Você está na página 1de 180

na real. Mesmo sem ejaculação, agora conhecia como era um O tempo foi passando no meu desajeito adolescente.

As saias
orgasmo peniano, para comparar com o meu e simulá-lo. Por caindo. a maquiagem borrando. as cólicas da "monstruação" igno­
volta dos três anos eu já era um menino. Mas só eu sabia. Com radas e os socos na parede viraram os murros que dava no mundo,
certeza, aquele pedaço de carne teria facilitado minha vida para extravasando uma realidade negada ao meu redor. A impotência
ser compreendido como tal. Hoje, transvelho, sei que não foi isso me dominava fosse para mudar meu corpo, para me defender
que me fez homem para mim e para os outros. das acusações do tal "pecado original", por não ter passado pela
Esse episódio marcante nunca mais se repetiu. Mesmo sa­ pia batismal ou nos momentos intensos das precoces paixões por
bendo que ele escondia as revistinhas em cima do alto armário meninas, sempre unilaterais e irreveladas.
e que eu podia ter acesso a elas quando quisesse, sempre o fiz Por mais que olhasse minhas irmãs e as admirasse. não con­
sozinho. Embora me excitasse, nunca me masturbei. Acredito que seguia entender o que tinha de bom em ser mulher. Como elas
por não ser da forma ali desenhada e a que eu realmente queria. conseguiam?
Minha primeira masturbação só aconteceria aos dezessete anos, Ainda aos catorze anos acompanhei uma delas à casa de uma
dormindo, como numa descoberta por acaso. quando levei a mão amiga. Áurea, que aniversariava. Não a conhecia, embora fosse
à genitália. guiado por um sonho erótico, e acordei gozando. Foi uma reunião só para os íntimos. Ela completava 24 anos e estava
uma sensação única e que não parou mais. Mais tarde, no meu terminando o curso de História.
consultório como psicólogo, usava as fantasias masturbatórias dos Me apoiava em pé, sozinho. encostado num canto de parede,
clientes como parâmetros fidedignos para entender a sexualidade observando. como de costume. os ambientes estranhos. Ao ser.
de uma pessoa. apresentado à dona da festa. como irmã da sua amiga. ela aper­
Não me lembro de sentir ojeriza ao meu sexo, mas só o tocava tou forte a minha mão e. sem largá-la, deu um breque, deixando
no banho por causa da higiene. Nada me atraía nele. Nem sequer escapar:
o examinava para saber direito como era. Bastava estar ali para já - Mas que olhos lindos e pestanudos você tem! - Evidente
me comprometer no que eu nunca fui: uma menina. Era a prova que percebera o meu "desengojeito" masculino e desconfortá­
que só "desprovava" o que eu era. vel. Senti, pela primeira vez, que tinha encantado alguém com a
Durante a ditadura militar. já com meu pai no exílio no Uru­ minha figura.
guai, conheci Darcy Ribeiro. Ele me trouxe os antropó_logos cul­ Ela era alegre. tocava violão. cantava com os amigos. e depois
turalistas da década de 1960. Fui descobrindo que o complexo de dar a primeira fatia do bolo para uma "amiga especial". me
de Édipo não era universal. como evidenciavam os estudos dos levou para um canto da varanda. Engrenamos uma conversa es­
comportamentos dos povos primitivos. Em cada tribo. existiam clarecedora e uma das mais marcantes que tive.
expressões de gênero diferentes. Não se podia "essencializar" as - Você já ouviu falar na palavra homossexual?
condutas sexuais humanas. nem mesmo o "indiscutível" instinto Diante da minha negativa, explicou-me de forma simples e
materno ou mesmo as várias conotações do que é ser velho. amorosa. mas deixando explícito que se tratava de algo proibido e

28 29

Você também pode gostar