Você está na página 1de 15

Sociabilidades virtuais: do nascimento da Internet à popularização

dos sites de redes sociais online1

CALAZANS, Janaina de Holanda Costa (doutora) 2


Faculdade Boa Viagem/Pernambuco
LIMA, Cecília Almeida Rodrigues (mestre)3
Faculdade Boa Viagem/Pernambuco

Resumo: O presente artigo busca recuperar e discutir conceitos como “comunidade virtual” e “rede social
online”, inseridos no contexto acadêmico a partir de um processo histórico de transformações sociais
contínuas decorrentes, principalmente, do advento da Internet. Tem o objetivo de construir uma memória
desses conceitos e do percurso atravessado pela rede até o surgimento das chamadas mídias e redes
sociais digitais, que estabelecem novas formas de conversação, produção e partilha de conteúdo, estando
hoje plenamente integradas ao dia a dia de seus usuários e modificando a maneira com que a sociedade se
organiza. O percurso histórico traçado ajuda ainda a perceber de que forma essa nova forma de
organização social, mediada por essas ferramentas virtuais, impactam o comportamento humano e suas
formas de lidar com as configurações espaço-temporais que passam a ser suprimidas para dar lugar a
conexões outras que não levam mais em conta impedimentos geográficos, mas apenas tecnológicos, para
se fazerem possíveis.

Palavras-chave:Internet; Redes Sociais; Virtual; Comunidade; História.

1 Internet: Da tecnologia à forma cultural

Em 1934, o cientista e acadêmico belga Paul Marie Gislain Otlet, pioneiro da


gestão de informação, concebia uma ideia antecipatória de uma grande rede do
conhecimento humano, baseada em documentos. À época, o autor já afirmava que seria
criada uma tecnologia capaz de combinar uma multiplicidade de mídias – como o rádio,
cinema e microfilme – em que todos poderiam ser capazes de ler o texto, de maneira
personalizada, projetado numa tela individual. Este seria o caminho da documentação e

1
Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Digital, integrante do 9º Encontro Nacional de
História da Mídia, 2013.
2
Doutora em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco e professora titular do curso
de Comunicação Social da Faculdade Boa Viagem e da Universidade Católica de Pernambuco,
jcalazans@fbv.edu.br.
3
Mestre em Comunicação Social pela Universidade Federal de Pernambuco e professora titular do curso
de Comunicação Social da Faculdade Boa Viagem, cecilia.almeidarl@gmail.com.
da memória: “Todas as coisas do universo e todas as do homem serão registradas à
distância, à medida que são produzidas” (OTLET, 1935, p. 391, tradução nossa).

Onze anos depois, quando o computador moderno ainda dava seus primeiros
sinais de vida, Vanevar Bush (1945) publicou ideias semelhantes. Ele chamou de
“Memex” um dispositivo em que o indivíduo poderia guardar todos os seus livros,
registros e comunicações, podendo consultá-los com velocidade e flexibilidade,
inclusive remotamente. Além de prever a forma física desse aparelho, que possuiria tela
translúcida e um teclado, Bush também introduz conceitos de indexação e associação de
dados, sugerindo uma estrutura navegável através de links, que tornariam o acesso ao
material desejado mais ágil.

Ambos os autores anteviam, à sua maneira, mais do que a chegada do


computador – eles também preconizavam a criação de uma rede de comunicações. A
Internet como conhecemos hoje teve seu conceito descrito em 1962, na forma de
memorandos, por J.C.R. Licklider, do MIT. Ele discutia o conceito de “Rede Galáxica”,
na qual imaginava vários computadores interligados através de uma rede global, cujos
arquivos e dados poderiam ser acessados por todos, em qualquer lugar do mundo.

Diante de todas as pesquisas feitas em torno da teoria das comunicações,


Leonard Kleinrock, do MIT, convenceu Roberts Merrill de que as informações
poderiam ser transportadas através de pacotes em vez de circuitos. Em 1965, Roberts e
Thomas Merrill conectaram um computador em Massachussets com um outro que se
localizava na Califórnia, através de uma linha discada, criando a primeira rede de
computadores do mundo. Comprovaram, assim, que os computadores poderiam
trabalhar juntos rodando programas e recuperando dados a partir de máquinas remotas,
porém identificaram que o circuito da telefonia era totalmente inadequado para o feito.
Com isso, foi confirmada a teoria de transferência de pacotes de Kleinrock 4.

