígenas nas atividades agrícolas e na educação esco-
lar, - aqui a importância de aprender a ler para compreender os ensinamentos
de Deus através da bíblia -, objetivava “transformar os membros das famílias
Kaiowá [e Guarani] em trabalhadores comuns, empregados e ‘crentes’. Por
isso pregavam continuamente que, para ‘ser alguém na vida’ seria fundamental
o indígena se converter e se arrepender dos seus ‘pecados feitos’ e frequentar a
escola, não devendo mais participar de rituais religiosos e profanos” atinentes
à religiosidade Guarani e Kaiowá (BENITES, 2009, p. 30).
A Reserva foi um lugar útil aos projetos civilizatórios do Estado, possí-
vel de ser viabilizado e posto em prática também pelas igrejas evangélicas. O
papel do Estado, nesse caso, era vigiar, punir e disciplinar os índios.

O poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apro-


priar e de retirar, tem como função maior ‘adestrar’; ou sem dúvida
adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor. Ele não amarra
as forças para reduzi-las; procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-
-las num todo. Em vez de dobrar uniformemente e por massa tudo o
que lhe está submetido, separa, analisa, diferencia, leva seus processos
de decomposição até às singularidades necessárias e suficientes. “Ades-
tra” as multidões confusas, móveis, inúteis de corpos e forças para uma
multiplicidade de elementos individuais - pequenas células separadas,
autonomias orgânicas, identidades e continuidades genéticas, segmen-
tos combinatórios. A disciplina “fabrica” indivíduos... (FOUCAULT,
2008, p.195).

20. No processo de aldeamento compulsório dos indígenas para as Reservas alastrou-se um conjunto de doenças
trazidas pelos não indígenas, como a tuberculose. A presença da Missão Caiuá foi importante nesse processo, prestou
serviços de auxílio aos indígenas que padeciam de diversas doenças. Segundo Barros e Lourenço (2015, p.512) “Os
serviços de assistência à saúde dos indígenas foram desenvolvidos desde os primeiros dias do contato entre índios
e missionários em Dourados. A oferta do saber médico foi entendida como elemento indispensável para a atuação
missionária, uma vez que funcionaria como elemento de aproximação entre os religiosos e os indígenas, bem como
poderia contribuir para que os métodos de cura praticados pelos próprios índios caíssem em descrédito”.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 71


A escolarização-evangelização21 imposta aos indígenas contribuiu para
a disseminação do medo e da violência nas Reservas como forma de impedir o
retorno aos seus territórios étnicos, atrelado a isso buscou-se impedir a comu-
nicação cotidiana através da língua nativa, era proibido falar a língua guarani,
a comunicação deveria ocorrer somente na língua portuguesa.
O medo e a violência disseminada pelos capitães e sua polícia (lideran-
ças criadas pelo SPI) contribuíram para que parte desse “pacote de perversida-
de22” desse certo. Atualmente, muitas famílias nas reservas não falam a língua
nativa, por exemplo. Além disso, o objetivo também era promover e intensi-
ficar o contato interétnico entre indígenas e não-indígenas, - com localização
geográfica das Reservas próximas a povoados não indígenas, o que facilitaria
sua integração e assimilação à sociedade não indígena. É o caso da Reserva In-
dígena de Dourados, que se encontra conurbada à cidade de Dourados.

Do caos à luta: vivencias e estratégias de lutas Guarani e


Kaiowá
O contato com a sociedade não indígena, a integração forçada e precá-
ria tem implicado em sérios desajustes na organização socioterritorial dos po-
vos Guarani e Kaiowá nas Reservas. Esses povos interagem cotidianamente com
o “mundo dos brancos”, no entanto, são foco de atos discriminatórios racistas.
No que tange às condições socioeconômicas, prevalece a exclusão, que dificulta
qualquer possibilidade de oportunidades igualitárias com os não indígena, so-
bretudo em relação à remuneração pelo trabalho e acesso a postos de emprego
formalizado. Essa constatação é respaldada nas informações acerca das condi-
ções sociais em que se encontra a maioria das famílias indígenas da Reserva In-
dígena de Dourados, dependentes de cestas básicas distribuídas pela FUNAI e
pelo governo do estado de Mato Grosso do Sul, de programas assistenciais como
o programa bolsa família e ajuda de instituições não governamentais.
A Reserva é um território de mão-de-obra barata (muitas vezes análoga
ao trabalho escravo23, super exploração e desrespeitos aos direitos trabalhis-
21. “A escolarização-evangelização teve um expressivo papel na imposição de novos valores socioculturais
aos indígenas, um deles, era impedir que esses povos falassem a língua nativa enquanto era ressaltado a im-
portância de falar e escrever em português, sobretudo porque o aprender a ler está atrelado à necessidade de
leitura da Bíblia, como caminho à evangelização, necessariamente, correspondendo ao projeto de integração
e assimilação dos indígenas à sociedade nacional” (BARROS apud MOTA, 2015, p.168).
22. Termo utilizado por uma professora indígena na Reserva Indígena de Dourados ao falar do papel do SPI
no processo de criação da Reserva.
23. O trabalho análogo a escravo se dá quando o trabalhador tem cerceado o direito de ir e vir. Consta no artigo 149
do código Penal Brasileiro como: redução à condição análoga à de escravo (CPT, 2003). O conceito de “trabalho
escravo” não está relacionado diretamente com os trabalhos existentes durante o modo de produção escravista ou
período colonial escravista.

72 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


tas) para o corte da cana de açúcar, construção civil, empregadas domésticas
e ajudantes de serviços gerais. Em suma, os trabalhos mais precarizados são
reservados aos índios.
Além disso, nas Reservas destoam os altos índices de ocorrências de
suicídios e homicídios em Mato Grosso do Sul. Segundo o CIMI (2013),
durante os anos de 2003 a 201324, foi registrado um total de 659 ocorrên-
cias de suicídios25 e 349 de homicídios em Mato Grosso do Sul26, de modo que
aproximadamente 37% dos suicídios e 36% dos homicídios foram registrados
somente na Reserva Indígena de Dourados.
As ocorrências de homicídios é outro exemplo do impacto da integra-
ção forçada, pois se desdobra na população carcerária no município de Dou-
rados, que tem uma população indígena expressiva. A maioria dos indígenas
está detida por homicídios e tráfico de drogas. (PACHECO; PRADO; KA-
DWÉU, 2011).
Referente aos registros de suicídios, utilizamos nos gráficos as ocor-
rências registradas pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI) por terra
indígena27. Ressaltamos que a partir de 2011 o CIMI passou a utilizar as in-
formações provenientes da área de saúde – DIASI (Distrito Especial de Saúde
Indígena) /SDEI (Distritos Sanitários Especiais Indígenas) - SESAI/MS (Secretá-
ria Especial de Saúde Indígena/Mato Grosso do Sul, informações dos agentes de
saúde que atuam nas terras indígenas. Esses dados têm revelado as ocorrências de
suicídios são maiores do que o imaginado.
Os dados abaixo, relativos aos de 2003 a 2009, dão um panorama geral
da gravidade dos problemas sociais existentes nas Reservas distribuídos por
terra indígena. Os altos índices de homicídios e suicídios são registrados nos
Relatórios de Violência Contra os Povos Indígenas – CIMI. Nesse período o
Estado de Mato Grosso do Sul registrou mais de 50% das ocorrências totais
de homicídios e suicídios no Brasil, como é possível perceber nos gráficos a se-
guir. Exemplo alarmante das ocorrências de suicídios e homicídios é a Reserva
Indígena de Dourados, os totais gerais de homicídios e suicídios ultrapassam
30% do total geral das ocorrências em terras indígenas (ver Gráfico 3). Consi-
24. Para maiores informações acessar os relatórios 2011 e 2012, disponível em: <http://www.cimi.org.br/site/pt-
-br/?system=publicacoes>; CIMI (2003-2010).
25.  A partir de 2011 o CIMI passou a utilizar as informações provenientes da área de saúde, registrados pelo
DIASI (Distrito Especial de Saúde Indígena) / SDEI (Distritos Sanitários Especiais Indígenas).
26.  Entre os dados das ocorrências de homicídios, considerarmos as ocorrências de assassinatos realizadas por pisto-
leiros em Mato Grosso do Sul, cujo objetivo é intimidar através da instalação do medo e da violência as reivindicações
pelos territórios étnicos Guarani e Kaiowá - tekoha.
27.  Terra indígena é um conceito jurídico criado pela Lei 6.001 de 19 de dezembro de 1973, no Art. 19.
Atualmente, é garantida pela Constituição Federativa do Brasil de 1988, no Art. 231.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 73


deramos que não se encontra disponível nos Relatórios do CIMI as informa-
ções da DIASI– MS/SESAI atinentes às ocorrências de suicídios em todo o
período por terra indígena, por isso utilizamos as informações do CIMI, no
período de 2003 a 2009, pois mesmo que representem informações parciais,
não prejudicam o objetivo proposto que é mostrar a desolação em que vivem
os povos Guarani e Kaiowá.

74 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


A partir dos dados apresentados percebe-se que o Estado conseguiu
“elaborar uma integração precária dos Guarani e Kaiowá no “mundo do bran-
co”, o que nos leva a aventar a hipótese de que esse é um dos principais fatores
que influenciam na violência interna dentro da Reserva, convertendo-a em um
território do medo, violência e insegurança” (MOTA, 2015, p.176).
Apesar da grave situação de conflitos, violências e sentimentos cotidia-
nos de medos nas Reservas, historicamente, os Guarani e Kaiowá têm se or-
ganizado por meio das redes de parentescos (redes de sociabilidade pautada
na família extensa) para reivindicarem seus tekoha. Na Reserva Indígena de
Dourados existem aproximadamente cinco famílias que sonham e almejam
a demarcação de seus territórios étnicos, os tekoha. Essas famílias são predo-
minantemente Kaiowá, no entanto, ao longo de suas histórias estabeleceram
relações de proximidade com os Guarani, sobretudo, por intermédio de casa-
mentos interétnicos.
Em trabalhos anteriores, em nossa dissertação “Territórios e territoria-
lidades Guarani e Kaiowá: da territorialização precária na Reserva Indígena
de Dourados à multiterritorialidade” e tese “Territórios, multiterritorialida-
des e memórias dos povos Guarani e Kaiowá: diferenças geográficas e as lutas
pela Des-colonização na Reserva Indígena de Dourados e nos acampamentos-
-tekoha – Dourados/MS”, evidenciamos não somente relações de conflitos e

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 75


violências que tangem as relações interétnicas nessa Reserva, mas, sobretudo,
práticas quase que cotidianas de violência de não indígenas para com os
povos Guarani e Kaiowá, especialmente direcionadas aos indígenas que estão
territorializados nos acampamentos-tekoha28, os quais, no entanto, não dei-
xam arrefecer suas lutas pela demarcação.
Os acampamentos-tekoha, por exemplo, são territórios de resistências
às ações colonialistas do Estado brasileiro, são territórios onde se ampliam
as práticas descoloniais. As pessoas que ali vivem estão caminhando e resistin-
do ao modus operandi das Reservas. Nesses territórios há uma forte oposição
ao mundo não indígena que se revela por meio da reconstrução cotidiana da
identidade étnica. Tal reconstrução ocorre através da revalorização da língua
nativa, dos cantos e das rezas que, simultaneamente, reforçam e dão legitimi-
dade à retomada dos tekoha. A convergência dos elementos culturais e das
referências espaciais criam mecanismos que alimentam a luta e intensificam as
relações simbólico-afetivas com os territórios étnicos
As lutas dos povos indígenas tiveram maior visibilidade a partir do ano
de 2003. Nesse contexto, o estado de Mato Grosso do Sul tem sido palco das
maiorias das ocorrências registradas no período de 2003 a 2012, como é pos-
sível ver no gráfico a seguir.

28. “Os acampamentos-tekoha muitas vezes são confundidos com acampamentos de movimentos sociais da Reforma
Agrária. A utilização de acampamentos-tekoha foi construída no sentido de demonstrar que ao mesmo tempo que é
acampamento, caracterizado como um território provisório, os mesmos encontram-se territorializados nos territórios
étnicos Guarani e Kaiowá” (MOTA, 2015).

76 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Os conflitos referentes à demarcação de terras indígenas são parte inte-
grante da realidade cotidiana dos Guarani e Kaiowá, como foi recentemente
possível acompanhar a situação de violência contra os índios no município
de Caarapó/MS, a 286 km de Campo Grande, em junho e julho de 2016,
que teve como consequência a morte do Kaiowá Clodiode Aquileu Rodrigues de
Souza, de 26 anos, agente de saúde da SESAI, e várias pessoas feridas, dentre elas,
crianças e jovens.
Esses conflitos reforçam os argumentos recorrentes sobre os entraves
para a demarcação das terras indígenas, pois apontam para as constantes e va-
riadas ações, não raro, violentas, efetivadas pelos fazendeiros e/ou fazendei-
ros-empresários do agronegócio contra os povos indígenas. A complexidade
desses conflitos tem demonstrado uma multiplicidade de sujeitos, entre eles
pequenos produtores rurais, que, assim como os indígenas, também foram his-
toricamente excluídos de acesso à terra no Brasil.
É importante mencionar o papel da imprensa, dominada pela política
ruralista, que dissemina grande repertório de preconceito e estereótipos
discriminatórios contra os indígenas, contribuindo para a formação de opinião
pública eivada pela ideologia ruralista e marcada pelo ódio aos indígenas.
Frente aos grandes desafios de resolução dos conflitos por terras, possíveis
propostas têm sido lançadas, entre elas as indenizações pela terra nua.
Nesse aspecto, Thiago Leandro Vieira Cavalcante (2006, p. 335) faz
uma importante afirmação:

Coloca-se às claras uma disputa patrimonial. Os ruralistas se queixam


por terem que entregar “suas” terras sem por isso receberem indeniza-
ção pela terra nua, mas há fortes razões para crer que isso é apenas mais
um discurso. Se por um lado é preciso reconhecer a responsabilidade
do Estado que concedeu incontáveis títulos inválidos de propriedade, e
portanto, há certa legitimidade no pleito pelas indenizações, por outro,
percebe-se que quando a possibilidade de indenização se torna concre-
ta, há recuo do setor ruralista. Isso leva à constatação de que, em geral,
não se trata de uma disputa meramente patrimonial. Mais do que o
patrimônio, os ruralistas querem proteger uma hegemonia colonialista
civilizatória que legitima sua presença nesta região do país, bem como
os tipos de atividades por eles desenvolvidas. Trata-se de negar o acesso
à terra a uma parcela da população que ocupava posição de etnia subju-
gada nesse contexto colonialista.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 77


Frente a essa nova conjuntura, afirmamos que os conflitos por terras e
as novas formas de territorialização indígena nas Reservas e nos acampamen-
tos-tekoha, por exemplo, são recentes, são respostas adaptativas às profundas
transformações históricas e econômicas que ocorreram no estado de Mato
Grosso do Sul, especialmente pós-Guerra contra o Paraguai e agravada pós-
1950, em aproximação as considerações de Levi Marques Pereira (2007).

Apontamentos e desafios finais


As Reservas se constituíram como um território que tinha (e têm) como
pano de fundo viabilizar os objetivos colonialistas do Estado, a palavra de or-
dem era integrar o Brasil e fazer do índio um índio melhor. Tal proposta se des-
dobrou na imposição de novos valores socioculturais - imposição do mundo
do branco - karaí, através do disciplinamento e controle para que os indígenas
se tornassem civilizados, ou “bons índios”, o que significaria torná-los passivos
para que, progressivamente, abandonassem suas práticas culturais e, conse-
quentemente, deixassem de reivindicar suas identidades e territórios étnicos.
Os conflitos e violências nas Reservas são consequências do processo de
territorialização precária (Mota, 2011; 2015) imposta aos Guarani e Kaiowá
que desconsiderou suas especificidades de organização socioterritorial, seus
ethos étnico-culturais, suas línguas, suas formas próprias de construção de
fronteiras, de territórios e territorialidades. Atualmente, existem grandes desa-
fios para os povos indígenas, entre eles estão os entraves para a demarcação de
terras indígenas que têm sido agravados com as Propostas de emendas à Cons-
tituição, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215/200029, a
Portaria 303 da Advocacia Geral da União (AGU30), o Projeto de Lei Com-

29. I - Proposição de mudanças na constituição: Trata-se de Proposta de Emenda Constitucional de nº 215, de 2000,
apresentada por parlamentares, tendo à frente o Deputado Almir Sá, na qual sugere que: 1. Se acrescente ao art. 49 da
Constituição Federal, o inciso, renumerando-se os demais, com o seguinte teor: Art. 49 – É da competência exclusiva
do Congresso Nacional: (novo inciso) – aprovar a demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e
ratificar as demarcações já homologadas; 2. Se altere a redação do § 4º do art. 231 da Constituição Federal e acrescenta
um oitavo parágrafo neste mesmo art. 231 da CF, de forma a passar a vigorar com as seguintes redações: “§ 4º As terras
de que trata este artigo, após a respectiva demarcação aprovada ou ratificada pelo Congresso Nacional, são inalienáveis
e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis”; “§ 8º Os critérios e procedimentos de demarcação das Áreas
indígenas deverão ser regulamentados por lei” (BRASIL/PEC 215).
30. A Portaria 303 da AGU afirma: 1 As terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais interven-
ções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos
e comunidades indígenas; 2.  Determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem
de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; 3.  Ataca a autonomia dos
povos indígenas sobre os seus territórios. Limita o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas
naturais existentes nas terras indígenas; 4.  Transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversi-
dade (ICMBIO) o controle de terras indígenas, sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades
de Conservação; 5.º Cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas que não observaram
integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional. (APIB, CIMI, ANSEF, 2012).

78 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


plementar 227/201231, entre outros. Sobre a PEC 215, o jurista e professor
de direito da Universidade de São Paulo (USP), Dalmo Dallari, ressalta que é
inconstitucional.
Para Dalmo Dallari,

A proposta fere o princípio constitucional da separação dos poderes e, se-


gundo a Constituição, por causa disso não poderia nem mesmo ser apre-
sentado como uma PEC. O jurista informou que, se ela for aprovada, fará
esforços para que seja alvo de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
(ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) (ISA, 2013, p.1).

Ressaltamos que essas PECs descumprem convenções internacionais


vinculadas aos direitos humanos dos povos indígenas, como é o caso da Con-
venção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), ratificada pelo
governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalha-
dores (PT), no ano de 2004. A convenção prevê consulta aos povos indígenas
antes de decisões que impedem a garantia de seus direitos territoriais.
Todos esses projetos são inconstitucionais e representam retrocessos na
política indigenista brasileira, que foi, ao longo do último século, conquistada
pela constante atuação dos movimentos indígenas e garantida pela Constitui-
ção de 1988 (ISA, 2015). Tais propostas são impulsionadas pelos interesses
políticos e econômicos da bancada ruralista, aliada a bancada evangélica, que
a cada dia têm tido mais representatividade no Congresso Nacional Brasileiro.
Na legislatura atual, a bancada é composta por mais de 200 represen-
tantes entre deputados e senadores, sendo eles os responsáveis pelas emendas
inconstitucionais que não reconhecem os direitos territoriais dos povos indí-
genas e colocam em jogo a sustentabilidade do país, como temos visto com
a viabilização do Novo Código Florestal, que abre as portas para expansão
perversa do agronegócio e das grandes mineradoras, inclusive em terras indí-
genas. Percebemos que corriqueiramente surgem projetos de lei com o intuito
de modificar o artigo 231 da Constituição Cidadã.
Aqui é importante mencionar a face colonialista do Estado brasileiro
com sua inegável ideologia ruralista e civilizatória para manter o status quo da
concentração fundiária brasileira. “Organização essa que inegavelmente privi-
legia a concentração de terras e sua exploração pelo mercado internacional de
31. O Projeto de Lei Complementar encontra-se disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposiçõesWeb/
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Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 79


commodities. O colonialismo estatal age nos três poderes e nos diversos níveis
da federação” (CAVALCANTE, 2016, p.335).
Todavia, existem resistências!
Os povos indígenas estão lutando e construindo um projeto de vida,
de comunidade e de sustentabilidade que é oposição aos desígnios políti-
cos e econômicos de uma sociedade movida pelo time is money. Os desafios
são grandes, gigantes, mas os indígenas existem e sua existência na socieda-
de contemporânea é fruto de muita luta, luta essa que se estende há mais de
500 anos de Re-existências. O Kaiowá Jorge (201632) ajuda a reiterar essa
visão otimista de luta quando ressaltou que “o importante é não desistir.
Lutar é a vida do índio, sem isso a gente morre, tudo muda de lugar... então
não pode desistir do sonho daquela pessoa. Eu não desisto, estou na luta
né”. Lutemos!

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82 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


TRANSGREDINDO FRONTEIRAS:
A INFLUÊNCIA PARAGUAIA NAS
REPRESENTAÇÕES CULTURAIS NO MATO
GROSSO DO SUL
Adriana Lúcia de Escobar Chaves de Barros

Introdução
Regiões de fronteiras apresentam características contraditórias, ambí-
guas e complementares, determinadas pelas complexas relações culturais, so-
ciais, econômicas, identitárias e linguísticas, que, paradoxalmente, separam,
ao mesmo tempo em que unem os povos, as comunidades e os grupos sociais
envolvidos.
Nos espaços (trans)fronteiriços entre nações, o local e o global, o eu e o
outro se articulam, estabelecendo dinâmicas e vínculos próprios. Na fronteira
entre o Brasil e o Paraguai, contexto desta pesquisa, as culturas transpassam as
barreiras internacionais e ressignificam as nacionais, em movimentos de ir e vir
permanentes, marcando a transculturalidade entre esses dois países.
Assim, sem qualquer intenção de defender a unilateralidade dos fluxos
transculturais, mas apenas fazendo um recorte de pesquisa, este artigo tem por
objetivo discorrer, brevemente, sobre a influência paraguaia nas representa-
ções culturais do Mato Grosso do Sul, mais especificamente, quanto à gastro-
nomia, às crenças, aos costumes e à música.
As perspectivas adotadas tomam por base, teorias pós-coloniais abor-
dadas por autores como Hall (2013); noções culturais, defendidas por Cox
e Assis-Peterson (2007), Assis-Peterson (2008), Pennycook (1994), Jordão
(2007), Bhabha (1998); e temas fronteiriços, estudados por Águas (2013),
Pratt (1999) e Oliveira (2010).
Esta é uma pesquisa qualitativa, de caráter transdisciplinar, por meio da
qual, procuro atravessar as fronteiras epistemológicas da Linguística Aplicada,
minha área original, dos Estudos Sociais, Culturais e Humanos Pós-Modernos
na intenção de investigar, de maneira interpretativa, intersubjetiva e situada,
os hábitos, os costumes e as manifestações culturais mato-grossenses-do-sul,
que foram reconstruídas nos e pelos fluxos transgressivos, próprios das regiões

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 83


fronteiriças.
Destaca-se a relevância deste estudo, uma vez que por meio de pesqui-
sas sobre fronteiras e transculturalidade, é possível fomentar reflexões que (re)
signifiquem a ideia de cultura, a fim de que seja pensada em uma perspectiva
pós-moderna, portanto, plural, culturas, considerando que são instáveis, mutá-
veis, em trânsito, capazes transformar, se entrecruzar com as “outras” culturas,
sem medo de perder a própria identidade nacional, sem receio de se assumir
mestiça.
As representações culturais do Mato Grosso do Sul são mestiças, mar-
cadas pelas histórias dos diversos povos que, até hoje, contribuem na (re)cons-
trução permanente dos aspectos da identidade cultural deste estado, em espe-
cial, o povo paraguaio, cuja influência foi realçada neste artigo.
Como na música Sonhos Guaranis de Almir Sater e Paulo Simões, “por
campos e serras a história [do Brasil e do Paraguai] enterra uma só raiz” e torna
o mato-grossense do sul “amante” e “aprendiz das tradições” paraguaias.

Fronteiras
De acordo com Águas (2013), o termo fronteira apareceu no século
XIII, a partir da palavra front, que designava o limite transitório e inconstante
que separava os exércitos em luta. Oliveira, (2010), sugere que a palavra fron-
teira provém de fronte, ou seja, a parte frontal do rosto ou a posição de estar
de frente, portanto, está relacionada a uma superfície de contato de um com o
outro. Dessa maneira, embora o conceito do termo traga originalmente, uma
forte conotação bélica e conflituosa como o front de batalha, como vivenciado
pelo Brasil e pelo Paraguai na ocasião da guerra da Tríplice Aliança, ele tam-
bém pode aludir a um encontro do eu com o outro, essencial para a permanen-
te (re)construção das culturas (trans)relacionadas, temas centrais deste estudo.
Muitas vezes fronteira refere-se aos limites físicos e geográficos que deli-
mitam, segregam e separam um território do outro. Outras vezes, significa um
espaço poroso e fluido, onde acontecem as trocas. Assim, por ser um termo
polissêmico e ambíguo, pode adquirir significados contraditórios, como por
exemplo, o que junta e hibridiza, como também o que afasta e exclui. Outros-
sim, pode ser associado a metáforas com conceitos antagônicos, como barrei-
ra, borda e margem, além de, travessia, ponte e zona de contato, como se pode
observar na longa extensão de terra, onde o Brasil faz divisa com o seu vizinho
paraguaio.
O conceito de fronteira é tão relevante para esta pesquisa, quanto o de

84 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


zona de contato, que segundo Pratt (1999), é um espaço de transculturação,
ou seja, de entrelaces culturais, tensões, improvisações linguísticas, negocia-
ções de identidades, mistura de crenças e valores da cultura dominante, que
influenciam a visão sobre os outros e sobre si próprios.
Quanto a noção de fronteira, Águas (2013), desenvolve uma reflexão
sob três modelos de análise: a fronteira que separa, a que serve como frente
e a que une. Assim, frronteiras podem ser caracterizadas concretamente, por
uma linha no mapa, um muro erguido, ou uma cerca construída, mas também
abstratamente, como processos que delimitam ou atravessam as vivências hu-
manas em determinados espaços sociais. Como traços divisórios entre espaços,
tempos, povos e culturas, servem para distanciar a “identidade interna da alte-
ridade externa” (ÁGUAS, 2013, p. 1), contudo, como lugares compartilhados,
servirão para interligar o eu e o outro.
De acordo com o modelo proposto, a fronteira que separa “marca a
separação entre diferentes espaços – tenham eles a forma concreta dos terri-
tórios nacionais, ou sejam simbólicos, como a diferenciação de identidades”
(ÁGUAS, 2013, p. 2). Fronteira, nesse sentido, é a linha que demarca posições
do que está dentro e o que está fora, por isso, está relacionada às práticas de
julgamento e marginalização. Então, a proximidade dos lugares, dos povos e
das culturas é apagada por meio de mecanismos de ordem material, como bar-
reiras e cercas e/ou ideológica, como leis, regras e princípios. Conforme esse
primeiro modelo apresentado, a ruptura, o afastamento e a separação são justi-
ficados pela tentativa de proteger uma população, um território, ou um poder.
A fronteira concebida como separação transforma os movimentos
transgressores de um “insider num forasteiro, ou o produto de mercado em
contrabando” (Águas, 2013, p. 3). A transgressão é inevitável, pois por mais
concretas que sejam as barreiras, sempre apresentarão certa porosidade. Os
subcapítulos seguintes deste trabalho mostram que as linhas divisórias entre os
dois países em questão não impediram o contato entre sujeitos apartados, que,
ao contrário, transformaram as fronteiras que os segregavam em fronteiras a
serem transgredidas. Os fluxos transculturais entre o Brasil e o Paraguai, es-
pecificamente, no Mato Grosso do Sul, fazem valer as palavras de Hall (2003,
p. 35-36) ao versar que “as culturas sempre se recusaram a ser perfeitamente
encurraladas dentro das fronteiras nacionais, elas transgridem os limites po-
líticos”
Conforme Águas (2013, p.3), a fronteira como frente ou frontier avan-
ça-se para ganhar espaço, ou seja, “é o limite em expansão. [...] implica a exis-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 85


tência de um território, ainda que metafórico, sobre o qual avançar. Vincula-se,
portanto, a uma geografia e a uma ação que tende a acabar-se”. As demarcações
tornam-se instáveis e voláteis e os espaços delimitados transformam-se cons-
tantemente, tal como na guerra do Paraguai, ou da Tríplice Aliança, quando as
linhas divisórias entre os territórios brasileiro e paraguaio sofreram uma série
de modificações.
A fronteira como frente incita a caminhada para além dela e quando o
movimento de conquista termina, essa fronteira se transforma naquela que se-
para ou naquela que une, já que o espaço do lado de lá está sempre preenchido
por outros povos, culturas e centros. Assim, opondo-se a ilusória fixidez da
concepção apresentada anteriormente, as fronteiras correspondem aos limites
em movimento, em progressivos distanciamentos do centro e marcados, tan-
to pela fluidez e criatividade, como também pelas relações desiguais de poder
entre o centro e a margem. Quanto menor a força vinda do centro, mais male-
áveis serão as hierarquias, mais criativas serão as margens e mais significativos
serão os fluxos transculturais entre os dois espaços.
A fronteira que une inspira os encontros e as negociações, por meio dos
quais o eu e o outro encontram uma possibilidade de compartilhamento, o que
passa a dar origem a novas configurações das representações culturais. A metá-
fora de fronteira que une está associada à noção de borderland, que vem sendo
utilizada nos estudos pós-coloniais como o entre-lugar, ou seja, o espaço de
instabilidade, transitoriedade, insegurança, transgressão, interligação, recon-
figuração e justaposição de várias influências, “onde acontecem o confronto
e a intermediação e onde o estabelecimento de um cânon único é impossível
(Santos, 2002, apud Águas, 2013, p.3).
Ressalto no entanto, que os três modelos de fronteira propostos podem
conviver de diferentes formas em um mesmo espaço-tempo, uma vez que dinâ-
micas de aproximação e distanciamento podem competir, simultaneamente,
nas relações. “Afinal, a ponte que separa duas comunidades é a mesma que
viabiliza a travessia” (ÁGUAS, 2013, p. 2).
Pontes e travessias são figuras de fronteira que permitem as ambiguida-
des pertinentes dessa condição. É a ponte que leva a margem oposta, onde está
o lugar do outro, sempre periférico e limítrofe do eu. Nesse jogo das relações,
esse outro significa limite, mas também abertura. Assim, entre a identidade e a
alteridade estabelecem-se fronteiras linguísticas, mentais, sociais, geográficas e
simbólicas, que podem separar, mas também promover a troca. Nesse caso, as
pontes servem para apartar o que está perto, como também aproximar o que

86 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


está separado (OLIVEIRA, 2010), como se pode observar nos hábitos, nos
costumes, na culinária, na música e em outras representações da cultura mato-
-grossense, que são fortemente influenciadas pela paraguaia.

Multiculturalidade(ismo), Interculturalidade(ismo),
Transculturalidade(ismo)
Multiculturalidade(ismo), interculturalidade(ismo) e transculturalidade(ismo)
são, muitas vezes, usados indiscriminadamente, porém, além do fato de não
serem conceitos sinônimos, esses termos ganham definições diferentes, a de-
pender das correntes ideológicas, dos momentos históricos, como também
dos contextos e sujeitos das pesquisas que abordam o tema.
Segundo Oliveira (2008), o multiculturalismo emergiu na Europa, na
ocasião da virada epistemológica de 1920, como uma nova consciência co-
letiva, contrária ao etnocentrismo, que defendia a cultura dominante como
superior e, portanto, um padrão a ser seguido pelas demais culturas. Surgiu
como um movimento social, que lutava contra as sociedades racistas, sexis-
tas e classistas. Tratava-se de uma nova orientação filosófica, teórica e política,
que se opunha ao positivismo e ao racionalismo modernos vigentes na época.
Os multiculturalistas afirmam que, na modernidade, as diferenças coe-
xistiram apenas, ao invés de se entrelaçarem de fato. Para eles, a visão essencia-
lista do monoculturalismo que defende a ideia de igualdade de raça e de uma
cultura universal abafa as diferenças entre os povos e legitima a exclusão das
minorias culturais.
O multiculturalismo, portanto, reconhece a diversidade nas culturas e
identidades sociais dos povos, “permitindo pensar em alternativas para os gru-
pos minoritários” (OLIVEIRA, 2008, p. 55)
A globalização e os recorrentes movimentos migratórios são, dentre ou-
tros, motivos significativos na formação de espaços cada vez mais multirraciais
e fronteiriços, onde o encontro com o “outro” e com o “novo” é intensificado.
Esses são os chamados de entre-lugares, por Bhabha (1998), um local onde
a emergência de outras posições discursivas, ideológicas, culturais e políticas,
bem como a resistência à normalização são possíveis.
De acordo com Bhabha (1998), os entre-lugares são marcados por
histórias de deslocamentos e reterritorializações, onde os sujeitos culturais
híbridos são constituídos.
Como afirma Oliveira (2008), o processo de hibridização para Bhabha é
mais que simples mistura. Trata-se de uma “pluralidade de significados que re-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 87


sulta numa multiplicidade de sentidos em interação” (OLIVEIRA, 2008, p. 61),
onde as diferenças culturais não se diluem, pois apesar das constantes tensões e
ambivalências, as diversidades permanecem interagindo, promovendo transfor-
mações, ressignificações, além de dissoluções de estereótipos e preconceitos.
O conceito de interculturalidade(ismo) está relacionado à interação
entre indivíduos com identidades culturais distintas, apesar da instabilidade
e dos inevitáveis conflitos. A interculturalidade consiste no encontro e na co-
municação entre diferentes povos, etnias, culturas e línguas, dentro ou além
dos limites e barreiras entre nações, estados, países, comunidades ou grupos
sócias, por meio dos quais o indivíduo desenvolve uma habilidade “diplomáti-
ca” (ALMEIDA, 2011, p. 41) de perceber as diferenças culturais e se posicio-
nar a partir de suas interpretações e crenças, em constantes embates. As rela-
ções interculturais se dão em arenas culturais e políticas, onde a diversidade de
valores se encontram em permanente embate (PENNYCOOK, 1994).
O conceito de transculturalidade, escolhido para fundamentar o tema
principal deste artigo, é considerado por Almeida (2011), como uma expansão
da noção de interculturalidade, ideia, com a qual compartilho. Segundo Cox e
Assis-Peterson (2007, p. 35-36), transculturalidade significa tradução, no senti-
do de negociação e mudança cultural, ao contrário de perda ou assimilação. Para
as autoras, trans, do termo, dentre outros sentidos, inspira movimentos no senti-
do de através de, ir e vir, perpétuos, em trânsito, em circulação, trocas. Assis-Peter-
son (2008, p. 8), versa ainda que o prefixo, adicionado ao termo cultura, “traduz
o desejo de mostrar o sentido de debordamento de fronteiras” entre as culturas,
“aninhando os sentidos de heterogeneidade, fluidez, inacabamento, fricções e
historicidade [...] das práticas sociais”. “Culturas são transportadas, transferidas,
transformadas. [...] o núcleo duro da cultura é sempre transcultural”.
Assim, inspirada nos conceitos expostos e nas palavras de Jordão (2007,
p. 26), por meio das quais afirma que “na noção de transculturalidade, não há
uma preocupação em traçar limites entre culturas, muito menos em distinguir
grupos culturais entre si”, passo a discorrer sobre a influência paraguaia nas
representações culturais do Mato Grosso do Sul.

Influência paraguaia nas representações culturais do Mato


Grosso do Sul
A formação cultural do sul-mato-grossense é fruto da diversidade de
tradições trazidas pelos povos que imigraram e contribuíram para construir
esse estado, que tem o DNA moreno e a identidade mestiça. A hibridez é o

88 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


“tempero” essencial da culinária do Mato Grosso do Sul, o “acorde” principal
da sua música e o jeito característico dos que vivem no lugar “mais paraguaio”
do Brasil.
Em Campo Grande, capital do estado e em outras cidades sul-mato-
-grossenses, como Dourados, as numerosas colônias paraguaias acabam in-
fluenciando os locais, seja nos costumes, nas crenças, na gastronomia ou na
música.
Os dados a seguir foram informados por duas paraguaias, entrevistadas
anteriormente, para a elaboração da minha tese de pós-doutorado, ainda em
desenvolvimento.

