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Resumo: O presente artigo busca recuperar e discutir conceitos como “comunidade virtual” e “rede social
online”, inseridos no contexto acadêmico a partir de um processo histórico de transformações sociais
contínuas decorrentes, principalmente, do advento da Internet. Tem o objetivo de construir uma memória
desses conceitos e do percurso atravessado pela rede até o surgimento das chamadas mídias e redes
sociais digitais, que estabelecem novas formas de conversação, produção e partilha de conteúdo, estando
hoje plenamente integradas ao dia a dia de seus usuários e modificando a maneira com que a sociedade se
organiza. O percurso histórico traçado ajuda ainda a perceber de que forma essa nova forma de
organização social, mediada por essas ferramentas virtuais, impactam o comportamento humano e suas
formas de lidar com as configurações espaço-temporais que passam a ser suprimidas para dar lugar a
conexões outras que não levam mais em conta impedimentos geográficos, mas apenas tecnológicos, para
se fazerem possíveis.
1
Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Digital, integrante do 9º Encontro Nacional de
História da Mídia, 2013.
2
Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco e professora titular do curso
de Comunicação Social da Faculdade Boa Viagem e da Universidade Católica de Pernambuco,
jcalazans@fbv.edu.br.
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Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco e professora titular do curso
de Comunicação Social da Faculdade Boa Viagem, cecilia.almeidarl@gmail.com.
da memória: “Todas as coisas do universo e todas as do homem serão registradas à
distância, à medida que são produzidas” (OTLET, 1935, p. 391, tradução nossa).
Onze anos depois, quando o computador moderno ainda dava seus primeiros
sinais de vida, Vanevar Bush (1945) publicou ideias semelhantes. Ele chamou de
“Memex” um dispositivo em que o indivíduo poderia guardar todos os seus livros,
registros e comunicações, podendo consultá-los com velocidade e flexibilidade,
inclusive remotamente. Além de prever a forma física desse aparelho, que possuiria tela
translúcida e um teclado, Bush também introduz conceitos de indexação e associação de
dados, sugerindo uma estrutura navegável através de links, que tornariam o acesso ao
material desejado mais ágil.
Por volta dessa época, foi lançado o projeto de elite da Defense Advanced
Research Projects Agency (Darpa), o Advanced Research Projects Agency (ARPAnet),
para o qual foram recrutados e selecionados cientistas de diversas áreas. Foi construído
e financiado pelo governo americano, em meio à guerra fria, tendo como base o
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Leonard Kleinrock, do MIT, publicou o primeiro trabalho sobre a teoria de trocas de pacotes em julho
de 1961 e o primeiro livro sobre o assunto em 1964. Kleinrock convenceu Roberts da possibilidade
teórica das comunicações usando pacotes ao invés de circuitos, o que representou um grande passo para
tornar possíveis as redes de computadores.
Pentágono e com o objetivo de interligar as bases militares e os departamentos de
pesquisa do governo americano de maneira segura (LEÃO, 2001).
Em 1991, surgiu a WWW (World Wide Web), a partir da fusão de estudos sobre
Internet e hipermídia – meio que engloba recursos de hipertexto com multimídia,
permitindo ao usuário a navegação por diversas partes de um aplicativo, na ordem que
desejar (LEÃO, 2001).
À medida que seu uso foi se tornando aberto ao público comum, a popularidade
da Internet foi crescendo exponencialmente. “Em 1990, poucos utilizavam a Internet;
em 1999, 38% das casas norteamericanas estavam conectadas” (GOSCIOLA, 2003, p.
72). Com tamanha aceitação e apropriação do público, as conquistas dos produtos de
informática cresceram à medida que as novas tecnologias se multiplicaram.
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É a união de dois protocolos, o Transmission Control Protocol e o Internet Protocol, onde funcionava a
camada de controle de transmissão e a camada de interconexão (identificação de usuário).
Em 1995, foi realizada a abertura da Internet comercial, ainda orientada pela
RNP, que mudou seu papel, estendendo todos os seus serviços à sociedade. Nesse
mesmo ano, foi criado o Centro de Informações Internet/BR, que viria a dar suporte
para fundações de provedores de Internet e a todos usuários, com mais de três mil
perguntas respondidas no primeiro ano. Essa foi a porta de entrada para grandes marcas
internacionais de computadores, como Compaq, Equitel, IBM e Philips, que passaram a
apoiar a RNP, fornecendo equipamentos, softwares e até financiando atividades do
projeto6.
A partir daí, a Internet progrediria para tornar rapidamente “o sinal mais material
e visível da globalização” (MANOVICH, 2001, p. 32, tradução nossa).
