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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade De Educação

MARIANE BOLINA

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO


NA REDE MUNICIPAL DE SOROCABA: CAMINHOS E RUPTURAS

CAMPINAS
2020
MARIANE BOLINA

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Programa de Mestrado Profissional em Educação
Escolar da Faculdade de Educação da
Universidade Estadual de Campinas como parte
dos requisitos exigidos para a obtenção do título
de Mestra em Educação Escolar, na área de
concentração Educação Escolar.

Orientador: JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DE DISSERTAÇÃO DEFENDIDA


PELA ALUNA MARIANE BOLINA, E ORIENTADA PELO PROF. DR. JOSÉ CLAUDINEI
LOMBARDI.

CAMPINAS
2020
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO


NA REDE MUNICIPAL DE SOROCABA: CAMINHOS E RUPTURAS

Autora: MARIANE BOLINA

COMISSÃO JULGADORA:
José Claudinei Lombardi
Marcos Roberto Lima
Raquel de Almeida Moraes

A Ata da Defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de
Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

2020
Dedico este trabalho a todos os educadores que
buscam incessantemente compreender os
caminhos mais adequados ao alcance de uma
alfabetização desenvolvente.
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu filho Caio, com quem аmо partilhar а vida, pelo encanto
inocente, pelo envolvimento com este trabalho, pelo encorajamento e, sobretudo, pela
capacidade de me trazer paz, alegria e esperança…

Agradeço ao meu amado pai Oswaldo (in memoriam), pela devoção às filhas
e, mesmo longe, iluminar os meus pensamentos…

Agradeço à minha amada mãe Letícia, por toda a sua dedicação com minha
formação humana, por seu amor profundo e preocupações constantes...

Agradeço aos meus parceiros de trabalho e amigos Sandro e Sâni, por


dividirem comigo os desafios e as alegrias do cotidiano escolar e por me ajudarem
tanto nesse momento do Mestrado…

Agradeço a toda a equipe da EM “Prof. Basílio da Costa Daemon” pela


confiança, incentivo e longa trajetória juntos em direção e defesa constantes à
educação pública de qualidade…

À minha amiga Fabiana, pela confiança, por dividir comigo as alegrias e


tristezas, estando sempre ao meu lado, inclusive entre as pausas de capítulo е outro,
melhorando tudo о qυе tenho produzido nа vida... E até mesmo sendo companheira
do meu filho Caio nas diversas noites em que estive em na UNICAMP…

À minha amiga Margareth pelo incentivo para que eu entrasse no Mestrado,


por encontrar sempre o meu potencial, pela admiração recíproca nas ações
educativas e por estar sempre pronta a ajudar, filosofar e dividir compreensões do
mundo...

Agradeço à oportunidade de estudar na UNICAMP, sendo a melhor e mais


consistente formação da minha experiência acadêmica e humana...

Agradeço aos amigos que fiz na trajetória do Mestrado, pela experiência dе


υmа produção compartilhada, marcada por anseios reais da luta diária na escola
pública…

Ao meu querido orientador, José Claudinei Lombardi, pelo apoio, sabedoria,


indicações teóricas, confiança e ensinamentos que levarei para sempre…
A todos os meus familiares e amigos que me apoiaram e torceram pela
realização desta conquista…

Agradeço à Secretaria da Educação de Sorocaba que por meio do seu comitê


de análise de trabalhos acadêmicos, tornou possível a realização deste mestrado e
desta dissertação…

Agradeço ao trabalho primoroso da servidora pública Fani Ramos, que mantém


e organiza todo o acervo histórico da Secretaria da Educação de Sorocaba, sendo a
sua iniciativa e os seus cuidados fundamentais para a realização desta pesquisa e
análise documental...
A relação entre teoria e prática é a questão
fundamental e, mais do que isso, é o elemento
definidor da pedagogia.
SAVIANI, 2019.
RESUMO

Sabe-se que a conquista da alfabetização e o letramento das crianças durante o ciclo


de alfabetização representa ainda um desafio a ser superado em âmbito nacional e
que envolve razões de diversas e interligadas ordens (políticas, econômicas, sociais
e educacionais) para uma compreensão dialética, histórica e crítica. No entanto, foi
priorizado neste trabalho, o olhar acerca do papel que as políticas públicas exercem
na formação do professor e no direcionamento das ações pedagógicas. Ao considerar
que a formação constitui-se como elemento fundante da prática pedagógica - sendo
produto e processo que perpassa os saberes dos professores - analisou-se nesta
pesquisa, o percurso das políticas públicas de alfabetização no Brasil verificando seus
efeitos, adesões e recusas no movimento de suas implementações na rede municipal
de Sorocaba. Para tanto, a pesquisa desenvolveu-se por meio de estudos teóricos,
estatísticos e documentais acerca da alfabetização, culminando na elaboração da
(re)construção histórica dos processos formativos da rede no período de 2001 a 2018,
identificando nesse período as concepções e o lugar que as ações formativas,
relacionadas à alfabetização, ocupou. Como referencial filosófico e metodológico de
análise, foram utilizados os pressupostos do Materialismo Histórico e Dialético, as
contribuições da Pedagogia Histórico-Crítica e da Teoria Histórico-Cultural. A partir
das reflexões possibilitadas nesta pesquisa, espera-se contribuir para a defesa do
investimento em políticas públicas de formação que priorizem as superações dos
desafios educacionais postos à alfabetização, visando aclarar a função da escola na
perspectiva fundante do ensino dos conteúdos clássicos e da identificação das formas
mais adequadas para o seu desenvolvimento.

Palavras-chave: Alfabetização. Letramento. Políticas Públicas. Formação


Continuada.
ABSTRACT

It is known that the achievement of literacy and children's literacy during the literacy
cycle still represents a challenge to be overcome at the national level, which involves
reasons of diverse and interconnected orders (political, economic, social and
educational) for a dialectical understanding, historical and critical. However, in this
work, the focus on the role that public policies play in teacher training and in directing
pedagogical actions was prioritized. When considering that the formation constitutes
as a founding element of the pedagogical practice - being the last product and process
that permeates the knowledge of the teachers - this research analyzed the path of
public policies to literacy in Brazil, verifying its effects, adhesions and refusals in the
movement of the implementations of the municipal network of Sorocaba. For this, the
research was developed through theoretical, statistical and documentary studies about
literacy, culminating in the elaboration of the historical (re) construction of the network's
formative processes (2001 - 2018), identifying in this period the conceptions and the
place that the training actions related to literacy occupied. As a philosophical-
methodological framework of analysis, the assumptions of Historical-Dialectic
Materialism, the contributions of Historical-Critical Pedagogy and Historical-Cultural
Theory were used. Based on the reflections made possible by this research, it is
expected to contribute to the defense of investment in public training policies that
prioritize overcoming the educational challenges posed to literacy, aiming to clarify the
role of the school in the founding perspective of teaching classical content and
identification of the most appropriate ways for its development.

Keywords: Literacy. Literacy Public policy. Continuing Formation.


LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Níveis de Alfabetismo no Brasil Conforme o INAF (2001 – 2018) .......18


Tabela 2 – Taxa de Reprovação (%) da Rede Municipal de Sorocaba (RM) e da
Rede Estadual no Município de Sorocaba (RE) ...................................19
Tabela 3 – Alunos Matriculados nos Anos Iniciais ................................................ 20
Tabela 4 – Números Totais de Crianças Retidas ................................................. 20
Tabela 5 – Dados Históricos (%) do Nível de Leitura dos Alunos da Rede Municipal
de Sorocaba ao Término do Ciclo de Alfabetização Aferidos pela
Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA, 2013 – 2014 – 2016) ....... 21
Tabela 6 – Dados Históricos (%) do Nível de Escrita dos Alunos da Rede Municipal
de Sorocaba ao Término do Ciclo de Alfabetização Aferidos pela
Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA, 2013 – 2014 – 2016) ..... 22
Tabela 7 – Número de Alunos Matriculados nos Anos Iniciais em Sorocaba de 1999
a 2018 ...................................................................................................26
Tabela 8 – Trajetória da Taxa de Alfabetização nos Censos ................................73
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Escala de Proficiência em Leitura – ANA ........................................... 22


Quadro 2 – Escala de Proficiência em Escrita – ANA ........................................... 23
Quadro 3 – Métodos de Alfabetização ................................................................... 81
Quadro 4 – Políticas Públicas de Formação em Alfabetização ............................. 91
Quadro 5 – Propriedades do Sistema de Escrita Alfabético ................................ 126
Quadro 6 – Seis Consoantes do Alfabeto Português que Começam com o Fonema
que o Nome da Letra Representa ......................................................132
Quadro 7 – Seis Consoantes do Alfabeto Português que Contém o Fonema em
Posição Medial em Relação ao Nome da Letra .................................132
Quadro 8 – Três Consoantes do Alfabeto Português que Mantém seu Fonema em
Relação ao Nome da Letra apenas em Determinados Contextos
Linguísticos ........................................................................................133
Quadro 9 – Cinco Vogais do Alfabeto Português que Mantém seu Fonema
Representado Apenas na Forma Oral e não Nasal .......................... 134
Quadro 10 – “Relações Regulares Fonema-Grafema - Consoantes” .................... 139
Quadro 11 – “Relações Regulares Contextuais - Consoantes” ............................. 139
Quadro 12 – “Relações Irregulares Fonema-Grafema - Consoantes” ................... 140
Quadro 13 – Padrões Silábicos da Língua Portuguesa em Ordem Decrescente de
Frequência .........................................................................................141
Quadro 14 – BLOCO I – Implementações realizadas pela SEDU por meio convocação
............................................................................................................145
Quadro 15 – BLOCO II - Implementações viabilizadas pela SEDU, porém opcionais
.................... ........................................................................................................... 153
Quadro 16 – Conjunto das Formações pelos Principais Períodos de Transição ..…158
LISTA DE SIGLAS

ANA Avaliação Nacional da Alfabetização


AVA Ambiente Virtual de Aprendizagem
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CB Ciclo Básico
CEALE Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
CENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
CF Constituição Federal
CRE Centro de Referência em Educação
EF Ensino Fundamental
EM Escola Municipal
FDE Fundação para o Desenvolvimento da Educação
FE Faculdade de Educação
HTP Hora de Trabalho Pedagógico
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica
INAF Indicador de Alfabetismo Funcional
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
MEC Ministério da Educação
MP Mestrado Profissional
OP Orientador (a) Pedagógico (a)
PEB I Professor de Educação Básica I
PEB II Professor de Educação Básica II
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PDE Programa de Desenvolvimento da Escola
PME Plano Municipal de Educação
PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
PPP Projeto Político-Pedagógico
PROFA Programa de Formação de Professores Alfabetizadores
RAEA Reunião de Avaliação de Ensino e Aprendizagem
RE Rede Estadual
RM Rede Municipal
SEA Sistema de Escrita Alfabética
SEDU Secretaria da Educação de Sorocaba
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UnB Universidade de Brasília
UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura.
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 16

O OBJETO DA PESQUISA ...................................................................................... 16


O PERCURSO METODOLÓGICO ........................................................................... 29

1 . ALFABETIZAÇÃO: DOS PRIMEIROS CONTATOS À UMA INTENSA DEFESA


DE VIDA ................................................................................................................... 33

2 . O DILEMA DA ALFABETIZAÇÃO E DO LETRAMENTO NO BRASIL .…....... 68


2.1. A alfabetização e o letramento para poucos: que dados históricos temos? ....... 68

2.2. A abrangência do direito à alfabetização e a guerra dos métodos: quais os


caminhos? ................................................................................................................. 74
2.3. O que revela a escolha dos termos alfabetização e letramento? ....................... 84

2.4. A história das políticas públicas de formação em alfabetização no Brasil: avanços


ou retrocessos? ......................................................................................................... 90

3. A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA COMO FUNDAMENTO PARA PENSAR A


FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR .............................................. 104

3.1 Saberes fundamentais ao professor alfabetizador na perspectiva da Pedagogia


Histórico-Crítica ...................................................................................................... 112
3.1.1 A linguagem enquanto fenômeno social ……………………..…………. 114

3.1.2 A linguagem enquanto fenômeno técnico e específico da Língua


Portuguesa e a alfabetização enquanto objeto de ensino ………....…………124

4. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO NA REDE MUNICIPAL DE


SOROCABA ........................................................................................................... 143

CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................169

REFERÊNCIAS .......................................................................................................172

ANEXOS ..................................................................................................................183
16

INTRODUÇÃO

Nesta introdução propõe-se a delimitação do objeto de pesquisa, bem como


dos procedimentos metodológicos utilizados. Para tanto, serão apresentadas duas
seções: na primeira, será discorrido o tema da pesquisa, sua relevância e
problematização e, na sequência, serão apresentados os pressupostos filosóficos e
metodológicos de análise do estudo.

A consciência dos problemas é um ponto de partida necessário para se


passar da atividade assistemática à sistematização; do contrário, aquela
satisfaz, não havendo razão para ultrapassá-la. Contudo, captados os
problemas; eles exigirão soluções; e, como os mesmos resultaram das
estruturas que envolvem o homem, surge a necessidade de conhecê-las do
modo mais preciso possível, a fim de mudá-las; para essa análise das
estruturas, as ciências serão um instrumento indispensável (SAVIANI; 2008,
p.87).

O OBJETO DE PESQUISA

Esta pesquisa está inserida no universo temático da educação em língua


materna, tendo como eixo central a alfabetização e o letramento, com foco na
formação continuada de professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF)
da rede municipal de Sorocaba, aprofundando-se para isso, nos estudos das políticas
públicas voltadas à alfabetização no Brasil.
Compreende-se a educação pública brasileira como uma conquista histórica,
particularmente reconhecida como direito humano universal a partir da Constituição
Federal (CF) de 1988, apresentando-se como “direito de todos e dever do Estado e
da família”, “visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (artigo 205 da CF/1988).
Muito antes disso, desde a colonização do nosso país no século XVI, às primeiras
manifestações de educação enquanto aculturamento com fins totalmente religiosos, -
seguida por uma história marcada pela divisão de classes e por diversas segregações
e exclusões - caminhamos vagarosamente, mas bravamente enquanto nação para
uma educação para todos e todas como obrigação formal do Estado, enquanto direito
público subjetivo de acesso e permanência.
17

Desde então, a partir apenas de 1988, compete ao Poder Público recensear os


educandos na educação básica, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou
responsáveis, pela frequência à escola.
A elevação dos níveis de escolaridade da população e a garantia do acesso e
permanência na escola pública representa uma conquista histórica para a educação
brasileira e para a sociedade como um todo, no entanto, embora essa seja uma
conquista ainda a ser defendida, cuidada e mantida, ainda estamos distantes do
aprofundamento conceitual, dos entendimentos didáticos e dos alcances de um
efetivo aproveitamento escolar, a começar pelo campo da alfabetização, considerada
por Martins e Dangió (2018) como função nuclear da escola na garantia ao acesso de
todos aos demais conhecimentos historicamente acumulados em nossa sociedade
letrada.
Assim, como mostram inúmeros estudos, Saviani (2013), Soares (2008), Morais
(2012), Ferraro (2002), Marsiglia (2015), Martins (2015), Mortatti (2014), Dangió
(2018), Francioli (2012), as políticas governamentais e pesquisas acadêmicas sobre
alfabetização e letramento intensificaram-se nos últimos anos, tendo em vista os altos
índices de fracasso escolar que ainda possuímos nos primeiros anos voltados à
alfabetização de nossas crianças e, também, dos indicadores posteriores de
alfabetização e letramento dos nossos jovens e adultos.
Dados recentes, obtidos por meio do Indicador de Alfabetismo Funcional – INAF
(2018)1 – sugerem que ao longo de mais de uma década houve uma significativa
redução do número de analfabetos, caindo de 12%, em 2001-2002 para 4% em 2015,
embora os dados desta última edição sinalizem uma inflexão nessa tendência,
indicada por um novo aumento desse patamar em 2018. Ao longo dos anos, houve
redução da proporção de brasileiros que conseguem fazer uso da leitura, da escrita e
das operações matemáticas em suas tarefas do cotidiano apenas em nível rudimentar
(de 27% em 2001-2002 para um patamar estabilizado de pouco mais de 20% desde
2009). Indivíduos classificados nesses dois níveis de alfabetismo compõem um grupo
denominado pelo INAF como Analfabetos Funcionais. Os analfabetos funcionais–

1 Relatório divulgado em 2018, referente à última década. Disponível em


http://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2018/08/Inaf2018_Relat%C3%B3rio-Resultados-
Preliminares_v08Ago2018.pdf
18

equivalentes, em 2018, a cerca de 3 em cada 10 brasileiros – têm muita dificuldade


para fazer uso da leitura e da escrita e das operações matemáticas em situações da
vida cotidiana, como reconhecer informações em um cartaz ou folheto ou ainda fazer
operações aritméticas simples.
Ainda conforme relatório do INAF (2018) vale destacar que, ao longo dos anos,
verificou-se um lento crescimento e uma estagnação a partir de 2009 do crescimento
da população que poderia ser considerada funcionalmente alfabetizada. No estudo de
2001-2002, 61% dos entrevistados foram considerados Funcionalmente
Alfabetizados; em 2007, 66%; e, nos três estudos realizados entre 2009 e 2015, o
percentual de Funcionalmente Alfabetizados ficou estável em 73% para, em 2018,
apresentar uma pequena oscilação negativa. Em síntese, apenas 7 entre 10
brasileiros e brasileiras entre 15 e 64 anos podem ser considerados Funcionalmente
Alfabetizados conforme a metodologia do INAF pela estimativa de 2018.
Esses dados sugerem que o ganho em termos de anos de estudo, tendo em
vista que mais pessoas conseguiram ficar mais tempo na escola, não corresponde,
na mesma medida, a ganhos no domínio de habilidades de leitura, escrita e
conhecimentos matemáticos.

Tabela 1 – Níveis de alfabetismo no Brasil Conforme o INAF (2001 – 2018)


2001 2002 2003 2004
Nível 2007 2009 2011 2015 2018
2002 2003 2004 2005

BASE 2000 2000 2001 2002 2002 2002 2002 2002 2002

Analfabeto 12% 13% 12% 11% 9% 7% 6% 4% 8%

Rudimentar 27% 26% 26% 26% 25% 20% 21% 23% 22%

Elementar 28% 29% 30% 31% 32% 35% 37% 42% 34%

Intermediário 20% 21% 21% 21% 21% 27% 25% 23% 25%

Proficiente 12% 12% 12% 12% 13% 11% 11% 8% 12%

Total 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100% 100%

Analfabeto
Funcional 39% 39% 37% 37% 34% 27% 27% 27% 29%

Funcionalmente 61% 61% 63% 63% 66% 73% 73% 73% 71%
Alfabetizados
Fonte: Inaf 2001-2018
19

Na rede municipal de ensino de Sorocaba, os dados também apresentam


grandes desafios na garantia do direito à alfabetização na idade certa, mesmo
considerando os resultados históricos do Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB) dos anos iniciais, sempre acima ou dentro da meta estabelecida pelo
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). A rede municipal
apresenta o IDEB 6.4 (2015) e 6.7 (2017), superando as metas estabelecidas de 6.2
e 6.4, respectivamente. De acordo com dados de acompanhamento em nível de
sistema da Secretaria da Educação de Sorocaba (SEDU), por meio do monitoramento
das atas dos Conselhos de Classe, é possível reafirmar o importante desafio a
superar, uma vez que verifica-se um número expressivo de crianças no 1º ano de
alfabetização apresentando como “principais dificuldades”, itens que se relacionam à
aquisição do sistema de escrita alfabético (SEA), tais como: identificar as letras do
alfabeto diferenciando-as de outros símbolos ou números; nomear, traçar e posicionar
corretamente as letras (forma maiúscula); identificar os valores sonoros das letras e
perceber os pedaços sonoros que compõem as palavras .
Já a partir do 2º e 3º anos, também voltadas ao SEA, a maior recorrência das
dificuldades apresenta-se em: compreender a estrutura silábica das palavras e suas
diferentes combinações; sílabas simples e complexas; dificuldades na leitura e escrita
fluente de palavras e/ou pequenas sentenças de forma autônoma e segmentação das
palavras (Dados da Seção de Monitoramento da Aprendizagem e Resultados
Educacionais da SEDU, 2015 – 2016 – 2017 - 2018).
Outros dados consideráveis são os de matrícula e retenção da rede municipal,
uma vez que o maior índice de retenção escolar ainda se concentra ao término do
ciclo de alfabetização, 3º ano do Ensino Fundamental, apresentando inclusive um
percentual elevado em termos comparativos com a rede estadual de Sorocaba.

Tabela 2 – Taxa de Reprovação (%) da Rede Municipal de Sorocaba (RM) e da Rede Estadual no
Município de Sorocaba (RE)
Ano 2015 2016 2017

RM RE RM RE RM RE

1º ano 0,4 0,7 0,4 0,4 0,5 0,1

2º ano 0,5 0,3 0,3 0,3 0,7 0,0

3º ano 4,2 0,9 4,3 1,1 4,5 0,5

4º ano 1,7 0,3 2,1 0,2 1,9 0,0


20

5º ano 1,0 0,1 1,0 0,1 0,8 0,1

Fonte: Painel Educacional Inep 2015-2017

Transpondo esses percentuais em números totais de crianças, verifica-se


conforme os dados do Painel Educacional do Inep, o expressivo número de crianças
atendidas / matriculadas na rede municipal de Sorocaba (RM) em detrimento à rede
estadual (RE):

Tabela 3 – Alunos Matriculados nos Anos Iniciais


Ano 2015 2016 2017

RM RE RM RE RM RE

1º ano 5.446 1.248 5.324 1.210 5.576 1.218

2º ano 5.473 1.380 5.385 1.376 5.439 1.243

3º ano 5.715 1.560 5.665 1.504 5.683 1.418

4º ano 5.268 1.736 5.409 1.749 5.497 1.529

5º ano 4.134 1.595 5.208 1.798 5.222 1.907

Fonte: Painel Educacional Inep 2015-2017

Ainda em termos totais (número de crianças), as porcentagens representam:


240 crianças retidas em 2015, 244 em 2016 e 256 em 2017. Os dados do rendimento
escolar do ano de 2018 ainda não estão disponibilizados pelo portal do “Painel
Educacional do Inep”.

Tabela 4 – Números Totais de Crianças Retidas


Ano 2015 2016 2017

RM RE RM RE RM RE

1º ano 22 9 21 5 28 1

2º ano 27 4 16 4 38 0

3º ano 240 14 244 17 256 7

4º ano 90 5 114 3 104 0

5º ano 41 2 52 2 42 2

Fonte: Tabela organizada pela pesquisadora


21

Pode-se perceber que, apesar dos avanços propiciados pelo ciclo de


alfabetização de duração de três anos2, atenuando a existência dos altos índices de
retenção por desempenho escolar logo nos primeiros anos do ensino, verifica-se ainda
a ausência de consolidação das aprendizagens necessárias em um período próprio
destinado a esse saber durante esses três anos ininterruptos. Mesmo considerando a
multiplicidade de interpretações que qualquer dado nos possibilita, sabe-se que esse
índice ainda se mantém expressivo e em certa elevação devido ao não atingimento
de algum conhecimento necessário acerca da leitura e escrita considerados
fundamentais para prosseguimento nos estudos.
Dados recentes da ANA3 mostram também com mais detalhamentos as
especificidades dos alcances e dificuldades das crianças ao término do 3º ano do
ensino fundamental da rede municipal, diante da escala de questões e pontuações
que são traduzidas em saberes. Esse fato é expressivo, pois nos indica a necessidade
de muitos ajustes para garantir a cada criança os conhecimentos humanos
fundamentais para serem capazes de interagir com a nossa cultura letrada de forma
satisfatória e tendo as condições necessárias para o prosseguimento dos estudos ao
iniciar o 4º ano do Ensino Fundamental.

Tabela 5 - Dados Históricos (%) do Nível de Leitura dos Alunos da Rede Municipal de Sorocaba ao
Término do Ciclo de Alfabetização Aferidos pela Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA, 2013 –
2014 – 2016)
2013 2014 2016

LEITURA N1 N2 N3 N4 N1 N2 N3 N4 N1 N2 N3 N4

11% 27% 42% 20% 9% 26% 43% 22% 10% 24% 43% 23%

Fonte: Inep e Seção de Monitoramento da Aprendizagem e Resultados Educacionais da SEDU.

2 Lei Federal nº 11.274/06, que institui o ensino fundamental de 9 anos, dando prazo máximo de até
2010 para as redes implementarem as modificações.
3 A Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) é uma avaliação externa que objetiva aferir os níveis
de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa (leitura e escrita) e Matemática dos estudantes
do 3º ano do Ensino Fundamental das escolas públicas. As provas aplicadas aos alunos forneceram
três resultados: desempenho em leitura, desempenho em matemática e desempenho em escrita. Além
dos testes de desempenho, que medem a proficiência dos estudantes nessas áreas, a ANA apresenta
em sua primeira edição (2013), informações contextuais: o Indicador de Nível Socioeconômico e o
Indicador de Formação Docente da escola. A ANA é censitária, portanto, será aplicada a todos os
alunos matriculados no 3º ano do Ensino Fundamental. Considera-se apropriado que o professor
regente de classe esteja presente à aplicação. (Portal do INEP, 2013). A ANA foi aplicada no Brasil nos
anos de 2013, 2014 e 2016.
22

Quadro 1 – Escala de Proficiência em Leitura - ANA

NÍVEL DESCRIÇÃO

Nível 1
(até Neste nível, os estudantes provavelmente são capazes de:
425 - Ler palavras com estrutura silábica canônica, não canônica, ainda que alternem sílabas canônicas e não canônicas.
pontos)

Além das habilidades descritas no nível anterior, os estudantes provavelmente são capazes de:
Nível 2
- Localizar informações explícitas em textos curtos como piada, parlenda, poema, quadrinho, fragmentos de narrativas
(maior
e de curiosidade científica, e em textos de maior extensão, quando a informação está localizada na primeira linha do
que 425
texto;
até 525
pontos) - Reconhecer a finalidade de texto como convite, campanha publicitária, infográfico, receita, bilhete, anúncio, com ou
sem apoio de imagem;

- Identificar assunto em textos como campanha publicitária, curiosidade científica ou histórica, fragmento de reportagem
e poema cujo assunto está no título ou na primeira linha;

- Inferir relação de causa e consequência em tirinha.

Além das habilidades descritas nos níveis anteriores, os estudantes provavelmente são capazes de:

-Localizar informação explícita em textos de maior extensão como fragmento de literatura infantil, curiosidade
Nível 3 científica, sinopse, lenda, cantiga folclórica e poema, quando a informação está localizada no meio ou ao final do texto;
(maior
- Identificar o referente de um pronome pessoal do caso reto em textos como tirinha e poema narrativo;
que 525
até 625 - Inferir relação de causa e consequência em textos verbais como piada, fábula, fragmentos de textos de literatura infantil
pontos) e texto de curiosidade científica, com base na progressão textual; informação em textos como história em quadrinhos,
tirinha, piada, poema e cordel; assunto em textos de divulgação científica e fragmento de literatura infantil; e sentido de
expressão de uso cotidiano em textos como poema narrativo, fragmentos de literatura infantil, de curiosidade científica
e tirinha.

Além das habilidades descritas nos níveis anteriores, os estudantes provavelmente são capazes de:
Nível 4
- Identificar
o referente de: pronome possessivo em poema e cantiga; advérbio de lugar em reportagem; pronome
(maior
demonstrativo em fragmento de texto de divulgação científica para o público infantil; pronome indefinido em fragmento
que 625
de narrativa infantil; e pronome pessoal oblíquo em fragmento de narrativa infantil;
pontos)
- Identificar relação de tempo entre ações em fábula e os interlocutores de um diálogo em uma entrevista ficcional;

- Inferir sentido de expressão não usual em fragmento de texto de narrativa infantil.

Fonte: Inep (2016)

Tabela 6– Dados Históricos (%) do Nível de Escrita dos Alunos da Rede Municipal de Sorocaba ao
Término do Ciclo de Alfabetização Aferidos pela Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA, 2013 –
2014 – 2016)
2013 2014 2016

ESCRITA N1 N2 N3 N4 N5 N1 N2 N3 N4 N5 N1 N2 N3 N4 N5

3% 10% 15% 32% 40% 4% 6% 1% 62% 27% 5% 8% 1% 73% 13%

Fonte: Inep e Seção de Monitoramento da Aprendizagem e Resultados Educacionais da SEDU.


23

Quadro 2 – Escala de Proficiência em Escrita – ANA

NÍVEL DESCRIÇÃO

Nível 1
(menor Em relação à escrita de palavras, os estudantes que se encontram neste nível provavelmente não escrevem as
que 350 palavras ou estabelecem algumas correspondências entre as letras grafadas e a pauta sonora, porém ainda não
pontos) escrevem palavras alfabeticamente. Em relação à produção de textos, os estudantes provavelmente não escrevem
o texto ou produzem textos ilegíveis.

Nível 2
(maior ou Em relação à escrita de palavras, os estudantes que se encontram neste nível provavelmente escrevem
igual a
alfabeticamente palavras com trocas ou omissão de letras, alterações na ordem das letras e outros desvios
350 e ortográficos. Em relação à produção de textos, os estudantes provavelmente não escrevem o texto ou produzem
menor textos ilegíveis.
que 450
pontos)

Nível 3 Em relação à escrita de palavras, os estudantes que se encontram neste nível provavelmente escrevem
(maior ou ortograficamente palavras com estrutura silábica consoante- vogal, apresentando alguns desvios ortográficos em
igual a palavras com estruturas silábicas mais complexas. Em relação à produção de textos, provavelmente escrevem de
forma incipiente ou inadequada ao que foi proposto, sem as partes da história a ser contada, ou produzem
450 e
menor fragmentos sem conectivos e/ou recursos de substituição lexical e/ou pontuação para estabelecer articulações entre
que 500 partes do texto. Apresentam ainda grande quantidade de desvios ortográficos e de segmentação ao longo do texto.
pontos)

Nível 4 Em relação à escrita de palavras, os estudantes que se encontram neste nível provavelmente escrevem
(maior ou ortograficamente palavras com diferentes estruturas silábicas. Em relação à produção de textos, provavelmente
igual a atendem à proposta de dar continuidade a uma narrativa, embora possam não contemplar todos os elementos da
500 e narrativa e/ou partes da história a ser contada. Articulam as partes do texto com a utilização de conectivos, recursos
menor de substituição lexical e outros articuladores, mas ainda cometem desvios que comprometem parcialmente o sentido
que 600 da narrativa, inclusive por não utilizar a pontuação ou utilizar os sinais de modo inadequado. Além disso, o texto
pontos) pode apresentar poucos desvios de segmentação e alguns desvios ortográficos que não comprometem a
compreensão.

Em relação à escrita de palavras, os estudantes que se encontram neste nível provavelmente escrevem
Nível 5 ortograficamente palavras com diferentes estruturas silábicas. Em relação à produção de textos, provavelmente
(maior ou atendem à proposta de dar continuidade a uma narrativa, evidenciando uma situação inicial, central e final, com
igual a 600 narrador, espaço, tempo e personagens. Articulam as partes do texto com conectivos, recursos de substituição
pontos) lexical e outros articuladores textuais. Segmentam e escrevem as palavras corretamente, embora o texto possa
apresentar poucos desvios ortográficos e de pontuação que não comprometem a compreensão.

Fonte: Inep (2016)


Pode-se identificar, por uma breve análise dos dados da ANA em suas três
únicas edições, que Sorocaba apresentou melhora em seus resultados no período
que coincidiu com a implementação das ações do Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa; no entanto, se tornarmos os dados absolutos em lugar do cálculo
percentual, relacionando o número real de alunos aos saberes de cada nível de
proficiência, ainda temos como realidade na conclusão do 3º ano:
● 228 crianças em 2014 (4%) e 269 crianças em 2016 (5%) que não leem,
não escrevem alfabeticamente e possivelmente não estabelecem
correspondências entre letras e pauta sonora;
24

● 342 crianças em 2014 (6%) e 430 crianças em 2016 (8%) que escrevem
palavras, porém, ainda com possíveis trocas de letras e/ou omissões de
letras;
● 57 crianças em 2014 (1%) e 53 crianças em 2016 (1%) que escrevem
palavras com sílabas canônicas (consoante/vogal), mas que ainda
apresentam dificuldades nas sílabas mais complexas e desvios
ortográficos.
● 3.543 crianças em 2014 (62%) e 3.931 crianças em 2016 (73%) que
escrevem palavras com diferentes estruturas silábicas e atendem a
proposta de dar continuidade a uma narrativa, embora cometam desvios
que comprometem o sentido da narrativa. Crianças que ainda
apresentam desvios de ortografia, ainda não segmentam e não utilizam
pontuação;
● 1.543 crianças em 2014 (27%) e 700 crianças em 2016 (13%) que
escrevem palavras com diferentes estruturas silábicas. Que conseguem
dar continuidade a uma narrativa evidenciando uma situação inicial,
central e final. Segmentam palavras corretamente, embora possam
apresentar alguns desvios ortográficos e de pontuação.

Por conseguinte, torna-se cada vez mais evidente as dificuldades para fazer
com que todos alcancem patamares superiores de alfabetismo4. Conforme os dados
do INAF, apresentados no início desta seção, a ampliação do acesso à educação
contribuiu para a redução do analfabetismo funcional, mas os dados atuais sugerem
que é urgente a necessidade de investimento na qualidade desse sistema, que não
basta somente ampliação de horas de estudo e/ou (re)definições de conteúdos.

Abarcando o conjunto da população, o INAF mostra que pouco adianta uma


escola de excelência que atenda a uma minoria; por outro lado, a

4 Para o Inaf, Alfabetismo é a capacidade de compreender e utilizar a informação escrita e refletir


sobre ela, um contínuo que abrange desde o simples reconhecimento de elementos da linguagem
escrita e dos números até operações cognitivas mais complexas, que envolvem a integração de
informações textuais e dessas com os conhecimentos e as visões de mundo aportados pelo leitor.
Dentro desse campo, distinguem-se dois domínios: o das capacidades de processamento de
informações verbais, que envolvem uma série de conexões lógicas e narrativas, denominada pelo Inaf
como letramento, e as capacidades de processamento de informações quantitativas, que envolvem
noções e operações matemáticas, chamada numeramento. (INAF, 2018 p. 4).
25

massificação dos serviços escolares não pode se dar com o abandono da


noção de qualidade. Uma nova qualidade precisa ser construída,
considerando as demandas de uso da leitura, escrita e matemática não só
para a continuidade dos estudos, mas para a inserção, de forma eficiente e
autônoma, no mundo do trabalho e do exercício da cidadania (INAF, 2011, p.
23).

Com base nas informações apresentadas, entende-se que o problema da


alfabetização no Brasil é complexo e multideterminado, considerando os aspectos
intervenientes na práxis da alfabetização que perpassam também pelas condições
socioeconômicas, envolvimento da família, periodização histórica de cada indivíduo,
condições de trabalho, valorização e remuneração dos profissionais da educação,
dentre outros determinantes que envolvem esse processo. Como salientam Dangió e
Martins (2018), o sucesso desse processo passa também pela posse dos saberes
necessários ao professor alfabetizador, que envolve importantes conhecimentos
sobre o desenvolvimento humano, sobre a língua e sobre as formas de ensinar.
Dessa forma, levando em conta essa discussão, considera-se a importância
que as políticas públicas têm ao lidar com a continuidade da formação inicial, levando
suporte à ação pedagógica dos professores, devendo contribuir para a elevação da
qualidade do ensino e da aprendizagem, além de subsidiar e valorizar a cultura da
formação continuada nas escolas. Assim, é também objeto deste estudo compreender
e explicitar as necessidades sociais que justificaram ao longo da história da educação
no Brasil o início da implementação de políticas públicas de formação continuada em
alfabetização, identificando nessas iniciativas as formas de viabilização e suas
concepções correlatas.
Esse levantamento histórico propicia também elementos para uma análise mais
aprofundada das escolhas, recusas, iniciativas próprias ou rupturas nas ações da rede
municipal de Sorocaba em seus processos de definição e implementação que visaram
(ou não) o progresso da aprendizagem em alfabetização para todas as crianças
matriculadas na idade esperada.
A delimitação temporal da pesquisa documental acerca dos processos
formativos da rede municipal deu-se entre 2001 a 2018, tendo como critério de seleção
o fator histórico do processo da municipalização do ensino, o qual expandiu
significativamente o atendimento e, consequentemente, a responsabilidade da rede
municipal nos processos educativos dos anos iniciais do Ensino Fundamental partir
deste período.
26

Com base na Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, na Lei de


Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96, a partir do final da década de
1990 o processo de municipalização do ensino foi intensificado. A iniciativa foi
justificada com base na premissa de que, quanto mais as prefeituras assumissem a
responsabilidade não só pela Educação Infantil, mas também pelo Ensino
Fundamental – realizando funções até então executadas pelas Secretarias Estaduais
de Educação – melhor seria o aproveitamento dos estudantes, uma vez que as
autoridades municipais saberiam adaptar os currículos às características locais e
econômicas específicas da sua região, investindo assim, adequadamente na
descentralização dos recursos, (manutenção e desenvolvimento do ensino
fundamental público e valorização do magistério) melhoria da qualidade do ensino e
maior entendimento acerca dos processos pedagógicos.
Como demonstra a tabela abaixo, que apresenta o percurso das matrículas
entre as redes estaduais e municipais de Sorocaba dentre os anos de 1999 a 2018,
verifica-se que o processo de municipalização dos anos iniciais do EF passou a
intensificar-se no município a partir do ano de 2001, no entanto, ainda não totalizado,
havendo no último levantamento divulgado em 2018: 6.237 alunos atendidos em
Sorocaba pela rede estadual e 27.869 pela rede municipal.

Tabela 7 – Número de Alunos Matriculados nos Anos Iniciais em Sorocaba de 1999 a 2018
Rede Estadual Rede Municipal
ANO
EF –AI EF- AI

1999 24.251 10.402

2000 24.145 10.409

2001 21.277 13.514

2002 19.875 15.594

2003 17.363 17.535

2004 15.844 18.906

2005 15.126 19.584

2006 14.402 20.528

2007 13.807 21.397

2008 13.897 22.594


27

2009 12.795 26.286

2010 12.139 25.037

2011 10.467 23.390

2012 8.962 22.499

2013 8.133 22.876

2014 8.273 25.170

2015 7.448 25.732

2016 7.566 26.634

2017 7.218 26.995

2018 6.237 27.869


Fonte: Quadro organizado pela pesquisadora com base em consultas dos dados publicados no Portal
do INEP, disponível em: http://portal.inep.gov.br/web/guest/dados/consulta-matricula.

Ainda conforme os dados do Portal do Inep (2018), constata-se que a rede


municipal de Sorocaba – unindo Educação Infantil e anos iniciais/finais do Ensino
Fundamental – atende a um total de 54.557 alunos e a rede estadual – unindo ensino
fundamental anos iniciais/finais e Ensino Médio – atende a um total de 53.921 alunos.
Esses dados são relevantes para refletir acerca dos desafios da administração pública
do ensino e do papel que as políticas públicas assumem nesse vasto contexto de
responsabilidades.
Compreende-se política pública como “a arte de administrar o bem comum”
(Saviani, 2016), por meio de um conjunto de medidas e procedimentos dispostos que
traduzem uma orientação política, que visa regular as atividades governamentais e as
tarefas de interesse público.
Em suma, exprimem por meio das suas prioridades as concepções, princípios,
valores e visões de mundo daqueles que controlam o poder, a sua capacidade de
organização e negociação, legitimando condutas que carregam em si ideologias que
perpassam a execução de tais políticas e podem caracterizar-se pelo aspecto social
e democrático para muitos, ou de domínio econômico e poder para poucos.

A política educacional diz respeito às decisões que o Poder Público, isto é, o


Estado, toma em relação à educação. Tratar, pois, dos limites e perspectivas
da política educacional brasileira implica examinar o alcance das medidas
educacionais tomadas pelo Estado brasileiro. No que se refere aos limites da
política educacional brasileira, haveria muitos aspectos a considerar. Penso,
porém, que as várias limitações são, em última instância, tributárias de duas
características estruturais que atravessam a ação do Estado brasileiro no
campo da educação desde as origens até os dias atuais. Refiro-me à histórica
28

resistência que as elites dirigentes opõem à manutenção da educação pública;


e à descontinuidade, também histórica, das medidas educacionais acionadas
pelo Estado. A primeira limitação materializa-se na tradicional escassez dos
recursos financeiros destinados à educação; a segunda corporifica-se na
sequência interminável de reformas, cada qual recomeçando da estaca zero e
prometendo a solução definitiva dos problemas que se vão perpetuando
indefinidamente (SAVIANI, 2008 (b), p.7).

A relação entre os investimentos, as necessidades, as priorizações das


implementações, as (des) continuidades e o acompanhamento das políticas públicas
parecem evidenciar um ciclo que, conforme Saviani (2018), padece de uma
incapacidade congênita de resolução, uma vez que:

[...] a lógica que as preside as torna presas de um ciclo vicioso eivado de


paradoxos: as crianças pobres teriam melhor rendimento escolar se seus pais
participassem mais ativamente da educação escolar dessas crianças; mas
para isso eles deveriam ter um melhor e mais alto nível de instrução,
precisamente o que lhes foi negado. As crianças pobres teriam êxito na escola
se não precisassem trabalhar; mas elas precisam trabalhar exatamente porque
são pobres. Esses paradoxos manifestam-se no próprio campo econômico: os
trabalhadores seriam mais produtivos se tivessem maior e melhor nível de
instrução; mas para terem maior nível de instrução eles precisariam ser mais
produtivos para que a economia do país pudesse gerar os recursos que
permitiriam maior investimento em educação. Em outros termos, no limite, o
raciocínio acaba sendo o seguinte: o problema seria resolvido se ele não
existisse; como o problema existe, então ele resulta insolúvel. Há que romper
o círculo vicioso por algum ponto (SAVIANI, 2016, p. 5).

No entanto, conforme o autor, para a superação das condições atuais da


educação pública mediada e assegurada por meio da política social, cabe a todos e
todas defendê-la por meio do acompanhamento, organização e unificação dos
movimentos populares de modo que esta ocupe e expresse de fato o seu lugar de
prioridade na nação, de modo preservado e contínuo em ascensão às suas metas. Os
movimentos visando a luta pela ampliação dos recursos, o fortalecimento e a
valorização do bem público e gratuito não subordinado à recorrentes cortes e
privatizações, em contradição aos discursos reverberados, revelam na prática o
investimento em educação como algo supérfluo, o qual diante das dificuldades
econômicas passam rapidamente a ocupar um lugar de excedente e retirável.
Em matéria de educação, nós nos defrontamos, no Brasil, com um imenso
déficit histórico que se arrasta já por pelo menos cem anos. Para clarear essa
afirmação, cumpre reiterar que em 1890 a taxa de analfabetismo estava em
torno de 85% em relação a população total (SAVIANI, 2016, p.238).

Como pode-se ver, as políticas públicas e seus investimentos constituem se


como elementos centrais que viabilizam (ou não) as condições para a qualidade da
educação no Brasil e consequentemente da valorização do magistério, da formação
29

continuada e da alfabetização e letramento das nossas crianças. Percebe-se, assim,


que muitos dos desafios que se apresentam nos contextos escolares até hoje,
mostram-se como resquícios de uma história da educação que nem sempre esteve
voltada para o seu acesso universal, bem como pelas políticas públicas de cada
época, reflexos da concepção de sociedade e das metas à educação para cada
momento histórico.
Nesse sentido, conhecer e delinear o lugar da alfabetização e de suas políticas
ao longo da história, bem como analisá-las no contexto histórico das políticas públicas
de alfabetização e letramento implementadas no município de Sorocaba, incidirá
numa análise histórica para (re)pensar as possibilidades de transformação do real.
Dessa maneira, tendo em vista este processo complexo e multideterminado, as
questões desta pesquisa foram assim formuladas: quais as ações de formação
continuada em alfabetização para a constituição das práticas pedagógicas do
professor alfabetizador foram realizadas durante esses dezessete anos de intenso
crescimento na oferta do EF (anos iniciais) na rede municipal de Sorocaba? Em qual
ideário se fundamenta ou se fundamentou a concepção de sujeito e de
desenvolvimento em alfabetização no município de Sorocaba ao longo das formações
oferecidas? Quais foram as prioridades históricas da rede municipal de Sorocaba no
campo das políticas públicas de formação?

O PERCURSO METODOLÓGICO

Para as finalidades desta dissertação, esta pesquisa tem natureza qualitativa,


o que será especificado ao longo desta seção, que se ocupa da sua caracterização,
da apresentação do campo de estudo, bem como das suas etapas, dos instrumentos
de geração de dados e dos pressupostos de análise dos dados.
Cada método de pesquisa tem por base determinada visão de mundo, que é
assumida por quem o utiliza. A dialética, em Marx (1818 – 1883), pressuposto
filosófico-metodológico deste trabalho, é enfocada sob o ponto de vista do
materialismo-histórico, que é composto de aspectos fundamentais: o mundo tem uma
natureza material; a matéria é o dado primário, a consciência é o dado secundário,
consequência da matéria; o mundo e as leis que o regem são construídas
30

historicamente por meio das relações humanas, sendo assim passíveis de


conhecimento e de transformação.
Segundo Frigotto (1991), o que fundamentalmente importa para o materialismo
histórico-dialético é a produção de um conhecimento crítico que altere e transforme a
realidade anterior, tanto no plano do conhecimento como no plano histórico-social, de
modo que a reflexão teórica sobre a realidade se dê em função de uma ação para
transformar. Conforme Gomide (2012), o materialismo histórico-dialético:

Criado por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), o


materialismo histórico-dialético é um enfoque teórico, metodológico e
analítico para compreender a dinâmica e as grandes transformações da
história e das sociedades humanas. Conceitualmente, o termo materialismo
diz respeito à condição material da existência humana, o termo histórico parte
do entendimento de que a compreensão da existência humana implica na
apreensão de seus condicionantes históricos, e o termo dialético tem como
pressuposto o movimento da contradição produzida na própria história
(GOMIDE, 2012, p. 3).

Dessa maneira, sendo as políticas educacionais parte da totalidade de


escolhas sociais, em que cada implementação é marcada por interesses diversos
(econômicos, políticos, ideológicos), o estudo da gênese das políticas de formação,
seu movimento histórico, suas contradições ou rupturas direcionaram esta pesquisa
na captação de seu movimento nesta totalidade.

O pesquisador, na condução das pesquisas sobre políticas educacionais a


partir do enfoque metodológico materialista histórico-dialético deve,
essencialmente, apreender a totalidade da qual a problemática levantada faz
parte, identificando inclusive os sujeitos históricos a quem essa problemática
se refere. Isto implica ainda num resgate das produções teóricas sobre esta
problemática, de modo a identificar o que se já produziu, o que já se
evidenciou e o que necessita ser aprofundado e/ou revisitado, até mesmo no
sentido de uma ruptura. Portanto, não há como investigar uma determinada
realidade sem uma postura teórica desde o início da investigação que
possibilite apreender claramente as múltiplas dimensões do problema que se
pretende desvendar (ibidem, 2012, p.9).