Crenças e Costumes
A influência do Paraguai é tão significativa em Mato Grosso do Sul, que
em 2001 foi instituído no estado, o Dia do Povo Paraguaio, comemorado todo
14 de maio, quando o país vizinho proclamou a sua independência. Festas po-
pulares e religiosas paraguaias fazem parte do calendário sul-mato-grossense e
atraem moradores e visitantes dos municípios vizinhos. Um exemplo é a Festa
da Virgem de Caácupe, padroeira do Paraguai, comemorada em 8 de dezem-
bro. Os devotos paraguaios e brasileiros saem em novenas pelos bairros onde
residem as famílias e descendentes de paraguaios.
Segundo a crença, um índio convertido ao catolicismo se escondeu atrás
de um tronco, para escapar da perseguição dos seus inimigos. O índio prome-
teu que se sobrevivesse, faria uma imagem da santa com o tronco da árvore.
Após ser salvo, esculpiu duas imagens da Virgem Maria, ou seja, Virgem de
Caácupe, como ficou conhecida: uma para a igreja de Tabotí e outra para de-
voção pessoal.
Outro costume proveniente do Paraguai é o sapucai, que significa grito
em guarani. Sapucai são os gritos que as pessoas emitem, aos primeiros acordes
de uma música animada de origem paraguaia, como a polca, a guarânia ou o
chamamé (sendo esse último de origem controversa: uns acreditam que é ar-
gentina, outros paraguaia). Os paraguaios usavam o sapucai também na lida
do gado, mas no Paraguai, acredita-se que esse grito seja de origem guarani,
emitido pelos índios, quando partiam para as batalhas.

Gastronomia
A cultura do tereré, cuja tradição tem origem no Paraguai, está enrai-
zada no hábito sul-mato-grossense. O tereré é uma bebida feita com erva-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 89


mate, tal qual o chimarrão, porém, ao contrário da bebida típica do sul, ele é
preparado com água gelada.
Popularmente, acredita-se que essa bebida paraguaia tenha surgido
durante a Guerra do Paraguai, quando os soldados paraguaios, proibidos de
acender fogueiras para não revelarem a sua localização, passaram a tomar o
mate com água fria, hábito copiado pelos soldados brasileiros. No entanto,
existe a versão que diz que o tereré, era consumido pelos índios guarani, muito
antes da guerra.
O ciclo brasileiro da erva-mate do tereré iniciou-se em Ponta Porã, ci-
dade conhecida como a princesinha dos ervais e que faz fronteira com Pedro
Juan Caballero no Paraguai, expandindo-se, mais tarde, para outras cidades e
estados.
O tereré é servido no chifre de boi, chamado de guampa e com uma
bomba. A escolha da erva mate é essencial. A erva do tereré não faz a bomba
entupir, pois é moída de forma a ficar mais grossa do que a usada no preparo
do chimarrão. A água deve estar sempre bem gelada, por isso, em muitos casos,
as jarras ou garrafas são cheias de água com bastante gelo.
Além de ser uma bebida refrescante, o efeito estimulante da cafeína en-
contrada no mate do tereré, exerce um efeito energético, estimulando o vigor
mental no trabalho cardíaco e circulação do sangue.
O costume de consumir o tereré é chamado de matear. Os brasileiros,
como os paraguaios costumam matear nos encontros entre amigos e familia-
res, em momentos de descanso, descontração e reuniões. Mas há quem diga
que qualquer hora é perfeita para um tereré, principalmente nos dias de calor.
Esses encontros são chamados de roda de tereré.
As regras para o consumo da bebida devem ser respeitadas: o tereré é
servido em sentido horário; a erva não deve ser mexida com a bomba; a vez de
cada um na roda deve ser seguida, portanto, quem está servindo deve ser cau-
teloso para não pular a vez de ninguém; aquele não quer mais tomar o tereré,
precisa avisar a todos que está “satisfeito”, para que na próxima rodada não seja
servido.
Um prato típico paraguaio que já faz parte da culinária sul-mato-gros-
sense é a sopa paraguaia, que diferentemente, das sopas comuns, é um prato
de consistência sólida, feita de milho, cebola, queijo e ovos, cuja aparência po-
deria ser confundida com um bolo ou um suflê.
Existem algumas versões populares sobre a origem desse prato para-
guaio, tão peculiar. Há quem acredite que a cozinheira do ditador do Paraguai,

90 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Carlos Antônio López, que governou o país entre 1844 e 1862, jogou mais
farinha de milho do que devia, ou deixou a sopa mais tempo no fogo do que o
normal, tornando-a sólida. A nova receita agradou o ditador, de tal forma, que
se tornou um prato típico do país.
Há também quem conte que, originalmente, a sopa era líquida, dificul-
tando o seu transporte pelos os soldados paraguaios durante a Guerra do Para-
guai, que acrescentaram mais ingredientes ao caldo, tornando-o sólido e mais
fácil de ser carregado. Findada a guerra, a receita foi incorporada à culinária
paraguaia e influenciando, mais tarde, a gastronomia do Mato Grosso do Sul.
O chipa guasú é outro prato típico do Paraguai e consumido no estado
vizinho brasileiro. A receita é muito parecida com a da sopa paraguaia, mas
para o preparo da chipa guaçu se usa fubá de milho saboró, qualidade de milho
do Paraguai, enquanto que na sopa paraguaia, se usa o próprio milho fresco
em espiga.
A chipa também é uma receita nacional paraguaia, que não falta à mesa
do povo sul-mato-grossense. A chipa parece um pão de queijo mineiro, mas
tem consistência mais firme e um sabor próprio, devido ao tipo de queijo usa-
do, ao polvilho doce, ao invés do azedo e a menor quantidade de gordura no
preparo. Após pronta a massa, as chipas são confeccionados sempre em forma
de “ferradura”, enquanto o pão de queijo mineiro é em formato redondo.
O puchero é um prato de origem argentina, que acabou sendo
incorporado à culinária paraguaia, devido à proximidade com a fronteira, de
tal forma que hoje é considerado um prato típico do Paraguai. O puchero, um
cozido com ossobuco, legumes e temperos, é comumente consumido no Mato
Grosso do Sul.
O cumandá quesú, o sôo josu py, o vori vori, o kivevé, e o clerico ou
clericot também são de origem paraguaia e apesar de menos conhecidos no
Mato Grosso do Sul, é possível encontrá-los em regiões próximas à fronteira
ou às colônias paraguaias. O cumandá quesú é uma sopa de feijão verde e quei-
jo e o sôo josu py, um caldo de carne moída.
O vori vori é uma espécie de sopa ou ensopado com bolotas de farinha
de milho, carne de frango ou carne bovina, com ossos (puchero). É um prato sa-
boroso, nutritivo, calórico, consumido principalmente no inverno. Esse nome
provem do idioma guarani e significa bola. Em guarani, o plural se faz pela
repetição da palavra, daí o nome vori vori, ou seja, bolas ou bolinhas.
O kivevé é feito com abóbora ou andai (em guarani), água, leite, açúcar,
farinha de milho e queijo. O nome kivevé vem do guarani e significa cor aver-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 91


melhada. O clerico é uma bebida alcoólica consumida, especialmente, em dias
festivos. A bebida é preparada com frutas como laranja, melão, mamão, maçã,
abacaxi, pêssego e morangos, uma bebida alcoólica, principalmente vinho tin-
to ou vinho branco, açúcar e gelo.

Música
A música paraguaia é, até hoje, uma tradição impregnada na vida das
pessoas do Mato Grosso do Sul. Dos anos 50 aos 80, a música paraguaia era a
mais tocada nas rádios de Campo Grande e nas cidades do interior do estado.
Nessa época, as duplas de paraguaios tocando harpa e violão eram comuns em
restaurantes, festas e eventos populares, em que as pessoas, bailavam ao som da
polca paraguaia, confirmando a ligação do sul-mato-grossense, aos costumes
paraguaios.
A música do Paraguai influenciou os compositores de estado vizinho
brasileiro. As composições de Paulo Simões, Geraldo Roca, Geraldo Espín-
dola e Almir Sater, famosos músicos do Mato Grosso do Sul, transitam pelas
guarânias, polcas e chamamés em suas harmonias, e pelo o guarani, o castelha-
no e português em suas letras, que muitas vezes recordam fatos históricos des-
ses dois países, como nas músicas Rio Paraguai e Polca Outra Vez, de Geraldo
Roca, e Sonhos Guaranis, de Almir e Paulo Simões.
Na música Rio Paraguai, Geraldo Roca fala que a tradição da região
fronteiriça, por onde passa o Rio Paraguai é tão forte que “não se desmancha
no ar”, não se desfaz facilmente, como podemos ver a seguir:

Rio Paraguai
Geraldo Roca

A novidade vem atrás da tradição


Aquela que não desmancha no ar
Eu não
Não se mergulha nunca mais no mesmo rio
Rio Paraguai a tradição entre nós é você
Rio Paraguai das lendas e canções
Na noite guarani etê saudações
Águas do rio Paraguai
O pai do meu pai navegava no rio
Nos tempos da linha Assunção-Corumbá

92 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


O século vinte aportava do sul
Num barco a vapor entre os sons
E as dúvidas da paz
E as vítimas da Guerra Guaçú
Que a história recolhia ao silêncio do rio
Rio Paraguai a tradição entre nós é você
Meu velho rio Paraguai
Das lendas e canções
da noite guarani etê saudações
Águas do rio Paraguai sempre você
Por onde a história passou entre nós
Na noite do rio Paraguai pelas gerações
Mistérios na noite azul rohayhu
Noites do rio Paraguai
No primeiro mundo a ciência refaz
Os rios que a indústria matou
Mas então as águas imundas revivem azuis
O velho mistério não mais
os deuses e lições
A lenda recontada na voz
A voz da tradição em nós guarani etê
[...]
Rio Paraguai rohayhu
Guarani etê rio Paraguai
Sempre pra sempre e sempre
O Rio Paraguai

O Rio Paraguai, segundo o compositor, é a tradição entre o povo pa-


raguaio-guarani da fronteira e o povo sul-mato-grossense. Aquela região de
fronteira é o lugar das “lendas e canções”, da história e da música, da “noite
guarani etê”. Em guarani, etê significa bom, honrado, sincero, portanto, Roca
expressa o seu respeito pelo “outro”, o povo paraguaio-guarani vizinho, que
também é parte da sua própria tradição.
Quando Roca diz: “O pai do meu pai navegava no rio”, parece lembrar
que aquele é um lugar que guarda histórias de gerações passadas, como a das
vítimas da Guerra Guaçu -em guarani, Grande (outra denominação para a

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 93


Guerra do Paraguai) - e continuará guardando as histórias das futuras gera-
ções, “sempre, pra sempre, sempre”.
Roca utiliza-se do idioma guarani para demonstrar o seu amor pelo Rio
Paraguai. Quem sabe, influenciado pelos paraguaios que usam o idioma indí-
gena para expressar os seus sentimentos, o autor diz: Rio Paraguai rohayhu,
que em guarani significa te amo.
Na música Polca Outra Vez, Geraldo Roca diz ter voltado do Sul, mais
especificamente, de Punta Del Leste, e parece ter trazido uma moça de lá, a
quem se refere como guria, expressão típica do Sul, referente à menina, con-
forme exposto a seguir:

Polca Outra Vez


Geraldo Roca

Trêbado no avião
Aqui vou eu Centro-Oeste
Eu fiz a conexão
Voltei de Punta Del Leste
Ninguém proibiu
E o avião não caiu
Aterrissamos de volta, velho matão
E tome polca!
É nesse compasso
O negócio aqui, ô guria
Só nesse compasso,
E nunca tem fim ô guria,
dim, dim, dim, dim, dim, dim
Roda em volta de mim
Polca paraguaia é assim
Ramon Martinez Ortega
Paraguaio de Asunción
Comanda o baile hoje à noite
O baile então será bom
Ramon conhece a receita
Que que interessa o tom
Conta um, dois, três
E mete bronca mais uma vez

94 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


E tome polca! É nesse compasso, assim é que é, ô guria
Não é vanerão, Este é chamamé
dim, dim, dim, dim, dim, dim
Roda em volta de mim
Polca paraguaia é assim
Dança comigo um momento
Morena che rohayhu
Eu sei que você é filha
Do rei do gado zebu
Falemos de céu azul
Falemos de casamento
que eu quero esse gado
todo consignado no testamento
morena che roga mi
seu pai não me reconhece
Então diz por aí
que eu nunca fiz nada que preste
No baile eu morro de rir
do black tie que ele se veste
hipócrita a velha peste acena e sorri
e tome polca! [...] lá na fronteira é assim,
[...] o negócio é assim
[...] Polca paraguaia é assim

Segundo a letra, assim que o compositor e seu grupo aterrissam, no ma-


tão, ou seja, no Mato Grosso do Sul, a polca paraguaia começa a tocar, mos-
trando que a tradição desse estado do Centro-Oeste, sofre forte influência da
música paraguaia. Roca, então, passa a ensinar os costumes da dança e da mú-
sica que toca no seu estado, para a guria do Sul. Mostra o compasso de dança
e ensina que ela deve rodar em volta dele, porque assim é que se dança a polca
paraguaia.
Ramon Martinez Ortega representa todos os músicos paraguaios, indis-
pensáveis nas festas da época em que a música foi composta. A presença dos
músicos paraguaios de Asunción assegurava o sucesso do baile no Mato Grosso
do Sul.
Roca adverte à guria, que aquele ritmo não é o vanerão, o qual está acos-
tumada no Sul. Trata-se, de polca e chamamé, ou seja, ritmos da fronteira entre

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 95


o Brasil e o Paraguai.
Em um terceiro exemplo, na música Sonhos Guaranis, Almir Sater e
Paulo Simões falam que em Mato Grosso do Sul, os sonhos guaranis foram
encerrados.

Sonhos Guaranis
Almir Sater e Paulo Simões

Mato Grosso encerra em sua própria terra


Sonhos guaranis
Por campos e serras a história enterra uma só raiz
Que aflora nas emoções
E o tempo faz cicatriz
Em mil canções
Lembrando o que não se diz

Mato Grosso espera esquecer quisera


O som dos fuzis
Se não fosse a guerra
Quem sabe hoje era um outro país
Amante das tradições de que me fiz aprendiz
Em mil paixões sabendo morrer feliz

E cego é o coração que trai


Aquela voz primeira que de dentro sai
E as vezes me deixa assim ao
Revelar que eu vim da fronteira onde
O Brasil foi Paraguai

Nessa região fronteiriça, está enterrada a história dos povos paraguaio-


-guaranis e mato-grossenses-do-sul, escrita no singular, por ter uma só origem.
Essa história, aflora emoções, que com o tempo, se tornam cicatriz, mar-
cando, para sempre, as duas regiões. Uma história que não é dita, mas é “lem-
brada em mil canções”.
Para os autores, seria bom se esquecêssemos do som dos fuzis, que estou-
raram na Guerra Grande, quando o Brasil e o Paraguai se enfrentaram, numa
guerra que mudou a história desses dois países, que, segundo eles, seriam ou-

96 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


tros se não fosse o conflito.
Não se trai a voz do coração, dizem os compositores, que, representan-
do os sul-mato-grossenses, dizem que são “amantes das tradições”, da fronteira
entre os dois países. Por fim, em uma última revelação, os autores admitem
pertencer a esse lugar fronteiriço, onde o Brasil foi Paraguai, antes da guerra.
Os municípios sul-mato-grossenses de Ponta Porã, Porto Murtinho, Miranda,
Bela Vista, Jardim e Maracaju, até a cidade de Nioaque, que fica a uns 200 km
de Campo Grande, eram territórios paraguaios antes da guerra, onde a histó-
ria enterra “uma só raiz”.
A música paraguaia continua influenciando as composições dos músi-
cos das novas gerações como em Soy Surfista, do grupo musical Surfistas de
Trem, uma banda originária da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, mais es-
pecificamente, das cidades de Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, que traz em
suas músicas a marca da miscigenação cultural presente na região. A música
ganhou um toque diferente de tudo que se faz no Brasil. O ritmo de Soy Sur-
fista é chamado de polca-rock, ou seja, a mistura dos ritmos paraguaios com ska,
reggae, funk, blues e rock’n roll. A letra mistura as línguas faladas nessa frontei-
ra: português, castelhano e, apesar de não haver na letra nenhuma palavra em
guarani, eles fazem menção a língua indígena: “Y la cultura si mistura, quando
hablo en guarani”.

Soy Surfista
Surfistas de Trem

Pense no que falo


Mas não faça o que eu te digo
Faze o que tu queres
Sempre serei um bom amigo

Y si aciendo un cigarrilho
No és pra llamar su atencción
E tudo que eu faço já não parece ter razão

Nem mesmo se o universo eu pudesse lhe entregar


Nem mesmo se quisesse, poderias me amar
Não sei se eu acredito ou se é mera enganação
Eu sei que eu sou do bem, sou surfista de trem e apresento solução

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 97


Eu sei que eu sou do bem, sou surfista de trem e apresento solução
(pra todo e qualquer tipo de problema, como eu e você e você e eu) 2X

Por que os grandes problemas


Estão nos olhos de quem vê
E se não tem explicação, tem razão pra acontecer
Pois a razão nem sempre escuta os bons conselhos do saber
Mas eu surfo em trem e posso ajudar você

Estoy em Pedro Juan, estou em Ponta Porã


Los bares de su calle, fazem nossa inspiração
En la frontera solo hay un pueblo, somos uma só nação
Y la cultura si mistura, quando hablo en guarani
Recuerdos dulces de Ypacaray

Na segunda estrofe, os compositores misturam o português e o castelha-


no, como normalmente se fala na fronteira: “Y si aciendo un cigarrilho No és
pra llamar su atencción E tudo que eu faço já não parece ter razão”.
Na última estrofe, quando os surfistas de trem dizem “Estoy em Pedro
Juan, estou em Ponta Porã”, parecem querer mostrar a realidade da fronteira
seca entre os dois países nessa região, ou seja, sem demarcações claras, onde
se pode estar com a metade do corpo em país e a outra metade, no outro. Na
mesma frase, usam o castelhano e o português: “Los bares de su calle, fazem
nossa inspiração.
Segundo os compositores, a fronteira entre esses dois países, naquelas
duas cidades, Ponta Porã e Pedro Juan Caballero, não serve para separar os po-
vos, mas para uni-los em um só povo: “En la frontera solo hay un pueblo, somos
uma só nação”, porque lá as culturas se misturam, principalmente, quando o
guarani é falado.
Por fim, quando os jovens compositores acabam a música dizendo “Re-
cuerdos dulces de Ypacaray” fazem uma ligação entre o presente e o passado,
entre as várias gerações, pois Recuerdos de Ypacaray é uma música antiga e tra-
dicional do Paraguai, até hoje tocada e cantada naquela região de fronteira.

Considerações Finais
A região fronteiriça entre o Brasil e o Paraguai é um espaço de transcul-
turação, mestiço, de entrelaces culturais, misturas de crenças e valores, onde

98 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


um país influencia o outro. Com a proposta de discorrer brevemente sobre
a influência que Paraguai exerceu sobre as representações culturais do Mato
Grosso do Sul, vimos o tanto quanto a gastronomia, a religião, os costumes e
a música desse lado brasileiro da fronteira foram afetados pelo lado de lá, não
só por uma questão de proximidade, mas pela história vivida por esses dois
vizinhos.
Parte desse estado brasileiro foi território paraguaio, antes da guerra do
Paraguai. Na época da guerra, a fronteira entre os dois países serviu como front
de batalha, separando e excluindo os dois povos, mas aos poucos, foi se trans-
formando em oportunidade para a hibridez. Tornou-se então em um espaço
que inspira negociações, por meio das quais o eu e o outro encontram uma
possibilidade de compartilhamento, dando origem a novas configurações das
representações culturais.
A fronteira que divide o Brasil do Paraguai, em muitas cidades, não está
claramente delimitada e não corresponde a um limite físico ou geográfico, ao
contrário, consiste em um espaço poroso e fluido, onde acontecem as trocas,
apesar dos conflitos, das segregações e exclusões, que não foram abordados
neste artigo.
Em muitos lugares no Mato Grosso do Sul, os costumes da população
são tão parecidos com os paraguaios, que parece que estamos do outro lado da
fronteira. As rodas de tereré, as chipas, as sopas paraguaias e as músicas acabam
criando uma atmosfera transnacional, configurando uma zona de contato, um
entre-lugar, onde não há qualquer preocupação em se traçar limites entre cul-
turas, muito menos em distinguir grupos culturais entre si, porque, como na
letra de Soy Surfista, “En la frontera solo hay un pueblo, somos uma só nação”

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100 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


A INFLUÊNCIA INDÍGENA NA PAISAGEM
E IDENTIDADE CULTURAL URBANA DE
CAMPO GRANDE-MS: UMA ANÁLISE SOB O
VIÉS DA GEOGRAFIA DO TURISMO

Daniela Sottili Garcia


Djanires Lageano Neto de Jesus

Introdução
Dos diferentes conceitos sobre território, o presente estudo buscou
elucidar as abordagens que melhor contribuem para a análise do território de
Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul, na perspectiva da
identidade cultural, por entender que a análise territorial cotidiana do espa-
ço urbano torna-se instrumento para a compreensão da diversidade cultural e
identitária, sobretudo, nos aspectos relacionados aos traços indígenas tão mar-
cantes na Capital e em todo o Estado.
A priori, evidencia-se que a cultura a ser trabalhada, sendo ela a da popu-
lação de Campo Grande, caracteriza-se como cultura residual, por entender-se
que a cultura local constituída há décadas está se alterando, em detrimento de
uma cultura mais atual.
Assim, a paisagem pode contribuir por representar a cultura de uma
sociedade de forma dinâmica e contínua. Sendo a paisagem constituída pelo
homem historicamente, levanta-se aqui a questão sobre a paisagem da Capi-
tal sul-mato-grossense, que apresenta por meio dela a história que vem sendo
construída há mais de um século na cidade, e que constitui ou deveria consti-
tuir os interesses de seu povo, sejam eles de ordem política, econômica, social
ou somente pelo viés cultural.
Pondera-se ainda que para o estudo da identidade cultural local levar-
-se-á em conta a identidade coletiva de sua população. Entretanto, indaga-se
uma questão norteadora: seria a afirmação da identidade cultural a ser resolvi-
da sobre a cultura de Campo Grande ou seria a falta dessa identidade?
Nesse sentido, a presente pesquisa pretendeu elucidar alguns aconteci-
mentos que ao longo da história de Campo Grande contribuíram para o de-
senvolvimento político, econômico, social e cultural da cidade, bem como na

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 101


construção de sua identidade cultural, sobretudo, com traços indígenas.
Para tanto, julgou-se necessária a apresentação de alguns aspectos de
Campo Grande, sobretudo, aqueles relacionados às questões socioculturais
especialmente os relacionados à música, dança e comercio que caracterizam
evidentemente os traços indígenas locais.
A abordagem metodológica qualitativa deste estudo foi baseada sobre o
aspecto descritivo e bibliográfico, utilizando-se de referências epistemologicas
da Geografia e do Turismo, sobretudo, nos aspectos relacionados a cultura,
identidade, territorialidade e organização do espaço pelo turismo.
Parece oportuno lançar um olhar mais crítico sobre a cultura alternati-
va, e neste estudo trabalha-se com a possibilidade da cultura local estar clas-
sificada como cultura residual, por perceber que estão sendo desvalorizados
certos traços culturais construídos nos primórdios da cidade que evidenciam,
acima de tudo, características tão marcantes da cultura indígena que se mistu-
ram a miscigenação dos povos que escolheram a cidade para viver.

Campo Grande - MS: uma abordagem histórica e socio-


cultural
A história da Capital juntamente com a migração e imigração ocorri-
das na sua ocupação refletem diretamente na cultura campo-grandense, pois
se desenvolveu com um número significativo de imigrantes de várias regiões
do mundo, 26 etnias foram identificadas em Campo Grande, (informação
verbal)33, as quais vivem ou já viveram na cidade. Essa imigração contribuiu
para a construção dos traços culturais adotados por sua população.
Esclarece-se ainda que se a instalação da Ferrovia Noroeste do Brasil
(NOB) favoreceu a imigração de diversas etnias, a divisão do Estado foi outro
fator que acelerou o processo migratório no novo estado de Mato Grosso do
Sul (ARCA, 2000). De acordo com a mesma matéria, nesse processo de desen-
volvimento econômico de Campo Grande, chegaram à cidade culturas trazidas
por migrantes de outros estados brasileiros, sobretudo, de Minas Gerais, Paraná,
Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo e Rio de Janeiro (ARCA, 2000).
Observa-se que os migrantes mencionados contribuíram para o desenvolvimen-
to econômico, social e cultural local por meio de suas colônias. Mas seria impos-
sível fazer uma análise total da miscigenação existente em Campo Grande desde
seus primóridos, sem abordar a influência dos indígenas.
33. Informação oral fornecida por Edson Carlos Contar, pesquisador, em Campo Grande em 1º de junho,
dados resultante de pesquisa.

102 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


De início, faz-se a devida menção à população indígena do estado de
Mato Grosso do Sul, onde a presença deles é uma das maiores do Brasil (MAR-
TINS, 2000). O Estado possui a segunda maior população indígena do país,
ficando atrás apenas do estado do Amazonas. No MS, segundo dados preli-
minares do IBGE (2012) são 73.295 indígenas (14.475 população urbana e
58.838 população rural), distribuídos em 75 aldeias espalhados na maioria dos
municípios do Estado. As etnias que compõem o cenário indígena estadual
são: Atikum; Guarani: Kaiowá e Ñandeva; Guató, Kadiwéu; Kinikinau;
Ofaié; Terena; Kamba e Chiquitano (FUNAI, 2011).
Sobre a presença indígena em Campo Grande, destaca-se os mais de
5.898 indígenas residindo no espaço rural e urbano. Desse número, 5.657 são
residentes urbanos. Esse número de indígenas residindo no espaço urbano de
Campo Grande é significante, contribuindo para a influência deles na cultura
campo-grandense (IBGE, 2012).
Em se tratando do município de Campo Grande, Martins (2000) eluci-
da que não há índios, exceto aqueles que vivem na cidade, na condição de de-
saldeados, sobretudo, índios Terena, mas que sabidamente não são originários
da área municipal.
Martins (2000) complementa que não há nenhuma fonte segura que in-
dique quais foram os índios que viveram no vasto planalto arenítico-basáltico
Maracaju - Campo Grande antes da chegada dos pioneiros mineiros, no século
XIX. Para esse autor, isso não significa que não existiram índios na região antes
da chegada dos “brancos”. O que de fato ocorre é que as pesquisas são insufi-
cientes para se esclarecer o aspecto da ocupação humana nesse espaço.
O problema em definir o perfil cultural dos habitantes nativos de Cam-
po Grande está na insuficiência das pesquisas referentes a contextos passados,
anteriores ao século XIX (MARTINS, 2000). Com efeito, a cidade apesar de
ainda muito nova enquanto capital, possui perfil de metrópole. A população
de diversas origens mescla-se num caldeamento que se manifesta na cultura e
na movimentação social.
Destaca-se também que num Estado novo, como é o caso de Mato Gros-
so do Sul, criado em 1977 pela Lei Federal Complementar nº. 31, e instalado
oficialmente em 1 de janeiro de 1979 recebeu um contingente significativo
de diferentes culturas, que consequentemente influenciaram nos hábitos da
população campo-grandense, não há como não modificar em parte as raízes
de seu povo (OLIVEIRA NETO, 2005).
O município de Campo Grande foi criado no dia 26 de agosto de 1899

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 103


pela Lei Estadual nº. 225, enquadrado na categoria de município em 1902
(SALGADO, 2001). De acordo com essa referência bibliográfica, o municí-
pio possuía uma área superior a 100.000 km2, abrangendo os atuais municí-
pios de Rio Brilhante, Nova Alvorada do Sul, Bataguassu, Ribas do Rio Pardo,
Rochedo, Terenos, Sidrolândia, Jaraguari e Camapuã. Atualmente, Campo
Grande possui uma área total de 8.092,97 km2 e uma área urbana de 154,45
km2, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (CAMPO
GRANDE, 2012).
Aos cablocos de todos os quadrantes do país, aos negros, aos remanes-
centes de índios terenas vieram juntar-se os imigrantes paraguaios, bolivianos,
japoneses, italianos, espanhóis, alemães, árabes, libaneses, armênios, gregos,
sírios, poloneses, palestinos, turcos e portugueses, entre outros.
Campo Grande participou do processo migratório ocorrido no Brasil,
e pensar nesta migração direciona a discussão sobre os desencontros sociais,
culturais, étnicos e espaciais resultantes dos processos migratórios, e que mais
à frente, ainda neste trabalho, poderá servir de contribuição para o aprofunda-
mento dos estudos sobre a identidade cultural desta cidade.
Na análise geográfica de Campo Grande sob o viés cultural e social, é
possível afirmar que houve influencias advindas pelo desenvolvimento econô-
mico, sobre o qual Oliveira Neto (2005, p. 100-101) destaca:

No período que compreendeu desde a fundação de Campo Grande em


1872, até as duas primeiras décadas do século XX, houve o início do
processo de incorporação do território mato–grossense ao mercado
nacional, a expansão da área de abrangência do mercado monopolista
paulista, a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e a posi-
ção geográfica privilegiada de Campo Grande, como alguns dos moti-
vos locais, regionais e internacionais que propiciaram a sua elevação ao
posto de principal entreposto comercial do estado. A união de todos
esses fatores contribuiu também, para o início de um processo que a
levaria à situação de mais importante cidade do sul de Mato Grosso, em
substituição a Corumbá.

Relacionam-se os fatos acima mencionados por Oliveira Neto (2005)


com o mencionado por Corrêa (1999a), o qual explica que Campo Grande
tornou-se um centro de comercialização de gado, de onde partiam comitivas
conduzindo boiadas para o Triângulo Mineiro e o Paraguai, por meio da estra-

104 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


da boiadeira, construída por Manoel da Costa Lima no século XX. A estrada
ligava Campo Grande às barrancas do Rio Paraná, e por meio dela as boiadas
passaram a dirigir-se também para São Paulo, abrindo novo mercado para o
gado da região, além de novas oportunidades de intercâmbio comercial para
o povoamento.
Metello (1999) esclarece que no começo da pecuária campo-grandense
o gado europeu predominou nos campos, porém, os animais mal suportavam
o clima tropical, e para se adaptarem ao meio, degeneraram, transformando-se
nos chamados tucura, de pequeno porte e pouco rendimento de carcaças.
O autor acima citado explica que depois chegou a era do zebu, este com
grande influência dos mineiros na sua comercialização, mas ressalta que foi o
nelore, com a rusticidade, fertilidade, resistência ao calor e aos parasitas, que
predominou, promovendo o aneloramento do rebanho por meio da possibili-
dade de cruzamento. Esclarece Metello (1999) que tal cruzamento aumentou
de maneira incrível o rendimento de carcaças e o número de bois nos campos,
a ponto de tornar Mato Grosso do Sul detentor do maior rebanho de corte do
Brasil e, possivelmente, o melhor.
O fato do Estado ter o maior rebanho de corte do país, com participa-
ção vigorosa de Campo Grande, como polo econômico e comercial que a cida-
de representa reflete na economia local por meio das indústrias e do comércio
que têm sua origem e funcionamento ligados à pecuária (METELLO, 1999).
Em se tratando de pecuária e de serviços de infraestrutura básica, fa-
tos marcantes e importantes ocorreram por volta de 1918, destacando-se a
criação, pelo governo municipal, dos serviços veterinários para exame do gado
abatido no matadouro municipal (MACHADO, 1990).
Machado (1990) destaca que o precursor do comércio de gado entre
o Triângulo Mineiro e o sul de Mato Grosso foi o mineiro Lucas Borges. De
acordo com este autor, foi o gado que fez a base econômica do então Mato
Grosso. Espalhou-se pelas campinas sem fim da vacaria, possibilitando na épo-
ca, a formação das fazendas e o aparecimento dos núcleos urbano.
Ainda em se tratando de pecuária, Laucídio de Souza Coelho muito
contribuiu para o progresso de Campo Grande e até mesmo do Estado de
Mato Grosso do Sul. Destarte, entende-se ser necessário relatar um pouco so-
bre este pecuarista.
Salgado (2001) relata que Laucídio Coelho, assim conhecido, foi um
dos pecuaristas mais importantes de sua época. A marca de seu gado, LS, era
muito famosa e tal pecuarista chegou a ser o maior proprietário rural do mun-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 105


do (SALGADO, 2001). Este mesmo autor explica que foi Laucídio quem
fundou o primeiro frigorífico, o Frigorífico Matogrossense S/A – FRIMA,
além da COOPERATIVA LS e, juntamente com uma equipe de amigos, fun-
dou ainda o Banco Financial de Mato Grosso. Por estes significativos motivos,
o Parque de Exposições de Campo Grande recebe o nome de Parque de Expo-
sições Laucídio Coelho (SALGADO, 2001).
No concernente à pecuária da cidade, evidenciou-se sua contribuição
econômica para o início do desenvolvimento de Campo Grande. Diante do
exposto, aponta-se que na década de 30 o Tenente César Bacchi de Araújo,
de família corumbaense, revolucionário, também foi prefeito da capital de
02/12/1930 a 19/01/1931, e naquela época teve a iniciativa de fundar o Cen-
tro de Criadores, transformado depois em Associação dos Criadores de Mato
Grosso do Sul (Acrissul) - (MACHADO, 2000).
Devidamente mencionada a importância do setor pecuário nos primór-
dios da economia campo-grandense, relata-se, de acordo com Cabral (1999),
que mais recentemente a economia campo-grandense está centrada nas ativi-
dades do setor terciário, com ênfase para o comércio e serviços. Este autor ain-
da explica que o advento da criação de Mato Grosso do Sul fez crescer o con-
tingente de servidores públicos estaduais lotados na capital Campo Grande.

Descortinando a identidade cultural de Campo Grande


Baseando-se na história da imigração das diversas etnias que para Cam-
po Grande vieram, observou-se que possivelmente novas identidades tenham
surgido entre os que chegaram e os que na cidade estavam, ou ainda, que houve
uma reconstrução de identidades e pertencimentos. Haesbaert (1999) explica
que alguns grupos culturais migrantes podem levar consigo sua territorialida-
de, tentando reproduzi-las nas áreas para onde se dirigem.
Ainda em se tratando da identidade cultural local, não se pode deixar de
enfatizar que os imigrantes que chegaram desde a colonização da cidade fazem
parte da “tradução”, assim denominada nesta pesquisa e fundamentada por
Robins (1991) apud Hall (2006), pois, juntamente com eles trouxeram para a
cidade a cultura de seus povos, por intermédio de suas vestimentas, culinária e
costumes, entre outros.
A objetificação da cultura prende-se à necessidade de encontrar coisas a que
a identidade dos grupos possam se fixar. Na visão de Silvano (2002, p.11): “Dito de
outro modo, coisas que permitam o duplo movimento – de identificação consigo
próprio e de diferenciação face aos outros – que o jogo identitário sempre implica”.

106 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


No segmento da educação, no ano de 1961 foi criada na cidade a Facul-
dade Dom Aquino, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras e que em 1962
começou a funcionar (ROSA, 1999). A mesma autora explica que posterior-
mente chamou-se Faculdades Unidas Católicas de Mato Grosso (FUCMAT),
transformada em Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) em novo ende-
reço, com infraestrutura mais ampla. Essa mesma Universidade estendeu sua
contribuição à capital com a criação do Museu Dom Bosco, sendo este um
grande signo emblemático da cultura indígena, no setor de Antropologia que
abrange as tribos Bororo, Ianomâmi e Tucano de Alto Rio Negro, sendo con-
siderado de singularidade ímpar (ROSA, 1999).
Em novembro de 2006 o acervo deste Museu foi transferido para o Par-
que das Nações Indígenas passando a ser denominado Museu das Culturas
Dom Bosco e em 2009 abriu oficialmente as portas das exposições de longa
duração, dos setores de Arqueologia e Etnologia à visitação pública e está inse-
rido no roteiro oficial do City Tour. Nele é possivel identificar além das etnias
de outros Estados brasileiros, um acervo especial com os povos indígenas ha-
bitantes de Mato Grosso do Sul. Disponível em:< http://www.capital.ms.gov.
br/sedesc/pontosTuristicos>. Acesso em: 01 de nov. 2012. Na figura abaixo é
possível ter uma visão panorâmica do Museu:

Fonte: Daniela Sottili Garcia (2012)


Passa-se a discutir sobre os aspectos culturais, especialmente os relacio-
nados à música e à dança campo-grandense, por considerá-las como expressi-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 107


vas formas de manifestação da riqueza e diversidade cultural. Observa-se por
meio das bibliografias consultadas que em Campo Grande o som da moda de
viola, do rasqueado, da polca paraguaia e, mais recentemente, da polca-rock
revela uma herança musical que tem raízes em grupos indígenas do tronco
tupi-guarani e influências de migrações de toda parte que emergem em com-
passos musicais e lembram diversos sotaques (ARCA, 2005).
Das primeiras danças destacavam-se a quadrilha, a santa-fé, a polca pa-
raguaia, o xote, a catira ou cateretê paulista, o “sapateado”, entre outras. Com
exceção da polca paraguaia e do xote, estas danças não fazem mais parte da
cultura campo-grandense (MACHADO, 1990). Ainda no início do século
XX, na rotina do meio urbano e rural evidencia-se uma preferência cada vez
maior pela música sertaneja, que recebia diversas influências além da sua ori-
gem indígena (ARCA, 2005).
Sobre a música em Campo Grande, Lenilde Ramos em entrevista publi-
cada pela ARCA (2005, p.16) identifica as influências musicais como:

[...] no século passado essa terra de Vacaria já recebia reflexos das En-
tradas e Bandeiras que por aqui passaram e deixaram a semente da mú-
sica lusitana abrasileirada, ou seja, a música caipira trazida pelos ban-
deirantes. Na sequência, aconteceu a Guerra do Paraguai que foi uma
primeira tomada de consciência de que nós temos vizinhos próximos e
que, apesar do sofrimento, deixou caminho aberto para um país muito
próximo que se misturava totalmente conosco, como fala a música “So-
nhos Guaranis”, de Almir Sater e Paulo Simões. Depois chegaram os
mineiros que, à moda deles, reforçam a identidade caipira na época em
que Campo Grande começa a se colocar como núcleo social e, a partir
daí, se configura toda essa história. [...]. (grifos do autor).