Por volta dessa época, foi lançado o projeto de elite da Defense Advanced
Research Projects Agency (Darpa), o Advanced Research Projects Agency (ARPAnet),
para o qual foram recrutados e selecionados cientistas de diversas áreas. Foi construído
e financiado pelo governo americano, em meio à guerra fria, tendo como base o

4
Leonard Kleinrock, do MIT, publicou o primeiro trabalho sobre a teoria de trocas de pacotes em julho
de 1961 e o primeiro livro sobre o assunto em 1964. Kleinrock convenceu Roberts da possibilidade
teórica das comunicações usando pacotes ao invés de circuitos, o que representou um grande passo para
tornar possíveis as redes de computadores.
Pentágono e com o objetivo de interligar as bases militares e os departamentos de
pesquisa do governo americano de maneira segura (LEÃO, 2001).

No início da década de 70, o governo americano liberou a ARPAnet para


universidades e instituições relacionadas à pesquisa, para que acessassem a rede. Em
poucos anos, seriam aproximadamente 100 sites online. No final dos anos 70, a rede
cresceu tanto que o protocolo utilizado já não lhe servia, provocando a criação do
protocolo TCP/IP 5 . No início dos anos 80, algumas centenas de computadores
integravam a ARPAnet. A partir daí, tornou-se uma rede mundial, em que as pessoas
podiam se conectar de qualquer lugar do mundo para buscar e trocar informações.

Em 1991, surgiu a WWW (World Wide Web), a partir da fusão de estudos sobre
Internet e hipermídia – meio que engloba recursos de hipertexto com multimídia,
permitindo ao usuário a navegação por diversas partes de um aplicativo, na ordem que
desejar (LEÃO, 2001).

A WWW, nascida em 1991, corresponde à parte da Internet construída


a partir de princípios do hipertexto. A Web baseia-se numa interface
gráfica e permite o acesso a dados diversos (textos, músicas, sons,
animações, filmes, etc.) através de um simples “clicar” no mouse
(LEÃO, 2001, p. 23).

À medida que seu uso foi se tornando aberto ao público comum, a popularidade
da Internet foi crescendo exponencialmente. “Em 1990, poucos utilizavam a Internet;
em 1999, 38% das casas norteamericanas estavam conectadas” (GOSCIOLA, 2003, p.
72). Com tamanha aceitação e apropriação do público, as conquistas dos produtos de
informática cresceram à medida que as novas tecnologias se multiplicaram.

No Brasil, o início da rede se deu pela criação da RNP (Rede Nacional de


Pesquisa), em setembro de 1989, com o objetivo de construir um ambiente de Internet
nacional no ambiente acadêmico. Criada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia
(MCT), a RNP dedicou-se a diversas tarefas, como disseminar o uso da rede em todo o
país, divulgar e conscientizar os serviços que a Internet disponibilizava para ser usadas
na rede acadêmica através de seminários, feiras e treinamentos, se tornando referência
em aplicações de tecnologias referentes à Internet no país.

5
É a união de dois protocolos, o Transmission Control Protocol e o Internet Protocol, onde funcionava a
camada de controle de transmissão e a camada de interconexão (identificação de usuário).
Em 1995, foi realizada a abertura da Internet comercial, ainda orientada pela
RNP, que mudou seu papel, estendendo todos os seus serviços à sociedade. Nesse
mesmo ano, foi criado o Centro de Informações Internet/BR, que viria a dar suporte
para fundações de provedores de Internet e a todos usuários, com mais de três mil
perguntas respondidas no primeiro ano. Essa foi a porta de entrada para grandes marcas
internacionais de computadores, como Compaq, Equitel, IBM e Philips, que passaram a
apoiar a RNP, fornecendo equipamentos, softwares e até financiando atividades do
projeto6.

A partir daí, a Internet progrediria para tornar rapidamente “o sinal mais material
e visível da globalização” (MANOVICH, 2001, p. 32, tradução nossa).

No início da Web, em 1995, 44 milhões de pessoas utilizavam a


Internet. Em 1998, contava com 142 milhões de usuários. Ao final de
1999, entre mais de 6 bilhões de habitantes, os usuários de Internet
somavam 259 milhões, concentrados principalmente nos Estados
Unidos com 110,8 milhões, no Japão com 18,2 milhões, no Reino
Unido com 14 milhões, no Canadá com 13,3 milhões, na Alemanha
com 12,3 milhões; no Brasil com 6,8 milhões; na China com 6,3
milhões; e na Coréia do Sul com 5,7 milhões – todos conhecedores de
como se comunicar em ambientes hipermidiáticos (GOSCIOLA,
2003, p. 76-77).

O computador logo deixou de ser uma tecnologia isolada (uma calculadora, um


processador de símbolos, um manipulador de imagem etc), para se tornar uma espécie
de filtro para todas as formas culturais, mediando todos os tipos de produção.