Após pesquisas bibliográficas acerca do tema, este é aprofundado em sua


historicidade; como um primeiro procedimento técnico, considerando o enfoque
dialético, foi realizada a pesquisa documental dos processos formativos da rede
municipal de Sorocaba para o ciclo de alfabetização de 2001 a 2018 (período de sua
expansão maciça no atendimento do Ensino Fundamental, anteriormente de
provimento do Estado em escolas estaduais).
31

Dentro ainda da pesquisa documental, foram observadas as formas de


acompanhamento da Secretaria da Educação de Sorocaba acerca da alfabetização e
do letramento das crianças no ciclo de alfabetização (1º aos 3º anos), analisando seus
dados num período de quatro anos (2015, 2016, 2017 e 2018).
Assim, repertoriado em uma perspectiva dialética-materialista, o estudo
realizado se utiliza da metodologia da pesquisa documental, por meio da verificação
bibliográfica acerca do tema, observação das produções acadêmicas sobre as
políticas públicas de alfabetização nos últimos cinco anos, levantamento das
publicações da secretaria municipal de educação, compilação e análise de dados de
acompanhamento do rendimento escolar dos alunos em processo de alfabetização.
Para o acesso e análise dos dados históricos sobre os processos formativos
desenvolvidos pela SEDU, entre os anos de 2001 e 2018, o projeto de pesquisa foi
submetido ao Comitê de Ética e à comissão de aprovação de pesquisas da Secretaria
da Educação, ambos devidamente aprovados, obteve-se acesso ao acervo de dados
históricos dos relatórios internos de gestão pedagógica e/ou dos seus respectivos
calendários de ações desde 2001. Todo esse material foi cuidadosamente analisado
e distribuído em três eixos de apreciação: 1. Tipo de Formação Oferecida; 2. Ideário
e Foco da Formação e; 3. Tempo de Vigência da Implementação.
Com as autorizações e termos de compromisso, o acesso aos dados internos
de monitoramento da aprendizagem da SEDU, relacionados ao ciclo de alfabetização,
também foram disponibilizados, compondo assim um conjunto de materiais para
análise sobre os resultados educacionais do município, suas formas de
acompanhamento e intervenção, para além dos dados públicos do INEP.
Espera-se que o conjunto de fontes e dados viabilize o aprofundamento na
compreensão da realidade estudada e suas inter-relações, bem como, torne-se um
meio capaz de comunicar necessidades e contribuir para ações futuras sobre a
temática das políticas públicas de alfabetização na educação pública municipal de
Sorocaba.
Por fim, para responder à questão geral da pesquisa e aos seus
desdobramentos, esta dissertação organiza-se da seguinte forma: esta introdução,
dividida em duas seções visando aclarar o objeto de pesquisa e o percurso
metodológico e mais quatro capítulos:
• Capítulo 1, denominado “Alfabetização: dos primeiros contatos a uma intensa
defesa de vida”, um capítulo que apresenta a narrativa da pesquisadora acerca da
32

sua constituição humana e profissional em defesa da alfabetização e do letramento,


delineado a partir de vivências e compreensões teóricas.
• Capítulo 2: “O dilema da alfabetização e do letramento no Brasil”, delineado a
partir pesquisas historiográficas envolvendo: - elementos da trajetória política,
educacional e estatística da alfabetização no Brasil; - indicadores do surgimento das
políticas públicas de formação em alfabetização; - marcos da história dos métodos de
alfabetização no Brasil, - indicativos da necessidade formativa dos termos
alfabetização e letramento e; - o percurso cronológico e conceitual das políticas
públicas de formação em alfabetização no Brasil.
• Capítulo 3: “A Pedagogia Histórico-Crítica como fundamento para pensar a
formação do professor alfabetizador”, um capítulo que versa acerca dos fundamentos
da Pedagogia Histórico-Crítica para pensar o lugar da alfabetização enquanto
construção humana permeada dos aspectos filo e ontogenéticos, mas também, como
um direito fundamental e conhecimento elementar para a vida digna em sociedade
diante das severas desigualdades históricas consequentes da divisão de classes e da
educação para poucos. Pautando-se em clássicas e recentes descobertas e
pesquisas, este capítulo apresenta também alguns saberes fundamentais à prática
pedagógica alfabetizadora.
• Capítulo 4: “As políticas públicas de formação na rede municipal de
Sorocaba”, um capítulo onde se apresenta e analisa o histórico das formações na rede
municipal de Sorocaba de 2001 a 2018, com foco no entendimento das suas
prioridades de implementação, concepções e investimentos.
Por conseguinte, culminando nas Considerações Finais, evidenciando a
pertinência do tema, estabelecendo proposituras e possibilidades de continuidade
desta defesa.
33

1 - ALFABETIZAÇÃO: DOS PRIMEIROS CONTATOS À UMA INTENSA


DEFESA DE VIDA
O passado é uma invenção do presente.
Por isso é tão bonito sempre,
ainda quando foi uma lástima.
A memória tem uma bela
Caixa de lápis de cor
(Mario Quintana, 1997)

A reconstrução das vivências apresenta-se atualmente como uma ferramenta


utilizada por muitos pesquisadores para registrar as memórias dos grupos sociais ao
longo do tempo e, ao mesmo tempo, de tentar compreender as determinações e
interesses do momento presente. Trata-se de um passado que é presente, como
escreve Quintana (2006, p. 174): “O passado não reconhece o seu lugar, está sempre
presente”. Nas palavras de Goulart (2011), “é um olhar do hoje que procura uma visão
do passado, uma construção composta de um ir e vir entre presente e passado, numa
busca de sentidos sobre nossas incessantes inquietações, ideias, sentimentos”.
Assim:

A cada tentativa de aproximação com o passado, este ganha novas cores e


nuances, e isto se deve ao fato de que a memória não é estática, fixa: ela é
uma produção marcada por movimentos de instabilidade e seletividade dos
acontecimentos (GOULART, 2011, p. 570).

Quando acionamos o tema da alfabetização, que recortes fazemos? Do que


lembramos? Da professora, da escola, da sala de aula, da infância, das gravuras, da
paisagem, dos cheiros, dos sabores, dos sentimentos, dos colegas, dos nossos
pertences, da cartilha, do recreio, do alimento, das brincadeiras? De tudo isso? De
partes disso?
Compreendendo que as memórias permitem uma aproximação com tempos e
espaços diferentes e, ao mesmo tempo, nos colocam frente a frente com a história, o
intuito deste capítulo5 é apresentar um pouco da minha constituição, daquilo que me
direciona cada vez mais aos estudos, pesquisas e defesa da alfabetização e
letramento para todos. Nesse contexto, enquanto produto de um processo de
alfabetização, produtora de caminhos para alfabetizar e em constante processo de

5 Este capítulo se apresentará muitas vezes em primeira pessoa do singular por tratar de uma narrativa
que marca a constituição da pesquisadora em direção ao tema da alfabetização.
34

desenvolvimento humano e profissional, examino minhas experiências estabelecendo


conexões entre os tempos vividos.
[...] em consonância com a sociedade letrada na qual estamos inseridos,
existem capacidades culturalmente formadas substanciais para a
apropriação de conhecimentos sistematizados necessários à ascendência do
psiquismo. Entre tais capacidades, aprender a ler e a escrever torna-se, em
concordância com Saviani (2005, p.15), “a primeira exigência” ao acesso à
cultura letrada. Conquanto, se a aprendizagem da leitura e da escrita é a base
para outras aprendizagens, resta-nos pensar a efetivação desse fato na vida
de cada indivíduo (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p. 61).

Minha vida escolar começou no ano de 1985, na pré-escola, quando tinha cinco
anos de idade e apenas completaria seis anos em 27 de dezembro de 1985. Apesar
de não ter condições financeiras na época, meus pais me matricularam em um colégio
particular da cidade de Sorocaba/SP. O ingresso nessa instituição foi resultado do fato
de uma tia paterna ser professora dessa escola, o que propiciou a dispensa das
mensalidades. Foi um início permeado de atividades de coordenação motora, uma
professora acolhedora, cheirinho de parque, tênis lotado de areia ao chegar em casa
e muita interação, brincadeira e inocência.
No ano seguinte, com seis anos de idade, ingressei na primeira série primária
da época, ou seja, hoje correspondente ao nosso 2º ano do Ensino Fundamental, hoje
com duração de nove anos. Nesse período, tudo se transformou radicalmente em
minha relação com a escola, a transição da Educação Infantil para a primeira série foi
uma experiência marcante. Era a aluna mais nova (cronologicamente) em relação aos
meus colegas, pois apenas faria sete anos ao final de dezembro. Muitos colegas da
pré-escola haviam mudado, mas outros novos e muitas outras questões começaram
a ser reveladas socialmente em relação aos amigos, ao entendimento das comandas,
à alteração da rotina e, especialmente, ao trato da professora com os alunos.
Quanto aos amigos, questões de comparação por aquisições materiais
começaram a se manifestar e foram recorrentes. O tipo do estojo (o meu era de
madeira, reutilizado do ano anterior, em detrimento de diversos estojos com botões,
sons e cores), dos lápis de cor (lápis reutilizados também, porém em ótimo estado,
em comparação a caixas gigantes de cores novas dos demais colegas), dos lacinhos
diversos e variados das meninas e o meu elástico simples de rotina. Da comparação
entre o que um ou outro carregava em suas lancheiras, ou até mesmo, de alguns que
levavam valores diários para consumir na cantina escolar, em contrapartida, meu
delicioso pão com manteiga e leite, preparados com muito carinho por minha mãe.
Naquele ano, as seleções dos colegas pelas aquisições materiais foram muito
35

evidentes e culminaram em tornar meus movimentos, ações e interações cada vez


mais reservados, tímidos e solitários.
Na época, estava apenas captando esses olhares, atitudes e experimentando
sentimentos estranhos e pouco agradáveis, porém, sabemos que só estava
aprendendo um pouco na prática como a materialidade social, guiada por nossas tão
conhecidas relações capitalistas, pode se manifestar por meio das condutas
excludentes.
[...] a escola é determinada socialmente; a sociedade em que vivemos,
fundamentada no modo de produção capitalista, é dividida em classes com
interesses opostos; portanto, a escola sofre a determinação do conflito de
interesses que caracteriza a sociedade (SAVIANI, 2008, p.28).

Quanto ao meu lugar de aluna no que se refere ao entendimento das


comandas, houve uma alteração abrupta da rotina e, especialmente, do trato da
professora aos alunos, o que me fez vivenciar momentos de muita tensão. Diante
desse contexto, minha atividade favorita era realizar cópias, pois sentia-me protegida,
confortável numa suposta invisibilidade; esses momentos, porém, não duravam todo
o tempo como eu gostaria, ações de chamada oral e momentos de exposição até a
lousa me causavam calafrios.
A professora, da qual não consigo recordar-me o nome - apenas da voz - tinha
o costume de gritar muito e parecia sempre muito nervosa e insatisfeita. A rotina havia
mudado muito em relação à Educação Infantil: eram muitas lições e a sensação de ter
deixado de entender toda e qualquer comanda, agregando a isso um imenso medo
de errar. Os colegas escondiam suas lições à prova de qualquer espiadela, as
carteiras eram separadas, sentávamos por ordem de tamanho – e como eu era
pequena, estava sempre à frente, o que acentuava mais ainda meu receio de ser
percebida.
Lembro-me como se fosse hoje da tensão que vivi nas intervenções da lição do
treino motor da letra “i” cursiva. Além da cartilha “Caminho Suave” 6, utilizávamos
também um livro para treino caligráfico das letras cursivas. Eis que a professora, com
o livro da página a ser feita em mãos, deu a comanda de que fizéssemos “igualzinho”
ao modelo. Em minha compreensão, e sendo o meu primeiro contato com o tal modelo

6 De acordo com Branca Alves de Lima, criadora da Cartilha Caminho Suave, seu método de ensino
era eclético, “[...] baseei meu processo de ‘Alfabetização pela Imagem’ no ‘Método Analítico Sintético’,
mas partindo da palavra”, consistindo “esse processo, em relacionar a sílaba inicial de cada vocábulo
com um ‘desenho chave’” (LIMA, 1967 apud CARDOSO; AMÂNCIO, 2018, p.47).
36

da letra “i” cursiva, reproduzi recalcando todas as letras, para atingir o tal efeito
“negrito” do exemplo do livro, especialmente no pingo do “i”, que mais parecia uma
bolinha preenchida a lápis. Até o momento, não entendia como os colegas estavam
terminando tão rápido aquela lição, pois preencher todas aquelas “bolotas” e reforçar
bem o lápis era um processo lento que me atrasava em relação aos demais.
Foi quando orgulhosa de minha tarefa fui à mesa da professora para entregá-
la. Para minha surpresa, aos gritos fui recebida, com ordem para apagar tudo e fazer
novamente. Na segunda vez que levei à professora (e com muito medo), ouvi que
minha lição além de errada novamente, agora estaria “suja”, toda borrada com as
marcas apagadas da anterior. Com muita vergonha dos olhares para mim e segurando
o choro, voltei à carteira e comecei a apagar tudo novamente... Eis que num ato de
coragem extrema, um coleguinha japonês se arriscou a sair do seu lugar e foi até
minha mesa e fez para eu ver com o lápis o movimento do pingo do “i”.
Foi como se o universo inteiro se abrisse para mim, afinal ainda não sabia o
que havia de errado com meu feito. Era tão mais rápido assim, pensei... Sem o seu
rápido e eficaz exemplo, seria capaz de repetir mil vezes o mesmo erro, pois dentro
de meu pensamento estava fazendo “igualzinho” ao modelo em negrito que reforçava
muito a extensão do pingo e, dessa forma, estava obedecendo rigorosamente a
explicação dada: “igualzinho”. Quis imitar perfeitamente e fiz na realidade vários “is”
recalcados e algumas várias bolotas ao invés de pingos.

[...] se método é caminho, [...] em direção à criança alfabetizada, e se para


trilhar um caminho, é necessário conhecer seu curso, seus meandros, as
dificuldades que se interpõem, alfabetizadores(as), dependem dos
conhecimentos dos caminhos da criança – dos processos cognitivos e
linguísticos de desenvolvimento e aprendizagem da língua escrita – para
orientar seus próprios passos e os passos das crianças [...] (SOARES; 2018,
p. 352, grifo nosso).

Enfim, ao contrário do que defendo como um processo de alfabetização que


deve unir conhecimento - (do percurso de cada criança aliado ao objeto de ensino e
a periodização do desenvolvimento) - método e vínculo, minha alfabetização inicial
(1ª série) foi marcada pelo medo de não entender, de ser exposta, acrescida da
necessidade da perfeição. Não senti prazer algum, aliás, não me recordo de nenhum
momento prazeroso. Aprendi a ler e escrever com seis anos e quando fiz sete, já
estava nas férias de dezembro, pronta para a segunda série do ensino primário da
época, que hoje seria a idade dos alunos do terceiro ano do ensino fundamental.
37

Na segunda série passei por experiências bem diferentes, hoje as defino como
fundantes no modelo de professor que decidi assumir profissionalmente. Mas o que
houve de tão especial nessa segunda série? Bem, defino como “Professora Fátima”,
na época, chamada carinhosamente de “Tia Fátima”. Ela era diferente em tudo: no
olhar, na fala, na explicação, no caminhar pelas carteiras, no sorriso no rosto, na
valorização do melhor de todos. Aquela mesma turma da 1ª série (competitiva e
excludente) se tornou uma turma unida, amigável e, além de aprender com prazer e
resgatar a minha confiança em minha capacidade, todos os colegas se tornaram muito
solidários também, ou seja, vivenciamos uma prática social transformada. Quando
tinha alguma dificuldade, logo ela aparecia e delicadamente ajudava com uma nova
informação ou um novo jeito de explicar individualmente. Na época, chegava a
imaginar que ela lia os meus pensamentos, mas hoje compreendo a importância de
um olhar atencioso aos conhecimentos e necessidades de cada um, tendo a
convicção da indispensabilidade de todo professor ter esse olhar. Flávia Asbahr
(2016), ao discorrer sobre as características do início da idade escolar7, fundamentada
em Leontiev (1998), salienta pontos importantes acerca do papel do professor e do
lugar que o mesmo ocupa no início da construção da atividade de estudo junto às
crianças:
[...] As exigências e tarefas propostas pelo(a) professor(a) são como leis para
crianças pequenas, o que é muito importante, pois elas ainda não possuem
condições cognitivas para compreender o significado de todas as ações
realizadas em sua formação geral. (Leontiev, 1998 apud Asbahr, 2016, p.
175). Nesse sentido, os motivos iniciais das crianças em idade escolar
vinculam-se fortemente à relação com o(a) professor(a), e são motivos
predominantemente afetivos, avaliamos que eles não condizem
imediatamente com as ações de estudo, mas podem ser motivos realmente
eficazes se forem considerados pontos de partida do trabalho pedagógico e
trabalhados como mediações para tal atividade. O papel do(a) professor(a)
na transformação desses motivos afetivos em motivos cognitivos é essencial
(ASBAHR, 2016, p. 175).

Após essa experiência incrível e singular, passamos para a terceira série.


Lembro-me de ter uma professora muito bonita, calma e muito séria que só se
levantava quando precisava usar a lousa. Foi um ano tranquilo e mecanizado entre
explicações, cópias, livro, exercícios e fila para o visto da professora. A turma se
manteve amiga e bem relacionada.

7 [...] a atividade de estudo é considerada a atividade principal das crianças em idade escolar (6-7
anos a 10 anos). Segundo Vigotski (VYGOTSKY, 1998), a entrada na escola traz profundas
transformações ao desenvolvimento infantil. (ASBAHR, 2016, p. 171).
38

Foi quando minha tia paterna, responsável por estarmos (minha irmã e eu)
estudando nesse colégio particular, foi demitida. As condições não eram favoráveis
para meu pai assumir duas mensalidades. Fomos até o fim do ano, findo o qual minha
mãe tentou vaga por sorteio (na época) em uma escola municipal de Sorocaba, bem
antiga e tradicional, existente até hoje, chamada “EM (Escola Municipal) Prof. Getúlio
Vargas”. Apenas minha irmã foi contemplada no sorteio. Como próxima alternativa,
minha mãe foi até a escola vizinha da rede estadual e lá conseguimos a vaga.
Assim, em 1989, fui estudar na EEPSG (Escola Estadual de Primeiro e
Segundo Grau) “Dr. Júlio Prestes de Albuquerque”, famoso “Estadão” da cidade de
Sorocaba. Com nove para dez anos descobri outro universo: uma escola gigante, com
muitos alunos, um prédio enorme, salas de aula lotadas, muita prática de esportes e
uma deliciosa merenda escolar.
Inevitável a recordação do quanto minha autoimagem e autoestima como aluna
foi transformada nesse local, pois me sentia totalmente bem, assuntos e amizades em
comum, além do fato de já conhecer muitos conteúdos que lá os alunos estavam ainda
iniciando. Conseguia até ajudar colegas em atividades em grupo - fato inédito! Passei
a amar esse lugar.
Como as coisas estavam ainda fáceis para mim, em relação aos conteúdos
escolares, até a 7ª série, infelizmente, havia perdido o hábito do estudo e de uma
conduta mais organizada nos registros e aulas. Passei a focar minha energia em jogos
de vôlei e amizades. Eis que um grande problema aconteceu ao levar para casa um
primeiro boletim com nota vermelha. Tirei um “D” em Matemática e fiquei pela primeira
vez em recuperação. Lembro-me que preparar minha mãe (para que ela preparasse
meu pai) e justificar essa informação em casa foi uma experiência muito sofrível, até
porque eu já sabia os motivos da reprova e minha irmã (cinco anos mais velha) nunca
havia tirado uma nota vermelha. Experimentei os efeitos da desconstrução de um
hábito, pois todo conhecimento se não constantemente buscado e acionado, uma hora
se limita, pois não evolui espontaneamente, esvazia-se.

Existe alienação quando ocorre um abismo entre o desenvolvimento humano-


genérico e as possibilidades de desenvolvimento dos indivíduos humanos,
entre a produção humano-genérica e a participação consciente do indivíduo
nessa produção (HELLER, 2014, p. 38 apud DUARTE, 2016, p. 66).

Na oitava série, já de volta a um comportamento de estudante gerado pelo


susto, sentia-me intrigada em decidir sobre os caminhos do Ensino Médio (na época
39

chamado de colegial), pois tínhamos diversas opções de Ensino Médio


profissionalizante, incluindo o antigo curso magistério.
Uma professora de ciências do “Estadão”, também trabalhava em uma
instituição particular que oferecia várias opções desses cursos profissionalizantes na
cidade e, assim, conseguiu que uma equipe dessa escola fosse realizar com todas as
oitavas séries um teste vocacional. Mesmo já conhecendo o meu interesse em fazer
o magistério, me surpreendi quando recebi o resultado do tal teste, que apontou 100%
de vocação à profissão docente com crianças, resultado: “Magistério”. Logo, me
inscrevi para o vestibulinho e fui aprovada.
Com muita alegria, energia e interesse iniciei o magistério, também no
“Estadão”. Nesse curso pude perceber pela primeira vez a relação entre os
conhecimentos e a prática social, de modo que os sentidos de tudo o que ouvia e lia
tornavam-se cada vez mais interessantes e necessários.
[...] a prática social referida no ponto de partida [...] e no ponto de chegada
[...] é e não é a mesma. É a mesma, uma vez que é ela própria que constitui
ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o
fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma, se
considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou
qualitativamente pela mediação da ação pedagógica; e já que somos,
enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da prática
social, é lícito concluir que a própria prática se alterou qualitativamente. É
preciso, no entanto, ressalvar que a alteração objetiva da prática só pode dar-
se a partir da nossa condição de agentes sociais, ativos, reais (SAVIANI,
2012, p. 72 e 73).

Queria muito entender sobre história da educação, filosofia da educação,


psicologia da educação, metodologias de ensino e, cada vez que ampliava meus
conhecimentos mais queria aprofundar-me e maior era a certeza de que queria fazer
do magistério a minha vida profissional, tinha apenas quatorze anos.
Estudar apenas foi se tornando pouco, queria ver de perto, aprender na prática
e, antes mesmo de iniciarmos os estágios, fui pessoalmente a algumas escolas
próximas da minha casa e me ofereci para trabalhar sem remuneração, como
estudante do magistério, com o intuito de aprender. Das três escolas que fui
pessoalmente, uma me aceitou e, com quinze anos, minha história profissional na
educação começou e nunca mais parou.
Fiquei por dois meses assiduamente todos os dias no período combinado, até
que, no terceiro mês, o dono da escola me chamou e me registrou como estagiária.
Foi uma alegria sem fim. Na época, atuava junto a uma professora do “mini-maternal”
(0 – 2 anos) e aprendi muito. Vivendo o estágio, toda vez que estava em sala de aula
40

como aluna do magistério, o estudo, as dúvidas e as inquietações faziam cada vez


mais sentido.
No terceiro ano do curso magistério, aproximei-me das questões sobre
alfabetização, dificuldades de aprendizagem e psicologia do desenvolvimento. Todo
o estudo sobre entender as dificuldades de aprendizagem e encontrar diferentes
caminhos de comunicação acionavam minhas memórias como aluna e ampliavam,
cada vez mais, meu interesse. Queria aprender como mediar a aprendizagem de uma
turma toda no percurso complexo da alfabetização em apenas “um ano”, permeando
esse ensino de sentido, significado, função social, cooperação e harmonia. Um novo
sonho foi se desenhando: queria tornar-me “professora alfabetizadora” e considerava
um propósito desafiador, intrigante e um honrado caminho a construir... Bem, já
adianto que essas inquietações sobre ser “um bom professor alfabetizador” foram se
transformando e se elucidando bastante ao longo do tempo, das experiências e
buscas.
Na época, como havia gostado muito das aulas de psicologia da educação e
me identificado com a temática das dificuldades de aprendizagem, acreditei que
escolher a faculdade de Psicologia seria o melhor caminho para ser essa boa
professora. Assim, ao término do terceiro ano do magistério prestei vestibular para a
faculdade de Psicologia, que chegaria à Sorocaba/SP naquele ano (1997). Passei.
Quis aproveitar a oportunidade e assim, em meados de 1997, fazia o quarto ano do
magistério de manhã, trabalhava à tarde como estagiária e iniciava a faculdade de
Psicologia à noite. Meu interesse neste curso sempre foi vinculado à área educacional,
pensando no desenvolvimento humano e nas dificuldades de aprendizagem.
No último bimestre do quarto magistério, precisei deixar o estágio remunerado
para cumprir o estágio obrigatório no Ensino Fundamental (anos iniciais). Mais um
passo importante foi dado, pois me aproximei da prática profissional de diferentes
professoras alfabetizadoras da rede pública estadual que atuavam no antigo CB (Ciclo
Básico)8. Minha relação com a prática profissional em alfabetização se iniciava de fato,

8 A implantação do Ciclo Básico (CB), nos anos oitenta, foi uma medida de impacto na rede pública de
ensino do Estado de São Paulo e transformou as antigas primeiras e segundas séries do Primeiro Grau
em um continuum durante o qual o aluno realizaria o processo de aprendizagem sem interrupção,
excluindo-se as reprovações no primeiro ano de escolaridade. A medida procurava combater um dos
mais graves problemas do ensino fundamental em São Paulo e em todo o País: os inacreditáveis
índices de reprovação e evasão de alunos já em seu primeiro ano de escola.
41

diariamente. Realizei horas de estágio em várias turmas de alfabetização de uma


escola da rede estadual de Sorocaba.
Na época, muitas atividades eram preparadas em estêncil mimeográfico, a
maioria delas ressaltando uma perspectiva sintética de alfabetização, mais voltada ao
método silábico9. As salas de aula tinham mais de trinta alunos, com muitos casos de
crianças que necessitavam de um apoio individualizado. Foi uma experiência muito
importante. Fui captando diversas informações na relação com as crianças, na
observação das formas de conduzir as explicações, nas atividades e mediações em
sala de aula. Diferenças significativas em cada sala que entrava, quanto ao jeito de
se posicionar, quanto à disposição das carteiras, quanto às formas de corrigir as
tarefas, quanto à organização da lousa e materiais, entre tantas outras ações e
observações que me ajudaram em minha constituição docente.
Concluo o curso magistério em 1997 e, em 1998, inicio o trabalho docente.
Após a entrega de exemplares do currículo, fui chamada em um colégio da rede
privada no município de Votorantim/SP para ser Professora de Apoio Pedagógico: o
Colégio “Carlos René Egg”. Na época, meu trabalho era organizar as aulas de
recuperação paralela, denominadas nesse colégio como “aulas de apoio”, destinadas
a todos os alunos com dificuldades em alfabetização. Ficava na escola nos períodos
da manhã e da tarde todos os dias e lecionava junto aos alunos encaminhados pelas
professoras de 1ª a 4ª série no contraturno das aulas regulares. Quando não haviam
alunos, realizava apoio aos mesmos de forma rotativa nas salas de aula, ou realizava
substituições de ausências docentes. Essa experiência foi um enorme presente em
minha trajetória profissional e pude aprender profundamente com cada caso, cada
escolha didática, cada criança, cada diálogo com as professoras desses alunos e cada
observação que tinha a oportunidade de realizar quando acompanhava essas
crianças no contexto do período das aulas regulares.
No ano seguinte, em 1999 fui chamada pela coordenadora do Colégio para
assumir uma sala de aula. Muito feliz, minha primeira turma foi uma 2ª série. Um
bimestre depois, a professora do período da tarde, também da segunda série,
precisou se afastar. Comecei então a dobrar período nessa escola. Mal sabia que

9 Os métodos sintéticos em alfabetização pressupõem que o aluno deve partir de unidades linguísticas
menores (letras, sílabas ou fonemas), de forma acumulativa.
42

nunca mais voltaria a trabalhar meio período novamente. Foram 09 anos dobrando
período, com duas turmas por ano. Sempre em turmas de alfabetização inicial.
No primeiro semestre de 2002 concluí a faculdade de Psicologia, cinco anos
de faculdade dobrando nesse ritmo, trabalhando o dia todo e estudando todas as
noites. A partir do 4º ano da faculdade passei a ter inclusive aulas aos sábados. Por
inúmeras vezes necessitava estudar de madrugada e na hora do almoço, além dos
finais de semana para dar conta das leituras. Hoje olho para trás e canso só de
lembrar... E não canso de agradecer a todas essas conquistas.
Nesses nove anos dobrando, atuei também em outras escolas particulares,
felizmente numa condição ascendente. Pude com isso conhecer diversos métodos de
ensino e diversas realidades educacionais (Colégio Humanus, Colégio Mundo Novo e
Colégio Objetivo). Sempre tive um olhar muito atento e uma preocupação muito
grande com a aprendizagem e desenvolvimento de todos e cada um. Tenho meus
cadernos de anotações e planejamentos guardados como recordação e que me
emocionam até hoje. Em meio a esses anos dobrando, em 2004, realizei outro grande
sonho: fui chamada no concurso público para efetivação como PEB I (Professor de
Educação Básica I) na rede municipal de Sorocaba.
Creio ser importante fazer um destaque especial nessa experiência que
transformou meu fazer como educadora e meu olhar para a condição humana e social,
como um todo. Cheguei ao conhecido “Habiteto” de Sorocaba (Conjunto Habitacional
Ana Paula Eleotéreo10), minha primeira e única escola pública como docente
localizada num dos bairros mais distantes da região central de Sorocaba e, também,
muito carente. Local de difícil acesso, ruas de terra, comunidade marcada pela
pobreza, abandono e poucas famílias alfabetizadas. Sabe aquelas comunidades
escolares onde não param professores e nem gestão escolar? Que sempre sobram
vagas para a equipe e docentes? Bem, foi para essa escola que uma nova diretora,
uma vice, um coordenador e mais vinte professores entraram juntos cheios de energia
e brilho nos olhos. Todos novos naquele novo contexto e também como concursados

10 A implantação do Conjunto Habitacional Ana Paula Eleutério, popularmente conhecido como


Habiteto, aconteceu em 1997, mesmo em local muito distante da região central e de difícil acesso, a
intenção dos governantes da época era a eliminação de um problema social que afligia centenas de
famílias relegadas a uma condição inadequada de subsistência nas áreas de risco do Município de
Sorocaba. Foram resgatadas mais de 1,1 mil famílias carentes das beiras de córregos e das margens
do Rio Sorocaba para viver em um bairro construído especialmente para elas.
43

(apenas os cargos de suporte pedagógico na época não eram por concurso, mas por
designação de professores efetivos).
A equipe que se formou tinha, desde o início muita afinidade nos propósitos e
ideologias, o que nos tornou um grupo forte para aquela comunidade, pois abraçamos
os nossos propósitos e, pelo menos, durante quatro anos consecutivos, mesmo
havendo possibilidade de remoção, sendo um lugar muito distante para todos,
ninguém saiu.
Nesses quatro anos lá, minha primeira turma, atribuída no momento do
ingresso na rede, foi uma 4ª série. Confesso que cheguei muito receosa, tanto pela
inexperiência como docente de 4ª série, com os conteúdos de 4ª série, quanto com a
com a idade das crianças. O começo do ano letivo foi bem desafiador para mim; era
uma turma muito agitada, com muitos problemas de relacionamento entre o grupo,
brigas constantes e o hábito da negação de muitos para realizar qualquer atividade.
Admito que no início retornava aquele longo caminho de volta para casa chorando por
muitas vezes, sem saber o que fazer para quebrar as barreiras relacionais e termos,
ao menos, um dia produtivo, tranquilo, em que eu pudesse conhecê-los melhor,
identificando as necessidades ainda blindadas por meio dessa negação em realizar
as tarefas e da agressividade entre eles.
Minha abordagem foi mudando a cada dia e acertei quando comecei a dialogar
individualmente com alguns alunos em meio a atividades que os demais realizavam.
Posso dizer que essa ação começou a me aproximar deles, um a um. Fui percebendo
com esse movimento o quanto essas crianças ditas rebeldes tinham profundas
necessidades, além das sociais e emocionais, necessidades na aprendizagem escolar
que começavam pela alfabetização. Dos 29 alunos da classe, constatei aos poucos,
vencendo as barreiras individualmente, que apenas 10 eram alfabetizados. Sim, havia
19 alunos na classe de 4ª série (correspondendo hoje ao 5º ano do EF), ainda em
diferentes momentos da compreensão do sistema alfabético da escrita, porém, todos
copistas. Não sabiam ler e escrever alfabeticamente as palavras que copiavam tão
bem da lousa.
Percebi que muito desse comportamento hostil em realizar as tarefas, era
reforçado por essa dificuldade, pois o espaço escolar para eles representava a
reafirmação diária do fracasso e do incômodo gerado pela falta de compreensão em
tudo o que precisavam realizar. Nessas idas e vindas do caminho da escola para casa,
pensando muito no que fazer e muito preocupada com o direito de aprender a ler e
44

escrever dessas crianças, junto a uma amiga/professora da 4ª série (sala vizinha),


montamos um projeto de oficinas de leitura e escrita. Toda sexta-feira era dia de
oficina e trabalhávamos juntas com nossas turmas. Como ela tinha muita experiência
com o ensino de produção textual (era professora também dos anos finais do ensino
fundamental em Língua Portuguesa), montava propostas de trabalho focando as
necessidades das crianças já alfabetizadas. E eu, com meus anos de estudo e
experiência em alfabetização inicial, elaborava propostas de trabalho voltadas à
aquisição do sistema alfabético de escrita. Nessa época, ainda nem se falava em
aulas de recuperação paralela, financiadas e organizadas pelo sistema público.
Éramos nós e a concepção de recuperação continuada em sala.
Foi muito gratificante essa experiência, pois ao final do terceiro bimestre, todos
os alunos tornaram-se alfabéticos. Mesmo com dificuldades iniciais, já esperadas,
caracterizadas por um aprendizado recente, passaram todos a saber ler e escrever
ao menos pequenas frases e textos. Os demais que já liam e escreviam
desenvolveram-se também nas oficinas de produção de texto. Essa ação que ocorria
uma vez na semana também foi reforçada por atitudes diárias que ajudavam a todos,
como a oralidade acentuada a cada registro coletivo, os dois tipos de letras nos
registros da lousa, leitura diária, escritas estáveis e de interesse de todos diariamente
como: rotina do dia, merenda do dia e exploração máxima do cabeçalho. Todo esse
conjunto abriu um novo caminho de possibilidades para eles e nossa aproximação
nos propósitos diários aconteceu.
Esse ano foi muito marcante em minha história profissional, mesmo com muitas
dúvidas e passando por muita resistência do grupo no início do ano, conseguimos
estabelecer uma relação positiva, afetiva e de colaboração mútua. No início desse
processo, habituada com o universo das escolas particulares, revi muitas questões
sociais e culturais diante das evidentes diferenças. Exercia anteriormente a atuação
docente com crianças estimuladas pelas famílias, com boas condições financeiras,
com pais e familiares letrados, com comida em casa, com o apoio dos pais nas
realizações de tarefas. Mas posso afirmar que reconheci o meu verdadeiro valor e
lugar como professora, ao trabalhar com crianças que procuravam a escola esperando
ansiosamente pela hora da merenda (sendo para muitos a única refeição do dia),
crianças que não possuíam material escolar algum, crianças que quando
chamávamos os pais para conversar perdíamos a noção de quem queríamos ajudar
mais, crianças que não faziam a lição de casa, principalmente se houvesse a
45

necessidade de ajuda, uma vez que nem os pais sabiam ler e escrever, além de não
existir espaço adequado para fazer qualquer tipo de lição em casa. Muitos também
ajudavam seus pais a trabalhar quando estavam fora da escola. Enfim, crianças para
as quais a escola, nosso olhar acerca delas, nossa persistência e afeto tinham um
papel único e transformador. Uma responsabilidade e importância imensas na vida de
cada um rumo às condições de transformação social que tanto reverberamos.
Depois desse processo vivido, houve um reconhecimento da diretora da escola
quanto ao trabalho com alfabetização que foi desenvolvido e, a partir de então, as
demais atribuições de classe/turma nesta escola municipal foram todas de primeira
série (na rede municipal de Sorocaba as atribuições de turmas/turnos é escolha e
responsabilidade do diretor). Quando cheguei à minha primeira experiência na
primeira série do “Habiteto” revi todos os meus conceitos sobre ser uma “boa
professora alfabetizadora”, pois mesmo no contexto dos alunos do ano anterior (4ª
série), assim como em todos os meus anos anteriores em escolas particulares em que
trabalhava com a alfabetização, as crianças já haviam superado a escrita primitiva,
pré-instrumental. Ou seja, aligeirei-me a estudar e pesquisar mais e mais e reconstruí
muitas ideias e práticas, pois tinha trinta e dois alunos nesse primeiro estágio da pré-
história da escrita11. Esse sempre me pareceu ser o maior encanto e ao mesmo tempo
o maior desafio da docência: as singularidades de cada turma, de cada criança, de
cada contexto que nos faz ativos, intrigados pesquisadores e estudiosos. Relembrei,
pelas necessidades reais da turma, conceitos e saberes relacionados à imensidão
desse vasto processo linguístico e o quanto isso exigia de mim novas e novas práticas,
como se estivesse iniciando a minha docência naquele dia novamente.
Um ponto importante nesse percurso foi a oferta de um curso de extensão para
professores alfabetizadores da rede pública, chamado “Letra e Vida”. Logo que houve
a primeira proposta de adesão para professores da rede pública municipal,
imediatamente me inscrevi, sendo o curso realizado em 2005. O curso aconteceu por
um ano e meio no período noturno e este foi o meu primeiro contato com uma política
pública voltada para alfabetização das crianças.

11 Luria (2016, p. 148) denomina esse primeiro estágio da pré-história da escrita de fase pré-
instrumental e explica a ausência de consciência na criança do significado da escrita como signo
auxiliar, assim, o desenvolvimento da escrita na criança percorre um longo caminho desde o primeiro
estágio dos rabiscos ou registros não diferenciados até o signo diferenciado, postulando complexos
processos de ensino e aprendizagem.
46

Para contextualizar, o curso “Letra e vida” foi um programa da Secretaria da


Educação do Estado de São Paulo, que advém das reformulações do Programa de
Formação de Professores Alfabetizadores (PROFA), elaborado e coordenado pela
Prof.ª Telma Weisz, (principal expoente dos estudos de Emília Ferreiro e Ana
Teberosky no Brasil) e instituído pelo Ministério da Educação como política pública
nacional de alfabetização entre os anos 2000 e 2001.
O escopo do programa era desenvolver junto aos docentes da rede pública
uma proposta de alfabetização baseada na teoria construtivista. A equipe pedagógica
responsável foi liderada pela Prof.ª Telma Weisz e pelas coordenadoras gerais
Rosaura Soligo, Rosana Dutoit, Cristiane Pelissari, Rosa Maria Antunes de Barros,
Rosa Maria Monsanto Glória e Rosângela Veliago.
Até os anos 1980, via-se no método a solução para o fracasso na
alfabetização, nesse período sempre concentrado na classe ou série inicial
do ensino fundamental traduzindo-se em altos níveis de reprovação,
repetência, evasão. Como o fracasso persistia a despeito do método em uso,
a cada momento um novo método era tentado, e assim o pêndulo oscilava:
ora uma ou outra modalidade do método sintético, ora uma ou outra
modalidade de método analítico: silábico, palavração, fônico, sentenciação,
global... Nos anos 1980, o construtivismo surge como, ele também, uma
alternativa de combate ao fracasso em alfabetização. Embora reconhecendo
que as causas do fracasso eram sobretudo de natureza social (Ferreiro e
Teberosky, 1986: 17 – 8), propunha-se que a solução, para combater os altos
índices de reprovação na aprendizagem inicial da língua escrita, seria não um
novo método, mas uma nova concepção do processo de aprendizagem da
língua escrita, “tendo como fim último o de contribuir na solução dos
problemas de aprendizagem da lectoescrita na América Latina, e o de evitar
que o sistema escolar continue produzindo futuros analfabetos” (Ferreiro e
Teberosky, 1986: 32 apud SOARES, 2018, p. 23).

Lembro-me de cada momento desse curso, foi uma experiência inquietante,


transformadora e inédita, pois o magistério não havia aprofundado tais questões. O
curso foi constituído por três módulos, o módulo 1, conteúdos de fundamentação,
relacionados aos processos de aprendizagem da leitura e escrita e às questões
didáticas e os módulos 2 e 3, especialmente acerca das propostas de ensino tanto no
que diz respeito à aquisição do sistema de escrita quanto ao desenvolvimento da
competência leitora e escritora pelos alunos.
Inquietante, pois a mensagem latente em todo o curso transitava na veemente
oposição aos demais métodos de alfabetização existentes ao longo da história, sendo
as atividades propostas sempre tentando mostrar/afirmar que os métodos sintéticos,
analíticos ou mistos adotados por muitos professores, eram ultrapassados e
ineficazes, e que só uma proposta construtivista faria com que as crianças
aprendessem a ler e a escrever. Dentro dessa proposta, uma grande parte das aulas
47

do programa era voltada a ensinar aos professores quais são as hipóteses de escrita
e qual é a concepção de escrita que a criança tem em cada uma das fases na qual se
encontra. As hipóteses de escrita, segundo a orientação do programa, são: pré-
silábico, silábico sem valor sonoro, silábico com valor sonoro, silábico-alfabético e
alfabético. Como sabemos, essa concepção vem dos estudos de Emília Ferreiro e
Ana Teberosky que, de 1974 à 1976, realizaram um estudo com um grupo de crianças
oriundas de áreas carentes de Buenos Aires, na Argentina.
Lembro-me do quanto aprendi em relação ao trabalho com textos, às atividades
de leitura e escrita, aos agrupamentos produtivos, porém, uma questão sempre ficava
travada em mim e todos os participantes que não queriam ser considerados
“tradicionais” uns perante os outros: E o papel dos fonemas? Das sílabas? Bastava
ensinar as letras e tudo seria compreendido por meio dos portadores textuais reais?
Por meio das inferências, seleções e antecipações e contatos permanentes sem
isolamentos explícitos?
O curso era basicamente composto por três etapas para cada ideia
desenvolvida no programa: 1) Leitura compartilhada de textos literários, realizada pelo
professor formador para o grupo; 2) A rede de ideias, que é um momento de os
professores compartilham suas ideias opiniões e dúvidas a partir de tarefas propostas
no trabalho pessoal e; 3) O trabalho pessoal, que envolve situações de leitura e/ou
escrita a serem realizadas em sala de aula com crianças, com o objetivo de
complementar o que foi tratado no encontro. É inegável que as propostas de trabalho
com portadores textuais reais traziam bons resultados, mas de fato, naquele contexto,
todo o trabalho com os sons das letras, a consciência fonológica, tipos de sílabas ou
foi deixando de acontecer, sendo substituído pela espera de um estabelecimento de
relações espontâneo por parte das crianças, ou foi realizado em conjunto “às
escondidas” por ser considerado atrasado, “tradicional” ou mecânico.
Na entrega final de meu trabalho de conclusão do curso, mostrei as etapas
contextualizadas textualmente dentro e fora dos projetos propostos pelo programa,
porém, não deixei de evidenciar o trabalho com os segmentos menores da escrita e
suas partes. Na apreciação das formadoras, todos os pontos positivos relatados
referenciavam-se apenas ao trabalho com textos ou projetos. Qualquer ação relatada
de rotina envolvendo a análise da língua fora desses contextos não era bem vista.
O furacão da relação entre construtivismo x ensino tradicional praticamente
definia as pessoas e era muito forte a tendência dos docentes assumirem um discurso
48

moderno e inovador, defendendo muitas vezes algo que não estava completamente
compreendido. Na prática, os efeitos desse momento na história dos métodos de
alfabetização no Brasil foram marcantes. Muitos aprenderam a classificar as crianças
em hipóteses, mas não sabiam o que fazer com elas. Muitos lotavam as salas de
estímulos textuais, mas as crianças não evoluíam no plano da compreensão do
sistema alfabético da escrita, muitos passaram a realizar apenas atividades em grupos
no intuito de um aprender com o outro, porém, em todos esses casos o lugar do ensino
se tornava o lugar do estímulo e da espera, como o lugar da “descoberta” do aluno
como um processo espontâneo.
Sabemos que jamais seria a intenção das idealizadoras e defensoras do
construtivismo desencadear esses reflexos na prática pedagógica, porém, como toda
política pública e toda história são permeadas de diversos interesses, contextos,
formas de interpretação e condicionantes, infelizmente, ainda vivemos muitos
resquícios dessas diversas interpretações, limites, mitos e temos muitos entraves a
superar quando falamos de alfabetização e letramento.

O debate sobre o construtivismo na educação em geral e mais


especificamente na alfabetização está longe de ser encerrado. Para alguns o
construtivismo é um avanço que deve ser mantido sob pena de perda de
conquistas por uma educação democrática. Para outros o construtivismo tem
aspectos positivos a serem preservados, mas também tem limites ou lacunas,
necessitando ser enriquecido ou complementado por outras opções
pedagógicas. Para outros ainda o construtivismo não trouxe avanços nem
para a alfabetização nem para o restante da educação escolar e, portanto,
deve ser analisado criticamente e superado. [...] Não podemos, entretanto,
ignorar o fato de que a alfabetização, tal como ela ocorre hoje nas escolas
brasileiras, traz marcas da difusão do construtivismo, mesmo que as práticas
realizadas não traduzam fielmente as proposições dessa corrente. Em outras
palavras, se o construtivismo não pode ser apontado como o único
responsável pela precariedade da alfabetização das crianças brasileiras,
igualmente não pode ser tão facilmente isentado de parte da
responsabilidade por essa situação (FRANCIOLLI, 2012, p.22).

O meu último ano na amada comunidade escolar do “Habiteto” foi em 2007.


Nesse ano, vivenciava como docente duas experiências extremamente opostas: de
manhã lecionava na escola pública a qual me referi até agora e a tarde fui chamada
para lecionar também numa primeira série: uma das escolas mais burguesas da
cidade (Colégio Objetivo - Portal da Colina). Além de extremamente distantes uma
escola da outra, o que me levava a não ter horário de almoço devido à distância e ao
trânsito entre as escolas, todos os outros condicionantes dessas realidades eram
totalmente opostos. Mais uma experiência que me levava a valorizar e a acreditar
49

numa perspectiva histórico-cultural como propulsora do desenvolvimento humano e a


buscar alternativas à diminuição das sequelas cruéis resultantes da sociedade de
classes e excludente em que vivemos.

[...] o processo de aquisição das particularidades humanas, isto é, dos


comportamentos complexos culturalmente formados, demanda a apropriação
do legado objetivado pela prática histórico-social. Os processos de
internalização, por sua vez, interpõem-se entre os planos das relações
interpessoais (intrapsíquicas), o que significa dizer: instituem-se baseados no
universo das objetivações humanas disponibilizadas para cada indivíduo por
meio da mediação de outros indivíduos, ou seja, por processos educativos
(MARTINS, 2016, p.14).