Evidencia-se que, assim como a cultura campo-grandense, a música lo-


cal também recebeu influências diversas, sobretudo, a indígena.
Sobre o artesanato local, essa discussão se fundamenta nas informa-
ções obtidas no site da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômi-
co, Turismo, Ciência e Tecnologia e Agronegócio (SEDESC), a qual relata
que Campo Grande é uma vitrine do artesanato do estado exibindo em vários
espaços a diversidade dessa produção, sobretudo com características indígenas
tão comuns no Estado. (Disponível em:< http://www.capital.ms.gov.br/se-
desc/canaisTexto?id_can=4237 >. Acesso em: 01 de nov. 2012.)

108 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Um dos ícones mencionados no site da Prefeitura Municipal de Campo
Grande diz respeito a Conceição Freitas da Silva, a “Conceição dos Bugres”.
Suas esculturas de “bugrinhos” em madeira ganharam o mundo e a admiração
de artistas e críticos. Destaca-se que o termo “bugre” advém da denominação
dada a indígenas de diversos grupos do Brasil por serem considerados não cris-
tãos pelos europeus.
Os descendentes de artesã “Conceição dos Bugres” continuam manten-
do viva essa tradição, mesmo após sua morte. Uma de suas obras foi instalada
na área urbanizada frontal ao Centro de Convenções Rubens Gil de Camilo
uma réplica de um Bugre, pesando duas toneladas, idealizado pelo artista plás-
tico José Carlos da Silva (CAMPO GRANDE, 2006), conforme ilustrado
abaixo.

Fonte: Daniela Sottili Garcia (2012)

Ainda sobre o artesanato indígena, com destaque para o Terena e Ka-


diwéu, também é muito presente na Capital. Nas produções dos Terena os
motivos tribais estão em cerâmicas, adornos e objetos feitos com palha, bar-
ro e tecelagem. Já no artesanato Kadiwéu, a matéria-prima é o barro e a pig-
mentação das cores derivadas das rochas, além de sua peculiar iconografia tão
rica em detalhes. (Disponível em:< http://www.capital.ms.gov.br/sedesc/
canaisTexto?id_can=4237 >. Acesso em: 01 de nov. 2012).
A Feira Central, está inserida no roteiro turístico do City Tour. Esta Fei-
ra foi instalada em Campo Grande no ano de 1925 (CALADO, 2010). A Fei-
ra também faz relação com a miscigenação cultural já tratada anteriormente

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 109


por esta pesquisa, pois de acordo com Arruda (1995), isto ocorre, sobretudo,
por que grande parte dos restaurantes existentes na feira são de propriedade
de representantes da colônia japonesa. E as barracas que comercializam frutas,
verduras e hortaliças são, na grande maioria, de propriedade de japoneses e
indígenas, o que evidencia, mais uma vez a influência de outras etnias, no co-
mércio campo-grandense.
Para Arruda (1995), a Feira Central não se constitui apenas pela comer-
cialização de produtos e da culinária, ela também representa ponto de encon-
tro e também liberdade cultural, comercial e de expressão, mas principalmente
por fazer parte da história de Campo Grande. Na Feira Central os Indígenas
também se fazem presente, mesmo em menor número do que os japoneses,
dividindo espaço na comercialização dos mesmos produtos acima citados. Ou-
tro aspecto encontrado apresentado por Garcia (2013), é de que os traços cul-
turais dos campo-grandenses se cruzam com os dos indígenas, apresentando
características físicas semelhantes, como pele morena, cabelos pretos e lisos.
Também existe a Feira Indígena localizada no centro urbano da cidade,
ao lado do Mercado Municipal Antônio Valente, onde os indígenas comercia-
lizam frutas, legumes e hortaliças, principalmente, a que por eles são cultiva-
das, como manga, quiabo, milho verde, guariroba, pequi, guavira, jabuticaba,
feijão de corda, entre outros (CABRAL, 1999). Menciona-se ainda que esta
Feira esta inserida no roteiro turístico realizado pelo City Tour.
A representatividade indígena no espaço urbano de Campo Grande
também se estabelece por meio de um bairro indígena existente na cidade,
chamado de Tiradentes, além da OCA Indígena, conhecida como Memorial
da Cultura Indígena.
A esse respeito, Martins (2000, p. 31), explica:

Índios desaldeados da tribo terena ocupavam, até recentemente, uma


área invadida de cinco hectares no Bairro Tiradentes, parte leste de
Campo Grande. Com baixo nível de escolaridade, cerca de 450 pessoas
ali viviam em mais de uma centena de barracos, em processo de exclusão
social e étnica.

Ainda de acordo com o autor, com a urbanização do bairro, promovida


pela municipalidade, foi implantado, na área ocupada, um loteamento dotado
de infraestrutura que recebeu o nome de “Marçal de Souza”, homenagem feita
a uma importante liderança indígena do Centro-oeste.

110 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Sobre tal Bairro, Martins (2000), complementa que os nomes dados
as suas ruas também homenageiam nações indígenas de Mato Grosso do Sul,
abrigando uma aldeia urbana com cerca de 120 unidades habitacionais, que
lembram ocas tradicionais. Para esse mesmo autor, além de preservar traços
arquitetônicos das residências, preserva-se ainda, as raízes dos moradores, por
meio do ensino da língua terena, ministrada na Escola Municipal Sulivan S.
Oliveira – Tumone Kalivono, que significa criança do futuro.

Fonte: ARCA (2002)

O Memorial da Cultura Indígena, que faz parte do roteiro do City Tour,


é formado por duas grandes ocas, construídas com bambu tratado, coberto
com palha de bacuri e possui área total de 340 metros quadrados. O piso térreo
possui 280 m² que destina-se a exposição e comercialização de artesanato. Já o
mezanino é reservado para oficina de artesanato e depósito de materiais (Dis-
ponível em:< http://www.capital.ms.gov.br/sedesc/pontosTuristicos>. Aces-
so em: 01 de nov. 2012.)
O projeto da aldeia urbana de Campo Grande é considerado pioneiro
em âmbito nacional (MARTINS, 2000). Citando Cabral (1999), diferente-
mente dos Terena, os Guarani, presentes em menor número, não são facilmen-
te percebidos, isso se dá principalmente por não desenvolverem uma atividade
específica e nem um local de moradia determinado que permita a identificação
desse grupo. Na tentativa de aglutinar os patrícios residentes, e até mesmo,

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 111


para de certa forma chamar a atenção para o drama que vivem, ergueram a
ogaguaçu – que significa casa grande para oração (CABRAL, 1999).
Por todas essas características indígenas apresentadas, as quais estão pre-
sentes no espaço urbano de Campo Grande, conclui-se que a cultura campo-
-grandense também é influenciada diretamente por essa cultura podendo ad-
mitir ainda que existe o fomento do turismo indígena na Capital, definido por
Neto de Jesus (2012, p.78):

O turismo indígena pode ser compreendido como um segmento da


atividade turística que é desenvolvido dentro ou fora dos territórios tra-
dicionais, segmento este que fomenta ações de base comunitária abar-
cando em sua essência a conservação e sustentabilidade sociocultural
e ambiental, bem como a revitalização de modos de vida tradicional
coesos com a realidade de vida atual, além da geração de renda para
a própria comunidade envolvida. Para sua composição a comunidade
indígena decidirá as ações a serem desenvolvidas e posteriormente arti-
culadas com os agentes de fomento do turismo.

Considerando a dinâmica evolutiva na tradição dos povos, a prática do


turismo indígena não se restringe a cultura materializada e estanque no tem-
po, uma vez que os povos indígenas acompanham as tendências mundiais de
desenvolvimento, não desmerecendo seus valores tradicionais de identidade e
alteridade étnica (NETO DE JESUS, 2012).
Não se trata, portanto, de questionar sua autenticidade, pois a própria
experiência turística promove de fato a prova de intercâmbio intercultural en-
tre o indígena e o visitante do atrativo. Além disso, limitar a abrangência de de-
senvolvimento da atividade (se acontece dentro ou fora do território indígena)
para definir uma modalidade da outra não contribui para o próprio conceito
de território e territorialidade, que os compreende como um sistema em que
os atores usufrui cotidianamente do território deixando suas marcas culturais
independente de sua autoctonia. Ou seja, tanto faz o indígena estar dentro ou
fora do território tradicional ele levará consigo sua manifestação de identidade
e alteridade cultural inclusive na produção turística em que estiver inserido
(NETO DE JESUS, 2012).
Sabe-se que para um território indígena se constituir em um atrativo
turístico, é imprescindível pensar em questões voltadas para o conjunto de
vivências e realidades de tal povo. Para se entenderem as relações sociocul-

112 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


turais dos e nos territórios indígenas torna-se necessária à compreensão de
um processo subjetivo de construção territorial que contemple o espaço de
reprodução física, subsistência e sobrevivência (NETO DE JESUS, 2012).
Dimensionar as interferências diretas que o turismo indígena pode pro-
vocar nesses núcleos tradicionais ou transformados é uma questão basilar para a
constituição de uma atividade que valorize o espaço utilizado como reprodução
cultural. A atividade turística possibilita acões de planejamento em longo
prazo, com propostas de capacidade de suporte, conservação e revitalização da
cultura. Por outro lado, também potencializa o turismo de massa, com forte
apelo para o lucro fácil, que visa a resultados imediatistas, principalmente
quando o fenômeno do turismo é tratado como slogan e apresenta-se como
“solução” para a geração de empregos, ignorando-se, todavia os investimentos
necessários para sua sobrevivência e manutenção (NETO DE JESUS, 2012).
Com o fortalecimento econômico e a crescente expansão do turismo,
acompanhados pelo aceleramento do fluxo em destinos turísticos diferencia-
dos, essa atividade passou a receber maior atenção de gestores na elaboração
de políticas públicas específicas para seu desenvolvimento, bem como acões
ordenadas para diversas regiões e localidades.
Sob enfoque citado, este estudo tem por objetivo avaliar as transforma-
ções efetivadas pelo incremento do turismo indígena, além de verificar se tal
atividade contribui para a modificação das relações pretéritas construídas his-
toricamente pelas comunidades indígenas, habitantes atualmente nas aldeias
urbanas.
Como se percebe, a consolidação do ambiente cultural interétnico de-
penderá do equilíbrio resultante do jogo instável e infinitamente manipulável,
entre a afirmação das semelhanças e a aceitação das diferenças entre os indiví-
duos que convivem dentro do mesmo ambiente social e que constituem uma
única sociedade, seja ela composta por índios ou não indígenas.

Considerações Finais
As relações territoriais indígenas são expressões marcantes e complexas
ligadas diretamente à identidade cultural. O território incorpora as expressões
dos modos de vida tanto do passado, como do presente, contendo, ao mesmo
tempo, significados culturais residuais e emergentes. Todo território possui co-
nexões que promovem o movimento e a fluidez e, consequentemente, a (des)
territorialização (NETO DE JESUS, 2012).

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 113


Para Santos (2002, p.9), o território é “[...] lugar em que desembocam
todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fra-
quezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das ma-
nifestações de sua existência”. Incorporando essa concepção territorial à ques-
tão da identidade, que, no caso, facilita o entendimento das relações indígenas.
Compreendendo os mecanismos de diferenciação, de troca e padroni-
zação cultural, destacam-se dois fatos principais na história da cultura: ideias e
técnicas tendem a se difundir e a herança cultural dos povos tende a aumentar
cumulativamente. Tanto por evolução interna quanto por propagação, a cul-
tura cresce e se dispersa. Quando se fala de “estágios”, portanto, não significa
que um complexo substitua e elimine outro, mas, exatamente, que aos velhos
são acrescentados novos complexos e características culturais, que passam a
coexistir. Eventualmente, podem surgir novos padrões, mas eles mantêm os
mais velhos (ROSENDAHL & CORRÊA, 2003).
Sob este aspecto, é admissível afirmar que o próprio ato de produção altera
não somente as condições objetivas, como por exemplo, transformando aldeias
em cidade. Surgem também novas possibilidades de transformação para os ter-
ritórios de modo que as relações possam, por conseguinte, conviver em situação
paradigmática, conforme estabelecido entre os novos e antigos padrões para o
desenvolvimento do território. Um dos aspectos marcantes das transformações
nos territórios indígenas está se projetando para abertura de novas oportunida-
des, inclusive de negócios, como as relacionadas ao turismo indígena.
A lógica de patrimonialização dos recursos culturais e naturais existen-
tes corresponde essencialmente às dinâmicas de representatividade simbólica
individual e coletiva. Nesse sentido, são construídas no interior dos conflitos
culturais que envolvem os diferentes grupos que constituem uma sociedade.
O papel das localidades em que se projetam perspectivas de valorização
cultural, até mesmo com o planejamento inadequado, provocando a descaracte-
rização cultural, está muitas vezes, relacionado às formas que se criam, ou não, o
sentimento de pertença. Sentimento este que liga o poder simbólico e emocional,
apesar da diversidade e do espaço envolvido sobre a população alvo, ou seja, no
caso em questão, sobre as comunidades indígenas (NETO DE JESUS, 2012).
No espaço apropriado pelo turismo é preciso pensar além das suas fun-
ções econômicas, considerar as questões sociais e culturais diversas. A neces-
sidade de reforço desse sentimento terá de ser produzida em articulação com
a multiplicidade de processos de identificação territorial de escala mais redu-
zida.

114 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Em se tratando de Campo Grande, é possível dizer que sua cultura foi
influenciada, em parte, pela cultura indígena, essa afirmação baseia-se nas
influências recebidas na gastronomia, na musica, na dança, além do campo-
-grandense ter recebido traços dos indígenas em seus aspectos físicos (GAR-
CIA, 2013).
Além da comercialização de hortifrutigranjeiro realizada pelos indíge-
nas, sobretudo, na Feira Indígena e Feira Central, é possível apontar a influen-
cia indígena nos monumentos históricos da Capital, parte desses se tornaram
atrativos turísticos inseridos no roteiro do City Tour oficial da Prefeitura Mu-
nicipal de Campo Grande, como é o caso do Memorial da Cultura Indíge-
na, do Parque das Nações Indígenas e do monumento do Bugre (GARCIA,
2013).
Por fim, observa-se homenagem aos indígenas com os nomes atribuí-
dos aos bairros, ruas, escolas e comércios na capital campo-grandense. Porém,
faz-se necessário enfatizar que a cultura local, recebe influências de diversas
outras colônias, sendo a indígena apenas uma dessas, porem a mais antiga e
porque não dizer de maior destaque sob o contexto sociocultural.

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Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 117


TURISMO RURAL E SUB-REGIÃO DE
MIRANDA: UM PANTANAL E SEUS
DESAFIOS

Debora Fittipaldi Gonçalves


Lilian Blanck de Oliveira

Introdução
O Pantanal Mato-grossense na sub-região de Miranda (MS), desde a
década de 1980, oferece atividades de Turismo Rural, o que tem desafiado
estudiosos e pesquisadores regionais no tocante aos cuidados com a preser-
vação34 deste patrimônio mundial em duas perspectivas: o espaço geográfico
deste Pantanal - riquezas inestimáveis em relação ao seu ecossistema e o ho-
mem pantaneiro35 - histórico guardião deste habitat natural. Teme-se pela
fragilização de uma cultura tecida temporalmente no encontro entre o ser
humano e o contexto geográfico, narrada em verso e prosa na academia e rodas
pantaneiras, enquanto uma tecitura a conduzir a existência do e no território,
a partir e com as territorialidades de seus habitantes.
Este texto busca socializar alguns destes aportes a partir de diferentes
pesquisas realizadas na última década. Neste sentido, traz um breve recorte em
relação ao contexto e resultados oriundos de uma pesquisa social desenvolvida
com homens pantaneiros envolvidos com atividades de Turismo Rural (peões,
peões guias e proprietários de fazendas) na sub-região de Miranda - Pantanal
Mato-Grossense neste período.

34. [...] não é só guardar uma coisa, um objeto, uma construção, um miolo histórico de uma grande cidade velha.
Preservar também é gravar depoimentos, sons, músicas populares e eruditas. Preservar é manter vivo, mesmo que
alterados, os usos e costumes populares. [...] Devemos, então, de qualquer maneira, garantir a compreensão de nossa
memória social, preservando o que for significativo dentro de nosso vasto repertório de elementos componentes do
patrimônio cultural (LEMOS, 1981, p. 29).
35. Por homem pantaneiro, entenda-se neste trabalho, indivíduo natural do Pantanal ou aquele que, mesmo não
tendo nascido lá, assimilou a vivência daquele nativo, compartilhando dos hábitos e dos costumes típicos da região.
“Pantaneiro é o “elemento nativo do Pantanal ou aquele que nele vive há mais de vinte anos, compartilhando hábitos
e costumes da região” (NOGUEIRA, 1990, p. 13).

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 119


Sub-Região de Miranda e Atividades de Turismo: Algu-
mas Aproximações
O Pantanal Sul Mato-Grossense, sub-região de Miranda, está localiza-
do a oeste do estado a uma distância aproximada da Capital Campo Grande
de 190 km, onde seu principal acesso é feito pela rodovia BR-262. Segundo o
Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE em 2010 sua
população era de 25.595 habitantes e a estimada em 2014 26.890 habitantes,
possui uma extensão da unidade territorial de 5.478,825m e possui densidade
demográfica de 4,67 (IBGE, 2016a).
Na época em que ainda era capitania hereditária de Mato Grosso, Luiz
Albuquerque Melo Pereira e Cáceres, o capitão que ali estava, escolheu o local
para instalar fortificação, chamada de Mondego (GRESSLER; VASCON-
CELOS, 2005). O município de Miranda é um dos mais antigos do estado
de Mato Grosso do Sul habitada originariamente pelo Povo Indígena Terena.
Ainda existem aldeias indígenas nesta região e as maiores são: Aldeia Cachoei-
rinha, Moreira, Passarinho e Lalima.
Miranda foi fundada em 1580 por Dom Ruy Dias, um espanhol que
chegou até os rios Miranda e Aquidauana, em 1579. O capitão João Leme
Prado, em aproximadamente 1778 iniciou os lançamentos dos alicerces de um
presídio na região – Presídio Nossa Senhora do Carmo, com o objetivo de
cuidar da região por causa das possíveis invasões castelhanas. O crescimento
da região foi lento e difícil, até mesmo pelo seu acesso, principalmente pelo
Rio Mondego, hoje conhecido como Rio Miranda, um dos principais afluen-
tes do Rio Paraguai. Em 1797, já havia em torno de 40 casas com uma média
populacional de 500 pessoas. Anos mais tarde, o capitão Francisco Rodrigues
do Parado, auxiliou para que a região se tornasse um município. Em 1857, a
localidade foi elevada à Vila de Miranda.
No ano de 1870 o governo imperial determinou a fundação de uma co-
lônia Militar de Miranda incorporada à Corumbá, (MIRANDA, 2016) o que
contribui para seu o rápido crescimento. Em 1912 houve a inauguração de
uma Estação Ferroviária vinculada a Estrada Ferro Noroeste do Brasil moder-
nizando e contribuindo economicamente para região. Em 1911, Miranda era
constituída por três distritos: Miranda, Bonito e Potreiro. Em julho de 1918
foi elevado a município e com o tempo diversos desdobramentos ocorreram
entre as divisões territoriais e distritais na região (IBGE, 2016a). Um marco
para a região de Miranda foi a Guerra do Paraguai, a maior intervenção militar

120 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


do país em território estrangeiro e o mais longo conflito armado que ocorreu
na América do Sul, esta guerra teve a duração de 3 anos entre 1864 e 1867
(GRESSLER; VASCONCELOS; SOUZA, 2005).
Atualmente, a Estação Ferroviária foi transformada em espaço cultural
onde funciona a Secretaria de Meio Ambiente, Turismo e Esportes, a Casa do
Artesão, o Museu Ferroviário e um Bar em cima de uma Plataforma do Peixe.
Seu conjunto arquitetônico reúne a antiga Usina de Açúcar Santo Antônio,
residências construídas na década de 20 do século passado, a histórica Igreja
Matriz erguida pelo construtor português Manoel Secco Thomé e projetada
pelo arquiteto alemão, Frederico Urlass. O município é a segunda cidade colo-
nial Sul-Mato-Grossense e busca projetos e financiamentos com vistas a pre-
servação e restauração do patrimônio material e imaterial da região.
Pela sua localização e fácil acesso junto à entrada do Pantanal, esta região
é considerada sua segunda sub-região e uma das mais expostas ao acesso dos
turistas, promovendo assim uma forma acentuada de interferência na cultura
pantaneira. O principal atrativo turístico desta região é o Rio Miranda, que
atrai turistas para a prática da pesca e também serve de passagem para o acesso
de Corumbá.
Miranda está localizada próxima à Serra da Bodoquena e Bonito, outro
município conhecido mundialmente pelas suas belezas naturais, auxiliando
desta maneira no atrair maior número de turistas à região. De acordo com
pesquisas realizadas junto à prefeitura do município, não há dados oficiais
sobre a atividade de exploração turística na região e não existem registros do
número de visitantes no município (MIRANDA, 2015).
A atividade turística na região está baseada nos segmentos do Turismo
de Pesca, Ecoturismo e Turismo Rural buscando aos poucos o desenvolvimen-
to e inserção para o Turismo Étnico, pois o município possui uma expressiva
população de indígenas da etnia Terena. Em relação à infraestrutura turística
o município possui: meio de hospedagem rural e urbano, 319 unidades habi-
tacionais e 980 leitos; possui ainda três (3) agências de viagens e conta com 20
bares, restaurantes, lanchonetes e similares com capacidade de atender 1500
lugares (MIRANDA, 2015).
No momento, em andamento no setor de turismo, há um projeto de
sinalização de trânsito na área urbana e foi criado o mapa turístico do muni-
cípio. Além disso, os projetos em parceria e apoio do Governo Federal para
o setor, atualmente são os relacionados ao Programa Nacional de Acesso ao
Ensino Técnico e Emprego-Pronatec, sendo eles: Recepcionista em Meios de

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 121


Hospedagem, Garçom, Organizador de Eventos, Agente de Informações Turí-
sticas, Camareira, Inglês.
Os projetos de turismo onde Miranda está incluída atualmente são: Ar-
ranjo Produtivo Local Rota Pantanal – Bonito, que tem como ação ordenar;
capacitar; promover; divulgar a rota que inclui os municípios de: Anastácio,
Aquidauana, Bela Vista, Bodoquena, Bonito, Campo Grande, Corumbá,
Guia Lopes da Laguna, Jardim, Ladário, Miranda, Ponta Porã e Porto Murti-
nho, tendo como base da proposta, Zoneamento Ecológico-Econômico - MS
(Semac); Programa de Regionalização – Roteiros do Brasil (Mtur); MS Sem
Fronteiras (Sebrae), possuindo os municípios Bonito, Corumbá e Ponta Porã
como sede.
Este Arranjo Produtivo Local - APL, entre alguns eixos de desenvol-
vimento propostos é o turismo que ocorre nos municípios de Jardim, Guia
Lopes da Laguna, Bonito, Aquidauana, Anastácio, Bodoquena, Miranda e La-
dário e possui a função de fortalecer e expandir o principal corredor turístico
do estado, a partir de três destinos indutores do turismo nacional classificados
pelo Ministério do Turismo, sendo eles: Campo Grande, Corumbá e Bonito
(PLANO DE DESENVOLVIMENTO DO APL DE TURISMO ROTA
PANTANAL BONITO, 2014).
Outro projeto é o Geopark Bodoquena – Pantanal, localizado no es-
tado de Mato Grosso do Sul e sua abrangência são as microrregiões geográfi-
cas de Bodoquena, Baixo Pantanal e Aquidauana além de onze regiões em sua
parcialidade incluindo os municípios de: Bela Vista, Bodoquena, Bonito, Ca-
racol, Corumbá, Guia Lopes da Laguna, Jardim, Ladário, Miranda, Nioaque e
Porto Murtinho. O Geopark tem como função e objetivos,

[…] promover o planejamento, a implementação, a autogestão e a ges-


tão compartilhada de um processo de desenvolvimento sustentável em
territórios urbanos e rurais com vistas ao fortalecimento e a dinami-
zação da economia, a inclusão social e a preservação do Patrimônio
[…] criar condições para a população auferir vantagens materiais e não
materiais do convívio e do reconhecimento de excepcionais valores da
cultura e da natureza nacional, por meio do patrimônio geológico e pa-
leontológico […] (IPHAN/MS, 2010, p. 52)

Com isso, o Geopark visa auxiliar o desenvolvimento sustentável da re-


gião do Pantanal, cuidando com sua história, cultura, costumes e tradições.

122 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Existem outros projetos que o município está envolvido, que ocorrem
nas fazendas da região, como o Onçafari, que apresenta como um dos objeti-
vos permitir que “turistas tenham a oportunidade de acompanhar a rotina das
onças-pintadas em seu ambiente natural ao visitar o Pantanal”, assim também
auxiliando por meio de diálogos a preocupação de proteger esse animal em
extinção (PROJETO ONÇAFARI, 2015).
O Projeto GADONÇA, realizado em outra fazenda da região, tem
como objetivo um estudo sobre estes predadores carnívoros de grande porte
silvestres e os animais domésticos da região pantaneira, possui um caráter cien-
tífico, para estudar a movimentação da onça pintada na região e o ataque aos
bovinos das propriedades rurais (FAZENDA SAN FRANCISCO, 2015).
Complementando a relação de projetos de preservação da fauna local
existe o projeto Arara–Azul, que também é desenvolvido em Miranda, ten-
do como objetivo o estudo das relações biológicas e ecológicas para que haja
conservação da arara azul no seu meio natural, além também de estudar ou-
tras aves da região pantaneira, principalmente no Pantanal do estado de Mato
Grosso do Sul (PROJETO ARARA AZUL, 2015).
Está previsto no Plano Diretor do Município e Lei de Diretrizes Orça-
mentárias, alguns destaques, pois se referem à exploração da atividade turísti-
ca. São eles:

Seção II - Do Desenvolvimento Econômico e Social.


Art. 6º. Para a consecução da política devem ser observadas as seguintes
diretrizes:
VII - fortalecer o segmento do turismo, explorando economicamente o
potencial do território para esse fim, especialmente no tocante ao patri-
mônio histórico, cultural e arquitetônico;
Capítulo IV -Do Patrimônio Histórico e Cultural
§ 3º. Será dada especial atenção aos usos e costumes pantaneiros e à
cultura indígena dos Terena, assim como à história da Guerra com o
Paraguai, com ênfase para a invasão de Miranda e o trajeto do Corpo de
Voluntários da Pátria em direção à Laguna (Paraguai)
Lei de Diretrizes Orçamentária do município
TURISMO E MEIO AMBIENTE
10.1 Implantação do Programa Educação Ambiental;
10.2 Promover incentivos à instalação e criação de empresas caseiras e
agroindustriais,

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 123


10.3 Incentivo à instalação de Indústrias e Desenvolvimento e amplia-
ção dos setores de turismo e comércio; - Desenvolver atividades visando
à educação da população na proteção do meio ambiente e investimentos
na manutenção do controle ambiental. - Apoio técnico e financiamento
para instalação de empresas caseiras. - Implementar programas e ações
destinadas ao desenvolvimento do comércio, da indústria do turismo
(MIRANDA, 2015).

Em 05 de julho de 2001, na Prefeitura de Miranda, pela Lei núme-


ro 978/2001, foi criado o Conselho Municipal de Turismo – COMTUR
e o Fundo Municipal de Turismo - FUMTUR. Este conselho é um órgão
deliberativo, consultivo e de assessoramento, onde une o poder público e a so-
ciedade civil. Este Conselho visa promover o turismo na região de Miranda no
desenvolvimento social, econômico e cultural, formular a política municipal
de turismo entre outras ações para que possa fortalecer e promover o turismo
na localidade.
O turismo no Mato Grosso do Sul está subdividido em 2 macrorregi-
ões que são: Pantanal / Bonito-Serra da Bodoquena / Rota Norte / Vale do
Aporé / Costa Leste e a outra é Caminho dos Ipês / Grande Dourados / 7
Caminhos da Natureza-Cone Sul / Vale das Águas / Caminhos da Fronteira,
compondo-se num total de 10 regiões (FUNDAÇÃO DE TURISMO DE
MATO GROSSO DO SUL, 2015).
O município de Miranda, de acordo Fundação de Turismo de Mato
Grosso do Sul, com a Elaboração das Estratégias de Desenvolvimento do Tu-
rismo de Mato Grosso do Sul, para o período 2009-2020 compreendendo as
10 (dez) Regiões Turísticas do Estado, na divisão da região do Pantanal, sendo
este composto pelos municípios de Anastácio, Aquidauana, Corumbá, Ladário
e Miranda. Há um planejamento estratégico na Fundação de Turismo do Estado
que propõe ações de desenvolvimento para esta atividade pensado e estruturado
para o período de 2009-2020 e realizou oficinas de planejamento para a re-
gião, analisando e desenvolvendo ações nas questões relacionadas a Gestão Pú-
blica e Governança, Estruturação e Roteirização, Qualificação dos Serviços e
Empreendimentos Turísticos, Infraestrutura Turística e de Apoio e Marketing.
Estas oficinas ocorrerão com o apoio de parcerias entre Poder Público e Privado
juntamente com a sociedade civil (FUNDAÇÃO DE TURISMO DE MATO
GROSSO DO SUL, 2015).

124 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Sub-Região de Miranda e Turismo Rural: Um Olhar
O turismo tem envolvimento com experiências e permite que haja cons-
trução em dois sentidos, o ato de viajar em si e unindo a isso, o fato de ser turis-
ta. Neste sentido o turismo rural proporciona essas experimentações, vivências,
sensações, onde há um modo de vida que se contrapõe ao urbano. Se relaciona
com qualquer atividade de lazer e turismo realizada no meio rural, sendo que
geralmente os termos utilizados são “turismo no meio rural e turismo rural”.
A segmentação de turismo rural possui várias denominações, facetas
e desdobramentos oriundos da mescla de regionalidades e suas diversidades
socioculturais. Procura superar oposições entre campo e cidade, articular a in-
clusão social, preservar e muitas vezes recuperar a fauna e flora, auxiliar eco-
nomicamente o proprietário rural com a chegada de uma nova atividade ao
campo além de ampliar com geração de emprego e renda. Para Bovo (2005, p.
41), “o turismo no espaço rural é essencialmente o conjunto dinâmico de três
elementos – o modo de vida, a identidade local e a natureza […]”. Reitera ainda
um dos elementos em destaque para as atividades de turismo rural que devem
ser as identidades sociais locais detentoras da memória coletiva dos diferentes
grupos, que são repassadas para as gerações futuras.
A definição de turismo rural utilizada pelo Ministério do Turismo, se
apresenta como o “conjunto de atividades turísticas desenvolvidas no meio
rural, comprometido com a produção agropecuária, agregando valor a pro-
dutos e serviços, resgatando e promovendo cultural e natural da comunidade”
(BRASIL, 2004, p. 11).
A atividade turística no meio rural pode beneficiar toda a comunidade
do seu entorno, porque permite a geração de riqueza e dispensa grandes inves-
timentos, sendo preferencialmente mantidos os costumes tradicionais. Como
toda e qualquer forma de intercâmbio cultural, o turismo rural pode acabar
influenciando e muitas vezes prejudicando culturas mais fragilizadas, pelos
impactos gerados enquanto, “resultados das relações sociais mantidas duran-
tes a estada dos visitantes, cuja intensidade e duração são afetadas por fatores
espaciais e temporais restritos” (OMT, 2001, p. 215).
Segundo Mazuel (2000, p. 103) “no turismo cultural rural, o cliente
procura um tanto de status de herdeiro de uma tradição, como o de criador de
um futuro onde o indivíduo e a criatividade são motores de uma sociedade de
lazer”. Para que haja o turismo no meio rural alguns itens são necessários para
compor esse segmento: oferta de hospedagem, alimentação, visitação a proprie-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 125


dade rural, atividade de lazer, recreação e pedagógicas. Assim a oferta de serviços,
equipamentos turísticos, infraestrutura e produtos estão contemplados. A oferta
e agregação de valores nos produtos e serviços oferecidos apresenta um modo
de vida diferente ao urbano, o manejo dos animais, preparação dos alimentos,
manifestações da cultural local, além de preservação a fauna e flora local.
A economia de subsistência do município de Miranda, Sub-Região do
Pantanal Matogrossense é a pecuária. Em relação à prática de atividades de Tu-
rismo Rural atualmente podemos identificar três fazendas que trabalham com
este segmento e estão catalogadas na prefeitura, em relação às subdivisões de
Pantanal reconhecidas nacionalmente e internacionalmente: Fazendas Baía
Grande, Fazenda Santa Inês e Pantanal Ranch Meia Lua.

126 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


A Fazenda Baía Grande está localizada na parte alta do Pantanal Sul,
no município de Miranda. Dista aproximadamente 20 quilômetros do centro
da cidade e 220 quilômetros de Campo Grande – capital do Estado. A via
de acesso é por uma estrada de chão bem conservada e com cascalhos (BAÍA
GRANDE, 2008).
Esta fazenda iniciou os trabalhos com turismo rural e turismo ecológico
em julho de 2001. Está voltada à preservação ambiental e possui uma grande
preocupação com a cultura pantaneira. Existe um convênio com o Centro de
Reabilitação de Animais Silvestres - CRAS e é associada à Associação Brasi-
leira de Turismo Rural de Mato Grosso do Sul ABRATURR- MS e filiada à
Associação Rural do Vale do Rio Miranda (BAÍA GRANDE, 2008). Nesta
fazenda, há também criação de gado nelore para engorda, obedecendo a um
sistema de manejo que visa reduzir as perdas na qualidade da carne bovina,
eliminando os impactos do estresse no rebanho durante a lida. Além da prá-
tica do turismo, a capacidade de hospedagem do local é para 15 pessoas. Seus
atrativos turísticos são a cavalgada, safári ecológico, focagem noturna de jaca-
ré, pescaria de peixes pequenos, trilhas na mata ou capões e a lida com o gado
junto aos peões pantaneiros, onde se pode escutar os causos pantaneiros.
Ela é reconhecida internacionalmente pela sua prática de turismo rural
e possibilidades de observação de diversos pássaros – birdwatching -, sendo in-
dicada por diversos guias turísticos tanto em nível nacional quanto internacio-
nal. Nesta fazenda também foram realizadas diversas reportagens de revistas
e em sites especializados sobre a propriedade e o turismo local. A fazenda está
preparada para atender pequenos grupos de visitantes. O objetivo, segundo o
próprio pousadeiro, é oferecer um serviço diferenciado atendendo as necessi-
dades dos turistas.
A propriedade está localizada na parte mais seca do Pantanal, propor-
cionando maior permanência do gado na região que vem da região de Co-
rumbá, deslocado por causa das cheias do rio Paraguai. Por isso, nesta fazenda
há uma forte presença dos peões pantaneiros. Atualmente as segmentações de
turismo desenvolvidas nesta propriedade rural são: turismo de pesca, turismo
rural, ecoturismo, turismo científico e pedagógico.
A Fazenda Santa Inês localiza-se a dezenove (19) quilômetros do centro
da cidade de Miranda e suas atividades são diversificadas fazendo cria e recria
de gado contendo búfalos, porcos, carneiros e outros animais. Desde 2001,
iniciou suas atividades com o turismo passando por uma reestruturação no lo-
cal para que este recebesse hóspedes. Atualmente possui um total de 20 leitos,

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 127


sendo 04 quádruplos e 02 duplos. Com a preocupação em preservar os costu-
mes pantaneiros, seja ele na culinária típica ou outra área oferece passeios em
geral pela fazenda, chamados de farm tour, onde inclui: cavalgada; lida com o
gado e ordenha; pescaria esportiva; carreta puxada por trator; charrete; canoa
canadense; barco a remo, além de caminhada rústica na mata, focagem notur-
na de jacaré e um passeio típico com uma comitiva pantaneira de apenas um
dia, onde o hóspede pode vivenciar um pouco mais dos costumes da região,
mas para esse tipo de passeio com a comitiva o turista deve saber andar a ca-
valo. Também é possível nesta propriedade rural praticar alguns esportes radi-
cais, pois esta possui um paredão de onze (11) metros de altura para escalada
e rapel e uma tirolesa com mais de duzentos (200) metros de extensão sobre
uma represa (SANTA INÊS, 2015).
A terceira fazenda que está cadastrada na prefeitura e desenvolve o seg-
mento de turismo rural é a Refúgio da Saúde - Pantanal Ranch Meia Lua loca-
lizada a dez (10) quilômetros do município de Miranda, sendo de fácil acesso
para os visitantes. As atividades desenvolvidas na fazenda são: cavalgada tipo
pantaneiro, com passeio pelo bioma cerrado e com duração média de uma (1)
a duas (2) horas; caminhada na floresta, possuindo áreas alagadas e florestas
mais fechadas onde se faz possível caminhar pelo bioma e ver animais da fauna
local; pescaria no lago da fazenda com média de duração de uma (1) a duas
(2) horas podendo-se fisgar peixes da fauna pantaneira; caminhada noturna,
esta realizada com auxílio de lanternas, onde é possível ver inúmeros animais
da região tendo uma duração que varia entre uma (1h) hora a uma hora e meia
(1h30m). Outras atividades realizadas na fazenda são aula de cozinha panta-
neira, aulas sobre chás e ervas, jardinagem agroflorestal, além de meditação
com as árvores, yoga e contato com a natureza por meio da música (PANTA-
NAL RANCH MEIA LUA, 2015).
Nas relações de hospedagem as fazendas estão preparadas para atender
pequenos grupos de visitantes. O objetivo, segundo os próprios pousadeiros,
é oferecer um serviço diferenciado e totalmente voltado aos anseios, desejos
de conhecer e vivenciar a cultura local e necessidades dos turistas. As proprie-
dades rurais desta região são objeto de estudo para pesquisadores de diversas
áreas do conhecimento como: biólogos, turismólogos, geógrafos, historiado-
res entre outras, para a produção de documentários voltados à região pelo alto
grau de envolvimento e conhecimento de seus proprietários e peões guia com
o Pantanal.
Neste contexto, a partir da oferta e procura de atividades de turismo

128 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


rural nestes espaços pantaneiros diferentes pontos se apresentam e necessitam
ser analisados e discutidos com a comunidade local para que a tecitura de ru-
ralidade seja mantida em seus aspectos socioculturais e de território (SOLLA,
2002),

Turismo Rural na Sub-Região de Miranda: Elementos,


Desafios e Perspectivas
O lócus vivencial do homem pantaneiro, que constantemente passa por
transformações territoriais, onde secas e cheias se alternam com frequência,
vida e morte conjugam o cotidiano, transcendência e imanência se fundem no
ardor de seus embates de caráter objetivo e subjetivo, gera um desafio contínuo
na busca e efetivação de uma parceria e cumplicidade inigualável entre habi-
tat e habitante, para que ambos possam conviver de forma qualitativa com a
entrada de uma nova atividade em seus domínios seculares – as atividades de
turismo.
Rodas de conversa com acadêmicos e especialistas na área, pesquisas de
cunho teórico e documental, conversas informais ou entrevistas com diferen-
tes sujeitos envolvidos no processo (peões pantaneiros, peões guia, proprie-
tários de fazenda, gestores da área do turismo) na Sub-região do Pantanal de
Miranda, tem trazido alguns aspectos, aqui circunscritos, enquanto elementos
de vital importância a contribuir nas discussões e compreensão do cenário
pantaneiro em relação às atividades de turismo, no que tange à preservação de
seus territórios e territorialidades assim como na busca de um desenvolvimen-
to equitativo e de qualidade para esta região e seus habitantes.