No início da década, o computador ainda era amplamente pensado


como uma simulação de uma máquina de escrever, um pincel ou uma
régua - em outras palavras, uma ferramenta utilizada para produzir
conteúdo cultural que, uma vez criado, será guardado e distribuído em
suas mídias apropriadas: página impressa, filme, impressão
fotográfica, gravação eletrônica. Ao final da década, como o uso da
Internet se tornou lugar comum, a imagem pública do computador não
era mais de ferramenta, mas também de uma máquina universal de
mídia, utilizada não apenas para autorar, mas também para guardar,
distribuir e acessar todo o tipo de mídia (MANOVICH, 2001, p. 80,
tradução nossa).

A associação da Internet com outras tecnologias, fossem elas ‘novas’ ou


‘tradicionais’ – telefone celular, televisão, consoles de videogame, tablets e assim por
diante –, descentralizou esse processo da figura exclusiva do computador. O uso da

6
Disponível em: <http://www.rnp.br/rnp/historico.html>. Acesso em: 21 de mar. 2013.
Internet deixou de ser um fenômeno restrito e passou a ser massificado, atravessando o
cotidiano de seus usuários pelo uso comum de múltiplos dispositivos. A comunicação
mediada pelo computador e por essas outras plataformas digitais modificou, assim, as
próprias formas de organização, conversação e mobilização sociais. A Internet, que já
abrigava as expressões culturais, passou a ocupar um lugar central em todos os aspectos
da vida social, complexificando as diversas formas de relações sociais.

Na tentativa de acompanhar, denominar e compreender esse processo de


transformações contínuas, termos como “aldeia global”, “comunidades virtuais”,
“sociedade em rede”, “cibercultura” e “cultura da convergência” foram criados e
propagados pela comunidade acadêmica e apropriados pela sociedade em geral. Tais
expressões reconhecem e buscam dar significado às mudanças sociais irrevogáveis
proporcionadas pela tal revolução digital.

As próximas seções buscam recuperar e discutir alguns desses conceitos, com o


objetivo de construir uma memória do percurso histórico atravessado pela Internet e
pela sociedade até o surgimento das chamadas mídias e redes sociais digitais, que
estabelecem novas formas de conversação, produção e partilha de conteúdo.

2. Vida social: comunidades e redes

2.1 Origens

A necessidade de descrever verbalmente as relações sociais provocou certa


confusão e muitos debates teóricos na sociologia. Para Wirth (in FERNANDES, 1973),
para distinguir “grupos sociais”, “comunidade” e “sociedade”, é necessário estudar os
diversos significados atribuídos por sociólogos ao longo da história, destacando que o
primeiro tem o sentido mais amplo e é referente a qualquer agregação de homens que
possam ser considerados da mesma classe. Esses termos têm pouca diferença de
significado, tornando-se diferentes apenas quanto à ênfase dada por cada estudioso.
A palavra “comunidade”, em sua diversidade de significados, pode-se confundir
com “sociedade”, “cidade” ou “vizinhança”, sendo muitas vezes utilizada para
descrever categorias sociais dentro de um grupo – como “comunidade católica” ou
“comunidade negra” (FICHTER in FERNANDES, 1973, p. 154). Para Fichter,
comunidade é um setor organizado da sociedade, não precisamente uma sociedade.
Para que uma comunidade exista, é necessário que possua algumas
características que permitam sua sobrevivência. Segundo Ávila (1975), são elas:
contiguidade espacial, interesses comuns e participação comum, havendo coesão interna
da comunidade. Para MacIver e Page (in FERNANDES, 1973), as bases da comunidade
são localidade – ocupando sempre certa área territorial – e sentimento de comunidade –
existindo coesão social.
Historicamente, a noção de comunidade serviu para expressar a unidade da vida
em comum de um povo da espécie humana; porém, é possível perceber que esse
conceito sofreu grandes transformações (WIRTH in FERNANDES, 1973, p. 86). As
mudanças que ocorreram na organização social dos homens não são determinadas
apenas pelos instintos e competições, mas também pelo costume, tradição e opinião
pública (PARK; BURGESS in FERNANDES, 1973). Segundo Freyer, pode-se
caracterizar comunidade em seu real sentido:

Esta época acha-se caracterizada negativamente pelo fato de que não


há dominação alguma no seio do grupo em convivência; quer dizer
que, por múltipla e vária que seja a forma em que o grupo se articula,
não há nele, entretanto, nenhum grupo parcial, cuja relação com os
demais grupos parciais seja uma relação de dominação. No sentido
positivo isto quer dizer que, em princípio, o patrimônio cultural em
questão, tanto material como espiritual, existe intacto e total como
propriedade em cada um dos diversos membros do grupo (FREYER in
FERNANDES, 1973, p. 132).

