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ANTROPOFAGIA
O autor do Manifesto de 1928 percebeu o racionalismo
antierótico da "sociologia da esmola'
Réquiem a Oswald
GILBERTO VASCONCELLOS
especial para a Folha
clandestinidade.
Oswald de Andrade, marido de Pagu e companheiro de Luís
Carlos Prestes, rejeita o patriarcalismo, mas não embarca no
obreirismo economista e burguês do dinheiro.
Destarte, a sociologia uspiana manteve-se cega ou reticente
ao antropofágico "homem do povo", que nasceu rico e, como
diz o candomblé, cavalo de uma fortuna que será detonada
por incapacidade neurótica de lidar com as coordenadas da
economia de mercado.
Édipo milionário
Excetuando o professor Cruz Costa, desconheço outro
filósofo na USP com problemas sérios diante da competição
de mercado, que é o replay do patriarcalismo de "Casa
Grande e Senzala". Glauber Rocha viu no romance da fase
marxista, pós-30, de Oswald de Andrade, a representação
épica do "pistoleiro Vargas".
Marxista, Oswald de Andrade desaprovou a implantação do
Estado Novo em 1937, ano em que foi publicada a sua peça
de teatro "O Rei da Vela", o libelo anticapitalista da moderna
literatura brasileira, que antecipa a trágica carta-testamento
de Getúlio Vargas de 1954. Cumpre no entanto assinalar que,
não obstante o retrato do "risonho paternalismo de Vargas",
Oswald de Andrade percebeu que o Estado Novo de 1937
havia colocado o Brasil na marcha da história
contemporânea.
A partir de 1947, quando havia se desligado do PC, elogia o
trabalhismo de Getúlio Vargas, nisso destoando do marxismo
dos intelectuais brasileiros, que insistiam em considerar o
ex-ditador um inimigo do proletariado. Depois de ter
percorrido o país sem filosofia nacional com a revolucionária
Coluna Prestes, o Cavaleiro da Esperança é seduzido pelo
marxismo stalinizado da União Soviética.
Embora permanecendo filiado ao PC até 1945, a atitude
antiimperialista e anticolonialista de Oswald de Andrade não
foi consequência de seu ingresso no PC em 1930, mas sim o
resultado do conhecimento da literatura brasileira, que o fez
se tornar um antropófago nacionalista, em cuja obra
encontra-se a denúncia do imperialismo inglês na República
Velha e do imperialismo americano a partir de 1930. "Todas
as nossas reformas, todas as nossas reações costumam ser
feitas dentro do bonde da civilização importada. Precisamos
saltar do bonde, precisamos queimar o bonde."
Na "era de Wall Street e Cristo", Oswald de Andrade
denuncia os moços de recado do capital estrangeiro,
repudiando o anglicanismo do tecido e do carvão, assim
como o imperialismo norte-americano será a teologia do
petróleo e do automóvel.
Por coincidência do destino, Getúlio Vargas e Oswald de
Andrade morreram no mesmo ano de 1954. Quase meio
século depois, o Palácio do Planalto confina
equivocadamente o nacionalismo a um quixotismo
antropofágico da década de 50, assim como hoje em dia o
príncipe da moeda é o Rei da Vela no poder.
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28/04/2023, 15:19 Folha de S.Paulo - Gilberto Vasconcelos: Réquiem a Oswald - 01/11/98
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