O elemento humano
Quando se discutem as questões relativas a presença ou entrada de ativi-
dades exógenas ao universo pantaneiro as incidências acabam recaindo para a
preocupação com o ambiente antropogeográfico e a cultura da região pantanei-
ra, que ali sinalizam para uma singularidade ímpar, uma simbiose elaborada
paulatinamente entre o Pantanal e o ser humano que o habita. Este ser hu-
mano habituado às agruras e artimanhas do Pantanal convive com a solidão,
entende a natureza, sabe ouvi-la e respeitá-la. Como um especialista na área, a
perscruta e desde cedo dela aprende a decorar o seu abecedário, do qual retira
suas lições de cotidiano (NOGUEIRA, 1990 p. 60).
Ser um pantaneiro é se confundir com esta realidade enfrentando-a no

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 129


dia a dia; saber conviver com a seca, a enchente, o manejo o gado, as longas
e solitárias caminhadas em meio à mata, ou seja, aprender com o entorno e
transmiti-lo de geração em geração. O caráter do labor diário reúne indistinta-
mente gerações, pessoas da terra ou oriundas de outros lugares, patrões e peões,
que exercem as mais diferentes atividades na lida com o gado em paixão irres-
trita pelo Pantanal de forma amigável, íntima e informal.
Este homem, segundo Barros (1998), cuja solidão lhe é professora e o ensi-
na a ouvir, a tolerar, a ver o outro, o auxílio mútuo, “[...] uma espécie em extinção”
(p.07), carrega em suas entranhas as culturas, o modo de ser e ver as possibili-
dades de preservação para e do Pantanal (LEMOS, 2000). Segundo Leite (2003,
p. 19), “[...] as transformações observadas no mundo rural e o deslocamento
de habitantes do campo para a cidade favorecem a sensação de desarticulação e
desaparecimento de espaços», o que se configura em um motivo de preocupação
para as famílias pantaneiras.
Uma possível fragilização no sistema cultural pantaneiro para Nogueira
(1990, p. 23) se dá a partir da “[...] interferência de fenômenos os mais diver-
sos, dentre eles, o inter-relacionamento com elementos de culturas diferentes
e assimilação de comportamentos até então alheios ao grupo”. Entretanto, para
Geertz (1989) o processo cultural é algo em constante movimento e outras prá-
ticas e ideias que adentram aos grupos podem ser salutares. No caso da região
pantaneira, todavia, deve-se tomar cuidado para que a interação com as ou-
tras culturas não venha a fragilizar a relação peculiar Pantanal-pantaneiro,
um dos elementos-chave na preservação deste território milenar.

O elemento cultural simbólico-religioso


Um ponto enriquecedor e um dos fios que sustentam as culturas pan-
taneiras são as crenças do ser humano que historicamente reside no Pantanal
e o auxiliam a viver o isolamento e enfrentar a sua lida diária. As crenças que
integram as culturas, vida e lida do homem pantaneiro apontam o que lhe é
sagrado, seus temores, buscas e formas de superá-los, conduzindo o seu viver
no dia a dia do Pantanal. Ao relatar suas lendas, mitos, símbolos, devoções e
superstições o homem pantaneiro dá indicativos de sua maneira de crer, de ver
o mundo.
Um símbolo religioso carrega em si a capacidade de transmitir uma
mensagem, apesar de algumas vezes não ser compreendido conscientemente,
em sua totalidade. Um símbolo dirige-se ao ser humano como um todo, e não
apenas à sua inteligência. Sendo assim “[...] o simbolismo desempenha um pa-

130 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


pel considerável na vida religiosa da humanidade; graças aos símbolos, o Mun-
do se torna ‘transparente’, suscetível de ‘revelar a transcendência” (ELIADE,
1992, p.109).
Segundo Barros (1998, p. 47), “[...] a fé é uma das manifestações mais
estranhas do comportamento humano e, ao mesmo tempo, das mais arraigadas”.
Os mitos e lendas na região do Pantanal são muitos. É muito comum nesta
região pedir proteção para o Negrinho do Pastoreio, quando se perde alguma
coisa no meio do mato. A fé para o homem pantaneiro é demonstrada em di-
versos momentos, seu sincretismo religioso e crenças, são percebidas desde o
momento que os homens se levantam. O sagrado, para cada ser humano, não
é apenas conceitual e sim algo que se torna mistério da vida, fazendo parte da
fenomenologia e muitas vezes oculta-se do mundo real (ELIADE, 1992).
O homem pantaneiro tem uma forma de crer transmitida pelas gera-
ções e intimamente relacionada com o respeito à natureza que o cerca. Com
suas crenças, aprendeu a conviver com este meio ambiente quase inóspito e
muito isolado. As crenças servem de base de sustentação para este homem, de
forma que o faz acreditar, contar e recontar continuamente os causos que dela
decorrem. O contador de causos transmite uma experiência de vida, de forma
direta ou indiretamente, ou seja, ele fala das histórias que vivenciou e das que
ouviu falar (FERNANDES, 2002). Relatos relacionados ao Pai do Mato e/ou
Curupira, Maozão, Lobisomem, Pé de Garrafa, Enterro, Assombração, Ne-
grinho do Pastoreio, Mula-sem-cabeça mitos e lendas que integram a cultura
do homem pantaneiro são mencionados em contínuo nas conversas e rodas
campeiras, assim como no interior das habitações familiares ou comunitárias.
Poderíamos dizer que o homem pantaneiro consegue viver neste am-
biente por aprender que existe uma espiritualidade, algo maior e além de si a
lhe mostrar os limites da vida e da natureza e por meio da fé ele encontra for-
mas de superá-las e com elas interagir. O respeito à natureza, ao desconhecido,
saber escutar a natureza e o outro, preservar e buscar conviver com o meio
ambiente são algumas das atitudes que advêm desta relação. Preservar a região
do Pantanal também passa indubitavelmente por estas questões.

O elemento valorização e reconhecimento


O turismo, o patrimônio e a cultura fazem um tripé, que necessita de
sustentação, pois é a partir dessa interconexão, que se fortifica a cultura lo-
cal (AZEVEDO, 2002). O turismo traz a possibilidade de aproximar pessoas,
culturas, crenças, mas respeitando as particularidades, não interferindo e sim

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 131


compartilhando e provendo intercâmbio entre os diversos tipos de saberes e
conhecimentos (DIAS, 2006). O turismo pode contribuir no desenvolvimen-
to regional, na qualidade de vida dos indivíduos e na divulgação das culturas
locais, pois o efeito multiplicador do turismo é muito amplo.
Segundo Pacheco (2006), as relações entre turismo, cultura e identida-
de apontam o turismo como uma alternativa para o desenvolvimento de uma
região, mas estas deveriam ser analisadas de forma mais aprofundada, pois
além de exaltar as belezas naturais do local, deveria existir a preocupação com
os valores culturais e luta por afirmação de uma identidade. O turismo rural
tem o papel de promover desenvolvimento e preservar o patrimônio, sendo ele
cultural, histórico ou natural, onde ocorre essa atividade.
A atividade de turismo rural no Pantanal surgiu como uma forma de
adaptação do local a um modelo econômico capitalista da sociedade, com isso
provocando diversas mudanças na vida e lida do homem pantaneiro. Antes
este homem, que tinha como principal atividade rural a comitiva e uma vida
com um estilo mais quieto, necessitou se adaptar para então se enquadrar ao
um modelo desenvolvimentista agropecuário.
Para Almeida (2007) o turismo como um instrumento de desenvolvi-
mento baseado em atitudes ecologicamente sustentáveis deve visar qualidade
de vida para os habitantes locais. Um dos pontos mais significativos para os en-
volvidos com as atividades de turismo nas fazendas visitadas é o sentimento de
reconhecimento e valorização da cultura, vida, lida e crença pantaneira pelos
visitantes (GONÇALVES, 2008). As atividades de turismo podem contribuir
no fortalecimento e/ou revitalização das culturas servindo de motivação para
a comunidade local, além de proporcionar benefícios econômicos.

O elemento sinalizador de alerta


Uma das preocupações que integram o cotidiano do homem pantaneiro
são os territórios que estão nas mãos de pessoas que não conhecem o manejo
do gado, não respeitam a cultura local, têm valores, metodologias e interesses
diferenciados dos locais e podem, com esta postura, vir a contribuir significa-
tivamente para a extinção do habitat e da cultura pantaneira (GONÇALVES
2008).
Tomar tereré é parte integrante da cultura do Pantanal, tomado entre
uma atividade e outra, mais que um vício, é uma necessidade em função do
calor e sol abrasador da região, onde é usado como bebida refrescante e au-
xiliar no processo digestivo (NOGUEIRA, 2002). Restringir uma prática

132 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


secular em função das leis trabalhistas que regem um país não está em con-
formidade com as tradições que regem o Pantanal. Este lugar tem seu jeito de
viver e leis próprias. A complexidade se acentua a cada dia na região, são novas
condições de trabalho sendo impostas, novos proprietários rurais de fazendas
na região que não entendem a vida no Pantanal e do pantaneiro, interferindo
diretamente na cultura deste território, pela sua composição de um patrimô-
nio tanto material quanto imaterial.
Vargas (2009, p. 227) pondera que as alterações que vem ocorrendo no
Pantanal se tem “[...] percebido como uma desterritorialidade, isso se estabele-
ce no Pantanal da atualidade como resultado das transformações globais que
reformulam antigos conceitos, impondo novos padrões de vida, desestrutu-
rando ordens instituídas”. O Pantanal é um lugar onde há um encontro de
diferentes conhecimentos, vidas e identidades por séculos. O pantaneiro está
preocupado com o futuro deste patrimônio da humanidade – cultural e geo-
gráfico – território onde aprendeu a viver na confluência de etnias e culturas
desenvolvendo um jeito próprio de se ser, estar e viver em harmonia com a
natureza.
Sons de alerta ecoam pelos pantanais, de forma silenciosa e própria do
ser do homem pantaneiro. Segundo Mariani e Arruda (2013, p. 352) para uma
relação qualitativa e equitativa entre territórios, territorialidades, e turismo se
faz necessário,

[...] reconhecer, a existência do território (com suas várias territorialida-


des constitutivas); bem como as dinâmicas sob as quais os territórios são
(re) criados [...] condições basilares para que o turismo de fato seja plane-
jado e programado para o fomento do desenvolvimento das localidades.

O Pantanal está clamando por socorro e emite um alerta à sobrevivência


do meio ambiente, do homem pantaneiro e da sua cultura. Este lugar pode se
esvair na mão de pessoas que não sabem cuidar desse ambiente. Abílio Leite
de Barros (1998, p. 07) expressa sua angústia e compromisso ao afirmar: “[...]
Tenho pressa em cumprir esta tarefa, pois cada vez me parece mais nítida a
ideia de que o homem pantaneiro constitui a única espécie em extinção neste
santuário ecológico”. A demarcação de limites, práticas e interações, que pres-
supõe a caracterização e identidade do território e territorialidades na região
do Pantanal em confronto com as influências de outros se apresentam como
um desafio na atualidade para este grupo social.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 133


O elemento educação na preservação do Pantanal
O Pantanal se constitui na inserção da paisagem com uma demarcação
humana, tecitura que pressupõe a caracterização de um território. Esta região
recebe visitantes de locais distantes e próximos, turistas, escolas, grupos de pes-
quisadores, entre outros, que vão à busca do contato direto com o meio natu-
ral, para estudos e observação do lugar, assim como conhecer outros modos
de vida.
O turismo rural tem as bases como uma atividade processual capaz de
gerar conhecimentos para estes turistas e visitantes no contato direto com a
natureza, ampliando a capacidade de identificação ambiental. Tem como ati-
vidades passar informações, curiosidades relacionadas à natureza, costumes e
a história local, o que possibilita uma integração mais educativa e envolvente
com a região (BRITO, 2006).
Os pantaneiros percebem o espaço escolar de forma qualitativa, contex-
tualizada e integrada com o seu entorno. Segundo Sigrist (2000, p. 132), [...]
“a educação apresenta-se como um caminho seguro na preparação do cidadão
e do agente de turismo que irá valorizar a sua cultura e divulgá-la corretamente
aos turistas que visitam Mato Grosso do Sul”. É preciso ressaltar a identidade
desse povo, para que a cultura pantaneira seja sempre preservada e possa ser
visitada.
No que diz respeito às possibilidades de salvação do Pantanal em um
prazo maior, para Nogueira (1990, p. 31) “[...] somente a educação poderá
socorrê-lo. O Pantanal necessita de um amplo programa educacional de rein-
tegração do homem ao seu ambiente [...]”, programa este, que deveria pautar-
-se prioritariamente na realidade sociocultural do pantaneiro, buscando uma
constante valorização dessa realidade, assim como a permanência do homem
em seu habitat, inibindo o êxodo rural.

É usufruindo do direito à informação séria e transparente, à educação


voltada primeiramente para suas reais necessidades, que o pantaneiro,
como qualquer outro cidadão, poderá tornar-se mais seguro em relação
às suas aspirações de vida futura (NOGUEIRA, 1990, p. 32).

Uma educação crítica e contextualizada, de caráter formal ou informal,


se apresenta na atualidade pantaneira como um caminho oportuno e viável
para o reconhecimento, valorização e continuidade das culturas e identidades

134 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


pantaneiras pelos exercícios da aprendizagem coletiva, via saberes ancestrais
e atuais. Esta educação deveria tomar como ponto de partida as realidades e
necessidades da região em uma perspectiva de ampliação e valorização de co-
nhecimentos do local ao global, como afirma Fleuri, 2000, p. 02).

[...] nestes contextos, a tarefa do currículo e da programação didática,


não será meramente a de configurar um referencial teórico para o repas-
se hierárquico e progressivo de informações [...] será a de prever e prepa-
rar recursos capazes de ativar a elaboração e circulação de informações
entre sujeitos, a partir de seus respectivos contextos sócio-culturais, de
modo que se auto-organizem em relação de reciprocidade entre si e
com o próprio ambiente.

As inter-relações entre educação e patrimônio auxiliam para traduzir,


e apresentar os significados dos bens, sejam eles, materiais ou imateriais, para
que surja o interesse das pessoas na sua transformação e cuidado. Buscar equa-
cionar a preservação dos territórios pantaneiros a partir das culturas locais,
que tem no homem pantaneiro o seu maior legado, na conjugação com ativi-
dades as turismo e busca de desenvolvimento para a região apresenta-se como
um desafio de grandeza ímpar.

Considerações Finais
A Sub-Região de Miranda no Pantanal Mato-grossense se constitui na
inserção da paisagem de uma demarcação humana, limites que pressupõem a
caracterização de um território. Esta região recebe visitantes de locais distantes
e próximos, escolas, grupos de pesquisadores, entre outros, que vão à busca do
contato direto com o meio natural, estudos e observação do lugar e modos de
sobrevivência.
O turismo rural tem as bases como uma atividade processual capaz de
gerar conhecimentos para turistas, visitantes e guias no contato direto com a
natureza, ampliando a capacidade de identificação ambiental. Tem como ati-
vidades passar informações, curiosidades relacionadas à natureza, costumes e
a história local, o que possibilita uma integração mais educativa e envolvente
com a região (BRITO, 2006).
Elaborar um trabalho conjunto entre comunidade, pesquisadores, em-
presários e governo municipal/estadual para a valorização e preservação da re-
gião do Pantanal, sua identidade, lida campeira, culturas, crenças, se apresenta

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 135


como um desafio para a região e para o Brasil. Estes pilares também podem
ser tomados como bússola para uma futura proposta de educação ambiental,
diante da organização social e econômica da região visualizando a percepção
social do homem com o meio ambiente.
A partir deste planejamento conjunto, é possível criar diretrizes, que possam
convergir no esforço comum para a concretização de necessidades identificadas. Um
planejamento de turismo rural com base na cultura e educação da região; desenvolvi-
mento de estudos e pesquisas relacionadas às problemáticas identificadas; registros e
socialização dos conhecimentos da comunidade pantaneira; incentivo, promoção e
acesso à escolarização sem restrições; encontros e eventos que resgatem a cultura local
buscando criar condições para a preservação deste território e suas territorialidades,
se apresentam como algumas sinalizações para a construção de propostas, que objeti-
vem a preservação e desenvolvimento do patrimônio pantaneiro.
No caso específico das atividades de turismo e suas relações com o habitat,
vida, lida e crenças do homem pantaneiro, propomos que estas decorram de uma re-
flexão e construção com a comunidade local somadas às demais atividades sócioeco-
nômicas. O desenvolvimento do setor de turismo sem uma proposta que não perca
de vista o cuidado específico de preservar a identidade, vida e lida do homem panta-
neiro, atenta às mediações simbólicas que nela transitam e auxiliam na constituição
e tecitura de sua cultura, pode vir a fragilizá-la, descaracterizando-a gradativamente.
Para Martinez (2005), existem algumas questões que precisam ser revistas
no conjunto turismo, patrimônio e cultura, que são a visibilidade do meio rural
como as consequências das modificações que possam nele ocorrer, ampliando o
olhar para as questões relacionadas ao patrimônio imaterial, que é de fundamental
importância para a manutenção das identidades rurais. As questões interculturais
são particularmente importantes no processo do turismo, suas relações econômi-
cas unidas a cultura, interferem nas atitudes junto aos valores aos quais as pessoas
estão direta ou indiretamente ligados
Estes movimentos exigem e promovem encontros entre as culturas e entre os
sujeitos envolvidos, onde as trocas de informações, conhecimentos e saberes pautam
e promovem as atividades propostas pelos habitantes locais. Se dão no desafio e exer-
cício de conhecer o Outro36, valorizar a cultura do Outro, aprender com o Outro
com e nas vozes e diálogos entre as culturas que ali se constroem e oportunizam. Para

36. O Outro é aquele que difere do grupo, anda diferente, fala diferente, vê o mundo com outros olhos, tem
cor da pele diferente, crê de modo diferente, deseja e se identifica de outro modo - pertence a outra cultura,
geração ou grupo social (OLIVEIRA, 2003). O termo “Outro” para Lèvinas (2005) representa aquele que
não pode ser contido, que conduz para além de todo contexto e do ser. O Outro não pode ser reduzido a um
conceito; é rosto, presença viva que interpela, convoca, desafia e constrói.

136 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Walsh (2009), a dinâmica de um processo de diálogo intercultural é altamente desa-
fiador e detém a capacidade de gestar possibilidades de mudança de mentalidade –
no sentir, perceber, conhecer e interagir com o mundo, os seres humanos e a natureza,
a partir de processos que os auxiliem a compreender, ressignificar e transformar os
seus próprios contextos. Turismo e cultura quando integrados podem fortalecer a
cultura local, proporcionando o conhecimento e a valoração das comunidades.

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140 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


ORGANIZAÇÃO TERRITORIAL DAS
COOPERATIVAS E ASSOCIAÇÕES DE
CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS
NO PERÍMETRO URBANO DE CAMPO
GRANDE/MS EM 2016 37

Lucimara De Oliveira Calvis


Airton Aredes

Introdução
A evolução cientifica e tecnológica trouxe para nosso cotidiano, prin-
cipalmente o urbano, mais conforto e possibilitou experimentos e sensações
jamais sentidas em épocas anteriores. Mas, esse conforto trouxe também im-
plicações, tais como a degradação ambiental, escassez dos recursos naturais,
poluições diversas, excesso de resíduos produzidos e desigualdades sociais. De
acordo com Souza, Silva e Barbosa (2014),

Essa ordem econômica mundial, caracterizada pela produção e consu-


mo crescentes, esgota e contamina os recursos naturais e induz a um
questionamento profundo sobre o modo de consumo e de produção
contemporâneos. (SOUZA; SILVA; BARBOSA, 2014, p. 3999)

O problema ambiental que o lixo causa, poluindo o solo, água e ar, não
é só uma preocupação local, mas de escala mundial. As indústrias que pro-
duzem embalagens, levadas junto com os produtos que se compra, também
já criaram formas de reciclar industrialmente. Porém, a cadeia produtiva da
reciclagem ainda sofre com pouca matéria prima, porque, ainda falta a parti-
cipação mais efetiva de um dos membros desta, o consumidor.
Essa “sociedade burocrática de consumo dirigido” (LEFÈBVRE,
1991) retrata o que se tornou a sociedade moderna no modo de produção
capitalista principalmente a que vive no meio urbano. Esta sociedade, bom-
37. Artigo defendido como Trabalho de Conclusão de Curso – TCC; e apresentado na II Jornada Brasileira de
Educação e Linguagem; XI Jornada de Educação de Mato Grosso do Sul; II Encontro dos Mestrados Profissionais
em Educação e Letras (2016)

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 141


bardeada pelas propagandas, tem seus desejos de consumo instigados, e não
mede esforços para comprar o que em tese, lhe trará alguma felicidade. Só
não se atenta que este sentimento é momentâneo e que tal prática manter-se-
-á uma constante o seu quotidiano.
Uma das principais ações para mitigar esta problemática ambiental é o
consumo consciente, que deveria satisfazer as necessidades, e não, em maior
medida, os desejos midiáticos. Por isso, o primeiro dos R’s da reciclagem é o
reduzir38. Não se trata de parar de consumir, mas, que todos os resíduos gera-
dos possam ser encaminhados para destinação mais adequada, a reciclagem.
Quando a destinação para reciclagem acontece amplia-se a possibilidade de
aumento da vida útil do aterro sanitário, diminuem a poluição dos recursos
hídricos, do solo e a expansão de epidemias, (dengue, chicungunha, zica ví-
rus, leptospirose, etc.) que advém da contaminação do lixo.
O segundo ator desta cadeia produtiva é o catador de material reciclá-
vel, que há anos contribui com o meio ambiente, não por ter consciência de
seu papel ambiental nesse processo, mas, por sua condição social de exclusão
total, em que parte dos resíduos sólidos urbanos são aproveitados para obter
suas precárias condições materiais de existência. Mas, desde quando existem
os catadores organizados em associações ou cooperativas? Segundo o Insti-
tuto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA)

No caso específico do setor da reciclagem, a primeira cooperativa for-


mada por catadores que se tem registro no Brasil é a Cooperativa dos
Catadores de Papel, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (Coopamare),
fundada em 1989 no município de São Paulo. [...] (IPEA, 2013, p. 23)

Atualmente, os catadores se organizam para garantirem seus direitos


trabalhistas, inclusão social e apoio para sua atuação na cadeia produtiva da
reciclagem, pois, estão na base desta cadeia. Segundo o Instituto Ethos “[...],
o país vem se destacando no cenário mundial com expressivos índices de reci-
clagem. Esse sucesso se deve à estrutura da cadeia produtiva da reciclagem no
Brasil. Na base desse sistema encontram-se milhares de catadores [...]” (INS-
TITUTO ETHOS, 2007, p.5). Ainda na obra do Instituto Ethos – ‘Vínculos
de Negócios Sustentáveis em Resíduos Sólidos’, (Quadro 1) está relacionada a “es-
trutura tradicional da cadeia produtiva da reciclagem onde existem os setores
formais e informais da economia.” (INSTITUTO ETHOS, 2007)
38. Os três principais R’s da reciclagem são: Reduzir, Reutilizar e Reciclar.

142 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Neste sentido, o objetivo desta pesquisa é identificar a organização ter-
ritorial, ou seja, quantos são e onde estão estas cooperativas e associações de
catadores no perímetro urbano da capital sul-mato-grossense, pois, nos últi-
mos sete anos passou-se de uma para seis cooperativas e uma associação, que
participam como “agentes ambientais”, colaborando com a limpeza da cidade
e gerando renda para suas famílias.
Foi realizada pesquisa bibliográfica e de campo, e entrevista com os coo-
perados e associados, culminando na produção de um mapa com a distribuição
territorial dessas organizações. A base teórica foi constituída a partir de autores
como Correa (2008), Santos (2008) e LEFÈBVRE (1991), que tratam da geo-
grafia, dos circuitos da economia e da sociedade burocrática do consumo; Souza,
Silva, Barbosa (2014) e Lima (2013) que trataram dos catadores de materiais re-
cicláveis e sua luta, e da cartilha ‘O Catador é Legal’. Os dados foram obtidos no
INSTITUTO ETHOS (2007); no Caderno de Diagnóstico Catadores (2011);
no Código Brasileiro de Ocupação (CBO); na PREFEITURA DE CAMPO
GRANDE (2011); o Plano Municipal de Saneamento Básico – GIRS, PLA-
NURB (2012), Etc. Também foram utilizadas várias referências legais para si-
tuar o problema, como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a lei
12.305/10 e seu decreto 7.404/10; a Constituição Federal de 1988; a Política
Municipal de Resíduos Sólidos do município de Campo Grande/MS, a lei nº
4952 de 2011; o Decreto Presidencial nº 5940 de 2006. Para tanto o texto foi
dividido em três partes: na primeira parte tratou-se de abordar sobre as asso-
ciação e cooperativas de catadores de materiais recicláveis; na segunda tratou-se
sobre a quantidade de resíduos sólidos produzidos em Campo Grande/MS; na
terceira parte sobre a coleta seletiva e as cooperativas e associação de catadores de
materiais recicláveis de Campo Grande/MS.

Associação e Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis


Para a reflexão de como se organizam territorialmente as cooperativas e
associação de catadores na área urbana do município de Campo Grande (MS),

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 143


foi realizada pesquisa bibliográfica, de campo e entrevista com os cooperados
para produzir um mapa com a distribuição territorial dessas organização.
Para Corrêa (2000, p. 28) “O objeto da geografia é, portanto, a socieda-
de, e a geografia viabiliza o seu estudo pela sua organização espacial. Em outras
palavras, a geografia representa um modo particular de se estudar a sociedade.”
Corrêa faz menção a “organização espacial”, porém, por se tratar de co-
operativas e associações de catadores que se organizam territorialmente para
a realização de suas atividades, e que há uma relação de poder que envolve tal
organização, optou-se pela noção de “organização territorial”
Como esta categoria cresceu nos últimos anos, sua reprodução social foi
observada nos dados levantados, pois, no ano de 2000 só existia uma coopera-
tiva de catadores de materiais recicláveis, a Cooperativa dos Agentes Recicla-
dores Vida Nova – COOPERVIDA, e depois da Política Nacional dos Resí-
duos Sólidos (PNRS) no ano de 2010 foram criadas mais cinco cooperativas e
uma associação, o que será abordado posteriormente.
Os direitos dos catadores foram contemplados com a criação da Políti-
ca Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a lei 12.305/10, que traz um con-
junto de ações para minimizar a problemática na gestão dos resíduos sólidos
urbanos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental,
cultural e social, objetivos do desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2010).
E as organizações dos catadores de materiais recicláveis em cooperati-
vas e associações ajudaram na conquista de benefícios como: infraestruturas;
aquisição de equipamentos de proteção individual; capacitação para gestão de
seu empreendimento; um olhar mais humano da sociedade; e trabalho digno
para o sustento de suas famílias. E dada a importância do papel social desem-
penhado pelos catadores de materiais recicláveis, pois, são eles que catam as
sobras do resto do consumo humano, conhecer melhor esse grupo social se faz
necessário.
Do ponto de vista da geografia, Santos (2008) contribui para o enten-
dimento de qual circuito da economia os catadores de materiais recicláveis
pertencem:

A existência de uma massa de pessoas com salários muito baixos ou


vivendo de atividades ocasionais, ao lado de uma minoria com rendas
muito elevadas, cria na sociedade urbana uma divisão entre aqueles que
podem ter acesso de maneira permanente aos bens e serviços ofereci-
dos e aqueles que, tendo as mesmas necessidades, não têm condições de

144 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


satisfazê-las. Isso cria ao mesmo tempo diferenças quantitativa e quali-
tativas no consumo. Essas diferenças são a causa e o efeito da existên-
cia, ou seja, da criação ou manutenção, nessas cidades, de dois circuitos
de produção, distribuição e consumo dos bens e serviços. (SANTOS,
2008, p.37)

Nesta perspectiva, os catadores de materiais recicláveis

[...] empregam como matéria-prima produtos usados e não cumprem


ou não têm nenhuma formalidade, quer administrativa, quer vinculada
ao mercado (atividades informais). [...] denomina circuito inferior da
economia, em oposição às formais, pertencentes ao superior, ou seja, o
circuito moderno. (SANTOS, 2008, p.35)

Mas também são pessoas que possuem direitos garantidos por lei e com
profissão reconhecida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, com o Código
Brasileiro de Ocupação (CBO), com o Código 5192 – 05 Catador de material
reciclável. Mas quantos existem no Brasil? No Caderno de Diagnóstico Cata-
dores (2011) é informado que:

[...] o Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MSCR) cal-


cula a existência de mais de 800.000 mil catadores em todo território
nacional. Hoje, mais de 100 mil catadores compõem a base do Movi-
mento. Outras estimativas citam o número de 500 mil catadores (CÁ-
RITAS, 2011; INSTITUTO PÓLIS, 2008 apud BESEN, 2008) ou
entre 300 mil a 1 milhão (CEMPRE, 2011). (FREITAS; FONSECA,
2011, p. 03)

Independente do quantitativo de pessoas desta categoria, o importante


é entender que, com seu trabalho, na busca de meios materiais de existência,
eles contribuem com uma grande parcela da destinação correta dos resíduos
sólidos recicláveis no Brasil. Eles estão presentes por todas as cidades do Brasil,
muitas vezes andam quilômetros com carrinhos adaptados, como geladeiras
velhas, e que levam a carga dos resíduos recicláveis (papel, metal, vidro e plás-
tico) para vender aos depósitos.
O maior avanço nos debates para o resgate da dignidade do trabalho
do catador foi obtido com a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS),

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 145


lei 12.305/10 e seu decreto 7.404/10, pois, incluíram a participação em seu
artigo 7o entre os objetivos “X II – integração das cooperativas e associações
de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a
responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos” (BRASIL,
2010, Art. 7º XII).
Mas, o que são e como trabalham as cooperativas e associações? (Qua-
dro 2)

Após esse marco legal, muito se tem avançado, pois, existem atualmente
em todo Brasil várias cooperativas e associações. Mas nem sempre foi assim.
Segundo o IPEA (2013),

Historicamente esta atividade é realizada a partir de relações informais,


ou seja, sem registro oficial. Além de não permitir aos catadores acesso a
uma série de direitos trabalhistas, o alto nível de informalidade dificulta
seu reconhecimento pelos órgãos da administração pública e institui-
ções de pesquisa. O problema da informalidade é ainda mais preocu-
pante quando se consideram as condições de risco para a saúde destes
trabalhadores, uma vez que estão desguarnecidos de qualquer seguro
social para o caso de algum acidente ou doença que lhes impossibilite
de trabalhar por um determinado período. Entre os riscos a que estes
trabalhadores são frequentemente submetidos estão: a exposição ao ca-
lor, a umidade, os ruídos, a chuva, o risco de quedas, os atropelamentos,
os cortes e a mordedura de animais, o contato com ratos e moscas, o
mau cheiro dos gases e a fumaça que exalam dos resíduos sólidos acu-
mulados, a sobrecarga de trabalho e levantamento de peso, as contami-
nações por materiais biológicos ou químicos etc. [...] (IPEA, 2013, p.
06)

146 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Mas, para que os catadores não fiquem andando pelas ruas, na busca
por resíduos, a implantação da coleta seletiva, conforme determina a Política
Nacional dos Resíduos Sólidos, deve ser urgente em todo território nacional.

Um dos principais instrumentos a serem levados em conta para o for-


talecimento da reciclagem é a instalação, nos municípios brasileiros, de
programas de coleta seletiva, envolvendo as etapas de coleta, transporte,
tratamento e triagem do lixo gerado por famílias e empresas. Tais pro-
gramas, além de possibilitarem uma maior eficiência para a reciclagem
de materiais diversos, também reduzem os impactos ambientais causa-
dos pela disposição inadequada de resíduos sólidos, uma vez que permi-
tem a redução do volume a ser descartado e seu redirecionamento para
uma destinação mais adequada. (IPEA, 2013, p. 14)

Afinal, a Constituição Federal de 1988, artigo 225, responsabiliza a


todos pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem


de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-
-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo
para as presentes e futuras gerações. (BRASIL, 1988)

Muitas leis já foram instituídas para contribuir com o fortalecimento


das cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis, como o
Decreto Presidencial nº 5940 de 2006, que instituiu

A coleta seletiva em todos os órgãos e entidades da Administração Pú-


blica Federal (direta e indireta). Em seus termos, o documento obriga
a destinação do material reciclável, separado pelos funcionários destes
órgãos e entidades, às cooperativas e associações de catadores locais.
(IPEA, 2013, p.34).

Além da Política Nacional dos Resíduos Sólidos, na Política Municipal de


Resíduos Sólidos do município de Campo Grande/MS, a lei nº 4952 de 2011, um
dos objetivos é a “Integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis
nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos
produtos”. (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO GRANDE, 2011)

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 147


Essa seria mais uma ação no sentido de reduzir a quantidade de mate-
riais nos lixões e aterros sanitários, bem como, diminuição na utilização dos
recursos naturais e economia de energia e água no processo de produção de
mercadorias.