MacIver e Page (in FERNANDES, 1973) afirmam que uma comunidade


inteiramente autossuficiente pertence ao mundo primitivo e que a civilização moderna
desencadeia forças que rompem o isolamento das grandes ou pequenas comunidades.
Forças estas que são, em parte, tecnológicas, como o aperfeiçoamento dos meios de
comunicação e de transporte. E, como Wirth (in FERNANDES, 1973) previu, os
homens tiveram capacidade de agir coletivamente e a civilização tecnológica trouxe
novas bases para a integração social.
O estudo de organizações da sociedade enquanto “redes sociais” tem sua origem
na matemática, com a teoria dos grafos, concebida por Euler em 1736 (RECUERO,
2009). O matemático propôs um teorema a partir da representação gráfica das sete
pontes da cidade de Königsberg que conectavam cada uma de suas quatro partes
terrestres. Um grafo é, portanto, a representação de uma rede, sendo ele constituído de
nós e arestas que conectam esses nós.
Essa representação de rede pode ser utilizada como metáfora para
diversos sistemas. Um conglomerado de rotas de voo e seus
respectivos aeroportos, por exemplo, pode ser representado como um
grafo. Um conjunto de órgãos e suas interações também pode ser
representado da mesma forma. Por fim, indivíduos e suas interações
também podem ser observados através de uma rede ou grafo
(RECUERO, 2009, p. 20).

A metáfora da rede foi adotada por diversos ramos das ciências sociais
aplicadas, através de estudos empíricos que visavam perceber os grupos de indivíduos
conectados como rede social, onde os nós são as pessoas (atores) e as conexões são os
laços sociais formados através da interação entre elas. A partir do teorema dos grafos,
essas pesquisas buscavam extrair propriedades estruturais e funcionais da observação.
Tais estudos estão em crescimento em muitas áreas, desde o final da década de 90 e
início dos anos 2000, podendo ser aplicados também para o estudo dos agrupamentos e
relacionamentos sociais no ciberespaço (RECUERO, 2009).

2.2 Relações virtuais

É possível encontrar exemplos de relações interpessoais semelhantes aos


conceitos definidos por “comunidade” citados no tópico anterior; porém, com o advento
da Internet, a localidade espacial se tornou virtual. “O início da aldeia global é também
o início da desterritorialização dos laços sociais” (RECUERO, 2009, p. 135). A área
territorial de contato é o ciberespaço, uma rede de computadores que cria um ambiente
virtual (LEMOS, 1996). Para o crítico e escritor Howard Rheingold (1996), nesse local
se manifestam palavras, relações humanas, dados, riqueza e poder aos utilizadores da
comunicação através da tecnologia.

O ciberespaço encoraja um estilo de relacionamento quase


independente dos lugares geográficos e da coincidência dos tempos.
Não chega a ser uma novidade absoluta, uma vez que o telefone já nos
habituou a uma comunicação interativa. Com o correio (ou a escrita
em geral), chegamos a ter uma tradição bastante antiga de
comunicação recíproca, assíncrona e a distância. Contudo, apenas as
particularidades técnicas do ciberespaço permitem que os membros de
um grupo humano (que podem ser tantos quantos se quiser) se
coordenem, cooperem, alimentem e consultem uma memória comum,
e isto quase em tempo real, apesar da distribuição geográfica e da
diferença de horários (LÉVY, 1999, p. 49).
Segundo Flichy (2001, p. 115), as comunidades virtuais reúnem indivíduos dos
quatro cantos do planeta que desenvolvem conversações muito ricas intelectual e
emocionalmente, assim como na vida real. Para Rheingold (1998, p. 120-121),
comunidade virtual é, como qualquer outra comunidade, um conjunto de pessoas que
aderem a certos contratos sociais e que compartilham certos interesses. Dessa forma, a
aproximação dos participantes de comunidades virtuais seria através de proximidade
intelectual e emocional ao invés de física e espacial.
O autor defende que essas teias de relações pessoais no ciberespaço possibilitam
o surgimento e o crescimento de encontros virtuais, tendo em vista a diminuição das
possibilidades de encontros reais nas cidades. Nas comunidades virtuais, “podemos
conhecer uma pessoa e decidir posteriormente encontrar-se com ela pessoalmente”
(RHEINGOLD, 1996, p. 44), diferentemente das relações em comunidades tradicionais.
O próprio Howard Rheingold define comunidades virtuais como:

[...] agregados sociais surgidos na Rede, quando os intervenientes de


um debate o levam por diante em número e sentimento suficientes
para formarem teias de relações pessoais no ciberespaço
(RHEINGOLD, 1996, p.18).

