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ENGENHARIA ELECTROTÉCNICA LUSO-ESPANHOLA. VOL. 3 (pp. 367-374).

Actas das 6.as Jornadas Luso-Espanholas de Engenharia Electrotécnica – Lisboa, 7-9 Julho 1999.
EDINOVA. Lisboa, 1999.

Avaliação da Valia Unitária da Energia Não Fornecida

José António Martins(1), José Sousa Felício(2), Luís Neves da Costa(3)


(1) (2) (3)
SLE - Electricidade do EDP - Electricidade de CENEL - Electricidade
Sul, S.A. (Grupo EDP) Portugal, S.A. do Centro, S.A.
Centro de Distribuição Beja Equipa de Projecto SIRED (Grupo EDP)
Rua António Sardinha, 22 Av. Casal Ribeiro, 50 - 5.º Rua do Brasil, 1
7800-447 Beja 1000-093 Lisboa 3030-175 Coimbra

Resumo

Os investimentos a efectuar pelas Empresas do sector eléctrico da Distribuição reflectem, cada


vez mais, uma preocupação com o crescimento da procura e das expectativas dos clientes,
visando a melhoria contínua da qualidade técnica de serviço e o aumento da eficiência da rede,
salvaguardando questões sociais relacionadas com o Ambiente e a Imagem da Empresa.
Assim, a questão da Energia Não Fornecida (ENF) constitui uma preocupação constante, face à
importante influência que exerce em quebra de receita e deterioração da imagem da empresa.
O objectivo desta comunicação é determinar as valias unitárias associadas à Energia Não
Fornecida, correspondentes aos programas de investimento inseridos na base de dados do
Sistema ASCI(D) - Sistema de Análise, Selecção e Controlo dos Investimentos.
O Sistema ASCI(D) baseia-se numa análise económica devidamente fundamentada, tendo por
objectivo o acompanhamento criterioso do investimento específico das Empresas de
Distribuição do Grupo EDP.

Palavras-chave: Qualidade de Serviço, Energia Não Fornecida, Interrupções de Fornecimento,


Análise Benefício/Custo, Imagem da Empresa.

1. Introdução
A modernização técnica e administrativa das empresas passa pelo desenvolvimento e
aperfeiçoamento de sistemas de informação, ajustando as estruturas existentes a uma
dinâmica de mudança.
É nesse contexto que surge o Sistema ASCI(D) - Sistema de Análise, Selecção e
Controlo dos Investimentos, que tem por objectivo o acompanhamento cuidadoso de
todos os investimentos da Distribuição do Grupo EDP, ao longo dos seus diversos
estados de realização, o qual, relativamente a sistemas e procedimentos anteriores,
apresenta aspectos inovadores, nomeadamente ao permitir a identificação dos vários
objectivos prosseguidos com cada investimento, e não apenas do objectivo principal, a
avaliação física do resultado obtido e a sua valoração em termos monetários.

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Na altura em que surgiu a EDP, e atendendo à fase de intensa electrificação em
superfície do País, o objectivo da Distribuição consistia na expansão das redes a novos
consumidores para satisfazer procuras pouco exigentes, procurando-se que a solução
escolhida satisfizesse as disposições regulamentares em vigor.
Actualmente, e correspondendo já a uma fase de electrificação em profundidade e em
qualidade, os investimentos a efectuar reflectem, cada vez mais, uma preocupação com
o crescimento da procura e das expectativas dos clientes. Nesta nova fase, e em
contraponto ao período da electrificação em superfície, os investimentos visam
sobretudo a melhoria contínua da qualidade técnica de serviço, o aumento da eficiência
da rede e têm em linha de conta questões sociais relacionadas com o Ambiente e a
Imagem da Empresa.
Assim, a questão da Energia Não Fornecida (ENF) constitui uma preocupação
constante, face à importante influência que exerce em termos de quebra de receita e
deterioração da imagem da empresa, numa época extremamente importante para o
sector eléctrico, caracterizada por movimentos de privatização, reestruturação e
liberalização.