Quantidade de Resíduos Sólidos Produzidos em Campo


Grande/MS
A capital sul-mato-grossense produz material reciclável suficiente para
abastecer as cooperativas de catadores, pois, a produção e o consumo crescem
continuamente. A tabela 1 retrata a taxa crescente da quantidade de lixo do-
méstico coletada nos últimos vinte anos, bem como, o crescente aumento da
população:

Pode-se observar que o aumento da população foi menor que a geração


dos resíduos gerados no período de 1990 a 2011. A capital sul-mato-grossense,
segundo o Plano Municipal de Saneamento Básico – Gestão Integrada de Re-
síduos Sólidos (2012), em 1990 tinha uma população de 498.671 mil habi-
tantes que produziam 77.815,99 ton./ano de resíduos sólidos urbanos coleta-

148 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


dos. Já em 2011, depois de vinte anos, já havia aumentado sua população para
796.252 e já produzindo 236.226,09 ton./ano. Neste curto espaço de tempo a
população cresce 59,67% e a produção de lixo cresce 303.57%.
Pela a caracterização da composição gravimétrica dos resíduos sólidos
coletados em Campo Grande no ano de 2008, segundo o Plano Municipal
de Saneamento Básico (PLANURB, 2012, p.85), “63% de materiais são não
recicláveis e 36% de materiais recicláveis”. Do total dos resíduos (Gráfico 1)
resulta a seguinte composição gravimétrica detalhada:

E a forma correta de não encaminhar os resíduos sólidos recicláveis para


os aterros sanitários é destinar para coleta seletiva. Se 36% dos resíduos sólidos
gerados são recicláveis, e a cidade de Campo Grande produzia diariamente a
média de 866 toneladas em 2013, segundo o Perfil Socioeconômico de Cam-
po Grande (2014, p. 173), pelo menos 311 toneladas poderiam ser materiais
recicláveis.
A coleta seletiva e a reciclagem dos metais, papéis, plásticos e vidros é
que irá propiciar o aumento de renda destas famílias. Cada cidadão pode fazer
também a sua parte, criando o hábito da separação dos recicláveis, conhecidos
como resíduos sólidos secos, dos chamados úmidos, que são aqueles que não
reciclam ou orgânicos.
Atualmente, são encaminhadas diariamente quatorze toneladas para

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 149


às cooperativas e associações de catadores. Contudo, existem vários catado-
res autônomos nos bairros e depósitos, conhecidos como “os carros que com-
pram recicláveis porta a porta”, que compram esses materiais nas residências. O
maior problema é a pouca adesão da população ao programa de coleta seletiva
da capital sul-mato-grossense. Mas, outra situação que vem ocorrendo com
frequência, é que os catadores e depósitos, estão levando os resíduos da coleta
seletiva porta a porta antes mesmo do caminhão da coleta seletiva passar, o que
diminui consideravelmente o quantitativo de recicláveis encaminhados para
os catadores organizados em cooperativas.
A Educação Ambiental, na forma de sensibilização da população, levan-
do informações que encaminhe seu “lixo” para a reciclagem e que passe pelas
mãos dos catadores, é a melhor solução para obter êxito nesta questão, pois,

[...], os programas de coleta seletiva dependem em grande medida da


separação prévia dos resíduos na fonte geradora, evitando a presença de
contaminantes nos materiais recicláveis, o que diminui os níveis de rejei-
tos no material coletado seletivamente, aumentando, assim, o valor dos
materiais recuperados e reduzindo os custos desta modalidade de coleta
(IPEA, 2011). Neste contexto, as ações de educação ambiental são fun-
damentais para a conscientização da população. (IPEA, 2013, p.15)

Como em boa parte dos casos não acontece o diálogo do catador com
as pessoas que moram nas residências, quando procura os resíduos recicláveis
gerados, o catador “de rua” simplesmente rasga os sacos para retirar aquilo que
vai servir para ser vendido.
Talvez aí, na existência do diálogo, conversa com as pessoas sobre a im-
portância da separação dos resíduos sólidos, mostrando para onde vai, de que
forma vai, como pode ser acondicionado, quanto gera de renda, e a quantas
pessoas pode ajudar com essa ação, seria um caminho para que o cidadão não
ficasse bravo com o catador, e, ao invés disto, separasse os recicláveis e acordas-
se com o catador um dia para buscar.
Mas, serão as mudanças de atitudes do consumidor, no que diz respeito
à destinação correta dos resíduos sólidos gerados, que proporcionarão um au-
mento na renda dos catadores por meio da separação dos recicláveis e encami-
nhados para a coleta seletiva. Como é citado no Guia Pedagógico de Resíduos
Sólidos de Campo Grande (2012),

150 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Quanto ao comportamento de consumo, no que se refere ao trabalho
da Educação Ambiental, é prioritária a substituição de hábitos consu-
mistas por uma atitude mais consciente em relação ao ambiente e à sua
degradação. Essa transformação deve levar à redução do consumo ex-
cessivo ou desnecessário de produtos de difícil absorção pelos processos
da natureza. (PREFEITURA MUNICIPAL DE CAMPO GRAN-
DE, 2012, p. 33)

E para isso, com o simples ato de separação dos resíduos domiciliares,


cada cidadão poderia ter somente dois recipientes para separação dos resíduos,
os secos (Recicláveis) e os úmidos (Não-recicláveis). Até porque a maioria da
população não sabe que temos dez cores para diferentes tipos de resíduos, con-
forme a Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA nº
275/2011, (Quadro 3):

A maioria das pessoas conhece somente cinco lixeiras, pois o comércio


delas é mais frequente, o das lixeiras de cor azul, vermelha, amarela, verde e
marrom. Mesmo assim, não fazem a separação de forma correta. Para facilitar
a criação de novos hábitos e atitudes seria muito mais fácil ter somente duas
lixeiras, caixas e ou sacos, de qualquer cor ou tamanho, para guardar lixo reci-
clável (seco) e lixo não reciclável (úmido).

Coleta Seletiva e as Cooperativas e Associação de Catado-


res de Materiais Recicláveis de Campo Grande/MS
A coleta seletiva já acontece, segundo anunciado nas mídias e informa-
do pela empresa responsável pela coleta, a SOLURB – Soluções Ambientais,
porta a porta em mais de cento e quinze mil domicílios e com a disponibilida-
de de 42 Locais de Entrega Voluntárias (LEV). Segundo a empresa, a cidade
foi dividida em nove etapas para instalação da coleta seletiva, onde cinco já
estão operando, com previsão de adesão de duas etapas a cada semestre. O ob-
jetivo é o de atingir toda a cidade com ações nos condomínios, porta a porta
ou com locais de entrega voluntária até o final de 2017. Vale salientar que todo

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 151


resíduo sólido reciclável é doado para as cooperativas e associação de catado-
res. (SOLURB, 2016)
Os dias e locais onde a coleta seletiva atende porta a porta e nos LEV’s,
pode ser observado nos mapas, disponíveis no site (Figura 1)

A SOLURB também disponibiliza ações de Educação Ambiental com


o programa “Reciclando Nossas Atitudes” que atendem escolas, empresas e
demais locais que solicitam a presença dos educadores pelo site ou pelo tele-
fone. À disposição da sociedade estão palestras, gincanas, oficinas e debates
que ajudam na sensibilização para a temática da coleta seletiva e separação dos
resíduos na fonte geradora: nas residências, comércios e indústrias. Algumas
destas ações podem ser acompanhadas pelo blog da empresa http://cgsolurbe-
ducacaoambiental.blogspot.com.br/ (SOLURB, 2016)
E para a logística dos resíduos recicláveis até às cooperativas e associa-
ções de catadores foi inaugurado no mês de agosto de 2015, em local situa-
do na frente do antigo lixão e atual aterro sanitário do município de Campo
Grande/MS, uma Usina de Triagem de Resíduos (UTR), onde três cooperati-
vas e uma associação já trabalhavam. Mas agora, as cooperativas e associações
trabalham com equipamentos como esteiras, prensas e caminhões, bem como
os equipamentos de proteção individual (EPI’s), justificando assim, a produ-
ção e a permanência próximos de onde moravam e trabalhavam.
Segundo Corrêa (2000) a reprodução dos grupos sociais faz-se através
de muitos meios

A transmissão do saber, formalizada ou não, constitui um. Outro, e dos


mais importantes, é a organização espacial. Ao fixar no solo os seus ob-
jetos, frutos do trabalho social e vinculados às suas necessidades, um
grupo possibilita que as atividades desempenhadas por estes alcancem

152 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


um período de tempo mais ou menos longo, repetindo, reproduzindo
as mesmas. Nestas condições, o grupo social se reproduz, porque a re-
produção das atividades ligadas às suas necessidades viabiliza o próprio.
(CORRÊA, 2000, p. 30)

O local conta, ainda, com a administração dos próprios catadores, que


se revezam enquanto cooperados em turnos e esteiras diferenciadas. Uns ficam
com a responsabilidade de jogar os recicláveis nas esteiras, cada um na esteira
fica responsável pela separação de um tipo de resíduo, enquanto os demais re-
colhem os ECOBAGS (sacos enormes que acondicionam os resíduos) e levam
para prensagem e carregamento nos caminhões, para posteriormente serem
vendidos (Figura 2)

Na pesquisa de campo foram localizadas as três cooperativas que traba-


lham na UTR, a Cooperativa de Catadores de Materiais Recicláveis nos Ater-
ros do Mato Grosso do Sul (COOPERMARAS), a Cooperativa de Catadores
do Bairro Dom Antônio Barbosa em Campo Grande (CATA/MS) e a Coo-
perativa dos Catadores de Materiais Recicláveis (NOVO HORIZONTE), e

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 153


uma associação a Associação de Trabalhadores de Materiais Recicláveis nos
Aterros Sanitários do MS (ATMARAS), bem como, as que estão localizadas
fora daquele local, quais sejam, a Cooperativa dos Agentes Recicladores Vida
Nova (COOPERVIDA), Cooperativa de Processadores de Resíduos Sólidos
(COOPERSOL) e a Cooperativa de Trabalho dos Catadores de Material Re-
ciclável Nova Campo Grande (COOPERNOVA).
Assim, foi organizado e construído o mapa de localização territorial das
cooperativas e associação de catadores no perímetro urbano do município de
Campo Grande/MS (Figura 3)

Para identificar todas as cooperativas e associação, foi realizada pesquisa


no site da Prefeitura de Campo Grande e posteriormente todas foram visi-
tadas pessoalmente e aplicado um questionário, em que foram levantadas a
razão social, localização territorial, ano de fundação, total de cooperados na

154 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


fundação e atualmente (Quadro 4)
Pode se notar que somente a cooperativa CATA-MS teve aumento de
cooperados de sua formação até o dia da pesquisa de campo, passando de 21
para 34, enquanto as demais cooperativas e associações tiveram uma diminui-
ção de seus cooperados.
Conforme constatado na pesquisa de campo as cooperativas e a associa-
ção possuem tempo para processamento de uma quantidade maior de resíduos
recicláveis e aumento nos ganhos dos cooperados, pois, com o que é destinado
para as cooperativas e a associação não toma todo o tempo de trabalho dos
cooperados.

Outras possibilidades de ganhar mais e poder incluir novos cooperados


são vender sem os atravessadores (direto para São Paulo/SP) o que poderia
aumentar em 100% o valor pago pelo material; maior apoio do poder públi-
co no que se refere à capacitação para gerenciamento das cooperativas; maior
participação da população na separação e envio dos resíduos recicláveis para
a coleta seletiva; resíduos mais limpos e equipamentos para processamento,
como empilhadeiras.
Já para o grande número de cooperados e associados que deixam de tra-
balhar ou não querem fazer parte das cooperativas, os presidentes citam os
seguintes motivos: a falta de compromisso em seguir normas; regras e horá-
rios; menor ganho; bem como, falta de resíduos para aumento do ganho, por
falta de adesão da população. No mês de março de 2016, ficou determinado
judicialmente o fechamento da área de transição em que os catadores faziam a
catação dos materiais recicláveis, antes que o lixo fosse levado ao aterro sanitá-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 155


rio da cidade, que funciona desde 2013. Os catadores devem se organizar nas
cooperativas existentes, e ou, montar suas próprias cooperativas.
Catadores que trabalham na Usina de Triagem de Resíduos (UTR) jus-
tificam que o local não comportaria mais cooperativas, pois, o espaço e a quan-
tidade de resíduos encaminhados para lá, pela coleta seletiva, realizada pela
prefeitura, através da concessionária SOLURB, não seriam suficientes para
todos, o que poderia até diminuir o ganho atual.
Nos diferentes tipos de resíduo reciclável comercializado em Campo
Grande/MS pelas cooperativas, diferentes valores pagos pelos produtos (Qua-
dro 5).
Importante registrar, que na pesquisa com a COOPERSOL, foi infor-
mado que ela foi constituída com catadores que trabalhavam na área de transi-
ção do lixão e em vários bairros da capital, tais como: Dom Antônio Barbosa,
Coophavila II, Tarumã, Nova Campo Grande, Santo Amaro, Nova Lima, Vila
Carlota, Rita Vieira, Jardim Balsamo, dentre outros. Mas, atualmente não há
um número específico de quantos catadores ainda pertencem à cooperativa,
pois, estão muito dispersos pelo território.
Contudo, muito é processado dos resíduos passíveis de reciclagem, mas,
não são todos que passam pelas mãos dos cooperados, mas também pelos cata-
dores individuais dos bairros, pelos depósitos que comercializam e moradores
que trocam os resíduos recicláveis para abatimento na conta de energia.

156 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Com três pontos de troca o projeto Conta Cidadã

É mais um projeto socioambiental da Energisa, que oferece a oportu-


nidade para os clientes trocarem lixo reciclável como papel, plástico,
vidro e metal por descontos na conta de energia elétrica. Constitui um
novo paradigma social com uso adequado e consciente da energia elé-
trica, visto que é necessário um consumo menor da energia para o re-
processamento dos materiais recicláveis em relação à produção básica a
partir da matéria prima. (ENERGISA, 2016)

A comercialização dos resíduos recicláveis da empresa Energisa é re-


alizado com um depósito que paga, por exemplo, R$ 2,00 para empresa de
energia elétrica e obtém do grandes depósitos e indústrias o mínimo de R$
3,50 por kg da latinha de alumínio. Os três pontos de troca da Energisa estão
localizados no Mercado Central (Figura 3), um no bairro Aero Rancho e ou-
tro no bairro Moreninhas. Também conta com a opção de um caminhão que
vai à outros bairros divulgar o programa e trocar os recicláveis pelo pagamento
da energia.

Com objetivo de aumentar o material reciclável na UTR, seis catado-


res das cooperativas e a associação participam desde o mês de maio de 2016
juntamente com oito (funcionários e estagiários) da concessionária SOLURB
e um da ABIHPEC (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal,
Perfumaria e Cosméticos) de abordagens porta a porta nas residências conver-
sando com as pessoas sobre o que reciclar, que dia passa o caminhão da coleta
seletiva, distribuindo panfletos informativos e imãs de geladeira, justificando
a necessidade ambiental de se inserir no processo da coleta seletiva, e a impor-
tância social para as cooperativas e a associação de catadores. A participação
coletiva, que está prevista no PNRS lei 12.305/10 referente a responsabilidade

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 157


compartilhada dos produtos passíveis de serem reciclados, em seu artigo 3º,
retrata o seguinte

VII - responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos:


conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes,
importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos
titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo dos resí-
duos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos ge-
rados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à
qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos (PNRS,
lei nº 12.305 de 2010).

Com a maior adesão da população, benefícios ambientais e sociais po-


derão ser auferidos, como por exemplo: aumento da vida útil do aterro sanitá-
rio, diminuição da retirada de matéria prima da natureza, economia de energia
e água na reciclagem e aumento dos rendimentos dos cooperados catadores de
materiais recicláveis de Campo Grande/MS.

Considerações Finais
Apesar das organizações de catadores estarem em cooperativas e associa-
ção, em parte dispersa pelo perímetro urbano de Campo Grande, seu aumento
só poderá ser observado após garantias legais nos programas nacionais e mu-
nicipais de resíduos sólidos. Até o ano 2000 só havia uma cooperativa forma-
lizada em Campo Grande, e após a Política Nacional de Resíduos sólidos, em
2010, mais cinco cooperativas e uma associação se formalizou, para ter direitos
adquiridos na legislação.
Mesmo que a legislação conceda esses direitos, nem todas as coopera-
tivas se organizaram de forma a atrair novos cooperados. Pelo contrário, cada
dia que passa menos os catadores desejam estar em cooperativas, pois acredi-
tam ainda que sozinhos podem ganhar mais dinheiro. Ao que tudo indica, tão
logo a coleta seletiva se estenda para toda capital sul-mato-grossense, haverá
aumento de resíduos doados para cooperativas e com isso, o aumento de ga-
nho financeiro individual também se ampliará.
Com o trabalho de campo foi possível identificar as cooperativas e a
associação, e saber quanto ganham cada um dos seus cooperados. Mas, vale
ressaltar que as cooperativas e a associação de catadores de materiais recicláveis

158 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


não se unem na hora da venda, como exemplo, o resíduo “bateria de carro” é
vendido pela COOPERVIDA por R$ 0,70 e pela COOPERMARA por R$
1,90 o quilo. Falta união das cooperativas, pois, muitas vendem seus materiais
com preços que variam até 100% do valor, o que poderia aumentar o rendi-
mento individual de cada cooperado. Aparentemente, a dispersão territorial
pode ter contribuído para tais diferenças nos preços obtidos pela venda dos
mesmos produtos.
Estar no circuito inferior da economia (SANTOS, 2008) não quer dizer
que os catadores não possam se organizar e se entenderem como empreende-
dores que podem administrar seus negócios de forma a evoluir nas instalações,
no rendimento individual e honrando com suas obrigações.
O poder público e a concessionária responsável pela logística da coleta sele-
tiva construíram um espaço para o trabalho das cooperativas, a Usina de Triagem
de Resíduos – UTR, onde os catadores trabalham com mais tranquilidade, pois,
não precisam ficar ao sol ou na chuva, têm Equipamentos de Proteção Individual
–EPI, e mesmo assim, falta por parte deles a conservação do local onde trabalham.
A prefeitura e a concessionária aumentaram as regiões da coleta seletiva e
as ações de Educação Ambiental para sensibilização da separação e encaminha-
mento correto dos resíduos recicláveis, mas só quando houver um maior número
de campo-grandenses participando da coleta seletiva, é que a quantidade de resí-
duos recicláveis encaminhados às cooperativas também aumentará.
Mesmo com todos os problemas relatados, é possível verificar que hou-
ve uma evolução nas condições de trabalho e vida desses atores que estão na
cadeia produtiva da reciclagem, os catadores de materiais reaproveitáveis e re-
cicláveis do município de Campo Grande/MS, pois, em boa parte do Brasil as
cidades ainda destinam o lixo gerado para lixões e não implementaram a coleta
seletiva com inclusão social dos catadores.

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Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 161


COMÉRCIO ELETRÔNICO EM CAMPO
GRANDE, MATO GROSSO DO SUL 39

39

Paulo Fernando Jurado da Silva


Mara Lucia Falconi da Hora Bernardelli
Carlos Alexandre de Bortolo

Introdução
O presente artigo tem como preocupação central compreender o co-
mércio eletrônico na cidade de Campo Grande, localizada no Estado de Mato
Grosso do Sul, tomando como referência a temática do consumo. A motivação
principal para a elaboração do artigo decorre da crescente importância que ad-
quire o setor com o passar do tempo no Brasil, nas grandes capitais e nos cen-
tros com relativa importância econômica, como é o caso de Campo Grande.
Tal capital manteve ao longo do tempo função nodal econômica na dinâmica
urbana estadual, tendo as atividades de serviço e comércio grande relevância
na composição econômica, o que justifica a eleição desse centro para compre-
ensão de temática tão relevante e cara aos estudos da Geografia.
Justificado e estabelecido o recorte espacial é preciso atentar também
para uma variável importantíssima nos estudos geográficos que é o tempo. As-
sim, essa pesquisa terá um caráter contemporâneo, ou seja, avaliará o comércio
eletrônico no dado presente. Os dados obtidos e os resultados apresentados,
portanto, serão os mais recentes, procurando demonstrar a atualidade da ques-
tão, embora o olhar histórico dos processos também não seja ignorado e acom-
panhe a argumentação de forma retrospectiva e dialética.
Já quanto ao recorte temático é preciso discutir teoricamente alguns
pontos. Nesse sentido, vale frisar que o termo comércio eletrônico é derivado
de um acrônimo oriundo da Língua Inglesa (E-Commerce) que tem por signi-
ficação equivalente na Língua Portuguesa ao comércio que é efetuado eletro-
nicamente. Assim, o termo, genericamente, pode ser utilizado para referir-se
aos negócios e transações realizados eletronicamente, isto é, especialmente
39. Pesquisa cadastrada na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Mato
Grosso do Sul. O presente artigo também contém resultados parciais da obra “Geografia das Telecomunica-
ções no Brasil” da Editora Cultura Acadêmica do autor Paulo Fernando Jurado da Silva.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 163


pela internet40, envolvendo, por outro lado, o E-business, ou seja, o processo de
compra e venda de mercadorias e serviços por via eletrônica.
Tal definição encontra suporte teórico, especialmente, em Saab et al.
(2000, p. 1) quando o autor descreveu que essa modalidade de comércio está
inserida no contexto de uma nova economia e do E-Business, uma vez que:

A terminologia utilizada na “nova economia” vem sendo, aos poucos,


consolidada, como é o caso do termo “E-Business”. Tendo em vista a
amplitude das atividades empresariais que estão sendo desenvolvidas
por meio da Internet, essa expressão tem sido utilizada, no sentido de
englobar os termos “E-Commerce” e “E-Services”.

Desse modo, o E-Businees conteria ainda negócios com relações de


marketing, comerciais e de serviços com consumidores, fornecedores e entre
empresas. Mas, por outro lado, é preciso atentar para uma distinção funda-
mental que é a necessidade de caracterizar os negócios que são efetuados com
os consumidores das atividades comerciais e de serviços, desenvolvidos entre
as empresas ou mesmo dentro de uma mesma firma e suas filiais e, portanto:
“[...] cuando la contratación informática se realiza entre empresas se denomina
Business to Business (B2B), cuando tal relación se da entre empresas y consu-
midores se la categoriza como Business to Consumer” (SCHIFER; PORTO,
2002, p. 283).
Nesse sentido, é preciso ter bem claro que a presente proposta embasará
seus fundamentos, sobretudo, na perspectiva do Business to consumer, tendo
em vista os negócios que são efetuados das empresas para os consumidores.
Em outras palavras, é a forma como o comércio eletrônico é produzido por
determinados grupos econômicos e consumido pela população. Tal proposta
encontra sua originalidade na Geografia brasileira, na medida em que se pro-
põe não somente a estudar esse novo setor da economia, mas que insere nessa
discussão a questão da rede urbana; na tentativa de interpretar as transforma-
ções do espaço a partir dessa forma de consumo das mercadorias.
Assim, para que se tenha noção do desafio que se pretende desencadear
com essa discussão, no caso brasileiro, basta observar que segundo dados do
40. Tal expressão será escrita como substantivo comum, ou seja, designa uma rede como meio de comunica-
ção, um objeto material e técnico, vinculado às tecnologias da informação e ao desenvolvimento econômico;
sem a necessidade de destacá-la em itálico, dado a sua incorporação ampla nos países lusófonos (JURADO
DA SILVA, 2014). Já o oposto ocorre com o termo E-Business que é uma expressão restrita ainda pratica-
mente ao meio empresarial e acadêmico, sobretudo, às faculdades de Administração, Finanças e Tecnologia
da Informação.

164 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


“Relatório WebShoppers 2014”41 para o ano de 2013: “O comércio eletrônico
brasileiro faturou R$ 28,8 bilhões em 2013, o que representa um crescimento
nominal de 28% em relação a 2012 [...]” (p. 8) e, assim, ainda conforme a mes-
ma fonte: “O número de pedidos feitos via internet, em 2013, chegou a 88,3
milhões, número 32% maior, se comparado ao ano anterior.” (p. 8), tendo à
frente das vendas os segmentos de moda e acessórios, cosméticos, perfumaria,
cuidados pessoais, saúde e eletrodomésticos.
Nesse sentido, visando compreender tal fenômeno e as transformações
do setor o artigo está organizado em dois capítulos, ou seja, o primeiro refe-
rente à análise da Geografia das telecomunicações, o nascimento da internet e
a estruturação do comércio eletrônico e um segundo que trata de maneira mais
aprofundada acerca da realidade do setor em Campo Grande.

Geografia das telecomunicações no Brasil: da internet ao


comércio eletrônico
A Geografia das Telecomunicações é um ramo da Geografia. Muitos
autores a associam à Geografia da Circulação e dos Transportes, à Geografia
Econômica e afins. Assim, a mesma comparece como um ramo bem definido
e articulado com demais campos do conhecimento, como destacou Jurado da
Silva (2014, 2015), no Brasil. Já no mundo, tal ideia tem sido trabalhada por
Andrew E. Gillespie (1988) e observada de diferentes maneiras em Kellerman
(1993), entre outros.
Gillespie (1988), por exemplo, destacou que: “[...] the ‘geography of
telecommunications’ needs to be afforded a much higher status within eco-
nomic geography […]” (p. 61). Sendo interpretada de forma integrada à eco-
nomia, a abordagem do assunto pode ser a mais variada possível e se analisado
o comércio eletrônico de uma cidade, por exemplo, verificar-se-á que tal setor
não se encontra apartado do domínio da economia, mesmo estando no hori-
zonte analítico de compreensão da Geografia das Telecomunicações poderá
se articular com o simbólico, o urbano, entre outras dimensões da realidade
espacial e social.
Além disso, entender as telecomunicações no Brasil é, hoje, um grande
problema de investigação, uma vez que as grandes empresas tem seu poder
de atuação territorial fortalecido pela complexidade de atuação, na oferta de
diversos produtos, no mercado financeiro, em escala internacional e por meio
41. Tal material foi produzido pela E-bit que é uma empresa especializada na análise das compras online no
Brasil, sendo considerado um dos mais relevantes para o estudo do setor, no momento.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 165


da globalização. Além disso, é preciso destacar que essas mudanças repercutem
diretamente na forma como a sociedade produz e se apropria da informação e
a esse respeito Mattos (1992) argumentou que:

[...] las nuevas tecnologías impulsaron decisivamente la mundializaci-


ón de todas las formas del ciclo del capital (capital-mercancía, capital-
-dinero, capital-productivo) estableciendo los mecanismos básicos para
la progresiva transnacionalización de la economía y de la sociedad a
escala planetaria (Michalet, 1985); con ello, se afirmó definitivamente
el papel del capital multinacional como factor de la dinámica de acu-
mulación (p. 149).

O território físico ganha a adição de novos condicionantes produzidos


pela sociedade que o edificou em distintos momentos e se passa a falar em ter-
ritório virtual, cyber espaço, sociedade em rede, entre outras expressões que se
somam corriqueiramente na tentativa de caracterizar as mudanças colocadas
em curso por meio da Terceira Revolução Industrial e do papel que a informa-
ção assume especialmente a partir da década de 1970, como destacaram em
diferentes contextos teóricos autores como Lojkine (1995), Castells (1999),
Santos (2008) entre outros.
Quando houve o processo de privatização do setor de telecomunicações
no Brasil as empresas privadas ainda agiam de forma muito limitada e frag-
mentada. O modelo de leilão restringia que os grupos consorciados operassem
em mais de uma área arrematada. A Telebrás que era a grande e antiga compa-
nhia estatal do setor foi privatizada, gerando uma “repartição” da companhia
com a criação de um novo marco regulatório, ou seja, a Lei Geral das Teleco-
municações e um plano de universalização do setor. Depois da privatização, no
início, cada grupo era habilitado a atuar em determinada fração do território
brasileiro e, embora, na lei estivesse presente a possibilidade de competição
por meio das chamadas empresas espelho, isso pouco era visto em termos de
opção aos consumidores. Só a partir dos anos 2000 é que passa haver uma
maior liberdade para as companhias operarem de forma mais intensa na dispu-
ta pelo uso corporativo do território e, nesse quadro, na tentativa de sintetizar
tal cenário destaca-se que:

A Portugal Telecom e a Telefónica de España, controladoras de dife-


rentes empresas nas bandas A e B, se associaram na formação do grupo

166 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Vivo. A Telecom Américas, controlada pela América Móvil, passou a
operar com o nome Claro. A Telecom Itália lançou a marca TIM. A Te-
lemar e a Brasil Telecom, operadoras de telefonia fixa nas regiões I e II,
adquiriram novas autorizações para exploração de telefonia móvel em
suas regiões, surgindo a Oi e a Brasil Telecom Celular [...] (MIRANDA
et al., 2011, p. 19).

Empresas que antes operavam somente na telefonia fixa passam a atuar


na tecnologia celular, bem como em banda larga fixa e serviço móvel pessoal.
Para Loural e Leal (2010) as empresas de telecomunicações aplicaram no se-
tor, entre 1996 a 2005, 129,2 bilhões de reais no país, com pico de investimen-
to em 2001, quando as companhias se preparavam para cumprir com as metas
de universalização
No cenário de competição e de regulação estatal grupos são fundidos,
adquiridos, havendo maior concentração de capital e centralização das ações
de poder sobre o território. Alianças entre o capital nacional e internacional
são postas em curso, em uma ação de grande impacto na economia.
O setor de internet, por sua vez, contou desde a década de 1990 com in-
vestimento privado, embora em período anterior tivesse contado com maciço
aporte de capital estatal, provenientes, notadamente de agências de fomento
à pesquisa como a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico).
O mercado de internet e de provedores de conteúdo e acesso era bem
restrito e pequeno na década de 1990 no Brasil e as empresas tinham uma
participação acentuadamente regional (BOLAÑO, 2007, p. 203). Porém esse
contexto foi sendo alterado com o ingresso do Universo Online (UOL) e ou-
tros grupos já alicerçados em outros tipos de mídia e comunicação, a exemplo
do Sol do Sistema Brasileiro de Televisão, Globo, Nutecnet vinculado a RBS
etc., conforme destacou Monteiro (2008, p. 55).
A iniciativa privada internacional não ficou de fora do mercado brasi-
leiro havendo o ingresso de companhias fortes do setor, a exemplo da América
Online, Impsat Corp, entre outras. Mas, aos poucos, tal realidade que é extre-
mamente dinâmica foi sendo alterada com fusões e aquisições, a exemplo do
que ocorreu com a saída da Aol e a entrada do Terra nessa competição e grupos
brasileiros começam a investir no exterior, como ocorreu com o UOL da Fo-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 167


lha de São Paulo na Argentina com a Sinectis42.
Além disso, visando abocanhar uma parcela expressiva de consumidores
ávidos pela internet, grandes grupos passaram a lançar o slogan de internet
gratuita como ocorreu ao Ig, Grátis 1, Terra Livre etc. popularizando cada vez
mais a rede mundial de computadores e o seu conteúdo.
Nesse sentido, a Geografia ganha um novo significado especial ao po-
tencializar a descrição e compreensão de novas formas espaciais, a exemplo
das redes eletrônicas e que tem repercussão direta na configuração territorial
do comércio dos países. Dessa forma, mesmo que o cliente esteja longe fisica-
mente da loja ao qual ele esteja comprando ele o poderá fazê-lo, agora, pelo e-
-commerce, como ocorre com milhares de clientes no Brasil ao adquirirem pro-
dutos vindos de países distantes. Fenômeno esse observado, por exemplo, com
o comércio estabelecido com a China por meio da gigante online Alibaba.
A companhia Alibaba além de negociar ações na bolsa de valores de
Nova York, possui uma listagem de mais de dois milhões de brasileiros como
clientes, 231 milhões de compradores na China e lucrou aproximadamente
250 bilhões de dólares em 2013. Número esse infinitamente superior às con-
correntes E-Bay e Amazon dos Estados Unidos, colocando-a na liderança re-
gional Asiática e como uma grande companhia no mundo.43
Em um mundo em que as desigualdades se fazem cada vez mais pre-
sentes o comércio eletrônico será também um vetor da produção do consu-
mo segmentado, mudando os hábitos de consumo na cidade e no campo. Tais
transformações somadas a outras revoluções da indústria criaram uma nova
forma das pessoas se comunicarem e vivenciarem a experiência do urbano,
agora, cada vez mais acompanhada de aparatos tecnológicos ligados à era da
informação e, por extensão, de uma economia informacional.
As lojas entraram, literalmente, na vida dos consumidores por meio dos
celulares e, por conseguinte, agora, estão na casa das pessoas e em todos os
locais que elas estiverem ou permanecerem e tiverem acesso à internet. Nesse
cenário, a regulamentação jurídica e normativa do setor também ocorreu no
Brasil conforme salientou Pires (2006, p. 4) ao ressaltar que: “A implantação
dos instrumentos de regulamentação do comércio eletrônico no Brasil, ocor-
reu quando foi instalado, em agosto de 2001, o Comitê Executivo do Comér-

42. Informação disponível em: <http://noticias.uol.com.br/economia/ultnot/2001/09/12/ult82u2635.jhtm>.


Acesso em: 11 mar. 2015.
43. As informações do presente parágrafo foram extraídas em termos de fonte de dados do sítio web Uol
Economia. Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2014/09/18/dez-curiosidades-so-
bre-o-alibaba-gigante-chines-que-chega-a-bolsa-de-ny.htm>. Acesso em: 25 set. 2015.

168 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


cio Eletrônico.” (PIRES, 2006, p. 29).
No mundo, essa regulação eletrônica ocorre de forma diferenciada de
país para país. Em outras palavras, o tempo para incorporações às revoluções
tecnológicas e para domínio e acesso à internet tem sido variável, assim como
a sua referida normatização. Iniciada como um projeto militar na década de
1960 nos Estados Unidos44 a possibilidade de compras pela rede mundial de
computadores só foi ocorrer no final da década de 10 do século XX.
No caso brasileiro, as vendas online começaram a ser efetuadas com a li-
beralização da internet comercial na gestão do presidente Fernando Henrique
Cardoso, envolvendo empresas como Submarino, Pão de Açúcar, Americanas
entre outras. Isso fez com que a possibilidade de ganhos das companhias am-
pliasse sensivelmente, aliada à introdução do cartão de crédito como estimu-
lador desse processo, assim como o nascimento de moedas virtuais, sistema de
milhagens, clube de vantagens, entre outros, que favorecem a troca ou aquisi-
ção de produtos, bens e serviços.
Nesse cenário, foi criada a maior companhia de comércio eletrônico da
América Latina: a B2W. Criadas em 1999 a Americanas.com e Submarino tais
companhias fundem-se em 2006 dando origem a B2W45. O ritmo de expan-
são da companhia não parou por aí e, paulatinamente, adquire marcas como
Shoptime, Blockbuster, Ingresso.com, com atuação no México, Argentina e
Chile.
Assim, fica nítido observar que as companhias que operam no setor têm
crescido cada vez mais e ganhado novo mercados. Com isso, as receitas vêm se
expandindo nos últimos anos, como destacou o relatório Webshoppers que
monitora dados do setor de comércio eletrônico no Brasil ao ressaltar, por
exemplo, para o primeiro semestre de 2015 que:

[...] o e-commerce brasileiro registrou um aumento nominal de 16%


no primeiro semestre de 2015, se comparado com o mesmo período de
2014, atingindo um faturamento de R$ 18,6 bilhões. Considerando as
categorias mais importantes do comércio eletrônico, as que apresenta-
ram maior crescimento no período em volume financeiro foram Ele-
trodomésticos e Telefonia/Celulares, registrando respectivamente cres-
cimento nominal de 41% e 53% [...] (WEBSHOPPERS, 2015, p. 15)

44.  Ver Castells (1999).


45.Esse parágrafo foi construído com base nas informações da companhia B2W. Disponível em: <http://
www.b2wdigital.com/institucional/historico>. Acesso em: 24 mar. 2016.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 169


Além disso, no mesmo documento, ressaltou-se o aumento das compras
realizadas por intermédio de dispositivos móveis que atingiu 10,1% das ven-
das, principalmente devido à popularização dos smartphones e tablets. (WE-
BSHOPPERS, 2015, p. 15)
Nesse sentido, é importante ressaltar que os impactos dessa nova ativi-
dade da economia ainda estão em curso nas diferentes localidades do país e do
mundo. Cada cidade e lugar acolherão de forma distinta os câmbios produzi-
dos pela economia informacional. Campo Grande, por exemplo, que é capital
do Estado de Mato Grosso do Sul guarda suas especificidades e singularidades.
Sendo assim, com o intuito de debater aspectos relacionados à urbanização,
à economia e as transformações socioespaciais recentes no contexto da eco-
nomia informacional é apresentado o próximo item que trata da temática da
produção do espaço urbano e o comércio eletrônico em Campo Grande.

A produção do espaço urbano em Campo Grande e o co-


mércio eletrônico: breve síntese
O urbano brasileiro, hoje, apresenta diversas contradições. Há grandes
cidades, cidades intermediárias e pequenas com uma grande pluralidade em
termos de formação socioespacial e de organização espacial. Há metrópoles
nacionais como São Paulo e Rio de Janeiro e cidades consideradas intermediá-
rias em áreas interioranas do país, a exemplo de Campo Grande, localizada no
Estado de Mato Grosso do Sul.
Localizado na Região Centro-Oeste do país, a constituição de Campo
Grande teve início com a abertura de fazendas orientadas, especialmente, para
a pecuária, dada a existência de campos nativos. O marco inicial da ocupação
ocorreu na confluência dos Córregos Prosa e Segredo em 1872, com a vinda
de mineiros, sendo que a emancipação do município ocorreu em 1899, perten-
cendo anteriormente ao município de Nioaque (IBGE, 2013).
Campo Grande, município situado na porção central do estado, entre
as bacias dos rios Paraná e Paraguai, de acordo com o Censo Demográfico de
2010 (IBGE), registrava 786.797 habitantes, dos quais 98,66% residentes em
áreas urbanas do município. Em 2015, segundo as estimativas do IBGE, a po-
pulação atingiu o patamar de 853.622 habitantes.
Em relação ao PIB (Produto Interno Bruno) do município, o setor ter-
ciário (comércio e serviços) é o de maior valor agregado, seguido pelo setor se-
cundário (indústria de transformação) e setor primário (agropecuária) (IBGE,
2016).