Segundo Manssour e Bellini (2005), o termo comunidades virtuais também pode


ser substituído por Internet-mediated communities (IMCs) – grupos de pessoas com
interesses em comum, utilizando a mesma classe de tecnologia para a troca de
informação com outras pessoas. Para Murray Turoff (in RHEINGOLD, 1996), “a
conferência por computador pode fornecer aos grupos humanos uma forma de
exercitarem a capacidade de inteligência coletiva” (p. 145), pois o computador se torna
uma ferramenta bastante inovadora quando utilizado como instrumento potencializador
de inteligência por um grupo humano. Para Downing (2002), os computadores
“proporcionaram maior rapidez na disseminação, no intercâmbio e na análise de
informações, de um modo que nunca foi possível” (p. 270-271).
Downing (2002) entende que a Internet é o primeiro veículo capaz de oferecer
aos indivíduos de todo o mundo a chance de se comunicar com suas próprias vozes a
uma audiência de milhões de pessoas, tornando suas possibilidades técnicas ilimitadas.
A Internet não apareceu mais como um meio de produção de “poucos para muitos”
(como o jornal, rádio e televisão) e sim como um meio de “muitos para muitos”,
descentralizando o poder e possibilitando circular ideias (RHEINGOLD, 1998, pag. 12).
Em oposição conceitual a Rheingold e aos outros autores citados, Wellman
(apud RECUERO, 2009) considera que o termo “comunidade” já não daria mais conta
da sociabilidade e dos grupos sociais atuais, que estariam mais caracterizados como
“rede”, acreditando que o contexto de globalização proporcionou uma mudança
essencial na sociabilidade. Para o autor, o conceito clássico de comunidade estaria
relacionado a grupos de laços muito fortes e coesos, o que não seria aplicável aos
agrupamentos de hoje, mais largos e formados por laços menos fortes.
As comunidades começaram a mudar de grupos para redes bem antes
do advento da Internet. Inicialmente, as pessoas acreditavam que a
industrialização e a burocratização acabariam com os grupos
comunitários e deixariam os indivíduos alienados, isolados. Então, os
teóricos descobriram que as comunidades continuaram, mas com
conexões mais esparsas, e com maior dispersão espacial,
diferentemente de grupos densos, locais, semelhantes a vilarejos
(WELLMAN; BOASE; CHEN apud RECUERO, 2009, p. 141).

Tal estrutura produz um sistema de relações centrado no indivíduo e não no


grupo, característica nomeada por Wellman e Castells (apud RECUERO, 2009) de
“individualismo em rede”. Essa noção pode parecer contraditória, pois ainda estamos
falando de grupos de pessoas. Mas “o papel do indivíduo na construção de sua própria
rede social é preponderante. Na rede, o ator determina com quem irá interagir e com
quem irá construir laços sociais” (RECUERO, 2009, p. 142). O individualismo em rede
é, portanto, “um padrão social, não um acúmulo de indivíduos isolados. O que ocorre é
que indivíduos montam suas redes [...] com base em seus interesses, valores, afinidades
e projetos” (CASTELLS apud RECUERO, 2009, p. 142). Dessa forma, a rede tem
ênfase nos atores sociais, indivíduos com interesses e aspirações próprias, com papel
ativo na formação de suas conexões.