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Disponível em: <http://www.rnp.br/rnp/historico.html>. Acesso em: 21 de mar. 2013.
Internet deixou de ser um fenômeno restrito e passou a ser massificado, atravessando o
cotidiano de seus usuários pelo uso comum de múltiplos dispositivos. A comunicação
mediada pelo computador e por essas outras plataformas digitais modificou, assim, as
próprias formas de organização, conversação e mobilização sociais. A Internet, que já
abrigava as expressões culturais, passou a ocupar um lugar central em todos os aspectos
da vida social, complexificando as diversas formas de relações sociais.
2.1 Origens
A metáfora da rede foi adotada por diversos ramos das ciências sociais
aplicadas, através de estudos empíricos que visavam perceber os grupos de indivíduos
conectados como rede social, onde os nós são as pessoas (atores) e as conexões são os
laços sociais formados através da interação entre elas. A partir do teorema dos grafos,
essas pesquisas buscavam extrair propriedades estruturais e funcionais da observação.
Tais estudos estão em crescimento em muitas áreas, desde o final da década de 90 e
início dos anos 2000, podendo ser aplicados também para o estudo dos agrupamentos e
relacionamentos sociais no ciberespaço (RECUERO, 2009).
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Tipo de site em que um ou mais usuários publica conteúdo pessoal, informativo, opinativo etc.
Normalmente estruturado por pequenos textos com ordem cronológica inversa, com comentários
(RECUERO, 2009).
À medida que a Internet foi se tornando mais facilmente programável pelo
usuário comum, seu uso foi se diversificando e se expandindo. Novos ambientes de
expressão foram criados, permitindo a rápida produção e distribuição de conteúdos
multimidiáticos e se popularizando de maneira veloz. Nesses espaços, usuários
passaram a expressar sua individualidade, através da exposição de suas opiniões e
gostos pessoais, saindo da posição passiva imposta pelas mídias tradicionais. A
estrutura de rede se tornou cada vez mais popular, de maneira que diversos sites
surgiram fundamentados nas conexões e laços sociais entre os atores que o utilizam.
Em 2002, o Friendster8, primeiro site a receber o status de “rede social online”,
foi lançado ao público, chegando a três milhões de usuários em apenas três meses. Sua
arquitetura se aproxima dos sites de namoro online, apesar desse não ser o foco do
serviço, que busca conectar amigos através da criação de perfis pessoais. Um ano
depois, foram lançados o MySpace 9, que se tornou grande favorito nos Estados Unidos,
e o LinkedIn, que tem ênfase na construção e manutenção de laços sociais profissionais.
A popularização massiva desse tipo de ambiente virtual voltado para a produção
de conteúdo pessoal e baseado na formação de redes sociais se deu em 2004, com a
criação dos sites Orkut10, Flickr 11, Digg12 e Facebook13, restrito, à época, a membros da
faculdade de Harvard. Um ano depois, foi lançado o YouTube14. Em 2006, o Facebook
liberou seu acesso para o público geral. Este também foi o ano do lançamento do
Twitter, plataforma de micro-blogging (THE BRIEF, 2013, informação eletrônica).
Os hábitos de uso dessas redes no cotidiano dos usuários mudou ao longo dos
anos. No Brasil, por exemplo, o Orkut foi favorito dos internautas até 2011, quando o
Facebook tomou seu título e alcançou a marca de rede social digital mais utilizada do
país, segundo o instituto de pesquisa comScore (FACEBOOK BLASTS, 2013). Nos
Estados Unidos, o site de Mark Zuckerberg desbancou o líder MySpace mais cedo, em
2008. O fato de o Facebook ser o site de rede social mais utilizado hoje, com mais de
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Site de redes sociais focado na construção e manutenção de amizades no ambiente virtual, em que
usuários podiam criar um perfil pessoal e estabelecer vínculos com outras pessoas.
9
O MySpace é um site de redes sociais similar ao Friendster, que permite que usuários interajam entre si
através da construção de perfis, blogs e grupos, publicação de fotos, músicas e vídeos.
10
Criado por Orkut Buyukkokten e posteriormente adquirido e lançado pelo Google. Combina diversas
características de sites anteriores - criação de perfis focados no interesse, criação de comunidades etc.
11
Sistema de compartilhamento de imagens e fotografias.
12
Sistema de curadoria e compartilhamento de notícias, de acordo com a escolha e o interesse do usuário.
13
Criado por Mark Zuckerberg, inicialmente focado na criação de perfis pessoais, mas depois
expandindo para páginas institucionais, grupos e aplicativos.