170 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Segundo Arruda (1997) o primeiro Código de Posturas de Campo
Grande foi aprovado em 1905 e, em 1909, houve a elaboração do Plano de
Alinhamento de Ruas e Praças da Vila, indicando que desde o início houve a
intenção deliberada de promover o ordenamento de sua expansão urbana.
A construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil influenciou em seu
ordenamento antes da chegada dos seus trilhos. As cidades cortadas pela via
férrea, conforme o contrato existente entre o governo federal e a Companhia
responsável pela sua implantação, deviam se submeter a uma determinada for-
ma de disciplinamento de seu tecido urbano.
Segundo Firmino Neto (2003, p. 75) a construção da ferrovia possibi-
litou o desenvolvimento de Campo Grande no estado e influenciou na defini-
ção da 14 de Julho como “Rua Principal”, considerada durante décadas a mais
importante área de comercialização de mercadorias. A Rua 14 de Julho, para
o autor, influenciou decisivamente a estruturação e a reestruturação urbana da
cidade, perdendo a sua hegemonia comercial especialmente a partir dos anos
1990, com a abertura do mercado brasileiro para produtos industrializados
importados, uso de novas tecnologias e a criação de novas centralidades na
cidade.
Entretanto, pelo caráter popular de seu comércio, a Rua 14 de Julho
ainda consegue manter uma expressiva centralidade econômica, especialmen-
te das 8 às 19 horas. Já a verticalização de Campo Grande iniciou-se no final
dos anos 1940 com a construção do edifício Olinda (1947) e do Santa Elisa
(1948 – atual edifício Nacao) (ARRUDA, 2000, p.33).
Esse autor ressalta que, principalmente a partir dos anos 1950, Campo
Grande terá na estruturação urbana a orientação de uma arquitetura moderna.
A construção, em 1954, no Bairro Amambaí, do Colégio Estadual Campo-
grandense, projetado pelo arquiteto e urbanista Oscar Niemeyer, atual Escola
Estadual Maria Constança Barros Machado, constituiu-se na primeira expres-
são da nova orientação.
A década de 1960 foi caracterizada pela intensificação do processo
de verticalização na cidade, no contexto da expansão da fronteira agrícola e
inauguração da nova capital brasileira. Sob o paradigma desenvolvimentista,
marcado pela forte participação do Estado no planejamento, especialmente
a partir de 1964, no contexto do Regime Militar, com políticas e programas
fortemente centralizados, assistiu-se à modernização da construção civil na ci-
dade. A instituição de normas urbanísticas mais rígidas e a incorporação de
novos materiais e tecnologias na construção civil, bem como de profissionais

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 171


com formação nas áreas de engenharia e arquitetura, são aspectos que devem
também ser elencados no período (ARRUDA, 2000, p.36-7).
Nesse contexto, também se intensifica o processo de expansão da cidade.
Além disso, foi proposto “[...] o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado
de Campo Grande, com novas diretrizes de estrutura urbana, uso do solo e sis-
tema viário” (ARRUDA, 2000, p.41). Paralelamente a tais processos, Campo
Grande começou a crescer intensamente a partir dos anos 1970, período em
que a população registra o número de 140.233 habitantes, intensificado com a
modernização e industrialização do campo, resultando na forte migração em
direção às cidades.
Torna-se salutar, ainda, frisar que tal dinâmica não pode ser compre-
endida como exclusiva ao então estado do Mato Grosso do Sul, evidenciando
profunda articulação com o processo de urbanização do país e sendo expressão
da expansão econômica desencadeada na Região Centro-Oeste, sendo que:

A expansão econômica pode ter sido um dos principais motivos que


levaram o Centro-Oeste a registrar as maiores taxas de aumento popu-
lacional das últimas três décadas - Campo Grande (MS), Cuiabá (MT),
Goiânia (GO) e Brasília (DF) foram as metrópoles que mais cresceram
no país entre 1970 e 2000 [...]. É inegável que o incremento populacio-
nal dessa região foi importante para equilibrar o processo de urbani-
zação brasileiro, revertendo a tendência histórica de concentração no
Sudeste. Por outro lado, o fenômeno requer atenção para que as conhe-
cidas tragédias urbanas nacionais - poluição dos recursos hídricos e do
ar, desmatamento, déficit de moradias, congestionamento de veículos,
moradores de rua, violência, enchentes e desmoronamentos – não se
repitam. (VASCONCELOS, 2006, s.p.).

Da mesma forma, os problemas advindos desse modelo de urbaniza-


ção repetem-se em Campo Grande, a exemplo de outras cidades brasileiras.
A combinação de maiores exigências urbanísticas e planejamento urbano, por
um lado, e crescente ocupação periférica desordenada, por outro, são tragica-
mente comuns no processo de (re)produção do espaço urbano. Assim, desde
os anos 1950, acentuando-se a partir dos anos 1970, especialmente as grandes
cidades passam a ser orientadas por uma expansão territorial marcada pelo sur-
gimento de ocupações e loteamentos periféricos, grande parte dos quais des-
conectados do tecido urbano preexistente, desprovidos de meios de consumo

172 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


coletivos e sob o padrão da autoconstrução.
Necessário é também frisar que a estruturação urbana de Campo Gran-
de sofre grandes transformações com a divisão do estado de Mato Grosso em
1977, contexto em que se torna sua capital, provocando grandes redefinições
espaciais com a implantação de novas estruturas, impondo novas dinâmicas e
papéis urbanos à cidade. Nesse contexto, surgiram inúmeras políticas e progra-
mas que representaram grandes recursos financeiros ao estado, aparelhando
e modernizando a malha urbana da cidade de forma expressiva, de modo a
equipar nova capital.
Tal reestruturação da cidade pode ser verificada com a grande expansão
demográfica e territorial que a partir daí é verificada. As alterações representa-
das por esse processo são múltiplas, em termos econômicos podemos destacar
a expansão do setor comercial, promovendo a emergência de novas centralida-
des na cidade.
A criação de novas centralidades, com destaque para a instalação de
três shoppings centers (Shopping Campo Grande, em 1989; Shopping Norte
Sul Plaza, inaugurado em 2011; Shopping Bosque dos Ipês, implantado em
2013) e de grandes redes de comércio varejista e atacadista são evidências dessa
reestruturação da cidade, representando também novos vetores de expansão
urbana. As novas dinâmicas econômicas são acompanhadas, também, por
novas lógicas do setor imobiliário, especialmente representadas pela grande
verticalização da cidade, reforçada especialmente a partir dos anos 1990 e com
a disseminação dos condomínios fechados, promovendo a alteração da lógi-
ca centro-periferia, tendo em vista que muitos dos novos empreendimentos
ocorrem distantes do centro histórico.
A partir dessas diversas transformações e reestruturações Campo Grande
se torna a maior e mais populosa cidade do Estado, estendendo seu grau de in-
fluência por grande parte do território e alçando-se como uma das cidades mais
importantes do Centro Oeste. Assim, nos últimos anos, o Estado tem incremen-
tado sua pauta no segmento industrial, concentrando estabelecimentos no setor
agroindustrial, a exemplo de frigoríficos e abatedouros, produção sucroalcoolei-
ra, ramos do extrativismo mineral, celulose, químico, entre outros.
Campo Grande passa, paulatinamente, a contar com diversos papéis na
rede urbana, centralizando serviços e concentrando capital. Com isso, Dou-
rados aparece como capital regional, Aquidauana, Ponta Porã e Corumbá são
centros sub-regionais, Jardim e Bonito centros de zona. O restante são cidades
que se apresentam como pequenos centros da produção local, cidades do campo

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 173


moderno, vinculadas ao atendimento da economia da pecuária, dos grãos e da
cana de açúcar. Nesse contexto, é importante ressaltar que Campo Grande pas-
sou por um ritmo acelerado da produção do espaço como se verifica na figura 1.

Há uma expansão das áreas centrais e espaços situados na periferia são


incorporados à produção do solo urbano, pela lógica da produção e especu-
lação imobiliária. Espaços residenciais fechados são lançados na borda geo-
métrica da cidade e em proximidades às saídas para rodovias importantes que
conectam a cidade a outros Estados.
Já no que tange às atividades comerciais cabe ressaltar que as mesmas
estão concentradas, sobretudo, na área da central e, também, em outras vias de
circulação rápida e avenidas em distintos bairros com característica em termos
de densidade e concentração inferior à área central do núcleo urbano. Mas, aos
poucos, tal realidade vai sendo transformada com o advento das tecnologias
da informação e com a inserção do comércio eletrônico, na vida cotidiana das
pessoas.
Em pesquisa aplicada em nível amostral (60 questionários) na cidade de
Campo Grande, em locais de grande circulação como parques e avenidas 45%
dos abordados afirmaram ter efetuado compras online de 1 a 4 vezes no mês.
Nesse total, 59% dos entrevistados são do sexo masculino, 41% se declararam

174 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


de cor branca, seguido por parda (31%), negro (21%), amarelo (4%) e não
declararam (3%). 66% dos entrevistados eram solteiros e 52% tinham o ensino
médio completo, 26% o ensino superior incompleto, 18% o ensino superior
completo e 4% o ensino médio incompleto. A faixa etária dos entrevistados
entre 18 e 30 anos foi de 48%, entre 31 e 43 anos (32%), entre 44 e 56 anos
(12%) e não declarou (8%).
Sobre a faixa salarial 86% dos entrevistados afirmaram receber até 3 sa-
lários mínimos, entre 6 a 9 salários mínimos (4%), acima de 9 salários mínimos
(7%) e não declararam (3%).
Para a realização das compras 38% efetuavam as compras por boleto,
cartão de crédito 31%, cartão de débito 7%, outros 7% e não declararam 14%.
Além disso, é importante ressaltar que 24% da amostra considerou fazer com-
pras online diretamente do exterior, em sites como a Amazon e Aliexpress.
As razões são claras e evidentes para o acesso às compras eletrônicas
como preço, praticidade e variedade. No cenário brasileiro, as firmas mais
lembradas foram Extra, Lojas Americanas, Casas Bahia, Magazine Luiza,
Walmart e Livraria Saraiva. Assim, para realizarem suas respectivas transações
os mesmos utilizam computadores próprios (55%), celular próprio (31%) e o
restante afirmou utilizar outros meios. Já os que não realizavam compras on-
line alegaram a questão da insegurança virtual (69%), prazo de entrega (13%)
lento etc.
Desse modo, é importante ressaltar que o comércio e consumo ainda
continuam tendo participação na vida das pessoas, alimentado no presente mo-
mento por novas formas de produção e articulação territorial, tendo como elo
fundante a edificação de uma sociedade informacional e a dinâmica material do
comércio eletrônico e as novas formas de comercialização de mercadorias.

Considerações finais
Conforme exposto, fica nítido que a ação das grandes corporações no
segmento do comércio eletrônico tem sido cada vez mais importante no ce-
nário de acumulação do capital. Assim, como demonstrado ao longo do texto,
pôde-se observar que as companhias têm lucrado fortemente, mesmo em um
cenário de crise. As pessoas têm também dedicado uma parte de seu tempo e
de seus recursos ao consumo prático pela via eletrônica.
Com isso, o reflexo da transformação espacial oriundo dessa nova di-
nâmica pode ser observado em realidades não metropolitanas, como é o caso

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 175


de Campo Grande. Nessa perspectiva, uma cidade que, ao longo do tempo,
ganhou diferentes significados passa a abrigar em seu espaço urbano novos
conteúdos, oriundos, sobretudo, da dinâmica das tecnologias da informação
e comunicação que revolucionaram o modo de ser das coisas e das pessoas,
enquanto objetos do fato social.
Por fim, é preciso ter claro que essa realidade por se encontrar em curso é
de difícil apreensão e traçar prognósticos e previsões futuras a respeito é no mí-
nimo temerário. Com isso, diversos setores da sociedade vão sendo inseridos
nesse contexto de produção econômica, alimentados pelo crédito virtual e das
compras online que abarcam diferentes segmentos econômicos e mercadorias.

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Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 179


DA REESTRUTURAÇÃO DO ESPAÇO
URBANO À PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS
RESIDENCIAIS POPULARES FECHADOS EM
TRÊS LAGOAS – MS

Ricardo Lopes Batista

Introdução
A ocupação do espaço urbano três-lagoense deu-se, historicamente, nas
proximidades da Lagoa Maior e da estação ferroviária. O primeiro assenta-
mento residencial a ser criado foi o Santa Luzia ou “Formigueiro”, como foi
chamado em épocas pretéritas, dado o grande número de pessoas que nele re-
sidiam. Constituído nas proximidades da estação ferroviária, ganhou sentido
e centralidade através do uso deste espaço por trabalhadores, comerciantes e
transeuntes que por ali passavam. O sistema ferroviário proporcionou grande
expressividade à área, delineando-o como fragmento territorial economica-
mente relevante.
A presença da estrada de ferro e sua contextualização no início do século
XX são importantes para compreendermos o processo de ocupação do espaço
urbano de Três Lagoas, marcado inicialmente pela concentração espacial. No
início do século XX, intensificou-se no Brasil a construção de linhas férreas,
cujo objetivo principal era escoar os produtos nacionais, além do transporte
de passageiros, promovendo a integração regional. Em meio às tramas políti-
cas e processos decisórios sobre o traçado da linha férrea no Estado de Mato
Grosso, “em 1907, o governo decidiu aprovar a execução de um novo traçado
da estrada de ferro de Bauru a Corumbá” (OLIVEIRA E ARANHA-SILVA,
2011, p. 141).
Sobre a cidade de Três Lagoas é possível afirmar que o povoamento des-
te pequeno vilarejo iniciou-se com a chegada das famílias de operários que
trabalhavam na construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, uma vez
que, “antes desse período, o território três-lagoense apenas servia de caminho
para a peonagem, cujas tropas eram provenientes, em sua maioria do interior
dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Goiás” (OLIVEIRA, 2011, p. 127).

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 181


A integração entre os Estado de São Paulo e Mato Grosso, promovida
pela estrada de ferro e a necessidade da vinda de mais trabalhadores, tanto para
a construção da estrada de ferro, quanto para sua manutenção, favoreceu o po-
voamento de Três Lagoas, com a construção de novas habitações e o aumento
da oferta de serviços. A migração de trabalhadores para a cidade e os fenô-
menos decorrentes deste processo, como a segregação socioespacial, ganham
centralidade neste artigo, sendo abordados a partir da historicidade conferida
à análise dos processos de estruturação e reestruturação urbana.
Ao analisarmos a dimensão temporal da produção do espaço urbano
desta cidade, observamos um conjunto de mudanças que implicaram em uma
nova organização do espaço. Neste sentido e apropriando-nos dos conceitos
elaborados por Santos (1992), podemos afirmar que a forma, a função, a estru-
tura e os processos desencadeados assumiram novas características que intensi-
ficaram os processos de segregação socioespacial, num primeiro momento e de
fragmentação espacial mais recentemente.
O ponto de partida de nossa compreensão sobre o conceito de reestru-
turação é dado pela contribuição de Soja (1993, p. 193), para quem:

A reestruturação, em seu sentido mais amplo, transmite a noção de uma


“freada”, senão de uma ruptura nas tendências seculares, e de uma mu-
dança em direção a uma ordem e uma configuração significativamente
diferentes da vida social, econômica e política. Evoca, pois, uma com-
binação sequencial de desmoronamento e reconstrução, de desconstru-
ção e tentativa de reconstituição, provenientes de algumas deficiências
ou perturbações nos sistemas de pensamento e ação aceitos.

Recorremos também às proposições de Sposito (2007, p. 248), que adotou


a expressão “reestruturação” para fazer referência aos períodos em que é amplo e
profundo o conjunto das mudanças que orientam os processos de estruturação ur-
bana e das cidades. A adjetivação urbana, no caso o de “reestruturação urbana”, faz
referência às mudanças regionais e/ou no âmbito das redes urbanas, enquanto a
“reestruturação da cidade” é analisada no âmbito da escala intraurbana.
Levando em conta as mudanças observadas sobre a produção residen-
cial, partimos do pressuposto de que a reestruturação produtiva (constatada
na cidade) criou um quadro favorável para o aparecimento dos espaços resi-
denciais populares fechados. É neste contexto que propomos uma análise mais
detalhada deste processo.

182 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


A reestruturação produtiva de Três Lagoas
A reestruturação produtiva, é aqui analisada, a partir das perspectivas
elencadas por Diniz e Campolina (2007), como uma mudança na estrutura
produtiva dos municípios ou regiões estudadas, sem perder de vista que “os
processos de inovação tecnológica, reestruturação produtiva e globalização
econômica, estão associados a importantes mudanças espaciais que definem
novas formas de organização do território” (CARAVACA, 1998, p. 41).
Como “os territórios já usados pela sociedade ganham usos atuais, que se
superpõe e permitem ler as descontinuidades nas feições regionais, permitindo
compreender que certas regiões são, num dado momento histórico mais uti-
lizadas e, em outros, o são menos” (SILVEIRA, 2011, p.161), reconhecemos
que as mudanças ocorridas em Três Lagoas devem ser contextualizadas a partir
de sua história. Para tanto, analisamos os processos de estruturação urbana e
de reestruturação da cidade a partir de três momentos históricos (ARANHA-
-SILVA, 2010). O primeiro momento (estruturação), caracterizado pela im-
plantação da estação ferroviária (NOB), o segundo momento pela construção
da usina hidroelétrica e o terceiro momento (reestruturação produtiva) pela
chegada das grandes indústrias e fábricas.
A compreensão da expansão urbana de Três Lagoas tem sido objeto de
estudo de vários trabalhos acadêmicos elaborados junto ao curso de Geografia
da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Três Lagoas, mas foi
Cattânio (1979) a primeira a propor uma representação cartográfica pensada a
partir da contextualização histórica do município, identificando assim, momen-
tos em que o desenvolvimento da cidade se deu de forma mais acelerada.
O primeiro momento se dá com a construção da linha férrea que favo-
receu a criação dos primeiros aglomerados urbanos, sobretudo pela instalação
da estação ferroviária que promoveu a primeira fase de ocupação territorial,
como apresentado na introdução deste artigo. Este foi caracterizado por um
processo de coesão territorial.
Na década de 1960, outra atividade econômica impulsionou a ocupação
da cidade de Três Lagoas, a construção da Usina Hidroelétrica “Engenheiro
Souza Dias”, sobre o rio Paraná. As primeiras tentativas de ampliação da malha
urbana deram-se a partir de 1961, com o aumento populacional advindo da
sua construção, este fenômeno marcou o segundo momento do processo de
ocupação do espaço urbano três-lagoense, que foi caracterizado pela descon-
centração dos conjuntos habitacionais, entre os anos de 1961 e 2010. Neste

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 183


período foram criados 65 loteamentos, sendo 55 (86%) destes loteamentos
destinados à formação de bairros populares, enquanto que 10 (14%) deles
foram destinados aos segmentos de renda média e alta (ARANHA-SILVA,
2010, p. 415).
No contexto da aceleração do processo de implantação de novos lote-
amentos na cidade, a produção dos loteamentos populares abertos caracteri-
zou-se pela distância da área central e pelo isolamento espacial, além de serem
desprovidos de infraestrutura, fazendo aumentar a mancha territorial urbana,
enquanto os loteamentos destinados aos segmentos médios e altos foram pro-
duzidos próximos das áreas com melhor infraestrutura.
O modelo centro – periferia torna-se evidente, mas muitos vazios fo-
ram mantidos, que estrategicamente se constituíram e ainda se constituem em
áreas de especulação imobiliária (ARANHA-SILVA, 2010, p. 416). Cumpre
lembrar que não houve um planejamento de expansão urbana para a cidade,
sendo os novos loteamentos implementados através de ações públicas e priva-
das, promovidas por proprietários fundiários que transformaram suas terras
rurais em lotes urbanos por meio de estratégias políticas, permitindo que o
processo de produção do espaço urbano seguisse a lógica do capital, por meio
da incorporação dos novos loteamentos urbanos com base nos interesses eco-
nômicos.
O terceiro momento se deu através da reestruturação produtiva iniciada
na década 1990, quando a cidade “vivencia intensa mudança estrutural e de
conteúdo social, que se materializa na formação de novos e diferenciados bair-
ros residenciais, como os conjuntos habitacionais populares e os condomínios
fechados horizontais” (ARANHA-SILVA, 2010, p. 420). A industrialização
adquiriu então, um papel central, impulsionando o desenvolvimento do mu-
nicípio. Esta fase foi acelerada a partir de 2006, com a chegada de grandes
indústrias, que promoveram um desproporcional aumento populacional, ge-
rando novos hábitos de consumo e, por conseguinte, alterando a lógica da pro-
dução imobiliária, com o aparecimento de novos produtos como os espaços
residenciais fechados, destinados às elites, e os espaços residenciais populares
fechados. Os desdobramentos desse processo ainda estão em curso sendo par-
ticularmente relevantes para a pesquisa que tenho desenvolvido.
Com base nos dados apresentados pelo IBGE Cidades, elaboramos o
Gráfico 1 com os valores totais brutos em preços correntes do PIB de Três La-
goas, levando em conta a segmentação das atividades econômicas e o intervalo
temporal de 1999 a 2013.

184 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


A partir da interpretação dos dados apresentados pelo Gráfico 1, verifi-
camos que o setor de serviços era o mais significativo até 2009. O setor econô-
mico menos expressivo, com base na participação total do PIB era o primário
(agropecuário), no entanto, observa-se um aumento de 157% entre o período
de 1999 (R$ 42.265,00) a 2011 (R$ 108,706,00), que se deve às significati-
vas mudanças no campo, como a substituição em larga escala da pecuária pela
plantação do Eucalipto, fazendo com que os rendimentos desse setor aumen-
tassem devido a especulação (inicialmente) e a instalação de grandes indústrias
produtoras de papel e celulose, Fíbria e Eldorado Brasil.
Voltando o foco de nossas análises ao setor industrial que demonstrou
um acentuado aumento de 2008 a 2011, propomos uma aproximação com o
contexto histórico da implantação industrial do município para explicarmos e
caracterizarmos a terceira fase da produção do espaço urbano três-lagoense e o
processo de reestruturação produtiva.
Com a iniciativa do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul de
atrair indústrias, identificadas como sinônimo de desenvolvimento e geração
de empregos, foi estabelecida uma política de incentivos fiscais regulamentada
pela Lei Complementar n°. 093 de 05 de novembro de 2001, que concedia
benefícios financeiros correspondentes a até 67% do ICMS devido, para as in-
dústrias em instalação. Aproveitando-se desta oportunidade, a Prefeitura Mu-
nicipal de Três Lagoas elaborou a Lei n°. 1.995, de 21 de fevereiro de 2005, que
concede isenção de imposto às indústrias que vierem se instalar no município.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 185


Tal lei concede benefícios às indústrias que se instalam no município
conforme o valor do investimento declarado, dividido em três categorias: I -
Investimentos de até cinquenta milhões de reais recebem 5 anos de isenção;
II - Investimentos de cinquenta milhões de reais até cem milhões de reais re-
cebem 10 anos de isenção e III – Investimentos acima de cem milhões de reais
recebem 15 anos de isenção.
Paralelamente aos incentivos fiscais, a Prefeitura de Três Lagoas tomou
outras medidas para atrair mais indústrias, como a destinação de uma área de
4.738.874,06 m², para a formação de um distrito industrial, constituída por
92 lotes. Os lotes são adquiridos por meio de doação em comodato regula-
mentada em lei municipal, aprovada pela câmara de vereadores e, se a empresa
cumprir todos os requisitos de instalação e funcionamento, o lote é doado de-
finitivamente. Essa medida contribuiu para a instalação de 55 empresas dos se-
guintes setores: têxtil, alimentício, produtos plásticos, fabricação de máquinas
e peças, produção de energia, construção civil, química, madeira (produtos e
artefatos), prestação de serviços, metal/metalúrgica e outras. Foram gerados,
apenas no distrito industrial, 9.321 empregos diretos46.
Características importantes, tais como os aspectos naturais, foram fun-
damentais para atração de várias indústrias, destacando-se a riqueza dos re-
cursos hídricos e a capacidade energética, a disponibilidade de terras para o
plantio e sua localização privilegiada, com várias rotas de acesso aos Estados de
São Paulo, Goiás e Minas Gerais, que contribuíram para a transformação da
cidade em um importante polo industrial.
Essas características, associadas às boas condições para a recepção de
inúmeras indústrias, aos constantes avanços nos investimentos em infraestru-
tura de transporte e a vontade política, contribuíram para a instalação de gran-
des indústrias na cidade a partir de 2006, sendo elas: Fíbria (papel e celulose),
Eldorado Brasil (papel e celulose), Sitrel (siderúrgica) e a UFN III Petrobrás
(fertilizantes). Juntas, elas empregam mais de duas mil pessoas (empregos
diretos)47, contribuindo diretamente para o aumento do PIB municipal (Grá-
fico 1).
A Fíbria Celulose S/A foi construída com a pretensão de ser a maior
produtora de celulose de fibra curta branqueada do mundo, com capacida-
de instalada total para processar 4,7 milhões de toneladas e base de cultivo
46. Dados extraídos do relatório de impacto ambiental do Distrito Industrial II, encomendado pela Prefeitura
Municipal de Três Lagoas e realizado pela empresa DMB Construtora e Assessoria Técnica Ltda.
47. Dados extraídos através do levantamento de informações junto à Secretaria de Desenvolvimento Econô-
mico da Prefeitura Municipal de Três Lagoas.

186 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


própria de 974,4 mil ha. Atua em sete Estados e 254 municípios brasileiros,
possuindo unidade industrial e de cultivo em São Paulo (Município de Jaca-
reí), Espírito Santo (Município de Aracruz) e Microrregião de Três Lagoas,
no Mato Grosso do Sul. Seu “lucro obtido em 2011 foi da ordem de R$ 868
milhões, e seus ativos foram calculados em R$ 27,8 bilhões no mesmo ano”
(PERPÉTUA, 2012, p. 33).
A Eldorado Brasil surge com o status de maior fábrica de celulose de
fibra curta branqueada do mundo (PERPÉTUA, 2012, p. 35), superando a Fí-
bria Celulose S/A, com investimentos de 5,1 bilhões de reais, gerando 13 mil
empregos durante a fase de construção48, finalizada em dezembro de 2012, ano
em que começou a funcionar, com a estimativa de produzir aproximadamente
1,5 milhões de toneladas de eucalipto por ano.
As obras de instalação da SITREL foram iniciadas em 2011, com um
investimento de 270 milhões de reais. Absorvendo um contingente de traba-
lhadores temporários no período da construção de aproximadamente duas mil
pessoas, a obra foi finalizada no final de 2012, com a perspectiva de produzir
400 mil toneladas de vergalhões por ano, cujo quadro de funcionários diretos
é de 200 empregados49.
A empresa UFN III Petrobrás teve suas obras iniciadas em 2011, com
a previsão de funcionamento a partir de setembro de 2014 (o que ainda não
ocorreu), gerando atualmente cerca de três mil empregos na fase de constru-
ção. Havia previsão, para o início de 2014, de ampliação do quadro de funcio-
nários para cerca de sete mil trabalhadores, visando o cumprimento do prazo
de entrega, no entanto, o que houve foi o contrário. Entre os meses de outu-
bro a dezembro do mesmo ano foram demitidos cerca de 2.100 funcionários
diretos do Consórcio UFN 3 (formado pelas empresas SINOPEC e Galvão
Engenharia), além das demissões, foram constatadas inúmeras reclamações de
falta de pagamento por parte de empresários locais, prestadores de serviços
(alojamento, alimentação, rede hoteleira etc.)50. O investimento previsto nas
obras era da ordem de 3,5 bilhões de reais, com produção de 1,2 milhões de
toneladas de ureia e 761 mil toneladas de amônia51.
48. Dados obtidos pelo site da empresa Eldorado Brasil < http://www.eldoradobrasil.com.br/Pt/index.html >
(acessado em 20/05/2013).
49. Informações obtidas no site da empresa pertencente ao Grupo Votorantim Siderurgia – SITREL (Siderur-
gica de Três Lagoas) < http://www.vsiderurgia.com.br/pt-br/institucional/unidades/sitrel/Paginas/Sitrel.aspx
> (acessado em 20/05/2013).
50. Fonte: Jornal do Povo, 22 de dezembro de 2014.
51. Em decorrência da crise política e escândalos de corrupção investigados na operação da Polícia Federal
intitulada “Lava Jato”, houve a rescisão de contrato entre a Petrobras e o consórcio UFN 3 em 2015 suspen-
dendo todas as atividades, o que culminou na demissão de milhares de trabalhadores envolvidos no projeto.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 187


As mudanças do setor econômico influenciaram a configuração espacial
da cidade, sobretudo em função da oferta de empregos. Brasileiros e estrangei-
ros vieram em busca de trabalho52, o que gerou impactos diversos.

As mudanças não foram apenas quantitativas, mas qualitativas. Devido


ao aumento populacional, a cidade de Três Lagoas transformou-se rapidamen-
te, perdendo as características de cidade pequena, passando a ser uma cidade
de porte médio com problemas principalmente ligados à infraestrutura, saú-
de, educação, segurança e moradia. Confirmam-se as advertências de Silveira
(2011, p.161) de que “no momento em que a grande corporação decide trans-
ferir uma determinada produção, sob o comando dos seus interesses globais e
ao sabor das benesses fiscais, o lugar conhece um profundo desarranjo nos seus
fatores de produção”.
Diferente do que ocorreu em relação às indústrias e aos interesses que
elas representam, não houve um planejamento prévio para a recepção destes
novos moradores atraídos por elas. As escolas públicas não deram conta do nú-
mero de alunos, o que proporcionou ao ensino particular as condições neces-
sárias para explorar esse mercado, abrindo mais escolas do maternal ao ensino
médio, além disso, muitas escolas técnicas vieram para atender a demanda das
empresas, com cursos (e preços) variados. As universidades particulares tam-
bém se beneficiaram, ampliando sua estrutura física, oferecendo novos cur-
sos de graduação. Nota-se que houve então um duplo movimento: enquanto
novos problemas surgiam e impactavam segmentos da população, os mesmos
problemas eram parcialmente transformados em oportunidade de novos ne-
gócios por empresários da educação, por exemplo.
O aumento populacional refletiu no aumento da oferta de serviços (es-
colas, restaurantes, lojas, postos de combustível, concessionárias de automó-
veis e motocicletas, agências de emprego, etc.), fator que fez com que o PIB
52.  Além da migração interna, sobretudo do nordeste do país, chegaram em Três Lagoas inúmeros estrangei-
ros, vindos principalmente do Haiti. Segundo o jornal on line Correio do Estado < http://www.correiodoes-
tado.com.br/cidades/tres-lagoas/refugiados-do-haiti-conquistam-vagas-em-tres-lagoas/220620/ > já foram
cadastrados pela Polícia Federal cerca de 500 haitianos.

188 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


correspondente aos serviços chegasse a R$ 1.270, 053 em 2011 (IBGE, 2016).
A intensa procura por residências fez com que o preço dos aluguéis dis-
parasse, levando os proprietários de imóveis a literalmente expulsar os antigos
inquilinos visando esta nova clientela que aceitava pagar os novos preços da
locação. A produção de imóveis, a partir de 2006, se intensificou. O preço
dos lotes urbanos elevou-se, muitas residências foram construídas com baixo
padrão construtivo e tamanho reduzido.
Se, por um lado, o aumento indiscriminado do preço dos alugueis desfa-
voreceu os locatários, por outro, a possibilidade de trabalho formal proporcio-
nada pela chegada das inúmeras fábricas e o acesso ao financiamento imobiliá-
rio contribuíram para o crescimento do número de potenciais compradores de
imóveis, o que também aqueceu esse mercado. Este fenômeno contribuiu para
a aceleração da produção do espaço urbano três-lagoense, através da incorpo-
ração e lançamento de novos loteamentos urbanos.
A cidade tornou-se um verdadeiro canteiro de obras, sobretudo pela
construção de residências (horizontais, em sua maioria), em função da grande
capacidade de retorno financeiro percebida pelos investidores, atraindo cons-
trutoras e incorporadores de outros Estados brasileiros, que voltaram seus in-
vestimentos tanto para a produção de espaços residenciais fechados destinados
aos segmentos de renda média e alta, quanto à produção de espaços residen-
ciais populares abertos e fechados.
É evidente que o processo de reestruturação produtiva aqueceu o
terceiro setor da economia local que, combinados a fatores externos, como
as novas políticas de financiamento imobiliário, intensificaram a atuação do
mercado imobiliário em Três Lagoas. Associado a isso, observamos estratégias
desenvolvidas por parte de alguns agentes produtores do espaço, que resulta-
ram na implementação dos espaços residenciais populares fechados - ERPFEs.
Os fatores que explicam a combinação entre habitação popular e espa-
ços residenciais fechados, em geral condominiais, não são evidentes e vem sen-
do alvo de nossa investigação, conforme apresentamos na próxima seção.

Definindo os espaços residenciais populares fechados - ERPFEs


Reconhecendo a dificuldade de se trabalhar com os loteamentos fecha-
dos e os condomínios horizontais, Dal Pozzo (2008) propôs o termo “espaços
residenciais fechados”, como alternativa metodológica que reunisse em um
só grupo tanto os residenciais incorporados como loteamento, quanto como
condomínio horizontal. Para o autor, esta expressão designada de modo gené-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 189


rico foi utilizada para evitar erros, uma vez que os loteamentos fechados nem
sempre estão contemplados juridicamente pela municipalidade, ou por vezes
pode ocorrer a figura do falso condomínio, legalmente incorporado como
condomínio horizontal, porém, o que se verifica é a comercialização dos lotes
em vez das unidades habitacionais e da fração ideal das áreas comuns (DAL
POZZO, 2008, p. 64).
Em trabalho publicado recentemente, Sposito e Goes (2013, p.62) tam-
bém optam pela expressão “espaços residenciais fechados”, por reconhecerem
que existem diferenças na legislação vigente entre as formas de fechamento e o
controle observado nesses espaços.

No plano prático, e não no técnico-jurídico, estamos nos referindo a


áreas habitacionais urbanas cercadas por muros, às quais o acesso de
não moradores é autorizado ou não segundo sistemas de controle e vi-
gilância, bem como sob regras estabelecidas pelos proprietários e/ou
locatários dos terrenos ou imóveis edificados nesses espaços.

Tendo em vista as contribuições de Dal Pozzo (2008) e Sposito e Goes


(2013), consideramos que podemos não apenas nos apropriar de sua proposta
metodológica, mas conferir um novo significado a ela, visto que os “espaços re-
sidenciais fechados” não são homogêneos e se inserem num processo mais am-
plo que comporta mudanças, sobretudo na última década, quando a produção
habitacional voltada a segmentos sociais de baixa renda incorporou e passou a
reproduzir o modelo condominial fechado. Buscando dar conta desses novos
elementos incorporados ao processo de produção de espaços residenciais fecha-
dos, propomos a expressão “espaços residenciais populares fechados” (ERPFEs).
Entendê-los como espaços residenciais populares fechados possibilita
uma generalização aceitável que dá conta dos residenciais por nós estudados. Isso
porque eles implicam em uma espacialidade, existe uma apropriação espacial que
é delimitada e localizável. Chamá-los de residenciais implica na valorização das
relações que são produzidas nestes espaços, dentre as quais, as de moradia são
as mais importantes. Chamá-los de populares implica na delimitação dos con-
sumidores finais destes imóveis, os segmentos sociais de baixo poder aquisitivo,
que são também aqueles cujas práticas espaciais caracterizam o cotidiano dos
ERPFEs. O fechamento denota a construção de barreiras, uma separação, entre
dentro e fora, entre moradores e não moradores, embora, diferente do que ocor-
re nos espaços residenciais fechados de classe média e de elite.

190 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Partindo da constatação de que há diferenças entre os “espaços residen-
ciais fechados” (SPOSITO e GÓES, 2013), que em seu conteúdo e significa-
do são “enclaves fortificados” (CALDEIRA, 2000), e os “espaços residências
populares fechados” que pesquisamos.