2. Qualidade de Serviço de Referência


A qualidade de serviço de referência (QSref) a respeitar numa dada rede eléctrica,
considera-se caracterizada por um conjunto de parâmetros indicados no Quadro I.
Exprimindo a Energia Não Fornecida (ENF) associada a uma infra-estrutura eléctrica,
por:
ENF = Pmédia x TIE kWh.ano-1 (1)
com,
Pmédia = Wfornecida / 8760 kW (2)
e,
tu = Wfornecida / PPonta horas.ano-1 (3)
em que,

ENF : Energia anual Não Fornecida à infra-estrutura eléctrica considerada, em kWh.ano-1


Wfornecida : Energia anual Fornecida à infra-estrutura eléctrica considerada, em kWh.ano-1
Pmédia : Potência média do diagrama anual de carga da infra-estrutura considerada, em kW
PPonta : Potência de ponta do diagrama anual de carga da infra-estrutura considerada, em kW
tu : Tempo de utilização da Ponta anual da infra-estrutura considerada, em horas.ano-1
TIE : Tempo de interrupção equivalente da infra-estrutura considerada, em horas.ano-1

Tendo em atenção as equações anteriores, escrevemos,


1
ENF = x TIE x tu x PPonta kWh.ano-1 (4)
8760

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Quadro I - Valores de Referência dos Parâmetros Associados à Rede MT [1, 3].

Avaliação da Qualidade de Serviço :

] 7 ; 20 ] horas.ano-1 (1)

Tempo acumulado de interrupções longas (≥ 1 min.), (TIE) ] 3 ; 7 ] horas.ano-1 (2)

[ 1 ; 3 ] horas.ano-1 (3)

Diagrama Anual de Cargas em Redes MT :

[ 2000 ; 3500 ] horas.ano-1 (1)

Tempo de utilização da Ponta (tu) ] 3500 ; 5000 ] horas.ano-1 (2)

] 5000 ; 6500 ] horas.ano-1 (3)

(1)
Rede em Zona Rural e/ou Pouco Industrial (indústrias de laboração não contínua).
(2)
Rede em Zona simultaneamente Urbana e Industrial.
(3)
Rede em Zona Fortemente Industrial (regime de laboração contínua com importante consumo
nocturno).

Os valores de TIE referentes a 1998, obtidos da estatística do sector da Distribuição da


EDP, apresentaram os máximos de 17 horas.ano-1 (Rede em Zona Rural ou Pouco
-1
Industrial) e 3 horas.ano (Rede em Zona Fortemente Indusrial).
Considera-se como Rede em Zona Rural e/ou Pouco Industrial, uma infra-estrutura
eléctrica caracterizada por natureza aérea, topologia radial e baixa densidade de
consumo.
Considera-se como Rede em Zona simultaneamente Urbana e Industrial e Rede em
Zona Fortemente Industrial, uma infra-estrutura eléctrica caracterizada por natureza
subterrânea, topologia flexível (estrutura em anel, com diversas possibilidades de
recurso), com reduzidos tempos de indisponibilidade e elevada densidade de consumo.

Atendendo à equação (4) e aos valores indicados no Quadro I, escrevemos:

1
ENFQSref = x FR x PPonta (5)
8760
sendo,
FR = TIE x tu (6)
em que,
FR : Factor de Rede, em horas2.ano-1

De acordo com os os valores limite apresentados no Quadro I, a ENFQSref pode ser


estimada numericamente para qualquer instalação em que seja conhecida a Ponta anual
(PPonta , em kW), pela relação:

0,57 x Pponta ≤ ENFQSref ≤ 8,0 x Pponta kWh.ano-1 (7)

369
3. Valia Unitária Limiar
De acordo com o objectivo enunciado no resumo do trabalho, determinaram-se as
valias unitárias associadas à redução de Energia Não Fornecida. Consideraram-se como
representativos da amostra os programas de investimento contidos na base de dados do
Sistema ASCI(D), que apresentavam um benefício de redução de ENF superior a 40%
do total dos respectivos benefícios, i.e.:

%b1ENF = b1ENF / b1 x 100 ≥ 40 % (8)

em que,
b1ENF : Benefício de redução de ENF no ‘Ano 1’, em contos
b1 : Total dos Benefícios no ‘Ano 1’, em contos
%b1ENF : Percentagem do Benefício de redução de ENF no ‘Ano 1’, relativamente ao total dos
benefícios no ‘Ano 1’, em %

Tendo em vista determinar a valia unitária limiar (benefício unitário que gera uma
relação Benefício/Custo igual à unidade), calculou-se o acréscimo de benefício
associado à redução de ENF, por forma a que o somatório dos benefícios acrescido do
valor remanescente, fosse igual ao custo total, para cada Programa de Investimento (PI).
Assim, o mencionado procedimento teve em conta os PI, para os quais:

B’ / C < 1 (9)
com,
B’ = B - BENF (10)
em que,
B : Total dos Benefícios actualizados ao ‘Ano 0’, acrescido do Valor Remanescente
actualizado ao ‘Ano 0’, em contos
B’ : Total dos Benefícios (excepto o que se refere à redução de ENF) actualizados ao
‘Ano 0’, acrescido do Valor Remanescente actualizado ao ‘Ano 0’, em contos
BENF : Benefício de redução de ENF actualizado ao ‘Ano 0’, em contos
C : Custo total actualizado ao ‘Ano 0’, em contos

Nas condições de cálculo acima referidas, verifica-se:

BLimiar / C = 1 (11)
com,
BLimiar = B’ + (BENF)Limiar (12)
obtendo-se,
(BENF)Limiar = BLimiar - B’ = C - B’ (13)

Verifica-se para cada PI, considerando a totalidade dos respectivos benefícios:

k = (B - VRem0) / b1 (14)

370
ou, para um benefício (caso da Redução de ENF),

k = BENF / b1ENF (15)


em que,

VRem0 : Valor Remanescente actualizado ao ‘Ano 0’, em contos


k : Factor de actualização ao ‘Ano 0’, dos termos da progressão associada ao
horizonte de estudo do PI, em p.u.

Tendo em atenção a equação (15), escrevemos para a situação limiar:

(b1ENF )Limiar = (BENF )Limiar / k (16)

ou, tendo em conta (13) e (14),

C − B'
(b1ENF)Limiar = (17)
( B − V Re m0 ) / b1

Sabendo que:

(b1ENF)Limiar = ∆QENF x (valia unitária ENF) Limiar (18)


em que,

∆QENF : Redução da ENF em cada programa de investimento, em kWh

obtemos, a partir de (17) e (18):

C − B'
(valia unitária ENF) Limiar = (19)

( B − V Re m0 ) / b1 x ∆Q
ENF

Apresentam-se nas figuras 1 e 2, os gráficos referentes à valia unitária limiar associada à


redução de ENF nos PI da amostra, tendo-se desprezado os valores de VRem0 por se
apresentarem tendencialmente nulos.

371
100 %

75 %
76 %

PI

50 %

25 %

0 %
0 50 100 150 200

Valia Unitária Limiar (esc./kWh)

Fig. 1 - Redução de ENF para a Totalidade dos PI (139 PI ).

372
100 %

75 %

PI

50 %

25 %

0 %
0 50 100 150 200

Valia Unitária Limiar (esc./kWh)

Fig. 2 - Redução de ENF para os PI do Subsector de Actividade MT (122 PI ).

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4. Conclusões

A especificação da valia unitária relativa ao Benefício de Redução de Energia Não


Fornecida (ENF), pode ser efectuada a partir da análise dos gráficos apresentados.
A metodologia apresentada poderá permitir desenvolver estudos mais específicos, com
vista à especificação de valores da referida valia unitária, para diferentes Subsectores
Específicos e tipos de intervenção na Rede (como, por exemplo, instalação de
automatismos ou alterações de topologia).

Referências

[1] J. N. Ferreira Dias Júnior, Aplicações da Electricidade. Capítulo I - Elementos de


Economia das Instalações Eléctricas, AEIST - 1963-64. Lisboa.

[2] R. Ghajar, R. Billinton, Evaluation of the Marginal Outage Costs in Interconnected and
Composite Power Systems, May 1995, IEEE Transactions on Power Systems, Vol.10, No.2

[3] EDP-SIRED, Guia Técnico de Planeamento, Agosto de 1995, Lisboa.

[4] A. Leite Garcia, Perspectivas da Evolução em Curso no Sector Eléctrico, Janeiro de 1997,
Lisboa.

[5] EDP - GTASCI, Manual Técnico do ASCI(D) - Sistema de Análise, Selecção e Controlo de
Investimentos da Distribuição, Abril de 1997, Lisboa.

[6] José António Martins, José Felício, Cálculo da Energia de Perdas, DT 05/98/DIA, Março
de 1998, Lisboa.

[7] José Felício, Apontamentos sobre ENF no âmbito do Projecto ASCI(D), Março de 1998,
Lisboa.

[8] EES-UETP, Electrical Power Quality, March 30 - April 3, 1998, Lisbon.

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