Em março desse mesmo ano, fui indicada pela minha diretora da escola pública
do Habiteto a ser Orientadora Pedagógica na rede municipal de Sorocaba. Não havia
concurso na época para esse cargo de gestão escolar (Suporte Pedagógico). O
primeiro concurso ocorreu na rede no ano seguinte, 2008. Mesmo com muito receio
dos impactos em deixar minhas turmas e, também, por tamanha responsabilidade em
assumir o cargo, enfim, decidi tentar. Afastei-me das salas de aula e fui para um novo
desafio em uma escola também localizada na zona norte de Sorocaba, EM “Prof.
Basílio da Costa Daemon”, no Parque das Paineiras, escola na qual estou até hoje.
O trabalho como Orientadora Pedagógica de uma escola de “1ª a 4ª séries” foi
engrandecedor... Iniciamos por um movimento de organização dos conteúdos de
ensino por série, pois ainda não tínhamos uma matriz curricular na rede. Quando olho
para esse passado “tão recente” em termos de história na educação pública, penso o
quanto já caminhamos, porém, o quanto ainda temos a trilhar, pois até hoje existem
diversos entraves sobre o que de fato deve ser ensinado aos alunos como
conhecimento clássico, acumulado historicamente.
As discussões acerca de quais concepções o ensino deve estabelecer nas
práticas pedagógicas desses conteúdos estão ainda mais distantes e desafiadoras.
Como exemplo vivemos recentemente o difícil consenso e a polêmica aprovação, em
15 de dezembro de 2017, da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a EI e
EF, prevista desde 1988 em nossa Constituição, onde no Artigo 210, já reconhece a
necessidade que sejam “fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de
maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e
artísticos, nacionais e regionais”, necessidade reforçada posteriormente em 1996
conforme a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9495/96).
50

Empenhei-me ao máximo para ser a coordenadora que gostaria de ter como


professora, ou seja, uma coordenadora parceira, colaborativa, pesquisadora e que
primava pela formação continuada e pelo diálogo com todos para poder refletir e
propor alternativas facilitadoras de fato. Realmente não sei ao certo se logrei êxito
nesse propósito, mas foram essas convicções que me mobilizaram, conduzindo as
minhas escolhas. Além das HTPs (Horas de Trabalho Pedagógico), realizava também
um horário individual por semana com cada professor(a) em sua aula de Educação
Física. Era um espaço muito rico para pensarmos juntos(as) quanto às facilidades,
dificuldades e aos desafios do processo pedagógico. Essas conversas, muitas vezes
culminavam em observações de algumas dificuldades de aprendizagem em sala para
trocarmos acerca das percepções, estratégias e propostas de trabalho, ou até mesmo,
realizava sondagens em minha sala com alguns alunos para conhecê-los de perto e
trocarmos nossas captações com vistas ao desenvolvimento de cada um. Foi uma
experiência apaixonante.
No final do ano de 2007, participei do primeiro concurso público para Suporte
Pedagógico da rede municipal de Sorocaba. Foram quatro cargos: Supervisor de
Ensino, Diretor de Escola, Vice-Diretor e Orientador Pedagógico. Consegui
classificação em todos, porém, como haviam poucas vagas iniciais e minha melhor
classificação foi no concurso de Vice-Diretor, tornei-me Vice-Diretora de Escola.
Passei em 6º lugar e escolhi a mesma escola em que já atuava como Orientadora
Pedagógica (OP). Meu real desejo ao prestar o concurso era continuar atuando como
Orientadora Pedagógica, porém, não passei com uma classificação tão boa.
Um ano e meio depois, quando chegou em meu número para assumir
Orientação Pedagógica recuei em exonerar o cargo de Vice-Diretora, pois na época
essa decisão implicava em precisar mudar de escola e provavelmente atuar em
creches (0 – 3 anos), com mais de um polo de atendimento e retornar à estaca zero
no estágio probatório. Decidi por não fazer, mas é algo que me toca até hoje devido à
essência do fazer de cada cargo, pois ao longo dos anos teria a chance de voltar ao
Ensino Fundamental como OP. Na época, foi essa decisão que tomei.
De 2008 a 2012 vivi intensamente a gestão escolar, me constituindo num lugar
historicamente destinado ao “apoio”, a um tipo de “secretariado”. Sim, ser Vice-Diretor
é um “não lugar” a ser construído na educação, bem desafiador. O (a) Vice-Diretor (a)
de escola, em muitas redes de ensino, até hoje é uma função atribuída e exercida por
indicação (designação), devido ao papel de apoio que executa ao diretor. Em
51

Sorocaba, por ter sido um cargo via concurso, observamos alguns casos evidenciando
relações mal sucedidas entre Diretores (as) e seus (suas) Vices. Afinal, como ser
portador ou executor/líder de comandos e ações/decisões educacionais que muitas
vezes são compreendidas de formas extremamente diferentes no plano ideológico ou
das formas de execução?
Posso dizer que nesse aspecto tive excelentes companheiros (as), trabalhei
com diretores (as) abertos (as) e com concepções próximas. Porém, o distanciamento
das demandas formativas e essencialmente pedagógicas no âmbito da aprendizagem
inerentes a esse cargo realmente me frustraram e de certa forma ainda frustram.
Mesmo assim, mantenho-me atuante participando sempre que possível das ações
pedagógicas por meio das HTPs, na presença em Conselhos de Classe e Reuniões
de Avaliação de Ensino e Aprendizagem (RAEAs).
Nesses nove anos dentro da escola como Vice-Diretora (já excluídos os anos
no cargo de Vice em que fiquei designada na secretaria da educação) experimentei
vários tipos de fazeres na divisão do trabalho, sempre de acordo com as tarefas cada
diretor menos simpatizava. Algumas tarefas como as que descreverei são as que
normalmente ocupam o dia a dia desse profissional da educação em parceria com o
diretor : observar mobiliários, organizar relação de patrimônios por local de uso, fazer
solicitações para a secretaria da educação, recolher APM, fazer prestação de contas,
fazer boletim de ocorrência quando a escola é invadida ou vandalizada, organizar
listas dos alunos, organizar as turmas para o ano seguinte após conselho final, realizar
pesquisas para o PPP e tabular, registrar ideias do Projeto Político-Pedagógico (PPP),
escrever atas, controlar datas de dedetização, datas de troca de filtros e limpeza da
caixa d’ água, anotar e fazer chamamento de manutenções prediais, organizar ações
da formatura (camisetas, passeio, ônibus, cerimonial, presentes, controlar
contribuições, organizar rifas), chamar eventuais, fazer frequência, observar
intervalos, organizar estagiários, organizar o trabalho junto aos funcionários de apoio
(inspetores, merendeiras, auxiliares de limpeza, cuidadores e estagiários), organizar
a festa junina da escola, redigir documentos, atender pais, atender casos de
indisciplina, organizar homenagens para datas especiais (início do ano, dia das
crianças, dia dos professores, dia do funcionário público, etc.), responder pela escola
nas saídas da direção para gasto de verbas, convocações da secretaria da educação
ou férias da direção, acompanhar atendimentos do diretor(a) para registrar, preparar
a escola para todo começo letivo (horários, orientações, placas de identificação no
52

prédio, nas salas, nos pertences dos professores, turmas dos alunos, prontuários,
Power Point para a reunião de equipe, lanche de recepção da equipe) entre tantas
outras situações operacionais e administrativas. Sim, é um trabalho extremamente
importante que necessita de um olhar pedagógico para se aproximar dos reais
objetivos educacionais. Porém, quem gosta muito das ações e discussões acerca do
ensino e da aprendizagem, ser um bom Vice-Diretor torna-se, invariavelmente, um
fazer distante da imersão nas questões pedagógicas, formativas e de estudo coletivo,
que a meu ver me identifica e me traduz na educação.
De 2007 a 2011 mantive meu coração e minhas ações na EM “Basílio da Costa
Daemon”, escola do bairro Parque das Paineiras, e que ficava a aproximadamente
40/45 minutos da minha casa (com condução própria). Foi quando algo maravilhoso
e único se realizou em minha vida pessoal: o nascimento - em 12 de janeiro de 2011-
do meu filho Caio! Até então todos os lugares que trabalhava mantinha-me por conta
do afeto que estabelecia, das relações construídas com a comunidade e por conta de
acreditar que um trabalho consistente em qualquer escola demanda tempo, exige
compromisso e não rotatividade. No entanto, a maternidade transformou a minha vida
e, pela primeira vez, participei de uma remoção, para poder trabalhar mais perto de
casa. Vida de mãe, com bebê mais de 9 h por dia no integral para trabalhar é muito
difícil afetivamente, operacionalmente e fisicamente.
Assim, em 2012, fui trabalhar na especial comunidade da EM “Edemir Antonio
Digiampietri” e em cinco minutos, entre minha casa e a escola do Caio, já chegava ao
trabalho. Essa escola, localizada na Vila Barão, ao lado do Jardim Nova Esperança
também me ensinou muitas e muitas coisas. Uma escola muito próxima ao centro da
cidade e localizada num bairro carente e muito marcado pelo tráfico de drogas. As
dificuldades de aprendizagem ocorriam em grande proporção em cada sala de aula,
problemas no processo de alfabetização também em grande escala.
A escola atendia a alunos do 1º ao 5º ano e possuía um prédio separado para
alunos matriculados em tempo integral. Atuei como vice-diretora dessa escola e muito
me envolvia com as questões da alfabetização dos alunos, pois as dificuldades
encontradas eram semelhantes em alguns pontos à experiência que vivi como
docente na escola do Habiteto. Foi um tempo intenso com parcerias inesquecíveis,
uma diretora extremamente dedicada às questões pedagógicas da escola, porém, um
tempo curto, comparado às minhas outras vivências.
53

Foi quando em meados de 2013 fui convidada a trabalhar na Secretaria da


Educação para assumir a “Seção de Monitoramento da Aprendizagem e Resultados
Educacionais”. Logo de início fiquei muito feliz pela indicação do meu nome, pois não
tinha relação pessoal e muito menos política partidária com as pessoas que
integravam a equipe da secretaria. No cargo de Vice, enquanto receptora de muitas
orientações e solicitações da Secretaria da Educação, sempre me questionei sobre
as diversas possibilidades que, pela primeira vez, supostamente teria a chance de
fazer... A oportunidade de me ver novamente com o foco e o fazer nas questões
pedagógicas me atraiu demais e imediatamente me encheu de ideias. A questão
salarial não mudaria em nada, ou seja, meu cargo ficaria designado na secretaria e
ganharia pelo meu salário de Vice-Diretora mesmo. Aceitei. Mas vale antecipar que
meu olhar sobre os fazeres dos sistemas nunca mais voltou a ser o mesmo.
Entre as principais atribuições da Seção estavam: organizar a logística das
avaliações externas obrigatórias ou aderidas pela Secretaria da Educação; gerar
relatórios de dados da rede e por Unidade Escolar; analisar os resultados dos
processos avaliativos das Unidades Escolares da Rede Municipal; divulgar os
resultados das Avaliações Externas às Unidades Escolares; elaborar relatórios de
demanda formativa da Rede e por Unidade Escolar; realizar reuniões com a Equipe
Gestora das Escolas Municipais; realizar visitas às escolas conforme as demandas;
participar e/ou realizar reuniões nas escolas conforme as demandas prioritárias (HTP
– RAEA); monitorar e analisar as atas de Conselho de Série/Classe/Ano/Termo das
Escolas Municipais; analisar os monitoramentos de aprendizagem existentes na rede
e participar da criação de instrumentos de Monitoramento/Avaliação na Rede
Municipal de Sorocaba.
Ao acessar os arquivos da seção, pude perceber o excesso de materiais sem
um critério de análise e de intervenção estabelecidos. Eram arquivados caso
precisassem responder por alguma escola. Por mais que necessárias as
documentações, considero esvaziadas as ações que não culminam em um olhar
dialógico e formativo acerca das mesmas, mais complicado ainda perceber que isso
é sistêmico, em muitas instâncias.
Logo que cheguei, minha primeira tarefa foi checar se todas as escolas haviam
realizado a entrega das atas dos conselhos de classe bimestrais. Abri um armário
lotado de atas e comecei a checar por meio de uma lista das escolas do ensino
fundamental existentes. Conforme as orientações, precisava encaminhar e-mail ao
54

supervisor de ensino da unidade e também ao diretor da escola apontando a


pendência, se houvesse.
Diante de tantas variações nas formas de entrega, logo identifiquei a
complexidade que seria para encontrar um critério de análise, pois cada escola redigia
e entregava a ata composta de informações e formas de apresentação bem diferentes.
Algumas atas chegavam a ter 50 páginas escritas à mão por período de atendimento
da escola. Outras escolas entregavam apenas tabelas com dados gerais de
notas/faltas assinados por todos ou cópias de alguns relatórios de professores. A
maioria das atas não evidenciavam com clareza as dificuldades de aprendizagem
encontradas conforme os objetivos de ensino e critérios de avaliação, versavam em
sua maioria, por aspectos sociais, emocionais, comportamentais dos alunos e,
recorrentemente, à falta de apoio das famílias.
Era possível captar muitas informações acerca das concepções de ensino e
aprendizagem de cada escola e da sua cultura avaliativa por meio desses registros.
Mas cada escola possibilitava uma interpretação diferente das informações que cada
uma continha. Por meio dos registros, parecia vigorar a existência de conselhos de
classe mais pautados nos aspectos burocráticos e impeditivos do que como espaço
formativo e dialógico, marcados por proposições, pela definição de planos e
estratégias de ensino.
Para além disso, enquanto nova integrante, questionava também qual deveria
ser o papel da área pedagógica da Secretaria da Educação nesse contexto. O que
poderia ser pensado a partir dessas informações? De que forma a secretaria poderia
colaborar com as escolas? Estando à frente desses materiais e passando a responder
por eles, propus a criação de uma comissão com um representante de cada segmento
das escolas (eleitos por seus pares) para estudarmos acerca dos Conselhos de
Classe e propormos alternativas de formação em rede visando as fundamentações
teóricas quanto à sua concepção de modo que esta também passasse a se expressar
por meio dos registros. Foi a primeira comissão da SEDU formada por profissionais
que atuavam tanto na Secretaria da Educação como junto a profissionais que atuavam
no chão da escola. Assim, tivemos na composição do grupo: uma supervisora de
ensino, uma gestora de desenvolvimento educacional, uma diretora, uma orientadora
pedagógica dos anos iniciais, outra dos anos finais, uma vice-diretora e dois
professores, sendo um PEB I e outro PEB II.
55

Após encontros semanais e muitas reuniões, pesquisas e diálogos da comissão


com todos os integrantes do Suporte Pedagógico, esse movimento se materializou na
produção do primeiro Caderno de Orientações Pedagógicas da SEDU. O percurso foi
marcado por levantamento das leis e diretrizes existentes sobre o Conselho de
Classe, levantamento dos referenciais teóricos acerca do tema, pesquisas com as
escolas, conversas com alguns pesquisadores, a saber Ângela Dalben (UFMG) e
Eriseveltom Lima (UnB), que marcaram essa trajetória de forma sensível e
consistente.
Seguido desse período e recebendo os novos registros dos conselhos de
classe, pudemos verificar nas atas das escolas novas informações em comum, visto
que organizamos a relação de informações imprescindíveis que toda “ata” deveria
conter. Por meio desta nova experiência, tornou-se evidente o quanto as questões
relacionadas a alfabetização inicial mostravam-se desafiadoras, havendo sempre um
número considerável de crianças com dificuldades neste processo.

[...] para propiciar a aquisição dos instrumentos que possibilitam o acesso ao


saber elaborado (ciência), bem como o próprio acesso aos rudimentos desse
saber. As atividades da escola básica devem organizar-se a partir dessa
questão. Se chamarmos isso de currículo, poderemos então afirmar que é a
partir do saber sistematizado que se estrutura o currículo da escola elementar.
Ora, o saber sistematizado, a cultura erudita, é uma cultura letrada. Daí que a
primeira exigência para o acesso a esse tipo de saber seja aprender a ler e
escrever. Além disso, é preciso conhecer também a linguagem dos números,
a linguagem da natureza e a linguagem da sociedade. Está aí o conteúdo
fundamental da escola elementar: ler, escrever, contar, os rudimentos das
ciências naturais e das ciências sociais (SAVIANI, 2011, p. 14).

Por meio dessas novas informações acordadas com a rede municipal de


educação para a composição do registro da ata, pudemos perceber também o quanto
era díspar a compreensão de cada escola ou de determinadas turmas dentro da
mesma escola em relação às concepções relacionadas aos pontos de partida e
chegada em alfabetização, em cada ano de escolaridade do conhecido ciclo de
alfabetização12. Tornava-se latente o pensamento do Professor Arthur Gomes de

12 Conforme a RESOLUÇÃO No- 7, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2010 que Fixa Diretrizes Curriculares


Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, os três anos iniciais do ensino fundamental
constituem o ciclo da alfabetização e letramento e não devem ser passíveis de interrupção. De acordo
com o documento, mesmo quando o sistema de ensino ou a escola fizerem opção pelo regime seriado,
será necessário considerar os três anos iniciais do ensino fundamental como um bloco pedagógico ou
um ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para ampliar a todos os alunos as
oportunidades de sistematização e aprofundamento das aprendizagens básicas. A ideia da diretriz se
fundamenta em pesquisas que revelam que a repetência durante esse período escolar não garante a
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Moraes (2012), quando escreveu que a marca principal da ineficiência da escola


pública brasileira está relacionada ao fracasso na “série da alfabetização”, ou seja,
logo no 1º ano do Ensino Fundamental, onde a grande maioria dos alunos de cada
turma deve chegar à hipótese alfabética, ou seja, deve compreender o funcionamento
do Sistema de Escrita Alfabético. Conforme o autor, essa marca precisa ser superada
para que o sistema de ensino brasileiro, como um todo, não perpetue a exclusão
diante da evidência da dificuldade em alfabetizar a todos na idade certa, garantindo a
progressão das aprendizagens durante o ciclo de alfabetização. Assim, a proposta do
“ciclo” por um lado faz a defesa primordial da ideia de um processo realmente
complexo e multideterminado, porém, por outro, abre espaço para confusões na
seleção dos conteúdos e práticas acerca dos objetivos de aprendizagem a cada ano
que compõe esse ciclo. Não obstante, também era possível reconhecer a confusão
conceitual entre “estar alfabético” ou “estar alfabetizado” ao final do 3º ano.

A alfabetização é um processo contínuo, em que não é possível definir uma


linha de corte e dizer: “aqui, nesse momento, esta criança está alfabetizada”.
Isso vai depender do conceito de alfabetização que se adota. Se a criança está
alfabética, na terminologia da psicogênese, ou seja, se ela descobriu que se
escreve com letras e que as letras representam sons, pode-se considerar essa
criança alfabetizada? É pouco, mas pode-se considerar. Isso acontece, em
geral, no 1º ano, ou mesmo no fim da Educação Infantil, caso essa etapa tenha
trabalhado sistematicamente não propriamente a alfabetização, mas tenha
orientado e incentivado o processo progressivo de compreensão da escrita
pela criança. Essa ideia de que no fim do 1º ano as crianças têm que estar
alfabetizadas é uma ideia mais do senso comum do que propriamente de
teorias de alfabetização e até mesmo das políticas públicas. As políticas
públicas determinam que, ao fim do 3º ano, aos 8 anos de idade, a criança
deve estar alfabetizada, isso significando que ela já seja capaz de escrever e
ler pequenos textos e que leia com razoável fluência. Essa definição é
fundamentalmente política, e se orienta pelo critério de atendimento às
demandas sociais básicas de domínio da leitura e da escrita (SOARES, 2015,
p. 02).

A conclusão desse processo apontava várias lacunas nas concepções


vigentes, necessidade de formação e elaboração de materiais públicos decorrentes
desses estudos e que pudessem nortear as escolas em tempos e espaços diferentes,

alfabetização e pode prejudicar o rendimento escolar da criança no ensino fundamental como um todo
e, particularmente, na passagem do primeiro para o segundo ano de escolaridade e deste para o
terceiro. Defende também que a complexidade do processo de alfabetização requer a continuidade do
aprendizado para que sejam respeitados os diferentes tempos de desenvolvimento das crianças de
seis a oito anos de idade. Ao final do ciclo, a criança deve estar alfabetizada.
57

independente da rotatividade que toda troca de governo propicia às redes públicas,


invariavelmente. Haviam várias necessidades: rever o Marco Referencial (marco
conceitual) da rede, rever nossa Matriz Curricular, os Processos de Planejamento,
Avaliação, Documentação Pedagógica, Projetos Político-Pedagógicos das escolas,
entre tantas outras ações que poderiam fortalecer a seleção de conteúdos e as
práticas pedagógicas subsidiando o sistema como um todo. Porém, rever e produzir
tantas demandas de forma dialogada, participativa, com representatividade dos
segmentos envolvidos e produção documental exige tempo, demanda muito estudo e
muitos debates.
No ano seguinte, em 2014, fui convidada pela Diretora de Área, Giane Sales
da Silva Mota, e pelo Secretário da Educação, José Simões Almeida Júnior, a assumir
a Divisão de Apoio Técnico-Pedagógico. Pessoas singulares e comprometidas com a
educação que tive o prazer de conhecer ao entrar na secretaria e que também
marcaram minha história.
As principais atribuições da divisão diante do contexto construído na seção
ficaram assim elencadas: - planejamento e acompanhamento das ações de Formação
Continuada definidas pela diretoria de área; - condução ou organização da
participação da rede em comissões criadas após a Comissão do Conselho de Classe
(Calendário Escolar, Rendimento Escolar /Conselho de Classe e 1/3 da Jornada de
Trabalho; PPP, Documentação Pedagógica, Marco Referencial, Professor Aprendiz,
Caderno de Planejamento); - acompanhamento das ações das Avaliações Externas –
ANA, Prova Brasil, Provinha Brasil e SARESP (plano logístico, materiais,
comunicação, organização das comissões de avaliação/correção, produção e análise
pedagógica dos dados); - reuniões com as Equipes Gestoras das Escolas
(Resultados, Avaliação Institucional, Plano de Formação, Professor Aprendiz,
Conselho de Classe, Marco Referencial, PPP); - organização da Avaliação
Institucional junto a Seção de Políticas Públicas e Suporte Administrativo; -
acompanhamento das licitações que envolviam a divisão: transporte, café e formação;
- organização dos próximos Cadernos de Orientação da SEDU; - elaboração de
Comunicados, Ofícios, Respostas a Requerimentos, Termos de Referência e demais
solicitações; acompanhamento da tabulação da seção de monitoramento e análise
dos dados das escolas de Rendimento Escolar e Avaliações Externas; -
acompanhamento da análise das Atas de Conselho de Classe; - acompanhamento
dos Planos de Formação das Escolas; - planejamento, análise e acompanhamento de
58

políticas educacionais; - organização da demanda de materiais pedagógicos (livros


didáticos e paradidáticos) junto à Seção de Políticas Públicas; - análise de materiais
e outros recursos didático-pedagógicos; -atendimento ao suporte pedagógico das
Instituições Escolares; - organização bimestral das Orientações ao Conselho de
Classe Ano/Série/Termo das Instituições Escolares; - análise de Projetos didáticos na
viabilização de atividades complementares, extracurriculares e culturais/transporte; -
organização das orientações para a semana de planejamento e replanejamento e
acompanhamento de todas as ações envolvendo o PNAIC.
Enfim, a responsabilidade foi ficando cada vez maior e a convicção que todas
elas deveriam caminhar também. Novamente, o salário era correspondente ao meu
cargo de origem, reforço, pois muitas pessoas acreditam que aceitar essas posições
de liderança numa secretaria só pode se resumir em quatro tipos de motivos: salário,
defesa de uma política partidária, descanso (indicação por favores) ou gosto por estar
em uma função de poder; no entanto, nenhum desses conhecidos motivos me
guiavam, mas sempre o desejo íntegro (ou hoje penso, talvez a ilusão), de contribuir
na caminhada pedagógica das ações que a rede precisava e, também, experimentar
outros fazeres diferentes do fazer da Vice-Direção.
No entanto, entrei e saí desta experiência com a convicção fortalecida de que
a rede com seu potencial de servidores comprometidos com a educação de qualidade
para todos(as) - empenhados em pesquisas e estudos - possui uma história legitimada
capaz de propiciar os movimentos de crescimento dos quais a própria rede necessita,
o que de fato justifica o cessar dos gastos desenfreados com empresas parceiras de
passagem, que a cada governo trazem novos vocabulários, porém, não garantem nem
mesmo a compreensão superficial quanto mais a continuidade das implementações.
Responsabilidades aumentando e as pernas ficando cada vez mais curtas para
tantos objetivos. Os dias foram ficando cada vez mais longos fora de casa: 11, 12, 13
e até 14 horas direto no trabalho cheguei a ficar, a rotina de responder aos e-mails
pela madrugada tornou-se comum, habitual também transformou-se a necessidade
de elaboração de apresentações para reuniões importantes durante a madrugada,
muitas vezes na véspera da reunião. No entanto, não posso deixar de reconhecer que
produzimos muito, defendendo os encaminhamentos democráticos e dialógicos
sempre. Achávamos que estávamos no caminho certo, todavia, a cada
produção/tema/diálogo “vencido” as demandas e necessidades só se tornavam mais
evidentes.
59

Tive a oportunidade de trabalhar com um Secretário da Educação muito


determinado que alterou processos, procedimentos e provocou reflexões em muitas
lógicas instauradas e naturalizadas pelo tempo no funcionamento da secretaria. Sou
um exemplo vivo, pois não o conhecia e ele me convidou por indicação de outros
trabalhadores da rede. E assim o fez com a maioria dos cargos. Queria saber da
trajetória e defesas profissionais de cada um que ali era indicado por alguém, nunca
perguntou acerca de partido político; apresentava-se a todos (as) sempre como um
grande defensor da educação pública que queria se juntar a outros para promover as
mudanças necessárias. Trouxe para a Secretaria o apoio do universo acadêmico, do
estudo, das produções científicas, da defesa pelo investimento em formação e em
ações democráticas.
Em 2015 fui nomeada por este Secretário para ser Diretora de Área de Gestão
Pedagógica (que em Sorocaba representa o cargo designado abaixo do Secretário da
Educação). Tive muito medo e não me considerava capaz de fazê-lo, muito menos
com uma trajetória acadêmica compatível. Ademais, também já me encontrava em
situação de certo esgotamento emocional e sentindo-me muito afastada da minha vida
familiar. Na verdade consegui assumir esse desafio de experimentar esse trabalho na
Secretaria da Educação, pois pude contar com o apoio inigualável do meu ex-marido,
que todos os dias buscava nosso filho Caio na escola, o que me deixava segura para
chegar algumas horas depois em casa. No entanto, essa realidade de chegar em casa
após as 19h foi se ampliando e me consumindo mais e mais no tempo, nas
preocupações e nas pendências a fazer depois que meu filho dormia.
Foram tantas demandas juntas que já não tinha mais foco para ter um pouco
de convicção de contribuir com a melhora da educação pública municipal. Reuniões
internas e recorrentes que levavam o dia todo... Reuniões com Diretores, Orientadores
e Vices para organizar do começo ao fim. Os enfrentamentos foram se ampliando
devido ao cargo, passei a experimentar bruscamente a mudança de olhar e de
tratamento de alguns depois que assumi a Diretoria de Área de Gestão Pedagógica.
A convicção nas decisões do nosso secretário, invariavelmente, não agradava
a todos, o que num cargo eminentemente político-partidário pode representar
problemas. Diante do conflito que marcou a construção do nosso Plano Municipal de
Educação (PME), ele foi afastado e substituído. Após sua saída, um clima conciliador,
porém marcado por imensas contenções de despesas e, consequentemente, de
paralisação das ações da área pedagógica ocorreram. Não percebia mais
60

possibilidade de continuidade, nem ao menos manter as comissões era possível, pois


os professores que a constituíam precisariam ser convocados, o que foi cancelado
pela contenção de despesas. Já me sentia esgotada, e os propósitos se deslocaram
e, assim, na primeira oportunidade pedi para retornar à minha escola. Aguardei o
tempo solicitado para transição, participei do concurso de remoção e para minha
alegria consegui retornar meu cargo à escola que fiquei de 2007 à 2011, EM “Basílio
da Costa Daemon” no Parque das Paineiras.
Em 2016 retornei à essa escola com um novo parceiro como Diretor e uma
nova parceira como Orientadora Pedagógica. Estamos juntos até hoje, dividindo não
só a defesa e o compromisso pela educação pública de qualidade, os desafios do
cotidiano escolar, como também um forte laço de amizade e companheirismo. Logo
que regressei à EM Basílio, tive a alegria de reencontrar antigas e comprometidas
companheiras de jornada, que já estavam na escola desde 2007/2008. Iniciamos
nosso trabalho com enormes expectativas e muita união. Em um ano caminhamos
bastante com o marco situacional da instituição, desenvolvendo nos momentos de
estudo um movimento de conhecimento da realidade da escola, envolvendo o
desvelamento da realidade socioeconômica, educacional e laboral da comunidade e
alunos. Nesse trabalho coletivo pesquisamos, discutimos e registramos acerca: 1 –
Da caracterização do atendimento da instituição (períodos de funcionamento, faixa
etária atendida, descrição do número de turmas). 2- Da caracterização dos
Profissionais da instituição (segmentos que atuam na instituição, número de
profissionais por segmento, perfil dos profissionais por segmento em relação à
experiência, permanência e/ou rotatividade da equipe). 3- Da caracterização Física da
instituição (quantidade de salas, área externa, parque, acessibilidade). 4-
Caracterização Material da instituição (acervo bibliográfico, equipamentos existentes,
mobiliário, jogos pedagógicos). 5 - Caracterizações dos Familiares (pesquisa
socioeconômica da instituição educacional, perfil do acompanhamento das famílias
na vida escolar dos alunos, grau de participação das famílias em reuniões de pais,
festas e colegiados). 6- Da caracterização dos Colegiados Escolares (quais e como
estes foram constituídos). 7- Da caracterização dos Resultados Educacionais da
Instituição (históricos das avaliações externas que a instituição possui: SARESP,
IDESP, Provinha Brasil, Prova Brasil, IDEB e ANA. Levantamento dos
monitoramentos da aprendizagem acerca do desenvolvimento da leitura e escrita. E
levantamento e análise dos históricos de rendimento escolar da instituição: taxas de
61

aprovação, retenção, evasão e distorção idade-série da escola). 8- Da caracterização


dos Alunos e formas de acompanhamento do trabalho docente (incluir a análise das
atividades diagnósticas, dos Portfólios dos alunos, dos resultados do Conselho de
Classe Ano/Série/Termo, dos critérios de avaliação/documentação da instituição). 9 –
Da análise dos resultados da Avaliação Institucional da escola e Diagnóstico PDDE
interativo/Indicadores de Qualidade. Foi um trabalho importante e muito elucidativo
visando a construção do PPP da escola.
Em consonância ao levantamento e registro de todos esses dados, iniciamos
um movimento de estudo do nosso recente material denominado “Marco Referencial
da Rede Municipal de Sorocaba”, (produção coletiva de uma das comissões que iniciei
enquanto estive na secretaria da educação) que desenvolveu e concluiu um trabalho
consistente que demandou muito estudo e diálogo para sua elaboração. Ponto
transformador desse processo para o avanço nas concepções de educação, ensino,
homem e sociedade foram as leituras das produções acadêmicas do Professor
Dermeval Saviani.

Saviani (1997, p. 18), ao referir-se à função da escola, defende a tese de que


“[...] a escola é uma instituição cujo papel consiste na socialização do saber
sistematizado”, isto porque “É a exigência de apropriação do conhecimento
sistematizado por parte das novas gerações que torna necessária a existência
da escola” (Id. Ibid., 1997, p. 19). Nesse sentido, é possível compreender que
a escola, numa perspectiva histórico-crítica, torna-se responsável por
promover o acesso da população ao saber sistematizado (MARCO
REFERENCIAL DA REDE MUNICIPAL DE SOROCABA, p.30, 2017).

Assim, movidos pelas ideias do autor, iniciamos alguns diálogos em nossa


escola envolvendo conceitos das obras “Pedagogia Histórico-Crítica - Primeiras
Aproximações” e do clássico “Escola e Democracia”.
Nesses registros dos fazeres em 2016, trago esses destaques pois os
considero mais relevantes, ou melhor, preciosos e necessários, na direção do
crescimento consistente de qualquer instituição educacional.
Outro ponto importante desse meu retorno ao chão da escola foi perceber o
quanto os docentes novos que chegavam à escola e estagiários de pedagogia
revelavam por meio da prática pedagógica e/ou dos seus discursos, um certo
desconhecimento acerca do processo de alfabetização em todas as suas dimensões:
conceito, didática, metodologia, desenvolvimento, objetivos e avaliação.
62

Estamos ainda muito distantes dos embates relacionados ao “como fazer”, com
a necessidade de clareza sobre “o que é alfabetização”, o “que ensinar” e “por que
ensinar”. Entender o que deve ser objeto de ensino em cada ano/série dos anos
iniciais do Ensino Fundamental... Em geral, parece que há uma lacuna expressiva
acerca da importância dos conteúdos e métodos de ensino no ciclo de alfabetização
em cursos de formação de professores (Pedagogia), os quais, também, vem se
apresentando cada vez menos presenciais e mais marcados pela EaD.
[...] o planejamento pedagógico deve ter objetivos claros, instituindo-se como
um dos primeiros pontos necessários ao bom ensino. E nele precisam ser
considerados os elementos: conteúdo – forma - destinatário (MARTINS, 2013).
Dessa maneira, ao planejar o ensino, o professor vislumbrará o que ensinar
(conteúdos), quem é o aluno (saberes efetivados e saberes iminentes) e
elegerá a melhor forma correspondente às necessidades de aprendizagem de
cada criança. [...] O professor então precisa ter intencionalidade clara das
demandas educacionais, conhecer o objeto com o qual trabalha, bem como,
conhecer os aspectos próprios ao desenvolvimento do aluno com quem está
interagindo. Nessa direção, o ensino deve orientar os alunos na tomada de
consciência sobre seu aprendizado, oportunizando-lhes o desempenho de um
papel ativo nesse processo organizado pelo professor. Assim, torna-se
fundamental aos alunos saberem por que e para que estão aprendendo dado
conteúdo (DANGIÓ; MARTINS; 2018, p. 62).

Em 2017 o governo municipal mudou e a nova Secretária da Educação, por


meio de uma Gestora que havia trabalhado comigo na Seção de Apoio à Formação
Continuada, nos anos de 2014 e 2015 e que também coordenava as ações do PNAIC
(Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa), me convida a participar da Gestão
de Desenvolvimento Educacional à frente das questões da alfabetização,
coordenando a parceria com o Governo Estadual na oferta dos materiais do Programa
Ler e Escrever. Ainda muito assustada com o formato desgastante que havia
encerrado minha passagem na secretaria, considerei interessantíssima a ideia de
trabalhar apenas focada nas políticas públicas do município voltadas à alfabetização,
ainda mais contando com a parceria de uma excepcional profissional, professora e
pessoa nessa proposta: Margareth Pedroso.
Muitas dúvidas passaram por minha mente, afinal, já conhecia os meandros da
esfera governamental pública, porém, a paixão pelo tema que trabalharia e a
convicção íntima de que as pessoas só realizam outras possibilidades para além do
instituído hegemonicamente se realmente tentarem/experimentarem fazer no coletivo
e de não se vitimarem e/ou embrutecerem diante da realidade, resolvi tentar
novamente.
63

Pois bem, retornava agora em uma ação diferente das anteriores e, com essa
profissional, estávamos à frente do desafio imenso de delinear, debater e desenvolver
as concepções de dois programas de naturezas conceituais distintas; desde a
operacionalização dos processos (aquisição e distribuição de livros, preenchimento
de sistemas, monitoramento), até subsidiar a práxis em sala de aula, de uma rede de
mais de 25 mil alunos. Qual o contexto para isso? Bem, um contexto desfavorável a
qualquer processo que se queira chamar de formativo.
Tínhamos na secretaria da educação, a realização de reuniões quinzenais com
mais de cem Orientadores Pedagógicos, porém, as mesmas já estavam programadas
pela gestora chefe13 acerca de outra temática até agosto. Não poderíamos convocar
esse grupo para além desse cronograma já instituído, ademais, ainda se mantinha o
contingenciamento financeiro, inviabilizando qualquer proposta de formação em
serviço diretamente aos docentes via convocação em horário de trabalho, tendo em
vista que o custo com professor eventual para pagar as ausências dos docentes
alfabetizadores seria oneroso e, em Sorocaba, até então não havia definição nem
recursos suficientes para a implementação da Lei do piso no que se refere ao tempo
de formação e estudo (Lei Nº 11.738, de 16 de Julho de 200814)14 .
Foi então que observamos no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), na
época - recém-criado pelo Gestor de Desenvolvimento Educacional Luis Gustavo
Maganhato - uma opção para dialogarmos acerca de temas fundamentais da
alfabetização e do letramento. Muito longe de ser um ideal de viabilidade para todos,
apresentou-se como um caminho de livre escolha para utilização de materiais e vídeos
nas Horas de Trabalho Pedagógico (HTP) em local de trabalho. A proposta
aparentemente foi bem vista pelo grupo, tanto que tivemos duas competentíssimas
supervisoras de ensino conosco alternando as gravações, além de convidados (de
dentro ou de fora da rede municipal) com experiência no tema a ser tratado a cada
gravação. Todavia, sabíamos que estávamos distantes de implementar um plano

13 Nesse governo retiraram da pasta da educação o cargo de Diretoria de Área de Gestão Pedagógica
e assim, abaixo da Secretária da Educação, estavam os treze cargos de Gestores de Desenvolvimento
Educacional, porém, havia uma hierarquia entre os gestores de acordo com a formatação estabelecida
na época.
14 A Lei Federal 11.738 de 16/07/2008 apenas se concretizou a partir de 01/02/2019 aos docentes da
rede municipal de Sorocaba por meio da LEI Nº 11.848, DE 20 DE DEZEMBRO DE 2018, que altera a
redação dos artigos 14, 29 e 34 da Lei nº 4.599, de 6 de setembro de 1994, alterada pela Lei nº 8.119,
de 29 de março de 2007, que estabelece o Quadro e o Plano de Carreira do Quadro do Magistério
Público Municipal de Sorocaba e dá outras providências.
64

formativo abrangente e estruturado que de fato permitisse a participação de todos os


docentes no processo, uma vez que o acesso aos materiais e vídeos se dava apenas
por meio de login e senha da equipe gestora de cada escola, além de sabermos que
em muitos casos, os cronogramas temáticos das HTPs das escolas também já
estavam em desenvolvimento.
A série criada foi intitulada “Bate Papo Educação: Diálogos sobre
Alfabetização”, com gravações temáticas quinzenais, encaminhamento do referencial
teórico no AVA e abertura de fórum de discussão a cada vídeo. Esse movimento foi
intenso entre aprender a utilizar uma nova ferramenta, estar diariamente estudando
muito, muito mesmo e tendo reuniões semanais entre todos os participantes e
convidados objetivando colocar em evidência um tema tão necessário e que há muito
tempo estava silenciado nos processos formativos.
Demos ao menos um passo a mais diante do contexto de uma rede que apenas
fazia adesão aos programas, distribuía materiais do Ler e Escrever e realizava
formação do PNAIC aos que poderiam comparecer fora do horário e do local de
trabalho. Com essa tentativa, além de manter a existência
logística/distributiva/operacional desses processos, passamos a escavar outros
espaços por meio desses vídeos, que ampliassem a possibilidade de reflexão às
questões inerentes do ciclo de alfabetização. Os materiais e vídeos permaneciam e
ainda permanecem disponíveis e vivos no tempo/espaço por meio do AVA para
utilização a qualquer momento e/ou necessidade da escola.
Visando ainda muitos ajustes e possibilidades, na época estávamos diante de
uma tentativa de mobilização (talvez a única possível), visando a retomada para
alguns, ou início para outros, dos diálogos e aprofundamentos necessários à prática
pedagógica alfabetizadora. Vale ressaltar também, que haviam inquietações quanto
às concepções dos dois programas disponibilizados, dos quais um deles apenas
viabilizava, desde 2013, o material às escolas (Livros do Programa Ler e Escrever)
fornecidos em parceria com a rede estadual, enquanto o outro (PNAIC), apenas
formações, mas de caráter opcional e fora do horário de trabalho, não atingindo a
todos. Assim, o trabalho com os vídeos foi se fortalecendo, também a participação foi
ampliada nas visualizações; algumas escritas começaram a aparecer nos fóruns e o
acesso aos materiais que repertoriavam as gravações a cada tema foram se
ampliando pouco a pouco.
65

Abruptamente, o percurso de todas as ações em andamento foi interrompido


pois o então prefeito foi cassado do seu cargo no município de Sorocaba e diante
desse contexto caótico e inédito em nosso município, a solicitação que nos chegou foi
que todos os secretários das pastas e todos os outros cargos designados ou
comissionados pedissem de próprio punho a exoneração. Diante desse pedido de
interrupção do trabalho em curso, lamentavelmente assisti de perto os efeitos das
relações político-partidárias ocupando um lugar muito mais expressivo do que a
própria necessidade de continuidade dos serviços. No entanto, dentre poucos
colegas, retornamos aos afazeres e trabalhamos para que as ações em andamento
não sofressem interrupção.
No final de outubro de 2017, por meio de uma liminar, houve o retorno do
prefeito ao cargo e concomitantemente a exoneração dos que continuaram o trabalho
no período de seu afastamento. Assim, no final de outubro, estava de volta à minha
escola, um pouco mais cética com o mundo, mas com a sensação do dever ético
cumprido.
No início do segundo semestre de 2017 recebo a informação da abertura da
primeira turma do Mestrado Profissional (MP) da Faculdade de Educação (FE) da
UNICAMP. Estava ensaiando há anos o início de um mestrado. E sempre sonhei em
realizá-lo na UNICAMP, berço de muitas inspirações educacionais que possuo.
Ao ler sobre as características do MP, encorajei-me, visando uma chance de
me aprofundar - a partir dos elementos constitutivos da minha história como
professora alfabetizadora, formadora e gestora – na defesa da alfabetização e do
letramento para todos e todas, identificando-a como uma causa que necessita estar
em pauta, mobilizando as pesquisas científicas até que se garanta a sua superação
na sociedade excludente em que vivemos.
[...] concebe-se na Faculdade de Educação da Unicamp, uma proposta de
Mestrado Profissional que valorize o debate teórico, pois esse ilumina a
compreensão da realidade, a qual será objeto de estudo, e que contemple rigor
idêntico ao apresentado no Mestrado Acadêmico. A dimensão da experiência
é, assim, foco das análises e visa enriquecer e aportar novas reflexões à
prática dos profissionais da educação em serviço. Compreende-se, portanto,
que o MP aqui proposto, deve privilegiar, no processo formativo, as práticas
escolares e pedagógicas na educação básica e a atuação dos profissionais no
âmbito das políticas públicas educacionais fundamentalmente na gestão, no
planejamento e na avaliação das escolas e sistemas de ensino (UNICAMP,
2015, p.17).

Sabia que a trajetória não seria fácil: trabalhando, empenhando-me na


educação do meu amado filho Caio, de apenas 8 anos, divorciada, cuidando da casa,
66

dentre tantas outras ações que essas responsabilidades e condições demandam. No


entanto, a oportunidade foi conquistada, mostrando ser a conjuntura propícia para a
exploração de questões que sempre me despertaram fascínio, inquietações e
questionamentos.
Durante o percurso do mestrado profissional, tendo a honra imensa de ser
orientanda do professor Dr. José Claudinei Lombardi, e ter participado de suas
inspiradoras aulas e também de aulas com Dermeval Saviani, Mara Regina Martins
Jacomeli, Newton Duarte, Juliana Campregher Pasqualine, Luciana Cristina Salvatti
Coutinho, Maria Cláudia da Silva Saccomani, Regis Henrique dos Reis Silva, Ana
Carolina Galvão Marsiglia. Antonio Carlos Maciel, Nima Imaculada Spigolon, Geisa do
Socorro Cavalcanti Vaz Mendes, Cláudia Beatriz de Castro Nascimento Ometto, Maria
Teresa Eglér Mantoan, Débora Mazza, Adriana Carvalho Koyama e Guilherme do Val
Toledo Prado, posso afirmar o quanto a oportunidade de estudar nesta reconhecida
Universidade Estadual vem transformando os meus dias e nutrindo a minha
esperança nos caminhos de superação e fortalecimento da escola pública. Muitas
vivências, pesquisas e leituras vêm sustentando e conscientizando o meu olhar sobre
o mundo... Conviver esse período com professores tão sábios e colegas de profissão
tão empenhados me fez renovar a confiança nas possibilidades de transformação, a
qual já iniciou dentro de mim.
Muitos são os desafios, mas até o presente momento da minha história, posso
concluir que podemos muito no coletivo das nossas instituições escolares se
estivermos abastecidos pelo estudo, pela pesquisa e pelo diálogo. São poucos os
espaços de tempo na escola para promover tudo o que é preciso no âmbito da
formação coletiva, mas os espaços precisam ser cavados, percebidos em diversos
momentos do cotidiano escolar e aprofundados pela convicção da nossa
responsabilidade, da nossa defesa pela educação pública e da consciência do nosso
papel.
Compreender que os movimentos políticos dominantes, que priorizam, criam e
determinam as políticas públicas, ainda não são (e pelas projeções atuais não serão
por um bom tempo) os principais defensores da educação pública de qualidade deve
ser ponto de consciência e partida que nos une e nos conclama ao fortalecimento
coletivo.
67

Do ponto de vista prático, trata-se de retomar vigorosamente a luta contra a


seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas
populares. Lutar contra a marginalidade através da escola significa engajar-se
no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade
possível nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da
educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar
que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes (SAVIANI,
2012, p. 31).

Por fim, fecho o presente capítulo narrativo, reafirmando o pensamento de


Dermeval Saviani (p.77, 2012), quando certifica que a verdadeira democracia se dá
em nossa sociedade quando a escola cumpre o papel de assegurar às camadas
populares as condições de desenvolvimento por meio do domínio dos conteúdos
culturais, o que portanto, como assevera Dangió e Martins ( p.64, 2018), expressa-se
na urgência de “aclarar o papel da escola pública” e do seu coletivo para a garantia
da alfabetização e do letramento para todos e todas como instrumento de acesso e
condição de participação nesse contexto social e político marcado por interesses
desiguais e pela divisão de classes.
68

2. O DILEMA DA ALFABETIZAÇÃO E DO LETRAMENTO NO BRASIL

Numa pesquisa cujo o tema central é a alfabetização e o letramento, procura-


se localizar na história da educação brasileira o seu surgimento, assim como a
evolução dos seus conceitos ao longo do tempo. Nessa perspectiva, este capítulo se
apresenta dividido em quatro seções, nas quais proponho-me explicitar as condições
que tornaram a alfabetização (ou sua falta) um problema social, às formas históricas
encontradas a sua superação até os dias atuais. Por meio desses estudos numa
perspectiva histórica, busco explanar uma série de influências, iniciativas, embates e
modificações visando aclarar o entendimento dos impasses pedagógicos que vivemos
até os dias atuais.

2.1 A alfabetização e o letramento para poucos: que dados históricos


temos?

Ao pesquisar acerca do tema: “Alfabetização e letramento nos censos” Alceu


Ferraro (2002), evidencia a problemática histórica do que tem sido “considerado
alfabetizado” no Brasil ao longo dos tempos. Conforme o autor trata-se de uma
questão polissêmica e cambiante, tanto em relação aos conceitos científicos, quanto
em relação à qualidade das estatísticas educacionais ao longo dos tempos, em suas
palavras:

Para iniciar, diria que o tema coloca [...] no núcleo da discussão terminológica
e conceitual representada por palavras como alfabetização, analfabetismo e
letramento, [...], e outras como iletrismo, iletrado, alfabetismo, literacia etc. A
confusão é tal, que, por exemplo, o Dicionário de Antônimos e Sinônimos, de
F. Fernandes (1957), lista como sinônimos de analfabeto os termos ignorante,
estúpido, boçal, bronco, sem qualquer referência à condição de não saber ler
e escrever, e dá como antônimos simplesmente os termos culto e polido, sem
qualquer menção a alfabetizado ou a capacidade de ler e escrever. É claro que
“muita água rolou” desde a 11ª edição, em 1957, do referido dicionário. [...] As
questões que não posso deixar de levantar aqui são duas: a primeira é a da
comparabilidade, no tempo, das estatísticas censitárias; a segunda é a de
saber se e como as estatísticas censitárias podem (cor)responder a conceitos
tão polissêmicos e cambiantes como os relacionados com o tema em questão
(FERRARO, 2002, p. 22).

A história da educação “para todos” e consequentemente da alfabetização e do


letramento como eixos nesse processo, representa ainda uma trajetória recente em
nosso país, a qual conviveu, de acordo com Saviani (2013, p. 443) durante
aproximadamente quatro séculos, com atividades educativas extremamente restritas.
69

A lembrar que as primeiras manifestações voltadas à educação possuíam um caráter


de conversão religiosa e tiveram seu início nas primeiras décadas do século XVI
quando os portugueses chegaram em nossas terras, colocando os povos indígenas
em um processo de aculturação15 de suas tradições e costumes, tendo os jesuítas
como principais veiculadores dessas ideias e dos processos educativos durante a
colonização.

Segundo informação de Maria Luiza Marcílio (2005, p 3), quando se deu a


expulsão dos jesuítas, em 1759, a soma dos alunos de todas as instituições
jesuíticas não atingia 0,1% da população brasileira, pois delas estavam
excluídas as mulheres (50% da população), os escravos (40%), os negros
livres, os pardos, filhos ilegítimos e crianças abandonadas. Nas duas últimas
décadas do Império, multiplicaram-se os projetos e propostas em torno da
instrução pública, e os debates foram intensos, mas a cobertura escolar
permaneceu em níveis bastante exíguos. Foi apenas no século XX que ocorreu
um salto significativo na expansão escolar, quando a matrícula geral passou
de 2.238.773 alunos, em 1933, para 44.708.589 em 1998 (BRASIL, 2003, p.
106 apud SAVIANI, 2013, p. 443 – 444).

Ao considerar a história das instituições escolares, sua expansão e o


movimento das ideias pedagógicas no Brasil, como histórias que se entrelaçam em
suas especificidades e movimentos de construção, desconstrução e reformulações,
questiona-se: se durante aproximadamente quatro séculos a educação esteve restrita
a determinados grupos sociais e acompanhada de diversos objetivos, a partir de que
momento “o não saber ler e escrever” se tornou um problema em nosso país?

Na perspectiva dos estudos de Vanilda Paiva, (1989, p. 9) ao tratar da questão


da educação republicana no Brasil, a autora afirma que “ao longo de grande parte da
nossa história essa questão [do analfabetismo] não esteve posta” (idem, ibidem).
Esclarecendo que ainda não se constituía como problema o fato de a esmagadora
maioria da população brasileira não saber ler escrever. Ao contrário, era vedado o
acesso à leitura e escrita. No entanto, para a autora, a questão emergiu com a reforma
eleitoral de 1881 (Lei Saraiva) que, de um lado, derrubou a barreira de renda para

15 Entendendo a educação como um processo por meio do qual a humanidade elabora a si mesma em todos os
seus mais variados aspectos, Manacorda (1989, p. 6) acredita poder sintetizá-los em três pontos básicos: “na
enculturação nas tradições e nos costumes (ou aculturação, no caso de procederem não do dinamismo interno,
mas do externo), na instrução intelectual em seus dois aspectos, o formal-instrumental (ler, escrever, contar) e
o concreto (conteúdo do conhecimento), e, finalmente, na aprendizagem do ofício”. Ora, no caso da educação
instaurada no âmbito do processo de colonização, tratava-se, evidentemente, de aculturação, já que as tradições
e os costumes que se busca inculcar decorrem de um dinamismo externo, isto é, que vai do meio cultural do
colonizador para a situação objeto de colonização. (SAVIANI, 2013, p. 27)
70

acesso ao voto, mas, de outro, estabeleceu a proibição do voto ao analfabeto, critérios


estes que foram mantidos, alguns anos depois, pela Constituição Republicana de
1891.