A participação dos agentes produtores do espaço na im-


plementação dos ERPFEs
Ao estudar os espaços de moradia popular dos municípios de São Paulo e São
Carlos, Negrelos (2010, p. 3) identificou três períodos importantes na produção
espacial. O primeiro, caracterizado pela autora como “habitação massiva e produção
da cidade periférica”, compreendendo o período de 1964 até 1986, em que as polí-
ticas habitacionais voltadas para a produção de moradias populares contribuíram
para a dispersão das cidades. O segundo, caracterizado pelo “experimentalismo e
crítica ao projeto moderno”, correspondeu ao período de 1980 a 1990, em que tal
crítica implicou também na crítica ao modelo de produção habitacional extensiva
em conjuntos habitacionais produzidos pelo Estado de São Paulo. Para a autora, os
avanços advindos a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 deve-
riam proporcionar aos citadinos pertencentes aos segmentos populares, o direito a
arquitetura, modificando os projetos de habitação popular a partir de então.
O terceiro período foi identificado como “consolidação do contextualismo
nos projetos urbanos”. Influenciados pelo período anterior, os novos programas
públicos de intervenção em assentamentos populares e de habitação social, deram
nova forma aos processos anteriores, gerando um “modelo de estabelecimento ha-
bitacional de todas as classes sociais que foi se disseminando, instrumentalizado pela
ideologia do mercado imobiliário, baseado no padrão condominial com dispositi-
vos de segurança em territórios fechados e controlados” (NEGRELOS, 2010, p. 3).
Embora as especificidades de cada cidade devam ser levadas em conta, con-
sideramos que a periodização proposta pela autora pode ser generalizada, especial-
mente no que se refere ao último período, o que nos ajuda a compreender como o
novo modelo adotado e operado pelo mercado imobiliário tem influenciado o apa-
recimento dos ERPFEs. É justamente neste contexto que voltamos nossa atenção
para as relações entre os agentes produtores do espaço que, segundo nosso entendi-
mento, estão diretamente associados com a produção dos novos modelos residen-
ciais, como os ERPFEs.
Levando em conta as contribuições de Corrêa (1993), Harvey (2005) e
Sposito (2010), podemos identificar os proprietários fundiários, os incorporado-
res imobiliários, os construtores imobiliários, os corretores imobiliários, os agentes

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 191


financeiros, a esfera pública e a sociedade civil, como agentes responsáveis pela pro-
dução do espaço urbano.
Numa perspectiva mais ampla, a proposta metodológica adotada para ana-
lisarmos a produção do espaço urbano se alinha com a de Carlos (2007, p. 20), que
apresenta como ponto de partida para o desenvolvimento de um raciocínio capaz
de produzir uma leitura geográfica sobre a cidade, a ideia de “cidade como cons-
trução humana, produto histórico social, contexto no qual a cidade aparece como
trabalho materializado, acumulado ao longo de uma série de gerações, a partir da re-
lação da sociedade com a natureza”. Mas levamos em conta também que as relações
entre os agentes produtores do espaço podem se mostrar preocupantes, tal como
Botelho (2007) identifica entre a esfera pública e os incorporadores imobiliários,
que resultaram em mudanças na Lei de Parcelamento do Solo. Algumas dessas es-
tratégias aplicadas na produção residencial explicam o aparecimento dos ERPFEs
em Três Lagoas.
A criação da Lei 6.766 em 19 de dezembro de 1979, que trata do parcela-
mento do solo, dispôs em seu artigo 4, inciso I, que “as áreas destinadas a sistemas
de circulação, a implantação de equipamento urbano e comunitário, bem como a
espaços livres de uso público, serão proporcionais à densidade de ocupação prevista
pelo plano diretor ou aprovada por lei municipal para a zona em que se situem” e
no inciso II “que os lotes terão área mínima de 125m² (cento e vinte e cinco metros
quadrados) e frente mínima de 5 (cinco) metros, salvo quando o loteamento se des-
tinar a urbanização específica ou edificação de conjuntos habitacionais de interesse
social, previamente aprovados pelos órgãos públicos competentes”53.
Dadas as especificações desta lei, fica determinado o tamanho mínimo para
o parcelamento dos loteamentos urbanos, que deveria ser observado desde 1979.
No entanto, a previsão do inciso I fez com que tais normativas só fossem cobradas
após a criação do Plano Diretor, que em Três Lagoas se deu com a instituição da Lei
2.083 de 28 de setembro de 2006, sendo possível constatar esse cuidado apenas nas
incorporações realizadas após a sua implantação.
Mas, qual foi o efeito desta regulamentação no tocante a produção dos espa-
ços residenciais populares fechados? Para responder a esta questão é preciso apro-
fundar a compreensão da participação dos agentes envolvidos na produção dos ER-
PFEs, os quais foram neste trabalho divididos em dois grupos: empresas do setor da
construção civil e pequenos investidores.
Ao passo que as políticas habitacionais eram implementadas, com vistas à
53. BRASIL. Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979 dispõe sobre o parcelamento do solo urbano e dá outras
providências. Brasília, 1979.

192 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


produção de habitações destinadas aos segmentos populares, algumas empresas es-
pecializadas foram se apropriando deste novo mercado emergente, concentrando a
produção das moradias populares nas mãos de um pequeno grupo de grandes em-
presas (SHIMBO, 2010). As mudanças nas políticas habitacionais favoreceram a
incorporação de uma significativa parcela da população, que estava fora do mercado
privado de habitação, o que possibilitou às incorporadoras a exploração de um mer-
cado atraente e lucrativo.
No contexto de intensa participação da iniciativa privada na produção de
moradias populares, identificamos, através da pesquisa de campo, a participação de
duas empresas privadas diretamente envolvidas na produção de três ERPFEs (tabe-
la 2). Nossa hipótese é que, no caso das empresas privadas do setor da construção
civil, a produção dos ERPFEs se deu como forma de viabilizar projetos imobiliários
construídos em terrenos distantes da área central e com carência na infraestrutura.
O discurso de um agente envolvido na produção dos residenciais Espanha e
Alpha em Três Lagoas fornece um ponto de partida para essa análise.

[Porque a empresa lançou o Residencial Alpha sob o modelo condo-


minial? Foi pela experiência de já ter construído o Residencial Espa-
nha?] - Na verdade nós queríamos construir ali 27 casas e se não fosse
como condomínio nós não conseguiríamos, devido a Lei do Plano Di-
retor, que estabelece o tamanho mínimo dos terrenos. Então fizemos
um condomínio que nos possibilitou construir as casas em um terreno
menor que o estabelecido pela lei, construindo ali as 27 casas que pre-
tendíamos. Com isso nós nos adequamos à realidade do momento e ao
preço, porque se fôssemos pelas regras do Plano Diretor, as pessoas não
conseguiriam pagar pela casa. Quando nós construímos, pensamos no
preço final do imóvel, porque lá [referindo-se ao conjunto habitacional
Santa Terezinha] a área é cara e se construíssemos a casa em um terreno,
inviabilizaríamos o investimento, porque mesmo que tivesse demanda
as pessoas não teriam condições financeiras para comprar. Veja o que
aconteceria: o cara que tem condições não quer, porque as residências
estão abaixo do que ele espera, e as pessoas que querem não têm condi-
ções de comprar. Então quando construímos condomínio nós conse-
guimos diminuir a cota dos terrenos, por exemplo, se temos um terreno
que custa 60 mil, a cota dele passará a ser de 40 ou 35 mil, diminuindo
o valor final. (Roberto, 54 anos, corretor de imóveis, Residencial Espa-
nha, Três Lagoas)

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 193


A fala do Senhor Roberto evidencia, além da burla à legislação munici-
pal, a preocupação das construtoras e incorporadoras quanto à adequação do
produto ofertado ao consumidor final. Ao afirmar que “o cara que tem condi-
ções não quer”, se refere ao risco de colocar no mercado produtos claramente
destinados aos segmentos populares, mas com preços acima de sua capacidade
de pagamento. Mas entendemos que o conteúdo mais problemático do seu de-
poimento reside na constante atribuição de culpa à legislação pela definição de
uma metragem mínima para o loteamento do solo urbano, em defesa dos in-
teresses dos compradores/moradores. Essas ferramentas jurídicas são, na pers-
pectiva do mercado imobiliário, empecilhos à produção de moradias destina-
das aos segmentos populares, devido ao encarecimento da cota dos terrenos.
Desta forma, o modelo condominial assume grande expressividade, jus-
tamente por permitir a redução do tamanho dos terrenos loteados. Trata-se,
portanto, de um modo de fazer com que o valor final do produto seja mais
barato e tenha viabilidade financeira, de acordo com os interesses dos incor-
poradores. Não obstante, os ERPFEs se inserem neste contexto agregando
outros valores ao processo de escolha dos futuros compradores, como a segu-
rança prometida frente à insegurança associada aos espaços urbanos em geral,
e o status, devido ao fato deste modelo de moradia ser inspirado nos espaços
residenciais fechados destinados aos segmentos de renda média e alta.
Quanto aos residenciais implantados pelos pequenos investidores, veri-
ficamos que uma das características é o baixo número de residências constru-
ídas e disponibilizadas para a venda, implicando em residenciais de pequeno
porte.
Uma análise mais detida desses dados evidencia a pouca experiência
desses investidores. Uma primeira evidência diz respeito ao tamanho dos lo-
tes (inferior a 130 m²), sugerindo uma estratégia de legitimação dos empre-
endimentos por meio da incorporação de acordo com a Lei 4591/1964 (Lei
do condomínio). Retoma-se assim, o discurso dos profissionais do mercado
imobiliário de que as exigências da Lei 6.766/79 encareciam o valor final dos
imóveis, impondo dificuldades para a construção de várias residências popu-
lares em um mesmo empreendimento, para explicar a opção dos pequenos in-
vestidores.

[O senhor acha que a construção de residenciais fechados é uma ten-


dência do mercado imobiliário?] Na verdade os incorporadores estão
usando muitos artifícios por causa do tamanho mínimo dos terrenos

194 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


determinados pelo Plano Diretor, então eles pegam um terreno de
12,5x30 e constroem duas casas de 6,25x10 e falam que é condomínio.
[O senhor poderia explicar melhor?] Temos uma lei engessada, e quan-
do o povo se depara com leis assim, eles sempre arrumam um jeito de
fazer as construções sem entrar em desacordo com o que é estabelecido
pela lei, mesmo porque se tiver algo errado não conseguem liberar os
imóveis para o financiamento. (Roberto, 54 anos, corretor de imóveis,
Residencial Espanha, Três Lagoas)

A alternativa foi pautar-se na Lei 4.591 de 16 de dezembro de 1964, que dis-


pôs sobre edificações em condomínio e as incorporações imobiliárias, prevendo no
artigo 1 que “as edificações ou conjuntos de edificações, de um ou mais pavimentos,
construídos sob a forma de unidades isoladas entre si, destinadas a fins residenciais
ou não residenciais, poderão ser alienados, no todo ou em parte, objetivamente con-
siderados, e constituirá, cada unidade, propriedade autônoma sujeita às limitações
desta Lei”54.
Com efeito, as incorporações construídas dentro de um único terreno su-
priam as exigências estabelecidas pela Lei 6.766 de que as residências contidas no
condomínio constituíam-se em propriedades autônomas, possibilitando aos novos
compradores a escritura de suas casas. Para Botelho (2007), é evidente que a pro-
dução e o consumo do espaço, assim como a urbanização, estão inseridos no amplo
processo de reprodução das relações de produção capitalistas, fenômeno que nos
possibilita compreender o modus operandi, pelo qual os pequenos investidores prio-
rizaram suas estratégias de acumulação capitalista.
Essa estratégia revela uma astúcia comumente empregada pelos agentes pri-
vados do setor da construção civil, os quais possuem ampla experiência na produção
de habitações voltadas aos mais diversos segmentos sociais. No entanto, encontra-
mos contradições nos casos pesquisados, tais como o tamanho da área construída
privativa que, no caso do Residencial Lago Azul, supera, e muito, o tamanho das
áreas privativas construídas nos residenciais produzidos pelas empresas privadas.
Além disso, gastos extras foram identificados, como uma proposta arquite-
tônica com acabamentos entre os padrões fino e médio para o embelezamento da
fachada, ou mesmo o paisagismo na área comum que consumiram grande parte do
dinheiro investido nos residenciais, sendo estes vendidos por valores iniciais inferio-
res aos verificados no primeiro caso, reduzindo a margem de lucro dos investidores.
54. BRASIL. Lei 4.591 de 16 de dezembro de 1964 dispõe sobre o condomínio em edificações e as incor-
porações imobiliárias. Brasília, 1964.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 195


Em seguida, na Tabela 2, sistematizamos informações sobre os cinco espaços
residenciais populares fechados produzidos pelas empresas privadas e pelos peque-
nos investidores.

Conclusão
Neste artigo, buscamos compreender a relação entre o processo de re-
estruturação produtiva e o aparecimento de novas formas de moradia, tendo
como pano de fundo a contextualização histórica do processo de produção do
espaço urbano três-lagoense. Identificamos, portanto, três momento em que a
produção do espaço teve destaque.
O primeiro momento se iniciou com a ocupação da cidade através da
construção da estrada de ferro, atraindo trabalhadores que se fixaram no local.
Embora Oliveira (2011) tenha constatado processos de diferenciações espa-
ciais e segmentação por renda, a análise morfológica nos permite afirmar que
neste primeiro momento houve uma ocupação territorial coesa.
O segundo marco da ocupação territorial de Três Lagoas foi caracteri-
zado pela construção da usina hidroelétrica que mobilizou um grande con-
tingente de trabalhadores e por seguinte, de moradores. Houve neste período
um processo de expansão territorial implicando na aceleração da segregação
residencial.
O terceiro momento, que perdura até os dias de hoje, foi marcado

196 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


pela industrialização que se iniciou mais timidamente na década de 1990 e
de uma industrialização mais agressiva dada a partir de 2006 com a constru-
ção de grandes empresas do setor de papel e celulose. Foi neste período que
identificamos o processo de reestruturação produtiva, quando o PIB relativo
à indústria superou os números estipulados pelo setor de serviço. A acelera-
ção do processo de industrialização em Três Lagoas se configurou como um
grande fenômeno de atração populacional, que alterou a dinâmica interna do
município e implicou em novas formas de produção do espaço urbano, como
a fragmentação residencial.
Esta leitura do espaço nos permite identificar períodos em que o desen-
volvimento da cidade se deu de forma diferenciada, no entanto, cumpre lembrar
que a análise da produção do espaço não se dá de forma linear e bem delimitada,
como apontamos neste artigo. O que fizemos foi um esforço metodológico para
compreender a produção do espaço em meio a sua construção histórica.
A chegada de novos moradores possibilitou a introdução de outras re-
lações de moradia, sobretudo aquelas inseridas no contexto da fragmentação
residencial, como os espaços residenciais fechados e os espaços residenciais
populares fechados que combinados a processos mais amplos como o acesso
ao financiamento imobiliário, constituíram em condições mais que favoráveis
para os agentes envolvidos na exploração do mercado imobiliário.
A produção dos ERPFEs se inseriu na lógica da ampliação do mercado
imobiliário três-lagoense. No entanto, sua localização desprivilegiada, associa-
da aos problemas da falta de infraestrutura e da baixa quantidade de serviços
oferecidos em sua proximidade, nos levou a compreensão de que os muros le-
vantados ao redor dos residenciais relacionam-se mais a elementos simbólicos
de “compensação mercadológica”, como mecanismo de convencimento para
a aquisição imobiliária, do que como barreiras físicas que limitam a conexão
entre o dentro e o fora, tal como se exercem nos espaços residenciais fechados,
tal como demonstrou Batista (2015).

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Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 199


DOURADOS-MS: EXPANSÃO
URBANA EXTENSIVA E IMPACTOS
SOCIOAMBIENTAIS

Mário Cezar Tompes da Silva

Introdução
Na primeira década e meia do século XXI, verificou-se no Município de
Dourados uma convergência de processos que ao estimular significativamente
as atividades do mercado imobiliário gerou simultaneamente um padrão de ex-
pansão urbana extensiva baseado, em boa medida, no crescimento horizontal
da cidade, responsável por uma contínua conversão de terra rural em urbana.
O objetivo que nos propomos nesse trabalho é, por um lado, identificar
e examinar os processos responsáveis pela promoção do crescimento urbano
extensivo, determinando os agentes envolvidos e as estratégias adotadas e, por
outro, investigar as repercussões sociais e ambientais produzidas por esse pa-
drão de crescimento urbano no contexto douradense.
O que aqui assumimos como expansão urbana extensiva corresponde
a um padrão de crescimento linear da cidade alicerçado na implantação de
novos empreendimentos residenciais unifamiliares e, em bem menor medida,
multifamiliares55 na forma de loteamentos, conjuntos habitacionais ou con-
domínios fechados horizontais que eventualmente, embora pouco frequente-
mente, podem também incluir usos comerciais e/ou de serviços.
Esse padrão de desenvolvimento urbano extensivo assume dois forma-
tos distintos: o crescimento contínuo e o crescimento descontínuo. O primei-
ro corresponde à adição de extensões ao espaço urbano já constituído, pro-
duzindo uma mancha urbana ininterrupta. O segundo toma a forma de uma
expansão fragmentada onde as novas ocupações apresentam-se desconectadas
espacialmente do corpo urbano principal (Panerai, 2014).
Aqui partimos do pressuposto de que não apenas os processos, mas tam-
bém as formas urbanas que eles geram, demandam atenção, já que diferentes
padrões de expansão apresentam balanços distinto de perdas e ganhos para a
comunidade. Como nos explica Ojima “o padrão de ocupação [...] deve ser
55. Corresponde a pequenas edificações de 2 a no máximo 4 andares, todas sem elevadores.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 201


entendido como um fator essencial para que esse crescimento possa se dar com
maior ou menor custo social” (2008, p. 47).
Por outro lado, assumimos que o correto desvendamento da expansão
urbana douradense somente pode ser alcançado se a compreendermos como
desdobramento do processo mais amplo de expansão e reestruturação da pro-
dução imobiliária brasileira, movimento que nos últimos anos vem reconfi-
gurando significativamente a maneira de produzir, consumir e se apropriar da
cidade.
Em outras palavras, ao perseguirmos o objetivo proposto realizaremos
um esforço a fim de apreendermos as particularidades presentes em nossa ci-
dade laboratório (Dourados onde se manifesta a expansão extensiva), sem nos
descuidarmos dos processos mais amplos gerados em escalas geográficas de
maior amplitude que ao atingirem o espaço douradense interagem com as pe-
culiaridades lá existentes, determinando manifestações próprias no processo
de crescimento extensivo, bem como nos impactos socioambientais por ele
desencadeados.
Desde o último quartil do século passado, Dourados apresenta-se como
o principal polo do Mato Grosso do Sul meridional. Na condição de segun-
do maior centro urbano do Estado, o Município totaliza um contingente de
212.870 habitantes (IBGE, 2015). Sua economia assenta-se no agribusiness
organizado em torno de lavouras tecnificadas (soja, milho e cana de açúcar)
e de projetos integrados de avicultura e suinocultura. Esse conjunto de ativi-
dades funciona em íntima integração a um parque agroindustrial em rápido
processo de expansão e diversificação.
Seu papel de polarizador regional alicerça-se ainda na sua condição de
importante centro prestador de serviços nas esferas bancária, educacional e da
saúde, na existência de um expressivo comércio varejista e atacadista, além de
abrigar órgãos diversos da administração pública estadual e federal.
Nos últimos quinze anos (2000-2015) verificaram-se transformações
relevantes, em escala local/regional e nacional, que favoreceram uma expressi-
va expansão da demanda por produtos imobiliários no mercado douradense.
Uma mudança que ganhou destaque foi a expansão e diversificação do
agribusiness regional através do intenso processo de expansão, sobretudo a par-
tir de 2008, da agroindústria canavieira e, atrelada a ela, das lavouras de cana
de açúcar, não apenas no Município de Dourados, mas igualmente em sua re-
gião de influência. Tal processo foi capitaneado por grandes conglomerados
internacionais (Bunge e Born, Adecoagro, Louis Dreyfus Comodities etc.) e

202 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


nacionais (Raizen, Tonon, Odebrecht etc.) que implantaram em Dourados e
Municípios vizinhos treze novas plantas industriais para produção de etanol,
açúcar e geração de energia (Castilho, 2013. p. 59). O vigor desse processo
evidenciou-se com a implantação célere de doze das trezes plantas industriais
no curto período de cinco anos (2008-2013) (Figura 1).

Tais transformações no perfil do agribusiness além de dinamizarem a


base produtiva rural, desencadearam também consequências que repercuti-
ram e pressionaram o mercado imobiliário douradense. Esse conjunto de usi-
nas de açúcar e álcool implantado na região trouxe consigo um contingente de
cargos especializados (gerentes, gestores e técnicos) que, em parte, optaram
por residir em Dourados a fim de usufruir sua condição de principal e mais
bem-dotado polo urbano do Mato Grosso do Sul meridional (escolas, ensino
superior, rede de assistência médica, abastecimento, terminal aéreo etc.).
Ainda na escala local outro fator que repercutiu com intensidade so-
bre a dinamização do mercado imobiliários foi a implantação em 2006 da
Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. Essa iniciativa, ao
se somar a três outras instituições de ensino superior pré-existentes56 com
projetos de expansão em andamento no período examinado, consolidou o
56. Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul – UEMS; Centro Universitário da Grande Dourados – UNI-
GRAN; Faculdade Anhanguera Dourados - FAD

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 203


papel do Município como polo universitário com capacidade de atração não
apenas de profissionais docentes e pesquisadores, mas, sobretudo, de um ex-
pressivo contingente de alunos da região de influência imediata e também
de Estados vizinhos.
Esse novo e numeroso coletivo populacional introduzido pela agroin-
dústria canavieira em expansão, multiplicado pela criação de uma instituição
de ensino superior de porte57 e complementado pelo dinamismo natural do
agribusiness baseado nos grãos (soja-milho) e nos projetos integrados (suino-
cultura e avicultura) já mencionados, converteu-se rapidamente em demanda
por produtos imobiliários.
No entanto, o processo de produção do espaço urbano douradense ba-
seado no crescimento extensivo foi o resultado não apenas do surgimento des-
sa demanda numerosa manifesta localmente, mas da convergência dela com
movimentos de maior envergadura desencadeados no mesmo período em es-
cala nacional.
Dentre esses movimentos cabe destacar o processo de transformações
macroeconômicas decorrentes da implantação do Plano Real (1994) que ao
estabilizar a economia possibilitou mudanças significativas no setor imobili-
ário brasileiro. A primeira alteração decorrente do processo de estabilização
verificou-se no decorrer dos anos 2000 com a redução da taxa de juros e uma
ampliação substancial do crédito imobiliário58 .
Nesse contexto, também ganhou relevância a criação do Sistema Finan-
ceiro Imobiliário - SFI que estabeleceu regras favoráveis aos credores.59 Um
outro marco particularmente relevante na sucessão de transformações recen-
tes foi o processo de reestruturação do setor imobiliário que promoveu, a par-
tir de 2005, a abertura de capital das empresas de construção civil na bolsa de
valores. Um estudioso da matéria ao abordar esse processo destaca:

Ponto de inflexão nas históricas trajetórias dos capitais imobiliários


pode ser auferido com a abertura de seus capitais na Bolsa de Valores de
São Paulo/BR, alterando estruturalmente suas formas de atuação sobre
a produção do espaço urbano. Dentre várias destas alterações destaca-se
aqui a formação de bancos de terras urbanos (land banks) cada vez mais
57. Conforme dados obtidos pelo autor na própria instituição, a UFGD reunia em dezembro de 2015 um total de
6.906 alunos; 550 professores e 940 técnicos administrativos (UFGD + Hospital Universitário).
58. A taxa básica de juros que até 2003 oscilava em torno de 23% a/a. foi estabilizada, a partir de 2003, abaixo de
20% a/a, atingindo 8,65% em 2009. Já o crédito utilizado para a construção e aquisição de imóveis evoluiu de R$ 5,8
milhões em 2000 para R$ 49,7 em 2009 (SILVA et alli, 2012 )
59. O SFI estabeleceu a alienação fundiária que facilita a retomada do imóvel em caso de inadimplência do mutuário.

204 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


extensos em termos de metros quadrados [...] chama a atenção o con-
trole cada vez mais extenso sobre estoques de terrenos e os movimentos
de seus preços ao longo do tempo (MELAZZO, 2013, p. 02)

Tais iniciativas sinalizam para uma crescente financeirização do pro-


cesso de produção do espaço urbano, e, embora esse seja um processo mais
frequente em realidades metropolitanas, é, porém, cada vez mais presente tam-
bém em centros urbanos de médio porte. Isso se dá, tanto pela atuação direta
nas cidades médias de grandes grupos nacionais (empresas incorporadoras/
loteadoras) com capital aberto na bolsa, como pela adoção de práticas destas
últimas pelos agentes imobiliários locais, a exemplo da constituição dos ban-
cos de terras urbanos.
Uma quarta mudança com repercussões importantes sobre o setor imo-
biliário correspondeu à implantação em 2009 de medidas anticíclicas que re-
sultaram na expansão de crédito para a política habitacional através do lan-
çamento do Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV. Essa iniciativa,
ao priorizar, particularmente em cidades de porte médio como Dourados, a
implantação de extensos conjuntos habitacionais horizontalizados, contribuiu
para expandir a demanda por terra urbanizável e desempenhou o papel de po-
tente vetor da urbanização.
Estes movimentos mais amplos, em sinergia com as dinâmicas locais já
mencionadas, repercutiram com força no espaço local douradense, viabilizan-
do, não somente uma demanda solvável e a ampliação da oferta de produtos
imobiliários, mas sobretudo, funcionando como catalisadores da expansão ur-
bana.
A interação dos processos locais e extra locais nos esclarece sobre a di-
nâmica que gerou o crescimento urbano, porém o processo de urbanização
não apresenta o mesmo padrão socioespacial em todos os lugares, portanto,
cabe ainda questionar: no caso específico de Dourados, o que define o padrão
particular de urbanização extensiva e seu conteúdo social?
Embora a existência de disponibilidade de capital ou de um sistema de
crédito robusto seja estratégica para a dinamização do setor imobiliário, ela,
no entanto, só possui a capacidade de determinar o grau de intensidade da
ação do setor imobiliário. Por si só, ela não é capaz de definir os padrões socio-
espaciais do crescimento urbano (Gottdiener, 1993).
As configurações específicas dos padrões socioespaciais em cada lugar
são determinadas pelo que Gottdiener denomina de redes de crescimento. Elas

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 205


constituem uma associação entre os diversos agentes diretamente envolvidos
com os interesses imobiliários ou que orbitam a esfera imobiliária – proprie-
tários fundiários, loteadores, corretores imobiliários, construtoras, incorpo-
radores, políticos locais, representantes do capital financeiro etc. Todos esses
distintos agentes “estão ligados por uma ‘sólida coincidência de interesses’ em
promover o crescimento” (Gottdiener, p. 219. 1993). Virtualmente qualquer
segmento social, até mesmo trabalhadores da construção, através de seus sindi-
catos ou especuladores individuais podem aderir a essas redes.
Dessa forma, a maior parte do processo de crescimento urbano é mais o
resultado da atuação de redes de crescimento do que da ação isolada de empre-
sas construtoras/incorporadoras, loteadores ou agentes financeiros. Por outro
lado, estas redes necessitam justificativas e costumam lançar mão da ideologia
do desenvolvimento e do crescimento que gera empregos para se afirmarem
(Gottdiener, 1993).
Na atuação dessas redes o componente político possui um peso não des-
prezível. Entre suas características destaca-se que:

são amiúde coalizões público-privadas [...] que abrangem também


elementos do trabalho organizado [...] as atividades das redes de cres-
cimento envolvem tanto a intervenção direta do Estado quanto uma
certa relação política [...]. O governo local necessita de legitimação
política, por isso é sensível às reivindicações do cidadão. Se por acaso
a oposição ao crescimento aumentar a um nível suficiente, pode [...]
afetar a capacidade das redes de crescimento de atingirem seus objeti-
vos. Nesse sentido, as redes de crescimento não são meros manipulado-
res econômicos do espaço, mas são compelidas pelo processo político
(GOTTDIENER, 1993, p. 221).

Por outro lado, os diferentes segmentos dentro dessas redes podem ado-
tar estratégias distintas e nem sempre compatíveis, o que pode gerar embates
contenciosos em seu interior. Tais conflitos eventualmente ocorrem também
entre os agentes integrantes das redes e as forças anti crescimento (movimen-
tos ambientalistas, por exemplo), embora com frequência essas redes operem
sem oposição externa.
A atuação dessas redes de crescimento encontra-se assim sujeita a confli-
tos e negociações entre os contendores internos e, também, destes com os ad-
versários externos. A composição e o peso dos diferentes agentes, assim como

206 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


suas ações e conflitos, assumem formatos distintos em cada lugar específico.
São essas combinações variáveis que determinam as intervenções no espaço
urbano e desenham os padrões socioespaciais particulares a cada processo de
urbanização.
São essas circunstâncias que, em Dourados, encontram-se por trás da
produção do padrão de urbanização extensiva. Especificamente no contexto
douradense, a atuação dessa rede envolve práticas especulativas e uma regula-
ção pública permissiva em sintonia com os interesses do crescimento, contri-
buindo para gerar custos sociais e ambientais que penalizam sobremaneira os
estratos mais empobrecidos da população.
Aqui, partimos do pressuposto da existência de uma permanente intera-
ção entre os processos da sociedade e da natureza. A fim de expressar essa inte-
ração optamos pela utilização do conceito de ambiente, conforme formulado
por Suertegaray que enfatiza a ideia de “transfiguração da natureza pela prática
social” (Suertegaray, 2009, apud. Souza, 2015 p. 162).
Ao aprofundar o entendimento da categoria ambiente no contexto ur-
bano, Souza nos explica que:

Mais propriamente, o ambiente urbano, produto da urbanização, cons-


titui um cenário transfigurado em que o funcionamento de diferentes
componentes dos sistemas naturais presentes no sítio urbano encontra-
-se subvertido. Como exemplos, podem ser citadas as perturbações: nas
relações entre a infiltração, o escoamento superficial e a drenagem fluvial
das águas; na qualidade e na circulação do ar; no balanço de radiação
e na temperatura do ar, dentre outros (LOLLO; RÖHM, 2009). [...]
Desse modo, o ambiente urbano não compreende apenas a natureza
alterada pela cidade, sendo essencialmente pluritemático. Na visão de
Rodrigues (1998), tal ambiente tem início com a apropriação da natu-
reza e suas modificações, passando a compreender desde o sítio urbano
até as edificações. Inclui também a memória, as representações, as nor-
mas jurídicas e toda a sorte de problemas e contradições que decorrem
de sua dinâmica sócio-produtiva. O ambiente urbano é, de tal forma,
fruto ou materialização de um modelo de sociedade (2015, p 162).

É importante ressaltar que na interação entre as dinâmicas sociais e na-


turais, a natureza ao ser impactada pela incidência das intervenções da socieda-
de, desencadeia, em resposta, desdobramentos que repercutem, quase sempre

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 207


problematicamente, no contexto social, originando os problemas ambientais.
Aqui, é importante destacar dois aspectos. Inicialmente, o fato de que é
a atuação dos processos sociais que, ao incidirem e alterarem a natureza, são os
responsáveis pela geração dos problemas ambientais. Em segundo lugar, os im-
pactos decorrentes da degradação do sistema natural atingem desigualmente
os diferentes segmentos da sociedade, afetando mais incisivamente as parcelas
de mais baixa renda da sociedade urbana.
Em Dourados, são os movimentos desencadeados por uma rede de
agentes comprometidos com o crescimento dos negócios imobiliários os res-
ponsáveis por um processo extensivo de expansão urbana que tende a transfor-
mar os espaços rurais e periurbanos em loteamentos espraiados.
Essa modalidade de expansão do espaço urbano é responsável pela in-
tensificação do uso de recursos naturais escassos. A multiplicação dos lotea-
mentos extensivos promove não apenas o aumento do consumo do solo, mas
ao ampliar a distância dos deslocamentos induz também um maior consumo
de energia.
Outros desdobramentos desse padrão de urbanização extensiva é o au-
mento, frente à precariedade do transporte coletivo, da utilização do trans-
porte individual para os deslocamentos e a consequente elevação das emissões
de gases poluentes (CO2). Por fim, as distâncias crescentes e a intensificação
paulatina do tráfego, decorrentes desse padrão de urbanização, só tendem a
agravar essas tendências.

Rede de Crescimento: Urbanização Extensiva e Segrega-


ção Socioespacial
O processo de urbanização extensiva em Dourados é movido por uma
rede de agentes diversos (loteadores, construtoras, corretores imobiliários,
proprietários fundiários, especuladores individuais, poder público, agentes
financeiros) comprometida com o crescimento da cidade. Todos esses inte-
grantes estão empenhados na implantação de empreendimentos imobiliários.
Esse empenho é motivado pelos ganhos que a urbanização extensiva
propicia para os envolvidos na rede: loteadores e construtoras auferem lucros,
os proprietários fundiários usufruem a renda da terra, os gestores públicos re-
forçam sua legitimidade ao apoiar a dinamização da economia local, os inte-
resses de corretores imobiliários e especuladores diversos também são contem-
plados.
Porém, embora haja uma comunhão de interesses entre esses diversos

208 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


agentes, é necessário reconhecer que nem todos dispõem da mesma capaci-
dade de ação e decisão na promoção do crescimento da cidade e da urbani-
zação extensiva. Entre os vários integrantes da rede de crescimento é possível
distinguir um núcleo que concentra poder e reúne mais meios de promover
intervenções no espaço urbano. A rede possui um core que é constituído pelas
empresas loteadoras e construtoras.
Em Dourados, os integrantes desse núcleo duro não são homogêneos,
apresentam escala de atuação, estratégias e portes distintos. É possível diferen-
ciar, ao menos, três grupos diversos.
O primeiro reúne as empresas integrantes de grandes grupos com escala
de atuação nacional e mesmo internacional, incluindo empresas imobiliárias
financeirizadas (com capital aberto na bolsa) ou não. Em Dourados, desta-
cam-se a Rodobens Negócios Imobiliários S.A60 , Alphaville Urbanismo S.A61
e o grupo Plaenge62 .
A atuação desses grandes grupos introduziu inovações no mercado imo-
biliário local. Dado seu elevado nível de capitalização dilataram o prazo de
financiamento em até 120 parcelas, as empresas locais estavam habituadas a
trabalhar com financiamento até 30 meses. Introduziram lançamentos mais
agressivos com publicidade intensa e de melhor padrão. Além de treinamento
para corretores da cidade com base nas características específicas de seus em-
preendimentos.
Porém, a inovação de maior impacto desses grandes grupos foi a intro-
dução de nova forma urbana com a implantação dos condomínios horizontais
fechados de alto padrão e requintadas áreas de lazer integradas.
É importante aqui enfatizar o poder dessas grandes empresas de modifi-
car os hábitos locais. Suas ações mudaram a concepção de loteamento, a forma
de morar. Essas empresas tiveram de quebrar dois paradigmas. O primeiro diz
respeito ao fato de não haver ainda em Dourados a cultura de residir em lotea-
mentos fechados. O segundo a relutância de habitar em loteamentos fechados
60. A Rodobens Negócios Imobiliários S.A é uma incorporadora fundada na década de 70 com capital aberto desde
2007, atuando na implantação de condomínios fechados de médio e alto padrão. Mais recentemente passou a focar
também condomínios fechados para o mercado de mais baixa renda. Integrante do Grupo Rodobens que reúne em-
presas nos segmentos de varejo automotivo, serviços financeiros e imobiliários. Situa-se em 12a colocação no Ranking
ITC 2016 das 100 maiores construtoras brasileiras.
61. Empresa de capital aberto com atuação expressiva em empreendimentos horizontais, bairros planejados e núcleos
urbanos. Teve seu controle assumido em 2013 pelos grupos de investimento Blackstone e Patria Investimento
62. Empresa de capital fechado fundada na década de 70, atualmente o grupo Plaenge atua nos segmentos de incor-
poração residencial (Plaenge e Vanguard Home), projetos e montagens industriais (Emisa Plaenge) e loteamentos
(Urbplus Desenvolvimento Urbano). Desde 2009 iniciou seu processo de internacionalização com a constituição
da Plaenge no Chile. No ranking ITC 2016 das 100 maiores construtoras do Brasil, ocupa a posição de 13a maior
construtora nacional.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 209


distantes, em alguns casos desconectados do espaço urbano.
O lançamento dos primeiros empreendimentos enfrentou a resistência
da população à proposta de viver intramuros, pagar condomínios, se subme-
ter às normas de um empreendimento de convivência coletiva. Isso era sobre-
maneira verdadeiro, sobretudo para os originários da cidade, os douradenses
tradicionais.
A estratégia adotada pelas grandes empresas de fora para superar a re-
sistência foi focar as vendas em grupos de profissionais liberais bem-sucedidos
originários de centros maiores já familiarizados com a forma condomínio fe-
chado. Só após algum tempo, com o sucesso e a valorização imobiliária apre-
sentados pelos primeiros empreendimentos, é que se tornou possível dissemi-
nar a nova forma de morar para o público local mais amplo. No presente, a
nova forma urbana condomínio fechado encontra-se consolidada no mercado
imobiliário local. Porém, persiste ainda resistência relativamente aos condo-
mínios distantes e desconectados do espaço urbano. O paradigma de residir
distante e descolado do espaço urbano demandará mais tempo para ser plena-
mente aceito pelo mercado local.
Por outro lado, os novos condomínios fechados transformaram-se em
um instrumento indutor da expansão urbana extensiva. Na porção norte da
cidade, eles funcionam no presente como um verdadeiro dínamo do cresci-
mento urbano estendido. Nessa região, a área residencial mais nobre da cidade
havia interrompido sua expansão ao se deparar com uma barreira natural: o
fundo de vale do Córrego Laranja Doce.
Em 2008, a Plaenge, atuando em parceria com a Vectra Construtora
Ltda (Maringá-PR), implantou o primeiro empreendimento na outra margem
do córrego (Condomínio Ecoville primeira etapa)63 , após bancar a implan-
tação de uma ponte para cruzar o fundo de vale e uma via pavimentada de
acesso ao novo assentamento. Estava aberta mais uma frente de expansão ur-
bana. Na sequência, foram implantados a segunda etapa do Ecoville64 e mais
dois novos condomínios - Porto Madero65 (2014), Porto Seguro66 (2015). No
presente, encontra-se na fase de projeto o quinto condomínio fechado para a
região. Aqui, os condomínios são a vanguarda da urbanização e na sua esteira
seguiram-se mais dois novos loteamentos abertos - Altos da Boa Vista (2013)
e Jardim das Palmeiras (2015).
63. O condomínio Ecoville primeira etapa foi implantado com 255 lotes. 
64. O Ecoville segunda etapa foi implatado com 198 lotes.
65. O Porto Madeiro foi implantado com 541 lotes.
66. O condomínio Porto Seguro foi implantado com 270 lotes.