2.3 Na trilha das redes sociais digitais

Apesar da grande popularidade atual, os serviços baseados na sociabilização de


dados e criação de laços sociais online vêm sendo construídos desde que a Internet
começou a ser disponibilizada para o grande público. Segundo Gordon Goble (2012),
mo início da década de 70, seria lançado o CompuServe, sistema que permitia a troca de
arquivos e acesso a notícias. Em 1978, o Bulletin Board System (BBS) foi criado por
dois cientistas em Chicago, com a função de alertar amigos sobre reuniões, fazer
anúncios e compartilhar informações, podendo ser considerado como uma rudimentar
comunidade virtual. Em 1985, a recém inaugurada America Online (AOL) passou a
fornecer ferramentas para que usuários criassem perfis virtuais, nos quais poderiam se
descrever ou criar comunidades para discussão de variados assuntos (GOBLE, 2012).
Ao longo de sua história, as empresas virtuais enfatizaram uma das principais
características da hipermídia: a interação. Em 1995, nasceria o site de rede social que
talvez mais se aproxime do modelo que podemos observar nos dias de hoje. O
Classmates.com dava aos usuários a possibilidade de reencontrar antigos colegas de
escola, se tornando um sucesso quase instantâneo. Em 1997, o gênero blog7 começou a
ganhar popularidade e a AOL disponibilizou uma ferramenta de troca instantânea de
mensagens para seus usuários.
Após o estouro da “bolha pontocom”, em 2001, quando muitas empresas virtuais
quebraram e algumas mais tradicionais se fixaram no mercado, o modelo de negócios de
muitos empreendedores teve que ser revisto, favorecendo o caminho para uma espécie
de “segunda geração de serviços e aplicativos da rede e a recursos, tecnologias e
conceitos que permitem um maior grau de interatividade e colaboração na utilização da
Internet” (BRESSAN, 2007, grifo do autor). Alguns autores nomeiam essa fase de Web
2.0.
Dessa forma, o modelo de negócios de empresas virtuais que superaram o
estouro foi cada vez mais marcado por conceitos como: web como plataforma; controle
de dados pelos usuários; arquitetura participativa; flexibilidade de dados, inclusive das
fontes; incentivo à inteligência coletiva (BRESSAN, 2007). Nessa altura, em 2001, a
Wikipedia, enciclopédia virtual colaborativa, seria criada, se tornando um dos melhores
representante desse novo modelo.
A partir daí, usuários comuns, que não possuem tanto conhecimento formal ou
técnico, fossem capazes de publicar conteúdo na Internet, sendo possível participar mais
e organizar as informações, assim como comentar e avaliar conteúdos. Esse processo
representou uma mudança no papel do usuário online, que passou de espectador e
consumidor para criador ou recriador de informação. A nova estrutura tornou capaz a
exposição de qualquer o conteúdo em um só site, como músicas e vídeos, além de
modificações no design e no funcionamento por parte dos próprios usuários, tornando as
páginas mais pessoais de acordo seu interesse.

7
Tipo de site em que um ou mais usuários publica conteúdo pessoal, informativo, opinativo etc.
Normalmente estruturado por pequenos textos com ordem cronológica inversa, com comentários
(RECUERO, 2009).
À medida que a Internet foi se tornando mais facilmente programável pelo
usuário comum, seu uso foi se diversificando e se expandindo. Novos ambientes de
expressão foram criados, permitindo a rápida produção e distribuição de conteúdos
multimidiáticos e se popularizando de maneira veloz. Nesses espaços, usuários
passaram a expressar sua individualidade, através da exposição de suas opiniões e
gostos pessoais, saindo da posição passiva imposta pelas mídias tradicionais. A
estrutura de rede se tornou cada vez mais popular, de maneira que diversos sites
surgiram fundamentados nas conexões e laços sociais entre os atores que o utilizam.
Em 2002, o Friendster8, primeiro site a receber o status de “rede social online”,
foi lançado ao público, chegando a três milhões de usuários em apenas três meses. Sua
arquitetura se aproxima dos sites de namoro online, apesar desse não ser o foco do
serviço, que busca conectar amigos através da criação de perfis pessoais. Um ano
depois, foram lançados o MySpace 9, que se tornou grande favorito nos Estados Unidos,
e o LinkedIn, que tem ênfase na construção e manutenção de laços sociais profissionais.
A popularização massiva desse tipo de ambiente virtual voltado para a produção
de conteúdo pessoal e baseado na formação de redes sociais se deu em 2004, com a