A Lei 3.029, de 09 de janeiro de 1881, passou à história com o nome de Lei


Saraiva devido ter ao fato do projeto ter vindo do Gabinete Saraiva em homenagem
feita a José Antônio Saraiva, Ministro do Império. O projeto foi marcado por muitos
embates até a sua aprovação, visto que em sua versão preliminar não havia exigência
do eleitor saber ler e escrever para escolher seus representantes, apenas se exigiria
o básico, como uma assinatura, para dar regularidade ao voto. Todavia, diante de
inúmeros argumentos, aliando o analfabetismo à incapacidade ou ignorância, uma
comissão especial se ocupou da proposta e ofereceu um projeto substitutivo que
contou com o apoio do gabinete de Saraiva e manteve a exclusão dos analfabetos do
direito de voto, com aprovação no Senado no dia 04/01/1881, e expressa em seu
artigo 8º:

Art.8º. No primeiro dia útil do mês de setembro de 1882, e de então em diante


todos os anos em igual dia, se procederá à revisão do alistamento geral dos
eleitores, em todo o Império, somente para os seguintes fins: [...] II – De serem
incluídos no dito alistamento os cidadãos que requererem e provarem ter
adquirido as qualidades de eleitor de conformidade com esta lei, e souberem
ler e escrever (SENADO, ANAIS, 1881, p. 348).

Para uma análise dos impactos dessa lei na época, torna-se importante
apresentar a informação de que o primeiro Censo demográfico realizado no Brasil, no
ano de 1872, acusou uma taxa de analfabetismo de 82,3%, para a população de cinco
anos ou mais. Estimativas indicam que para a população de 10 anos ou mais essa
taxa estaria em torno de 78% (Recenseamento do Brasil, 1872). Com a exposição
desses dados procura-se demonstrar o quanto é notável que durante o período da
reforma eleitoral a maior parte da população brasileira era composta por analfabetos,
ou seja, de pessoas impedidas de participar das decisões políticas do país. Nesse
contexto, repleto de condicionantes e consequências sociais, atrelando o
analfabetismo à vergonha nacional, à incapacidade e à marginalização da grande
maioria dos integrantes ativos de uma nação, Ferraro (2004) destaca que o
analfabetismo emergiu então como:

[...] problema eminentemente político, em vinculação com a questão eleitoral,


não como uma questão econômica, ligada à produção. Menos ainda como
questão pedagógica, tal o descaso então reinante em relação à educação do
71

povo. Surge como problema vinculado a uma das quatro questões que
agitaram o final do Império, sinalizando e aprofundando o seu declínio e
apressando o advento da República: a questão religiosa, a militar, a escravista
e a eleitoral. A dimensão econômica do analfabetismo só seria levantada muito
mais tarde, a partir do segundo pós-guerra mundial, com as teorias do
desenvolvimento, que dariam sustentação teórica e ideológica ao pouco de
Estado keynesiano ou do bem-estar que o Brasil chegou a conhecer
(FERRARO, 2004, p.113-114).

Em 1957 o Deputado Federal do Ceará, Sr. Armando Falcão criou um projeto


de Emenda Constitucional (n. 15), a saber:

Projeto de Emenda Constitucional. Nº 15, de 1957 (do Sr. Armando Falcão).


Substitui o atual art. 132 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil. O
Congresso Nacional aprova a seguinte emenda à Constituição: Artigo único -
Fica substituído o atual art. 132 da Constituição dos Estados Unidos do Brasil
pelo seguinte: Art. 132 - não podem alistar-se eleitores: I - os que não saibam
exprimir-se na língua nacional; II - Os que estejam privados, temporária ou
definitivamente dos direitos políticos. § 1º- Também não podem alistar-se
eleitores as praças de pré salvo os aspirantes a oficial, os suboficiais ou
subtenentes, os sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior.
§ 29- A lei disporá sobre a forma pela qual possam os analfabetos alistar-se e
exercer o de direito do voto.

Transcreve-se a seguir a justificativa do projeto do Deputado Armando Falcão


de 1957:
O analfabeto é um cidadão brasileiro para todos os efeitos. Paga impostos, é
convocado para o serviço militar, é chefe de família, pertence a partidos
políticos, integra associações de classe, participa de campanhas eleitorais, é
proprietário, é comerciante, é agricultor, é industrial. Mas há uma discriminação
injusta: não pode ser eleitor. Se o filho alfabetizado for candidato, o pai
analfabeto está proibido de ajudá-lo a vencer. O analfabeto tem o ônus 'da
cidadania. Não pode ter, todavia, uma das suas prerrogativas ou faculdades
essenciais, o que, mais do que injusto, é iníquo e odioso (ALEIXO, 1982, p.
06).

De acordo com José Carlos Aleixo (1982, p.15), na vigência das Constituições
de 1946 e 1967, a pauta do analfabetismo como impedimento de exercer a igualdade
de condições no direito ao voto se manteve e numerosos congressistas apresentaram
projetos de emenda constitucional em favor do sufrágio do analfabeto, todos sem
sucesso, “malogrando por decurso de prazo e arquivamento” ou falta de quórum. São
exemplos, na Câmara, o acima descrito de Armando Falcão (15/57), e outros como:
Rui Ramos (02/59), Fernando Ferrari (27/61), Magalhães Melo (10/63), Ruy Barcelar
(15/77), Joel Ribeiro (73/80) e José Costa (91/80).
Assim, mesmo com debates que duraram longos anos, como todas as
tentativas de projetos de emenda constitucional, todas as Constituições da República
72

anteriores a 1988 foram marcadas pelo seu caráter discriminatório e excludente em


relação ao analfabeto.
Dentre os diversos elementos que compunham a defesa do voto (ou não) dos
analfabetos, vale explicitar uma mensagem oficial do Presidente Castello Branco em
1964, o qual vinculou publicamente em meio aos caminhos da solução “a necessidade
de se criar programas de educação elementar destinados a eliminar ou reduzir o
analfabetismo”. Segue abaixo a transcrição de sua publicação:

Na sua Mensagem CN - 5, de 1964, publicada no DCN, 25.6.64 diz o


Presidente Castello Branco: "O analfabeto que permanece nesse estágio, em
virtude das omissões e deficiências da ação estatal, precisa ser integrado na
comunhão nacional pelo reconhecimento de sua condição humana. Eis aí sem
dúvida, um problema de educação que se resolverá ao longo de um programa
a ser cumprido com tenacidade. Nada, porém, impede que, desde já, se
reconheça que a coerência com o princípio da universalidade do sufrágio nos
deve levar a alargar o mais possível o exercício desse direito. Ninguém
contesta que, em nossos dias, pelas novas técnicas de comunicação e da
convivência o analfabeto já se informa, já tem consciência de colaborar na
existência coletiva, pelo seu trabalho, e já pode participar da vida cívica.
Apenas se lhe permite a participação facultativa e limitada ao âmbito do seu
convívio mais próximo, porque se presume que lhe faltam elementos para o
juízo cívico em dimensões mais amplas. Mas assim por essa participação
discreta se promove a sua integração no exercício da cidadania, atendendo-se
aos conselhos da prudência, enquanto não se elimina a inferioridade de sua
condição. Trata-se como se vê dos termos da emenda de experiência
caudalosa que corresponde a anseio antigo, vindo de muitos setores da opinião
nacional; mas ainda assim a tentativa se faz sem maiores riscos pela limitação
ao mínimo das condições em que o direito de sufrágio no caso se vai exercer.
Acresce considerar que a concessão feita tende a restringir-se cada vez mais,
pelo progresso que hão de ter os programas de educação elementar,
destinados a eliminar ou reduzir o analfabetismo." (ALEIXO, 1983, p. 16 – 17).

Reforça-se no discurso o aspecto político envolvendo a alfabetização como um


impedimento de exercer a cidadania plena, passando esse a representar por outro
lado, a expressão de uma vergonha nacional. Como caminho de superação/solução
foi anunciado o vínculo entre educação elementar à criação de programas para
erradicar o analfabetismo.
Para além dessa perspectiva política, apresenta-se também com enorme
relevância a questão das formas de identificação ou agrupamento estatístico comuns
à época sobre o que deveria ser considerado (ou computado) “alfabetizado ou
analfabeto”.
[...] vamos reconstruir brevemente a “trajetória” conceitual naquilo que aqui
mais interessa. A assinatura do próprio nome em documentos tem sido
utilizada historicamente como indicativa de alfabetização, e a assinatura com
uma cruz, como indicativa de analfabetismo. Há, no caso, uma verificação de
fatos: assinatura do próprio nome ou aposição de uma cruz em lugar do nome
(FERRARO, 2002, p. 30).
73

Como mencionado anteriormente, o primeiro Censo Demográfico do Brasil


aconteceu em 1872. Desde então, já foram realizados 12 censos no país e que
constituem a maior fonte de dados da nossa história, porém, conforme Ferraro (2002),
apenas em 1950, por influência da UNESCO16 no Brasil, o censo demográfico passou
a ter o seguinte critério de “declaração” para considerar alfabetizado:

[...] “Como sabendo ler e escrever entendem-se as pessoas capazes de ler e


escrever um bilhete simples, em um idioma qualquer, não sendo assim
consideradas aquelas que apenas assinassem o próprio nome”. Com
pequenas variações de redação, esta definição esteve em vigor até o Censo
2000, onde se lê: “Considerou-se como alfabetizada a pessoa capaz de ler e
escrever um bilhete simples no idioma que conhecesse. Aquela que aprendeu
a ler e escrever, mas esqueceu, e a que apenas assinava o próprio nome foram
consideradas analfabetas” (IBGE, 2000).

Mesmo apresentando essas mudanças importantes no critério acerca da


alfabetização e também da fidedignidade relativa do sistema de verificação por meio
de declaração - aspectos esses que envolvem a comparabilidade dos índices ao longo
do tempo - pode-se perceber no levantamento histórico por meio dos censos as
expressivas taxas de analfabetismo em nosso país:

Tabela 8 – Trajetória da Taxa de Alfabetização nos Censos


População

Não
alfabetizada
Ano do

Censo Total Nº %

a) População de 5 anos a 10

1872 8.854.774 7.290.293 82,3

1890 12.212.125 10.091.566 82,6

1920 26.042.442 18.549.085 71,2

1940 34.796.665 21.295.490 61,2

1950 43.573.517 24.907.696 57,2

16 A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) foi criada em
16 de novembro de 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial, com o objetivo de garantir a paz por
meio da cooperação intelectual entre as nações, acompanhando o desenvolvimento mundial e
auxiliando os Estados-Membros na busca de soluções para os problemas que desafiam nossas
sociedades.
74

1960 58.997.981 27.578.971 46,7

1970 79.327.231 30.718.597 38,7

1980 102.579.006 32.731.347 31,9

1991 130.283.402 31.580.488 24,2

2000 153.423.442 25.665.393 16,7

Fonte: Ferraro (2002, p. 34).

Constatar que apenas em 1950 o IBGE redigiu o texto: “Aquela que aprendeu
a ler e escrever, mas esqueceu, e a que apenas assinava o próprio nome foram
consideradas analfabetas”, sugere ainda uma quantidade muito maior de analfabetos
brasileiros escondidos dos censos anteriores. Como verifica-se, não ser “alfabetizado”
tornou-se um obstáculo social de certa forma recente e sendo estatisticamente
acompanhado apenas a partir de 1872, ou seja, há apenas 147 anos. Adversidade
que aos poucos, mesmo que descontinuamente, foi propiciando mobilizações de
ordem política, social, econômica, educacional, conceitual, e inclusive estatística. No
entanto, ainda somos marcados pelo fracasso, pois há muitos milhões de brasileiros
com o estigma do analfabetismo, essa forma extrema de exclusão educacional, social
e fundamentalmente humana, a qual urge sua superação.

2.2 A abrangência do direito à alfabetização e a guerra dos métodos:


quais os caminhos?

Conforme explorado na seção anterior, constata-se que a partir do final do


século XIX, a educação ganhou destaque como solucionadora dos problemas
políticos e sociais, decorrência do enorme índice de analfabetos. A escola, assim,
caracterizou-se como o lugar privilegiado para o preparo das novas gerações, como
assevera Mortatti (2006, p.2), isso ocorreu: “com vistas a atender aos ideais do Estado
Republicano, pautado pela necessidade de instauração de uma nova ordem política e
social”; e a universalização da escola assumiu importante papel como instrumento de
modernização e progresso do Estado/Nação, como principal propulsora do
esclarecimento das massas iletradas, assim, saber ler e escrever se tornou
instrumento privilegiado de aquisição de saber/esclarecimento e imperativo da
modernização e desenvolvimento social. A leitura e a escrita — que até então eram
práticas culturais cuja aprendizagem se encontrava restrita a poucos e ocorria por
meio de transmissão assistemática de seus rudimentos no âmbito privado do lar, ou
75

de maneira menos informal, mas ainda precária, nas poucas “escolas” do Império
(“aulas régias”) — tornaram-se fundamentos da escola obrigatória, leiga e gratuita e
objeto de ensino e aprendizagem escolarizados. Caracterizando-se como
tecnicamente ensináveis, as práticas de leitura e escrita passaram, assim, a ser
submetidas a ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a
preparação de profissionais especializados (ibidem).

Em nosso país, a história da alfabetização tem sua face mais visível na história
dos métodos de alfabetização, em torno dos quais, especialmente desde o final
do século XIX, vêm-se gerando tensas disputas relacionadas com "antigas" e
"novas" explicações para um mesmo problema: a dificuldade de nossas
crianças em aprender a ler e a escrever, especialmente na escola pública.
Visando a enfrentar esse problema e auxiliar "os novos" a adentrarem no
mundo público da cultura letrada, essas disputas em torno dos métodos de
alfabetização vêm engendrando uma multiplicidade de tematizações,
normatizações e concretizações, caracterizando-se como um importante
aspecto dentre os muitos outros envolvidos no complexo movimento histórico
de constituição da alfabetização como prática escolar e como objeto de
estudo/pesquisa (MORTATTI, 2006, p. 01).

Desde então, pode-se observar muitas iniciativas, porém, ainda com índices
consideráveis e preocupantes do fracasso escolar na alfabetização, ora atribuído ao
método, ora ao sistema escolar, ora ao aluno, ora ao professor, ora à formação do
professor, ora às condições sociais, ora à gestão escolar, ora a desestruturação das
famílias, ora às políticas públicas. No entanto, nem sempre ou muito pouco esse
conjunto de fatores e/ou condicionantes foram observados na história das
implementações dos métodos de alfabetização no Brasil os quais serão apresentados
nesta seção.

Decorridos mais de cem anos desde a implantação, em nosso país, do modelo


republicano de escola, podemos observar que, desde essa época, o que hoje
denominamos “fracasso escolar na alfabetização” se vem impondo como
problema estratégico a demandar soluções urgentes e vem mobilizando
administradores públicos, legisladores do ensino, intelectuais de diferentes
áreas de conhecimento, educadores e professores. Desde essa época,
observam-se repetidos esforços de mudança, a partir da necessidade de
superação daquilo que, em cada momento histórico, considerava-se tradicional
nesse ensino e fator responsável pelo seu fracasso. Por quase um século,
esses esforços se concentraram, sistemática e oficialmente, na questão dos
métodos de ensino da leitura e escrita, e muitas foram as disputas entre os que
se consideravam portadores de um novo e revolucionário método de
alfabetização e aqueles que continuavam a defender os métodos considerados
antigos e tradicionais. A partir das duas últimas décadas, a questão dos
métodos passou a ser considerada tradicional, e os antigos e persistentes
problemas da alfabetização vêm sendo pensados e praticados
predominantemente, no âmbito das políticas públicas, a partir de outros pontos
de vista, em especial a compreensão do processo de aprendizagem da criança
alfabetizanda, de acordo com a psicogênese da língua escrita. O que é esse
76

“tradicional”? Quando e por quê se engendra um tipo de ensino de leitura e


escrita que hoje é acusado de "tradicional"? O que representava para a(s)
época(s) em que ocorre seu engendramento? Qual sua relação com a tradição
que lhe é anterior? Quanto desse “tradicional” subsiste nas práticas
alfabetizadoras, mesmo nas dos professores que querem superá-las? Como
se pode explicar sua insistente permanência? Como dialogam entre si a
tradição e os repetidos esforços de mudança em alfabetização? (MORTATTI,
2006, p. 3 – 4).

As obras de Maria do Rosário Longo Mortatti (2000 e 2006), a exemplo da


citação acima, veicula esclarecimentos imprescindíveis para a reconstrução da
história dos métodos de alfabetização e dos sentidos atribuídos a eles ao longo da
história da educação brasileira. A autora delimita seus estudos no período de 1876 a
1994, sendo o foco das suas pesquisas o Estado de São Paulo, devido ao forte papel
que desempenhou na organização do sistema público de ensino no Brasil desde
meados do século XIX, sendo tomado como modelar e se expandindo a outros
estados brasileiros.

Para expor e provocar reflexões acerca dos métodos de alfabetização no Brasil,


a autora elege quatro momentos cruciais para esse movimento histórico, a saber: 1º
momento - A metodização do ensino da leitura; 2º momento – A institucionalização do
método analítico; 3º momento – A alfabetização sob medida e 4º momento –
Alfabetização: construtivismo e desmetodização.

Acerca do primeiro momento: “A metodização do ensino da leitura”, a autora


esclarece que ao final do império brasileiro o ensino público foi marcado por precárias
condições de funcionamento, existindo em locais adaptados, salas adaptadas e
turmas que abrigavam várias idades/séries juntas, sendo o material disponível para o
ensino da leitura e escrita também contingente, embora existissem alguns impressos
editados ou produzidos na Europa chamados “Cartas de ABC”.

As cartas de abc firmaram uma tradição na história da escola primária


brasileira, [...] sendo um utensílio originalmente vinculado a um dos mais
tradicionais métodos de alfabetização (método sintético), resistiu às inovações
promovidas pelos partidários de outros modelos de alfabetização, continuou
sendo editado até os anos 50 do século XX [...].De modo geral é possível dizer
que as cartas de abc eram constituídas por abecedário maiúsculo e minúsculo;
os silabários compostos com segmentos de uma, duas ou três letras e, por fim,
as palavras soltas cujos segmentos silábicos apareciam separados por hífen
(CORRÊA; SILVA, 2008, p 1 – 2).

Assim, os métodos sintéticos (da “parte” para o “todo”), a começar pelas “Cartas
de ABC” e, posteriormente, no final do século XIX, com a elaboração das primeiras
77

cartilhas brasileiras, produzidas por professores fluminenses e paulistas, baseavam-


se nos métodos de marcha sintética (de soletração, fônico e de silabação) e circularam
em várias províncias/estados do país e por muitas décadas.

Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha


sintética [...]: da soletração (alfabético), partindo do nome das letras; fônico
(partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de
sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com
a apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou
de seus sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação),
sempre de acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente,
reunidas as letras ou os sons em sílabas, ou conhecidas as famílias silábicas,
ensinava-se a ler palavras formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas
e, por fim, ensinavam-se frases isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta
se restringia à caligrafia e ortografia, e seu ensino, à cópia, ditados e formação
de frases, enfatizando-se o desenho correto das letras (MORTATTI, 2000,
p.65).

Em 1880, disseminado por Antonio da Silva Jardim17, chegou ao Brasil o


“Método João de Deus” ou “Método da Palavração”, o qual João de Deus de Nogueira
Ramos, poeta e pedagogo Português, havia criado em 1876, em Portugal por meio da
elaboração da “Cartilha Maternal” ou “Arte da Leitura”. Com a chegada desse método,
baseado nos princípios da moderna linguística da época, diferentemente dos demais,
consistia em iniciar o ensino da leitura pela palavra para depois analisá-la em suas
partes menores, essa ideia vinda de um poeta e pedagogo foi considerada por Silva
Jardim e inúmeros apoiadores da época, como um método científico, definitivo no
ensino da leitura e fator de progresso social.

Esse 1º momento se estende até o início da década de 1890 e nele tem início
uma disputa entre os defensores do "método João de Deus" e aqueles que
continuavam a defender e utilizar os métodos sintéticos: da soletração, fônico
e da silabação. Com essa disputa, funda-se uma nova tradição: o ensino da
leitura envolve necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se
o como ensinar metodicamente, relacionado com o que ensinar; o ensino da
leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem didática
subordinada às questões de ordem linguística da época (MORTATTI, 2006,
p.6).

Nesse contexto institui-se o segundo momento histórico, denominado pela


autora: “A institucionalização do método analítico”, momento em que tais
proposições, de base positivista, buscavam a cientificidade em contraposição ao

17 Antônio da Silva Jardim (1860-1891) foi ativista político brasileiro. Formado em Direito, defendeu
principalmente as causas dos escravos. Foi atuante propagandista da República. Silva Jardim realizou diversos
eventos com o objetivo de divulgar o “método João de Deus”. Conforme Mortatti (2000), ele também foi crítico
ferrenho do método da soletração, usado no Brasil até o momento.
78

empirismo e passaram a instituir a hegemonia dos métodos analíticos (ou intuitivos)


para o ensino de todas as matérias escolares, em especial para o ensino da leitura,
assim:

A partir de 1890, implementou-se a reforma da instrução pública no estado de


São Paulo. Pretendendo servir de modelo para os demais estados, essa
reforma se iniciou com a reorganização da Escola Normal de São Paulo e a
criação da Escola-Modelo Anexa; em 1896, foi criado o Jardim da Infância
nessa escola. Do ponto de vista didático, a base da reforma estava nos novos
métodos de ensino, em especial no então novo e revolucionário método
analítico para o ensino da leitura, utilizado na Escola-Modelo Anexa (à Normal),
onde os normalistas desenvolviam atividades "práticas" e onde os professores
dos grupos escolares (criados em 1893) da capital e do interior do estado
deveriam buscar seu modelo de ensino (MORTATTI, 2006, p.6).

Por meio do fortalecimento das políticas públicas em favor do novo método,


professores foram formados no curso normal da época com essas bases e serviram
de propagadores da nova concepção, assim como, o governo investiu na produção
de instruções normativas, cartilhas e artigos em jornais e revistas pedagógicas
contribuindo para a institucionalização do método tornando-o obrigatório nas escolas
públicas paulistas.

A questão colocada pelos professores na época era a “lentidão” dos resultados


ao utilizar tal método que, diferentemente da marcha sintética, até então utilizada,
começava a alfabetização se basear numa perspectiva da pedagogia norte-
americana, incentivando a adaptação do ensino da leitura a essa nova concepção de
criança. Houve também nesse período, disputas acerca de diferentes formas de
realização do método analítico, onde o único ponto comum na defesa era que
deveriam partir do “todo” para as “partes”, no entanto, as concepções desse “todo”
também passaram a exercer-se de formas diversas:

[...] dependendo do que seus defensores consideravam o “todo”: a palavra, ou


a sentença, ou a "historieta". O processo baseado na "historieta" foi
institucionalizado em São Paulo, mediante a publicação do documento
Instrucções praticas para o ensino da leitura pelo methodo analytico – modelos
de lições. (Diretoria Geral da Instrução Pública/SP – [1915]). Nesse documento,
priorizava-se a "historieta" (conjunto de frases relacionadas entre si por meio
de nexos lógicos), como núcleo de sentido e ponto de partida para o ensino da
leitura. As cartilhas produzidas no âmbito do 2o. momento na história da
alfabetização, especialmente no início do século XX, passaram a se basear
programaticamente no método de marcha analítica (processos da palavração
e sentenciação), buscando se adequar às instruções oficiais, no caso paulista.
Iniciou-se, assim, uma acirrada disputa entre partidários do então novo e
revolucionário método analítico para o ensino da leitura e os que continuavam
a defender e utilizar os tradicionais métodos sintéticos, especialmente o da
silabação (MORTATTI, 2006, p. 7).
79

Nesse segundo momento, manteve-se ainda a perspectiva da defesa dos


métodos com ênfase no ensino inicial da leitura, já que a escrita continuava sendo
concebida como um processo motor de aquisição via treinos, cópias e ditados. Outro
aspecto relevante do final desse período, em meados dos anos de 1920, apresentava-
se no início de enfáticas proposições “da criança a quem ensinar”, definindo suas
habilidades visuais, motoras e auditivas como uma questão de ordem didática a ser
subordinada às questões de ordem psicológica da criança.

O terceiro momento, intitulado: “A alfabetização sob medida”, teve seu início


marcado pela força da “Reforma de Sampaio Dória18”, em decorrência da defesa pela
autonomia didática. Assim, a partir da década de 1920, as resistências dos
professores quanto à utilização do método analítico propiciaram a organização de
novas propostas para a solução dos problemas de ensino e aprendizagem da leitura
e da escrita. Surgiram nesse contexto os métodos que buscavam conciliar os métodos
analíticos e sintéticos, os quais nas décadas seguintes passaram a denominar-se de
métodos mistos, ecléticos, analítico-sintético ou vice-versa. A disputa não cessou
dentre os defensores de cada método, porém, o tom de combate e defesa foi se
diluindo na medida em que foi se ampliando a tendência da relativização da
importância do método em si, mas sim a importância pela preferência da didática.

Esse terceiro momento, de acordo com Mortatti (2000, p. 143), compreende o


período de meados da década de 1920 a meados da década de 1970, tendo a síntese
educacional nacional representada pelos princípios da “Escola Nova”, sendo
divulgados, interpretados e institucionalizados pelos renovadores e inovadores da
época tais como Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. O Manifesto

18 Antonio de Sampaio Dória, formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, ingressou na Escola Normal da
Praça, em 1914, assumindo a cadeira de Psicologia, Pedagogia e Educação Cívica. Engajou-se em redes de
relações sociais das quais participou na condição de fundador e membro do grupo dirigente, tais como: a Liga
Nacionalista, a Sociedade de Educação e o Lyceu Nacional Rio Branco. Por meio dessas redes de relações sociais
Sampaio Dória colaborou, como produtor e divulgador, da construção de um projeto de nação, no qual as causas
educacionais tinham lugar privilegiado. Reconhecido por seus contemporâneos como um dos principais líderes
da elite cultural paulista, foi convidado a assumir o cargo de diretor geral da Instrução Pública de São Paulo, em
1920, ocasião em que organizou o primeiro recenseamento escolar do estado, bem como apresentou o projeto
de reforma da instrução pública, considerada na historiografia educacional como um marco dos movimentos de
modernização do ensino no período. Embora a breve passagem por esse cargo seja o momento de maior
expressão pública de Sampaio Dória, constatou-se que nesse episódio representou uma rede de relações que foi
responsável pela constituição do ensino paulista nas décadas subsequentes.
80

dos Pioneiros da Educação Nova (1932), aliava atividades intelectuais e acadêmicas


com o objetivo de romper com a tradição e adaptar a educação à nova ordem política
e social desejada.

Nesse contexto, conforme a autora (ibidem), essa “nova ordem” dizia respeito
a um ensino e uma educação renovada que pudesse desempenhar a socialização
rápida e eficaz da alfabetização que era destinada ao povo como um todo,
ressaltando, para isso, à supremacia dos aspectos psicológicos sobre os aspectos
linguísticos e pedagógicos. Foi quando apareceu a influência política e estratégica de
Lourenço Filho elaborando e apresentando os “Testes ABC” que se tornaram um
marco fundamental para os destinos do ensino da leitura e escrita. Assim, os famosos
“Testes ABC”19, criados em 1934, trouxeram o processo de verificação da maturidade
para a aprendizagem da leitura e escrita tornando tais testes uma das obras mais
difundidas no Brasil no âmbito da Psicologia da Educação, sendo também traduzida
em outras línguas. No entanto, os “Testes ABC” que eram rigorosamente instruídos
para a sua aplicação, visavam não apenas o diagnóstico individual de cada criança,
como especialmente a sua classificação em classes homogêneas, objetivando a
racionalização e à eficácia da alfabetização. Assim, desse ponto de vista em diante:

[...]a importância do método de alfabetização passou a ser relativizada,


secundarizada e considerada tradicional. Observa-se, no entanto, embora com
outras bases teóricas, a permanência da função instrumental do ensino e
aprendizagem da leitura, enfatizando-se a simultaneidade do ensino de ambas,
as quais eram entendidas como habilidades visuais, auditivas e motoras.
Também a partir dessa época, aproximadamente, as cartilhas passaram a se
basear predominantemente em métodos mistos ou ecléticos (analítico-sintético
e vice versa) e começaram a se produzir os manuais do professor
acompanhando as cartilhas, assim como se disseminou a ideia e a prática do
"período preparatório”. Vai-se, assim, constituindo um ecletismo processual e
conceitual em alfabetização, de acordo com o qual a alfabetização
(aprendizado da leitura e escrita) envolve obrigatoriamente uma questão de
“medida”, e o método de ensino se subordina ao nível de maturidade das
crianças em classes homogêneas (MORTATTI, 2006, p. 9).

Vale ressaltar que, nesse período histórico, a elaboração de cartilhas para o


ensino da leitura e da escrita no Brasil tornou-se destaque e são representantes desse

19 O objetivo dos Testes ABC era o de classificar as crianças pela sua capacidade real de aprendizagem na leitura
e escrita, promovendo um relatório individual em relação à maturidade para a aprendizagem dessas habilidades,
composto por oito testes que procuravam atender aos pontos de análise: coordenação visual-motora; resistência
à inversão na cópia de figuras; memorização visual; coordenação auditiva motora; capacidade de prolação;
resistência à ecolalia; memorização auditiva; índice de fatigabilidade; índice de atenção dirigida; vocabulário e
compreensão geral.
81

período as conhecidas cartilhas: “Cartilha do Povo” (de Lourenço Filho); “Upa,


cavalinho” (Lourenço Filho); “Cartilha Sodré” (Benedicta Sthal Sodré) e “Caminho
Suave” (Branca Alves de Lima). De acordo com Mortatti (2000, p. 171 – 172), a
“Cartilha do Povo” é a primeira obra didática de Lourenço Filho, seguida, trinta anos
depois pela cartilha “Upa, cavalinho”. No entanto, a cartilha “Caminho Suave”,
elaborada em 1948 por uma professora com mais de 15 anos de experiência em
turmas de alfabetização, tinha em sua proposta articular o processo de alfabetização
pela imagem utilizando o método analítico-sintético (partindo da palavra); tal cartilha
é considerada ainda hoje um fenômeno editorial brasileiro e um marco na história das
cartilhas de alfabetização e produção de livros didáticos no Brasil.

Segue abaixo uma síntese dos métodos de alfabetização na relação entre seus
princípios e as capacidades priorizadas por cada método:

Quadro 3 - Métodos de Alfabetização


Métodos Unidade Princípio que Marcha/ Capacidade Natureza da
prioriza intervenção
organização Priorizada pedagógica
que se
consolidou

Alfabético Alfabeto Relação do Sintético Decodificação/ Foco:


nome da letra análise Controle/
(grafema) com o som. fonológica sequência/
diretivismo

Fônico Fonemas Relação direta Sintético Decodificação/ Foco:


da fala com a análise Controle/
(sons) escrita. fonológica sequência/
diretivismo

Silábico Sílaba A sílaba é uma Sintético Decodificação/ Foco:


unidade análise Controle/
mínima de fonológica sequência/
segmentação diretivismo
da fala.

Palavração Palavra Parte-se da Analítico Compreensão/ Foco:


palavra que Sentido/ Controle/
tem sequência/
significado. Reconhecimento diretivismo
global

Sentenciação Frase Parte-se da Analítico Compreensão/ Foco:


frase que tem Sentido/ Controle/
significado. sequência/
Reconhecimento diretivismo
global
82

Global de Texto A unidade da Analítico Compreensão/ Foco:


contos ou de língua é o Sentido/ Controle/
historietas texto. sequência/
Reconhecimento diretivismo
global

Fonte: FRADE, 2005, p. 65 apud DANGIÓ; MARTINS, p.128, 2018

O quarto e último período apresentado por Mortatti (2006), denominado


“Alfabetização: construtivismo e desmetodização” ocorreu a partir do final da
década de 1970, num movimento de constituição da alfabetização enquanto objeto de
estudo. Assim, ainda muito preocupados com a questão do fracasso escolar nos anos
iniciais de escolarização, os objetivos passaram a centrar-se na criança em “como”
ela aprende a ler e a escrever e “por que” para algumas crianças esse processo se
desenrolava facilmente e para outras não.

Tem-se então a perspectiva dos estudos acerca da alfabetização sob novas


bases, por meio da qual se alegava que os “métodos” não criavam conhecimentos e
as “técnicas”, por si só, não estavam sendo capazes de resolver os problemas e nem
garantindo a melhoria do ensino e de seus resultados. Nesse contexto, surgiu também
a necessidade de rever as formas tradicionais de trabalho em sala de aula e de
relacionamento professor/aluno. Assim, esse momento passa a se caracterizar:

[...] por uma disputa que passa a se destacar a partir, aproximadamente, do


final da década de 1970, entre os partidários da “revolução conceitual” proposta
pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro, de que resulta o chamado
construtivismo, e entre os defensores – velados e muitas vezes silenciosos,
mas persistentes e atuantes – dos tradicionais métodos (sobretudo o misto),
das tradicionais cartilhas e do tradicional diagnóstico do nível de maturidade
com fins de classificação dos alfabetizandos (MORTATTI, 2000, p. 26 – 27).

Fato importante nesse processo de disputa em busca pela hegemonia “do


novo”, foi a incorporação do discurso acadêmico que, também em busca de solucionar
o problema, estabelece um novo tipo de relação entre universidade e professores da
educação básica, entre produção e aplicação do saber, se concretizando na prática
em diversos programas de assessoria prestada por esses profissionais aos órgãos
públicos.

Essas assessorias integram o movimento de reorganização do ensino com


base nas mais modernas teorias, de acordo com as quais se reconhece a
importância estratégica da alfabetização na consecução dos ideais
democráticos almejados e a necessidade de uma política de formação de
professores em serviço que permita convencimento democrático e não
imposição do novo (MORTATTI, 2000, p.254).
83

Pouco a pouco, os estudos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, que seguem


uma perspectiva psicolinguística de Chomsky e pela epistemologia genética de
Piaget, são amplamente difundidos no Brasil por meio de pesquisadores brasileiros
que se tornaram organizadores de diversos estudos, publicações e programas de
formação para professores no Brasil: Telma Weisz, Terezinha Nunes Carraher, Esther
Pilar Grossi, Beatriz Cardoso, Lúcia Browne Rego, entre outros.

A institucionalização do construtivismo teve inicio no Estado de São Paulo,


depois foi se espalhando nacionalmente. Apropriando-se do discurso oficial da
Secretaria da Educação de São Paulo, a teoria passou a integrar as estratégias de
formação docente a partir do ano de 1984, especialmente pelos programas televisivos
e fascículos do “Projeto Ipê” (1984 – 1990) e, posteriormente, pelo FDE (Fundo para
o Desenvolvimento da Educação) por meio de publicações diversas e cursos do
“Projeto Alfabetização: Teoria e Prática” (1993 – 1994). Outros programas com a
mesma concepção e alguns mesmos organizadores/coordenadores foram
elaborados, ou reformulados e aplicados junto aos docentes ao longo dos demais
anos: “Programa de Formação de Professores Alfabetizadores – PROFA” (2001 –
2002); “Programa Letra e Vida” (2003 – 2006) e “Programa Ler e Escrever” (2007 até
os dias atuais).

Conforme os estudos de Mortatti (2000), em meio a esse movimento da reforma


do ensino, onde coexiste o desenvolvimento inicial do Projeto Ipê, o governo instituiu
o Ciclo Básico (CB), publicando o respectivo decreto em 1983, com início também em
1984, como uma medida para eliminar os altos índices de retenção logo na 1ª série
escolar, o qual apresentava um índice de 41,16%. Dessa maneira, o CB permitia
assim, que as crianças tivessem dois anos, sem interrupção, para desenvolverem um
processo contínuo de aprendizagem da linguagem escrita.

Em 1997, foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais para os anos


iniciais, os famosos, PCNs os quais, de qualquer modo, evidenciam a hegemonia do
discurso institucional em nível nacional do construtivismo em alfabetização, verificável
também, em tantas outras iniciativas recentes.

O grande destaque que essa reforma apresentou foi a priorização do processo


de aprendizagem da criança como sujeito ativo, construtor da sua aprendizagem
84

(sujeito cognoscente), o que deslocou o lugar da necessidade do método, associando-


o a uma prática tradicional e ultrapassada, reforçando pouco a pouco uma
interpretação e um consenso perigoso de que a aprendizagem independe do ensino,
apenas de estimulações e descobertas por parte da criança no seu tempo
espontâneo.

É importante ressaltar que, também na década de 1980, também deu-se o


surgimento do pensamento interacionista em alfabetização que, aos poucos, foi
ganhando destaque e gerando uma outra espécie de disputa entre seus defensores e
os do construtivismo. Essa “nova” disputa, por sua vez, foi-se diluindo, à medida que
certos aspectos de certa apropriação do interacionismo20 foram sendo conciliados
com certa apropriação do construtivismo; essa conciliação, mesmo altamente
questionada epistemologicamente, foi assumida no discurso institucional sobre
alfabetização como “sócio-construtivismo”; ou “construtivistas-interacionistas”,
inclusive na produção de livros de alfabetização e nas indicações oficiais.

Nesse lapso temporal, dentre a multiplicidade de problemas que se mantiveram


quanto à alfabetização para todos e todas, as quais são marcadas por disputas
históricas e diversos desacordos “didáticos”, retoma-se no Brasil o discurso pela
retomada do processo de alfabetização aos seus moldes antigos, baseados apenas
na marcha sintética.

2.3 O que revela a escolha dos termos alfabetização e letramento?

Nessa multiplicidade de aspectos políticos, sociais, econômicos, estatísticos,


educacionais e metodológicos acerca da história da alfabetização, encontra-se
também importantes discussões e propostas em torno da definição conceitual de
alfabetização e letramento, este último, entendido ora como complementar à
alfabetização, ora como diferente desta e mais desejável, ora ambos excludentes
entre si. Depois de uma década da supremacia do construtivismo, outros olhares e

20 Conforme Sforni (2014, p.29), no final da década de 1980, a perspectiva denominada “interacionista” é
baseada na Psicologia soviética, Teoria Histórico-Cultural, sobretudo por meio dos estudos de Vigotski, Luria e
Leontiev, traduzidos para o Brasil nessa mesma década, a saber: “Formação Social da Mente”, em 1984;
“Pensamento e Linguagem”, em 1987; e “Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem”, em parceria com
Leontiev e Luria, em 1988.
85

pesquisas que versavam sobre o tema da alfabetização trouxeram um balanço


analítico importante, como por exemplo, os trabalhos produzidos por Magda Soares
(1985, 1989, 2003, 2018).

Da antiga constatação da alfabetização como habilidade de realizar assinatura


nos cartórios oficiais (apresentada na seção anterior deste capítulo), aos métodos de
decodificação/codificação ou reconhecimento global com fins de promoção da leitura
acompanhada de treinos motores e ditados para a promoção da escrita; ao advento
do construtivismo no Brasil, o termo “alfabetização” passou por diversos significados,
sendo para o construtivismo a representação de um todo indivisível que se desenvolve
na relação da criança (sujeito cognoscente) com a cultura do escrito (universo letrado).
Uma marca distintiva dessa concepção encontra-se na total negação dos métodos
tradicionais através da premência do olhar para a criança que aprende em contato
com a totalidade da função social da escrita e não devido a um método. Deste modo,
decorre a desconsideração dos aspectos linguísticos da escrita enquanto objeto de
ensino específico e necessário, afastando-se com essa premissa o construtivismo de
qualquer relação possível com os métodos de alfabetização até então utilizados no
Brasil.

Em uma entrevista recente de Telma Weisz com Emília Ferreiro (2013),


oportunidade da divulgação do lançamento de seu mais novo livro “Ingresso na Escrita
e nas Culturas do Escrito”, entrevista publicada em vídeo por meio da série “Grande
Diálogos” em 25/06/2013, a autora Emília Ferreiro ao ser questionada acerca da cisão
entre os termos “alfabetização” e “letramento”, declara:

A dificuldade que eu vejo com essa terminologia é que ela gera uma
dissociação entre algo que é visto como um código ou um sistema de marcas,
com correspondências grafofônicas e nada mais, e por outro lado, algo como
os usos sociais e as funções sociais da escrita. Então, o problema que eu
apresento é que, primeiro, a escrita está mal caracterizada quando se pensa
que é um código e a coisa não se resolve dizendo que há que alfabetizar
letrando e letrar alfabetizando, porque, uma vez que gerei dois termos nas
expectativas educativas, é que existam duas maneiras distintas de abordar
esses componentes, digamos, e que algumas educadoras alfabetizadoras e
outras, alfabetizadoras “letrantes”, ou não sei como se chamaria. Em todo
caso, me parece que ter os dois componentes designados por dois termos
diferentes está contribuindo, pelo pouco que sei e vejo, para enfatizar
novamente a parte do código, a aprendizagem do código (FERREIRO, 2013,
Entrevista Transcrita).
86

Pode-se perceber que a preocupação com a explicitação dos aspectos


linguísticos que compõem o sistema de escrita alfabético é vista pela autora como
uma descaracterização do próprio conceito escrita o que, para a mesma, não
demanda maneiras distintas de abordagem dos seus componentes.

Quanto ao balanço analítico propiciado pelos estudos de Magda Soares (1985)


- professora titular emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Centro de Alfabetização, Leitura e Escrita
(CEALE) da FE da UFMG - existe a defesa da especificidade entre os termos
“alfabetização” e “letramento”, assumidos também nesta dissertação. Diferentemente
do entendimento de Emília Ferreiro (2013), como acima transcrito, Magda Soares
apresenta os conceitos de alfabetização e letramento, como objetos de conhecimento
diferentes, porém indissociáveis, compostos por especificidades de natureza
linguística, interativa e sociocultural a serem desveladas, a saber:

[...] tal como, em uma pedra lapidada, as várias superfícies – facetas – se


somam para compor o todo que é a pedra, assim também os componentes do
processo de aprendizagem da língua escrita – suas facetas – se somam para
compor o todo que é produto desse processo: alfabetização e letramento. [...]
a faceta linguística, à qual se reserva a denominação de alfabetização, é
componente necessário, mas não suficiente, do processo de aprendizagem
inicial da língua escrita. (SOARES, 2018, p. 346)

Para a autora, há especificidades que vem defendendo há mais de 20 anos em


suas pesquisas acerca de cada faceta do objeto de conhecimento a ser ensinado que
necessita de uma apropriação clara de seus elementos para fundamentar a prática
pedagógica e se desenvolver de forma consciente aos alunos.

Alfabetização e letramento são conceitos frequentemente confundidos e


sobrepostos, é importante distingui-los, ao mesmo tempo em que é importante
também aproximá-los: a distinção é necessária porque a introdução no campo
da educação, do conceito de letramento tem ameaçado perigosamente a
especificidade do processo de alfabetização; por outro lado a aproximação é
necessária porque não só o processo de alfabetização embora distinto e
específico, altera-se e reconfigura-se no quadro do conceito de letramento,
como também este é dependente daquele (SOARES, 2003, p. 90).

Conforme Soares (2018), dentro da faceta da alfabetização, há de se


considerar subfacetas que a compõem e que são explicadas à luz de determinadas
teorias - no campo da linguística, da psicologia cognitiva e do desenvolvimento e da
neurociência - que necessitam ser compreendidas e não vistas como opositoras, pois
envolvem aprofundamentos e contribuições de diferentes áreas. Assim, conforme
87

Soares (2018, p. 332 – 333), para a organização do ensino da alfabetização (faceta


linguística) é necessário conhecer e considerar as subfacetas desse processo,
permeado de conceitos fundantes a serem apropriados pelos professores
alfabetizadores, acerca:

● Do desenvolvimento da criança na compreensão do sistema alfabético


de escrita e seu processo de aprendizagem nesse sistema, elucidadas
por contributos das fases do desenvolvimento no processo de
aprendizagem da escrita;
● Das características do sistema ortográfico, visando a compreensão da
constituição da ortografia do português brasileiro;
● Da consciência metalinguística em seus diferentes níveis, visando a
capacidade de refletir e manipular aspectos estruturais da língua;
● Das relações entre consciência fonológica como uma das importantes
dimensões da consciência metalinguística para a alfabetização;
● Das relações entre o conhecimento das letras e consciência
grafofonêmica;
● Dos efeitos das características das palavras sobre a aprendizagem da
leitura e escrita e;
● Da identificação precisa das regularidades e irregularidades da
ortografia do português para aprendizagem da leitura e escrita conforme
as normas da língua.

Todos esses elementos acima elencados são considerados e apresentados


pela autora apenas para elucidar a complexidade dos elementos linguísticos que
compõem a base do sistema alfabético (faceta linguística), o que torna esses saberes
indispensáveis na compreensão do processo de ensino da alfabetização. Neste
contexto, corrobora-se com Cagliari (p. 70, 1998 apud DANGIÓ; MARTINS, p.71,
2018) quando afirma que “o professor não precisa de conselhos pedagógicos, mas de
conhecimentos técnicos específicos, detalhados e completos, a respeito de assunto
que ensina”.

Dessa forma, compreende-se em consonância com Soares (2018), que há


saberes fundamentais dos processos que envolvem a alfabetização e o letramento a
88

serem construídos pelo(a) Professor(a) Alfabetizador(a), para que avanços possam


ser conquistados.

[...] cada subfaceta da faceta linguística tem uma natureza específica, cada
uma delas é esclarecida por determinadas teorias, mas no ensino, embora
cada uma demande ações pedagógicas diferenciadas – procedimentos
específicos, definidos pelos princípios e teorias em que cada uma delas se
fundamenta -, devem ser desenvolvidas de forma integrada e simultânea. No
entanto, por sua diversidade e especificidade, a reunião desses procedimentos
pode constituir um método; é a ação docente que leva em conta as diferentes
subfacetas e as desenvolve simultaneamente, embora respeitando a
especificidade de cada uma, segundo as teorias que a esclarecem, que
constitui alfabetizar com método. Entendendo-se a palavra método segundo
sua etimologia – meta + hodós = caminho em direção a um fim, considera-se
o fim, considera-se que o fim é a criança alfabetizada, o caminho é o ensino e
a aprendizagem das várias facetas da faceta linguística, por meio de
procedimentos adequados a cada uma delas, segundo as diferentes teorias
que as esclarecem -, os procedimentos desenvolvidos de forma integrada e
simultânea constituem o alfabetizar com método (MORAES, 2018, p. 333).

Contudo, se existe há tempos um consenso, ao menos sobre a importância que


a aprendizagem da leitura e escrita tem para os indivíduos na sociedade, torna-se
imperioso aclarar que a polêmica sempre esteve no “como” isso deve ser feito. Para
além da defesa de métodos tradicionais - sintéticos, analíticos ou mistos - ou a
proposta construtivista, Soares (2018), aponta em sua recente obra, um ponto de
divergência fundamental que necessita ser esclarecido para ser superado: o embate
histórico entre concepções subjacentes à ausência ou presença de um ensino direto
e explícito ou indireto e implícito.

Assim, continua-se observando nas escolas públicas questionamentos dos


docentes diante da polêmica controvérsia: Como orientar a aprendizagem inicial da
leitura e escrita? Como deve ocorrer o ensino? Estou sendo tradicional? O que é
melhor ao aluno? Primeiro se alfabetiza, depois desenvolve as questões de
letramento? Como fazer para alfabetizar letrando?

Identifica-se que no paradigma do construtivismo, o ensino deve ocorrer com


uma orientação indireta, onde o alfabetizador não propriamente “ensina” mais “guia”
a criança em seu desenvolvimento, à formulação de hipóteses e a formulação de
conceitos sobre a língua escrita em convívio pleno com materiais escritos e
provocações para a reestruturação de hipóteses e conceitos. Por outro lado, no
quadro do paradigma fonológico para a alfabetização - realizado por meio do
89

desenvolvimento da consciência fonológica, grafofonêmica e do conhecimento das


letras - o ensino direto, explícito é considerado o mais adequado, uma vez que:

[...] o objeto a ser aprendido é um construto cultural exterior à criança, um


sistema criado pelo homem, com o objetivo de tornar visível o oral, para isso,
inventando formas de representação dos sons da fala natural e inata em
notações gráficas convencionais e frequentemente arbitrárias (MORAES,
2018, p. 336).