14
Site de publicação de vídeos em que usuários podem criar canais próprios e “assinar” canais de outras
pessoas.
um bilhão de perfis cadastrados, não significa que os outros desapareceram: mesmo em
2012, o Classmates.com, por exemplo, ainda abrigava cerca de 540 milhões de contas
ativas (GOBLE, 2012).
Sites e sistemas de redes sociais online que souberam acompanhar e se adaptar
às tendências de novas tecnologias foram favorecidos, o que pode justificar o sucesso,
ao menos momentâneo, do Facebook, que costuma ajustar seus serviços de acordo com
o comportamento de seus usuários, evitando a evasão. O hábito de internautas com
relação à publicação de fotografias, por exemplo, mudou radicalmente, principalmente
com o incremento da mobilidade favorecida pelos serviços de telefonia celular e o
aparecimento dos tablets. Um exemplo é o Instagram, aplicativo de rede social digital
para compartilhamento e tratamento digital instantâneo de fotografias capturadas com o
uso de aparelhos móveis, que atingiu a marca de 80 milhões de usuários em um ano e
dez meses, enquanto o Facebook e o Twitter levaram mais que o dobro do tempo para o
mesmo (GALO, 2012).
Essa maior velocidade de crescimento dos sites de redes sociais também é
justificada por outro fator. É que a população conectada do mundo continua em
expansão, impulsionada pela queda nos preços de serviços de telefone e de Internet
banda larga. De acordo com relatório da União Internacional de Telecomunicações
(UIT), divulgado em 2012, os preços dos serviços de telecomunicações caíram 30%
entre 2008 e 2011. No início de 2012, o número mundial de internautas ultrapassou a
faixa dos 2,3 bilhões, o que representa mais de dois terços da população mundial (ITU,
2012).
Já o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2013, publicado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que, entre cerca de 60
países em desenvolvimento, a penetração da Internet cresceu mais de 30% em apenas
um ano. O crescimento exponencial da utilização da Internet no Sul foi o mais notório
nas últimas décadas – o número de usuários ultrapassou a casa dos 1,5 milhões em
2011.
Ainda segundo o relatório do PNUD, o Brasil está acima dessa média, com
40,7% de crescimento na adoção de novas tecnologias. De acordo com pesquisa do
IBOPE Media 15 , no último trimestre de 2012 os brasileiros conectados à Internet 16
passaram a somar 94,2 milhões.
O país também é mundialmente conhecido por ser um dos que assiduamente
utiliza sites de redes sociais. Em 2012, essa categoria capturou a maior porcentagem de
tempo gasto dos consumidores brasileiros, com 36%. Desse volume, 92,8% foi
dedicado ao Facebook (COMSCORE, 2013), que tem no Brasil o seu segundo maior
mercado (PNUD, 2013).
Considerações finais
Referências
ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena enciclopédia de moral e civismo. 1. ed. Rio de
Janeiro: FENAME, 1967. 511 p.
15
ACESSO À Internet no Brasil atinge 94,2 milhões de pessoas. Ibope. 17 dez. 2012. Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/acesso-a-Internet-no-brasil-atinge-94-milhoes-de-
pessoas.aspx>. Acesso em: 22 de mar. 2013.
16
O número considera as pessoas de 16 anos ou mais com acesso em qualquer ambiente, mais as crianças
e adolescentes de dois a 15 anos de idade que têm acesso em domicílios.
BRESSAN, Renato Teixeira. Dilemas da rede: Web 2.0, conceitos, tecnologias e
modificações. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO, 30, 2007, Santos. Anais... Santos, 2007.
BUSH, Vannevar. As we may think. The Atlantic, jul. 1945. Disponível em:
<http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1945/07/as-we-may-think/303881/>.
Acesso em: 18 de mar. 2013.
COMSCORE. 2013 Brazil Digital Future in Focus. 14 mar. 2013. Disponível em: <
http://www.comscore.com/layout/set/popup/Request/Presentations/2013/2013_Brazil_D
igital_Future_in_Focus_PDF_Video_Request_English?req=presentation&pre=2013+Br
azil+Digital+Future+in+Focus>. Acesso em: 25 mar. 2013.
GOBLE, Gordon. The History of Social Media. Digital Trends, 6 de set. 2012.
Disponível em: <http://www.digitaltrends.com/features/the-history-of-social-
networking/>. Acesso em: 20 de mar. 2013.
GALO, Bruno. Instagram é rede social de crescimento mais rápido de todos os tempos.
Isto É Dinheiro, 26 jul. 2012. Disponível em:
<http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/91180_INSTAGRAM+E+REDE+SOCIAL+
DE+CRESCIMENTO+MAIS+RAPIDO+DE+TODOS+OS+TEMPOS>. Acesso em: 21
mar. 2013.
MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Massachusetts: MIT Press, 2001.