criação dos sites Orkut10, Flickr 11, Digg12 e Facebook13, restrito, à época, a membros da
faculdade de Harvard. Um ano depois, foi lançado o YouTube14. Em 2006, o Facebook
liberou seu acesso para o público geral. Este também foi o ano do lançamento do
Twitter, plataforma de micro-blogging (THE BRIEF, 2013, informação eletrônica).
Os hábitos de uso dessas redes no cotidiano dos usuários mudou ao longo dos
anos. No Brasil, por exemplo, o Orkut foi favorito dos internautas até 2011, quando o
Facebook tomou seu título e alcançou a marca de rede social digital mais utilizada do
país, segundo o instituto de pesquisa comScore (FACEBOOK BLASTS, 2013). Nos
Estados Unidos, o site de Mark Zuckerberg desbancou o líder MySpace mais cedo, em
2008. O fato de o Facebook ser o site de rede social mais utilizado hoje, com mais de
8
Site de redes sociais focado na construção e manutenção de amizades no ambiente virtual, em que
usuários podiam criar um perfil pessoal e estabelecer vínculos com outras pessoas.
9
O MySpace é um site de redes sociais similar ao Friendster, que permite que usuários interajam entre si
através da construção de perfis, blogs e grupos, publicação de fotos, músicas e vídeos.
10
Criado por Orkut Buyukkokten e posteriormente adquirido e lançado pelo Google. Combina diversas
características de sites anteriores - criação de perfis focados no interesse, criação de comunidades etc.
11
Sistema de compartilhamento de imagens e fotografias.
12
Sistema de curadoria e compartilhamento de notícias, de acordo com a escolha e o interesse do usuário.
13
Criado por Mark Zuckerberg, inicialmente focado na criação de perfis pessoais, mas depois
expandindo para páginas institucionais, grupos e aplicativos.
14
Site de publicação de vídeos em que usuários podem criar canais próprios e “assinar” canais de outras
pessoas.
um bilhão de perfis cadastrados, não significa que os outros desapareceram: mesmo em
2012, o Classmates.com, por exemplo, ainda abrigava cerca de 540 milhões de contas
ativas (GOBLE, 2012).
Sites e sistemas de redes sociais online que souberam acompanhar e se adaptar
às tendências de novas tecnologias foram favorecidos, o que pode justificar o sucesso,
ao menos momentâneo, do Facebook, que costuma ajustar seus serviços de acordo com
o comportamento de seus usuários, evitando a evasão. O hábito de internautas com
relação à publicação de fotografias, por exemplo, mudou radicalmente, principalmente
com o incremento da mobilidade favorecida pelos serviços de telefonia celular e o
aparecimento dos tablets. Um exemplo é o Instagram, aplicativo de rede social digital
para compartilhamento e tratamento digital instantâneo de fotografias capturadas com o
uso de aparelhos móveis, que atingiu a marca de 80 milhões de usuários em um ano e
dez meses, enquanto o Facebook e o Twitter levaram mais que o dobro do tempo para o
mesmo (GALO, 2012).
Essa maior velocidade de crescimento dos sites de redes sociais também é
justificada por outro fator. É que a população conectada do mundo continua em
expansão, impulsionada pela queda nos preços de serviços de telefone e de Internet
banda larga. De acordo com relatório da União Internacional de Telecomunicações
(UIT), divulgado em 2012, os preços dos serviços de telecomunicações caíram 30%
entre 2008 e 2011. No início de 2012, o número mundial de internautas ultrapassou a
faixa dos 2,3 bilhões, o que representa mais de dois terços da população mundial (ITU,
2012).
Já o Relatório do Desenvolvimento Humano de 2013, publicado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelou que, entre cerca de 60
países em desenvolvimento, a penetração da Internet cresceu mais de 30% em apenas
um ano. O crescimento exponencial da utilização da Internet no Sul foi o mais notório
nas últimas décadas – o número de usuários ultrapassou a casa dos 1,5 milhões em
2011.
Ainda segundo o relatório do PNUD, o Brasil está acima dessa média, com
40,7% de crescimento na adoção de novas tecnologias. De acordo com pesquisa do
IBOPE Media 15 , no último trimestre de 2012 os brasileiros conectados à Internet 16
passaram a somar 94,2 milhões.
O país também é mundialmente conhecido por ser um dos que assiduamente
utiliza sites de redes sociais. Em 2012, essa categoria capturou a maior porcentagem de
tempo gasto dos consumidores brasileiros, com 36%. Desse volume, 92,8% foi
dedicado ao Facebook (COMSCORE, 2013), que tem no Brasil o seu segundo maior
mercado (PNUD, 2013).