Assim, os estudos recentes de Soares acerca desse embate concluem que


para a especificidade do objeto de ensino da alfabetização, considerando os
elementos que compõem sua faceta linguística com objetivo de aprendizagem do
sistema alfabético e da norma ortográfica, são adequados: “procedimentos de ensino
explícito, isto é, direcionados por objetivos prefixados, orientação direta e permanente,
apoio e ajuda, com fundamento sobretudo no paradigma fonológico” (SOARES, 2018,
p. 341).

Em meio a esse debate histórico que ainda não foi superado, percebe-se
novamente na história do país a apropriação dos novos termos “alfabetização e
letramento” com força de política pública nacional. Nos últimos anos, mais
precisamente com a chegada do Programa Pró-Letramento (2005) e, posteriormente
em 2012 com o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, as ideias de Magda
Soares e Artur Gomes de Morais e outros colaboradores acerca da alfabetização e do
letramento tornam-se presentes. Tais pressupostos são materializados por meio
desses programas na explicitação das especificidades de cada objeto de
conhecimento para propor avanços nas propostas didáticas envolvendo a natureza
dos objetos de ensino ora voltados aos saberes da faceta da alfabetização, ora
voltados para os saberes da faceta do letramento.

No entanto, há críticas acerca dessa nova concepção presente nas políticas


públicas por considerar um certo ecletismo o fato das mesmas partirem das
contribuições da psicogênese da língua escrita, considerando os estudos de Emília
Ferreiro (paradigma do construtivismo), em especial na fundamentação teórica das
hipóteses de escrita e da forma/estrutura de realização de avaliações
diagnósticas/sondagens junto à proposta de ensino explícito das questões
linguísticas, da consciência fonológica e grafofonêmica (paradigma fonológico) de
modo conciliativo.
90

Todavia, fica evidente em todas as obras de Magda Soares, o olhar científico e


histórico desses movimentos e não opositor às diversas contribuições no campo das
pesquisas em alfabetização, por considerar que cada uma delas coloca o foco em
diferentes aspectos da aprendizagem da língua escrita, não devendo ser descartadas,
nem ao menos desconhecidas, mas compreendidas em seu tempo, espaço, motivos
de produção e também analisadas em suas possibilidades de contribuição.

2.4 A história das políticas públicas de formação em alfabetização no


Brasil: avanços ou retrocessos?

Diante de tantos investimentos que cada política pública necessita para sua
elaboração e devida implementação, as formações aos docentes provenientes dos
programas ou projetos governamentais apresentam grande responsabilidade no
direcionamento das ações educacionais da nação, estados ou municípios, uma vez
que se constituem praticamente como normas regulatórias, ou leis a serem seguidas
pelo professor.

Carregam em si o bojo da inovação, da evolução do conhecimento, da


modernização das práticas, do reforço entre certo/errado, descarte do antigo em prol
do novo, além de uma série de expectativas, diversas formas de captação e
consequências. Um campo complexo de embate e forças que sempre se mostram
“como solucionadoras” dos problemas, transmitindo a propositura da completude e da
evolução.

Nesse contexto, procurou-se em diversos referenciais elementos para a


construção de um histórico das principais políticas públicas governamentais
elaboradas e difundidas aos professores alfabetizadores no Brasil desde sua primeira
manifestação no ano de 1984, com o Projeto Ipê.

O quadro abaixo foi estruturado visando evidenciar, as políticas, as esferas


governamentais responsáveis por sua execução, o ano de início, a forma de
implementação e a abordagem conceitual que cada proposta formativa apresenta à
prática pedagógica dos docentes no campo da alfabetização.
91

As cores diferenciadas foram organizadas conforme as perspectivas


pedagógicas envolvidas a cada proposta formativa diante da prática pedagógica
pleiteada ou defendida para a alfabetização.

Quadro 4 - Políticas Públicas de Formação em Alfabetização.

Política Esfera Ano de Forma de Implementação Abordagem


Pública Governamental Conceitual na
Início Alfabetização

“Projeto Ipê” Governo do 1984 Por meio do um movimento de Construtivismo


Estado de São reforma curricular da educação no
Paulo – via estado de São Paulo e
CENP fortalecimento de concepções
(Coordenadoria contrárias ao ensino tradicional
de Estudos e visando a democratização do
Normas ensino e a garantia da
Pedagógicas) alfabetização, o Projeto Ipê foi
construído e criado com a
finalidade de propiciar ampla
discussão sobre o ciclo básico com
os professores e especialistas de
educação. O projeto envolveu um
sistema de multimeios: TV e
material impresso. No ano de
1984, utilizou-se a Rádio Cultura
como apoio. As publicações do
projeto reuniram textos de autores
de renome no campo educacional,
reconhecidos como "educadores
progressistas", tais como: Celso
Rui Beisiegel, Luiz Antônio Cunha,
Neidson Rodrigues, Maria Helena
de Souza Patto, Elba Siqueira de
Sá Barretto, Luiz Carlos Cagliari,
Telma Weisz, Terezinha Nunes
Carraher, entre outros.
92

“Por uma Governo do 1988 O projeto objetivou capacitar cerca Construtivismo


alfabetização Estado de São de 300 profissionais da
sem Paulo alfabetização e, ao mesmo tempo,
fracasso” construir um modelo de
capacitação docente que pudesse
ser usado por esses 300
multiplicadores e por outros
profissionais. O projeto contou com
a produção de material didático
para a capacitação docente de
alfabetizadores em vídeos
produzidos parte em estúdio e
parte em escolas, durante o
segundo semestre de 1990.
Participaram das gravações
crianças que cursavam pela
primeira vez a pré-escola ou o ano
inicial do ensino fundamental de
quatro escolas públicas da cidade
de São Paulo. Projeto
desenvolvido pela Prof.ª Telma
Weisz e colaboradores.

Série: “Por Fundação para o 1992 Conjunto de vídeos e textos Construtivismo


trás das Desenvolvimento produzidos pela Prof. Telma
letras” da Educação – Weisz, visando oferecer aos
FDE / Secretaria professores alfabetizadores um
de Educação do material de reflexão sobre a prática
Estado de São pautado no conhecimento da
Paulo Psicogênese da Língua Escrita.

“Programa de Governo do 1993 Programa de formação destinado Construtivismo


Alfabetização: Estado de São aos professores, assistentes e/ou
Teoria e Paulo supervisores do Ciclo Básico do
Prática” estado, coordenado pela Prof.ª
Telma Weisz e acompanhado pela
equipe técnica do CENP, composto
por diversos materiais e vídeos,
horária de 90 h, duração um ano;
mantinha os educadores formados
em um grupo contínuo durante os
anos subsequentes.

“Programa Governo Federal 1999 Material impresso organizado Construtivismo


PCN`s em – MEC também pela Prof.ª Telma Weisz
Ação” em módulos orientadores de
estudo dos Parâmetros e
Referenciais Curriculares
Nacionais. Realizado por meio de:
criação de polos de apoio a partir
de uma rede de formadores
contratada pelo MEC; distribuição
dos Referenciais Curriculares;
divulgação dos programas da TV
Escola e realização de seminários
sobre formação de formadores em
93

parceria com as universidades e


outras instituições.

GESTAR – Governo Federal 2000 Formação de tutores Alfabetização


“Programa de – MEC multiplicadores para cada e Letramento
Gestão da disciplina, que atuaram como
Aprendizagem orientadores da formação dos (Explicitação
Escolar “ professores de determinado grupo do papel da
de escolas. Foi criado com o Consciência
objetivo de atender às Fonológica)
necessidades das escolas
participantes do Programa de
Desenvolvimento da Escola (PDE)
incluindo algumas regiões
brasileiras, quais sejam: Norte,
Nordeste e Centro-Oeste, sendo
vinculado ao programa
Fundescola. Os materiais
disponibilizados foram organizados
em cadernos denominados AAA –
Atividades de Apoio à
Aprendizagem dos Alunos,
organizados em 7 cadernos de
Apoio à Aprendizagem da área de
Matemática e 7 cadernos de
Língua Portuguesa, com
sugestões e orientações
metodológicas para os
professores, complementares aos
cadernos de Teoria e Prática.

PROFA – Governo Federal Instituído Vídeos produzidos em salas de Construtivismo


“Programa de – MEC em aula (sendo 30 programas de
Formação de 2000, vídeo gravados em salas de aula
Professores
iniciado de alfabetizadores experientes);
Alfabetizadores”
em Guias para os formadores;
2001. Coletânea de textos para os
cursistas; Guia metodológico para
o formador. Também coordenados
pela Prof.ª Telma Weisz e
colaboradores.

“Programa Secretaria de 2003 Trata-se do PROFA, que recebe Construtivismo


Letra e Vida” Educação do este nome, ao ser desenvolvido no
Estado de São Estado de São Paulo e por
Paulo adesões em seus municípios.

PRALER – Governo Federal 2003 Programa disponibilizado via Alfabetização


“Programa de – MEC convênio firmado entre MEC e os e Letramento
Apoio a Leitura municípios, especificando as
e Escrita” condições para o estabelecimento (Explicitação
de parcerias entre os três do papel da
principais agentes de execução – Consciência
Ministério da Educação/SEIF/ Fonológica)
DPE/ Fundescola, Secretarias de
Educação Estaduais e
Municipais, Escola polo (local da
94

formação continuada) –bem como


as atribuições correspondentes. O
formato do PRALER é organizado
na modalidade de ensino
semipresencial, mesclando
atividades de estudo individual,
apoiado pelos Cadernos de Teoria
e Prática, e reuniões semanais ou
quinzenais chamadas de “Sessões
Presenciais Coletivas”, com um
professor formador para orientar o
grupo. O programa tem seus
moldes no GESTAR, denominando
inclusive os mesmos nomes para
os Cadernos de Atividades de
Apoio à Aprendizagem (AAA), com
o Guia Geral, Manual do Formador
e os Cadernos de Teoria e Prática
– os TPs.

“Pró- Governo Federal 2005 O material do Pró-Letramento foi Alfabetização


– MEC elaborado por dez universidades e e Letramento
Letramento” está dividido em dois volumes: o
volume de Alfabetização e (Explicitação
Linguagem, dividido em oito do papel da
fascículos e o volume de Consciência
Matemática também possui oito Fonológica)
fascículos. O programa é
realizado com a participação de
cinco atores essenciais que são
responsáveis pela execução das
ações nos Estados quais
sejam: Coordenador Geral do
Programa: profissional vinculado
a universidade parceira,
responsável pela
implementação do Programa;
Formador: preferencialmente um
profissional vinculado a
Universidade formadora e
responsável pela formação dos
orientadores de estudos;
Coordenador Administrativo do
Programa: deve ser um
profissional da Secretaria de
Educação, responsável pela
organização do Programa no
município e pela articulação
entre a IES e a Secretaria de
Educação; Orientador de
Estudos: deve ser professor
efetivo do município e receber a
formação da Universidade com
indicação feita pela Secretaria de
Educação pautada em sua
experiência profissional e
95

formação acadêmica,
considerado pelo programa
como peça-chave no projeto,
pois ele será o articulador entre
a Universidade e os cursistas;
e, por último, o Professor
Cursista: deve ser professor das
séries ou anos iniciais do
ensino fundamental (1ª a 4ª
série ou 1º ao 5º ano), estar
atuando em sala de aula e ter
feito a inscrição.

“Programa Governo do 2005 Intervenção na gestão pedagógica Construtivismo


Ler e Estado de São envolvendo a formação de
Escrever” Paulo supervisores, diretores,
coordenadores e professores a fim
de melhorar as aprendizagens dos
alunos por meio de cursos,
convênio com universidades,
acervos de livros, revistas,
distribuição de materiais de apoio,
guias de planejamento e
orientações didáticas para os
professores – de 1º ao 5º ano,
material do aluno e
videoconferências. Programa
coordenado pela Prof.ª Telma
Weisz e colaboradores.

PAIC – Governo do 2007 O PAIC - Programa de Alfabetização


“Programa Estado do Ceará Alfabetização na Idade Certa, e Letramento
pela criado inicialmente em 2004 no
Alfabetização município de Sobral e assumido (Explicitação
na Idade em 2007 no âmbito estadual no do papel da
Certa” Ceará, pelos rápidos resultados de Consciência
alfabetização, foi o principal Fonológica)
atrativo da atenção do MEC, o qual
serviu de berço para o PNAIC–
Pacto Nacional pela Alfabetização
na Idade Certa. O PAIC cearense
tem como meta a alfabetização de
100% das crianças até o final do 2º
ano do ensino fundamental, assim
como a alfabetização dos alunos
não alfabetizados do 3º ao 9º ano
do ensino fundamental e propõe
uma intervenção sistêmica que é
executada por meio de cinco eixos:
Eixo de Alfabetização, Eixo de
Gestão Municipal, Eixo de
Educação Infantil, Eixo de
Literatura Infantil e Formação do
Leitor e Eixo de Avaliação Externa.
A formação básica presencial aos
professores é de 120 h., divididas
96

em sete módulos temáticos. Esses


módulos que compõem o curso
referem-se a: sensibilização e
pedagogia da leitura, dinamização
do acervo literário, literatura e
contação de histórias, literatura
infantil no desenvolvimento e no
processo de aprendizagem da
criança, professor(a) leitor(a),
planejamento pedagógico,
alfabetização e letramento.

“Programa Governo do 2008 O programa se nutre das diretrizes Método Fônico


Além das Estado do Mato legais preconizadas na Lei de
Palavras” Grosso do Sul Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e das Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais
para Educação Básica e os
Referenciais Curriculares da Rede
Estadual de Ensino de Mato
Grosso do Sul e prevê a
contratação de professores
formados em Letras e
Matemática para exercerem a
função de Coordenadores, nas
áreas de Língua Portuguesa e
Matemática, os quais são
treinados por profissionais da
Secretaria de Estado de
Educação -MS para atuarem nas
escolas onde são lotados juntos
aos professores. A
responsabilidade de supervisão
dos trabalhos pedagógicos
desenvolvidos pelos professores
fica a cargo dos coordenadores
das áreas de Língua Portuguesa e
Matemática e não mais do
coordenador pedagógico, que não
participa da formação continuada
do programa, ficando alheio à
metodologia concebida pela
proposta da utilização do método
fônico. Secretaria de Estado de
Educação –SED/MS, distribuiu
kits do Instituto Alfa e Beto
(IAB) com livros didáticos para
serem utilizados pelos alunos e
professores, entre os quais estão:
“Grafismo e Caligrafia -letras
cursivas”, “Grafismo e Caligrafia –
letras de forma”, “Aprender a
Ler”, Manual do professor –
Aprender a ler, Manual de
Orientação do Programa Alfa e
Beto de Alfabetização, Manual da
97

Consciência Fonêmica, 110


minilivros, Bonecos Alfa e Beto
(fantoches), cartazes, Livro
Gigante –Leia comigo, Manual do
livro Gigante –Leia Comigo, Livro
Reduzido –Leia Comigo, Agenda
do Professor (em desuso desde
2012), além dos livros para o
professor “ABC do
Alfabetizador”, “Alfabetização de
Crianças e Adultos: Novos
Parâmetros” e “Aprender e
Ensinar”, todos de autoria de João
Batista Araújo e Oliveira (Diretor-
presidente do Instituto Alfa e Beto).

PIC – Fundação para o 2009 – Projeto Intensivo no Ciclo I para Construtivismo


“Projeto Desenvolvimento até dias salas com condições diferenciadas
Intensivo no da Educação – atuais para atender as crianças que não
Ciclo” FDE / Secretaria se apropriaram do sistema
de Educação do alfabético no final do 3º ano, por
Estado de São meio de vídeos produzidos em
Paulo salas de aula de PIC e 1º ano e
distribuição de material impresso
para a formação dos professores e
para uso do aluno. Programa
coordenado pela Prof.ª Telma
Weisz.

PNAIC – Governo Federal Instituído Trata-se de um programa Alfabetização


“Pacto – MEC em integrado, com o objetivo de e Letramento
Nacional pela 2010, alfabetização em Língua
Alfabetização iniciado Portuguesa e Matemática, até o 3º (Explicitação
na Idade em ano do Ensino Fundamental, de do papel da
Certa” 2012. todas as crianças das escolas Consciência
municipais e estaduais, urbanas e Fonológica)
rurais, brasileiras. Para o alcance
desses objetivos, as ações do
Pacto compreendem um conjunto
integrado de programas, materiais
e referências curriculares e
pedagógicas, disponibilizados pelo
MEC, que contribuem para a
alfabetização e o letramento, tendo
como eixo principal a formação
continuada presencial dos
professores alfabetizadores. Essas
ações são complementadas por
outros três eixos de atuação:
materiais didáticos e pedagógicos,
avaliações e controle social e
mobilização. Apresenta
características de organização e
concepção do Pró-Letramento e
PAIC, havendo também o
pagamento de bolsas de estudo
98

para formação. Para a


Formação Continuada de
Professores Alfabetizadores
foram definidos conteúdos que
contribuem, dentre outros, para o
debate acerca dos direitos de
aprendizagem das crianças do
ciclo de alfabetização; para os
processos de avaliação e
acompanhamento da
aprendizagem das crianças; para
o planejamento e avaliação das
situações didáticas; e para o
conhecimento e o uso dos
materiais distribuídos pelo MEC
voltados para a melhoria da
qualidade do ensino no ciclo de
alfabetização. A formação foi
conduzida por orientadores de
estudos, professores pertencentes
ao quadro das redes de ensino,
devidamente selecionados com
base nos critérios estabelecidos
pelo MEC, que participam de um
curso de formação de 200
horas, ministrado por
formadores selecionados e
preparados pelas Instituições
de Ensino Superior/IES que
integram o programa, que
selecionam e preparam seu
grupo de formadores que, por sua
vez, terão a responsabilidade de
formar os orientadores de estudo,
que conduzirão as atividades de
formação junto aos professores
alfabetizadores.

PMALFA – Governo Federal 2018 Programa 100% online, Alfabetização


– MEC implementado nos 1º e 2º anos do e Letramento
“Programa ensino fundamental das unidades
Mais escolares públicas estaduais, (Explicitação
Alfabetização” distritais e municipais, por meio de do papel da
adesão dos secretários das pastas, Consciência
mediante apoio técnico e financeiro Fonológica)
do MEC. O apoio técnico previsto
se dá por meio de processos
formativos na escola, do auxílio do
assistente de alfabetização às
atividades estabelecidas e
planejadas pelo professor
alfabetizador e do monitoramento
pedagógico e do sistema de gestão
online viabilizado para as redes. O
apoio financeiro às unidades
escolares dar-se-á por meio da
99

cobertura de despesas de custeio,


via Programa Dinheiro Direto na
Escola - PDDE, sendo empregado
conforme a opção de cada escola
entre: aquisição de materiais de
consumo (ou serviços) voltados aos
anos de alfabetização OU no
ressarcimento de despesas com
transporte e alimentação dos
assistentes de alfabetização,
responsáveis pelo
desenvolvimento das atividades
junto aos professores. O
monitoramento do Programa nas
unidades escolares é realizado por
meio do PDDE Interativo, no qual
as UEx (unidades executoras)
deverão registrar as informações
referentes aos professores
alfabetizadores, assistentes de
alfabetização, estudantes, turmas e
plano de atendimento. Essa ação é
condição necessária para
participação no Programa. O
monitoramento é realizado também
via PDDE Interativo, pelo
Coordenador do PMALFA, que
deverá acompanhar o
preenchimento dos dados de
execução pelas escolas. O sistema
online do PMALFA também
disponibiliza testes periódicos que
deverão ser aplicados em todas as
turmas que aderiram ao Programa
e também em algumas turmas que
não fizeram a adesão (para o
propósito de análise da efetividade
do Programa):são três testes ao
ano um de Língua Portuguesa e
outro de Matemática denominados:
1 Avaliação Diagnóstica ou de
Entrada; 2 Avaliação Formativa de
Processo e 3 Avaliação Formativa
de saída. Os testes são aplicados,
corrigidos e lançados no sistema
pelos professores visando
possibilitar análise e planejamento
de cada escola, turma ou rede de
ensino.

Fonte: Quadro organizado pela pesquisadora.

Como se pode observar, a maioria das políticas públicas para a alfabetização


são iniciadas no Estado de São Paulo e possuem sistemas de organização (estrutura)
e formas de implementação semelhantes, as quais foram se ampliando e se
100

reformulando sucessivamente ao longo dos tempos por sua abrangência. Com


exceção do PNAIC, que instituiu pela primeira vez, em meio as demais ações, o
sistema de bolsas, inclusive aos docentes participantes do programa (não apenas aos
formadores), objetivando viabilização de encontros presenciais a um maior número de
participantes.
Quanto ao pressuposto teórico vigente nas políticas, temos uma hegemonia
inicial - presente até hoje - das políticas públicas na perspectiva construtivista de
alfabetização que advoga o seu desenvolvimento por meio dos textos reais, atividades
de inferência e estabelecimento de relações: “Projeto Ipê” (1984); “Por uma
alfabetização sem fracasso” (1988); Série: “Por trás das letras” (1992); “Programa de
Alfabetização: Teoria e Prática” (1993); “Programa PCN`s em Ação”(1999); PROFA
– “Programa de Formação de Professores Alfabetizadores”(2001); “Programa Letra e
Vida” (2003); “Programa Ler e Escrever”(2005) e; PIC – “Projeto Intensivo no
Ciclo”(2009).
Concomitantemente, mesmo partindo das contribuições dos estudos da
psicogênese, especialmente para o diagnóstico da escrita e compreensão das
hipóteses das crianças, surgem propostas que defendem a especificidade dos objetos
de conhecimento que envolve a alfabetização (faceta da alfabetização e faceta do
letramento) e sua correspondente necessidade de um ensino explícito dos aspectos
linguísticos que constituem as bases do SEA, apresentando assim a necessidade da
consciência fonológica como parte decisiva para o seu avanço. Essa perspectiva vem
se fortalecendo em diversos programas por seus resultados - em especial a
experiência do PAIC no Ceará - e defende também a criança como sujeito ativo em
seu processo de construção do conhecimento e a necessidade de um trabalho
interdependente com os portadores textuais reais da leitura e da escrita. Nessa
perspectiva surgiram os programas: GESTAR – “Programa de Gestão da
Aprendizagem Escolar” (2000); PRALER – “Programa de Apoio a Leitura e Escrita”
(2003); Pró-Letramento (2005); PAIC – “Programa pela Alfabetização na Idade Certa”
(2007); PNAIC – “Pacto Nacional Pela Alfabetização na Idade Certa” (2012) e;
PMALFA – “Programa Mais Alfabetização” (2018).
Diferentemente dessas bases epistemológicas, reaparece como Política
Pública no Brasil, a partir do ano de 2008, a reformulação do método fônico de
alfabetização no Estado do Mato Grosso do Sul. Organizado por João Batista Araújo
e Oliveira, denominando-se “Programa Além das Palavras”, por intermédio da
101

contratação do Instituto “Alfa e Beto” (IAB). A proposta desconsidera a alfabetização


por meio de textos e também a interface interdependente entre alfabetização e
letramento. O método é composto pelo estudo isolado de fonemas a serem repetidos
e treinados em sequência rígida para chegar na compreensão das palavras. Para o
desenvolvimento da escrita existe o caderno dos treinos motores, cópias e ditados.
Os textos existentes no material são intencionados não por carregarem sentido, mas
por serem compostos de repetições fonéticas correspondentes às que estão sendo
estudas no momento.
Conforme instruções do material, o método deve ser trabalhado passo a passo
de acordo com o som estudado e não se prevê trabalho algum com as bases do
letramento, o qual é definido como uma aprendizagem posterior à alfabetização. O
autor do método defende que 100% das crianças devam estar alfabetizadas (não
letradas) até o término do 1º ano do EF. Divergindo desse pensamento rígido e
sequencial do método fônico, mas considerando o papel fundamental da consciência
fonológica, Moraes (2012) assevera:
[...] crianças, assim como os adultos superletrados, tendem a nunca conseguir
pronunciar um a um os fonemas de cada palavra. Tampouco conseguem
contar os fonemas de uma palavra, segmentando-os um a um. Quando lhes
pedimos que realizassem essas segmentações e contagens fonêmicas, o que
fazem é dividir as palavras em sílabas ou soletrar e contar cada letra das
palavras. Azevedo (2011) observou que era assim que se comportavam
crianças que já escreviam e liam convencionalmente as palavras e frases e
que tinham sido ensinadas pelo método fônico Alfa e Beto. O curioso, neste
caso, é que as crianças tinham sido treinadas, durante todo o ano letivo, a
pronunciar fonemas isolados. Mas só conseguiam pronunciar sílabas ou
nomes das letras (MORAIS, 2012, p. 88).

Para o autor Artur Gomes de Morais (2012), não reduzir a consciência


fonológica à consciência fonêmica ou ao método fônico torna-se um princípio
fundamental para entendermos como algumas habilidades fonológicas participam
efetivamente da empreitada da alfabetização. Dessa forma, a defesa pela identidade
da escrita não como um mero código, mas um sistema notacional que viabiliza a
compreensão do funcionamento do alfabeto e da lógica que opera sobre as sílabas,
exigindo esse trabalho de análise e consciência como: pronunciar palavras separando
seus pedaços sonoros em voz alta; juntar partes que escutamos separadamente;
contar as partes das palavras; comparar palavras quanto ao tamanho; identificar
semelhanças quanto a alguns pedaços sonoros; comparar palavras quanto ao número
de sílabas; identificar e produzir palavras que começam com a mesma sílaba; dentre
102

outras ações integradas que se diferenciam da limitação apenas memorística


instituída pelo método fônico.
Um ponto em comum entre todas essas políticas está no fato de que todas elas
representam iniciativas para a solução dos altos índices de fracasso escolar na
alfabetização, os quais antes se tornavam evidenciados pelas avaliações internas da
escola e representados nos elevados dados de retenção escolar logo ao primeiro
ano/série do EF e hoje, são maciçamente reveladas por meio dos resultados das
avaliações externas, em larga escala no Brasil.
Por conseguinte, agora no início do século XXI reaparece em nível nacional,
com força de política pública, a discussão propositiva do retorno dos métodos
tradicionais de alfabetização enquanto orientação nacional, discussão que conclama
todos os educadores para importantes reflexões.
Em abril de 2019, o Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, publicou
o decreto nº 9.765, de 11/04/2019, instituindo nova Política Nacional de Alfabetização
(PNA). Ainda sem detalhamentos e ausência de explicitação de um “método”, o
decreto aponta terminologias ligadas ao método fônico prevendo que o programa e as
ações da PNA terão “ênfase no ensino de seis componentes essenciais para a
alfabetização”: consciência fonêmica; instrução fônica sistemática; fluência em leitura
oral; desenvolvimento de vocabulário; compreensão de textos e produção de escrita.
No dia 15 de agosto de 2019 o MEC, por meio do Ministro da Educação
Abraham Bragança de Vasconcellos Weintraub, torna público o caderno intitulado:
“Política Nacional de Alfabetização” (PNA), um material fundamentalmente conceitual,
composto por apenas 56 páginas e repertoriado por autores da psicologia cognitiva e
neurolinguística, tais como: Capovilla (2000); Cardoso-Martins (2006); Dehaene
(2011); Ehri (2005); Gombert (2003); Scliar-Cabral (2013), dentre outros.
O conteúdo do caderno não institui um método explícito e não expressa
claramente os resultados práticos da interpretação do Ministério da Educação ao se
apropriar dos estudos desses autores. No entanto, apresenta pela primeira vez (na
história das políticas públicas nacionais) concepções que se distanciam totalmente da
perspectiva construtivista e insere a primeira infância/Educação Infantil, em especial
a pré-escola, nessa implementação. Apresenta também como objetivo a alfabetização
ao término do primeiro ano do EF concebendo-a enquanto capacidade de “ler e
escrever ao menos palavras e textos simples”, a saber:
103

De fato, algumas crianças, por conta das experiências relacionadas à leitura e


à escrita vivenciadas em casa, ingressam no ensino fundamental com
conhecimentos e habilidades fundamentais para a alfabetização adquiridos
desde muito cedo, como o conhecimento alfabético e a consciência fonológica.
Essas crianças terão mais possibilidades de obter sucesso no processo de
alfabetização e de aprender a ler e escrever ao menos palavras e textos
simples até o final do 1º ano. Porém, como tais experiências de leitura e escrita
estão muito associadas ao nível socioeconômico das famílias, se não houver
uma atuação eficaz das escolas, principalmente das públicas, poderá abrir-se
um fosso de aprendizagem entre as crianças de famílias mais favorecidas e as
crianças de famílias menos favorecidas. Por isso é necessário ofertar a toda
criança as condições que possibilitem aprender a ler e a escrever nos anos
iniciais do ensino fundamental; daí a priorização da alfabetização no 1º ano
como uma das diretrizes da PNA (BRASIL, 2019, p. 32).

A recente publicação já é alvo de inúmeros e calorosos debates, especialmente


pela inserção da Educação Infantil na política, ruptura com os contributos da
psicogênese – até então existentes em todas as políticas públicas nacionais – e
propositura da alfabetização ao término do primeiro ano. Repertórios que sugerem
uma possível adesão às práticas existentes no método fônico do instituto Alfa e Beto.
Diante da inexistência de conteúdo prático, didático e metodológico, torna-se
temerosa a transposição ou interpretação dessas teorias utilizadas na proposta para
a prática pedagógica nacional.

Caminhos ou descaminhos? Avanços ou retrocessos? Embates ou


conciliações? Reflexões que apontam necessidades urgentes de um olhar crítico
sobre a realidade de modo a encontrar caminhos de superação que garantam as
nossas crianças o direito de serem plenamente alfabetizadas durante o ciclo de
alfabetização.
104

3. A PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA COMO FUNDAMENTO PARA


PENSAR A FORMAÇÃO DO PROFESSOR ALFABETIZADOR

O tema deste capítulo versa sobre os fundamentos teórico-metodológicos da


Pedagogia Histórico-Crítica, elaborada pelo professor emérito da UNICAMP, doutor
em filosofia da educação, Dermeval Saviani. Ao tratar desses fundamentos em
direção a uma proposta que reflita a formação do professor alfabetizador, torna-se
essencial, como ponto de partida, localizar que esta pedagogia se propõe a defender
a escola como principal espaço de superação das desigualdades sociais criadas e
intensificadas via nossa sociedade capitalista, excludente. Defende-se assim, por
meio do trabalho na escola a possibilidade humanizadora de elevação do senso
comum por intermédio dos conhecimentos em suas formas mais desenvolvidas para
instrumentalizar e contribuir com a formação de seres humanos capazes de
transformar a realidade.
Trata-se de uma pedagogia voltada à superação da divisão de classes e dos
processos de exclusão que se massificam e se perpetuam historicamente. Assim, lutar
pela alfabetização e letramento de todos, representa apenas o primeiro passo desse
complexo processo educacional, permeado por inúmeras capacidades letradas para
ascensão e desenvolvimento das possibilidades humanas de interação com o real e
transformações na estrutura da sociedade. Desta forma, refletir sobre o atual cenário
da alfabetização, das condições da formação inicial e continuada dos docentes e
procurar os melhores meios de superação, vêm a contribuir com a luta pela igualdade
de direitos e oportunidades de forma a tornar a escola espaço real de superação e
não de reprodução da exclusão e do fracasso.
Nesse contexto, considera-se indispensável a continuidade da investigação
sobre as formas de atuação e de seleção dos conteúdos adequados que assegurem
o aprendizado no campo da língua escrita – alfabetização – pois se sabe que é por
meio do domínio dessa ferramenta simbólica que a criança poderá alcançar
patamares de desenvolvimento e pensamento mais elevados em seu processo de
escolarização.

[...] para se tornar atual à sua época é preciso que o ser humano se aproprie
do conjunto das objetivações que configuram a estrutura da sociedade em que
ele nasce e vai viver sua vida. Notamos que contemporaneamente estamos
diante de uma forma de sociedade que incorporou ao seu modo de vida
105

processos formais, cuja base mais conspícua pode ser definida pela linguagem
escrita. Ora, essa forma de linguagem, diferentemente da linguagem oral, não
é espontânea e “natural”, mas formal e codificada. Nessa condição ela não
pode ser aprendida por um processo educativo espontâneo e assistemático
requerendo uma educação específica, formalmente construída. E a instituição
escolar surgiu exatamente para atender a essa exigência. Eis como a escola
veio se converter, na época moderna, na forma principal e dominante de
educação, constituindo-se como a mediação mais adequada para a
apropriação, pelos membros das novas gerações, das objetivações humanas
próprias da cultura letrada que caracteriza a sociedade atual (SAVIANI, 2019,
p.177).

Pensar na apropriação dos conhecimentos formais na escola requer como


ponto de partida pontuar e explicitar, assim como afirma Saviani, que toda a atividade
educativa traz em seu bojo determinada concepção de mundo, de homem, de
sociedade e de educação, dessa maneira, refletir e discorrer acerca de questões
fundantes assumidas nesta dissertação será objeto deste capítulo. Como se
compreende o homem? Como se organiza a nossa sociedade? O que é educação?
Qual é o lugar do saber na sociedade em que vivemos? Quais saberes são
fundamentais para a humanização dos indivíduos? Qual o papel da escola nesse
contexto? Como o homem aprende? Qual é o papel da formação do professor nesse
desafio?
Pautando-se na Pedagogia Histórico-Crítica como alicerce das reflexões,
considerando-a a teoria capaz de superar os limites e lacunas das pedagogias
tradicional, da pedagogia nova e das crítico reprodutivistas, encarregando-se então
do desafio de explicitar brevemente as concepções entre as relações homem,
trabalho, sociedade, educação e o conhecimento, por intermédio do vasto estudo e
publicações do Professor Saviani, especialmente por meio de seu recente livro
publicado (2019): “Pedagogia Histórico-Crítica, Quadragésimo Ano – Novas
Aproximações”.
Ao discorrer acerca dessas questões sobre o homem, sociedade, trabalho,
saberes, escola e formação do professor, torna-se basilar relembrar conceitos
reiteradamente colocados pelo autor, fundamentados pelos pressupostos filosóficos
do materialismo histórico e dialético de Marx. A começar pela especificidade da
natureza humana, marcada historicamente pela ação do homem sobre a realidade
natural para garantir a sua sobrevivência, o qual, diferentemente dos outros animais,
em lugar de se adaptar à natureza garantindo sua existência natural, adapta a
natureza a si, transformando-a por meio do trabalho, adequando-a a finalidades para
produzir continuamente a sua própria existência. Sendo, por conseguinte, a educação
106

um fenômeno próprio dos seres humanos que se expressa no trabalho e por ele é
exigido para garantir a sua continuidade e novas transformações, constituindo assim
o sentido prático/laboral dos saberes e da sua relevância no mundo cultural.
Considera-se assim, que a produção da existência humana não se desvincula
da garantia da sua subsistência material, a qual evoca meios para produzir a própria
realidade - aciona a antecipação mental e o uso dos conhecimentos para a execução
das ações em objetivos reais – mas que, no entanto, ao produzir a sua existência
coloca em jogo um vasto repertório da categoria da “produção do saber”, da “cultura”,
da “natureza” que desenvolve fundamentais dimensões do trabalho não material,
definido por Saviani como: ideias, conceitos, habilidades, símbolos e hábitos. Sendo
assim, as relações educativas formais ou informais, conforme acima mencionadas,
são responsáveis pela assimilação das formas de ser e se relacionar no mundo.

Com efeito, a natureza humana não é dada ao indivíduo humano com o seu
nascimento, mas é produzida pelos próprios homens sobre a base da natureza
biofísica, razão pela qual o trabalho educativo consiste no ato de produzir, em
cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida historicamente pelo
conjunto de homens (SAVIANI, 2019, p. 41).

Desde a ruptura com o “comunismo primitivo” (Saviani, 2019, p. 36), onde


educação e trabalho coincidiam totalmente, onde havia o modo de produção comunal,
com apropriação coletiva da terra na produção da existência, têm-se hoje os claros
efeitos do advento da propriedade privada da terra nas relações humanas e na divisão
dos homens em classes, o que culminou em diferenças e desigualdades sociais
acirradas que desumanizaram os sujeitos e, até hoje, os submetem e os excluem
cruelmente de diversas formas. Assim, ao pensar acerca da organização da
sociedade, torna-se essencial desvelar seus reflexos na história da educação e do
surgimento da escola, nas palavras de Saviani:

Essa divisão dos homens em classes provocou uma divisão também na


educação. Introduziu-se, assim, uma cisão na unidade da educação antes
identificada plenamente com o próprio processo de trabalho. A partir do
escravismo antigo passamos a ter duas modalidades distintas e separadas de
educação: uma para a classe proletária, identificada como a educação dos
homens livres e outra para a classe não proprietária, identificada como a
educação dos escravos e serviçais. A primeira, centrada nas atividades
intelectuais, na arte da palavra e nos exercícios físicos de caráter lúdico ou
militar, e a segunda, assimilada ao próprio processo de trabalho (SAVIANI,
2019, p. 37)
107

Assim, conforme Saviani (2019), a relação trabalho e educação passou a


sofrer uma nova determinação com o surgimento do modo de produção capitalista, o
que forçou paulatinamente a escola, enquanto instituição, a se relacionar de alguma
maneira, ao mundo da produção não mais ao coletivo, mas o convertido aos donos
do poder, às necessidades do capital. Nesse contexto, pensar a educação requer
compreender a sua relação com o trabalho, por isso, historicamente, a mudança na
forma de trabalho implica na mudança na forma da educação. Se antes a educação e
o trabalho coincidiam como um processo de formação humana, agora eles passam a
ser regidos pela divisão de classes, portanto, mais do que o gênero humano,
educação e trabalho passam a formar homens em classes. Essa divisão separou a
educação e o trabalho do processo produtivo. Nessas condições a expressão
“educação é vida” ou deveria ser preparação para a vida desloca-se cada vez mais
exigindo uma articulação histórico-crítica consciente e dialógica entre os saberes
transmitidos pela escola e o trabalho que as pessoas precisam realizar para garantir
a sua existência e sentido para as ações dos indivíduos no mundo.

Essa separação entre escola e produção reflete, por sua vez, a divisão que se
foi processando ao longo da história entre trabalho manual e trabalho
intelectual. Por esse ângulo, vê-se que a separação entre escola e produção
não coincide exatamente com a separação entre trabalho e educação. Seria,
portanto, mais preciso considerar que, após o surgimento da escola, a relação
entre trabalho e educação também assume uma dupla identidade. De um lado,
continuamos a ter, no caso do trabalho manual, uma educação que se
realizava concomitantemente ao próprio processo de trabalho. De outro lado,
passamos a ter a educação de tipo escolar destinada à educação para o
trabalho intelectual. (SAVIANI, 2007, p. 157).

É preciso lutar continuamente para se construir nas relações educativas o


entendimento de que trabalho não diz respeito apenas ao fazer objetivo, mas ao
processo de fazer-se homem sob condições determinadas e é nessa dimensão que a
categoria educação se elucida como uma categoria própria da formação humana.
Dessa maneira, a escola consiste num espaço predominante de educação,
onde o saber sistematizado, criado historicamente, precisa ser socializado com todos
os indivíduos. Portanto, não se trata de uma partilha qualquer de saberes e de
conhecimentos pautados na vivência, no espontaneísmo, no senso comum, mas nos
conhecimentos produzidos pelo conjunto da humanidade e que se tornam
indispensáveis para que o homem se torne homem em espécie, em conjunto. É isso
que justifica a existência da escola: a necessidade de que as novas gerações se
apropriem dos conhecimentos científicos e da forma de produzi-los, para que façam
108

parte efetiva da sua cultura. Nesse sentido, a escola é lugar da transmissão da ciência,
do saber sistematizado, da socialização da cultura, essenciais para o desenvolvimento
humano. É o espaço predominante da educação. Por isso, Dermeval Saviani toma a
educação em sua predominância na sociedade capitalista como objeto de estudo,
preocupado em conhecer a escola na sua totalidade concreta e apontar para ela uma
direção política e não meramente técnica ou reprodutivista, fazendo evidenciar a
função política da educação.
Saviani também discute o papel do conhecimento no interior da escola,
destacando que uma pedagogia articulada aos interesses da classe dominada será
uma pedagogia voltada à valorização da escola, preocupada com a sua qualidade e
bom funcionamento. Sendo a escola o lócus social e cultural propulsor da garantia do
acesso aos conhecimentos historicamente produzidos, ela deverá preocupar-se
fundamentalmente com as formas de tornar o ensino desenvolvente, assim, o método
de ensino ocupa uma função determinante para que a escola supere os efeitos dos
métodos tradicionais ou meramente técnicos (repertoriados de vazios de sentido
interacionista e sociocultural) e também dos métodos da escola nova, repletos de o
espontaneísmo e esvaziamento dos conteúdos.

Obviamente, a educação situa-se na categoria do trabalho não material. Daí a


relevância do conhecimento para a educação; contudo, diferentemente das
ciências da natureza e também das demais ciências humanas, a ciência da
educação (pedagogia) não se interessa pelos conhecimentos em si
mesmos, mas como é necessário que os homens o assimilem. Eis por que
as ciências da natureza têm como objeto os fenômenos naturais, cujo
conhecimento elas buscam atingir. As ciências humanas, por sua vez, têm
como objeto a produção humana, aquilo que identificamos como o mundo da
cultura. Diferentemente, o objeto de preocupação da ciência da educação
são os conhecimentos que os indivíduos que nascem na espécie humana
precisam assimilar para que se constituam efetivamente como seres
humanos (SAVIANI, 2019, p. 41 grifos nossos).

Tão importante quanto o conhecimento para a educação, Saviani apresenta


com muita clareza o duplo objeto da pedagogia, como ciência da educação, o qual se
caracteriza essencialmente: 1- pela identificação dos elementos naturais e culturais
que precisam ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana (conteúdos) e; 2-
pela descoberta das formas mais adequadas de se atingir esse objetivo (método). Por
conseguinte, pode-se identificar que a relação entre teoria e prática é o elemento
definidor da pedagogia. Quanto à fundamental e polêmica relação entre teoria e
prática no senso comum, o autor esclarece:
109

Ainda que distintos, esses aspectos são inseparáveis, definindo-se e


caracterizando-se sempre um em relação ao outro. Assim, a prática é a razão
de ser da teoria, o que significa que a teoria só se constituiu e se desenvolveu
em função da prática que opera, ao mesmo tempo, como seu fundamento,
finalidade e critério de verdade. A teoria depende, pois, radicalmente da
prática. Os problemas que ela trata são postos pela prática e ela só faz sentido
enquanto é acionada pelo homem como tentativa de resolver os problemas
postos pela prática. Cabe a ela esclarecer a prática, tornando-a coerente,
consistente, consequente e eficaz. Portanto, a prática igualmente depende da
teoria, já que sua consistência é determinada pela teoria. Assim, sem a teoria
a prática resulta cega, tateante, perdendo sua característica específica de
atividade humana. Com efeito, a ação humana é uma atividade adequada a
finalidades, isto é, guiada por um objetivo que se procura atingir (SAVIANI,
2019, p. 73).

Para compreender e identificar os elementos naturais e culturais que precisam


ser assimilados pelos indivíduos da espécie humana, o autor apresenta o conceito de
“clássico”, noção fundamental que ajuda a escola definir suas escolhas no uso
adequado do seu tempo entre aquilo que é essencial ou acidental, principal ou
secundário, fundamental ou acessório:

[...] O clássico não se confunde com o tradicional e também não se opõe,


necessariamente, ao moderno e muito menos ao atual. O clássico é aquilo que
se firmou como fundamental, como essencial. Pode-se, pois, constituir-se num
critério útil para a seleção dos conteúdos do trabalho pedagógico (SAVIANI,
2019, p. 41).

Ao pensar nas formas mais adequadas de atingir a assimilação dos conteúdos,


o autor publicou a partir da sua obra “Escola e Democracia” no ano de 2008, terceiro
capítulo, as linhas básicas do método de ensino da Pedagogia Histórico-Crítica que
compreende como essencial para a organização metodológica do pensamento
docente, os momentos: a) Prática Social (ponto de partida), b) Problematização, c)
Instrumentalização, d) Catarse e d) Prática Social (modificada).
Metodologicamente, o primeiro momento, conforme Saviani (2012, p.70) -
ponto de partida da prática educativa - articula-se ao nível de desenvolvimento
efetivo do aluno, tendo em vista a adequação do ensino aos conhecimentos já
apropriados e ao desenvolvimento iminente, no qual o ensino atuará. Nesse
momento, a compreensão dos alunos ainda é sincrética, sem a visão das relações
que formam a totalidade. Acerca da prática social como ponto de partida, vale
ressaltar, conforme Marsiglia:
[...] o saber das crianças, baseado em suas experiências do cotidiano, pode
contribuir para a estruturação do início da ação pedagógica, mas não é
condição para ela. Isto por duas razões: primeiro, porque as experiências dos
alunos são baseadas no senso comum, referem-se ao conhecimento “em-si” e
a forma de conhecimento que a escola deve dedicar-se a desenvolver e o
110

conhecimento “para-si”. A segunda razão, decorrente da primeira, e que a


escola, dedicando-se ao saber erudito, nem sempre encontrará nos interesses
imediatos e nos conhecimentos prévios dos alunos os conteúdos que a escola
deve transmitir e isso não significa que por isso não deva criar as necessidades
e oferecer os conhecimentos históricos e elaborados. (MARSIGLIA, 2011,
p.24).

O segundo momento metodológico, seria a “Problematização”, momento em


que as questões postas pela prática social devem ser colocadas em evidência,
suscitando reflexões acerca da forma e do conteúdo das respostas dadas à prática
social, questionando essas respostas, apontando suas insuficiências e
incompletudes, demonstrando que a realidade é composta por diversos elementos
interligados. Assim:

O segundo passo não seria a apresentação de novos conhecimentos por parte


do professor (pedagogia tradicional) nem o problema como obstáculo que
interrompe a atividade dos alunos (pedagogia nova). Caberia, nesse momento
a identificação dos principais problemas postos pela prática social. [...] Trata-
se de detectar que questões precisam ser resolvidas no âmbito da prática
social e, em consequência, que conhecimento é necessário dominar
(SAVIANI, 2012, p. 71).

No terceiro momento, da Instrumentalização, tendo sido evidenciado o objeto


da ação educativa e realizada a mobilização dos alunos para o conteúdo que está em
questão, é preciso possibilitar aos alunos a posse dos instrumentos culturais que lhes
permitam compreender o conteúdo em questão, de forma mais complexa e sintética.
Desta forma:

Segue-se o terceiro passo, que não coincide com a assimilação de conteúdos


transmitidos pelo professor por comparação com conhecimentos anteriores
(pedagogia tradicional) nem com a coleta de dados (pedagogia nova), ainda
que por certo envolva a transmissão e assimilação de conhecimentos,
podendo, eventualmente, envolver levantamento de dados. Trata-se de
apropriar-se dos instrumentos teóricos e práticos necessários ao
equacionamento dos problemas detectados na prática social. Como tais
instrumentos são produzidos socialmente e preservados historicamente, a sua
apropriação pelos alunos está na dependência de sua transmissão direta ou
indireta por parte do professor (SAVIANI, 2012, p. 71).

A Catarse, sendo o quarto momento, apresenta-se como ápice do processo


educativo, onde uma transformação na aprendizagem acontece e o aluno aprende o
fenômeno da forma mais complexa, trata-se então, da síntese, que vai acontecendo
de forma mais aprofundada. Para Saviani (2012, p. 72), nesse momento ocorre “a
efetiva incorporação dos instrumentos culturais, transformados agora em elementos
ativos da transformação social”.
111

Assim, no ponto de chegada da prática educativa (prática social


modificada): o educando, tendo adquirido e sintetizado o conhecimento, tem
entendimento e senso crítico para buscar seus objetivos de maneira transformadora.
Quando o aluno problematiza a prática social e evolui da síncrese para a síntese, está
no caminho da compreensão do fenômeno em sua totalidade. O primeiro e o quinto
momento são a prática social, mas diferem no sentido de que ao final do processo
essa prática se modifica em razão da aprendizagem resultante da prática educativa,
produzindo alterações na qualidade e no tipo de pensamento (do empírico ao teórico).
Por fim, torna-se fulcral salientar que a proposta metodológica da Pedagogia
Histórico-Crítica não deve ser incorporada como um manual técnico desvencilhado de
seus pressupostos teóricos, pois seu embasamento visa garantir aos dominados
aquilo que os dominantes dominam, de forma que contribua para a luta pela
superação de sua condição de exploração (SAVIANI, 2012, p. 74) e, por isso, como
assevera Martins (2013), tornam-se indissociáveis as relações entre processos de
ensino e formação humana orientados pela tríade conteúdo-forma-destinatário, como
lastro do planejamento pedagógico histórico-crítico.
Ao pensar nesse destinatário, nesse ser humano em desenvolvimento, a
Pedagogia Histórico-Crítica encontra intermediação com a Psicologia Histórico-
Cultural da escola de Vigotski e seus colaboradores retratando importantes aspectos
e pesquisas acerca do desenvolvimento sociocultural dos indivíduos para a
fundamentação de práticas pedagógicas humanizadoras.
Eis por que Martins (2013) estruturou seu texto sobre a exposição,
demonstração e defesa das cinco teses seguintes: 1. Ao ensino escolar
cumpre a tarefa de humanização dos indivíduos. 2. A humanização do
psiquismo identifica-se com a superação das funções psíquicas elementares
em direção às funções psíquicas superiores. 3. A atividade de ensino conquista
natureza específica na forma de educação escolar. 4. A formação de conceitos
é a base sobre a qual o psiquismo se desenvolve e a educação escolar se
realiza. 5. Conceitos cotidianos e de senso comum não incidem sobre o
desenvolvimento psíquico da mesma maneira que os conceitos científicos
(SAVIANI, 2019, p. 185 – 186).