210 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Apesar da barreira representada pelo fundo de vale do Córrego Laran-
ja Doce, essa expansão manteve um padrão de continuidade urbana, apre-
sentando-se como a extensão natural da área residencial nobre adjacente e
encontrando-se relativamente próxima à área central da cidade (4 Km). Já a
intervenção da Alphaville Urbanismo ao implantar seu empreendimento – o
condomínio fechado Terras Alphaville67 (2013) - e situá-lo muito além dos
limites do espaço urbano, produziu um fragmento urbano desconectado da
cidade já consolidada, introduzindo uma tendência a um padrão de expansão
urbana descontínua e fragmentada.
É importante enfatizar que esse novo formato urbano baseado no con-
domínio horizontal fechado terminou tornando-se um parâmetro reproduzi-
do em versões mais modestas a fim de atender também os segmentos de menor
poder aquisitivo da população o que potencializou seu efeito de vetor alimen-
tador da expansão urbana extensiva. Como nos explica um autor, a forma con-
domínio horizontal fechado

dinamiza e orienta os processos de estruturação urbana, pois passa a ser


o parâmetro para o padrão de consumo do espaço urbano. Assim, passa
a representar um modelo de consumo difundido entre diversas camadas
sociais. O mercado imobiliário já passa a direcionar investimentos para
consumidores diversificados através de empreendimentos que vão desde
R$ 30 mil até R$ 3 milhões (EMBRAESP, 2006 apud Ojima, R. p. 52)

Em Dourados essa realidade fica evidenciada pela iniciativa da Rodo-


bens Negócios Imobiliários que ao implantar em 2013 o empreendimento
Moradas Dourados – condomínio fechado com clube privado e um total de
604 unidades habitacionais - direcionou-o para os estratos de menor renda
da população. Distintamente dos condomínios de alto padrão que oferecem
lotes urbanizados, aqui o empreendimento foi entregue com casas prontas –
residências geminadas de 40 m2, vendidas a preço popular.
Como resultado da atuação dos grandes grupos imobiliários nacionais
na cidade, o novo formato baseado no condomínio horizontal fechado disse-
minou-se e hoje é reproduzido por empresas imobiliárias locais em parceria
com construtoras de fora. Essa nova forma urbana atua de maneira crescente
como vetor da urbanização extensiva. Existem atualmente sete condomínios
67. O Condomínio Terras Alphaville foi implantado com 604 lotes.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 211


implantados68 (mais sendo projetados) que já disponibilizaram ao mercado
novos 3.115 lotes residenciais e expandiram em 2.063.657 m2 o espaço urba-
nizado de Dourados.
Um segundo grupo de empresas integrantes do core da rede de cres-
cimento em Dourados corresponde a incorporadoras/loteadoras majorita-
riamente de origem e atuação local/regional cuja ação encontra-se focada na
implantação de loteamentos abertos convencionais.
Apesar de empresas de porte mais modesto, de organização societária
por responsabilidade limitada e escala de atuação geográfica mais restrita, so-
bretudo quando comparadas com os grandes grupos nacionais examinados
anteriormente, são muito mais numerosas e já incorporaram algumas práticas
típicas das empresas financeirizadas, particularmente a constituição de banco
de terras.
Em Dourados, além da utilização do banco de terras, as loteadoras ado-
tam também a prática de realização de parcerias com proprietários de glebas
para a implantação de novos loteamentos. Essa modalidade vem ganhando a
preferência das empresas loteadoras locais na medida que lhes evita a desca-
pitalização na aquisição da terra. Nestas parcerias, os ganhos auferidos com a
negociação dos lotes são repartidos na proporção aproximada de 40% para o
proprietário e 60% para o agente loteador, na medida que este último assume
a responsabilidade de implantação da infraestrutura prevista na legislação69 ,
a doação da área institucional para a Prefeitura, além de arcar com os custos
de publicidade para a venda dos lotes. Mas os ganhos para os loteadores são
compensadores, atingindo no mínimo 35% do capital investido. Abaixo dessa
rentabilidade o investimento torna-se pouco atraente em função de equiparar-
-se às aplicações no setor financeiro.
Tendo em vista os ganhos auferidos, a maior parte das loteadoras no
mercado douradense são capitalizadas e bancam o financiamento direto a seus

68. Além dos três empreendimentos já mencionados anteriormente (lançados por grandes grupos imobiliários nacio-
nais), foram implantados também outros quatro através de parcerias entre construtoras regionais e incorporadoras
locais: Em 2008, o Golden Park com 225 lotes da Neopar Participações e Empreendimentos Ltda. (Campo Grande-
-MS) e Fábio Frantz Incorporadora (Dourados-MS); Em 2013, o Green Park com 420 lotes da São Bento Incorpo-
radora (Naviraí-MS); Em 2014, o Porto Madero com 541 lotes da Vectra Construtora Ltda. (Maringá-Pr) e Corpal
Incorporadora e Construtora (Dourados-MS). Em 2015, o Porto Seguro com 270 lotes da Vectra Construtora Ltda.
(Maringá-PR), Corpal Incorporadora e Construtora (Dourados-MS) e Protenge Urbanismo (Londrina-PR).
69. O Plano Diretor do Município exige para aprovação dos loteamentos que os mesmos sejam dotados das seguintes
infraestruturas: rede de água tratada, rede de energia elétrica, rede de esgoto, iluminação pública, pavimentação, guia
e sarjetas, rede de captação de agua pluvial e arborização

212 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


clientes. Em geral os adquirentes pagam uma entrada que varia de 10% a 15%
do valor total do lote. Com relação ao financiamento, as empresas trabalham
com três modalidades distintas: prestações atualizadas pelo IGPM mais 1%;
prestações fixas e reajuste apenas pelo IGPM. O parcelamento pode atingir até
150 meses.
O custo para implantação do rol de infraestruturas exigidas por lei é
coberto com o pagamento das entradas e das prestações iniciais quitadas pelos
compradores.
A comercialização dos lotes frente à conjuntura favorável da última
década e meia (2000-2015), às oportunidades de financiamentos oferecidas
e à existência de uma significativa demanda por produtos imobiliários, tem
frequentemente se revelado um bom negócio. O universo dos demandantes
de lotes é amplo e não se resume apenas aos que adquirem esse produto na
condição de valor de uso – para fins de moradia, também envolvem aqueles
que manipulam o produto lote na sua condição de valor de troca. Neste último
caso, temos os especuladores individuais que adquirem de uma a três unidades
para usufruir ganhos com a valorização do produto e sua venda futura.
Esse coletivo de empresas loteadoras funcionou como o dispositivo
mais eficiente de conversão de terra rural em espaço urbano, em outras pa-
lavras foram os principais promotores da urbanização extensiva. Foi a ação
reiterada desses agentes imobiliários a responsável por 86% da totalidade do
novo espaço urbano produzido no período aqui examinado. Isso representou
a incorporação à cidade de mais 17.971.915 m2, através da implantação de 65
loteamentos e a disponibilização de novos 23.698 lotes urbanizados.
O último grupo de empresas integrantes do core da rede de crescimento
douradense corresponde às empresas construtoras envolvidas com a implan-
tação dos conjuntos de habitação de interesse social destinadas à população
com a faixa de renda de até 3 salários mínimos. Essas empresas de organiza-
ção societária por responsabilidade limitada têm sua sede na capital do Estado
(Campo Grande) e apresentam uma escala de atuação regional70 . As constru-
toras douradenses por seu porte mais modesto participam apenas periferica-
mente desse processo com empreendimentos de menor dimensão.

70. Em geral atendem as demandas do mercado de construções do Mato Grosso do Sul. Na atualidade, entre as mais
atuantes, em Dourados, destacam-se a L.C. Braga Consultoria e Engenharia Ltda., ENGEPAR Ltda., VBC Engenha-
ria Ltda., COPLAN – Construções e Planejamento, Indústria e Comércio Ltda.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 213


Em Dourados, o efeito da atuação dessas empresas na condição de
demandantes de glebas para implantação dos conjuntos de habitação social
tem contribuído para reproduzir mecanismos alimentadores da urbanização
extensiva. Nos últimos 16 anos (2000-2015), suas intervenções implantaram
8.105 unidades residenciais. Isso representa uma média anual de 506, 5 re-
sidências por ano, um quantitativo claramente insuficiente para suprir a de-
manda da mencionada faixa de renda. Segundo o Plano Local de Habitação
de Interesse Social do Município, haverá necessidade de se produzir um total
de 12.211 moradias no período entre 2012-2026, ou seja, uma média anual de
872 unidades. O que vem se produzindo não alcança dois terços do previsto.
Embora não seja suficiente para suprir as necessidades habitacionais dos
estratos de mais baixa renda, a demanda de glebas para a implantação desses
conjuntos habitacionais apresenta capacidade para impactar o mercado imo-
biliário e aguçar a especulação fundiária. Essa valorização especulativa da terra
urbana, sobretudo das mais bem localizadas e/ou dotadas de infraestrutura,
induz as empresas construtoras a ocuparem as opções mais afastadas e carentes
de infraestruturas, por serem também as menos onerosas. Configura-se assim,
mais um mecanismo alimentador do crescimento urbano extensivo.
A ação dessas empresas configurou assim mais um instrumento indutor
do crescimento urbano extensivo. No período aqui analisado foram implanta-
dos 33 conjuntos habitacionais, totalizando 8.105 unidades residenciais, sen-
do acrescentados 2.793.969 m2 ao estoque de solo urbanizado.
Frente às diversas possibilidades disponibilizadas pelo mercado imobili-
ário, a urbanização de terras rurais encontra-se entre as que melhores chances
de ganho oferece para os agentes imobiliários. Conforme nos explica Souza “a
diferença, em termos de valor de troca, entre a terra rural e a terra urbana, faz
com que sua conversão seja um negócio extremamente lucrativo” (2015, p. 164).
Em Dourados, o preço médio da terra rural é de R$ 25.000,00/ha, o que
equivale a R$ 2,50 o m2, enquanto o preço médio da terra urbana alcança R$
400,00 o m2. Assim, essa última multiplica por 160 vezes o valor da primeira71
. Porém, é necessário esclarecer que as terras rurais ao serem incluídas no perí-
metro urbano têm seu valor aumentado, mesmo mantendo suas características
rurais. Nesse caso, o preço da terra pode atingir patamares em torno de R$
750.000,00 a 1.000.000,00 o hectare (R$ 75,00 a 100,00 o m2) nos locais mais
71. Preços de mercado praticados no segundo semestre de 2016.

214 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


próximos às infraestruturas urbanas. Na medida que as terras no interior do
perímetro afastam-se dessas infraestruturas seu preço reduz-se até equiparar-se
ao valor da terra rural convencional. Mesmo levando em conta essas circuns-
tâncias, ainda assim os ganhos dos loteadores são expressivos.
A fim de garantir a chance de usufruir esses ganhos, os três grupos de
empresas integrantes do core da rede deve assegurar a permanente possibili-
dade de conversão de terras rurais em terras urbanas. Nesse sentido, é indis-
pensável que o perímetro urbano apresente a extensão necessária de forma a
assegurar um estoque suficiente de terra rural com disponibilidade para ser
convertida em urbana.
No entanto, desde o início da década passada os agentes imobiliários
que constituíam a vanguarda do crescimento vinham enfrentando um obstá-
culo de monta. Entre 2001 a 2008, uma gestão municipal comprometida em
combater a grande quantidade de vazios urbanos para fins especulativos, segu-
rou a expansão do perímetro urbano. Nesse período, as ampliações realizadas
foram pontuais e sempre compensadas com recuos da mesma dimensão da
área estendida em outras porções do perímetro, de maneira que este último
mantivesse constante a extensão total.
Desde então, o poder público municipal vem sendo alvo de pressões cres-
centes dos agentes pró-crescimento (imobiliárias, construtoras, proprietários
fundiários etc.) visando a flexibilização do perímetro. Posteriormente, uma nova
gestão municipal em busca de legitimar-se como agente fomentador do desen-
volvimento, articulou-se com os interesses imobiliários e converteu-se em mais
um elo da corrente do crescimento72 . Como resultado, através da Lei 3.480 de
30/09/2011, o perímetro urbano passou por notável ampliação: Foi estendido
de 81,4 km2 para 210,8 Km2, ou seja, sua extensão foi multiplicada por mais de
duas vezes e meia (Figura 2). Nova dilatação do perímetro, dessa vez para aten-
der especificamente interesses de proprietários fundiários que tiveram parcelas
de suas propriedades excluídas da primeira extensão, foi aprovada pela Lei 3.844
de 24/11/2014, elevando a extensão total para 215,7 Km2.
72. Nesse sentido, é esclarecedor do espírito de comunhão de propósitos entre poder público e investidores imobili-
ários que inspirou a expansão do perímetro as matérias publicadas na imprensa da época: “Uma das grandes preocu-
pações do prefeito Murilo Zauith é ampliar as opções de investimentos em Dourados. Uma das ações é a ampliação
ordenada do perímetro urbano, para facilitar a instalação de novas empresas. ‘O investidor terá mais interesse em
montar o seu empreendimento no município e a prefeitura terá condições de organizar essa ocupação’, explicou o
secretário municipal de Planejamento, Antônio Nogueira” http://www.progresso.com.br/cidades/cem-dias-projeto-
-vai-ordenar-crescimento-do-perimetro-urbano-de-dourados

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 215


Eliminou-se assim o entrave que dificultava uma fluidez satisfatória na
realização dos negócios imobiliários, especialmente os baseados na implanta-
ção de novos loteamentos. Subitamente foram disponibilizados para empresas
loteadoras, construtoras e incorporadoras 129,4 km2 de terras rurais passíveis
de serem convertidas em urbanas, e mais os ganhos que essa conversão propi-
cia.
Outra iniciativa nesse mesmo período ampliou as perspectivas de ga-
nhos para empresas loteadoras e construtoras ao mesmo tempo em que impul-
sionou ainda mais o processo de expansão urbana extensiva. Uma atualização
realizada em 2012 na Lei de Uso e Ocupação do Solo73 , reduziu o tamanho
mínimo de lotes de conjuntos para habitação social implantados por políticas
públicas de 220 m2 para 200 m2. Simultaneamente, através da criação da mo-
dalidade denominada loteamento social privado, possibilitou que os empreen-
dimentos particulares que se enquadrassem nessa nova categoria diminuíssem
de 360 m2 para 200 m2 a dimensão mínima de seus lotes. Os loteamentos pri-
vados convencionais também foram contemplados com a redução do tamanho
mínimo do lote de 360 m2 para 300 m2. Essa medida atendeu, sobremaneira, a
conveniência das empresas construtoras e loteadoras proporcionando-lhes um
melhor aproveitamento do seu insumo mais dispendioso: a terra urbana. Isso
representou maiores retornos para os envolvidos, além de fornecer combustí-
vel para acelerar a urbanização extensiva através da multiplicação de loteamen-
73. Lei Complementar n0 205 de 19/10/2012, dispõe sobre o zoneamento, uso e ocupação do solo e o sistema viário
no Município de Dourados.

216 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


tos unifamiliares de lotes exíguos destinados à baixa renda.
A sinergia desses fatores (a ampliação do perímetro urbano, os ganhos
decorrentes da urbanização de terras rurais e de seu fracionamento em parcelas
menores) com uma conjuntura favorável de oferta de crédito, a expansão local
da demanda por produtos imobiliários além da atuação engajada dos integran-
tes de uma rede de crescimento foi decisiva para acelerar o atual processo de
expansão urbana extensiva em Dourados.
Conforme era previsível, o ritmo de aprovação de novos loteamentos
intensificou-se após a bem-sucedida articulação que resultou na dilatação do
perímetro urbano douradense. Do total de 98 loteamentos aprovados no pe-
ríodo 2000-2015, quase metade – 43% (42 empreendimentos) – obteve sua
aprovação entre 2011 a 2015. Dos 20.883.350 m2 de terras rurais loteadas du-
rante os dezesseis anos analisados, 46,6% (9.739.064 m2) foram apenas nos
últimos cinco anos daquele intervalo temporal. Finalmente, dos 31.803 lotes
lançados naqueles 16 anos, nada menos de 60% (19.069 lotes) foram no perí-
odo 2011-2015 (Tabela 01).

Embora a expansão urbana extensiva tenha tomado impulso a partir de


2011, não se deve subestimar a atuação dos agentes imobiliários no decorrer

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 217


de todo o período analisado, quando a ação destes últimos resultou na urbani-
zação de 9,9% do total de terras do extenso perímetro urbano de 2011. Nesse
período, foram 98 loteamentos implantados que resultaram na produção de
novos 20,88 Km2 de espaço urbano (Figura 3).
Ainda um aspecto importante a ser destacado é que a realização do pro-
cesso de expansão urbana extensiva em Dourados, sob a batuta dos agentes
pró-crescimento, reproduz tradicionais padrões de confinamento da habita-
ção social nas bordas periféricas do espaço urbano, em geral as regiões menos
dotadas de serviços urbanos e as mais afastadas das áreas de concentração de
empregos na cidade. Nesse movimento também reafirma, e por vezes apro-
funda, tendências de segregação dos diferentes estratos sociais no espaço da
cidade. Trata-se de um arranjo urbano marcado por evidentes desigualdades
socioespaciais.

Conforme é possível constatar na Figura 4, os 33 conjuntos habitacio-


nais sociais implantados por programas públicos diversos e os 18 loteamentos
sociais privados aprovados no período aqui examinado concentram-se majori-
tariamente nas bordas do espaço urbano. Uma novidade nesse processo é que
as novas formas urbanas (condomínios fechados) introduzidas pelas grandes
empresas com atuação nacional, passaram a deslocar também a classe média
para as extremidades do espaço urbano.

218 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Um caso particularmente ilustrativo de como a urbanização extensiva
sob o comando dos agentes pró-crescimento reforça a desigualdade socioespa-
cial, ao mesmo tempo em que gera segregação, é a atual tendência de concen-
tração dos conjuntos de habitação social e de loteamentos sociais privados na
porção sudeste da cidade, ao longo da rodovia MS-156 que serve de acesso ao
Distrito Industrial do Município; certamente uma das regiões mais desprovi-
das de serviços urbanos da cidade.
Nessa porção sudeste foram implantados oito loteamentos sociais e sete
loteamentos sociais-privados. Isso acarretou a implantação de novos 7.497
lotes para abrigar uma população reconhecidamente carente, o que significa
uma estimativa de introdução de novos 29.988 moradores74 . A fim de atender
às múltiplas demandas desse expressivo contingente por serviços, encontra-se
disponível nessa região um conjunto muito acanhado de equipamentos ur-
banos (uma escola de nível fundamental, uma creche de pequeno porte e um
único posto de saúde).

Os Impactos no Meio Ambiente


A atuação dos agentes constituintes da rede de crescimento, em espe-
cial os que integram o core dessa rede, ao focar preferencialmente a conversão
da terra rural em terra urbana, em função dos ganhos mais elevados que ela

74. Essa estimativa baseou-se em uma família com quatro integrantes.

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 219


possibilita, promove em Dourados o padrão de urbanização extensiva. Tal pa-
drão, no entanto, encontra-se em aberta contradição com as diretrizes mais
contemporâneas do urbanismo sustentável que se pautam na concepção da
cidade compacta.
Isso fica evidenciado quando verificamos os pressupostos contidos no
conceito de cidade compacta:

Este modelo difere bastante dos modelos de expansão urbana até então
dominantes, centrando-se na densificação e na intensificação urbana,
na definição de limites ao crescimento urbano e incentivando o desen-
volvimento do uso misto da ocupação do solo e da utilização de trans-
portes públicos colectivos e formas de acessibilidade não motorizada
(ALVES, 2011, p. 19)

A ideia de cidade compacta promove, portanto, um modelo de urba-


nização baseado na contenção do crescimento extensivo das cidades, na pro-
moção do adensamento e da mistura dos usos do solo urbano o que propicia a
proximidade entre residências, serviços, abastecimento e emprego. Isso resul-
ta na redução da necessidade de deslocamentos motorizados, possibilitando
a moderação do consumo energético (combustível fóssil) e a diminuição da
emissão de gases tóxicos. Para tanto, a proposta prioriza a locomoção baseada
nas modalidades de transporte coletivo, alternativo (cicloviário) e pedestria-
nismo, tornando menos necessário o transporte motorizado individual.
Os empreendimentos imobiliários que dilatam o urbano em Dourados
produzem efeitos opostos aos recomendados pela sustentabilidade. Estrutu-
ram-se em unidades habitacionais unifamiliares isoladas nos lotes, gerando um
padrão de ocupação horizontalizado de baixa densidade. Tal arranjo favorece à
maior extensão das áreas ocupadas e aumenta as distâncias a serem percorridas.
A baixa densidade demográfica associada aos percursos mais extensos eleva o
custo do transporte coletivo, reduzindo sua oferta. Dessa forma, dada à pre-
cariedade, nesses loteamentos, dos modais de transporte coletivo75 e à escassa
infraestrutura de transporte alternativo, há uma indução ao uso do transpor-

75. Embora Dourados conte no presente com 212.870 habitantes (IBGE, 2016), a estrutura de transporte coletivo
disponibiliza apenas 58 ônibus distribuídos entre 19 linha intraurbanas e 05 que servem os Distritos. Em geral, os
ônibus não adentram os novos loteamentos e os residentes têm que se deslocar até alguma via fora do loteamento para
acessar um ponto de ônibus.

220 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


te motorizado individual (carro e motocicleta). Um sintoma dessa situação
revela-se quando verificamos a evolução do contingente de automóveis de uso
individual no Município que foi ampliado de 41.573 em 2011 para 62.133
veículos em 201576 . Um acréscimo de 20.560 unidades em um breve período
de quatro anos.
A indução para o uso do transporte individual é agravada pelo fato de
que os loteamentos implantados, em sua ampla maioria, caracterizam-se pela
monofuncionalidade, ou seja, são exclusivamente residenciais, não dispondo
de usos comerciais nem de serviços, sejam públicos (posto de saúde, creches,
escolas etc.) ou privados (agências bancárias, lojas de conveniência, escritó-
rios etc.). Tampouco comportam empregos. Seus moradores são obrigados a
deslocarem-se para usufruir dessas atividades no centro ou em outras partes da
cidade.
O resultado dessa convergência de circunstâncias é o agravamento do
consumo energético baseado em combustível fóssil e da emissão de gases tó-
xicos e outras substâncias na atmosfera - monóxido de carbono CO, óxido de
nitrogênio NOx, dióxido de carbono CO2, dióxido de enxofre SO2, material
particulado etc. Nesse sentido, pesquisa recente ao avaliar a qualidade do ar
da cidade com base na medição de material particulado inalável77 , constatou
uma concentração desse material superior ao previsto na legislação. Segundo
Santos “com os cálculos de médias aritméticas anuais foi encontrado para a
concentração final o valor de 61,42 µg/m3. Sendo que o CONAMA 03/90
institui que a concentração do poluente não deve ultrapassar 50 µg/m3 para
média anual” (2014, p. 138).
Por outro lado, o padrão de urbanização extensiva promovida pelos in-
tegrantes da rede de crescimento apresenta ainda outros tipos de repercussão
sobre o meio ambiente. A referida modalidade de expansão urbana impacta
sobremaneira os recursos naturais, pressionando e comprometendo ecossiste-
mas naturais e promovendo a subtração de solo agrícola produtivo.
Em decorrência da forte presença da atividade agropecuária em desen-
volvimento no território municipal os ecossistemas originais já se encontram
bastante comprometidos, restringindo-se atualmente a algumas áreas de fun-

76. Dados obtidos diretamente na Agência Regional de Trânsito de Dourados-MS


77. “São partículas de material sólido ou líquido que ficam suspensas no ar, na forma de poeira, neblina, aerossol,
fumaça, fuligem etc. e faixa de tamanho < 10 µm” (SANTOS, 2014 p. 14).

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 221


do de vale (Figura 05). São nessas áreas que se localizam alguns remanescentes
florestais e verifica-se a presença restrita de representantes da fauna original.
A expansão dos loteamentos ameaça reproduzir nesses ecossistemas o
que, no presente, ocorre com os fundos de vale situados no interior do espaço
urbano douradense: retificação e canalização dos leitos, remoção ilegal da mata
ciliar, lançamento de esgoto clandestino, descarte irregular de entulho e lixo
domiciliar etc. Por outro lado, a ampliação do sistema viário que acompanha
os novos loteamentos cria o efeito barreira que afeta sobretudo a fauna pre-
sente nestes ecossistemas. No presente, a marcha urbana engolfou as nascentes
e passou a pressionar os fundos de vale dos córregos São Lourenço, Aroeira,
Laranja Azeda e da Lagoa. Todos incluídos no interior do perímetro urbano
expandido. A definição dos fundos de vale no Plano Diretor do Município
como Zonas Especiais de Interesse Ambiental apresentou até aqui escassa efi-
cácia no sentido de coibir as agressões mencionadas.

A urbanização extensiva significa também a eliminação de solo agricul-


tável. Especificamente no Município de Dourados isso implica na supressão de
solos particularmente férteis (latossolos vermelhos distroférricos) que deixam
de servir ao propósito da produção agrícola para serem convertidos em espaço
urbano. Além de gerar outros agravantes, como nos alerta Alves

o solo é um recurso escasso e a [...] alteração da estrutura do solo podem

222 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


implicar perturbações ao nível do normal funcionamento dos sistemas
biofísicos. Alguns dos impactos mais evidentes são a perda de permeabi-
lidade do solo, possíveis interferências na estabilidade dos terrenos e pos-
síveis interferências no funcionamento do sistema hídrico (2011, p. 17)

Por outro lado, embora os novos loteamentos que se multiplicam atual-


mente sejam razoavelmente bem-dotados de infraestruturas é possível perce-
ber que parcela das infraestruturas implantadas não apresenta características
sustentáveis. Isso é particularmente verdadeiro para a drenagem pluvial. Os
loteamentos adotam a solução convencional para o escoamento das águas plu-
viais, ou seja, a canalização subterrânea e despejo das águas captadas nas bacias
hidrográficas mais próximas.
O escoamento canalizado das águas pluviais juntamente com a maior
impermeabilização dos solos decorrente da urbanização termina por multipli-
car a vazão dos corpos hídricos para onde são destinadas as águas captadas. O
aumento da vazão das bacias urbanas em função destes fatores pode ser multi-
plicado por mais de seis vezes, ao mesmo tempo em que reduz a possibilidade
de evapotranspiração, infiltração e recarga do lençol freático, além da signi-
ficativa redução do tempo de retenção das águas na bacia (Tucci, 2003). O
resultado dessa solução convencional de drenagem é provocar inundações a
jusante dos pontos de despejos.
O sistema de drenagem convencional apresenta ainda o inconveniente
extra de contribuir para a poluição das águas ribeirinhas. Segundo nos explica
um estudioso dessa questão:

O impacto sobre a qualidade da água é resultado do seguinte: (a) polui-


ção existente no ar que se precipita junto com a água; (b) lavagem das
superfícies urbanas contaminadas com diferentes componentes orgâni-
cos e metais; (c) resíduos sólidos representados por sedimentos erodi-
dos pelo aumento da vazão (velocidade do escoamento) e lixo urbano
depositado ou transportado para a drenagem; (d) esgoto cloacal que
não é coletado e escoa através da drenagem (Tucci, p. 36, 2003).

Nos locais já comprometidos com soluções mais sustentáveis, o siste-


ma de drenagem convencional baseado na lógica de escoar as águas pluviais o
mais rapidamente possível já foi substituído por técnicas de reduzir a vazão a
jusante através de múltiplas intervenções que favorecem a infiltração e redução

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 223


do fluxo de vazão das águas nas bacias fluviais. São vários as possibilidades dis-
poníveis: pisos permeáveis, áreas de infiltração para receber as águas de áreas
impermeáveis, sumidouros, detenções e retenções.
Em Dourados, o aumento da vazão decorrente da canalização da dre-
nagem pluvial para os cursos hídricos tem provocado problemas de inun-
dação não apenas em Dourados - em particular no bairro Cachoeirinha, o
mais impactado por essa situação – mas também nas cidades circunvizinhas
situadas à jusante e banhadas pelo rio Dourados onde desaguam os córregos
receptores do significativo volume de água pluvial do espaço urbano doura-
dense (Figuras 6).
Frente à crescente impermeabilização do solo, também a área cen-
tral, sobretudo trechos da avenida principal – Marcelino Pires – sofre com
alagamentos periódicos (Figura 7). Esses problemas verificam-se no perío-
do de maior concentração de chuvas (novembro a março), principalmente
quando ocorrem precipitações superiores aos 60 mm em um período de
24 horas. Em uma consulta ao banco de dados da Estação da Embrapa
Agropecuária Oeste – Dourados78 , constatamos que em um período de
cinco anos (2010-2915) ocorreram 15 dias com precipitação acima de 60
mm durante 24 horas.

78. Site Guia Clima – Embrapa Agropecuária Oeste: http://www.cpao.embrapa.br/clima/?lc=site/banco-dados/


construtor-basico

224 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


Outro problema relacionado à drenagem pluvial convencional é o impacto
que redes mal planejadas causam ao despejar as águas canalizadas nos leitos dos
córregos. Isso, em geral, ocorre quando as tubulações que despejam as águas cap-
tadas são mal posicionadas, situadas em um nível bem mais elevado do que o do
curso d’água, promovendo processos erosivos no leito desses corpos hídricos.
As consequências decorrentes da adoção exclusiva de uma solução conven-
cional de drenagem apresentam um evidente viés social. As inconveniências decor-
rentes de inundações e alagamentos afetam apenas lateralmente os segmentos mais
bem posicionados socioeconomicamente que, em geral, enfrentam problemas
com relação a sua mobilidade. As mais graves consequências recaem sobre os extra-
tos de mais baixa renda que têm suas residências inundadas, sofrem com perdas de
mobiliário, a remoção e exposição ao risco de doenças diversas.
Além da rede de drenagem pluvial, uma outra infraestrutura urbana que
apresenta característica de baixa sustentabilidade é a rede de abastecimento de
água tratada. Nas cidades brasileiras, como regra, o sistema de abastecimento de
água, em função de sua precariedade, antiguidade ou insuficiência de manutenção,
apresenta a tendência de uma elevada taxa de perda de água. Essa situação tende a
se agravar com a urbanização extensiva. Isso ocorre porque conforme nos explica
Ojima “em função das maiores extensões da rede de abastecimento proporciona-
das pelo crescimento das áreas a serem atendidas, as chances de que essas perdas
ocorram aumentam proporcionalmente, sobretudo nos países em desenvolvimen-
to” (2008 p. 54).
Em Dourados esse problema manifesta-se de forma particularmente grave.
Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS
referentes ao período 2001 a 2013 (Tabela 02), a rede de distribuição de água trata-

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 225


da de Dourados apresentava perdas de mais da metade da água distribuída, atingin-
do o recorde de desperdício em 2006, quando perdeu quase 60% do total da água
que circulava em suas tubulações. Embora seja possível constatar uma tendência
de queda das perdas a partir de 2007, chegando a atingir um índice de desperdício
de 48,52% em 2012, verificamos uma sinalização de retomada de crescimento das
perdas em 2013 quando o índice flexiona para 48,69%. Embora haja necessidade
de demonstração categórica da relação dessa retomada com a expansão da implan-
tação de loteamentos, sobretudo a partir da ampliação do perímetro urbano, há
uma boa probabilidade de causa e efeito entre esses dois fatos.

Tais impactos sobre os recursos naturais e o ambiente de forma mais geral


são o resultado da ação dos integrantes da rede de crescimento que ao promove-
rem um processo de produção do espaço da cidade alicerçado na disseminação
da urbanização extensiva são os responsáveis pelo processo de transfiguração da
natureza. Nesse movimento geram danos que embora comprometam o bem-
-estar do conjunto da sociedade local, penalizam com maior veemência os seg-
mentos socialmente mais fragilizados da comunidade douradense.

Conclusão
Os integrantes da rede de crescimento em Dourados encontram-se en-
gajados na promoção da expansão imobiliária não por algum compromisso
atávico com o crescimento em si, mas porque é através dele que se torna pos-
sível acessar os ganhos decorrentes da reprodução do capital. E em Dourados,
dado circunstâncias locais específicas, o crescimento viabiliza-se, em grande

226 Walter Guedes da Silva e Paulo Fernando Jurado da Silva (orgs.)


medida, por intermédio da urbanização extensiva.
Por outro lado, embora o processo de urbanização extensiva em Doura-
dos apresente desempenho satisfatório em dotar os novos empreendimentos
imobiliários de infraestrutura básica, não supera, antes reafirma, outras maze-
las crônicas da urbanização brasileira como a segregação, o déficit de serviços
públicos, as desigualdades socioespaciais e os impactos no meio ambiente ur-
bano.
As diretrizes e os instrumentos do Estatuto da Cidade que tantas expec-
tativas positivas suscitaram como meio de superar as mazelas da segregação e
das desigualdades socioespaciais, expectativas corroboradas, no caso específico
de Dourados, por um Plano Diretor fortemente ancorado nos desideratos do
Estatuto, foram inúteis para evitar a reiteração ou mesmo o recrudescimento
daquelas e outras mazelas no urbano douradense.
Embora as vicissitudes mencionadas sejam antigas, há, em algumas, ori-
ginalidades na sua manifestação presente. No caso específico da segregação so-
cioespacial, a novidade é que ela ao intensificar-se apresenta também um novo
conteúdo. Não se trata apenas de segregação dos estratos de baixa renda, mas
também da autosegregação da alta renda em condomínios horizontais fecha-
dos.
Outro ineditismo é que essa nova forma urbana, materializada nos con-
domínios, migra para as franjas urbanas e para além, deslocando os segmentos
de alta e média renda que os habita para as extremidades do espaço urbano.
Um fato novo para a realidade de uma cidade média como Dourados que, no
entanto, expressa apenas a reprodução tardia de um processo já característico
da realidade metropolitana brasileira.
Por último, em Dourados, as perturbações no meio ambiente ocasiona-
das pela urbanização extensiva deixaram de ser majoritariamente o resultado
da periferização da pobreza, agravada pela ausência de infraestruturas, para se
tornarem crescentemente o corolário da forma espacial peculiar assumida pelo
crescimento urbano extensivo. Ou seja, um padrão de urbanização estendida
ancorado na reprodução de loteamentos preponderantemente unifamiliares,
monofuncionais e de reduzida densidade demográfica. Trata-se de uma confi-
guração espacial responsável por gerar desperdício energético e emissão de ga-
ses poluentes na atmosfera urbana, além de pressionar recursos naturais vitais,
através do consumo excessivo de solo rural

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 227


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a20v55n4.pdf

Mato Grosso do Sul: integração e desenvolvimento urbano-regional 229


PEQUENO HISTÓRICO DA CAPA DO LIVRO

A CIDADE É AZUL

Heron Zanatta

Com 130cm x 100cm denominada A cidade é azul, a capa deste livro


é a reprodução de óleo sobre tela, obra que trata da abstração urbana, datada
de 2011. Da reinvenção de outros signos e da ruptura com a temática regional
predominante no cenário artístico de Mato Grosso do Sul é que construo meus
passos. Esta obra é uma parte desse universo.
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Esta obra foi composta em Garamond Premier


Pro, criada por Claude Garamond em 1530
impressa em papel Offset em janeiro de 2017.

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