Considerações finais

As diversas maneiras que o ser humano encontra de sociabilizar e se relacionar


com outros indivíduos passam por um momento de transformação. A Internet e as redes
sociais online continuam em crescimento, cada vez mais acelerado, integrando-se ao
cotidiano de seus usuários como formas culturais e social.
A história da rede permite identificar que essa é uma tendência que ainda não se
estabilizou, apontando para um crescimento sistemático e sem limites. A plataforma na
qual a Internet tem sua origem facilita ainda essa ampliação, pois permite a
convergência de um sem número de mídias nela mesma. As redes sociais digitais, por
sua vez, vêm incorporando as diversas possibilidades de junção midiática, levando à
audiência toda uma gama de informações reunida a partir das mais diferentes fontes.
Tudo em um só lugar, como Otlet e Bush anteciparam.
Esse contexto histórico mostra ainda como a sociedade vem modificando sua
forma de gerenciar conteúdos a partir do surgimento e desenvolvimento da Internet. Os
conteúdos disponíveis ampliaram-se, assim como a forma de hierarquizar as
informações e de armazená-las.

Referências

ÁVILA, Fernando Bastos de. Pequena enciclopédia de moral e civismo. 1. ed. Rio de
Janeiro: FENAME, 1967. 511 p.

15
ACESSO À Internet no Brasil atinge 94,2 milhões de pessoas. Ibope. 17 dez. 2012. Disponível em:
<http://www.ibope.com.br/pt-br/noticias/paginas/acesso-a-Internet-no-brasil-atinge-94-milhoes-de-
pessoas.aspx>. Acesso em: 22 de mar. 2013.
16
O número considera as pessoas de 16 anos ou mais com acesso em qualquer ambiente, mais as crianças
e adolescentes de dois a 15 anos de idade que têm acesso em domicílios.
BRESSAN, Renato Teixeira. Dilemas da rede: Web 2.0, conceitos, tecnologias e
modificações. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA
COMUNICAÇÃO, 30, 2007, Santos. Anais... Santos, 2007.

BUSH, Vannevar. As we may think. The Atlantic, jul. 1945. Disponível em:
<http://www.theatlantic.com/magazine/archive/1945/07/as-we-may-think/303881/>.
Acesso em: 18 de mar. 2013.

COMSCORE. 2013 Brazil Digital Future in Focus. 14 mar. 2013. Disponível em: <
http://www.comscore.com/layout/set/popup/Request/Presentations/2013/2013_Brazil_D
igital_Future_in_Focus_PDF_Video_Request_English?req=presentation&pre=2013+Br
azil+Digital+Future+in+Focus>. Acesso em: 25 mar. 2013.

DOWNING, John D. H. Mídia radical: Rebeldia nas comunicações e movimentos


sociais. 1. ed. São Paulo: Senac, 2002. 544 p.

FACEBOOK BLASTS into Top Position in Brazilian Social Networking Market.


comScore. 17 jan. 2013. Disponível em:
<http://www.comscore.com/Insights/Press_Releases/2012/1/Facebook_Blasts_into_Top
_Position_in_Brazilian_Social_Networking_Market>. Acesso em: 20 mar. 2013.

FERNANDES, Florestan. Comunidade e sociedade: Leituras sobre problemas


conceituais, metodológicos e de aplicação. 1. ed. São Paulo: Ed. Nacional, 1973.

GOBLE, Gordon. The History of Social Media. Digital Trends, 6 de set. 2012.
Disponível em: <http://www.digitaltrends.com/features/the-history-of-social-
networking/>. Acesso em: 20 de mar. 2013.

GALO, Bruno. Instagram é rede social de crescimento mais rápido de todos os tempos.
Isto É Dinheiro, 26 jul. 2012. Disponível em:
<http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/91180_INSTAGRAM+E+REDE+SOCIAL+
DE+CRESCIMENTO+MAIS+RAPIDO+DE+TODOS+OS+TEMPOS>. Acesso em: 21
mar. 2013.

GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias. Do cinema às mídias interativas.


São Paulo: Senac, 2003.

ITU. Measuring Information Society: Executive Summary. 2012. Disponível em:


<http://www.itu.int/dms_pub/itu-d/opb/ind/D-IND-ICTOI-2012-SUM-PDF-E.pdf>.
Acesso em: 20 mar. 2013.
LEÃO, Lucia. O labirinto da hipermídia: arquitetura e navegação no ciberespaço. 2.
ed. São Paulo: Iluminuras: FAPESP, 2001. 158 p.

LEMOS, André. As estruturas antropológicas do ciberespaço. Textos de Cultura e


Comunicação, Salvador, n. 35, p. 12-27, jul. 1996.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. 260 p.

MANOVICH, Lev. The Language of New Media. Massachusetts: MIT Press, 2001.

MANSSOUR, A. B., BELLINI, C. P. Understanding the success of an 115 Internet-


mediated community in Brazil. 6th Annual Global Information Technology
Management World Conference. Anchorage, AK, EUA: Global Information
Technology Management Association (GITMA), June 05-07, pp. 105-108, (2005)

OTLET, Paul. Monde: essai d’universalisme. Conaissance du monde, sentiment du


monde, action organisée et plan du monde. Bruxelas: Mundaneum, 1935. Disponível
em: <http://www.laetusinpraesens.org/uia/docs/otlet_contents.php>. Acesso em: 18 de
mar. 2013.

PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano. 2013. Disponível em:


<http://www.pnud.org.br/arquivos/rdh-2013.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2013.

RHEINGOLD, H. A Comunidade Virtual. Editora Gradiva, Lisboa, 1996. 377 p.

______________ A Slice of Life in My Virtual Community. In L. M. Harasim (Ed.),


Global Networks: Computers and International Communication (pp. 57-80).
Cambridge: MA: MIT Press, 1994.

______________. The Virtual Community: Homesteading on the Electronic


Frontier. HarperPerennial Paperback in USA, 1993.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. Porto Alegre: Sulina, 2009.

THE BRIEF History of Social Media. University of North Carolina at Pembroke.


Disponível em
<http://www.uncp.edu/home/acurtis/NewMedia/SocialMedia/SocialMediaHistory.html
>. Acesso em: 20 de mar. 2013.

Você também pode gostar