Apresenta-se assim, nas condições atuais, um complexo dilema, pois além dos
fatores históricos que marcam a existência de uma sociedade desumanizadora e
excludente - a qual invariavelmente limita ao máximo, quando não impede as
possibilidades de desenvolvimento humano, produzindo e reproduzindo alienação e
exclusão - temos também a docência como uma profissão desvalorizada socialmente,
financeiramente e com condições de trabalho e desenvolvimento formativos precários.
Um desafio a equacionar permeado de forças contraditórias nas perspectivas de
112

superação dos diversos problemas postos na educação brasileira, a começar pelo


analfabetismo. No entanto, como assevera Saviani (2016, p. 349), quando o discurso
que parece ser “consensual” de que a educação é a chave para que todas as portas
se abram for revertido em investimento financeiro maciço na educação por meio do
PIB, “veremos que não se trata de colocar os recursos para a educação em
competição com outras áreas necessitadas, ao contrário, a educação será a via
escolhida para atacar de frente, e simultaneamente, todos esses problemas”.
Nesse contexto, enquanto o cenário político e das políticas públicas para a
educação tornam-se cada vez mais esvaziados de sentido, caóticos, retrógrados e
excludentes, há de se manter os movimentos sociais, desenvolver estudos e
processos formativos coletivos em busca da resistência na luta pelo entendimento das
formas mais adequadas de trabalhar com a realidade social das nossas crianças e
fomentar no coletivo docente estudos e saberes fundamentais para atender a
qualidade e a complexidade requeridas ao sucesso pedagógico, em especial, ao
sucesso no processo de alfabetização, cerne desta dissertação.

3.1 Saberes fundamentais ao professor alfabetizador na perspectiva da


Pedagogia Histórico-Crítica.

Escreve-se acerca dos saberes fundamentais ao professor alfabetizador


defendendo o reconhecimento da relação entre formação humana e atividade
produtiva, assim como assevera Martins (2010, p. 8), a articulação da formação do
professor em relação ao processo e produto do seu trabalho é de fundamental
importância, uma vez que “o produto do trabalho educativo deve ser a humanização
dos indivíduos, que, por sua vez, só pode ocorrer pela mediação da própria
humanidade dos professores”.
Trata-se, outrossim, de um processo dependente da produção e reprodução
em cada indivíduo particular das máximas capacidades já conquistadas pelo
gênero humano. Um processo, portanto, absolutamente condicionado pelas
apropriações do patrimônio físico e simbólico produzido historicamente pelo
trabalho dos homens, dos quais os professores não podem estar alienados
(MARTINS, 2010, p. 16).

Concebe-se uma formação docente pautada nos princípios da Pedagogia


Histórico-Crítica interligada aos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural, pois
compreende-se que a complexa trama social que interliga a história dos métodos de
alfabetização à história das ideias pedagógicas no Brasil e às iniciativas de
113

implementação de políticas públicas de formação, trouxe para os dias atuais mais


desafios formativos, dilemas e consequências, do que soluções.
Sabe-se que as pedagogias tradicionais e pedagogias novas influenciaram e
ainda possuem forte influência nas práticas educativas desenvolvidas nas escolas,
cada qual com seus pressupostos, culminaram por reproduzir a ordem existente,
reafirmando o fracasso escolar, fortalecendo a divisão de classes e produzindo
exclusão, correspondendo assim, aos interesses dominantes da base capitalista.
Ademais, lastros fortíssimos das consequências dos ideais da escola nova
apresentam-se ainda com grande força na tendência do esvaziamento teórico em
diferentes níveis e em paradigmas que evocam a “reflexão”, o “aprender a aprender”,
as “inferências”, o “implícito” e que coadunam por desqualificar o valor histórico dos
conteúdos, do ato de ensinar intencionalmente e da sistematização do conhecimento
científico no campo educativo.
No esteio dessas reflexões, considerando os limites e desafios
contemporâneos, torna-se imprescindível elucidar e organizar alguns saberes
fundamentais que todo professor alfabetizador necessita conhecer, sendo aqueles
que identificam a essência concreta da sua prática social, para desenvolver a
profissionalidade em suas potencialidades máximas, planejar e manifestar
conscientemente o seu papel em direção a uma formação escolar humanizadora e
verdadeiramente emancipatória.
Ancorando-se, principalmente em autores como Cagliari (2005), Moraes
(2012), Dehaene (2012), Marsiglia (2015), Soares (2016), Martins (2018) e Dangió
(2018), segue a exposição de alguns saberes basilares para a construção dos
conhecimentos e o desvelamento da prática social do professor alfabetizador com
vistas à organização de um trabalho didático fundamentado, intencional e
sistematizado que propicie sínteses qualificadas acerca das formas de organização
do ensino, especialmente do objeto de conhecimento da alfabetização, numa
perspectiva histórico-crítica. , a saber: 3.1.1 - A linguagem enquanto um fenômeno
social e 3.1.2 A linguagem enquanto fenômeno técnico e específico da Língua
Portuguesa e a Alfabetização enquanto objeto de ensino.
Todavia, ressalta-se que assim como a defesa dos termos alfabetização e
letramento se inserem nesta dissertação numa perspectiva de elucidação,
identificação e especificação das propriedades de cada objeto de conhecimento a ser
alcançado, divide-se também tais fundamentos numa perspectiva organizativa,
114

referendando os saberes fundamentais ao professor alfabetizador em dois blocos. Se


os conhecimentos historicamente acumulados perpassam pela posse dos
conhecimentos do professor, acredita-se que no âmbito da formação docente tais
conhecimentos e concepções devam estar em posse dos professores alfabetizadores
para que de forma coletiva, consciente e fundamentada possam articulá-los de fato,
visando a superação dos déficits educacionais e o atingimento das máximas
possibilidades de humanização dos alunos.

3.1.1 A linguagem enquanto fenômeno social

Ao tomar a denominação de “A linguagem enquanto um fenômeno social”, este


subtítulo visa contemplar brevemente aspectos do desenvolvimento histórico da
linguagem humana em suas faces filogenéticas e ontogenéticas, apresentando-se
como conhecimento fundamental ao docente alfabetizador na medida em que é
produto e produtor desta história.
Quanto ao aspecto filogenético, este se traduz em compreender a laboriosa
evolução do universo simbólico da linguagem, criado há milhares de anos pelo coletivo
dos homens, o qual se constituiu e se constitui dinamicamente, requalificando e
elevando o psiquismo, desenvolvendo a capacidade humana de simbolização.
Conforme Luria (1994, apud DANGIÓ; MARTINS, p.12, 2018), a linguagem
surgiu como uma necessidade de comunicação pelo trabalho, entrelaçadas num
sistema de gestos e atos do trabalho, muito mais que por palavras de significado rígido
e permanente, assim (ibidem, p.12) “o significado da palavra era refém da situação
prática, conferindo-lhe um caráter simprático, ou seja, o significado da pluralidade de
sons e de sentidos consubstanciados em uma palavra só era captado no contexto
prático de interlocução”.
Esse processo complexo que se encaminhou do gesto à palavra, revela o
quanto os atos de ler e de escrever representam uma fundamental conquista da
humanidade e, também, para cada indivíduo em particular, nas palavras de Dehaene:
[...] o uso da linguagem falada fez progredir a conquista do homem sobre si
mesmo e sobre suas obras, propiciando-lhe o acesso a um enriquecimento
suplementar maior: tendo acesso ao domínio sonoro, foi possível categorizar
e classificar, designar e nomear, unir o som ao sentido, o significado ao
significante. A extrema compactação e as múltiplas propriedades da
designação sonora facilitaram, com certeza, a articulação dos objetos de
sentido no espaço consciente. Permitiram também a organização, sob a forma
ritmada e imaginária, da poesia e, sob a forma lógica e racional, do
115

conhecimento objetivo e, em seguida, da ciência. Como o acentua Gerald


Edelman, o uso da linguagem permitiu o acesso a um nível superior de
consciência. Uma compreensão do mundo imensamente diversificada pôde
ser elaborada através da linguagem. Mas, para o homem sedentário, fez-se
necessário, dia a dia, torná-la cada vez mais visível e transmissível que pela
fala. E também de conservá-la com fidelidade, para além da vulnerabilidade
da matéria cerebral e da sobrevivência do indivíduo. Assim, para suprir as
falhas da memória, o homem inventou a escrita, aproximadamente há 5.000
anos (DEHAENE, 2012, p. 19).

Ainda no plano filogenético - para a compreensão do fenômeno da escrita em


sua processualidade e movimento - a busca do homem em representar o mundo fora
da sua mente passou por inúmeras mudanças e foi caracterizada por meio dos
estudos de Cagliari (2005) em três fases: - pictórica, ideográfica e alfabética.
A escrita pictográfica apresentou-se como a primeira forma de representação
para a invenção da escrita, caracterizada principalmente por desenhos que
representavam as ações que os homens antigos faziam. Os pictogramas serviam
como meio de comunicação entre estes povos. Pictogramas são figuras que evocam
uma ideia, os quais, modernamente, ainda se apresentam como ícones da atualidade.
No entanto, conforme Dangió e Martins (2015, p.14), apenas as representações
por meio de desenhos nem sempre objetivavam exatamente o dizer, dando margem
para diferentes interpretações, assim, após “milhares de anos de evolução social, a
humanidade experienciou a necessidade de controlar seus rebanhos, plantações,
marcações de terrenos”, partindo então dessa necessidade, iniciou a fase ideográfica
da escrita, representada por desenhos denominados ideogramas. A escrita
ideográfica parte da representação gráfica de uma ideia, em geral, através de uma
figura.
A Escrita ideográfica evoluiu a partir de formas da escrita pictográfica
(hieróglifos), um sistema de escrita que se manifesta através de "ideogramas":
símbolo gráfico ou desenho - signos pictóricos - formando caracteres separados e
representando objetos, quantidades, ideias ou palavras completas, por isso, são
necessários tantos símbolos quantos os objetos e ideias a exprimir.
Na escrita ideográfica, há a necessidade de um vasto número de símbolos,
visto que a evolução desse sistema ficou sujeita a modificações e adaptações
constantes, pois o número de pensamentos ou ideias que se desejava comunicar
mostrava-se praticamente infinito e apresentava tendência em aumentar passo a
passo com o desenvolvimento da cultura. A vantagem do ideograma é que pode ser
lido independentemente da língua falada.
116

A invenção de sinais para representar palavras a princípio parecia ser uma boa
solução para o registro, contudo, com a complexificação das relações sociais,
foi necessária a criação de muitos outros sinais. Zatz (2002, p.25) justifica essa
necessidade: “aos poucos, foi-se tornando necessário escrever mais palavras
e era impossível inventar e decorar sinais para todas elas”. [...] Um exemplo
desse momento era o sinal para a palavra SOL, podendo expressar SOL e
DIA. Entretanto, havia palavras impossíveis de serem escritas dessa maneira,
tais como nomes de pessoas, lugares, palavras representativas de vida,
saudade, alegria (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p. 15).

Evolui-se então, paulatinamente, para a ideia de usar sinais para representar


os sons da fala, assim, o valor pictórico do ideograma aos poucos foi adquirindo
representação fonética. Assim, a escrita alfabética, composta por relações
grafofonêmicas, apresenta-se até hoje como nosso sistema de escrita, o qual consiste
na representação dos sons de determinada língua pelas letras do seu alfabeto, mas
nem sempre correspondendo exatamente ao som da língua.
Desta maneira, o acesso ao sistema alfabético foi possibilitado/democratizado
por meio do ensino das letras do alfabeto, com repertório fixo e finito que nota (ou
representa) a pauta sonora das palavras que pronunciamos e permite uma imensa
possibilidade de combinações que viabilizam o acesso à leitura e escrita.
Compreende-se então, no âmbito filogenético, a linguagem escrita como um
sistema complexo, uma conquista árdua da humanidade, culturalmente desenvolvida,
que passou por diferentes momentos ao longo de seu desenvolvimento histórico, cada
qual correspondendo às necessidades humanas próprias de dado período,
apresentando formas e conteúdos dos registros gráficos relacionados à maneira como
os homens materializavam a vida para a sobrevivência, ao estágio de uso e criação
de instrumentos e técnicas, como também às relações sociais. Tal entendimento
sobre a linguagem escrita permite demonstrar que ela resulta de um amplo e dinâmico
processo que reflete a própria luta pela vida, desenvolve a sociedade e o os indivíduos
que a constituem, sendo o bem cultural portador e viabilizador não só das
transformações das ações no mundo, mas também nas próprias funções psicológicas
de cada indivíduo.
Daí poder-se dizer que, no âmbito ontogenético, tal como na filogênese, o
processo de aquisição da linguagem escrita passa também por fases necessárias, de
modo que a pessoa que se encontra à margem do mundo letrado passa,
gradualmente, a fazer parte dele, externa e internamente, utilizando-se dessa
linguagem como meio para ampliar suas funções psicológicas, como memória,
raciocínio lógico-linguístico, percepção, atenção, concentração e planejamento.
117

Compreende-se então como âmbito ontogenético da linguagem, o percurso


linguístico que cada indivíduo desenvolve em contato com a cultura em que está
inserido. Para elucidar brevemente esse percurso, com base no aporte teórico da
Psicologia Histórico-Cultural, recorre-se às obras de Martins e Marsiglia (2015) e
Dangió e Martins (2018), apoiadas nos estudos da escola de Vigotski (1934,
1987,1995, 1996, 2001, 2005, 2006, 2009) e seus colaboradores, em especial, Luria
(1979, 2006), Leontiev (1978, 2006), Elkonin (1987) que apontam concepções
fundamentais da apropriação da linguagem pela criança pequena desde os gestos
incipientes, à distinção de sinais e à compreensão da palavra enquanto signo.
Desde as primeiras semanas de vida, o gesto constitui o primeiro recurso
simbólico usado pelos bebês na ritualização da relação de comunicação com a mãe
ou com outros adultos. Os movimentos corporais subjacentes à satisfação das
necessidades básicas fisiológicas e emocionais da criança acabam por se fixar
(escrever) em gestos ritualizados, cuja percepção visual evoca, na criança e, também,
nos adultos ao seu redor, a experiência dessa satisfação, tornando-a significativa. A
língua na modalidade oral decorre da substituição dos gestos pelas vocalizações ao
serviço da função emocional e da função comunicacional existentes nos contextos da
interação social entre a criança e os adultos que a cercam e que dela cuidam.
O processo de transformação destes gestos primordiais na língua escrita, que
a criança educada nas culturas letradas, desenvolve anos mais tarde, não segue um
percurso linear de simples transformação de umas formas em outras, no entanto,
apresenta-se como um percurso complexo marcado por transformações inesperadas,
por descontinuidades que dificultam o seu rastreio e o seu reconhecimento.

Gradativamente, em virtude da comunicação oral com os adultos e com os


coetâneos desde o primeiro ano de vida, a palavra começa a distinguir traços
dos objetos, constituindo um autêntico sistema de sinais, mas, apesar de
traduzir um avanço no processo de significação do mundo, ainda não significa
o objeto determinado, e sim um traço dele. Assim, uma mesma palavra pode
representar vários objetos, pois o significado ainda não é estável nesse
momento de desenvolvimento. Conforme Luria (idem), a palavra “besouro”
pode se referir a “barata”, por exemplo. O autor complementa sua ideia
colocando que “as primeiras palavras que surgem na criança não significam
objetos precisos e, por conseguinte, ainda não têm nítida referência material.
Tais referências são produto de desenvolvimento” (DANGIÓ; MARTINS, 2018,
p. 19).

Assim, conforme as autoras, ao final do segundo ano de vida da criança (em


condições sociais de desenvolvimento), as características difusas das palavras nos
118

bebês assumem um significado mais estável, culminando na ampliação de seu


repertório, pois necessitará designar diferentes objetos e ações. Dessa maneira, a
partir dos três anos a aproximadamente cinco anos as crianças passam a também
construir palavras inexistentes, pois conservam os traços concretos do objeto
(exemplo: sentador, rolante, cachorrãozão, reguar) e, por vezes, omitem verbos
apegando-se a unidades substantivas ou concretas sem discriminar todos os
componentes do discurso. No entanto, “a partir do momento de assimilação do
significado da palavra em sua referência material, ocorrem processos complexos de
desenvolvimento interno da estrutura semântica da palavra” (DANGIÓ; MARTINS,
p.21, 2018), que por sua vez, movimenta o pensamento e aprofunda o uso da estrutura
semântica lógico-verbal, viabilizando transformações qualitativas na compreensão do
mundo pelas crianças. Havendo consciência desse desenvolvimento, as autoras
(idem) alertam acerca da importância da Educação Infantil para o desenvolvimento da
linguagem enquanto sistema simbólico da vida social:

[...] urge-nos planejar o ensino de conceitos aptos a assegurarem o


desenvolvimento do pensamento lógico-verbal. Essa é uma prerrogativa dos
conceitos científicos. Trata-se de introduzir as crianças em um sistema de
categorias lógicas mais genéricas, a fim de não apenas descreverem o
entorno, mas explicá-lo, entendê-lo e, por consequência, transformá-lo de
maneira crítica e com criatividade. Contudo, para conseguir esse avanço é
necessário começar desde cedo, ou seja, na educação infantil, com a
construção de uma relação consciente da criança com a linguagem, sendo
esta realizada na oralidade e na escrita, bem como com o cálculo, para a
efetivação de fato de um ensino desenvolvente (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p.
22).

Dessa maneira, ao unir pensamento e linguagem, com a apropriação da


palavra enquanto signo, ocorre na criança uma requalificação psíquica que
desenvolve as funções psicológicas superiores, passando assim a envolver processos
que, superando a fusão estímulo/resposta, possibilitam a existência de
comportamentos voluntários, não reflexos, dirigidos pelos aspectos culturais que os
estímulos comportam e não por suas manifestações elementares21. Como asseveram
Dangió e Martins (2018, p.32), “resulta incontestável a importância do

21 Conforme Martins (2016), as funções elementares e superiores não são hierarquizadas, tendo-se
nas primeiras uma suposta base que conduzirá necessariamente às segundas. O percurso do
desenvolvimento não ascende do natural ao cultural, mas imbrica essas linhas contínua e
permanentemente à medida das contradições geradas pela vida social entre o legado da natureza e o
requerido pela cultura.
119

desenvolvimento da linguagem oral, demandando a análise das formas pelas quais


as primeiras reações vocais da criança se tornam, paulatinamente, linguagem
significada”.
Nesse percurso de compreensão da realidade social e apropriação dos objetos
historicamente produzidos pela humanidade, a “linguagem expressa” ou “escrita”
apresenta-se como dinâmica comunicativa, qualificadora do psiquismo e promotora
de sentidos e significados, desta forma, os signos e seus portadores semióticos
podem ser considerados “como verdadeiros mediadores da nossa consciência, na
libertação das correntes do imediato” (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p. 43).
Se passar da relação imediata com os objetos à representação oral por meio
dos signos representa um grande desafio à criança pequena, a passagem oral para a
linguagem escrita exige uma complexidade muito maior e um grande grau de
abstração.
De acordo com Vigotski (VYGOTSKY, 2001, p. 327), a “linguagem escrita é a
forma mais elaborada, mais exata e a mais complexa das linguagens”. Assim,
insistimos na ideia de a escrita ser mais abstrata porque é um segundo sistema
de signos – os signos sonoros são substituídos por signos gráficos. Esse
processo eleva o desenvolvimento do psiquismo ao nível do pensamento e da
linguagem mais interior (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p. 44).

Dessa maneira, torna-se fundamental conhecer a trajetória que a criança


percorre até tornar-se alfabetizada. Tal trajetória na perspectiva histórico-cultural
apresenta o seu início nas primeiras manifestações de linguagem onde “o gesto é o
primeiro signo visual que contém a futura escrita da criança” (VYGOTSKY, 1995 apud
DANGIÓ; MARTINS, 2018, p.48) iniciando a Pré-História da escrita na criança.
Para a psicologia histórico-cultural a capacidade de ler e de escrever se
revelam dependentes de um processo mais amplo do desenvolvimento do psiquismo
humano - como formação cultural - que apresenta a sua raiz nas primeiras relações
simbólicas comunicativas de cada indivíduo. Assim, conforme Martins e Marsiglia
(2015), a pré-história da escrita se radica no desenvolvimento da linguagem oral,
quando os objetos captados sensorialmente conquistam a possibilidade de
representação.
Vigotski e Luria conduziram importantes investigações no âmbito da linguagem
escrita acerca da sua pré-história, que encontrou continuidade, por meio dos
experimentos de Luria, na identificação e explanação de notáveis etapas da pré-
120

história da escrita, de essencial articulação com o processo educativo, as etapas: pré-


instrumental; escrita gráfica diferenciada, escrita pictórica e escrita simbólica.
Assim, Luria denominou o primeiro estágio da pré-história da escrita como fase
pré-instrumental, a qual - em condições dinâmicas de apropriação da cultura - por
volta dos 3 anos, expressa-se por meio de uma escrita imitativa (traços, rabiscos,
garatujas) porém, ainda sem atribuir significados e sem estabelecer relação entre as
marcas gráficas e a possibilidade de relembrar algo.
Podemos considerar que o desenvolvimento efetivo da criança na fase pré-
instrumental é sua capacidade de grafar (já domina determinadas operações
que permitem a ela fazer marcas no papel) e sua compreensão de que há uma
escrita utilizada pelos adultos. Atuando na área de desenvolvimento iminente
da criança, o professor deve provocá-la a superar a mera imitação, fazendo
com que utilize os registros gráficos como meio, ou seja, que a escrita lhe
auxilie a recordar algo e assim assuma a função de operação psicológica
(MARTINS; MARSIGLIA, 2015, p. 47).

Por meio do uso mais objetivo das marcas gráficas na condição de signos, tem
início à etapa seguinte, o estágio da escrita gráfica diferenciada, no qual os registros
(rabiscos) feitos pela criança são capazes de relembrar algo, momento em que os
registros passam a ter uma função no ato da memorização. Conforme os estudos,
considerando as possibilidades de desenvolvimento, é possível identificar essa etapa
entre 4 – 5 anos de idade.

Com a introdução de elementos como quantidades, cores, tamanhos e formas,


a atividade gráfica passa a expressar pela primeira vez uma relação entre
signo e significado e a servir de recurso auxiliar da memória. [...] Podemos
concluir então que nessa fase é importante que o professor garanta ao aluno
o conhecimento matemático introduzindo contagens, quantidades, formas
geométricas, grandezas e medidas, pois isso será fundamental não só às
especificidades do conhecimento lógico-matemático (que não é objeto central
da nossa discussão), mas também terá expressão essencial no
desenvolvimento da escrita. Nesse momento, também devem ser introduzidos
os números e as primeiras letras, pois agora a criança deverá ser desafiada a
realizar tarefas que incluam esse tipo de recurso, iniciando a apresentação de
uma nova técnica (MARTINS; MARSÍGLIA, 2015, p. 52).

Dessa maneira, por volta dos 5 e 6 anos, com a adoção do desenho como
forma de registro, inicia-se a escrita pictográfica, momento em que “as crianças já
sabem desenhar com certa destreza, mas não relacionam o desenho a um expediente
auxiliar da escrita” (MARTINS; MARSIGLIA, 2015, p. 56), mas a uma importante fase
simbólica de representação gráfica do mundo social, da representação oral e função
mnemônica. Assim, o avanço do estágio da escrita pictográfica em direção à escrita
simbólica subordina-se à capacidade abstrativa da criança, pela qual ela apreende
121

que o ato de escrever é guiado pela palavra a ser escrita que passa a compreender
outros signos com face semântica e face fonética, não mais apenas pelo desenho das
coisas, que se estruturava em uma relação direta com o objeto.

[...] colocações de Luria chamam a atenção para a importância do desenho


dirigido em lugar do desenho livre. Enquanto o segundo não apresenta
intencionalidade, nem da criança – que autodirige seu comportamento -, nem
do professor – que não orienta as suas ações por um objetivo -, o primeiro
apresenta exatamente os processos que são necessários ao desenvolvimento
da criança, nesse caso, especificamente de fazer avançar sua apropriação. Se
a criança tiver sido conduzida na fase da atividade gráfica diferenciada de
maneira adequada, já poderá apresentar o desenho não só como recurso de
memorização, mas como forma de expressar conteúdos específicos [...],
substituindo-o pela escrita simbólica. [...] Isso porque a criança já conhece as
primeiras letras e números e deve ser apresentada formalmente ao alfabeto,
levando em conta a relação entre grafemas e fonemas (MARTINS;
MARSIGLIA, 2015, p. 56 – 57).

Mesmo apresentando-se como uma grande conquista e instrumento


fundamental para o avanço nas compreensões do funcionamento do sistema
alfabético, conhecer as letras, reconhecer seu uso social, diferenciá-las de outros
elementos gráficos, conhecer seus nomes e sons, não garante ainda a necessária
compreensão dos mecanismos da escrita, os quais precisam ser introduzidos pelo
professor de maneira intencional, sistematizada e organizada. Como assevera Dangió
e Martins (2015, p. 57):

[...] para avançar em seu processo de aprendizagem da estrutura da escrita, a


criança necessitará de um ensino incisivo e consciente a respeito da escrita
como representação gráfica dos sons das palavras da fala oral, sendo essa
representação nem sempre unívoca. [...] Então, quando a criança atinge o
estágio da escrita simbólica, utiliza letras para marcar um conteúdo, mas não
sabe ainda o mecanismo integral do seu uso, sendo assim as escritas são
indiferenciadas, pois as letras ainda não têm função de representação.

Conforme Martins e Marsiglia (2015), por volta dos 6 anos a criança se encontra
na fase da escrita simbólica, utilizando as letras para escrever ainda como um ato
externo, que precisa ser internalizado por meio da compreensão do funcionamento da
escrita alfabética ao mesmo tempo que atribui significado semântico – histórico e
social.
Outro conteúdo imprescindível no plano ontogenético da linguagem e
interdependente a todo esse contexto de cada etapa da pré-história da escrita, refere-
se ao conhecimento das atividades guias que norteiam as formas de interação social
da criança em cada fase do desenvolvimento. Sendo preponderante desvelar seus
122

caminhos para atingir, de fato, as possibilidades máximas de um ensino


desenvolvente.
Segundo Martins; Abrantes; Facci (2016), cada período do desenvolvimento
individual é caracterizado por uma atividade humana principal, dominante, a partir das
quais se estruturam as relações dos indivíduos com a sociedade. Pautados nos
estudos da teoria histórico-cultural, dentre eles, estudos de Elkonin (1987),
apresentam os principais estágios de desenvolvimento pelos quais os sujeitos
passam: comunicação emocional do bebê; atividade objetal manipulatória; jogo de
papéis; atividade de estudo; comunicação íntima pessoal; e atividade
profissional/estudo.
Dessa maneira, o papel da educação encontra-se, fundamentalmente, na
intervenção do professor, atuando no conhecimento iminente, por meio de
procedimentos e recursos adequados às demandas da atividade dominante,
características de cada etapa de desenvolvimento, sendo essas, por sua vez, as
formas de interação da criança com o mundo que a cerca. Assim, o trabalho docente
com conteúdos intencionais e sistemáticos deve acontecer cuidadosamente desde a
educação infantil.
[...] desde o berçário estamos trabalhando com a comunicação do bebê no
intuito de desenvolver o contato com a linguagem humana e o seu processo
de simbolização – sendo o primeiro momento dessa linguagem fundido a
processos sensório-motores e afetivos em desenvolvimento. [...] Ainda que
possa parecer um monólogo, falar com o bebê é fonte de mediação linguística
imprescindível ao desenvolvimento da linguagem, estimulando a necessidade
de comunicação (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p.156 – 157).

Do nascimento até aproximadamente um ano de vida, a comunicação


emocional do bebê com os adultos que o cercam é a atividade dominante, se
apresentando como base para ações sensório-motoras de manipulação. Já no
primeiro ano de vida até aproximadamente 3 anos, passa pela atividade objetal
manipulatória, desenvolvida por meio da crescente exploração sensório-motora,
permitindo movimentos com os objetos, seu corpo, observação de novos objetos pela
mediação dos adultos, e o imenso desenvolvimento da linguagem atribuindo sons
correlatos progressivamente na fala em busca da identificação das pessoas e dos
objetos do mundo material que a cerca.
Ainda conforme os autores acima descritos, à medida que a criança amplia
suas percepções - se apropria dos signos e da função social do objeto - vai também
se incorporando da realidade social e passa a querer inserir-se cada vez mais nesta
123

realidade. Nisso, decorre outro estágio dominante, marcado pelo jogo protagonizado,
onde se destaca a imaginação, a percepção da função social das pessoas e objetos
que a cercam, momento pelo qual Elkonin (1987) apresenta como jogo de papéis, a
qual ocorre no período de aproximadamente 3 a 6 anos, idade pré-escolar.

Nos jogos de papéis, por exemplo, a linguagem oportuniza o descolamento do


plano visual imediato, ampliando até mesmo a ressignificação e substituição
dos objetos. Ao assumir o papel de outra pessoa, forma-se no psiquismo
infantil o plano do imaginário, ocorrendo o descentramento cognitivo –
condição básica para o verdadeiro processo de abstração. Ao brincar de jogo
protagonizado, a criança capta os traços típicos da atividade desenvolvida pelo
adulto (ELKONIN, 1998), demonstrando nessa ação o avanço do pensamento
complexo, pois ela diferencia, destaca, discrimina, ou seja, olha a realidade de
uma outra maneira: capta o essencial e separa-o do secundário na realidade.
Na ação com o objeto substituto está contido o sentido dado a ele. E esse
movimento sintético das ações para as relações é um processo abstrativo que
corrobora a apropriação da escrita, pois, para aprender a ler e a escrever, será
necessário realizar a síntese da palavra (semântica: sentido e significado) na
captação de suas partes constitutivas (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p.161).

Neste período de desenvolvimento, o autocontrole da conduta mostra-se como


principal conquista, uma vez que para desempenharem e assumirem diferentes
papéis por meio da brincadeira, as crianças passam a acatar certas regras, diminuindo
seus impulsos imediatos. Os papéis assumidos na brincadeira de “faz de conta”
exigem da criança um controle consciente para atingir a exatidão das funções de cada
personagem na vida real.
Por meio da brincadeira de papéis sociais - atividade-guia da criança em idade
pré-escolar - os autores nos apresentam também “atividades produtivas” a este
período, as quais funcionam como linha acessória de desenvolvimento, a saber: o
desenho (como já salientado em sua importância) e o jogo de regras (viabilizado
paulatinamente pela compreensão das regras no jogo de papéis), os quais
intencionalmente trabalhados e ampliados na escola desenvolvem as bases para a
formação da consciência, para as futuras capacidades de abstração, compreensão de
regras e compreensão das relações de representação simbólica, tão necessárias ao
processo de aquisição da leitura e escrita.

[...] o desenho na educação infantil deve fazer parte das atividades diárias,
possibilitando à criança sua objetivação por meio do gesto gráfico em direção
a representações cada vez mais abstratas do mundo. Para além de ensinar a
criança desenhar, está também em jogo o ensino da linguagem do desenho
(TSUHAKO, 2016), repertoriando seu olhar, ensinando técnicas, qualificando
sua percepção (DANGIÓ; MARTINS, 2018, p.165).
124

Novamente, percebe-se claramente importância da Educação Infantil na


construção das bases para um processo de alfabetização desenvolvente, o qual deve
consolidar-se no ensino fundamental, momento em que a criança transita entre o jogo
de papéis à próxima atividade-guia denominada atividade de estudo. O momento
peculiar desta transição se instaura no 1º ano do Ensino Fundamental, conjuntura em
que ações com jogos verbais, brincadeiras, recontos, desenhos e jogos de papéis
devem encontrar continuidade em direção ao início da aprendizagem de conceitos,
formação do pensamento teórico, caracterizada pela “atividade de estudo”.
No entanto, em qualquer momento, para o desdobramento de um ensino
adequado, torna-se necessária a investigação inicial por parte do professor das
funções psíquicas desenvolvidas pela criança, detectando o que ela é capaz de
realizar com autonomia ou com apoio externo. Conceituando o desenvolvimento numa
perspectiva vigotskiana:

O potencial iminente de desenvolvimento das funções psíquicas reside no


“indício da presença de certas funções em maturação”, as quais devem ser
alvo da ação interventiva do bom ensino, dirigido por um bom professor.
Portanto, o conceito de zona de desenvolvimento iminente está diretamente
relacionado ao desenvolvimento em colaboração com um adulto mais
experiente, e não em habilidades particulares de alguma tarefa proposta
(DANGIÓ; MARTINS, 2018, p. 182).

Para que se efetive a já mencionada tríade: conteúdo-forma-destinatário, tão


bem proposta e elucidada por Martins (2013), para a realização de uma ação
pedagógica desenvolvente, há que se ter em posse: o conhecimento das formas mais
adequadas de ensino, o conhecimento do aluno a quem se deseja ensinar e o
conhecimento do conteúdo objeto do ensino, não somente nos aspectos sociais que
envolvem a sua filogênese e ontogênese, mas também, dos aspectos técnicos do
objeto de ensino a ser ensinado.

3. 1. 2 A linguagem enquanto fenômeno técnico e específico da Língua


Portuguesa e a Alfabetização enquanto objeto de ensino.

Busca-se com este subtítulo contemplar brevemente os aspectos funcionais do


sistema de escrita alfabético, ou seja, as propriedades fundamentais da Língua
Portuguesa brasileira que o docente precisa conhecer para mediar intencionalmente
a internalização das suas regras e convenções no processo de alfabetização do aluno.
125

Conhecer e lidar com as complexas propriedades do sistema que envolve a


historicidade da língua materna, em seus aspectos estruturais, discursivos,
etimológicos, lexicais, fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e ortográficos,
mostra-se uma missão complexa, que depende primeiramente da compreensão do
seu funcionamento por parte do aluno, para que, conquistando automatismos, torne-
se capaz de organizar novas compreensões no trato com a língua, suas convenções
e seus textos.
Conforme Soares, (2018, p.48) “em síntese, pode-se dizer que a escrita
alfabética foi historicamente construída como um sistema de representação externa,
que se materializa como um sistema notacional, não como um código”, sendo a escrita
para a criança tanto um sistema de representação semiótico, quanto um sistema
notacional. Apresenta-se como sistema de representação porque as bases do seu
processo linguístico de compreensão se iniciam muito antes da instrução formal, onde
de certa forma, “reconstrói o processo de invenção da escrita como representação”
(idem, ibidem). Por outro lado, a escrita se apresenta para a criança como um sistema
notacional porque ao compreender que a escrita representa a cadeia sonora da fala e
não diretamente o conteúdo semântico, “precisa também aprender a notação com
que, arbitrária e convencionalmente, são representados os sons da fala”, as letras e
suas relações com os sons, bem como a posição que estas ocupam no sistema.
Com base em seus estudos, a partir do livro “Alfabetização – A Questão dos
Métodos” publicado em 2016 (1ª ed.), Soares (2018, 2ª ed.), dedica-se a uma obra de
337 páginas, aprofundando-se especialmente em sua faceta linguística, por meio de
vasta pesquisa envolvendo contribuições científicas de diferentes tempos, áreas e
pesquisadores. A faceta linguística é denominada e identificada pela autora como a
face que compreende o processo de alfabetização enquanto um sistema de
representação e um sistema notacional. Fundamentando-se também em Morais
(2012), alguns conteúdos básicos para o ensino da língua materna que serão
apontados enquanto repertório indispensável ao professor na organização da didática
da alfabetização.
Conforme Morais (2012, p. 49), para alfabetizar é necessário que o ensino
propicie na criança a resposta a duas questões elementares: O que as letras
representam? Como as letras organizam representações? Para responde-las, o autor
organiza e apresenta um conjunto de propriedades básicas relativas à notação
126

alfabética na Língua Portuguesa que todo professor deve conhecer e toda criança
deve reconstruir para tornar-se alfabetizada:

Quadro 5 – Propriedades do Sistema de Escrita Alfabético


1. Escreve-se com letras, que não podem ser inventadas, que têm um repertório finito e que
são diferentes de números e de outros símbolos.
2. As letras têm formatos fixos e pequenas variações produzem mudanças na identidade das
mesmas (p, q, b, d), embora uma letra assuma formatos variados (P, p, P, p).
3. A ordem das letras no interior da palavra não pode ser mudada.
4. Uma letra pode se repetir no interior de uma palavra e em diferentes palavras, ao mesmo
tempo em que distintas palavras compartilham as mesmas letras.
5. Nem todas as letras podem ocupar certas posições no interior das palavras e nem todas as
letras podem vir juntas de quaisquer outras.
6. As letras notam ou substituem a pauta sonora das palavras que pronunciamos e nunca levam
em conta as características físicas ou funcionais dos referentes que substituem.
7. As letras notam segmentos sonoros menores que as sílabas orais que pronunciamos.
8. As letras têm valores sonoros fixos, apesar de muitas terem mais de um valor sonoro e certos
sons poderem ser notados com mais de uma letra.
9. Além de letras, na escrita de palavras, usam-se, também, algumas marcas (acentos) que
podem modificar a tonicidade ou o som das letras ou sílabas onde aparecem.
10. As sílabas podem variar quanto às combinações entre consoantes e vogais (CV, CCV,
CVV, CVC, V, VC, VCC, CCVCC...), mas a estrutura predominante no português é a sílaba CV
(consoante – vogal), e todas as sílabas do português contêm, ao menos, uma vogal.
Fonte: Morais (2012, p. 51).

Grosso modo, pode-se perceber que no ponto de vista das propriedades 1 e 2,


torna-se evidente a compreensão de que as crianças precisam conhecer o repertório
finito das letras, assim como suas formas, nomes e sons, as quais precisam ser
expostas e exploradas de diferentes formas, diariamente, em turmas de alfabetização.
O item 3, reforça a ideia da importância do uso cotidiano dos registros, da função
social dos nomes próprios e das palavras, as quais desenvolvem a noção de
estabilidade, repertório léxico, ordem e sequência correta das letras no interior da
palavra para se poder ler e escrever algo. As propriedades 4 e 5, representam-se em
ações que envolvem o uso de aliterações, rimas, comparações e quantificações. A
propriedade 6, por sua vez, apresenta-se muito frequentemente pelo desenvolvimento
de ações que envolvem a consciência silábica para que a criança perceba que a
escrita representa uma cadeia de pedaços sonoros da fala, ao mesmo tempo em que
127

precisa se confrontar com diversas situações de escrita da palavra convencional em


relação aos objetos/imagens do mundo real de modo a compreender que a escrita
não representa o objeto em si (realismo nominal) enquanto tamanho das coisas nem
a apenas suas características semânticas. As propriedades 7 e 8, dizem respeito ao
trabalho sistemático com os sons das letras, não como necessidade de estabelecer
consciência fonêmica isolada, mas sim, o entendimento das relações entre letras e
seus nomes, letras e suas formas, letras e suas posições e letras e seus sons,
características da consciência grafofonêmica, viabilizando a noção de composição da
sílaba no interior das palavras. A propriedade 9, refere-se ao processo cotidiano de
registros e leituras no interior da prática pedagógica intervindo intencionalmente na
explanação dos demais símbolos que compõem a escrita alfabética. Enfim, a
propriedade 10, relaciona-se ao processo de exposição e explanação de todo tipo de
combinação silábica no cotidiano das escritas em sala de aula, para que as crianças
saibam, desde o princípio do processo de alfabetização, que os pedaços sonoros da
fala na escrita podem ser representados (grafados) por uma letra (vogal) ou em até
cinco letras (CCVCC), assim, não limitando a compreensão de que existem diversas
outras formas de combinações entre letras na representação de um pedaço sonoro,
sendo que sempre, e em qualquer um deles haverá ao menos uma vogal, mas que,
no entanto, a forma de combinação mais usada na Língua Portuguesa é a combinação
canônica (CV) – Consoante e Vogal.
Conforme Soares (2018, p. 29), para o desenvolvimento pleno das capacidades
que envolvem a alfabetização e o letramento, é necessário que ocorra a organização
do ensino visando as facetas que compõem o universo da leitura e escrita: a faceta
linguística, a faceta interativa e a faceta sociocultural, de forma simultânea. No
entanto, advoga pelo tratamento aprofundado e claro de cada um desses objetos de
conhecimento e das aprendizagens por ele veiculadas para que suas especificidades
sejam assumidas e o ensino se torne desenvolvente. Dessa maneira, assevera:

Dessas três facetas decorrem três objetos de conhecimento diferentes na


composição do processo de aprendizagem inicial da língua escrita, objetos a
que correspondem domínios cognitivos e linguísticos distintos e,
consequentemente, três categorias de competências a serem desenvolvidas:
se se põe o foco na faceta linguística, o objeto de conhecimento é a
apropriação do sistema alfabético-ortográfico e das convenções da escrita,
objeto que demanda processos cognitivos e linguísticos específicos e,
portanto, desenvolvimento de estratégias específicas de aprendizagem e,
consequentemente, de ensino – neste livro, a alfabetização. Se se põe o foco
na faceta interativa, o objeto são as habilidades de compreensão e produção
de textos, objeto que requer outros e diferentes processos cognitivos e
128

linguísticos e outras e diferentes estratégias de aprendizagem e de ensino.


Finalmente, se se põe o foco na faceta sociocultural, o objeto são os eventos
sociais e culturais que envolvem a escrita, objeto que implica conhecimentos,
habilidades e atitudes específicos que promovam inserção adequada nesses
eventos, isto é, em diferentes situações e contextos de uso da escrita. Essa
tricotomia explica a questão – as controvérsias – entre os métodos (SOARES,
2018, p.29).

Para a autora, há necessidade de considerar a especificidade da faceta


linguística para a alfabetização, como uma faceta complexa e basilar para as crianças
terem condições objetivas de progredirem nas demais aprendizagens da leitura e
escrita. No entanto, por muito tempo, as facetas interativa e sociocultural
apresentaram predomínio para a alfabetização em função do advento do
construtivismo no Brasil, o qual, para garantir um lugar diferenciado dos métodos
tradicionais de alfabetização (sintéticos, analíticos, mistos), culminou por não assumir
(ou negar) a importância da faceta linguística como objeto da aprendizagem da
alfabetização, concebendo-a como decorrência do contato da criança com a cultura
do escrito, nas condições interativas e socioculturais. Tal concepção mostra-se ainda
vigente em muitas escolas, mas que, contraditoriamente, não vem produzindo as
máximas potencialidades de desenvolvimento humano das nossas crianças em
relação à Língua Portuguesa em todas as suas faces, sendo realidade de muitos
locais ainda o percurso dos três anos do ciclo de alfabetização para a criança
compreender o funcionamento SEA enquanto fonetização inicial da escrita e da
leitura.
Por conseguinte, explana-se acerca dos elementos substanciais que compõem
o entendimento da faceta linguística para a alfabetização, sendo tais conhecimentos
ainda recentes e, não obstante, por vezes, desconsiderados na prática pedagógica
em alfabetização. Soares (ibidem) apresenta então em sua obra, aprofundada
exploração da faceta linguística para a conquista da alfabetização, enfatizando a
Consciência Fonológica, o Ensino das Letras e a Consciência Grafofonêmica
enquanto saberes fundamentais para a compreensão inicial do funcionamento do
nosso sistema alfabético de escrita pela criança.
Conforme Soares (2018, p.171), a Consciência Fonológica apresenta-se como
uma das dimensões mais importantes da Consciência Metalinguística22 para a

22 Conforme Soares (2018, p.125) a Consciência Metalinguística refere-se à capacidade de tomar a língua como
objeto de reflexão e análise e envolve a reflexão consciente e controle intencional dos vários aspectos da:
fonologia, semântica, morfossintaxe, discurso e pragmática.
129

alfabetização, compreendendo a capacidade focalizar os sons das palavras e


segmentando as palavras nos sons que as constituem. Por sua vez, a consciência
fonológica é desenvolvida por meio: 1 - da consciência da palavra; 2 - da
consciência de rimas e aliterações e; 3- da consciência silábica.
Por meio do reconhecimento visual, dos limites marcados pelos espaços em
branco, a criança passa a reconhecer o conceito de palavra e a identificá-la na fala
tomando como referência a representação gráfica, passando também a reconhecê-
las no fluxo sonoro da fala. “As crianças ainda não alfabetizadas enfrentam
dificuldades para isolar e identificar palavras como unidades da cadeia sonora da fala”
(SOARES 2018, p.174), havendo diversas pesquisas científicas subsidiando que, para
a criança pequena, “todos os nomes contém as ideias das coisas que designam”
(ibidem). Como já mencionado no subtítulo anterior, Vigotski também enfatiza que
nesse período de consciência linguística primitiva, a palavra apresenta-se como parte
integrante do objeto que a denota, assim:
A criança deve aprender a distinguir entre a semântica e a fonética e
compreender a natureza dessa diferença. A princípio ela utiliza formas verbais
e significados sem ter consciência de ambos como coisas separadas. Para a
criança, a palavra é parte integrante do objeto que denota (VYGOTSKY, 1989
p. 111, apud SOARES, 2018, p.174).

Assim, para dissociar o significante do significado e compreender que a escrita


representa a fala e não diretamente às coisas ou objetos, a criança precisa superar
este momento - também conhecido como “realismo nominal” - sendo esta superação
uma condição e uma consequência do desenvolvimento da sensibilidade das crianças
aos constituintes das palavras.
Desta maneira, conforme Soares (2018), para conquistar a consciência da
palavra como entidade fonológica, torna-se fulcral o trabalho docente por meio de
rimas, aliterações e consciência silábica.
Compreende-se por rima “a semelhança entre os sons finais das palavras, a
rima entre palavras”. Conforme Soares, existem as rimas consonantes e as rimas
assonantes. As consonantes apresentam-se mais comumente a partir da vogal ou
ditongos tônicos: viola – cartola; violeiro – leiteiro; também entre fonemas finais de
palavras oxítonas: café – boné; irmão – balão; entre sílabas finais: bola – vila; vaca –
foca; e entre as duas últimas sílabas: boneca – caneca; combate – debate. Já em
rimas assonantes ocorre a diversidade nas consoantes e coincidência na vogal:
cachimbo – domingo; uva - coruja (ibidem, p.179).
130

Entende-se por aliteração “a semelhança entre sons iniciais das palavras” em


sílabas: balaio – bacia; girafa – gigante; como também em fonemas: faca – foca; rato
– roda (ibidem, p. 180).
Ainda na Educação Infantil, atividades com textos do folclore infantil que
explorem rimas e aliterações, tais como: cantigas de ninar, parlendas, cantigas de
roda, trava-línguas e atividades lúdicas acompanhadas por registro podem contribuir
para o desenvolvimento da sensibilidade fonológica. No entanto Soares (2018, p. 183
– 184) assevera:
Para que essa sensibilidade à semelhança fonológica global entre palavras
avance para uma atenção dirigida intencionalmente para os sons da palavra,
sem consideração do significado dela, o que é a base para a compreensão do
princípio alfabético, é necessário desenvolvê-la de forma sistemática por meio
de atividades que levem a criança a reconhecer explicitamente rimas ou
aliterações e também a produzir rimas e aliterações.

Em meio a esse contexto, atividades que levem a criança a confrontar as


representações escritas por meio das rimas e aliterações ajudam a iniciar a
compreensão entre os sons e os grafemas, encontrando em conjunto, na consciência
da sílaba, a capacidade organizadora do pensamento na cadeia sonora das palavras.
Desta forma, a consciência da quantidade de pedaços sonoros que compõem a
palavra para a escolha de letras que os representem na tentativa de “encontrar a letra
adequada para tal parte da palavra”, torna-se o passo inicial da fonetização da escrita
em caminho à compreensão da estrutura alfabética (ibidem, p.187).
No entanto, torna-se imprescindível para esta conquista que o ensino
desenvolva concomitantemente a consciência fonológica (que inclui consciência de
palavras, rimas, aliterações e consciência silábica) com o conhecimento das letras
na perspectiva da Consciência Grafofonêmica.
O ensino e aprendizagem das letras torna-se condição basilar para que as
crianças tornem-se sensíveis aos fonemas. Assim o contato visual diário com as
letras, a memorização da escrita das letras (que dispõe de formas e posicionamentos
corretos), a recitação diária do alfabeto em turmas de alfabetização e a identificação
dos nomes das letras, caracterizam apenas o momento inicial em direção à
consciência grafofonêmica. Como já mencionado, no início da aprendizagem, a
criança identifica a palavra em seu aspecto semântico, o mesmo tratamento afastado
dos fonemas acontece no início da aprendizagem das letras, momento em que as
letras e números e até outros símbolos são considerados “objetos com certas
131

características visuais” (ibidem, p.210), no entanto, precisam se revelar como


símbolos que substituem significados.
Isso significa que enquanto as letras (ou números ou outros símbolos) forem
consideradas pelas crianças “objetos”, as mesmas poderão relacionar-se sem
discriminação dos seus traçados, principalmente se forem semelhantes (M – W); (A –
V); (M – N); (R – B); (B – P); (O – Q), poderão também produzir escritas espelhadas,
uma vez que na condição de objetos a orientação e posição não alteram a sua
natureza: “uma xícara é sempre uma xícara, independentemente da posição que
esteja colocada”. Outro aspecto importante encontra-se na apresentação dos diversos
tipos de letras e na dificuldade de compreensão das mesmas em diferentes fontes, o
que ocorre com frequência no contato social e até escolar com “logomarcas, rótulos,
propagandas, anúncios”, placas de identificação, capas de livros infantis, entre outros
(ibidem, p. 212).
Nesse ínterim, Soares (2018, p. 216) indica que é a consciência grafofonêmica
“que torna possível a identificação de fonemas, sua relação com as letras e,
consequentemente, a aquisição do princípio alfabético”. Sobre o conceito de
consciência grafofonêmica, esclarece:
A expressão consciência grafofonêmica, definida por Ehri e Soffer (1999: 1)
como “a habilidade de relacionar letras ou grafemas da palavra escrita com os
sons ou fonemas detectados na palavra falada”, é, sem dúvida, mais adequada
que a expressão consciência fonêmica, porque nomeia com mais precisão o
nível mais avançado da consciência fonológica, a consciência fonêmica, que
só é alcançada por meio da associação entre os grafemas e os segmentos que
eles representam, os fonemas. É essa associação que leva a criança à
identificação de fonemas em palavras ou sílabas, não propriamente à
consciência de fonemas (ibidem).

Assim, um dos pontos indispensáveis a considerar no ensino das letras em


busca da sua representação sonora encontra-se na posição que o fonema ocupa
no nome da letra, o que torna algumas letras mais facilmente perceptíveis do que
outras na cadeia sonora. No entanto, para esse alcance dos fonemas, é necessário
que a criança identifique as letras e seus nomes. Soares, (ibidem, p. 219) retrata que
“grande parte dos nomes das letras no alfabeto português são icônicos (ou
acrofônicos)” e estes, trazem em si, “o fonema que a letra representa, ora no início,
ora no meio do nome da letra”.
Quando a criança passa a perceber esta influência do nome da letra em relação
aos seus sons, comumente passa a expressar essas percepções em suas escritas
inventadas (tentativas de escrita). Assim, Soares organizou quadros específicos que
132

identificam as particularidades das características das letras na relação entre seus


nomes e sons, propiciando o aprofundamento nas possíveis facilidades ou desafios
que as mesmas possam apresentar às crianças:

Quadro 6 – Seis Consoantes do Alfabeto Português que Começam com o Fonema que o Nome da
Letra Representa:
LETRA NOME FONEMA EXEMPLOS

B bê /b/ Bebida, bola

D dê /d/ Dedo, dado

P pê /p/ Peteca, pipoca

T tê /t/ Telefone, pateta

V vê /v/ Veneno, viúva

Z zê /z/ Zebra, anzol

Fonte: Soares (2018, p. 220).

Considerando o quadro acima e a identificação das facilidades sonoras que


estas consoantes apresentam, quando a criança atinge o período da fonetização da
escrita - tendo como instrumento o conhecimento das letras e seus nomes - as
mesmas costumam considerá-las equivalentes às sílabas. Soares (idem, p. 220),
apresenta exemplos de escritas inventadas por crianças, no início do processo de
alfabetização, em escolas públicas brasileiras, que ilustram esse período: BCO por
beco, CABLO por cabelo, PTCA por peteca, VNENO por veneno.
O quadro abaixo apresenta seis outros sons de consoantes, nas quais seus
nomes são constituídos por dois pedaços sonoros: F – efe; L – ele; M – eme; N – ene;
R – erre; S – esse. Os nomes destas letras também contêm o fonema que a
representa, no entanto, numa “posição medial”.

Quadro 7 – Seis Consoantes do Alfabeto Português que Contém o Fonema em Posição Medial em
Relação ao Nome da Letra:
LETRA NOME FONEMA EXEMPLOS

F Efe /f/ festa, faca, café, figo, sufoco


133

L Ele /l/ lata, gelo, maluco, elefante

M Eme /m/ medo, mola, mico, camelo

N Ene /n/ neto, caneta, navio, bonito

Erre /r/ - no início de palavra rato, roda, rua, rio, rede

entre vogais (rr) carro, murro, barraco, marreco


R
/r/ - entre vogais cara, muro, pires, férias

Esse /z/ - entre vogais Casa, mesa, aviso, blusa

/s/ - nos outros casos (s ou ss) Sapato, sela, sílaba, suco


S
Massa, pressa, tosse, bússola

Fonte: Soares (2018, p. 221).

As letras: C, G e Q começam com o fonema apenas em determinados contextos


linguísticos. Em outras palavras, as letras C, G e Q, correspondem ao fonema do seu
nome apenas quando seguidos das vogais E e I, sendo que no caso da letra Q, só se
emprega seguida da letra U.

Quadro 8 – Três consoantes do Alfabeto Português que Mantém seu Fonema em Relação ao Nome
da Letra Apenas em Determinados Contextos Linguísticos:
LETRA NOME FONEMA EXEMPLOS

C Cê /s/ - antes do E ou I cegonha, cidade, vacina

/k/ - nos outros casos caneco, cubo, pacote

G Gê /ʒ/ - antes do E ou I gelo, gibi, mágico

/g/ - antes de A, O, U ou cegonha, galo, gula


seguida de U antes do E ou I
guerra, guia, mangueira
/gw/ - quando o /g/ é seguido
da semivogal /w/
água, linguiça, aguentar

Q(u) Quê /k/ - antes do E ou I Quilo, faquir, queda, moqueca

/kw/ - quando /k/ é seguido da Quatro, tranquilo, frequente


semivogal /w/

Fonte: Soares (2018, p. 221).


134

Crianças que escrevem CBOLA por cebola, GMA por gema, supõem que a
letra, graças a seu nome, equivale à sílaba CE ou GE, ou, influenciadas pelo
nome da letra Q, escrevem BEQO por beco, PIPOQA por pipoca (SOARES,
2018, p. 221).

Já as vogais, consideradas de longa data como um dos repertórios assimilados


mais facilmente pelas crianças no início da aprendizagem das letras, seja porque se
apresentam repetidamente em todos os pedaços sonoros das palavras da Língua
Portuguesa, ou, pela alegação de serem mais diretas na relação entre seu nome e
som, mostram-se também desafiadoras na aprendizagem das crianças nos sons
nasais (ibidem p. 223). Assim, alerta a autora, para a necessidade de se considerar
no ensino os 12 diferentes fonemas que as vogais podem produzir:

Quadro 9 – Cinco Vogais do Alfabeto Português que Mantém seu Fonema Representado Apenas na
Forma Oral e não Nasal:
LETRA FONEMAS

ORAIS NASAIS

A /a/ - ave, mata /ã/ [an, am, ã] – anzol, manta, campo, maçã

E /e/ - medo, você /ẽ/ [en, em] – pente, avenca, tempo, sempre

/ɛ/ - café, pedra

O /o/ - boca, avô /õ/ [on, om, õ] – conto, onda, pomba, balões

/ó/ - avó, pobre

U /u/ - mudo, maluco /ũ/ [un, um] – mundo, junto, chumbo, comum

I /i/ - igreja, vida /ĩ/ [in, im] – índio, cinto, capim, símbolo

Fonte: Soares (2018, p. 223).

As letras K, W e Y, apresentam-se como consoantes “que só se usam em casos


especiais” (ibidem, p. 222), a saber: em nomes próprios de pessoas originários de
outras línguas e seus derivados, em nomes próprios de lugares originários de outras
línguas e seus derivados e também em palavras adotadas como unidade de medida
de curso internacional: K-potássio, kg-quilograma, km-quilómetro, kW-quilowatt, etc.
135

[...] K, W e Y, apenas a primeira tem, em seu nome, o fonema que


representa [...] No entanto, crianças em fase de alfabetização,
comprovando mais uma vez a influência do nome da letra, costumam
usar, [...], a letra K - cá - para representar a sílaba CA, por exemplo,
KMA por camisa, [...], KVALO por cavalo (SOARES, 2018, p. 222).

A letra H apresenta-se sem valor fonético no começo ou final das palavras,


conservando-se simbolicamente e por aspectos etimológicos. Usa-se assim, no início
das palavras conforme sua origem e história (ex.: hoje, “hodie” em Latim). Usa-se no
meio, como parte que integra os dígrafos ch, lh, nh e, usa-se ao final ou início, no caso
de algumas interjeições (ex.:ah! ih! eh! oh! hem? hum!). No entanto, conforme Soares,
por estarem sempre procurando a relação sonora com o nome da letra, o H (agá)
muitas vezes é substituído para grafar a sílaba GA, “por exemplo, HTO por gato, HLIA
por galinha” (ibidem, p. 219).
Já a letra X, que também começa com o fonema que ela representa, divide seu
som com o dígrafo CH, “o que leva crianças a grafar com letra X palavras com esse
dígrafo: XAVE por chave, XITA por chita” (ibidem, p.222).
Completando o alfabeto, tem-se a peculiaridade do nome da letra J “que é uma
palavra dissílaba - jota -, em que a primeira sílaba começa com o fonema que a letra
representa, o mesmo fonema representado pela letra G” (ibidem). O que pode levar a
criança nessa etapa de fonetização a escrever “GABOTI por jabuti, GUBA por juba,
JIRAFA por girafa” (ibidem).
Nesse início do processo de reconhecimento fonológico - com a percepção da
influência dos sons dos nomes das letras para escrever -, a escrita inventada pelas
crianças mostra-se como uma atividade pedagógica desenvolvente para a
compreensão do princípio alfabético por meio da consciência grafofonêmica, pois
desenvolve na criança a capacidade de sua organização autônoma na escolha de
fonemas para representar a sequência da cadeia sonora da fala e sua segmentação
no interior da palavra. No entanto, torna-se fundamental destacar que pesquisas
científicas recentes constataram “os efeitos positivos da intervenção” logo após a
produção inventada das crianças, momento em que há o confronto da escrita
inventada com a escrita correta, “confronto com uma escrita em um nível acima
daquele em que se encontra a criança” (SOARES, 2018, p. 242 - 243).
Segundo Soares (ibidem), Levin e Aram (2013), pesquisaram as contribuições
da escrita inventada no processo de aquisição da escrita alfabética, com 197 crianças
de 5 e 6 anos, as quais foram distribuídas em grupos, sendo que apenas um dos
136

grupos produzia escrita inventada sem intervenção posterior dos pesquisadores e, os


outros três grupos, com graus diferenciados de mediação diante da escrita produzida
pela criança. Resultados superiores foram identificados no grupo que obtinha a
intervenção denominada “processo-produto”, por meio do qual:

A criança inventava a escrita de palavras ditadas, usando letras de um alfabeto


móvel, e em seguida o pesquisador escrevia a palavra, também fazendo uso
do alfabeto móvel, enquanto “explicava os processos implícitos e explícitos
envolvidos na escrita inventada, passo a passo, e demonstrava esses passos”
(Levin e Aram, 2013: 223): segmentava a palavra em seus sons, relacionando
cada som com o nome de uma letra, selecionava, ele mesmo, a letra adequada
a cada som, e ia compondo a palavra, removia as letras, e pedia à criança que
escrevesse de novo a palavra. Ou seja: explicitava o processo e chegava ao
produto. (SOARES, 2018, p. 244).

Soares (ibidem), também apresentou os resultados de outras pesquisas


envolvendo a análise da intervenção nas escritas inventadas, a saber pesquisas
realizadas por: Fijalkow, Cussac-Pomel e Hannouz (2009), Rieben (2005), Ouellette e
Sénéchal (2008) e Alves Martins e Silva (2006). Todos esses experimentos
concluíram que “as práticas de escrita inventada, quando acompanhadas de
intervenção por meio de mediações que levem as crianças a refletir sobre a escrita
que inventaram, contribuem significativamente” (idem, p. 250) para o processo de
compreensão do sistema alfabético. No entanto, ressalta que após esta compreensão
é necessário que a criança desenvolva “habilidades de ler e escrever palavras com
mais rapidez, fluência e de forma preferencialmente automática” (idem, p. 251).
Neste início fonológico, Soares (ibidem) ressalta também, haver diferenças
entre os processos da leitura e da escrita, sendo, no início a escrita considerada mais
“fácil” que a leitura. Isso decorre do fato de que, para escrever, a criança já possui a
palavra como unidade fonológica e semântica, necessitando apenas representá-las
por grafemas em segmentação, processo este que exige menos uso da memória de
curto prazo e, já para ler, ocorre uma complexidade maior, pois a palavra escrita
mostra-se como um conjunto de letras que é preciso decifrar para chegar à palavra
como unidade fonológica, o que exige da criança armazenar por mais tempo na
memória cada grafema e o fonema correspondente de forma “a conectar
progressivamente cada segmento com o anterior, até reunir todos os segmentos em
uma palavra” (ibidem, p. 231), o que, no início da compreensão da base alfabética
resulta frequentemente na palavra soletrada ou silabada dissociada de seu
137

significado, sem que a criança identifique ao final o conteúdo semântico da palavra


lida, assim:
Ao longo desses dois processos, a criança vai aprendendo tanto a ler quanto
a escrever palavras, de início construindo passo a passo o reconhecimento
delas na leitura, ou grafando-as passo a passo na escrita, toda sua atenção
mobilizada para associações entre fonemas e grafemas, até que se torne
alfabética. Só quando essas decifração e cifração de palavras passam a ser
rápidas e corretas, isto é, quando a criança se torna capaz de construir
representações ortográficas das palavras, é que se pode considerar que ela
realmente adquiriu habilidades de leitura e escrita de palavras, necessárias,
ainda que não suficientes, para que alcance competência em leitura e
produção fluentes de textos (SOARES, 2018, p. 254).

Para avançar nesses desafios da fluência, Soares (ibidem, p. 267), apresenta


os conceitos de efeito de extensão, efeito de lexicalidade, efeito de vizinhança,
efeito de frequência e efeito de regularidade, tanto para o desenvolvimento da
leitura, como da escrita:
 Efeito de extensão: se apresenta na escrita e na leitura das crianças quando
o domínio da consciência grafofonêmica não está completamente
automatizado, assim, usando a rota fonológica, quanto maior a palavra, mais
lenta e menos precisa mostra-se a leitura e a escrita.
 Efeito de lexicalidade: envolve o reconhecimento visual direto de uma palavra
conhecida, vista reiteradamente, o que torna tanto a leitura quanto a escrita
mais fluente e automatizada, acionada pela rota lexical.
 Efeito de vizinhança: efeito que palavras semelhantes, arquivadas no léxico
mental produzem na leitura e escrita. Apresenta-se em decorrência deste
efeito, possíveis erros na leitura ou escrita devido à confusão visual ou
semelhança visual com outras palavras conhecidas pela rota lexical, ex:
vasilha/vizinha, tomada/pomada, camada/chamada.
 Efeito de regularidade: se expressa na rapidez com que palavras compostas
pela ortografia regular são lidas e escritas com menos erros que palavras de
ortografia irregular.

Assim, ao pensar na contribuição da percepção desses efeitos para o ensino, Soares


(ibidem, 274) conclui:

[...] como implicação para os métodos de alfabetização, atividades que


proporcionem às crianças convívio intenso e rico com material escrito,
incentivando-as a ver/ler e registrar/escrever palavras de alta frequência na
língua escrita, colaboram, graças ao efeito de frequência, para a constituição
138

e ampliação de seu léxico ortográfico e semântico, o que provoca o uso da rota


lexical, assim contribuindo para o desenvolvimento de leitura e escrita mais
rápidas e mais corretas.

Por fim, o processo que tornou a criança alfabética precisa agora se ocupar em
torná-la ortográfica, conforme as normas da Língua Portuguesa. Para que esse ensino
se torne desenvolvente, o professor precisa conhecer e identificar o momento que se
deve iniciar esse ensino sistemático, quais palavras podem ser compreendidas pelas
regras e quais de fato precisam ser memorizadas por sua origem etimológica ou por
sua tradição.
Acerca do momento oportuno para iniciar esse ensino, Artur Gomes de Morais,
(2012, p. 161) ressalta que seu início sistemático, com sentido e significado, precisa
ocorrer após os alunos terem consolidado bem a escrita alfabética, ou seja, lendo e
escrevendo com certa fluência. Assim, o autor considera que entre os 2º e 3º anos do
Ensino Fundamental esse ensino deva ter seu início formal, no entanto, alerta para o
fato de que isso não significa que tais questões não tenham sido abordadas durante
o processo de aquisição do SEA, porém, naquele momento funcionaram como
conhecimento assessório elucidador de algumas questões. Vale ressaltar, que Morais
enfatiza a importância e necessidade para o ensino do acompanhamento detalhado
do professor acerca dos conhecimentos ortográficos que cada criança já possui.
Assim, propõe como principais regularidades da norma a serem abordadas no ciclo
de alfabetização:

- os casos de regularidade direta (P, B, T, D, F e V; M e N em início de sílaba);


- os casos de regularidade contextual (R ou RR; C ou QU; G ou GU; G antes
de A, O e U; E ou I; SA, SO e SU em início de palavra; O ou U em final de
palavra; M, N, NH ou til marcando a nasalização) - os principais casos de
flexões verbais que são regularidades morfológicas: OU, EU e IU marcando o
passado; AR, ER e IR dos infinitivos; ANDO, ENDO e INDO dos gerúndios;
AM ou ÃO no final da 3ª pessoa do plural; ASSE, ESSE e ISSE dos imperfeitos
do subjuntivo (MORAIS, 2012, p.172).

Soares, (2018, p. 297 - 312) produziu diversos quadros em sua obra


especificando as relações ortográficas regulares, as relações ortográficas
regulares contextuais e as relações ortográficas irregulares da Língua
Portuguesa:
139

Quadro 10 – “Relações Regulares Fonema-Grafema - Consoantes”

FONEMA GRAFEMA EXEMPLOS

/p/ P pato, sapo, prato, placa

/b/ B beco, cabo, bravo, bloco

/t/ T tela, mato, letra, troco

/d/ D dado, lodo, caderno, padre

/f/ F fato, frase, garfo, flanela

/v/ V vida, novo, vidro, navio

/m/ M mala, camelo, amora, amigo

/n/ N navio, canil, cenoura, nuvem

/ɲ/ Nh ninho, farinha, vinho, banho

[ʎ] Lh ilha, milho, trilho, ervilha

Fonte: Soares (2018, p. 297).

Quadro 11 - “Relações Regulares Contextuais - Consoantes”

FONEMA GRAFEMAS CONTEXTO EXEMPLOS

/k/  C  antes de a, o, u cavalo, sacola, cubo, campo, compra

 qu  antes de e, i queda, pequeno, quilo, esquina

/g/  g  antes de a, o, u gato, gota, agudo, ganso, gongo

 gu  antes de e, i guerra, guitarra, guindaste

/r/  r  no início da palavra rato, rua, rio, real, roda

 no fim de sílaba carta, morte, berço, curva

 rr  entre vogais carro, marreco, pirraça, morro

/ɾ/  r  entre vogais cara, fera, ferida, censura

 em sílaba CCV prata, cobra, tigre, greve


140

/l/  l  no início de sílaba lua, bola, vale, camelo, lírio

 u  no fim de sílaba mel, sal, calma, canil, farol, soldado

Fonte: Soares (2018, p. 299).

Quadro 12 - “Relações Irregulares Fonema-Grafema - Consoantes”

FONEMA GRAFEMA EXEMPLOS

j jeito, jejum, jiló, canjica, caju, jovem, laranja

/Ʒ/ (diante de qualquer vogal)

g gesto, gelo, gelatina, girafa, mágico, gibi

(diante de e ou i)

s casar, mesa, asilo, cesta, mês, famoso

/z/ z azar, zebra, azul, paz, cruz, anzol, certeza

x exemplo, exame, texto, sexta

(no início de palavra) sino, sílaba, silêncio, seda, segredo, selo

(antes de i, e) cipó, cidade, cinema, cedo, cegonha, cera

/s/

Ss assento, pressa, posse, posseiro, fóssil

c acento, prece, precoce, roceiro, dócil

çç ruço, açúcar, paço, roça, justiça, peça

sc crescer, crescimento, descer, nascente

sç cresço, cresça, desço, desça


141

x máximo, auxílio, sintaxe

xc exceção, excelente, excesso, excedente

/ʃ/ Ch chuva, chave, chinelo, bicho, boliche

x enxuto, enxada, faxina, lixo, maxixe

Fonte: Soares (2018, p. 302).

O conjunto dessas notações regulares e irregulares colabora na compreensão


dos processos linguísticos e cognitivos que justificam possíveis erros dos alunos,
iluminando também a prática docente na compreensão destas estruturas para definir
procedimentos de ensino adequados.
Segue abaixo, um último quadro deste capítulo, que apresenta os padrões
silábicos da Língua Portuguesa pela ordem de frequência com que são utilizados em
nosso sistema de escrita. Outro conhecimento indispensável para a constituição dos
fundamentos que subsidiam as escolhas didáticas da prática pedagógica
alfabetizadora, uma vez que se compreende o valor do efeito de frequência para a
aprendizagem, tornando a leitura e escrita fluente, ortográfica e desenvolvente.

Quadro 13 - Padrões Silábicos da Língua Portuguesa em Ordem Decrescente de Frequência

PADRÕES EXEMPLOS
SILÁBICOS

CV GI-RA-FA; GA-LO; GA-LI-NHA; MA-LA; MA-LHA; MA-TA; MAN-TA

CVV SAU-DA-DE; PAI; BAN-DEI-RA; MU-SEU; NOI-TE; POU-CO; CUI-DAR

V A-MI-GO; TI-O; U-VA; O-VO; TO-A-LHA; CA-RI-O-CA; I-GRE-JA; SA-Í-DA

CVC CAR-TA; GOS-TAR; VER-DE; RE-VIS-TA; CES-TO; MO-DER-NO

CCV PRA-TO; PE-DRA; BRIN-CO; CLI-MA; CA-PRI-CHO; TE-CLA; FLE-CHA

VC ER-VI-LHA; ÁR-VO-RE; UR-NA; AS-FAL-TO; ES-TO-JO; IS-CA


142

VV AU-LA; AI-PO; OI-TO; OU-RO; EI-XO; EU-RO-PEU; UI-VO

CCVV FRAU-DE; TRAU-MA; CLAU-SU-RA; GRAU; FLAU-TA; FROU-XO; BREU

CCVC CRUZ; A-TRÁS; CRES-PO; TRIS-TE; TRAS-TE; FRAS-CO; MA-DRAS-TA

CCVVC CLAUS-TRO; FLEUG-MA

CVCC PERS-PEC-TI-VA; PERS-CRU-TAR; SOLS-TÍ-CIO; MONS-TRO

Fonte: SILVA (2011, p; 119); MARQUES (2008, p.92); apud SOARES (2018, p.312).

Por fim, reforça-se que o foco dado às questões linguísticas, a qual se


denomina alfabetização, justifica-se pela relevância em explicitar os conhecimentos
basilares que esclarecem a necessidade de um ensino sistemático, os quais por
diversas razões e disputas - no movimento histórico pendular dos métodos de
alfabetização - foram por muito tempo negados ou pouco aprofundados. Reafirma-se
assim, em consonância à Magda Soares, a concepção de alfabetização como
componente instrumental específico e indispensável para a evolução das novas
compreensões e capacidades de interação da criança com a leitura e escrita, sendo
os processos que envolvem o letramento - contemplando as questões textuais
interativas e socioculturais - indissociáveis e simultâneos.
Afinal, mesmo considerando a predominância do caráter técnico/instrumental
do processo linguístico, a própria alfabetização na compreensão histórico-crítica,
justifica-se por si mesma enquanto uma das elaborações mais importantes e
complexas da humanidade, criada justamente para atingir os objetivos socioculturais
da materialidade humana, das necessidades de comunicação social e da necessidade
da sobrevivência das ideias, para além da memória em diferentes tempos espaços.
143

4. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMAÇÃO NA REDE MUNICIPAL


DE SOROCABA

A pesquisa das políticas públicas de formação da rede municipal de Sorocaba


deu-se por meio do levantamento e análise do histórico dos processos formativos
desenvolvidos e priorizados enquanto política pública pela Secretaria da Educação
(SEDU), durante o período de dezessete anos. Tal lapso temporal (2001 – 2018),
diante de uma rede que completará 66 anos23 em 2020, mostrou-se representativo e
foi delimitado devido ao fato da rede municipal passar a assumir - a partir desse
período - expressiva responsabilidade quanto ao atendimento do ensino público
voltado às crianças do Ensino Fundamental – Anos Iniciais.
De acordo com os dados de matrícula, pesquisados por meio das informações
públicas produzidas pelo INEP, houve um crescimento de 29,8% do ano de 2000 a
2001 em relação ao número de crianças atendidas pela rede municipal. Assim, o auge
deste processo de municipalização24 apresenta evidente e contínuo crescimento,
culminando, até 2018, em 54 unidades escolares de EF, sendo aproximadamente
27.86925 alunos em detrimento de ainda 6.237 alunos da rede estadual da cidade.
Para o acesso aos dados históricos dos processos formativos desenvolvidos
pela SEDU entre os anos de 2001 e 2018, o projeto de pesquisa foi submetido ao
Comitê de Ética e à comissão de aprovação de pesquisas da Secretaria da Educação,
devido ao fato desse material histórico ser produto de um trabalho organizativo interno
realizado por uma servidora pública da secretaria. Assim, por meio do acesso a todos
os “Relatórios de Gestão” e/ou “Calendário de Ações” desde 2001, foi possível
analisar cuidadosamente essa trajetória.
Todo esse material apresenta não só a relação dos processos formativos
priorizados a cada momento histórico da rede, mas também a relação das principais
demandas ou interesses de cada período, principais projetos ou programas, as

23 Conforme o Marco Referencial da Rede Municipal de Sorocaba (2017, p.22) “o atendimento às


crianças em idade pré-escolar teve início em 1954, quando a municipalidade decidiu criar o primeiro
parque infantil na Vila Hortência, denominado Parque Infantil Antônio Carlos de Barros”
24 Esse crescimento deu-se devido ao polêmico processo da “municipalização do ensino” por meio
do qual as redes municipais passaram a assumir o atendimento do EF progressivamente, o qual era
ofertado pelas redes estaduais de ensino, processo que foi marcado por diversas mobilizações da
categoria dos trabalhadores da educação devido às formas de implementação (políticas, financeiras e
trabalhistas).
25 Excluídos desse total todo o atendimento à Educação Infantil, Ensino Fundamental II e EJA.
144

principais produções pedagógicas e, também, as predominantes nomenclaturas


utilizadas, características das concepções vigentes a cada conjuntura. Material de
riqueza ímpar, viabilizador de inúmeras compreensões e análises. Além, claro, de
manter possível a historicidade da rede, algo fundamental para a sua transformação,
principalmente se tratando de uma instância pública, a qual invariavelmente é
marcada pela transitoriedade de processos, pessoas e governos.
Assim, por meio do embasamento teórico e estatístico discorridos ao longo
desta dissertação, procura-se identificar o lugar da formação em alfabetização na rede
municipal de ensino ao longo desse período de intenso crescimento e de expressiva
responsabilidade para com a garantia da alfabetização e do letramento das crianças
durante o ciclo de alfabetização.
Diante do volume do acervo documental analisado, optou-se por apresentar
primeiramente, esse histórico formativo em dois blocos, o primeiro, onde se
identificam os investimentos maciços em formação enquanto sistema, por meio de
ações que atingiam obrigatoriamente (por convocações em horário de serviço) todos
os profissionais envolvidos na proposta e, o segundo bloco, onde se apresentam as
ofertas formativas opcionais, porém, viabilizadas e/ou incentivadas pela Secretaria
sem a propositura de investimento em convocação. Vale salientar que os programas
ou projetos formativos indicados pela secretaria à apenas algumas escolas,
normalmente representados por ações de curto prazo envolvendo parceria com
empresas locais, não foram discriminados no estudo (Ex.: Escola vai ao Extra, Projeto
DANA, Projeto Fiat: Você Apita, entre outros). Da mesma maneira, não foram
discriminados os demais projetos e programas que coexistiam nesses períodos, mas
que porém, não apresentavam investimento em formação em nível de sistema (ex.:
Programa Escola Saudável, Projeto Família na Escola, Projeto Fanfarra, Projeto Ler
é Prazer, Programa Esse Livro é Meu, Projeto Palavra Cantada – Kit I e II, Programa
Letra e Vida, EMAI, entre outros).
Segue abaixo a relação do primeiro bloco, envolvendo projetos, programas
e/ou temas que foram priorizados ao longo dos anos na rede municipal de Sorocaba:
145

Quadro 14 – BLOCO I - Implementações realizadas pela SEDU por meio de convocação


PÚBLICO ALVO E
BREVE
NOME PERÍODO DE IMPLEMENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
CARACTERIZAÇÃ
O DA PROPOSTA ANO: 2.0_ _

0 0 0 0 0 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18
1 2 3 4 5

Projeto Assessoria externa X X

Educação com Prof. MANTOAN


(formações SAPT27 e
Inclusiva26
Professores
envolvidos)

Projeto Roda 1ª a 8ª “séries” X X X X

d’ Água28
Educação Ambiental -
Agenda 2129

Formação + Material

Projeto Deus30 Educação Infantil e X X

na Escola Ensino Fundamental

Formação + Cartilha

Projeto Rádio31 1ª a 4ª “séries” X X X X

Escola

26 Ao final do ano de 2002, terminaram os dez anos de assessoria da Profa. Maria Tereza Eglér
Mantoan junto à rede municipal, onde permaneceu o trabalho desenvolvido pelas equipes da secretaria
pautadas nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622018000300335
27 Seção de Apoio Psicológico e Terapêutico da Secretaria da Educação - SAPT.
28 O Projeto Roda d’água visava oferecer algumas ferramentas a serem iniciadas na escola e nas
comunidades, para que fossem trilhados caminhos necessários à transformação social em que a
natureza e suas águas estivessem contempladas nas mudanças das regras do cotidiano. Disponível
em:
https://ambientes.ambientebrasil.com.br/educacao/programas_ambientais/projeto_roda_dagua.html
29“Agenda 21”, nome dado a um plano de ação formulado internacionalmente para ser adotado em
escala global, nacional e local por organizações do sistema das Nações Unidas, pelos governos e pela
sociedade civil, em todas as áreas em que a ação humana impacta o meio ambiente. Disponível em:
http://www.institutoatkwhh.org.br/compendio/?q=node/21
30 Em Sorocaba, em 1997, no governo de Renato Amary (PSDB), o projeto "Deus na escola" foi
instituído. A cartilha usada em salas de aulas se propunha a auxiliar o professor do Ensino Fundamental
a ministrar aulas de religião interdisciplinarmente. Disponível em:
http://clubecetico.org/forum/index.php?topic=13136.0
31 O Projeto teve início apenas como “Rádio Escola” e a partir de 2003 avançou para “Projeto Rádio
Vídeo Escola”, no entanto, tratava-se do mesmo objetivo com a utilização de instrumentos de
comunicação por meio da tecnologia. A ideia pautava-se na construção coletiva das crianças de
programas comunitários de rádio e vídeo, com notícias e assuntos de interesses locais. Disponível em:
http://www.intervozes.org.br/direitoacomunicacao/?p=23682
146

Equipamento +
Material + Formação

Projeto 4ª “série” X X X X

PROCEL32
Formação + Material

Projeto 1ª a 4ª “séries” (1º a 5º X X X X X X X X X X

Informática33 anos)

Equipamentos +
POSITIVO
Materiais + Extensa
Formação34.

Formação Voltada aos X X X X X X X X X

SARESP35 E Professores envolvidos


nos anos a serem
ANRESC36
avaliados.

Projeto Da Educação Infantil X X X X X X X X

Pedagogia ao Ensino Médio.

Empreendedora
Formação + Material
37

32 Procel aborda a educação para a eficiência energética, envolvendo os elementos energia, meio
ambiente e sustentabilidade, numa interlocução com a educação ambiental, cidadania e ética. Assim,
foram desenvolvidos materiais didáticos, que abordavam o tema energia de forma transversal. Esse
material foi desenvolvido por meio do programa Procel nas Escolas - projeto interdisciplinar do Procel
e do Ministério de Minas e Energia, em parceria com o Ministério da Educação, realizado por meio das
concessionárias de energia elétrica do país e de outros agentes. Disponível em:
http://www.procel.gov.br/main.asp?View={86E6ABAE-BD4E-4F3B-86BF-229FD184D004}
33 A Positivo Informática Tecnologia Educacional, parceira da Secretaria de Educação de Sorocaba
desde 2002 implementou propostas educacionais por meio de equipamentos voltados ao ensino de
forma lúdica e interativa: Mesas Educacionais Alfabeto e Mundo das Descobertas. Disponível em:
https://www.maxpress.com.br/Conteudo/1,748524,Parceira_da_educacao_de_Sorocaba_desde_2002
_Positivo_Informatica_Tecnologia_Educacional_marca_presenca_no_lancamento_do_,748524,8.htm
34 Salas de informáticas e seus equipamentos são disponibilizados até hoje, porém os processos
formativos ocorreram (com diferentes cargas horárias) no período de 2001 a 2011.
35 Formações passaram a ocorrer após o primeiro resultado do SARESP no município. As formações
eram desenvolvidas junto aos professores conforme os conteúdos da matriz de referência da avaliação
externa. A formação era realizada por equipe de professores formadores da secretaria da educação.
36 Avaliação Nacional do Rendimento Escolar também conhecida como Prova Brasil, avaliação criada
em 2005 pelo Ministério da Educação. É complementar ao Sistema Nacional de Avaliação da Educação
Básica (SAEB) e um dos componentes para o cálculo do Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB).
37 A Pedagogia Empreendedora, proposta de Fernando Dolabela foi adotada em 2006 pela Prefeitura
de Sorocaba visando desenvolver desde da educação infantil capacidades ao “futuro jovem”, para que
pudesse “ser empreendedor da própria vida, guiando a própria jornada”. O projeto se desenvolveu por
meio de atividades interdisciplinares que incentivava o aluno “a identificar seus sonhos, seus desejos,
e o que é preciso fazer para alcançá-los”. O projeto se desenvolvia por meio de aulas semanais
propostas pelo programa. Disponível em:
https://www2.jornalcruzeiro.com.br/materia/371749/pedagogia-empreendedora-de-sorocaba-inspira-
chilenos-da-provincia-de-huasco
147

Projeto Cidade Educação Infantil ao X X X X X X X

Educadora – Ensino Médio.

Escola Formação + Material


Cidadã38

IPF

Projeto 1ª série /1º ano do X X X X X X X X X

Amigos do Ensino Fundamental

Zippy39 Formação + Material

Instituto Assessoria e formação X X X X X

Paradigma40 das chefias, equipe


multidisciplinar,
professores com casos
de NEE e professores
itinerantes

Projeto IEE Formações aos X X X X X X X


Professores de
Instituto Educação Física das
Esporte & escolas envolvidas.
Educação

38 Os objetivos visados compreendiam o entendimento de um padrão de gestão e planejamento urbano


que visava a educação como tema norteador do desenvolvimento da cidade e a Escola Cidadã como
instrumento que objetiva a educação escolar voltada para a formação do cidadão e construção da
cidadania. Os procedimentos efetuados tiveram como base o estudo dos documentos como “Carta de
Barcelona” e a proposta de assessoria pedagógica do Instituto Paulo Freire (IPF), que nortearam a
instalação de ações municipais para a construção da Cidade Educadora, desenvolvendo conceitos
sobre Gestão Democrática, Projeto Eco-Político-Pedagógico/Marco Referencial, Avaliação
Institucional, Cultura da Paz e Sustentabilidade. Programas ou Projetos como: Roteiro Educador, Festa
da Família na Escola, Clube da Escola, Escola Aberta à Comunidade, Oficina do Saber e ONG’s como
o Sabe Tudo – centros de inclusão digital – que marcaram as formações e os investimentos públicos
dentro deste conceito. Disponível em: http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php/quaestio/article/view/105
39 Com o objetivo de apoiar as crianças a reconhecer emoções e a identificar e desenvolver alternativas
para trabalhar com esses sentimentos, a Associação pela Saúde Emocional de Crianças (ASEC) aplica
junto a escolas públicas e particulares, o programa Amigos do Zippy. Disponível em:
https://educacaointegral.org.br/experiencias/amigos-zippy-apoia-escolas-a-serem-facilitadoras-do-
desenvolvimento-emocional-das-criancas/ Sorocaba, cuja Prefeitura Municipal firmou contrato para
aplicação do programa em todas as suas escolas públicas, tornou-se a primeira cidade do mundo em
volume de crianças participantes e a pioneira a oferecer esse benefício a todas as crianças de suas 1ª.
séries simultaneamente. Disponível em:
http://www.amigosdozippy.org.br/index/index.php?option=com_content O projeto se desenvolvia por
meio de aulas semanais em horário regular de aulas.
40 A primeira aproximação da Secretaria de Educação (SEDU) com o Instituto Paradigma (IP)
aconteceu no ano de 2006, quando a equipe técnica visitou o Centro de Atenção ao Desenvolvimento
Educacional (CADE), recurso da Secretaria de Educação do município de Santo André e, ali, conheceu
o programa de educação inclusiva desenvolvido em parceria com o Instituto. Na sequência, foi
aprovada a proposta para Sorocaba, com destaque para a criação do Centro de Referência em
Educação (CRE), como um serviço de atenção e atendimento aos estudantes com deficiência
matriculados nas escolas municipais. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-32622018000300335
148

Projeto Formações aos X X X X X X X


Caminhada Professores de
Educação Física das
escolas envolvidas.

Projeto Oficina EF – anos iniciais X X X X X X X X X

do Saber41 conforme as escolas


com atendimento em
tempo integral.

Formação + Material

Projeto 3ª séries até 2010, X X X X X X X X X X X X

Caminhos para
3º e 4º anos a partir de
a Cidadania42 2011.

Sistema de Chefias da Secretaria, X X X X X X


Diretores, Vices e
Gestão
Orientadores (em nível de
Integrado43 pós-graduação) – Agentes
multiplicadores para
Professores e
Funcionários

Programa Formações a X X X X X X X X

Clube da Estagiários e
Professores de
Escola44

41 “Oficina do Saber” é o programa de educação em tempo integral do município de Sorocaba,


destinado a crianças de 7 a 10 anos das escolas municipais com o objetivo de melhorar os índices de
aprendizagem e diminuir a vulnerabilidade social das crianças em áreas de risco. Disponível em:
https://educacaointegral.org.br/experiencias/oficina-do-saber-cidade-saudavel-cidade-
educadora/Desenvolvido na lógica turno e contraturno, apresentou-se estruturado de diversas formas
ao longo dos governos, no entanto, de 2007 a 2015 garantia processos de formação continuada a todos
os professores envolvidos. A Educação em tempo integral em Sorocaba foi reduzida e não mais possui
formação aos docentes envolvidos desde 2016 até então.
42 Ação que surgiu em 2002, com foco em segurança no trânsito, mobilidade urbana e cidadania,
coordenada e elaborada pelo Instituto CCR. O objetivo do programa é “contribuir para uma comunidade
mais consciente, preservando vidas e formando jovens cidadãos”. Disponível em:
http://www.caminhosparaacidadania.com.br/o-programa/apresentacao A partir de 2011 passou a
contemplar os 4ºs anos também. Ficando as 3ª séries com Educação no Trânsito e 4ª séries com Meio
Ambiente, atualmente é desenvolvido por 3º e 4º anos.
43 Desenvolvido pela Fundação Pitágoras a todos os diretores, orientadores pedagógicos, equipe da
secretaria e vice-diretores em nível de pós-graduação e, funcionários e professores em nível de
formação pela equipe gestora. Sistema adotado para “contribuir com os resultados na educação
mediante a aplicação da metodologia avançada de gestão, chamada SGI (Sistema de Gestão
Integrado)”. A implantação do SGI na rede pública de ensino, apoiou-se tecnicamente em extensa
formação das lideranças visando o desdobramento da metodologia até a sala de aula. Disponível em:
https://fundacaopitagoras.com.br/a-fundacao-pitagoras/
44 Desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação, em parceria com o Centro de Integração
Empresa-Escola (CIEE) e professores de Educação Física da rede, o projeto inclui oficina de geração
de renda, atividades como dia da beleza e da saúde, curso de alfabetização de adultos, além de jogos,
brincadeiras, música, teatro e dança. Disponível em: http://www.sorocaba.com.br/noticias/sorocaba-
clube-da-escola-oferece-lazer-e-acoes-de-cidadania-627
149

Educação Física das


escolas envolvidas.

Projeto Roteiro Educação Infantil (pré- X X X X X X X X X


Educador45 escola) ao Ensino
Fundamental

Formação + Material

Programa Voltado à Educação X X X X

Formar em Infantil por meio de


parceria com o
Rede
“Instituto

Avisa-lá”46

Formação

Programa 2ª “série” X X X X X X

Amigos do
Formação + Materiais
Maçã47

Projeto Formação aos X X X X X X X X X X

Recuperação Professores envolvidos


no projeto junto à
Paralela48
equipe do CRE

Projeto Sala de Formação dos X X X X X X X X X

Recursos professores envolvidos


nas salas de recursos e
Multifuncionai
equipe do CRE
s

45 O Roteiro Educador, criado em 2007 era um projeto voltado à valorização do “aprendizado na


cidade, com a cidade”, visava levar professores e alunos a um passeio por locais históricos de
Sorocaba, por meio de visitas monitoradas entre os espaços: Parques das Águas e Kasato Maru, o Rio
Sorocaba, o Teatro São Rafael, o Mercado Municipal, Casas do Cidadão, Mosteiro de São Bento,
Centro Administrativo (Prefeitura e Câmara Municipal), Zoológico “Quinzinho de Barros” e Pelourinho.
Disponível em: https://educacao-sorocaba.webnode.com/programas-sedu/roteiro-educador/
46 "Programa Formar em Rede", foi oferecido pelo Instituto Avisa-Lá aos professores da Rede
Municipal sendo voltado à Educação Infantil. O programa visava “fortalecer, aprimorar, disseminar e
desenvolver práticas que tenham sentido e significado para as crianças”. Disponível em:
http://www.sorocaba.sp.gov.br/anexos/SECOM%2FJornal-do-Municipio%2F2008/1.342%20-
%2005%20de%20dezembro%20de%202008.pdf
47 O “Amigos do Maçã” oferecia formação aos professores da 2ª série visando dar continuidade a
formação em educação emocional já iniciada às crianças no Programa Amigos do Zippy. Elaborado
também peça ASEC. O projeto também era desenvolvido durante as aulas regulares. Disponível em:
http://asecbrasil.org.br/amigos-do-maca.php
48 Em 2011, o desenvolvimento do trabalho do Centro de Referência em Educação com a assessoria
do Instituto Paradigma, acrescidos pela reorganização da Matriz Curricular deu início à implementação
do Projeto da Recuperação Paralela que passou a contar com formações aos professores envolvidos
no projeto. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
32622018000300335
150

AEE49

Programa 1ºs anos X X X X

Amigos do
Formação + Material
Zippy em
Casa50

Programa Formação para X X X X

Aluno Estagiários: EI, 1º e 2º


anos e NEE e Clube da
Educador51
Escola

Programa Estagiários dos 1ºs X X X

Alfabetização e anos.

Letramento em 2011/2012: 1ºs e 2ºs


Rede52
Formação + Material

Formação Assessoria Guiomar X X X

Currículo em Namo de Mello para a


construção da Matriz
Ação
Curricular53 de

49 No ano de 2010, iniciou-se o processo de implantação das salas de recursos multifuncionais (SRM),
provenientes do Programa Educação Inclusiva: Direito à Diversidade, da Secretaria de Educação
Especial do Ministério da Educação, assim, a formação dos professores que atuavam nestas salas deu
início por meio dos profissionais do Centro de Referência em Educação, sendo realizadas até os dias
atuais. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
32622018000300335
50 O “Amigos do Zippy em Casa” é um programa com atividades lúdicas para serem realizadas em
casa pelos pais ou responsáveis ao lado dos filhos. É composto de encontros que são realizados nas
escolas, coordenados por educadores das próprias unidades. Os pais recebiam orientações,
compartilhavam e trocavam experiências de “como lidar com as emoções de seus filhos e com seus
próprios sentimentos”. Disponível em:
http://www.amigosdozippy.org.br/index/index.php?option=com_content&view=article&id=164%3Aamig
os-do-zippy-em-casa-beneficia-mais-de-6-mil-pais-no-brasil-desde-2007&catid=36%3Aacontece-
dezembro-2012&Itemid=176
51 Programa de formação voltado aos estagiários selecionados pelo Centro de Integração Empresa
Escola (CIEE), para atuar nas salas de aula da Educação Infantil ou Ensino Fundamental, com a
supervisão do professor regente. As frentes de atuação dos estagiários envolviam: apoio aos alunos
com Necessidades Educacionais Especiais (NEE), apoio às turmas de alfabetização (1º e 2º anos) e
atuação no programa Clube da Escola. O programa contou com intenso processo formativo aos
estudantes por meio de cursos oferecidos pelo CRE no período de 2010 a 2013. Atualmente, não são
todas as turmas de alfabetização que possuem o apoio do estagiário em sala, sendo priorizados os
casos de NEE e, também, não havendo mais o programa Clube da Escola. Disponível em:
http://agencia.sorocaba.sp.gov.br/secretaria-da-educacao-realiza-integracao-de-883-novos-
estagiarios/
52 Programa que uniu formação para os professores alfabetizadores em 8 módulos (2010: 1º anos e
2011/2012: 1º e 2º anos), mais existência de um estagiário como 2º professor em todas as turmas de
alfabetização. Os estagiários do Programa receberam a mesma formação dos professores durante
esses três anos, porém, no caso dos estagiários, a formação ocorria em horário de serviço sendo que
a dos professores ocorria por meio de pagamento de carga suplementar de modo opcional, fora do
horário de serviço. (Saiba mais em: https://www.youtube.com/watch?v=j5mKU25vJ3g
53 Disponível em: https://educacao-sorocaba.webnode.com/publica%C3%A7%C3%B5es-
oficiais/matriz-curricular-da-rede-municipal/
151

Sorocaba publicada
em 2012

Formações + Material

Formação Voltada aos X X


Correção professores de turmas
54SARESP de alfabetização que
preenchessem o
requisito de ter
formação no
“Programa Letra e
Vida” ou “Ler e
Escrever”.

Programa Professores, Gestores X X X X


Saúde e Funcionários.

Emocional55 Formação

Projeto Lousas Equipe Gestora e X X X X X


Digitais56 Professores do Ensino 57

Fundamental e Médio

Formação + Material

Projeto Professores de X X X
Intervenção recuperação que
atuavam com
Pedagógica
dificuldades em
conteúdos específicos
do ano

Formação + Material

Formação de 2014: 4º e 5º anos X X


Língua
2015: 1º aos 5º anos

54 Formação voltada à correção de todas as avaliações dos alunos da rede municipal de Sorocaba
participantes do SARESP.
55 Desenvolvido para apoiar as equipes escolares, colaboradores, professores e gestores, a
organização ASEC desenvolve a metodologia “Um dia para Mim”, com o “objetivo de estimular que os
participantes, normalmente assoberbados pela rotina escolar, possam pensar sobre si e sobre suas
ações no espaço educativo”. Disponível em: https://educacaointegral.org.br/experiencias/amigos-
zippy-apoia-escolas-a-serem-facilitadoras-do-desenvolvimento-emocional-das-criancas/
56 Foram instaladas algumas lousas digitais nas escolas de ensino fundamental e médio. O objetivo
era da lousa interativa (digital) ir aos poucos substituindo os tradicionais quadros negros e o giz, visando
para todos “aulas mais dinâmicas, ilustradas e, principalmente, produtivas”. O material é composto por
um quadro eletrônico branco conectado a um computador, por meio de uma entrada USB. A lousa
funciona ao toque de uma caneta magnética, que a transforma em uma tela de total interação com o
computador. Disponível em: http://www.sorocaba.sp.gov.br/anexos/SECOM%2FJornal-do-
Municipio%2F2009/1.362%20-%2024%20de%20abril%20de%202009.pdf
57 As formações enquanto convocação para uso da Lousa Digital passaram a compor o catálogo de
cursos de livre escolha e encerraram em 2017.
152

Portuguesa e Formação + Material

Arte CEDAC58

Formação de 4º e 5º anos X X
Matemática
Formação + Material
MATHEMA59

Sala de Leitura Escolas de Ensino X X X X


– Novos Fundamental

Olhares60 Formação + Material

Leitura na 1ª Educação Infantil X X X X


Infância
Creches e pré-escolas

Bebeteca61 Formação + Material


aos professores
envolvidos

Instituto Professores de X
ABCD62 Recuperação Paralela

Formação + Material

Fonte: Quadro organizado pela pesquisadora.

58 Contrato de formação entre a SEDU e a Comunidade Educativa CEDAC na organização de


formações na área de linguagem: Língua Portuguesa e Arte conforme os conteúdos da matriz curricular
da rede. A mesma comunidade já prestava serviços de formação aos professores da escola em tempo
integral. Disponível em: http://agencia.sorocaba.sp.gov.br/sedu-oferece-cursos-de-formacao-para-
professores/
59 Contrato de formação entre SEDU e Grupo MATHEMA para os professores da educação em tempo
integral que se estendeu a todos os professores de 4º e 5º anos nos anos de 2014 e 2015.
http://agencia.sorocaba.sp.gov.br/professores-participam-de-formacao-continuada-em-matematica/
60 A partir de 2015 a prefeitura passou a investir no acervo das salas de leitura e disponibilizar um
professor para a organização do acervo e condução do projeto na escola. Disponível em:
http://agencia.sorocaba.sp.gov.br/prefeitura-tem-44-salas-de-leitura-a-disposicao-dos-estudantes/
61 A Bebeteca ofereceu formação, orientação e acompanhamento de mediadores de leitura para
primeira infância. Cada sessão de leitura na Bebeteca tinha a duração de 50 minutos e era organizada
em três momentos: exploração livre do acervo, leitura em voz alta de um livro escolhido pelos
mediadores e leitura individuais ou em pequenos grupos a partir de escolhas das crianças. Disponível
em: http://agencia.sorocaba.sp.gov.br/prefeitura-inaugura-bebeteca-no-centro-de-referencia-em-
educacao/
62 Formação de educadores voltada à identificação e atuação nos casos de dificuldades de
aprendizagem ou transtornos específicos de aprendizagem. Por meio do Programa Todos Aprendem,
o Instituto ABCD promoveu em 2015, cursos em parceria com o município sem cobrar, sendo a cidade
contemplada em um edital. Na oportunidade professores de recuperação paralela e orientadores
pedagógicos do EF da rede municipal receberam a formação. Disponível em:
https://www2.jornalcruzeiro.com.br/materia/767804/todos-devem-estar-atentos-a-transtornos-de-
aprendizagem
153

Quadro 15 – BLOCO II - Implementações viabilizadas pela SEDU, porém opcionais.

NOME CARACTERIZAÇÃO PERÍODO DE IMPLEMENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO


DA PROPOSTA
ANO: 2.0_ _

01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18

Programa Professores do Ciclo de X X X X X


Letra e Vida63 Alfabetização

Formação + Material

Programa Parceria com o Projeto X


Educador “Escola Aprendiz” –
Gilberto Dimenstein
Comunitário64

Programa 2010: Professores dos X X X

Alfabetização 1ºs anos.

e Letramento 2011/2012: 1ºs e 2ºs


em Rede65
Formação + Material

Especialização Aos gestores e X


em Arte professores
interessados (pós-
Educação
graduação)
FEUSP

63 Parceria da rede estadual com o município na oferta (fora do horário de serviço) do curso Letra e
Vida. Como já mencionado em capítulos anteriores a formação segue a concepção construtivista para
a alfabetização.
64 O curso visava habilitar a atuação dos Professores Educadores Comunitários da rede municipal de
Sorocaba que possuíam interesse de trabalhar na coordenação das ações da escola em tempo integral,
assim, todo educador comunitário, além de concursado PEB I, precisava como requisito ter realizado
este curso que foi ofertado em caráter opcional no ano de 2007, por meio de parceria entre SEDU e
Programa Professor Aprendiz. Cabia a este professor o mapeamento das oportunidades educativas
dos territórios, o estabelecimento de parcerias visando a participação comunitária na escola e o
aprofundamento do diálogo entre as atividades complementares [extraclasse] da escola. Disponível
em: https://portal.aprendiz.uol.com.br/arquivo/2013/05/02/professor-comunitario-amplia-relacao-da-
escola-com-a-cidade/
65 Programa que uniu formação para os professores alfabetizadores em 8 módulos (2010: 1º anos e
2011/2012: 1º e 2º anos), mais existência de um estagiário como 2º professor em todas as turmas de
alfabetização. Os estagiários do Programa receberam a mesma formação dos professores durante
esses três anos, porém, no caso dos estagiários, a formação ocorria em horário de serviço e dos
professores ocorria por meio de pagamento de carga suplementar de modo opcional, fora do horário
de serviço. (Saiba mais em: https://www.youtube.com/watch?v=j5mKU25vJ3g
(Saiba mais em: https://www.youtube.com/watch?v=j5mKU25vJ3g
154

Especialização Aos gestores e X


em Educação professores
interessados (pós-
Infantil
graduação)
FAFE

Pacto Professores do Ciclo de X X X X X67 X


Nacional pela Alfabetização

Alfabetização 1º, 2º e 3º anos


na Idade Certa
Formação + Material +
PNAIC66 Bolsa do MEC

Cursos de Cursos com curta ou X X X X X


Livre Escolha média duração e vagas
restritas acerca de
temas diversos e
variados em parceria
com educadores ou
universidades

Fonte: Quadro organizado pela pesquisadora.

Pode-se perceber que dentre os anos de 2001 a 2004, os processos formativos


priorizaram e direcionaram o olhar da rede para questões interdisciplinares e/ou
transversais relacionadas: ao meio ambiente (Projeto Roda d’ Água e PROCEL); aos
valores humanos vinculados à religiosidade (Projeto Deus na Escola); a situações de
uso de tecnologias e desenvolvimento da comunicação (Projeto Rádio Vídeo Escola);
forte investimento (aquisição de equipamentos para as escolas e extensas formações
em serviço) para o uso das tecnologias da informática como ferramenta lúdica e
interativa de apoio à aprendizagem (Salas de Informática – Mesas interativas).
Também nesse período destacado no estudo e meados do próximo, os
investimentos em assessoria para o desenvolvimento de políticas para a diversidade

66 Desde a primeira edição do PNAIC em Sorocaba houve grande incentivo à participação e um


número expressivo de docentes. O pacto do MEC garantia o repasse de bolsas tanto aos formadores
quanto aos participantes (professores), que, se interessados, precisavam como requisito estar atuando
em turmas do ciclo de alfabetização da rede municipal para poder se inscrever. No edital de 2017, sua
última edição, foi anunciada a retirada da bolsa aos professores pelo MEC. Como já mencionado nos
capítulos anteriores o PNAIC traz em sua proposta elementos do construtivismo aliados à concepção
de alfabetização e letramento, trazendo assim o enfoque para a consciência fonológica e, também,
ampliando o conceito de alfabetização para outras áreas do conhecimento.
67 A última edição do PNAIC teve início em 2017 e terminou em 2018. Em 2013 o tema do PNAIC foi
relacionado às questões de linguagem para a alfabetização, em 2014, foi relacionado às questões de
alfabetização matemática, em 2015, relacionado às questões de interdisciplinaridade, em 2016, foi à
questão da avaliação e acompanhamento e, por último, em 2017, foram retomados conceitos de
linguagem e matemática com complexidade maior.
155

e a educação inclusiva no município, tais estudos iniciaram com a assessoria da


Professora Maria Teresa Égler Mantoan (1993 – 2002) e, tempos depois, seguiram
pautados em nova contratação junto ao Instituto Paradigma, onde as primeiras
aproximações ocorreram em 2006, por meio de reuniões/encontros com as chefias e
as formações, de 2008 a 2010. O referido instituto assessorou a elaboração do projeto
de funcionamento do Centro de Referência em Educação68.
De 2005 a 2012, verifica-se forte investimento em ações formativas por meio
de contratos com organizações, associações, institutos ou fundações. Percebe-se
nesse contexto, que as ações formativas visaram atingir ao mesmo tempo diversas
frentes e perspectivas, envolvendo para isso, diversos investimentos em convocação
de professores e gestores visando a garantia das implementações.
Vale ressaltar, que esse período de 2005 a 2012 foi marcado pelo início da
utilização nacional e estadual dos sistemas de avaliação externa e do uso de
indicadores de aprendizagem para a educação, os quais foram iniciados pela
aplicação da “Prova Brasil” que produzia o IDEB (Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica) e do “SARESP” que produzia o IDESP (índice de Desenvolvimento
do Estado de São Paulo).
Diante desse contexto, pode-se perceber na extensa composição das
implementações, ações formativas que ora visavam a perspectiva do crescimento
destes índices, ora visavam um conjunto de ações voltadas aos conceitos transversais
do currículo (valores referentes à cidadania: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação
Sexual, Trabalho e Consumo e Pluralidade Cultural).
Feita essa distinção, ressalta-se, no entanto, que tais perspectivas ocuparam
ao mesmo tempo as prioridades do sistema, passando a envolver o espaço da
hora/aula para a sua implementação junto aos alunos e não de fato vínculos
transversais no trato dos conteúdos escolares específicos e condizentes ao currículo
enquanto elemento sócio-histórico elaborado pela humanidade. Fato esse que merece

68 Em sua proposta inicial, o Centro de Referência em Educação foi considerado uma inovação no
setor educacional, o prédio 100% acessível contou, desde a concepção e a execução do projeto, com
orientação e apoio técnico do Instituto Paradigma. No local, um grupo de profissionais – pedagogos,
psicólogos, fonoaudiólogos, fisioterapeuta, terapeutas ocupacionais e assistentes sociais – foi
selecionado para atuar em parceria com os educadores (professores, diretores, coordenadores,
orientadores e supervisores). A equipe de profissionais foi criada para atender as demandas sociais,
pedagógicas e psicológicas dos alunos. Atualmente o prédio funciona como sede da Secretaria da
Educação e a equipe multidisciplinar realiza orientações ou formações conforme a solicitação das
escolas.
156

atenção, uma vez que essas prioridades (juntamente à forma de implementação)


carregam em seu bojo o efeito de direcionamento do olhar docente e, invariavelmente,
do fortalecimento de compreensões equivocadas acerca da própria concepção de
currículo e da função nuclear da escola:

De uns tempos para cá, disseminou-se a ideia de que currículo é o conjunto


das atividades desenvolvidas pela escola. Portanto, currículo diferencia-se de
programa ou de elenco de disciplinas; segundo essa acepção, currículo é tudo
o que a escola faz; assim, não faria sentido falar em atividades
extracurriculares. Recentemente, fui levado a corrigir essa definição
acrescentando-lhe o adjetivo “nucleares”. Com essa retificação, a definição,
provisoriamente, passaria a ser a seguinte: currículo é o conjunto das
atividades nucleares desenvolvidas pela escola. E por que isto? Porque
se tudo o que acontece na escola é currículo, se se apaga a diferença
entre curricular e extracurricular, então tudo acaba adquirindo o mesmo
peso; e abre-se caminho para toda sorte de tergiversações, inversões e
confusões que terminam por descaracterizar o trabalho escolar.Com isso,
facilmente, o secundário pode tomar o lugar daquilo que é principal,
deslocando-se, em consequência, para o âmbito do acessório aquelas
atividades que constituem a razão de ser da escola. Não é demais lembrar que
esse fenômeno pode ser facilmente observado no dia a dia das escolas. [...] O
ano letivo encerra-se e estamos diante da seguinte constatação: fez-se de tudo
na escola; encontrou-se tempo para toda espécie de comemoração, mas muito
pouco tempo foi destinado ao processo de transmissão-assimilação de
conhecimentos sistematizados. Isto quer dizer que se perdeu de vista a
atividade nuclear da escola, isto é, a transmissão dos instrumentos de acesso
ao saber elaborado. É preciso, pois, ficar claro que as atividades distintivas [...]
não são essenciais à escola. Enquanto tais, são extracurriculares e só têm
sentido se puderem enriquecer as atividades curriculares próprias da
escola, não devendo em hipótese alguma prejudicá-las ou substituí-las.
Das considerações feitas resulta importante manter a diferenciação entre
atividades curriculares e extracurriculares, já que esta é uma maneira de não
perdermos de vista a distinção entre o que é principal e o que é
secundário (SAVIANI, 2011, p. 15 - 16).

Dentre a vasta relação das ações da Secretaria da Educação de Sorocaba,


elencou-se algumas para exemplificar os movimentos que possivelmente estavam
consubstanciados para atender à demanda de crescimento nos índices: as formações
voltadas à avaliação externa, a implementação do Sistema de Gestão Integrado/SGI,
o uso de dados comparativos em painéis de desempenho (SGI), a Elaboração do
PTA69, a implementação da Matriz Curricular da Rede, Implementação do Plano de
Metas de Aprendizagem na Rede (SGI), Implementação da Recuperação Paralela,
Intervenção Pedagógica e implementação do Programa Alfabetização e Letramento
em Rede com inserção do estagiário como segundo professor, dentre outros.

69 PTA: Plano de Trabalho Anual das Escolas, apresentado junto PEPP: Projeto Eco-Político-
Pedagógico e Marco Referencial denominação dada via assessoria do Instituto Paulo Freire nas
ações do Programa Cidade Educadora – Escola Cidadã).
157

Por outro lado, enquanto movimentos para atender outras demandas,


expressos por uma inclinação peculiar nas formas de interpretar os motivos
transversais70, verifica-se fortes investimentos em ações formativas como: Pedagogia
Empreendedora, Programas de Educação Emocional (Programa Amigos do Zippy,
Programa Amigos do Maçã, Programa Zippy em Casa e Programa Um Dia Para Mim),
Projeto da Festa da Escola Cidadã, Programa Clube da Escola, Programa Roteiro
Educador, Programa de Educação para o Trânsito (CCR), Programa de Educação
para o Meio Ambiente (CCR), dentre outros.
Encontra-se neste período, a tentativa de estruturação da rede com uma equipe
própria de professores efetivos que se tornaram professores formadores, compondo
uma equipe que atuava no Centro de Referência em Educação, que além das edições
do Letra e Vida (2008 - 2009) – posteriores às realizadas pelo estado (2005 – 2007) -
também assumiu a proposta de formação do “Programa Alfabetização e Letramento
em Rede” (2010-2012), voltado aos professores e estagiários dos 1º e 2º anos. A
formação atingiu grande parte dos professores, porém, mesmo havendo o pagamento
de carga suplementar para incentivar a presença do professor fora do horário de
serviço, manteve o caráter opcional devido a forma de implementação, não garantindo
a possibilidade de participação a todos. Já aos estagiários, que começaram a atuar
nessa época em turmas de alfabetização como “2º professor”, essa mesma formação
deu-se em horário de trabalho por integrantes desta mesma equipe.
Identifica-se inclusive, de 2005 a 2012, a estruturação de uma equipe de
professores itinerantes (2009) que passou a atuar junto à equipe multidisciplinar do
Centro de Referência em Educação para visitas às escolas, conhecimento da
realidade e desenvolvimento de encaminhamentos em diálogo com o Orientador
Pedagógico das unidades escolares. Outra ação que marcou esse período, foi a
primeira elaboração e publicação do Marco Referencial da rede (em 2010, redigido
pelo Instituto Paulo Freire após reuniões em polos junto às escolas). Houve também,
a organização e implementação da Matriz Curricular da rede desde a Educação
Infantil até o Ensino Médio (redigida/publicada em 2011/2012 por meio da assessoria
de Guiomar Namo de Mello, após vários movimentos internos anteriores de
elaboração junto aos Orientadores Pedagógicos e Coordenadores da rede).

70 Temas que abordam valores referentes à cidadania: Ética, Saúde, Meio Ambiente, Orientação
Sexual, Trabalho e Consumo e Pluralidade Cultural.
158

Torna-se importante contextualizar que de 1997 a 2004 Sorocaba teve um


mesmo governo devido à reeleição (Renato Amary, PSDB), de 2005 a 2012 houve
novamente a permanência de outro prefeito (Vitor Lippi, PSDB) pelo período de oito
anos. De 2013 a 2016 ocorreu novamente a mudança do prefeito, no entanto, este
permaneceu pelo período de quatro anos (Pannunzio, PSDB, o qual já havia sido
prefeito da cidade anteriormente de 1989 a 1992). De 2017 a meados de 2019,
Crespo, (DEM) e de 2019 aos dias atuais a vice-prefeita assumiu a prefeitura
(Jaqueline Coutinho, PDT). Vê-se, dessa forma, a associação da relação entre as
propostas/nomenclaturas aos períodos de cada governante, no entanto, mesmo
considerando que a cidade foi governada por muitos anos pela mesma legenda
partidária, cada período procurou imprimir a sua marca. Essa associação passa a ser
mais descontínua de 2013 a 2018, período em que a rede transitou pelas orientações
de sete Secretários da Educação diferentes (Governo Pannunzio, teve 3 secretários
em quatro anos) e o atual governo está em seu quarto secretário da pasta.
Para tornar visível o conjunto dessas associações ou rupturas, o quadro abaixo
foi estruturado conforme os períodos de transição entre os programas, projetos e
assessorias implementadas:

Quadro 16 – Conjunto das Formações pelos Principais Períodos de Transição


Período Projetos e Programas que apresentaram Projetos e Programas
investimentos em formação em serviço mobilizados por formações,
porém opcionais
2001 – 2004  Projeto Educação Inclusiva  Oficinas e palestras diversas
 Projeto Roda d´Água
 Projeto Deus na Escola
 Projeto Rádio – Vídeo Escola
 Projeto PROCEL
 Projeto Informática
2005 – 2012  Projeto Informática  Letra e Vida
 Formações SARESP e ANRESC  Curso Programa Educador
 Projeto Pedagogia Empreendedora Comunitário
 Projeto Cidade Educadora – Escola  Programa Alfabetização e
Cidadã Letramento em Rede
 Projeto Amigos do Zippy  Oficinas e palestras diversas
 Projeto IEE – Instituto Esporte &
Educação
 Projeto Caminhada
 Projeto Oficina do Saber
 Projeto Caminhos para a Cidadania
 Sistema de Gestão Integrado
 Programa Clube da Escola
 Programa Amigos do Maçã
 Programa Formar em Rede – Avisa-lá
159

 Instituto Paradigma
 Projeto Recuperação Paralela e
Intervenção Pedagógica
 Projeto Sala de Recursos
Multifuncionais
 Programa Amigos do Zippy em Casa
 Programa Aluno Educador
 Formação Currículo em Ação
 Programa Saúde Emocional
 Projeto Lousas Digitais
 Projeto Roteiro Educador
2013  Projeto Informática  PNAIC
 Formações SARESP  Oficinas e palestras diversas
 Projeto Amigos do Zippy
 Projeto Oficina do Saber
 Projeto Caminhos para a Cidadania
 Programa Clube da Escola
 Programa Amigos do Maçã
 Projeto Recuperação Paralela
 Projeto Sala de Recursos
Multifuncionais
 Programa Amigos do Zippy em Casa
 Programa Aluno Educador
 Programa Saúde Emocional
 Projeto Lousas Digitais
 Projeto Roteiro Educador
2014 – 2015  Projeto Informática (Programa Escola  PNAIC
Digital)  Programa Escola da Escola:
 Projeto Oficina do Saber (Programa Cursos de curta duração de
Escola Viva) livre escolha
 Projeto Caminhos para a Cidadania  Especialização (lato-sensu)
 Projeto Clube da Escola (Programa em Arte Educação pela
Escola Viva) FEUSP
 Projeto Recuperação Paralela  Especialização (lato-sensu)
 Projeto Sala de Recursos em Educação Infantil
Multifuncionais
 Programa Aluno Educador (Programa
Professor Aprendiz)
 Projeto Lousas Digitais (Programa
Escola Digital)
 Projeto Roteiro Educador (Programa
Escola Viva)
 Projeto Salas de Leitura – Novos
Olhares
 Projeto Bebeteca
 Formações em Linguagem (Língua
Portuguesa e Arte) – CEDAC
 Formações em Matemática –
MATHEMA
 Instituto ABCD
2016  Projeto Caminhos para a Cidadania  PNAIC
 Projeto Recuperação Paralela  Programa Escola da Escola:
 Projeto Sala de Recursos Cursos de curta duração de
Multifuncionais livre escolha
 Projeto Salas de Leitura – Novos
Olhares
160

 Projeto Bebeteca
2017 – 2018  Projeto Caminhos para a Cidadania  PNAIC
 Projeto Recuperação Paralela  Cursos de Livre Escolha
 Projeto Sala de Recursos
Multifuncionais
 Projeto Salas de Leitura
 Projeto Leitura para a Primeira Infância
(Bebeteca)
Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora.

Pode-se observar, que em 2013 , primeiro ano de transição após oito anos
consecutivos do governo anterior, apresentou-se redução significativa em
comparação à “quantidade” da lista que ocupou os anos de 2005 a 2012, assim, ações
como: Instituto Paulo Freire (Programa Cidade Educadora - Escola Cidadã), Fundação
Pitágoras (Sistema de Gestão Integrado - SGI) e Pedagogia Empreendedora não
ocorriam mais como implementação na rede envolvendo formações por parte da
SEDU e tiveram no seu último ano (ocorrendo ainda em 2013) ações como: formação
aos professores envolvidos nas avaliações externas, e projeto de educação emocional
(Amigos do Zippy, Amigos do Maçã, Zippy em Casa e Saúde Emocional).
A partir de meados de 2013 a 2015 apresenta-se uma reestruturação na
organização dos projetos que se mantiveram, sendo basicamente organizados pela
denominação de 5 “programas”: Programa Escola Viva, composto pelos projetos:
Escola de EF em Tempo Integral, Clube da Escola, Roteiro Educador, Musicalização,
Sala de Leitura - Novos Olhares; Bebeteca e Caminhos para a Cidadania. Programa
Escola Digital, composto pelos projetos: Sala de Informática e Lousas Digitais.
Programa Escola da Escola: envolvendo parcerias com universidades ou profissionais
da educação para o desenvolvimento de cursos de livre escolha em diversas áreas
do conhecimento. Programa Professor Aprendiz: envolvendo ações formativas junto
aos estagiários e Programa Escola Saudável71.
Nesse período (2013 a 2015), assim como nos anteriores, desde a
implementação da “Oficina do Saber” em 2007, também se mantiveram as diversas
formações em serviço aos professores da escola em tempo integral.

71 Programa existente em todos os governos anteriores, mas não elencado na tabela deste estudo por
não envolver investimentos específicos em formação dos professores, mas atuação de diferentes
formas a cada governo junto às escolas, contemplando: saúde bucal, teste de acuidade visual,
prevenção de doenças, campanhas de vacinação, campanhas acerca da Dengue, da Gripe H1N1, entre
outras ações.
161

Nos anos de 2014 e 2015, os professores dos anos iniciais do EF da rede


passaram a ter convocação em horário de serviço visando os conteúdos da matriz
curricular referentes a Língua Portuguesa, Arte e Matemática por meio de contrato
com a CEDAC e o MATHEMA.
Esse período também foi marcado pela existência de várias comissões
compostas por representantes da rede (em diversos segmentos) que funcionaram
como grupo de estudos para a elaboração de orientações às várias ações
pedagógicas, havendo investimento da SEDU em convocação desses profissionais.
Tais comissões materializaram seus estudos por meio de publicações denominadas
“Cadernos de Orientação”, assim foram construídos: Caderno de Orientações para o
Conselho de Classe, Caderno de Orientações do Programa Professor Aprendiz,
Caderno de Orientações para a Documentação Pedagógica na Educação Infantil da
Rede Municipal de Sorocaba, Caderno de Orientações para a Construção do Projeto
Político-Pedagógico, Caderno de Orientações para o Planejamento Escolar, Caderno
de Orientações da Escola de EF em Tempo Integral e, início dos estudos para revisão
do Marco Referencial da Rede Municipal de Sorocaba (anteriormente elaborado por
meio da assessoria do Instituto Paulo Freire).
Os Projetos: Sala de Leitura - Novos Olhares e Bebeteca foram criados e
implementados também nesse período, havendo formação por convocação aos
professores envolvidos.
Os professores das salas de AEE e de Recuperação Paralela mantiveram suas
formações mensais junto à equipe de multidisciplinar do Centro de Referência,
havendo a participação do Instituto ABCD nas formações de Recuperação Paralela
realizadas no ano de 2015.

Nesse sentido, tenho sido crítico dos chamados modismos na educação,


porque aparecem como algo muito avançado mas, na verdade, apenas elidem
questões até certo ponto óbvias, que não podiam ser perdidas de vista e que
dizem respeito ao trabalho escolar. Eis por que em um de meus textos enunciei
a distinção entre o tradicional e o clássico. Tradicional é o que se refere ao
passado, ao arcaico, ultrapassado, o que nos leva a combater a pedagogia
tradicional e reconhecer a validade de algumas das críticas que a Escola Nova
formulou à pedagogia tradicional. No entanto, isso não pode diminuir a
importância do elemento clássico na educação, pois este não se confunde com
o tradicional. Clássico é aquilo que resistiu ao tempo, logo sua validade
extrapola o momento em que ele foi proposto. [...] Então, o clássico não se
confunde com o tradicional, razão pela qual tenho procurado chamar a atenção
para certas características, certas funções clássicas da escola que não podem
ser perdidas de vista porque, do contrário, acabamos invertendo o sentido da
escola e considerando questões secundárias e acidentais como principais,
162

passando para o plano secundário aspectos principais da escola. Exemplo


disso são as comemorações nas escolas, que se espalhavam por todo o ano
letivo, às quais agora se associam, ou a elas são acrescidos, os denominados
temas transversais, como educação ambiental, educação sexual, educação
para o trânsito etc. (SAVIANI, 2011, p.87).

Em meados de 2015 ao término do mandato em 2016, diversas ações no


município foram contingenciadas pelo COTIM (Comitê de Otimização do Gasto
Público) devido aos impactos da crise econômica anunciada desde 2013, que
culminou no decreto nº 20.741/2013, processo que se intensificou em 2015 sendo
anunciadas várias medidas, como por exemplo, a impossibilidade do pagamento de
horas-extras aos servidores:
COTIM – Comitê de Otimização do Gasto Público Resolução COTIM Nº 014,
de 18 de agosto de 2015. O Comitê de Otimização do Gasto Público – COTIM,
(SPG, SEAD, SEF) criado pelo Decreto 20.741/2013, no uso das suas
atribuições e com base em diretrizes do Núcleo Gestor, Considerando a crise
nacional já está afetando a arrecadação no município, caindo drasticamente
as transferências de recursos federais e estaduais; Considerando que a
realização de horas extras e suplementares deve se dar em situações
excepcionais, e que a participação destas despesas na folha de pagamento da
administração pública municipal, já se apresenta elevada; Considerando a
necessidade de racionalização das despesas, inclusive com pessoal;
Considerando a diretriz de eliminação das despesas com horas extras e horas
suplementares, RESOLVE: Art. 1º A remuneração das horas extras e das
horas suplementares, realizadas a partir do mês de julho de 2015, desde que
devidamente autorizadas segundo as diretrizes e normas do Núcleo Gestor e
do COTIM, excepcionalmente serão pagas em três parcelas mensais. Art. 2º
Todos os gestores devem apresentar ao COTIM as medidas adotadas para
eliminar o uso de horas extras, suplementares e gastos correlatos. Art. 3º Esta
Resolução entra em vigor na data de sua publicação. Edsom Ortega Secretário
de Planejamento e Gestão Coordenador do COTIM (JORNAL DO MUNICÍPIO,
Sorocaba, 21 de agosto, de 2015, p. 11).

Assim, a partir deste período mantiveram-se os seguintes projetos que


envolvem formação: Projeto Caminhos para a Cidadania (totalmente financiado pela
CCR), e os Projetos: Recuperação Paralela, Sala de Recursos Multifuncionais (AEE),
Salas de Leitura e Bebeteca, os quais eram viabilizados por meio de pagamento de
carga suplementar aos docentes, incluindo nessa carga as horas/aulas destinadas
para um dia de formação ao mês, desenvolvidas por profissionais efetivos do CRE.

Nos anos de 2017 e 2018, mesmo havendo nova mudança de governo, a


gestão da Secretaria da Educação passou por quatro secretários diferentes e as
ações formativas que se mantiveram foram as mesmas acima descritas.

Percebe-se que há um desafio em se pensar em novas formas de


implementação da formação continuada que permita o deslocamento do seu papel
163

alegórico, assessório e supérfluo para de fato ocupar o seu lugar indispensável de


aprofundamento das questões nucleares do fazer pedagógico na escola, mantendo a
necessária continuidade e movimento. Afinal:

Ao final do ano letivo, após todas essas atividades, fica a questão: as crianças
foram alfabetizadas? Aprenderam português? Aprenderam matemática,
ciências naturais, história, geografia? Ora, esses são os elementos clássicos
do currículo escolar, tão clássicos que ninguém contesta. Às vezes se contesta
a forma: será que se deve alfabetizar assim ou seria melhor de outra forma?
Mas alguém ousaria afirmar que a escola não deve alfabetizar? No entanto,
esses elementos acabam por ser secundarizados, diluídos numa concepção
difusa de currículo (SAVIANI, 2011, p.87).

Assim, diante desse processo complexo e multideterminado, retoma-se os


questionamentos postos na introdução desta dissertação, enfim:

 Quais as ações de formação continuada em alfabetização para a


constituição das práticas pedagógicas do professor alfabetizador foram
realizadas durante esses dezessete anos de intenso crescimento na
oferta do EF (anos iniciais) na rede municipal de Sorocaba?
 Em qual ideário se fundamenta ou se fundamentou a concepção de
sujeito e de desenvolvimento em alfabetização no município de
Sorocaba ao longo das formações oferecidas?
 Quais foram as prioridades históricas da rede municipal de Sorocaba no
campo das políticas públicas de formação?

Quanto as ações de formação continuada em alfabetização para a constituição


das práticas pedagógicas do professor alfabetizador durante esses dezessete anos
de intenso crescimento na oferta do EF, percebe-se que apenas a partir de 2005
houve significativa mobilização ao Programa Letra e Vida, no entanto, mesmo
havendo muito interesse e significativa adesão por parte dos professores, o mesmo
nunca logrou o lugar de prioridade dos investimentos financeiros em tempo/espaços
educativos como ocuparam outros diversos projetos e programas, por exemplo,
relacionados à educação emocional e à pedagogia empreendedora, especialmente
no ciclo de alfabetização. Tais projetos/programas passaram por compor as
preocupações do docente com extensas implementações obrigatórias em horário
regular de aulas, tanto para o seu afastamento dos alunos para o atendimento às
convocações de formação, quanto para o tempo necessário para o seu planejamento,
164

decurso e desenvolvimento adequados junto às crianças, além, claro, da necessidade


de registros/exposições de seus resultados.
Dessa forma, todas as formações relacionadas à alfabetização existentes e
implementadas na rede ocuparam o BLOCO II deste relatório de pesquisa, pois foram
desenvolvidas fora do horário de trabalho do docente, o que inviabiliza a participação
de todos, uma vez que muitos acumulam cargos, possuem cargas de HTP em dias e
horários diversos ou outros impedimentos de diferentes ordens.
Quanto ao ideário que se fundamentou a concepção de sujeito e de
desenvolvimento em alfabetização no município de Sorocaba, identifica-se a
hegemonia da concepção construtivista ao longo dos anos, uma vez que as bases do
Programa Letra e Vida também fundamentaram a organização do Programa
Alfabetização e Letramento em Rede, sendo ampliado no vocabulário da rede, a partir
de então, o conceito de alfabetização e de letramento como ação fundamental a todas
as áreas do conhecimento (Linguagem, Ciências Humanas, Ciências da Natureza e
Matemática).
Enquanto consequências nas relações entre alunos e professores, alunos e
alunos, alunos e o conhecimento, seguem abaixo duas citações de Emília Ferreiro
extraídas do Guia do Formador do Programa Letra e Vida que parecem reverberar até
os dias atuais como compreensões nocivas na identificação do papel do professor e
do ensino em turmas de alfabetização:

Se pensarmos que a criança aprende só quando é submetida a um ensino


sistemático, e que a sua ignorância está garantida até que receba tal tipo de
ensino, nada poderemos enxergar. Mas se pensarmos que as crianças são
seres que ignoram que devem pedir permissão para começar a aprender,
talvez comecemos a aceitar que podem saber, embora não tenha sido dada a
elas a autorização institucional para tanto. Emilia Ferreiro (BRASIL, Ministério
da Educação. LETRA E VIDA, Guia do Formador, 2001, p. 47)

Não se deve manter as crianças assepticamente afastadas da língua escrita.


Mas tampouco trata-se de ensinar-lhes um modo de sonorizar as letras, nem
de introduzir os exercícios de escrita mecânica e a repetição em coro (...)
Emilia Ferreiro (BRASIL, Ministério da Educação. LETRA E VIDA, Guia do
Formador, 2001, p. 61)

Assim, quando a autora associa o ensino sistemático à ignorância dos saberes


das crianças: “Se pensarmos que a criança aprende só quando é submetida a um
ensino sistemático, e que a sua ignorância está garantida” (idem, p.47), cria-se e
dissemina-se a falsa ideia de que qualquer opção de ensino sistematizado
165

corresponde ao ato de não se importar com os saberes das crianças. Vê-se um


exemplo disso na vasta preocupação com a identificação das “hipóteses de escrita”
das crianças e na dificuldade de saber o que fazer com as mesmas.
Outro impacto considerável revela-se na concepção de autonomia do aluno:
“se pensarmos que as crianças são seres que ignoram que devem pedir permissão
para começar a aprender” (ibidem, p.47), discurso este que recorrentemente desperta
a confusão do conceito de autonomia, relacionando-o com o espontaneísmo, com o
atendimento desregulado ao querer imediato das crianças, com o não diretivismo
docente, e não, à capacidade de desenvolver as funções superiores 72 e a
autorregulação da conduta (enquanto comportamentos aprendidos socialmente que
dependem da relação com o contexto em que se encontram os alunos para
desenvolverem-se, internalizando instruções e ampliando operações cognitivas como:
percepção, atenção, memória, capacidade para solucionar problemas).
Na segunda citação: “Não se deve manter as crianças assepticamente
afastadas da língua escrita. Mas tampouco trata-se de ensinar-lhes um modo de
sonorizar as letras” (ibidem, p. 61), induz-se à compreensão da irrelevância da prática
do ensino das relações das letras e seus sons e mais, esvazia-se a complexidade e
os sentidos sócio-históricos desse importante aprendizado para as crianças,
relacionando-o pôr fim, a algo empobrecido, mecânico e repetitivo, pouco importante
e a ser superado em lugar de aceitar a “contaminação” da aproximação das crianças
da língua escrita. Percebe-se também as consequências desse pensamento na
recorrente confusão entre método fônico e consciência fonológica ou grafofonêmica.
Ademais, o uso da expressão “tampouco trata-se de ensinar-lhes” também revela a
condição implícita e indireta na condução do ensino, negando-o.
Tem-se claro que no contexto da sua produção, a autora visava reafirmar sua
veemente contraposição a qualquer propriedade dos métodos tradicionais de
alfabetização, colocando sua crítica na mecanização aleatória, na
descontextualização dos textos usados em cartilhas, nos exercícios escritos
desvinculados às funções sociais comunicativas. No entanto, essa contraposição
culminou por comunicar como dispensável o ensino explícito das propriedades
linguísticas do sistema de escrita alfabético, o qual pode e deve ocorrer de forma

72 Conceito da Teoria Histórico-Cultural de Vigotski, sendo denominadas funções psíquicas superiores,


aquelas funções mentais que caracterizam o comportamento consciente do homem, como a atenção
voluntária, a percepção, a memória e pensamento.
166

sistemática, porém, visando a compreensão sócio-histórica do conteúdo aliando-se,


pois, aos contextos reais do letramento – prática social.
Assim, ao invés de desenvolver nos docentes um olhar epistemológico e crítico
acerca da alfabetização, passou-se por incentivar diversos medos e mitos conceituais
entre o “novo” ou “ultrapassado”, entre o “certo” ou “errado”, entre o “permitido” ou
“proibido” para constituir-se enquanto um “bom professor alfabetizador construtivista”.
Devido aos resultados deste longo período, que demonstram ter tocado mais
os sentidos dos professores acerca da aprendizagem, do que a própria aprendizagem
dos alunos, implementou-se uma nova política nacional – PNAIC –, também
consubstanciada na psicogênese da escrita de Emilia Ferreiro, porém, visando
explicitações e ajustes conceituais sobre o papel do professor alfabetizador, sobre a
importância de considerar o ensino das propriedades do sistema de escrita,
retomando para isso, o lugar das necessárias articulações entre as relações
grafofonêmicas e de consciência fonológica que, filogeneticamente, constituem a base
do sistema alfabético. Por essas combinações, o Pacto já se tornou objeto de estudo
em diversas pesquisas que tentam aclarar, compreender e/ou definir sua concepção
diante da percepção de um certo ecletismo epistemológico.
Observando-se todo esse histórico de formações em alfabetização e
letramento desenvolvidas desde 2005, mesmo havendo essa sensível diferença de
perspectiva junto ao PNAIC - que já demonstra um avanço acerca do resgate da
essência do papel do professor e das propriedades históricas do objeto de ensino - foi
possível localizar em todas essas formações, a preponderância da perspectiva
formativa da “racionalidade prática”, postuladas historicamente por autores como:
SCHÖN (1983); SHULMAN, (1987); TARDIF, (2002); como uma crítica à
“racionalidade técnica”, que por sua vez marcavam a lógica dos métodos tradicionais,
de natureza positivista, os quais sempre tratavam os conhecimentos empíricos como
conhecimentos de segunda ordem em comparação aos conhecimentos teóricos que
privilegiavam a dimensão técnica.

Assim, em consonância à tendência escolanovista na construção de um novo


perfil de educador e aluno, acentuados em habilidades e competências, evidenciou-
se também nos movimentos formativos aos professores, a preponderância da
“racionalidade prática”, como expressão de modernidade e avanço, o que culminou
numa sobreposição dos elementos práticos - e de sua reflexão para favorecer os
167

conhecimentos teóricos - passando a relevância da prática ser decisiva para o


conteúdo formativo e condição para a formação teórica, valorizando assim a primazia
do “aprender fazendo”.

Os percalços deixados por essa lógica formativa se apresentam com o forte


destaque dado à prática que, por meio de seus alcances direcionavam as suposições,
as interpretações e instruções e não por meio dos alcances do conhecimento teórico
a ser ensinado, o que proporcionou mais incertezas que aprofundamento, mais
inferência, dependência, boa vontade, senso-comum, do que fundamentação. Vale
retomar a lógica dialética da tríade defendida por Martins (2013), onde destinatário –
conteúdo – forma precisam se comunicar e são interdependentes, onde o
conhecimento aprofundado do conteúdo e do destinatário direcionam qual prática se
apresenta como mais adequada e não o inverso.

Na tentativa de responder a todas as questões postas por essa pesquisa,


destaca-se uma última questão, afinal: Quais foram as prioridades históricas da rede
municipal de Sorocaba no campo das políticas públicas de formação? Ora, diante dos
quadros elaborados, tornou-se evidente a lógica de implementações que instituíssem
uma marca, que exprimissem uma concepção de modernidade, que oportunizassem
visibilidade, notícia e sensação de inovação e avanço. No entanto, tais prioridades
tomaram por contribuir para o afastamento dos professores da função nuclear da
escola, além-claro, do desgaste, devido à evidente sobrecarga de demandas
obrigatórias.
Vale destacar que mesmo concluindo pela não ocupação do lugar de prioridade
diante das opções feitas pelos governantes, percebe-se que as políticas públicas
nacionais para a alfabetização sempre tiveram grande influência nas concepções e
práticas do município, dessa maneira, teme-se novamente os impactos danosos que
o contexto político atual oferece para a educação nacional, especialmente a começar
pela alfabetização.
Por fim, percebe-se, pois, como urgente e necessário, ampliar a pauta de
discussões sobre as concepções de alfabetização, a história dos métodos e da
desmetodização que acompanhou a história das políticas públicas, de modo que
essas compreensões e pesquisas viabilizem a conscientização de suas
consequências e influências para a prática pedagógica, caminho indispensável de
168

conhecimento para a superação coletiva de muitos anseios e preocupações,


encaminhando assim às possibilidades de transformação.
Assim como assevera Dangió e Martins (2018, p. 150), “urge edificar uma
escola na qual os alunos tenham as mesmas oportunidades de apropriação do
sistema de escrita”, trabalhando para afirmar a escrita como uma objetivação da
humanidade a que todos têm direito de se apropriar, independentemente das marcas
e consequências da divisão de classes que as crianças da escola pública carregam
desde o ponto de partida do seu processo de escolarização.
169

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece que as nossas iniciativas em educação pecam por


uma extrema descontinuidade, e isso, a meu ver, entra em
contradição com uma das características próprias da
atividade educacional, com uma das características que se
insere na natureza e especificidade da educação, que é a
exigência de um trabalho que tenha continuidade, que dure
um tempo suficiente para provocar um resultado irreversível.
Sem se atingir o ponto de irreversibilidade, os objetivos da
educação não são alcançados.

(SAVIANI, 2011, p. 92).

Diante de todo o estudo realizado neste trabalho e preconizando o Materialismo


Histórico-Dialético, a Pedagogia Histórico-Crítica e a Teoria Histórico-Cultural como
alicerce de nossas considerações, compreende-se que para discutir qualquer projeto
de formação docente é indispensável considerar como ponto de partida a
materialidade do trabalho do professor e as consequências da lógica capitalista na
condição histórica do trabalho docente.
Desde 1996, com a promulgação da LDBEN nº 9394, a formação do professor
passou por um amplo debate para constituir-se enquanto um direito do professor para
a construção de sua identidade e da sua profissionalização.
No entanto, a lógica da produção capitalista se insere na educação
preponderando à lógica da divisão do trabalho visando a sua produtividade, assim, a
formulação de diversos projetos e programas de formação culmina por inserir esse
modo de produção na educação, descaracterizando o papel intelectual do professor
com vistas à produção enquanto executor de práticas pensadas por outrem, o que
separa a imprescindível relação entre o produto e o processo, entre a produção e o
ato de produzir, entre a teoria e prática que caracterizam a essência do fazer
educativo.
Mesmo parecendo óbvio que o trabalho produzido na escola não tenha a
mesma natureza dos setores de produção de produtos, essa lógica racionalizadora
predominantemente “técnica” ou “prática” insiste em se apresentar recorrentemente
nas lógicas das políticas públicas de formação, o que pode submeter o professor a
um processo de dependência e alienação, descaracterizando o seu papel na
sociedade.
170

Como assevera Saviani, o trabalho docente é “trabalho não material”, pois


envolve a:
[...] produção de várias formas de conhecimento que abrangem ideias,
conceitos, valores, símbolos, hábitos, atitudes, habilidades. [...] trata-se da
produção do saber, seja do saber sobre a natureza, seja do saber sobre a
cultura, isto é, o conjunto da produção humana. Obviamente, a educação situa-
se na categoria do trabalho não material. Daí a relevância do conhecimento
para a educação; contudo, diferentemente das ciências da natureza e também
das demais ciências humanas, a ciência da educação (pedagogia) não se
interessa pelos conhecimentos em si mesmos, mas como é necessário que os
homens o assimilem (SAVIANI, 2019, p.41).

Assim, enquanto produção não material, a educação jamais alcançará ao


mesmo tempo o nível das relações tipicamente da produção de produtos, sendo as
vias que garantem a sua existência, consubstanciadas pelas ideias, pelo
conhecimento científico, pelo entendimento dos alcances da humanidade na história,
o que torna a produção “inseparável do ato de produzir”. Quanto mais se escuta que
“na prática a teoria é outra”, mais fortalecida encontra-se a cisão entre o conhecimento
enquanto elemento histórico e cultural produzido pelos homens e a prática social
emancipadora, condição de liberdade e transformação social.
Para tanto, como asseveram Duarte e Saviani (2010, p.423),

[...] se a educação é uma atividade específica dos seres humanos, se ela


coincide com o processo de formação humana, isso significa que o educador
digno desse nome deverá ser um profundo conhecedor do homem.

Assim se esclarece a necessidade de se pensar em processos formativos onde


a profissionalidade, intelectualidade, a ciência e a humanidade do professor atuem no
sentido de garantir a universalização dos conhecimentos historicamente produzidos a
todos os alunos. Para tanto, é necessário que o professor conheça os elementos que
compõem a sua prática, a historicidade dos objetos de estudo da área em que
desenvolve a sua vida profissional para que possa produzir o ensino e, inclusive,
enriquecer o acervo científico da sua área de atuação. Como esclarece Antunes
(2002), o trabalhador docente, enquanto integrante das classes trabalhadoras,
também vende a sua força de trabalho, que nesse caso em específico, apresenta-se
como força de “trabalho intelectual” que não pode ser substituída.
Considerando a humanidade do professor também em constante
desenvolvimento e a necessidade de aclarar a função social do ensino sistematizado,
superando o seu esvaziamento teórico e científico, é preciso, conforme Saviani
171

(2008b, p. 130), que as propostas de formação de professores tanto inicial quanto


continuada carreguem em sua estrutura “a história como eixo” de qualquer
conteúdo a ser ensinado, que possibilite a “apropriação dos conhecimentos
necessários para a docência” tomando “a prática educativa como ponto de partida
e como ponto de chegada”, que contribua para a compreensão da “especificidade
e dimensão política que permeia o ato de ensinar”.
Encontra-se assim, nos pressupostos do Materialismo Histórico-Dialético, da
Pedagogia Histórico-Crítica e da Teoria Histórico-Cultural os elementos fundantes
para pensar a formação docente numa perspectiva epistemológica e crítica que
colabore com o desenvolvimento da profissionalidade docente, afinal se precisamos
de “exímios educadores capazes de assegurar uma educação de qualidade aos
alunos que lhes forem confiados, ser um exímio educador não depende de vocação”,
demanda empenho nos estudos “sólida fundamentação teórica e esclarecida
instrumentação técnica” (ibidem, p. 43).
Dessa maneira, tendo em vista o histórico das formações da rede municipal de
ensino de Sorocaba, há de se retomar o olhar acerca dos conteúdos escolares, do
papel do ensino, da função do professor enquanto pesquisador e do espaço da escola
como lócus privilegiado para a formação docente, tendo a história como eixo norteador
e a prática social enquanto ponto de partida e ponto de chegada.
Por meio destes pressupostos, considerar os avanços científicos propiciados
pelas pesquisas na área da alfabetização e do letramento, como apresentados por
Soares (2018), torna-se conhecimento imprescindível para a compreensão do
complexo objeto de ensino que é a alfabetização.
Como um desafio nacional e não somente de Sorocaba, há que se pesquisar
muito ainda sobre a alfabetização, manter essa discussão em pauta, para que esse
entrave social que marginaliza milhões de brasileiros e exclui diversas crianças, possa
ser superado e garantido como conhecimento humano básico para a vida em nossa
sociedade letrada e para o acesso aos demais saberes que resguardam os
conhecimentos humanos produzidos ao longo da nossa evolução ontogenética e
filogenética, possibilitando as condições de transformação da lógica vigente.
Afinal, como assevera Marx (1984, p.94) “o desenvolvimento das
contradições de uma forma histórica de produção é o único caminho de sua
dissolução e do estabelecimento de uma nova forma”.
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